Economia Brasileira - Werner Baer

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WERNER BAER A ECONOMIA BRASILEIRA Uma breve análise desde o período colonial até a década de 1970 Uma abordagem profunda da economia brasileira até 2002 Os vários planos econômicos a partir da década de 1970 Texto bem documentado, com informações quantitativas e institucionais Tradução de Edite Sciulli 2- edição revista, atualizada e ampliada

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O clássico da economia brasileira. O brasilianista e economista Werner Baer, explica o Brasil. Excelente livro

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WERNER BAERA ECONOMIA BRASILEIRAUma breve análise desde o período colonial até a década de 1970

Uma abordagem profunda da economia brasileira até 2002

Os vários planos econômicos a partir da década de 1970

Texto bem documentado, com informações quantitativas e institucionais

Tradução de Edite Sciulli

2- ediçãorevista, atualizada e ampliada

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Para

Marianne e Peter Kilby Pia e D a vid Maybury-Lewis June e Jerry McDonald Heloisa e Annibal Villela

Page 3: Economia Brasileira - Werner Baer

Sumário

Tabelas............................................................................................................................... 1Gráficos e figuras................................................................................................................ 2Prefácio à segunda edição brasileira.................................................................................2

Parte I: Perspectiva histórica

1. Introdução e aspectos gerais......................................................................2Cenário físico e demográfico............................................................... 2Recursos naturais...................................................................................ZA população...........................................................................................2'Notas .....................................................................................................3

2. Perspectiva histórica.................................................................................3;A economia colonial..............................................................................3;Organização socioeconômica inicial.....................................................31

O ciclo da cana-de-açúcar................................................................... 3O ciclo do ouro e o princípio do controle mercantilista.....................3íOs últimos anos da colônia.................................................................. 3>O século após a Independência.......................................................... 3/O ciclo do café.......................................................................................3ÍOutras exportações............................................................................... 4CPolíticas adotadas no século XIX........................................................41Notas .................................................................................................... 42

3. O início do desenvolvimento industrial.................................................... 45O período anterior à Primeira Guerra Mundial.................................. 45A Primeira Guerra M undial.................................................................50

A década de 1920.................................................................................. 51A Grande Depressão............................................................................ 54Crescimento industrial durante a Depressão.....................................56A Segunda Guerra Mundial ................................................................58Avaliação do início do crescimento industrial brasileiro....................59Primeiras tentativas de planejamento no Brasil.................................62Notas .................................................................................................... 63

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4. 0 impulso de industrialização pós-Segunda Guerra Mundial:1946-61.......................................................................................66

0 comércio exterior do Brasil e seu papel na economia................... 66O mercado mundial para as exportações tradicionais

do Brasil na década de 1950..................................................... 69Os anos pós-guerra...............................................................................71Controles de câmbio: 1946-53 .............................................................. 72O sistema de câmbio múltiplo: 1953-57............................................. 74Mudanças nos controles cambiais: 1957-61 ........................................ 75Reforma cambial: 1961-63 .................................................................... 77A Lei dos Similares..............................................................................78Planos e programas especiais ...............................................................79Programas de incentivos especiais...................................................... 82Os efeitos das políticas de industrialização.........................................83Desequilíbrios e gargalos......................................................................86Notas...................................................................................................... 88

5. Estagnação e boom: 0 Brasil nas décadas de 1960-70 ............................ 91Dois pontos de vista sobre a estagnação da década de 1960 ............ 92Políticas econômicas desde 1964........................................................ 93Realizações dos governos pós-1964.................................................... 95O setor governamental......................................................................... 98Questões que envolvem a experiência de crescimento do

período pós-1964........................................................................ 98A questão da eqüidade...............................................................98Quem poupa?........................................................................... 101Perfis de demanda e produção................................................102Outros problemas de distribuição...........................................103

Afastamento da ortodoxia do período pós-1964................................ 104Notas ................................................................................................... 105

6. Dos ajustes aos choques externos à crise provocada pela dívida:1973-85..................................................................................... 108

O primeiro choque do petróleo: impacto e reação............................108Mudanças políticas ............................................................................. 109As políticas do governo Geisel...........................................................109A crescente dívida internacional........................................................110Em direção à crise provocada pela dívida.........................................114

O desempenho econômico em 1980................................................. 119Ajustes através da recessão................................................................. 120O macroimpacto do período de ajuste..............................................125

O recorde de crescimento........................................................125Os indicadores macroeconômicos...........................................125A estrutura econômica.............................................................. 126O efeito de igualdade produzido pelos programas de ajuste 126 O papel do setor público na crise do período de ajuste........ 130

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O setor público durante a crise da dívida, 1981-85.................. 134Notas ....................................................................................................136

7. 0 ressurgimento da inflação no Brasil: 1974-86.................................... 139A natureza da inflação brasileira: dois pontos de vista.....................140

A tradição ortodoxa...................................................................140Os neo-estruturalistas............................................................... 141

Antecedentes gerais da recente inflação brasileira...........................145O impacto inflacionário produzido por choques externos...............145O mecanismo propagador da inflação...............................................150Aspectos monetários do processo inflacionário................................ 153O processo inerente ao orçamento autoritário do Brasil...................156Indexação.............................................................................................158Controlando a inflação pela manipulação de índices.......................160Controle de preços............................................................................. 161Conclusão.............................................................................................161Notas ....................................................................................................163

8. Declínio e queda do Cruzado.................................................................. 167Antecedentes...................................................................................... 168Acontecimentos que conduziram ao Plano Cruzado........................ 170O Plano Cruzado................................................................................. 170Dificuldades e contradições emergentes.......................................... 172

O impacto alocativo do congelamento de preços...................172Crescimento excessivo............................................................. 177O déficit do setor público......................................................... 179

Os meios de pagamento........................................................... 181As contas externas..................................................................... 184

O colapso do Plano Cruzado.............................................................. 187A dívida externa........................................................................ 190

Avaliação...............................................................................................191Conclusão.............................................................................................192Notas ....................................................................................................194

9. A vacilante economia brasileira: estagnação e inflação durante1987-93 (cm co-autoria com Cláudio Paiva).......................... 195

Cenário geral........................................................................................195Sarney depois do colapso do Cruzado............................................... 197

Uma visão geral......................................................................... 197O Plano Bresser......................................................................... 198Do gradualismo aos choques e retrocessos.............................199

O impacto fiscal produzido pela Constituição de 1988.................... 201O período Collor................................................................................. 201

Plano Collor 1.............................................................................201O impacto do Plano Collor I .....................................................202Plano Collor I I ........................................................................... 205

Page 6: Economia Brasileira - Werner Baer

O período Itamar Franco: uma transição..................................209Uma revisão estatística dos anos de 1987-1993...................... 210

A estagflação brasileira, 1987-1993: uma interpretação................... 214O eterno “conflito distributivo” brasileiro.............................. 214A constante ausência de um ajuste fiscal.................................215

Notas ................................................................................................. 217

10. A ilusão de estabilidade: a economia brasileira durante ogoverno Fernando Henrique Cardoso fem co-autoria comEdmun Amann,)..................................................................... 220

O Plano Real............................................................................ 221O impacto inicial do Real........................................................222A taxa de câmbio torna-se o principal instrumento

da política econômica...................................................224O dilema fiscal não-resolvido..................................................226Fluxos de capital......................................................................233O desempenho da economia do Real..................................... 234A crise bancária.........................................................................236A crise de 1998-99.................................................................... 237Conclusões................................................................................239Notas ...................................................................................... 240

Parte II: Questões contemporâneas

11.0 setor externo: comércio e investimentos estrangeiros..............................243Políticas econômicas internacionais no período I S I ........................ 243

As políticas “voltadas para o exterior” do período 1964-74 ............ 245Do crescimento sustentado pelo endividamento à crise

por ele provocada..................................................................... 246A abertura da economia na década de 1990 ..................................... 247Resumo estatístico da posição internacional do Brasil.................... 247As ligações do Brasil com o mundo externo..................................... 249

Comércio....................................................................................249Políticas comerciais das décadas de 1980 e 1990................... 252A procura por fontes de energia e matérias-primas............... 253A dívida externa.........................................................................253

Complementaridade versus competitividade nas relações doBrasil com o mundo industrializado....................................... 255

Investimentos estrangeiros no Brasil: seus benefícios e custos......256Perspectiva histórica.............................................................................256

O período de 1950-86........................................................................... 257Os benefícios e custos das multinacionais:

algumas considerações gerais.................................................. 264Benefícios................................................................................... 264

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Custos ........................................................................................265O impacto no balanço de pagamentos..................................... 266Tecnologia inadequada..............................................................266Desnacionalização.....................................................................267Distorções de consumo..............................................................267Influência política..................................................................... 268

Um breve levantamento das provas empíricas.................................. 268Lucros ........................................................................................268Tecnologia................................................................................. 272Considerações sobre a eqüidade.............................................. 274Desnacionalização.................................................................... 274

Políticas governamentais e o comportamento das multinacionaisno Brasil.................................................................................... 275

Controle de remessas................................................................275O Sistema BNDES................................................................... 275Empresas estatais..................................................................... 276Controles de mercado.............................................................. 276

A era do neoliberalismo: a década de 1990....................................... 276Um quadro estatístico do IED no Brasil...........................................278O impacto dos investimentos estrangeiros na década de 1990....... 280Conclusões...........................................................................................281Notas ...................................................................................................283

12.0 ampliado setor público brasileiro: seu papel em processode mudança e a privatização...................................................... 288

Estágios no crescimento do envolvimento do Estadona economia.............................................................................289

A era pré-1930........................................................................... 289A década de 1930...................................................................... 290A década de 1940: a Segunda Guerra Mundial e o período

inicial do pós-guerra......................................................292A década de 1950...................................................................... 293A década de 1960...................................................................... 295As décadas de 1970 e 1980 ...................................................... 295

O grau de controle do Estado sobre a economia..............................297Impostos.................................................................................... 298Regulamentação direta............................................................299

O controle do governo sobre a poupança e sua distribuição........... 299O Estado como produtor.........................................................301

A decadência das empresas públicas................................................ 303A privatização como solução diante da falência do Estado............. 305As privatizações na década de 1990 ................................................. 306Os resultados da privatização, 1991-99 ............................................ 309O efeito da distribuição de renda resultante da privatização.......... 309O efeito da privatização sobre a distribuição de renda resultante ... 312

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Conclusão...........................................................................................313Notas .................................................................................................. 314

13.0 sistema bancário: privatização e reestruturação ('em co-autoriacom Nader Nazmi^.................................................................318

Introdução..........................................................................................318Uma breve perspectiva histórica.......................................................319

O comportamento dos bancos durante os períodos deelevada inflação....................................................................... 321

Estabilidade e mudança institucional.............................................. 324A reestruturação do setor bancário....................................................328Im plicações........................................................................................335Notas .................................................................................................. 338

14. Desequilíbrios regionais......................................................................... 3400 grau de desigualdade regional......................................................340A dinâmica das desigualdades regionais.......................................... 348A migração populacional interna.......................................................349A interação entre o Nordeste e o Centro-Sul................................... 351A transferência de recursos através do mecanismo fiscal................356Políticas regionais...............................................................................357

A dimensão regional dos problemas setoriais........................359As tendências regionais da década de 1980: o Nordeste versus

o Brasil..................................................................................... 360O Nordeste em uma economia cada vez mais aberta......................363

Impacto regional negativo.......................................................363Possíveis tendências positivas................................................ 366A fraqueza estrutural da economia do N ordeste ...................366O mercado, o Estado e a igualdade regional..........................368

Conclusão...........................................................................................369Notas ..................................................................................................371

15.0 desempenho da agricultura................................................................373I O crescimento da produção agrícola desde a

Segunda Guerra Mundial....................................................... 374Mudanças nos métodos de produção................................................377

\ Padrões regionais............................................................................... 381Fontes de crescimento agrícola......................................................... 382Distribuição de terras......................................................................... 384

\ Pobreza rural...................................................................................... 387Políticas agrícolas............................................................................... 387

A agricultura brasileira na década de 1990 ........................................ 391j Reformas nas políticas no final da década de 1980 e na de 1990 .... 3931 Novo modelo na década de 1990...................................................... 393

O emprego na agricultura.................................................................. 395| Notas ..................................................................................................395

Page 9: Economia Brasileira - Werner Baer

/ lójkspectos ambientais do desenvolvimento do Brasil('em co-autoria com Charles C. Mueller^............................... 399

( A expansão econômica e o meio ambiente sob\ uma perspectiva histórica........................................................ 400

A industrialização, o crescimento urbano e o meio ambiente......... 402Poluição industrial...............................................................................404Poluição urbana.................................................................................... 409

J A pobreza urbana e o meio ambiente.................................................410j Visão sumária da degradação do meio ambiente oriunda

da pobreza urbana....................................................................411O crescimento agrícola e o meio ambiente....................................... 415

Impactos ambientais provocados pela expansão horizontal... 415 Impactos ambientais provocados pela modernização agrícola 415

A estratégia amazônica e o meio am biente....................................... 419O impacto ambiental da Amazônia..........................................419

O recente impacto exercido pelas operações de cortede madeira......................................................................421

A extensão do desmatamento na Amazônia............................422As políticas ambientais criadas no Brasil............................................424

A evolução das bases legais e institucionais............................424Políticas para reduzir a poluição urbano-industrial................ 426Políticas conservacionistas........................................................427

Conclusão............................................................................................. 430Notas ................................................................................................... 430

17. Saúde no processo de desenvolvimento do Brasil (em co-autoria comAntonio Campino e Tiago Cavalcanti^...................................435

Informações sobre saúde.................................................................... 436Saúde e serviço de saúde no Brasil antes de meados da

década de 1980.........................................................................439A Constituição de 1988 e seu impacto sobre o sistema de

distribuição de saúde no Brasil................................................ 443Contribuições do setor público e do setor privado para o serviço

de saúde do Brasil....................................................................445A distribuição da atenção de saúde.................................................... 445Condição da saúde no Brasil...............................................................447Demanda por serviços de saúde......................................................... 447Gastos com saúde................................................................................ 447Financiamento do serviço de saúde................................................... 448Conclusão.............................................................................................449Notas.................................................................................................... 450

18. Mudanças estruturais na economia industrial do Brasil,1960-95 (em co-autoria com Manuel A. R. da Fonsecae Joaquim J. M. Guilhoto^.........................................................452

Mudanças estruturais gerais................................................................453

Page 10: Economia Brasileira - Werner Baer

A história industrial do Brasil no período pós-SegundaGuerra Mundial...................................................................... 454

Mudanças estruturais: 1959-1998 .................................................... 458Estrutura produtiva................................................................. 458A estrutura de demanda final..................................................458Tecnologia de produção......................................................... 461

Encadeamentos regressivos e progressivos......................................464Conclusões gerais...............................................................................467Notas ..................................................................................................469

19. Epílogo: a economia brasileira de 1999 a 2002 .................................... 471A crise de 2001................................................................................... 474A crise energética................................................................................474A deterioração do crescimento em 2001 .................................. ........ 475A crise de 2002 ................................................................................... 476Notas ..................................................................................................477

Apêndice estatístico.................................................................................479

Bibliografia............................................................................................... 491

índice remissivo...................................................................................... 505

Page 11: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabelas

3.1

3.2

3.3

3.4

3.5

3.6

3.7

3.8

3.9

4.1

4.2

4.3

4.4

4.5

4.6

4.7

4.8

Produção da indústria têxtil algodoeira, 5.11853-1945 46

Indicadores do produto real, 1911-19 47 5.2

índice de produção industrial,1920-39 48 5.3

Indicadores de formação de capital,1901-45 49 6.1Estabelecimentos industriais segundo a data de fundação, 1920 51

índice de mudanças no volume de importações brasileiras 54

Importação de maquinário 1913-30 55

Mudanças na estrutura de importações do Brasil, 1901-29 56

A estrutura industrial brasileira em 1919 e 1939 60

Distribuição de exportações e importações 67

A participação das exportações agrícolas na receita interna e na produção agrícola total, 1947-60 68Mudanças na estrutura do comércio mundial, 1913-61 69

Importações, exportações e produção real, 1944-50 72

Mudanças na composição setorial do Produto Interno Bruto, 1939-66 84

Mudanças na estrutura brasileira de mercadorias de importação

As importações como uma percentagem do total de suprimentos, 1949-66 86Mudanças na estrutura industrial brasileira: valor bruto agregado e emprego, 1939-63 87

A formação do capital bruto e os impostos como percentagem do PIB, 1949-77 97

Variações na distribuição de renda, 1960-70 99

Salários mínimos reais em cruzeiros, valor de 1965, 1966-76 100Razão importação/produção doméstica, 1973-81 111

6.2

6.3

6.4

6.5

6.6

6.7

6.8

6.9

6.10

6.11

A dívida externa brasileira: seu crescimento e custo médio, 1968-86 113

O comércio exterior e os índices das relações de troca, 1966-85 115

A taxa de câmbio real, 1973-82

Relações de troca do setor agrícola, 1970-86

119

120

Os parâmetros da dívida externa brasileira, 1965-86 122

O comércio de bens e serviços (% do PIB em preços correntes) 125

Remuneração selecionada e estatísticas salariais 127-29

Distribuição de renda no Brasil, 1970-80 130

131Estatísticas de distribuição de renda e fabricação, 1980-84

Estatísticas sobre receita, gastos e produção do governo e empresas estatais, 1970-80

85 6.12 Ajustes do setor público, 1980-85 (% do PIB)

132

135

7.1

7.2

Indicadores-chave de preços, 1970-85 146-47

148-50Estatísticas de preços selecionados, 1971-84

15

Page 12: Economia Brasileira - Werner Baer

7.3

7.4

7.5

7.6

7.7

8.1

8.2

8.3

8.4

8.5

8.6

8.7

9.1

9.2

9.3

9.4

9.5

9.6

9.7

9.8

9.9

EstlUísticas de indicadores de conl|ntração, 1973-83 152

Taxll nominal de crescimento da moeda e diDprédito, 1971-87 154

Fin

Prirque nfluenciam a base monetária, 1973-84 157

Var

Var

Pro

Ind198

Vardesei

Em

índconCreorçBraecoest£

MO910.1

10.2

16

b)r

c)l i)

íciamento do governo, 1973-85

ipais forças de expansão e retração

e de preços reais dos setores de preços alados, 1983-86 181

imento dos meios de pagamento e íento governamental, 1986-87

: os formuladores de política >mica e suas estratégias de lização 1985-93

183

Tax l juros, receitas e gastos públicos 200

Tax | crescimento trimestral, 1988-93 204

Bra : tarifas médias de importação,198 94 (%)

Pre s e meios de pagamento, 1988-92

A u ização da capacidade industrial,em ío Paulo, 1989-93

Bra : distribuição de renda

Salí os reais e emprego, 1980-93

De; mprego e status de trabalhadoresemj egados nas regiões metropolitanas doiBra , 1982-91Tax mensais de inflação, 1986-93

i) 1 cas de inflação anuais, 1990-99

tas de inflação mensais, 1994-99

;as de câmbio mensais, 1994-99

:volução do PIB do Brasil, 1985-99

206

207

211

212

212

213214

223

223

224

225

b) Brasil: índices de crescimento setorial do PIB

10.3 Brasil — Relação de formação de capital/PIB

155 10.4 a) Itens do balanço de pagamentos, 1985-99

pões de preços, 1973-84 162

pões mensais de preços, 1986-87 173

jção e capacidade industrial, 1984-87 174

adores econômicos externos mensais,e 1987 175

pões de preços de atacado, de janeiro '80 a fevereiro de 1986: produtoslonados 176

■ego, desemprego e salários, 1986-87 178

b) Fluxos de capital, dívida e reservas, 1985-99

10.5 a) Saldos da conta do setor público, 1990-99

b) Itens selecionados do orçamento: governo federal

c) Itens selecionados do orçamento: governos estaduais e municipais, 1998

d) Evolução do endividamento do setor público, 1990-99

e) Cronologia dos principais eventos e reformas econômicas, 1994-99

227

227

228

229

230

230

230

231

234

225

10.6 Gastos selecionados do governo

10.7 Taxas de juros e taxas de câmbio médias mensais

10.8 Produtividade de mão-de-obra no setor da indústria de transformação 235

196 11.1 A estrutura das mercadorias de exportaçãoe importação, 1948/50-96 250

Distribuição geográfica das exportações e importações, 1945-98 251

A dívida externa brasileira 254

11.2

235

11.3

11.4

11.5

11.6

11.7

Distribuição setorial dos investimentos dos Estados Unidos no Brasil, 1929-98 258

Distribuição setorial do total de investimentos estrangeiros e taxas de crescimento setorial, 1976-91 259

A origem do capital estrangeiro no Brasil, 1951-95 259

a) Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais no faturamentototal, 1992 260

b) Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais no faturamentototal, 1998 261

11.8 Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais nos ativos, faturamento e emprego, 1985 262-63

Page 13: Economia Brasileira - Werner Baer

11.9 Investimentos, fluxos e rendimentos do capital estrangeiro no Brasil, 1967-92 269

11.10 Desempenho comparativo de empresas nacionais privadas, multinacionais eestatais no Brasil, 1977-91 270

11.11 Balanço comercial das firmas por setor 1975-77 271

11.12 Dívidas de empresas nacionais, multinacionais e estatais, 1977-85 273

12.1 Taxa real do crescimento do PIBe coeficientes de investimento/PIB,1973-92 296

12.2 Gastos gerais do governo por categorias principais como percentagem do PIB 298

12.3 Distribuição do PIB por setores decontrole acionário, 1970-83 302

12.4 Produção física de empresas públicas por unidade do PIB, 1979 304

12.5 Privatizações na década de 1990

bancário

309

12.6 Distribuição das 100 maiores empresas e suas receitas por tipo de controle acionário 311

13.1 Brasil: total de bancos comerciais 321

13.2 Brasil: total de bancos privados e filiais 322

13.3 Ganhos dos bancos brasileiros com a inflação 323

13.4 Participação das instituições financeirasno PIB 324

13.5 Intervenção do Banco Central no sistema329

14.3 Distribuição setorial de renda das principais macrorregiões, 1949-95 344

14.4 Distribuição setorial da força de trabalhopor região, 1940-98 345

14.5 Participação regional no PIB total e no total da População EconomicamenteAtiva, 1950-95 347

14.6 Taxas nacionais e regionais da migração interna líquida, expressas como percentagem da população nosprimeiros censos, 1890-1970 350

14.7 a) Comércio exterior do Nordeste e distribuição regional de exportações e importações, 1947-60 352 b) Distribuição percentual regional de exportações e importações, 1947-60 352

14.8 Valor do comércio do Nordeste com o Centro-Sul, 1948-59 353

14.9 Transferência estimada de recursos do Nordeste para o Centro-Sul através do comércio, 1948-68 354

14.10 Perdas do Nordeste causadas pelo sistema cambial, 1955-60 355

14.11 Carga fiscal e várias transferências ao Nordeste, 1947-74 356

14.12 Taxas reais de crescimento do PIB, nacionais e do Nordeste, e taxa de crescimento anual de investimento,1980-86 361

14.13 Investimentos do setor público e crescimento do emprego, 1980-83

14.14 O impacto de uma redução geral de tarifas de 25%

362

364

13.6 Os 8 maiores bancos (em termos de tamanho de ativo) da América Latina 330

13.7 A evolução do sistema bancário no Brasil: 1995-98 331

13.8 População e filiais de bancos 332

13.9 Aquisições bancárias março 1997 - setembro 1998 334

13.10 Crédito concedido pelo sistema financeiro 337

14.1 População regional e estatísticas derenda 341-42

14.2 Distribuição regional de renda por setores,1949-95 343

14.15 a) Participação regional nas receitas do governo central 365

b) Participação regional nos gastos do governo central 365

14.16 Faturamento, custo e estrutura deconsumo 367

14.17 Distribuição regional dos efeitos multiplicadores de uma injeção inicial:Brasil, 1985 367

15.1 Estatísticas agrícolas selecionadas,1947-96 375-76

15.2 Variações de preço na agricultura e outros setores, 1948-99 380

Page 14: Economia Brasileira - Werner Baer

15.

15.]

15.

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385-86

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392

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3es metropolitanas do Brasil: algumas das de acessibilidade à infra-estrutura ia

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ades de conservação ambiental,

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413

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437

437

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438

>s públicos com saúde como % do PIB 440

17.7 Distribuição dos estabelecimentos públicos e privados no Brasil 442

17.8 Distribuição de planos de saúde

17.9 Distribuição do acesso aos serviços hospitalares

18.1 Dados de corte transversal de Kuznets: participação de setores de produção no PIB

18.2 Distribuição setorial do PIB

18.3 Distribuição setorial do PIB segundo Kuznets

18.4 Distribuição setorial de mão-de-obra

18.5 Mudanças na estrutura industrial do Brasil,1949-92: valor bruto agregado

18.6 Mudanças na estrutura de emprego industrial no Brasil

18.7 Dados de corte transversal de Kuznets: participação no valor agregado da produção

18.8 Estrutura do valor agregado

18.9 Estrutura de consumo pessoal de bens produzidos internamente

18.10 Participação do consumo pessoal na produção total

18.11 Participação das exportações na produção total

18.12 Participação dos salários e da Previdência Social na produção total

18.13 Participação dos salários e da Previdência Social no valor agregado

18.14 Capacidade instalada

18.15 Participação de insumos importados na produção total 466

18.16 índice de encadeamento regressivo 467

18.17 índice de encadeamento progressivo 468

19.1 a) Brasil: desempenho econômico geral, 1999-2001 472

b) Brasil: crescimento industrial 472

19.2 Brasil: indicadores de posição econômica internacional, 1998-2002 473

446

448

453

453

454

454

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462

463

464

465

Page 15: Economia Brasileira - Werner Baer

15.3 Produtividade agrícola, 1947-96 383 17.6 Principais causas da mortalidade 441

15.4 Brasil: variações de área e de produção das principais culturas “modernas” e “tradicionais”, 1970-1989 e 1985-1995/6 384

15.5 Insumos agrícolas, 1960-85 385-86

15.6 Classificação por tamanho das propriedades rurais por quantidade de estabelecimentose área total, 1950-85 386

15.7 a) Distribuição de estabelecimentos e área cultivada: 1970 e 1995 392 b) Percentagem de estabelecimentos e áreas exploradas por proprietários, meeiros, posseiros e administradores, 1970 e 1995 392

15.8 a) Brasil: índices de produtividadeagrícola, 1987-98 394b) índices de produtividade das principais safras, 1986-98 394

16.1 Concentração espacial da indústria brasileira, 1980 403

16.2 Mudanças na estrutura industrial brasileira: distribuição percentual do valor agregado bruto 404

16.3 Capacidade poluidora potencial das indústrias brasileiras, 1980 405

16.4 As nove regiões metropolitanas do Brasil: população total e estimativas da populaçãoda baixa renda: 1989 412

16.5 Regiões metropolitanas do Brasil: algumas medidas de acessibilidade à infra-estrutura urbana 413

16.6 Florestas brasileiras não-amazônicas 416

16.7 Medidas de modernização agrícola noBrasil 418

16.8 Áreas desmatadas na Amazônia legal - média anual, 1978 421

16.9 A Região Amazônica brasileira 423

16.10 Unidades de conservação ambiental,1990

17.1 Expectativa de vida ao nascer

17.2 Mortalidade infantil

17.3 Indicadores de saúde

17.4 Infra-estrutura sanitária

429

437

437

438

438

17.7 Distribuição dos estabelecimentos públicos e privados no Brasil 442

17.8 Distribuição de planos de saúde 446

17.9 Distribuição do acesso aos serviços hospitalares 448

18.1 Dados de corte transversal de Kuznets: participação de setores de produção no PIB 453

18.2 Distribuição setorial do PIB 453

18.3 Distribuição setorial do PIB segundoKuznets 454

18.4 Distribuição setorial de mão-de-obra 454

18.5 Mudanças na estrutura industrial do Brasil,1949-92: valor bruto agregado 455

18.6 Mudanças na estrutura de emprego industrial no Brasil 456

18.7 Dados de corte transversal de Kuznets: participação no valor agregado da produção 457

18.8 Estrutura do valor agregado 459

18.9 Estrutura de consumo pessoal debens produzidos internamente 460

18.10 Participação do consumo pessoal na produção total 461

18.11 Participação das exportações na produção total 462

18.12 Participação dos salários e da Previdência Social na produção total 463

18.13 Participação dos salários e da Previdência Social no valor agregado 464

18.14 Capacidade instalada 465

18.15 Participação de insumos importados na produção total 466

18.16 índice de encadeamento regressivo 467

18.17 índice de encadeamento progressivo 468

19.1 a) Brasil: desempenho econômico geral,1999-2001 472

b) Brasil: crescimento industrial 472

17.5 Gastos públicos com saúde como % do PIB 44019.2 Brasil: indicadores de posição econômica

internacional, 1998-2002 473

18

Page 16: Economia Brasileira - Werner Baer

19.3 Brasil: posição fiscal do governo 473

19.4 Brasil: crescimento da capacidade de energia elétrica, PIB e consumo de energia 475

Al Distribuição setorial do PIB (1950-99) 481

A2 Taxas de crescimento de subsetores(1971-99) 482-85

A3 Formação de capital fixo bruto, 1950-99 486

A4 Balanço de pagamentos, 1950-99 487-88

A5 Taxa de câmbio, salário mínimo, inflação,taxas de juros, 1950-99 489-90

Page 17: Economia Brasileira - Werner Baer

Gráficos e figuras

Gráfico 1 Entrada de investimento estrangeiro 278

Gráfico 2 Investimento estrangeiro líquido 278

Figura 1 Taxas de inflação anuais: 1989-98 319

Figura 2 Taxas de crescimento do PIB e do consumo no Brasil: 1993-96 325

Figura 3 Mudança percentual no crédito dos bancos privados brasileirospara o comércio, habitação e particulares 325

Figura 4 Importações, exportações e balança comercial, 1987-97 326

Figura 5 Taxa base mensal: 1995: 1 - 1997: 12 327

Figura 6 Empréstimos vencidos como percentagem do total de empréstimosno Brasil: 1994-96 328

Figura 7 Participação de bancos privados e estatais, 1996-98 332

Figura 8 Taxa de crescimento do total de ativos, 1994-97 333

Figura 9 Participação do capital estrangeiro nos ativos do setor bancário 334

Figura 10 Eficiência dos principais bancos brasileiros e internacionais 335

Figura 11 Medidas de eficiência: clientes por filial e transações eletrônicas 336

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Page 18: Economia Brasileira - Werner Baer

Prefácio à segunda edição brasileira

E s t a É um a SEGUNDA EDIÇÃO de A E fonom ia Brasileira atualizada. Há três capítulos novos e outros foram atualizados. O Capítulo 10 é novo e traz a análise do desempenho da economia brasileira até o ano 2000. Os capítulos 11, sobre o setor externo, e 12, sobre o setor governamental e a privatização, contêm grande quantidade de material novo baseado nos acontecimentos ocorridos na década de 1990. O Capítulo 13, sobre a reestruturação e privatização do sistema bancário brasileiro, é totalmente novo. Os capítulos 14, 15 e 16, sobre desequilíbrios regionais, o setor agrícola e o meio ambiente, foram atualizados com dados e análises de até o final da década de 1990. O Capítulo 17, sobre saúde e economia, é novo. E o Capítulo 18, sobre mudanças estruturais na economia industrial brasileira, contém mais dados recentes.

Os capítulos novos foram escritos com a colaboração de vários colegas. Desejo agrade-cer a Edmund Amann (co-autor do Capítulo 10), Nader Nazmi (co-autor do Capítulo 13), Antonio Campino e Tiago Cavalcanti (co-autores do Capítulo 17).

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Page 19: Economia Brasileira - Werner Baer

Parte IPerspectivahistórica

Page 20: Economia Brasileira - Werner Baer

Introdução e aspectos gerais

O BRASIL PASSOU P O k PROFUNDAS mudanças socioeco- nômicas desde a Grande Depressão da década de 1930, e, principalmente, após a Se-gunda Guerra Mundial. Sua economia, durante séculos voltada para a exportação de uma pequena quantidade de produtos primários, foi dominada por um setor indus-trial amplo e diversificado em um espaço de tempo relativamente curto. Ao mesmo tempo, sua sociedade, predominantemente rural, tornou-se cada vez mais urbanizada.

Essa rápida transformação socioeconômica pode ser exemplificada com alguns nú-meros. Em 1940, apenas 30% da população do país era urbana; em 1970, essa proporção havia aumentado para 56%, e, em 1999, para 78%.1 A contribuição da agricultura para o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 28% em 1947 para cerca de 10% no final da década de 1990 (avaliada em preços atuais), enquanto a da indústria cresceu de quase 20% em 1947 para cerca de 36% no final da década de 1990. Após quatro décadas de intensa industrialização, o Brasil produzia 2 milhões de veículos a motor em 1997, 26 milhões de toneladas de aço em 1997, 39 milhões de toneladas de cimento em 1998, cerca de 7,8 milhões de aparelhos de televisão e 3,7 geladeiras em 1997. Em 1998, possuía mais de 58 mil megawatts de capacidade energética instalada e mais de 60% de suas exportações consistiam em produtos manufaturados. Sua rede de estradas pavimentadas cresceu de 36 mil quilômetros em 1960 para cerca de 150 mil quilômetros em 1999.2

Embora a agricultura não fosse o setor líder nesses anos, seu crescimento foi conside-rável. A área cultivada do país ampliou-se de 6?6 milhões de hectares em 1920 para 52,1 milhões em 1985, caindo para 41,7 milhões em 1995,3 enquanto as terras dedicadas ao plantio de pastagens aumentaram de 74,1 milhões de hectares em 1985 para 99,6 mi-lhões em 1995. O_país_tornou-se o maior produtor de açúcar e exportador de suco de laranja e o segundo maior exportador de soja, depois dos Estados Unidos.

Essas realizações, entretanto, não transformaram o Brasil em uma sociedade indus-trial avançada, pois, em termos de prosperidade de seus cidadãos médios, ele conti-nuou sendo um país menos desenvolvido. Embora em 1998 a renda per capita tenha sido de US$ 4.570, esse número não é um bom indicador de bem-estar geral, visto que

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Page 21: Economia Brasileira - Werner Baer

a distribuição de renda se mostrou altamente concentrada entre determinados grupos d e renda e regiões do país. Em 1998, 10% da população recebeu 46% da renda nacio-nal, enquanto os 50% pertencentes aos grupos de renda mais baixa receberam apenas 14% da renda nacional. A renda per capita variou regionalmente a tal ponto que em muitos estados do Nordeste representou menos da metade da média nacional, enquan-to em regiões mais avançadas ela superou a média nacional em mais de 50%.4

Em 1998, 80% das residências tinham acesso a sistemas de fornecimento de água, 36% estavam conectadas a um sistema geral de esgotos, 65,6% dispunham de serviços de coleta regular de lixo, 94% tinham eletricidade, 74,6% tinham uma geladeira, 81% possuíam um aparelho de televisão e apenas 32% possuíam telefone. Em 1984-89, a relação habitante-médico era de 1:1.120, passando a 1:746 em 1995, comparada a 1:408 nos Estados Unidos e 1:334 na Suécia; a relação enfermeira-habitante era de 1:2.439 em 1995, comparada a 114 nos Estados Unidos e 95 na Suécia. A taxa de mortalidade in-fantil era de 65 em cada 1.000 crianças em 1990, caindo para 34 em 1997, comparada a 7 nos Estados Unidos e 4 na Suécia.

Esses indicadores sociais descrevem apenas médias nacionais e, em muitas regiões do país, a população vivia em condições muito piores do que elas indicam. No início da década de 1990, por exemplo, no Nordeste do Brasil apenas 48% das residências urba-nas tinham acesso a sistemas gerais de abastecimento de água, comparadas a mais de 85% no Sudeste; apenas 16% das residências estavam ligadas a um sistema geral de esgotos, comparadas a 70% no Sudeste. A expectativa de vida ao nascer era de 88,1 no Sudeste, comparada a 60,7 no Nordeste, e a taxa de mortalidade infantil atingia 26,8% no Sudeste, comparada a 63,1 no Nordeste.6

Os responsáveis pela política econômica tinham esperança de que, além de contri-buir para o crescimento e desenvolvimento geral do Brasil, a industrialização diminuiria substancialmente a dependência econômica do país em relação aos tradicionais centros industriais do mundo. A divisão internacional do trabalho originada no século XIX con-feriu ao Brasil e à maioria dos países do Terceiro Mundo o papel de fornecedores de produtos primários. Assim, sua taxa de atividade econômica dependia em grande parte do desempenho dos centros industrializados do mundo. Esperava-se que a industriali-zação - visando à substituição de importações - resultasse em maior independência para o país, quando, na verdade, modificou somente a natureza de sua dependência. O coefi-ciente de importação (o indicador de importação/PIB) não sofreu uma queda acentuada, enquanto a composição de mercadorias de importação mudou e, no que diz respeito à atividade econômica, ocasionou uma dependência do país em relação ao comércio exterior no mínimo tão grande quanto antes. Além disso, como a industrialização foi atingida por investimento estrangeiro maciço nos setores mais dinâmicos da indústria, a influência estrangeira no desenvolvimento e no uso de meios de produção aumentou substancialmente.

O modelo brasileiro de industrialização baseou-se na ideologia das economias de mer-cado, isto é, na maioria dos governos durante o período em que a industrialização era estimulada. Enfatizou-se o respeito pela propriedade privada e a confiança nos em-preendimentos privados domésticos e estrangeiros. O Estado, entretanto, envolveu-se diretamente em atividades econômicas com maior intensidade do que foi planejado ori-ginalmente pelos responsáveis pela política econômica do país. Isso ocorreu devido às

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Page 22: Economia Brasileira - Werner Baer

limitações financeiras, ao atraso técnico do setor privado doméstico, à relutância do capi-tal estrangeiro em penetrar em certos campos de atividade e à resistência dos governos em permitir a entrada do capital estrangeiro em alguns setores.

Este livro examinará a evolução histórica da economia brasileira, concentrando-se principalmente no seu processo de industrialização no século XX, nos métodos usados para atingi-la, no impacto que produziu sobre o ambiente socioeconômico e nos ajustes das instituições socioeconômicas às mudanças estruturais ocorridas na economia. Esses fatos nos conduzirão ao estudo do tipo de sistema econômico surgido nesse processo, isto é, a combinação de capitalismo privado e estatal, em que algumas das caracterís-ticas são diferentes das de economias mistas da Europa ocidental. Finalmente, plane-jamos examinar alguns aspectos das políticas econômicas e do sistema econômico brasileiro responsáveis pela permanência do subdesenvolvimento em meio ao cres-cimento econômico.

Cenário físico e demográfico

A extensão territorial do Brasil, de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, torna-o o quinto maior país do mundo, ultrapassado somente pela Rússia, Canadá, China e Estados Unidos, ocupando 47% da América do Sul. A maior parte do território é composta de montanhas geologicamente antigas, das quais cerca de 57% se encontram sobre um planalto que varia de 200 a 900 metros de altitude; 40% consistem em planícies com elevação inferior a 200 metros e 3% ultrapassam 900 metros. Ao norte da cidade de Salvador, observa-se um aumento gradual da costa para o interior. Entretan-to, quem se aproximar do Brasil pelo Atlântico, ao longo das costas do Centro e do Sul, terá a impressão de ver um país de montanhas, visto que o planalto montanhoso do Centro-Sul do país desce bruscamente para o Atlântico. Esse declive, semelhante a um muro, chamado de Grande Escarpa, dificultou o acesso ao interior e foi muitas vezes citado como a principal razão para o lento desenvolvimento do planalto da região Centro-Sul, antes do século XX.

Com exceção do Amazonas, a maioria dos principais sistemas fluviais tem suas nas-centes na região Centro-Sul do país, relativamente próximas ao oceano. No entanto, como os rios correm para o interior, não há um núcleo natural de rotas na área mais dinâmica do país, motivo pelo qual o transporte fluvial não desempenhou um papel importante no desenvolvimento do Brasil. O sistema do rio Paraná é alimentado por afluentes que se des-locam em direção ao oeste, para o interior, até atingirem o rio principal, que corre em di-reção ao sul, para a Argentina. O rio São Francisco, cuja nascente fica no sul, segue em direção ao norte, paralelo à costa por mais de 1.600 quilômetros antes de direcionar-se para o leste. A maioria dos sistemas fluviais desce rapidamente à medida que atravessa a Grande Escarpa, impossibilitando a navegação interna para as grandes embarcações. O rio São Francisco, por exemplo, é navegável por cerca de 250 quilômetros para o interior, até pouco antes da Usina de Paulo Afonso. Somente o rio Amazonas é navegável por uma grande distância em direção ao interior, unindo uma região do Brasil esparsamente habi-tada, subdesenvolvida e inexplorada.

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Page 23: Economia Brasileira - Werner Baer

O Brasil é, em grande parte, um país tropical e seus climas apresentam poucos extremos, mas “eles não são, de modo algum, tão monotonamente uniformes, ou tão insuportavelmente quentes e úmidos a ponto de entorpecer o espírito humano. Se parece faltar energia aos brasileiros de determinadas regiões, este fato não pode ser interpretado como resultado inevitável do clima até que outros elementos, como a alimentação e as doenças, tenham sido avaliados”.7

A temperatura média em Santarém, na Amazônia, a poucos graus da linha do Equador, é de 25°C; no seco Nordeste, a mais alta temperatura registrada é de 41°G, porém, mais ao sul, ao longo da costa, a temperatura máxima é muito mais baixa. A média no Rio de Janeiro no mês mais quente é de 26°C. Nas montanhas do interior, as temperaturas são mais baixas do que nas mesmas latitudes na costa; somente nos estados ao sul de São Paulo ocorrem geadas.

As chuvas são adequadas em quase todo o país. Há insuficiência somente no Nordeste, onde há áreas que recebem menos de 244 milímetros por ano, enquanto a maior parte do Nordeste recebe entre 500 a 630 milímetros. O principal problema da região é a irregularidade das chuvas: as variações entre seu excesso e as secas.8 Áreas muito úmidas, com mais de 2.000 milímetros de precipitação por ano, existem em quatro regiões: nas planícies do interior da Amazônia, na costa de Belém, ao norte, em partes dispersas da Grande Escarpa, e numa pequena região no oeste do estado do Paraná.

Recursos naturais

O Brasil possui muitos e abundantes tipos diferentes de recursos minerais. Tem uma imensa reserva de minério de ferro (em 1990, acreditava-se que as reservas potenciais chegavam a cerca de 36 bilhões de toneladas), manganês (em 1992, cal-culavam-se as reservas em cerca de 136 milhões de toneladas), e outros metais industriais. O país também possui quantidades significativas de bauxita, cobre, chum-bo, zinco, níquel, tungstênio, estanho, urânio, cristais de quartzo, diamantes indus-triais e pedras preciosas.

Até o final da década de 1960, o conhecimento sobre o total das reservas minerais do Brasil ainda era limitado. O uso de técnicas modernas de levantamento topográfico e prospecção (o emprego de satélites, por exemplo) ocasionou descobertas novas e significativas9. Acreditava-se, por exemplo, que a maioria dos depósitos conhecidos de minerais estivesse localizada na cadeia de montanhas que percorre o Brasil central (principalmente no estado de Minas Gerais). Em 1967, entretanto, imensas jazidas de minério de ferro (estimadas em 18 bilhões de toneladas) foram descobertas na serra de Carajás, na Região Amazônica. Também no final da década de 1960, descobriu-se que a Amazônia continha grandes jazidas de bauxita. Calculou-se que reservas de estanho próximas à fronteira da Bolívia eram maiores do que as desse país e, na década de 1970, importantes jazidas de cobre foram encontradas no estado da Bahia.

Houve uma drástica reformulação no consumo das fontes de energia do Brasil, nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial. Em 1946, 70% do fornecimento de

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Page 24: Economia Brasileira - Werner Baer

energia do país foram extraídos da lenha e do carvão vegetal. Na década de 1990, porém, mais de 66% estavam sendo extraídos do petróleo e de hidrelétricas. In-felizmente, os recursos de combustível do país não se equipararam aos seus recur-sos minerais. Até recentemente, as únicas jazidas de carvão conhecidas estavam localizadas no estado de Santa Catarina, no sul do país, carvão este de má cjuali- dade, que contém grandes quantidades de resíduo mineral e enxofre, e, conse-qüentem ente, não pode ser usado em sua totalidade pela indústria siderúrgica para a produção de carvão coqueificável. Cerca de 65% das necessidades de carvão metalúrgico são atendidas pelas importações. Na década de 1970, foram descobertas algumas novas jazidas de carvão nas profundezas da Região Amazônica, mas ainda não foram totalmente exploradas.

As reservas de petróleo conhecidas no Brasil são inadequadas às suas necessidades. Até o princípio da década de 1970, a maioria das reservas conhecidas estava localizada nos estados da Bahia c Sergipe, mas a produção doméstica dessas fontes atendia so-mente a 20% das necessidades do país em meados da década de 1970. Explorações realizadas ao longo da costa pela Petrobras, empresa pertencente ao governo, resulta-ram em novas descobertas próximas à cidade de Campos, no Rio de Janeiro, em Sergipe e perto da foz do Amazonas. As dimensões dessas descobertas eram conside-ráveis. Em 1984, as reservas de petróleo do Brasil eram de 2 bilhões de barris, 600 milhões dos quais se localizavam em terra firme e o restante na plataforma continental. Em 1998, a produção doméstica de petróleo totalizou 56,6 milhões de metros cúbicos, o que representava 69% do consumo interno.

O potencial hidrelétrico do Brasil é um dos maiores do mundo, ca lcu lad o em 150 mil megawatts. Até o período posterior à Segunda Guerra Mundial, os melhores locais foram considerados afastados demais dos principais centros populacionais em desenvolvimen-to, mas desde a década de 1950 rapidamente o progresso de tais pontos ocorreu com a construção das usinas de Paulo Afonso e Boa Esperança, no Nordeste, Furnas e Ilha Solteira, no Sudeste, e Três Marias, em Minas Gerais. Em meados da década de 1970, deu-se início ao maior projeto hidrelétrico do mundo, Itaipu, na fronteira paraguaia e, em 1983, foram ligadas suas primeiras turbinas. Até a década de 1990, apenas pouco mais de 15% do potencial hidrelétrico do país estava sendo utilizado.

A população

Em 2000, a população do Brasil era calculada em 170 milhões de pessoas, o que o torna a sexta maior nação em número de habitantes. Considerando-se o enorme território do país, sua densidade populacional é relativamente baixa, havendo 19,6 pessoas por quilômetro quadrado, em 1998 (comparada com 13 na Argentina, 49 no México e 36 na Colômbia). Pode-se verificar uma grande oscilação na densidade populacional, variando de 2,6 pessoas por quilômetro quadrado na Região Amazônica a 27,5 habitantes no Nordeste e 127 no estado de São Paulo. Em 1991, 6,8% da população vivia na Região Amazônica, 28,9% no Nordeste, 42,7% no Sudeste, 15,1% no Sul e 6,5% no Centro-Oeste.

29

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Uma característica notável sobre a distribuição regional da população no Brasil é o grau de concentração dentro de umas poucas centenas de quilômetros da costa marítima. A penetração populacional no interior apenas se tornou significativa no século XX, principalmente no sul. A construção de Brasília (que se tornou a capital federal em 1960) no interior, as estradas que se dirigiam a essa cidade e o elevado índice da atividade de construção de estradas nas décadas de 1960 e 1970 aumentaram substancialmente a migração da população para o interior do país.10

A alta taxa de crescimento populacional (3% ao ano na década de 1950, 2,9% na década de 1960, 2,5% na década de 1970 e 2,0% na década de 1980) deve-se à continuada taxa elevada de nascimentos, combinada com a queda da taxa de morta-lidade, o que fez com que uma grande parcela da população - 39,5% em 1995 (com-parados com 21,5% nos Estados Unidos e 29,4% na Argentina) - se inserisse no grupo etário dependente de 14 anos ou menos. A taxa de alfabetizados de 15 anos ou mais cresceu de 49% em 1950 para 61% em 1970 e 84% em 1995. Esse fato está intima-mente ligado ao recente elevado aumento do número de matrícula nas escolas. Até 1994, as inscrições em escolas do 1- grau do curso fundamental da faixa etária entre 7 e 13 anos representavam 90%; nos cursos médios atingiram 47% da faixa entre 14 e 19 anos e nos cursos superiores representaram 11% da faixa entre 20 e 24 anos.

A elevada parcela da população presente nas faixas etárias mais jovens é respon-sável, em parte, pelo reduzido índice de participação na força de trabalho, que era de 32,9% em 1950, caiu para 31,8% em 1970 e subiu para 65% em 1995.

A composição racial do país é bastante variada. Um especialista na população do Brasil declarou que “há poucos lugares no mundo em que a formação racial é mais confusa e complexa do que no Brasil. Todas as principais variedades do gênero hu-mano, todos os grupos étnicos básicos em que os seres humanos estão divididos — vermelhos, brancos, negros e amarelos — entraram na composição da população deste grande meio-continente”.11 Até o final do século XIX, a população era formada prin-cipalmente por descendentes de portugueses, africanos e ameríndios. Durante o pe-ríodo de colonização, e durante o século XIX, ocorreu uma quantidade considerável de miscigenação que ocasionou a descendência variada de grande parte da população atual. No final do século XIX e na primeira década do século XX, houve intensa imigração da Itália, Portugal, Espanha, Alemanha, Polônia e do Oriente Médio. Esses imigrantes estabeleceram-se principalmente no sudoeste e sudeste do Brasil. Na se-gunda década no século XX chegou ao país um grande número de imigrantes japo-neses que se estabeleceu principalmente nos estados de São Paulo e Paraná. Calcula- se que hoje há mais de 800 mil brasileiros descendentes de japoneses.

A diversidade na formação da população não evitou que o Brasil atingisse um elevado grau de unidade cultural. Com a exceção de um reduzido número de índios instalados nas profundezas da Região Amazônica, todos os brasileiros falam português, com pequenas variações regionais de sotaque (possivelmente menos do que nos Es-tados Unidos). De acordo com um dos principais intérpretes da sociedade brasileira, “existe um sentimento forte e profundo entre os brasileiros de todas as procedências raciais e origens nacionais que os faz formar um ‘povo’ e uma nação. Eles partilham os mesmos ideais, gostos e problemas, um passado comum e o mesmo senso de humor”.12

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Notas

1. A fonte dos dados populacionais é a FIBGE, Censo Demográfico. Rio de Janeiro, FIBGE, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1996. Esses dados exageram o grau de urbanização, visto que a definição brasileira da palavra “urbano” , utilizada em recenseam entos, se aplica a toda a população que vive em distritos administrativos, que pode consistir em pequenas cidades com população de 500 a 1.000 pessoas ou grandes cidades. Como as atividades do primeiro grupo são, com freqüência, mais rurais do que urbanas, o grau de urbanização do Brasil em 1990 provavelmente é menor do que indicam os dados oficiais. Se, por exemplo, fôssemos definir popula-ção urbana como aquela que vive nas cidades de 10 mil ou mais habitantes, a parcela da população que é urbana cairia 51%.

2. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1996.3. A queda entre 1985 c 1995 ocorreu, em parte, devido ao aumento de produtividade de algumas

safras e, em parte, por causa da maior importação de alguns gêneros alimentícios.4. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1996.5. Isso mudou rapidamente no final da década de 1990 com o uso de telefones celulares e os planos de

investimento dos sistemas de telefonia fixa, recentemente privatizados.6. W ILLUMSEN, Maria J.F., “Regional Disparities in Brasil”. In: The Brazilian economy: structure and

performance in recent decades, editado por Maria Willumsen e Eduardo Giannetti da Fonseca, Miami, North- South Center Press, 1996, p. 243; Brasil: Reforma ou Caos, editado por I lélio Jaguaribe, Rio de Janeiro, Paz c Terra, 1989, p. 24.

7. JAMES, Preston E. Latin America. Nova York, Odyssey Press, 1969, p. 389. Informações mais deta-lhadas sobre a geografia brasileira podem ser obtidas através da FIBGE, Sinopse estatística do Brasil, 1975. DYE R, Donald R. “ Brasil’s half-continent” . In: Modem Brazil: New patterns and development, John Saunders, Gainesveille, University of Florida Press, 1979, p. 29-50.

8. Ao comentar as secas do Nordeste, Dyer afirma que “a estação seca é regular, mas a seca não o é. Entretanto, as secas são por demais freqüentes para serem inesperadas, com períodos que variam dc um a quatro anos de duração”. DYER, op. cit., p. 41-2.

9. “Pesquisas de recursos naturais no Brasil”. In: Conjuntura Econômica, jan.1974, p. 66-70. Ver também FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1981.

10. SM ITII, T . Lynn. “The people of Brazil and their characteristics” . In: Modem Brazil', op. cit., p. 52-3.11. Idem, ibid., p. 53-4.12. WAGLEY, Charles. An Introduction to Brazil, ed. rev. Nova York, Columbia University Press, 1971, p. 5.

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2Perspectiva histórica

A economia colonial

N o PRINCÍPIO DO PERÍODO colonial, durante o século XVI, o Brasil não era considerado algo valioso por Portugal. Embora o território adquirido pela Coroa portuguesa fosse imenso, não trouxe a inesperada sorte econômica obtida pelos espanhóis em suas conquistas do Peru e México, isto é, metais preciosos e uma popu-lação ampla, estável e bem organizada que poderia ser empregada na mineração e nos setores agrícolas de apoio.1 O território brasileiro era esparsamente habitado por índios nômades que diminuíram em número devido a doenças contraídas dos primeiros colo-nizadores portugueses e que não puderam ser facilmente submetidos à disciplina e treinados para o trabalho de plantio.2

O nome Brasil originou-se de seu primeiro produto de exportação - o pau-brasil. A casca dessa árvore era utilizada como matéria corante na Europa, e sua colheita era uma atividade rudimentar que não criou muitos povoados permanentes e setores complementares.3

O primeiro produto de exportação importante do Brasil foi o açúcar. Seu cultivo foi introduzido aproximadamente em 1520 e trazido ao continente brasileiro por usineiros imigrantes e comerciantes de açúcar vindos de ilhas do Atlântico dominadas por Portugal. A rápida expansão do cultivo e da exportação do açúcar logo se trans-formou na primeira de uma série de grandes ciclos de exportação primária, que iriam dominar o crescimento econômico do Brasil até o século XX.4

Organização socioeconômica inicial

A escassez de mão-de-obra e os baixos benefícios econômicos que o Brasil parecia oferecer a Portugal no início conduziram a uma organização político-econômica des-

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centralizada. O comércio estava principalmente em mãos de particulares e, a fundação dos primeiros povoados foi deixada a cargo de donatários, indivíduos que recebiam concessões para povoar e desenvolver determinadas áreas (capitanias) às próprias expensas. Eles vendiam terras a colonos e envolviam-se na promoção de vários tipos de empresas comerciais. Assim, o princípio da colonização no Brasil “foi essencialmente um empreendimento comercial, combinado com aspectos de subgoverno privado”.' Embora em meados do século XVI fosse indicado um governador-geral, instalado na cidade de Salvador para dirigir a colônia, o governo local foi mais forte até a última metade do século XVIII.

Assim, “somente as principais linhas gerais da política a ser seguida eram formu-ladas na Europa e a implementação e interpretação real eram deixadas a cargo dos governadores e conselhos municipais”.6 Estes últimos, por sua vez, eram dominados pelos donos de grandes propriedades rurais (fazendeiros) e de engenhos de açúcar (senhores de engenho), e o centro da vida social e econômica concentrava-se nas grandes plantações costeiras de açúcar.7

O ciclo da cana-de-açúcar

O primeiro grande produto de exportação do Brasil - o açúcar - era produzido principalmente próximo à úmida zona litorânea do Nordeste brasileiro, conhecida como Zona da Mata. Além das excelentes condições de cultivo, a localização da região tam-bém favorecia o embarque do produto para a Europa e o recebimento de mão-de-obra escrava da África. Com a escassez de trabalhadores índios locais, os portugueses lan-çaram mão da importação de escravos africanos (principalmente de Angola) para tra-balhar nas fazendas de açúcar.

A rápida expansão do cultivo do açúcar transformou a Zona da Mata em uma área de monocultura. O volume das exportações de açúcar aumentou com regularidade durante um século. O aumento da produção baseou-se na extensão de terra cultivada (já que havia uma grande quantidade disponível) e no crescimento da população escrava mais do que em mudanças no processo de produção e aumento de produ-tividade. A maior parte da cana-de-açúcar era cultivada em grandes fazendas (o nú-mero de escravos que trabalhava em uma propriedade de tamanho médio, na época, era de 80 a 100).8

Na época, o único ponto doméstico de integração econômica era o interior do Nordeste (o agreste e o sertão), cuja produção agrícola excedente alimentava os ha-bitantes das zonas do açúcar. A população do interior era composta de imigrantes portugueses e seus escravos, escravos fugitivos e caboclos mestiços. Eles praticavam o cultivo e administravam as fazendas de modo bastante primitivo, mas eram capazes de produzir excedentes suficientes para dar apoio ao crescimento do setor de exportação.

O setor de exportação de açúcar foi lucrativo para vários agentes econômicos: os fazendeiros e aqueles envolvidos na comercialização, financiamento, expedição e co-mércio de escravos. Os comerciantes também obtiveram lucros significativos com as importações, visto que a colônia era quase que totalm ente dependente de produtos estrangeiros manufaturados e mesmo de alguns alimentos importados.

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Nessa análise do passado colonial brasileiro, Celso Furtado chama atenção para uma diferença fundamental entre a estrutura produtiva do Brasil e as colônias inglesas na América do Norte. Grande parte destas consistia em pequenas propriedades rurais, enquanto a agricultura de exportação do Brasil era composta de grandes propriedades dedicadas à monocultura. Como conseqüência, a renda era distribuída de forma muito mais uniforme na América do Norte do que no Brasil. Esse fato explica o aparecimen-to no início de grande mercado interno na América do Norte que criou a base para o desenvolvimento inicial de um setor comercial e industrial independente. A limi-tação do mercado brasileiro devido à concentração da propriedade e renda serviu para manter estagnada a estrutura econômica colonial no Brasil.9

Embora seja atraente, esse argumento pode não ser totalmente pertinente ao período colonial. As economias de escala eram menos importantes para a indústria e o comércio naquela época do que seriam nos séculos XIX e XX. Também se poderia argumentar que, como a economia possuía uma vantagem comparativa natural no açúcar e algodão, o desenvolvimento das indústrias não teria sido uma forma eficiente de alocar recursos.

Furtado também apresenta uma análise muito convincente a respeito das reper-cussões significativas sobre a economia causadas pelo fracasso da economia inicial de exportação de açúcar. Ele sugere que a maioria do excedente ia para as classes comer-ciais, que investiam seus lucros no estrangeiro, ou para os fazendeiros, que gastavam grandes somas em importações, tanto em bens de consumo como de produção (que incluíam escravos).10 Ele destaca o fato de como é fraca a relação entre investimento e renda em uma economia escravagista voltada para as exportações, visto que a maior parte dos gastos é realizada na importação de mão-de-obra e capital, enquanto a manutenção dos escravos é paga em espécie, na maioria das vezes. O investimento representado pelo emprego de escravos para trabalhar na infra-estrutura local também não representou entrada de dinheiro.

Como o setor monetário da economia era, dessa forma, muito restrito, a estagnação da exportação exerceu poucos efeitos sobre a economia como um todo, e foi sentida apenas por uma queda na importação de mercadorias e escravos e um declínio geral na importância relativa do setor monetário da economia." A economia baseada na pecuá-ria do interior foi a única a sofrer repercussões internas por causa da economia do açúcar. As quedas nas exportações iriam causar uma atrofia nesse setor à medida que ele iria transformar-se progressivamente em uma economia de subsistência (isto é, um setor auto-suficiente fora do setor monetário da economia). A migração da enfraquecida economia açucareira para o interior e a mudança da atividade econômica de criação de gado para exportação para a de subsistência resultariam em um processo que Furtado chama de “involução econômica” - precisamente o oposto de crescimento e desenvol-vimento.1- Esse processo iria ocorrer, com freqüência, na história econômica do país e mostra, com efeito, como a organização socioeconômica específica do Brasil não per-mitiu que repentinas altas na exportação exercessem efeitos secundários duradouros na sociedade. Para que ocorresse um desenvolvimento orientado pelas exportações, seriam necessários muitos pré-requisitos que não existiam no Brasil.

No início do século XVII, o Brasil havia se tornado o principal fornecedor de açúcar do mundo e, de acordo com Glade, “havia superado as especiarias asiáticas como os

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elementos principais do comércio anglo-português e as exportações brasileiras eram igualmente conhecidas no continente europeu”.13

A medida que o século XVII foi chegando ao fim, a atividade exportadora começou a enfraquecer. A queda nas exportações de açúcar não ocorreu devido à falta de melho-rias tecnológicas no Brasil, pois o custo do açúcar brasileiro ainda era 30% menor do que o das plantações inglesas no Caribe. A causa do declínio foi o desenvolvimento de uma crescente quantidade da oferta do produto nas colônias inglesas, holandesas e francesas, que tinham acesso preferencial aos respectivos mercados dos países de origem.

As plantações de cana-de-açúcar não desapareceram. O fluxo de caixa declinante foi compensado, em parte, pela diminuição dos custos monetários “à medida que a criação de escravos nas fazendas oferecia um substituto, ao menos parcial, para sua importação”.14 Como descrevemos anteriormente, algumas terras foram redirecionadas para a agricultura de subsistência ou para o cultivo de alimentos para a população cos-teira em expansão. Nas proximidades de Salvador, algumas terras passaram a ser utili-zadas para o plantio de fumo e, mais tarde, em meados do século XVIII, de cacau. No Nordeste sempre se plantou certa quantidade de algodão que iria provocar breves ci-clos de exportação no final do século XVIII (à época da Guerra da Independência dos Estados Unidos) e no século XIX (por exemplo, durante a Guerra Civil Americana).15

O legado do ciclo de exportação do açúcar foi negativo. A organização da agricultura no interior do Nordeste permaneceu primitiva e nas plantações costeiras as técnicas agrícolas continuaram a ser arcaicas. O sistema escravagista manteve os recursos hu-manos subdesenvolvidos,16 e a distribuição de bens e de renda era extremamente con-centrada. Muitos dos lucros não previstos proporcionados pelo ciclo da cana-de-açúcar passaram às mãos dos portugueses e intermediários estrangeiros, enquanto grande par-te dos lucros que cabia aos fazendeiros e senhores de engenho foi gasta com bens de consumo importados, e não em melhorias técnicas e de infra-estrutura.

O ciclo do ouro e o princípio do controle mercantilista

Uma nova arrancada no crescimento foi iniciada em 1690 com a descoberta de moe-das na região onde hoje é o estado de Minas Gerais. Apesar da precariedade do sistema de comunicação da época, a notícia do descobrimento espalhou-se rapidamente e logo a região antes desabitada estava repleta de migrantes que buscavam o precioso metal. A produção de ouro cresceu continuamente entre 1690 e 1760 (havia também alguma pro-dução de diamantes, embora em menor escala). Afirmou-se que o Brasil foi responsável por metade da produção mundial de ouro no século XVIII.17

O ciclo de exportação do ouro mudou o centro de atividade econômica do Brasil para o Centro-Sul e migrantes chegavam de todas as partes do país. Muitos nordes-tinos, inclusive plantadores que traziam consigo seus escravos, deixavam seu território em decadência em busca das regiões do ouro, além de fazendeiros e rancheiros pro-venientes do rústico Sul e novos imigrantes de Portugal. Surgiram muitas novas cida-des nas regiões de mineração que faziam as vezes de centros de serviços para as atividades de extração e possuíam estruturas ocupacionais mais complexas do que aquelas que haviam existido em outras cidades brasileiras. Pela primeira vez, desen-

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volveu-se um setor artesanal e surgiram grupos bancários privados, suprindo as neces-sidades dos setores de mineração e comercial.

Uma grande parte da mineração era do tipo de aluvião, que podia ser realizada em pequena escala. Gomo as exigências de capital e mão-de-obra por unidade de produ-ção eram, por conseguinte, pequenas, foi possível haver uma crescente participação nos empreendimentos de mineração e, conseqüentemente, a concentração de renda era menor do que no Nordeste.18

O setor de mineração de Minas Gerais surtiu consideráveis efeitos de encadeamen- to. A demanda por alimento nas cidades e centros de mineração representou um estí-mulo à produção agrícola não somente nesse Estado, mas também no Estado de São Paulo, nas regiões localizadas mais ao sul e mesmo no Nordeste. Como o transporte de ouro para os portos era realizado por animais de carga, a procura por mulas causou impacto em várias regiões fornecedoras no Sul. A exportação de ouro e diamantes tam-bém financiou um crescente volume de importações de bens de consumo e suprimen-tos de mineração.

O incremento da mineração fez com que o Rio de Janeiro despontasse como um porto importante, que se tornou o principal centro exportador de minérios e pelo qual entravam os artigos importados manufaturados. Não demorou muito para que as mais importantes casas comerciais, instituições financeiras e vários outros serviços lá se ins-talassem. Em 1763, o centro administrativo dessa colônia portuguesa foi transferido de Salvador para o Rio de Janeiro.

Com a significativa valorização de sua colônia brasileira, o governo português au-mentou drasticamente seus controles administrativos. As regiões de mineração eram cui-dadosamente inspecionadas a fim de minimizar a evasão do pagamento à Coroa de um quinto do ouro extraído. Estavam proibidas as navegações particulares; todos os navios tinham de fazer parte de comboios oficialmente supervisionados; foram criados mono-pólios especiais de comércio; a manufatura local era rigidamente controlada e os bens que poderiam ser fornecidos pela metrópole não podiam ser produzidos no Brasil.19

A redução da integração interna com um novo setor manufatureiro ao mínimo manteve os fatores de produção da colônia em um estado muito primitivo, o que também foi resultado, em parte, do descaso em relação à instrução que era pratica-mente inexistente antes de 1776 (exceto pelos esparsos esforços empreendidos pelos jesuítas antes de sua expulsão em 1759). Mesmo antes desse ano, as poucas escolas que funcionavam exerciam pouco impacto sobre o nível cultural da população.20 A infra-estrutura de transporte era mantida intencionalmente primitiva a fim de se con-trolar o contrabando, o que manteve limitadas as dimensões do mercado interno durante muito tempo.21

O ciclo do ouro terminou no final do século XVIII, quando a maioria das minas eco-nomicamente viáveis se havia esgotado. Parte da população mineira, então, rumou em direção ao Planalto Central do Brasil, onde encontrou trabalho em fazendas de gado, e outros foram para o Sul, engajando-se em atividades agrícolas. Muitos permaneceram em Minas Gerais, também se dedicando a atividades agrícolas, muitas de natureza de subsistência.

Na segunda metade do século XVIII também houve o renascimento da agricultura de exportação no Nordeste, especialmente de algodão. Mais notável foi o aumento do cul-

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tivo e exportação de algodão no Maranhão, em Pernambuco e na Bahia.22 As exportações de açúcar, que nunca cessaram por completo, restabeleceram-se nesse século, prove-nientes não somente da região Nordeste, mas também de São Paulo.

Glade resume bem a situação do Brasil no final do século XVIII. Ele declara que “a cortina... caiu sobre dois estados brasileiros nitidamente separados. No Norte, o complexo costeiro agreste-sertão estava aniquilado, com uma sociedade quase imobi-lizada por sua estrutura institucional interna depois que o antigo dinamismo havia deixado os vínculos comerciais externos... em direção ao sul, o primeiro ato, baseado no ouro e nos diamantes, também chegara ao fim. Mas lá permaneceu uma sociedade mais versátil e aberta, pairando, por assim dizer, numa espécie de intervalo de desen-volvimento. O palco já estava sendo preparado para a segunda apresentação - um trabalho mais demorado com o café como centro das atenções” .23

Os últimos anos da colônia

Quando Napoleão ocupou Portugal, em 1807, a família real, sob proteção britânica, veio para o Brasil. Em 1808, instalou a capital do império português no Rio de Janeiro, e a criação de empregos no governo e os efeitos da folha de pagamentos do governo sobre os setores de serviços e manufatureiro estimularam o crescimento da cidade. A Coroa também assumiu a construção destinada a melhorar a infra-estrutura da nova sede do novo governo.

A abolição dos controles mercantilistas ajudou a intensificar o comércio. Os merca-dores portugueses e estrangeiros e os estabelecimentos financeiros intensificaram suas atividades, auxiliados pela fundação do primeiro Banco do Brasil, em 1808, e que operou como banco emissor e banco comercial até 1829.

Durante esse período, uma prensa tipográfica foi trazida para o país pela primeira vez. A Coroa também fundou várias instituições educacionais e trouxe inúmeros cientistas e técnicos europeus para o Brasil como consultores, além de procurar incentivar vários ti-pos de estabelecimentos industriais que não criaram raízes devido à torrente de bens importados, principalmente da Grã-Bretanha. Os ingleses haviam recebido acesso espe-cial ao mercado brasileiro em troca da garantia da defesa naval do Brasil.

O rei retornou a Portugal em 1821, deixando seu filho como regente. Como, de-pois de algum tempo, se tornou óbvio que Portugal iria devolver ao Brasil o status de colônia subordinada, o crescente descontentamento em todo o país levou o regente a declarar a independência em 1822. Dessa data até 1889, o Brasil foi um país inde-pendente, governado por um sistema monárquico cujo chefe era D. Pedro I, um imperador, que, após um período de regência de nove anos, de 1831 a 1840, foi seguido por seu filho, D. Pedro II.

O século após a Independência

Na época da Independência, na verdade no ano após sua declaração, em 1822, a po-pulação brasileira era estimada em 3,9 milhões de habitantes, dos quais 1,2 milhão eram

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escravos.24 Considerando-se a imensidão territorial do país em relação ao número de ha-bitantes e as dificuldades de comunicação que ainda existiram durante quase todo o século XIX, é um fenômeno histórico notável que o país não tenha sido dividido em países independentes menores, como ocorreu com o império hispano-americano.

Durante o século XIX, o Brasil adaptou-se facilmente à ordem econômica controla-da pela Grã-Bretanha, que se tornou o núcleo do centro industrial do mundo, trocando seus produtos manufaturados por alimentos e matérias-primas do exterior, ou seja, de países cujas economias eram completamente dependentes da exportação deles. O Bra-sil tornou-se um típico exemplo de tais países, pois sua economia dependia de um importante produto primário de exportação (café) e de alguns secundários (açúcar, al-godão, cacau). Durante quase todo esse período, sua economia estava aberta ao capital e aos produtos manufaturados estrangeiros (principalmente ingleses), que fluíam para dentro do país e destinavam-se a formar uma infra-estrutura financeira, comercial e de transportes que poderia ligar o país mais eficientemente à ordem econômica mundial do século XIX.

O ciclo do café

Embora o café tenha sido introduzido no Brasil no início do século XVIII, ele foi cultivado primeiramente como uma especialidade e era consumido principalmente nas residências e nos cafés das mais importantes cidades européias. Com a melhoria dos padrões de vida na Europa e na América do Norte, resultado do progresso ocasionado pela revolução industrial, o consumo de café intensificou-se rapidamente. Na quarta década do século XIX, o café era o principal item de exportação do Brasil.25

O rápido crescimento das exportações de café no século XIX é indicado pelos se-guintes dados de exportações por décadas (1.000 sacas, de 60 kg cada):26

1821-30 1831-40 1841-50 1851-60 1861-70 1871-80 1881-90

3.178 10.430 18.367 27.339 29.103 32.509 51.631

Na década de 1820, o café foi responsável por 19% do total de exportações; já em 1891, essa participação havia aumentado para cerca de 63%.

Até 1880, a maioria do café brasileiro era plantada ao norte e oeste do Rio de Janeiro (especialmente no Vale do Paraíba) e também no nordeste (na região de Cantagalo). As técnicas de produção eram rudimentares, baseadas no trabalho de escravos negros e mulatos, que geralmente viviam à parte da economia monetária. A fazenda era adminis-trada pelo proprietário, o fazendeiro, que reinava “como um patriarca poderoso sobre as questões sociais e políticas na área adjacente, além de controlar as atividades econômi-cas da fazenda em si”.27 Nos dias que precederam a construção das estradas de ferro, o café era despachado para o porto do Rio de Janeiro por uma tropa de mulas. Entre a fazenda e as casas de exportação, o café ficava aos cuidados de comissários.28

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À medida que as terras férteis do Vale do Paraíba se foram esgotando, por volta da década de 1880, a produção de café mudou para o sul, para São Paulo e depois para o oeste desse Estado. Na década de I860, capital e engenheiros ingleses construíram uma estrada de ferro sobre a escarpa litorânea que separava o planalto de São Paulo do porto de Santos, e nas décadas seguintes foram construídas ferrovias nas profundezas das zonas cafeeiras de São Paulo. A produção de café desse Estado cresceu rapida-mente nas décadas de 1880 e 1890. Nessa época, a quantidade do produto que pas-sava por Santos era igual à do Rio de Janeiro e, em 1894, esse porto havia se tornado o mais importante centro exportador de café do mundo.29

A expansão paulista em direção ao oeste ocasionou o desenvolvimento de imensas fazendas de café, visto que somente um pequeno número de pessoas possuía poder econômico e político necessários para estabelecer e defender propriedades e iniciar a produção em novas terras. Elas empregavam um crescente número de trabalhadores livres e, mesmo antes da abolição da escravatura, em 1888, fomentaram a imigração européia. Depois da abolição, houve uma grande afluência de mão-de-obra imigrante, principalmente do sul e do leste da Europa (especialmente da Itália).30

Não pode haver dúvidas de que as exportações de café foram o instrumento de crescimento durante quase todo o século XIX. Além disso, na última parte desse século, a economia cafeeira transferiu-se para São Paulo, de modo que o centro eco-nômico mudou gradualmente para essa região, onde permanece até os dias de hoje. Os efeitos secundários da economia cafeeira paulista - emprego de mão-de-obra imigrante livre, investimento estrangeiro na infra-estrutura, acúmulo de capital de produtores de café e, como veremos num capítulo posterior, o conseqüente desenvol-vimento da indústria — aprofundaram o dualismo regional entre o Centro-Sul e o restante do Brasil (levando-se em conta principalmente o Nordeste).

Alguns estudiosos da história econômica do Brasil, especialmente Celso Furtado, identificaram o atraso do país em relação à Europa e aos Estados Unidos como resul-tado da posição privilegiada ocupada pela Inglaterra como fornecedora de bens ma-nufaturados e da falta de uma classe comercial nativa importante. Dessa forma, o poder político estava nas mãos das classes proprietárias de terras cujos interesses eram compatíveis com a divisão do trabalho internacional no século XIX. Furtado dá ênfase ao seu ponto de vista comparando as situações que se sucederam à independência brasileira e americana. A influência dos pequenos produtores na agricultura, as classes comerciais e a guerra da independência contra o fornecedor de bens manufaturados são encarados por Furtado como importantes fatores institucionais que explicam o progresso havido no século XIX nos Estados Unidos em contraste com a estagnação socioeconômica ocorrida no Brasil.31

Nesse debate sobre a ascensão da economia cafeeira, Furtado é muito sensível a fenômenos não-econômicos. Ele destaca as diferenças existentes entre os anterior-mente dominantes proprietários de fazendas de cana-de-açúcar e os emergentes pro-prietários de fazendas de café. No apogeu do açúcar, o comércio era monopólio dos portugueses e, conseqüentemente, os proprietários de fazendas de cana-de-açúcar, separados do comércio, nunca se transformaram em empreendedores progressistas. Os produtores de café, entretanto, estavam intimamente ligados ao objetivo comercial de seu setor, além de estarem muito mais próximos da capital do país do que os fazen-

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deiros de cana-de-açúcar. Desse modo, eles estavam muito mais conscientes da fun-ção potencial a ser desempenhada pelo Estado na influência sobre seus interesses econômicos do que outras classes. Essa visão é de importância fundamental para a compreensão do apoio do Estado obtido pelo setor cafeeiro no século XX.32

Outras exportações

Embora o café tivesse dominado durante a maior parte do século XIX, outros produtos de exportação primários continuaram presentes na lista de exportações do país. A produção de açúcar expandiu-se principalmente por causa de um mercado doméstico em crescimento, visto que o valor do aumento das exportações anuais era inferior a 1%, devido à concorrência do açúcar de beterraba em mercados europeus protegidos, à produção de açúcar nos Estados Unidos e à concorrência do açúcar cubano, de custo mais reduzido.33

As exportações de algodão não apresentaram resultados muito melhores que as do açúcar, com um aumento de apenas 43% no período entre 1850-1900. Os elevados custos de transporte do interior para os portos parecem ter sido uma das principais causas para o lento crescimento dessas exportações.34 As exportações de fumo da Bahia iniciaram-se nas últimas décadas do século XIX e nunca se tornaram significa-tivas em razão das péssimas práticas de produção empregadas, que tornaram o produto não-competitivo no mercado internacional. No final desse século, começaram as ex-portações de cacau produzido no sul da Bahia e, depois da introdução de uma varie-dade de alto rendimento, vinda do Ceilão, em 1907, as plantações expandiram-se rapidamente e o Brasil tornou-se um dos principais exportadores do produto.

Um espetacular incremento de exportações teve início na Região Amazônica nas últimas décadas do século XIX. Como nessa época a região era a principal fonte produtora de borracha, a rápida demanda progressiva pelo produto e os preços em ascensão ocasionaram uma acelerada penetração e povoamento da área por grupos comerciais internos e estrangeiros. Grande parte da mão-de-obra para colher a seiva das esparsas seringueiras selvagens vinha do Nordeste do Brasil, principalmente do Ceará. A desastrosa seca da década de 1870 causou a disponibilidade de um grande pool de trabalhadores prontos para migrar para o Amazonas. As exportações de borra-cha passaram de uma média anual de 6 mil toneladas na década de 1870 para 21 mil toneladas na década de 1890 e para 35 mil toneladas na primeira década do século XX. Nesse período, o Brasil fornecia 90% da borracha do mundo e, em 1910, o produto era responsável por 40% das exportações do país.35

Em 1870, sementes de seringueiras (hevea) foram contrabandeadas para fora do país com fins de experimentação nos jardins botânicos de Kew, em Londres. Em 1895, formaram-se fazendas na Ásia e, em 1899, aparecia a primeira borracha asiática no mercado mundial. O aumento da oferta de borracha na segunda década do século XX fez com que os preços caíssem drasticamente e, em 1921, atingiram menos de um sexto em relação aos de 1910. O Brasil não pôde competir com o produto asiático, muito mais barato, e gradualmente perdeu toda sua participação no merca-do mundial.

