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Nuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa Maria

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índice NUNO DE SANTA MARIA ÁLVARES PEREIRA (1360-1431)Biografia oficial para a cerimónia de Canonização

HISTÓRIA DE UMA CANONIZAÇÃOLuis Filipe Santos

SIGNIFICADO PARA A ORDEM DO CARMO

MISSÃO DE VIDA

SÃO NUNO, UMA FIGURA GIGANTESCAentrevista ao Cardeal Saraiva Martins

O SANTO CONDESTÁVEL NÃO CONTESTÁVELAntónio Bagão Félix

UMA CAUSA DE PORTUGALInês Dentinho

O SÍMBOLO DE NUNO ÁLVARESGuilherme d’Oliveira Martins

ICONOGRAFIA DE SÃO NUNO DE SANTA MARIAD. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa

O PE. FORMIGÃO E O SANTO CONDESTÁVELA. Pinto Cardoso, Postulador da Causa de canonizaçãodo Pe. Manuel Nunes Formigão

EXEMPLO HERÓICO EM TEMPO DE CRISENota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesapor ocasião da canonização de Nuno Álvares Pereira

FREI NUNO DE SANTA MARIADiscurso de D. José Policarpo no Encerramentoda fase diocesana do Processo de Canonização.

REVESTIDO DA COURAÇA DA JUSTIÇA…Carta do Prior Geral da Ordem do Carmoa toda a Família Carmelita, Fernando Millán Romeral, O. Carm.Prior Geral dos Carmelitas da Antiga Observância

QUEM SÃO OS SANTOS DE PORTUGAL?

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Nuno de Santa MariaÁlvares Pereira(1360-1431)

Nuno Álvares Pereira nasceu em Portugal a 24 deJunho de 1360, muito provavelmente em Cernachedo Bonjardim, sendo filho ilegítimo de fr. Álvaro Gon-çalves Pereira, cavaleiro dos Hospita-lários de S. Joãode Jerusalém e Prior do Crato, e de D. Iria Gonçalvesdo Carvalhal. Cerca de um ano após o seu nascimen-to o menino foi legitimado por decreto real, podendoassim receber a educação cavalheiresca típica dosfilhos das famílias nobres do seu tempo. Aos trezeanos torna-se pajem da rainha D. Leonor, tendo sidobem recebido na Corte e acabando por ser poucodepois, cavaleiro. Aos dezasseis anos casa-se, porvontade de seu pai, com uma jovem e rica viúva, D.Leonor de Alvim. Da sua união nascem três filhos,dois do sexo masculino, que morrem em tenra idade,e uma do sexo feminino, Beatriz, a qual mais tardeviria a desposar o filho do rei D. João I, D. Afonso,primeiro duque de Bragança.Quando o rei D. Fernando I morreu a 22 de Outubrode 1383 sem ter deixado filhos varões, o seu irmão D.João, Mestre de Avis, viu-se envolvido na luta pelacoroa lusitana, que lhe era disputada pelo rei deCastela por ter desposado a filha do falecido rei.Nuno tomou o partido de D. João, o qual o nomeouCondestável, isto é, Comandante supremo do exérci-to. Nuno conduziu o exército português repetidasvezes à vitória, até se ter consagrado na batalha deAljubarrota (14 de Agosto de 1385), a qual acaba pordeterminar à resolução do conflito.

Os dotes militares de Nuno eram no entanto acom-panhados por uma espiritua-lidade sincera e profun-da. O amor pela eucaristia e pela Virgem Maria são atrave-mestra da sua vida interior. Assíduo à oraçãomariana, jejuava em honra da Virgem Maria às quar-tas-feiras, às sextas, aos sábados e nas vigílias dassuas festas. Assistia diariamente à missa, embora sópudesse receber a eucaristia por ocasião das maio-res solenidades. O estandarte que elegeu como in-sígnia pessoal traz as imagens do Crucificado, deMaria e dos cavaleiros S. Tiago e S. Jorge. Fez aindaconstruir às suas próprias custas numerosas igrejase mosteiros, entre os quais se contam o Carmo deLisboa e a Igreja de S. Maria da Vitória, na Batalha.Com a morte da esposa, em 1387, Nuno recusa con-trair novas núpcias, tornando-se um modelo de pu-reza de vida. Quando finalmente se alcançou a paz,distribui grande parte dos seus bens entre os seuscompanheiros, antigos combatentes, e acabou por

(Biografia oficial para a cerimóniade Canonização, em www.vatican.va)

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se desfazer totalmente daqueles em 1423, quandodecide entrar no convento carmelita por ele funda-do, tomando então o nome de frei Nuno de SantaMaria. Impelido pelo Amor, abandona as armas e opoder para revestir-se da armadura do Espírito reco-mendada pela Regra do Carmo: era a opção por umamudança radical de vida em que sela o percurso dafé autêntica que sempre o tinha norteado. Emborativesse preferido retirar-se para uma longínqua co-munidade de Portugal, o filho do rei, D. Duarte, de talo impediu. Mas ninguém pode proibir-lhe que se de-dicasse a pedir esmola em favor do convento e so-bretudo dos pobres, os quais continuou sempre aassistir e a servir. Em seu favor organiza a distribui-ção quotidiana de alimentos, nunca voltando as cos-tas a um pedido. O Condestável do rei de Portugal, oComandante supremo do exército e seu guia vitorio-so, o fundador e benfeitor da comunidade carmelita,ao entrar no convento recusa todos os privilégios eassume como própria a condição mais humilde, a defrade Donato, dedicando-se totalmente ao serviçodo Senhor, de Maria —a sua terna Padroeira quesempre venerou—, e dos pobres, nos quais reconhe-ce o rosto de Jesus.

Documentação BibliográficaDocumentação BibliográficaDocumentação BibliográficaDocumentação BibliográficaDocumentação Bibliográfica

A Bibliografia acerca de Nuno Álvares Pereira, contemplandoas suas principais facetas (Condestável, cidadão e carmelita),chega a quase um milhar de títulos: Crónicas, livros de História,artigos de jornais e revistas, biografias, hagiografias, etc.Aparece desde logo nas Crónicas oficiais de Fernão Lopes, so-bretudo na Crónica de D. João I.A Bibliografia específica considera-se ter início com a famosa“Crónica do Condestabre”, do século XV. Destaque para “Avida de Nun’Alvares” de Oliveira Martins, do séc. XIX, e para a“História da Igreja em Portugal”, de Fernando de Almeida, quefazem longa referência à figura do Condestável.Referência obrigatória é Fr. Elias Maria Cardoso, carmelita, coma sua “A Bibliografia Condestabriana” (Roma, InstitutoCarmelitarum, 1958).

Significativo foi o dia da morte de frei Nuno de SantaMaria, o domingo de Páscoa, 1 de Abril de 1431, pas-sando imediatamente a ser reputado de “santo” pelopovo, que desde então o começa a chamar “SantoCondestável”.Mas, embora a fama de santidade de Nuno se man-tenha constante, chegando mesmo a aumentar, aolongo dos tempos, o percurso do processo de cano-nização será bem mais acidentado. Promovido des-de logo pelos soberanos portugueses e prossegui-do pela Ordem do Carmo, depara com numerososobstáculos, de natureza exterior. Foi somente em1894 que o Pe. Anastasio Ronci, então postuladorgeral dos Carmelitas, conseguiu introduzir o proces-so para o reconhecimento do culto do Beato Nuno“desde tempos imemoriais”, acabando este por serfelizmente concluído, apesar das dificuldades pró-prias do tempo em que decorre, no dia 23 de Dezem-bro de 1918 com o decreto Clementissimus Deus doPapa Bento XV.As suas relíquias foram trasladadas numerosas ve-zes do sepulcro original para a Igreja do Carmo, atéque, em 1961, por ocasião do sexto centenário donascimento do Beato Nuno, se organizou uma pere-grinação do precioso relicário de prata que as con-tinha; mas pouco tempo depois é roubado, nuncamais tendo sido encontradas as relíquias que conti-vera, tendo sido depostos, em vez delas, alguns os-sos que tinham sido conservados noutro lugar. Adescoberta em 1966 do lugar do túmulo primitivocontendo alguns fragmentos de ossos compatíveiscom as relíquias conhecidas reacendeu o desejo dever o Beato Nuno proclamado em breve Santo daIgreja.O Postulador Geral da Ordem, P. Felipe M. Amenós yBonet, conseguiu que fosse reaberta a causa, queentretanto era corroborada graças a um possívelmilagre ocorrido em 2000. Tendo sido levadas a caboas respectivas investigações, o Santo Padre, PapaBento XVI, dispõe a 3 de Julho de 2008 a promulga-ção do decreto sobre o milagre em ordem àcanonização e durante o Consistório de 21 de Feve-reiro de 2009 determina que o Beato Nuno seja ins-crito no álbum dos Santos, no dia 26 de Abril de 2009.

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Depois de ter sido beatificado em 1918 pelo PapaBento XV, Nuno Álvares Pereira será canonizado a26 de Abril deste ano por Bento XVI. Será uma datamarcante para a história da Igreja em Portugal.Nascido a 24 de Junho de 1360, em Cernache doBonjardim (actual distrito de Castelo Branco)o novosanto foi um dos portugueses que mais profunda-mente marcaram a história do nosso país. Filho de D.Álvaro Gonçalves Pereira, Prior dos Hospitalários dePortugal, e de D. Iria Gonçalves de Carvalhal, damada Infanta Dona Beatriz (filha de D. Fernando), NunoÁlvares Pereira foi 3º conde Ourém, 7º de Barcelos e2º de Arraiolos. Falecido em 1431, no Carmo de Lis-boa, sabe-se que D. Duarte pediu para que se orga-nizasse o seu processo de canonização em 1437, ouseja, apenas seis anos após a sua morte.

PrimórdiosPrimórdiosPrimórdiosPrimórdiosPrimórdiosAdquiriu o título de «Condestável do Reino» devidoaos méritos na guerra de 1385 entre Portugal eCastela. No Arquivo da Casa de Bragança existia, atéao terramoto de 1755, o diploma original no qual oMestre de Avis, D. João I, lhe concedia o título de«Condestabre» do reino e, para lhe agradecer, o reifaz-lhe a doação do Condado de Ourém e de outrasterras nomeadas. (Cf. Tarouca, Carlos da Silva – O«Santo Condestável» pode ser canonizado?. Brotéria.Lisboa. XLIX (1949) 129-140.) Na Torre do Tombo (Lis-boa) existe também um documento – a cópia coeva,

Luis Filipe Santos

História de umacanonização

em pública forma, da carta do mesmo rei, com a qual,no Porto, a 8 de Novembro faz a doação ao mesmo D.Nuno Álvares Pereira, Condestável e Conde de Ourém,do Condado de Barcelos (Cf. Tarouca, Carlos da Sil-va).Com esta documentação fica excluída qualquer dú-vida a respeito da sua identidade e dos mais impor-tantes feitos da sua vida. Para provar que D. Nuno eo Condestável eram a mesma pessoa basta recorrera uma carta do Papa Urbano VI para o bispo de Viseu,a 8 de Dezembro de 1386, cujo original existia até aoreferido terramoto no Carmo de Lisboa. Nela, o Papachama Nuno, Conde de Barcelos, ao fundador doconvento. Esta não é a única carta de Urbano VI aoCondestável. Segundo o cronista do Carmo, Pereirade Sant´Ana, o Papa envia-lhe dois documentos –assinados a 26 de Novembro de 1387 – onde realça:“Revalidava o que antes obtivera, para contrair ma-trimónio com a senhora D. Leonor de Alvim, sem em-

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bargo de parentesco” e a outra concede-lhe privilé-gios de missas para o conde, esposa e família.Recorrendo ao artigo de Carlos da Silva Tarouca,encontram-se provas que D. Duarte pediu acanonização de D. Nuno Álvares Pereira. No CódiceAshburnham 1792 da Biblioteca Laurenziana de Flo-rença existem dois volumes de originais, pertencen-tes à correspondência original que ao abadebeneditino D. João Gomes chegava de Portugal. Nes-te códice encontra-se a carta original (publicadapelo Pe. Domingos Maurício: Brotéria VII-1928) de D.Duarte ao abade de Florença e seu conselho. Assi-nado a 21 de Julho de 1437, neste documento o reiportuguês queixava-se de ainda não ter recebido “Odesembargo que saiu do canonizamento do SantoCondestabre per que se tire a inquirição que sobreisto se costuma fazer”. Conclui-se que o Papa man-dou começar o processo de canonização de D. NunoÁlvares Pereira.O documento contém também mais informações queajudam a compreender o início deste processo. Nele,D. Duarte envia a D. João Gomes (abade beneditino)a oração litúrgica – feita pelo infante D. Pedro (fale-ceu em 1449) – e o esboço do panegírico que deviaser pronunciado por ocasião da canonização. TantoD. Duarte como os irmãos tomavam a sério o proces-so de canonização do condestável. Para prová-lo,existe uma cópia, tirada pelo cronista-mor do reino,Gomes Eanes Azurara, onde são elencados os mila-gres atribuídos à sua intercessão.A «oração litúrgica» do Infante D. Pedro é um docu-mento de importância capital, sendo a única fontecoeva, que fala claramente da santidade de vida.Este Códice da Cartuxa de Évora – actualmente estána Torre do Tombo – é a única fonte que conservou adata da morte do Beato Nuno: Dia de Páscoa de 1431,isto é, 1 de Abril.

Nascimento do cultoNascimento do cultoNascimento do cultoNascimento do cultoNascimento do cultoEm relação ao início do culto que se prestava aoSanto Condestável, Jorge Cardoso no «HagiológiaLusitano» (Cardoso, George – Agiologio Lusitano III.Lisboa, 1666) e, sobretudo, José Pereira de Sant´Anana sua «Crónica dos Carmelitas» (Sant´Ana, JosephPereira – Chronica dos Carmelitas da Antiga e Regu-lar Observância I. Lisboa, 1745) relatam, longamente,além da sua vida virtuosa, os altares e imagens quelhe eram dedicados, as missas que se celebravam

em sua honra, as trasladações das suas relíquias, asperegrinações ao seu túmulo, e as muitas graças emilagres que eram atribuídas à sua intercessão.Perante tais relatos pensou-se logo em obter do Papaa confirmação deste culto pela beatificação ecanonização. Sabe-se que D. Duarte estimava muitoo condestável. Quando era infante visitava-o comfrequência no Convento do Carmo e tomou a iniciati-va de pedir a sua canonização (Cf. Maurício, Domin-gos – Para a história do culto do B. Nun´Alvres.Brotéria. Lisboa. VII. 1928).Como o desejo não foi realizado, nos reinados de D.João IV e D. Pedro II, os prelados da corte enviaramuma súplica ao Papa a pedirem a canonização de D.Nuno Álvares Pereira, súplica que foi corroboradapelos monarcas.