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Depois de sua queda, os lucros líquidos obtidos da expansão da borracha na economia brasileira mal eram perceptíveis. A renda gerada era despendida, em sua maior parte, em importações e num consumo irrefletidamente conspícuo (como exemplificado pelo fa-moso teatro construído na cidade de Manaus).

Políticas adotadas no século XIX

Uma década e meia antes da proclamação da Independência, a Corte portuguesa, “exilada”, envidou esforços para diversificar a vida socioeconômica-cultural do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro e vizinhanças, o que ficou patente com a fundação do primeiro banco do Brasil, em 1808, o primeiro banco moderno da América Latina; a fundação da bolsa de valores no Rio; a importação da primeira prensa tipográfica; a contratação de técnicos e a assistência oferecida a vários tipos de empreendimentos industriais (como o desenvolvimento da indústria metalúrgica em Minas Gerais e São Paulo).36 Como veremos no próximo capítulo, muitos dos primeiros esforços de indus-trialização fracassaram depois da Independência devido à política de portas abertas às importações industriais. Embora houvesse tarifas de importação durante todo o pe-ríodo, elas, juntamente com as tarifas de exportação, eram a principal fonte de renda do governo e raramente tinham efeitos protecionistas.

Uma das principais medidas de desenvolvimento adotadas pelo governo na segun-da metade do século XIX foi o incentivo à construção de ferrovias. Os principais instrumentos da política consistiam em subsídios e taxas de retorno garantidas.37 In-felizmente, a rede de ferrovias desenvolvida mostrou ser deficiente de várias formas; linhas diferentes possuíam diferentes bitolas, já que haviam sido construídas e eram operadas por várias firmas independentes. Elas ligavam as fazendas ao porto, onde muitas tendiam a serpentear em vez de fazer a ligação do interior para o porto de maneira mais eficiente. O sistema de transporte que daí resultou não transformou o país em um mercado mais unificado. A extensão das ferrovias brasileiras cresceu de 14 quilômetros, em 1854, para 474 em 1864; 3.302 em 1884; 16.306 em 1904, e 33.106 em 1934.™

A maioria das ferrovias foi construída por empresas inglesas. Em 1870, quatro companhias britânicas eram proprietárias de 72% da extensão das ferrovias brasileiras. Depois da suspensão das garantias das taxas de retorno, em 1901, quase toda a cons-trução de linhas adicionais ficou nas mãos do governo, que também assumiu gradual-mente um crescente número de linhas privadas estrangeiras.39

Durante todo o século XIX, o governo central estava constantemente ocupado em fomentar a imigração e a colonização. Antes da Independência, a Coroa portuguesa atraiu um grupo de colonizadores suíços com o pagamento de suas passagens e pro-porcionando-lhes meios para iniciar um povoado.40 A existência da escravatura dificul-tou a difusão de tais projetos, embora alguns outros tivessem sido levados a cabo no sul do Brasil nas décadas de 1820 e 1830 com imigrantes alemães. A imigração em larga escala no sul somente começou com o fim da escravidão nessa região. Depois da abolição, em 1888, e da proclamação da República, em 1889, a imigração começou a ser realizada em grande escala.41

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Page 37: Economia Brasileira - Werner Baer

A imigração deveria exercer um efeito positivo no desenvolvimento econômico do Brasil, especialmente no Sul, visto que oferecia ao país um grande número de pessoas economicamente ambiciosas. Além disso, uo ato público de subsidiar a imigração foi, a curto prazo, um substituto razoavelmente eficiente para o investimento em educa-ção como meio de melhorar a qualidade dos recursos humanos na economia”.42

No final do século, o governo ocupou-se em proteger os principais setores de exportação do país. Os ganhos garantidos pelo governo e as isenções de tarifas de importação de equipamentos foram usados como incentivos para a realização de inves-timentos em usinas de açúcar altamente capitalizadas.43 Na primeira década do século XX, à medida que a produção de café superava a demanda mundial, ocasionando uma queda nos preços, o estado de São Paulo proibiu o plantio de novas mudas durante cinco anos e, em 1907, esse estado (com alguma cooperação de Minas Gerais e do Rio de Janeiro) deu início ao primeiro projeto de valorização (embora esse fato seja conhe-cido como o Convênio de Taubaté, o programa foi realizado quase que tão-somente pelo estado de São Paulo). Utilizando, primeiro, a arrecadação conseguida com as taxas de exportação e, depois, empréstimos estrangeiros (garantidos pelo governo central), São Paulo comprou grandes quantidades de café que eram sonegadas ao mercado a fim de estabilizar os preços.44

Notas

1. GLADE, William P. The Latin American economies: A study of their institutional evolution. Nova York, American Book - Van Nostrand, 1969, cap. 3 e 4.

2. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 12aed., São Paulo, Brasiliense, 1970, p. 35-6; JOHNSON, H. B. “T he Portuguese settlement of Brazil, 1500-1580”. In: The Cambridge history of Latin America, vol. 1, Colonial Latin America. Leslie Bethell, Cambridge, Cambridge University Press, 1984, p. 253-86.

3. PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 24-7; BLJESCU, Mircea & TAPAJÓS, Vicente. História do desen-volvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro, A Casa do Livro, 1969, p. 29-31.

4. Antes de 1548, bastava uma média anual de dois navios para atender ao comércio da colônia brasilei-ra. Quarenta anos mais tarde, a média anual atingia 45 embarcações e, em 1620, chegava a 200. HUSSEY, Ronald Dennis. “Colonial Economic Life” . Itr. Colonial Hispanic America, vol. 4 de Studies in Hispanic american affairs, S. Curtis YVilgus, Washington, D.C.: George Washington University Press, 1936, p. 334.

5. GLADE, William P. op. cit., p. 156.6. Idem, ibid.; ver também BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 100-4.7. O mais renomado trabalho que descreve essa sociedade é o de Gilberto Freyre, The masters and the

slaves. Nova York, Alfred A. Knopf, 1946. A descrição de Freyre, entretanto, está longe de estar completa. Ele ignora, por exemplo, os plantadores livres de cana-de-açúcar que se encontravam em algum ponto entre os “senhores” e os “escravos” . Melhor do que qualquer outro fato, o escritor descreve com mais precisão o Nordeste do século XIX (principalmente Pernambuco). Veja também SCHWARTZ, Stuart B. “Colonial Brazil, 1580-1750, Plantation and peripheries”. ln\ The Cambridge history of Latin America, vol. 2, Colonial Latin America. Leslie Bethell, Cambridge, Cambridge University Press, 1984, p. 423-500.

8. PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit., p. 34-8; BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 33-4.9. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 11a ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional,

1972, p. 30-1.10. Idem, ibid., p. 45-6.11. Idem, ibid., p. 50-2.12. Idem, ibid., p. 64. Buescu & Tapajós apresentam algumas estimativas sobre o rebanho brasileiro nos

séculos XVI e XVII, op. cit., p. 36-7.13. GLADE, op. cit., p. 162.

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14. Idem, ibid., p. 163-71. Para algumas estimativas quantitativas sobre as exportações de açúcar em anos selecionados durante o período colonial, veja BIJESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 23-4, 128.

15. PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit., p. 81-2.16. Em outro livro, Caio Prado Junior apresenta uma avaliação bastante negativa da influência exercida

pela escravatura no desenvolvimento econômico e social: “O uso universal de escravos nos diferentes ramos e ocupações da vida social e econômica acabou por influenciar a atitude em relação ao trabalho, que veio a ser considerada desprezível e degradante”. Veja o seu livro The colonial background of modem Brazil. Berkeley e Los Angeles, University of California Press, 1967, p. 325.

17. GLADE, op. cit., p. 166; BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 38-40. Veja também Estudos econômicos 13, número especial, 1983, que contém uma coleção de artigos sobre a economia colonial nos séculos XVII c XVIII; RUSSEL-WOOD, A. J. R. “Colonial Brazil: T h e gold cycle”. In: The Cambridge history of Latin America, vol. 2, Colonial Latin America, Leslie Bethcll, Cambridge, Cambridge University Press, 1984, p. 547-600.

18. FURTADO, op. cit., p. 76 & GLADE, op. cit., p. 167.19. PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 50-9.20. PRADO JUNIOR apresenta um quadro sucinto do nível educacional da colônia: “Não foi feita ne-

nhuma tentativa para compensar o isolamento em que a colônia foi obrigada a viver, nem ao menos oferecen-do um sistema elementar de educação. A instrução insuficiente dada nas poucas escolas oficiais existentes em alguns dos maiores centros das colônias não ia muito alem do ensino da leitura, da escrita e da aritmética... Criadas após 1776, essas escolas eram geralmente negligenciadas, tendo um número insuficiente dc profes-sores mal pagos, alunos indisciplinados e classes desorganizadas. O nível cultural da colônia era extremamen-te baixo c a ignorância prevalecia. Os poucos estudiosos que se destacavam viviam em um mundo à parte, ignorados por um país totalmente incapaz de compreendê-los”. The colonial background, p. 160-1.

21. BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 110-11.22. PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit., p. 82-3.23. GLADE, op. cit., p. 171.24. PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 346. As primeiras estimativas sobre a população do Brasil eram as

seguintes:

1550 15.0001600 100.0001660 184.0001690 300.0001776 1.900.000

25. HOLLOWAY, Thomas H. In: The Brazilian coffee valorization of 1906: Regional politics and economic dependence. Madison: Sociedade Histórica Estadual de Wisconsin para o Departamento dc História, Universi-dade de Wisconsin, 1975, p. 5.

26. PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 160.27. HOLLOWAY', Thomas H. op. cit., p. 5; veja também STEIN, Stanley. In: Vassouras, a Brazilian coffee

country, 1850-1900. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1957.28. Idem, ibid., op. cit., p. 6.29. Idem, ibid., p. 7-9.30. Idem, ibid., p. 15-7. Dc 1887 a 1906, cerca de 1,2 milhão de imigrantes chegaram a São Paulo, dos

quais mais de 800 mil eram italianos.31. FURTADO, op. cit., p. 111-13.32. Idem, ibid., p. 114-16.33. DENSLOW7, David. “Exports and the Origins of Brazil’s Regional Pattern of Industrialization”. In:

Dimensões do desenvolvimento brasileiro, BAER, Werner, GEIGER, Pedro & HADDAD, Paulo, Rio de Janeiro, Campus, 1978; e “As origens da desigualdade regional no Brasil”. In: Formação econômica do Brasil: A experiên-cia da industrialização, VERSIANI, R. Flávio & MENDONÇA DE BARROS, J. R. , eds., Série ANPEC Leituras de Economia. São Paulo, Saraiva, 1977.

34. DENSLOW, op. cit., p. 59-60.35. PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit., p. 236-41; GLADE, op. cit., p. 297.

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36. GLADE, op. cit., p. 299; BAER, Werner, In: The development of the Brazilian steel industry. Nashville, Tenn.: Vanderbilt University Press, 1969, cap. 4.

37. VILLELA, Annibal V. & SUZIGAN, Wilson. In: Política do governo e crescimento da econotnia brasilei-ra, 1889-1945, Série Monográfica, nu 10, Z~ ed., Rio dc Janeiro, I PEA, 1973, p. 378-83. Villela e Suzigan observam que o sistema de concessões de ferrovias estava sujeito a abusos: “As concessões eram freqüentemente oferecidas como favores a pessoas influentes que as vendiam como um privilégio mono-polista. Além disso, as garantias de taxas de retorno sobre o capital investido não levaram a um planejamento mais racional de linhas, que muitas vezes eram mais longas que o necessário e tecnicamente imperfeitas”, p. 381.

38. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1939, p. 139.39. Idem, ibid., p. 383-84.40. GLADE, op. cit., p. 303.41. Idem, ibid., p. 306; GRAHAM, Douglas H. “Migração estrangeira e a questão da oferta de mão-de-

obra no crescimento econômico brasileiro, 1880-1930”, Estudos Econômicos 3, nü 1, 1973, p. 10-13.42. GLADE, op. cit., p. 306.43. Idem, ibid., p. 303.44. HOLLOWAY, op. cit.

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O início do desenvolvimento industrial

O período anterior à Primeira Guerra Mundial

A s LIMITADAS TENTATIVAS de promover a produção de artigos manufaturados nos últimos anos do Brasil colonial foram anuladas pelas políticas de portas abertas do governo pós-Independência. A presença de mercadorias inglesas era muito grande e elas tiveram acesso privilegiado ao mercado brasileiro durante muitos anos. Produtos de outros países europeus e dos Estados Unidos também apareceram depois dos tratados comerciais negociados na década de 1820.1 A tarifa de 1828, que fixou taxas de importação a 15%, precedeu o período comercial mais liberal.

As tarifas foram aumentadas na década de 1840, atingindo uma média superior a 30% advalorem em 1844. Embora o objetivo principal da elevação das taxas de impor-tação fosse ampliar a receita do governo, essa medida exerceu alguns efeitos colaterais que resultaram na criação de várias empresas têxteis. O Estado também oferecia isen-ção de taxas para a importação de matérias-primas e maquinário utilizado por empresas nacionais, que depois também ficaram isentas de pagar impostos.2 Até 1852, 64 fábri-cas e oficinas - do ramo de têxteis, vestuário, sabão, cerveja, fundição, vidros, artigos de couro e outros - haviam se beneficiado desses privilégios.

Sob a pressão dos interesses dos cafeicultores que eram a favor de importações mais baratas, algumas dessas tarifas foram revogadas em 1857 e as taxas foram baixa-das. Na década de 1860, por motivos fiscais, as tarifas sofreram nova elevação para uma média de 50% e, nas duas décadas seguintes, foram introduzidas, ocasionalmente, ain-da outras medidas de proteção.

As poucas oficinas que existiam em meados do século XIX estavam concentradas principalmente no setor têxtil, e várias empresas foram fundadas em meados da dé-cada de 1840 como resultado da tarifa acima mencionada, criada em 1844, e dos privi-légios especiais concedidos para a importação de maquinário. O número de empresas

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Page 41: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 3.1Produção da indústria têxtil algodoeira, 1853-1948

Ano Número de fábricas OperáriosProdução

(1.000 metros)

1853 8 424 1.2101866 9 795 3.5861885 48 3.172 20.5951905 110 39.159 242.0871915 240 82.257 470.7831921 242 108.960 552.4461925 257 114.561 535.9091929 359 123.470 477.9951932 355 115.550 630.7381948 409 224.252 1.119.738

Fonte: Stanley Stein. The Brazilian cotton manufacture. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1957, p. 191.

têxteis em funcionamento aumentou ainda mais na primeira metade da década de 1870 na região do Rio de Janeiro e de São Paulo. Embora existissem 48 firmas têxteis em 1885, o impacto total exercido por elas era secundário, como evidenciou o fato de que todas elas juntas empregavam apenas pouco mais que 3 mil trabalhadores.3

Os dados disponíveis indicam que o desenvolvimento industrial brasileiro se tornou significativo durante a década de 1880 e assim prosseguiu durante as três décadas se-guintes. A Tabela 3.1, por exemplo, mostra um aumento superior a dez vezes na produ-ção de tecidos de algodão entre 1885 e 1905 e quase o dobro da produção nos dez anos subseqüentes. Imediatamente antes de 1914, a produção de tecidos já havia atingido 85% do consumo do país. A produção de roupas, sapatos, bebidas e produtos de fumo em 1912 alcançara 40% da produção de 1929 (ver Tabelas 3.2 e 3.3). Quando se leva em consideração que, no final da década de 1920, as indústrias têxteis brasileiras atendiam a cerca de 90% do consumo doméstico, a elevada produção anterior a 1914 indica que, mesmo então, uma grande parcela do consumo era suprida pelos fabricantes internos.4

Indicadores de formação de capital, apresentados na Tabela 3.4, disponíveis so-mente de 1901 em diante, cresceram ininterruptamente até 1914 e atingiram níveis muito elevados em meados da década anterior à Primeira Guerra Mundial. O consumo aparente de cimento aumentou 12 vezes (de 37.300 toneladas em 1901 para 465.300 em 1913); o consumo de aço aumentou mais de oito vezes (de 69.300 para 589 mil toneladas) e a importação de bens de capital quase quadruplicou no mesmo período. A extensão do desenvolvimento industrial no último período também está evidente no censo de 1920, cujos dados se referem ao ano de 1919. De 13.336 estabelecimentos industriais existentes naquele ano, 55,4% foram fundados antes de 1914, e sua dimen-são média, calculada pelo número de empregados ou pela capacidade de força instala-da por trabalhador, era maior do que aquelas instaladas durante a Primeira Guerra Mundial (ver Tabela 3.5).

A estrutura industrial que se criou nesse primeiro período de desenvolvimento era dominada por indústrias leves. Produtos têxteis, roupas, calçados e indústrias alimentí-

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Tabela 3.2 Indicadores do p rodu to real, 1911-19

(1929= 100)

Ano TêxteisRoupas, calçados e

outros têxteis Bebidas Fumo Total*1911 75,4 41,7 37,2 38,2 60,91912 79,2 47,3 47,0 42,5 65,81913 76,5 46,8 53,8 46,6 65,31914 62,0 35,4 48,4 42,2 53,51915 91,9 38,9 38,6 40,9 70,81916 86,4 47,2 40,8 53,3 70,61917 100,9 52,2 38,6 41,3 78,51918 91,0 52,1 40,2 46,4 73,41919 105,6 54,0 48,8 65,0 85,4

* A ponderação de 1919 foi usada no cálculo do índice desta coluna.Fonte: V IU ,RLA Annibal V. & SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da

economia brasileira, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1973, p. 432.

cias eram responsáveis por mais de 57% da produção industrial em 1907 e por mais de 64% em 1919.

A força básica que apoiou esse desenvolvimento industrial foi o incremento cafe- eiro baseado na mão-de-obra imigrante livre. Investimentos significativos voltados para a infra-estrutura que atendia ao setor cafeeiro (estradas de ferro, usinas elétricas, etc.), financiados por fazendeiros e capital estrangeiro,5 proporcionaram o ambiente para uma produção industrial local maior e aos poucos criaram uma demanda para peças de repo-sição produzidas internamente. A grande população imigrante empregada nos setores cafeeiro e outros a ele relacionados gerou um enorme mercado para bens de consumo baratos. Dessa forma, ao descrever os acontecimentos em São Paulo, Warren Dean observou:

Os primeiros produtos a serem manufaturados... foram aqueles cuja relação peso-custo era tão elevada que, mesmo com o emprego das técnicas mais rudimentares, ficava mais barato produzi-los do que comprá-los na Europa... As atividades mais importantes emprega-vam produtos agrícolas locais, especialmente o algodão, o couro, o açúcar, cereais e madeira, ou minerais não-metálicos, principalmente argila, areia, cal e pedras.6

A maioria dos primeiros industriais brasileiros era importador que, em determinado estágio de suas atividades, achou que valeria a pena produzir bens no próprio Brasil, em vez de importá-los. Esse fato ocorreu principalmente em relação aos produtos têx-teis; constatou-se, por exemplo, que, de 13 indústrias têxteis fundadas no século XIX e ainda em funcionamento em 1917, 11 eram controladas por importadores.7 Esses empreendimentos eram financiados tanto por importadores como por plantadores de café. Os importadores também tinham acesso especial a credores europeus para finan-ciamento da importação de maquinário.

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Tabela 3.3 índice de produção industrial, 1920-39

(1929= 100)

1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939

Total 78,0 77,1 89,1 106,4 88,9 89,6 88,8 95,9 103,5 100,0 95,2 103,1 103,4 118,6 133,9 152,9 174,9 187,1 199,4 224,6Mineração 126,8 99,8 108,4 94,2 81,3 93,6 95,8 85,7 104,7 100,0 91,1 85,8 82,3 86,2 85,0 96,3 104,5 128,3 140,1 137,7Transformação:

Total 76,9 76,6 88,7 106,7 89,1 89,5 88,6 96,1 103,4 100,0 95,3 103,5 103,9 119,3 135,1 154,2 176,5 188,4 200,7 226,6Minerais

não-metal.93,0 101,6 104,9 132,0 125,9 87,9 82,7 70,8 97,8 100,0 87,8 151,2 145,4 208,9 282,5 332,0 426,5 498,6 558,3 619,5

Produtosmetalúrgicos 43,7 46,2 47,5 59,7 51,7 62,7 56,1 53,1 78,0 100,0 81,9 71,9 90,2 130,5 155,3 172,2 202,0 225,3 274,1 397,7

Produtos de papel - - - - - - 67,7 51,2 84,1 100,0 80,3 120,7 102,2 238,8 290,8 424,1 459,7 564,9 566,6 781,9

Produtos de couro - - - - - - - - 106,8 100,0 121,0 118,7 107,8 137,2 146,1 172,8 152,8 175,3 160,1 161,0

Químicos e farmacêuticos

55,5 52,1 58,7 79,4 82,8 87,8 96,8 105,1 108,8 100,0 100,3 66,4 73,4 82,7 79,2 105,0 113,2 133,6 138,3 151,2

Perfumes, sabonetes e velas 47,5 46,5 62,6 72,6 84,0 73,0 73,1 97,1 112,9 100,0 77,9 77,0 95,6 107,8 153,7 157,0 285,9 221,0 255,9 259,2

Têxteis 106,6 104,1 116,7 116,5 110,2 105,8 105,6 122,1 123,9 100,0 97,2 125,6 127,4 131,0 145,7 165,4 195,8 207,5 219,8 247,0Roupas e calçados 61,7 55,0 63,6 65,6 77,8 76,2 72,9 86,6 95,5 100,0 70,8 75,0 67,3 71,2 74,6 94,7 110,9 121,0 113,8 124,8Produtos

alimentícios 63,2 66,7 86,2 77,8 79,2 86,7 88,3 90,2 93,4 100,0 107,9 102,3 99,3 111,6 116,9 128,6 132,4 120,9 125,5 124,9

Bebidas 64,2 63,2 73,2 76,1 70,0 75,5 81,0 92,6 96,4 100,0 83,5 70,3 76,3 79,8 81,7 97,3 107,7 110,4 110,5 129,6Produtos do fumo 67,6 61,5 72,4 70,2 67,0 85,8 69,5 81,6 91,7 100,0 86,7 87,7 85,5 88,5 135,5 102,0 121,2 143,4 148,4 120,3

Oi/s.: Os índices para cada grupo de indúscria são ponderados de acordo com a média de sua proporção no valor agregado à indústria manufatureira durante os censos de 1919 e 1939. Fíw/rYILLELA, Annibal, SILVA, Sérgio R. da, SUZIGAN, Wilson e SANTOS, Mario J. “Aspectos do crescimento da economia brasileira”. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas,

1971; as estimativas se baseiam em dados do FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1939/40; IBGE, Recenseamento Geral do B rasilde 1920 e 1940, e Ministério da Agricultura, Serviço dc Estatística da Produção.

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Tabela 3.4Indicadores de formação de capital, 1901-45

Ano Consumo aparente Consumo aparente Índice de quantidadede cimento de aço de importação de bens de capital

(1.000 t) (1.000 t) (1939 = 100)1901 37,3 69,3 56,81902 58,8 107,0 31,71903 63,8 111,2 38,01904 94,0 127,3 41,31905 129,6 170,6 62,31906 180,3 220,3 66,11907 179,9 295,0 93,01908 197,9 267,6 96,41909 201,8 304,5 102,91910 264,2 362,3 118,71911 268,7 369,2 153,61912 367,0 506,6 205,31913 465,3 589,3 152,51914 180,8 200,5 63,4 \1915 144,9 95,2 25,2 4 4 ( 3^1916 169,8 96,9 32,2 j '1917 98,6 87,0 32,0 J1918 51,7 50,0 36,91919 198,4 155,1 64,61920 173,0 279,7 108,11921 156,9 200,7 125,81922 319,6 201,6 91,51923 223,4 219,4 119,41924 317,2 349,6 151,01925 336,5 373,5 209,21926 409,7 399,4 154,71927 496,6 435,8 124,31928 544,2 483,1 133,21929 631,5 514,3 184,71930 471,7 259,2 99,71931 281,4 143,9 33,61932 310,0 165,7 28,91933 339,4 277,0 47,41934 449,6 343,6 82,91935 480,4 345,4 123,71936 563,3 386,7 114,51937 646,3 505,4 143,21938 667,5 355,7 122,5 A1939 732,6 429,8 100,0 \ r \ J

56,4 \1940 759,2 414,51941 776,8 368,3 86,51942 818,8 262,8 67,1 11943 753,4 325,5 176,1 J1944 907,4 492,6 166,71945 1.025,5 465,6 82,7

Fonte: VILLEI ,A, Annibal V. & SUZICJAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira. Rio de Janeiro, IPEA/ INPES, 1973, p. 437; para aço, Ministério da Agricultura, Serviço de Estatística do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento; para importações, Ministério da Fazenda, Serviço de Estatística Econômica e Financeira.

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A expansão do crédito inflacionário (conhecido como encilhamento) na década de 1890 foi mencionada por alguns analistas como um elemento que contribuiu para o estabelecimento de novos empreendimentos industriais naquela década.8 Outros, en-tretanto, afirmam que as evidências existentes não sustentam essa hipótese.9

As tentativas ocasionais para proteção de tarifas desde 1840 não parecem ter cola-borado de modo significativo para o desenvolvimento industrial.10 O mesmo pode ser dito sobre o auxílio direto do governo oferecido, raramente autorizado, a determinados setores. E verdade, porém, que a ajuda direta do governo era decisiva para setores específicos (concessões especiais e/ou subsídios a ferrovias, siderúrgicas, etc.). Final-mente, a ocasional desvalorização da moeda brasileira em relação à libra inglesa, através do aumento do preço dos bens importados, acelerou o desenvolvimento industrial.11

Voltando à nossa apresentação quantitativa, é interessante observar o substancial aumento da capacidade produtiva nos oito anos que precederam a Primeira Guerra Mundial. Vimos na Tabela 3.4 que todos os indicadores de formação de capital cresce-ram mais rapidamente naquele período do que em qualquer outro observado anterior-mente. Esse grande impulso era devido, em parte, ao aumento da capacidade de im-portação daqueles anos e também à valorização da moeda em relação à libra esterlina no período de 1905-13, o que reduziu os preços dos bens importados e ocasionou gran-des aumentos na importação de maquinário. Devemos observar na Tabela 3.5 que as firmas fundadas entre 1905-14 tinham um coeficiente de capital mais elevado (medido por cavalos-vapor - HP - por trabalhador, excetuando-se as relativamente poucas em-presas estabelecidas entre 1885-89) do que as fundadas antes desse período ou duran-te a Primeira Guerra Mundial. Além disso, essas firmas originaram uma parcela maior da produção total em 1920 do que qualquer um dos estabelecimentos fundados no período de 1885 a 1904 ou mais recentes.12

A Primeira Guerra Mundial

Até recentemente, quase todos os estudiosos da economia brasileira alegavam que a Primeira Guerra Mundial exerceu um pronunciado impacto na produção industrial e no crescimento de sua capacidade.13 Um exame mais atento de todos os dados disponíveis, entretanto, mostrará que a Primeira Guerra Mundial não foi um catalisador do desenvol-vimento industrial, especialmente porque a interrupção da navegação dificultou a impor-tação dos bens de capital necessários ao aumento da capacidade produtiva e no Brasil, naquela época, não havia indústria que os produzisse.

Os três indicadores de investimentos apresentados na Tabela 3.4 também dão provas de fortes tendências de queda nos anos de guerra. O consumo aparente de cimento caiu de mais de 465 mil toneladas em 1913 para somente 51.700 toneladas em 1918; o consu-mo aparente de aço caiu de 589 mil para 50 mil toneladas no mesmo período e o índice de importação de bens de capital sofreu uma redução de 205,3 em 1912 para 32,0 em 1917. Uma análise comparativa das mudanças ocorridas na quantidade de importações em 1911 - 13 e 1914-18 também revela uma queda muito maior na importação de bens de capital do que de outros produtos.

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Tabela 3.5Estabelecim entos industriais segundo a data de fundação, 1920

Data de EstabelecimentosNúmero de

íinprnriíiv n/ir* HPpor operário

Valor da produção

(%)fundação Número %» Uí H/A //C/f

estabelecimentoAté 1884 388 2,91 76 1,01 8,71885-89 248 1,86 98 1,48 8,31890-94 452 3,39 68 1,08 9,31895-99 472 3,54 29 1,05 4,71900-4 1.080 8,10 18 1,01 7,51905-9 1.358 10,18 25 1,17 12,31910-14 3.135 23,51 17 1,15 21,31915-19 5.936 44,51 11 1,02 26,3Data desconhecida 267 2,00 16 1,77 1,6Total 13.336 100,0 20* 1,13* 100,0

* Mcdias ponderadas.Fonte: Recemmmento do lirasil, vol. 5, Indústria, para 1919, p. 69.

Observando os dados existentes sobre produção, verificamos na Tabela 3.2 um au-mento considerável na produção de têxteis, roupas e calçados. A produção de bebidas e fumo sofreu pouca alteração, setores que foram responsáveis por cerca de 50% do valor agregado em 1919. A indústria alimentícia que, depois da indústria têxtil, era o setor mais importante da atividade industrial, não está incluída na tabela devido à falta de dados anuais, e era responsável por 19% do valor agregado na indústria em 1907 e 20,5% em 1919. Essa indústria teve sua capacidade grandemente ampliada na metade da década anterior à guerra - principalmente as refinarias de açúcar e frigoríficos. Estes últimos foram estimulados pela quase duplicação da capacidade de geração de eletricidade du-rante o período de 1910-14.

O efeito exercido pela Primeira Guerra Mundial não foi o de expandir e mudar a capacidade produtiva do Brasil, mas sim de aumentar a utilização da capacidade de pro-dução de artigos têxteis e alimentícios originada antes da guerra. O aumento da produção serviu principalmente para suprir a economia doméstica carente de importações, mas alguns produtos têxteis eram exportados para a Argentina e África do Sul, e vários países latino-americanos receberam açúcar e carne congelada. A quantidade dessas exporta-ções, entretanto, era muito pequena, principalmente se comparada com as realizadas durante a Segunda Guerra Mundial.

A década de 1920

O dinamismo da economia brasileira na década de 1920 baseava-se em um setor cafeeiro em rápida expansão. A participação do café nas exportações aumentou de 56% em 1919 para mais de 75% em 1924. No mesmo período, as exportações, como uma

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parcela do Produto Nacional Bruto (PNB) aumentaram de 5,7% para 12,5%. A situação favorável do balanço de pagamentos do país durante a década trouxe consigo uma ligeira valorização da taxa de câmbio que, combinada com o aumento dos preços inter-nos, diminuiu qualquer proteção que as indústrias domésticas tinham em relação à concorrência estrangeira.14

A década de 1920, em geral, constituiu um período de crescimento relativamente pequeno no setor industrial. A taxa média de crescimento anual da produção indus-trial caiu de 4,6% no período de 1911-20 para 3% no período de 1920-29. Na Tabela 3.3 é especialmente digno de nota o crescimento extremamente lento da produção da indústria têxtil. Visto que era o setor industrial mais importante na época, sua estag-nação explica o fraco desempenho geral da indústria. Um exame mais rigoroso, porém, indica um crescimento muito mais rápido de outros subsetores e uma notável tendên-cia em direção à diversificação industrial. Alguns setores tradicionais, como alimentos, produção de chapéus e de calçados, vivenciaram quedas na produção entre 1924-25, mas recuperaram-se depois de 1926. Setores mais recentes - química, metalurgia, produtos de tabacaria - experimentaram um crescimento significativo. Entre 1925 e 1929, os fabricantes de artigos não-têxteis testemunharam taxas de crescimento supe-riores à média da indústria.15

A rápida expansão de artefatos de metal foi resultado do aparecimento de peque-nas novas siderúrgicas e empresas de bens de capital. E claro que a pequena base na qual se iniciou o setor metalúrgico no início da década de 1920 também explica as elevadas taxas de crescimento observadas. A segunda metade da década marcou o início da produção doméstica de cimento. Uma firma estabelecida em 1924 começou a produzir dois anos depois e a produção aumentou de pouco mais de 30 mil toneladas em 1926 para cerca de 96 mil toneladas em 1929.16

A diversificação da indústria na década de 1920 tem sido atribuída a várias causas. Em primeiro lugar, muitas oficinas de reparos que existiam antes da Primeira Guerra Mundial ampliaram suas atividades durante os anos da guerra, reinvestindo seus lu-cros após a guerra para aumentar sua capacidade de produção. Em segundo lugar, o capital estrangeiro ingressou em setores como cimento, aço e vários bens de consumo durável, em sua maioria operações de montagem. Em terceiro lugar, o governo con-cedia ajuda especial a empresas de novos setores, como isenção de impostos para importação de equipamentos, empréstimos subsidiados, etc.17

E interessante comparar o desenvolvimento da produção industrial apresentada na Tabela 3.3 com os indicadores de formação de capital apresentados na Tabela 3.4. Embora a produção tenha crescido em taxas relativamente pequenas, a importação de bens de capital aumentou dramaticamente na década de 1920 em níveis anuais médios superiores aos apresentados nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Também digna de nota é a expansão do consumo aparente de cimento e aço, que são indicadores relativamente confiáveis das atividades de investimento. Assim, temos uma arrancada nas atividades de investimento juntamente com um crescimento apenas mo-desto das taxas anuais de produção industrial. Isso fica especialmente claro ao compa-rarmos a produção têxtil na década de 1920 com a importação de maquinário têxtil (ver Tabelas 3.1 e 3.7a). Embora a produção tenha realmente caído em muitos anos no período de 1921-29, as importações de maquinário têxtil aumentaram nos mesmos ní-

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veis apresentados nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. A Tabela 3.7b, que mostra a diferenciação existente entre o valor do maquinário têxtil importado e outro tipo de maquinário, indica que a importação deste último continuou a crescer durante a maior parte da segunda metade da década de 1920, enquanto a importação do pri-meiro diminuiu, o que reflete atividades de investimento em novos setores industriais.

O crescimento industrial, segundo Versiani, foi influenciado pela evolução cambial e pelas políticas governamentais. Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a taxa de câmbio caiu bruscamente como resultado da queda dos preços mundiais do café e da rápida expansão da oferta de moeda. Entre 1924-26 a taxa de câmbio aumen-tou novamente, como resultado de políticas monetárias restritivas e, após 1926, caiu mais uma vez, quando as políticas afrouxaram. Versiani é de opinião que:

“... o sucesso do p lano de valorização do café, considerando-se o peso da receita das exportações desse produto na renda agregada, deve ter exercido um efeito positivo no nível geral de ativida-de durante a década. Por outro lado, a política monetária era altam ente restritiva nos períodos de 1924-26 e 1929-30. Quanto à taxa de câm bio, as grandes desvalorizações havidas no início da década de 1920 e, outra vez, em 1926-29, devem ter aumentado a competitividade de produtores locais; por outro lado, a valorização dos m il-réis em 1923-26 apresentou o resultado oposto. Final-mente, a política tarifária era, em princípio, prejudicial à indústria local, permitindo uma deterio-ração no nível relativo da tributação das importações”.18

Versiani também mostra que as movimentações da taxa de câmbio nem sempre tive-ram o efeito esperado. Por exemplo:

“De 1910 a 1923, os preços em libra esterlina caíram e o mil-réis sofreu uma depreciação; esses movimentos contrários causaram am plas oscilações nos preços internos das importações. Nos três anos seguintes, por outro lado, am bas as forças tenderam a puxar para baixo o preço interno das im portações, que foi reduzido à metade em termos reais de 1923 a 1926”.19

O lento crescimento da produção industrial deveu-se somente, em parte, ao influ-xo de bens estrangeiros de melhor qualidade e preço. Um exame das mudanças na estrutura das importações apresentada na Tabela 3.8 revela uma queda brusca nos produtos alimentícios e bebidas durante os anos de guerra, fato que teve continuidade ainda na década de 1920. Por outro lado, houve alguma recuperação proporcional na indústria têxtil, que poderia refletir a concorrência da importação de artigos têxteis com os produtos domésticos. O aumento que mais se destaca na fatia de importados ocorreu com produtos associados à formação de capital.

O lento crescimento industrial também pode ser atribuído, principalmente no caso dos artigos têxteis, à arrancada havida na produção durante os anos de guerra que, de certa forma, previu o crescimento de um mercado para bens de produção doméstica. Em outras palavras, o aumento do uso da capacidade de fornecer bens no tempo de guerra poderia ter ocorrido durante um período mais longo caso a guerra não tivesse existido. Assim, o crescimento pós-guerra foi mais lento, em parte, porque o aumento “normal” da produção doméstica, que teria ocorrido caso a guerra não tivesse eclodido, se limitou ao período de 1914-19.

O aumento substancial da capacidade produtiva durante a década de 1920 também pode ser atribuído à Primeira Guerra Mundial. Primeiro, porque a produção durante o

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Tabela 3.6 índice d e mudanças no volum e de importações brasileiras

Período Bens de consumo Matérias-pri mas Combustíveis Bens de capital Total

1911-13 100,0 100,0 100,0 100,0 100,01914-18 45,1 47,8 65,0 22,2 44,6

Obs.: Valores dos índices baseados na média de importações anuais. Fonte: VILLELAetalii. “Aspectos...”, vol. 1, p. 174.

tempo de guerra crescia devido ao uso gradativamente mais intenso da capacidade, sem investimentos para reposição, alguns dos investimentos da década de 1920 podem ser considerados simplesmente como reposição e reparo do equipamento existente. Segun-do, os dados indicam uma relação aceleradora com uma defasagem. O crescimento da produção, principalmente de artigos têxteis, criou entre os produtores uma previsão do crescimento futuro do mercado de produtos domésticos; dessa forma, eles pediram equi-pamentos que foram entregues apenas durante a década de 1920.20

A Grande Depressão

A Depressão da década de 1930 causou um impacto fortemente negativo sobre as exportações brasileiras, cujo valor sofreu uma queda de US$ 445,9 milhões em 1929 para US$ 180,6 milhões em 1932.

Em 1931, o preço do café atingiu um terço do preço médio que alcançara entre 1925 e 1929, e as relações de troca do país haviam caído em 50%. Além da redução das receitas de exportação, a entrada do capital estrangeiro cessou quase que por completo em 1932. A queda nas exportações e a grande quantidade de divisas necessárias ao financiamento da dívida externa do país (que totalizava mais de US$ 1,3 bilhão em 1931), sem contar as remessas dos lucros de entidades privadas, obrigaram o governo a tomar algumas medi-das drásticas. Em agosto de 1931, ele suspendeu parte dos pagamentos da dívida externa e iniciou negociações para chegar a um acordo sobre sua consolidação. O Brasil também foi o primeiro país da América Latina a introduzir o controle de câmbio e outros controles diretos que, combinados com a desvalorização da moeda, que aumentava o preço das importações, geraram uma queda no valor das importações de US$ 416,6 milhões em1929, para US$ 108,1 milhões em 1932.21

Gomo no início da Depressão, o café era responsável por 71% do total das expor-tações e estas, por sua vez, representavam cerca de 10% do PNB, a principal preocu-pação do governo residia em apoiar o setor cafeeiro. A forte queda da demanda mundial por café causada pela Depressão também coincidiu com uma grande produção desse produto, resultado do plantio realizado na década de 1920.22 Para proteger o setor e, dessa maneira, a economia, do impacto total da queda dos mercados e preços mun-diais do café, o programa de apoio à atividade foi transferido dos estados (principal-mente de São Paulo) para o governo federal. O Conselho Nacional do Café foi fun-

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Tabela 3.7 Importação de maquinário, 1913-30(a) Importação de maquinário têxtil (toneladas métricas)

1913 13.345 1921 6.295 1928 6.2441915 2.194 1922 6.635 1929 4.6471916 2.450 1923 8.838 1930 1.9861917 2.002 1924 10.192 1933 2.0511918 2.932 1925 17.859 1934 4.1121919 2.753 1926 10.430 1935 3.8751920 4.262 1927 6.744

Fonte: STEIN, Stanley. The Brazilian cotton manufacture. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1957, p. 124.

(b) Importações de maquinário industrial (1.000 libras)

Maquinário têxtil Out ms1918 314 7601919 416 1.1891920 752 3.5871921 954 3.1371922 839 1.4431923 934 1.5371924 1.128 2.7441925 1.778 3.4331926 1.050 3.3061927 740 2.9851928 755 3.4151929 562 4.0951930 283 2.220

Fonte: VERSIAN1, Flavio R. “Before the depression...”, trabalho para o workshop sobre os efeitos causados pela Depressão de 1929 na América Latina, St. Anthony’s College, Oxford, 21-23 set./1981, p. 169; obtido por Versiani em vários exemplares do Comércio Exterior do Brasil.

dado em maio de 1931 e comprou todo o café, destruindo grandes quantidades que não podiam ser vendidas ou armazenadas. A proteção do governo ao setor cafeeiro também incluiu medidas para ajudar os endividados produtores rurais, especialmente no estado de São Paulo, através de seu pagamento criando, assim, moeda nova e permitindo ao devedor postergar seus pagamentos. Esse programa, conhecido como “reajustamento econômico”, reduziu as dívidas dos fazendeiros em 50%.23

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T abela 3.8M udanças na estrutura de importações do Brasil, 1901-29

(percentagens anuais médias)

Categoria de Importação 1901-10 1911-20 1921-29

Mineração 6,2 8,8 5,5

Manufaturas 83,6 78,7 80,8

Produtos metalúrgicos 12,3 13,0 13,8

Maquinário 4,8 4,7 7,4

Equipamento elétrico 1,0 1,8 3,0

Equipamento de transportes 2,6 4,0 8,0Químicos 5,6 9,0 11,9

Produtos têxteis 15,1 10,9 12,1Produtos alimentícios 19,4 12,8 8,9

Bebidas 6,0 4,1 2,1Produtos não-industrializados 10,2 12,5 13,7(principalmente trigo)Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: VILLELA et al. “Aspectos...”, vol. 1. p. 115.

Outro fator que agiu como um amortecedor parcial de choques da Depressão diante da agricultura brasileira foi o rápido crescimento da produção de algodão, principalmen-te no estado de São Paulo. Na década de 1920, o governo de São Paulo promoveu pes-quisas sobre o cultivo dessa planta, gerando melhorias na qualidade das fibras produzi-das e, em 1930, o Estado distribuiu grandes quantidades de sementes. Com melhorias patrocinadas pelo governo no marketing doméstico e internacional e com preços relati-vos na década de 1930 favorecendo o algodão, a produção aumentou substancialmente. Antes de 1933, o Brasil produzia menos de 10 mil toneladas por ano; em 1934, São Paulo colheu 90 mil toneladas. Entre 1929 e 1940, a participação do país nas áreas mundiais dedicadas ao plantio do algodão aumentou de 2% para 8,7% e a participação do algodão nas suas exportações cresceu de uma média anual de 2,1% no final da década de 1920 para 18,6% durante o período de 1935 a 1939.24

Crescimento industrial durante a Depressão

A restrição das importações e a contínua demanda interna que resultou da receita gerada pelo programa de apoio ao café causou escassez de bens manufaturados e um conseqüente aumento em seus preços relativos, o que agiu como catalisador para uma arrancada na produção industrial.

Examinando mais uma vez a Tabela 3.3, observamos que, em 1931, a produção industrial se havia recuperado totalmente de uma queda que teve início em 1928 e

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mais da» que dobrou nos oito anos seguintes. Em 1939, é especialmente digno de nota o rápidp crescimento da produção de setores como o de artigos têxteis (147% maior que em 1929); produtos de metal (quase três vezes maior que a produção em 1929) e artigds de papel (quase sete vezes maior que em 1929).

Observando os indicadores de formação de capital (Tabela 3.4), notaremos que os investiJnentos se equipararam ou ultrapassaram o nível atingido na década de 1920 somentp na última metade da década de 1930. Em 1932, as importações de bens de capital naviam caído quase que ao nível mais baixo atingido durante a Primeira Guer-ra Mundial e, depois disso, elevaram-se apenas lentamente, nunca atingindo total-mente |>s picos alcançados na década de 1920. O consumo de cimento e aço atingiu o seu ponto mais baixo em 1931 (o consumo de cimento caiu a menos de 50% do nível atingido em 1929), mas ambos recuperaram o apogeu anterior em 1937.

Podi-se concluir que, como ocorreu na Primeira Guerra Mundial, o crescimento da produção industrial na primeira metade da década de 1930 se baseou na utilização mais completa da capacidade existente, grande parte da qual havia sido subutilizada e formada na década anterior. Na segunda metade da década de 1930, o crescimento da produção industrial foi acompanhado pela expansão da capacidade. A capacidade do aço dresceu com o surgimento de novas e pequenas firmas e, principalmente, com a abertura da nova fábrica da Belgo-Mineira em Monlevade.2 De modo semelhante, surgiran novas firmas de cimento, e a capacidade de produção de papel cresceu a uma taxa mukto rápida.

Celsy Furtado foi o primeiro economista a encarar a política de proteção ao café como um çjpo t e pro^rama^anticíclico keynesiano; ele declara que esse programa foi financiajio pela expansão de crédito.26 Ã garantia de preços mínimos possibilitou man-ter o nhlel de emprego do setor cafeeiro e, indiretamente, de setores internos relacio-nados. ( omo a produção de café continuava a crescer, foi possível fazer com que a renda dd setor caísse menos que seus preços.27 Dessa maneira, segundo as palavras de Furtado: “É importante observar que o valor do produto que foi destruído era muito menor do que a receita que foi criada. Estávamos, de fato, construindo as famosas pirâmidds que muito depois seriam mencionadas por Keynes. Desse modo, a política de apoid ao café nos anos da Grande Depressão tornou-se o maior estimulador do crescimepto da renda nacional. Inconscientemente, o Brasil assumiu uma política anticíclida de proporções relativas mais amplas do que havia sido praticada em países industrializados até aquela época” .28

O didheiro injetado na economia a fim de adquirir e, parcialmente, destruir o café excedenüe e a resultante criação de renda contrabalançaram a queda de investimentos.29

Furtapo argumenta que a manutenção da renda interna e do poder aquisitivo, a queda das importações e o conseqüente aumento relativo dos preços industriais fize-ram com que o mercado interno se transformasse em um setor dinâmico da economia. Com um excesso de capacidade no setor industrial e uma pequena indústria de bens de capital, a crescente demanda interna estimulou uma produção industrial doméstica maior que, por sua vez, também contribuiu, a princípio, para manter e, depois, au-mentar a renda interna.

O ma s severo crítico de Furtado, Carlos M. Peláez, tentou derrubar esses argu-mentos dp várias maneiras.30 Ele sustenta que a maioria dos recursos para a compra dos

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estoques de café se originou dos impostos de exportação desse produto, de modo que o programa de apoio não poderia ser considerado um mecanismo anticíclico keynesiano.

Além disso, visto que o governo adotava políticas monetárias ortodoxas, os cré-ditos fornecidos pelo Banco do Brasil para o apoio ao programa refletiam, necessa-riamente, uma queda nos créditos a outros setores; portanto, houve pouca criação de crédito líquido. Finalmente, Peláez afirma que o programa de apoio ao café foi prejudicial à industrialização do país por ter distorcido artificialmente a lucratividade relativa.31

Um estudo empírico realizado por Simão Silber em relação a esse debate esclare-ceu muitas dessas questões e mostrou que a análise de Furtado estava basicamente correta, embora mostre que a apresentação dele estava longe de ser completa.32 Silber lança dúvidas consideráveis sobre muitas das afirmações de Peláez. No período de maio de 1931 a fevereiro de 1933, por exemplo, ele constatou que 65% das compras de café foram financiadas por impostos de exportação. Entretanto, ao acrescentar o período de 1933-34, Silber apurou que somente 48% das compras foram financiadas dessa forma.33 Além disso, uma vez que os impostos de exportação não eram total-mente sustentados pelo setor cafeeiro, mas eram partilhados pelos consumidores de café (devido à baixa elasticidade de demanda pelo produto), o efeito final dos impos-tos sobre o setor cafeeiro era menor do que o alegado por Peláez.34

Peláez também desconsiderou a importância que teve a desvalorização do câmbio na manutenção da renda dos exportadores e o fato de que a existência de um progra-ma de defesa ao café evitou que as condições de comércio tivessem caído ainda mais do que teriam caído sem o programa. Além disso, Silber mostra que a política mone-tária na década de 1930 era tudo menos ortodoxa, visto que a expansão monetária na década era superior a 100%, enquanto o orçamento do governo era freqüentemente deficitário.35 Finalmente, é difícil ver de que modo a defesa do setor cafeeiro preju-dicou a indústria na década de 1930. E provável que a maior demanda agregada resultante dessa defesa tenha atraído mais investimentos ao setor industrial do que para o próprio setor cafeeiro.

A Segunda Guerra Mundial

Da mesma forma que ocorreu na Primeira Guerra Mundial e na primeira metade da década da Depressão, a Segunda Guerra Mundial representou para o Brasil um período de aumento na produção, mas de pouca expansão da capacidade produtiva. A produção industrial cresceu a uma taxa de 5,4% no período de 1939-45. Especial-mente dignas de nota são as taxas médias de crescimento anual de produtos de metal (9,1%), têxteis (6,2%), calçados (7,8%), bebidas e fumo (7,6%), todas essas indústrias cujas importações foram drasticamente restringidas. O enfraquecimento do setor de equipamentos de transporte (-11%) deveu-se ao fato de que, sem importações, a capacidade doméstica não poderia operar totalmente. As atividades de investimento foram as primeiras a sofrer uma queda, mas voltaram a subir em 1945 (ver Tabela 3.4), principalmente graças aos bens de capital que o Brasil pôde importar durante a guerra para construir sua primeira grande siderúrgica integrada em Volta Redonda.36

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Exceto quanto às indústrias siderúrgica e de cimento, houve pouca formação de capital durante a guerra e conseguiu-se um aumento na produção somente por uma utilização mais intensa do equipamento existente. Dessa maneira, no final da guerra, uma grande parte da capacidade industrial do país se encontrava em um estado de deterioração e obsolescência.^7

Durante a guerra, as exportações de produtos manufaturados brasileiros cresceram rapidamente; em um determinado momento, os artigos têxteis contribuíram em 20% do total da receita de exportações. Devido ao reaparecimento de tradicionais fontes de abastecimento após a guerra, entretanto, e em parte devido ao péssimo desempe-nho das exportações brasileiras (freqüentes atrasos de entrega e controle de qualidade inadequado), os produtos industrializados praticamente desapareceram da lista de exportações.

Avaliação do início do crescimento industrial brasileiro

Vimos que ocorreu um crescimento industrial significativo nas três décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial; que a guerra agiu somente como um estí-mulo à produção, visto que não se podiam realizar investimentos; que a década de 1920 foi um período de crescimento relativamente lento, mas de elevados investi-mentos devido aos efeitos exercidos pela Primeira Guerra Mundial nas expectativas dos produtores e que a grande arrancada na produção industrial na década de 1930, provocada por uma drástica queda na capacidade de importação, foi, primeiramente, baseada principalmente na maior utilização da capacidade existente e, a seguir, na adição de nova capacidade.

Não seria correto, porém, falar sobre um processo contínuo de industrialização iniciado em 1890. E necessário estabelecer diferenças entre uma era de crescimento industrial e um período de industrialização. A primeira define acontecimentos ocor-ridos até o final da década de 1920, durante a qual o crescimento da indústria depen-dia principalmente das exportações agrícolas, o setor líder. Além disso, apesar do rápido crescimento de algumas indústrias, esse período não foi acompanhado por mudanças estruturais drásticas na economia. A industrialização, por outro lado, está presente quando a indústria se torna o principal setor de crescimento da economia e gera mudanças estruturais pronunciadas.

Os seguintes dados sobre a distribuição dos produtos físicos brasileiros apoiam, em certa extensão, essa classificação. Apesar dos acontecimentos que conduziram ao cres-cimento industrial até e durante a Primeira Guerra Mundial, a indústria < cribuiu somente com 21% do total dos produtos físicos em 1907 e 1919, comparados aos 79% apresentados pela agricultura. Em 1939, entretanto, a cota da indústria havia aumen-tado para 43%.38 Embora não tivesse sido realizado um censo para medir a participa-ção da indústria em 1930, seu crescimento mais lento na década de 1920 nos leva a concluir que essa atuação aumentou na década de 1930. Essa participação surpreen-dentemente elevada deveu-se, em parte, aos preços mais baixos dos produtos agríco-las, principalmente do café, que não se havia recuperado totalmente dos reduzidos pontos atingidos durante a Depressão, estando 29% abaixo do elevado nível alcançado

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Tabela 3.9A estrutura industrial brasileira em 1919 e 1939 (distribuição percentual do valor agregado total)

1919 1939Minerais não-metálicos 5,7 5,2Produtos de metal 4,4 7,6Maquinário 0,1 3,8Equipamento elétrico - 1,2Equipamento de transportes 2,1 0,6Produtos de madeira 4,8 3,2Móveis 2,1 2,1Produtos de papel 1,3 1,5Produtos de borracha 0,1 0,7Produtos de couro 1,9 1,7Químicos 1,7* *

Farmacêuticos 1,2* *

Perfumes, sabonetes e velas 0,7* *

Têxteis 29,6 22,2Roupas e calçados 8,7 4,9Produtos alimentícios 20,6 24,2Bebidas 5,6 4,4Fumo 5,5 2,3Editoras e material gráfico 0,4 3,6Diversos 3,5 1,0Total 100,0 100,0

* A percentagem total de 1919 para essas três categorias foi de 3,6; em 1939, foi de 9,8.

Fonte: Censos de 1920 e 1940.

em 1930. Além disso, os preços relativos de produtos manufaturados, provavelmente, encontravam-se mais altos do que no início da década de 1920. Mesmo que todas as informações sobre mudanças de preços estivessem disponíveis, os ajustes não dimi-nuiriam a participação dos manufaturados em 1939 a ponto de anular a impressão de uma mudança estrutural importante.

As taxas de crescimento estimadas da agricultura e da indústria desde 1920 indi-cam que somente na década de 1930 a indústria se tornou o setor líder, influenciando sensivelmente o crescimento econômico em geral. As taxas anuais médias de cresci-mento de 1920-29, 1933-39 e 1939-45, respectivamente, foram: agricultura - 4,1%, 1,7% e 1,7%; indústria - 2,8%, 11,3% e 5,4%; total - 3,9%, 4,9% e 3,2%.39

O coeficiente de importações de bens industriais (44,6%) de 1907 indica uma elevada dependência das importações. Essa percentagem, provavelmente, é elevada demais para ser comparada com os coeficientes de 1919 (28,0%) e 1939 (20,0%), visto que o censo de 1907 abrangeu somente a produção de empresas de maior expressão.40 A queda ocorrida de 1907 a 1919 e de 1919 a 1939 reflete a substituição que houve nas importações, especialmente durante a Primeira Guerra Mundial e a década de

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1930.41 3arece que antes desse período o desenvolvimento industrial tinha uma natu-reza somente ligeiramente substitutiva no que se refere à importação. A produção industrial cresceu para satisfazer novas necessidades (dos imigrantes e da nova infra- estrutuia) em vez de crescer para substituir suprimentos anteriormente importados, situaçãc que mudou antes e especialmente durante a Primeira Guerra Mundial. Essa substituição à importação inicial, entretanto, não conduziu à industrialização, como já definido, e se transformou num processo de industrialização somente na década de1930.

A comparação realizada entre as estruturas industriais de 1919 e 1939 (Tabela 3.9) deve ajudar a esclarecer a diferença que há entre desenvolvimento industrial e indus- trializaç roupas,Até 193 de prod um equ a força industri

Med já alcan<|: tos inte ciência

io. A estrutura existente em 1919 era dominada por indústrias leves. Têxteis, produtos alimentícios, bebidas e fumo somavam 70% da produção industrial.

os resultados desse grupo reduziram-se a 58%, com notável crescimento utos metalúrgicos, maquinário e produtos elétricos. O avanço em direção a ilíbrio maior no setor industrial contribuiu para que a indústria se tornasse propulsora da economia, que é outra maneira de caracterizar o processo de alização.ições realizadas por Huddle mostram o grau que a industrialização intensiva ara no final da década de 1930. Comparando-se os indicadores de suprimen- nos com os suprimentos totais, o Brasil se encontrava próximo da auto-sufi- ío que se referia a bens de consumo e fornecia mais de 80% de seus próprios

bens iniermediários e mais de 50% de seus bens de capital.42Uma característica notável do setor industrial brasileiro é a pequena quantidade de

mão-de-obra que ele absorveu desde o início do século. A distribuição da população economicamente ativa, por exemplo, mudou da seguinte forma entre 1920 e 1940:4>

1920 1940

Setor primário

Setor secundário

Setor terciário

Total

70%

14

16

100

67%

10

23

100

A pri mente c 1920, as censo d<: quanto < emprege critérios ciente indústri que o cr pequenc

pa

jporção da população economicamente ativa empregada pela indústria real- liu. Entretanto, devido a diferentes tipos de classificação usados no censo de comparações realizadas entre este e censos posteriores são enganosas. O

: 1920, por exemplo, incluiu alfaiates e costureiras no setor secundário, en- :ensos subseqüentes os inseriram no terciário. Dessa forma, a proporção de s em 1920 na indústria seria muito menor caso tivessem sido aplicados os de classificação de 1940. Não há informações disponíveis em número sufi- ra fazer os ajustes44 e, mesmo que houvesse, e a proporção de emprego na em 1920 fosse ajustada para uma posição inferior, parece bastante provável scimento da mão-de-obra no setor industrial no período de 1920-40 teria sido

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Primeiras tentativas de planejamento no Brasil

Até a década de 1930, houve poucas tentativas por parte dos governos brasileiros para planejar o desenvolvimento econômico do país, principalmente no que se referia ao desenvolvimento industrial, o que não significa que o governo nunca tivesse ado-tado uma política consciente que apoiasse setores específicos da economia. Vimos em seções anteriores deste capítulo que foi empregado algum “planejamento” na formu-lação das políticas de defesa do café. Além disso, a política de livre-comércio do século XIX representou um programa consciente para manter a estrutura econômica predo-minante na época.

Houve ocasiões, no final do século XIX e no século XX, em que indivíduos perten-centes ou não ao governo tentaram realizar avaliações sistemáticas da economia brasi-leira visando à recomendação de políticas que lidassem com o balanço de pagamentos e outros problemas. Um exemplo desse fato é o programa de estabilização de Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda entre 1888-1902.45

Nas décadas de 1930 e 1940, a realização de análises sistemáticas e avaliações da estrutura econômica brasileira visando influenciar o rumo do desenvolvimento do país, conduzidas por estrangeiros e brasileiros, tornou-se mais freqüente. O primeiro relatório a surgir na década de 1930 foi o Niemeyer Report, publicado em 1931. O relatório recebeu o nome de Sir Otto Niemeyer, que havia sido convidado pelo governo bra-sileiro para estudar formas pelas quais o país pudesse superar a crise econômica criada pela Depressão. Niemeyer foi o primeiro a declarar publicamente o que muitos bra-sileiros já sabiam: que a principal fraqueza da economia residia em sua dependência da exportação de uma ou duas lavouras, o que explicava por que a crise mundial inicialmente atingiu a economia brasileira com mais violência do que as nações indus-trializadas. Porém, criticar a confiança exagerada que o país depositava no café, na época, era considerado quase um sacrilégio. O relatório foi, portanto, recebido sem muito entusiasmo.

Niemeyer defendeu a diversificação da estrutura econômica brasileira. Com isso ele se referia à diversificação agrícola, e não a um programa de industrialização. Acre-ditava que a diversificação na agricultura elevaria a renda do setor que, combinada com as reservas cambiais, acabaria por gerar os recursos necessários para investir em novas indústrias.46

Grande parte do restante do Niemeyer Report era dedicado à crítica das finanças públicas do Brasil e aos métodos utilizados para reestruturá-las. Embora o relatório tenha exercido pouca influência e não tenha conduzido a nenhum esforço para influ-enciar conscientemente o desenvolvimento econômico brasileiro, ele representou o primeiro empenho por parte das autoridades do país em ter a economia examinada como um todo, com a possibilidade de afetar o rumo de seu desenvolvimento.

A tentativa seguinte de avaliar a economia do Brasil, com a recomendação de mudan-ças em sua estrutura e meios de atingi-las, foi realizada pela Missão Gooke, que consistia em um grupo de técnicos americanos patrocinados pelos governos brasileiro e ameri-cano. A missão visitou o país em 1942 e 1943 e foi concebida depois que os dois países entraram na guerra, com o propósito de determinar de que maneira o Brasil poderia cola-borar com os esforços da luta armada.

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O trabalho da Missão Cooke representou o primeiro trabalho de pesquisa analítica e sistemática jamais realizado em relação à economia brasileira visando à formulação de um programa de ação. Pela primeira vez, a economia era analisada sob um ponto de vista regional, dividindo o país em três regiões distintas (Nordeste/Leste, Norte/ Centro e Sul) cujas características econômicas eram diferentes o bastante para justi-ficar programas de desenvolvimento significativamente diversos.4/ Uma das conclu-sões importantes a que a missão chegou foi a de que deveria ser realizado um esforço para desenvolver o Sul do país, visto que essa região tinha as melhores condições para um rápido crescimento econômico. Supunha-se que, a partir de um núcleo de desen-volvimento nessa área, este se espalharia, inevitavelmente, a outras regiões.

A missão indicou uma série de fatores (hoje tão familiares a economistas desenvolvimentistas) que constituíam obstáculos ao crescimento industrial: um siste-ma de transportes inadequado, um sistema de distribuição de combustível retrógrado, falta de recursos para investimentos industriais, restrições ao capital estrangeiro, restri-ções à imigração, instalações inadequadas para treinamento técnico e uma capacidade subdesenvolvida para a geração de energia, e assim por diante.

A Missão Cooke recomendou a expansão da indústria siderúrgica, que proporcio-naria a base para o desenvolvimento de uma indústria de bens de capital, o desenvol-vimento de indústrias de papel e madeira e a futura expansão de instalações para produção têxtil, tanto para o consumo interno quanto para o mercado de exportação.

A tarefa de industrialização, de acordo com o relatório da missão, deveria ser deixa-da a cargo do setor privado, ao mesmo tempo em que o governo deveria concentrar-se no planejamento industrial em geral, desenvolvendo recursos de crédito industrial e proporcionando instrução técnica.

O efeito conclusivo da Missão Cooke foi o de esclarecer alguns dos problemas de desenvolvimento enfrentados pelo país na época, tendo exercido pouca influência direta sobre políticas imediatas.

Notas

1. GLADE, William P. The Latin American economies. Nova York, American Book-Van Nostrand, 1969, p. 300; LUZ, Nicia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil, 1808 a 1930. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1961, p. 18.

2. GLADE, op. cit., p. 301; LUZ, op. cit., 19-29; VERSIANI, Flavio Rabelo & VERS1ANI, Maria Teresa R. O. “A industrialização brasileira antes de 1930; Lima contribuição”. In: Formação econômica do Brasil: A experiência da industrialização; VERSIANI, Flavio R. & BARROS, José Roberto Mendonça de (orgs.), série ANPEC, Leituras de Economia. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 133.

3. STEIN, Stanley. The Brazilian cotton manufacture: textile enterprise in an underdeveloped area, 1850- 1950. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1957, p. 61.

4. Idem, ibid., p. 1275. Um estudo recente mostra que os plantadores e o capital estrangeiros não foram os únicos a finan-

ciar o desenvolvimento de infra-estrutura; o capital mercantil nativo também estava presente (principal-mente no Rio de Janeiro). Veja Joseph Sweigcrt, “The middlemen in Rio; A collective analysis of credit and investment in the Brazilian coffee economy, 1840-1910”, tese de doutorado, Universidade do Texas, em Austin, 1979.

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4O impulso de industrialização pós-Segunda Guerra Mundial: 1946-61

E v MHORA a CONTINUAÇÃO DO processo de industrialização bra- sileira logo após a Segunda Guerra Mundial fosse originado por circunstâncias sem e-lhantes às que prevaleceram durante os anos da Depressão - isto é, dificuldades no balanço de pagamentos - suas características fundamentais eram totalmente diversas. Em 1950, a industrialização não era mais uma reação defensiva a acontecimentos ex-ternos, mas se tornara a principal maneira encontrada pelo governo para modernizar e aumentar a taxa de crescimento da economia. Os formuladores da política econômica haviam se convencido de que o Brasil não poderia mais contar com a exportação de seus produtos primários a fim de alcançar suas ambições de desenvolvimento. Visto que as políticas adotadas na década e meia após a Segunda Guerra Mundial se basea-ram nas tendências do comércio mundial e no papel desempenhado pelo Brasil dentro delas, deveremos iniciar este capítulo com uma breve revisão das tendências seguidas pelo comércio exterior brasileiro e sua função na economia durante esses anos.

O comércio exterior do Brasil e seu papel na economia

Observaremos na Tabela 4.1 que, tanto antes quanto depois da Segunda Guerra Mundial, a estrutura das mercadorias de exportação no Brasil se concentrava em uma pequena quantidade de produtos: café, cacau, açúcar, algodão e fumo. Os principais mercados para esses bens eram os Estados Unidos e a Europa ocidental. A estrutura das mercadorias de importação não era tão desigual e cada grupo possuía uma parcela

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Tabela 4.1Distribuição de importações e exportações

(a) Distribuição das mercadorias de exportação(percentagem baseada em dólar)

1925-29 1935-39 1945-49 1957-59 1962Café 71,7 47,1 41,8 57,9 53,0Algodão 2,1 18,6 13,3 2,7 9,2Cacau 3,5 4,5 4,3 5,6 2,0Minério de ferro - - - 3,3 5,7Açúcar 0,4 - 1,2 3,7 3,2Fumo 1,9 1,6 1,8 1,2 2,0Sisal - - - 1,1 1,9Manganês - - - 2,5 2,2Borracha 2,9 1,1 1,0 - -Madeira de pinho 0,4 1,0 3,5 3,9 3,2Outros 17,1 26,1 33,1 18,1 17,6Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

(b) Distribuição geográfica de exportações(percentagens baseadas em dólar)

1925-29 1935-39 1945-49 1957-59 1962Estados Unidos 45,3 36,9 44,3 41,3 40,0França 10,3 6,9 2,3 3,4 3,4Alemanha 9,1 15,1 - 6,8 9,1Reino Unido 4,4 9,7 9,1 6,7 4,4Países Baixos 5,7 3,7 2,7 4,2 6,1Itália 5,2 2,5 2,7 2,7 2,9Japão - 4,1 - 3,0 2,4Suécia 2,3 2,2 2,4 2,5 3,5Argentina 6,0 4,8 9,0 6,6 4,0Uruguai 2,7 - 1,7 2,4 -Bélgica-Luxemburgo 2,7 3,2 4,1 - 2,5Outros 6,3 10,9 21,7 20,7 21,7Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

(c) Distribuição das mercadorias de importação1938-39 1948-50 1961

Produtos alimentícios, bebidas e fumo 14,9 17,9 13,5Combustíveis 13,1 12,8 18,8Matérias-primas (exceto combustíveis) 30,0 23,8 26,3Bens de capital 29,9 35,2 39,8Bens de consumo manufaturados 10,9 9,7 1,5Outros 1,2 0,6 0,1Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Hclio Schlittler Silva, “Comércio exterior do Brasil e desenvolvimento econômico”. In: Revista Brasileira de C.iênáas Sociais, mar./1962; Conselho Nacional de Economia, Exposição geral da situação econômica do Brasil 1961- Rio de Janeiro, 1962, Banco do Brasil, Relatório, 1962.

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Tabela 4.2A participação das exportações agrícolas

na renda interna e na produção agrícola total, 1947-60

(a) Participação das exportações agrícolas na renda interna (em preços de 1953) (%)

1947 14,9 1955 6,71948 14,1 1956 7,21949 11,8 1957 6,21950 9,3 1958 5,51951 9,4 1959 6,31952 7,5 1960 6,11953 7,9 - -1954 8,2 - -

(b) Participação das exportações agrícolas na produção agrícola total (%) (em preços de 1953)

1947 43,0 1955 23,41948 41,3 1956 25,91949 35,6 1957 21,81950 30,4 1958 20,61951 32,5 1959 23,81952 24,4 1960 23,21953 21A - -1954 21,6 - -

Fonte: Calculado a partir de dados contidos na Revista Brasileira de F.conomia, mar./1962; IBGE, 0 fírasilem números, Rio de Janeiro, 1960.

relativamente substancial do total de importações. A notável queda na importação de bens de consumo manufaturados e o aumento da importação dos bens de capital e de combustíveis no período pós-Segunda Guerra Mundial refletem as medidas de subs-tituição de importações que discutiremos a seguir.

A prova de que o Brasil era extremamente dependente das exportações a fim de obter seu bem-estar no final da guerra é evidente. No final da década de 1940, a maior fatia do PNB era ocupada pelo setor agrícola (quase 28%) e, em 1950, mais de 60% da população economicamente ativa estava nele empregada. A Tabela 4.2 indica a participação das exportações brasileiras na renda nacional e na produção agrícola total. As proporções nos primeiros anos após a guerra eram de magnitude tal que as mudan-ças nos rendimentos das principais exportações brasileiras exerciam fortes efeitos posi-tivos ou negativos em toda a economia. O subseqüente declínio dessas proporções ocorreu devido à queda dos lucros com as principais exportações e ao crescimento interno da economia baseada na industrialização tendo em vista a substituição de importações, que discutiremos em seguida.1

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Page 62: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 4.3 M udanças na estrutura do com ércio mundial, 1913-61

(a) Exportação mundial de mercadorias (% de distribuição a preços correntes)

Mundial, exclusive Mundial economias

socialistas

1913 1929 1937 1913 1953Alimentos 29,0 26,1 24,8 27,0 22,6Matérias-primas agrícolas 21,1 20,0 19,5 20,7 13,9Minérios 14,0 15,8 19,5 14,7 19,8Manufaturados 35,9 38,1 36,2 37,6 43,7

100,01948

100,0

1953

100,0

1958

100,0 100,0

Produtos primários 55,5 51,0 48,2Bens manufaturados 44,5

100,049.0

100.051,8

100,0

Fojites: L. P. "Yates, Forty years of foreign trade. Londres, George Allen & Unwin, 1959; Joseph D. Coppock, international economic instability: The experience after World War II. Nova York, McGraw-Hill, 1962.

(b) Importações mundiais por áreas geográficas (Distribuição percentual)

Importações de Áreas não-industriais América Latina

Para 1953 1960 1961 1953 1960 1961

Áreas industrializadas* 37,4 28,3 27,1 12,9 8,7 8,0Mundo 31,5 24,8 24,3 9,8 6,8 6,5

* Excluindo Europa oriental, incluindo Japão. Fonte: GATT, International Trade, 1961.

O mercado mundial para as exportações tradicionais do Brasil na década de 1950

Os formuladores da política econômica do período pós-guerra eram pessimistas quanto ao futuro dos mercados para as exportações tradicionais brasileiras. Do final da década de 1940 ao início da década de 1960, as maiores taxas anuais de crescimento das exportações mundiais para o tipo de produtos exportados pelo Brasil podiam ser encontradas no açúcar (3,8%) e as mais baixas no café (2,2%), enquanto as exportações mundiais de produtos manufaturados se expandiam a uma taxa anual de 6,6%.2 Na

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época, era difícil imaginar como o país poderia esperar atingir elevadas taxas de cresci-mento ao mesmo tempo em que contava principalmente com a exportação de produtos primários. Diante desse quadro sombrio, deve-se acrescentar a queda da participação do Brasil no mercado mundial para suas principais mercadorias de exportação. Uma das razões básicas para essa queda reside na manutenção de elevados preços para o café no princípio do período pós-guerra, quando o país dominava o mercado mundial, o que encorajou os concorrentes de outros países a produzirem o produto.3

O fraco desempenho das exportações brasileiras foi parte de uma tendência mun-dial desfavorável no mercado para produtos primários, principalmente alimentos e matérias-primas. Fica claro na Tabela 4.3 que essa tendência vinha se desenvolvendo a longo prazo. A parte (b) da tabela mostra que as importações mundiais e as de países industrializados originárias de países não-industrializados vinham diminuindo consi-deravelmente, em grande parte devido à queda da participação da América Latina. Deve-se observar que essa queda teria sido ainda mais acentuada caso o petróleo e seus derivados tivessem sido excluídos. Indícios adicionais sobre as sombrias perspec-tivas para as exportações de países produtores de produtos primários da época foram encontrados em vários levantamentos. As Nações Unidas, por exemplo, obtiveram as seguintes estimativas para a elasticidade da renda para importações de países indus-trialmente desenvolvidos por áreas em desenvolvimento:4

Outra análise estatística que se aproxima ainda mais do exemplo brasileiro preocupa- se com a elasticidade da renda e do preço para o café nos Estados Unidos. Demonstrou- se que um aumento de 10% no preço do café fez com que os consumidores reduzissem o uso do produto em 2,5%, enquanto um aumento de 10% na renda per capita real geral-mente levava a um aumento de 2,5% no consumo de café.5

Finalmente, também se observou, na época, que o consumo de matérias-primas pelas indústrias de países desenvolvidos tendia a aumentar a uma taxa mais baixa que sua produção devido a técnicas de produção mais eficientes, que resultaram na diminuição de insumos de matéria-prima sobre cada unidade de produto final. Notou-se, por exem-plo, que o índice de consumo de matéria-prima para o Produto Nacional Bruto sofreu uma queda nos Estados Unidos de 22,6% em 1904-13 para 12,5%, entre 1944-50.6

As evidências pareciam indicar aos formuladores da política econômica brasileira que o país não se encontrava apenas entre o grupo de nações cujas exportações constantemente perdiam participação no comércio mundial, mas que também estava

* SITC - Standart Industrial Trade Classification (Classificação Industrial Padrão) (N. do T.).

Grupo de mercadorias

Alimentos (grupos SITC* 0 a 1) Matérias-primas (SIT C 2 a 4) Combustíveis (SITC 3)Produtos manufaturados (SITC 5 a 8)

Elasticidade da renda

0,760,601,401,24

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entre aquelas cujas exportações apresentavam poucas chances de recobrar a antiga superioridade. E nesse contexto que se deve encarar a decisão gradativa tomada pelo governo brasileiro de mudar a estrutura da economia promovendo a industrialização em substituição à importação.

Os anos pós-guerra

A queda drástica das importações ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial e o incremento de exportações causaram um aumento substancial das reservas cambiais do país, de US$ 71 milhões antes do início da guerra para US$ 708 milhões em 1945. Em fevereiro desse ano, o governo criou um regime cambial sem restrições, exceto por algumas limitações quanto à remessa de lucros. As importações não sofreram restrições quantitativas, e a moeda estrangeira estava livremente disponível para a maioria das transações de capital. A moeda brasileira, o cruzeiro, foi mantida com o mesmo valor do período anterior à guerra, de Cr$ 18,50 por dólar, e não mudou até 1953, enquanto os preços aumentaram 285% de 1945 a 1953.7 Mesmo em 1945 a taxa de câmbio havia sido supervalorizada em relação ao dólar, visto que durante o período de 1937-45 os preços no Brasil haviam aumentado 80% mais que nos Estados Unidos.8

A contínua supervalorização do cruzeiro pode ser atribuída a várias metas de po-líticas governamentais. Em primeiro lugar, os formuladores da política econômica estavam ansiosos por gastar as reservas cambiais acumuladas durante a guerra a fim de atender à demanda reprimida por importações. Em segundo, como a inflação era uma preocupação primordial, foi considerada justificada a existência de um déficit no ba-lanço de pagamentos financiado por reservas cambiais passadas a fim de manter os preços baixos. Havia também o receio do impacto inflacionário adicional causado pela desvalorização. Observou-se que essas políticas “ilustram os tradicionais interesses por aquisição de terras, e não pelo crescimento de setores industriais urbanos mais recentes”.9

Dentro de um ano, porém, a maioria das reservas cambiais acumuladas durante o período de guerra havia desaparecido, resultado da febre de importação. A Tabela 4.4 mostra como a quantidade de importações aumentou 40% e o valor do dólar para importações em 80%, enquanto a quantidade de exportações diminuiu e seu valor cresceu somente 17%. Não se tem certeza se a brusca queda na taxa real de cresci-mento da produção foi resultado do repentino fluxo de importações, mas pode-se observar que a taxa real de crescimento tornou a aumentar em 1948, depois que as reservas foram esgotadas e permaneceram em um nível elevado pelo restante da década.

O balanço de pagamentos apresentado no Apêndice, na Tabela A4, parece contra-dizer a afirmativa anterior de que em 1947 a maioria das reservas cambiais havia sido esgotada. Pode-se observar que, em 1946, o saldo de conta real ainda era positivo e somente ficou negativo no ano seguinte, mas não o suficiente para devorar quase todas as reservas acumuladas. Essa contradição pode ser resolvida considerando-se que os excedentes da conta corrente dos anos de guerra se deviam principalmente ao superávit com países europeus; no mesmo período, o Brasil apresentou déficits com

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Tabela 4.4Im portações, exportações e produção real, 1944-50

(taxas de crescim ento anuais)

Exportações Importações

Quantidade Valor Quantidade Valor PIB real

1944-45 6 16 5 6 1

1945-46 21 49 -17 50 81946-47 -5 17 40 80 21947-48 3 3 -10 -8 71948-49 -11 -8 16 -1 51949-50 -13 24 22 -2 6

Fonte: Comissão M ista Brasil-Estados Unidos para Desenvolvimento Econômico, Relatoria Geral, vol. 1. Rio de Janeiro, 1954 e Conjuntura Econômica.

os Estados Unidos. Gomo as moedas dos países europeus não eram conversíveis nos primeiros anos após a guerra, uma parcela substancial das reservas do Brasil naque-las moedas não pôde ser utilizada para cobrir o crescente déficit com os Estados Unidos.10

Controles de câmbio: 1946-53

O impulso de industrialização ocorrido depois da Segunda Guerra Mundial foi, ini-cialmente, conseqüência das medidas adotadas para enfrentar as dificuldades d ) balan-ço de pagamentos. Essas medidas só gradualmente se tornaram instrumentos conscientes para a criação de um complexo industrial, principalmente na década de 1950. 0 controle do câmbio foi uma das ferramentas básicas para a industrialização do país.

Em junho de 1947, os controles cambiais foram reintroduzidos para permanecer até janeiro de 1953. Durante todo esse período, o cruzeiro tornou-se crescentemente valo-rizado. Como esse fato estimulava as importações, que também apresentaram um im-pulso quando do início da guerra da Coréia, em 1950, foi utilizado um sistema de licenciamento de importações a fim de manter a demanda sob controle.11 A moeda estrangeira tornou-se acessível de acordo com um sistema de prioridades de c nco ca-tegorias, definido pelo Departamento de Exportações e Importações do Banco do Bra-sil (Cexim), que era responsável por operar o sistema de licenciamento. Gêneros de primeira necessidade, como remédios, inseticidas e fertilizantes, podiam ser livremen-te importados, enquanto combustíveis, alimentos essenciais, cimento, papel e equipa-mento de impressão e maquinário tinham prioridade no sistema de licenciamento. No outro extremo, encontravam-se bens de consumo, considerados supérfluos, cuja im-portação era desencorajada por longas listas de espera para a obtenção da lieença.12 Adicionalmente, a repatriação anual do capital estava limitada a 20%, e a remessa de lucros a 8% do capital registrado.

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Durante o período de 1945-50, o governo exerceu controle suficiente para equili-brar o balanço de pagamentos. Alguém poderá alegar que nem todos os sacrifícios exigidos para o crescimento eram necessários. Por exemplo, uma atitude menos rígida na manutenção de uma taxa de câmbio fixa e supervalorizada teria tornado a carga dos controles mais eqüitativa e poderia ter gerado um estímulo maior às exportações. A tradição era o critério utilizado para distribuir licenças de importação. Cada importador tinha direito a uma determinada cota de moeda estrangeira proporcional ao volume de suas transações antes da introdução do sistema de licenciamento. Tratava-se de uma política muito estática que não levava em consideração o desenvolvimento e as neces-sidades de novas indústrias, que dependiam de suprimentos vindos do estrangeiro para a fase inicial de suas operações.

Com a crescente pressão do excesso de demanda por moeda estrangeira, o sistema de licenciamento foi cercado por longas demoras e muitas irregularidades tornaram- se evidentes em seu funcionamento. Como os importadores que recebiam licenças obtinham enormes lucros inesperados, “não é de surpreender que tenha havido cres-centes denúncias de corrupção na administração do sistema. Alternativamente, o sis-tema era simplesmente contornado, utilizando-se o contrabando”.13

Em 1951, o Cexim relaxou o controle, principalmente por acreditar que a guerra da Coréia se transformaria em um conflito mundial que traria consigo uma escassez geral de suprimentos do estrangeiro. Como resultado, as importações, que atingiram uma média de US$ 950 milhões ao ano no período de 1948-50, subiram a uma média de US$ 1,7 bilhão ao ano durante os anos de 1951-52. Mais de 55% desse aumento ocorreu na importação de bens de capital e 28% em outros bens de produção, o que refletiu a deliberada política de industrialização que se tornava a principal preocu-pação do governo brasileiro na década de 1950. Parte do aumento das importações foi compensada pelo aumento no valor das exportações, graças basicamente à alta subs-tancial no preço do café. Uma grande parcela das importações emergentes, entretanto, teve de ser coberta por juros e por financiamentos compensatórios oficiais, tendo esses financiamentos chegado a US$ 291 milhões e US$ 615 milhões em 1951 e 1952, respectivamente.

Embora o Brasil tenha operado a uma taxa de câmbio fixa supervalorizada durante esse período, essa inflexibilidade podia ser contornada através do uso de operações vinculadas. Os exportadores de determinados produtos podiam vender suas receitas cambiais diretamente com ágio, “o que eqüivalia a um tipo de desvalorização ad hoc do cruzeiro e atingiu grandes proporções nos últim os anos do período de licenciamento” .14 Esse sistema funcionou muito bem, a princípio, com as autoridades do Cexim exercendo um controle firme sobre as operações, cuidando para que as exportações em questão fossem de natureza básica (isto é, dignas de incentivo) e que as importações fossem essenciais. No final do período, porém, esse sistema enfraque-ceu devido ao surgimento de muitos abusos.

O sistema também atuou como um estímulo à remessa de lucros e a uma evasão de capital, ao mesmo tempo em que desencorajou a entrada de capital novo. Entre 1949 e 1952 foram remetidos US$ 173 milhões em lucros ao estrangeiro, enquanto a entrada de investimento direto líquido somou somente US$ 13 milhões. Tudo isso ocorreu apesar das restrições existentes quanto aos fluxos de capital já mencionados.

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O sistema de câmbio múltiplo: 1953-57

Em janeiro de 1953 foi adotada uma nova política voltada para um sistema cambial mais flexível. A Lei 1.807 criou um câmbio livre limitado, que permitiu a entrada e saída de capital e seus lucros, e a compra e venda de moeda estrangeira para fins de turismo. As importações e a maioria das exportações ficaram retidas no câmbio oficial (Cr$ 18,72 por dólar) e eram controladas pelo Cexim, da mesma forma que as nego-ciações de capital consideradas importantes ao país. Determinadas exportações que o governo queria estimular eram parcial ou totalmente permitidas no câmbio livre. Con-troles sobre ganhos de capital eram mantidos de tal forma que a remessa de juros não excederia 8% e a de lucros, 10% ao ano.

Como o dólar no câmbio livre estava cotado muito acima da taxa oficial, as auto-ridades utilizaram a Lei 1.807 para estimular certos tipos de exportação. Assim, em fevereiro de 1953 a Instrução 48 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) dividiu as exportações em três categorias: uma em que 15%, 30% e 50% das receitas cambiais, respectivamente, poderiam ser vendidas no mercado livre. Seguiram-se muitas instruções que aumentaram a lista de exportações essenciais e, pouco depois, todos esses produtos foram colocados na terceira categoria.

Os ganhos advindos de exportações tradicionais (café, cacau e algodão) deveriam ser negociados ao câmbio oficial. Existiam exceções, entretanto, pelo sistema de “lis-tas mínimas”; as exportações deveriam ser vendidas somente pelo câmbio oficial, cuja taxa corresponderia a determinados preços mínimos, e qualquer diferença a mais poderia entrar no câmbio livre. Essas manobras eram utilizadas para aumentar e diver-sificar as exportações. Nunca se sentiu o efeito total dessa política, já que o governo tentava evitar que o câmbio livre vendesse moeda recebida no mercado oficial. Embora feito por motivos políticos e psicológicos, isso diminuiu o estímulo às exportações e à entrada de capital, ao mesmo tempo em que criou um incentivo prejudicial ao turismo e às remessas de lucros.

Em outubro de 1953, instituiu-se uma reforma básica no sistema cambial bra-sileiro. A Instrução 70 da Sumoc e a Lei 2.145 criaram um sistema de câmbio múltiplo que eliminou controles quantitativos diretos e criou um leilão para a obtenção de divisas. As importações foram divididas em cinco categorias de acordo com seu grau de essencialidade. A autoridade monetária Sumoc alocava moeda estrangeira entre as categorias, e as taxas de importação para cada uma eram determinadas em leilões.15

Algumas importações eram consideradas por demais essenciais para ficarem su-jeitas ao sistema de leilões, e entre elas se encontravam as de petróleo e derivados, papel de impressão, trigo e equipamentos considerados fundamentais para o desenvol-vimento do país. A taxa para esses produtos era igual à média da taxa de exportação mais algumas sobretaxas determinadas pelas autoridades monetárias. Esses bens eram responsáveis por aproximadamente um terço do valor total das importações.

No que se referia às exportações, o Banco do Brasil recuperava sua posição de monopólio na compra de moeda estrangeira, pagando a taxa oficial de Cr$ 18,72 mais Cr$ 5,00 por dólar pelo café e Cr$ 10,00 por dólar por outros produtos. A remessa de lucros, juros e amortizações considerados essenciais para o desenvolvimento do país

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poderia ser convertida à taxa oficial, mais uma taxa adicional determinada pelas au-toridades monetárias.

Durante o período de funcionamento, o sistema foi submetido a várias mudanças. Muitas importações foram reclassificadas de acordo com categorias, estabeleceram-se ágios mínimos para a realização de leilões, que foram aumentados no decorrer do tempo para acompanhar a inflação. Quanto às exportações, ocorreram muitas mudan-ças que acabaram por ocasionar a criação de quatro categorias de exportação em janei-ro de 1955. O sistema tornou-se tão complicado que existiam mais de 12 taxas oficiais ao mesmo tempo.

O sistema cambial múltiplo representou algum avanço em direção à desvalorização da moeda diante da inflação contínua, além de “ter criado um mecanismo de mercado para equiparar a oferta e a procura de moeda estrangeira. Além disso, direcionou para o governo os lucros inesperados obtidos com as importações e eliminou as pressões de corrupção administrativa na distribuição de licenças”.16 O sistema parecia ser mais flexível em relação às importações do que às exportações. A flexibilidade nas impor-tações era mais vantajosa do que um sistema de tarifas, que poderia ser ajustado somente de acordo com a lei, enquanto as classificações cambiais poderiam ser mu-dadas por decisão executiva.

O sistema favoreceu a maioria dos bens de capital, insumos correntes à agricultura e a algumas indústrias selecionadas, seguidos pelos bens de produção e, por fim, pelos bens de consumo. A aplicação do sistema agiu como grande desestímulo às exporta-ções. O governo permitiu a defasagem das taxas de exportação por vários motivos: ele estava interessado nas receitas adicionais que poderia auferir de tal sistema, tinha a impressão de que uma taxa menor neutralizava as tendências decrescentes nas con-dições de comércio e, finalmente, os formuladores da política econômica imaginavam que uma taxa de exportação defasada seria um método que evitaria que os preços dc produtos exportáveis aumentassem internamente.17

Mudanças nos controles cambiais: 1957-61

Em agosto de 1957, o sistema cambial brasileiro sofreu, mais uma vez, uma mu-dança básica com a promulgação da Lei 3.244. Foram introduzidas tarifas ad valorem, que se elevaram a 150%; as categorias cambiais foram reduzidas de cinco para duas, e uma “categoria geral” incluía a importação de matérias-primas, bens de capital e certos bens essenciais de consumo, enquanto a outra “categoria específica” incluía todos os bens não considerados essenciais. Foi mantida uma taxa de câmbio especial-mente baixa para a importação de trigo, petróleo e derivados, papel de impressão, fertilizantes, equipamentos de alta prioridade, juros e amortizações para empréstimos considerados fundamentais ao desenvolvimento do país. Essa taxa foi chamada de câmbio de custo e não poderia ficar abaixo da taxa média paga aos exportadores. As taxas de câmbio para exportações e transferências financeiras continuaram obede-cendo às normas antigas.

Em meados da década de 1950, o caráter do sistema cambial mudou. Ele não era mais considerado um instrumento para resolver as dificuldades do balanço de pa-

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gamentos, mas sim uma ferramenta para promover a industrialização. Nessa época, os formuladores da política econômica brasileiros estavam convencidos de que so-m ente se poderia obter índices elevados de crescimento econômico e modernização através de mudanças estruturais ocasionadas pela industrialização. A melhor prova dessa postura pode ser encontrada em vários programas complementares adotados naquela década.

A principal novidade estava na já mencionada Lei Tarifária de 1957 que oferecia proteção adequada às indústrias recém-ativadas.18 Outra medida, introduzida no início d e 1955, foi a Instrução 113 da Sumoc, que se destinava, principalmente, a atrair in-vestimentos estrangeiros diretos. Ela permitiu às indústrias recém-ativadas importar equipamento sem a necessidade de cobertura cambial e declarava que um investidor estrangeiro poderia importar maquinário sob a condição de “concordar em aceitar pa-gamento, não sob a forma de dinheiro ou despesa diferida, mas pela participação de capital em cruzeiros no empreendimento em que o equipamento seria usado”.19 Seria aprovado somente o investimento considerado vantajoso ao desenvolvimento do país, o que seria decidido pela Cacex (o departamento de comércio exterior do Banco do Brasil), que substituíra o Cexim.

Um bem era considerado vantajoso caso se inserisse nas três primeiras categorias do mecanismo de controle de importações, em funcionamento desde 1957. Quase todos os bens, entretanto, caíam em outras categorias e, a fim de determinar sua necessidade, a Cacex tinha de consultar as autoridades monetárias, outros órgãos ofi-ciais interessados e alguns órgãos não-governamentais (como a Confederação Nacional das Indústrias) antes de conceder os privilégios da Instrução 113, concedidos princi-palmente para completar séries de equipamentos de fabricação e algumas unidades industriais existentes a fim de concluir a modernização das fábricas. As empresas beneficiadas pelos privilégios da Instrução 113 não tinham a permissão de vender o maquinário adquirido durante seu período normal de vida econômica ou de realizar pagamentos diretos no estrangeiro que correspondessem ao valor do equipamento importado.20

Obviamente, a Instrução 113 era vantajosa ao investidor estrangeiro que, sem ela, teria de enviar dólares ao Brasil à taxa do câmbio livre e, com os cruzeiros adquiridos, teria de recomprar dólares no mercado leiloeiro a um preço mais elevado. O grau de benefício poderia ser medido pela diferença existente entre o custo da moeda estran-geira na categoria do mercado leiloeiro pertinente e a taxa do câmbio livre. Essa dife-rença era grande no que se referia a importações em dólares, mas muito menor nas importações em outras moedas. Entretanto, essa diferença desapareceu depois que a conversibilidade monetária foi conseguida pela maioria dos países exportadores, no Final de 1958.

A Lei Tarifária de 1957 ampliou e solidificou a proteção oferecida à indústria do-méstica. Em muitos casos, as tarifas chegavam a 60%, 80% e 150%. Bens que já eram adequadamente fornecidos pela indústria doméstica podiam ser importados apenas via “categoria especial”, em que o preço da moeda estrangeira iria aumentar duas ou três vezes mais que em outras categorias. As indústrias favorecidas e as matérias-primas essenciais, porém, podiam ser importadas ao câmbio de custo, uma taxa fortemente subsidiada.

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Durante os anos subseqüentes, surgiram várias dificuldades na administração do sistema cambial. O câmbio de custo para importações preferenciais foi mantido em níveis baixos durante longos períodos (a Cr$ 53,00 por dólar até outubro de 1958, e a Cr$ 80,00 até janeiro de 1959, quando passou a Cr$ 100,00) em vista da inflação contínua. As autoridades tinham a vaga idéia de que tal rigidez no reajuste represen-taria uma ferramenta antiinflacionária eficiente, mas essa política encorajou o surgimento de distorções na estrutura de importações e no padrão geral de alocação de recursos.

Na segunda metade da década de 1950, o governo teve de lidar de maneira pro-gressiva com a superprodução de café, comprando enormes quantidades de exceden-tes e remunerando os exportadores com taxas 50% inferiores às de importação. A diferença entre a taxa paga aos exportadores e aquela pela qual as moedas estrangeiras eram vendidas aos importadores gerou uma receita-extra para o governo que foi usada para financiar o programa doméstico de defesa do café e algumas outras atividades governamentais.

Em janeiro de 1959, as autoridades monetárias transferiram as exportações de ma-nufaturados ao mercado livre e, em dezembro desse ano, essa medida estendeu-se a todas as outras exportações, com exceção do café, petróleo cru, mamona e cacau. Em abril de 1959, os pagamentos de fretes para importações também foram transferidos para o câmbio livre.

De 1958 a março de 1961, o dólar no câmbio livre estava constantemente cotado abaixo da taxa aplicada na “categoria geral”, o que significava que empresas estran-geiras que remetiam lucros e brasileiros que viajavam ao exterior obtinham uma taxa mais favorável do que os importadores de bens essenciais. Durante os últimos anos de existência do sistema, o governo arrancou empréstimos compulsórios de exporta-dores e importadores, que tinham de pagar o ágio no mercado de leilões, mas iriam receber a moeda estrangeira somente seis meses depois. Os exportadores recebiam somente uma fração dos preços em cruzeiros da moeda estrangeira, e o saldo era investido em títulos públicos de seis meses do Banco do Brasil.

Reforma cambial: 1961-63

No início de 1961, foi instituída uma nova política cambial com a Instrução 204, da Sumoc. O câmbio de custo foi aumentado de Cr$ 100,00 para Cr$ 200,00 por dólar; as importações pertencentes à categoria geral foram colocadas no mercado livre; todas as exportações, exceto o café, também foram colocadas no mercado livre e os emprés-timos compulsórios impostos aos importadores foram substituídos por um sistema de letras de importação, em que os importadores depositavam o valor em cruzeiro da moeda estrangeira comprada a partir de um período de 150 dias em troca de títulos do Banco do Brasil.

Outras instruções da Sumoc que se seguiram transferiram os ganhos cambiais auferidos com as exportações de café para o mercado livre, exigindo que os exporta-dores entregassem US$ 22,00 por saca a fim de permitir que o governo, com o equiva-lente em cruzeiros, financiasse o apoio ao excesso de produção. Outra instrução aboliu

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o sistema de câmbio de custo, transferindo todas as importações para o mercado de livre-comércio. Ao todo, essas medidas trouxeram maior unidade ao sistema cambial.

Os anos de 1962 e 1963 foram dominados por crises políticas, por pressões na-cionalistas que ocasionaram a promulgação de um rígido decreto de remessa de lucros no final de 1962,21 uma progressiva queda na receita cambial oriunda das exportações e a aceleração da taxa da inflação. Durante todo esse período, o estabelecimento do “câmbio livre” oficial ficou muito defasado em relação à inflação nacional, fato que pouco estimulou novos tipos de exportação.

A Lei dos Similares

O motivo para essa longa revisão da política cambial é que ela foi utilizada como um dos principais instrumentos para estimular o impulso da industrialização a fim de substituir as importações da década de 1950. As políticas anteriormente revistas foram complementadas pela rigorosa aplicação da Lei dos Similares.

Na última década do século XIX, a proteção tarifária transformou-se no que ficou conhecido como a Lei dos Similares e, em 1911, foi criado o “Registro de Produtos Similares”. Os produtores brasileiros que queriam proteção poderiam requerer o re-gistro dos bens que produziam ou que pretendiam produzir. No período posterior à Segunda Guerra Mundial e, principalmente na década de 1950, o registro de um produto como um similar tornou-se a base para a proteção tarifária e para sua classi-ficação em uma elevada categoria cambial. A definição exata de “qualidade e quan-tidade suficientes” de um produto para justificar a proteção era flexível pela lei e estava sujeita à apreciação das autoridades.

A medida que o processo de industrialização prosseguia, a lei era aplicada de forma que encorajasse uma intensa integração vertical, isto é, dentro de empresas ou dentro do país, através do surgimento de empresas fornecedoras. De acordo com um estudo de companhias americanas que operavam no Brasil,

a ação da Lei dos Similares foi um incentivo muito poderoso que fez os investidores estrangeiros passarem da importação à montagem ou da montagem à fabricação totalmente desenvolvida. A característica essencial desse incentivo foi o medo da exclusão completa do mercado mais do que a esperança de se obter um tratamento preferencial em relação à concorrência. Em muitos casos, a simples menção de que alguma empresa brasileira ou uma concorrente estrangeira pretendia entrar no ramo de fabricação, com a implicação de que as importações de bens similares seriam futuramente excluídas, foi o fator crítico que impeliu companhias americanas a preservar sua posição no mercado através da construção de fábricas locais.22

Porém, essa lei também estimulou muitos grupos locais a estabelecer empresas for-necedoras. Assim, mesmo que os planos iniciais de protecionismo do governo tenham estimulado as indústrias de natureza “não-essencial” (a princípio, bens de consumo le-ves foram mantidos fora do país), políticas complementares proporcionaram sólidos incen-tivos para a integração vertical e, dessa forma, para o crescimento definitivo de uma in-dústria pesada de bens de capital.

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Planos e programas especiais

Mostramos anteriormente como se tentou avaliar os recursos do Brasil na década de 1930 e durante a Segunda Guerra Mundial a fim de planejar sua utilização efici-ente. Tais tentativas prosseguiram durante o período pós-guerra e, ocasionalmente, resultaram na criação de programas públicos de investimentos que agiram como com-plementos aos vários estímulos oferecidos ao setor privado.

A primeira tentativa do período posterior à guerra ocorreu com a introdução do Plano Salte (o nome é um acrônimo contendo as iniciais de saúde, alimentação, trans-porte e energia). Não se tratava de um plano econômico completo, mas de um pro-grama de gastos públicos nesses quatro campos, de cinco anos de duração,23 que deveria ser colocado em ação de 1950 a 1954. Esperava-se gastar Cr$ 19,9 bilhões durante esse período, dos quais Cr$ 2,6 bilhões foram destinados à melhoria dos serviços de saúde, Cr$ 2,7 bilhões para a modernização de produção e fornecimento de alimentos, Cr$ 11,4 bilhões para a modernização do sistema de transportes e Cr$ 3,2 bilhões para aumentar o potencial energético do país.

O plano não durou mais que um ano devido a problemas de implementação e prin-cipalmente devido a dificuldades financeiras. Gomo se tratava não apenas de projetos especiais de desenvolvimento, mas também de outros existentes no orçamento gover-namental regular, ele “exerceu o efeito de retirar do orçamento regular uma parte das despesas consideradas desenvolvimentistas, sendo, portanto, um passo na direção do orçamento ‘funcional’”.24 Dessa forma, o plano não precisou de gastos adicionais equi-valentes ao valor de todos os programas ali contidos, visto que 30% já estavam cober-tos por atividades incluídas no orçamento normal. Houve dificuldades na obtenção de financiamento dos 70% não-incluídos. Esperava-se obter alguns dos novos recursos necessários através da tributação da receita adicional resultante do plano em si, outros por meio da venda de moedas estrangeiras retidas pelo Banco do Brasil e outras quan-tias por meio de um reajuste dos impostos aduaneiros a uma base ad valorem mais realista, o que deixou uma soma de cerca de Cr$ 7 bilhões sem cobertura. Decidiu-se que essa quantia teria de vir de operações de empréstimos.

A interrupção do plano depois de um ano deve-se a estimativas de receita e possi-bilidades de empréstimos excessivamente otimistas, pois os planejadores não conta-ram com possíveis dificuldades no balanço de pagamentos que reduziriam as probabilidades de financiar o plano com a venda de reservas, com o aumento da infla-ção e com os déficits orçamentários que dificultaram a concessão de empréstimos. Com o encerramento do plano em 1951, alguns dos projetos de obras públicas foram trans-feridos a vários departamentos do governo, a fim de serem reiniciados quando hou-vesse recursos disponíveis.

A natureza do Plano Salte não era realmente global, pois não dispunha de metas para o setor privado ou de programas que o influenciassem. Tratava-se, basica-mente, de um programa de gastos públicos que cobria um período de cinco anos. Ele conseguiu, entretanto, chamar atenção para outros setores da economia defasa-dos em relação à indústria e que poderiam, conseqüentemente, impedir um futuro desenvolvimento.

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O trabalho da Comissão Econômica Conjunta Brasil-Estados Unidos no período de 1951 a 1953 constituiu uma tentativa de planejamento muito mais ambiciosa e com-pleta. Seu grande staff técnico brasileiro e americano conduziu um dos mais completos levantamentos da economia brasileira já realizados até aquela época e formulou uma série de projetos de infra-estrutura. Os gastos propostos totalizaram US$ 387,3 milhões em moeda estrangeira e Cr$ 14 bilhões, que deveriam ser divididos entre os seguintes projetos:

Investimento em

moeda estrangeira (%) moeda nacional (%)

Ferrovias 38 55Construção de estradas 2 -Construção de portos 9 5Navegação costeira 7 3Energia elétrica 34 33Outros 10 4Total 100 100Fonte: X I Exposição sobre o Programa do BNDE Reaparelhamento Econômico. Rio de Janeiro, 1962.

Mais concretamente, essas categorias incluíram projetos para modernizar várias linhas férreas, portos e a navegação costeira, além da expansão da capacidade de produção de energia instalada; a categoria “outros” incluía a importação de equipa-mentos agrícolas, a construção de silos e a construção ou expansão de algumas uni-dades fabris. A comissão também fez recomendações nos campos de treinamento técnico, de diversificação de exportações, de medidas para superar as perceptíveis disparidades regionais de renda (ver Capítulo 14) e de formas de atingir a estabilidade monetária.

Esperava-se que os recursos em moeda estrangeira viessem de organismos inter-nacionais e dos empréstimos diretos de governos estrangeiros, enquanto os recursos domésticos deveriam vir de um “empréstimo compulsório”, arrecadado como um adicional ao imposto de renda e também de empréstimos de empresas de seguro, institutos de previdência social, e assim por diante.

Embora nunca tenha sido formalmente adotado, o plano da comissão conjunta exerceu vários efeitos benéficos. Ele conduziu à criação do Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico (BNDE), cujo propósito era ajudar a planejar, analisar e a financiar a infra-estrutura e vários projetos industriais. Muitos dos estudos realizados pela comissão foram subseqüentemente usados no preparo de projetos financiados pelo BNDE e por agências internacionais de crédito. O trabalho da comissão foi mais bem-sucedido do que o Plano Salte no que se refere ao impulso dado a projetos em setores defasados da economia e que em breve poderiam transformar-se em áreas de estrangulamento.

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Entre 1953 e 1955, técnicos do BNDE e da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina fizeram um esforço conjunto na tentativa de realizar um planejamento sistemático global,2:> trabalho que consistiu principalmente da observa-ção de relacionamentos agregados na economia entre 1939 e 1953 e de projeções de acordo com hipóteses alternativas sobre mudanças na taxa de poupança, nas relações de troca, etc., para um período de sete anos. Parece que a principal função do grupo era chamar a atenção dos formuladores de política econômica brasileiros para as prin-cipais variáveis (como o índice de poupança, a razão capital/produto ou o aporte d e capital estrangeiro) que determinam a taxa de crescimento da economia e que pode-riam ser influenciadas por vários tipos de políticas econômicas. Aumentar a taxa d e crescimento da economia havia se tornado fator de extrema importância para o gover-no devido à elevada taxa de crescimento populacional na década de 1950 (que era superior a 3% ao ano).26

Esses vários planos de desenvolvimento do pós-guerra e as intensas discussões que os cercaram “disseminaram uma espécie de mística política de desenvolvimento — o que veio a se chamar de ‘desenvolvimentismo’ — entre os líderes brasileiros d e opinião pública e política”.27 Essa preocupação com o desenvolvimento - isto é, a obtenção de altos índices de crescimento em um período de tempo relativamente curto - e o papel do governo em influenciá-lo firmemente tornaram-se características de destaque da administração do presidente Juscelino Kubitschek (1956-61). No dia posterior à sua posse foi criado o Conselho de Desenvolvimento Nacional que form u-lou o Programa de Metas.

Não se tratava de um programa de desenvolvimento global, pois não abrangia todas as áreas de investimento público ou as indústrias básicas e, durante um período de cinco anos, não tentou conciliar as necessidades de recursos de trinta setores básicos atingidos pelo plano com as dos setores não-incluídos. As metas deveriam te r sido estabelecidas tanto para o governo quanto para o setor privado. Foram cobertas cinco áreas gerais: energia, transporte, fornecimento de alimentos, indústrias de base e educação (principalmente o treinamento de pessoal técnico). O investimento d e infra-estrutura preocupava-se essencialmente com a eliminação de gargalos, tarefa para a qual a comissão conjunta já havia lançado as bases. Em muitos casos, foram redigidas metas detalhadas, incluindo muitos projetos individuais, enquanto outras metas foram formuladas somente em termos gerais.

As metas para as indústrias de base referiam-se ao desenvolvimento do aço, d o alumínio, do cimento, da celulose, da indústria automotiva, da maquinaria pesada e dos produtos químicos. Essas eram consideradas indústrias de “pontos de desenvol-vimento” que imporiam o ritmo à rápida industrialização futura. A construção da nova capital, Brasília, no interior, era um projeto especial do programa de Kubitschek, e como ele não contribuiu de imediato para o aumento da capacidade produtiva d a economia, seus méritos geraram muita controvérsia, considerando-se os recursos lim i-tados disponíveis para os outros programas. Muitos argumentariam, mais tarde, que os benefícios de longo prazo compensaram os custos iniciais da capital, visto que su a construção conduziu à criação de vastas e novas áreas agrícolas que contribuíram para a capacidade cambial do país na década de 1970.

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Os investimentos programados para o período entre 1957-61 montavam a Cr$ 236,7 bilhões (US$ 2,3 bilhões), a serem distribuídos entre os principais setores da seguinte maneira:28

Bens e serviços Bens e serviçosproduzidos no Brasil importados

Energia 46% 37%

Transporte 32 25

Produção de alimentos 2 6Indústrias de base 15 32

Educação 5 -

Total 100% 100%

O financiamento em moeda nacional deveria vir dos orçamentos dos governos (39,7% federal, 10,4% estadual), de empresas privadas ou mistas (35,4%) e de enti-dades públicas (14,5%). O financiamento em moeda estrangeira originou-se de em -préstimos de órgãos internacionais (muitos dos quais eram administrados pelo Banco de Desenvolvimento) e da entrada de capital estrangeiro atraído pelos numerosos incentivos já discutidos.

Durante a administração Kubitschek, realizou-se progresso considerável no cum-primento de muitas das metas, especialmente na indústria e parte da infra-estrutura planejada.

Programas de incentivos especiais

No final do levantamento das políticas que contribuíram para a arrancada da indus-trialização na década de 1950 devemos mencionar vários programas específicos estabele-cidos durante a administração Kubitschek cuja finalidade era promover as indústrias de automóveis e utilitários, de navios e maquinaria pesada. Esses programas foram organiza-dos através do Banco de Desenvolvimento (BNDE) e as indústrias favorecidas recebe-ram tratamento especial para importar equipamento para fabricação, matérias-primas, componentes, etc. por períodos específicos.

O mais bem-sucedido desses programas foi o que se destinou a promover a indús-tria automobilística, dirigido pelo Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), e que ofereceu grandes benefícios à importação de equipamento para fabricação e componentes automotivos durante um número limitado de anos. Em troca, essas em-presas se comprometiam a adotar uma política de substituição progressiva das importa-ções por componentes de fabricação nacional. O Geia também foi útil em persuadir as empresas brasileiras a ingressar no ramo de peças automotivas e em fazer convênios para que elas negociassem acordos de auxílio técnico com empresas estrangeiras. Em geral, “estimularam-se acordos de recurso intensivo a subempreiteiras e fornecedores

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brasileiros para a reprodução de peças especiais. Dessa forma, pretendia-se criar uma grande indústria brasileira de fabricantes de componentes independentes”. 29 Final-mente, as empresas automotivas foram classificadas como “indústrias de base”, permi-tindo que recebessem auxílio financeiro do BNDE.

A orientação proporcionada pelo Geia não só conduziu a uma rápida integração vertical da produção automotiva no país, como também foi responsável por criar o que se considerou uma combinação correta de veículos. No final da administração Kubitschek, somente metade da produção consistia em automóveis de passageiros, enquanto o restante se compunha de utilitários e caminhões. Outros grupos executi-vos realizaram esforços semelhantes na criação de indústrias nas áreas da construção de navios, maquinaria pesada, tratores e equipamentos telefônicos automáticos.

Os efeitos das políticas de industrialização

O processo de industrialização durante o período posterior à Segunda Guerra M un-dial ocasionou elevados índices de crescimento econômico. A taxa média de cresci-mento real anual entre 1947 e 1962 foi superior a 6% e, durante o período mais intenso de industrialização, 1956 e 1962, chegou a 7,8%. Enquanto o produto real aumentou 128% de 1947 a 1961, o produto agrícola real aumentou somente 87%; o produto industrial, entretanto, aumentou 262%. A agricultura foi responsável por so-mente 18% do crescimento absoluto do Produto Interno Bruto, enquanto o setor não agrícola contribuiu com o restante. Os elementos-chave foram os efeitos diretos e indiretos que chegaram além da triplicação no setor industrial. Deve-se observar que a parcela de investimento fixo foi baixa durante todo o período em questão (Apên-dice, Tabela A3), atingindo uma média de 15%, o que implica uma baixa relação incremento capital/produto.

Devido ao fato de grande parte dos investimentos ter sido feita via importação, a proporção global de investimento estava correlacionada com os déficits do balanço de pagamentos. Isso se aplicava especialmente à última parte do período examinado, quando o coeficiente de in v e s t im e n to fo i mantido por grandes entradas de ca p ita l privado.

Um indicador da transformação da economia é a mudança na distribuição setorial do PIB, apresentada na Tabela 4.5 e que contém estimativas em preços correntes e constantes de 1953. Mais uma vez, fica claro que a indústria foi o setor dinâmico da economia, pois sua participação cresceu regularmente, ultrapassando a agricultura na segunda metade da década de 1950.

Um exame das mudanças na estrutura do setor manufatureiro deve iniciar-se com uma breve revisão das alterações havidas na estrutura das importações em que não deve ser ignorada a tendência descendente no índice de importações em relação ao PIB. A Tabela 4.6, que mostra mudanças na estrutura das mercadorias de importação, revela uma queda na participação de bens processados de 81% para 68% entre 1949 e 1962. Uma grande parte do aumento da proporção de matérias-primas importadas representa bens não-disponíveis em quantidades suficientes no Brasil (como petróleo e carvão), mas que eram muito importantes ao funcionamento das novas indústrias.

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Tabela 4.7 As im portações como um a percentagem do to tal de suprimentos, 1949-66

1949 1955 1960 1962 1965 1966

Bens de capital 59,0 43,2 23,4 12,9 8,2 13,7

Bens intermediários 25,9 17,9 11,9 8,9 6,3 6,8Bens de consumo 10,0 12,2 4,5 1,1 1,2 1,6

Fonte: “A industrialização brasileira: diagnóstico e perspectivas”. In: Programa Estratégico de Desenvolvimento, 1Q6H-70, Estudo Especial. Rio de Janeiro, Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, jan./1969.

prego do setor manufatureiro, cujos dados são apresentados na Tabela 4.8. Nota-se que as indústrias tradicionais (têxteis, produtos alimentícios, roupas) sofreram quedas em sua posição relativa, enquanto o crescimento mais pronunciado ocorreu em indús- trias-chave de substituição de importações como equipamentos de transportes, maquinário, aparelhos elétricos e produtos químicos. E interessante observar que, no que se refere às indústrias tradicionais, houve uma queda relativa maior do valor bruto agregado do que no emprego, enquanto para muitas indústrias novas o aumento no valor bruto agregado foi maior do que o aumento no emprego.

Desequilíbrios e gargalos

A estratégia de industrialização com o objetivo de substituir as importações para a década de 1950 legou uma série de problemas que os formuladores de política eco-nômica da década seguinte teriam de enfrentar a fim de assegurar a continuidade do crescimento e desenvolvimento. Embora tratemos desses problemas separadamente na segunda parte do livro, vamos resumi-los aqui para fins de avaliação.

Apesar de o setor agrícola ter sido negligenciado durante quase todo o período posterior à Segunda Guerra Mundial,32 sua expansão a uma taxa anual de 4,5% pare-ceria satisfatória em relação à taxa anual de crescimento da população, que foi de 3,1%. Uma análise mais minuciosa, porém, revela problemas reais e potenciais que surgiam na época.

Embora o crescimento populacional fosse inferior ao crescimento do fornecimento de alimentos, havia outro fator que lançava sombras sobre esse quadro otimista. Ocor-reu uma grande migração do campo para as cidades que resultou em uma taxa de crescimento populacional urbano de cerca de 5,4% ao ano na década de 1950. A maioria do aumento na produção de alimentos deveu-se à utilização de novas terras dedicadas ao cultivo em vez de um aumento de produtividade em áreas agrícolas mais antigas. Gomo a rápida e crescente demanda por comida nos centros urbanos tinha de ser atendida a partir de áreas cada vez mais distantes, houve uma crescente pressão sobre a precária rede de transporte rural-urbano do país e sobre o sistema de comercialização agrícola. (Calculou-se, na época, que a perda de produtos agrícolas devido a um sistema de comercialização retrógrado chegou a 20%.) No início da

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Tabela 4 .8M udanças na estrutura industrial brasileira: valor

bru to agregado e em prego, 1939-63(a) Mudanças na estrutura industrial brasileira 1939-63:

Valor bruto agregado1939 1949 1953 1963

Minerais não-metálicos 5,2 7,4 7,4 5,2Produtos de metal 7,6 9,4 9,6 12,0Maquinário 3,8 2,2 2,4 3,2Equipamento elétrico 1,2 1,7 3,0 6,1Equipamento de transportes 0,6 2,3 2,0 10,5Produtos de madeira 5,3 6,1 6,6 4,0Produtos de papel 1,5 2,1 2,7 2,9Produtos de borracha 0,7 2,0 2,2 1,9Produtos de couro 1,7 1,3 1,3 0,7Produtos químicos, farmacêuticos,

plásticos, perfumes, etc. 9,8 9,4 11,0 15,5Têxteis 22,2 20,1 17,6 11,6Roupas e calçados 4,9 4,3 4,9 3,6Produtos alimentícios 24,2 19,7 17,6 14,1Bebidas 4,4 4,3 3,5 3,2Fumo 2,3 1,6 2,3 1,6Impressão e produtos gráficos 3,6 4,2 3,5 2,5Diversos 1,0 1,9 2,4 1,4Total 100,0 100,0 100,0 100,0

(b) Mudanças na estrutura brasileira de emprego industrial (%)

1950 I960Minerais não-metálicos 9,7 9,7Produtos de metal 7,9 10,2Maquinário 1,9 3,3Equipamento elétrico 1,1 3,0Equipamento de transportes 1,3 4,3Produtos de madeira 4,9 5,0Móveis 2,8 3,6Produtos de papel 1,9 2,4Produtos de borracha 0,8 1,0Produtos de couro 1,5 1,5Químicos 3,7 4,1Farmacêuticos 1,1 0,9Perfumes, sabonetes, velas 0,8 0,7Produtos plásticos 0,2 0,5Têxteis 27,4 20,6Roupas, calçados 5,6 5,8Produtos alimentícios 18,5 15,3Bebidas 2,9 2,1•Fumo 1,3 0,9Editora e gráfica 3,0 3,0Diversos 1,7 2,1Total 100,0 100,0

Fonte: IBGE, Recen seamen to Geral do Eras'd, I960, Censo Industrial.

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década de 1960 era comumente reconhecido o fato de que a continuidade do desen-volvimento industrial seria gravemente dificultado se não ocorresse nenhum avanço na produtividade agrícola junto aos principais centros consumidores. A subida dos preços relativos dos alimentos iria não só aumentar as pressões inflacionárias, como também conduziria à elevação das tensões sociais.

Um segundo problema importante foi o aumento da taxa de inflação. Embora, como discutiremos em outro capítulo, a inflação possa, por um momento, ter desempenhado um papel positivo na realocação dos recursos a fim de apoiar o impulso de industriali-zação, suas taxas alcançaram tais níveis no início da década de 1960 que qualquer contribuição para o crescimento por parte de um mecanismo de poupança compulsória era dominado pelos efeitos das distorções produzidas pela inflação.

Um terceiro problema significativo foi que o crescimento industrial salientou as desigualdades - a distribuição desproporcional dos benefícios advindos do desenvol-vimento em uma base regional, setorial e de renda -, o que ocasionava crescentes pressões sociopolíticas por medidas corretivas. Também havia pressões para se lidar com o atrasado e há muito tempo negligenciado sistema educacional a fim de oferecer mão-de-obra mais bem treinada para o moderno setor industrial e proporcionar uma mobilidade social mais ampla e, conseqüentemente, acesso aos frutos da industriali-zação a uma parcela maior da população.

Finalmente, havia progressivas pressões do balanço de pagamentos resultantes do fato de que o crescimento na década de 1950, principalmente na segunda metade da década, ter sido financiado por uma importante entrada de capital estrangeiro, sob a forma de investimentos diretos e de empréstimos. No início da década de 1960 a dívi-da externa brasileira já atingia mais de US$ 2 bilhões da qual uma grande parcela era de curto prazo e, tanto os juros como as amortizações, combinados com remessas de lucros de empresas estrangeiras produziam crescentes dificuldades no balanço de pa-gamentos. O fato de as políticas que orientaram a substituição de importações terem sido unilaterais, isto é, que a promoção das exportações e a diversificação tenham sido totalmente negligenciadas, tornava-se agora um problema significativo.

Notas

1. Em termos quantitativos, a participação das principais exportações na produção total dc cada produ-to em 1960 foi a seguinte: café - 95%; cacau - 88%; algodão - 12%; borracha - 14%; fumo - 27%; minério de ferro-46%. Veja BAER, Werner. Industrialization and economic development in Brazil. Homewood, 111.: Richard D. Irwin, 1965, p. 38.

2. Idem, ibid., p. 40.3. Pode-se argumentar que, caso o país tivesse sido mais razoável em relação às suas políticas dc preços

no princípio do período pós-guerra, teria tido melhor oportunidade dc manter sua participação no mercado mundial. Entretanto, devido às dificuldades no balanço de pagamentos na época, os formuladores dc política econômica se viram pressionados para maximizar os ganhos com exportações a curto prazo. Além disso, tam -bém se deve considerar que o Brasil foi o primeiro país a dominar o mercado mundial de café. Não se pode esperar que um pioneiro mantenha sempre sua participação original no mercado. Era natural para muitos dos países recém-independentes, nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, que tinham condições próprias para produzir café, entrarem no mercado (assim como era natural que a primeira nação produtora de

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automóveis perdesse su a participação no mercado mundial à medida que outros países com os recursos neces-sários tam bém se to rnavam produtores). Para mais detalhes sobre as políticas referentes ao café, veja DELFIM NETTO, A. 0 problema do café no Brasil. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1959; e DELFIM N E T T O , A. & ANDRADE, C a rlo s Alberto. “Uma tentativa de avaliação da política cafeeira”. In: VERSIANI, Flavio R. & BARROS, José Mendonça dc (eds.), Formação econômica do Brasil São Paulo: Saraiva, 1977, p. 223-38.

4. United Nations, World Economic Survey, 1962, parte 1, “The developing countries in world trade”, p. 6, onde se afirma que: “ Essas estimativas originaram-se da regressão do Produto Nacional Bruto de países desenvolvidos cm relação às importações de cada grupo de mercadorias de países em desenvolvimento. A amostra cobre o período entre 1953 e 1960”.

5. DALY, Rex F. “Coffee consumption and prices in the United States”. In: Agricultural Economics Research, ju l./l958, p. 61-71.

6. SCHULTZ, T. “Economic prospectus of primary products”. In: Economic Development for Latin America,H. Ellis e H. Wallich (orgs.). Nova York, St. M artin’s Press, 1961, p. 313.

7.BERGSMAN, Joel. Brazil: Industrialization and trade policies. Londres, Oxford University Press, 1970, p. 27-8.

8. HUDDLE, Donald. “Balança de pagamentos e controle de câmbio no Brasil”. Revista Brasileira de Economia, mar./1964, p. 8; veja também a continuação desse artigo no exemplar de jun./1964.

9. BERGSMAN, op. cit., p. 28.10. BAER, op. cit., p- 48; KERSHAW, Joseph A. “Postwar Brazilian economic problems”. In: American

Economic Review, jun./l948, p. 333-4.11. Grande parte do material usado nessa seção baseia-se em duas monografias: SIMONSEN, Mário H.

Os controles de preços na economia brasileira. Rio de Janeiro, Consultec, 1961; GORDON, Lincoln & GROMMERS, Engelbert L. United States manufacturing investment in Brazil: The impact of Brazilian government policies 1946-60. Boston: Division of Research, Graduate School of Business Administration, Harvard ITniversity, 1962. A taxa de câmbio supervalorizada não só desestimulou as exportações e estimulou as importações, como também rep re sen to u uma barreira à entrada de capital e um incentivo ao aumento das remessas de lucros, além de ter originado o câmbio negro, em que as moedas estrangeiras eram cotadas a taxas muito acima dos valores oficiais.

12. Para mais detalhes, veja BERGSMAN, op. cit:, HUDDLE, op. cit.13. GORDON & GROMMERS, op. cit., p. 16.14. Idem, ibid.15. Para uma d escr içã o e análise mais detalhadas sobre esse sistema, veja KAFKA, A. “The Brazilian

exchange auction system”- In: Review of economics and statistics, ago./56, p. 308-22.16. GORDON & GROMMERS, op. cit., p. 17.17. Para detalhes quantitativos adicionais, veja BERGSMAN, op. cit., pp. 31-2.18. Para uma d iscussão mais completa sobre o sistema tarifário, veja BERGSMAN, op. cit., p. 32-54.19. GORDON & GROMMERS, op. cit., p. 19.20. Idem, ibid., p. 20.21. Para uma descrição detalhada dos acontecimentos políticos da época, veja SKIDMORE, Thomas E.

Politics in Brazil, 1930-64: An experiment in democracy. Nova York, Oxford University Press, 1967.22. GORDON & GROMMERS, op. cit., p. 23-4.23. As fontes para os parágrafos sobre o Plano Salte são o BNDE, X I Exposição sobre o programa de

reaparelhatnen to econômico, 1962, p. 3-6; SINGER, H. W. “The Brazilian SALTE Plan”. In: Economic development and cultural change, fe v ./ l9 5 3 ; VIEIRA, Dorival Teixeira. O desenvolvimento econôtnico do Brasil e a itiflação. São Paulo, Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, Universidade de São Paulo, 1962.

24. SINGER, op. cit., p. 342.25. Veja: LInited Nations, The economic development of Brazil, Analyses and projection of economic

development, II. Nova York, 1956.26. O fato de que a taxa de crescimento populacional real havia ultrapassado 3% tornou-se conhecido,

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5 Estagnação e boom: O Brasil nas décadas de 1960-70

ECONOMIA PERDEU SEU dinamismo no início da década de1960. Depois que a taxa de crescimento do PIB real atingiu o pico de 10,3% em 1961, ela declinou para 5,3%, 1,5% e 2,4% em 1962, 1963 e 1964, respectivamente.

A causa imediata da estagnação que se instalou após 1961 parece ter sido a con-tínua crise política vivenciada pelo país após a renúncia de Jânio Quadros à presidên-cia, em agosto daquele ano. Jânio Quadros foi eleito com amplo apoio dos brasileiros. Sua breve administração tentou lidar com alguns dos desequilíbrios da economia e fez-se um esforço determinado para lidar com a inflação. O sistema de câmbio múl-tiplo foi simplificado e os subsídios inflacionários aplicados às importações essenciais, como trigo e petróleo, foram substancialmente reduzidos. Embora essa medida tenha elevado os preços de itens de consumo como pão e passagens de ônibus, ajudou o governo a cortar seu déficit orçamentário. Além disso, o governo Jânio Quadros impôs a restrição de crédito, um congelamento de salários, deu início a um severo programa destinado a melhorar a eficiência das operações governamentais e, em meados de1961, já havia evidências de que a inflação crescia em ritmo menos acelerado. Por esse motivo e também pelo fato de os primeiros anos dessa década coincidirem com o início da Aliança para o Progresso, idéia lançada por Kennedy, com o objetivo de favorecer governos reformistas, os credores estrangeiros começaram a encarar o país com mais complacência. Parece provável que o empenho para se realizar reformas estruturais e o vigoroso esforço de estabilização foram as principais causas das tremen-das pressões sofridas por Jânio Quadros que acarretaram sua renúncia precoce.1

Os turbulentos anos que se seguiram à renúncia, no final de agosto de 1961, até a derrubada do governo seguinte, em abril de 1964, foram desprovidos de qualquer linha de política econômica consistente. Isso foi resultado da falta de liderança do presidente Goulart que, na primeira metade de seu mandato, porém, não foi direta-

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mente responsável por essas circunstâncias, pois pôde assumir a presidência somente após concordar em dividir o poder com uma recém-criada forma de governo parlamen-tar, o que confundiu os limites de autoridade, sem que tivesse surgido nenhuma outra liderança bem definida. Depois, porém, da realização de um plebiscito em 1963, que restituiu total poder à presidência, Goulart mostrou ser um homem fraco, dominado pelas pressões vindas de diversos grupos de oposição. Houve tímidas tentativas de estabilização, logo abandonadas devido às exigências de rápidos ajustes salariais por parte de líderes trabalhistas, à insistência da comunidade empresarial para evitar dolorosas restrições de crédito, à pressão de muitos grupos para não abandonar o subsídio inflacionário de taxas de câmbio aplicadas à importação de petróleo e trigo ou à pressão de não reajustar as tarifas de serviços públicos e de transportes de acordo com o aumento geral de preços. Este último fato criou ainda mais pressões inflacio-nárias através do aumento de déficits orçamentários do setor público.2

Durante a administração Goulart, os grupos que clamavam por reformas institucio-nais básicas e por políticas mais nacionalistas diante do capital estrangeiro tornaram-se progressivamente ruidosos e exerciam significativa influência sobre o presidente. Crescia a agitação por reforma agrária e tributária, e exigiam-se mudanças institucionais na estrutura educacional do país e um maior controle sobre as atividades do capital es-trangeiro (e, em alguns casos, sobre desapropriação). Goulart nutria simpatia por esses grupos, usou seus argumentos em seus pronunciamentos, mas falhou ao implementar programas concretos.

Foram tomadas algumas medidas na época, como uma rígida lei de controle de remessa de lucros aprovada pelo Congresso em outubro de 1962 e, em 1963, foi for-mulado o Plano Trienal, destinado a exercer uma enérgica fiscalização sobre a inflação e a lidar sistematicamente com os principais desequilíbrios da economia. A partir do momento em que se tornou óbvio que o governo não tinha nem os meios nem a vonta-de de impor suas medidas de estabilização e reforma, o plano foi engavetado. A falta de controle político, a contínua agitação por reformas e as insinceras demonstrações de simpatia que Goulart por elas demonstrava, além da condenação pública do capital estrangeiro, acarretaram problemas econômicos cada vez maiores. Os déficits orçamen-tários aumentavam e a taxa de inflação chegava a 50% e, finalmente, em 1964, a infla-ção chegou a índices anuais superiores a 100%. Com as incertezas políticas, os investimentos nacionais e estrangeiros caíram e a taxa de crescimento da economia declinou continuamente do pico alcançado em 1961.

Dois pontos de vista sobre a estagnação da década de 1960

Tornou-se moda durante a década de 1960 especular sobre as conseqüências da industrialização com objetivo de substituir as importações (ISI)* nos países em desen-volvimento, e a maioria das análises era pessimista. Alimentavam-se dúvidas sobre a possibilidade de experimentar elevadas taxas de crescimento econômico depois que

* ISI = Import substitution industrialisation (N. do T.).

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o dinamismo do ISI tivesse passado. Críticos ortodoxos do processo de ISI achavam que a estrutura industrial ineficiente que resultou na produção de bens de preço elevado, que não poderiam ser vendidos em grandes quantidades internamente ou no estrangeiro, iria limitar severamente as perspectivas de crescimento industrial. Eles também acreditavam que a falta de diversificações nas exportações durante o período do ISI levaria à estagnação baseada na restrição de importações. Assim, eles eram de opinião de que as esperanças pós-ISI de elevados índices de crescimento residiriam principalmente no desenvolvimento do setor de exportação agrícola e na racionaliza-ção da indústria (isto é, eliminando setores que não apresentavam vantagem compa-rativa presente ou futura).

Críticos não-ortodoxos (algumas vezes chamados de “estruturalistas”) achavam que, como o ISI não havia solucionado alguns dos problemas socioeconômicos fundamen-tais presentes até mesmo antes do início do processo - por exemplo, o atraso do setor agrícola ou a distribuição desigual de renda -, a estagnação econômica estava fadada a retornar assim que o dinamismo inerente ao ISI se tivesse dissipado. Alguns críticos estruturalistas até mesmo ressaltaram a evidência de que o ISI agravou problemas socioeconômicos existentes. No Brasil e em vários outros países em desenvolvimento que passavam pelo mesmo processo, a renda estava mais concentrada do que antes e as novas indústrias não criaram empregos suficientes para a população urbana em rápido crescimento.3

A estagnação do país perdurou até 1967 e foi seguida por um notável boom eco-nômico que persistiu de 1968 a 1974. Os defensores do regime gastaram seu tempo analisando os resultados favoráveis das políticas adotadas nos governos pós-1964, enquanto os críticos se preocupavam com a distribuição dos benefícios e do cres-cimento entre os setores. Na verdade, o debate durante o boom centrou-se impli-citamente na questão de saber se o crescimento brasileiro também significava desenvolvimento.

Políticas econômicas desde 1964

O novo regime estabelecido em 1964 considerava que o caminho para a recupe-ração econômica residia no controle da inflação, na eliminação da distorção de preços acumulada no passado, na modernização dos mercados de capitais que produziria um aumento na acumulação de poupança, na criação de um sistema de incentivos que direcionasse investimentos para áreas e setores considerados essenciais pelo governo, na atração de capital estrangeiro (tanto privado como público) para financiar a expan-são da capacidade produtiva do país e no uso de investimentos públicos em projetos de infra-estrutura e em determinadas indústrias pesadas de propriedade do governo.

Nos primeiros anos que se seguiram à mudança de governo de 1964, os formuladores de política econômica deram ênfase à estabilização e às reformas estruturais nos m er-cados financeiros. A primeira consistia em medidas clássicas - contenção de gastos públicos em vários setores, aumento da receita tributária como resultado de melhorias no mecanismo de arrecadação de impostos, restrição de crédito e um arrocho no setor salarial.4 O programa de estabilização também incluiu medidas para eliminar as

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distorções de preço que se haviam acentuado durante a inflação da década anterior. As tarifas de serviços públicos (controladas pelo governo e que estavam defasadas em relação ao aumento geral de preços), por exemplo, foram aumentadas drasticamente. Embora tenham provocado um impacto inflacionário adicional de curto prazo (conhe-cido como “inflação corretiva”), essas medidas conduziram à gradual eliminação dos déficits em vários setores (transporte, por exemplo), reduzindo a necessidade de sub-sídios do governo. 5

Essas medidas políticas resultaram em um declínio constante no déficit orçamentá-rio do governo que, em 1963, atingiu 4,3% do PIB; em 1971, essa taxa havia declinado para 0,3%. O índice de inflação decresceu gradualmente para cerca de 20%, tendo sido mantida nesse patamar nos anos de rápido crescimento de 1968-74.

A modernização e o fortalecimento dos mercados de capitais também foram con-siderados essenciais para a sustentação do crescimento econômico. Instituiu-se a indexação de instrumentos financeiros, isto é, criou-se um sistema pelo qual o prin-cipal e os juros sobre instrumentos da dívida eram reajustados de acordo com a taxa de inflação/' que foi inicialmente aplicado a títulos públicos, possibilitando ao governo confiar cada vez mais no financiamento não-inflacionário do déficit orçamentário. Com o passar do tempo, esse sistema se estendeu a outros instrumentos financeiros. Per-mitiu-se que o recém-criado Banco Nacional de Habitação (BNH), por exemplo, emitisse títulos indexados e indexasse seus empréstimos. A indexação também foi aplicada aos depósitos nas contas de poupança, às associações de poupança e crédito imobiliário e a dívidas corporativas e desenvolveu-se um mecanismo para a reavaliação periódica do capital de empresas de acordo com as mudanças de preços.

Uma lei do mercado de capitais, criada em 1965, proporcionou um cenário institu-cional visando fortalecer e aumentar o uso do mercado de ações e estimulou a criação de bancos de investimentos para subscrever novas emissões. Outros mecanismos de crédito foram gradualmente desenvolvidos para aumentar a demanda de investidores e consumidores para a produção da crescente capacidade industrial do país. Foram criados muitos fundos especiais que funcionavam como complementos do banco de desenvolvimento do governo (BNDE), a fim de financiar, por exemplo, as vendas de pequenas e médias empresas brasileiras ou a aquisição de bens de capital.7

Uma grande parte dos recursos para essas instituições oficiais de crédito foi propor-cionada por um sistema de poupança forçada cuja carga foi sustentada, em grande parte, pelas classes trabalhadoras. Desde o final da década de 1960, vários fundos da Previdência Social e de aposentadoria forneceram uma crescente parcela da poupança nacional, incluindo a maioria dos recursos emprestada pelo tesouro nacional, pelo ban-co de habitação e os recursos usados pelo BNDE e as caixas econômicas. Essa poupan-ça, naturalmente, era totalmente indexada.8

No período de 1964-74, o governo brasileiro fez uso crescente de incentivos fiscais para influenciar a alocação de recursos em regiões e setores, utilizando extensamente, por exemplo, um mecanismo de incentivo fiscal ligado à Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) para atrair investidores àquela região subdesenvol-vida; esse mecanismo foi subseqüentemente estendido à Região Amazônica. Entre outras medidas fiscais encontramos incentivos para estimular as exportações, o turis-mo, o reflorestamento e o mercado de ações.9

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Os gastos do governo com investimentos nunca foram reduzidos durante os vigo-rosos anos de estabilização após 1964, visto que os projetos de infra-estrutura existen-tes continuaram a ser postos em prática. Além disso, enquanto as reformas financeiras e os programas de estabilização anteriormente mencionados eram realizados, o gover-no envolveu-se em alguns estudos setoriais básicos (em colaboração com a Agência Americana para Desenvolvimento Internacional, o Banco Mundial e o Banco Interame- ricano de Desenvolvimento) destinados a orientar a expansão da capacidade geradora de energia do país, o sistema de transportes, a infra-estrutura urbana e as indústrias pesadas - principalmente de aço, mineração e petroquímica - controladas por empre-sas do governo. O espaço de tempo entre a realização desses estudos, as negociações para financiar os investimentos e as atividades reais de investimento foi de três a quatro anos e os resultados de tal planejamento puderam ser sentidos somente no final da década de I960.10

Finalmente, a política econômica de comércio exterior foi considerada extrema-mente importante pelos regimes pós-1964. O rápido crescimento e a diversificação das exportações foram considerados essenciais à recuperação e ao vigor duradouro da eco-nomia brasileira.11 Para atingir essas metas, o governo adotou várias políticas ao longo dos anos, que incluíam a revogação das tarifas de exportação, a simplificação de proce-dimentos administrativos para exportadores e a introdução de incentivos fiscais e cré-dito subsidiado. E, por fim, e igualmente importante, foi a adoção, em 1968, de uma política cambial mais realista e que consistia em freqüentes (porém imprevisíveis) e pequenas desvalorizações do cruzeiro. Esperava-se, desse modo, impedir a supervalorização da moeda brasileira à medida que a inflação prosseguia, ao mesmo tempo em que se mantinha a especulação da moeda a um mínimo e se evitava que a taxa de câmbio se tornasse uma questão política.

Realizações dos governos pós-1964

A estagnação, evidente na economia brasileira em 1962, continuou depois da mu-dança do regime em 1964 e persistiu até 1968, o que pode ser atribuído à combinação de alguns fatores: os efeitos das medidas de estabilização aplicadas naquele período; o espaço de tempo transcorrido antes que os efeitos das reformas institucionais rea-lizadas no sistema financeiro pudessem ser sentidos e antes que os numerosos estudos e planos de expansão da infra-estrutura e das indústrias pesadas do país pudessem resultar em atividades de construção efetivas; e, finalmente, o intervalo de tempo necessário para convencer os investidores internos e estrangeiros, privados e oficiais, da estabilidade do novo regime e de seu controle sobre a economia.

A economia brasileira penetrou em seu notável período de boom em 1968. O crescimento real do PIB, que atingira a média de somente 3,7% no período de 1962- 67, alcançou médias anuais de 11,3% nos anos de 1968-74. Gomo poderemos observar no Apêndice (Tabela Al), a indústria foi o setor líder, expandindo-se a taxas anuais de 12,6%. No ramo manufatureiro, pode-se notar (Apêndice, Tabela A2) que as maio-res taxas de crescimento foram alcançadas por setores como equipamento de transpor-tes, maquinário e equipamento elétrico, enquanto setores tradicionais como têxteis,

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vestuário e produtos alimentícios apresentaram índices de crescimento muito meno-res. Em outras palavras, muito do crescimento do setor manufatureiro estava concen-trado nos bens de consumo duráveis e produtos químicos. A expansão da economia brasileira pode ser ilustrada mais graficamente pela menção de alguns números refe-rentes à produção real nas indústrias básicas e de bens de consumo duráveis: a pro-dução de aço aumentou de 2,8 milhões de toneladas em 1964 para 9,2 milhões de toneladas em 1976; a capacidade instalada de produção de energia elétrica aumentou de 6,840 milhões de megawatts para 21,796 milhões no mesmo período; o cimento, de 5,6 para 19,1 milhões de toneladas; veículos motorizados, de 184 mil para 986 mil e automóveis de passeio, de 98 mil para 527 mil; papel, de 0,6 para 1,9 milhão de toneladas; em 1976, a produção de televisores tinha atingido 1,872 milhão de apare-lhos e a produção de geladeiras, 1,276 milhão. A taxa média de crescimento anual de construção de estradas aumentou de 12% no período de 1964-67 para 25% no período de 1968-72 e a taxa de crescimento de pavimentação de 6% para 33%.

Uma característica notável do crescimento do Brasil nas décadas de 1950 e 1960 foi o coeficiente de capital relativamente baixo. De acordo com as contas nacionais, a forma-ção de capital bruto como parte do PIB cresceu de cerca de 14% em 1949 para 20% em 1959, enquanto atingiu a média de 22% no início da década de 1970 (ver Tabela 5.1). Embora, no momento em que escrevemos este livro, não houvesse contas nacionais revi-sadas referentes à década de 1960, as séries antigas12 mostram que o coeficiente de capi-tal pairou ao redor de 16,5% de meados da década de 1950 até o final da década de 1960. Mesmo que revisões aumentem essa média, é provável que elas não indiquem uma ten-dência de alta. A constância do coeficiente de capital, isto é, a formação de capital bruto como percentagem do PIB, tem sido atribuída ao significativo excesso de capacidade que existiu durante toda a década de 1960 possibilitando, portanto, que muitos setores expandissem a produção sem necessidade de muitos investimentos. Um estudo consta-tou que, durante a estagnação de 1962-67, a capacidade ociosa na indústria alcançou cerca de 25% e que, no período de boom que se seguiu, o estoque de capital crescia a uma taxa de 8,3% ao ano, enquanto a taxa de crescimento industrial era de 14,5%, o que “somente era possível devido à existência de grande quantidade de capacidade ociosa... O resultado foi um aumento no grau de utilização da capacidade instalada de 75% em 1967 para 100% em 1972, uma média anual de cerca de 6%”.13

O coeficiente de capital mais elevado na década de 1970 foi resultado, em grande parte, do uso total da capacidade, que induziu muitas empresas a fazer novos inves-timentos, e também da crescente predominância de investimentos governamentais, tanto em projetos de infra-estrutura como em indústria pesada, que se caracterizaram por uma elevada relação capital/produto.

Os esforços realizados pelos governos pós-1964 com o intuito de aumentar o reco-lhimento fiscal acarretou um notável aumento de impostos diretos e indiretos em comparação com o PIB (Tabela 5.1). E provável que, não fosse pelos esquemas de incentivos fiscais já mencionados, a relação direta impostos/PIB teria aumentado ain-da mais. Calcula-se que no início da década de 1970 esses incentivos atingiram 50% do total de impostos diretos.

O Apêndice (Tabela A l) mostra que o declínio da participação da agricultura no Produto Interno Líquido se acelerou no período de 1959 a 1970, enquanto o cresci-

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Tabela 5.1A formação do capital bruto e impostos como

percentagem do PIB, 1949-77

Ano

Formação de capital bruto Impostos

Total Fixo Diretos Indiretos

1949 13,9 12,9 4,7 9,2

1959 20,7 18,5 5,2 12,81970 23,5 22,2 8,6 15,3

1971 25,3 22,9 9,0 15,0

1972 25,5 22,9 10,1 14,8

1973 27,3 23,0 10,5 14,7

1974 31,6 24,2 10,8 14,2

1975 25,3 25,3 11,7 13,2

1976 - 24,2 - -

1977 - 22,6 - -

Fonte: Calculado a partir da Conjuntura Econômica, jul./l c>77 e fev./1978.

mento da participação da indústria e de serviços foi relativamente dividido em partes iguais.

O Apêndice (Tabela A4) resume a posição do comércio exterior brasileiro. O co-mércio exterior cresceu a taxas substancialmente mais altas do que as do crescimento da economia como um todo. Nos anos de 1970-73, a taxa média de crescimento anual das exportações foi de 14,7% e a de importações de 21%. O déficit comercial resul-tante do maior aumento das importações elevou-se ainda mais devido a um crescente déficit no balanço de serviços. Até 1974, entretanto, ele foi mais do que compensado por um aporte maciço de capital público e privado. A entrada líquida de investimen-tos diretos aumentou de uma média anual de US$ 84 milhões no período de 1965-69 para uma média anual de US$ 1 bilhão no período de 1973-76. Ainda mais dignos de nota foram os empréstimos externos líquidos, que aumentaram de uma média anual de IJS$ 604 milhões no período de 1965-69 para uma média de US$ 6,5 bilhões de 1973-76. O financiamento externo superou significativamente o déficit da conta cor-rente até 1973, resultando em um aumento nas reservas cambiais do Brasil de uma média de US$ 400 milhões no período de 1965-69 para US$ 6,8 bilhões em 1973.

Deve-se observar que durante esses anos o Brasil conseguiu diversificar sua estru-tura de mercadorias de exportação. A parcela do valor de exportações pela qual o café era responsável caiu de uma média de 42% em meados da década de 1960 para 12,6% em 1974; produtos manufaturados aumentaram de 7,2% para 27,7% durante o período 1965-74; a soja não fazia parte da estrutura de exportações brasileiras em meados da década de 1960 e participava com 7,4% em 1974. A estrutura de mercadorias de importação foi observada pelo crescimento dos bens de capital, cuja parcela do total

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de importações cresceu de cerca de 31% em meados da década de 1960 para aproxi-madamente 40% em meados da década de 1970. E, com a crise mundial do petróleo, as importações desse produto aumentaram de 11,5% das importações em 1973 para cerca de 25% em 1975.

As políticas pós-1964 claramente abriram a economia ao comércio exterior. Enquanto as políticas de substituição à importação da década de 1950 reduziram o coeficiente de importações (isto é, a relação importação/PIB) de 16% no período 1947-49 para 5,4% em 1964, o oposto ocorreu como resultado das políticas pós-1964, fazendo com que o coeficiente aumentasse para 14% em 1974.

O setor governamental

Um aspecto do crescimento econômico brasileiro que apenas começava a ser no-tado foi o grande e crescente envolvimento do Estado na economia.14 Os gastos do governo (em todos os seus níveis) em comparação ao PIB aumentaram de 17,1% em 1947 para 22,5% em 1973. As empresas do governo dominavam no aço, mineração e produtos petroquímicos e controlavam mais de 80% da capacidade geradora de ener-gia e a maioria dos serviços públicos. Calcula-se que em 1974, entre as cem maiores empresas (em valor de ativos), 74% dos ativos combinados pertenciam a empresas estatais, enquanto nas 5.113 maiores empresas, 37% dos ativos pertenciam a estatais. Da mesma forma, os bancos estatais representaram um papel predominante no siste-ma financeiro. Dos 50 maiores bancos (em termos de depósitos), os estatais eram responsáveis por cerca de 56% do total de depósitos em 1974 e por cerca de 65% dos empréstimos feitos ao setor privado.

Existem provas significativas de que muito do crescimento ocorrido desde 1968 foi causado pelo impacto provocado pelos programas do governo,15 e que, devido aos ela-borados mecanismos de controle do Estado, a alocação de recursos foi mais um resulta-do das políticas governamentais do que de forças do mercado.

Questões que envolvem a experiência de crescimento do período pós-1964

Reconhece-se, em geral, que os frutos da rápida expansão econômica brasileira foram irregularmente distribuídos, fato que se tornou evidente com a divulgação do censo demográfico de 1970, que revelou um aumento na concentração da distribuição de renda.

A questão da eqüidade

Como podemos ver na Tabela 5.2, a participação na receita nacional de 40% dos que pertencem aos grupos de renda mais baixa caiu de 11,2% em 1960 para 9% em

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Tabela 5.2 Variações na distribuição de renda, 1960-70

Renda per capita em US$

I960 1970 1960 1970

40% mais baixos 11,2 9,0 84 90

Próximos 40% 34,3 27,8 257 278

Próximos 15% 27,0 27,0 540 720

40% mais altos 27,4 36,3 1.645 1.940

Total 100,0 100,0 300 400

Fonte: Calculado a partir do IBGE, Censo Demográfico, 1970.

1970; a dos seguintes 40% caiu de 34,4% para 27,8%, enquanto os 5% pertencentes aos grupos de renda mais alta aumentaram sua fatia de 27,4% para 36,3%. Há também evidências consideráveis de que o salário real tenha primeiro declinado na segunda metade da década de 1960 para então subir a uma taxa significativamente menor que a dos aumentos de produtividade.16

Embora a Tabela 5.3 indique salários mínimos, e não médios, pode-se considerar que nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo mais de 25% da força de trabalho do setor manufatureiro recebia um salário mínimo ou menos, enquanto trabalhadores que recebiam dois salários mínimos ou menos chegavam a 65% e 60% em seus respectivos setores; a situação era muito pior no Nordeste.17 Levantamentos de amostras realizados em 1972 revelaram que menos de 40% dos lares urbanos brasileiros tinham acesso a um sistema de fornecimento de água, menos de 43% estavam conectados a um siste-ma de esgotos ou possuíam uma fossa séptica, apenas 53% tinham eletricidade e so-mente 5% possuíam um telefone, além das imensas variações regionais existentes.18

A primeira questão que surge nessa desigualdade de distribuição é se a situação acabaria levando à estagnação, visto que a pequena parcela da população não iria constituir-se num mercado bastante grande para sustentar um elevado índice de cres-cimento econômico (ver Tabela 5.2). Mas o argumento da estagnação pode não se aplicar ao Brasil por dois motivos: primeiro, há extensão do setor governamental, que, se corretamente administrado, pode manter o crescimento; segundo, há extensão ab-soluta da população brasileira. Mesmo que 20% da população tenha recebido mais que 63% da renda do país, isso representaria, na época, cerca de 22 milhões de pessoas, que é um mercado amplo. Falta considerar, entretanto, de que forma o crescimento econômico poderia expandir-se rapidamente além do período de indus-trialização com o objetivo de substituir as importações. Esse fato suscita outra questão: teria surgido um novo dualismo no Brasil, em que dois grupos socioeconômicos iriam se perpetuar lado a lado? Essa situação tem sido descrita por alguns como a de uma “Belíndia” (Bélgica na índia) - isto é, uma população de cerca de 22 milhões com uma renda per capita de aproximadamente US$ 1,2 mil, enquanto 85 milhões têm receitas inferiores a US$ 300. Esse dualismo seria permanente? Ou, supondo-se a

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Tabela 5.3 Salários mínimos reais em cruzeiros, valor de 1965, 1966-76

(Cr$ por mês)

Rio de Janeiro São Paulo Porto Alegre

1966 53,9 50,9 49,21967 53,1 50,8 50,41968 52,9 50,0 51,21969 51,2 49,1 51,51970 50,8 50,2 50,61971 51,9 50,2 51,71972 54,2 50,9 52,31973 55,3 51,8 49,91974 49,9 47,1 47,11975 53,8 51,5 49,11976 51,0 51,9 50,5

Nota: Todos os números referem-se a dezembro de cada ano. Fonte: Boletim do Banco Central do Brasil, mai./1977.

ausência de políticas enérgicas de redistribuição de renda por decreto, o dinamismo inerente a um mercado que atende 22 milhões de pessoas atrairia gradualmente um número cada vez maior dos 85 milhões para a sociedade de renda mais elevada?19

Mesmo que uma distribuição desigual de renda cada vez maior não conduza a uma estagnação de longo prazo, a questão foi fundamental no debate entre os defensores e críticos do regime. A razão básica de sua importância residiu no fato de que um sistema que origina altos índices de crescimento de uma produção distribuída de forma espalhafatosamente desigual parecia ser, a longo prazo, moral e politicamente injustificável. Os defensores do regime, porém, argumentavam que o verdadeiro su-cesso da experiência de crescimento do Brasil no final da década de I960 e final da década seguinte produziu um aumento na concentração de renda porque os elevados índices de crescimento aumentaram a demanda por mão-de-obra especializada, que era escassa. Assim sendo, as forças do mercado provocaram um grande aumento na renda relativa de operários qualificados, técnicos e gerentes especializados, o que significa que uma grande parte do incremento na renda real foi conquistada por grupos que possuíam um capital humano pouco disponível.20

De acordo com a opinião dos defensores, a solução para o problema estava em se investir mais em educação, o que melhoraria gradativamente a distribuição de renda do país ao se aumentar a oferta de mão-de-obra especializada em relação à demanda e, conseqüentemente, provocar uma redução na diferença existente entre a remuneração de diferentes tipos de mão-de-obra.21 Simonsen e Campos acreditavam que o governo escolheu o modo mais adequado de conciliar o máximo crescimento com uma melhoria na distribuição de renda que estava sendo alcançada de forma indireta “através da extensão da educação gratuita, uma melhoria na pirâmide educacional, facilidades de

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crédito para habitações destinadas a pessoas de baixa renda, pequenas empresas e pe-quenos estabelecimentos rurais, benefícios de aposentadoria para trabalhadores do cam-po e a criação de fundos de aposentadoria para trabalhadores da indústria e governo e o Programa de Integração Social”.22

Os críticos encaravam esse tipo de análise como incompleta, na melhor das hipóte-ses, e como uma apologia das políticas dos governos pós-1964, na pior delas. Se a expli-cação básica para o aumento na concentração de renda na década de 1960 estava relacio-nada com a escassez de mão-de-obra especializada, é natural que pouco se poderia cul-par diretamente as políticas governamentais específicas adotadas desde 1964. Porém, muitos dos críticos argumentaram que, na verdade, a explicação quanto à “educação” era de menor importância e vários responsabilizaram as políticas salariais implementadas depois de 1964 pelo aumento da concentração de renda.23 Há evidências significativas de que os salários mínimos reais e a média de salários praticados na indústria declinaram durante os anos de estabilização. John Wells mostra que, mesmo depois que os salários reais começaram a subir novamente no final da década de 1960, eles estavam muito defasados em relação aos aumentos de produtividade contribuindo, dessa forma, para que prosseguisse a deterioração na distribuição de renda entre trabalho e capital.24

Vários críticos citaram outros elementos que contribuíram para a concentração de renda, e um deles é a tecnologia. Ao longo do tempo, a utilização de capital nas indús-trias brasileiras havia se tornado cada vez maior. Assim, com a indústria sendo o setor líder-com uma relação capital/trabalho muito mais elevada do que nos setores tradicio-nais -, o aumento da concentração na distribuição de renda fatalmente iria acontecer, todos os demais fatores permanecendo constantes. Isso se aplica mesmo que a mão- de-obra das indústrias de capital intensivo receba salários reais mais elevados que em outros setores, visto que o total de mão-de-obra empregada é reduzido comparado ao capital e outros insumos não-relacionados à mão-de-obra. Além da tecnologia, um se-gundo fator citado foi o amplo uso dos incentivos fiscais para alocar recursos, o que inevitavelmente favoreceu os grupos de renda elevada que se encontravam em posição de utilizar esses incentivos, contribuindo para o aumento da concentração de renda.

Quem poupa?

Uma justificativa tradicional para a concentração na distribuição de renda tem sido o fato de que os grupos de renda mais elevada estão mais inclinados a poupar do que os grupos de renda mais baixa. Dessa forma, para aumentar os investimentos e a futura capacidade produtiva, a concentração de renda deve ser tolerada por algum tempo. Simonsen e Campos, por exemplo, declararam que “o assim chamado ‘milagre brasi-leiro’ deve ser creditado aos sacrifícios enfrentados durante a administração Castelo Branco. [Originou-se] do reconhecimento ortodoxo a opinião de que qualquer tipo de processo de desenvolvimento deve basear-se na poupança e nas considerações de mer-cado: a primeira exigência para um crescimento rápido e sistemático é a existência de um elevado índice de poupança”.25

A poupança brasileira apresentou um crescimento notável desde o final da década de 1950 e início da de 1960. Contas nacionais revisadas mostram que a poupança interna

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atingiu 17,5% do PIB em 1959; em 1973, esse número aumentou para 21%. E e acordo com esses dados, entretanto, a maioria do incremento na poupança veio do set )r gover-namental - tendo a relação poupança do governo/PIB aumentado de 5,1% em 959 para 8,4% em 1973.26

Uma estimativa mostra a soma de vários recursos de programas sociais que re-presentavam poupanças forçadas (o fundo de desemprego FGTS, PIS e Pa não existiam em 1959) de 14% do total da poupança interna em 1973. Jui com a poupança do governo daquele ano eles são responsáveis por 52% da | total. Em 1976, o rápido crescimento dos fundos de desemprego e de apos* ntadoria fez com que sua proporção em relação ao total da poupança interna aui para 15,3%.

Esses dados conduzem a um certo ceticismo sobre a alegada ligação entn buição de renda e o comportamento da poupança da economia. Além disso, u aumento na aquisição de bens de consumo duráveis pelos grupos de renda n recidos pareceria indicar que o sistema (isto é, o crédito ao consumidor e a di: dade de uma maior variedade de bens de consumo) os estimulava a consumpoupar.27 Um estudo realizado em 1975 indica que grande parte do crédito do Banco da Habitação, cujos recursos eram retirados dos fundos de apos acima mencionados, foi utilizada para financiar habitações para a classe méc outras construções e infra-estrutura urbanas e não casas para os pobres.28 seria um outro exemplo em que a poupança forçada de grupos de renda m financiavam projetos para grupos mais favorecidos.

Perfis de demanda e produção

ep, que tamente oupança

íentasse

a distri- n rápido ais favo- ponibili- e não a

ndexado ntadoria a e alta, isse fato lis baixa

O aumento na concentração de renda suscita um outro problema, raramer ;e discu-tido até recentemente: o aumento no investimento em uma sociedade coi concentradas cria um perfil de capacidade de produção que certamente não quado a uma sociedade mais igualitária. Essa questão está estreitamente re aos argumentos desenvolvidos por Furtado em suas críticas ao modelo brasi argumenta que o perfil da estrutura produtiva criada no Brasil durante a déc rior espelhava o perfil de demanda da população que, por sua vez, era infl pela distribuição de renda:

A concentração na distribuição de renda no Brasil ocasionou um perfil de deman os bens de indústrias tecnologicamente avançadas estão fortem ente representados, fat« bém se reflete na estrutura produtiva do país. Assim, o contínuo dinamismo desse tip< trias depende da manutenção ou m esm o de um aumento na concentração de renda.2'

Os programas de incentivos fiscais, a estrutura financeira emergente, cara por um crescente número de instituições de crédito que financiam bens de duráveis, e o crescimento de uma classe positivamente numerosa (embora p nalmente pequena) de gerentes e trabalhadores especializados com elevad foram cruciais para manter o perfil de demanda “correto” .

i rendas erá ade- icionada íiro. Ele da ante- ícnciado

a no qual que tam- de indús-

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Também foi declarado (sem uma elaboração mais detalhada) que a forte presença de multinacionais e a sofisticação do sistema financeiro contribuíram para influenciar o padrão de consumo da população. Através da publicidade de multinacionais e da evolução no mecanismo de crédito, criou-se uma nova demanda para muitos bens de consumo duráveis. Alguns economistas alegaram que esses fatos “distorceram” o perfil de demanda dos grupos de renda mais baixa, induzindo-os a comprar bens que nor-malmente não comprariam, dado seu nível de renda.30

A maioria desses argumentos ainda precisa ser testada empiricamente. Natural-mente, o crescimento muito mais rápido das indústrias de bens de consumo duráveis do que das tradicionais (ver Apêndice, Tabela A2) oferece certo apoio à análise de Furtado. Seria interessante testar o grau de rigidez do perfil da capacidade de pro-dução quando ocorrem mudanças no perfil de demanda. Quanto mais rígido ele é, mais fraca se torna a justificativa de um aumento temporário na concentração de renda, ao passo que, quanto maior sua flexibilidade, mais forte é essa justificativa.