«Ventilou-se esta questão nas Cortes de 1674, as últimas

que se reuniram antes da revolução de 1820. Privado el-

rei D. Afonso VI do governo em 1667, o regente seu irmão

convocou Cortes que se reuniram em 20 de Janeiro de

1674, na sala dos Tudescos do Paço da Ribeira. O braço

da nobreza reuniu separadamente, no dia 22, no Mosteiro

de Santo Elói, para eleger os trinta na forma costumada; e

eleitos os trinta, passaram a ter as suas sessões ás se-

gundas, quartas e sextas-feiras em S. Roque, na Capela

de Nossa Senhora do Pópulo. Foi na 12ª Sessão, segun-

da-feira, 22 de Março, que se discutiu a questão da

canonização de Nuno Álvares Pereira.»

(Martins, Oliveira – A vida de Nun‘Alvares. Lisboa: Gui-

marães Editores, 1955)

O processo não teve o andamento desejado. Somentenos fins do século XIX, as diligências ganharam novofôlego com as instâncias do Postulador Geral da Or-dem dos Carmelitas. Em 1894, o então Cardeal Patri-arca, D. José Sebastião Neto, nomeou juiz da causa oarcebispo de Mitilene, D. Manuel Baptista da Cunha,futuro arcebispo de Braga. Dadas as vicissitudes “dosúltimos tempos da Monarquia e princípios da Repú-blica, o processo só terminou no tempo do PatriarcaD. António Mendes Belo” (Leite, António – A caminhoda canonização do beato Nun´Álvares. Brotéria. Lis-boa. LXX (1960). 617-627).Enviado o processo para Roma, e feitas as diligênci-as na Sagrada Congregação dos Ritos (actual Con-gregação para as Causas dos Santos), Bento XV, pelodecreto «Clementissimus Deus» da mesma congre-

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gação, com data de 23 de Janeiro de 1918, confirma-va o culto prestado a Nun´Álvares, inscrevendo-o nonúmero dos beatos (O texto do decreto encontra-sena «Acta Apostolicae Sedis», 10 (1918) 102 - 196).Como é natural, a beatificação do santo condestáveltrouxe um grande incremento no seu culto. Em todasas dioceses começou a celebrar-se a sua festalitúrgica, 6 de Novembro.Nas comemorações do VIII centenário da fundaçãoda nacionalidade, em 1940, o governo português eos bispos das dioceses pediram ao Papa para quefosse reassumida a causa da canonização do BeatoNuno. Pio XII satisfez o pedido através de um decre-to da Sagrada Congregação dos Ritos, com data de28 de Maio de 1941 (O texto do decreto encontra-sena «Acta Apostolicae Sedis», 33 (1941) 399 - 400).O número de testemunhos episcopais acerca da san-tidade de Nuno Álvares é considerável, sendo váriosos tornados públicos a seguir à beatificação, nos cen-tenários do nascimento e da morte, e na peregrina-ção das Relíquias pelo País, em 1960, atura em quefoi publicada uma Pastoral Colectiva do Episcopado.O processo de canonização do Beato Nuno foi rea-berto a 13 de Julho de 2003, nas ruínas do Conventodo Carmo, com sessão presidida por D. José Policarpo.O cardeal Patriarca definiu nessa celebração o Bea-to Nuno de Santa Maria como um modelo a seguirpor todos os que exercem funções de responsabili-dade. “Ele é um exemplo de um cristão que exerceuas suas missões civis com a coerência de um cris-tão” – sublinhou.A 1 de Maio de 2004, nas comemorações dos 150anos do Dogma da Imaculada Conceição, o Santuá-rio de Vila Viçosa recebeu as relíquias do beato. Nahomilia da celebração, D. Maurílio de Gouveia, en-tão arcebispo de Évora, disse aos peregrinos que,nas constantes deslocações e correrias por cami-nhos de Portugal, D. Nuno dava “um testemunho in-quebrantável da fé cristã; norteavam-no os critériosdo Evangelho; alimentava-o a oração e, sobretudo,a Eucaristia”. E acrescentou: “Trabalhou, como pou-cos, talvez como ninguém, pela defesa e pelo pro-gresso do seu torrão natal”.A notícia esperada surgiu a 21 de Fevereiro de 2009,quando Bento XVI anunciou a canonização do«Condestabre». Um caminho longo – cerca de 578anos - que culmina, a 26 deste mês, com a inscriçãode Nuno Álvares Pereira no álbum dos santos.

O nome do CondestávelO nome do CondestávelO nome do CondestávelO nome do CondestávelO nome do Condestável

No século XX foram criadas diversas instituições de naturezapatriótica e religiosa, que escolheram Nuno Álvares Pereiracomo Patrono. Entre elas contam-se a Cruzada Nun’Álvares, e,mais tarde, a Fraternidade Nun’Álvares, ainda activa, e desti-nada ao acolhimento de antigos membros do Escutismo Cató-lico.Para promover a figura do Condestável também apareceramassociações como a Ala do Santo Condestável e a AssociaçãoNun’Álvares. Em diversas escolas instituíram-se associaçõesde alunos ou academias, com o seu nome.Nuno é patrono da Infantaria portuguesa e do Corpo Nacionalde Escutas. Este nome aparece ainda em múltiplas localida-des, nas invocações de Nun’Álvares, Santo Condestável ou deBeato Nuno, em ruas e igrejas paroquiais (Lisboa e Bragança).Em 1920, o Congresso da República aprovou a lei n.° 1012, pelaqual era instituída, em 14 de Agosto, a «Festa do Patriotismo»e se determinava a erecção de um monumento a Nun’Álvares.Em 1925, a Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira tomou ainiciativa de erguer esse monumento e no dia 14 de Agostodesse ano procedeu ao lançamento da primeira pedra, no an-tigo Jardim de Santos, em Lisboa, que passou a denominar- sePraça D. Nun’Álvares. Esta iniciativa não teve continuidade.Um grande número de poetas portugueses celebrou a perso-nalidade do herói e do santo, a começar por Luís de Camões,em “Os Lusíadas”, que evoca o santo na frase «Ditosa Pátriaque tal filho teve».Augusto Casimiro, Guerra Junqueiro, Corrêa de Oliveira, AfonsoLopes Vieira, Fernando Pessoa, e Moreira das Neves, canta-ram o Condestável.Por iniciativa da Ala do Santo Con-destável produziu-se, em1931, o filme «O Condestável, Herói dos Heróis», com texto deZuzarte de Mendonça Filho.Na Igreja em Portugal, celebra-se Memória, com ofício e Missa(Comum dos Santos, Religiosos) em 6 de Novembro, conformetradição. É festa na Ordem dos Carmelitas, na Ordem dosCarmelitas Descalços e na Sociedade Missionária Boa Nova. ÉMemória obrigatória na Ordem da Cartuxa. O futuro Santo éPadroeiro secundário do Patriarcado de Lisboa.

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O Padre Fernando Millán Romeral, Prior Geral daOrdem do Carmo, refere à ECCLESIA que a cano-nização é um “motivo de alegria”, porque implica “oreconhecimento oficial, por parte da Igreja, desta fi-gura tão querida e tão importante na tradiçãocarmelita”.“É um impulso, um incentivo para toda a Ordem doCarmo, especialmente nesta terra tão querida de Por-tugal”, acrescentou.Para este responsável, Nuno Álvares Pereira foi “umafigura importantíssima na história do Portugal medi-eval, um herói nacional, com muitos títulos e poder,que soube deixar tudo por ter encontrado o essenci-al da vida cristã”.Nesse sentido, ainda hoje surge como “um símbo-lo”, trazendo uma mensagem “importante, viva, ac-tual”.Tal como no tempo do Condestável, hoje vive-se umacrise, “crise de valores, uma certa confusão, um pe-ríodo de convulsões”.“São precisas figuras como o Beato Nuno, que nosajudem a encontrar o Norte, a descobrir os valores”,defende o Pe. Millán Romeral, mesmo que tenha-mos de os viver “de outra maneira, com outras for-mas”.Para o sacerdote espanhol, não há qualquer tipo deressentimento em relação à carreira militar do futuroSanto contra Castela. “É uma figura muito simpática,muito querida no Carmelo espanhol, embora não seja

Significado paraa Ordem do Carmo

muito conhecida fora dos ambientes carmelitas”,admite.“Não existe nenhum problema, fico muito feliz porser espanhol e celebrar a Eucaristia em honra doBeato Nuno”, diz, lembrando que o Condestável sem-pre foi um homem religioso, tendo passado por uma“segunda conversão”, que o levou a “viver o Evan-gelho mais de perto” e a deixar todas as honras.Se a nível popular, a canonização acontece desde oinício, no Vaticano o processo foi muito longo, pordiversos motivos. São Nuno de Santa Maria será, parao Prior Geral da Ordem do Carmo, um modelo “na de-voção mariana, na devoção eucarística e no sentidoda humildade”. A sua mudança radical “relativiza al-guns dos ídolos que temos na nossa vida”.

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O Padre Francisco Rodrigues, vice-postulador da cau-sa da canonização do Beato Nuno de Santa Maria,teve desde 2001 a missão de recolher, analisar e envi-ar para Roma os documentos e o relato miraculosoque foram fundamentar o pedido de canonização.Agora, fica com “a alegria do dever cumprido”.O trabalho em favor desta canonização, “uma expe-riência ímpar”, é visto como uma missão de vida. Emdeclarações à Agência ECCLESIA, o sacerdote carmelitasublinha a fama de santidade de que goza o futuroSanto, em vários pontos do mundo, e fala da “humil-dade” e da atenção aos mais desfavorecidos como asgrandes lições do Condestável para os nossos dias.O trabalho foi “muito, longo, persistente” e o maiorreconhecimento é ver o Beato Nuno no “catálogouniversal” dos Santos da Igreja, no dia 26 de Abril.A celebração é particularmente simbólica para osCarmelitas, família religiosa a que aderiu o futuroSanto, reconhecido como o primeiro a criar uma “con-fraria do Esca-pulário”, à qual pertenceram o Rei, ospríncipes e os irmãos de armas do Condestável. De-pois de 100 anos, essa confraria transformava-se emOrdem Terceira. O vice-postulador não vê contradi-ções entre a vida de militar e a fé do Condestável,considerando que “não podemos isolar”. “É uma vidatoda, em que trabalho por Portugal, pelos valores”,assinala.“Ele é um homem de palavra, de coerência, e torna-seconhecido por ser não só guerreiro, mas principalmen-te defensor. Nunca fez guerra, digamos assim, sempredefendeu”, acrescenta, respeitando a dignidade detodos, independentemente de serem adversários nocampo de batalha. O futuro Santo “não deixava que oexército desbaratasse, depois de ganhas as batalhas,respeitava as pessoas. Isso vai culminar nos nove anosde vida como carme-lita, em Lisboa, trabalhando pe-

los pobres”.“Este é um homem completo, religioso e santo, queserá reconhecido como tal”, prossegue.Para o Pe. Francisco Rodrigues, estamos na presen-ça de “uma vida de muita fé, cimentada na Eucaristiae na devoção a Nossa Senhora”, fazendo do BeatoNuno um “modelo”.A sua formação na doutrina da Cavalaria levou-o a“querer viver puro e virgem, para se consagrar a Nos-sa Senhora”. O casamento aconteceu “por obediên-cia” ao pai, mas a presença de Maria é constante,visível na bandeira do Condestável. Já o cronistaCarmelita José Pereira Sant’Anna dizia que Nuno Ál-vares Pereira chorava “copiosamente” diante da ima-gem de Nossa Senhora. Uma tradição – que era repe-tida pela mãe da Irmã Lúcia – refere que quando oCondestável (que foi Conde de Ourém) passou pelaCova da Iria, os seus cavalos ajoelharam. “É uma his-tória que se contava em Fátima, não se pode provar,mas fica como o registo de uma devoção particular”,indica o vice-postulador da causa da canonização.

Uma cura milagrosaUma cura milagrosaUma cura milagrosaUma cura milagrosaUma cura milagrosa

Guilhermina de Jesus foi curada por intercessão do Beato NunoAlvares Pereira, milagre que teve o reconhecimento doVaticano. Esta católica, de 65 anos, vai estar presente noVaticano, no dia 26 de Abril, quando Bento XVI canonizar oCondestável. Frei Francisco José Rodrigues aguarda confirma-ção da audiência com o Papa.Originalmente de Lisboa, Guilhermina de Jesus estava nadiocese de Leiria quando o milagre aconteceu. Actualmente,com 65 anos, encontra-se num “lugar incerto”. “Desde o dia 7em que fui curada, senti uma paz muito grande que não queroperder por nada”, explica.Ao saber que foi a sua cura que permitiu a canonização doBeato Nuno, esta portuguesa confessa: “Fiquei muito conten-te porque o Beato Nuno será mais conhecido e poderá ajudarmais pessoas como me ajudou a mim”.Segundo a entrevista divulgada pela postulação da causa decanonização à Agência ECCLESIA, a devoção ao Beato Nunoexiste “desde pequena, desde a escola primária, com a minhaprofessora Dona Branca, comecei a gostar dele e a ter confian-ça nele”.“Quando comecei a trabalhar em Ourém, mais o conheci emais gostei dele. É um santo português muito perto de Deus eque nos pode ajudar muito”, acrescenta.

Missão de vida

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Ecclesia – O que faz de Nuno Álvares Pereira umSanto?Cardeal José Saraiva Martins – Essa pergunta valepara todos os outros Santos, a espiritualidade é asua santidade. O Beato Nuno não é uma figura forade moda, é actualíssima, por causa da mensagemque nos transmite.É admirável na sua espiritualidade carmelita e noseu amor pelos pobres, o que é hoje muito actual.Nos últimos anos da sua vida, como se sabe, passa-va o tempo pelas ruas de Lisboa, a pedir esmolapara os mais desfavorecidos, o que supõe um amorfantástico ao próximo. Hoje, quando se fala tanto empobres, o exemplo do beato Nuno pode ser uma men-sagem extremamente importante para a Igreja por-tuguesa, convidada a seguir o seu exemplo.Por outro lado, tem uma espiritualidade profunda-mente mariana: antes e durante as batalhas, ajoe-lhava-se e rezava a Nossa Senhora. Isto é muito sig-nificativo, muito importante, era um militar e fazerisso supõe um grande acto de heroísmo.