Uma grande parte da formação de capital no Brasil no final da década de 1960 e na primeira metade da de 1970 consistiu em investimentos públicos e atividades de investimento em empresas do governo (que, em 1969, chegaram a 60% do total da formação de capital). O perfil produtivo resultante desses investimentos não implica, obrigatoriamente, a necessidade de um perfil de demanda que favoreça uma minoria de pessoas mais ricas — o aumento na capacidade de produção de aço, produtos petroquímicos, extração de minério de ferro, capacidade de geração de energia, sis-temas de trânsito urbano rápidos e, assim por diante, seriam todos necessários inde-pendentemente da distribuição de renda. Pode-se, entretanto, questionar a sensatez dos grandes investimentos governamentais na construção de estradas, que sustentou a capacidade de expansão da indústria automobilística e tornou o país progressiva-mente dependente do consumo de petróleo, 80% do qual era importado, no início da década de 1970.

Outros problemas de distribuição

Embora os governos pós-1964 tenham procurado enfrentar o antiquíssimo proble-ma dos desequilíbrios regionais, poucos avanços fizeram para resolver a extraordinária má distribuição entre o Sudoeste/Sul e o Nordeste (esse assunto é discutido em detalhes no Capítulo 14). Mencionamos anteriormente que essa questão foi tratada principalmente através do conhecido programa de incentivos fiscais da Sudene. Esse programa originou um desenvolvimento excepcional na região, mas era quase todo concentrado nas cidades de Salvador e Recife e a maioria das indústrias era tão inten-siva de capital que oferecia poucas oportunidades de emprego.31 Em 1970, embora ainda abrigasse 30,3% da população, o N ordeste era responsável por somente 12,2% da renda nacional e somente 5,6% da produção industrial; o Sudeste, entretanto, com 42,7% da população, era responsável por 64,5% da renda nacional e 80,6% da produção industrial. Além disso, o levantamento de amostra de 1972 do Programa Nacional de Amostragem de Domicílios (PNAD) revelou a existência de imensas diferenças no bem-estar social. Em São Paulo, por exemplo, 85% das residências tinham eletricidade,

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enquanto no Nordeste essa proporção era de somente 25%; 73% das rt São Paulo estavam conectadas a um sistema de esgotos ou possuíam ur tica, mas apenas 15% dos lares nordestinos eram beneficiados por essas

A mais divulgada tentativa de uma nova política referia-se ac Transamazônica anunciado pelo presidente Médici em setembro de 1970. tinaram grandes somas e que visava, simultaneamente, à construção de uri colonização. Além da intenção dos formuladores da política econômica d população de um imenso território desocupado — e que assumia uma cre: tância estratégica aos olhos dos militares brasileiros —, também se espera migração maciça da população seria uma maneira relativamente eficiente problemas socioeconômicos de áreas como o Nordeste. Infelizmente, Transamazônica foi realizado sem o planejamento preliminar apropriado, mais problemas do que soluções e, em meados da década de 1970, pareci lado entre as últimas prioridades em meio às políticas econômicas do gov

Afastamento da ortodoxia do período pós-1964

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principalmente na década de 1970, começaram a desviar-se de algumas devido a pressões internas.

Um exemplo disso está no sistema de indexação. Os governos pó: nham de bastante poder para manter o setor salarial não-indexado e, da o setor agrícola estava isento desde o início: os empréstimos feitos pani também eram beneficiados por uma taxa de juros significativamente inflação. Empréstimos para insumos agrícolas, por exemplo, custavam a uma época em que a inflação atingia o triplo dessa taxa, o que levou à subsídio deliberado ao setor agrícola (0 crédito sendo destinado, em su produtores mais privilegiados).

A concessão de subsídios isentos de indexação aumentou na década de 1970. Como os muitos devedores do BNH não tinham condições de manter s í u s pagamen-tos reais (provavelmente como resultado da defasagem havida entre os iiimentos salariais e o mais rápido aumento dos preços dos produtos afora o alu *uel , havia o perigo de uma inadimplência generalizada. Conseqüentemente, o governo precisava aliviar a carga da dívida por meios como a prorrogação de prazos de pa&amt nto e até mesmo a redução da taxa de juros.

O setor industrial também fez pressões para ficar isento da indexaçio. t lS críticas públicas proferidas em 1974-75 contra o crescimento de em presas estatais e multinacionais em detrimento do setor privado brasileiro ocasionou a i edu<ão da in-cidência da taxa de juros sobre os empréstimos do banco de desenvolvi nento do governo (BNDE), 0 que representava, na verdade, um subsídio maciço ctravés da isenção da indexação.

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A mais divulgada tentativa de uma nova política referia-se ao prc Transamazônica anunciado pelo presidente Médici em setembro de 1970, a qu tinaram grandes somas e que visava, simultaneamente, à construção de uma es colonização. Além da intenção dos formuladores da política econômica de au população de um imenso território desocupado - e que assumia uma crescent tância estratégica aos olhos dos militares brasileiros - , também se esperava < migração maciça da população seria uma maneira relativamente eficiente de sc problemas socioeconômicos de áreas como o Nordeste. Infelizmente, o pr Transamazônica foi realizado sem o planejamento preliminar apropriado, tenc mais problemas do que soluções e, em meados da década de 1970, parecia ter lado entre as últimas prioridades em meio às políticas econômicas do governo

Afastamento da ortodoxia do período pós-1964

Muitas das normas e instituições criadas pelo primeiro governo pós-1964 < a produzir os elevados índices de crescimento do período de 1968-74 sem as d que ocorreram durante o incremento da industrialização com objetivo de sub importações da década de 1950. E interessante notar como os governos subse principalmente na década de 1970, começaram a desviar-se de algumas dessa devido a pressões internas.

Um exemplo disso está no sistema de indexação. Os governos pós-196 nham de bastante poder para manter o setor salarial não-indexado e, da mesn o setor agrícola estava isento desde o início: os empréstimos feitos para a a£ também eram beneficiados por uma taxa de juros significativamente infe inflação. Empréstimos para insumos agrícolas, por exemplo, custavam apena uma época em que a inflação atingia o triplo dessa taxa, o que levou à criaçí subsídio deliberado ao setor agrícola (o crédito sendo destinado, em sua ma produtores mais privilegiados).

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O aumento das isenções de indexação para grupos tomadores de empréstimos suscitou questões sobre seus efeitos nos grupos credores. Uma grande parte destes últimos era composta de trabalhadores cujas economias estavam investidas em fundos de pensão de seguro social. Deveriam esses trabalhadores subsidiar os tomadores de empréstimos, ou essa carga deveria ser assumida pelos contribuintes em geral? De acordo com uma decisão tomada em 1975, referente a medidas de ação, tem-se a impressão de que os credores suportavam grande parte da carga, como prova a intro-dução de um novo índice de preços para fins de indexação: esse índice foi “livrado” de “fenômenos acidentais” - como secas - ao nível de preço (chamado de índice de preços expurgados). Naturalmente, o aumento desse índice foi muito mais lento do que o aumento no índice regular do custo de vida.34

Outra transgressão das normas estabelecidas pós-1964 surgiu na forma em que a política cambial instituída em 1968 foi empregada em meados da década de 1970. À medida que prosseguiam as minidesvalorizações, os seus totais anuais eram inferiores à taxa total de inflação menos a inflação externa. E n tre tan to , a resultante supervalorização do cruzeiro não tinha importância, pois os incentivos às exportações (incentivos fiscais e créditos subsidiados) mais que a compensavam. Em meados da década de 1970, porém, o total anual de desvalorizações do cruzeiro tinha ficado para trás em relação à taxa de inflação de tal modo que ameaçava a competitividade das exportações brasileiras.

As pressões contra a desvalorização vinham de duas fontes: primeiro, havia preocu-pação quanto ao ressurgimento de forças inflacionárias reanimadas pela crise mundial do petróleo: uma desvalorização excessiva era encarada como uma força adicional à inflação; segundo, durante os anos de rápido desenvolvimento, muitas empresas brasilei-ras tinham obtido créditos expressivos de bancos estrangeiros: a rápida desvalorização do cruzeiro iria aumentar significativamente o custo da dívida em cruzeiros e, dessa maneira, elevar a carga financeira sobre setores nos quais o governo havia confiado para dar prosseguimento aos altos níveis de investimento e atividades de produção.

Esses dois exemplos indicam que, embora o governo brasileiro tivesse o poder de fazer cumprir decisões quanto à distribuição de recursos de conformidade com normas originalmente desenvolvidas em meados da década de 1960, ele considerava cada vez mais difícil viver de acordo com essas regras, visto que estava sujeito a pressões de mercado que ultrapassavam seu controle.

Notas

1. Para mais detalhes sobre a situação econômica no período, ver SKIDM ORE, Thomas E. Politics in Brasil, 1930-64: An experiment in democracy. Nova York, Oxford University Press, 1967, cap. 6.

2. BAER, Werner, KERSTENETZKY, Isaac & SIMONSEN, Mário H. “Transportation and inflation: a study of irrational policy-making in Brazil” . In: Economic development and cultural change, jun./1965.

3. Os argumentos defendidos pelo primeiro grupo podem ser encontrados em trabalhos como os de SIMONSEN, Mário H., Brasil2001. Rio de Janeiro, APEC, 1972 e “Brazilian inflation: post-war experience and outcome of the 1964 reforms”. In: Economic Development Issues: Latin America, Supplementary Paper na 21. Nova York, Committee for Economic Development, ago./1967. As opiniões do segundo grupo são igualmen-

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te representadas em obras de FURTADO, Celso. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro, Saga, 1968; e TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1972. Algumas dessas questões também são discutidas dentro do contexto geral da América Latina em BAER, Werner. “Import substitution industrialization in Latin America: experiences and interpretations” . In: Latin American Research Review, primavera/1972.

4. Discussões mais detalhadas sobre essas políticas podem ser encontradas nos seguintes artigos: FISHLOW, Albert. “Some reflections on post-1964 Brazilian economy policy”. In: Authoritarian Brazil. A. Stepan, New Haven, Yale University Press, 1973; HINRICHS, Harley H. & MAHAR, Dennis J. “Fiscal change as national policy: anatomy of a tax reform”. In: Contemporary Brazil: issues in economic and political development. H. Jon Rosenbaum e William G. Tyler, Nova York, Praeger, 1972, p. 191-208; Fundação Getúlio Vargas, “Políticas econômicas, registros de um quarto de século”, Conjuntura Econômica, nov./1972; BAER, Werner ôc KERSTENETZKY, I. “T he economy of Brazil”. In: Brazil in the sixties, Nashville, Riordan Roett, Tenn.: Vanderbilt University Press, 1972, p. 105-46.

5. Uma análise mais detalhada da inflação brasileira pode ser encontrada no Capítulo 7.6. Para detalhes, ver Capítulo 7 e BAER, Warner & BECKERMAN, Paul. “Indexing in Brazil”. In: World

Development, dez./1974; FISHLOW', Albert. “Indexing Brazilian style: inflation without tears” , h r. Brookings Papers on Economic Activity, 1974, p. 1.

7. Para mais detalhes, ver SIMONSEN, M. H. & CAMPOS, R. A nova economia brasileira. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, 1974, cap. 6; NESS Jr., Walter L. “Financial markets innovation as a development strategy: initial results from the Brazilian experience”. In: Economic Development and Cultural Change, abr./1974.

8. Para uma descrição detalhada de como esses fundos eram organizados, ver C HA CEL, Julian; SIMONSEN, M. H. & WALD, Arnoldo. A correção monetária. Rio de Janeiro, APEC, 1970.

9. SIMONSEN, M. H. e CAMPOS, R. 4 nova..., op. cit., p. 137-50.10. Mais detalhes podem ser encontrados em SYVRUD, Donald E. Foundations of Brazilian economic

growth. AEI-Hoover Research Publications 1. Stanford, Calif.: Hoover Institution Press, 1974, cap. 7.11. O comércio exterior brasileiro é discutido em mais detalhes no Capítulo 11.12. Fundação Getúlio Vargas, Conjuntura Econômica, set./1971, fev. e ago./1972.13. MALAN Pedro S. & BONELLI, Regis. “The Brazilian economy in the seventies: old and new

developments” . In: World Development, jan./fev./1977, p. 28.14. Uma análise mais ampla pode ser encontrada no Capítulo 1215. BAER, Werner. “The Brazilian Boom, 1968-72: an explanation and interpretation” . In: World

Developtnent, ago./1973.16. W ELLS, John. “Distribution of earnings, growth and the structure of demand in Brazil during the

sixties” . In: World Development, jan./1974, p. 10; BACHA, Edmar L. “Issues and evidence on recent Brazilian economic growth”, In: World Development, j an./fev./1977, p. 53-6.

17. Esses números foram calculados a partir de dados do Programa Nacional de Amostragem dc Domicí-lios (PNAD). População, mão-de-obra, salário, instrução, domicílio, 4Ü trimestre/l973 (IBGE). O salário mínimo, decretado pelo governo, é o salário que as empresas devem pagar a seus trabalhadores, como o salário mínimo americano.

18. Dados calculados a partir do levantamento do PNAD (IBGE) 1972.19. Para uma análise mais formal de uma sociedade dualista emergente, ver BACHA, E. e TAYLOR, L.

“The unequalizing spiral: a first growth model for Belindia”. In: Quarterly Journal of Economics, mai./1976.20. LANGONI, Carlos G. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro, Ex-

pressão e Cultura, 1973, cap. 5; SIM ONSEN & CAMPOS, op. cit., p .185-6.21. Idem, ibid., cap. 19.22. SIMONSEN & CAMPOS, R. A nova..., op. cit., p. 187.23. TOLIPAN, Ricardo & TIRELLY, Arthur Carlos, eds. A controvérsia sobre distribuição de renda e desen-

volvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, principalmente artigos de F ISHLOW e HOFFMAN; também BACHA, op. cit.

24. W ELLS, J. op. cit.25. SIMONSEN, M. H. & CAMPOS, R. A nova... op. cit., p. 10.

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26. Dados da Fundação Getúlio Vargas, Centro de Contas Nacionais. In: Sistema tie contas nacionais: novas estimativas. Rio de Janeiro, set./1974.

27. Wells chegou às mesmas conclusões depois dc examinar os poucos levantamentos sobre orçamentos do consumidor disponíveis. Ver WELLS, op. cit, p. 20-4.

28. REYNOLDS, Clark W. & CARPENTER, Robert T. “Housing finance in Brazil: toward a new distribution of wealth”. In: Latin American Urban Research, v. V. Wayne A. Cornelius e Felicity M. Trueblood, (orgs.). Beverly Hills, Sage, 1975, p. 147-74.

29. FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.30. Idem, ibid., também TAVARES, Maria Conceição, op. cit.31. GOODMAN, David E. & ALBUQUERQUE, Robert Cavalcanti de. Incentivos à industrialização e

desenvolvimento do Nordeste. Coleção Relatórios de Pesquisa n2 20. Rio de Janeiro, IPEA, 1974.32. Dados calculados a partir do IBGE, levantamentos de amostras do PNAD. Rio de Janeiro, 1972.33. Para mais detalhes sobre a Região Amazônica, ver MAHAR, Dennis. “Development policies for

Amazonia: past and present”. In: Dimensões do desenvolvimento brasileiro. Werner Baer, Pedro P. Geiger e Paulo Haddad, (orgs.). Rio de Janeiro, Campus, 1978.

34. Para uma descrição do novo índice, ver Conjuntura Econômica, nov./1975, p. 101.

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6Dos ajustes aos choques externos à crise provocada pela dívida:

C o m O CHOQUE DO PETRÓLEO em novembro de 1973, o Brasil ingressou numa nova fase de seu desenvolvimento. Em vez de se dedicar a um progra-ma de ajuste de austeridade para lidar com o extraordinário declínio nas relações de troca do país, o governo optou por uma política de crescimento que resultou em im-portantes mudanças estruturais na economia, no ressurgimento da inflação e na rápida expansão da dívida externa.

Neste capítulo analisarei os motivos da opção de crescimento do Brasil, as medidas políticas seguidas como reação ao choque do petróleo e seu impacto sobre o cresci-mento e a estrutura da economia durante o restante da década de 1970. Também examinarei como essas políticas levaram o Brasil a ser o maior devedor do Terceiro Mundo e como o país lidou com a crise da dívida que se precipitou na primeira metade da década de 1980. A análise do ressurgimento da inflação no mesmo período será deixada para o próximo capítulo.

O primeiro choque do petróleo: impacto e reação

O choque do petróleo ocorrido em novembro de 1973 quadruplicou os preços do produto. Como naquela época o Brasil importava mais de 80% do petróleo que con-sumia, a conta total de importações do país aumentou de US$ 6,2 bilhões em 1973 para US$ 12,6 bilhões em 1974, o saldo da balança comercial passou de um leve superávit em 1973 para um déficit de US$ 4,7 bilhões em 1974 e a conta corrente de um déficit de US$ 1,7 bilhão para US$ 7,1 bilhões.1 (Ver Apêndice, Tabela A4.)

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Naquela época, o Brasil tinha duas opções para reagir ao choque do petróleo: poderia reduzir substancialmente o crescimento a fim de diminuir sua conta de im-portações não referente a petróleo, ou poderia optar por elevadas taxas contínuas de crescimento, o que implicava um declínio significativo nas reservas cambiais do país e/ou um grande aumento de sua dívida externa. O Brasil escolheu a segunda alterna-tiva. Vamos examinar, em primeiro lugar, o motivo dessa escolha.

Mudanças políticasEm março de 1974, logo após a revolução de preços causada pela OPEP no final de

1973, houve uma mudança de governo. O presidente Emílio Garrastazu Médici, que deixava o poder, governara durante os anos do “milagre econômico” descritos no Ca-pítulo 5, quando o PIB real havia crescido a taxas anuais de 11% e a inflação havia atingido seus menores níveis desde a década de 1950. O outro lado desse quadro favo-rável foi a revelação, no início da década de 1970, de que a distribuição de renda havia piorado significativamente entre 1960 e 1970. Esse fato foi divulgado internacional-m ente quando o presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, apontou o Brasil como um dos países em desenvolvimento que pouco se empenhava em tornar os fru-tos do crescimento mais amplamente disponíveis à população em geral. Outro aspecto sombrio foi a repressão política que alcançara seu pico durante os anos do governo M édici.2

Considerando-se esses antecedentes, a gestão do presidente Ernesto Geisel, que assumia o cargo, estabeleceu metas que considerava politicamente obrigatórias. Em-bora alguns possam ter pensado que a lógica econômica da revolução dos preços do petróleo exigisse uma transferência líquida de recursos aos países exportadores de pe-tróleo, um pronunciado declínio na taxa de crescimento interno era inaceitável, isto é, a nova administração Geisel não estava disposta a governar durante anos de estagnação econômica após os anos de intenso crescimento do governo Médici - ela esperava pagar as altas contas de petróleo com crescimento.

A inaceitabilidade da estagnação deveu-se não somente à aversão de Geisel a com-parações desagradáveis com o governo anterior, mas também estava ligada ao objetivo de gradual descompressão política, que ele acreditava ser mais fácil de alcançar em um clima de crescimento.3 Também foi importante a meta da nova administração de fazer algo sobre a extremamente desigual distribuição de renda, fato reforçado pela derrota do partido do governo nas eleições de novembro de 1974. Segundo Lamounier e Moura, “... os ganhos da oposição foram amplamente creditados à ênfase que deu durante a campanha às questões econômicas, notadamente às desigualdades na distribuição de renda” .4 Seria mais fácil aliviar a repressão salarial dentro de um contexto de uma economia em expansão.

As políticas do governo GeiselEmbora nos primeiros meses da administração Geisel tenham sido instituídas polí-

ticas monetárias e fiscais restritivas para manter a demanda sob controle,5 a verdadeira

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reação política ocorreu em 1975, quando se decidiu dar impulso ao crescimento econô-mico com a introdução do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II, 1975-79), que consistia em um imenso programa de investimentos cujas metas eram: (1) substituição das importações de produtos industriais básicos (como aço, alumínio, cobre, fertilizantes, produtos petroquímicos) e bens de capital e (2) rápida expansão da infra-estrutura econômica (energia hidráulica e nuclear, produção de álcool, transpor-tes e comunicações). Muitos desses investimentos foram realizados por empresas esta-tais (em campos como energia, aço e infra-estrutura econômica), enquanto outros (prin-cipalmente bens de capital) foram executados pelo setor privado, com apoio financeiro maciço do Banco de Desenvolvimento (BNDE).6 Os objetivos desses programas eram: (1) agir como uma forte política contracíclica diante do impacto causado pela crise do petróleo e manter uma razoável taxa de crescimento, um nível de emprego e de con-sumo; (2) mudar a estrutura da economia através da substituição de importações e diversificação e expansão de exportações e (3) segundo Martone, o programa foi um meio de estimular os bancos internacionais a financiar o déficit da conta corrente e a prorrogar o ajuste externo”.7

Outro estudioso do período constatou que as idéias básicas que fundamentavam o PN D II tinham o objetivo de aumentar a auto-suficiência do país em setores como o de energia e desenvolver novos tipos de vantagens comparativas.8 J. P. Velloso, ministro do Planejamento na época, justificou o grande número de investimentos ocorridos gra-ças ao PND II, pois a curto prazo, os retornos sobre o investimento em projetos de infra- estrutura e indústria pesada seriam baixos demais para atrair o capital privado. Esses setores, entretanto, foram considerados de importância fundamental na nova fase de substituição de importações em que o país estava prestes a ingressar e acabariam por beneficiar o setor privado. Velloso declarou: “Se você quiser operar somente através do sistema de mercado, dadas as condições atuais do Brasil, não verá o setor privado atuan-do no aço, fertilizantes, produtos petroquímicos e metais não-ferrosos, etc”.9

O impacto provocado pela opção de crescimento pode ser observado no Apêndice das Tabelas Al, A2 e na Tabela 6.1. Embora não se tivesse mantido no mesmo nível dos “anos do milagre”, a taxa de crescimento real do PIB manteve uma média anual de cerca de 7% pelo restante da década, enquanto a indústria se expandia a uma taxa anual de aproximadamente 7,5%. Como pode ser observado no Apêndice da Tabela A2, os setores de produtos de metal, maquinário, maquinário elétrico, produtos de papel e produtos químicos foram os que experimentaram taxas de crescimento excep-cionalmente elevadas na década de 1970. A Tabela 6.1, que contém as medidas de substituição de importação em vários setores (coeficiente de importações em relação à produção interna), revela que ela foi especialmente notável após 1977, fato que se deve, provavelmente, ao longo período de gestação de vários projetos de investimen-tos instituídos em 1975 e 1976.

A crescente dívida internacional

A opção pelo crescimento implicou um excepcional aumento da dívida externa do país. Sem os empréstimos no exterior, não teria sido possível para o Brasil pagar a

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Tabela 6.1Razão importação/produção dom éstica, 1973-81

1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981Razões setoriais

Produtos intermediários

Papel 0,22 0,25 0,12 0,13 0,13 0.10 0,11 0.08 0,08Celulose 0,16 0,20 0.10 0.05 0.05 0.04 0,03 0,02 0,01Polietileno 0,76 0,99 0,34 0,72 0,38 0.45 0,15 0,03 0.02Tubos plásticos (PVÇ) 0.13 0,63 0.21 0.45 0,33 0,35 0,47 0.08 0,03

Aço 0,25 0,63 0.33 0,15 0,09 0,06 0,03 0.03 0,05Fertilizantes (N PK l 2,68 1.98 1,86 1.34 1,48 1.30 0.34 1,17 0,85

Alumínio 0,58 1,05 0,68 0.58 0.62 0.45 0.37 0,26 0,14Bens de capital 0,66 0,64 0,65 0,64 0.46 0,55 0,37 0,49 0,40índice de quantidade de

importações dividido por produção bruta (1973 = 100)

Total 100 123 111 100 88 88 90 84 74Petróleo 100 93 93 94 88 93 97 78 77

Bens de capital 100 125 144 98 70 67 64 65 57* Exclui insumos importados para produção interna.Fonte: I' ISHLOW. Albert. "A economia política do ajustamento brasileiro ao choque do petróleo: uma nota sobre o períocz:

1974/84 . Pesquisa e Planejamento Econômico 16. n -3. dez./1986. p. 521. Os cálculos de Fish low baseiam-se em d a d e extraídos da revista Exame, mai./1983 e Conjuntura Econômica.

conta do petróleo, mais elevada, e continuar a importar os insumos necessários à prea dução de bens industriais, principalmente aqueles que deveriam acompanhar os maic» res planos de investimentos do PN D II. O crescimento por meio da dívida era ju s tif i cado pela possibilidade de as futuras economias de divisas resultantes dos program»- de investimentos - devido à substituição de importações e ao desenvolvimento d ■ uma nova capacidade de exportação — virem a criar uma situação na qual o Brasil pod& ria produzir superávits comerciais suficientemente grandes para pagar os juros e a m o r tizar a dívida internacional.10

O envolvimento do país, em grande escala, em mercados financeiros internacionaL antecedeu o choque do petróleo de 1973. Depois de permanecer constante durant-* a década de 1960, a dívida começou a aumentar em 1969, quando o Brasil principio» a fazer empréstimos no mercado internacional, subindo de US$ 3,3 bilhões em 196^1 para US$ 12,6 bilhões em 1973, uma taxa média anual de 25,1%." (Ver Apêndices Tabela A4.) Naquele período a parcela de empréstimos oriundos de fontes privada- : no total da dívida pública aumentou de 27% para 64%. N a mesma época, en tre ta n to a maior parte da elevada taxa de investimento do país foi financiada por fontes internas. Nogueira Batista Jr. constatou que “... a evidente contradição existente entr«_

11U

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> crescimento significativo da dívida externa e a limitada absorção de recursos reais provenientes do exterior ... [eram] ... devidos ao fato de que até 1973 o crescimento Ja. dívida estava predominantemente associado ao contínuo aumento das reservas n tem acionais”.12 D e 1968 a 1973, mais de dois terços do aumento da dívida externa ; r a m ocasionados pelo crescimento das reservas cambiais. Conseqüentemente, a dí- . i d a externa líquida (dívida bruta menos as reservas) cresceu a um ritmo relativamen- :e modesto - de US$ 3,1 bilhões em 1967 para US$ 6,2 bilhões em 1973, uma taxa "n é d ia anual de 12,2%.

O extraordinário aumento no déficit da conta corrente após 1973 (ver Apêndice, T 'a b e la A4), resultante do grande déficit comercial e de juros e pagamentos de ser-v iç o s muito mais elevados conduziu a um aumento extraordinário da dívida externa d o país (a contribuição do investimento estrangeiro direto era relativamente peque-n a ) . A dívida líquida subiu de US$ 6,2 bilhões em 1973 para US$ 31,6 bilhões em 1 9 7 8 , o que representa uma taxa anual de 38,7%, enquanto a dívida bruta aumentou d e US$ 12,6 bilhões para US$ 43,5 bilhões.1’ Entre 1973 e 1978, a maior parte do a u m e n to da dívida estava ligada à necessidade de cobrir o déficit da conta corrente e m vez de aumentar as reservas.

Está claro que a absorção do capital estrangeiro contribuiu de maneira importante p a r a as contínuas taxas de crescimento relativamente elevadas da economia. E inte-re s s a n te notar que, enquanto no período de 1970-73 a absorção dos recursos externos r e a i s chegou a 1,4% do PIB, esse índice subiu para 2,4% durante o período de 1974- 7 8 e a parcela da formação de capital bruto financiada por recursos externos aumentou d e 5,3% durante o período de 1970-73 para 7,9% no período de 1974-78.14 Estes ú l t im o s dados são especialmente dignos de nota quando se considera que a taxa de investim ento na época era, em média, 25% do PIB.

Muitos dos empréstimos estrangeiros eram realizados pelo setor público - empre-s a s públicas, governos estaduais e vários órgãos públicos, o que ocasionou um notável a u m e n to na participação da dívida pública garantida no total das dívidas de médio e lo n g o prazo: de 51,7% em 1973 para 63,3% em 1978.

As exigências financeiras externas do Brasil para manter sua opção de crescimento manifestaram-se em um momento propício. Imediatamente após o primeiro choque d o petróleo, os mercados financeiros internacionais apresentavam extrema liquidez; o s bancos internacionais, bem providos de petrodólares, estavam ansiosos para fazer em préstim os e, como as taxas de juros internacionais eram relativamente baixas na é p o c a , era possível justificar facilmente o aumento dos empréstimos estrangeiros realizados pelo Brasil naqueles anos. Apesar de os empréstimos oferecidos pelo setor ban cário privado serem mais caros do que os oriundos de instituições públicas inter-nacionais - os empréstimos privados não tinham subsídios embutidos e exigiam spreads d e um ou dois pontos percentuais sobre a Libor -, o custo da dívida inicialmente dec linou . Como podemos observar na Tabela 6.2, o custo médio real da dívida caiu d e 13,4% em 1974 para 5,9% em 1975, aumentando então ligeiramente para 6,7% em 1 9 7 6 . Contudo, essa situação favorável inicial se agravou à medida que a dívida e x te rn a continuava a se desenvolver, transformando-se em um processo auto-reforçador q Liando as taxas de juros internacionais começaram a aumentar. Em 1979, o serviço d a dívida eqüivalia a 63% das exportações1’ (ver Tabela 6.6).

1 1 2

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Tabela 6.2 A dívida externa brasileira: seu crescimento e custo médio, 1968-86

(milhões d e dólares e indicadores)

(D

Dívidabruta

(2)

Juroslíquidos

(3)

Divida líquida*

(4)Custo médio em ternufs nominais

(2):<3)

(5)

Inflação EUA

(6)Custo médio

em termos reais <4)-(5)

1968 3.861 144 3.083 4,7 4,4 0,31969 4.403 182 3.523 5,2 5,1 0,11970 5.295 234 3.747 6,2 5,4 0,81971 6.622 302 4.108 7,4 5,0 2,41972 9.521 489 4.899 10,0 4,2 5,81973 12.572 840 5.338 15,7 5,8 9.91974 17.166 1.370 6.156 22,2 8,8 13.41975 21.171 1.804 11.897 15.2 9.3 5.91976 25.985 2.039 17.150 11.9 5.2 6.71977 32.037 2.462 19.441 12.7 5.8 6.91978 43.511 3.342 24.781 13,5 7,8 5.71979 49.904 5.348 31.616 16,9 8.6 8,31980 53.848 7.457 40.215 18,5 9,2 9,31981 61.411 10.305 46.935 22,0 9,4 12,61982 69.653 12.551 65.659 19,1 6.0 13,11983 81.319 10.363 76.756 13,4 4,2 9,21984 91.091 11.449 79.096 14,5 4,1 10,41985 95.857 11.239 81.452 13,8 3,3 10,51986 98.120 - - - 3.3 -

•Dívida líquida = dívida de médio e longo prazos menos reservas internacionais brutas. Dívida não-liquidada no final d « an«.

Fonte: BATISTA JR., Paulo Nogueira. International financiai flows to Brazil since the late /960s: an analysis o f debt expansion and payment problems. World Bank Discussion Papers, ne7. Washington, D. C.: World Bank, mar./1987. Empregand<z* a metodologia de Nogueira, expansão da tabela com dados da Conjuntura Econômica.

Mário H. Simonsen, ministro da Fazenda do presidente Geisel no período de 1974-7S> e, durante um curto espaço de tempo, ministro do Planejamento do presidente Figueiredo em 1979, defendeu com veemência as políticas de altas taxas de crescimento que oca-sionaram o grande aumento da dívida externa do país:

Mesmo que toda a dívida externa brasileira tivesse sido causada pelo crescimento eco n ô m ico ocorrido desde a primeira crise do petróleo, um cálculo elementar mostra que a estagnação teri: t sido a opção mais ineficiente. Em 1973, um ano de grande euforia, o produto real do B ra s il atingiu somente 62% do produto real alcançado em 1981, que foi um ano de recessão. No f in a l do ano passado (1981), a dívida externa não chegou nem a 25% do PIB, o que significa que, s e fôssemos obrigados a pagar toda dívida externa em um ano, ainda estaríamos em uma s itu a ç ã o melhor agora do que se tivéssemos estagnado de 1973 em diante. E nosso sacrifício duraria s<*— mente um ano e não uma geração inteira."’

1 1 3

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Essa defesa poderia suscitar vários contra-argumentos. Suponhamos, por exemplo, q u e a taxa de crescimento anual no período de 1973-81 tivesse sido de 4%, em vez d e 5,6%. Então, começando com um PIB ano-base de US$ 183 bilhões em 1973, o P I B teria sido de US$ 250 bilhões em vez de US$ 285 bilhões em 1981 (todos os cálcu los foram realizados em dólares correntes). O pagamento total da dívida com o P I B real atingido em 1981 (US$ 61 bilhões) teria deixado uma soma de US$ 224 t>ilhões; a renda per capita nessas circunstâncias teria aumentado de US$ 1.827 em 1 9 7 3 para somente US$ 1.836. Suponhamos que, com o crescimento mais modesto do P I B , o coeficiente da dívida externa em relação ao PIB em 1981 tivesse permanecido o mesmo que em 1973, 6,8% em vez dos reais 21,5%. Nessas circunstâncias, o total d a dívida externa teria aumentado somente para US$ 17 bilhões e, subtraindo esse v a lo r dos US$ 250 bilhões do PIB alcançado pela menor taxa de crescimento, o país t e r ia ficado com US$ 233 bilhões e uma renda per capita de US$ 1.910.

É claro que esse conjunto de análises é extremamente agregativo e diz pouco s o b re o conteúdo do programa de crescimento. Muitos dos projetos produziram efei-t o s benéficos na expansão da capacidade de exportação do país e na substituição de importações em novos setores. Também houve, contudo, muito desperdício. Consi- dcrando-se, por exemplo, as imensas reservas de energia hidrelétrica, pode-se querer s a b e r se havia sentido em realizar os grandes investimentos em energia nuclear, que fo ram iniciados no governo Geisel (a maioria nem ao menos estava completa em 1987), ou se se justificavam as grandes somas gastas na construção de novas usinas siderúrgicas, considerando-se a baixa demanda mundial por aço no final da década de 1970 e início da de 1980. Como tais programas implicavam um grande número de importações, um desenvolvimento mais modesto sem esses projetos (ou com eles, em u m a escala mais reduzida) poderia ter baixado a taxa de crescimento da dívida.

E m direção à crise provocada pela dívida

O general Figueiredo, o último presidente militar, assumiu em março de 1979. Seu programa político consistia em devolver o Brasil a um regime totalmente democrático e em entregar o governo a um civil. Esses objetivos políticos foram severamente testados por contínuas crises econômicas. O governo Figueiredo confrontou-se ime-diatamente com o dilema de como tratar das metas conflitantes de controlar a taxa de inflação crescente (ver Capítulo 7), como lidar com uma dívida externa cujo serviço ( juros mais amortização) já absorvia dois terços dos ganhos com exportações e como evitar a estagnação da taxa de crescimento do PIB.

Para complicar os fatos, o ano de 1979 testemunhou o segundo choque do petró-leo , o que contribuiu para um violento declínio nas relações de troca, que vinham caindo desde 1978, devido à fragilidade dos preços de outros bens primários expor-tados (ver Tabela 6.3). Além disso, houve um grande aumento nas taxas de juros mundiais em reação às rígidas políticas monetárias internas dos Estados Unidos. Como a maior parte da dívida brasileira tinha, até então, sido contraída em uma base de taxa d e juros flexível, uma elevação nas taxas de juros mundiais automaticamente aumen-to u o custo não só de novos empréstimos, mas também do serviço da dívida não-

114

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Tabela 6.3O comércio exterior e os índices das relações de troca, 1966-85

(1977 = 100)Total de exportaçoes Total de importações Importação de petróleo

cruCondições de comércio

Valorunitário

Volume Valorunitário

Volume \iilorunitário

Volume Total Petróleo

1966 33 44 40 28 15 30 82 67

1967 33 42 41 31 17 28 80 67

1968 32 48 42 38 17 33 76 62

1969 33 55 41 39 16 35 80 65

1970 38 56 42 47 16 42 89 73

1971 36 60 44 58 20 50 82 69

1972 41 76 47 70 22 61 87 72

1973 56 88 59 85 28 85 95 82

1974 71 89 91 115 93 87 78 78

1975 71 98 94 109 94 91 76 76

1976 82 99 96 108 96 101 85 85

1977 100 100 100 100 100 100 100 1001978 92 113 107 105 101 111 86 84

1979 101 124 128 115 135 124 79 81

1980 107 152 164 115 226 107 65 76

1981 101 183 182 99 270 104 55 71

1982 95 167 176 91 260 98 54 69

1983 89 191 167 76 235 90 53 64

1984 91 234 158 73 229 80 58 71

1985 86 248 149 72 221 66 58 79

Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim.

liquidada. No Apêndice, a Tabela Al mostra o pronunciado crescimento das impor-tações ocorrido entre 1978 e 1979 e o grande aumento do pagamento de juros.

Outro problema enfrentado pelo governo brasileiro foi o fato de que pressões- internacionais o haviam forçado a eliminar gradualmente subsídios fiscais e de crédito às exportações, mas, dada a necessidade de dar continuidade à rápida expansão das exportações, o governo se viu obrigado a aumentar a taxa e/ou a freqüência das minidesvalorizações do cruzeiro, que se tornara supervalorizado — isto é, a taxa do desvalorização estava defasada em relação à taxa de inflação (a diferença entre a taxa. de inflação no Brasil e dos seus parceiros comerciais). Devido ao programa de incen-tivo às exportações, a supervalorização não as tinha prejudicado no passado. A elimi-nação dos incentivos fiscais e crédito subsidiado para os exportadores, entretanto, exigiu que se procedesse a uma desvalorização progressiva como medida compensa—

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t ó r i a . O problema, naturalmente, era que uma desvalorização maior aumentaria as p re s s õ e s inflacionárias e elevaria significativamente a carga financeira de empresas q u e tinham dívidas no exterior.17

O impacto provocado por fatores climáticos na produção agrícola em 1978 e 1979 ( u m a combinação de secas e geadas), que obrigaram o Brasil a importar produtos b á s ic o s como feijão e arroz, representou um desafortunado acontecimento adicional. U m aumento na produção agrícola, que refrearia a elevação dos preços dos alimen-t o s e reduziria sua importação, exigiu aumentos a curto prazo nos preços relativos d e alimentos a fim de estimular a produção e um aumento nos créditos agrícolas. E ssas medidas, entretanto, implicaram a criação de pressões inflacionárias adicionais significativas.

As políticas econômicas experimentadas nos primeiros m eses do governo1 ■ igueiredo (março-agosto de 1979) exigiram uma desvalorização progressiva do cru-z e i r o , com a gradual eliminação dos programas de incentivo às exportações e uma desaceleração do crescimento econômico para enfrentar o balanço de pagamentos e a inflação. O ministro do Planejamento, Simonsen, queria reduzir os subsídios gerais d e crédito que se originaram quando a inflação acelerada acentuou a diferença exis-t e n t e entre taxas de juros fixas e o custo real dos recursos. Ele também queria que as transferências fiscais fossem explícitas e não-implícitas no orçamento monetário do g o v e rn o (isso resultaria num arrocho do crédito); que fosse aumentado o controle s o b r e os gastos das empresas estatais, que muitas vezes escapavam às restrições do g o v e rn o , em parte pelo acesso que tinham aos recursos externos, e que as importa-ç õ e s fossem liberalizadas.

A reação negativa a esse conjunto de normas foi muito bem descrita por Fishlow:

Os críticos do setor privado tinham dúvidas quanto à validade de um a recessão, visto que seus lucros já vinham declinando; os trabalhadores sofriam com a corrosão de seus salários reais devido à inflação acelerada e por serem indexados somente anualmente; os bancos privados não estavam satisfeitos com o fato de que o Banco do Brasil competia com eles pelos melhores clien-tes em vez de ser a fonte de subsídios de crédito do Banco Central para setores prioritários. Outros ministros estavam ansiosos para gastar em vez de ver seus orçamentos e seu poder redu-zidos... As empresas estatais resistiam a que se controlassem suas operações.'"

Considerando-se as pressões existentes sobre as políticas restritivas e o fato de q u e o crescimento mais lento era visto como fator que dificultava a abertura política, e s s a s políticas foram radicalmente modificadas em agosto de 1979, quando o minis-t r o do Planejamento, Simonsen, renunciou e Delfim Xetto, que havia conduzido a e co n o m ia durante Kos anos do milagre” de 1968-73, ocupou seu lugar. Quando ele a ssu m iu , alegou-se que as elevadas taxas de crescimento poderiam levar à estabiliza-ç ã o do lado da oferta — um maior número de bens produzido pela agricultura e in-d ú s tr ia (que tinha excesso de capacidade) atenderia ao excesso de demanda agrega-d a em relação à oferta.

Em dezembro de 1979, porém, o governo reconheceu a necessidade de tomar algum as medidas enérgicas para lidar com as pressões descritas acima, e um “pacote econôm ico”, cujos fundamentos estão enumerados a seguir, foi introduzido.

1 16

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1. maxidesvalorização do cruzeiro em 30%;2. eliminação dos subsídios à exportação;3. eliminação do depósito antecipado de um ano de 100% em cruzeiros para as

importações, que afetara 30% delas;4. eliminação de muitos outros incentivos fiscais;5. aumentos significativos nos preços dos serviços públicos;6. tributação temporária sobre lucros inesperados nas exportações agrícolas (subse-

qüentemente abolida), cuja receita foi usada para amortecer as perdas com o cruzeiro de empresas que tinham débitos em dólar;

7. excinção da Lei dos Similares, que oferecia ampla proteção às importações, po-rém com exceções especiais; e

8. extinção das exigências de depósitos sobre aportes de capital e redução da alíquota, do imposto de renda devido sobre a remessa de juros, de 12,5% para 1,5%, a fim de estimular empréstimos externos ao Brasil.

Essas medidas tinham o objetivo de resolver com um só movimento a superva- lorização do cruzeiro e aliviar as pressões políticas para que fossem eliminados os- subsídios às exportações. Embora a desvalorização e o aumento dos preços dos servi-ços públicos tenham causado um impacto inflacionário imediato (“inflação corretiva”), esperava-se que essas medidas fossem somente um fenômeno de curto prazo e que= a eliminação de muitos incentivos fiscais fosse aumentar a receita do governo e, assim, agir como um freio à expansão monetária.

Nos meses seguintes foram adotadas medidas complementares. No início de 1980^o governo declarou que a desvalorização do cruzeiro ficaria limitada a 40% para o ano e que no mesmo período a indexação ficaria restrita a 45%. Simultaneamente, » governo aumentou de forma significativa suas atividades de controle de preços, poli-ciando com mais rigor do que nunca o comportamento dos preços dos produtos indus-triais. Para tanto, a motivação estava em evitar que os produtores repassassem a maior- parte dos aumentos de custos resultante da maxidesvalorização, que anularia as van-tagens por ela alcançadas. Além disso, um controle maior dos preços industriais aju-daria a neutralizar a elevação dos preços dos serviços públicos e dos produtos agríco-las. Em relação a estes últimos, em 1979 o governo havia planejado uma estratégia- para estimular a produção agrícola, fixando elevados preços mínimos para a colheita, de 1980. As conseqüências inflacionárias provocadas por preços agrícolas maiores cm 1980 e as elevadas necessidades de crédito agrícola tiveram de ser compensadas por- uma atitude mais rígida em relação a outros setores.

O limite de 45% no índice de correção monetária deveria reduzir as expectativas- inflacionárias e colocar um freio nas pressões da inflação, oriundas dessa fonte. Com» argumento que fundamentava a prefixação da desvalorização em 40%, afirmava-se= que, na medida em que a inflação era maior que a desvalorização, as importações relativamente mais baratas geradas por uma moeda gradualmente supervalorizada_ iriam amortecer a inflação e, conseqüentemente, obrigar a indústria interna a raciona-lizar em vista da concorrência estrangeira. Outro fundamento lógico para anunciar- com antecedência a desvalorização foi o fato de que, ao dar uma garantia de que ela_ não ultrapassaria o limite estabelecido, haveria menos riscos que induziriam as em—

117^

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• re sa s a aumentar a tomada de empréstimos no mercado internacional de capitais, ■^lém disso, como as taxas de juros eram controladas desde agosto de 1979, agindo :o m o uma força negativa para a poupança interna, a tomada de empréstimos de fontes ex ternas como resultado da prefixação do câmbio (conduzindo à supervalorização) agi- i a como um contrapeso. À m edida que passavam os meses em 1980, entretanto, tor- í-ou-se óbvio que a inflação ultrapassaria os 100% e ficava cada vez mais claro que aI esvalorização planejada de 40% levaria a uma rápida supervalorização do cruzeiro, o1 u e prejudicaria a competitividade das exportações do país.19

_ Durante a primeira metade de 1980, decidiu-se manter a expansão de crédito em 1 5 % durante todo o ano. Visto que deveria haver disponibilidade total de recursos para 3 setor agrícola, o impacto da restrição de crédito recairia sobre os setores industrial e com ercial. Esperava-se que este último, naturalmente, tentasse obter recursos no mer-e n d o internacional. Naquela época, a limitação de crédito interno não ocorria através d a s taxas de juros, que eram mantidas artificialmente baixas, mas por tentativas de ro n tro le direto sobre os bancos.

Durante o segundo trimestre de 1980, o governo efetuou um corte profundo nos g asto s públicos e uma redução geral de 15% nos investimentos das empresas estatais. D e v id o a pressões de muitas dessas empresas e outros setores, entretanto, esse corte t o i reduzido a 8%, além de ter sido acompanhado por um maior atraso nos pagamentos e fe tu ad o s pelo governo e de suas empresas a fornecedores do setor privado. A idéia k>ãsica era reduzir a demanda agregada e, conseqüentemente, as pressões inflacionárias

as importações de empresas estatais. Isso representou a escolha explícita de um setor q ue teria de suportar o “sacrifício” necessário numa tentativa de estabilização. O pro- fc> lema, porém, era que, devido à estreita inter-relação existente entre os setores participativos da sociedade na economia brasileira (isto é, os setores privado, estatal e m ultinacional), tal sacrifício não poderia ser isolado.

Durante o período de 1980-82, as políticas salariais seguiram um esquema insti-tu íd o em outubro de 1979 (Lei 6.708 de 30 de outubro de 1979). Os salários eram reajustados duas vezes ao ano, com os mais baixos (até três salários mínimos) sendo reajustados à base de 110% do aumento do custo de vida (consistindo em um novo ín d ic e de preços chamado índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC); os s.alários médios (entre três e dez salários mínimos) reajustados com base em 100%' salários mais altos (com ganhos acima de 10, mas abaixo de 20 salários mínimos)’ reajustados com base em 80%, e aqueles acima de 20 salários mínimos com base em 30% . Ajustes adicionais para aumentos de produtividade deveriam ser negociados anualm ente entre trabalhador e empregador. Esse método deveria causar um impacto redistributional. Como, porém, o órgão controlador de preços permitia que os aumen-to s dos custos de energia e mão-de-obra fossem repassados aos preços dos produtos, a s condições inflacionárias resultantes diluíam significativamente os aumentos sala-r ia is reais dos grupos de renda mais baixa.20

No final da década de 1980, a maioria das políticas implementadas no final de 1979 e= nos primeiros meses do ano seguinte foi revertida. Foi reintroduzida a indexação to ta l e a desvalorização prefixada foi eliminada. Dessa maneira, embora durante quase todo o ano de 1980 a desvalorização tenha atingido cerca de metade da inflação, em «dezembro desse ano a taxa anual de inflação superou a desvalorização em somente 24

118

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Tabela 6.4 A taxa de câmbio real, 1973-82

Taxa de mercado Preços de atacado índiceCruzeiros

Reais/Dólar*Cruzeiros/Dólar

índice Brasil EstadosUnidos

(A) (B) (C) (D) (E)

1973 6,128 75,4 60.7 77,0 95,6

1974 6.790 83,5 78,2 91,5 97,7

1975 8,127 100,0 100,0 100,0 100,01976 10,673 131,3 140,2 104,6 98,0

1977 14,144 174.0 197,2 111,0 97,9

1978 18,070 222.3 274.0 119.7 97,1

1979 26,945 331,5 425,6 134.7 104,9

(Dez.) 1979 42,530 523,3 570,8 142.6 130.7

(Jun.) 1980 52.315 643,7 847.9 151,6 115,1

(Dez.) 1980 65.500 806,0 1263.5 160,3 102,2(Jun.) 1981 88.757 1092,1 1842,4 166,2 98,6

(Dez.) 1981 125,040 1538.6 2551.0 168,7 101,7

(Jun.) 1982 168.140 2068,9 3775.5 171,8 94,1

Coluna <E) = (BJflC): 1/<D)Fonte: Conjuntura F.conòmica c Survey o f Current Business.

pontos percentuais e, em julho de 1981, em somente 17 pontos percentuais (vem Tabela 6.4). A maioria das taxas de juros foi liberada, tornado-se positiva em term os reais. Assim, por exemplo, os juros sobre o crédito ao consumidor para prazos de 1 8 0 dias permaneceram virtualmente inalterados a 5% ao mês em dezembro de 1977, 197S e 1979. Em dezembro de 1980, porém, a taxa era de 8,2% e, em maio de 1981, hav ia subido para 12,2% ao mês. Além disso, no final de 1980, foram intensificados cortes de investimentos governamentais recessivos (variando entre 15% e 20% para a maioria das estatais).

O desempenho econômico em 1980

A taxa de crescimento da economia brasileira em 1980 foi surpreendentemente alta. O Produto Interno Bruto cresceu 7,2% e seus principais componentes tam bém apresentaram elevadas taxas de crescimento — indústria, 7,9%; agricultura, 6,3% (co-lheitas acima de 9%); comércio, 7,2%, transporte e comunicações, 12,7%. A inflação _ entretanto, atingiu uma taxa anual de 110%.

A elevada taxa de crescimento ocorrida no ano de 1980 deveu-se, em parte, â recuperação da produção agrícola das secas e geadas dos anos anteriores; o set o * tam bém reagiu aos incentivos de preços e crédito recebidos em 1979-80 (observe c :

11S

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Tabela 6.5Relações de troca do setor agrícola, 1970-86

1970 - 89 1976 - 100 1982 - 107

1971 - 95 1977 - 100 1983- 118

1972 - 88 1978 - 103 1984- 99

1973 - 93 1979 - 106 1985 - 97

1974 - 95 1980- 110 1986 - 102

1975 - 96 1981 - 111

Fonte: Calculada a partir da Conjuntura Econômica; preços de atacado para agricultura pelo cotai de preços de atacado (Conjuntura Econômica - índice de preços de atacado 6 pelo índice de preços de atacado 1).

a u m e n to nas condições de comércio de agricultura na Tabela 6.5). O aumento na produção industrial foi influenciado pela intensa demanda do consumidor por bens du ráveis , resultante de outras expectativas inflacionárias e do declínio da indexação. E s s e último fator agiu como um desestímulo à poupança, e a situação de crédito rela tivam ente barato induzia à compra de bens. Durante 1980, a poupança, em termos r e a is , caiu em 12%. Como veremos no Capítulo 7, o elevado índice de inflação desse am o é explicado, em parte, pela contínua atitude passiva do governo em permitir que a s empresas repassassem aos preços os aumentos dos custos de mão-de-obra, combus-t ív e l e outros.

O total da desvalorização do cruzeiro no final de 1980 foi de 54% e não os pla-n e jad o s 40%. Dada a elevada taxa de inflação, entretanto, a maioria das vantagens adqu iridas com a maxidesvalorização de 1979 foi perdida. Surpreendentemente, as exportações cresceram de US$ 15,2 bilhões em 1979 para US$ 20,1 bilhões e o déficit com ercial permaneceu no mesmo nível de 1979 (ver Apêndice, Tabela A4), enquanto a s importações aumentaram de US$ 18 bilhões para US$ 22,9 bilhões e a participação d o s combustíveis no total de importações aumentou de 33% para 45%. A grande d ív id a do país explica o crescente balanço de serviços negativo. Desde 1978, o serviço d a dívida (juros e amortização) era responsável por mais da metade das exportações (v e r Tabela 6.6). O Brasil obteve US$ 10,5 bilhões em empréstimos e pagou parte do d é fic it da conta corrente recorrendo às reservas, que caíram de US$ 9,7 bilhões em 1979 para US$ 6,9 bilhões em 1980.

A justes através da recessão

Como se tornava cada vez mais difícil financiar o déficit externo, o governo bra-sileiro se viu obrigado a mudar radicalmente sua política macroeconômica na segunda m etade de 1980, controlando as importações pela redução da absorção interna. As autoridades também esperavam que as novas políticas resultassem na queda da uti-lização de capacidade para atividades internas e, conseqüentemente, tornassem as atividades de exportação mais atraentes. A política monetária tornou-se progressiva-

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mente restritiva e introduziram-se várias outras medidas ortodoxas: tentativas de pre-fixar mudanças nas taxas de crescimento monetário e do câmbio foram abandonadas; foram impostos limites ao crescimento de empréstimos de intermediários financeiros; as tarifas dos seniços públicos foram reajustadas (reduzindo, dessa forma, os subsí-dios); os preços dos anteriormente controlados setores industriais foram liberados e os investimentos de empresas estatais foram drasticamente reduzidos. Tentou-se exer-cer também, um controle maior sobre estas últimas com a criação da Secretaria parao Controle das Empresas Estatais, que era um órgão subsidiário do Ministério do Planejamento.

Em suma, a gestão Figueiredo, esperando escapar de um programa de austeridade imposto pelo FMI, tentou ela mesma colocar um em prática. As medidas mencionadas antes deveriam reduzir a demanda agregada e, ao mesmo tempo, através de medidas administrativas, realocar recursos para setores prioritários (como agricultura e exporta-ções), o que conduziu a contradições notáveis. Por exemplo, “... no caso da política^ monetária... [onde] ... a necessidade de um controle mais rígido dos fatores responsá-veis pela expansão de crédito se chocou com demandas setoriais por empréstimos a. taxas de juros altamente subsidiadas”. 1

Essas políticas provocaram um impacto restritivo, visto que o PIB caiu 1,6% e o setor industrial 5,5% em 1981. A recessão afetou principalmente bens de consum» durável e de capital e os investimentos sofreram uma queda de quase 11% entre 1980 e 1981.

Esse programa de ajuste voluntário não solucionou o problema do país em lidar- com sua dívida externa e, em 1982, o Brasil experimentou outro choque externo - moratória da dívida mexicana em agosto de 1982, que ocasionou o virtual fechamento dos mercados internacionais para o financiamento da dívida latino-americana. O Brasil enfrentava, portanto, uma oferta totalmente inelásdca de empréstimos de bancos es-trangeiros. Lamounier e Moura enfatizam que a moratória do México

... foi som ente o sina! mais ev iden te de uma crise cambial latente, cuja manifestação mais clara», foi proporcionada pelo crescim ento desordenado da dívida d e curto prazo, por parte d e autorida— des monetárias, iniciado no prim eiro trimestre de 1982. N o final de março daquele ano... as reser— vas líquidas do Banco Central do Brasil eram quase negativas, indicando... a total incapacidade^ do país em lidar com a crise de liqu idez que se iria formar na segunda m etade de 1982.“

Pode-se obsen^ar na Tabela 6.6 que, em 1982, o serviço da dívida absorvia 83% d a s receitas de exportação (e somente os pagamentos dos juros, 52%).

Paulo Nogueira Batista Jr., uma das principais autoridades do país no assunto refe-rente à dívida, ressaltou que

... em 1980, a dívida externa havia se tornado um processo preponderantem ente auto-reforçadoi-. Na verdade, os pagamentos dos ju ro s líquidos eram responsáveis por 70% dos déficits da c o n te corrente em 1980-82. Os aportes d e capital financeiro, definidos como movim entos de capita. líquido m enos investimentos d ire tos líquidos, foram quase q u e totalmente absorvidos pelos pa - gamentos dos juros líquidos em 1980-81. Em 1982, os pagamentos dos juros ultrapassaram o s aportes líquidos através do capital financeiro em US$ 6 b ilh õ e s .3

12a

Page 113: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 6.6 Os parâm etros da dívida ex te rn a brasileira, 1965-86 (%)

Relação Relação Indicadores Reservas/dívida/PIB dívida/exportação serviço da dívida Importações

(D (2) (3) (4) (5)

1965 11,7 161.8 27,3 9,3 32,9

1966 10,3 157.7 26,9 8,3 22.3

1967 10,4 185.8 34,5 10,1 8.21 968 10,7 186.0 30,3 6,9 9,1

1969 11,1 171.2 26,2 7,1 23,5

1 970 12,4 173.1 29,6 7,6 34,7

1 971 13,4 202,0 35,1 9,2 40,4

1972 16,4 218,3 35,8 8,2 77,3

1973 15,9 187.8 32,7 7,7 81,7

1974 16.5 198.7 29,8 7,5 35,0

1975 17,0 224,6 37,9 15,9 27.8

1976 17,1 239,3 44,2 16.7 44.2

1977 18,2 246,3 47,3 16,2 49.1

1978 20,9 319.0 58,8 19,8 71,8

1979 21,2 298.9 63,3 25,1 41,3

1 980 21,6 246,3 51.8 28.9 20,81981 26,1 280,9 61.0 35,9 24,3

1982 29,4 378.5 83,3 51,6 15.9

1983 43,6 387,8 78,5 40,4 19.2

1984 46,0 337.0 66.3 42.2 86.3

1985 43,4 369,2 75.8 43.1 90,9

1986 37.7 426,1 - - 25,0

CJ/j s.: A coluna (3) .inclui juros e amortização.A coluna (4) incJui somente juros.

Fannie: MARTONE, Celso I Macroeconomic policies, debt accumulation, and adjustment in Brazil, 1965-84, World Bank I discussion Paper 8. Washington, D. C.: World Bank. mar./1987, p. 10. A série temporal de Martone foi estendida a partir dc dados da Conjuntura Econômica.

Além disso, depois de 1980, os fluxos financeiros internacionais e os grandes deficits de conta corrente nada tinham a ver com o excesso de demanda interna em relação ao PIB. O investimento e o consumo agregado ficaram menores do que o PIB p o r uma margem crescente e a transferência de recursos para o exterior - o excesso d e exportações em relação às importações de bens e de sen iços diversos - aumentou d e 0,4% do PIB em 1980 para cerca de 3% em 1981-82 e para 5% em 1983.24

O governo procurou por algum tempo evitar ir ao FMI, principalmente por razões políticas, visto que as eleições de novembro de 1982 se aproximavam. Porém, como

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Page 114: Economia Brasileira - Werner Baer

seu programa de austeridade não conseguiu impressionar a comunidade financeira, internacional e considerando-se que acabaram suas reservas e que havia perdido » acesso ao mercado de curto prazo, ele finalmente se voltou para o FMI em dezem br» de 1982. Durante os dois anos seguintes, submeteu-se aos ditames dessa instituição., visto que a disposição dos bancos internacionais em rolar a dívida e conceder novos empréstimos para pagar os juros dependia da aprovação do programa de ajuste d » Brasil pelo FMI. O programa de austeridade prosseguiu durante os anos de 1983 ex 1984.25

As principais características do programa supervisionado pelo FMI consistiam n o aumento da taxa de câmbio real, na diminuição da demanda interna por meio da_ redução do consumo, no investimento privado, dos gastos públicos e no aumento das taxas de impostos. Mesmo adotando um programa recessivo, o relacionamento com o FMI não foi fácil para o governo brasileiro, o que fica evidente pelo fato de nesse período de dois anos ele ter enviado sete “cartas de intenção” a esse órgão.2<> Dias Carneiro observou:

Essas árduas negociações [que levavam às cartas de intenção] entre o governo brasileiro e <> FMI mostram as dificuldades existentes na adaptação das receitas ortodoxas do Fundo a uma. economia em desenvolvimento altam ente indexada, em que o governo era responsável por cerc;L de um terço a m etade do investimento total e pela intermediação d e uma grande parte dos inves-timentos privados através da administração de fundos de poupança forçada.-7

A primeira “carta de intenção” do Brasil cm relação ao desempenho econômico em 1983 estabeleceu como meta um déficit de conta corrente de US$ 6,9 bilhões, o que implicava um superávit comercial de US$ 6 bilhões. O aumento da produção interna de petróleo e os programas de substituição de energia (como o programa brasileiro do álcool)-'' contribuíram para um declínio de 9,7% na importação desse produto. Além disso, os efeitos da recessão sobre a renda e a maior produção doméstica das indústrias de substituição de importação colaboraram para uma queda de 20% na importação de bens de consumo. Em fevereiro de 1983, seguindo uma onda especulativa contra o cruzeiro no mercado paralelo, houve outra maxidesvalorização de 30% no Brasil, o que tornou indispensável o envio de outra carta de intenção antes que o conselho diretor do FMI tivesse aprovado a primeira. No novo pacote político, as autoridades brasilei-ras incluíram medidas para alocar créditos especiais aos setores de exportação e de substituição de importações e anunciaram que a correção monetária para os 12 meses seguintes seria igual à desvalorização cambial que, por sua vez, estaria diretamente ligada às mudanças ocorridas no índice Geral de Preços.

Nenhuma dessas ações, tampouco as que se seguiram em cartas de intenção, con-seguiram atender às metas estabelecidas junto ao FMI. Isso ficou especialmente evi-dente no caso de objetivos referentes às exigências de empréstimos realizados pelo setor público, ativos internos de autoridades monetárias, balanço de pagamentos e ta-xas de inflação. O FMI também exigiu que se procedesse a uma mudança na legisla-ção salarial, reduzindo os ajustes semestrais instituídos em 1979, apesar de os salários reais já estarem caindo.29 Embora as discussões com o FM I sobre metas prosseguissem durante todo esse período, o governo brasileiro empregou várias medidas que levaram

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s l um rígido programa ortodoxo de ajuste: a taxa de câmbio real caiu em 40% entre1 <>80 e 1983, os agregados monetários expandiram-se a taxas consideravelmente me-

ores que a inflação, o déficit público diminuiu quando o recolhimento de impostos u umentou e os gastos foram cortados e os salários reais continuaram a declinar.

O resultado final dessas medidas foi uma queda no PIB real (ver Apêndice, Tabela principalmente no que se refere à produção industrial e ao surgimento de grandes

superávits na balança comercial a partir de 1983, particularmente devido a significati-v a s quedas nas importações, resultantes, inicialmente, em grande parte da queda do F*IB , embora mais tarde essas quedas também fossem causadas pelo impacto tardio jz>rovocado pelos programas de substituição de importações da década de 1970.

As constantes altercações com o FMI tendiam a obscurecer os resultados cada vez m a i s positivos obtidos pela balança comercial do Brasil, e os credores estrangeiros não s e mostravam inclinados a ampliar o reescalonamento de vários anos da dívida ou re-e l uzir os spreads sobre a Libor. Fishlow resume as principais críticas feitas por muitos «economistas ao programa de ajuste do FMI:

O Brasil era um exemplo típico dos limites do alcance do F M I: as contas externas apresenta-ram uma m elhoria expressiva... M as a estabilização e as condições internas necessárias a um crescimento equilibrado não aconteceram. A inflação mais que dobrou em vez de declinar. Altas taxas de juros, resultantes de uma política monetária restritiva, e a ampla venda de títulos do governo desestim ularam os investimentos. Esses fatores, jun tam en te com os controles sobre os investimentos públicos, ocasionaram uma queda no coeficiente de formação de capital para so-mente 16% do PIB em 1984, um dos níveis mais baixos atingidos no período pós-guerra. Geral-mente, o défic it público ultrapassava os lim ites propostos, não apenas devido à dificuldade em se controlar os gastos ou as taxas reduzidas, mas também por causa do rápido crescimento dos juros sobre a dívida interna. Para os críticos do programa de estabilização do FM I, a forte assimetria de resultados não era motivo de surpresa. Ao contrário do que ocorre nos modelos monetaristas implícitos nesses programas que u n em equilíbrios internos e externos, a experiência brasileira conduz a um a interpretação diferente; a prioridade dada às contas externas tornou-se um a fonte importante d e desequilíbrio interno. v‘

Em outras palavras, as políticas que levaram a grandes superávits e permitiram que s e desse continuidade ao pagamento dos juros da dívida externa, provocaram o au-m e n to das pressões inflacionárias internas e a queda dos investimentos. Esses fatos ocorreram devido às repercussões inflacionárias da acelerada desvalorização cambial <^ver Capítulo 7) e à necessidade de o setor público extrair uma quantidade maior de recursos do setor privado a fim de continuar a pagar os juros da dívida externa. Oi inpacto líquido causado pelo programa de ajuste foi a transferência de recursos para ■o exterior em 1983 e 1984, que chegaram a 5% do PIB.

A economia se recuperou em 1984, quando o PIB cresceu 4,5% e continuou a se ^^xpandir em 1985 a uma taxa de 8,3% (ver Apêndice, Tabela Al). Essa recuperação ^:stava ligada a um aumento exemplar das exportações, de US$ 21,9 bilhões em 1983 jz»ara USS 27 bilhões em 1984. O significativo desempenho de crescimento em 1985, jz»or sua vez, estava associado à pronunciada expansão das vendas internas, que foram resu ltado de uma política salarial incentivadora adotada pelo novo governo civil do çaresidente Sarney, iniciado em março de 1985.

1 24

Page 116: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 6.7O comércio de bens e serviços (% do PIB em preços correntes)

1972 1977 1980 1983 1984 1985 1986

Exportações 6.8 6,9 8,4 10,7 12,8 11,6 8,5

Importações 7 2 6,8 9,6 7,5 6,6 6,0 4,9

Fonte: Conjuntura Econômica.

O nracroimpacto do período de ajuste

Observando toda a fase compreendida por este capítulo, vamos examinar alguns dos impactos mais notáveis dos períodos de ajuste-com-crescimento e crise-provocada pela-dívida na economia brasileira.

O recorde de crescimento

No período de dívida-com-crescimento, de 1974-80, houve uma expansão de 48 ,c no PIB real, com um aumento de 28% no PIB per capita (ver Apêndice, Tabela Al). Os anos de recessão de 1981-83, testemunharam uma queda no PIB de 5,1% e de11,7% no PIB per capita. Nos anos de recuperação, 1984-86, tomando-se como base o ano de 1980, constata-se que houve ligeira recuperação do PIB já em 1984, tendo atingido, em 1986, um montante 17,7% maior. O PIB per capita, entretanto, só supe rou o de 1980 em 1986, sendo 1,7% maior.

Os indicadores macroeconômicos

As mudanças estruturais que ocorreram na economia podem ser observadas através dos índices macroeconômicos apresentados na Tabela 6.7, que revelam uma pronun ciada abertura da economia do ponto de vista da exportação de bens e serviços, visto que o coeficiente referente ao PIB cresceu de 6,8% em 1972 para 12,8;o em 1984. Contudo, as políticas de substituição de importações da década de 1970 e as medidas recessivas da década de 1980 foram responsáveis por uma queda na relação de bens e serviços importados/PIB de 9,6% em 1980 para 4,9% em 1986. Isto é, o notáve^ declínio das importações de US$ 23 bilhões em 1980 para US$ 13,2 bilhões em 1985 deveu-se, em parte, à queda do PIB e, em parte, aos resultados dos significativos investimentos feitos nas indústrias de substituição de importações na década de 1970. Esse fato ficou particularmente evidente em setores como o de produtos químicos, bens de capital, aço, minérios não-metálicos e energia.

Também devemos notar no Apêndice da Tabela A3 o intenso declínio da forma ção de capital que havia atingido seu pico em meados da década de 1970 (alcançando 26,8% em 1975), caiu para 22% na parte final da década e passou a 16% durante os

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a n o s de crise da década de 1980, refletindo quedas significativas tanto na poupança in te rn a quanto na externa.

^ 4 estrutura econômica

O Apêndice da Tabela A l, que apresenta a participação dos principais setores no r i B , revela uma estrutura setorial bastante estável, mas, após essa data, houve um cieclín io da indústria (principalmente no setor fabril) e um crescimento da participação c io s serviços. Entre estes últimos, o maior ganho foi no setor financeiro, que reflete o c re s c e n te papel desempenhado pelos bancos e intermediários financeiros durante os p e r ío d o s de inflação elevada com a presença de vários instrumentos financeirosi ndexados.

€D efeito de igualdade produzido pelos programas de ajuste

Devemos lembrar que um dos objetivos da gestão Geisel foi a melhoria na distri-b u iç ã o de renda do país e o aumento do bem-estar das massas que não participaram d o rápido crescimento havido nos “anos do milagre” . É digno de nota o fato de que o s dados disponíveis mostram um aumento no salário real. Poderemos observar, por e x e m p lo , na Tabela 6.8a, que os salários mínimos reais aumentaram quase que con-tin u a m e n te de 1972 a 1982, embora no Rio de Janeiro seu crescimento não fosse nem e s tá v e l nem tão intenso. A parte b da Tabela indica que os salários médios reais dos trabalhadores dos setores de produção e dos funcionários administrativos aumentaram regu larm en te até 1979.

A Tabela 6.8c, que compara os diferentes níveis de salários da força de trabalho, r e v e la que grande parte dessa força ganha menos que um salário mínimo por mês. H o u v e uma ligeira queda entre 1977 e 1981, mas, após esse período, essa taxa tornou a a u m en ta r.

Deve -se enfatizar que as políticas salariais desenhadas para obter maior igualdade n a distribuição de renda foram introduzidas no final da década de 1970, quando jp iorou a crise brasileira de inflação/balanço de pagamentos. Esse fato levou a um a m p lo debate sobre o impacto produzido pela política salarial: se estava efetivamente red istribu indo renda e se era uma das principais causas da aceleração da inflação.’1

A melhor análise do impacto causado pela política salarial foi realizada por Roberto _>vl acedo. Ele ressaltou as pressões por novas políticas salariais originadas em 1974, q u a n d o a taxa anual de inflação dobrou, passando de cerca de 20% para aproximada-m e n te 40% (um patamar em que permaneceu até 1979). Dessa maneira, a pressão por re a ju s te s semestrais se baseou no argumento de que, se “os salários nominais eram rea justados anualmente, quando dobra o índice de inflação, a queda nos salários reais o co rrid a entre os reajustes produziria, nesse período, um salário médio real anual mais fcsaixo. A simples percepção indica que... esse declínio maior nos salários reais foi re d u z id o na mesma proporção em que aumentou o índice de inflação”. i2

Macedo também mostrou que a inflação acelerada do final da década de 1970 co-m e ç o u antes que as novas políticas salariais fossem aplicadas, isto é, a inflação estava

1 26

Page 118: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 6.8Remuneração selecionada e estatísticas salariais

(a) Salário Mínimo Real 1970-85 (em preços de 1970) (1970 = 100)Sao Paulo Rio de Janeiro

1970 100,0 100,01971 99.5 100,21972 100.7 102.7

1973 102.1 106.61974 102.1 104.6

1975 106.4 110,11976 107.6 106.3

1977 110,4 106.5

1978 113,2 108.9

1979 108.8 102.9

1980 114,2 105,2

1981 118,7 104.1

1982 124.4 104,51983 114.9 93,9

1984 116.6 87,5

1985 131,2 90.9Gòs.: Os valores médios anuais são a média aritmética simples do?> valores observados

cm cada mês; o 13® salário é levado em consideração no cálculo da média.Para São Paulo e Rio de Janeiro, os dcflatores empregados foram os índices dc preços ao consumidor calculados, respectivamente, pela FIPE/l SP e FGV.

Fontes: 1970-79 - WELLS J. & DROBNY A. UA distribuição de renda e o salário mínimo no Brasil: uma revisão crítica da literatura existente . /nz Pesquisa t Planejamento F.iommico 12, n3 13, dez./1982; 1980-85 - Conjuntura Econômica, vários números.

claramente acelerando em meados de 1979, enquanto as novas políticas começaram a ser implementadas somente em novembro desse ano." Uma vez colocadas em prática, essas políticas contribuíram para as pressões inflacionárias a ponto de as autoridades governamentais responsáveis pelo controle de preços as reconhecerem como legítimos aumentos de custo a serem repassados a preços mais elevados.’4 Dessa forma, como os aumentos de custos salariais eram encarados como justificativa para aumentar os pre-ços, o governo seguia implicitamente uma política de não-redistribuição de renda atra-vés das políticas salariais.

Embora os salários médios reais continuassem a aumentar no início da década de 1980, isso não significava, necessariamente, que o trabalhador médio se encontrava em melhor situação, visto que a recessão se instalou em 1981 e havia um número maior de dispensas e de trabalhadores não-especializados recebendo menores salários do que operários especializados bem pagos.

É difícil saber com exatidão se o aumento dos salários reais implicava aumentos de custos significativos para as empresas. De acordo com as leis de ajustes salariais, so-mente o aumento dos salários mais baixos era mais rápido que o dos preços em geral e esses salários reais mais altos vinham sendo acompanhados por aumentos de produtivi-

Page 119: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 6.8 (continuação)Remuneração selecionada e estatísticas salariais

(b) Salário real médio e índices salariais por categorias profissionais na indústria manufatureira(1961 = 100)

GerênciaTécnicos e

aux. de escritórioTrabalhadores de produção

Médiaponderada

1970 (2“) 194 127 115 130

1971 210 129 117 1301972 210 134 118 134

1973 221 140 124 141

1974 223 139 123 141

1975 233 147 137 153

1976 255 156 142 161

1977 244 160 146 164

1978 256 168 164 177

1979 (Ia) 275 174 175 188

1979 (2a) 254 162 161 173

1980 (1“) 236 164 162 172

1980 (2a) 231 167 166 174

1981 (Ia) 230 170 180 183

1981 (2a) 230 197 200 206

1982 (Ia) 232 185 194 196

1982 (2a) 226 189 184 189

1983 (Ia) 206 172 180 181

1983 (2a) 171 152 164 161

1984 (Ia) 157 137 150 147

Obs.: A diferença entre salário e ordenado está relacionada ao fato de se exercer uma posição de comando na estrutura organizacional da empresa.

Os dados sobre salários e ordenados vêm de uma amostra de indústrias do setor manufatureiro localizadas principalmen-te na região da Grande São Paulo. Devido à localização das indústrias em questão, é possível que a amostra evidencie inclinação na direção de salários mais elevados.A gerência inclui diretores, gerentes e chefes de seção.Trabalhadores de produção incluem trabalhadores especializados, semi-especializados e não-especializados.Média ponderada: Os pesos dos grupos são gerência = 2; técnicos e auxiliares de escritório = 3; trabalhadores de pro-dução = 5.O índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas foi usado como deflator.

Fonte: OCIO, D. Z. “Salários e política salarial". //?: Revista de Economia PolÜka 6, nB 2, abr./jun./l 986, p. 5-26.

128

Page 120: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 6.8 (continuação)Remuneração selecionada e estatísticas salariais

(c) Força de trabalho por grupos de rendimento mensal, anos selecionados (% de força de trabalho)

1977 1979 1981 1983

Até 1/2 SM 13.4 10.9 12,1 12,7

Mais de 1/2 a 1 SM 20.9 18.5 15,8 18.3

Mais de 1 a 2 SM 24.7 25.2 24.7 22.8Mais de 2 a 3 SM 10,2 10.7 12,6 11,8Mais de 3 a 5 SM 8.6 9.8 10,2 8,9

Mais de 5 a 10 SM 5.8 7.0 7,0 7,5

Mais de 10 a 20 SM 2.6 3.0 2,9 3,3

Mais de 20 SM 1,3 1.3 1,3 1,3

Sem rendimentos* 12,5 13.6 13,4 13,4

Total 100.0 100,0 100.0 100.0Obs.: A população rural da Região Norte e dos estados de Mato Grosso do Sul, de Mato

Grosso e de Goiás não está incluída para os anos de 1977 e 1979.

Não está incluída a população rural da Região Norte para os anos de 1981 e 1982.# Inclui aqueles que receberam somente benefícios da Previdência Social. Pes-soas sem rendimentos não estão incluídas.SM = Salário mínimo.

Fonte: FIBGE, Indicadores Sociais - Tabelas Selecionadas, II. Rio de Janeiro, 1984, p. 142.

dade. Além disso, à medida que a recessão do início da década de 1980 diminuiu a proporção de mão-de-obra especializada usada pelas empresas, uma parcela decres-cente da força de trabalho pertencia à categoria cujos salários aumentavam mais rapi-damente do que o nível geral de preços.

Outro aspecto interessante da política salarial, de um ponto de vista de igualdade, é o fato de que ela era mais onerosa para pequenas do que para grandes empresas. Tem sido demonstrado que grandes companhias empregam uma proporção menor de mão- de-obra não-especializada do que as pequenas e, conseqüentemente, as políticas dife-renciais de aumento salarial representaram uma carga maior para estas últimas. Como as grandes empresas desempenham um papel de liderança no estabelecimento de pre-ços, esse fato poderia conduzir a uma taxa de inflação reduzida, visto que seus aumen-tos de custos, devido a mudanças salariais, estão abaixo da recente taxa de inflação geral; mas isso também levaria a um arrocho nos lucros das empresas menores."

O impacto produzido pela discussão sobre política salarial também deve ser compa-rado aos resultados do censo demográfico de 1980 (Tabela 6.9) que mostram que, apesar da elevação dos salários médios reais, o aumento na concentração de renda, observada entre 1960 e 1970, continuava na década de 1980. A participação dos 20% pertencentes aos grupos de renda mais baixa caiu de 3,83% em 1970 para 3,39% em

129-

Page 121: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 6.9 Distribuição de renda no Brasil, 1970-80

(% da renda total)Percentual da população 1970 m o20% mais baixa 3,83 3,3950*» mais baixa 15,62 14,5610% mais alta 46,36 47,675% mais alta 33,85 34,8519í mais alta 13,79 14,93

Fonte: Dados preliminares do IBGE (Divisão do DESPO/SUEGE).

1980, enquanto os 10% de renda mais elevada aumentaram sua participação de 46,36% p a ra 47,67%.

Estudos recentes mostraram que a carga representada pelos programas de ajuste do in íc io da década de 1980 caiu mais pesadamente sobre os grupos de renda mais baixa d o que sobre outros setores da sociedade brasileira. As estimativas apresentadas na T 'abela 6.10a revelam que a distribuição de renda pessoal se tomou mais concentrada e n tre 1981 e 1983. E a Tabela 6.10b demonstra que a participação da renda da mão- de-obra caiu no mesmo período. Finalmente, a Tabela 6.10c indica que a produção sofreu uma queda menor do que o emprego e que os custos salariais em 1984 re-p resentaram cerca de 66,2% do que haviam sido em 1980. Assim, Maia Gomes afirma:

Visto q u e a produção não sofreu uma queda tão acentuada, conclui-se que outros custos de pro-dução e lucros caíram muito m enos... que os custos salariais na indústria manufatureira. Existem provas suficientes de que os custos financeiros... aum entaram rapidamente nesse período, indi-cando q u e os intermediários financeiros lucraram em term os relativos e absolutos com a crise.36

O papel do setor público na crise do período de ajuste

Os estudos de Rogério Werneck3' sobre o setor público brasileiro contestaram a ^vrisão convencional de que o amplo setor público dificultava o ajuste econômico aos c~hoques externos. Ele mostrou de modo convincente que ocorria exatamente o opos-t o , isto é, era o setor público que suportava a maior carga do processo de ajuste. V am os sumariar suas constatações. (Ver Tabela 6.11.)

A década de 1970 se caracterizou por um notável declínio da renda disponível do .governo como parte do PIB, que caiu de uma média de 17% em 1970-73 para 10% e m 1980. Essa tendência foi resultado do aumento dos subsídios (ao trigo, café e açú ca r consumidos internamente, ao açúcar exportado e ao transporte ferroviário m etropolitano) e das transferências. Estas últimas consistiam mais em juros sobre a d ív id a pública do que em programas de seguro e assistência social. Também digno de n o ta é o fato de que os gastos do governo com consumo, como percentagem do PIB, •caíram 1,9 pontos percentuais devido ao fato de que suas aquisições de bens e ser-

1 30

Page 122: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 6.10 Estatísticas d e distribuição de renda e fabricação, 1980-84

(a) Indicadores sobre a distribuição de renda por tamanho, 1981-83

1981 1983

Coeficiente de Gini 0,579 0,597

Participação da renda total dos mais pobres 40% 9,3% 8,1%Participação da renda total dos mais ricos 10% 45,3% 46.2%

Fonte: RO MÃO. Maurício. Ajustamento intenso em uma economia heterogênea e seus efeitos sobre a distribuição (ie retida: o caso brasilei-ro. Texto para discussão n" 160. Recife. I niversidade Federal de Pernambuco, 1985. Dados originais do FIBGE, Pesqui-sa Nacional por Amostragem de Domicílios, 1981 e 1983.

(b) Distribuição funcional de renda, 1980-84

1980 1981 1982 1983 1984

Renda nacional 100.0 KX1.0 100,0 100,0 100.0Participação da mão-de-obra 50.0 51.8 51.2 48.7 46.7

Participação não-relacionada à mão-de-obra 50,0 48.2 48.8 513 53.3

Fonte: Ministério do Trabalho. \1 Tb/S ES, "Política salarial e emprego: situação recente e perspectivas” , Projeto PNl i D-OI1. B ra s í I ia/82/026, no v./1984.

(c) Produção, emprego, produtividade e custos salariais tia indústria manufaíureira (1980 = 100)

Produção Emprego

Custos salariais

da mão-de-obra A B

1981 88.7 92,7 95.7 95,5 97,8

1982 88,4 86.2 102,5 95,1 99,9

1983 83,2 79.8 104,3 79.2 85.5

1984 88, 1* 77,1** 113,5** 66 ,2*** -JQ 9***

A = deflacionado pelo índice de preços de atacado para produtos industriais.B = deflacionado pelo índice Nacional de Preços ao Consumidor.

* Jan./nov. 1984 comparado com j an./no v. 1983.Jan./set. 1984 comparado com jan./set. 1983.

*** Jan./set.Fonte: Calculado por Maia Gomes a partir de dados do IBGE e FGV.

131

Page 123: Economia Brasileira - Werner Baer

Estatísticas sobre receita, gastos e produção do governo e em presas estatais, 1970-80

Tabela 6.11

a) Indicadores de renda e despesas governamentais: 1970-80 (% do PIB)

1970 1975 1980Renda disponível do govemo 16,78 14.51 10.08< ’arga tributária 25,96 26.34 24,15Subsídios 0,77 2,81 3.63Seguro social 2,21 7.02 7,61Juros sobre a dívida pública 1,30 1,24 1,89Consumo do govemo 11.32 10,64 9,01

(Salários) (8.29) (7.45) (6,18)(Bens e serviços) (3.03) (3.18) (2,83)

Poupança do governo 5.46 3.87 1,08

(b) Receita e despesas de empresas estatais: 1970-80 (% do PIB)

Índice do valor real 19801970 1975 1980 (1970 = 100)

Receita total 9,72 16,48 21,53 221Despesa total 9,83 17,85 30.12 306Salários e ordenados 1,82 1,98 2,50 137Bens e serviços 3,60 7,86 11.26 313Impostos relacionados a produtos 0,21 0,65 2,19 1.013Despesas financeiras 0,28 1,05 2,89 1.032Dispêndio de capital 2,78 5,56 10,16 366Exigências de empréstimos 0,11 1,37 8.59 8.065

(c) Produção fisica de produtos selecionados de empresas estatais: 1970-79 (1970 = 100) 1

1979

PIB real 210Minério de ferro 272

Aços planos 273

Eletricidade 320

Frete ferroviário 351

Telecomunicações* 312

Serviços postais** 397

Petróleo cru processado 218

Nafta petroquímica*®’* 540

* Quantidade de terminais telefônicos instalados.** Quantidade de ohjetos postados.

"*** O ano-base adotado foi o de 1972.F onte: WERNECK, Rogério L. Furquim. Public sector adjustment to externa! shocks and domestic pressures in Brazil, 1970-85. Texto

para discussão n3 163. Rio de Janeiro, P l’C, jun./1987.

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Page 124: Economia Brasileira - Werner Baer

viços cresceram menos que a produção total e que a folha de pagamentos do governo - como percentagem do PIB, caiu de uma média de 7,9% em 1970-73 para 6,2% err^ 1980. Werneck observa que este último fator se deveu a “uma queda nos salários reai^ e nos salários pagos pelo governo e não... à redução do número de funcionários pú-blicos por unidade do PIB”.5X A poupança do governo declinou ainda mais: de 5,8?£ do PIB em 1970-73 para 1,1% em 1980.

A importância das empresas estatais na economia brasileira cresceu significativa-mente durante toda a década de 1970, o que pode ser explicado pelo fato de que; muitos dos setores enfatizados no programa de investimento do PND II eram contro— lados por elas.,q Os investimentos fixos de empresas públicas federais, como percen— tagem do PIB, aumentaram de 2,8% em 1970 para 8,2% em 1980. No período 1970-80, o faturamento dessas empresas foi significativamente maior que suas despe— sas operacionais e, segundo Werneck, “os excedentes operacionais resultantes... eram suficientemente grandes o bastante para permitir que essas empresas administrassenrk um superávit corrente de dimensões consideráveis isic) até quase o final do período... Isso significa que parte importante de seu dispêndio de capital era financiado po r recursos gerados internamente”.40

Durante o período, entretanto, o superávit corrente das empresas públicas federais caiu e, então, desapareceu. Enquanto o faturamento, como percentagem do PIB, aumentou em 114% entre 1970 e 1980, as despesas operacionais aumentaram em 180% e outras despesas correntes em 190%. Examinando os componentes das despe-sas operacionais, Werneck constatou que, como percentagem do PIB, desembolsos com bens e serviços aumentaram em 213%, com salários e ordenados em 37% e com impostos relacionados à produção em quase 1.000%. O aumento com despesas de salários e ordenados não se deveu a um rápido crescimento de empregos. N a verdade, em 1980, o emprego nas empresas estatais, como percentagem do emprego do setor fabril, havia caído para 10,2% em relação aos 14% de 1970. Grande parte das despesas operacionais estava relacionada a aumentos nos preços de energia.

O notável aumento das despesas financeiras - acima de 1.000% - estava ligado à larga expansão da dívida das empresas estatais. Como, durante a década, a capacidade de autofinanciamento dessas empresas declinou, uma crescente parcela dos investi-mentos era custeada por empréstimos estrangeiros. Além disso, próximo ao final da década de 1970, à medida que as taxas de juros aumentavam, e com a maxidesva- lorização de 1979, a carga financeira das empresas estatais cresceu expressivamente. Para piorar os fatos, à medida que a inflação aumentava, o governo reteve os preços de muitas empresas públicas como instrumento antiinflacionário, o que ocasionou uma queda regular dos preços e tarifas reais cobrados por elas. Entre 1975 e 1980, a redução dos preços reais foi de 42% para o setor de telecomunicações, 24% para eletricidade, 30% para aço plano, 16% para serviços postais e 39% para gás. Como resultado, as empresas federais tornaram-se cada vez mais dependentes do governo e das dívidas para financiar seus projetos de investimento e, em 1979, até mesmo uma parte das despesas correntes teve de ser coberta por transferências do governo. Du-rante todo o período, as exigências de financiamento agregado das empresas públicas federais aumentaram de 0,67% do PIB em 1970 para 10,8% do PIB em 1980.

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Page 125: Economia Brasileira - Werner Baer

Um fenômeno notável ocorrido no período de 1970-80 foi o aumento relativo dai mportância do investimento de empresas estatais e o declínio dos investimentos go-vernam entais em geral. Werneck constatou que “a maioria do esforço de investimento cdo setor público no decorrer da década de 1970 se concentrou na expansão da capaci-d a d e de produção nas empresas estatais. O investimento público na área social foi, sem dúvida alguma, relegado a uma posição secundária. A manutenção da estratégia d e crescimento rápido exigiu o adiamento de um esforço de investimento social mais profundo e extremamente necessário”.41

<9 setor público durante a crise da dívida, 1981-85

Devido à recessão e à aceleração da inflação, a carga tributária do Brasil caiu de 24,1% do PIB em 1980 para 21,7% em 1984 (ver Tabela 6.12). O programa de austeridade fez com que os subsídios, como percentagem do PIB, sofressem uma «queda de 3,6% em 1980 para 1,6% em 1984, enquanto os juros sobre a dívida pública aum entaram de 1,9% para 6,2% no mesmo período. O resultado final foi um declínio d a renda disponível do governo, como percentagem do PIB, de 10,1% para 5,4%. O corte nos gastos do governo incidiram parcialmente sobre salários e ordenados, em-bora não atingissem o emprego no governo, que cresceu mais de 32% de 1979 a 1984. j A maior parte dos ajustes incidiu sobre a poupança do governo, que caiu de 1,1% do PIB para -2,8%.

Houve um aumento de 3% no emprego no setor de empresas públicas no pe-ríodo de 1980-85, enquanto aumentos de produção física incluíram 21% em mine-ração, 40% em siderurgia, 57% em telecomunicações e 147% na produção interna d e petróleo, o que indica um aumento significativo na produção por funcionário de em presa estatal.

As despesas financeiras continuaram a progredir rapidamente devido à grande dívi-da dessas empresas e às conseqüências de acentuadas desvalorizações cambiais reais ■que aumentaram de 6,8% do total das despesas correntes em 1980 para 19,1% em1985. Ao mesmo tempo, as receitas operacionais foram negativamente afetadas pelo uso contínuo das estatais por parte do governo como instrumentos de estabilização.42

Grande parte da recessão havida no período de 1981-83 pode ser explicada pela ■contenção de investimentos do setor público, fato que fica claro quando se leva em consideração que eles somavam cerca de um terço da formação de capital bruta fixa e que em 1984 esses investimentos representaram 70% do nível atingido em 1980.

Resumindo todo o período, Werneck afirma:

O imenso programa de substituição de importações e incentivo às exportações que compu-nha o centro da estratégia d e ajuste da economia brasileira aos choques do petróleo, impôs ao setor público um papel central e relativamente grande (sir) no empenho de investim ento exigi-do... (Mas)..., apesar desses acentuados compromissos, a participação do setor público na renda agregada encolheu significativamente no decorrer da década de 1970. Essa tendência originou-se na q u eda progressiva da carga tributária bruta, no aum ento das transferências e subsídios ao setor privado e na redução dos preços reais cobrados por bens e serviços produzidos por empresas esta tais .43

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Page 126: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 6.12 A justes do setor público, 1980-85 (% do PIB)

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Carga tributária 24,1 24,4 26,5 24,9 21,7

Subsídios 3.6 2,7 2.6 2,6 1,6Transferências 9.5 10,4 12,5 12,5 14,0

(Seguro social) (7,6) (8,1) (9,0) (8,3) (7,7)(Juros sobre a dívida pública) (1.9) (2,2) (3,5) (4,2) (6,3)

Renda disponível do governo 10.1 10.3 10,1 8.2 5,4

Consumo do governo 9.0 9,2 10,5 9.6 8.2(Salários e ordenados) (6,2) (6,4) (7.4) (6.6) (5,6)(Bens e serviços) (2,8) (2,8) (3.1) (3.0) (2,6 )

Poupança do governo 1,1 1.1 -0,4 1.4 -2,8

Emprego no governo (milhões) Despesas reais do governo com

3.3 3,5 3,7 3,8 4,1

salários e ordenados (1979 = 100) 96 92 98 89 80

Empresas estatais

Receitas 14.3 16,1 15,6 16,7 16,16 16,3Despesas 16.4 18.5 18,7 19,1 18,1 19,1

Salários e ordenados 1,9 2,2 2,3 2,6 1,7 1,9Financeiras 0.8 1,4 2,6 2.3 2,5 2,6Investimento» 4,5 5.1 5,1 3,7 3,3 3,1

Fonte: YV F. RN FCK, Rogério L. Furquim. Public sector adjustment {o external shocks and domestic pressures in Brazil, 1970-85. Texto para discussão nc 163. Rio de Janeiro, PUC, jun./1987.

Esse ajuste através do setor público significou que um crescimento superior ao justificado pelo balanço de pagamentos era financiado por empréstimos externos por parte do setor público. E, visto que

... empresas estatais tinham tal facilidade de acesso aos extremamente necessários empréstimos estrangeiros para financiar seus investimentos, parecia não haver problemas cm reduzir sua capa-cidade de autofinanciamento... A redução na carga tributária líquida e nos preços e tarifas reais das estatais permitiu que a carga do ajuste incidisse sobre o setor público e, portanto, retardasse o ajuste necessário por parte do setor privado. Dentro do setor público, porém, a resposta à partici-pação cada vez menor na renda agregada foi o desaparecim ento virtual do im portante papel que ele v inha desempenhando como poupador. Como não houve um aumento compensador da pou-pança privada, o ajuste representou a substituição da poupança interna pela externa sem qual-quer queda no consumo.44

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Page 127: Economia Brasileira - Werner Baer

rSotas1. CARNE I RO, Dinnísio Dias. “ Long-run adjustment, deb t crisis and the changing role of stabilization

p o lic ie s in the recent Brazilian experience’'. Rio de Janeiro, PUG, jun./1985, p. 5 (mimeografado). Ver tam- fc»em FISHLOW, Albert. “A economia política do ajustamento brasileiro ao choque do petróleo: uma nota ^ o b re o período 1974/84". /«: Pesquisa e Planejamento Econômico 16, n! 3, dez./1986, p. 511.

2. Para detalhes, ver ROETT. Riordan. Brazil: politics in a patrimonial society, 3aed.. Nova York, Praeger,1 “984, cap. 6.

3. Em sua análise dos fundamentos políticos da opção de crescimento do governo Geisel, I^amounier e Moura também constataram que “Geisel divulgou o fato (um a vez designado candidato oficial à presi- •d ê n c ia em meados de 1973}... de que iria introduzir modificações no sistema político, possivelmente um p rocesso de redemocratização...” Mais adiante, eles declaram: “... a severidade autoricária não poderia ser re v e r tid a com sucesso em um clima de perspectivas econômicas negativas...”. LAMOt NIER, Bolívar e \1 0 U R A , Alkimar R. ‘'Economic policy and political opening in Brazil” . In: Latin American Political Economy:

frJtancia I crisis and political change. Jonathan Hartlyn e Samuel A. Morkley, (orgs.) Boulder, Colo: Westview F* ress, 1986, p. 180-1.

4. Idem, ibid., p. 183.5. FISH LOW, op. cit.y p. 514-56. VILLELA, Annibal & BAER, Werner. 0 setor privado nacional: problemas e políticas para seufortaleâ-

rm n to . Coleção Relatório de Pesquisa 46. Rio de Janeiro, 1PEA/IXPES, 1980, cap. 3.7. MARTONE, Celso L. Macroeconomic policies, debt accumulation, and adjustment in Brazil, 1965-84.

W o rld Bank Discussion Papers, 8. Washington, D. C.: World Bank, mar./87, p. 5.8. CASTRO, Antonio de Barros de, & SOUZA, Francisco Eduardo Pires de. A economia brasileira em

f^rarcka forçada. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 31.9. VELLOSO, J. P. R. 0 ultimo trempara Paris. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1986, p. 32.

10. Idem, ibid., p. 37-45.11. BATISTA JR., Paulo Nogueira. International financial flows to Brazil since the late 1960s. World Bank

ITDiscussion Papers, 7. Washington, D.C.: World Bank, mar./1987, p. 4.12. Idem, ibid.. p. 6 .13. Idem, ibid.. p. 18.14. Idem, ibid.. p. 20.15. VELLOSO, J. P., ministro do Planejamento durante o govemo Geisel, fez uma interessante análise

t l o crescimento da dívida durante a década dc 1970 {op. cit. p. 225-29). Ele c de opinião que os gigantescos l^iTojetos dc investimento não podem ser responsabilizados pelo aumento da dívida:

“Se os grandes projetos de investimentos fossem o principal motivo do crescimento da dívida, isso se re fle tiria na importação de bens de capital...

Entretanto, a importação de bens de capital aumentou de t S$ 2,1 milhões em 1973 para l ÍS$ 3,5 milhões e m 1978, um aumento de 64%. Esse crescimento não foi apenas proporcionalmente pequeno — um pouco m a is que a metade do aumento da importação de manufaturados —. mas, em valores absolutos, as importações d c bens dc capital representaram apenas 26% das importações de mercadorias no ano de 197H...

Grandes projetos, como Itaipu, consistem geralmente em 50% dc despesas com equipamento e 50% em e ustos de construção... Gomo no final do governo Geisel o equipamento importado chegou a 20% do total do e quipamento necessário, o componente importado de tais projetos nunca excedeu 10% do total dos custos de í investimento.

Isto é, grandes projetos, considerando-se os largos passos dados pelos setores brasileiros de construção l^esada e de bens de capital, exigiam grandes somas em cruzeiros, enquanto a necessidade de dólares era re la tivam en te reduzida.

Não foram, porém, os grandes empréstimos feitos para financiar esses projetos? Sim, dentro do sistema cJe reciclagem competitiva, isto é, seguindo os critérios dos bancos privados associados que financiaram o c o ta i das despesas de um projeto e não as despesas em dólares... (Se um projeto que recebesse o empréstimo p>recisasse de 90% em cruzeiros e 10% em dólares, as autoridades monetárias)... receberia a quantia total em c_lólares, mas pagaria somente 10% nessa moeda e o restante em cruzeiros... (o saldo em dólares)... era usado j~>ara financiar o déficit da conta corrente...

136

Page 128: Economia Brasileira - Werner Baer

... mesmo que o Brasil não tivesse realizado esses grandes projetos, mas tivesse tentado manter a estru-tura industrial em funcionamento em um nível razoável, o grande crescimento da dívida teria ocorrido de qualquer maneira...”

16. SIMONSEN, Mário Henrique. “Dívida externa e crescimento econômico’'. In: Simposium 14, jun jul./ 1982: 5-6.

17. GOUYEA, Raul. “Export diversification, external and internal effects: the Brazilian case". Tese de doutorado, L niversity of Illinois cm Urbana-Champaign, jun./1987, p. 43-62; MARTONE, op. cit.. p. 14-17.

18. FISH LOW, A. op. at., p. 529.19. BACH A, Edmar Lisboa. “Vicissitudes of recent stabilization attempts in Brazil and the IMF

alternative". In: I Mb' conditionality. John Williamson (org.), Washington. D. C.: Institute for International Economics, 1983, p. 328. Diz Bacha:

“Delfim Netto parece ter diagnosticado corretamente os motivos pelos quais a inflação começou a se mani-festar com maior rapidez em 1979, isto é, a aceleração das minidesvalorizações e o contínuo mau desempenho da agricultura nacional. Temos a impressão de que ele esperava reduzir as pressões inflacionárias desacelerando a taxa de desvalorização depois de dezembro de 1979e promovendo uma “supersafra” em 1980, principalmente através de garantias de preços mínimos e de um prolongado programa de crédito agrícola subsidiado. Apostando nessa possibilidade, no início dc janeiro de 1980 ele prefixou a taxa de desvalorização em 40% ate dezembro."

20. MACEDO, Roberto. “Wage indexation and inflation: the recent Brazilian experience*’, hr. Inflation. debt, and indexation. Rudiger Dornbusch e Mário H. Simonsen, (orgs.), Cambridge, MA: M IT Press, 1983.

21. LAMOUXIER, B. 6c MOl RA, A. R. “Economic../* op. cit., p. 175.22. BA FIST A, op. at., p. 176. Batista chama a atenção para a crescente parte da dívida brasileira quc era

de curto prazo cm 1981 e 1982. Ele constatou que:“A redução do perfil da dívida externa era, na verdade, mais significativa do que podia ser percebida pela

observação das estatísticas oficiais ou mesmo estimativas oficiosas sobre a dívida externa de curto prazo dc residentes brasileiros. Em dezembro de 1982, essa dívida havia atingido... o equivalente a 27,8% do total da dívida externa. Se levarmos em consideração não apenas a dívida de curto prazo de residentes brasileiros, mas também as subsidiárias de bancos brasileiros, o total da dívida brasileira no final de 1982 era de aproxi-madamente US$90 bilhões../’

23. Idem, ibid., p. 39.24. Idem, ibid., p. 40.25. LAMOUXIER & MOURA, op. cit., p. 176-7, ressaltam que:“O programa do FMI significou pouco em termos de empréstimos, mas ofereceu uma certa garantia

contra riscos morais e outros perigos típicos apresentados por devedores em dificuldades à comunidade fi-nanceira internacional. A garantia do FM I representada pelo programa dc ajuste brasileiro significava que os bancos privados também apoiariam o programa financeiramente..."’

26. FRITSCH, Winston. “A crise cambial de 1982-3 no Brasil: origens e respostas”. In: ,4 América Latina e h crise internacional. C. Plastinoe R. Bouzas (orgs.). Rio de Janeiro, I RI/PUC, 1985; MARQUES, M. ‘FMI: A experiência brasileira recente”. In: Recessão ou crescimento: o FM I e o Banco Mundial na América Latina. E. L. Bacha e M. R. Mendoza (orgs.). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 123-7.

27. CARNEIRO, Dionísio Dias. "Diagnóstico macroeconômico da economia brasieira” . In\ Debate Eco-nômico. Fundação João Pinheiro, 1, n- 1, dez./1986, p. 101-2.

28. BARZELAY. Michael. The politicized market economy: alcohol in Brazil's energy strategy. Berkeley: University of California Press, 1986.

29. GOMES, Gustavo Maia. “T h e impact of the IMF and other stabilization arrangements: the case of~ Brazil”. In: Brasil and the Ivory Coast, Werner Baer c John F. D ue (eds.). Greenwich, Conn.: JAI Press, 1987, p. 159-61; MARQUES, Maria Silvia Bastos. UFMI: A experiência brasileira recente”. In: Recessão ou crescimen-to, E. L. Bacha e M. R. Mendoza (orgs.). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 123-7.

30. FISH LOW, op. cit., p. 537-8.31. MACEDO, R. “Wage indexation...”, op. cit.32 Idem, ibid., p. 135.33. Idem, ibid., p. 141-2.34. Idem, ibid., p. 145-6.35. Idem, ibid., p. 154-5; ver tam bém CAMARGO, José M. “A nova política salarial, distribuição de ren-

das e inflação”. Pesquisa e Planejamento Econômico, dez./1980, p. 982-98.

137

Page 129: Economia Brasileira - Werner Baer

36. GOMES, G. Maia, op. c i t p. 158.37. Grande parte dessa seção é baseada em WERXECK, Rogério L. Furquim. "Public sector adjustment

«:< j external shocks and domestic pressures in Brazil, 1970-85” . Texto para discussão, n- 163. Rio de JaneiroI > UC-RJ, jul./1987, mimeografado; ver também WERNECK. “Poupança estatal, dívida externa e crise finan- t r e i r a do setor publico”. Pesquisa eplanejamento econômico 16, n-'3, dez./1986: 551-74.

38. WERN ECK, Rogério L. F. “Public sector adjustment”, op. cit., p. 12-14.39. Idem, ibid.. p. 20.40. Idem, ibid.. p. 22.41. idem, ibid., p. 31.42. Idem, ibid., p. 44.43. Idem, ibid., p. 50-1.44. Idem, ibid., p. 52.

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7O ressurgimento da inflação no Brasil: 1974-86

U m d o s PRINCIPAIS OBJETIVOS do regime brasileiro que se insta- laram em 1964 foi a eliminação da inflação e das distorções por ela provocadas. Até 1973, vários governos militares foram relativamente bem-sucedidos; a inflação foi re-duzida de 92% em 1964 (tendo atingido uma taxa anual superior a 100% em abril desse ano) para 15,5% em 1973. De 1968 em diante, a queda da inflação foi acompa-nhada por um rápido e espetacular crescimento. Essas realizações foram resultado de uma combinação de medidas-padrão de estabilização fiscal e monetária, de uma polí-tica salarial restritiva, de um realinhamento de preços controlados, que inicialmente caíram em termos relativos; da adoção de um sistema cambial ajustado muito lenta-mente e da introdução de um sistema de indexação de instrumentos financeiros, cujo objetivo era permitir ao governo obter recursos de maneira não-inflacionária, estimular a poupança e evitar várias distorções causadas pelas contínuas - apesar de decrescen-tes — forças inflacionárias.'

Vinha acontecendo uma reversão na tendência de baixa da inflação desde 1973. Gomo podemos observar no Apêndice, Tabela A5, a taxa mais que duplicou de 1973 a 1974, permaneceu nos limites de 30% a 48% nos quatro anos seguintes, quase dobrou novamente em 1978-79 e passou a marca dos 100% em 1980, atingindo 211% e 224% em 1983 e 1984, respectivamente. Também é digno de nota o fato de que até 1980 a taxa de crescimento real do Brasil era estável (embora não tão espetacular quanto a dos “anos do milagre” de 1968-73); de 1981 a 1983, à medida que a inflação continuava a apresentar níveis elevados, a economia estagnou e, em 1984, quando a inflação atingiu o seu maior nível já visto na história do país, o crescimento econômico havia se recuperado um pouco.

Que fatos foram responsáveis por uma reversão tão espantosa no desempenho de preços da economia dentro da mesma estrutura política de orientação militar que

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perdurou até 1985? Até que ponto ela se deve a mudanças na composição de metas r* olíticas dos últimos governos da era militar, ao cenário econômico internacional em 3 rocesso de mudança em relação ao Brasil ou a mudanças institucionais dentro do> ais?

Quando a inflação acelerava na década de 1970, o mesmo ocorreu com as discus-s õ e s sobre sua origem, seu impacto e a maneira de controlá-la. Não é de surpreender H u e a literatura explicativa sobre a inflação da década de 1970 e 1980 pode ser ampla- " n e n te classificada como pertencente aos dois campos tradicionais que se tornaram 'am osos durante as discussões sobre o tema nas décadas de 1950 e 1960: os monetaristas s: estruturalistas.2 Naturalmente, muitos dos argumentos específicos e apresentações ^esóricas mudaram desde aqueles dias, mas ainda há uma seqüência lógica na aborda- a^-em intelectual de cada escola na interpretação do fenômeno inflacionário.

Iniciarei esse retrospecto sumariando as duas interpretações surgidas da análise da re c e n te experiência inflacionária, o que será acompanhado de uma revisão das provas s xnpíricas que poderão oferecer a base para se aceitar ou rejeitar as teorias.

A natureza da inflação brasileira: dois pontos de vista

Uma das duas distintas escolas de pensamento sobre o ressurgimento da inflação n a s décadas de 1970 e 1980 consistia em economistas (brasileiros e estrangeiros, prin-c ipa lm en te aqueles associados ao FMI) que seguiam a tradição clássica e ortodoxa. Do o u t ro lado, estão aqueles que podem ser chamados de “neo-estruturalistas”, que se-g u e m , em essência e método de abordagem, embora com algumas novas visões institucionais e teóricas, a antiga escola estruturalista. Ambas usam a mesma evidência c_r mpírica. Vamos rever rapidamente cada uma.

sA. tradição ortodoxa

A base institucional da abordagem ortodoxa é a publicação da Fundação Getúlio V argas, Conjuntura Econômica. Embora seja uma fonte de informações empíricas sobre a economia brasileira, seus comentários editoriais sobre a inflação mostram uma incli- r~i ação definitivamente ortodoxa. Ao examinar o desempenho econômico do Brasil em X 984, por exemplo, ela responsabiliza “o excesso de liquidez, causado pela falta de con tro le do orçamento do governo e pelo acúmulo de reservas cambiais” pela elevada t a x a de inflação. E, “sem a prodigalidade monetária, a economia teria crescido um paouco menos, mas sua base para o crescimento contínuo — crescimento de produtivi-d a d e e uma reversão na inflação — teria garantido um horizonte mais seguro para os a n o s subseqüentes a 1985”.3

Entre os mais notáveis economistas brasileiros associados a essa escola estão Anto-n i o Carlos Lemgruber e Cláudio R. Contador. As investigações empíricas conduzidas p»or Lemgruber levaram-no a concluir que “se deveria evitar políticas de ‘segue-e- jz*ára‘ (“stop and go”) e, ao mesmo tempo, visar a uma taxa de crescimento monetário t»aixa e constante a fim de fazer cessar a inflação”.4

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Contador também fez contribuições importantes para essa escola de pensamento. Seus estudos realizados em meados da década de 1970 levaram-no a concluir que h á um trade-off1 significativo entre a inflação e o excesso de capacidade na economia (a. relação da curva de Phillips). Se os ajustes de expectativas são muito rápidos, a curva. de Phillips estará próxima à vertical. Mas, como Contador acredita que esses ajustes são lentos,

...uma inflação deliberadamente induzida pode ser uma política atraente para reduzir o desem-prego e aumentar a taxa de crescimento no curto prazo. A procura persistente por um nível m e-nor de desemprego, porém, apenas será eficiente se a taxa de inflação aumentar continuamente: e/ou se o governo conseguir desestimular as expectativas inflacionárias continuamente.’

Em um artigo posterior, a opinião de Contador tornou-se mais flexível. Sua análise; de dados, que se estende à década de 1980 levou-o a observar:

Não é possível apoiar a estabilidade na troca entre inflação e excesso de capacidade... I s s o não significa, porém, que essa troca não exista. N a ausência de choques de oferta seria de se= esperar que uma luta violenta contra a inflação iria produzir uma queda no crescimento do pro— duto real, da mesma forma que um aumento na taxa de crescimento do produto, devido às pres — sões de demanda, iria aumentar a taxa de inflação.6

Fernando de Holanda Barbosa, outro antigo estudioso da inflação brasileira, a p ó s pesquisar a recente experiência do Brasil e depois de várias interpretações, concluiu:

as origens da inflação brasileira no período pós-guerra residem nas políticas monetária e fiscal *_r nos choques agrícolas. Não há provas empíricas suficientes que tornem aceitável o argumento d e que o cartel da OPEP foi um dos maiores motivos para a recente aceleração da inflação. Esssa conclusão traz consigo a implicação de que o processo inflacionário brasileiro depende so m e n te dos instrumentos da política econômica concentrados nas mãos do governo federal.'

Os neo-estruturalistas

As mais completas declarações da escola de pensamento neo-estruturalista encon— tram-se num livro de Luiz C. Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano e em um artigo d e Francisco L. Lopes.® Vamos resumir seus pontos de vista, complementando-os c o m referências a vários estudos empíricos realizados por estudiosos que trabalham d e n tro da estrutura dessa interpretação.

A busca por uma explicação diferente sobre o processo inflacionário brasileiro f o i motivada pelo fato de o surto inflacionário do período 1974-85 ter ocorrido d u ra n te anos de crescimento e de estagnação e de taxas de crescimento negativas. Ao contrá-rio dos monetaristas, que acreditam que a inflação é causada por aumentos excessivos dos meios de pagamento, essa escola encara o dinheiro como uma variável d e p e n -dente, isto é, que cresce como resultado de aumentos gerais de preço.9

* Troca.

14 1

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A origem da inflação é vista basicamente como decorrência do poder do monopólioempresas, sindicatos e do Estado. Ao contrário do sistema competitivo que os eco-

■omistas neoclássicos adotam em seus modelos, em um país como o Brasil existe um i s t e m a de planejamento em que grandes empresas (tanto públicas como privadas) e i nd ica to s “tentam tomar o lugar do mercado, administrando seus preços, enquanto o 2- s tado , devido à imobilidade do sistema de mercado, também é obrigado a agir como r r substituto do mercado através de vários tipos de controles”.1" Dessa forma, o apa-

s : cim ento de um sistema denominado “capitalismo tecnoburocrático” é visto como o u e tem o poder de proporcionar a base que explique a inflação da década de 1970, e a - ten ta tiv a de empresas oligopolistas e de sindicatos em aumentar sua participação na

xida nacional, através da manipulação de preços, taxas de juros e salários, ocasiona . m a inflação administrada”.11

Companhias oligopolistas têm o poder de praticar a “remarcação de preços” e, ge- a lm e n te , utilizam uma margem fixa superior aos custos. Em épocas de recessão, en- r e ta n to , com as vendas em declínio, essas empresas intensificam a remarcação a fim l e manter a taxa de lucro como percentagem do capital (supondo que a produtividade e mantenha inalterada) e, conseqüentemente, seus preços. Dessa maneira, “se uma e :cessão se deve a políticas monetárias e fiscais restritivas, a reação das empresas será i n d a mais pronunciada em termos de aumentos de preços e margens. Portanto, as ■ o l í t ic a s macroeconômicas apresentam o efeito oposto ao esperado”.n O resultado é i m processo informal de indexação, em que os custos são automaticamente dirigidos i a r a o aumento dos preços. Essa “inflação inercial” retarda as baixas nos preços através l e uma queda na demanda agregada.15 O quadro que surge é o de um processo inflacio- Lá-rio de uma luta-por-participação” na renda entre empresas, setores, empresas e sin- 1 ic a to s , entre classes, entre o público e o setor privado... e (isso)... se transforma em i m mecanismo de transferência de renda para os setores econômica ou politicamente n ais fortes”.14 Bresser Pereira e Nakano ressaltam, porém, que esse processo não ace-d i a a inflação, mas somente contribui para a manutenção de seu nível e que haverá u m a aceleração ou desaceleração (somente) se os reajustes de preços, salários, taxas

I e câmbio ou taxas de juros forem maiores ou menores do que a taxa de inflação► redom inante ou se os reajustes tiverem sua periodicidade aumentada ou diminuída”.15

Muitas vezes o Estado tentará conter os aumentos de preços em sua esfera de ação p o r exemplo, serviços públicos, aço). Porém, visto que cedo ou tarde os preços relati- < »s vão tornar-se cada vez mais distorcidos, o Estado é obrigado a emitir mais moeda► a r a cobrir os déficits e/ou, finalmente, aumentar os preços de suas empresas. Ambas s medidas contribuem para o processo inflacionário contínuo ao injetar o que tem i cdo chamado de inflação “compensatória” ou “corretiva”.16

Dentro desse contexto, os meios de pagamento são encarados como um agente► a s s iv o que tornam válidas as elevações de preços. À medida que eles aumentam, os h l c ío s de pagamento reais tendem a declinar, o que vai “provocar uma crise de liquidez

recessão. Supondo que o objetivo das autoridades seja manter o crescimento da eco- L o m i a , não há alternativa além de aumentar os meios de pagamentos nominais... (Con- e qüentemente)... os meios de pagamento simplesmente acompanham o aumento dos► re c o s , tornando-se uma variável endógena no sistema”. Portanto, “a quantidade de n o e d a é uma função do produto real da economia”.17

-4-2

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Bresser Pereira e Xakano também chamam a atenção às causas políticas do proces-so inflacionário. Durante regimes politicamente fracos ou com pouca legitimidade, cz governo não pode resistir facilmente às pressões para que se aumentem as despesas o u que se persista na prática de baixas taxas para os serviços públicos causando, assim _ déficits nas empresas estatais. Isso ocorreu no Brasil nos governos Kubitschek, Goular» e Geisel.IK

As conclusões referentes às políticas resultantes desse ponto de vista sobre o pro-cesso inflacionário são:

toda política econômica ortodoxa, baseada na influência da economia através do mercado, perdei muito de seu impacto. Políticas monetárias e fiscais, que funcionam de modo agregado no merca-do, são ineficientes, à medida que pressupõem que, uma vez feita uma correção no nível agre— gado... o mercado vai, mais uma vez, agir de modo a controlar a economia.”

Esses economistas, na verdade, sentem que políticas macroeconômicas tradicionais são capazes de causar o efeito oposto ao desejado. Dessa forma, na parte descendente; do ciclo, as empresas vão desejar aumentar suas margens de lucro, o que significa que necessariamente, terão de aumentar os preços (a menos que a produtividade tenhs» aumentado). Além disso, o emprego de políticas ortodoxas, que produzem recessão , provocam a queda das receitas do governo e o aumento dos deficits orçamentários.

Bresser Pereira e Nakano acreditam que a melhor alternativa para as políticas ortodoxas reside no controle de preços. Eles estão cientes das distorções que essa medida poderá causar, motivo pelo qual recomendam que o Estado se concentre n o s setores monopolizados, que podem aumentar suas margens de lucro e mantê-las ar-tificialmente elevadas. A utilização de controles faz com que o Estado aja como subs-tituto para o mercado; dessa maneira, ele pode “estimular determinados setores e : penalizar outros como uma função das políticas relacionadas à acumulação, renda ou» equilíbrio das contas externas. Entretanto, os limites do controle de preços são res— tritos” . Isso ocorre devido a muitos fatores, inclusive dificuldades administrativas.

Por um lado, é necessário d ispor de um complexo sistem a de coleta de informações. P o r outro, os serv idores públicos responsáveis pelo controle ficam sujeitos a todos os tipos de pres— sões por parte das empresas e, freqüentem ente, sim plesm ente oficializam aumentos de preços j ã determ inados... Um sistema de controle de preços eficiente é aquele que não apenas impede a s empresas de aumentar suas margens de lucro, mas tam bém as obriga a reduzi-las e, conseqüente— m ente, im pede-as de repassar todos os seus aumentos de custos."'

Bresser Pereira e Nakano enfatizam, entretanto, que qualquer política de estabili— zação eficiente deverá empregar todos os instrumentos disponíveis, variando das poli— ticas monetárias e fiscais tradicionais aos preços administrados, taxas de juros e salá-rios. Embora os defensores das políticas de estabilização ortodoxas aleguem que suas soluções recessivas afetam todos os setores de maneira indiscriminada, “na prática e las acabam atingindo principalmente os salários”. Assim,

uma política administrativa deveria escolher aqueles que podem e devem ser mais penalizados— Em princípio, esses deveriam esta r entre as classes de m aiores rendimentos e aquelas c lasses

143 -

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empresariais consideradas como nâo-pertencentes a setores prioritários... Isso é possível... através do controle dos preços estratégicos da economia: taxas de juros e de câmbio, salários e os preços dos setores oligopolisticamente cartelizados.’1

A obra de Francisco Lopes tem enfatizado o aspecto “inercial” da inflação brasilei-r a . 22 Embora tenha sido possível identificar estatisticamente uma curva Phillips para a “ ■conomia brasileira, a importância relativa dos choques de demanda foi reduzida, com- p> arada com as taxas reais de inflação.23 Lopes chama a atenção para o fato de que a m aio ria das análises enfatizou os vários choques inflacionários, seja de demanda ou de o fe r ta , seja o papel das expectativas. Ele, porém, acredita que a inflação inercial pode s rxplicar melhor a experiência brasileira, visto que ela se origina do rígido padrão de com portam ento dos agentes econômicos. A idéia básica é que, em uma situação croni-c a m e n te inflacionária, esses agentes adquirem um padrão de comportamento defensi-v o no estabelecimento de seus preços e vão tentar reconquistar periodicamente um p»ico anteriormente atingido de receita real. Se todos os agentes atuarem dessa manei-r a , a taxa de inflação existente tenderá a se perpetuar.

Cada agente econômico tenderá a agir como o trabalhador cujo salário nominal é rea justado a intervalos fixos de tempo a fim de reconquistar picos salariais anterior-m e n te conseguidos.24 O salário real em tempo t. wt, é influenciado por três fatores: o :~> ico anterior em salários reais, w'; o intervalo entre ajustes, T , e a taxa de inflação, qt. ■^ssim:

wt = w (q„T, w"),

:* m de wt cai, quando qt ou T aumentam, e aumenta quando w" aumenta.Se todos os agentes econômicos atuassem dessa maneira, seria possível considerar a

m flação:

... como uma função de picos desejados de renda real de vários agentes econômicos, a freqüência dos reajustes da renda real de cada um e a estrutura dos preços médios relativos. Conclui-se que, se todos os agentes adotarem normas estáveis de ajustes periódicos a picos reais de renda imutá-veis e os preços relativos não mudarem, a taxa de inflação permanecerá constante.-11

Lopes conclui, portanto, que, a fim de conseguir uma queda na taxa de inflação> e m um choque deflacionário, será necessário que todos os agentes econômicos acei- : e m reduções nos picos reais de renda anteriores.

Quanto às políticas, a recomendação de Lopes é semelhante à de Bresser Pereira e '-^Takano. Ele defende um “choque heterodoxo” que consistiria em um congelamento : o t a l de preços e salários acompanhado de políticas monetárias e fiscais passivas. O : ongelamento, temporário, seria seguido por uma descompressão gradual com contro- e s de preços. Na parte final do período, seriam permitidos aumentos moderados a fim i <_■ corrigir as distorções surgidas no congelamento.26

Vamos examinar agora a experiência inflacionária brasileira desde o início da década i e 1970 e verificar quanto das evidências disponíveis sustentam cada escola de pensa- T^ento. É conveniente declarar inicialmente que sou favorável à escola estruturalista, pois r r c io que ela se identifica melhor com as raízes socioeconômicas do processo inflacionário.

I -44

Page 136: Economia Brasileira - Werner Baer

Antecedentes gerais da recente inflação brasileira

A maioria dos analistas da economia brasileira das décadas de 1970 e 1980 indica uma série de choques como a causa do ressurgimento da inflação. Esses choques in-cluem acontecimentos externos, [como a quintuplicação dos preços do petróleo em 1973-74 e sua duplicação em 1979, o exorbitante aumento das taxas de juros reais mundiais no início da década de 1980, as maxidesvalorizações ocorridas em 1979 e 1983 e alguns reveses naturais (por exemplo, as secas e enchentes que afetaram alguns preços essenciais, como o dos produtos alimentícios). Naturalmente, esses choques de preços não seriam inflacionários se os setores diretamente afetados estivessem dispos-tos ou fossem obrigados a absorvê-los. Se, entretanto, a análise realizada acima está correta e os setores podem repassar esses choques aos seus clientes sob a forma de preços mais elevados e se esses clientes, por sua vez, estão em posição de também repassá-los, então os choques terão dado início a uma cadeia de aumentos que afetará o nível geral de preços. Circunstâncias políticas e econômicas depois de 1973 produzi-ram uma situação que facilitou tal propagação dos choques de preços, resultando no aumento das taxas de inflação. O Capítulo 6 resumiu algumas das mudanças políticas que se iniciaram na administração Geisel e que explicam a decisão de optar pelo cres-cimento com dívida. As mesmas forças também explicam o ressurgimento da inflação.

O impacto inflacionário produzido por choques externos

Choques internos ou externos não precisam ser inflacionários se os setores ime-diatamente afetados estiverem dispostos ou forem obrigados a abson-er uma elevação maior de preços através da redução de sua renda. Não foi o que ocorreu no Brasil após 1973 - os setores afetados pelo choque do preço do petróleo ficaram ansiosos por repassar o aumento de seus custos de produção sob forma de preços mais elevados e o governo, apesar dos elaborados mecanismos de controle de preços, avaliou ser politicamente sensato opor relativamente pouca resistência a esse processo. Em outras palavras, considerando-se a evolução política, o governo estava disposto a tolerar a luta por participação na renda, através do processo inflacionário, em vez de impor expli-citamente uma solução distribucional aos choques externos.27

Como pode ser observado na Tabela 7.1, a taxa de variação nos preços do petróleo importado em 1973-74 foi muito maior do que o aumento de seu preço interno, visto que o governo tentou atenuar esse choque e distribuí-lo ao longo dos anos. A mesma tabela mostra que a taxa geral de inflação dobrou entre 1973 e 1974, flutuando entre 30% e 48% até o choque seguinte, em 1979. O aumento anual do preço dos derivados de petróleo ficou além do aumento geral dos preços, fato não verificado em 1978. Um exame de outros preços antes desse ano revela alguns avanços e algumas defasagens relativas ao aumento geral de preços, mas fica claro que houve uma luta constante de vários setores para não ficarem para trás. Embora a taxa cambial tenha sido um tanto supervalorizada na época do primeiro choque do petróleo, sua desvalorização acom-panhou a taxa de inflação, com a defasagem que provavelmente representou as di-ferenças médias entre as taxas de inflação verificadas no Brasil e nos países com os

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Page 137: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 7.1Indicadores-chave de preços, 1970-85

(taxa d e variação)índice Geral

de PreçosTaxa

cambial ORTN* LNPC*Matérias-

pri mas Alimentos Saláriosnominais

1970 19,8 13,8 19,6 - 22,8 18.6 -

1971 18,7 13,8 22,7 - 12.4 30,1 -1972 16.8 9,9 15,3 - 14.9 16,0 -

1973 16,2 0.0 12,8 - 20.3 12,5 23,8

1974 33,8 18.9 33,3 - 44.2 37,4 35,8

1975 30,1 22.0 24,2 - 25.4 33,0 48,8

1976 48,2 35.2 37,2 - 38.0 50.1 51.8

1977 38.6 30.4 30.1 - 28.4 37,5 44.5

1978 40.5 29.7 36,2 - 35,2 51,9 47,4

1979 76,8 97 7 47,2 - 76.3 84,8 64.0

1980 110,2 61,7 50.8 - 110,7 130,8 114,3

1981 95.2 95,3 95,6 91,5 86.1 85,9 132,6

1982 99.7 95,8 97,8 97,9 85,1 98.9 122.9

1983 211,0 286.2 156,6 172,9 214.4 270.5 132.6

1984 223.8 218.5 215,3 203,3 234.4 242.4 190.3

1985 235,1 231,2 219,4 228,0 205.7 221,2 259.6

* Obrigações Reajuscáveis do Tesouro Nacional. ** índice Nacional de Preços ao Consumidor.

«quais mantinha relações comerciais (Tabela 7.1). Os preços dos alimentos seguiram o nível geral de preços ou até o ultrapassaram; o mesmo se aplica à média dos salários industriais nominais, que superaram a taxa de inflação até 1979.í!i

A Tabela 7.2 resume o comportamento dos preços de diferentes setores da econo-mia, apresentando um índice do coeficiente da percentagem da variação anual dos preços em um setor específico em relação à taxa média da inflação. E evidente que eis preços dos setores agrícola e fabril nunca ficaram defasados por muito tempo em relação aos aumentos gerais de preços e que essa defasagem era relativamente peque-na. Houve considerável variação no setor fabril, em que os produtos químicos e lubri-ficantes apresentaram índices favoráveis por muitos anos (acima de 100), enquanto os cêxteis, produtos elétricos, maquinário, calçados e roupas apresentaram uma defasa-gem por vários anos, com índices inferiores a 90. A maioria dos setores, porém, apre-sentou índices maiores que 90, o que significa que seus preços acompanhavam com regularidade os aumentos gerais de preços.

Em 1979 e na primeira metade da década de 1980, vários outros choques acele-raram significativamente a inflação do país. Além do segundo choque do petróleo e d o violento aumento das taxas de juros internacionais (que elevaram imensamente o

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Page 138: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 7.1 (continuação) Indicadore^-chave de preços, 1970-85

(taxa de variação)

Preços de importações

(USS)

Preços dos bens de capital Preços de petróleo

ImportadosfUS$) Nacionais

Importado 1USS) Nacional

Relações de troca

1970 - 1,8 - 0.0 11,1 891971 4,8 0,0 21,0 25.0 30,0 821972 6.8 7,3 13,0 10,0 30,8 871973 25.5 10,1 19,2 27,3 11,8 961974 54,2 7.7 32,2 232,1 57.8 781975 2,3 4,3 29,3 l.l 40,0 761976 3,2 20,5 35,8 2,1 57,1 851977 4.1 13,6 38.9 4,2 51,5 1001978 3,0 2,0 33.0 1.0 33,0 871979 11.0 4,8 115.8 33.7 67,8 791980 28.1 4,1 31,1 67.4 160,0 651981 11.0 4.7 142,3 19.5 121,0 551982 -3,4 6.0 93,8 -3.8 84,8 541983 -5.2 7 7 140,6 - 10.0 180,7 541984 -5,4 -9.2 224,9 -2.6 219,3 581985 -4.1 0.0 248,4 -3.1 184.4 55

Fonte: Conjuntura Rronôntira', Salários nominais. ABDIB.

onus da dívida), o Brasil iniciou uma maxidesvalorização no final de 197929 e adotou uma nova lei salarial para aumentar significativamente os salários reais dos trabalha-dores pertencentes aos grupos de salários mais baixos.30 Em 1983, houve uma segunda maxidesvalorização que, juntamente com alguns anos de péssimas colheitas na agri-cultura, que acarretaram uma taxa maior no aumento dos preços dos alimentos,31 acentuou ainda mais o nível da inflação de 1983 em diante.

Os dados contidos nas Tabelas 7.1 e 7.2 mostram que poucos setores específicos so-freram uma defasagem extraordinária e consistente em relação ao aumento geral de pre-ços, no período de 1974-84. As exceções são encontradas nas indústrias de produtos de metal, onde o governo tentou impor medidas rígidas de controle de preços para comba-ter a inflação, e em algumas indústrias tradicionais, como as têxteis e de produtos de madeira, que ficaram para trás na luta por participação na renda. Também se deve ob-servar que os salários reais, que aumentaram no final da década de 1970 e início da de 1980, começaram a cair em 1983.

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Tabela 7.2Estatísticas de preços selecionados, 1971-84

(aj índices de variação de preços setoriais relativos*

Tot. prod, agric. (17)

Lavouras de exportação

(24)Minérios

(27)Total manuf. Pmds. metal.

(28) (30)Prods, elétr.

(37)1971 104 80 94 98 95 911972 104 112 98 99 % 951973 103 121 83 87 101 991974 100 77 122 101 108 951975 97 97 124 100 101 961976 111 181 93 95 93 961977 104 140 92 98 92 961978 103 91 90 99 94 991979 101 85 87 101 97 991980 107 85 122 101 92 991981 99 72 102 101 91 1071982 90 83 91 104 95 1041983 129 102 95 99 81 901984 111 129 99 101 95 91

Tabela 7.2 (continuação) Estatísticas de preços selecionados, 1971-84

(a) índices de variaçao de preços setoriais relativos* (continuação)Mat. de

transporte (41)

Móveis(45)

Papel e produtos

(49)

Produtos de couro (51)

Prods.químicos

(52)Lubrificantes

(53)1 971 97 95 103 105 97 1021 972 95 101 97 121 101 1081 973 95 102 103 127 98 991 974 92 102 123 79 120 1241 975 104 99 92 83 107 108J 976 89 97 83 109 98 111I 977 99 99 97 97 100 10519 7 8 103 99 97 104 96 961 979 92 97 99 143 103 1101 980 87 99 98 70 122 1311 981 118 98 100 84 110 1071 982 116 104 107 116 101 951 -983 86 96 94 120 103 1101 984 85 95 105 153 103 99

IMédias mensais. Variação percencual dc preçn de cada setor dividida pela variação percentual do índice Geral de Preços ( índice Geral de Preços - Oferta Global ) = 1 + % Pj/1 + % Pg.

4 8

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Tabela 7.2 (continuação)Estatísticas de preços selecionados, 1971-84

(a) índices de variação de preços setoriais relativos* (continuação)

Maquinário(33)

Fertilizantes(57)

Têxteis(59)

Bebidas Prods, alim. (65) (70)

Calcário e silicatos

(29)1971 95 92 99 99 105 971972 99 111 96 100 96 1001973 96 104 104 100 97 991974 94 181 88 98 102 991975 101 99 86 105 105 1031976 90 73 99 91 95 961977 98 87 93 99 98 991978 99 94 93 106 106 991979 93 105 94 94 107 951980 93 123 89 94 96 1011981 116 97 86 116 96 1161982 107 98 104 1 15 101 1101983 90 93 85 88 108 901984 95 106 102 94 102 102

Estatísticas de preços selecionados, 1971-84(a) Indices de variação de preços setoriais relativos* (continuação)

Prods. Prods. Prods.madeira borracha plástico Roupa:t Calçados Fumo

(44) (50) (56) (63) (64) (69)1971 109 97 88 93 97 991972 127 100 90 95 107 1061973 124 95 94 94 112 1061974 96 93 105 88 89 911975 95 111 105 85 96 1011976 100 90 93 89 92 971977 95 90 96 86 90 1041978 104 101 94 92 94 991979 118 90 92 95 99 1031980 129 97 106 91 68 841981 81 124 109 104 79 1201982 85 119 108 107 102 1211983 94 91 98 77 74 871984 . 96 93 106 89 104 97

Vlédias mensais. Variação percentual de preço de cada setor dividida pela variação percentual do índice Geral de Preços (índice Geral d c Preços - Oferta Global) = 1 + % P /l + % Ps .

Os números entre parenteses referem-se às classificações setoriais da Conjuntura Econômica.Fonte: Calculado com base em dadas da Conjuntura Econômica.

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Page 141: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 7.2 (continuação)Estatísticas de preços selecionados, 1971-84

(b) Desempenho de preços relativos de setores selecionados

Tubulações absolutas* Tabulações acumuladas**Acitva Igual Abaixo Acima Igual Valor líq.

1 <ot. prods, agricolas 10 1 3 77 - 14 + 63CT’ olhcitas de exportação 6 - 8 185 - 211 - 26rV 11 rent] s 4 - 10 70 - 68 + 2' I Vital manuf. 6 1 7 9 - 25 - 161 de metal 3 - 11 10 - 79 - 69I ^rods. elétricos •> - 12 11 - 54 - 43IPv'lat. de transporte 4 - 10 41 - 83 - 42Jv-'Ioveis 4 - 10 5 - 26 -21!F*apéis e prods. 5 1 3 41 - 43 _ 7C o u r o e prods. 9 - 5 198 - 63 + 135í=*rod. químicos 9 1 4 70 - 11 + 59I -ubrificantes 10 - 4 116 - 11 + 105JV'laquinario 3 - 11 18 - 59 -41±— ertilizantes 6 - 8 130 - 67 + 631 êxteis 3 - 11 10 - 92 - 82

1 3 ebidas 4 7 8 42 - 43 - 11 'iikIs. alimentícios 6 - 8 30 - 35 - 5C"alcário e silicatos 5 1 8 37 - 26 + 11Iv-ladeira e prods. 6 1 7 111 - 58 + 53I=*rods. de borracha 3 1 10 44 - 75 -311 * rods, plásticos 6 - 8 39 - 55 - 16F 2:oupas 2 - 12 II - 122 - 111C alçad o s 4 - 10 25 - 126 - 101F u m o 7 - 7 61 - 46 + 15T o ta l 127 9 200 1.391 1.492 - 101

^ Números absolutos das vezes em que o setor esteve acima, igual ou abaixo do aumento geral de preços. ^ Pontos acumulados acima ou abaixo do aumento geral de preços no período 1971-84 e posição líquida.

Calculado com base cm datlos da Conjuntura Rtonômica.

CD mecanismo propagador da inflação

Houve dois tipos básicos de mecanismos de propagação de inflação na economia z>rasileira. O primeiro consistia na capacidade de vários setores em repassar os aumen-t o s de custos rapidamente (devido a preços de energia, de salários ou de taxas de juros Trtaiores) aos preços de seus produtos. O segundo resumia-se na capacidade de se > t> ter uma compensação, por parte do Estado, pela redução da renda devido à infla-ç ã o , através da indexação e pela disposição das autoridades monetárias em expandir :* crédito.

Com relação ao primeiro, a estrutura oligopolista de grande parte da indústria b rasile ira e a atitude permissiva do órgão controlador de preços do Brasil facilitaram

1 5 0

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o repasse ao consumidor dos aumentos de custos ocasionados por quaisquer choques de oferta.12 A Tabela 7.3a apresenta uma estimativa do grau da concentração econô-mica em várias indústrias brasileiras. Comparando as informações ali contidas com as variações dos preços setoriais relativos, mostradas na Tabela 7.2, observa-se uma possível relação entre elas e a concentração de mercado. A indústria têxtil, por exemplo, per-tence a um dos setores menos concentrados e ficou defasada quanto aos preços rela-tivos; por outro lado, setores altamente concentrados, como os de plásticos, produtos químicos e materiais de transporte, apresentaram, na média, um bom desempenho em relação ao aumento do nível geral de preços. A Tabela 7.3b mostra os resultados de correlações entre índices de concentração e as variações de preços setoriais relativos em 17 setores e em oito anos diferentes. Houve quatro exemplos de correlação que se encontravam acima do valor crítico ao nível de 5%.

O segundo mecanismo de propagação consistia em garantias do governo para per-das ocorridas devido à inflação, dentre as quais as que mais se destacaram foram a indexação de instrumentos financeiros (especialmente de obrigações do governo), a provisão de crédito subsidiado à agricultura e o uso de recursos especiais extra-orça- mentários por parte de instituições financeiras oficiais para apoiar programas extraor-dinários de subsídio ou para socorrer determinados bancos ou empresas, aspecto que será discutido mais adiante. Deve-se enfatizar, entretanto, que, embora esse tipo de mecanismo não tenha exercido efeitos diretos sobre preços específicos, ele afetou o nível de preços através da geração de dinheiro novo para alimentar o sistema em geral.

Com a introdução da indexação salarial em 1979, estabeleceu-se um outro instru-mento potencial de realimentação automática. Esse, porém, é um tema controvertido. Antes de 1979, os salários eram ajustados em uma base anual através do uso de fórmulas que sistematicamente subestimavam as taxas de inflação previstas, empur-rando os salários para baixo e, conseqüentemente, diminuindo o impacto inflacionário dos custos de mão-de-obra. Além disso, um aumento da inflação sem mudanças na periodicidade dos ajustes salariais também reduzia o nível salarial." No final de 1979, uma nova lei salarial exigiu reajustes semestrais automáticos e introduziu uma fórmula de ajuste destinada a produzir uma distribuição de renda mais equilibrada. Trabalha-dores de baixa renda que auferiam até três salários mínimos obteriam um reajuste de 110% da taxa de inflação; os que recebiam entre três e sete salários mínimos teriam um reajuste de 100% e os pertencentes a categorias mais elevadas teriam direito a ajustes inferiores ao aumento geral de preços. Mudanças posteriores nas leis salariais reduziram gradualmente a indexação contida nos ajustes semestrais.34

Os dados disponíveis não proporcionam um quadro claro do comportamento dos salários até 1979. As informações contidas no Apêndice (Tabela A5) indicam que o salário mínimo real caiu depois de 1973 e se recuperou somente no final da década de 1970. Por outro lado, os salários médios reais na indústria pesada ultrapassaram a inflação em todos os anos, exceto 1979, mas caíram violentamente após 1982. Além disso, o crescimento dos salários reais na indústria de São Paulo parece, com exceção de 1979, ter sido positivo até 1983. Entretanto, essas mensurações dos salários médios referem-se a grupos de mão-de-obra muito especializados. Compa-rando os salários mínimos reais e mesmo esses outros indicadores salariais, ter-se- ia a impressão de que, durante a década de 1970, os salários não representaram uma

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Page 143: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 7.3Estatísticas de indicadores de concentração, 1973-83

(a) Brasil: índice de concentração industrial (participação do faturamento do setor pelas 8 maiores empresas)

1973 1977 1980 1983Minerais não-metálicos 62,6 56.0 28,5 29,1Prods de melai 47.5 50.4 36,0 42,4Maquinário 37,1 39,0 323 31.6Mat. elétricos e comunic. 53.2 52,2 37,1 37,7Equipamento de transportes 82,4 82,5 583 61,8Prods, de madeira 35,0 41,8 44,3 48,5Móveis 70,3 56.4 473 54.7Prods, de papel 36,7 39,5 35.1 45.2Borracha 79,0 78,6 83,3 80.6Couro e produtos 57.2 72.5 51.7 44,5Produtos químicos 74,2 73,2 71,6 72,4Farmacêuticos 52,0 47,0 49,9 64,0Perfumes/sabonetes/vel as 68.9 83,3 86.0 84,6Produtos plásticos 31,3 50,6 45,6 43.1Têxteis 22 7 25,3 15,8 19.1Roupas e calçados 49.0 47,2 47,3 46.6Produtos alimentícios 57,9 53,5 26,5 30,4Bebidas 69.7 57,8 58,6 53,6Fumo 100.0 100,0 100,0 100,0Editora e gráfica 70,1 67,3 47,3 55,9Diversos 63,3 59.8 40,4 45,2

Média 58,0 59.1 49,7 52,0

(b) Correlação de índices de concentração e variação de preços relativos

1974 C& 1974 P ,07231974 C & 1975 P .4901

1977 C & 1977 P ,5522

1977 C & 1978 P ,4388

1980 C& 1980 P -.1251

1980 C & 1981 P ,4987

1983 C & 1983 P .0368

1983 C & 1984 P -,2684

C = índice de concentração; P = aumento de preço relativo.Valor crítico unicaudal = ,05.

Fonte: Calculado com base em vários exemplares de '‘Quem é quem na economia brasileira”, da Revista Visão.

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variável dominante no processo inflacionário, especialmente ao se levar em conta o s ajustes anuais que, nesses anos de inflação rapidamente crescente, reduziram os salários reais da maioria dos trabalhadores. A indexação de 1979 foi introduzida no final daquele ano e, portanto, dificilmente pode ser responsabilizada pelo extraordi-nário salto da inflação naquele período, de maneira que a política salarial não repre-sentou um forte agente propagador de inflação.”

Aspectos monetários do processo inflacionário

A inflação não pode instalar-se a menos que seja validada por um crescimento sig-nificativo dos meios de pagamento e/ou pela velocidade de sua circulação. Vamos, portanto, examinar o aumento das várias medidas de moeda no Brasil e suas origens.

Pode-se observar na Tabela 7.4 que a taxa de crescimento dos meios de pagamento reais (M() tem sido negativa desde 1976, isto é, a expansão nominal dos meios de pagamento tem sido menor que a taxa de inflação. A expansão de M, (que inclui M, + depósitos à vista e depósitos a prazo na Caixa Econômica) foi negativa apenas em quatro anos durante o período de 1973-84, e a de M. (que inclui M, + todos os demais depósitos de poupança) somente em três anos. O crescimento real da base monetária foi negativo em 1974, mas foi positivo durante o restante da década e tomou-se nega-tivo somente em 1980-83. Finalmente, o crescimento real do crédito tornou-se negati-vo de 1979 em diante, quando do salto para a inflação de três dígitos.

O crescimento real negativo de M tem sido atribuído ao declínio na demanda por moeda enquanto a inflação continuava a acelerar. Houve uma troca para a quase-moe- da, parte da qual, como a poupança, os depósitos a prazo fixo e os títulos do governo — que adquiriram uma liquidez cada vez maior -, era indexada de acordo com a inflação. Esses fatos explicam o comportamento de M, e M,. Também é digno de nota o fato de que o ativo monetário do sistema financeiro (moeda corrente e depósitos à vista) caí-ram de 43% em 1972 para 10% em 1984. Assim, o “ganho do imposto inflacionário para as autoridades monetárias (que é a taxa da inflação vezes o valor real da base monetária ou o passivo de custo zero das autoridades monetárias), para qualquer nível de inflação, tem sido correspondentemente reduzido”.’5 A medida que a inflação cres-ceu na década de 1980, a velocidade da circulação de M também aumentou, o que se refletiu em um decréscimo da base monetária em relação ao PIB de 7,0% em 1979 para 3,9% em 1984.37

O contínuo crescimento da base monetária durante a década de 1970 tem sido atri-buído aos aportes de capital estrangeiro e às atividades extra-orçamentárias especiais por parte do governo, financiado com a colaboração do Banco Central e do Banco do Brasil para compensar certas atividades através do que foi chamado eufemisticamente de conta de movimento.

Para compreender esses fatos, é preciso analisar o orçamento do governo. No de-correr dos anos, criaram-se três diferentes orçamentos públicos no Brasil. Há o orça-mento fiscal normal, proposto pelo Executivo e submetido à avaliação do Congresso e que, conforme mostra a Tabela 7.5a, tem apresentado uni superávit desde 1973. Aí não estão incluídos os orçamentos consolidados de empresas estatais e o orçamento

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Page 145: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 7.4Taxa nominal de crescim ento da m oeda e do crédito, 1971-87

Meios de pagto.

M,Base

monetária

Meios de pagto.

m 2

Meios de pagto.

\1 }Crédito

bancário

índice Gerai de Preços

inflação

1971 32,3 36,3 - - 45,5 18,71972 38,3 18,5 - - 41,6 16,81973 47,0 47,1 - - 55.5 16,21974 33,5 32,9 32,8 40,3 55.5 33,21975 42,8 36,4 47,7 54,3 56,3 30,11976 37,2 49,8 37,2 48,2 57.9 48,21977 37,5 50,7 48,0 52,2 51.1 38,61978 42.2 44,9 49,3 53,0 49.6 40,51979 73.6 84,4 75,5 77,2 65.0 76,81980 70,2 56,9 65,7 72,3 73.0 110,21981 87.2 78,0 104,7 120,1 107,3 95,21982 65,0 87,3 83,8 100,9 110.8 99,71983 95,0 96,3 135,5 170,2 151,6 211,01984 203,5 243,8 257,9 253,4 205,3 223,81985 328,2 202,8 287,5 265,4 265.1 235,11986 306,7 293,4 186,0 124,9 119.2 58,51987 133.3 181,5 163,4 274,2 282,0 396,0

Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim MensaL Conjuntura Econômica.

monetário (alguns chamariam isso de um programa para a base monetária), refletindo as atividades do Banco Central e do banco comercial oficial, o Banco do Brasil. Este último não tem exigências de reservas e seus passivos monetários são, conseqüen-tem ente, parte da base monetária. Como não há disponibilidade de informações com-pletas sobre receitas e despesas do setor público,’8 o saldo geral pode ser obtido dos empréstimos realizados pelo governo nas fontes internas e externas, mostradas na Ta-bela 7.5b e c. É óbvio que itens não-incluídos no orçamento normal - como recursos para cobrir o déficit de empresas estatais, financiar programas especiais do governo e compensar a indexação (para pagar a correção monetária) - produziram necessidades financeiras (ou déficits) que aumentaram de Cr$ 507 milhões em 1979 para Cr$ 79,4 trilhões em 1984.

O Brasil desenvolveu um arranjo institucional peculiar (o orçamento monetário) que permite ao governo contornar o orçamento fiscal convencional. O Banco do Brasil <o banco comercial cuja maioria de ações pertence ao Estado e que exerce cercas fun-ções oficiais) é o principal fornecedor de crédito rural que, até 1984, era concedido a taxas de juros altamente subsidiadas. Quando os depósitos do Banco do Brasil não são suficientes para atender às necessidades de seus clientes (especialmente na agricultu-ra), ele pode recorrer ao Banco Central em busca de recursos, cuja transferência tem

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Page 146: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 7.5 Financiam ento do governo, 1973-85

(Cr$ bilhões)(a) Orçamento do Governo Central

Receitas Despesas SaUio1973 52,9 52,6 0.31974 76,8 72,9 3.91975 95.4 95,4 01976 166,2 165,8 0.41977 242,9 241,8 1.11978 349,2 344,3 4.91979 509,8 507,8 2,01980 1.219,4 1.217,4 2,01981 2.262,0 2.258,9 3,01982 4.617,8 4.611.2 6,61983 11.335.5 11.301,2 34.31984 33.788.0 33.766.0 22,01985 134.464,0 121.209.0 13.255,0

Fonte: Conjuntura Econômica.

(b) Financiamento do setor público não-financeiro (milhões de Cr$)

1979 1980 1981 1982 1983 1984Financiamento total 507 927 3.35 1 8.385 22.382 79.388Financiamento doméstico 356 S74 2.993 7.107 22.023 75.908Gov. Central 161 384 230 2.831 5.345 28.003Gov. Estadual & local 73 133 735 2.!130 7.337 24.468Empresas estatais 152 254 1.104 2.396 10.518 27.795Órgãos descentralizados 5 30 17 250 734 1.916Fundos da previdência social -10 -42 -113 199 -125 767Fundos e programas*' -53 -105 94 -263 -1.866 -7.041Financiamento externo 151 53 357 1.278 359 3.480

* Inclui financiamento e recursos diretos do Banco Central canalizados através de outras instituições financeiras consolidadasnas contas do sistema bancário.

Fonte: Banco Central do Brasil.

(c) Percentagem do PIB1979 1980 1981 1982 1983 1984

Financiamento total 8,1 7,1 12,5 15,8 18,5 20.5Financiamento doméstico 5,7 6.7 11,2 14,0 18,3 19.6Sistema bancário 5,2 5.0 7,7 14.0 18,2 21.4Privado* 0,5 1,7 3,5 0.1 -1,8Financiamento externo 2,4 0,4 1,3 1.8 0.2 0,9Financiamento total 8,1 7,1 12,5 15.8 18,5 20,5Operacional 3,0 3,6 6.0 6.6 1,9 -0,2Correção monetária 5,1 3,5 6,5 9,2 16,6 20,7

* Participação do setor privado na dívida pública. Fonfe: Banco Central do Brasil.

Page 147: Economia Brasileira - Werner Baer

sido chamada de conta de movimento.w O Banco Central, por sua vez, tem estado direta-m ente envolvido no fornecimento de recursos especiais destinados ao setor financeiro,

empresas de exportação e à compra de moeda estrangeira. Caso seus recursos não sejam suficientes para atender a tais obrigações, ele emite mais moeda.*'

Como veremos na Tabela 7.6, os empréstimos concedidos pelo Banco do Brasil, os créditos ao setor financeiro e as operações com moeda estrangeira têm sido as principais fontes de expansão da base monetária. Mário H. Simonsen, ex-ministro da Fazenda e Planejamento do Brasil, frisou esse ponto muito sucintamente:

O sistema m onetário brasileiro é muito peculiar e possui uma tendência incorporada em direção à expansão dos meios de pagamento. H á m uito se reconhece que é difícil evitar a inflação quando o governo federal tem a autoridade de em itir moeda para financiar seus déficits, principalmente se essa autoridade pode ser exercida independentem ente da aprovação do Congresso... E ainda mais difícil d e evitar a inflação se o governo pode criar moeda não só para financiar seus déficits, mas também para estender empréstimos subsidiados ao setor privado. Esse é, fundam entalmente,o caso do Brasil.41

Como percentagem do PIB, as necessidades totais de financiamento do setor pú-blico brasileiro aumentaram de 8,1% em 1979 para 20,5% em 1984. Como se pode observar na Tabela 7.5, o financiamento veio do sistema bancário, o que representou a criação de uma quantidade significativa de moeda. Finalmente, na Tabela 7.5c, é feita uma distinção entre o déficit “operacional” e a parte do déficit resultante da indexação da dívida a pagar. O primeiro pode ser mais facilmente controlado pelo governo do que o segundo, visto que as exigências de indexação aumentam automaticamente com a inflação. Nota-se na Tabela 7.5c que o orçamento operacional foi controlado após1982, tendo as exigências de financiamento caído de 6,6% do PIB para -0,7%, o que indica um superávit. O financiamento por indexação, entretanto, aumentou regular-mente, atingindo quase 21% do PIB em 1984.

O processo inerente ao orçamento autoritário do Brasil

É um fenômeno curioso que o regime pós-1964, que justificou sua tomada do po-der em parte em nome da responsabilidade fiscal, tenha desenvolvido mecanismos de política que tornaram as despesas extra-orçamentárias através da criação de moeda re-lativamente fáceis.

Antes de 1964 existiam grandes déficits e o governo se voltou para as instituições que, juntas, engendraram o sistema monetário e de controle e emitiram a moeda ne-cessária para cobri-los. Ao mesmo tempo, não havia um mercado financeiro adequado pelo qual o governo poderia financiar seus déficits de modo não-inflacionário, através da emissão de obrigações (visto que a indexação foi introduzida somente em meados da década de 1960). Mas, ao menos, o processo de gastos passou formalmente pelo do braço legislativo do governo.

Após a mudança de regime em 1964, ocorreram importantes reformas financeiras institucionais — a criação do Banco Central, a expansão do Sistema do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a criação do Banco Nacional da

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Tabela 7.6Principais forças de expansão e retração

que influenciam a base monetária, 1973-84 (variações anuais em bilhões de cruzeiros )

1973 1974 1975 1976 1977 1978Base monetária 13,1 13,4 19,7 36,8 56,1 75,0

Forças de expansãoCréditos ao setor financeiro 4,9 20,4 26,6 38.6 53,8 -4 ,4

Financiamento de produtos de exportação de manufaturados 0.4 0,8 4.0 5,4 7.6 7,7

Empréstimos do Banco do Brasil 15.8 37,3 53.5 85.1 110.4 117.9

Empréstimos ao setor rural 7.6 19,1 29.6 42,8 54.9 56.4

Operações líquidas em moeda estrangeira 14.4 1,0 -1,3 42.2 21.7 103,3

Operações especiais do Governo Federal - - - - - -

1979 1980 1981 1982 1983 1984Base monetária 204.0 253,6 488,7 1.031,2 1.978,0 1.0647,7

Forças de expansãoCréditos para o setor financeiro 31,4 90.3 274.3 379.3 833,1 3.693,5

Financiamento de produtos de exportação de manufaturados 16,3 33,9 183.7 374,1 386.7 260,0

Empréstimos do Banco do Brasil 291,5 496.3 842.8 1.462,5 3.397,6 9.033,8

Empréstimos ao setor rural 149.8 269.1 426.5 764,5 1.368,4 4.903,0

Operações líquidas em moeda estrangeira 72,2 132.9 238,1 -225,8 -3.636.1 -3.284,0

Operações especiais do Governo Federal - 132,4 75,0 195,0 1.845,2 • -

1973 1974 1975 1976 1977 1978Forças de retraçãoEmissão de títulos 2,4 0.6 16,3 21,1 -0,7 7,8Fundos e programas especiais 7,5 8,1 11.4 18.8 30,9 18,9

Banco do Brasil e CentralRecursos bancários 7,0 19.5 22,1 34,4 51,3 29,3

Depósitos diversos 3,2 5.0 15,9 33,7 55,3 115,2

em moeda estrangeira - - 0,4 0,4 48,7 91,8

1979 1980 1981 1982 1983 1984Forças de retraçãoEmissão de títulos -61.8 5.9 551,6 -217,6 -2.290.0 9.830,4

Fundos e programas especiais 13,1 97.8 2,1 173,6 1.809.6 -Banco do Brasil e Central -

Recursos bancários 69,4 -7,2 -141,2 -114,9 -682.0 -Depósitos diversos 225,3 225,5 973,9 1.250,9 9.296.8 -

em moeda estrangeira 200,2 251,2 869.1 812,3 8.543,2

Fontes: Banco Central do Brasil, Boletim Mensal: MARQUES, Maria Sílvia Bastos. “Inflação, política econômica, mecanismos de realimentação e choques de oferta". Rio de Janeiro, Fundação Getúiio Vargas, 1984, p. 25.

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Habitação (BKH) e a criação da indexação. É interessante notar que essas reformas, em vez de reduzir a função do Banco do Brasil como autoridade monetária, realmente a intensificou.42

Uma característica da nova ordem era o uso de conselhos interministeriais para to-m ar decisões-chave sobre planos de longo prazo e questões monetárias e fiscais de curto prazo. O mais destacado foi o Conselho Monetário Nacional (CMN), criado no final de 1964 - começando a funcionar em 1965, e que se tornou cada vez mais pode-roso no final da década de 1960 e no início da de 1970. Sua composição mudou ao longo do tempo, mas ele era geralmente presidido pelo ministro da Fazenda (embora por um curto período de tempo o ministro do Planejamento tenha assumido essas funções) e o quadro de seus membros consistia em altos funcionários do governo na área econômica, o presidente de instituições financeiras federais (incluindo o Banco Central e o Banco do Brasil) e representantes do setor privado. As decisões do CMN referem-se a todos os aspectos do orçamento monetário. Baseando-se na própria expe-riência, Mário H. Simonsen escreveu:

Um ministro da Econom ia forte e determ inado pode administrar o orçam ento monetário com algum sucesso... Para um ministro menos decidido, o orçamento m onetário não passa de uma formalidade, visto que pode ser revisto a qualquer momento pelo Conselho M onetário Nacional e que a maioria de seus membros são funcionários públicos federais. A lém disso, mesmo que o orçamento não seja revisto e seus tetos sejam am plam ente desrespeitados, ninguém é penaliza-do. N a prática, vários gastos e subsídios públicos podem passar pelas contas monetárias escapan-do, dessa maneira, ao orçam ento fiscal que está sujeito à aprovação do C ongresso.4'

Embora o poder relativo do CMN tenha diminuído um pouco durante os anos do governo Geisel, no final da década de 1970, início da década de 1980, tornou a assumir uma posição de domínio. Na verdade, nesse último período houve alguma centraliza-rã o dentro do CMN; seu conselho geral, que então era composto de 24 membros, era consultado com menos freqüência. A maioria das decisões era tomada por cinco mem-bros centrais, com a justificativa de se ter de tomar decisões rápidas para lidar com a crise da dívida/inflação que prevalecia na década de 1980.44

Indexação

O papel da indexação tem gerado consideráveis controvérsias.4 A indexação de instrumentos financeiros foi introduzida na era pós-1964 para evitar algumas das distorções causadas pela inflação (desestímulo à poupança devido às taxas de juros reais negativas; impossibilidade para o governo vender títulos para cobrir déficits; descapitalização de empresas devido ao uso de custos históricos na depreciação) a fim de possibilitar ao governo o financiamento de seus déficits de maneira não-inflacioná- ria e estimular a poupança. Na segunda metade da década de 1960 e no início da de 1970, a indexação pareceu mostrar resultados positivos e coexistiu com um declínio regular da inflação.46

Em meados da década de 1970, a inflação tornou a subir, muitos aspectos nega-tivos da indexação começaram a surgir e/ou se ampliaram: (a) como somente os instru-

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mentos financeiros do governo ou por ele apoiados eram indexados, havia uma ten -dência por parte dos aplicadores em empregar seus recursos naquele setor, acarre-tando condições restritas de crédito no setor privado (que não emitia títulos indexados) e, dessa forma, obrigando o governo, através de suas instituições financeiras, a injetar dinheiro em vários setores (os programas especiais do Banco do Brasil e do Banco Central antes mencionados); (b) a indexação do crédito imobiliário fez com que muitos mutuários, cujos reajustes salariais estavam defasados em relação ao aumento de pre-ços, ficassem numa posição precária, ocasionando um crescente núm ero de inadimplências e (c) quando a inflação começou a crescer, depois de 1973, uma par-cela cada vez maior das necessidades de empréstimos do setor público surgiu por causa do pagamento da “correção monetária”.47

A indexação de instrumentos financeiros e contratos, além dos métodos contábeis, não foi considerada inflacionária na década de 1960 e começo da década de 1970 por-que a maioria dos outros preços não estava indexada, o que evitou uma luta por partici-pação na renda. Durante muitos anos os salários estiveram defasados em relação aos preços e até 1979 houve poucas tentativas verdadeiras para indexá-los. Além disso, até o hnal da década de 1970, permitia-se um certo grau de supervalorização da taxa de câmbio, e, antes do choque do petróleo e de outros choques externos, a luta por parti-cipação na renda (levando a formas adicionais de indexação) era relativamente m ode-rada. Uma vez que a “luta por participação na renda” se instalou, a economia se tornou cada vez mais indexada, o que significava que o mecanismo de propagação da inflação se tornara cada vez mais dominante.48

Com os choques externos da década de 1970, a indexação financeira se tornou uma força inflacionária duplicada. Ela agia como um elemento de pressão de elevação de custos sobre as empresas e sobre os indivíduos que haviam tomado empréstimos indexados, e sua crescente relevância nas contas do governo produziu um aumento nos déficits do orçamento do setor público.