Ecclesia – Que outras virtudes destacaria nesta figu-ra?JSM – Acima de tudo, a sua humildade. Deixou tudo,absolutamente tudo, e fez-se carmelita para se de-

O homem que conduziu o processo de Nuno de San-ta Maria no Vaticano, Cardeal José Saraiva Martins,não esconde o seu sentimento de gratidão por terpodido encerrar o seu percurso à frente da Congre-gação para as Causas dos Santos deixando pratica-mente concluído todo o dossier que levará àcanonização de mais um português. Em entrevista àECCLESIA, o Cardeal fala numa “figura gigantesca”que nem sempre foi bem compreendida ao longo dahistória.

São Nuno,uma figura gigantesca

dicar à vida religiosa e aos pobres. Esta é uma virtu-de que praticou em grau heróico.

Ecclesia – A devoção ao Beato Nuno já teve umaexpressão considerável...JSM – Já teve e eu acho que ainda tem, porque estadevoção está muito divul-gada em Portugal, ele éum bocado como o São Genaro em Nápoles: paraeles, aquele Santo protector é tudo.Hoje, a devoção é muito viva entre o povo cristão,para os fiéis.

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Ecclesia – Uma devoção muito mariana...JSM – Sim, como disse antes, fica visível nos pedidosde ajuda e protecção à Mãe de Deus antes das bata-lhas, uma expressão clara e evidente da devoçãoprofunda e interior a Nossa Senhora.Ele era um Santo do seu tempo e não devemos criti-car certas devoções de então, porque pecaríamoscom um anacronismo histórico. Temos de interpretara história no contexto do passado. Seria um passadoimperdoável ver com os olhos de hoje a história deontem e isso vale também para o Beato Nuno, queviveu num tempo muito diferente do nosso. Contudo,a mensagem é a mesma e é validíssima.

Ecclesia – Na sua opinião, porque é que o processoesteve parado durante tanto tempo?JSM – Isso será alvo de um estudo que irei publicar,em que lanço um olhar sobre as várias fases do pro-cesso. A demora aconteceu, muitas vezes, por ques-tões burocráticas, outras vezes por não se ter com-preendido a figura gigantesca do Beato Nuno.Ecclesia – Não foi compreendido no Vaticano?JSM – Não tanto no Vaticano, mas fora do Vaticano.Para dar um exemplo, em 1942 o Beato Nuno poderiater sido canonizado, o Papa Pio XII tinha a convicçãode que seria bom canonizá-lo e declarou-se dispos-to a fazê-lo por via de um decreto, ou seja, semcerimónia litúrgica na Praça de São Pedro. Esta pro-posta, contudo, não foi aceite e acabou por se ficarsem a canonização e sem a cerimónia.

Ecclesia – Não foi aceite por quem?JSM – A História é sempre complexa, seria muito lon-go explicar tudo aqui. Esteve em causa o compreen-der bem a história, o valor daquela figura e o signifi-cado da canonização.

Ecclesia – Hoje já ouvimos por aqui alguma contes-tação à canonização, até por causa do próprio mila-gre...

JSM – Quem faz essas afirmações teria de prová-las.Respondo afirmando que a cura da senhoraGuilhermina de Jesus foi examinada (no Vaticano,ndr) pelo grupo de médicos, profissionais reputados,catedráticos universitários, que olham para o casoapenas do ponto de vista científico. É a voz da ciên-cia, nua e crua, os médicos da Congregação para as

Causas dos Santos têm de agir como cientistas, che-gámos mesmo a pedir pareceres a médicosagnósticos, nalguns casos. Se quem contesta o mi-lagre quer ser mais do que os especialistas, entãoisso é outra coisa...

Ecclesia – Entende que hoje é possível conhecermelhor a figura para ultrapassar ambiguidades?JSM – Certamente, hoje temos meios de que os nos-sos antepassados não dispunham.

Ecclesia – Como sente que está a ser vivida a prepa-ração da cerimónia?JSM – Com muito entusiasmo, pelo que pude obser-var, a começar pela família carmelita, que há muitotempo aspirava por este dia. Muitos portugueses irãoa Roma e eu, como prefeito que levou ao fim esteprocesso, sou a pessoa mais feliz do mundo.

Ecclesia – Sente que foi a cereja no cimo do bolo dotrabalho que fez na Congregação?JSM – Não, no fundo foi o Beato Nuno quem fez outromilagre, para ser canonizado agora, porque nos últi-mos 3 meses da minha prefeitura fez-se o que se faz,muitas vezes, em muitos anos: o exame da cura porparte dos médicos, dos teólogos, dos Cardeais daCongregação e, finalmente, a aprovação do Papanuma audiência privada. Foram meses muito inten-sos. Eu achava que era importante deixar a prefeitu-ra com tudo terminado.

Ecclesia – A canonização pode ser uma oportunida-de para reavivar o catolicismo português?JSM – Eu acho que pode ser uma ocasião para revercertas posições de muitos crentes, para reavivar afé, porque qualquer canonização é um momento im-portantíssimo para o país de origem do novo santo. Éum erro pensar que só a Igreja está interessada nes-tes eventos, é também o Estado, todo o povo.

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No meio da parafernália de pequenas, médias e gran-des notícias sobre quase tudo e quase nada, foi comalegria que recebi a notícia da canonização de D.Nuno Álvares Pereira, o Santo Condes-tável. Comocatólico e como português. E também pelo facto dea este processo de canonização estar associado oCardeal português D. Saraiva Martins, de quem, hácerca de três anos, tive a honra de apresentar o livro“Como se faz um Santo”.É claro que esta simbólica distinção que muito honraa portugalidade no Mundo – mesmo que analisadaapenas fora do contexto religioso – não faz manche-tes, como fazem à profusão as distinções de um bomjogador de futebol, de um consagrado autor, de umartista de telenovela ou de um empresário de suces-so fulminante.O que anima certos meios de opinião liofilizada equase sempre desconhe-cedores da religião é a dis-cussão (?) sobre a natureza do milagre que está as-sociado à canonização do Beato Nuno. Mas o povo,na sua sabedoria genuína e despoluída, já há muitoo havia consagrado como o Santo Condestável. Issomesmo: santo carmelita e condestável chefe militare primeiro dignitário do Reino!Agora que os Santos parecem estar “fora de moda”numa sociedade de “zapping”, comportamentalmen-te hedonista, moralmente relativista e subjugada à“ditadura das banalidades”, o que vem à liça éminimizar a espiritualidade e a transcen-dência as-

sociadas á santidade. Daí que, nesta onda em que équase compulsivo em certos meios pôr em causatudo o que emerge no seio da Igreja, o SantoCondestável seja depreciado por alguns como um“contestável santo”…O que é certo é que D. Nuno Álvares Pereira, cujavida de verdadeiro patriota não é de todo contestá-vel e nos habituámos a respeitar, é um exemplo numtempo em que o valor da exemplaridade escasseia.Não apenas na sua vida mais religiosa quando apósa morte da sua mulher e despojado de todas as pro-priedades, títulos e honrarias, se tornou carmelita eviveu um tempo totalmente dedicado aos mais po-bres entre os pobres, mas igualmente como notávelgeneral de uma guerra que nos garantiu a indepen-dência seriamente ameaçada.Ser santo - como o demonstra a vida de Nuno ÁlvaresPereira - sempre representou uma forma de subver-

António Bagão Félix

O Santo Condestávelnão contestável

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são, traduzida em cada época de modo diverso ecomo regra vivida na ausência de qualquer forma depoder, que é onde se revela toda a força da presen-ça de Deus.Na sociedade contemporânea em que, no plano darelação com Deus, clamamos muito mas obedece-mos pouco, o Santo é uma espécie de novo insurrectosinali-zador e modelo da pureza, da harmonia, daespiritualidade levada à sua mais bela singeleza.No fundo, somos reconduzidos à mais forteconstatação: a de que para se ser santo é necessá-rio praticar e, acima de tudo, concretizar o Evange-lho. Assim se atinge a perfeição da caridade enten-dida como a mais elevada medida de amor para como Criador e para com o próximo. São Paulo haveria desintetizá-la numa curtíssima expressão: não vivo maiseu, mas Cristo vive em mim.A santidade de Nuno Álvares Pereira simboliza a pu-rificação da heroicidade do simples e é a expressãovitoriosa do homem de e para todos os tempos sobreo homem do instante.A santidade sempre foi entendida como a expressãoda Graça Divina, mas também da condição livre dese ser pessoa. O Santo Condestável representa, naHistória de Portugal e do Mundo, este traço de uniãoentre o passado e o futuro, entre a memória e o exem-plo, entre a vida pública e a consagração a Deus.O Beato Nuno de Santa Maria é um exemplo de umavida ao serviço do outro, alicerçada numa fé inaba-lável e num espírito de radical caridade. Através delepoderemos entender melhor o caminho da santida-de pelo qual a caridade é, ao mesmo tempo, o cora-ção da inteligência e a inteligência do coração, eque só a partir do nosso interior se pode transformaro que nos é exterior.Se há quem congregue sem ensinar e quem ensinesem congregar, o novo santo português ensinou pelauniversalidade do seu exemplo e congregou na per-feição das suas virtudes. Parafraseando S.S. o PapaBento XVI, D. Nuno viveu profundamente conscienteque “se Deus não está presente tudo se torna com-pletamente insuficiente”.Neste momento em que escrevo, não posso deixarde registar, no plano institucional e político, uma ati-tude e uma omissão.A atitude de o Senhor Presidente da República, comoo mais alto magistrado da Nação, se ter congratula-do, em nome de Portugal, e considerado D. Nuno

“uma figura maior da nossa história que, no passadoe no presente, deve inspirar os portugueses na bus-ca de um futuro melhor”.A omissão e o silêncio do lado do Governo e de al-guns partidos políticos, sempre tão pródigos e rápi-dos em felicitar outras personagens nem sempresignificantes e em formular votos de congratulaçãopor dá cá aquela palha.É recorrente nestas alturas usar-se e abusar-se doargumento da separação compulsiva entre o Estadoe a Igreja. A louvável e imperativa neutralidade reli-giosa do Estado não pode, porém, transformar estenum Estado anti-religião.A laicidade do Estado não implica a laicidade da so-ciedade. A sociedade é plural no sentido religioso eé perigoso confundir sistematicamente, neste pla-no, Estado e Sociedade. A separação do Estado e daIgreja também não significa neutralidade por omis-são, indiferença, abstenção, ignorância ou desconhe-cimento dos fenómenos religiosos e muito menoshostilidade.Mas no caso de D. Nuno Álvares Pereira não se exigedo Estado que o homenageie como santo católico.Apenas, que o sinalize para as gerações vindourascomo grande, ilustre e exemplar português. A Histó-ria faz parte do presente e do futuro, embora, comoum dia escreveu Miguel Torga, “os nossosgovernantes não querem saber da História. Para elestudo começa na hora em que assumem o poder”Em suma: o Beato Nuno é agora consagrado univer-salmente como o São Nuno de Santa Maria. O povovê assim confirmado pelo Papa o nome de um incon-testável Santo Condestável!

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D. Nuno Álvares Pereira foi portador de uma santida-de moderna. Confrontou as suas decisões à luz deuma união com Deus em situações contingentes, deenorme exigência. Foi santo como os que hoje seenvolvem nas coisas do Mundo: políticos, militaresou empresários.Obedecendo aos ideais de Cavalaria, teve uma prá-tica de vanguarda na defesa de Direitos Humanos eno cuidado ao próximo. Por exemplo, em vez de dei-xar morrer ou matar o inimigo vencido, pelo contrá-rio, organizava hospitais de campanha para cuidardesses feridos, dava-lhes terras e mandava vir assuas famílias para poderem refazer a vida em Portu-gal. Do mesmo modo, enviava cereais para Espanhaquando lhe chegaram notícias da fome que grassavanas terras da rota do exército inimigo, em retirada.Nun'Álvares foi um homem que não conhecia as fron-teiras políticas, raciais ou religiosas para praticar osvalores do Evangelho. Sabe-se que, já naquele tem-po, apoiou a construção de mesquitas e sinagogaspara garantir aos Mouros e aos Judeus a prática deuma liberdade religiosa nem sempre reconhecida.É também com Nun'Álvares que se institui a práticado caldeirão da sopa dos pobres que, ainda hoje,com nova urgência, se serve nos Anjos, em Lisboa.Sendo o homem mais abastado do Reino, retirou-separa a vida espiritual na Ordem do Carmo deixandoos seus bens ao serviço dos mais desprotegidos.A virtudes humanas de Nun'Álvares Pereira transfor-

maram-no num modelo para os portugueses parasaber vencer provações, em tempos de crise. Gerouuma devoção contínua nos últimos seis séculos.Desde o momento da sua morte que foi consideradosanto - o Santo Condestável - sendo a sua sepulturaum lugar de culto continuado até ao Terramoto de1755 e, depois, nos diferentes lugares das relíquias.A canonização não é, por isso, um acto feito agora,nos primeiros anos do século XXI, por um súbito mi-lagre. O processo de canoniação em Roma conhe-ceu a estagnação que, por vezes, os portuguesespõem nas suas causas, a par de uma eficaz resistên-cia espanhola.