Na década de 1980 houve muita controvérsia entre o governo brasileiro e o FMI devido ao seu déficit orçamentário total - a “Exigência de Financiamento do Setor Público” (PSBR)*, que incluía ajustes devido à inflação (recursos necessários para pagar obrigações indexadas e de moeda estrangeira). Primeiramente, o FMI insistiu em uma avaliação básica da política e do desempenho do sucesso das medidas para controlar o PSBR. As autoridades brasileiras, entretanto, queriam basear as avaliações de programas no déficit operacional; elas alegavam que o PSBR, com seus ajustes à inflação e ajustes cambiais tornavam-no pouco útil como indicador do desempenho fiscal real. Embora o FMI tenha acabado por concordar em usar o déficit operacional como critério de desempenho fiscal, o problema relacionado ao contínuo crescimento do PSBR persistiu, pois ele tinha de ser financiado pelas autoridades monetárias, fontes externas ou pelo público.

Com um mercado saturado em um ambiente inflacionário, as taxas de juros reais aumentaram e as necessidades de empréstimo para a dívida indexada cresceram. Assim, a longo prazo, o PSBR brasileiro não era sustentável e não podia ser controlado

* PSBR — Public Sector Borrowing Requirement.

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pela redução do déficit operacional. Esse foi o dilema com que depararam as autori-dades brasileiras em meados da década de 1980. Políticas monetárias mais brandas causariam inflação, da mesma maneira que outras, mais severas, gerariam taxas de juros mais elevadas, o que poderia ser traduzido em maiores necessidades de finan-ciamento do setor público. Essa situação inevitavelmente conduziu à reconsideração sobre a conveniência da continuação da indexação, que poderia resultar em um pro-grama semelhante ao de Francisco Lopes, antes mencionado.

A medida que disparava a inflação do final das décadas de 1970 e de 1980, falava-se cada vez mais em controlar, ou até abolir, a indexação financeira como fator necessário a um programa de estabilização, fato que, porém, suscitou várias questões perturbadoras.41 Como muitos títulos indexados do governo foram comprados por instituições que rece-biam a poupança forçada dos trabalhadores, qualquer tentativa de desindexação sem o fim imediato da inflação implicaria uma expropriação de facto do capital desses trabalha-dores. A desindexação também ameaçaria a poupança do país, visto que os depósitos não-indexados das instituições financeiras deixariam de ser atraentes para os depo-sitaries.*' A desindexação iria redistribuir os ativos e a renda não só dos poupadores para o governo como também aos tomadores de empréstimos indexados, tais como dos deve-dores individuais do Banco Nacional da Habitação (BNH) ou empresas em débito com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).51

Controlando a inflação pela manipulação de índices

A partir da década de 1970, foram feitas muitas tentativas de controlar as taxas de inflação pela manipulação de índices. O índice de custo de vida, em que se baseavam os reajustes salariais, era expurgado de “acontecimentos acidentais”. Isto é, aumentos de preços causados por acontecimentos “incomuns e não recorrentes”, como secas ou choques de preços externos, eram expurgados do índice de preços. Desde junho de1983, cinco índices básicos de preços foram sujeitos a ajustes. Comparando o índice regular com o expurgado, observamos que em 1984 o índice Geral de Preços ajustado aumentou 203% comparado ao aumento não-ajustado de 221%; o índice de preços de atacado ajustado aumentou 209%, comparado com a elevação de 233% não-ajustada, e o índice de custo de vida ajustado do Rio de Janeiro subiu 190%, em relação aos 197% do não-ajustado.5-Também ocorreu alguma manipulação no índice usado para a corre-ção monetária. O índice empregado nas dívidas indexadas do governo ficou freqüente-mente defasado em relação ao índice geral de preços (ver Tabela 7.1). Esses fatos representaram uma redistribuição de renda e de ativos, em favor do governo, e dos devedores indexados como os clientes do Banco Nacional da Habitação e empresas que haviam recebido empréstimos indexados do BNDES. Os perdedores eram os pou-padores forçados e os depositantes do sistema financeiro.

A manipulação de índices nunca foi drástica o bastante (exceto em 1980)” a ponto de causar uma pronunciada redistribuição de renda e de ativos e um êxodo brutal dos instrumentos financeiros indexados. A indexação financeira, entretanto, tornou-se uma carga cada vez maior para o governo em seu orçamento monetário e, em meados da década de 1980, especulou-se se a desindexação era sine qua non para um programa de

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estabilização bem-sucedido. Contudo, dado o elevado grau de interesse que grande parte do público nutria pelos instrumentos indexados, a desindexação por si só era considerada econômica e politicamente quase impossível, a menos que fosse acompa-nhada por um período de congelamento de preços e salários.54

Controle de preços

Vale a pena notar que, durante todo o período analisado, o Brasil adotou um siste-ma de controle de preços nos setores industrial e agrícola, cuja amplitude e uso geral variaram ao longo do tempo. Em 1980, por exemplo, muitas mercadorias industriais e agrícolas foram liberadas desse controle que, em 1983, sofre novo endurecimento. E óbvio que esses controles não eram usados para eliminar a inflação. Na melhor das hipóteses, eram empregados como uma maneira de evitar uma explosão geral repenti-na de preços.51 Visto que as empresas pertencentes aos setores controlados devem justificar os aumentos de preços com base nos custos, o sistema de controle de preços evita, no melhor dos casos, um aumento excessivo, mas não se trata de um sistema que possa obrigar determinados setores a absorver choques de preços externos e internos, o que explica a existência de controles de preços ao longo da inflação.

Os preços das empresas estatais também foram usados como instrumentos para con-trolar surtos inflacionários. Essas tentativas somente exerceram impactos de curto pra-zo, uma vez que cedo ou tarde as perdas resultantes das companhias afetadas tinham de ser recuperadas por subsidiárias do governo ou por empréstimos externos, a fim de cobrir investimentos ou mesmo gastos correntes. Os subsídios obviamente aumentam as despesas do governo e, conseqüentemente, acarretam a redução do superávit orça-mentário ou a elevação de um déficit já existente, e, cedo ou tarde, quando os preços dessas empresas tiverem de ser ajustados, ocorrerá uma típica explosão inflacionária corretiva. Durante o período de 1973-83, o preço do petróleo e seus derivados esteve à frente do índice geral da inflação em quase todos os anos; em um período de onze anos, os preços da energia elétrica estiveram defasados em relação à inflação por oito anos e os preços de outros serviços públicos na década de 1980 ficaram para trás em anos de elevados surtos inflacionários (por exemplo, 1980 e 1982 — veja a Tabela 7.7).>'1

Conclusão

Esse levantamento levou-me à conclusão de que as explicações neo-estruturalistas do ressurgimento da inflação no Brasil se aproximam mais da raiz do problema do que as da escola ortodoxa, que lida mais com os sintomas do que com as causas básicas do processo inflacionário. A estrutura institucional brasileira e o comportamento de seus componentes parecem explicar a explosão inflacionária desde 1973:

a) N as décadas de 1970 e 1980 os choques internos e externos foram repassados pelo sistema de indexação e pelos poderes oligopolistas de muitos setores, que constantem ente adotavam m edi-das para manter sua parcela do produto nacional.

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T abela 7.7 Variações de preços, 1973-84

(a) Evolução dos preços dos derivados de petróleo e eletricidade, 1973-84 (variações percentuais)

Gasolina Óleo diesel Óleo comb. Eletricidade*índice Geral de

Preços1973 - - - 10,8 15,51974 104,0 49,6 54,9 31.3 34,51975 78,0 52,5 50,2 40.8 29,41976 48,1 53,9 61,5 15,7 46,31977 31,3 47,7 33,0 29,0 381978 33,3 31,4 32.1 36,1 40.81979 169.0 160.9 124,3 123.3 77,21980 125,7 66.7 404,2 79.1 110,21981 66,6 150,0 90.1 110,6 95,21982 96,5 104.0 104,3 68,9 99,71983 166,5 194,1 225,2 189,2 211,01984 202,9 224,4 228,6 - 223,8

Tarifa média.

b) Variação de preços de produtos sujeitos ao controle de preços do governo (variação percentual)

1980 1981 1982 1983 1984Tarifas de telefone 69,1 98.4 90,4 127,5 -

Carvão 77,2 248.8 174.4 120,6 -

Aço 134.0 105.9 99,0 150.1 -

Serviços de correio e telégrafo 56,3 140,0 101,2 88,1 -

Ferrovias 79.4 112,1 98,2 152,6 -

Portos 50,5 135,8 126.3 121,0 -

índice Geral de Preços 110.2 95,2 99,7 211,0 228,8

^ ’ontes: MARQUES, Maria Sílvia Bastos. "Inflação, política econômica, mecanismos de realimentação e choques de oferta’’.Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1984, p. 92; Conselho Nacional de Petróleo, Anuário Estatístico, 198.}; Banco Central do Brasil, Brazil - Economic Program: Interna! and Externai Adjustment, vol. 3, mai./l984; Banco Central do Brasil, Boletim.

b) Por motivos políticos, o governo não pôde aceitar a recessão a té o início da década de 1980 e, dessa forma, apoiou consistentemente os projetos de investimentos privados e estatais.c) Os salários não podiam ser arrochados da mesma forma que ocorreu na década de 1960.d) Através de um arranjo fiscal-monetário (orçamento monetário), o Estado poderia evitar deci-sões distributivas duras, o que era conveniente no contexto de u m a abertura política, duran te a qual era desejável evitar confrontos diretos.

e) Tornou-se cada vez mais claro que a indexação colocara o governo num a armadilha - como uma crescente parcela de seus gastos consistia em encargos financeiros (juros + correção m onetá-ria), ele tinha de financiar o déficit criando mais moeda ou recorrendo aos mercados financeiros apostando na alta das taxas de juros e aum entando o custo da própria dívida, ao mesmo tem po em que descapitalizava o setor privado.

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Houve vários problemas com as soluções ortodoxas recomendadas pelo FMI, o maior dos quais foi a pressuposição incorreta sobre a maneira pela qual funciona a economia — mercados competitivos, flexibilidade de preços - e as complicações de se perseguirem políticas tradicionais em uma economia indexada. Como resultado final, na década de 1980 as políticas do FMI produziram uma grande recessão sem resolver o problema in-flacionário do Brasil. E por esse motivo que mais políticas não-ortodoxas semelhantes às sugeridas por Bresser Pereira/Nakano e Lopes foram finalmente adotadas.

Notas

1. Veja Capítulo 5.2. BAER, Werner. “The Inflation Controversy in Latin America”, hi: Latin American Research Review,

primavera 1967.3. Conjuntura Econômica. mar./1985, p. 13.4. LEA1GRI BER. Antonio Carlos. “Real Output-inflation trade-offs, monetary growth and rational

expectations in Brazil, 1950/79“. hr. Brazilian economic studies, nl! S. Rio dc Janeiro, 1 PEA/I NPES, 1984, p. 70.5. CONTADOR, Cláudio R. “Crescimento econômico e o combate à inflação”. Revista Brasileira de

Economia, jan./mar., 1977, p. 163.6. Idem. “Reflexões sobre o dilema entre inflação ecrescimento econômico na década de 80” . Pesquisa

e planejamento econômico, abr./1985, p. 40-1.7. BARBOSA, Fernando de Holanda. A inflação brasileira no pós-guerra. Rio de Janeiro, IPEA/INPES,

1983, p. 222.8. BRESSER PEREIRA, Luiz C. & NAKANO, Yoshiaki. Inflação e Recessão. São Paulo, Brasikense,

1984: LOPES, Francisco Lafaiete. “Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjeturas ”. Revista da ANPEC 7, n ' 8, nov./1984, p. 55-71.

9. BRESSER PEREIRA & NAKANO, op. cit., p. 19-20; LAGO, 1.. A. Correa do, COSTA. M. H., BATISTA, Jr., P. NOGUEIRA, & RYFF, T B. B. O combate à inflação no Brasil. Rio de Janeiro. Paz e Terra,1984, p. 32-3.

10. BRESSER PEREIRA & NAKANO, op. cit., p. 25.11. Idem, ibid.12. Idem, ibid., p. 2728.13. LAGO. Correa do etal., op. cit., p. 29.14. BRESSER PEREIRA & NAKANO, op. cit., p. 30.15. Idem, ibid., p. 62.16. Idem, ibid., p. 37.17. Idem, ibid., p. 66-7.18. Idem, ibid., p. 39-40.19. Idem, ibid., p. 27.20. Idem, ibid., p. 51.21. Idem, ibid., p. 52.22. LOPES, op. cit.; veja também RESENDE, André Lara & LOPES, Francisco L. “Sobre as causas da

recente aceleração inflacionária”. In: Pesquisa e Planejamento Econômico, abr./1983: LOPES, Francisco L. e MODIANO, Eduardo. “Indexação, choque externo c nível de atividade: notas sobre o caso brasileiro” . In: Pesquisa e Planejamento Econômico, abr./1983.

23. BRESSER PEREIRA & NAKANO, op. cit., p. 56.24. Idem, ibid., p. 58.25. Idem, ibid, p. 58.

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26. Idem, ibid.. p. 64-5.27. Veja Cap. 6. BRESSER PEREIRA & NAKANO, op. cit.. p. 25, 37, 62, também apresentam a inter-

pretação da luta por participação na renda para o ressurgimento inflacionário nos anos de 1974 a 1979. Veja também: BAE R, Werner. “Social aspects of Latin American inflation’'. In: Latin America: The crisis o f the eighties and the opportunities of the nineties* (org.) \Y. Baer, J. Petry e M. Simpson. Champaign, BEBR, 1991, p. 45-64.

28. O quadro salarial na década de 1970 está longe de ser claro. Houve muitas diferenças setoriais e divergências na mensuração dos salários que mostram uma queda dos salários reais até 1976. Veja SMITH, Russel E. ‘‘Wage indexation and money wages in Brazilian manufacturing, 1964-1978". Tese de doutorado» Urbana-Champaign, Universidade de Illinois, 1985, cap. 5, e MACEDO, Roberto. ‘‘Wage indexation and inflation: the recent Brazilian experience'’. In: Inflation, debt, and indexation. Rudiger Dornbusch e Mário H.Simonsen. (orgs.), Cambridge, Massachussets, M IT Press, 1983, p. 133-159.

29. Embora o lento ajuste se tenha mantido relativamente proximo ao diferencial da taxa do Brasil e de seus parceiros comerciais durante a década de 1970, pode-se argumentar que na época do primeiro choque do petróleo a taxa cambial já estava supervalorizada. Além disso, visto que no final dessa década os Estadosl nidos pressionaram o Brasil para eliminar seu programa de incentivo às exportações, tornava-se cada vez mais necessário ao país compensar essa situação através de uma taxa de desvalorização maior.

30. MARQUES, Maria Sílvia Bastos. “Inflação, política econômica, mecanismos de real i mentação e cho-ques de oferta: 1973-83*’. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, IBRE, set./1984, p. 79-81. Outra versão desse estudo foi publicada com o título de “Aceleração inflacionária no Brasil: 1973-82*. In: Revista Brasileira de Economia, 39, n- 4, out./dez./1985, p. 343-84.

31. Em 1983-84, foram eliminados os subsídios às taxas de juros do crédito agrícola, o que aumentou significativamente os custos do setor e, conseqüentemente, contribuiu para a elevação dos preços agrícolas.

32. Para um debate sobre a estrutura oligopolista da indústria brasileira e o emprego que ela faz da remarcação de preços, veja BRESSER PEREIRA & NAKANO, op. cit., p. 26-7.

33. MACEDO, op. cit., p. 135.34. MARQUES, op. àt.y p. 83-4.35. MACEDO {op. cit., p. 150) demonstra claramente que o órgão controlador de preços d» governo foi

bastante indulgente em permitir que os aumentos de custos fossem repassados como preços mais elevados, incluindo os salários. Mas ele também constata que a nova lei salarial do final de 1979 não foi um indicador de inflação. Outro pesquisador chegou à mesma conclusão em uma investigação mais economctrica c formal: CAMARGO, José Mareio. "Salário real e indexação salarial no Brasil: 1969/81”. In: Pesquisa e Planejamento Econômico, abr./1984, p. 137-60.

36. KNIGHT, Peter T. “Brazil, deindexation, economic stabilization, and structural adjustments”. Wash-ington, D. C., World Book, 5 jul./1984, p. 34 (mimeografado).

37. Um elemento que também influenciou os meios de pagamento foi a possibilidade de os credores da dívida externa depositarem o dinheiro emprestado no Banco Central (de acordo com a Resolução 432 do Banco Central e a Circular 320 - referente aos empréstimos externos diretos às empresas regidos pela Lei 4.131 — e empréstimos a intermediários financeiros - Resolução 63). As empresas podiam efetuar depósitos voluntários do equivalente em cruzeiros (à taxa de câmbio existente): esses depósitos poderiam ser sacados em cruzeiros à taxa de câmbio predominante. Enquanto os recursos estivessem depositados, o Banco Central assumia todas as obrigações de pagar os juros sobre os empréstimos em moeda estrangeira. Em 1977, o Banco Central tornou compulsórios os depósitos de empréstimos externos a fim de atenuar seu impacto monetário, medida que foi gradualmente abandonada. Assim, ila decisão de efetuar ou retirar depósitos voluntários ao custo do crédito em cruzeiros relativos ao custo esperado do crédito em dólares, incluindo a prevista depreciação cambial, introduziu um determinante dos meios de pagamento não-controlados diretamente pelas autorida-des monetárias. Dessa forma, quando aumenta a probabilidade de haver uma maxidesvalorização, há fortes incentivos para obter cruzeiros e efetuar tais depósitos, que têm o efeito de contrair os meios de pagamento e exercer pressões para aumentar as taxas de juros internas... Entre dezembro de 1978 e final de março de

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1984, o valor dos empréstimos estrangeiros depositados no Banco Central aumentou em 80% para US$ 12,2 bilhões, tendo um efeito redutor significativo sobre os meios de pagamento. (KNIGHT, op. rit., p. 30).

38. É interessante observar que um dos primeiros documentos oficiais de planejamento do novo gover-no. que assumiu em março de 1985, declara:

O governo federal não dispõe de um sistema de controle que lhe permita prever ou mesmo acompanhar a evolução do déficit público com um desejável grau de precisão. A precariedade das estimativas deve-se a lima grande quantidade de truques contábeis e contas abertas que permitem vários tipos de conexões entre diferentes orçamentos. (SEPLAN-PR, Presidência da República, Secretaria de Planejamento. “Diretrizes Gerais de Política Econômica: Notas para o 1 PND da Nova República"’, Brasília, mai./1985, p. 7.)

Para outra discussão sobre as dificuldades encontradas para se medir os orçamentos, veja M ARQl 'ES, op. rit., p. 34-9.

39. LAGO, Correa do etal.y op. rit. Esses autores acham que “o Banco do Brasil opera com um coeficien-te (de depósitos à vista para empréstimos) muito menor do que o dos bancos privados, o que prova que ele conta com uma fonte adicional dc recursos que é a ‘conta de movimento'...” (p. 47).

40. Idem, ibid.. p. 45; MARQUES, op. cit., p. 24-31.41. SIMONSEN. Mário H. “Inflation and anti-inflationary policies in Brazil", hr. Brazilian Economic

Studies, 8. Rio de Janeiro, IPEA, 1984, p. 8-9.42. A análise mais completa sobre essas reformas institucionais pode ser encontrada nos estudos de

M ONTEIRO, Jorge Vianna. Fundamentos da política pública. Rio dc Janeiro, IPEA/INPES, 1982, cap. 7: “L ma análise do processo dccisório no setor público: o caso do conselho de desenvolvimento econômico - 1979-81'’. In: Pesquisa eplanejamento econômico, abr./1983; "Mecanismos decisórios da política econômica no Brasil". In: Revista IBM, n® 16, jun./1983; “Organização e disfunções da política econômica” . In: Dívida exter-na, recessão e ajuste estrutural: o Brasil diante da crise. Pérsio Arida, (org.h Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.

43. SIMONSEN. op. cit., p. 11).44. Para mais detalhes, veja as obras citadas na nota 42.45. Veja Cap. 12: LOPES & MODIANO, op. cit.; BARBOSA, op. cit., cap. 2, e “Inflação e indexação",

Conjuntura Econômica, n- 4, a br./1984.46. BAER. Werner & BECKERMAN, Paul, indexing in Brazil”. In: World Development, dez./1974; e

BAER. Werner & BECKERMAN. Paul. “The trouble with index-linking: reflections on the recent Brazilian experience” . In: World Development, se t./1980.

47. Segundo o documento de planejamento do governo brasileiro, de 1985, “O pagamento de juros, de acordo com estimativas atuais, não absorve menos que 20,59£ das receitas do setor público” . (SEPLAM-PR, op. cit.. p. 10.) Veja também CARNEIRO NETTO, Dionísio Dias & MODIANO, Eduardo M. “Inflação e controle do déficit público: análise teórica e algumas simulações para a economia brasileira” . In: Revista Bra-sileira de Economia, out./dez., 1983; CARDOSO, Eliana. “Imposto inflacionário, dívida pública e crédito sub-sidiado”. In: Pesquisa e Planejamento Econômico, dez./1982; DORNBUSCH, Rudiger. “Comments". In: Inflation and indexation: Argentina. Brazil and Israel, John Williamson, (org.), Washington, D.C., Institute for International Economics, 1985, p. 52.

48. BARBOSA, op. cit., p. 29.49. K N IG H T op. cit., p. 41.50. Isso ocorreu, de fato, em 1980. No início daquele ano o governo anunciou um limite máximo para a

correção monetária para 1980 de 45%. Em 1979, a taxa de inflação havia atingido quase 11% e chegou a 110% no ano seguinte. O limite para a correção monetária deveria reduzir as expectativas inflacionárias e colocar um freio nas pressões inflacionárias provenientes daquela fonte. Isso não ocorreu, mas houve uma queda violenta nos depósitos de Caixas Econômicas e nos ativos financeiros reais de cerca de 13,2%. Como afirma Dias Carneiro, essa política ocasionou “crédito barato para despesas de consumo e para capital de giro. taxas de juros negativas reais sobre poupança pessoal, um subsídio inesperado concedido a hipotecas e devedores do Banco de Desenvolvimento...” CARNEIRO, Dionísio Dias. “Long-run adjustment, deb t crisis and the

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changing role of stabilization policies in the recent brazilian experience’’. Rio de Janeiro, PUC, jun./1985, p. 16. Mimeografado.

51. Os credores da dívida indexada do governo mudaram de meados da década de 1970 para a de 1980, como mostram os seguintes dados sobre a participação da dívida indexada de longo prazo do governo (ORTN), calculados por Luiz Chrysóstomo Filho, com base em dados do Boletim do Banco Central, Rio de Janeiro, PUC/RJ, 1985:

1975 1983

Bancos comerciais 25,97% 10,12%Banco do Brasil 3,78% 1.76%Bancos de Investimento 0,19% 0,86%Bancos Estaduais de Desenvolvimento 0,13% 0,10%Banco Nacional da Habitação (BNH) 18,74% 2,18%Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) 9,51% 2,15%Banco Central 2,85% 55,86%Caixas Econômicas 3,37%' 0,70%Entidades públicas não-financeiras 6,00% 3,34%Outros 29,46% 22,93%Total 100,0% 100,0%

52. A justificativa para o ajuste dos índices pode ser encontrada na Revista Conjuntura Econômica, set./ 1983; para uma discussão elaborada sobre essa questão, veja também KNIGHT, op. cit., p. 11-24 c Anexo l.

53. Veja, Idem, ibid.54. Veja as propostas de LOPES, op. cit., p. 68-9.55. Pode-se encontrar uma descrição dos controles de preços no Brasil no Report of the IMF mission on

Brazil, 23, abr./1984, p. 19-20.56. Para discussões adicionais sobre controle de preços dos serviços públicos e o impacto exercido por

eles. veja BARBOSA, Fernando de Holanda. “T h e efficiency of state intervention in the economy” . In: Brazil and the challenge o f economic reform, Werner Baer e Joseph S. Tulchin (orgs.l, (publicado pelo Woodrow Wilson Center Press e distribuído pela John Hopkins University Press, 1993, p. 69-94.)

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8Declínio e queda do cruzado

E m 28 DE FEVEREIRO DE 1986, o governo brasileiro anunciou um programa “heterodoxo” de estabilização, rapidamente chamado de "Plano Cruza-do”, que visava interromper de imediato uma inflação que parecia estar fugindo do controle e que aparentemente não podia ser dominada por meio de políticas de estabi-lização ortodoxas. Embora parecesse, a princípio, que o Plano Cruzado atingia seu in-tento sem efeitos colaterais recessivos, ele fracassou no Final de 1986, quando a infla-ção ressurgiu, as contas externas entraram em crise e o crescimento real decaiu.

Esse fracasso refletiria um diagnóstico incorreto da inflação brasileira com adoção de políticas inadequadas? Ou se tratava de um plano bem concebido, porém mal admi-nistrado, caso em que as forças socioeconômicas teriam atrapalhado sua implementação correta?

Este capítulo mostra que as respostas a essas questões são relativamente diretas. Não há dúvida de que as forças “inerciais” tenham desempenhado um papel funda-mental no impulso inflacionário brasileiro, através de processos dinâmicos como a indexação salarial e financeira, a taxa de câmbio regulada por minidesvalorizações, a formação de expectativas e a dispersão dos preços relativos. O Plano Cruzado atacava esses problemas, mas foi fatalmente invalidado por ter incorporado um aumento sala-rial significativo. Qualquer que tenha sido o bem causado por ele, foi amplamente inutilizado pelo choque inflacionário de salários. Os fatos pioraram devido ao persis-tente déficit do setor público, à taxa cambial do cruzado relativamente baixa no seu lançamento e, então, pela execução do plano: os preços foram congelados em desequilíbrio por tempo demasiado, provocando instabilidade, e a política salarial era excessivamente indefinida.

O aumento salarial, entretanto, foi a essência do erro. Infelizmente, considerando- se a fraqueza política do governo, é possível que o Plano Cruzado tivesse de incorporar

* Este capítulo baseia-se em trabalho realizado com a colaboração de Paul Beckerman.

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u m aumento de salários, isto é, a concorrência pelo poder de compra que sustentava a inflação realmente exigia um aumento de salário.

Este capítulo é dividido em quatro seções para discutir esses fatos. A primeira apresenta um resumo dos fatos que antecederam a concepção do Plano Cruzado- a segunda descreve o plano e seu impacto imediato; a terceira analisa suas subseqüen-te s distorções e as tentativas das autoridades em neutralizá-las e a última traz conclu-sões sobre os motivos de seu malogro.

Antecedentes

0 regime autoritário que tomou o poder em abril de 1964 reduziu de forma gra-dual a inflação de uma taxa anual de aproximadamente 100% para cerca de 26% em 1973, o que foi conseguido através de uma abordagem “gradualista” autoconsciente, <iue incluía medidas fiscais padronizadas, política salarial repressiva e realinhamento de preços controlados. A introdução de títulos indexados do governo1 ajudou a finan-ciar um persistente, porém decrescente déficit público com um mínimo de criação de moeda e, mais tarde, as contas de poupança indexada ajudaram a promover ainda mais a poupança privada. Depois de agosto de 1968, um câmbio regulado por minidesva- lorizações estimulou as exportações e engendrou o período do “milagre” de 1968-73 no qual a economia cresceu a taxas anuais superiores a 10%.

A tendência de baixa da inflação foi revertida em 1973. O deflator do PIB cresceu cerca de 34% em 1974 e 1975, e 47% em 1976 e 1977. Depois de baixar para menos de 40% em 1978, a taxa de inflação aumentou para 55% e 90% em 1979 e 1980 respectivamente. De cerca de 100% em 1981 e 1982, ela disparou para 211% em 1983 e para mais de 220% em 1983 e 1984, atingindo uma taxa anual de quase 300% em fevereiro de 1986.

O ressurgimento da inflação brasileira pode ser facilmente associado a uma conhe-cida série de choques externos e internos, como os ocorridos com o petróleo em 1973 e 1979, o das taxas de juros mundiais no início da década de 1980 e os ocorridos na agricultura, como geadas e secas. Os economistas brasileiros que elaboraram o Plano Cruzado argumentaram que os choques conduziram a uma inflação verdadeira e não a aumentos únicos nos níveis de preços devido à rápida implantação da indexação formal e informal na economia. Por várias razões socioeconômicas, os agentes econô-micos brasileiros provaram, cada vez mais, serem capazes de repassar os aumentos de preços que os afetavam.2 O resultado foi um processo inflacionário de luta por parti-cipação na renda cada vez mais intenso “entre empresas, setores, empresas e sindi-catos, entre classes, entre os setores público e privado... e [isso se tornou]... um mecanismo de transferência de renda aos setores econômica e politicamente mais fortes”., Os economistas responsáveis pelo Plano Cruzado chamaram a esse processo de “inflação inercial”, pretendendo transmitir a idéia de que a própria inflação criou inflação num processo autoperpetuante. Uma inflação dessa espécie poderia predomi-nar em anos de elevado crescimento ou de recessão e não tinha nenhuma ligação com qualquer processo relativo à curva de Phillips.

Muitos economistas brasileiros colaboraram para a abordagem “inercial” dada à

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inflação. Contribuições essenciais de “base” foram feitas por escritores como Ignácio Rangel (,4 inflação brasileira [Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro]), Mário Henrique Simonsen (Inflação: gradualismo e tratamento de choque [Rio de Janeiro: APEC, 1970]) e Luis Carlos Bresser Pereira (Inflação e recessão [São Paulo, Brasiliense, 1984, escrito com Yoshiaki Nakano]).

Desde o final da década de 1970, Francisco Lopes tem escrito extensivamente sobre a relação existente entre fixação de salários e inflação: recorrendo a uma estru-tura analítica originalmente descrita por Simonsen, ele mostrou como a inflação po-deria perpetuar-se caso a mão-de-obra conseguisse recuperar ou superar o prévio ren-dimento máximo real em cada ajuste de salário.4 Nessa análise básica, as parcelas médias de renda do capital e do trabalho são consideradas relativamente inalteradas de um período de contrato salarial a outro. Assim, à medida que os trabalhadores recuperam o pico de seu poder de compra no início de cada período de negociação, os preços precisam subir para restaurar a estrutura de participação relativa do período precedente, derrubando, dessa forma, o poder aquisitivo do trabalhador durante o transcorrer de cada período. Quanto maior o pico de renda anterior do trabalhador, maior será o ajuste salarial que ele vai buscar no início de cada período e provavel-mente maior será a pressão salarial.1' Os agentes econômicos podem tentar defender- se garantindo ajustes de preços mais freqüentes. Contudo, quanto mais freqüentes forem os intervalos entre os ajustes, mais rapidamente o nível de preços precisará ser aumentado a fim de derrubar sem demora os salários reais.

Se, geralmente, os agentes econômicos agem para restaurar e manter os prévios picos de renda reais, a inflação poderá simplesmente ser considerada como o resultado do pico de renda real desejado de cada um deles e da estrutura dos preços médios relativos. Como resultado, se todos os agentes adotarem normas estáveis de ajustes periódicos para manter inalterados os picos de renda e os preços relativos não muda-rem, a taxa de inflação permanecerá constante” .h Lopes conclui, portanto, que todos os agentes econômicos devem aceitar reduções em suas ambições de renda real a fim de ver a inflação declinar verdadeira e permanentemente.

Lopes recomendou um “choque heterodoxo” , que consistiria em um congelamen-to total de preços e salários, acompanhado de políticas fiscais e monetárias passivas.

Antes do congelamento, os salários e preços controlados seriam fixados de acordo com um valor real (quando deflacionados pelo novo nível de preços congelados) igual a valores presumíveis de “equilíbrio” — por exemplo, suas médias nos seis a doze me-ses precedentes. O congelamento seria temporário e seguido por uma descompressão com afrouxamento gradual do controle de preços. No período final, seriam permitidos aumentos de preços moderados a fim de corrigir distorções surgidas durante um con-gelamento. Por meio desse congelamento, afirmou Lopes, interromper-se-ia o proces-so gerador de inflação permitindo, no que a ela se refere, o “recomeço” da economia.

A recomendação de Lopes de se implem entar um choque heterodoxo foi apoiada por Pérsio Arida e André Lara Resende num renomado trabalho (na coleção Williamson) com base na premissa de que, durante o transcorrer de uma inflação grave, os agentes econômicos começam a pensar em suas rendas atuais e futuras em termos de poder aquisitivo e não de unidades monetárias, o q u e confere um poderoso caráter inercial à inflação, pois toda a sociedade passa a aceitar ampla e naturalmente que cada agente

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econômico estabeleça reivindicações de preço e renda para manter o poder aquisitivo. Fssa opinião levou Arida e Lara Resende a propor um esquema de estabilização engenhoso: um congelamento temporário de preços reais, não nominais - ou, em outras palavras, a substituição do poder de compra do cruzeiro por um poder de compra constante (motivo pelo qual foi proposta como unidade de poder de compra um bônus do Tesouro Nacional). Ao terminar o congelamento, a unidade de poder de compra seria transformada na nova unidade monetária. A proposta Larida foi am-plamente discutida e, embora a mudança da unidade monetária nunca tivesse sido experimentada, seus argumentos a favor de um congelamento geral de preços foram incorporados ao Plano (.ruzado.

Acontecimentos que conduziram ao Plano Cruzado

A profunda recessão de 1981-84 (ver Apêndice, Tabela Al) resultante das políticas de ajuste aprovadas para confrontar a crise da dívida externa não exerceu nenhum impacto sobre a taxa da inflação, embora tenha revertido extraordinariamente a po-sição do balanço de pagamentos do país. Ela produziu elevados superávits comerciais originados principalmente de uma pronunciada queda nas importações, de quase LS$ 23 bilhões em 1980 para US$ 15 bilhões em 1983 e US$ 13 bilhões em 1985. As contribuições do crescimento das exportações aos superávits comerciais começaram somente em 1984, ano em que o país retomou o crescimento econômico. Foi, a princípio, a conseqüência da rápida expansão das exportações; iniciando-se em 1985, baseou-se principalmente num notável aumento dos salários reais que geraram umaexplosão de consumo. _

A retomada do crescimento numa economia com indexação financeira abrangente, uma taxa cambial regulada por minidesvalorizações e uma indexação salarial resul-tante de uma militância trabalhista ressurgente (um breve período de indexação salarial de 80%” terminou em 1985) fortaleceu a “intratabilidade” da inflação. No final de 1985, uma seca provocou uma disparada nos preços dos produtos agrícolas. No início do ano seguinte, à medida que o choque sustentava o sistema de indexação, a taxa da inflação parecia subir a níveis sem precedentes. Os assessores econômicos do presidente Sarney, argumentando que essa inflação não poderia ser controlada por meio de programas de estabilização tradicionais ortodoxos, convenceram-no a tentar um “choque heterodoxo”."

O Plano Cruzado

Em 28 de fevereiro de 1986, num pronunciamento na televisão, o presidente Sarney anunciou o Decreto-lei 2.283, cuja meta era derrubar a inflação com um golpe violento. Esse Decreto-lei (e sua versão ligeiramente revista, o Dl 2.284) impôs as seguintes medidas: (1) um congelamento geral dos preços finais dos produtos; (2) um congelamento seguindo-se a um reajuste que fixou os novos salários reais com base na média dos seis meses anteriores mais 8%, e 15% para o salário mínimo; (3) apli-

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cação da mesma fórmula a aluguéis e hipotecas, sem o aumento de 8%; (4) um sistema de reajustamento salarial, que assegurava um aumento automático a cada vez que o índice de Preços ao Consumidor tivesse aumentado 20% em relação ao ajuste anterior ou a partir da data-base anual de cada categoria trabalhista; (5) proibição de cláusulas de indexação em contratos com menos de um ano e (6) criação de uma nova moeda, o cruzado, que substituía o antigo cruzeiro (Cz$ 1 sendo igual a Cr$ 1.000,00). Não havia referência específica nos decretos-lei à taxa de câmbio, mas o governo indicou claramente que pretendia mantê-la fixa indefinidamente a Cz$ 13,84 em relação ao dólar.9 Para contratos previamente estabelecidos em cruzeiros, o decreto-lei estipulou uma taxa de conversão para cruzados em que o cruzeiro seria deflacionado em relação à nova moeda a uma taxa mensal de 14%, que era a taxa de inflação mensal esperada contida nos contratos.

O Plano Cruzado refletiu claramente a acentuada influência de analistas que diag-nosticaram a inflação brasileira como sendo principalmente “inercial’'.10 Eles desloca-ram o equilíbrio de poder sobre a política econômica no governo civil de transição do presidente Sarney (no cargo desde março de 1985) baseados em analistas que enca-ravam o problema inflacionário de maneira mais ortodoxa" e defendiam soluções mais tradicionais. A medida que a transição prosseguia e governantes eleitos diretamente ganhavam influência em relação aos do regime anterior, ficava cada vez mais difícil implementar políticas recessivas por razões “políticas”.

O sucesso do Plano Cruzado provavelmente dependia do grau em que a natureza do processo inflacionário era essencialmente “inercial”. Uma vez que ele resultou de um excesso de demanda agregada ou da insuficiência de oferta agregada, o Plano não seria suficiente para controlar permanentemente a inflação. Como afirmou \la ia Gomes:

Já no final do último trim estre de 1985, muitos indicadores mostravam que a indexação for-mal e informal não poderia explicar totalm ente a inflação brasileira. Em primeiro lugar, a inflação se acelerava, o que não pode ser controlado em termos de inércia. Além disso... a taxa d e utili-zação de capacidade atingia 100% em alguns setores da indústria... Havia também muitas evidên-cias de que o déficit do setor público aumentara de 1984 até o final de 1985.12

De fato, antes de 28 de fevereiro de 1986, o governo havia tomado medidas para lidar com supostas fontes de desequilíbrios fiscais e monetários. O orçamento do Te-souro Nacional e o “orçamento monetário” (principalmente programas de subsídios acio-nados pelas autoridades monetárias) foram parcialmente unificados em agosto de 1985 para melhor controlar as despesas: em fevereiro de 1986, a “conta de movimento” do Banco do Brasil, que permitia a esse banco comercial oficial criar moeda através de uma linha aberta de “desconto” do Banco Central, foi congelada; no mesmo mês, foi criado um secretariado do Tesouro no Ministério da Economia para centralizar o controle de todos os gastos públicos e, em dezembro de 1985, o Congresso aprovou a Lei 7.450, que aumentou significativamente as taxas de impostos sobre transações financeiras, exigiu que as empresas apresentassem a declaração do imposto de renda duas vezes ao ano e aumentou a carga tributária das pessoas físicas. Finalmente, dias antes da introdução do Plano Cruzado, o Conselho Monetário Nacional reduziu o prazo máximo de crédito ao consumidor de doze para quatro meses e limitou outras regras referentes a esse crédito.

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Os resultados imediatos do Plano Cruzado foram espetaculares, tanto do ponto de vista econômico quanto político. A taxa mensal de inflação, medida pelo índice Geral de Preços, caiu de 22% em fevereiro de 1986 para -\% em março, aumentou para -0,6% em abril, para +0,3% em maio e para +0,5% em junho (ver Tabela 8.1). Enquanto isso, a atividade econômica, que crescera 8,3% em 1985 e ainda crescia em janeiro e feve-reiro de 1986, acelerou. A produção industrial foi 8,6% maior no primeiro trimestre do <pie no período correspondente em 1985 e 10,6% e 11,7% maior no segundo e ter-ceiros trimestres, respectivamente. A Tabela 8.2a também mostra que a produção de l e n s de consumo duráveis cresceu a taxas surpreendentes: as taxas de crescimento smualizadas ultrapassaram 30% nos meses de maio a agosto. Pelo menos nos primeiros m eses que se seguiram ao Plano Cruzado, as contas externas permaneceram fortes, -com superávits comerciais de mercadorias na ordem de US$ 1 bilhão ao mês (ver 'Tabela 8.3). Superficialmente, parecia que o Brasil descobrira como administrar con-das externas sólidas mantendo um excepcional crescimento com o aumento dos sa- Hários reais, diminuindo o desemprego e com uma inflação insignificante.

Dificuldades e contradições emergentes

O objetivo do congelamento de preços e salários do Plano Cruzado era deter a inflação inercial. O aumento salarial e congelamento de preços, juntos, levaram a uma política de renda que favorecia a mão-de-obra (embora a opinião pública brasileira não ■zivesse percebido esse fato desde o princípio, talvez por causa da desconcertante multiplicidade de medidas políticas). A natureza drástica do Plano Cruzado, vindo após u m a inflação que parecia cada vez mais incontrolável, fez com que a população se treunisse ao redor do presidente, com milhões de cidadãos servindo voluntariamente com o os “fiscais de preços do Sarney” para informar sobre transgressões ao congela-m ento . Esse entusiasmo popular viabilizou uma política de renda por um curto perío- cdo de tempo e os salários reais sofreram um aumento extraordinário. Em São Paulo, os salários reais praticados na indústria foram 9,1% mais altos em março do que em feve-re iro e aumentaram ainda 1,5% até novembro, quando atingiram seu pico. A corres-pondente conta de salários reais foi 9,8% mais elevada em março do que em fevereiro = subiu ainda mais 8,7% até novembro. Em algumas semanas, entretanto, surgiram nroblemas que se agravaram rapidamente.

TD impacto alocativo do congelamento de preços

Uma conseqüência imediata do congelamento - perfeitamente previsto pelos eco- -íomistas responsáveis pelo Plano Cruzado, que insistiram no sacrifício do sistema »locativo para livrar a economia da inflação - foi a eliminação do mecanismo de preços zom o alocador de recursos. Naturalmente, quanto mais durasse o congelamento, mais graves seriam as distorções existentes no mercado. A inflação brasileira ainda não ■_ tingira o nível máximo na época do congelamento, de modo que os agentes econô-micos ainda ajustavam preços (ou os tinham ajustado) a intervalos discretos, se bem

_ 72

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Tabela 8.1 Variações mensais de preços, 1986 e 1987

Preços aoPreços gerais Atacado consumidor

Mensal Anual Mensal Mensal

1986Janeiro 17,8 250.4 19,0 15.7

Fevereiro 22,4 289,4 ~>2 2 21.8Março -1,0 242,5 - 1,0 -0.3Abril -,58 217,5 -1,46 1,1Maio 0,32 195,6 0.09 0.79

Junho 0,53 175,5 0.37 0.62Julho 0,63 154.6 0,58 0.58Agosto 1,33 126,3 1,34 0.88Setembro 1,09 109,6 0,67 0.95Outubro 1.4 94,8 1.15 1.01Novembro 2,5 73,7 2.1 2,1Dezembro 7.6 65,0 7,7 7,5

1987

Janeiro 12,0 57.0 10,5 14,3Fevereiro 14.1 55,8 10.4 14,5Março 15,0 69,8 14.1 13,5Abril 20,1 105,1 21,0 21,5Maio 27,7 160.8 30,7 25,1Junho 25,9 226,5 26.3 27,2Julho 9,3 254,7 9.9 8,6Agosto 4,5 265.8 3,7 6,6Setembro 8.0 290.9 7,6 9,0Outubro 11,2 328.5 11,7 10.6Novembro 14,5 378.8 15.0 13,9

Dezembro 15,9 415,8 16,1 16,3

F o fite: Conjuntura F.conomifa.

que relativamente curtos. Assim, em 28 de fevereiro, alguns setores cujos preço- haviam aumentado imediatamente antes do congelamento encontravam-se numa po- - sição favorável comparada às suas médias reais recentes, enquanto outros, que plane - javam reajustes para breve, ficaram defasados. Um levantamento de 311 produtor revelou que 84 itens se encontravam na primeira categoria; 35 haviam realizado ajus - tes de preços que os mantiveram em equilíbrio na época do congelamento e 19S ficaram defasados, entre os quais leite, carros e vários bens de consumo duráveis (ve : Tabela 8.4).13

Page 165: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 8.2Produção e capacidade industrial, 1984-87

(a) Produção industrial (taxas de crescimento anual)

Indústriatotal

hid. de transformaç

Bens de ão capital

Bens de consumo

intermediários duráveis não-duráveis

1986Janeiro 8,3 8.2 11,4 7,2 14,3 8,3Fevereiro 9.1 9,0 12,7 7,8 17,1 9,3Março 8.6 8,4 11,6 7,3 17.4 8,7Abril 9,8 9,7 15.2 8,1 23.5 8,8Maio 10,6 10,6 17.8 8,3 30,7 9,1Junho 11,5 11,6 20.8 8,7 33.5 9.9Julho 11.7 11,8 21,3 8,8 30.6 10,2Agosto 11,7 11,8 21,7 8.7 30,0 10.0Setembro 11.7 11,9 22,0 8,7 27,8 10.4Outubro 11,4 11,7 22,1 8,6 24,5 10,0Novembro 11,3 11,7 22 7 8.6 21,5 10,1Dezembro 10.9 11,3 21,6 8,4 20,3 8.9

J987Janeiro 10,5 10,9 21.2 8.1 18.8 8,1Fevereiro 10,5 11.0 20,4 8.2 17,1 8,3Março 11,4 11.9 20,8 9.1 15.0 9,5Abril 10,6 11,1 17,7 8.7 10.6 9,6Maio 10,1 10,7 16,1 8,6 4,8 9,5Junho 9,1 9,7 12 2 8.2 1.4 8.7Julho 7,4 7,8 9,5 6.8 - 1,1 7,0Agoslo 6,2 6.6 6.9 6,0 -2,4 5.8Setembro 4,3 4,5 3,6 4.4 -5,1 4,4Outubro 2.6 2,8 0.7 2,9 -6.6 3.0Novembro 1,7 1.8 -1,1 2,0 -5.7 2,3Dezembro 0,9 1.0 -1,8 1,1 -5,4 1,6

(b) Uso da capacidade industrial (1984-87)

1984 985 1986 1987

Janeiro 72 77 81 84Fevereiro 74 77 81 83Julho 74 77 82 76Novembro 76 80 86 80

" tatie: Conjuntura Econômica.

74

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Tabela 8.3Indicadores econômicos externos mensais (1986-87)

Taxa de câmbio (cruzado por VS$)

Exportações Importações (milhões de US$)

Balançacomercial

1986Janeiro 11,31 1,909.6 1,208.6 (475)* 701.0Fevereiro 13.07 (36,5%)+ 1,751.2 1.123.0 (387)* 628.2Março 13,84 (26,4%)+ 2,157.3 1,021.1 (238)* 1,136.2Abril 13,84 (36,0%)+ 2,171.5 880.4 (142)* 1,291.1Maio 13,84 (49,2%)+ 2,291.8 951.3 (224)* 1,340.5Junho 13,84 (49,0%)+ 2,000.3 928.7 (186)* 1,071.8Julho 13,84 (59,8%)+ 2,209.1 1,175.3 (225)* 1.033.8Agosto 13,24 (69,8%)+ 2,098.9 1.076.4 (191)* 1.022.5Setembro 13,84 (69,1%)+ 1,857.0 1,017.0 (195)* 840.6Outubro 13.97 (86,7%)+ 1,340.0 1.130.0 (205)* 210.0Novembro 14.11 (104.5%) 1.300.0 1,180.0(223)* 130.0Dezembro 14,55 (88,7%)+ 1,329.0 1,173.0(156)* 156.0

1987Janeiro 15.70 (71,8%)+ 1.259.0 1,130.0 (276)* 129.0Fevereiro 18,32 (64,5%)+ 1,530.0 1,228.0 (271)* 302.0Março 20.65 (51,0%)+ 1,427.0 1.221.0 (392)* 206.0Abril 23,80 (30,0%)+ 1,660.0 1,140.0 520.0Maio 30,74 2,170.0 1.224.0 946.0Junho 39,90 2,641.0 1,212.0 1,429.0Julho 44,93 2,892.0 1.434.0 1,458.0Agosto 47,13 2,759.0 1.325.0 1.434.0Setembro 49,86 2,694.0 1.200.0 1,494.0Outubro 53,40 2,510.0 1,310.0 1.200.0Novembro 59.28 2,241.0 1,239.0 1.002.0Dezembro 67,86 2,437.0 1,340.0 O sC Ò

* Importações de petróleo.- E n tre parênteses, percen tagem da ta x a d o paralelo em relação à ta x a oficial. Fome: Conjuntura Econômica. Banco C e n tra l do Brasil. Boletim.

As taxas de serviços públicos, notadamente as de energia elétrica, foram apanhadas bastante defasadas pelo congelamento. No período de fevereiro de 1985 a fevereiro de 1986, por exemplo, no Rio de Janeiro essas taxas aumentaram 201%, enquanto os preços, em geral, subiram cerca de 270%. Essa situação elevou o déficit das empresas estatais prestadoras de serviços públicos, pressionando o governo a subsidiar seus dispêndios correntes e de capital. Estes últimos não poderiam ser postergados, se se quisessem evitar estrangulamentos à medida que continuava o rápido crescimento econômico.

Embora os economistas do Plano Cruzado concordassem com o fato de que o con-gelamento de preços teria de ser temporário, não haviam atingido um consenso sobre

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Tabela 8.4Variações de preços de atacado,

de janeiro de 1980 a fevereiro de 1986: produtos selecionados (variação geral de preços no atacado no período = 42,119%)

Produto

Variação de preço (em

percentagem) Produto

Variação de preço (em

percentagem)

Tomates 209,119 Tintas à base de água 41,737Café instantâneo 110,890 Tintas à base de óleo 41,483Batatas 108,172 Acetileno 41,305Café nioído e torrado 93,211 Leite em pó 41,069Ração para animais 90,865 Pequenos caminhões e peruas 40,767Sal nâo-refinado 78,488 Automóveis (78 a 120 HP) 28.749Café em grãos 78,480 Televisores coloridos 28.496Amortecedores 73,171 Gás liqüefeito 28.141Peixe 69,518 Detergentes 26.697Rádios 69,374 Petróleo cru 26.139Tornos mecânicos 68,990 Óleo diesel 25,062Caixas de câmbio 65.775 Ar condicionado 24,413Óleo 65.543 Carne 24,090Feijão 63.882 Refrigeradores 22,889Farinha de trigo 63,648 Polidores 22 829Fios de cobre 56.785 Máquinas de lavar 21,732Cimento Portland 56.528 Vergalhões para cimento armado 20,982Mandioca 53,814 Óleo de soja refinado 20.676Maquinário para construção 53.262 Farinha de mandioca 20,303Legumes enlatados 52.541 Liquidificadores 19,305Ferro-gusa para fundição 43.941 Vergalhões para concreto 18,075Pneus para caminhões e ônibus 43.464 Gasolina 17,891Madeira prensada 42.355 Sabão industrial 16,476Sal refinado 42,251 Leite 15,188

-J"'onte: SO U ZA , Â ngelo Jorge de, "Inflação e p re ç o s relativos” , hr. Conjuntura Econômica, abril 1986, p. 30,

s u a duração, visto que não sabiam quanto tempo levaria para reverter as expectativas inflacionárias. Parece que se pensava num período de dois a três meses; eles recea-ra m , entretanto, que um descongelamento prematuro reintroduzisse as expectativas inflacionárias ou criasse condições inerciais renovadas. A medida que transcorria o tempo, ■os critérios políticos passaram a dominar as considerações econômicas: o congelamento ■<le preços do Plano Cruzado tornara-se a base da popularidade do governo, ou seja, a inflação zero era cada vez mais vista pelo presidente e seus assessores políticos como a ■«essência do sucesso econômico do governo e apegar-se a ela, portanto, era importante, j á que se aproximavam as eleições de novembro de 1986 para os governos estaduais e

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o Congresso. Visto que este também atuaria como Assembléia Constituinte com poder para determinar a duração do mandato do presidente, o Congresso estava ansioso por preservar a inflação zero o máximo possível. Os economistas do governo argumenta-ram a favor de realinhamentos de preços já em maio de 1986, apoiados pelo ministro da Fazenda em junho do mesmo ano. Entretanto, por motivos de ordem política, isso não foi feito.

Inevitavelmente, houve várias tentativas de contornar o congelamento. O Brasil forneceu estudos de caso para todo o folclore sobre evasão ao controle de preços, incluindo a tática de aumentá-los oferecendo “novos produtos”, trapaceando sobre o conteúdo das embalagens e exigindo “pagamentos por baixo da mesa” ou “ágios” , principalmente para automóveis e outros bens de consumo durável. As listas de es-pera para carros novos chegavam a seis meses ou mais, embora freqüentemente a demora pudesse ser consideravelmente reduzida pelo pagamento do ágio adequado. Produtos de todos os tipos começaram a desaparecer das prateleiras e filas de consu-midores tornavam-se cada vez mais comuns. Os alimentos - notadamente a carne e o leite — tornaram-se escassos à medida que grupos de renda mais baixa aumentavam a demanda ao mesmo tempo em que os produtores reduziam a oferta. Em resposta às queixas sobre escassez, o governo chamou atenção para o fato de que, pela primeira vez, a carne se tornara parte da dieta habitual dos mais pobres, mesmo que tivessem de esperar na fila para consegui-la. Posteriormente naquele ano, o governo chegou ao ponto de confiscar algumas cabeças de gado na sua bem divulgada luta com os pro-dutores de carne. Mais eficientemente, autorizou um aumento na importação de pro-dutos alimentícios. Com a eliminação de certos impostos e o aumento de subsídios, o governo conseguiu aumentar a oferta sem literalmente aumentar os preços - elevan-do, porém, dessa maneira, as pressões sobre as finanças do setor público. No transcor-rer do ano, os problemas inevitáveis causados pelo congelamento de preços se aprofundaram e os esforços do governo e do povo para cumpri-lo tornaram-se fracos e desanimados.

Crescimento excessivo

O Plano Cruzado resultou na continuação (e mesmo aceleração) do crescimento econômico, grande parte do qual se baseou nos gastos do consumidor. Os elevados gastos do consumidor foram estimulados pelos significativos aumentos reais dos salá-rios (ver Tabela 8.5); pela eliminação da indexação dos depósitos de poupança, que provocou um giande êxodo dessas contas, principalmente em direção aos bens de con-sumo; o preço atraente de muitos produtos cujos preços relativos estavam defasados na época do congelamento e o “efeito de riqueza” resultante da súbita mudança das ex-pectativas inflacionárias, que liberou recursos para o consumo.14

A medida que continuava o boom nos meses que seguiram à introdução do Plano Cruzado, muitos setores aproximavam-se da capacidade plena, com limitadas esperan-ças de aumentá-la a cuito prazo. De qualquer modo, os empresários hesitavam em investir em vista do agravamento das dificuldades econômicas. As estimativas reproduzidas na Tabela 8.2b mostram que a utilização da capacidade industrial era de

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T abela 8.5 Emprego, desem prego e salários, 1986-87

Emprego industrial (aumento anual)

Desemprego (% da força de trabalho)

Salários reais (aumento anual)

1986

Janeiro 9,1 4.18 21,1Fevereiro 9,4 4,40 26,1Março 9,3 4,40 44,5Abril 9,3 4,39 36,9Maio 9,6 4,17 20.7Junho 10,5 4,08 18,7Julho 10,9 3,76 20,6Agosto 10,9 3,60 26,0Setembro 10.9 3,20 32.1Outubro 10,3 3,50 24.7Novembro 9,9 2.98 18,5Dezembro 8.9 2,20 18,0

1987

Janeiro 8,0 3,20 5,9Fevereiro 7.6 3.30 4.1Março 6,7 3,10 4.6Abril 6,4 2,80 4,5Maio 5,4 3,90 -0,3Junho 3,0 4,50 -4,5Julho 0,7 4,60 -14.7Agosto -1,2 4.60 -16.5Setembro -2,2 4.00 -14.3Outubro -2,5 4.20 -14,6Novembro -2.5 3.80 12,0Dezembro -2.4 2.80 -3.9

Fonte: Conjuntura Econômica. Banco C entrai do Brasil. Boletim.

apenas 72% no início de 1984, elevando-se para 77% na época da introdução do plano e atingindo 82% na segunda metade de 1986 (uma fonte chegou mesmo a colocá-la a 86%). Em janeiro de 1987, dizia-se que quase 60% do setor fabril operava a mais de 90% de sua capacidade.1''

É difícil determinar qual foi o aumento da capacidade produtiva durante o Plano Cruzado. O baixo investimento total da economia brasileira em meados da década de 1980 foi associado às baixas taxas de poupança. Se em meados da década de 1970 o coeficiente de investimento/PIB atingia 25%, em meados da década seguinte ele caiu para 16%. As explicações macroeconômicas para essa tendência residem na grave recessão de 1981-83, que foi seguida por elevadas taxas de crescimento em meados da década de 1980, baseadas nos gastos de consumo, além de estarem relacionadas ao

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fato de que o Brasil se tornara um exportador líquido de capital à medida que servia à sua enorme dívida externa. O serviço da dívida, dado o baixo aporte de capital externo em meados da década de 1980, implicou uma não-poupança externa líquida de 4% a 5% do PIB. O investimento público havia sido reduzido em prévios esforços de estabilização e o congelamento de preços apenas dificultou a geração de recursos internos para financiar os investimentos a muitas empresas públicas. Grandes planos de investimento privados foram desestimulados pelo ceticismo prolongado quanto ao sucesso definitivo do Plano Cruzado e pela posição de incerteza de companhias apa-nhadas em posição de desvantagem pelo congelamento de preços. Naturalmente, as freqüentes mudanças de políticas per se - as constantes mudanças nas “regras do jogo”- desencorajavam seriamente a formação do capital privado.

Há indícios, porém, de que a explosão de vendas e produção que ocorreu durante o Plano Cruzado tenha originado uma quantidade significativa do que pode ser des-crito como uma formação de capital de “curto prazo” . A produção de bens de capital cresceu 21,6% em 1986. Estimativas preliminares indicam que a formação bruta de capital interno no Brasil em 1986 aumentou para 19,6% do PIB.lh As elevadas taxas de crescimento do consumo parecem ter forçado muitas empresas a investir no au-mento da capacidade produtiva, principalmente na forma de aquisição de maquinário, e não na de construção de novas fábricas em larga escala. No período de outubro de1985 a outubro de 1986, por exemplo, a produção de maquinário aumentou 14,4%, mas, nesse setor, o de maquinário têxtil foi o subsetor que apresentou o maior cres-cimento (30,1%), enquanto o de produção de máquinas pesadas cresceu menos de 10% em relação ao ano anterior. Há registros de que as listas de espera para maquinário têxtil e de calçados tenham sido superiores a 12 meses.

O déficit do setor público

O papel desempenhado pelo déficit do setor público na desintegração do Plano Cruzado é uma questão controversa. Há uma opinião generalizada de que sua princi-pal falha foi a ausência de um programa de controle fiscal, ponto de vista particular-mente defendido por analistas que nunca simpatizaram com o dignóstico de uma infla-ção inercial e que acreditavam que a pressão inflacionária poderia advir somente de desequilíbrios fiscais. Na realidade, o papel do déficit do setor público era complicado. É verdade que o Plano Cruzado, por si só, não incorporava quaisquer aumentos fiscais específicos, tampouco cortes de créditos orçamentários. Como já observado, porém, o governo instituiu uma reforma fiscal significativa em dezembro de 1985, a qual, como era esperado, iria aumentar expressivamente as receitas reais durante o ano de 1986; além disso, o governo tomara m edidas para unificar o orçamento e melhorar seu monitoramento.

Além do mais, o Plano Cruzado em si teve conseqüências fiscais favoráveis e efi-cazes (assim como o subseqüente ressurgimento da inflação teve conseqüências fiscais desfavoráveis — está cada vez mais claro que as contas do setor público são um canal de realimentação da inflação). O congelamento de preços eliminou o problema da “defa- sagem da arrecadação”: a arrecadação de impostos baseada em preços e fluxos de re-

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ceitas vigentes, semanas ou meses antes perde o valor real em relação às despesas correntes. A redução das taxas nominais de juros e a taxa cambial fixa reduziram brus-camente as maciças necessidades de empréstimos “não-operacionais” do setor público resultantes do eficiente ajuste inflacionário da volumosa dívida interna e externa do setor público.

E claro que se poderia e deveria ter feito mais para melhorar as contas do setor público porque a opinião pública pensou que o déficit era importante e a credibilidade pública era fundamental para as chances de sucesso do Plano Cruzado. O governo central continuou a manter amplos programas de subsídio que não foram suficiente-mente reduzidos até junho de 1987. Acreditava-se largamente (e ainda se acredita) que a administração pública brasileira, nos seus diversos níveis - federal, estadual, municipal, empresas estatais, o sistema previdenciário e agências descentralizadas - tinha funcionários em excesso, mas exigências políticas (e, em alguns casos, verdadei-ras necessidades da atividade governamental) impossibilitavam os cortes. Os aumen-tos na conta de salários do setor público provocaram graves conseqüências para os orçamentos do governo, mas devido ao aumento de 8% nos salários e não devido a políticas do setor em si. Algumas empresas estatais — notadamente o setor de energia elétrica - foram pegas pelo congelamento com os preços defasados, porque o reajuste das tarifas ocorreu muito tempo antes (ver Tabela 8.6).

Portanto, um déficit total do setor público persistiu após o Plano Cruzado, o que era inadequado sob as condições de excesso de demanda, dado o rápido desenvolvi-mento da economia; considerações de gerenciamento cíclico exigiam um superávit. Não é justo, contudo, atribuir o insucesso do Plano Cruzado ao déficit em questão, cujo total, segundo indicam as evidências disponíveis, não pode ter sido muito grande nos meses imediatamente subseqüentes ao Plano. Pelas razões mencionadas, a parte não-operacional do déficit deve ter sido virtualmente zero nesses meses. Para o ano de 1986, como um todo, o déficit operacional - a Exigência de Empréstimos do Setor Público (EESP) expurgada do componente inflacionário - foi de 3,7% do PIB, dos quais 0,9% eram do governo central, 0,5% dos estados e municípios e 2,3% das empre-sas estatais.

A maior parte do déficit operacional deve ter ocorrido no começo e final de 1986, pois esses eram os meses em que os preços se estavam acelerando; além disso as pres-sões sazonais decorrentes da diminuição na oferta de produtos agropecuários são mais intensas nos finais dos anos civis. Mesmo que o déficit operacional tenha chegado perto de 3,7% do PIB nos meses que se seguiram ao Plano Cruzado, esse fato por si só dificil-mente teria causado uma inflação de três dígitos. Analise a questão sob este ângulo: em termos reais, o crescimento anual da economia foi superior a 8%. Suponha que o déficit se mantivesse regularmente a 4% do PIB durante o ano; se a elasticidade de demanda monetária de renda real fosse somente a metade, a velocidade de circulação monetária teria caído para cerca de 8% e o déficit teria sido totalmente monetizado e a pressão infla-cionária resultante teria sido de aproximadamente 2% ao mês — não uma “inflação zero”, mas tolerável e de acordo com a capacidade de compensação do sistema monetário.17

Inevitavelmente, julgar se um déficit de setor público é inflacionário depende de quanto se espera dele. Caso se acredite que ele deveria, ao contrário, ter sido um superávit de 10%, então ele foi muito inflacionário. Um déficit orçamentário sempre

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Tabela 8.6 índice de preços reais dos setores de preços controlados, 1983-86

1983 1984 1985Outubro

1986Novembro

1986

Trigo 100 132 99 66 60Energia elétrica 100 96 117 101 96Telecomunicações 100 88 71 60 74Gasolina 100 119 87 66 96Óleo diesel 100 123 84 64 58Álcool 100 131 96 73 106Produtos de aço 100 102 103 75 68Correios e telégrafos 100 82 80 53 87

O/fs.: P reços reais obtidos po r d e flação usando o Indice G eral d e P reço s .Fonte: M A R Q LFS, Maria Silvia Bascos. “O Plano C ruzado” . R iode Jan e iro , Fundação G etú lio Vargas, 1987, p. 42. M imeografado.

F on tes originais: Banco C e n tra l d o Brasil. Rrasil: Programa F.ronômico - Ajustamento interna eexterno, fev./1987; F undaçãoG etú lio Vargas, Conjuntura F.eonômira, jan./1987.

pode ser melhorado; mas essa não foi a causa essencial da inflação de 1986. Em com-paração, supondo-se que a participação da mão-de-obra no PIB foi de 55% nesse ano, o aumento de 8% acrescentou 4,4% do PIB à renda do trabalhador de uma só vez.

Os meios de pagamento

Uma das lições que os arquitetos do Plano Cruzado extraíram da experiência do Plano Austral argentino foi a de que a disposição do público em reter o dinheiro seria uma brusca conseqüência das expectativas de uma inflação em declínio e que, por-tanto, os planejadores fariam bem em permitir o crescimento dos meios de pagamen-to, a fim de evitar pressões de altas indevidas sobre as taxas de juros internas. A autoridade monetária do Brasil viu aqui uma oportunidade adicional — retirando de circulação importantes títulos indexados do governo poderia reduzir a carga futura do serviço da dívida do setor público. A autoridade monetária criou um novo “título (denominado LBC) do Banco Central” para substituir os títulos indexados que não estavam monetizando eficientemente. Os novos títulos poderiam ser vendidos com deságio no bem desenvolvido sistema de mercado de curto prazo do país, reduzindo ainda mais o custo do serviço da dívida acumulada do setor público.

Ao lançar títulos do Banco Central, o governo foi capaz de tirar vantagem de algumas das práticas básicas do sistema de mercado aberto do Brasil. Os títulos do setor público brasileiro são vendidos principalmente às instituições financeiras que, por sua vez, financiam suas posições aceitando fundos overnight do público. Essas operações overnight são garantidas pelas obrigações. O público brasileiro prefere man-ter seus recursos em investimentos de curto prazo devido às incertezas provocadas pela inflação e pelas taxas de juros: certificados de depósito bancário de 60 dias são

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considerados de “longo prazo” pelos administradores de portfolio brasileiros médios, ^ s letras do Banco Central rendem para as instituições financeiras a taxa corrente de '?-zjernight mais um reduzido spread que é determinado no momento em que os títulos s ã o leiloados. O governo assegurava o financiamento pelas menores taxas de overnight s não pelas elevadas taxas indexadas. Para o Banco Central, é uma prática regular in te r v i r diretamente no mercado de overnight, colocando e aceitando fundos a fim de m a n ip u la r suas taxas. D esde o Plano Cruzado, esse se tornou o instrumento básico de ju o lítica monetária do Banco Central, usado não só para influenciar as condições de l iq u id e z através do sistema (incluindo o que agora é descrito como indexação - veja a seguir), mas também para manipular as taxas de empréstimos internos do governo. K m 1987, a “indexação” foi restabelecida vinculando os títulos mobiliários de prazo m a i s longo à taxa de financiamento das Letras do Banco Central (LBC) de overnight.; o Banco Central manipulava a taxa visando equipará-la à taxa média de inflação.

De acordo com o método de aumentar os meios de pagamento para atender à de- n n a n d a de moeda supostamente mais elevada, eles cresceram vertiginosamente nos m e s e s que se seguiram ao Plano Cruzado. Os limitados meios de pagamento IV au-m e n ta ra m 80% só no mês de março (ver Tabela 8.7).

E difícil interpretar as contas monetárias desse período, visto que a imposição de d e p ó s ito s compulsórios no Banco do Brasil, em fevereiro, efetivamente reduziu a base m o n e tá ria , excluindo seus depósitos à vista. Parece, todavia, ter havido um brusco a u m e n to no multiplicador monetário - de 2,2 para cerca de 3 na nova definição - entre fev e re iro e março, e os depósitos à vista praticamente dobraram. A base monetária a u m e n to u aproximadamente um terço em março e outro terço em abril, em parte atra-v é s dos contínuos afluxos de reservas internacionais e, em parte, através de outros m e io s deliberadamente expansionistas.

O público evidentemente transformou seus bens em dinheiro, como previa a teo-r ia ; o coeficiente entre os estreitos meios de pagamento M, e o amplo agregado de liq u id ez M4 aumentou de cerca de 8% para aproximadamente 20% ao longo de 1986, «quando então tornou a mergulhar na explosão inflacionária do início de 1987. No en-ta n to , pelo fato de a inflação estar reprimida pelo congelamento de preços, naquela é p o c a foi difícil avaliar se o aumento dos meios de pagamento foi excessivo. Não há u m a estimativa confiável da elasticidade da demanda de moeda com respeito à infla-ç ã o esperada ou até que ponto a inflação esperada caiu. (Mesmo que houvesse, ela se tornaria duvidosa pela “mudança de regime” que o Plano Cruzado representava.) Em ju n h o , entretanto, o Banco Central aparentemente concluiu que os baixos rendimen-to s do mercado aberto indicavam excessiva liquidez e, em julho, arrochou significati-vam en te a liquidez e o crédito.

A política expansionista manteve pressões de baixa nas taxas de juros, não só no mercado aberto como também no mercado de certificados de depósito de bancos co-merciais. Taxas de juros relativamente baixas representaram um combustível adicio-nal para a demanda agregada, estimulando os agentes econômicos a gastar em vez de poupar e contribuíram para uma explosão no mercado de ações e, indubitavelmente, estimularam a evasão de capital. As taxas de retorno sobre contas de poupança do sistema financeiro da habitação estavam muito mais baixas, já que ofereciam uma forma de indexação bastante diluída, e as instituições de empréstimo e poupança sofreram

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Page 174: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 8.7C rescim ento dos meios de pagamento e orçam ento governamental, 1986-87

(a) Taxas de crescimento dos meios de pagamento (taxas de crescimento mensal)

Base monetária M, m 2 m 3 m 4

1986Janeiro 1.0 -9.0 2,7 11,3 13,0Fevereiro 12,2 14,0 14,5 15,9 16.0Março 36,0 80.1 31,9 14.4 12.0Abril 35,3 19,3 6,9 1,4 1.0Maio 15,0 15,3 4,4 2,6 3.0Junho 10.6 13,9 8,6 5,8 4.0Julho 14,1 0,4 1,4 1,7 1.0Agosto 6,0 6.9 19.5 12,9 5.0Setembro 2,8 4.8 7,4 6,4 5,0Outubro 5,2 6,7 10,5 7,4 4,0Novembro 9,4 4,1 5,4 3,9 1,0Dezembro 3,7 9,3 8,2 6,8 -

1987Janeiro -3,6 -23,2 -10,4 -4.5 -

Fevereiro -4,7 7,1 7,8 13.5 -

Março 3.0 10,9 4,1 11.9 -

Abril 10,5 ■14.4 -2,9 6.6 —

Maio -1,3 0,6 9,4 17.6 —

Junho -7,9 32,7 12,9 23.1 —

Julho 28.8 9,5 26,0 23.1 —

Agosto 23.9 8,2 -10,0 -2,5 —

Setembro 19,8 10,6 -8,4 -1.6 -

Outubro 14.9 9,1 -7,1 -0.1 —

Novembro 4,3 14,9 19,5 11.7 _

Dezembro 29.4 35,8 48,2 30.5 -

(b) Resultado do orçamento do Tesouro iSacionai(milhões de cruzados)

1986Janeiro 14.329 Maio -14.289 Setembro -21.452Fevereiro 20.452 Junho -12.357 Outubro -23.784Março 11.047 Julho -14.910 Novembro -33.752Abril -9.732 Agosto -19.563 Dezembro -106.134

1987Janeiro 447 Maio 9.653 Setembro -51.741Fevereiro 1.706 Junho -14.399 Outubro -78.173Março 14.629 Julho -36.552 Novembro -125.188Abril 15.519 Agosto -26.606 Dezembro -189.745

Fonte: Conjuntura Econômica.

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perda de fundos, alguns dos quais foram redrados e depositados em conta corrente, pois a demanda por dinheiro era maior.

De modo geral, entretanto, as taxas de juros relativamente baixas contribuíram de 'várias maneiras para superaquecer a economia, e as autoridades fizeram várias tentati- 'vas para elevá-las, no que foram impedidas devido à sua determinação em manter as taxas de crédito comercial e de capital de giro tão reduzidas quanto possível. Em ju-nho e julho, o Conselho Monetário Nacional acrescentou mais restrições às operações de crédito ao consumidor pretendendo, de modo incerto — mas nunca com sucesso -, criar uma estrutura de crédito segmentada na qual o crédito ao consumidor fosse caro e o destinado à produção, barato.18

As autoridades monetárias brasileiras enfrentaram - e continuam enfrentando - dilemas inquietantes quando visam às taxas de juros. O conselho que receberam, e normalmente alegam ter seguido, foi de que as taxas de juros deveriam ser “positivas em termos reais” , especialmente quando a demanda agregada estava aquecida. Algu-mas de suas dificuldades surgiram pelo fato de que o público brasileiro formou as expectativas inflacionárias baseado, em parte, nas taxas de juros. Assim, quando as autoridades monetárias restringiram as políticas e tentaram aumentar as taxas de juros reais e nominais, o público pressupunha que somente as taxas nominais tinham su-bido e aumentavam as expectativas inflacionárias de acordo. Quando, por exemplo, a autoridade monetária pretendia desestimular as pessoas de realizar empréstimos ele-vando a taxa de juros, freqüentemente falhava em seu intento, pois apenas as per-suadia de que a inflação futura seria mais alta. A fim de convencê-las de sua serie-dade, é possível que a autoridade monetária tivesse tido de elevar as taxas de juros de tal maneira que viesse a causar uma destruição financeira.

Além desse problema, as autoridades continuavam a falar em reagir ao excesso de demanda encorajando a criação de nova capacidade produtiva e, para atingir esse fim, elas achavam que deveriam manter baixas as taxas de crédito. Somente no final de ju-nho, quando ficou claro que a demanda agregada se tornara intensa demais, a autori-dade monetária fez um esforço decisivo para restringir o crédito. Nesse momento, o go-verno tentou compensar as conseqüências adversas dessa restrição estabelecendo um Fundo de Desenvolvimento Nacional para investimento (veja adiante, “O colapso do Plano Cruzado” ).

As contas externas

Na época do Plano Cruzado, o país gozava de uma posição externa relativamente sólida; a taxa de câmbio era favorável às exportações, como conseqüência da maxi- desvalorização de fevereiro de 1983 e da manutenção generalizada das minidesvalo- rizações. As exportações industriais eram particularmente favorecidas porque os preços agrícolas haviam aumentado muito mais do que os industriais devido à seca de 1985. Por esse motivo, os preços industriais estavam defasados em relação ao índice Geral de Preços e o dólar havia tomado a dianteira em relação aos preços industriais internos. A desvalorização da moeda americana diante de alguns parceiros comerciais do Brasil ajudou a fortalecer sua competitividade nas exportações. Houve um superávit signifi-

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cativo na balança comercial desde 1983, o que permitiu ao país acumular US$ 11 bi-lhões em reservas cambiais. O serviço da dívida foi aliviado pela queda das taxas de juros internacionais, compensando o brusco aumento da dívida dos bancos comerciais em 1984. A queda do preço internacional do petróleo e a recessão de 1981-84 ajuda-ram a manter as importações em um nível relativamente baixo. Nos primeiros meses do Plano Cruzado, entretanto, a situação favorável do balanço de pagamentos também foi uma fonte de pressão inflacionária.

Há poucas dúvidas de que a taxa cambial foi mantida fixa por tempo excessivamente longo - que o brusco aumento na demanda interna e que a inflação de facto, após meados de março, mesmo que não totalmente medida, significava que o cruzado era cada vez mais supervalorizado. Seguindo esse raciocínio, uma vez que era óbvio que a supervalorização do cruzado se tornara clara para todos, desenvolveu-se a especulação unilateral contra ele. O espetacular aumento no ágio no mercado paralelo, de 25% em março de 1986 para mais de 100% em novembro do mesmo ano, parece provar clara-mente esse ponto de vista. As contas comerciais decaíram depois de agosto, não só por-que os exportadores consideraram os mercados internos mais atraentes, mas também porque perceberam nitidamente que o governo se veria obrigado a desvalorizar em bre-ve. (Decisões quanto a embarques de exportação costumavam ser tomadas de seis a nove semanas antes que os bens deixassem os portos brasileiros, de modo que se pode inferir que os exportadores já tiravam suas conclusões em junho de 1986.) Alguns obser-vadores chegaram mesmo a sugerir que os maiores exportadores estavam tentando for-çar o governo a mostrar o jogo, deliberadamente participando de uma "greve de expor-tação ’ numa tentativa de conseguir melhores preços. Pode-se dizer o mesmo de produ-tores em todos os ramos da economia que se viram presos aos preços baixos, como os criadores de gado.