Inês Dentinho

Uma causade Portugal

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À primeira vista há quem manifeste perplexidade.Porquê falar de Nuno Álvares Pereira em pleno sécu-lo XXI, e ainda por cima como referência religiosa?Porquê homenageá-lo como referência cristã? A dú-vida tem, no entanto, muito menos a ver com a per-sonagem histórica e com o seu significado, do quecom a sua escolha em diversos momentos (cuja re-cordação está viva) em nome de uma relação equí-voca entre o Estado e a Igreja ou de uma relação naqual havia quem desejasse que as fronteiras nãofossem nítidas – como em tempos da pré-história daliberdade religiosa, distantes de uma laicidade se-rena e criadora. É, pois, tempo de olhar a figura, emsi, para além de equívocos e de aproveitamentos.Não há, assim, razão para associá-la a um naciona-lismo desajustado dos sinais dos tempos de hoje,nem para a ligar a um patriotismo fechado e retró-grado, que Nuno Álvares Pereira nunca assumiu. Éque aquilo que muitas vezes vem à memória não é amemória autêntica do herói e do santo, mas são asreferências mais recentes de um tempo em que oCondes-tável foi usado como bandeira de causas deisolamento e de auto-comprazimento nacional…Basta a leitura atenta da biografia de Nuno ÁlvaresPereira para se perceber que a figura é das maisricas da história portuguesa. Leia-se Fernão Lopes, ocronista anónimo do Condestabre, Camões, Garrett,Oliveira Martins, Jaime Cortesão e Fernando Pessoa– aí encontramos o gentil homem de horizontes aber-

Guilherme d’Oliveira Martins

O Símbolode Nuno Álvares

tos e sentido de futuro, o homem das alvoradas, NunoMadruga, como ficou conhecido. Numa atitude degrande coragem moral e cívica, defendeu a causa doMestre de Aviz, contra a sua própria família, em nomede uma legitimidade nova. Foi um homem que viuadiante do seu tempo, moderno na nossa acepção.Foi um dos protagonistas decisivos no acelerar dofim do tempo medievo em Portugal. Leitor e entusi-asta dos textos do ciclo bretão, admirador de Camelot,a corte do rei Artur, e seguidor do mais puro dos ca-valeiros dessa Távola Redonda, Galaaz, D. Nuno tor-nou-se símbolo da liberdade e independência deespírito. Na crise de 1383-85 esteve ao lado da cau-sa que faria vencimento nas Cortes Gerais de Coimbra.E, saindo do movimento que implantaria a dinastiajoanina, como o mais influente da nova nobreza, logodefiniu para si um estatuto de pobreza e de totalentrega religiosa, tornando-se fundador do Conven-to do Carmo, Frei Nuno de Santa Maria, e desejandoser um entre os muitos pobres de Lisboa, empenhadona sua defesa. O herói de ontem, no domínio militar(onde foi o mais brilhante executor dos mais avança-dos métodos de acção do momento), tornar-se-ia he-rói de outro tipo no final da vida, ocupado na causa deajudar os mais pobres e des-protegidos.Na História portuguesa, tão cheia de referências his-

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tóricas, Nuno Álvares Pereira é um símbolo singular.Representa a vontade de ser autónomo, indepen-dente e emancipado. E quando seguiu um caminhodiferente dos seus pares da velha nobreza fê-lo comsentido prático e profético, a olhar para diante. Sig-nifica a exigência de ser justo e compreensivo dosoutros, numa marca em que a santidade é tambémcidadania e liga-se ao huma-nismo universalista, queJaime Cortesão encontrou como característica pere-ne da presença dos portugueses no mundo. Afirma aperspectiva moderna da legitimidade dos povos como culto dos valores de uma espiritualidade aberta edesem-poeirada, que a leitura da sua biografia bemdemonstra, ao invés de certos anacronismos cultiva-dos serodiamente.Cortesão diz-nos que “a Nação só atingiu a maiori-dade política e a plena expressão nacional com a‘revolução democrática’ do século XIV, conforme lhechamou Oliveira Martins, e o triunfo da encor-poraçãodas classes populares na vida política”. Ora, estaordem, para ser implantada, precisou de legistas ede militares, de aristocratas e de burgueses, de lei-gos e religiosos, do Estado e dos concelhos – e NunoÁlvares Pereira esteve no coração dessa passageme dessa construção. E o certo é que teve a sabedoriapara ser, a um tempo, um dos decisivos criadores danova sociedade, mantendo intacto o território que D.Dinis fizera definir em Alcanizes, concedendo às di-versas ordens do reino, como era timbre da melhorlegitimidade desse tempo, as condições para que aNação continuasse independente, em nome da li-berdade e da emancipação, sendo ainda um mestreespiritual a ensinar que o amor e a justiça têm de seviver em estreita ligação. Compreende-se, pois, que,pouco depois da beatificação, na homenagem que aPrimeira República fez aos heróis desconhecidos daguerra mundial, o Presidente António José de Almeidatenha qualificado Nuno Álvares como “companheirode Portugal”.

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As descrições fisionómicas de Nuno de Santa Maria,referidas pelos cronistas carmelitas, apontam comocaracterísticas principais do seu rosto: comprimido ebranco, nariz afilado, olhos pequenos e vivos, so-brancelhas arqueadas, rugas na testa, boca peque-na, cabelo e barba ruivos, sendo esta pouco densa ecaída.Quando se trata de iconografia de santos, a primeiraquestão é saber se há “verdadeira efígie”. Ora, paraSão Nuno de Santa Maria é considerado um retratodo século XV, no espaldar da sacristia do Conventodo Carmo de Lisboa, de meio-corpo e vestido comodonato carmelita (meio-irmão). Este quadro ardeuno terramoto de 1755, mas conservam-se muitas fi-gurações semelhantes. Comecemos, por isso, estasucinta evolução icono-gráfica do Condestável pelarepresentação de donato carmelita, antes de pas-sarmos à veste de guerreiro.

CarmelitaCarmelitaCarmelitaCarmelitaCarmelitaSão inspiradas no quadro do Carmo: pintura do sécu-lo XVI, da Casa Pombal-Oeiras-Santiago; axilogravura da segunda edição da Crónica doCondestabre (1554) e um desenho de Fr. Manuel deSá de 1721. Há no Museu Nacional de Arte Antigadois retratos (séc. XVII) de São Nuno, de meio-corpo.Um veste D. Nuno com capa branca, imprópria de umdonato. Outro, proveniente do Mosteiro de S. Vicentede Fora, continua a revesti-lo de murça, com golaornada por abertura. Muito semelhante é a gravura

D. Carlos AzevedoBispo Auxiliar de Lisboa

Iconografiade São Nunode Santa Maria

a buril de Pieter Perret para a edição do poema deFrancisco Rodrigues Lobo, de 1610. Aqui coloca-lhe,pela primeira vez, um rosário ou camândula, na mãodireita encostada ao peito.A primeira imagem a mostrar Nuno de Santa Mariade corpo inteiro, na veste de religioso, é a rude pintu-ra seiscentista sobre tábua (Moura). Mostra o donatocom rosário e bastão na mão direita, segurando naesquerda maqueta de igreja.

CondestávelCondestávelCondestávelCondestávelCondestávelVoltando à versão retratista consideremos, agora, arepresentação de São Nuno como guerreiro. A pri-meira figura conhecida é uma xilogravura da Crónica

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Nuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa Maria

do Condestabre, da edição de Germão Galhardo,1526. Trata-se de Nuno Álvares Pereira de corpo in-teiro, de pé, calvo. Revestido de armadura, sustentacom as duas mãos a maça. No chão, à sua direita, oelmo.A tela (séc. XVI-XVII) da Casa do Cadaval, em Sintra,apresenta Nuno armado com rico arnês e pelote or-namentado. Na direita segura a maça e na esquerdaa espada. No canto superior esquerdo, vê-se o bra-são dos Pereiras, e no canto inferior direito, o elmo.

BeatificaçãoBeatificaçãoBeatificaçãoBeatificaçãoBeatificaçãoApós a beatificação, em 1918, multiplicam-se as ima-gens. Figurado como guerreiro, com a mão direitasobre o peito e espada, escudo e capa na esquerda éa Estátua de B. Verghetti, existente no Pontifício Colé-gio Português (1925). Pela mesma data, também Ma-ria do Carmo dos Santos Pereira de Vasconcelos es-culpiu um Nuno jovem guerreiro, com as duas mãos asustentar a espada, elmo no chão e olhos no alto.Encontrava-se na sala das sessões da Juventude ca-tólica, em Lisboa.A Escola Prática de Infantaria de Mafra mandou exe-cutar (1950) uma escultura do guerreiro, com elmo ecouraça. Segura a espada na direita sobre o peito ena esquerda o grande escudo, com a cruz dos Perei-ras.Recente é a estátua equestre de Nuno Álvares, obrade Simões de Almeida, implantada junto ao mosteiroda Batalha. O Museu de Amarante conserva dese-nho de António Carneiro (1927) com São Nuno a ca-valo, com espada na mão esquerda.Deixando, por agora, de lado representações rarascom atribuição duvidosa, podemos referir a repre-sentação de Nuno como pagem num fresco do Palá-cio da Justiça do Porto, feito por Dórdio Gomes.

Cenas da vidaCenas da vidaCenas da vidaCenas da vidaCenas da vidaUma posição que iria ser muito glosada consiste emrepresentar o santo de joelhos, em oração. É o casodo registo holandês do século XVIII, no qual NunoÁlvares está diante de imagem de Maria, em altar.No chão uma coroa ducal e um elmo de guerreiro.O famoso gravador Debrie executou (1749), para aChronica dos Carmelitas de José Pereira de Santa Ana,a representação de diversos episódios: 1) Capítulo de1423; 2) Nuno Álvares à porta do convento do Carmo;3) Nuno de Santa Maria, vestido de donato, acompa-

nha arquitecto e três religiosos em visita às obras doconvento.Também setecentistas são os azulejos da Igreja deNossa Senhora da Orada, em Sousel, com as seguin-tes cenas: 1) Nuno Álvares manda edificar um con-vento; 2) Nuno Álvares de joelhos diante de imagemde Maria; 3) Nuno Álvares em oração, de joelhos,enquanto uma legião de anjos sobe escada; 4) Nunoacorre à batalha dos Atoleiros. O azulejo foi tambémusado por Jorge Colaço, seja na Capela de Fradelos,no Porto, onde o Condes-tável está de joelhos, sejana grande cena da Estação de S. Bento, Porto, querepresenta o santo a cavalo, na entrada de D. João Ina cidade do Porto. O azulejo da Igreja da Senhorada Conceição, no Porto, mostra Nuno Álvares combandeira erguida na esquerda e espada na direita,diante de campo de batalha e da fachada do Mostei-ro da Batalha.Na Casa-mãe dos Carmelitas Calçados (1916), emRoma, Giuseppe Gonnella pintou duas telas: 1)Vestição ou imposição do hábito a Nuno Álvares,copiada em azulejo da igreja do Carvalhido. 2) D.Nuno carmelita, com a mão direita estendida a apon-tar para uma mesa, sobre a qual estão a sua bandeira,a espada e o elmo.Alfredo Morais tratou vários passos da vida de NunoÁlvares Pereira: 1) prostrado em oração em plena ba-talha de Valverde; 2) Nuno Álvares em glória (1932).3) Nuno Álvares à porta do convento, a mostrar o arnêsdebaixo do hábito.O escultor Teixeira Lopes criou um belíssimo trípticocondestabriano, em baixo-relevo seleccionando trêsmomentos da vida do santo: 1) Nuno de Santa Mariaa cavalo, orientado por uma espécie de anjo; 2) NunoÁlvares semi-ajoelhado faz promessa diante da Ma-ria; 3) Morte de Nuno de Santa Maria. Em 1929, es-culpiu um baixo-relevo intitulado “Visão”. Finalmen-te existe também um relevo denominado “Ditosapátria” que junta o nosso herói com Camões, a ho-menagear a Pátria. O pintor Sousa Lopes tem telasno Museu Militar.São interessantes as criações para ilustrar livros:Carlos Carneiro, Gouvêa Por-tuense e Martins Barata,por exemplo. Martins Barata executou um fresco paraa Igreja de Santo Eugénio em Roma, dedicado à Se-nhora de Fátima. Aí mostra vários santos portugueses,entre os quais São Nuno de joelhos, mãos erguidas,com a bandeira do lado esquerdo e a espada no chão.

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Uma das figuras que mais contribuíram para o cultodo Beato Nuno Alvares Pereira, durante os primeirosanos da República em Portugal, foi o Pe. ManuelNunes Formigão, mais conhecido pelas suas rela-ções com os pastorinhos de Fátima.O Pe. Formigão chegou a Santarém, no ano lectivode 1909-10, numa fase crítica da vida política nacio-nal. No ano anterior, tinha ocorrido o regicídio e noano seguinte seria proclamada a Republica. Com oseu cenário jacobino e anti-eclesial, o regime repu-blicano “invadiu” também a cidade de Santarém,onde o jovem professor do Seminário pôde testemu-nhar esbulhos, profanações e perseguições. Entre-tanto, milhares de soldados portugueses foram en-viados para as frentes de batalha numa guerra ferozque dizimava a Europa entre 1914 e 1918.Tendo como fundo este quadro negro e ameaçador,o P. Formigão passou a intervir positivamente medi-ante uma acção discreta e real junto dos jovens es-tudantes da cidade. Nomeado professor do Liceu Sáda Bandeira em 1917, função que desempenhou até1929, aproveitou essa situação para ajudar os estu-dantes na sua formação, envolvendo-os em activi-dades apostólicas, com a mira de salvaguardar aidentidade portuguesa, inseparável da sua matrizcristã.Com esse objectivo fundou a Associação Nun’Álvares,congregando um núcleo de jovens que tomou comopatrono e como modelo a figura do Condestável,Herói e Santo nacional. Retomando o culto do SantoCondestável, o Pe. Formigão estava a indicar à ju-

O Pe. Formigão e oSanto Condestável

ventude o caminho a seguir, precisamente numaépoca muito crítica para o País e para a Igreja. Agrande figura de Nuno Álvares Pereira emergia comouma esperança para Portugal, reunindo os católicosà volta daquele que significava simultaneamente adefesa da Pátria e da Igreja.Entre as diversas actividades, a Associação propor-cionava ao grupo aulas de música, de dicção, serõesde arte, conferências, palestras, recitações, passei-os. O Pe. Formigão compôs o hino da Associação einspirou a sua artística bandeira. Com um grupo deteatro, ensaiou e representou a peça “O sonho doCondestável”. Para manter o contacto entre os mem-bros, fundou um órgão de comunicação, ao qual foidado o título de “Herói e Santo”, o qual teve poucaduração. Por outro lado, em 1922, um grupo de anti-gos alunos de Santarém fundava em Lisboa uma re-vista quinzenal – “Cruzada Nacional Nun’Álvares –de que saíram poucos números.E perante a pobreza e a miséria, agravada com osurto epidémico da pneumónica, em 1918, despertouos jovens para a caridade cristã, envolvendo-os empeditórios e ajudas, numa acção de tal modo notóriaque mereceu o reconhecimento das autoridades ci-tadinas.A Associação, cujos Estatutos datam de 26 de Marçode 1917, foi comparada ao CADC de Coimbra e, dealgum modo, vista como precursora do movimentoda Acção Católica. Numa época muito crítica para opaís, o Pe. Formigão deu substância e ânimo a essemovimento que indicava a figura do “Santo Condes-tável” como modelo a seguir. Como coroa dessemovimento, pouco depois, Nun’Álvares seria eleva-do às honras dos altares pelo Papa Bento XV, em 23de Janeiro de 1918.O facto foi objecto de solenes homenagens ao SantoCondestável em Santarém, de 13 a 16 de Junho desseano, promovidas pela Associação. Por trás dos comu-nicados dos Cadetes de Nun’Álvares ao povo deSantarém está a pessoa do Pe. Formigão, assim comode todo o programa. Este incluía uma exposição depintura, um congresso da juventude católica, diversosactos religiosos e um bodo para quinhentos pobres.O mesmo se diga das homenagens ao SantoCondestável, que se seguiram em Novembro de 1920,onde um dos números era um jantar para cinquentarapazes pobres, em Novembro de 1931 por ocasiãodo 5º centenário da sua morte

A. Pinto Cardoso, Postulador da Causa decanonização do Pe. Manuel Nunes Formigão

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Nuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa MariaNuno de Santa Maria

1. Nuno Álvares Pereira proclamado1. Nuno Álvares Pereira proclamado1. Nuno Álvares Pereira proclamado1. Nuno Álvares Pereira proclamado1. Nuno Álvares Pereira proclamadosantosantosantosantosanto

A 21 de Fevereiro de 2009, o Papa Bento XVI anun-ciou a canonização de D. Nuno Álvares Pereira – o jábeato Nuno de Santa Maria – para o dia 26 de Abril,junto com outras quatro figuras ilustres da Igreja.Este facto é para Portugal e os portugueses motivode júbilo e de esperança. Deve também constituirocasião de reflexão sobre as qualidades e virtudesheróicas desta relevante personagem histórica, dig-na de ser conhecida e imitada nos dias de hoje. NunoÁlvares Pereira viveu em tempos difíceis de crise di-nástica, com fortes divisões no tecido social e políti-co português, que punham em perigo a própria iden-tidade e independência da Nação.Os Bispos de Portugal, em nome de todos os católi-cos do nosso país, desejam exprimir a sua alegria egratidão pelo reconhecimento oficial da santidadeheróica de mais um filho da nossa terra. Ultrapas-sando a mera saudade do passado e assumindo, comrealismo e esperança, o tempo que nos é dado viver,querem ressaltar algumas virtudes heróicas de NunoÁlvares Pereira, cuja imitação ajudará a responderaos desafios do tempo presente.

2. Breves dados biográficos2. Breves dados biográficos2. Breves dados biográficos2. Breves dados biográficos2. Breves dados biográficos

Nascido em 1360, Nuno Álvares Pereira foi educadonos ideais nobres da Cavalaria medieval, no ambi-

Exemplo heróicoem tempo de crise

ente das ordens militares e depois na corte real. Talambiente marcou a sua juventude. As suas qualida-des e virtudes impressionaram particularmente oMestre de Aviz, futuro rei D. João I, que encontrou emD. Nuno o exímio chefe militar, estratega das bata-lhas dos Atoleiros, de Aljubarrota e Valverde,vencidas mais por mérito das suas virtudes pessoaise da sua táctica militar do que pelo poder bélico dosmeios humanos e dos recursos materiais.Casou com D. Leonor Alvim de quem teve três filhos,sobrevivendo apenas a sua filha Beatriz, que viria acasar com D. Afonso, dando origem à Casa deBragança. Tendo ficado viúvo muito cedo e estando

Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesapor ocasião da canonização de Nuno Álvares Pereira

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consolidada a paz, decidiu aprofundar os ideais daCavalaria e dedicar se mais intensamente aos valo-res do Evangelho, sobretudo à prática da oração eao auxílio dos pobres. Assim, pediu para ser admiti-do como membro da Ordem do Carmo, que conhece-ra em Moura e apreciara pela sua vida de intensaoração, tomando o profeta Elias e Nossa Senhoracomo modelos no seguimento de Cristo.De Moura, no Alentejo, vieram alguns membros dacomunidade carmelita, para o novo convento queele mesmo mandara construir em Lisboa. Em 1422,entra nesta comunidade e, a 15 de Agosto de 1423,professa como simples irmão, encarregado de aten-der a portaria e ajudar os pobres. Passou então a serFrei Nuno de Santa Maria. Depois de uma intensavida de oração e de bem fazer, numa conduta degrande humildade, simplicidade e amor à VirgemMaria e aos pobres, faleceu no convento do Carmo,onde foi sepultado.Logo após a sua morte começou a ser venerado comosanto pela piedade popular. As suas virtudes herói-cas foram oficialmente reconhecidas pelo Papa Ben-to XV, que o proclamou beato, em 1918, passando ater celebração litúrgica a 6 de Novembro.

3. Virtudes e valores afirmados na3. Virtudes e valores afirmados na3. Virtudes e valores afirmados na3. Virtudes e valores afirmados na3. Virtudes e valores afirmados navida de Nuno Álvares Pereiravida de Nuno Álvares Pereiravida de Nuno Álvares Pereiravida de Nuno Álvares Pereiravida de Nuno Álvares Pereira

D. Nuno Álvares Pereira não é apenas o herói nacio-nal, homem corajoso, austero, coerente, amigo daPátria e dos pobres, que os cronistas e historiadoresnos apresentam. Ele é também um homem santo. Asua coragem heróica em defender a identidade naci-onal, o seu desprendimento dos bens e amor aosmais necessitados brotavam, como água da fonte,do amor a Cristo e à Igreja. A sua beatificação, noscomeços do século XX, apresentou o ao povo de Deuscomo modelo de santidade e intercessor junto deDeus, a quem se pode recorrer nas tribulações e ale-grias da vida.Conscientes de que todos os santos são filhos doseu tempo e devem ser vistos e interpretados com oscritérios próprios da sua época, desejamos proporalguns valores evangélicos que pautaram a sua vidae nos parecem de maior relevância e actualidade.Os ideais da Cavalaria, nos quais se formou D. Nuno,podem agrupar se em três arcos de acção: no planomilitar, sobressaem a coragem, a lealdade e a gene-

rosidade; no campo religioso, evidenciam se a fideli-dade à Igreja, a obediência e a castidade; a nívelsocial, propõem se a cortesia, a humildade e a bene-ficência. Foram estes valores que impregnaram apersonalidade de Nuno Álvares Pereira, em todas asvicissitudes da sua vida, como documentam os seusfeitos militares, familiares, sociais e conventuais.Fazia também parte dos ideais da Cavalaria a pro-tecção das viúvas e dos órfãos, assim como o auxílioaos pobres. Em D. Nuno, estes ideais tornaram sevirtudes intensamente vividas, tanto no tempo daslides guerreiras como principalmente quando se des-prendeu de tudo e professou na Ordem do Carmo.Como porteiro e esmoler da comunidade, acolhia ospobres de Lisboa, que batiam às portas do conventoe atendia os com grande humildade e generosidade.Diz-se que teve aqui origem a «sopa dos pobres».Levado pela sua invulgar humildade, iluminada pelafé, desprendeu se de todos os seus bens – que erammuitos, pois o Rei o tinha recompensado com nume-rosas comendas – e repartiu os por instituições reli-giosas e sociais em benefício dos necessitados. De-sejoso de seguir radicalmente a Jesus Cristo, optoupor uma vida simples e pobre no Convento do Carmoe disponibilizou-se totalmente para acolher e serviros mais desfavorecidos. Esta foi a última batalha dasua vida. Para ela se preparou com as armas espiri-tuais de que falam a carta aos Efésios (cf. Ef 6, 10 20)e a Regra do Carmo: a couraça da justiça, a espadado Espírito (isto é, a Palavra de Deus), o escudo dafé, a oração, o espírito de serviço para anunciar oEvangelho da paz, a perseverança na prática do bem.Precisamos de figuras como Nuno Álvares Pereira:íntegras, coerentes, santas, ou seja, amigas de Deuse das suas criaturas, sobretudo das mais débeis. Sãopessoas como estas que despertam a confiança e odinamismo da sociedade, que fazem superar e ven-cer as crises.

4. Apelo à Igreja em Portugal e a todos4. Apelo à Igreja em Portugal e a todos4. Apelo à Igreja em Portugal e a todos4. Apelo à Igreja em Portugal e a todos4. Apelo à Igreja em Portugal e a todosos homens e mulheres de boa vontadeos homens e mulheres de boa vontadeos homens e mulheres de boa vontadeos homens e mulheres de boa vontadeos homens e mulheres de boa vontade

Ao aproximar-se a data da canonização do beato NunoÁlvares Pereira, pelo Papa Bento XVI, em Roma,alegramo-nos por ver mais um filho da nossa terraelevado às honras dos altares. Algumas peregrina-ções estão a ser organizadas para marcar a nossapresença na Praça de S. Pedro, na festa da sua

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canonização, no dia 26 de Abril. Confiamos que ou-tras iniciativas pastorais sejam promovidas para dara conhecer e propor como modelo o exemplo de vir-tude heróica que nos deixou este nosso irmão na fé.A pessoa e acção de Nuno Álvares Pereira são bemconhecidas do povo português. A nível civil, é lem-brado em monumentos, praças e instituições; a nívelreligioso, é celebrado em igrejas, imagens e associ-ações. Figura incontornável da nossa história, im-porta revitalizar a sua memória e dar a conhecer oseu testemunho de vida. Para além de ser um mode-lo de santidade, no seguimento radical de Cristo, que«não veio para ser servido mas para servir» (Mt 20,28), apraz nos pôr em relevo alguns aspectos departicular actualidade, para todos os homens e mu-lheres de boa vontade:– Nuno Álvares Pereira foi um homem de Estado, quesoube colocar os superiores interesses da Naçãoacima das suas conveniências, pretensões ou car-reira. Fez da sua vida uma missão, correndo todos osriscos para bem servir a Pátria e o povo.– Em tempo de grave crise nacional, optou corajosa-mente por ser parte da solução e, numa entrega semlimites, enfrentou com esperança os enormes desa-fios sociais e políticos da Nação.– Coroado de glória com as vitórias alcançadas, se-nhor de imensas terras, despojou se dos seus bens eoptou pela radicalidade do seguimento de Cristo,como simples irmão da Ordem dos Carmelitas.– Não se valeu dos seus títulos de nobreza, prestígioe riqueza, para viver num clima de luxos e grande-zas, mas optou por servir preferencialmente os po-bres e necessitados do seu tempo.Vivemos em tempo de crise global, que tem origemnum vazio de valores morais. O esbanjamento, a cor-rupção, a busca imparável do bem estar material, orelativismo que facilita o uso de todos os meios paraalcançar os próprios benefícios, geraram um quadrode desemprego, de angústia e de pobreza que ame-açam as bases sobre as quais se organiza a socieda-de. Neste contexto, o testemunho de vida de D. Nunoconstituirá uma força de mudança em favor da justi-ça e da fraternidade, da promoção de estilos de vidamais sóbrios e solidários e de iniciativas de partilhade bens. Será também um apelo a uma cidadaniaexemplarmente vivida e um forte convite àdignificação da vida política como expressão domelhor humanismo ao serviço do bem comum.

Os Bispos de Portugal propõem, portanto, aos ho-mens e mulheres de hoje o exemplo da vida de NunoÁlvares Pereira, pautada pelos valores evangélicos,orientada pelo maior bem de todos, disponível paralutar pelos superiores interesses da Pátria, solícitapor servir os mais desprotegidos e pobres. Assim se-remos parte activa na construção de uma sociedademais justa e fraterna que todos desejamos.

Fátima, 6 de Março de 2009

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Este momento de encerramento da fase diocesanado Processo de Canonização de Frei Nuno de SantaMaria, é carregado de significado e de esperança.Desde a sua morte que ele é, para os portugueses, oSanto Condestável. De facto, as manifestações pú-blicas de culto e veneração por parte do Povo, e daprópria Corte, seguiram-se logo à sua morte, o quemostra como este homem cristão, que exerceu altase decisivas funções na consolidação da independên-cia e definição da nacionalidade, e acabou a suavida na simplicidade contemplativa de um mosteirode carmelitas, se tornou símbolo e modelo da santi-dade cristã, o que o colocou espontaneamente nasituação de intercessor e protector, junto de Deusque adorou e da Santíssima Virgem, de quem erafilho querido e devotado.Quando o Papa Urbano VIII decreta que a declara-ção de santidade fica dependente de processo for-mal, faz uma excepção para aqueles cristãos a quem,há mais de duzentos anos, era prestado culto e reco-nhecida, pelo Povo, a santidade. Era o caso de FreiNuno de Santa Maria, que desde o início foi alvo dadevoção popular e teve memória litúrgica, pelo me-nos no calendário da Ordem Carmelita. Só hesita-ções históricas, agravadas por acontecimentos comoa perda da independência, em 1580, e o terramotoque destruiu o Convento do Carmo, principal centrodessa devoção, porque aí se encontrava o seu túmulo,fizeram com que se sujeitasse, várias vezes, a decla-ração de Santidade de Frei Nuno de Santa Maria, às

Frei Nunode Santa Maria

Discurso de D. José Policarpo no Encerramento dafase diocesana do Processo de Canonização.

exigências formais de um processo de canonização,que, no rigor da disciplina para as Causas dos San-tos, a ele não se aplicava. Espero vivamente queestes dados históricos sejam tidos em conta na aná-lise deste processo.Neste momento, no início do século XXI, no contextode uma sociedade secularizada que é precisoreevangelizar, a canonização de um cristão como oCondestável do Reino, que trocou as honras e asbenesses da sua situação pela humildade da vidamonástica, porque a isso o impeliu a Glória de Deuse o serviço humilde dos pobres, tem a força de umsinal: a importância e a missão dos justos na Cidade.O testemunho de vida crente dos cristãos na Cidade,imprimindo ao seu serviço da sociedade a marca danovidade cristã, é hoje um caminho importante paraa evangelização da Cidade. A proclamação do Evan-gelho é um testemunho de vida, e é quando a fémarca a qualidade de uma forma de estar e de servir,que ela se torna testemunho que interpela os cora-ções. Desde o Antigo Testamento está dito que umjusto pode salvar a Cidade.Em D. Nuno Álvares Pereira foi impressionante estasíntese harmónica da vivência da sua fé e o desem-penho das altas funções que a Nação lhe atribuiu.Ele torna-se, assim, desafio para quantos, hoje, exer-cendo os seus cargos ao serviço da Nação, têm ten-dência em separar a sua fé das funções que exer-cem. A nossa Cidade precisa do testemunho dos jus-tos.D. Nuno deu-nos, também, o testemunho da prima-zia de Deus e da Sua Glória, acima de todas as coi-sas. O seu apagamento na vida monástica, em quesó se tornaram notórias, a sua humildade e o seuamor aos pobres, são afirmação dessa primazia deDeus, a Quem se ama acima de todas as coisas.Portugal não espera pelo resultado deste processopara o venerar como Santo e Intercessor. Mas a pro-clamação dessa santidade, pela Igreja, confirmará auniversalidade da sua caridade e do seu culto. Por-que desejamos a sua canonização, tudo fizemos paraa viabilizar. Porque o veneramos como Santo, pedi-mos-lhe que, por intercessão de Maria, nos concedaessa graça e nos ajude a obtê-la de Deus, pela medi-ação da Virgem, através da qual obteve sempre to-dos os favores divinos.