O motivo pelo qual o governo resistiu à desvalorização por tanto tempo foi por tem er reviver o ciclo inflação-deflação-inflação. As contas externas eram, mais provavelmente, uma fonte de pressão inflacionária na época do Plano Cruzado. Desde o início de 1984, o superávit comercial de mercadorias do Brasil vinha sendo de US$ 1 bilhão ao mês e, embora esse fato fosse positivo, visto que permitia ao país cobrir sua conta externa de juros sem novas exigências de “dinheiro novo”, era também uma fonte de pressão infla-cionária. Pode-se analisar esse fato sob muitas perspectivas, mas a mais clara provavel-mente é a consideração de que o superávit de exportações líquidas de bens e serviços finais estava logo abaixo do comércio de mercadorias, entre 3% e 5% do PIB, o que era uma contribuição significativa à dem anda agregada, especialmente porque nos anos anteriores a 1983 ele vinha sendo de cerca de 2% do PIB. Como as contas de transferên-cia líquida não-remuneradas são insignificantes, o superávit em exportações líquidas de bens e serviços finais proporciona a m edida aproximada das contas nacionais da não- poupança externa na economia brasileira.

A taxa cambial real efetiva calculada pelo Banco Central é um guia duvidoso para se saber se a nova m oeda estava desvalorizada à época do Plano Cruzado, visto que era_ extremamente influenciada por movimentações entre as moedas conversíveis no iníci» de 1986. No entanto, o fato de serem as contas externas sólidas, em combinação ao fato- de que a indústria havia sido grandemente favorecida pela política de minidesvalorizações- no início do ano, parece confirmar essa suposição.

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A não-poupança externa deve ser julgada como tendo sido uma fonte de pressão inflacionária. Pode-se argumentar que o Brasil deveria ter aumentado sua poupança pública e privada a fim de compensar a necessidade de administrar a não-poupança externa para o serviço da sua dívida externa - ou então deveria ter reduzido sua forma-ção de capital. Na verdade, o Brasil fez tudo isso, embora na época do Plano Cruzado não o tenha feito em grau suficiente para superar sua não-poupança externa do ponto de vista da pressão inflacionária. Obviamente, seria positivo aumentar a poupança in-terna. Por outro Lado, reduzir a formação de capital teria sido perigoso, pois pioraria problemas vindouros, não só comprometendo a habilidade futura da nação de empre-gar sua crescente força de trabalho e aumentar a produtividade e padrões de vida, mas também a eficiência da produção tendo em vista a exportação.

Como ressaltou o governo brasileiro, a transferência de recursos para o exterior atra-vés da não-poupança externa parecia irracional sob o ponto de vista de alocação global de recursos financeiros, mas essas questões vão além do âmbito da presente discussão; o ponto essencial é que as contas externas representavam uma fonte de pressão infla-cionária na época em que o Plano Cruzado foi anunciado.

Dando seguimento a esse raciocínio, é possível que o Plano Cruzado pudesse ter se beneficiado de uma ligeira revalorização nos meses imediatos, especialmente se tivesse sido acompanhado por reduções de preços que incorporassem um componente de custo cambial significativo e se tivesse sido compensado por aumentos nos defa-sados preços do setor público de modo a manter inalterado o nível total de preços. O valor do cruzado era relativamente baixo quando foi lançado, especialmente em vista das circunstâncias peculiares existentes nos meses anteriores ao Plano Cruzado. Como foi mencionado antes, o fato de a taxa de câmbio estar desvalorizada em relação à taxa de inflação total enquanto os preços praticados pela indústria, em geral, se encon-travam defasados em relação à taxa de inflação, implicava que os fabricantes per-cebiam uma efetiva desvalorização nos meses imediatamente precedentes ao Plano Cruzado.

Se o cruzado estava desvalorizado quando o Plano foi lançado, como se pode expli-car: (a) a subseqüente deterioração das contas comerciais e (b) o ágio do mercado para-lelo em crescimento? A primeira questão é fácil de compreender: a pressão inflacio-nária se desenvolveu após o Plano Cruzado, em parte devido às pressões das contas externas, mas mais por causa de fontes internas, principalmente os aumentos salariais. De um modo geral, o aumento salarial foi provavelmente a fonte mais importante de pressão inflacionária e o que quer que pudesse ter sido feito no que se refere à restri-ção da política monetária ou à combinação da revalorização e reajuste de preços prova-velmente não teria sido suficiente para superar as pressões salariais.

O ágio do câmbio paralelo é uma questão mais complicada e no final de 1985 ele havia chegado a 50%, mas com o Plano Cruzado ele sofreu pressões de baixa, manten-do-se a 25% durante seis semanas após seu lançamento devido a um acordo informal entre o governo e os principais dealers. Como as compras de dólares no Banco Central estavam sujeitas a um “imposto de operações financeiras” de cerca de 25% (algumas compras estavam isentas), esse ágio chegava a zero do ponto de vista do comprador. Em abril, porém, os dealers quebraram o acordo, após o que o ágio subiu rapidamente. Esse aumento, todavia, não foi simplesmente a conseqüência da desvalorização anteci-

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pada, mas sim o resultado de um mercado cambial altamente distorcido sujeito à pres-são de uma demanda agregada bruscamente elevada. A demanda pelo câmbio não- oficial originou-se, em grande parte, nas extensivas proibições de compra por parte do Banco Central e agravou-se pela limitação do mercado paralelo brasileiro que se calcu-lava, na época, não ter negociado mais que US$ 2 bilhões ao ano em vendas (cerca de US$ 8 milhões de negócios/dia).

Se o governo tivesse desvalorizado o cruzado mais cedo, todas essas distorções teriam permanecido. A pressão sobre o ágio do mercado paralelo teria sido apenas ligeiramente reduzida, se é que isso aconteceria, uma vez que ele foi resultado de distorções e não de expectativas de desvalorização. A pressão sobre o ágio do mercado paralelo foi resultado das conseqüências de maiores níveis de renda, como demanda por microcomputadores estrangeiros, cujas importações foram proibidas devido à po-lítica de “reserva de mercado” e viagens constantes ao exterior — a compra de moeda estrangeira à taxa de câmbio oficial por parte de viajantes brasileiros era limitada. Também resultou do “câmbio português”: as exportações de café tinham de ser realizadas ao “preço mínimo registrado” oficial, que o Brasil mantinha a fim de forçai a alta dos preços mundiais; alguns exportadores constataram que, a fim de concluir as vendas em um mercado mundial enfraquecido, tinham de oferecer reembolsos ilícitos a compradores estrangeiros, meios de pagamento que teriam de vir do mercado pa-ralelo. Outra fonte de pressão foi a seca, que reduziu os ganhos das colheitas - expor-tadas ilegalmente; parte da safra de soja, por exemplo, foi exportada ilegalmente, e a seca, portanto, representou uma oferta reduzida de moeda estrangeira ao mercado paralelo.

Não há dúvida de que a especulação unilateral em relação ao cruzado e a evasão de capital - estimuladas por rendas maiores e pela suspensão da indexação financeira - assumiram uma crescente importância no decorrer do tempo. Uma vez, é claro, que os mercados concluíram que a desvalorização era inevitável, o ágio elevou-se especu- lativamente. Todavia, ao avaliar o ágio do mercado paralelo como um indicador de um alinhamento desigual da taxa de câmbio, as distorções “reais” devem ser levadas em consideração.19

O colapso do Plano Cruzado

Em julho, o governo fez uma tímida tentativa para enfrentar alguns dos problemas que se haviam acumulado e houve uma significativa restrição da política monetária. Para aumentar os investimentos e diminuir o consumo, o governo decretou um impos-to de 25% sobre viagens internacionais e instituiu um esquema de poupança compul-sória que incluía um “empréstimo forçado” de 30% sobre carros novos e de 28% sobre o combustível, considerados como empréstimos (poupança forçada) pelo governo, já que seriam devolvidos aos consumidores desses produtos sob a forma de ações do Fundo de Desenvolvimento Nacional. Por esse motivo, o governo excluiu-os das me-didas oficiais de inflação. Os recursos do fundo deveriam ser investidos em projetos de desenvolvimento descritos em linhas gerais em um Plano de Metas simultaneamente divulgado, cujos resultados finais presumivelmente seriam maiores coeficientes de in-

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vestimento/PIB20 e de poupança agregada/PIB. O ponto básico desse pacote político, algumas vezes chamado de “pequeno Plano Cruzado”, era esfriar a demanda agregada para captar poupança e incentivar os investimentos.

A verdadeira crise do Plano Cruzado surgiu nas contas externas. Em meados de1986 estava claro que a conta de capital do balanço de pagamentos havia sofrido uma extraordinária reversão. O investimento estrangeiro direto líquido, que havia totalizado US$ 800 milhões no que era considerado um desempenho desapontador durante 1985, somou US$ 15 milhões nos primeiros seis meses de 1986. As remessas de lucros e a evasão de capital estavam aumentando, um sinal evidente do que significava o ágio do mercado cambial “paralelo” em ascensão. Embora o governo tivesse liberado os valo-res referentes às suas reservas internacionais com um atraso de seis meses, obedecen-do a uma política estabelecida em 1985, observadores particulares inferiram perdas de reservas significativas e, conseqüentemente, uma maxidesvalorização iminente. Não considerando uma ligeira desvalorização (1,8%) em meados de outubro, o governo re-sistiu à desvalorização por causa das eleições previstas para o mês seguinte. As expor-tações, porém, caíram rapidamente, visto que pretensos exportadores aguardavam a desvalorização e achavam o mercado interno relativamente lucrativo.

A recusa do governo em considerar qualquer realinhamento de preços provavel-mente foi motivada por dois fatores: primeiro, como o congelamento passou a simboli-zar o sucesso político do plano, o presidente Sarney relutava em alterá-lo, pelo menos até que tivessem passado as cruciais eleições de novembro para a nova Assembléia Constituinte; segundo, porque o Plano Cruzado permitiu que os salários aumentassem automaticamente toda vez que a inflação acumulada a partir da data-base anual de cada categoria trabalhista atingisse 20%, os planejadores temiam autorizar aumentos de preços que pudessem ativar o “gatilho” .

Logo após vencer as eleições de 15 de novembro, porém, o governo anunciou outro extraordinário programa de ajuste, rapidamente chamado de Cruzado II, cujo foco era um alinhamento de preços de produtos de consumo da “classe média” e aumentos dos impostos que incidiam sobre eles. Os preços dos automóveis foram aumentados em 80%; as tarifas dos serviços públicos, em 35%; combustíveis, em 60%; cigarros e bebidas alcoólicas, em 100%; açúcar, em 60%; leite e laticínios, em 100%; reinstituíram-se as minidesvalorizações cambiais e lançaram-se novos incentivos fis-cais para poupadores, medidas essas que visavam esfriar o consumo. Infelizmente, como avisaram muitos economistas na época, os aumentos de preços tendiam a des-viar os gastos em vez de estimular a poupança.

Como resultado dessas medidas, a inflação reviveu e os salários aumentaram quan-do o mecanismo do gatilho automático começou a funcionar. Em dezembro de 1986, os preços ao consumidor subiram 7,7% e, em janeiro do ano seguinte, 17,8%. Esses aumentos ainda não refletiam o amplo emprego do ágio, que elevava muitos preços a níveis muito mais altos do que os oficialmente cotados. A explosão inflacionária continuou nos meses seguintes, atingindo 14% em março, 19% em abril e 26% em maio. Assim, em meados de 1987 a taxa anual estava bem acima de 1.000%. As expectativas inflacionárias - e a incerteza - recuperaram-se com uma vingança; as taxas de juros anualizadas de curto prazo aproximaram-se de 2.000% no início de

ju n h o desse ano e, finalmente, a posição das reservas internacionais do Banco Central

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havia caído a tal ponto que o governo achou necessário declarar uma moratória uni-lateral em fevereiro de 1987.

O Cruzado II e o renascimento da inflação gerou uma grave instabilidade nos mer-cados financeiros internos brasileiros, demonstrando de forma impressionante sua sen-sibilidade quanto às expectativas inflacionárias e quanto à incerteza de que, está claro, foram intensificadas devido ao Cruzado II. As conseqüências foram ampliadas - ironi-camente - pela política monetária restritiva colocada em ação com o novo pacote polí-tico. Condições de contenção de crédito efetivamente indicavam que os emprestadores (compradores de certificados de depósitos bancários e agentes econômicos que inves-tiam recursos no mercado aberto de overnight) detinham o maior poder no mercado estando, assim, em posição de exigir uma compensação pela incerteza inflacionária. Um emprestador que, por exemplo, buscava uma compensação real de (digamos) 1% ao mês e que tinha uma expectativa de que a inflação seria de 7% ao mês, mas temia que ela pudesse chegar a 9%, poderia insistir em ser compensado com base na inflação que temia e não na que esperava (10% em vez de 8%). Isso contribuiu para a volatilidade das expectativas inflacionárias na medida em que as pessoas tiravam suas conclusões sobre a inflação esperada com base nas taxas de juros observadas e, o que é pior, agra-vavam as conseqüências recessivas da restrição monetária: como a incerteza inflacioná-ria elevou as taxas de juros reais, era mais provável que resultassem falências desse aperto monetário na época de vencimento do crédito.

Ironicamente, embora o Plano Cruzado tivesse acabado com a indexação financeira sob os argumentos de que ela contribuía para a pressão de realimentação da inflação e que mantinha elevadas taxas de juros reais, muitos analistas e homens de negócios defendiam sua volta, pois em circunstâncias de alta incerteza inflacionária, ela redu-ziria as elevadas taxas de juros reais. No exemplo dado anteriormente, o emprestador poderia cobrar sua taxa de juros real mais indexação ex post, a indexação tomaria o lugar da provisão da inflação e incerteza esperadas, mas provavelmente seria mais baixa do que quando a incerteza fosse excessiva. Seja como for, prossegue o raciocí-nio, a indexação financeira deveria pôr fim ao círculo vicioso no qual a incerteza da inflação por parte dos credores elevava continuamente as taxas de juros.

O problema com a indexação nesse contexto, entretanto, é que ela criaria graves riscos se aplicada a tomadores de empréstimos. Devido ao fato de a inflação não ser neutra (determinados preços aumentam a diferentes taxas), os tomadores de emprésti-mos não tinham segurança de que seus preços e receitas iriam aumentar tanto quanto o nível médio de preços no qual a indexação estava baseada.21 O aumento de qualquer índice de inflação representa a média dos aumentos de preços: mesmo que sejam si-metricamente distribuídos, cerca de metade ficaria defasada em relação à média. Um trabalho empírico realizado com os preços brasileiros indica que os fatos foram ainda piores; na maioria dos intervalos de tempo analisados, o aumento do preço mediano era inferior ao aumento do preço médio.22 Além disso, quanto maior a taxa de inflação, indubitavelmente mais ampla é a dispersão dos aumentos de preços. Tendo-se em vista especialmente as elevadas taxas de inflação e a alta dispersão que caracterizava a economia brasileira no início de 1987, uma indexação financeira total poderia ter sido perigosa. De qualquer maneira, as taxas de juros subiram o bastante para causar pro-blemas graves para muitas empresas, especialmente aquelas estabelecidas durante o

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jperíodo de euforia que se seguiu ao Plano Cruzado. Os pedidos de falência atingiram anveis recorde em todo o Brasil na primeira metade de 1987.

Um tipo parcial de indexação foi introduzido no início desse ano: as classes de obrigações do governo e instrumentos de poupança que haviam sido indexados antes do Plano Cruzado estavam agora oficialmente ligados à taxa do overnight que, como -observamos antes, eram ativamente manipuladas pelo Banco Central. Embora hou-vesse fortes indícios de que o governo planejava assegurar que o overnight tivesse uma taxa de retorno “real positiva”, ele não se comprometeu legalmente a fazê-lo. Dessa maneira, a “indexação financeira” em vigor tinha, sem dúvida, um caráter mais “par-cial” do que a praticada antes do Plano Cruzado - que era extremamente diluída por vários meios.

A dívida externa

O relacionamento do Brasil com seus credores externos sempre foi difícil, à me-dida que as conseqüências do Plano Cruzado começaram a se manifestar. A nítida melhoria na conta comercial do país durante 1984 permitiu-lhe cobrir sua conta de juros e, assim, usar os lucros da nova linha de crédito “involuntária” dos bancos comerciais para reconstruir suas reservas internacionais. As negociações para reestruturar a dívida dos bancos comerciais brasileiros, porém, caíram por terra no início de 1985, porque - depois de repetidas interrupções - no final de 1984, o país ficara em desa-cordo com o programa de crédito externo do FMI, de 1983. O novo governo que assumiu em março de 1985 desconsiderou outros acordos com o FMI que se haviam tornado impopulares mesmo pelos padrões da América Latina. Como conseqüência, não se poderiam negociar novos créditos com os bancos comerciais durante 1985 e 1986. Em março de 1986, os bancos comerciais concordaram em reescalonar as datas de vencimento de 1985 e em rolar as datas de vencimento de 1986 para o ano seguin-te (desde 1982 era fato conhecido que ninguém esperava seriamente que o Brasil amortizasse sua dívida).

A recusa do governo em considerar um novo programa do FMI também causou dificuldades com o Clube de Paris, o grupo de países credores que renegocia a dívida oficial. O novo governo apoiou a exigência de um reescalonamento de vários anos, suspendendo o pagamento dos juros aos credores desse grupo de junho a abril de 1985; como o Clube de Paris se recusava a considerar um reescalonamento de vários anos sem a realização de um acordo com o FMI, suas relações com o Brasil pioraram. Em maio de 1986, entretanto, o Brasil recomeçou a pagar os juros de sua dívida com o Clube e em janeiro do ano seguinte firmou um acordo de reescalonamento com o Clube de Paris, com a promessa de “intensificar seus contatos” com o FMI. Isso representou a aceitação, em meados de 1987, de uma série de missões do FMI.

A conta de capital do Brasil permaneceu estável o bastante durante 1985, mas, na primeira metade de 1986, ocorreram problemas quando o investimento estrangeiro di-reto líquido caiu de US$ 800 milhões ao ano para virtualmente zero, tornando-se nega-tivo na segunda metade do ano. O superávit comercial continuou a cobrir a conta de juros até meados de 1986; a partir daí, as perdas de reservas se intensificaram, levando à

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suspensão dos pagamentos de juros aos bancos comerciais em fevereiro de 1987. Depois disso, na verdade, o Brasil financiava sua conta de juros com atrasados acumulados.

Avaliação

O objetivo básico do Plano Cruzado era eliminar a parte “inercial” da inflação bra-sileira, que os economistas do governo afirmavam acreditar ser a principal explicação para a persistente inflação do país que, sem dúvida alguma, se havia tomado cada vez mais inercial à medida que a indexação, tanto formal quanto informal, se difundia, provocando uma situação em que cada agente econômico tinha o poder de manter sua relativa posição na economia. A situação poderia ser caracterizada como “uma luta de empate permanente pela participação do poder aquisitivo”. Parecia haver apenas duas saídas. Uma seria uma política de estabilização ortodoxa, que poderia ter sucesso per-manente somente se certos grupos socioeconômicos pudessem absorver um declínio em sua parcela da renda nacional, e a outra seria a criação de um consenso social, que interromperia a “luta por participação na renda”. 0 Plano Cruzado foi uma tentativa de trilhar o segundo caminho. A frustração geral com uma inflação interminável de três dígitos e a ousadia do congelamento-de-preços-com-nova-moeda criou um consenso social temporário no qual até os agentes que se encontravam em desvantagem na épo-ca do congelamento mostraram-se dispostos a aceitar o sacrifício.

O fracasso do Plano Cruzado pode ser atribuído a muitas causas, sendo a mais importante o aumento salarial concedido no seu início, o que intensificou a demanda agregada numa época em que a economia já estava aquecida, situação que se agravou pela não-poupança do setor público e externa. Analisando fatos passados, é possível que o plano contivesse falhas decisivas, mas os erros que se seguiram em sua execu-ção pioraram os fatos. Os meios de pagamento seguramente cresceram rápido demais no seu início; depois do fracasso, o governo manteve o congelamento de preços e a taxa de câmbio fixa durante um período excessivo. O congelamento interrompeu o funcionamento do mecanismo de preços e apanhou um grande segmento da econo-mia numa posição de preços relativos muito desvantajosa. O erro básico residiu no rígido apego à idéia da inflação zero. Dificilmente se poderia esperar que os setores da economia em desvantagem aceitassem seus sacrifícios por mais de três ou quatro meses, e a realização de ajustes de preços seletivos, com ênfase numa inflação baixa, em vez de zero, poderiam ter mantido a gradual expansão dos ágios e escassez de produtos num nível muito mais baixo. Além disso, muitos problemas relacionados à posição desfavorável de preços relativos das empresas públicas poderiam ter sido evitados aumentando-se as taxas antes do congelamento ou, como ocorreu no setor privado, reajustando-se gradativamente essas tarifas depois do congelamento.

Para que a “inflação zero” ou qualquer coisa parecida funcione, alguns preços de- vem baixar. E uma característica reveladora da economia brasileira que - mercadorias agrícolas à parte — a noção de que um preço em particular possa cair pareça antiquada. Refletindo-se a respeito, parece claro que o dilema básico do governo era estar deter-minado a atingir uma inflação zero, mas ter de realinhar preços relativos, o que teria sido possível somente se pudesse reduzir alguns preços. E insistir no óbvio afirmar

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que uma economia com mecanismos bem desenvolvidos de realimentação da inflação e preços em queda extremamente difíceis tem poucas esperanças de extirpar a infla-ção permanentemente.

Sob o aspecto distributive, o Plano Cruzado favoreceu a classe assalariada, o oposto do que ocorre habitualmente em programas clássicos de estabilização. A redistribuição de renda do capital para o trabalho colocou forças contraditórias em movimento e cau-sou um aumento significativo na demanda por bens de consumo. O setor industrial capitalista reagiu aumentando a produção, apesar de os lucros por unidade estarem diminuindo em muitas empresas devido à combinação do congelamento de preços e dos aumentos dos custos salariais. E provável que algumas firmas tenham sido capazes de manter níveis de lucro adequado através de economias de escala resultantes de lotes maiores produzidos, embora a lucratividade tenha sofrido pressões no final de1986. Isso pode explicar o aumento de investimentos, embora aparentemente eles es-tivessem mais voltados para a instalação de maquinário adicional do que para a cons-trução de novas fábricas. A medida que o “congelamento” se desfazia, porém, é prová-vel que a parcela do capital se tenha recuperado.

Conclusão

O Plano Cruzado falhou definitivamente, e, em decorrência disso, se pagou um preço elevado. Os custos econômicos foram bastante desfavoráveis: as perdas das reservas internacionais que levaram à moratória dos juros, o desagradável ressurgi-mento inflacionário no final do ano e o brusco declínio no poder aquisitivo do traba-lhador, que levou a uma incipiente recessão na primeira metade de 1987. De muitas formas, o preço político foi ainda mais elevado, não simplesmente para aqueles que se encontravam no poder, mas também para o estado de ânimo político da nação. Muitos brasileiros sentiram como se todo o exercício não tivesse passado de uma grosseira manipulação política: os preços foram congelados por tempo suficiente para permitir que um governo fraco e impopular fosse vitorioso nas eleições legislativas, para então serem liberados no programa Cruzado II — instituído menos de uma sema-na após as eleições. O governo pareceu tão vacilante, manipulador e enganoso quanto o precedente regime militar. (Ele, por exemplo, alterou a estrutura fundamental do índice de Preços ao Consumidor para atender às suas necessidades atuais por cinco vezes entre novembro de 1985 e novembro de 1986)."’

Muitos observadores concluíram que o fracasso do Plano Cruzado mostra que cho-ques “heterodoxos” contra a inflação não podem realmente funcionar, que somente um programa ortodoxo ou um controle fiscal e monetário poderão acabar de vez com a inflação crônica do Brasil. Seguindo esse raciocínio, na melhor das hipóteses, um cho-que heterodoxo pode ser útil se for acompanhado de medidas fiscais, monetárias e cambiais adequadas, e se o congelamento de preços for rapidamente concluído. Este Capítulo discutiu que a questão é mais complicada do que faz parecer esse argumento aparentemente perfeito. Pode-se afirmar que a experiência do Plano Cruzado não foi um teste perfeito para um programa de estabilização heterodoxo: o aumento de salá-rios, concedido em associação com o Plano Cruzado, teve um efeito desestabilizador;

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ele foi muito elevado para que o nível de preços resistisse, mesmo numa economia de rápido crescimento como a brasileira. O aumento salarial foi, indubitavelmente, o mai-or erro e, analisando-se os fatos, condenou o Plano Cruzado desde o início. Nenhuma restrição fiscal - ou reduções em outros aspectos da demanda agregada, como exporta-ções líquidas ou formação de capital - poderia ter superado as conseqüências da resul-tante explosão de consumo. Houve outros erros de cálculo na política: o congelamento de preços foi mantido por tempo excessivamente longo sob um ponto de vista econô-mico (se não político de curto prazo); os preços relativos precisavam urgentemente ser realinhados desde o início; a política monetária foi liberada rapidamente demais.

De modo mais controverso, este Capítulo afirmou que o câmbio pode ter sido ini-cialmente desvalorizado, fato que gerou alguma pressão inflacionária, embora a brusca deterioração das contas externas indique que foram subseqüentemente supervalorizadas. Gerando não menos controvérsia, este Capítulo afirmou que o persistente déficit do setor público teve importância relativamente menor no colapso do Plano Cruzado, em-bora, para estar seguro, o realinhamento de preços das empresas públicas e uma polí-tica fiscal mais rígida teriam sido úteis.

Visto que o fatídico aumento salarial não fazia parte do programa de estabilização em si, um teórico poderá argumentar que a experiência do Plano Cruzado não é uma prova definitiva contra a estabilização heterodoxa. E simplesmente possível que o Plano Cruzado tivesse funcionado, ou tivesse funcionado melhor, se os salários reais não tivessem sido aumentados em 8% (e mais) o que, porém, é um argumento preocupante. Como foi observado, os trabalhadores cujos salários acabaram de ser aumentados teriam de aceitar salários monetários reduzidos a fim de evitar esse au-mento salarial. Deve-se perguntar - como o presidente do Brasil realmente fez - se isso era viável em termos políticos. Talvez tivesse sido mais viável não conceder o aumento salarial aos trabalhadores que haviam recebido um reajuste recente, mas isso poderia ter sido encarado como injusto, pois mudaria a distribuição relativa de salários de uma forma arbitrária.24

E possível que o governo pudesse evitar conceder um aumento de salário real se o Plano Cruzado tivesse sido implementado de uma forma um tanto quanto diferente. Se o problema residia no fato de que os cortes de salários estavam fora de questão, o governo poderia ter contornado a dificuldade aumentando todos os preços em geral, numa elevada percentagem antes de congelá-los, o que lhe teria permitido elevar to-dos os salários de modo a determinar seus valores reais iguais à média de seus valores reais nos seis meses precedentes. Pode até ter sido possível para o governo tirar vanta-gem de tal aumento geral de preços para recompor os valores reais dos preços que pretendia congelar - por exemplo, para equipará-los aos seus valores reais médios nos seis meses precedentes. Isso, indubitavelmente, teria tornado o leque de preços igual a uma cifra mais próxima de um valor de equilíbrio do que se teria conseguido com o simples congelamento de preços. Mesmo assim, uma lição que se pode tirar do conge-lamento de preços do Plano Cruzado é que provavelmente teria sido sensato manter o reajuste de preços após o congelamento - mas elevando-os e diminuindo-os a cada ajuste, de modo que o nível geral deles nunca aumentasse. Se o governo tivesse opta-do pela estratégia de aumentar todos os preços antes de congelá-los, teria tornado ime-diatamente escassos todos os ativos financeiros monetários e não-indexados. Os meios

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de pagamento teriam de ter aumentado ainda mais a fim de atender à elevada deman-da d e moeda, mas, por outro lado, a autoridade monetária teria tido maior liberdade de movimento para permitir um crescimento nos meios de pagamento sem atingir o li-miar em que se tornaria inflacionário.

Notas

1. Para detalhes, veja Capírulo 5.2. Capítulo 7.3. BRESSER PEREIRA & XAKANO (1984). p. 30.4. LOPES, op. cit.. 1984; veja também LARA R ESEN D E & LOPES, op. cit., 1983; LOPES &

M ODIANO, op. cit., 1983.5. LOPES (1984), p. 58.6 . Idem, ibid.7. Idem, ibid., p. 64-5.8 . LOPES (1984,1986)9. I'm a descrição completa dos decretos-lei do Plano Cruzado pode ser encontrada na Conjuntura Eco-

nômica, março 1986; o exemplar de abril de 1986 dessa revista contém uma longa discussão de muitos dos principais economistas do país sobre vários aspectos do Plano.

10. Além de LOPES (1984), veja ARI DA (1986); MODIANO (1986) e MARTONE (1986).11. Representado pelo ministro da Fazenda, Dornclles, c pelo presidente do Banco Central. Lemgruber,

que se demitiu no final de agosto de 1985.12. VI AI A GOMES, op. cit., 1986a, p. 13-4.13. DE SOUZA, op.cit., 1986. p. 29-30.14. DIAS CARNEIRO, op. cit., 1987, p. 15.15. Conjuntura Econômica, fevereiro, 1987, p. 83.16. VI AI A GOMES, op. cit., 1986b, p. 41-8.17. MAIA GOMES, op. cit.. 1986a.18. MARQUES, op. cit., 1987, p. 31: DIAS CARNEIRO, op.cit., 1987, p. 16.19. MAIA GOMES declarou, na época;É importante que o governo evite a desvalorização do cruzado em relação ao dólar enquanto for possível.

A idéia central é que a reforma monetária, ao abolir o cruzeiro, tenha criado uma moeda estável que dificil-mente poderia ser mantida se o cruzado tivesse sido desvalorizado da forma que ocorria tão freqüentemente com o velho cruzeiro. Se as pessoas nào acreditarem que o cruzado tem um valor estável, agirão dc acordo: as expectativas inflacionárias voltarão à cena e todo o plano cairá por terra.

E, visto que uma desvalorização do cruzado aumentaria os custos de muitos produtos, “seria impossível impedir as empresas de repassar aos preços os custos que seguiriam uma desvalorização”. Ele, portanto, concluiu que “o Brasil terá de seguir um regime de câmbio fixo por alguns meses”. V1AIA GOMES, op. cit., 1986a, 31-2.

20. Surgiu controvérsia sobre se os empréstimos compulsórios deveriam ser incorporados ao Indice de Preços ao Consumidor como se fossem impostos. Argumentando que os empréstimos não representavam um aumento real de preços porque o consumidor seria reembolsado com a participação no Fundo dc Desenvol-vimento Nacional, o governo decidiu excluí-los do cômputo da taxa da inflação.

21. Ver nota 46, Capítulo 7.22. MOURA, da SILVA & KADOTA, op. cit., 1982.23. Veja MODIANO, op. cit., 1986 e vários exemplares de Conjuntura Econômica.24. Para uma avaliação do fracasso do Plano Cruzado por vários legisladores envolvidos em sua concep-

ção e administração, veja SARDENBERG, op. cit., 1987 & SO LM K , op. cit., 1987.

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9A vacilante economia brasileira: estagnação e inflação durante 1987-93____________________(em co-autoria com Cláudio Paiva)

D o FRACASSO DO PLANO CRUZADO no final de 1986 até a saída do presidente Collor em fins de 1992, a economia brasileira atravessou um período de estagnação (o PIB real cresceu a uma taxa anual de 0,6%) e a inflação alcançou três dígitos durante dois anos e quatro dígitos durante quatro anos (ver Apêndice, Tabelas Al e A5). Como discutiremos neste Capítulo, esses problemas podem ser interpreta-dos como resultado do mau funcionamento do setor público. Ironicamente, como vi-mos em capítulos anteriores, embora o setor público brasileiro tenha representado uma força crucial na industrialização e crescimento do país na segunda metade da década de 1980, ele se tornou uma barreira para a continuação desse crescimento.

Cenário geral

O presidente Sarney permaneceu no cargo até março de 1990. O problema básico de sua administração após a experiência do Plano Cruzado foi a falta de uma visão ou projeto de longo prazo para a economia brasileira. Pior ainda, a falta de coesão sociopolítica dificultou até mesmo a implementação e o desenvolvimento efetivo de reformas de curto prazo. Um reflexo disso é o fato de que Sarney teve três ministros da Fazenda e três diferentes programas de estabilização após 1986 (ver Tabela 9.1).

Sarney foi um presidente sem um prazo de mandato definido. Ao Congresso eleito em novembro de 1986 caberia determinar sua duração, além de servir como Assembléia

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Brasil: os formuladores de política e suas estratégias de estabilização.1985-93

Tabela 9.1

Ano Presidente M inistro da Econom ia

P rin cipa l política econôm ica

P rincipal evento p o lít ic o

1985 F. Domelles Ortodoxia Eleição de

1986 D. Funaro Plano Cruzadogovernadores e

Assembléia

1987 José SamevBresser Pereira Plano Bresser Constituinte -

(nov./86)

1988 Mailson da NóbregaArroz e feijão Assembléia

Constituinte

1989 Plano Verão Eleiçõespresidenciais

(nov./89)1990 Zélia Cardoso Plano Collor 1

1991 F. Collor Collor 11

1992 Marcílio M. Moreira Ortodoxia Processo de1993 G. Krause im peachm ent

P. HaddadIndeterminadaE. Rezende

F. H. Cardoso

Constituinte em 1988. Sarney queria ter seu mandato prolongado de quatro para cinco anos e, com o fracasso do Plano Cruzado, ele perdeu grande parte do apoio popular, o que o enfraqueceu politicamente. Assim, a decisão quanto à duração do mandato passou a depender majoritariamente das boas relações com o Congresso, visto que o presidente não era apto a garantir em torno de si o apoio popular. Desse modo, o presidente Sarney curvou-se às preferências do Legislativo no que se referia às medidas de sua política econômica.

Ao assumir a presidência em março de 1990, Collor apresentou ao país um plano econômico bem definido. Ele introduziu o que parecia ser uma maneira singular de lidar com a inflação (que, na época, estava próxima de uma hiperinflação) e de mo-dernizar a economia do país através de medidas drásticas de liberalização. Apesar da aprovação das primeiras medidas que constituíram o plano de estabilização, a posição minoritária de Collor na esfera política e seu estilo pessoal arrogante dificultaram no Congresso o apoio necessário à realização de algumas reformas estruturais.1 A conse-qüência mais importante dessa fraqueza política foi a impossibilidade de implementar um ajuste fiscal definitivo, visto que isso exigia mudanças na Constituição.

Com o fracasso das tentativas de estabilização e as acusações de corrupção gene-ralizada que resultaram num processo de impeachment no Congresso, o governo Collor perdeu a capacidade de liderança econômica e política. Uma administração cada vez

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mais irremediável sacrificou a estabilização monetária e fiscal e as políticas industriais a favor de medidas de curto prazo destinadas a interromper o processo de impeachment. A falta de liderança econômica continuou mesmo após o vice-presidente Itamar Franco ter assumido a presidência, quando teve seguidas divergências com quatro diferentes equipes econômicas durante seu primeiro ano de exercício.

Sarney depois do colapso do cruzado

Uma visão geral

Ao contrário de suas posições durante o Plano Cruzado, os formuladores da política econômica no período de 1987 a 1989 parecem ter reconhecido a importância de se con-trolar o déficit público a fim de atingir uma estabilização duradoura, embora isso não tenha representado a implementação de medidas drásticas de austeridade. Várias pro-messas de maior disciplina fiscal foram feitas, porém realizadas somente em pequena escala. Cortes menores foram feitos em apenas alguns setores, especialmente em inves-timentos. Por razões políticas, contudo, um verdadeiro ajuste fiscal não foi colocado em prática: faltou determinação ao Executivo devido à ansiedade em ver o Congresso votar a favor do mandato de cinco anos, uma vez que a maioria dos parlamentares nunca sim-patizou com restrições fiscais. Quando a ampliação do mandato foi aprovada, o governo já havia perdido o prestígio no Congresso, visto que a maioria dos políticos estava de olho nas eleições seguintes e estava mais interessada em receber recursos para projetos locais, abalando desse modo as tentativas do governo de reduzir gastos.

No orçamento do governo, os contínuos déficits conduziram a um rápido crescimen-to da dívida interna, e a uma aceleração da inflação. O aumento da dívida, por sua vez, abalou a credibilidade dos títulos públicos, o que tornou indispensável o rápido aumen-to das taxas de juros. O recrudescimento da inflação também provocou uma redução dos prazos dos títulos do governo. Assim, o coeficiente Mt/M4 caiu continuamente na se-gunda metade da década de 1980, de 31,7% em dezembro de 1986 para 8,4% em 1989. A medida que as taxas de juros se elevavam e os prazos da dívida diminuíam (a maioria sendo colocada no mercado de overnight), criou-se uma situação em que o aumento do déficit era provocado principalmente pelo endividamento financeiro do governo.’

Além do impacto negativo no orçamento, a dívida pública tinha um efeito negativo adicional sobre o controle monetário devido às características de seu financiamento. Tendo em vista os altos retornos e curtos prazos dos títulos do governo, este compro-meteu-se (através do Banco Central) em “recomprar” das instituições financeiras in-termediárias aqueles títulos que não encontravam compradores no mercado. A recompra automática de instrumentos da dívida do governo provocou, assim, uma perda de controle sobre a política monetária, visto que a retirada de recursos do mercado de overnight causava um aumento automático dos meios de pagamento e tais retiradas deviam-se cada vez mais às expectativas inflacionárias. Em outras palavras, a dívida pública nesse contexto era cada vez mais a causa principal da falta de controle fiscal (déficit financeiro) e monetário.

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O déficit fiscal e as elevadas taxas de juros também exerceram efeitos nocivos na alocação de recursos. De um lado, havia uma crescente alocação de crédito para o governo: cada vez mais o sistema financeiro diminuía seu papel de intermediador de ■recursos dentro do setor privado e aumentava o de facilitador da transferência de pou-pança ao setor público/ Por um outro prisma, o aumento de recursos alocados no setor tfmanceiro em detrimento do setor produtivo significou um declínio na atividade eco-nôm ica.4 No período de 1981-90, a taxa média de crescimento do setor financeiro foi •de 5% ao ano, o que representou o dobro da taxa de crescimento do PIB. Como resul-tad o , a participação do setor financeiro no PIB aumentou de 8,56% em 1980 para mais «de 19% em 1989.5

•4) Plano Bresser6

Depois do fracasso do Plano Cruzado, a taxa mensal de inflação disparou de 1,4% cm outubro de 1986 para 27,7% em maio de 1987. Com esse aumento foi reintroduzida a indexação oficial de contratos financeiros, representando o reconhecimento por parte -do governo do fracasso de sua política. O ressurgimento da inflação estava relacionado ^o realinhamento dos preços que haviam ficado defasados durante o congelamento do Tlano Cruzado, aos aumentos especulativos de preços na expectativa de outro conge-lamento e a outras pressões de custos provocadas pelos aumentos salariais automáticos resultantes do mecanismo do gatilho instituído durante o Plano Cruzado. Contribuin-do para incertezas e instabilidades adicionais estava o déficit do setor público, que aumentou de 3,7% do PIB em 1986 para 5,4% em 1987, e a declaração da moratória da dívida externa em fevereiro de 1987 que agravou as expectativas inflacionárias e causou o declínio dos investimentos.

Em maio de 1987, Dilson Funaro, ministro da Fazenda durante o Plano Cruzado e os caóticos meses que sucederam seu colapso, foi substituído por Luis Carlos Bresser Pereira. O novo ministro, já no mês de junho, introduziu um plano de estabilização econômica conhecido popularmente como o Plano Bresser. Embora incluísse conge-lamento de preços e salários, ele diferia do plano anterior pela flexibilidade com que essas medidas deveriam ser aplicadas, com duração de noventa dias, permitindo re-ajustes periódicos. Essa maleabilidade também foi aplicada aos preços do setor públi-co e ao câmbio, a fim de evitar dois dos maiores problemas do Plano Cruzado: os déficits das empresas públicas e a supervalorização da moeda que prejudicou a competitividade das exportações do país. A ênfase dada por Bresser Pereira ao con-trole do déficit público como um dos principais instrumentos antimflacionários foi de grande importância. Sua meta era reduzir esse déficit para 2% do PIB até o final do ano. Finalmente, o Plano Bresser também visava manter as taxas de juros acima da taxa de inflação a tim de evitar o tipo de excesso de consumo que havia contribuído para a queda do Plano Cruzado.

O Plano Bresser acenou com alguma esperança quando a inflação mensal caiu de 27,7% em maio para 4,5% em agosto. Depois disso, entretanto, ela tornou a aumentar, atingindo dois dígitos em outubro. Juntamente com a intensificação do conflito distributivo resultante da demanda pela recomposição de salários e o aumento dos

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preços dos serviços públicos e outros setores controlados antes da introdução do pla-no', o problema básico foi a falha em controlar o déficit orçamentário. Os gastos do governo aumentaram devido aos aumentos salariais de seus funcionários que chega-ram a 26% em termos reais, à necessidade de transferir recursos aos governos estaduais e municipais, cujos deficits combinados haviam aumentado 41%, e aos aumentos dos subsídios às empresas estatais. Essa falta de controle fiscal refletia as prioridades políticas de Sarnev, ou seja, conquistar apoio no Congresso para incluir um quinto ano de seu mandato na nova Constituição. Como resultado dessa atitude, o Plano Bresser fracassou e seu autor demitiu-se em dezembro.

Do gradualismo aos choques e retrocessos

Maílson da Nóbrega foi o ministro da Fazenda e principal planejador durante o resto da administração Sarney. Inicialmente, ele se recusou a usar qualquer tratamento de choque, enfatizando somente a necessidade de se empregar medidas de auste-ridade para combater a inflação. Assim, não lançou nenhum programa de ajuste estru-tural, mas limitou-se apenas a administrar o fluxo de caixa do tesouro de modo mais rígido. Entre as principais medidas implementadas estava a proibição de contratar novos servidores públicos, o congelamento do valor real dos empréstimos do setor financeiro ao setor público e a suspensão temporária do mecanismo de indexação para reajustar os salários dos funcionários públicos. Com a ausência de reformas estruturais mais profundas, Maílson complementou sua estratégia de controle de fluxos de caixa com algumas medidas artificiais de curto prazo para desacelerar a inflação. A taxa de aumento das tarifas públicas e de outras empresas controladas pelo Estado foi redu-zida' (o que contradisse sua intenção de reduzir o déficit público), assim como a desvalorização cambial. Isso significou, na verdade, que a luta contra a inflação se dava à custa dos serviços públicos e setores de exportação. Essas políticas antiinfla- cionárias gradualistas passaram a ser chamadas de a estratégia do “arroz com feijão”, devido à falta de qualquer conteúdo estrutural significativo.

Não é de surpreender que essa estratégia se tenha mostrado incapaz de controlar a inflação, cuja taxa média mensal aumentou de cerca de 18% no primeiro trimestre para aproximadamente 28% no último trimestre de 1988. A intranqüilidade social provocada por essa situação levou os líderes trabalhistas e empregadores, subseqüen-tem ente acompanhados pelo governo, a tentar uma versão brasileira do bem-sucedido “Pacto Social” mexicano. T al acordo determinaria futuros ajustes de salários e preços a uma taxa decrescente. Bonelli e Landau observaram que essa tentativa falhou por causa das dificuldades em conciliar interesses conflitantes que haviam sido exacer-bados pela grande dispersão de preços relativos e ausência de apoio político.9

A medida que reajustes preventivos de preços devido às expectativas de um novo programa de choques agravavam a situação, os formuladores da política econômica acharam necessário recorrer mais uma vez ao controle de preços. Assim, no início de1989 a administração Samey tentou, novamente, lidar com a inflação através de um programa especial chamado “Plano Verão”, cujas principais medidas consistiam em: (1) um novo congelamento de preços e salários; (2) eliminação da indexação, exceto

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T abela 9.2Taxas de juros, receitas e gastos públicos

a) Brasil: Taxas de ju ros do overnight (% p o r mês)

M édia anual Taxa overnight p/m Média anual-Inflação p/m

1986 4,6 5,01987 13,5 14,71988 22,7 22,51989 31,7 28,61990 25,4 28,3199! 16.5 15,91992 26,4 23,31993 29,4* 28,7*

* Média mensal: janeiro-maio. Fonte: Conjuntura Econômiea.

b) Setor público: receitas e gastos selecionados (% do PIB em preços correntes)

1975 1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

Impostos federais Empresas públicas

17,73 17,21 15,57 17,17 16,28 15,56 14,56 18,70 15,0 13,9

federais Salários e

2,03 2,96 0,63 1,74 1,32 1,49 -0,19 — — —

remunerações 7,24 6,31 6,94 7,30 7,77 7,92 9,72 10,49 - -Subsídios 2,67 3,86 1.59 1,47 1,59 1,23 1.93 1,72 2,2 1.5Juros/Internos* 1,19 1,93 11.12 10.70 9.85 16,15 22,42 15,20 - -

Juros/Externos** 0,21 0.37 1,51 1.23 1.27 1,43 1,24 1.22 - -

* Pagamentos de juros internos - percentual do PIB.** Pagamentos de juros externos - percentual do PIB.Fonte: CARNEIRO, Dionísio Dias & WERNECK, Rogério L. F. “Public Savings and private investment: requirem ents

for growth resumption in the Brazilian economy”. Texto para discussão n£ 283, jun./1992, Rio de Janeiro, PUC. p. 19 A-B.

para depósitos de poupança; (3) introdução de uma nova moeda, o “Cruzado Novo”, equivalente a 1.000 cruzados; (4) uma tentativa de restringir a expansão monetária e de crédito (aumentando as exigências de reservas para 80%; reduzindo o prazo de empréstimos ao consumidor de 36 para 12 meses; suspendendo as operações de con-versão da dívida em capital de giro) e (5) uma desvalorização cambial de 17,73%.

O impacto do Plano Verão foi ainda mais breve do que o dos planos heterodoxos anteriores. D e uma taxa mensal de 36,6% em janeiro de 1989, o índice Geral de Pre-ços caiu para um mínimo de 4,2% em março, e depois aumentou acentuadamente, atingindo 37,9% em julho, 49,4% em dezembro e 81% em março de 1990.10 Não foi difícil encontrai o motivo desse colapso prematuro. Os fracassos anteriores de políticas heterodoxas para combater a inflação tornaram impotentes os decretos oficiais para

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congelar e desindexar preços. A baixa credibilidade desses instrumentos e as expecta-tivas negativas dos agentes econômicos resultaram no uso de medidas extralegais para aumentar preços.

A crise econômica agravou-se nos últimos quatro meses do governo Sarney em que, devido à ausência de um ajuste fiscal eficiente e, assim, tendo de enfrentar persistentes déficits orçamentários elevados, se viu obrigado a manter uma alta taxa de juros (ver Tabela 9.2a), que elevou significativamente o custo da dívida pública. Como resultado, os gastos financeiros em 1989 aumentaram 158% e foram a principal causa do déficit governamental (ver Tabela 9.2b)." A deterioração das finanças pú-blicas refletiram-se naquela época não só nas dificuldades em se colocar novos papéis da dívida do governo, mas também na tendência em direção à monetização de sua dívida.1- As autoridades temiam a evasão de recursos do mercado de overnight” para ativos reais, o que era percebido por muitos como um detonador iminente de um amplo processo de hiperinflação.

O impacto fiscal produzido pela Constituição de 1988

A Constituição de 1988 provocou um impacto negativo sobre as finanças públicas brasileiras. Ela enfatizou uma tendência já crescente de transferência de recursos fiscais do governo federal para os estaduais e municipais. Desde meados da década de 1970, estes últimos vinham aumentando sua participação na receita fiscal: em 1975, a parti-cipação no imposto de renda e nos impostos sobre produtos industrializados represen-taram 5% cada e, em 1980, essa participação havia aum entado para 14% e 17%, respectivamente. A Constituição de 1988 transformou em exigência que o governo trans-ferisse 21,5% do imposto de renda e dos impostos sobre bens manufaturados para esta-dos e municípios a partir de 1993. Como a redução dos recursos do governo federal não foi acompanhada por uma diminuição em suas obrigações, a Constituição agravou o desequilíbrio estrutural do orçamento federal. Além disso, como advertiu um estudo de 1989, havia o risco (que depois se materializou) de que “... os estados e municípios - com suas receitas adicionais e sem novas obrigações — iriam usar as novas receitas para aumentar suas atividades, inviabilizando uma futura descentralização das obrigações do governo” ,14

O período Collor

Plano Collor I

Quando Fernando Collor de Mello assumiu a presidência em março de 1990, a_ inflação havia atingido uma taxa mensal de 81%. Enfrentando uma hiperinflação c m ritmo ascendente, Collor imediatamente introduziu um surpreendente e novo progra— ma antiinflacionário que consistia nas seguintes medidas:

1) 80% de todos os depósitos do overnight, contas correntes ou de poupança que ex— cedessem a NCz$ 50 mil (equivalentes a US$ 1,300 pelo câmbio da época) foratr»

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congelados por 18 meses, recebendo durante esse período um retorno equivalen-te à taxa corrente de inflação mais 6% ao ano.

2) Foi introduzida uma nova moeda. O Cruzeiro substituiu o Cruzado Novo (Cr$ 1,00 = NCz$ 1,00).

3) Foi cobrado um imposto extraordinário e único sobre operações financeiras (IOF), sobre o estoque de ativos financeiros, transações com ouro e ações, e sobre as retiradas das contas de poupança.

4) Congelamento inicial de preços e salários, com ajustes posteriores seguindo deter-minação governamental baseada na inflação esperada.

5) Eliminação de vários tipos de incentivos fiscais — para importações, exportações, agricultura, regiões Norte e Nordeste e a indústria de computadores; aplicação de imposto de renda sobre os lucros provenientes das operações no mercado de ações, atividades agrícolas e exportações e a criação de um imposto sobre gran-des fortunas.

6) Indexação imediata dos impostos (sobre renda e produtos manufaturados), obri-gando seu ajuste à inflação no dia posterior à realização da transação.

7) Implementação de medidas disciplinares e novas leis reguladoras sobre operações financeiras, buscando reduzir significativamente a sonegação fiscal.1'’

8) Aumento do preço dos serviços públicos (por exemplo, 57,8% no preço do gás; 83,5% nos serviços postais; 32% em eletricidade e telefone e 72,28% nos salários).

9) Liberação do câmbio e adoção de várias medidas para promover uma gradual abertura da economia brasileira em relação à concorrência externa.

10) A extinção de vários institutos governamentais e o anúncio da intenção do gover-no de demitir cerca de 360 mil funcionários públicos.

11)Medidas preliminares para instituir um processo de privatização.

Mais tarde, o governo adotou uma importante medida complementar ao Plano Collor I, que consistia em uma mudança no mecanismo automático de recompra no mercado de overnight, operação que costumava ser realizada sem custos para as ins-tituições financeiras. Com as novas medidas, entretanto, um pagamento para cada transação passou a ser exigido.

O impacto do Plano Collor I

O impacto imediato causado pelo plano foi uma redução extraordinária da liquidez do país, visto que os meios de pagamento (M+) como percentagem do PIB caíram de cerca de 30% para 9%.16 Dentro de um mês, a inflação baixou para uma taxa mensal de um dígito (5% ou 9%, dependendo do índice utilizado). A brusca diminuição na liquidez conduziu a uma pronunciada queda nas atividades econômicas, como revelouo crescimento negativo de 7,8% do PIB no segundo trimestre de 1990.17 O medo de uma recessão e as pressões exercidas por vários grupos socioeconômicos levou o go-

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verno a liberar muitos ativos financeiros bloqueados antes do programado, o que foi feito aleatoriamente, sem normas bem estabelecidas.1* As muitas concessões, o impac-to do superávit no balanço de pagamentos e o processo orçamentário do setor público (cujos impostos podiam ser pagos na antiga moeda bloqueada, mas cujos gastos eram realizados na nova moeda) levaram a um rápido processo de remonetização. Depoise 45 dias, houve uma expansão de 62,5% dos meios de pagamento, elevando-os a

14% do PIB.'0Lma das principais metas do Plano Collor era reduzir o déficit primário de 8% do

PIB para um superávit de 2%, e o superávit real alcançado em 1990 como um todo foi de 1,2%. Esse resultado, entretanto, deveu-se em sua maioria a medidas artificiais ou temporárias, como a cobrança do imposto extraordinário sobre ativos financeiros, a suspensão do serviço da dívida consumada pelo congelamento dos ativos e o atraso dos pagamentos do governo aos fornecedores. Um legado mais duradouro foi a redu-ção da dívida como parte do PIB.20

O declínio no componente financeiro do déficit criou uma situação em que os gastos do governo com pessoal e mudanças sociais correlatas somaram 37% do total dos gastos, enquanto transferências para estados e municípios (instituídas pela Cons-tituição de 1 J88) representaram 23%. As tentativas do governo em demitir funcioná-rios foram reprimidas por essa mesma Constituição, que declarava que todos os fun-cionários do governo empregados por mais de cinco anos não poderiam ser demitidos.21 Lntao, reformas adicionais que visavam à melhoria permanente da situação fiscal do governo dependiam agora de modificações na Constituição. Essas, por sua vez, exi-giam a aprovação de dois terços do Congresso, apoio com que Collor não podia contar.

ü Plano Collor congelou todos os preços durante 45 dias, depois do que o governo iixou ajustes percentuais máximos a cada mês, baseados na inflação (oficial) esperada no período. Outro percentual seria determinado no dia 15 de cada mês, fixando os aumentos do salário mínimo.-Ajustes salariais que excedessem esse percentual pode-riam ser negociados entre empregados e empregadores, mas não poderiam gerar au-mentos nos preços praticados pela empresa, que estavam sujeitos a monitoramento do governo. Mas, como a percentagem predeterminada de 0% para abril foi ultrapassada pelos aumentos reais de preços, o governo enfrentou dificuldades políticas. A regra para salários foi abandonada depois de abril e as livres negociações entre emprega-dores e empregados iriam definir os ajustes salariais dali por diante.

O plano exerceu um forte impacto recessivo sobre a economia devido ao extraordi-nário declínio no estoque de ativos líquidos. Além disso, como foi observado por Zini, ... algum impacto recessivo era inevitável por causa do armazenamento defensivo de

matérias-primas e bens acabados e do nível artificial de atividade provocado pela hiperinflação anterior”.23 O PIB real caiu 7,8% no segundo trimestre de 1990. Com o desbloqueio de vários ativos congelados nos meses seguintes, a atividade econômica reagiu, produzindo o crescimento de 7,3% no PIB no terceiro trimestre (ver Tabela 9.3), enquanto no último trimestre houve outro declínio de 3.4%.24 O declínio de 4,4% do PIB para o ano de 1990 como um todo, porém, não pode ser atribuído somente ao1 lano Collor. No primeiro trimestre anterior ao plano, já havia ocorrido uma queda de -,4% e as políticas restritivas gradualistas adotadas depois de junho (provocando a queda no último trimestre) também contribuíram para o resultado final.

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Tabela 9.3Taxas de crescim ento trimestral, 1988-93

Produto Interno Bruto Agricultura* Indústria* Serviços*

1988-1 1,6 - _ _II - 1,2 -2,3 -2,7 0,8III -0,5 -0,8 -1,9 0.0IV 1,9 1,6 -2,8 -0,8

1989-1 1,2 3,9 0,0 1,6II 4,5 -0,8 7,6 3,1III 1,1 -3,8 1,8 0,7IV 0,0 2,3 0,9 0.7

1990-1 -2,5 -6,9 -2,7 -0,8II -8,2 4.1 -15,4 -3,8III 7.4 1.6 12,8 2.3IV -1,9 1.6 -4.8 0.0

199 l-I -4,1 -3,1 -6,0 -1.611 6,4 1,6 12,6 3,8III 2,3 2,3 0,0 0,0IV -2.5 0.0 -3,8 0,0

1992-1 -0,7 6,0 -2,0 0,0II -1,3 0.0 -2,0 0.0III -0,7 -2,9 -1,5 -1,7IV 2,4 4,4 4.3 1,5

1993-1 3.8 4,7 -3.8 -0.211 1,0 - - -

III -2,6 - - -

* Ajustado sazonalmente.Fontt: Boletim ConjunturaL Rio dc Janeiro, IP EA, vários exemplares.

Quanto ao aspecto externo, o governo Collor deu início a um processo de liberalização que continuou no começo da década de 1990. Introduziu-se uma redução ^gradual de tarifas e permitiu-se a flutuação do câmbio. Com a aceleração da inflação ma segunda metade de 1990, a taxa de câmbio real começou a se valorizar, o que levou o governo a interferir no mercado cambial a fim de evitar uma séria sobrevalorização <io cruzeiro. A sobrevalorização observada no meio do ano, combinada com a elimi- jnação do programa de incentivo às exportações, causou um declínio de 8,7% nas ■exportações em 1990, enquanto as importações aumentaram 11,5%, não só devido à sobrevalorização, mas também ao aumento dos preços do petróleo originados pela crise do Iraque. Com o processo de liberalização, as importações poderiam ter aumen-tado ainda mais, não fosse a recessão econômica.

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Plano Collor II

Depois de uma queda inicial subseqüente ao anúncio do Plano Collor I, a inflação começou a subir novamente em julho, como resultado do relaxamento do controle dos preços e salários e do processo irregular de remonetização. Como a inflação continuasse a acelerar-se no início de 1991 e o governo encontrasse crescentes dificuldades em colocar seus papéis, a equipe econômica de Collor, liderada por Zélia Cardoso de Melo, implementou um novo pacote econômico em Ia de fevereiro. Dessa vez, a estratégia concentrava-se numa reforma financeira limitada que consistia na eliminação do overnight e num ataque à inflação inercial, através de um congelamento de salários e preços e na extinção de várias formas de indexação.

O overnight foi substituído pelo Fundo de Aplicações Financeiras, cuja composição era regulada pelo governo: um mínimo de 43% de papéis do governo federal ou estadual garantidos pelo Banco Central, esperando, dessa maneira, assegurar uma demanda mínima para eles; 13% de obrigações de Títulos de Desenvolvimento Eco-nômico e de Títulos de Desenvolvimento Social, criados para financiar novos progra-mas de investimento nas áreas industrial e social; 42% dos recursos deveriam ser in\restidos, a critério das instituições financeiras, em papéis privados ou estaduais, sem a garantia do Banco Central, e os restantes 2% deveriam ser mantidos como reservas sob forma de depósitos à vista.2’

Os rendimentos desse fundo deveriam ser baseados numa “Taxa Referencial’ (TR — Taxa de Referência) que era calculada a partir das futuras taxas de papéis privados (DCs) e federais. O objetivo do governo em criar esse sistema em lugar dos antigos esquemas de indexação foi eliminar a “memória inflacionária” , possibilitando que as expectativas de queda das taxas de inflação fossem incorporadas à formação de preços atual. O mesmo objetivo de ter as futuras expectativas rapidamente incorpo-radas aos ajustes correntes fundamentou a mudança da política salarial, que consistia na unificação das datas para as renegociações salariais (dissídios).

Durante o Plano Collor II, a eterna busca pela austeridade consistiu em tentativas de administrar melhor os fluxos de caixa e conter as despesas das empresas estatais. Entre as principais iniciativas nesse sentido estavam o bloqueio de 100% do orçamen-to dos Ministérios da Educação, Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social e 95% dos fundos originalmente destinados a investimentos, isto é, a liberação de fundos a esses ministérios passou a depender da aprovação do Ministério da Fazenda e da disponi-bilidade de recursos. Além disso, criou-se uma comissão subordinada ao Ministério da Fazenda para controlar as empresas estatais que deveriam reduzir seus gastos reais em 10% até o final de 1991. Essas medidas complementaram o aumento das tarifas pú-blicas que foi fixado antes do congelamento de preços. Finalmente, o governo reduziu a transferência de fundos aos estados e municípios sem deixar de cumprir o nível mínimo imposto pela Constituição.

Embora as medidas do Plano Collor II tenham causado um impacto de curto prazo sobre os preços (cujo aumento mensal caiu de 21% em fevereiro para 6% em maio), a equipe responsável por ele foi substituída em maio de 1991, antes que o efeito de longo prazo de todo o plano pudesse ser sentido. A principal razão para a mudança no Ministério da Fazenda pode ser encontrada na crescente diminuição do apoio político

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Tabela 9.4 Brasil: tarifas médias de importação, 1987-94

(%)Tarifa média Desvio-padrâo

1987 51 261988 41 171989 35 201990 32 2 19,61991 25,3 17,41992 21,2 14.21993* 17,1 10,71994* 14,2 7.9

* P roje u d o.

Fonte: Perspectivas da F.conomia Brasileira, 1992. Brasília. IPEA, 1991. p. 67 e 76.

à equipe de Zélia Cardoso, que era encarada como excessivamente centralizadora e autoritária. O forte intervencionismo do Plano Collor I (especialmente o congela-mento dos ativos financeiros) e seu subseqüente fracasso, a imposição de outro congelamento de preços e uma nova forma de indexação exerceram um forte impac-to negativo sobre o setor privado e a mídia. O novo ministro, Marcílio Marques Moreira, assumiu declarando-se contra qualquer tipo de tratamento de choque. Essa afirmação e seus antecedentes como ex-embaixador em Washington e como execu-tivo de um grande banco fizeram com que fosse aprovado pelo setor privado.

As preocupações de curto prazo da nova equipe econômica concentravam-se no controle do fluxo de caixa e nos meios de pagamento, no descongelamento de preços e na preparação para a liberação dos ativos ainda bloqueados (que representavam 6% do PIB), além da garantia de continuidade do processo de privatização e da abertura da economia (ver Tabela 9.4, mostrando o declínio das tarifas médias de importação). De fato, as privatizações começaram em outubro de 1991, e, no final do ano, cinco empresas estatais haviam sido vendidas, produzindo uma receita de 0,5% do PIB.26

Com respeito aos controles dos fluxos de caixa, os resultados satisfatórios foram atingidos principalmente com os salários dos funcionários públicos sendo aumentados a uma taxa inferior à da inflação (dessa forma, os gastos reais com salários declinaram em 43%).27 Além disso, os investimentos públicos caíram, representando somente 30% do que havia sido programado para o ano. Os gastos com os serviços da dívida pública interna declinaram 80%, principalmente devido à redução do estoque da dívida em 1,5% do PIB, devido ao processo de subindexação do Plano Collor II.

Apesar da significativa queda nos gastos que sofreram uma redução de 63,8% em termos reais, o superávit primário foi de apenas 1% do PIB e o déficit operacional de 1,75% em 1991, visto que a receita real do governo caiu 65%. Essa queda da receita pode ser atribuída principalmente à desindexação dos impostos, às várias disputas quanto ao pagamento de outros impostos e ao declínio das receitas provenientes dos

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Tabela 9.5 Preços e m eios de pagamento, 1988-92 (Taxas de crescimento médio m ensal)

Preços M , V, M l Mt

1988 1 18.3 4,7 11.8 15.7 15.9II 20,2 16,4 26,7 23,0 22.3III 23,4 15,7 22,7 23,0 23,0IV 28,2 34,6 30,4 28,9 28,4

1989 1 17,5 12.2 20.4 21.5 19.0II 14,9 19,7 14,4 12,9 14,4III 37.8 21,1 33,1 30.4 30,1IV 44.5 56,2 50,6 45.0 46,7

19901 75.0 91,7 24.4 28.4 27.4II 9.8 24,7 32.4 27.9 33,2III 12,5 8.0 9.2 1 1.5 13,5IV 16,0 19.3 15,7 15.9 15,6

1991 1 16.1 14,8 16.0 16.4 15,1II 8,4 8,5 8.7 9,1 11,2III 14.8 13,5 16.3 15,1 16,2IV 24.6 21,1 32,7 32,5 29.5

1992 I 24,1 9,3 32.2 30.4 32,3II 20,8 24,6 26.7 25,7 26,8III 24,9 20.7 23.9 23,9 24,6IV - - - - -

Fonte: C alcu lado com base na Conjuntura F.commica.

impostos devidos por empresas, para compensar pagamentos em excesso durante o Plano Collor I.

Os esforços fiscais foram, porém, mais do que equilibrados pela expansão monetária. Em agosto e setembro, o excesso de liquidez provocado pelo início da liberação dos ativos bloqueados fez com que as taxas de juros fossem negativas. Na Tabela 9.5, pode- se observar que o crescimento médio mensal dos meios de pagamento foi de 8,5% no segundo trimestre, aumentando para 13,5% no terceiro, enquanto M, subiu de 8,6% para 16,3% nos mesmos períodos, respectivamente. Esses fatos, associados à não-adoção de medidas antiinflacionárias rígidas por parte do governo causaram uma explosão das expectativas de inflação, cuja taxa mensal aumentou de 16% para 26% em outubro, ge-rando uma crise no mercado de câmbio com uma forte especulação em relação ao cruzei-ro. O governo reagiu elevando bruscamente as taxas de juros, que atingiram 6% ao mês em termos reais após setembro e causaram uma desvalorização do cruzeiro em 14% aci-ma da inflação, medidas que conseguiram controlar a crise de outubro. As altas taxas de juros, porém, provocaram um aporte de capital significativo, o que contribuiu grandemente para novos aumentos nos meios de pagamento — a taxa de crescimento mensal de M, no último trimestre aumentou para 21,1% e a de M, para 32,7%.29

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O PIB real aumentou cerca de 1,1% em 1991. A maioria desse crescimento con- centrou-se no segundo trimestre e estava ligada ao congelamento de preços; contudo, as elevadas taxas de juros predominantes na segunda metade do ano, e a redução dos gastos do governo causaram uma queda significativa no crescimento no terceiro tri-mestre e uma taxa real de crescimento negativa no trimestre final daquele ano.

Perto do final de 1991, a equipe de Marques Moreira introduziu ainda um novo programa antiinflação para 1992-93, baseado numa forte restrição ao crédito,30 num gradual fortalecimento das finanças públicas e numa taxa de câmbio que deveria manter o valor real do cruzeiro. O governo enviou um pacote fiscal para aprovação no Congresso que incluía importantes mudanças no imposto de renda, a redução da dedutibilidade dos pagamentos de benefícios extras da base de renda das empresas e um aumento das taxas de impostos das faixas de tributação mais elevadas. Houve aumento em alguns impostos diretos e a eliminação de muitos impostos de menor importância. Tam bém foram envidados esforços no sentido de cobrar os atrasados e de melhorar a administração dos impostos. A maioria das medidas desse pacote fiscal não foi aprovada pelo Congresso que, em dezembro de 1991, sancionou algumas medidas emergenciais, que consistiam na indexação de todos os impostos e da modi-ficação da legislação tributária.

Por inúmeras razões, entretanto, a situação fiscal em 1992 se deteriorou. Na pri-meira metade desse ano, as receitas do governo foram menores do que o programado devido às contínuas disputas legais quanto ao pagamento de impostos de seguridade social (o Finsocial e seu sucessor, o Cofins), a reduções maiores do que as esperadas no pagamento de impostos de empresas para compensar os pagamentos excessivos de1990 e às quedas na arrecadação de outros impostos decorrentes da redução da ativi-dade econômica. Esse declínio da receita foi compensado apenas em parte por cortes em dispêndios correntes e de capital. As finanças públicas ficaram ainda mais fracas na segunda metade de 1992 por causa do aumento dos salários dos funcionários pú-blicos,’ das aposentadorias (uma determinação do Tribunal Superior fez com que o governo repusesse perdas retroativas a setembro de 1991) e do impacto de outros gastos correntes e de investimento. Além disso, permitiu-se que os preços dos servi-ços públicos caíssem bruscamente numa tentativa de frear a inflação. Finalmente, devido às políticas de restrição ao crédito na primeira metade de 1992, os gastos líquidos do governo referentes ao serviço da dívida aumentaram de 0,6% do PIB em1991 para 2,1% em 1992, apesar da queda que vinham sofrendo os juros da dívida externa. Em 1992, o déficit operacional totalizou 2,5% do PIB.

A rígida política monetária praticada no início de 1992 fez com que as taxas de juros reais anuais no mercado de overnight chegassem a 44%. Tal política foi motivada pela necessidade de se tentar neutralizar o grande aumento das reservas internacionais (ver Apêndice, Tabela A4), pela liberação dos ativos bloqueados remanescentes e pela as-sistência financeira que o Banco Central era obrigado a dar à Caixa Econômica Federal (CEF) e a vários bancos estatais que enfrentavam graves problemas de liquidez. Devi-do à contínua fragilidade da economia, entretanto, houve um relaxamento da política monetária na segunda metade de 1992 e as taxas de juros reais caíram para 8%.

As taxas de inflação declinaram de 27% em janeiro para 18% em abril, mas torna-ram a subir, atingindo uma média de 25% ao mês na segunda metade do ano. O

208

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retorno a essas taxas foi atribuído à fraca política fiscal e às expectativas adversas associadas à crise política que levou ao impeachment do presidente. Além disso, as autoridades mostravam-se ansiosas por evitar a valorização da taxa de câmbio real, e as desvalorizações progressivas do cruzeiro para acompanhar a inflação também ali-mentaram novos períodos de aumentos de preços.

O PIB real declinou cerca de 1% em 1992, principalmente devido à retração in-dustrial. Na área de bens de consumo duráveis, em especial, a produção caiu 4%, em parte, em conseqüência dos baixos investimentos resultantes das elevadas taxas de juros praticadas na primeira metade do ano e da agitação política do segundo semes-tre. A queda dos salários reais contribuiu para uma redução no consumo. A agricultura contribuiu de forma positiva, resultado de uma colheita excelente, que cresceu 6%.

O período Itamar Franco: uma transição

Quando Itamar Franco assumiu como presidente interino, em outubro de 1992, o desempenho econômico não mostrava melhora significativa. A inflação continuou a apresentar uma taxa mensal de 25% nos últimos três meses do ano, subindo para mais de 30% na segunda metade de 1993. Embora o PIB tivesse se recuperado ligeiramen-te no último trimestre de 1992, ele declinou novamente no primeiro trimestre do ano seguinte. Trabalhadores continuavam a ser demitidos, setores contrários à privatização conseguiram que o processo fosse temporariamente interrompido (embora tenha sido reativado em meados de 1993) e não havia consenso sobre como implementar um ajuste fiscal.

A ineficiência inicial de Itamar Franco em proporcionar uma liderança política e econômica não melhorou, quando passou de presidente interino a presidente de fato. Foram precisos mais de quatro m eses para que ele reiniciasse o programa de privatizações e também foi necessário um período de tempo considerável para mudar de uma postura nacionalista para uma atitude mais receptiva diante do capital estran-geiro. A instabilidade de sua equipe econômica também não ajudava, visto que ele substituiu os ministros da Fazenda três vezes, num período de seis meses.

Até meados de 1993, as sucessivas equipes econômicas de Itamar Franco abstive- ram-se de congelamentos de preços, confisco de poupanças, novas indexações ou que-bra de acordos contratuais existentes. A medida que se tornava cada vez mais claro para o governo Itamar que um dos principais problemas do Brasil ao enfrentar a infla-ção residia no ajuste fiscal, foi proposto, e gradualmente aprovado pelo Congresso, um imposto especial temporário sobre movimentações financeiras (IPMF) que, porém, foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Superior em setembro de 1993. O governo também realizou esforços para tomar mais eficiente o recolhimento de impostos e im-pedir as evasões fiscais que haviam aumentado significativamente nos últimos anos. Em meados de 1993, o programa de privatização foi totalmente restabelecido e os planos foram ampliados para incluir várias empresas responsáveis pela infra-estrutura (como de energia elétrica e transporte ferroviário). O governo Itamar também come-çou a adotar uma postura firme em relação às contas dos governos estaduais e locais.

Em maio de 1993, o presidente Itamar Franco indicou seu quarto ministro da Fa-zenda, Fernando Henrique Cardoso. Já em junho, o ministro Fernando Henrique Car-

20S

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doso apresentou um plano de austeridade chamado de “Plano de Ação Imediata”, cujo ponto básico era um corte de US$ 6 bilhões nos gastos do governo (representando 9% de gastos federais e 2,5% dos gastos em todos os níveis do governo - federal, estadual e municipal). O plano também exigiu uma rigidez maior no recolhimento de impostos e a solução dos relacionamentos financeiros com os governos estaduais.

Os estados deviam ao governo federal US$ 36 bilhões em 1993 com cerca de US$ 2 bilhões em atraso. Cardoso declarou que seriam negadas aos estados as garan-tias federais a empréstimos estrangeiros até que esses atrasos fossem pagos e que os governos estaduais deveriam alocar 9% de suas receitas para acertar suas dívidas com o governo federal. Também foram tomadas medidas para impedir que bancos esta-duais criassem moeda. Na década de 1980 e no início da de 1990, era prática comum de muitos estados tomar empréstimos de seus bancos. Tais empréstimos tornaram-se de tal maneira desenfreados que muitas dessas instituições ficaram sem liquidez e tiveram de recorrerão Banco Central para auxiliá-las, o que representou uma fonte de pressão adicional para emissão de moeda por parte do Banco Central. Em agosto, a maioria dos estados concordou em começar a repagar sua dívida ao governo federal em parcelas mensais durante um período de 20 anos.

Em meados de 1993, iniciou-se uma campanha para combater a sonegação fiscal, a ■qual havia crescido extraordinariamente na década anterior e ocasionara perdas ao go- ^verno estimadas entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões ao ano. J

O “Plano de Ação Imediata" foi criado quando a atividade econômica crescia nova- anente. O PIB aumentou 4% no primeiro trimestre de 1993 em relação ao primeiro -«rimestre do ano anterior. Esse fato se deveu, em parte, aos maiores salários reais e ao sium ento da receita agrícola. O crescimento da atividade econômica também se mani- rfestou no aumento das importações, especialmente de matérias-primas e maquinário. ^De maio de 1992 a maio de 1993 a produção industrial cresceu 16,3%, com a liderança «Jos produtos químicos, maquinário elétrico, carros e produtos de metal que, juntos, rtforam responsáveis por 65% do crescimento industrial.

A inflação, porém, continuava imbatível, atingindo taxas mensais superiores a 30% tm i meados de 1993, fato que levou os líderes sindicalistas e políticos a introduzir uma Mei salarial que exigia reajustes mensais para todos os trabalhadores de baixa renda. lEmbora essa lei fosse aprovada a princípio, acabou vetada pelo presidente Itamar Franco. CD governo, então, conseguiu que o Congresso aprovasse uma lei salarial que limitava c d s ajustes mensais a 10 pontos percentuais abaixo da taxa mensal de inflação.

3Jma revisão estatística dos anos de 1987-1993

Esse período caracterizou-se pela estagnação. Durante três anos, em seis, o PIB rea l declinou e sua taxa de crescimento anual foi de 0,5% (Apêndice, Tabela Al). O P IB per capita declinou em quatro dos seis anos e a taxa de crescimento médio anual Foi de -1,2%. Em 1992, o PIB per capita real era cerca de 8% mais baixo que em 1980.

Observando a Tabela A l, fica claro que o setor de pior desempenho foi o rmanufatureiro, experimentando somente dois anos de crescimento positivo, enquanto a. taxa de crescimento médio anual no período foi de -2,5%; o setor de construção

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Tabela 9.6A utilização da capacidade industrial, em São Paulo, 1989-93 (%)

1989 1990 1991 1992 1993

Janeiro 77,3 78.6 68,0 67,8 70,6Fevereiro 76.6 76,8 66,7 68.5 71,0Março 78.8 72.4 69.1 68,1 75,0Abril 77.8 59,6 71,9 68,9 75.0Maio 80.4 68,2 73,4 70,6 76.0Junho 82.2 71.1 75,3 71,4 76,5Julho 82,2 76.5 78,3 72.8Agosto 83,5 78,2 77,2 ~>2 2 _Setembro 81,8 78.5 74.1 72 2Outubro 81,2 77,3 74,2 74.1Novembro 81,3 73,0 71,7 72.8Dezembro 78,1 64,9 67.6 68.9 -

Fon te: Conjuntura F.conomica.

apresentou três anos de crescimento positivo com média anual de -1,1%, enquanto a agricultura teve quatro anos de crescimento positivo, e média anual de 3,7%. O maior declínio ocorreu na indústria de bens de capital — média dc -8,4% ao ano; a segunda maior queda ocorreu no setor de bens de consumo não-duráveis (-5,1%), seguido de bens de consumo duráveis (-4,6%) e bens intermediários (-3,7%), o que reflete uma queda significativa nos investimentos e no consumo, este último estando relacionado aos declínios na renda per capita. A utilização da capacidade industrial caiu notavel-mente após 1989 (Tabela 9.6), atingindo seu m enor nível em 1992, desde o início da década de 1980.

_ investimentos tixos brutos, como parte do PIB, a preços de 1980, que somaram ~5/c em meados da década de 1970 e permaneceram em 22,9% em 1980, declinaram durante quase toda a década de 1980 ( Tabela A3), atingindo o baixo índice de 14,5% em 1992. Grande parte dessa queda toi ocasionada pela restrição aos investimentos do governo, que foram quase 50% menores em 1992, em relação a 1986. Os investimentos privados caíram 12%' no mesmo período. Como nas contas nacionais esse item inclui investimentos de empresas estatais, estima-se que estes últimos declinaram 34% entre

6 ^992. Essa fantástica queda nos investimentos públicos foi extremamente pre-judicial para a eficiência e o crescimento futuros do país e significava que sua infra-es-trutura tornava-se cada vez mais inadequada ao bom funcionamento da economia (deterioração de estradas, adequação do sistema de telecomunicações em declínio, ameaça de futuros colapsos no fornecimento de energia elétrica) e que muitas atividades indus-triais diretamente produtivas estavam ficando tecnologicamente defasadas.

A notória concentração da distribuição de renda do Brasil agravou-se nesses anos. fatia do quintil superior aumentou de 63,4% em 1986 para 68,1% em 1989, caindo ligeiramente para 65% em 1990; a fatia do quintil inferior caiu de 3,2% em 1986 para_ 2,2% em 1989, subindo ligeiramente para 2,6% em 1990 (ver Tabela 9.7). Vários tiposs-

21L

Page 203: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 9.7Brasil: distribuição de renda

Percentagem de renda familiar agregada

A no Decil superior Quintil superior Quintil inferior

1983 46,2 62,6 2,41985 47,7 64,1 2,81986 47,5 63,4 3,21989 52,4 68,1 2,21990 48.7 65,0 2,6

Fonte: IBGE, vários exemplares do Anuário Estatístico.