Igreja do Santo Condestável, 3 de Abril de 2004

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0. Introdução0. Introdução0. Introdução0. Introdução0. IntroduçãoNo próximo dia 26 de Abril de 2009, será canonizado,na Basílica de São Pedro, em Roma, o Beato Nuno deSanta Maria Álvares Pereira. Toda a FamíliaCarmelita, no mundo inteiro, celebra com alegria estacanonização, que mostra o reconhecimento oficial,da parte da Igreja, da santidade de vida do "SantoCondestável", que consideramos bem?aventuradoe intercessor. A figura de São Nuno Álvares Pereiratem uma série de matizes muito interessantes quesempre despertaram admiração, devoção e carinho,não só em Portugal ? onde é, evidentemente, muitopopular ?, mas em todo o orbe carmelita. Como PriorGeral da Ordem, uno?me, feliz, a este coro de louvore faço votos para que esta canonização seja ummomento de revitalização da nossa Ordem, um mo-mento de acção de graças pelos modelos de santi-dade que o Senhor nos ofereceu ao longo da históriado Carmelo e também um momento de reflexão, decriatividade, um momento no qual possamos ver omelhor da nossa tradição espiritual, para assim en-contrar chaves e pistas para uma fidelidade criativa,para uma vivência renovada, significativa e alegredo nosso carisma ao serviço da Igreja e da humani-dade.

1. Uma figura do século XV para o1. Uma figura do século XV para o1. Uma figura do século XV para o1. Uma figura do século XV para o1. Uma figura do século XV para oséculo XXI?século XXI?século XXI?século XXI?século XXI?No passado dia 21 de Fevereiro, Sua Santidade o PapaBento XVI anunciou, diante do Consistório dos Car-

deais, na Sala Clementina, que no dia 26 de Abrildeste ano teria lugar a canonização do Beato Nuno,conjuntamente com outros beatos. Em muitas con-versas, viagens e encontros posteriores, fui interpe-lado acerca da possível actualidade de uma perso-nagem que viveu nos séculos XIV e XV para um mun-do tão complexo, tão diverso e tão diferente daque-le em que Nuno viveu.Neste sentido, convém ter em conta, em primeiro lu-gar, que a figura do Beato Nuno sempre gozou nanossa Ordem de grande popularidade. Nunca faltoua "fama sanctitatis", até ao ponto de, em algunsmomentos (quando a normativa canónica acerca das

Carta do Prior Geral da Ordem do Carmo a toda aFamília CarmelitaFernando Millán Romeral, O. Carm.Prior Geral dos Carmelitas da Antiga Observância

Revestidoda Couraçada Justiça…

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beatificações e canonizações não era, talvez, tãoprecisa, nem a informação dos fiéis, em algumaszonas, era tão ampla como agora), ser consideradosanto e o seu culto fazia?se com certa normalidadee grande devoção. Não em vão o nosso Beato Nunoé conhecido em ambientes portugueses como "OSanto Condestável". De facto, seja?me permitido di-zer que não nos será fácil abandonar a expressão"Beato Nuno", tão divulgada e conhecida na Ordeme na Família Carmelita.Em segundo lugar, convém recordar que a mensa-gem profunda dos santos é uma mensagem que po-deríamos qualificar de "transversal", isto é, vai paraalém de lugares e tempos concretos. A figura do santo,os seus valores e virtudes, o essencial da sua men-sagem é válido e aplicável a outros lugares e tem-pos da vida da Igreja, ainda que, logicamente, fa-zendo um trabalho de interpretação, para não cairnem numa imitação mímica, superficial e infantil doseu exemplo (o que seria ridículo e contraproducen-te), nem num esquecimento irresponsável que (soba aparência de um falso intelectualismo que des-preza o testemunho dos simples e o sensus fidelium,tantas vezes invocado pela teologia moderna) igno-re o valiosíssimo exemplo que os santos nos ofere-cem para a nossa própria vida espiritual e eclesial.Estou convencido de que, neste sentido, a figura deSão Nuno Álvares Pereira encerra uma série de valo-res e de matizes que podem ser valiosíssimos paranós, hoje, na nossa vivência do carisma carmelita ena nossa vida cristã em geral.Por conseguinte, a sua canonização supõe, para nós,um motivo de alegria, de gratidão e, por assim dizer,de são orgulho de família. O Carmelo, como muitosoutros carismas que surgiram ao longo da históriada Igreja, não nasce nem vive para si mesmo (comose de uma seita se tratasse), mas nasce suscitadopelo Espírito Santo, ao serviço da Igreja Universal,ao serviço do anúncio do Evangelho, ao serviço daconstrução do Reino de Deus. A santidade de algunsdos seus membros, reconhecida oficialmente pelaIgreja, significa, portanto, que o Carmelo viveu ple-namente em alguns dos seus membros um ideal desantidade e de serviço; significa que cumpriu umamissão (mesmo que com limitações e debilidadeshumanas), e que enriqueceu a Igreja de Deus no seuperegrinar terreno.Por isso, como em qualquer beatificação ou

canonização, juntam?se em nós os sentimentos dealegria e gratidão, por um lado, e de responsabilida-de e compromisso, por outro. Agradecemos este re-conhecimento, mas estamos conscientes de que omesmo supõe também um incentivo, um purgantepara a Família Carmelita, um chamamento à santida-de de vida e à fidelidade à vocação cristã em geral ecarmelita em particular.Por último, queria fazer uma chamada de atençãoaos nossos religiosos, religiosas e leigos que traba-lham em diversos âmbitos pastorais (paróquias, co-légios, capelanias, …) para que se esforcem por apre-sentar a figura de São Nuno de Santa Maria comoriginalidade, com criatividade, com profundidade,não se ficando pelo acessório e superficial, mas des-cobrindo e fazendo descobrir o essencial da suamensagem. De nós depende, em grande medida, queesta canonização seja frutífera e fecunda para asnossas comunidades, os nossos campos de pastorale as nossas vidas, ou que seja apenas um acto pon-tual e passageiro, sem verdadeiro efeito na Ordem ena Família Carmelita em geral.

II. Um longo processoII. Um longo processoII. Um longo processoII. Um longo processoII. Um longo processo

Como dizíamos no ponto anterior, o processo decanonização do Beato Nuno, que culminará no pró-ximo dia 26 de Abril na Basílica de São Pedro, supôsum longuíssimo iter (itinerário) de vários séculos, noqual coincidiram muitos factores diversos, circuns-tâncias e vicissitudes históricas.Desde muito cedo se difundiu (e não só em Portugal)o culto ao "Santo Condestável": faziam?se peregri-nações ao seu túmulo, surgiam manifestações reli-giosas e profanas em sua honra e celebrava?se asua festa, com culto público e eclesiástico, no iníciode Novembro. Em 1437, seis anos depois da sua mor-te, o rei de Portugal, D. Duarte, e seu irmão, D, Pedro,obtiveram do Papa Eugénio a licença necessária parainiciar o proces3 so de canonização. D. Pedro, irmãodo rei, compôs uma oração em honra do "SantoCondestável". Num Breviário Carmelita, escrito en-tre os anos 1456 e 1478, incluiu?se a sua festa naoração litúrgica.Lamentavelmente, por causas desconhecidas, o pro-cesso começado não se concluiu.Apesar disso, a difusão do seu culto não se deteve,até ao ponto de o arcebispo de Lisboa ter participa-

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do, em 1522 e 1548, nas duas trasladações dos seusrestos mortais, aprovando assim, na prática, de fac-to, o seu culto. Entretanto ergueram?se alguns alta-res em honra do Beato, em Lisboa, nos arredores deAviz, de Cernache do Bonjardim (lugar do seu nasci-mento) e noutros lugares do país. A isto tudoacrescentavam?se manifestações festivas muito di-fundidas e peregrinações anuais, vindas de váriaspartes de Portugal.Depois das mencionadas disposições de Urbano VIIIacerca do culto "ab immemorabili", tributado a san-tos e beatos, já em 1641 João IV de Bragança pediu àSanta Sé, em nome de todo o episcopado português,o reconhecimento do seu culto. Petição renovadatambém pela Ordem do Carmo, em 1656 e 1674. Vi-cissitudes políticas e outras causas, entre elas o ter-ramoto de 1755, impediram a obtenção de tal reco-nhecimento, ainda que tenha permanecido sempreviva a recordação e a fama de santidade daquele aquem vulgarmente chamavam o "SantoCondestável".Finalmente, em 1895, iniciou?se o processo de reco-nhecimento do culto imemorial. A sentença do juizdelegado, assinada a 7 de Março de 1914, foi confir-mada pela Sagrada Congregação dos Ritos, no dia15 de Janeiro de 1918, e aprovada por Bento XV, nodia 23 de Janeiro de 1918.Em 1940, com autorização de Pio XII, iniciava?se acausa de canonização do Beato Nuno. Todavia, osacontecimentos da Segunda Guerra Mundial impe-diram, novamente, a realização da obra esperada.Depois de outras tentativas, que não chegaram abom porto, a descoberta do túmulo primitivo do Bea-to Nuno no Carmo de Lisboa reanimou, finalmente,ainda mais o desejo de o ver proclamado "Santo" daIgreja. Chegou? se, assim, à confecção do procedi-mento devido (sumário) ou processo informativo,aberto no dia 3 de Julho de 2003 e encerrado a 3 deMarço de 2004, seguido, nos meses de Maio e Junhode 2004, de um suplemento do procedimento.Com estas actas processuais e o material documen-tal recolhido expressamente por uma comissão his-tórica preparou?se, depois, sob a direcção do padreFelipe Amenós, Postulador da Ordem, a Positio. Com-pletada a valoração histórica e o exame específicoteológico da Positio, de acordo com as normas deprocedimento seguidas pela Congregação para aCausa dos Santos, no dia 6 de Maio de 2008,

reunia?se o Congresso Ordinário dos Cardeais e Bis-pos da mesma Congregação, que pronunciava o seuparecer favorável à declaração solene das virtudesdo Beato. Ao mesmo tempo, instruía?se também oprocesso do suposto milagre atribuído à intercessãodo Beato, que concluía positivamente, com juízo unâ-nime, no dia 17 de Junho de 2008. No passado dia 21de Fevereiro, no Consistório dos Cardeais que tevelugar na sala Clementina, no Vaticano, Sua Santida-de Bento XVI anunciou solenemente a tão desejadadata da canonização e, assim, Deo volente (se Deusquiser), poderemos participar com alegria na solenecerimónia de canonização no cenário incomparávelda Basílica de São Pedro, em Roma.No tocante à celebração litúrgica, no calendário pró-prio da Ordem, esta foi estabelecida no dia 6 de No-vembro, para Portugal e para toda a Ordem, com ritoduplo menor.Esta recolhia como textos próprios, no Breviário, asantífonas do Magnificat das I e II Vésperas, e doBenedictus das Laudes, assim como a oração pró-pria e as leituras do segundo nocturno. Os textos daMissa e as antífonas e orações próprias apresenta-vam leituras extraídas do comum dos confessores.Com a reforma, depois do Vaticano II, a celebraçãodo Beato Nuno fixou?se, no próprio da Ordem doCarmo, no dia 1 de Abril, com o grau de memória obri-gatória, enquanto para os carmelitas de Portugal sefixava o dia 6 de Novembro. A celebração do Beatofoi introduzida também no próprio dos carmelitasdescalços como memória facultativa, sendo tambémobrigatória para os de Portugal.

III. Apontamentos biográficosIII. Apontamentos biográficosIII. Apontamentos biográficosIII. Apontamentos biográficosIII. Apontamentos biográficosPara entender melhor essa mensagem perene que afigura de São Nuno de Santa Maria nos oferece, aque fazíamos referência mais acima, convém desta-car, de modo muito sumário, alguns aspectos essen-ciais da sua biografia que, sem dúvida, ajudarão atraçar melhor o perfil espiritual do SantoCondestável.Nasceu no dia 24 de Junho de 1360, em Cernache doBom Jardim, filho ilegítimo de D.Álvaro Gonçalves Pereira, que foi Prior do Priorato doCrato, dos célebres Cavaleiros de São João de Jeru-salém e de Iria, por quem Nuno conservaria sempreum terno afecto.A sua infância e a sua adolescência decorreram nes-

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te ambiente entre cavalheiresco e profundamentereligioso que havia nestes grupos nos reinos do bai-xo medievo da Europa. Imbuído do ideal de Galaad,um dos cavaleiros da mesa redonda que acompa-nhavam o mítico Rei Artur, quis permanecer celibatá-rio, mas, para não contrariar o seu pai, veio a casar?secom D.ª Leonor de Alvim, com quem teria três filhos ecom quem teve uma vida matrimonial feliz. O casa-mento teve lugar a 15 de Agosto, festa da Assunçãode Maria, de 1376.Dois dos seus filhos morreram crianças e apenas aterceira, D.ª Beatriz, chegaria à idade adulta,casando?se com D. Afonso, o filho do rei D. João I, aquem Nuno, seu aio, tinha servido sempre com va-lentia e fidelidade.O jovem Nuno sobressaiu rapidamente na corte, paraa qual foi destinado para o serviço pessoal do reiFernando desde a adolescência, quando tinha ape-nas treze anos. A sua nobreza de ânimo, a sua valen-tia, a lealdade para com o rei e o ideal de pureza queparecia ter?se traçado desde criança, a imitação docasto herói Galaad, chamaram à atenção quer dafamília real quer dos outros cortesãos.A morte do rei D. Fernando de Portugal originou umproblema dinástico, algo muito frequente nos reinosda Península Ibérica, nos tempos da Reconquista.Alguns cavaleiros portugueses (alguns irmãos deNuno, inclusivamente) defendiam o direito ao tronode Beatriz, filha do rei Fernando, casada com o rei deCastela, o que provavelmente teria suposto a incor-poração da coroa portuguesa no reino de Castela,que se ia configurando - juntamente com o de Aragão- como o reino mais forte da Península Ibérica.Mas outros muitos cavaleiros lusitanos, entre elesNuno, defendiam o direito ao trono de João, irmão dorei Fernando. Havia também interesses internacio-nais e não faltaram cavaleiros franceses e inglesesque ajudavam um ou outro lado. Não demorou muitoa rebentar uma guerra entre os dois reinos, provocadapelo problema da sucessão dinástica. A guerra em sidurou vários anos, com períodos de relativa calma.Em Abril de 1384, as tropas portuguesas (ao serviçode D. João) vencem a facção rival, na batalha deAtoleiros (o que originou, pouco mais tarde, a subidaao trono de João I, que nomearia Nuno como seuCondestável). Um ano mais tarde, no dia 14 de Agos-to de 1385 (em vésperas da festa da Assunção deNossa Senhora), as tropas comandadas por Nuno

Álvares Pereira derrotaram os seguidores do rei deCastela, na memorável batalha de Aljubarrota, e,pouco depois, em Valverde (já dentro do reino deCastela), o que fez com que Nuno ganhasse umagrande fama como herói nacional. Ainda que a guer-ra se tenha prolongado por algum tempo, einclusivamente tivessem havido escaramuças anosmais tarde, a vitória já estava do lado português. Apaz definitiva seria assinada em 1411. Pode ser signi-ficativo da fama que Nuno ganhou como herói nacio-nal e como Condestável o facto de que Luís deCamões, o grande poeta português, incluísse umaelogiosa referência ao nosso homem, no canto IV doseu célebre poema épico Os Lusíadas, obra cimeirada literatura portuguesa do Renascimento. Tambémna vizinha Espanha vários autores dos séculos XVI eXVII (Calderón de la Barca ou Tirso de Molina, entreoutros) louvaram a nobreza e a heroicidade do jámítico Condestável.Mas, pouco mais tarde, a desgraça abateu?se sobreo Condestável. Em 1387, morre a sua esposa, D.ªLeonor de Alvim, que residia no Porto com a filha dosdois. Depois, o ainda jovem Nuno negou?se a contra-ir novo casamento. A vida de piedade e penitência(que sempre tinha tido) acentua?se sobremaneira eo Condestável, herói de tantas batalhas, famosoguerreiro ao serviço do rei, vai, a pouco e pouco, ad-quirindo a reputação de homem piedoso e santo.Há que situar, nestes anos, a sua intervenção decisi-va para a construção (entre outros templos e con-ventos) do convento e da igreja dos carmelitas, emLisboa, cumprindo assim uma promessa votiva feitaa Nossa Senhora. Consta que teve contacto com aOrdem através de um antigo companheiro de armasque se tinha feito carmelita no convento de Moura,D. João Gonçalves, e do Frei Afonso de Alfama, Vigá-rio da Ordem em Portugal, com quem parece quetinha grande confiança e amizade. Foi escolhido, paralocalização do dito convento, um dos lugares maisaltos de Lisboa. As obras duraram mais de oito anos.Os carmelitas, vindos do convento de Moura,instalaram?se no celebérrimo "Carmo" de Lisboa nodia 15 de Agosto (mais uma vez) de 1397, onde per-maneceram até 1755, data em que o templo foi prati-camente destruído pelo terramoto de Lisboa.Em 1415, Nuno viria ainda a ter tempo de participarnuma nova campanha portuguesa, desta vez paraalém do estreito de Gibraltar, em Ceuta, comandan-

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do e contribuindo com a sua experiência militar naexpedição portuguesa que se dirigia para o referidolugar do Norte de África. Nuno, com 55 anos, sentia?sejá cansado. Pouco depois aconteceu a morte da suafilha, o que provavelmente acelerou a sua decisãode se afastar do mundo e de ter uma vida totalmenteentregue à penitência, à piedade e à oração.Deste modo, em Agosto de 1423, o Condestável, fi-gura admirada e de grande prestígio, decide, diantedo espanto geral, ingressar no Convento do Carmo,que ele mesmo tinha fundado, e levar uma vida detotal penitência e austeridade, como irmão donato.No dia 15 de Agosto, festa da Assunção de NossaSenhora e data à que parece que a vida de Nunoestava intimamente ligada, vestiu o hábito Carmelita,tomando o nome de Frei Nuno de Santa Maria. Ape-sar das pressões de toda a ordem, recusou privilégi-os ou mitigações da austeridade conventual. Por in-tervenção de D. Duarte (filho de João I, o rei a quemNuno fielmente tinha servido durante anos),convenceu?se, ao menos, que não fosse para umconvento longínquo, como era seu desejo, para evi-tar visitas e homenagens que iam contra a sua von-tade de total penitência e humildade. Também con-seguiu o príncipe que Nuno renunciasse ao seu de-sejo de mendigar para o convento pelas ruas de Lis-boa, como faziam os irmãos donatos.Prova da sinceridade e da firmeza da sua vontade foio facto de que sempre recusou ser chamado doutramaneira que não "Frei Nuno de Santa Maria", recu-sando qualquer tipo de título de nobreza. Mais ain-da, quando o príncipe D. Duarte quis que conservas-se o título de Condestável, Nuno respondeu comhumildade, mas com firmeza: o Condestável morreue está enterrado num santuário… Depois de oito anosde vida de penitência e de grande austeridade, FreiNuno de Santa Maria morreu em Lisboa, no dia 1 deAbril de 1431. O seu funeral constituiu uma enormemanifestação de dor, quer por parte da nobreza e dafamília real (que tinham uma grande dívida de grati-dão para com aquele nobre cavaleiro vencedor nocampo da batalha), quer por parte dos carmelitas ede tantos devotos, que viram nele um modelo depenitência, de humildade e de desprezo das galas ehonras deste mundo.

IV. Nuno, santo da EucaristiaIV. Nuno, santo da EucaristiaIV. Nuno, santo da EucaristiaIV. Nuno, santo da EucaristiaIV. Nuno, santo da EucaristiaUm dos traços que sobressaem do perfil espiritual

de São Nuno é a sua profunda piedade eucarística.Indubitavelmente, esta piedade aconteceu nos mol-des e formas típicas daquela época. É bem conheci-do o seu desejo de restaurar as igrejas devastadaspela guerra ou por qualquer outra causa, para que aEucaristia pudesse ser celebrada com dignidade.Fundou ou restaurou também confrarias doSantíssimo Sacramento em muitos lugares, e fomen-tou as celebrações do Corpus, insistindo e ordenan-do que estas se fizessem com solenidade, decoro epiedade, e tudo isto, precisamente numa época dahistória da Igreja em que surgiram, em diversos lu-gares, críticas à ideia da presença real.De igual modo, quer como Condestável do Exército,quer no convento, participava frequentemente naeucaristia, preparando?se espiritualmente com mui-ta seriedade e com penitências e jejuns. Contam ascrónicas da época, e assim o recolhe o sumário doprocesso, que uma vez em que lhe perguntaram so-bre os motivos pessoais de dita piedade eucarística,o Condestável respondeu: Quem quiser ver?me ven-cido nas batalhas que me afaste deste sagrado con-vite, no qual o próprio Deus, pão dos fortes, vigora oshomens. Portanto, fortalecido com este manjar,revisto?me do ânimo e valor necessários para ven-cer o inimigo… Para além do caso pontual em si edas circunstâncias do mesmo, não deixa de ser inte-ressante para nós esta confiança plena na Eucaris-tia que, concebida como pharmakon (como lhe cha-mam alguns Padres Gregos), nos ajuda a vencer osinimigos da vida, que já não são soldados ou cava-leiros reais, mas inimigos mais perigosos, como opecado, a violência, o egoísmo… Esta centralidadeda Eucaristia nas nossas vidas liga muito bem com oespírito carmelita, uma vez que, já a partir da própriaregra, no Capítulo XIV, o carmelita é chamado a co-locar a eucaristia como o centro (não só arquitectó-nico ou temporal, como pede o texto da FormulaVitae), mas no centro das nossas inclinações, dasnossas inquietações, dos nossos apostolados e dasnossas vidas… Que o exemplo da piedade eucarísticade São Nuno de Santa Maria nos ajude a revitalizar anossa vivência da eucaristia, para que o sacramentocentral da nossa fé não se converta numa mera roti-na ou numa mera actividade pastoral, mas que ilu-mine toda a nossa vida e projecte os valores do reinosobre o nosso mundo e a nossa sociedade actual.

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V. Nuno, santo de MariaV. Nuno, santo de MariaV. Nuno, santo de MariaV. Nuno, santo de MariaV. Nuno, santo de MariaOutra característica muito definida do perfil espiritu-al de São Nuno foi a sua devoção à Virgem Maria. Jána sua vida de soldado se encomendava sempre àVirgem santíssima, antes das batalhas, e pedia tam-bém aos soldados que o fizessem. Tinha plena con-fiança na protecção de Nossa Senhora. Jejuava fre-quentemente em honra de Nossa Senhora e fomen-tava sempre a devoção mariana no meio daquelesque o rodeavam.De igual modo, no fim das batalhas, costumava pe-regrinar a algum santuário mariano.Por isso mandou reconstruir alguns deles que esta-vam abandonados ou em mau estado.Ele mesmo pagou a reconstrução de alguns tem-plos, ou mandou construir novos, ou decorá?los dig-namente. Neste sentido, muitas igrejas dedicadas aalgum orago mariano devem à maior ou menor par-ticipação do santo Condestável a sua criação ou sub-sistência, como as de Sousel; o templo dedicado aNossa Senhora dos Mártires, em Estremoz; Vila Vi-çosa; Portel; Évora; Mourão; Camarate; Monsaraz;etc. Um lugar especial merecem, na lista, tanto otemplo dedicado a Santa Maria das Vitórias (conhe-cido como Batalha), construído pelo próprio Rei D.João I a instâncias do seu Condestável para come-morar a batalha de Aljubarrota (perto de Fátima, éuma das jóias do gótico português), como o sumptu-oso templo do Carmo, em Lisboa. Alguns historiado-res apontam também a intervenção do santoCondestável no incremento que em Portugal foi ten-do a devoção à Imaculada Conceição, que, com otempo, se haveria de converter na Padroeira do país,em 1640, a instâncias do Rei D. João IV.Logicamente que a piedade mariana de Nuno cres-ceu com o contacto com os carmelitas e, sobretudo,ao ingressar no convento de Lisboa como irmãodonato. O facto de ter escolhido, como nome religio-so, o de "Nuno de Santa Maria" é, a todos os títulos,significativo. Consta que passava horas em oraçãodiante duma imagem de Nossa Senhora, a quem seencomendava constantemente. O seu exemplo deveter contribuído, sem dúvida, para que o templo seconvertesse num centro importantíssimo de piedademariana.Uma vez mais o exemplo de São Nuno pode ser tam-bém um estímulo para a nossa própria vida espiritu-al. Certamente que a devoção mariana de Nuno era

vivida sob as formas e expressões de piedade da-quela época. Cada período da história deve procuraras suas próprias expressões e, no caso concreto doCarmelo, somos chamados a mostrar e a difundir adevoção à Virgem Santíssima de maneira que sejaum reflexo da boa notícia da salvação em Cristo.Devemos conseguir que, como o Concílio Vaticano IInos pediu, a nossa piedade e a nossa devoçãomariana não desemboquem nem num afecto estérile transitório, nem numa vã credulidade (LG 67).

VI. Nuno, santo da humildadeVI. Nuno, santo da humildadeVI. Nuno, santo da humildadeVI. Nuno, santo da humildadeVI. Nuno, santo da humildadeUma das características da figura do novo santo quemais chama à atenção é, sem dúvida alguma, a hu-mildade. Não apenas no fim da sua vida, quando,sendo já carmelita, viveu de maneira totalmente aus-tera e penitente, mas, mesmo sendo Condestável euma das figuras mais célebres e admiradas da Coroaportuguesa, Nuno foi sempre um homem humilde,um homem que fugiu das honras excessivas e dasambições de poder.É bem conhecida a sua tendência para a humilhaçãopessoal nos últimos anos da sua vida como donatocarmelita, a ponto do príncipe D. Duarte, temerosode que a sua conduta provocasse a irrisão ou o me-nosprezo por parte da coroa ou das instituições maisimportantes do reino, o proibir de mendigar pelasruas de Lisboa e de ir para um convento longínquo eperdido para não ser reconhecido como Condestável.Diante dos dois pedidos do príncipe, frei Nuno teveque ceder. Mas houve outros pedidos que o velhocarmelita recusou com firmeza. Por exemplo, recu-sou ser sacerdote ou evitar os trabalhos mais humil-des e baixos do mosteiro, trabalhos que, segundo oparecer do príncipe e de muitos nobres, eram contrá-rios à dignidade e ao renome do herói nacional.Convém não esquecer que Nuno era, além disso,parente da família real, pelo casamento da sua filhaBeatriz (casada com D. Afonso, filho de João I), o quetornava ainda mais incómoda para os monarcas asua atitude. Também se negou totalmente a conti-nuar a usar o título de Condestável ou a ser chama-do por outro nome que não fosse o de Frei Nuno deSanta Maria. Como víamos mais acima, a sua respos-ta foi radical e sem ambiguidades: O Condestávelmorreu e está enterrado num santuário… Estamos,sem dúvida, diante de um aspecto muito significati-vo para a nossa vida cristã actual. Num mundo que

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idolatra o poder, a fama, o prestigio social (às vezesinclusivamente à custa da verdade ou da justiça);num mundo em que se fomenta a vaidade das rique-zas ou dos títulos; num mundo em que, apesar deum terço da humanidade passar necessidade e emalgumas zonas do planeta permanecer a praga terrí-vel da fome, se faz ostentação de riquezas e de lu-xos totalmente desproporcionados; num mundo emque vivemos como escravos da imagem pessoal, dolook, das aparências, do culto do corpo e do politica-mente correcto… o exemplo de São Nuno recorda?noso valor da humildade e da simplicidade e convida?nosa nós, carmelitas, de um modo particular, a manteresse espírito, essa maneira de ser e de estar no mun-do, por muito importante que possa ser o nosso tra-balho, a nossa missão ou a nossa posição eclesial.Posteriormente, grandes carmelitas viveram e res-saltaram o valor da humildade. Pensemos no céle-bre adágio de Santa Teresa de Jesus, nas sextasmoradas (humildade é andar na verdade); ou no con-vite à simplicidade do pequeno que faz Santa Tere-sa de Lisieux; ou no exemplo sublime de humildadeque sempre deu o Beato Tito Brandsma, mesmo ocu-pando os mais altos cargos na universidade e navida civil do seu país. Muitos outros exemplos sepoderiam citar dessa vivência profunda da humilda-de que sempre aconteceu no Carmelo. Trata?se, semdúvida, de uma humildade cheia de coragem e devalentia, de uma humildade que não é apenas umavirtude psicológica, mas uma consequência da fé noDeus encarnado, no Deus que não duvidou em assu-mir a nossa humilde e frágil condição, fazendo?seum como nós para salvar, a partir de baixo, o génerohumano (cf. Flp. 2, 6?11).Que o exemplo de São Nuno de Santa Maria nosajude também a nós a viver a simplicidade evangéli-ca, a não nos deixarmos seduzir pelas vaidades des-te mundo (às vezes muito subtis) e a estar semprepróximos e solidários com os últimos, os marginali-zados, com os pequenos e excluídos.

VII. Nuno: um convite à conversãoVII. Nuno: um convite à conversãoVII. Nuno: um convite à conversãoVII. Nuno: um convite à conversãoVII. Nuno: um convite à conversãoradicalradicalradicalradicalradicalNo templo da Batalha, dedicado a Santa Maria dasVitórias, a que aludíamos mais acima, podecontemplar?se, hoje, a imponente estátua equestredo Condestável Nuno Álvares Pereira, apresentadocomo guerreiro e herói nacional, segurando numa

mão a espada e na outra as rédeas do cavalo. Den-tro da igreja, perto do altar, existe outra estátua, muitomais pequena, de escasso valor artístico, mas muitorepresentativa.Trata?se de Nuno de Santa Maria, já velhinho, com ohábito carmelita, com a Regra do Carmo na mão, ematitude de meditação e de oração. Alguns visitantesda Batalha nem sequer se dão conta de que se tratado mesmo personagem, dada a grande transforma-ção e o contraste entre uma e outra imagem de Nuno.Muitos teólogos e peritos em espiritualidade fala-ram de uma espécie de "segunda conversão" ouconversão radical que, às vezes, acontecem na vidados santos e daqueles que procuram a Deus. Fala-mos, evidentemente, em sentido análogo, uma vezque, em sentido restrito, eles já estavam convertidosà fé e, geralmente, procuravam vivê?la com autenti-cidade e sinceridade. Mas, num dado momento, domístico, do espiritual, um chamamento à radicalidade,um desejo de viver a fé de maneira total, com todasas consequências. É nessa altura que se convertemem sinal, numa chamada de atenção, num aviso paratoda a Igreja, que assim toma consciência da ten-dência (a tentação) da mediocridade, da rotina, dumavivência da fé apagada e aburguesada.Muitos nomes se poderiam citar nesta linha: Teresade Jesus diante do Cristo chagado, Teresinha doMenino Jesus e a experiência terrível da doença, TitoBrandsma no campo de concentração, ThomasMerton numa rua ruidosa de Louisville, MonsenhorRomero diante do corpo inanimado de Rutilio Gran-de, Teresa de Calcutá sacudida pela pobreza horrí-vel dos moribundos… e tantos outros.Também Nuno sente, num determinado momento dasua vida, esse convite a deixar tudo, a abandonarhonras, títulos, nobrezas e prestígio para se entre-gar de forma radical a uma vida de penitência e deoração. A sua figura deve ser também, para as nos-sas consciências, um abanão, um chamamento àradicalidade, um convite a rever os nossos critérios,a purificar as nossas intenções, a viver o Evangelhosem mentiras nem meias tintas. Eis a grande mensa-gem e actualidade dos santos.Sem cair num pacifismo que seria totalmente ana-crónico, podemos afirmar com certeza que Nunoabandona as armas e as cavalgadas para se dedicarpor inteiro à batalha do amor e da santidade. Comoaqueles primeiros carmelitas que, (imersos de algu-

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ma maneira no fenómeno da Cruzada), se retirampara o Carmelo como eremitas e penitentes e inclu-em na sua Formula Viatae a belíssima descrição dasarmas espirituais que São Paulo faz (entre outroslugares) na Carta aos Efésios, também Nuno aban-dona as armas materiais e se reveste da armadurade Deus e da couraça da justiça, também ele abraçao escudo da fé e cobre a cabeça com o elmo dasalvação. Também Nuno agarra a espada do Espíritoe da Palavra e anuncia, com a melhor linguagempossível, com a mais autêntica e a mais credível (ada própria vida), a plena confiança em Deus e o cha-mamento à conversão.Se não queremos que esta canonização fique ape-nas pelo histórico, pelo superficial, pelo acessório;se queremos que a figura de São Nuno de Santa Mariaseja para nós um modelo de vida e que a suacanonização seja um momento de reactivação erevitalização do Carmelo; se confiamos plenamentena sua intercessão, assegurada pela solene e ofici-al declaração da Igreja… então procuremosaprofundar a sua mensagem e o seu ensinamento eassumi?los com gratidão e com um compromisso re-novado de viver a nossa vocação ao Carmelo. Quetambém nós nos sintamos chamados a revestirnosda couraça da justiça (Induenta est lorica Iustitiae…)de que nos fala a nossa Regra, citando a Carta aosEfésios (ef. 61, 14), essa couraça que nos leva a amaro Senhor com todo o nosso coração, a nossa mente eas nossas forças, e ao próximo como a nós mesmos(Regra, XIX).

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Quero, por último, manifestar o meu agradecimentoe o de toda a Ordem aos que tornaram possível estacanonização: Ao padre Felip Amenós Bonet, O. Carm.,que, sendo postulador, trabalhou na causa esforça-damente; ao padre Giovanni Grosso, O. Carm., actualPostulador Geral, que preparou, em conjunto comuma comissão, os actos que acompanharão acanonização, assim como ao padre Francisco JoséRodrigues, O. Carm., Vice?Postulador da causa, e atodos os que, de Portugal, colaboraram e de algummodo ajudaram a dar a conhecer a figura de SãoNuno.Devemos felicitar cordialmente o povo português,para quem Nuno é não só um exemplo vivo de santi-

dade, mas também um herói nacional. É para mim,como espanhol, um motivo especial de orgulho, aose tratar de uma figura importante nessa nação irmãe tão querida que é Portugal.Resta?me apenas felicitar toda a Família Carmelita,estendida pelos cinco continentes.Que vivamos com são orgulho de família estacanonização. Que a semente semeada pelo nossonovo Santo encontre em nós terra fértil e disposta adar frutos de santidade.Que Maria, Mãe do Carmelo e modelo sublime desantidade, continue a iluminar?nos, para que, nanossa família, surjam sempre figuras como a de SãoNuno de Santa Maria que nos conduzam ao monteda perfeição, que é Cristo.

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D. Nuno Álvares Pereira, Nuno de Santa Maria, será apartir de 26 de Abril o novo Santo português, juntan-do assim o seu nome a uma lista que se estendedesde antes do início da nacionalidade. A últimacanonização de um português aconteceu quandoPaulo VI, a 3 de Outubro de 1976, declarou Santa areligiosa Beatriz da Silva.Antes de 1143, há registo de vários Santos (nalgunscasos figuras semi-lendárias) que demonstram a im-plantação que, desde bem cedo, o catolicismo teveno nosso país.Nesta lista incluem-se figuras como São Manços (pri-meiro Bispo de Évora, séc. I), São Vítor de Braga (már-tir do séc. I), São Dâmaso (Papa do séc. IV que al-guns afirmam ter nascido em Guimarães), SãoSisenando (Diácono e mártir do séc. IX, nascido emBeja), São Rosendo (Bispo do séc. X, nascido emSanto Tirso) e Santa Senhorinha (beneditina do séc.X, de Vieira do Minho).Desta fase há a destacar a vida e obra de três Bisposde Braga, os Santos Martinho de Dume, Frutuoso eGeraldo.Martinho, oriundo da Panónia, nasceu no princípiodo século VI e foi, ainda novo, para a Palestina. Eraum homem de grande erudição e «por inspiração di-vina», como ele mesmo afirmava, veio para a Galizacerca do ano 550. Converteu os suevos do arianismo

à fé católica e fixou-se em Dume; aí fundou um mos-teiro de que foi eleito bispo. Em 569 ficou a ser tam-bém bispo metropolita de Braga. Morreu no dia 20de Março do ano 579.Frutuoso nasceu no princípio do século VII, de nobrefamília visigótica. Fundou numerosos mosteiros, quemuito contribuíram para a educação da juventude,como centros de vida religiosa e cultural. Nomeadoarcebispo de Braga, a fama da sua santidade e sa-bedoria estendeu-se a toda a Península Hispânica.Morreu por volta do ano 666.Geraldo nasceu na Gália, de nobre família; profes-sou no mosteiro de Moissac onde desempenhou oscargos de bibliotecário, mestre dos oblatos e cantor.O bispo Bernardo de Toledo conseguiu levá-lo paraa sua catedral para aí exercer as funções de mestree de cantor. Eleito bispo de Braga, exerceu grandeactividade na reorganização da diocese, na promo-ção da vida monástica, na reforma litúrgica e pasto-ral, bem como na aplicação da disciplina eclesiásti-ca. Morreu a 5 de Dezembro de 1108.

Sete SantosSete SantosSete SantosSete SantosSete SantosApós a independência, contam-se entre os fiéis ca-nonizados pela Igreja Católica sete portugueses: SãoTeotónio, Santo António, Santa Isabel, Santa Beatrizda Silva, São João de Deus, São Gonçalo e São Joãode Brito.

São TeotónioNasceu em Ganfei (Valença do Minho) aproximada-mente no ano 1082 e foi educado piedosamente des-de a infância. Quando D. Crescónio, seu tio, foi no-meado bispo de Coimbra, levou-o consigo para estacidade e confiou ao arcediago D. Telo a sua forma-ção nas disciplinas eclesiásticas. Depois de ordena-do sacerdote, foi nomeado prior da Igreja da Sé deViseu. Fez duas peregrinações à Terra Santa. No re-gresso da segunda peregrinação, insistentementeconvidado por D. Telo e outros dez homens de gran-de virtude, fundou com eles o mosteiro da Santa Cruzem Coimbra, de que foi membro eminente e muitoadmirado, nomeadamente por S. Bernardo deClaraval. Teve também papel importante em algu-mas conjunturas da pátria. Morreu em 1162. A suacanonização foi aprovada pelo Papa Alexandre III(1159-1181). A memória litúrgica celebra-se a 18 deFevereiro.

D. Nuno Álvares Pereira será o nome seguintenuma lista que precede o início da nacionalida-de, em território português

Quem são os Santosde Portugal?

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Santo AntónioO mais popular dos Santos portugueses nasceu emLisboa, no final do século XII. Foi recebido entre osCónegos Regulares de S. Agostinho e pouco depoisda sua ordenação sacerdotal ingressou na Ordemdos Frades Menores com a intenção de se dedicar àpropagação da fé entre os povos da África. Mas foina França e na Itália que ele exerceu com grandefruto o ministério da pregação e converteu muitoshereges. Foi o primeiro professor de teologia na suaOrdem. Escreveu vários sermões, cheios de doutrinae de unção espiritual. Morreu em Pádua, a 13 de Ju-nho de1231. Foi canonizado por Gregório IX em Maiode 1232, menos de um ano após a sua morte, e foiproclamado Doutro da Igreja por Pio XII, a 16 de Ja-neiro de 1946. A memória litúrgica celebra-se a 13 deJunho

Santa IsabelA “Rainha Santa”, filha dos reis de Aragão, nasceuno ano 1271. Era ainda muito jovem quando foi dadaem casamento ao rei de Portugal; teve dois filhos.Dedicou-se de modo singular à oração e às obras demisericórdia, e suportou infortúnios e dificuldadescom grande fortaleza de ânimo. Depois da morte deseu marido, distribuiu os seus bens pelos pobres etomou o hábito da Ordem Terceira de S. Francisco.Morreu no ano 1336, quando mediava o acordo depaz entre seu filho e seu genro. Foi canonizada porUrbano VIII, em 1625. A memória litúrgica celebra-sea 4 de Julho.

Santa Beatriz da SilvaFilha de pais portugueses, nasceu em Ceuta (ÁfricaSetentrional) por volta de 1426. Ainda jovem, veiopara Campo Maior (Portugal) e daqui passou à cortede Castela em 1447 como dama de honor da InfantaD. Isabel de Portugal. Para se poder dedicar a umavida cristã mais perfeita, retirou se da corte para ummosteiro de Toledo, onde permaneceu mais de 30anos. Em 1484 fundou o Instituto que mais tarde to-mou o título da Imaculada Conceição de Nossa Se-nhora (Concepcionistas) e que foi aprovado pelopapa Inocêncio VIII em 1489. Pouco depois de fazerprofissão religiosa, faleceu com fama de santidade.Foi canonizada por Paulo VI a 3 de Outubro de 1976.A memória litúrgica celebra-se a 1 de Setembro.

São João de DeusNasceu em Montemor-o-Novo (Portugal) no ano1495. Depois duma vida cheia de perigos na carreiramilitar, o seu desejo de perfeição levou-o a ambicio-nar coisas maiores e entregou-se ao serviço dos en-fermos. Fundou um hospital em Granada (Espanha)e associou à sua obra um grupo de companheirosque mais tarde constituíram a Ordem hospitalar deS. João de Deus. Distinguiu-se principalmente na ca-ridade para com os pobres e os doentes. Morreu nestacidade em 1550. Foi canonizado por Alexandre VIII,em 1690. A memória litúrgica celebra-se a 8 de Mar-ço.

São Gonçalo GarciaSanto português franciscano que sofreu o martíriono Japão, em Nagasaki, no ano de 1597. Nasceu emBasein (Índia), em 1557, filho de um português e deuma indiana, foi educado pelos Jesuítas e seguiu oPe. Sebastião Gonçalves até ao Japão. Depois dealguns anos como comerciante, foi para Manila (Fili-pinas), onde professou como Fransciscano em 1588.Cinco anos depois regressou ao Japão, como intér-prete e dedicou-se ao apostolado, até ao martírio.Foi canonizado por Pio IX, em 1862. A memórialitúrgica celebra-se a 6 de Fevereiro.

São João de BritoNasceu em Lisboa (Portugal) no dia 1 de Março de1647, de família nobre. Depois de uma piedosa ado-lescência, entrou na Companhia de Jesus e, ordena-do sacerdote, embarcou para as missões da Índia,onde trabalhou no meio de grandes sofrimentos eperseguições, mas também com grande fruto apos-tólico. Foi de lá enviado à Europa como Procuradordas Missões e de novo partiu para a Índia; no dia 4de Fevereiro de 1693 foi martirizado. Foi canonizadopor Pio XII, a 22 de Junho de 1947. A memória litúrgicacelebra-se a 4 Fevereiro.

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