Tabela 9.8Salários reais e emprego, 1980-93

Empregos nas indústrias Horas trabalhadasSalários reais de São Paulo na indústria

1978 = 10» 1978 = 100 1978 = 100

1980 117 107 1081981 122 100 951982 125 95 891983 110 88 801984 113 87 841985 140 95 951986 176 104 1061987 167 106 1071988 177 104 1021989 193 105 1021990 166 103 951991 146 95 851992 158 89 801993 172* 86 82

* Junho de 1993.Fonte: Conjuntura Econômica.

cde medidas de salários também indicam um declínio no bem-estar da força de tra-balho. Enquanto o salário mínimo legal no início de 1992 era 15% mais baixo que em 1986,35 os salários reais em São Paulo aumentaram de 1986 a 1989, caindo nos três anos subseqüentes a níveis inferiores aos de 1986 (ver Tabela 9.8). Os níveis de emprego n a s indústrias de São Paulo mantiveram-se estáveis até 1990, caindo então notavel-m en te , enquanto as horas trabalhadas sofreram uma queda após 1989. Finalmente, a ^Tabela 9.9 mostra que, embora o desemprego aberto continuasse a ser relativamente fcaixo nas regiões metropolitanas do país, havia um considerável aumento de trabalha-dores não-registrados em 1991 e um acentuado aumento de trabalhadores autônomos após 1986, indicando um crescimento significativo do setor informal.

2 1 2

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Tabela 9.9 D esem prego e status de trabalhadores empregados

nas regiões metropolitanas do Brasil, 1982-91 (% da força de trabalho)

Desempregados Trabalhadoresregistrados

Trabalhadoresnão-registrados

Trabalhadoresautônomos

1982 3,80 57,70 14,20 17,701983 4,88 55,70 13,40 18.001984 5,40 54,30 14,20 19,001985 4,09 55,60 13,90 18,601986 2,90 56,50 13.50 18.201987 3.10 56.30 13.40 18.601988 3,20 55.80 13,50 19.501989 2,80 56.10 13,00 19.801990 3,60 55.10 13,30 21,101991 4,10 51.60 15,40 22,80

Fonte: PME-FIBGE.

Além disso, estudos realizados por economistas do Ministério do Planejamento indicam um declínio nos serviços de educação e saúde disponíveis para os grupos de renda mais baixa. Com a queda da capacidade financeira do Estado, houve uma redução “... na qualidade da educação básica devido aos baixos salários... e um aumen-to da evasão escolar; um colapso em hospitais e outros serviços de saúde pública e um aumento nas doenças endêmicas rurais...”.36

A Tabela A5 do Apêndice mostra o inexorável aumento da inflação durante a déca-da de 1980 e início da de 1990 a partir de um nível de três dígitos nos anos de 1980- 1987 a um de quatro dígitos desde 1988 (com a breve exceção em 1991). A Tabela 9.10 mostra as taxas mensais de inflação no período de 1986-93. Salvo breves patama-res mensais de um dígito durante os vários choques heterodoxos examinados anterior-mente, as taxas mensais nos anos de 1992 e 1993 mantiveram-se entre 20% e 30%.

Ao examinarmos as contas externas do país, podemos vislumbrar um quadro mais positivo. Como observamos na Tabela A4 do Apêndice, as exportações cresceram a uma taxa média anual de 7,6% durante o período de 1987-92 (aumentando de US$ 26 bilhões em 1987 para US$ 36 bilhões em 1992 — com a possibilidade de atingir U S$40 bilhões em 1993), fato devido a um a política cambial que manteve a competitividade das exportações37 e também à recessão que obrigou as empresas brasileiras a subsdtuir os mercados internos pelos externos. As importações estagna-ram até 1988, aumentando substancialmente nos três anos seguintes, 38 o que se de-veu, em grande parte, às políticas de liberalização iniciadas em 1989 e enfatizadas pelo governo Collor, embora suas limitadas dimensões e a queda em 1992 refletisse a contínua estagnação do país. O superávit comercial médio no período foi muito maior do que no início da década de 1980, atingindo uma média de US$ 14 bilhões.

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c ia dívida e, subseqüentemente, o principal/-’ Essa gradual perda de credibilidade exi-g i u a redução dos prazos de financiamento, atingindo um ponto em que a maior parte d a dívida estava sendo financiada pelo overnight com taxas de juros reais cada vez mais a l ta s . Essas elevadas taxas de juros, associadas ao grande estoque da dívida, aumenta-r a m significativamente os gastos financeiros do governo, cuja parcela no total de gastos c re s c e u rapidamente. Isso criou um círculo vicioso: dívida -»- déficit -»- dívida.

O Brasil encontrou-se numa situação em que uma grande quantidade de recursos financeiros era investida no overnight, que apresentava extrema liquidez e que poderia s e r transformada em dinheiro a qualquer momento, com o risco de uma evasão de c a p ita l para ativos reais. Em 1989, por exemplo, enquanto o estoque de M representava1,7% do PIB, M, eqüivalia a 12% do PIB. Havia, assim, a ameaça real da perda de co n tro le sobre os meios de pagamento, devido à possibilidade de uma rápida retirada <do overnight e/ou da inviabilidade do financiamento do governo através da emissão de n o v o s instrumentos de dívida. Como conseqüência, houve uma crescente perda de confiança e rejeição da moeda nacional, tornando mais fácil que o conflito distributive s e manifestasse via aumento de preços.

Nesse contexto, encontram-se respostas para questões como: por que as empresas brasileiras concederam aumentos salariais nominais com pouco impacto nos níveis de em prego? Por que os consumidores brasileiros aceitaram os aumentos de preços sem red u z ir significativamente suas compras? Em outras palavras, por que o mercado san-cionou esses aumentos de preços, permitindo que pressões distributivas se manifes-tassem através da inflação? A resposta é: todas as empresas sabem que podem repassar o s aumentos dos insumos aos seus clientes, quando esses preferem continuar com-prando produtos mais caros a agarrar-se à moeda, cujo valor, eles acreditam, conti-nuará a decrescer a um ritmo acelerado. Naturalmente, o processo inflacionário não resolve o conflito distributive e o esquema de indexação generalizada “institucionaliza” e agrava o fenômeno.

De acordo com esse diagnóstico, vale a pena destacar a inconsistência das várias es-tratégias de estabilização experimentadas durante o período analisado. Por um lado, os sucessivos choques e congelamentos de preços/salários não foram acompanhados pelo ajuste fiscal estrutural necessário perdendo, assim, progressivamente, sua credibilidade e fazendo com que cada choque sucessivo exercesse um impacto menor sobre a infla-ção. Por outro lado, as políticas que visavam à austeridade fiscal e monetária foram insu-ficientes para reverter as expectativas, o que era crucial para um programa de estabiliza-ção eficiente. Segundo nossa interpretação da crise da inflação, a confiança na moeda nacional depende de um ajuste estrutural permanente nas finanças públicas. Logo, sim-plesmente controlar os fluxos de caixa, adiar determinados gastos e arquitetar medidas temporárias para aumentar a receita não despertarão a desejada confiança, ao não garan-tir um eficiente controle futuro dos meios de pagamento. Ainda mais sério, entretanto, é a tentativa de controlar M, a curto prazo sem um equilíbrio fiscal, visto que isso vai requerer taxas de juros extremamente elevadas. Essa situação agrava problemas futuros e causa dúvidas crescentes entre o público em geral, sobre a viabilidade financeira do governo, à medida que aumenta a dívida e o custo de seu serviço.44

Além do impacto sobre a instabilidade de preços, a crise das finanças do governo e suas implicações anteriormente descritas também obrigaram os formuladores da

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política econômica a manter taxas de juros muito altas, a fim de poder colocar novos títulos da dívida no mercado e manter recursos no overnight. As altas taxas de juros e a incerteza generalizada na qual a economia se encontrava foi responsável pela queda dos investimentos e pela estagnação econômica. Sem um ajuste fiscal, a armadilha das taxas de juros elevadas alimentava simultaneamente a recessão e a inflação.

Notas

1. Embora quase todos os membros do Congresso tivessem aprovado o plano inicial de Collor, isso não significava apoio ao governo em geral. Como o plano havia sido decretado e, conseqüentemente, já estava sendo executado, era quase impossível ao Congresso interrompê-lo. Legalmente, ele poderia tê-lo derruba-do, mas isso teria causado uma situação de tal modo confusa que a maioria de seus integrantes achou melhor mantê-lo. Subseqüentemente, as várias medidas de austeridade experimentadas nunca conseguiram muito apoio do Congresso, na medida em que se percebia que a administração Collor era cada vez mais dominada por práticas de corrupção. Para fins de ilustração desses comentários gerais, veja vários exemplares de Latin American Reports: Brazil Report (publicado por Latin American N ewsletters Ltd., Londres), nos anos de 1990 a 1992.

2. Nota-se ali que os pagamentos de juros da dívida interna aumentaram extraordinariamente. Em 1982, eles representavam 0,67% do PIB: em 1985, haviam aumentado para 2,83%; em 1988 para 2,80% e em 1989 para quase 6%. Veja: VILLELA, Renato. "‘Crise e ajuste fiscal nos anos 80: um problema de política econômica ou de economia política?”. In: Perspectivas da Economia Brasileira, 1992. Brasília, IPEA, 1991, p. 27-9, p. 36-7.

3. Isso pode ser ilustrado considerando-se que o coeficiente investimento/PIB caiu de 22,9% em 1980 para 16,7% em 1989 (veja Apêndice, Tabela A3), enquanto a dívida interna líquida do setor público aumen-tou de 5% para 22,2% do PIB. Outra prova é a mudança na composição da alocação de credito interno: em 1980, o setor privado recebeu 74% do crédito total, e o restante foi destinado ao setor público. Em 1990, essa composição havia mudado significativamente, visto que o setor privado recebeu somente 47% e o público, 53%. (Veja Perspectivas da Economia Brasileira, 1992, Brasília, IPEA, 1991.)

4. As elevadas taxas de juros reais no setor Financeiro, especialmente no overnight, induziram muitas empresas a investir uma crescente parcela de seus recursos nos mercados financeiros. Assim, muitas firmas apresentaram lucros devido às negociações financeiras e não às suas atividades produtivas originais. Da Costa calcula que a parcela de ganhos oriundos do mercado financeiro representou cerca de 37% do lucro dos empreendimentos em 1989. Veja DA COSTA, Fernando Nogueira. “Além da hiper-estagflaçâo”. Estudos Especiais - Cecon, nü4, mar./l993. Campinas, Cecon-IE-Unicamp.

5. DOELLINGER, Carlos von. “Reordenaçào do sistema financeiro” . In: Perspectivas da Economia Bra-sileira, 1992. Brasília, IPEA, 1991, p. 281-2. A mesma publicação também contém dados na página 283, mos-trando que entre 1980 e 1988 o valor líquido do setor financeiro aumentou 187% em termos reais.

6. Grande parte das informações contidas nessa seção são baseadas em vários exemplares de fevereiro da revista Conjuntura Econômica, que apresenta extensas análises dos acontecimentos econômicos do ano anterior.

7. BONELL1, Regis & LANDAU, Elena. ‘ Do ajuste à abertura: a economia brasileira em transição para os anos 90”. Texto para discussão nQ 251, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamen-to de Economia, novembro, 1990, p. 17.

8. O índice de preços reais (base 1984 = 100) da gasolina, por exemplo, caiu de 107 em 1987 para 82 em 1988 e 56 em 1989; das taxas de telefone, de 77 em 1987 para 76 em 1988 e 55 em 1989; de aço básico, Ce 74 em 1987 para 60 cm 1989. Veja Instituto de Economia do Setor Público, Fundap, Indicadores IESP.

9. B O N ELLI & LANDAU, op. c i t p. 21.10. O índice de Preços ao Consumidor comportou-se de modo ainda mais extraordinário. O aumento

mensal em janeiro de 1989 foi de 70,3%, caindo para 3,6% em fevereiro, aumentando novamente de março em diante, atingindo 84,3% em março de 1990.

11. Conjuntura Econômica, fev/1990. A carga dos pagamentos da dívida federal aumentou de 1,8% dos gastos do governo federal em 1987 para 11,6% em 1988 e 31,7% em 1989 (vários exemplares da Conjuntura Econômica).

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12. Deve-se chamar atenção para o fato de que a expansão da base monetária, que totalizou NCzS 63,8 bilhões cm 1989, originou-se dos NCz$ 10,6 bilhões necessários para financiar o déficit orçamentário primário do governo e N Cz$ 53,2 bilhões exigidos para o mecanismo da operação de ' recompra*.

13. Como ressalta Zini, o estoque de M4 caiu 45,4% entre abril de 1989 e janeiro de 1990, o que ele atribui a incertezas políticas e à escalada da inflação (que) resultou numa significativa mudança de portfolio para dólares, ouro e evasão de capital. Aquisições de ouro e dólares ajudaram a reduzir o estoque de \ f devido ao imposto inflacionário sobre as quantias em caixa de doleiros e residentes brasileiros empregados na extração de ouro*. ZINI, Jr., A. A. “Monetary reform, state intervention, and the Collor plan”, hr. The market and the state in economic development in the 1990s, A. A. Zini Jr. (org.), Amsterdam: North-Holland, 1992, p. 226, nota de rodapé 2.

14. REZENDE. Fernando; AFONSO, José Roberto R.; VILLELA, Renato & VARSANO. Ricardo. “A questão fiscaP. In: Perspectivas da economia brasileira, 1989. Rio de Janeiro, IPEA, 1989, p. 554. Esses autores também observam que, além de novos gastos com a previdência para funcionários públicos, a Constituição tam-bém criou o potencial para aumentar os gastos com funcionários públicos elevando seus benefícios sociais ...”, p. 555: veja também no mesmo exemplar o artigo: AFONSO, José Roberto, REZENDE. Fernando, SILVA, Maria da Conceição e VARSANO, Ricardo. “A tributação e o orçamento da nova Constituição ', p. 585-609.

15. Por exemplo, não era mais permitido emitir cheques ao portador de valores superiores ao equivalente a USS 100, o que reduzia o anonimato fiscal e, supunha-se, a sonegação de impostos.

16. FARO, C. de (org.), Plano Collor:avaliações eperspectivas. Rio de Janeiro, LTC, 1990.17. Veja na Tabela 9.3 que a produção industrial caiu 15,4%. O índice de fabricação (1981 = 100) declinou

de 106,8 em março para 92,2 em abril: bens de capital, de 90,4 para 73,1; bens intermediários, de 116,9 para 98,4 e bens de consumo duráveis, de 122.8 para 115,6. Veja IPEA, Boletim Conjuntural, abr./l991. Tabela 1.1, p. Al.

18. Em abril, por exemplo, foi colocada à disposição uma linha de crédito de l S$ 500 milhões para o setor de construção, e logo após, foram abertas linhas ce crédito de US$ 1.8 bilhão e US$ 1,1 bilhão para os setores agrícola e de máquinas pesadas.

19. NAKANO, Yoshiaki. “As fragilidades do Plano Collor de estabilização", hr. Plano Collor: avaliações e perspectivas. Clovis de Faro (ed. ). São Paulo, Livros Técnicos e Científicos Ltda., 1990, p. 146.

20. En. 1980, a dívida interna líquida como proporção do PIB era de 5,1%, aumentando para 22,2% em 1989, depois do que declinou para 16,8% em 1990, 12,2% cm 1991 e 13.9% em 1992. Veja Banco Central do Brasil, Boletim, e Perspectivas da Economia Brasileira. Rio de Janeiro, IPEA. 1989; Conjuntura Econômica, fev./1991, p. 2.

21. De acordo com as leis predominantes, a maioria dos servidores públicos poderia ser apenas suspensa, recebendo um salário ligeiramente reduzido. Nos primeiros quatro meses do Plano Collor, somente 30.000 funcionários do governo foram afastados ou suspensos, comparados à meta inicial de 360.000.

22. O efeito inicial do Plano sobre os salários foi uma questão controversa. Alcançaram-se resultados signi-ficativamente diferentes, dependendo da metodologia e índice de preços usados. Bresser Pereira calculou um aumento real de salários de 23% em março, com base nos 72,3% de ajuste nominal e uma taxa de inflação de 40% entre os dias l u e 31 de março. Veja PEREIRA, L. C. Bresser. ‘ As incertezas do Plano Collor” . In: C. de Faro (org.), op. dt., p. 83-96.

23. ZINI, op. c i t p. 223.24. IPEA, Boletim Conjuntural.25. REGO. Elba C. L.. “Política monetária em 90: alterações e limites". In: ,4 economia brasileira em preto e

branco. Fabrício A. de Oliveira (org.). São Paulo Hucitec, 1991, p. 162; veja também. Conjuntura Econômica, fev./1992, p. 13.

26. Veja BAER, Werner Ôí VILLELA, Annibal V. “Privatization and the changing role of the state in Brazil”. In: Essays on privatization in Latin America: the changing roles ofthe public and private sectors. Werner Baer e Melissa Birch (orgs.). Nova York, Praeger, 1994.

27. Os salários em geral também foram afetados quando o Congresso, em setembro de 1991, aprovou a lei que determinava que o salário mínimo e a parcela de todos os salários até o máximo de três salários mínimos seriam ajustados a cada quatro meses em 100% da inflação acumulada no período. Além disso, foi concedido um

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ajusce salarial provisório na metade desse período de quatro meses equivalente a 50% da inflação acumulada nos dois meses anteriores.

28. O motivo para que isso ocorresse foi que o Judiciário declarou a TR como um instrumento de indexação ilegal para impostos.

2 9. Conjuntura Econômica, fev./1992.30. Também eram necessárias elevadas taxas de juros devido aos ativos bloqueados remanescentes que, no

final de 1991. representavam cerca de 3% do PIB. A liberação dos ativos bloqueados foi completada em agosto de 1992.

31. Os salários dos funcionários públicos aumentaram devido a ajustes que deveriam equiparar as remune-rações de três diferentes ramos do governo Kisonomia salarial) e ao pagamento do 13a salário em dezembro.

32. O governo propôs que as maiores empresas do país. ou seja, aquelas com um movimento de vendas anual superior a US$ 150 mil, deveriam ser tributadas diretamente; elas haviam calculado seus próprios impos-tos previamente. Além disso, Cardoso planejou abrir processos contra 300 mil indivíduos que não pagaram quaisquer impostos e outros 115 mil que pagaram somente uma pane do que deviam. Ele também solicitou ao Congresso que elaborasse uma emenda à Constituição a fim de permitir que o ministro da Fazenda colocasse os sonegadores na prisão. Veja / sitin America Economy & Business. jul./1993, p. 2.

33. O declínio dos preços correntes é pequeno devido ao substancial aumento nos preços relativos dos bens de capital durante a década de 1980. Veja CARNEIRO, Dionísio D. & WERNECK, Rogério L. F. “Public savings and private investment requirements”. Inter-American Development Bank, Working Paper Series 100, mar./1992.

34. Esses números são baseados em informações contidas nos relatórios do Banco Central do Brasil e no Anuário Estatístico do IBGE.

35. IBGE, Anuário Estatístico.36. UA crise econômica e social dos últimos 12 anos”. Boletim Conjuntural. IPEA. out./1992, p. 34.37. As exportações mostraram-se muito sensíveis ao câmbio real. Assim, a estagnação das exportações em

1990 e 1991 (veja Apêndice, Tabela A5) foi associada à valorização do câmbio real naqueles dois anos enquanco sua recuperação em 1992 foi associada à desvalorização real.

38. O notável salto das importações em 1989 também se deveu ao aumento significativo das importações de alimentos e matérias-primas resultante da redução nos estoques que estava relacionada ao impacto do Plano Verão daquele ano. Banco Central do Brasil. B rasil Program a Econômico, na 35, dez./1989, p. 92.

39. Veja também BAER, Werner. “Social aspects of Latin American inflation". In: Latin America: rite crisis of the eighties und the opportunities of the nineties, Werner Baer, Joseph Pctry e Murray Simpson. Champaign (orgs.) Illinois. University of Illinois, Bureau of Economic and Business Research, Publishers, 1991, p. 45-57.

40. REZENDF, Fernando etal.. op. cit., p. 552.41. SIMONSEN, Mário H. “Inflação: interpretações brasileiras”. In: Inflação e hiperinflação: interpretações e

retórica. São Paulo, Bienal, 1990, p. 145.42. O motivo pelo qual o público brasileiro conservou papéis negociáveis num ambiente altamente inflacio-

nário deveu-se ao fato de eles terem sido indexados desde meados da década de 1960. Veja Capítulo 12.43. A razão pela qual a dívida do governo como proporção do PIB de muitos países desenvolvidos que, em

muitos casos, era tão elevado quanto o do Brasil, não causou problemas semelhantes, foi que os governos daque-les países nunca perderam a credibilidade junto ao público investidor.

44. Algumas dessas idéias foram extraídas de SARGENT, T. & WALLACE, N. “Some unpleasant monetarist arithmetic'’. Federal Reserve Bank of Minneapolis, Quarterly Review; v. 5, 1981. Veja também PAIVA, Claudio. The Collar plan: alternative interpretations, M. A. Dissertation, L niversity o f Illinois, Champaign, 1992.

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10A ilusão de estabilidade: a economia brasileira durante o governo Fernando Henrique Cardoso(em co-autoria com Edmund Amann)

U \ 1 PROBLEMA ENDÊMICO dos governos brasileiros, com exceção dos primeiros anos do regime militar, tem sido sua incapacidade de tomar decisões explícitas sobre que grupo socioeconômico deve suportar o peso de financiar progra-mas governamentais e/ou de estabilização fiscal. A solução tradicional era fazê-la atra-vés da inflação.1 Esse método, contudo, tornou-se inviável quando agentes econômicos do setor formal conseguiram adotar indexadores contra a inflação, resultando em uma hiperinflação insustentável. Outra solução era o empréstimo de fontes estrangeiras e nacionais, viabilizada com a introdução do Plano Real. Seu sucesso inicial conferiu suficiente credibilidade ao governo para tentar percorrer esse caminho. Essa credibilidade, porém, residia na suposição entre os investidores de que o ajuste fiscal seria realizado em um período de tempo relativamente curto. Quando tal não ocorreu, essa segunda solução para o dilema da distribuição tornou-se inviável e o Plano Real chegou ao fim. Essa segunda saída é a história de que trataremos neste capítulo.

Começaremos por descrever o Plano Real, como foi introduzido e administrado. Em seguida nos concentraremos nos desequilíbrios estruturais com que ele se depa-rou e os vários artifícios usados para contorná-los, mas que acabaram por conduzir a uma série de contradições que provocaram sua queda. Também examinaremos o im-pacto que esses acontecimentos exerceram sobre o lado real da economia.

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O Plano Real

Desde o início do processo de redemocratização em 1985, quando um governo civil assumiu a presidência, têm havido várias tentativas malogradas de controlar o processo inflacionário que se vinha manifestando desde a década de 1970.2 Todas falharam por-que não dispunham de um elemento de sólido ajuste fiscal, e os déficits governamen-tais foram, no fim, financiados pelo Banco Central, levando à continuação da inflação que atingiu o nível de quatro dígitos em 1994.

Depois de várias substituições, o presidente Itamar Franco nomeou o senador Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda em maio de 1993. Com a ajuda de vários economistas talentosos, Cardoso iniciou um novo tipo de programa de estabili-zação. Em junho, apresentou um plano de austeridade chamado “plano de ação imedia-ta”. Seu ponto mais importante foi o corte de USS 6 bilhões nos gastos públicos (totalizando 9% dos gastos federais e 2,5% dos gastos em todos os níveis de governo). O plano tam-bém exigiu maior severidade na cobrança de impostos e o equilíbrio dos relacionamentos financeiros com os governos estaduais. Estes deviam ao governo federal US$ 36 bilhões em 1993 e havia ainda cerca de US$ 2 bilhões de dívidas anteriores. Fernando Henrique Cardoso declarou que não mais garantiria a concessão de empréstimos federais aos esta-dos até que esses atrasados fossem pagos e que os governos estaduais teriam de alocar 9% de suas receitas para pagamento de dívidas com o governo federal. Também teve início uma campanha em meados de 1993 a fim de evitar a evasão de impostos, que havia crescido na década anterior. Alegava-se que o governo perdia entre US$ 40 e US$ 60 bilhões ao ano devido à evasão.

Em dezembro, Fernando Henrique Cardoso propôs um novo programa de estabili-zação que deveria evitar algumas das imperfeições de planos anteriores. Em especial, umas das principais falhas desses planos foi terem posto fim à inflação repentinamente por meio de congelamentos de preços cujos efeitos eram apenas transitórios. Ao con-trário dos planos anteriores, o novo programa foi primeiramente apresentado como uma “proposta” a ser discutida pelo Congresso e implementado gradualmente. O programa apresentava dois pontos importantes: primeiro, um ajuste fiscal; segundo, um novo sistema de indexação que levaria progressivamente a uma nova moeda.3

As principais medidas para o ajuste fiscal consistiam em: (1) um aumento coletivo de impostos de 5%; (2) a criação de um Fundo Social de Emergência que recebeu 15% de toda a receita fiscal e deveria ajudar a realizar um ajuste fiscal temporário; (3) cortes nos gastos com investimentos públicos, pessoal e empresas estatais de cerca de US$ 7 bilhões. Como o Fundo era apenas uma medida temporária, o governo anun-ciou planos de longo prazo para elaboração de emendas constitucionais que iriam transferir aos governos estaduais e municipais responsabilidades concernentes a saú-de, educação, serviços sociais, habitação, saneamento básico e irrigação. As emendas também iriam diminuir a transferência automática de receitas fiscais federais a gover-nos estaduais e locais, de acordo com a Constituição de 1988.

O novo sistema de indexação foi introduzido no final de fevereiro de 1994 e consistia em um indexador denominado URV (Unidade Real de Valor), que foi atrelado ao dólar americano numa base de um por um.4 Segundo a inflação predominante, a cotação da

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TJRV em Cruzeiros Reais aumentava todos os dias, acompanhando a taxa de câmbio. Preços oficiais, contratos e impostos eram fixados em URV, e o governo estimulava seu uso voluntário por agentes econômicos privados. Gradativamente, um crescente número de preços foi sendo fixado em URVs, embora as transações ocorressem em Cruzeiros Reais.5

Em meados de 1994, uma parcela cada vez maior de preços era cotada em URVs, e o governo decidiu introduzir uma nova moeda cuja unidade era igual a esse indexador. Isso ocorreu em Ia de julho com a introdução do Real equivalente a uma URV, ou US$ 1,00, equivalente a CR$ 2.750,00 antigos. Na época da conversão de preços da antiga moeda para o Real houve uma onda de aumento de preços em vários supermercados e lojas, quando muitas empresas se aproveitaram da confusão inicial do público sobre os preços relativos na nova moeda. Além disso, muitos executivos temiam a introdução de um congelamento de preços, habitual em tentativas anteriores de estabilização.

O governo, porém, absteve-se de impor quaisquer congelamentos e usou sua rede de relações públicas para sugerir ao público que reduzisse suas compras de artigos de primeira necessidade a fim de forçar uma redução nos preços. Como agora os consu-midores dispunham de uma moeda que, supunha-se, manteria seu poder aquisitivo, eles estavam em posição de “negociar”, ou seja, de esperar e não pagar pelas merca-dorias o preço recém-aumentado. De fato, logo alguns preços começaram a cair e foram sentidos os primeiros resultados na queda das taxas de inflação semanais.

Juntamente com a introdução da nova moeda, o governo adotou uma política jnonetária restritiva que consistia em empréstimos de curto prazo para financiar ex-portações, um depósito compulsório no valor de 100% sobre depósitos à vista e um Jimite da expansão da base monetária de R$ 9,5 bilhões até o final de março de 1995.6 Tara o trimestre de julho-setembro de 1994, a expansão foi limitada a R$ 7,5 bilhões. Em agosto de 1994, contudo, o governo foi obrigado a rever esse número, admitindo um aumento de R$ 9 bilhões em setembro, causando algum impacto nas expectativas inflacionárias, embora a maior parte do aumento do valor da planejada expansão possa se r atribuído ao crescimento da demanda por dinheiro.

As autoridades monetárias também mantiveram elevadas as taxas de juros a fim de controlar um aumento excessivo no consumo e desestimular a formação de estoques -especulativos. Como medida complementar para desencorajar grandes influxos de capital que as elevadas taxas de juros poderiam atrair, as autoridades fixaram o preço <le venda do Real em US$ 1,00, enquanto permitiam que seu preço de compra fosse avaliado de acordo com o mercado. Com influxos substanciais de capital e contínuos rsuperávits comerciais, o Real de fato se valorizou, atingindo R$ 0,85 em relação ao dólar americano em novembro de 1994 (Veja Tabelas 10.1).

O impacto inicial do Real

Os resultados iniciais do plano foram positivos. A inflação foi trazida de uma taxa mensal d e 50.7% em junho de 1994 a uma de 0,96% em setembro; em outubro e novembro, ela rfoi de 3,54% e 3,01%, respectivamente, e em dezembro de 2,37%. Em 1995, a maior taxa jnensal foi de 5,15%, em junho, e a mais baixa, 1,50%, em outubro. O aumento cumula-tivo de preços em 1994 foi de 1,340%, enquanto em 1995 ele caiu para 46,17%.

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Tabela 10.1aTaxas de inflação anuais 1990-99

1990 2,7391991 4151992 9911993 2.1041994 2,4071995 681996 9,31997 7,51998 1,71999 8.42000 5.3

Fon/e: Conjuntura FconomictJ.

Tabela 10.1b Taxas de inflação m ensais 1994-99

1994 1995 1996 1997 1998 1999

Janeiro 42,2 1,4 1,8 1,6 0,9 1,1Fevereiro 42,4 1,2 0,8 0,4 0,0 4,4Março 44.8 1,8 0.2 1,2 0.2 2,0Abril 42.5 2,3 0.7 0,6 -0,1 0,0Maio 41,0 0,4 1.7 0,3 0,2 -0,3Junho 46.6 2,6 1.2 0,7 0,3 1.0Julho 24,7 2.2 1.1 0,1 -0,4 1,6Agosto 3,3 1,3 0.0 0,0 -0,2 1,4Setembro 1,5 -1,1 0.1 0,6 0.0 1,5Outubro 2,5 0,2 0,2 0,3 0.0 1,9Novembro 2,5 1,3 0,3 0,8 -0,2 2.5Dezembro 0,6 0,3 0.9 0,7 U 1,2Fonte: Conjuntura Kronòmira.

O índice de crescimento da economia, que já fora substancial nos dois primeiros trimestres anteriores à introdução do Real, atingindo uma média de 4,3% ao ano na primeira metade de 1994, chegou a uma m édia anual de 5,1% na segunda metade desse ano, de 7,3% em março de 1995, de 7,8% em junho e de 6,5% em setembro de 1995. O principal setor foi o da indústria, cujo aumento anualizado de produção foi de 9,2% em março de 1995 e de 9,7% em junho, e cuja utilização de capacidade indus-trial, que foi de 80% em julho em 1994, aum entou para 83% em outubro e para 86% em abril do ano seguinte. A taxa de investimento que havia sido baixa por mais de

Page 213: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 10.1c Taxas de câmbio m ensais (R$ por US$), 1994-99

1994 1995 1996 1997 1998 1999

Janeiro 0,14 0,85 0.97 1.04 1,12 1,98Fevereiro 0,20 0,84 0.98 1.05 1,13 2,06Março 0.28 0,89 0,99 1,06 1.13 1,72Abril 0,40 0.91 0,99 1.06 1.14 1,66Maio 0,58 0.90 0,99 1,07 1.15 1,72Junho 0,83 0.91 1,00 1,07 1.15 1,77Julho 0.93 0.93 1,01 1,08 1,16 1,79Agosto 0.90 0,94 1,01 1,09 1.17 1,91Setembro 0,87 0,95 1,02 1.09 1,18 1,92Outubro 0,84 0.96 1,02 1,10 1,19 1,95Novembro 0.84 0,96 1,03 1,11 1.19 1,92Dezembro 0.85 0,97 1,04 l . l l 1,21 1,85

Fonte: Conjuntura Econômica.

uma década recuperou-se, chegando a 16,3% do PIB durante o ano de 1994, caindo para 16% em março, mas então passando a 16,7% em junho de 1995 e 16,8% em setembro.7 Do segundo trimestre de 1994 ao segundo trimestre de 1995, o consumo aumentou em 16,3%. O aumento das vendas refletiu principalmente o poder de com-pra dos grupos de renda mais baixa cuja renda real aumentou, pois as perdas mensais ocorridas num clima de quase hiperinflação haviam desaparecido. Além disso, à me-dida que os salários nominais também foram aumentando na segunda metade de 1994, os salários reais ficaram 18,9% mais altos nos primeiros dois meses de 1995 do que um ano antes. (Veja Tabelas 10.1 e 10-2)

O Plano Real também exerceu impacto positivo nos balanços das empresas. Por exem-plo, um levantamento realizado em 72 empresas pela revista Exame constatou que elas haviam tido um lucro de US$ 5,5 bilhões em 1994 comparado a somente US$ 867 mi-lhões no ano anterior; a taxa de retorno sobre ativos subiu de 3,1% em 1993 para 9,8% em 1994.“

A taxa de câmbio torna-se o principal instrumento da política econômica

Com o término do ajuste fiscal inicial e muito limitado, e a desindexação da econo-mia em seu estágio final, os formuladores de políticas econômicas passaram a contar muito com o uso de uma elevada taxa de câmbio para manter a estabilidade de preços. A elevada taxa de câmbio como meio de controlar a inflação dependia explicitamente de uma abertura cada vez maior da economia brasileira que já se havia iniciado nos primeiros meses do governo Collor. Entre 1990 e 1994, as tarifas médias sobre produ-tos importados havia caído de 32,2% para 14,2%.9 A medida que caíam os preços das

224

Page 214: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 10.2a) A evolução do PIB do Brasil, 1985-99

PIB a preços Taxa de PIB per capita a PIB em USSde 1998 (Bilhões crescimento preços de 1998 IPreços atuais)

de R$) real (%) (RS)

1985 662 7.8 5.017 2111986 712 7.5 5.285 2581987 737 3,5 5.368 2821988 736 -0.1 5.266 3061989 760 3.2 5.338 4161990 727 -4,4 5.042 4691991 734 1.0 5.014 4061992 730 -0,5 4.910 3871993 766 4.9 5.075 4301994 811 5,9 5.295 5431995 845 4,2 5.441 7051996 868 2,8-7 5.514 7751997 900 3,6 5.640 8021998 901 0,1 5.571 7751999 905 0,5 5.599 519

Fonte: Banco Centrai do Brasil, Relatório 199K; estimativa do autor baseada no Boletim Conjuntura!. Country Repon, KII , 4* trimestre, 1999.

de outubro de 1999. Brasil

b) Brasil: índices de crescimento setorial do PIB

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

GDP 4.2(4,92) 5,8(5,85) 4,2(4,22) 2,8(2,76) 3,7 0.1 0,5Agricultura -1,0(-0,07) 8,1(5,45) 4,1(4,08) 4,1(4,06) 2,7 0,2 6,6Indústria 6,9(7,01) 6,9(6,73) 1,9(1,91) 3,7(3,73) 5,5 -0,9 -1.7Mineração 0.6 4.7 3,7 6,7 6.8 9,2 9,7Fabricação 8.1 7.7 2,0 2.8 4,2 -3.3 -1.8Construção 4,8 6,1 -0.4 5.2 8,5 1,9 -3.5Serviços 3,5(3,21) 4,1(4,73) 4,5(4,48) 1.9(1,87) 1,2 0.7 1,2Finanças -2.2 -2.8 -7,4 -7,7 -2,7 0,1 0,5Comércio 3.5 4,1 8,5 2,4 3,9 -3,4 -0,9

Fonte: Banco Central do Brasil. Relatório 1998 e Role/im mensal. Os números entre parênteses são estimativas revisadas calcu-ladas pelo IBGE e publicadas em Conjuntura Eronômica, dezembro de 1998.

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Page 215: Economia Brasileira - Werner Baer

m portações em termos de moeda local, os aum entos de preços en tre os produtores n ac io n a is ficavam, por necessidade, cada vez mais moderados. Em bora o funciona-m e n to desse mecanismo se tenha mostrado eficaz a curto prazo, a longo prazo, se o F reio na inflação se tornasse permanente ou sustentável, seria necessário realizar um a ju s te fiscal mais fundamental. Entretanto, esse ajuste exigia algumas mudanças cons-titu c io n a is básicas e politicam ente controversas1" que não podiam ser atingidas a curto p ra z o , motivo pelo qual foi reforçada a ênfase na âncora cambial. Tornou-se necessá- sria, então, a manutenção de taxas de juros extrem am ente elevadas a fim de atrair gran-d e s volumes de capital externo para sustentar a estabilidade da m oeda e a fim de ■ reduzir o grande déficit do setor público.

Embora as elevadas taxas de câmbio serv issem para controlar as forças inflacionárias, e l a s também provocaram uma marcada deterioração da balança comercial. Esta havia =apresentado um superávit por mais de 10 anos, mas passou a ser deficitária a partir de ja n e iro de 1995 (ver Tabela 10.4), situação que se manteria até o efetivo abandono da â n c o ra cambial quatro anos mais tarde. Esse retrocesso foi causado pela combinação do a u m e n to das importações e da desaceleração do crescimento das exportações. Numa ten ta tiv a de conter a preocupante e rápida expansão do déficit comercial, o governo -«levou “temporariamente” algumas tarifas, principalmente aquelas referentes ao setor automotivo. As taxas de câmbio supervalorizadas não serviram para acelerar o aumento <las exportações, que já estavam defasadas em relação ao crescimento do comércio mun- ■dial. Como resultado, a participação do Brasil nas exportações mundiais caiu de cerca de1,5% no início da década de 1980 para 0,8% no final da década de 1990."

A crise do México em 1994 e 1995 ameaçou prejudicar o Plano Real, mas as autori-dades brasileiras reagiram em março de 1995, desvalorizando o Real durante os três meses seguintes: ele caiu de uma média de R$ 0,84 em fevereiro para RS 0,89 em março e R§ 0,91 em junho. Ao mesmo tempo, as taxas de juros foram aumentadas mais uma vez. Entre fevereiro e abril, a TR aumentou de uma taxa mensal de 1,8% para 3,5%. Com a rápida solução da crise mexicana, a pressão especulativa sobre o Real diminuiu e a política de taxas cambiais elevadas foi mantida até o final de 1998.

O dilema fiscal não-resolvido

A estabilidade de preços prevaleceu de 1995 a 1998 (ver Tabelas 10.1a e 10.1b), apesar da continuada falta de um ajuste fiscal significativo, enquanto a situação fiscal do governo degenerava. Como podemos ver na Tabela 10.5, o saldo do orçamento operacional (que inclui o impacto do pagamento dos juros sobre a dívida) passou de um superávit de 0,5% do PIB em 1994 para um déficit de -8,4% do PIB em janeiro- novembro de 1998. O saldo primário também decaiu, passando de um superávit de 4,3% do PIB em 1994 para um déficit de 0,1% do PIB em janeiro-novembro de 1998. O principal motivo da degeneração do saldo primário foi o não controle do aumento dos gastos em todos os níveis do governo, a despeito das receitas que aumentavam rapidamente.12 Em especial, os crescentes obstáculos políticos enfrentados pela admi-nistração do presidente Fernando Henrique indicavam que ela era incapaz de implementar reduções de despesas com pessoal urgentemente necessárias, fazendo

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Page 216: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 10.3 Brasil - Relação de formação de capital/PIB (%)

Preços correntes Preços de 1980

1985 18,0 16.41986 20.0 18,81987 23,2 17,91988 24.3 17,01989 26.9 16,71990 20,7 15,51991 18,1 14,61992 18.4 13.61993 19,3 14.01994 20.7 15,01995 20.5 15,41996 19,1 18,71997 19,6 18.11998 19,8 -Fontes: Banco Centrai do Brasil, 1997; Boletim Conjuntura!, janeiro. 1999.

Tabela 10.4d) Itens de balanço de pagamentos, 1985-99 <bilhões l'SS)

Exportações Importações Balança comercia1

Balança de de serviços

Remessa de lucros

Juros Saldo em conta corrente

1985 25,6 13,1 12,5 -12,9 - 1.1 -9.7 -0,21986 22.3 14,0 8.3 -13,7 -1.4 -9.3 -5,31987 26,2 15,0 11,2 -12,7 -0.9 -8.8 -1,41988 33.8 14,6 19,2 -15,1 -1,5 -9.8 4,21989 34,3 18,3 16,0 -15,3 -2,4 -9,6 1,01990 31,4 20.7 10,7 -15.4 -1,4 -9,7 -3,81991 31,6 21,0 10.6 -13,5 -0,7 -8,6 -1,41992 35.8 20,5 15,3 -11,3 -0,6 -7,2 6,11993 38,6 25,3 13,3 -15,6 -1,8 -8.3 -0.61994 43,5 33.1 10,4 -14,7 -2,5 -6.3 -1,71995 46,5 49.9 -3.4 -18,6 -2,6 -8.2 -18,01996 47.7 53,3 -5.6 -21,7 -2.4 -9.8 -24,31997 53,0 61,4 -8,4 -27 3 -5,6 -10.4 -33,41998 51,1 57,8 -6,7 -29,5 -6,9 11,4 -34,41999 48,0 49.2 -1,2 -25,6 4,1 14,9 -25,4Fome: Canjuntura F.con&miía. fevereiro, 1999; Credit Suisse. First. Boston e Garar.tia.

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Page 217: Economia Brasileira - Werner Baer

T abe la 10.4 (continuação)

b) Fluxos de capital, dívida e reservas, 1985-99 (bilhões de USS)

Investimento direto liquido

Investimento liquido em carteira

Amortização Divida externa bruta

Reservaslíquidas

1985 0,13 -0,01 -8,49 84,25 11,611986 -0,41 -0,02 -11,55 95,00 6,761987 0,05 -0,06 -13,50 100,06 7,461988 -0,03 +0,19 -15.23 93,41 9,141989 -0.34 -0.06 -34.00 89,61 9,681990 0.28 0,10 -8.66 86,57 9,971991 0.50 0,06 -7.83 83,59 9,411992 0.12 1,70 -8,57 87,08 23,751993 0,37 6,65 -9,98 82,06 32,211994 1,74 7.28 -5.04 80,86 38.811995 3.61 2,29 -11.02 77,47 51,8419% 9.12 6.04 -14.42 83.98 60,111997 17,1 5,30 -28,70 193 52,171998 26,1 - 1,8 -33,6 234 44,561999 28,3 - -57,6 230 36,40

Fonte: Conjuntura Econômica, fevereiro, 1999; Boletim do Banco Central do Brasil, edições mensais.

com que a quantidade de funcionários públicos permanecesse obstinadamente alta e seus salários reais continuassem a subir.

Como conseqüência, a folha de pagamentos do setor público crescia substancialmen-te. No início de 1993, os gastos acumulados com o funcionalismo público somavam R$ 30 bilhões.u No final de 1994, na mesma base, esses gastos haviam aumentado para R$ 40 bilhões enquanto, em meados de 1998, haviam atingido quase R$ 50 bilhões. A não implementação da reforma da previdência com a devida agilidade fez os custos com apo-sentadorias aumentar rapidamente em proporção aos custos totais do funcionalismo pú-blico. No final da década de 1990, os gastos com aposentadoria representaram cerca de 43% das despesas totais com funcionários públicos, índice que era de aproximadamente 35% no final de 1992.14 O aumento do salário mínimo em 1995, que subiu 43% em ter-mos nominais, enquanto a inflação atingira somente 15%, influenciou esse crescimento; o mesmo foi aplicado aos benefícios pagos às aposentadorias.1' No que se refere aos esta-dos, em especial, uma crescente proporção de gastos foi responsável pelos custos com pessoal. No início de 1999, tais despesas somaram 92,5% da receita total do estado de Alagoas. Em estados maiores, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a percen-tagem da receita destinada ao pagamento do funcionalismo atingiu 63,6%, 76,7% e 78,7%, respectivamente.16

Dada essa situação, o superávit primário do setor público continuou a encolher (ver Tabela 10.5), fazendo com que ficasse ainda mais difícil conter o déficit operacional. Outros fatores que contribuíram para o enfraquecimento do saldo primário foram o

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Page 218: Economia Brasileira - Werner Baer

contínuo déficit da previdência social (que aumentou de 4,9% do PIB em 1994 para 6% em 1998) e a necessidade de o governo federal constantemente transferir recursos significativos para os estados (que aumentaram de 2,55% do PIB em 1994 para 3,02% do PIB em 1998).17 Tais transferências não eram totalmente constitucionais, mas tam-bém resultaram da necessidade de salvar bancos estaduais da falência. A fim de evitar uma crise de confiança no sistema financeiro, o governo, em especial, viu-se obrigado a instituir um oneroso programa de auxílio financeiro para o sistema bancário estadual — o Proer.

A falha do governo em não garantir as tão necessárias reformas fiscais que teriam contido o crescimento dos déficits operacionais ocorreu, em parte, devido às profun-das divergências existentes no Congresso. A disciplina entre partidos pró-governo era frágil e, ao mesmo tempo, privilegiavam-se os interesses locais em detrimento dos nacionais. Em parte por essa razão, durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, o Congresso mostrou-se bastante relutante em concordar com uma reforma fiscal radical, principalmente se restringisse a autonomia fiscal dos estados e municí-pios ou afetasse desfavoravelmente as condições de emprego no setor público.,s

O fracasso na área da reforma fiscal, também foi intensamente decorrente do em-penho do presidente Fernando Henrique em aprovar a emenda constitucional que lhe permitiria concorrer a um segundo mandato em outubro de 1998. O presidente Fernando Henrique fez concessões ao Congresso que, por sua vez, pôde exercer cres-cente influência na determinação do momento e na extensão da reforma fiscal. Os resultados dessa mudança no equilíbrio de poder político foram sentidos na forma de derrotas do governo cada vez mais duras no Congresso. Por exemplo, no mesmo mês (junho de 1997) em que a emenda de reeleição foi aprovada, o governo sofreu uma séria derrota no Congresso, deixando de garantir a aprovação de uma lei crucial que estabeleceria um teto para o salário dos senadores públicos nos estados e municípios.14

Tabela 10.5a) Saldos de conta do setor público (% do PIB), 1990-99

Orçamento primário Orçamento operacional público

Dívida

Total Federal Total Federal1990 2.4 1,6 1.6 2,81991 3.0 0,8 1,5 0.31992 2.3 1,2 -2.2 -0,81993 2.6 1.4 0,3 0,0 31.01994 4.3 3.0 0,5 1,61995 0.3 0,6 -4.8 -1,61996 -0,7 0,4 -3,9 -1,7 31.41997 0.9 0,3 -4,3 -1,8 34.51998 -0,0 0,5 -8,4* -5.3* 42,61999** 3,77 4.15 11.4 8,0* 51,0

* Estimativa.** Janeiro a setembro.Fonte: Banco Central; Credit Suisse First Boston Garantia.

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Page 219: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 10.5 (continuação)b) itens selecionados do orçamento: governo federal (% do PIB)

1994 1995 1996 1997 1998Transferência a estados e municípios 2,55 2,83 2,74 2,78 3.02Servidores públicos ativos 2,82 2,95 2,66 2,36 2,40Servidores públicos inativos 1,99 2,32 2,33 2,20 2,46Benefícios de aposentadoria 4,85 5.04 5,30 5,43 5,96Pagamento de juros nominais 13,41 2,90 2,93 2,31 6,03Fonte: Além e Gíambiagi, 1999, p. 97.

c) Itens selecionados do orçamento: governos estadual e municipal (% do PIB)

1994 1995 1996 1997 1998Superávit primário* 0,77 -0,18 -0,54 -0.73 -0,21Juros nominais* 12,84 3,39 2,16 2,30 1,83Déficit nominal* 12.07 3,57 2,70 3.03 2,04

*(-) = Déficit.Fonte: Além e Giambiagi, 1999, p. 97.

d) Evolução do endividamento do setor público (% do PIB), 1990-99

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999*Dívida interna total 16.5 15.9 18,9 18,5 20,3 24,5 30,2 30,2 36,6 38.6Banco Central e 1,6 -2,5 0,8 1,8 6,2 9,6 14,8 16,8 21,6 22.3

Governo FederalEstados e municípios 6.4 7.0 8.4 8,3 9,2 10.1 11,5 12,5 13,7 14.9Empresas públicas 8.5 11,4 9.7 8,4 4,9 4.8 4,0 0,9 1,3 1,4

Dívida externa total 20.1 27.6 19.2 14,4 8,2 5,4 4,0 4.4 6,3 11,0Banco Central e 12.4 17.0 11.6 7,8 6,0 3,4 1,6 2,0 4,3 8,3

Governo FederalEstados e municípios 1,0 1.3 1.1 1,0 0,3 0,3 0,4 0.5 0,7 1,0Empresas públicas 6,7 9.3 6.5 5,6 1.9 1,7 2,0 1,9 1.3 1,7

Dívida total 36,6 43.5 38.1 32,9 28,5 29,9 34,4 34,6 40,9 49,6* Setembro.Fontes: Cysne (2000), p. 81; Boletim do Banco Central do Brasil.

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Page 220: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 10.5 (continuação)

Data

Julho 1994

Janeiro 1995

Janeiro 1995

Fevereiro 1995

Novembro 1995

Meados de 1995

Fevereiro 1996

Abril 1997

Março 1998

Outubro 1998

Outubro 1998

Novembro 1998

Janeiro 1999

Janeiro 1999

Novembro 1999

Janeiro 2000

e) Cronologia de principais eventos e reformas econômicas, 1994-99 Reforma

Introdução bem-sucedida do Real como nova moeda do Brasil.

Fernando Henrique Cardoso assume a presidência.

Entra em vigor a Tarifa Externa Comum do Mercosul, liberalizando ainda mais o com ércio.

E aprovada a Lei 8.987, regulando concessões para que empresas privadas administrem serviços de utilidade pública. Essa legislação prepara o cam inho para uma nova onda de privatizações.

E aprovada a Emenda Constitucional n- 9, abrindo a exploração e produção de petróleo ao capital nacional e internacional.

Apresentação da Emenda Constitucional ne 175 ao Congresso, destinada a sim plificar o sistema de tributação. Esse fato dá inicio a uma nova rodada de negociações no Congresso quanto à retorma tributaria, principalmente os impostos indiretos.

E aprovada Lei com plem entar que cria o Cofins, um im posto destinado a m elhorar a situação do sistema de Previdência Social.

É aprovada a Lei 9.630, estabelecendo novas alíquotas para as contribuições da Previdência Social para servidores públicos ativos e aposentados.

E aprovada uma Emenda Constitucional dificultando as condições de emprego para servidores públicos. Para ter efeito, é preciso que se aprove a legislação e ela ainda está em debate no Congresso desde janeiro de 2000.

O presidente Fernando Henrique Cardoso é eleito para um segundo mandato.

E parcialmente aprovada a legislação que cria condições m ais rígidas para contribuições para a Previdência Social. Foram estabelecidos períodos m ínim os de contribuição e idades para aposentadoria para trabalhadores do setor privado que contribuem para a Previdência Social (INSS).

Seguindo um período de continuada pressão de baixa sobre o Real e o esgotamento das reservas, o FMI lança um paco te de auxílio. O Congresso aprova um plano em ergencial de estabilização com ênfase em aumento de impostos e corte de gastos.

Finalmente o dólar é descolado do Real e, subseqüentem ente, a moeda brasileira desvaloriza drasticamente.

E aprovada a lei que obriga os servidores públicos aposentados a contribuir com a Previdência Social. Essa medida foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte em setem bro de 1999, fazendo com que o G overno criasse uma nova em enda constitucional (que ainda não foi aprovada desde janeiro de 200 0 ) e novos aum entos de im postos emergenciais.E aprovada a lei que introduz normas atuariais no cálculo dos benefícios do INSS para trabalhadores do setor privado. O efeito dessa legislação é introduzir m aior correspondência entre benefícios e contribuições da Previdência Social.Leis cruciais relerentes à reform a tributária, ajustes fiscais em nível estadual e m unicipal (isto é, a Lei de Responsabilidade Fiscal) e condições de em prego no setor público ainda se encontram no Congresso. É improvável que essas leis se jam aprovadas rapidamente.

Fonte: Elaboração própria.

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Considerando-se o lento ritmo da reforma fiscal no primeiro mandato, o presidente T ernando Henrique viu-se cada vez mais obrigado a contar com medidas provisórias a f ira de gerenciar o crescente déficit público.2'3 Essas medidas, entretanto, mostraram s e r incapazes de produzir um ajuste fiscal significativo e serviram apenas para destacar =a necessidade de uma reforma estrutural mais básica e duradoura. Foi somente com o aparecim ento de uma crise econômica e o pacote de ajustes imposto pelo FMI que a scom panhou em novembro de 1998 que o Congresso finalmente fez progresso signifi-ca tiv o , aprovando reformas fiscais mais essenciais. Parece improvável que o presidente Ternando Henrique teria sido capaz de gerar a força política necessária para conseguir ^ m ajuste fiscal significativo e tão necessário sem essa imensa pressão externa.

O crescente déficit operacional resultante de atrasos no programa de reforma fiscal n ão foi financiado de uma maneira inflacionária por meio de empréstimos no Banco Central, mas, dada a credibilidade adquirida pelo sucesso inicial do Plano Real, foi ^possível ao governo financiá-lo com empréstimos nos mercados domésticos e interna-cionais. Assim sendo, a dívida pública como percentagem do PIB cresceu de 31% para -4-1% no período de 1993 a 1998.

O financiamento dos crescentes déficits do setor público tornou-se possível pela manutenção de taxas de juros extremamente elevadas cujo valor real aumentava à jnedida que a inflação caía. Dada essa situação, e com os contínuos obstáculos às jeformas fiscais básicas, mesmo na ausência de acontecimentos externos, o déficit -operacional teria aumentado inexoravelmente. Contudo, as crises asiática, em 1997, e rUssa, em 1998, provocaram um extraordinário aumento nos spreads das taxas de juros, enquanto o governo tentava desesperadamente financiar seu déficit e manter a âncora cambial em sua posição. Isso, por sua vez, originou uma pressão expansionária ainda maior sobre o déficit operacional, cujo valor aumentou de 3,9% do PIB em 1996 para 8,4% de janeiro a novembro de 1998.

Conseqüentemente, o governo viu-se num círculo vicioso: para manter a taxa de câmbio e financiar seu déficit teria de realizar empréstimos a taxas de juros crescentes o que. por sua vez, agravava a situação fiscal e, naturalmente, minava ainda mais a confiança dos investidores. Podemos observar na Tabela 10.6 que as taxas sobre os títulos públicos passaram de 7,1% dos gastos públicos em 1994 para 13,6% de janeiro a novembro de 1998. Além disso, os juros sobre empréstimos passaram de 4,6% dos <*astos do governo em 1994 para 5,5% de janeiro a novembro de 1998. Assim, a soma dos gastos do governo com juros sobre empréstimos, títulos e amortização cresceram de 14,7% dos gastos públicos para 24,4% no mesmo período. Sem aumentos corres-pondentes no superávit primário o déficit operacional só poderia subir. A medida que isso ocorria, a dívida do setor público aumentou inevitavelmente, e o componente externo dessa dívida cresceu a um ritmo especialmente rápido entre o início de 1996 e o final de 1998 (ver Tabela 10.5d).

Em razão dessa deterioração fiscal e o continuado apego à política da âncora cam-bial (isto é, a ajustes muito pequenos na taxa de câmbio nominal), o governo deu início a um sério esforço para que o Congresso aprovasse as emendas constitucionais necessárias para realizar o ajuste fiscal. Isso, naturalmente, se seguiu a um período em que o progresso nas reformas fiscal e da previdência social se mostraram muito mais lentas do que o governo previra (ver Tabela 10.5e). Felizmente, os avanços em outra

232

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área essencial da reforma estrutural — a liberação do mercado — foi mais rápida {ver Tabela 10.5e). Entretanto, apesar da crescente pressão externa no final de 1998, o governo foi apenas parcialmente bem-sucedido ao garantir a aprovação de medidas essenciais para a reforma fiscal, quando um Congresso relutante rejeitou emendas cruciais como a criação de um imposto para funcionários públicos aposentados.

O governo também contou, em grande parte, com o processo de privatização para solucionar seus problemas fiscais. Esse processo já havia sido iniciado no governo Collor, mas fora limitado principalmente aos setores siderúrgico e petroquímico. Durante o governo do presidente Fernando Henrique ele ampliou-se extraordinaria-mente ao incluir empresas de serviços públicos. Entre 1995 e 1998, as receitas anuais advindas da privatização aumentaram de menos de US$ 2 bilhões para mais de US$ 35 bilhões21 à medida que o processo de privatização foi ampliado para incluir empresas de serviços públicos (como telecomunicações, geração e distribuição de energia elé-trica) e minerais.

Fluxos de capital

O déficit em conta corrente atual, que se avolumava (ver Tabelas 10.4a e 10.4b) foi financiado por uma entrada significativa de capital externo. Pode-se observar que se contou significativamente com investimentos líquidos em carteiras de investimen-tos que aumentaram de uma média anual de US$ 0,62 bilhões nos anos de 1990 a1992 para US$ 4,5 bilhões no período de 1995 a 1997. Com as crises da Ásia/Rússia em 1998, porém, eles se tornaram negativos, caindo para US$ -4,5 bilhões, quando os investidores sacaram os fundos em grande quantidade imaginando que a taxa cambial não poderia continuar supervalorizada por muito mais tempo. O investimento direto líquido passou a ter contribuição significativa a partir de 1995. Nos anos de 1990 a 1992, ele atingia uma média de US$ 0,3 bilhões ao ano, passando para US$ 16,3 bilhões no período de 1996-98. Isso se deveu a investimentos multinacionais em novas fábricas (possivelmente para atender não só ao grande mercado doméstico, como também à futura ampliação do Mercosul). Deve-se observar que nesse período o Brasil dependeu muito menos de empréstimos de bancos internacionais do que na década de 1980. Por exemplo, em 1994, 68% das entradas de capital correspondiam a empréstimos internacionais; esses empréstimos caíram para 16% em 1998. Já o investimento estrangeiro direto representou um papel mais significativo no financia-mento do déficit da conta corrente no período, aumentando os influxos líquidos de capital de 19% em 1995 para 27% em 1998.

A medida que aumentavam as entradas de capital, crescia o peso da dívida externa a elas associado. Entre 1996 e 1998, o total da dívida externa cresceu de US$ 179,9 bilhões para US$ 235 bilhões. Curiosamente durante esse período a dívida externa do setor privado aumentou num ritmo maior do que a do setor público, passando de US$ 86 bilhões em 1996 para US$ 140 bilhões em 1998. Os principais componentes da dívida externa do setor público, contudo, apenas aumentaram moderadamente, passan-do de um total de US$ 98,9 bilhões em 1996 para US$ 99,2 bilhões em 1998. Já a dívida interna do setor público cresceu mais rapidamente, aumentando de R$ 237 bilhões em

23.V

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_ 9 9 6 para mais de R$ 320 bilhões em 1998. Devemos lembrar que uma grande par-c e l a da dívida interna pertencia, de fato, a grupos de investimento estrangeiro que z>rocuravam tirar vantagem da combinação da elevada taxa de juros praticada no país st uma elevada e estável taxa de câmbio.

O desempenho da economia do Real

Como já mencionamos, o Plano Real começou com um crescimento espetacular. A t a x a de crescimento de 5,9% ocorrida em 1994 e a de 4,2% em 1995 estiveram relaciona-d a s à explosão de consumo associada ao impacto imediato da estabilização de preços. O jjo s te r io r declínio na taxa de crescimento (ver Tabela 10.2a) está associado ao efeito m oderador provocado pelas altas taxas de juros e o lento desempenho das exportações. C o m o agravamento da crise em 1998, o crescimento caiu para 0,2%, refletindo taxas de crescim ento mensais negativas que caracterizaram a segunda metade desse ano. Numa t» a se setorial, pode-se ver na Tabela 10.2b que a atividade na indústria de transformação e r a o elo mais fraco, novamente refletindo o impacto das taxas de juros. Como fator posi-t iv o , pode-se observar que a formação de capital melhorou no período de 1994-98 (ver T a b e la 10.3), o que reflete o aumento do investimento direto de multinacionais e tam-b é m de grupos nacionais e estrangeiros que assumiam empresas privatizadas.

Com a exposição de vários setores ao aumento da concorrência externa devido à abertu ra da economia brasileira, empresas nacionais e estrangeiras realizaram grandes esforços para melhorar sua tecnologia. O resultado foi um aumento significativo na ta x a de crescimento anual da produtividade de mão-de-obra (ver Tabela 10.8). Talvez e sse tenha sido um dos fatores que levou alguns dos formuladores de políticas eco-nômicas do país a não acelerar a desvalorização. A diminuição dos custos de produção domésticos por meio de um aumento de produtividade levaria a um poder de con-corrência maior no mercado externo. A produtividade não era necessariamente ava-liada de maneira otimista como se depreende do estudo realizado pela firma de consultoria internacional Mc Kinsev. O estudo maciço do Mc Kinsey Global Institute, publicado em março de 1998, constatou que “com exceção do aço, a produtividade de todos os setores no Brasil não atinge a metade da produtividade nos Estados

Tabela 10.6Gastos selecionados do governo (% dos gastos totais do governo federa1)

Transferências para governos municipais e estaduais

Juros sobre empréstimos

Juros sobre títulos do governo

Amortização

1994 18.0 4,6 7,1 3,01995 19,0 5,2 7,8 5,71996 18.3 4,9 10.2 5.01997 19,3 6.4 8,4 8,2

1998* 19,0 5,5 13,6 5,3

* Janeiro a novembro.Fonte: Conjuntura Econômica.

234

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Tabela 10.7Taxas de juros e taxas de câmbio médias mensais

Taxa de juros Taxa overnight CDB prefixados

Taxa de ju ro s R S p o rU S S

Taxa de câmbio

1985 10,361986 3.861987 13,52 13,54I98S 21.73 19.891989 31.68 30,621990 25.40 28,191991 16.99 17,951992 23.49 26.32 22.201993 31.15 33.41 32,90 0,031994 23.37 25.22 25,34 0.641995 2.32 3.61 3.19 0.921996** 0.87 1.80 1.52 1.121997** 1,31 2.97 2.62 1,201998** 0,74 2.40 2.01 1.261999*** 0.3 1,38 137 1.95

* Taxa de juros referencial.** Taxas em dezembro.*** Taxas em outubro.

Fonte: Conjuntura F.nnômira, Hoietimdo Hanro Centra! do B rasil várias edições.

Tabela 10.8Produtividade de mão-de-obra no setor da indústria de

transformação (% p o r ano), períodos selecionados

1971/73 5,61974/80 1.01981/85 0,31986/89 0,21991/97 8,71996/98 3,3

Fonte: Bonelli (1998).

Unidos, e a de processamento e comercialização de alimentos atinge menos de 20%> que a dos ELA. Mesmo os modernos setores de companhias aéreas, telecomunica.— ções, varejo bancário e montagem de veículos estão 50% abaixo.””

No início do Plano Real, parecia que seu sucesso em refrear a inflação t a m b é m estava resolvendo o problema estrutural da elevada concentração de renda no B r a s i l . Como os mais seriamente atingidos pela hiperinflação eram os assalariados p e rte n c e n -tes aos grupos de baixa renda (com uma inflação mensal próxima a 50% em m e a d o s de 1994, seu poder real de compra se diluía rapidamente), eles foram os g r a n d e s

2 5 5

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t»eneficiados pela repentina estabilidade em seus ganhos reais. Esse aumento nos .ganhos reais dos grupos de baixa renda resultou em aumentos significativos nas com pras de bens de consumo duráveis e explica o crescimento substancial na produ-ç ã o de produtos manufaturados nos primeiros meses do Plano Real. Entretanto, a r«epentina alta no consumo por parte desses grupos continuou por um período con-siderável quando, além do aumento do salário real, grandes grupos de assalariados tam b ém passaram a comprar a crédito. O aumento de seu endividamento os expôs e l o impacto negativo das taxas de juros mais altas que o governo usou para defender s ua posição internacional. Na verdade, em 1998 a inadimplência do consumidor atin-g i u níveis recordes.

^A crise bancária

O desaparecimento da inflação e as altas taxas de juros exerceram considerável im pacto sobre o sistema bancário. A medida que o Plano Real avançava, o aumento c io nível das taxas de juros indicava que muitas empresas e indivíduos enfrentavam sérias dificuldades em pagar suas dívidas. A conseqüência foi um significativo aumen-t o da inadimplência dos empréstimos, que passaram de 7% do total de empréstimos a o setor privado em dezembro de 1993 para quase 21% em dezembro de 1995. Além disso , o sistema bancário foi severamente afetado por um “desempasso... entre o custo d o s passivos dos bancos - normalmente captações de curtíssimo prazo - e as receitas auferidas de seus ativos - que muitas vezes apresentavam um prazo de vencimento m a is longo que suas captações.”*'

O aumento dos empréstimos vencidos foi particularmente desestabilizador para os bancos estatais. Como o papel tradicional desses bancos no Brasil era o de suprir a fa lta de crédito para o tesouro dos estados, eles não desenvolveram habilidades sólidas c ie gerenciamento bancário, de crédito e de risco, e não estavam motivados para fazê- l o por motivos políticos. Em vez disso, a prática comum era rolar os empréstimos vencidos de seus estados e acumular créditos problemáticos. Eles haviam concedido ■empréstimos de modo descuidado em tempos favoráveis e foram duramente atingidos «quando a explosão de consumo chegou ao fim. O portfolio desses bancos deteriorou- s e significativamente quando o setor privado encontrou dificuldades cada vez maiores ■em pagar os empréstimos realizados nos bancos estatais.2"*

Para lidar com os bancos privados, o governo criou o Fundo de Garantia para o Crédito (FGC), ao qual todas as instituições financeiras tinham de contribuir com 0,024% de todos os saldos de contas cobertas pelo FGC. Entre a introdução do Plano Heal e o final de 1997, o Banco Central liquidou, interveio ou colocou num sistema de H e gime Administrativo Especial Temporário (RAET) 43 instituições financeiras. Além «disso, o governo abriu o sistema bancário para a participação estrangeira direta a fim de fortalecê-lo por meio de uma injeção de capital novo.

O instrumento de fusões e aquisições foi viabilizado pelo Proer,2’ criado em 1995, oferecendo um sistema de incentivos fiscais e facilidades de crédito para estimular a rápida consolidação do setor bancário. O banco comprador recebia uma linha de crédi-t o a juros abaixo do mercado suficiente para adquirir o novo banco e tinha a permissão

236

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de absorver as perdas financeiras do banco adquirido em seu balanço patrimonial por meio de isenções fiscais.

Essas facilidades foram usadas pelo Unibanco (o 6a maior banco brasileiro) para adquirir o Banco Nacional (o 7fi maior), pelo Banco Excel para comprar o Banco Eco-nômico e por outros cinco grandes bancos privados.26

No caso dos bancos estatais, o governo introduziu o Proes,2'1 cujo objetivo era reduzir o papel do setor público no sistema financeiro. Com o Proes era possível adquirir instituições financeiras estatais usando títulos públicos como moeda para a transação; ajudar a transformar bancos estatais em instituições não-financeiras ou em agências de desenvolvimento; financiar a reestruturação de bancos estatais com o único propósito de uma subseqüente privatização ou financiar até 50% do custo da. reestruturação de um banco estatal que é recapitalizado pelo governo estadual. N a prática, o governo federal convenceu os estados a permitir a “federalização” de seus bancos “enfermos” oferecendo-se para reprogramar as dívidas de seus governos.

Entre 1995 e 1998, as intervenções do governo em bancos públicos e privados re-sultaram numa clara tendência de downsizing. O número de bancos que contavam so-mente com capital nacional encolheu de 144 para 108 e o de bancos estatais caiu de 3 0 para 24. O número de funcionários de bancos sofreu uma pronunciada queda (de 199S a março de 1996, os empregos bancários caíram de 704 mil para 636 mil e a participa-ção dos bancos estatais no total de depósitos passou de 19,3% em 1996 para 6,5% em* meados de 1998.28

Embora a eficiência do sistema bancário tenha aumentado e a participação do s e to r público diminuído, não devemos esquecer as antigas metas de participação patrimonial que representavam uma importante missão dos bancos públicos no passado. Tal m is-são resultou em uma base de receita mais baixa e um processo administrativo m a is intensivo de mão-de-obra. A responsabilidade social também levou a um excesso d e filiais, uma vez que regiões pobres e menos densamente habitadas só podiam ser a ten -didas por bancos estatais. Apesar de os bancos públicos terem sido excessivam ente usados para fins políticos e embora seu desaparecimento venha a ajudar a eliminar a s distorções financeiras herdadas dos períodos de inflação, permanece a questão: q u e instituição vai cumprir as tarefas para as quais eles foram inicialmente criados, isto é , conceder crédito para áreas, grupos populacionais e setores econômicos que não atraerr^ os bancos privados?

A crise de 1998-99

A explosão da crise asiática em 1997, seguida pela crise da Rússia em agosto d<z ano seguinte, levou as contradições do Plano Real a um ponto crítico. Isso se m a n i -festou na extraordinária queda das reservas brasileiras de US$ 75 bilhões em agost<i de 1998 para menos de US$ 35 bilhões em janeiro de 1999. Pela primeira vez n .£ década de 1990, os fluxos de investimentos líquidos em carteiras de investim ento ; apresentaram resultado negativo quando os investidores sacaram significativas q u a n tidades de capital (ver Tabela 10.4b). O governo tentou desesperadamente in te rrom -per esse fluxo aumentando extraordinariamente as taxas de juros, que atingiram m x

2 3 '

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e i s próximos a 50% ao ano em termos reais em setembro de 1998. Após as eleições e outubro desse ano, o governo tentou obstinadamente conseguir que o Congresso

rovasse emendas à Constituição que aumentariam os impostos sobre as contribui- õ e s dos aposentados e tornariam permanente e mais elevado um imposto especial o b r e transações financeiras. A comunidade internacional também ficou preocupada o m a possibilidade de que ocorresse no Brasil um colapso semelhante ao da Rússia ■ d a Ásia. Em novembro de 1998, foi criado um pacote pelo FMI, o Banco Mundial ; o governo americano, para disponibilizar US$ 41,5 bilhões para sustentar o tão o f r id o Real.29 N o início, o governo obteve algum sucesso em suas tentativas de -u m p rir o novo programa. Em meados de dezembro de 1998, o Congresso havial provado aproximadamente 60% do ajuste fiscal exigido pelos termos do programa.

mtretanto, no decorrer desse mês, o governo sofreu uma grave derrota com a rejeição i e suas propostas para as aposentadorias. Depois desse revés, as saídas de capital -< iineçaram a se acelerar mais uma vez, sendo acompanhadas do esgotamento das -eservas internacionais.

Contribuindo para o agravamento da crise que se expandia, alguns governadores ] c oposição recém-eleitos liderados por Itamar Franco, de Minas Gerais, ex-presi-

z le n te , rebelaram-se e promoveram a moratória dos pagamentos dos serviços da d ív id a dos estados, entre os quais os mais importantes eram Minas Gerais, Rio C irand e do Sul e Rio de Janeiro. Esse fato abalou seriamente a credibilidade do com prom isso brasileiro em relação ao ajuste fiscal e dificultou a interrupção da saída d e capital.

Em meados de janeiro de 1999, quando se tornou óbvio que as elevadas taxas de j i_iros não podiam impedir a saída de capital e estavam gerando uma grande recessão econôm ica, o governo cedeu e permitiu que a taxa cambial flutuasse livremente. Nos d o i s meses seguintes ela desvalorizou 40%’. Dessa forma, a ilusão do Plano Real •chegou ao fim. A maxidesvalorização do Real criou um desafio para a sobrevivência d o Mercosul. Repentinamente, a Argentina foi inundada por produtos brasileiros, en q u an to suas exportações para o Brasil caíam drasticamente (o Brasil era responsável jz>or quase um terço das exportações argentinas). A Argentina tentou contornar o í mpacto causado pela desvalorização brasileira instituindo taxas de importação espe- c iais. Assim, essa desvalorização destacou a necessidade de os membros do Mercosul coordenarem suas taxas de câmbio e políticas macroeconômicas se quisessem que a u n iã o alfandegária sobrevivesse.

O impacto exercido pela desvalorização de janeiro sobre a taxa de inflação do país ±~oi relativamente branda. Pode-se observar na Tabela 10.1b que, após um salto inicial n o s dois primeiros meses após a desvalorização, a taxa caiu novamente durante quase to d o o ano de 1999. Isso decorreu da excessiva capacidade produtiva e altas taxas de desemprego, que pressionaram vários setores a não passar adiante os aumentos de custos relacionados aos preços mais elevados das importações. Além disso, as autori-dades do Banco Central mantiveram as taxas de juros extremamente altas a fim de desestimular a especulação negativa em relação ao Real (a taxa mensal do overnight aumentou para 3,33% em março e a taxa de CDBs de 30 dias, para 3,17%), reduzindo- as gradativamente somente na segunda metade de 1999. No final de 1999, a inflação liavia aumentado 8,9% naquele ano.

238

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Durante todo o ano de 1999, o governo adotou várias medidas para produzir o t i p a de superávit primário do orçamento exigido pelo FMI em troca do empréstimo con-cedido ao Brasil durante a crise de 1998. O governo assinou um compromisso p a ra atingir um superávit primário do orçamento de 3,1% do PIB. Para tanto, o C ongressc aprovou um aumento de alíquotas de impostos para maiores patamares de renda. Entretanto, as tentativas mencionadas para aumentar os impostos para os servidores públicos na ativa e de cobrar impostos sobre os ganhos de funcionários públicos? aposentados foram declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte, que interpretou tais taxações como confisco de salários e descaso com os “direitos adquiridos” .’11 P a r t compensar, foram adotadas outras medidas severas para reduzir gastos e aumenta, outros impostos, fazendo com que o superávit primário totalizasse 3,8% do PIft- superando significativamente a meta estabelecida pelo FM I.’1 Entretanto, em c o i t l

binação com elevadas taxas de juros anteriores, essas medidas contribuíram para q u < a taxa de crescimento continuasse baixa durante quase todo o ano de 1999, em bora a previsão de uma queda de 4% no PIB não ocorresse.

Conclusões

Conforme mencionado no início deste capítulo, há cinqüenta anos o Brasil v e n enfrentando o eterno problema de chegar a um consenso sobre quais grupos socicz: econômicos devem assumir a carga do financiamento do setor público. O impasse fez resolvido durante várias gerações por meio de um financiamento inflacionário. T o d a os vários choques heterodoxos, do Plano Cruzado, em 1986, aos subseqüentes e n u merosos planos para lidar com a hiperinflação do país, fracassaram devido à falta A um ajuste fiscal, que permitiam a volta implacável de pressões inflacionárias. O m o d engenhoso pelo qual o Plano Real foi introduzido e gerou credibilidade nacional internacional permitiu à economia funcionar de maneira estável durante um lo n g período. Isso se deveu ao fato de que a credibilidade facilitou o financiamento pam o déficit do governo por outros meios que não o do Banco Central. Os ajustes fisca puderam ser adiados por muito tempo. Entretanto, como a dívida do governo s avolumava, e o ajuste fiscal era constantemente postergado, a credibilidade do gove= no foi reduzida gradativamente, e a crise internacional de 1997/98 simplesmente a c c lerou o final do Plano Real.

Parece, portanto, que no início do novo milênio o Brasil será obrigado a encontra um mecanismo explícito para alocar a carga dos gastos do financiamento público, provável que, em termos políticos, isso represente um processo prolongado e a ltam ea te contencioso, porém ele é essencial, se o Brasil quiser começar a percorrer u j caminho de crescimento sustentável e não-inflacionário. Outro desafio criado pelo fi do Plano Real é se o Brasil (e outros países latino-americanos) estariam dispostos abrir mão de parte de sua soberania quanto à criação de políticas econômicas dirigid a uma integração econômica regional.32

2 -

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"Jotas

1. Ver BAER (1991).2. Para detalhes, ver Capítulos 8 e 9.3. Para uma revisão detalhada sobre como o plano foi formulado ver: Bacha (1995) e Franco (1995).4. Para detalhes sobre a criação da 1'RV, ver Conjuntura Econômica, abril 1994, p. 5-7.5. A idéia de dar início ao programa de estabilização com a introdução de uma moeda indexada foi

apresentada primeiramente por dois economistas brasileiros em 1985. Ver Arida e Resende (1984). Arida e t e s e n d e encontravam-se no grupo de conselheiros que ajudaram a formular o Plano Cruzado

6. Para detalhes, ver Conjuntura Econômica, ago./1994, p. 172-3.7. Boletim Conjuntural, out./1996.8. Exame, 5/jul./1995, p. 27.9. FRITSCH& FRANCO, 1991, p. 20

10. Por exemplo, transferências reduzidas para os estados e municípios e ajustes na Previdência Social.11. DF.LF1M N ETTO , A . 1998. p. 731.12. Esse fato foi salientado por Paulo Rabello de Castro, que fala em termos do “vício dos gastos exces-

s iv o s” por parte do governo brasileiro. The Walt Street Journal, sexta-feira, 6/nov./1998, p. A. 15.13. PARENTE, 1999, p.20.14. Idem, ibid, p. 20.15. PINHEIRO. Castelar «V/A. 1999, p. 18. Esses autores também apontam aumentos significativos de

g a s to s em várias entidades do governo federal, aparecendo no item do orçamento referente a “outros gastos s t i ia is e dc capital".

16. Veia, 20/jan./1999, p. 4617. ALÉM & GIAMBIAGI, 1999, p. 96-7.18. MONTEIRO, 1997.19. Brazil Financial Wire, I l/jun./1997.20. MONTEIRO, 1997, p. 254.21. Fonte: BNDES.22. McKinsey, 1998, p. 2.23. FONSECA, 1998, p. 637.24. BAF,R & NAZM1, 1999, p. 1225. Programa de incentivos para a reestruturação e fortalecimento do sistema financeiro nacional.26. BAF.R & NAZMI, 1999, p. 15.27. Programa dc incentivos para a reestruturação do sistema financeiro estatal.28. BAER & NAZMI, 1999, p. 17.29. O pacote dc 28 bilhões incluiu as seguintes obrigações por parte do governo brasileiro: 1) aumento de

impostos sobre transações financeiras de 0.3% para 0.38%; 2) aumento das contribuições previdenciárias de salários de servidores públicos ativos; 3) cobrança de impostos sobre as aposentadorias dos servidores civis aposentados; 4) alimento da idade para aposentadoria.

30. Subseqüentemente, o Congresso aprovou uma nova fórmula de cálculo para aposentadoria de traba-lhadores do setor privado, estimulando-os a trabalhar durante mais tempo (ultrapassando a idade média de 52 anos e 33 anos de trabalho). A estabilidade do emprego também foi derrubada e foram aprovadas algumas medidas de austeridade para reduzir gastos.

31. Em 1999, o governo também foi ameaçado pela possível eliminação do imposto sobre transações financeiras, a CPMF. Esse imposto foi introduzido em 1996 e programado para durar até 1999. Em março, o governo conseguiu que o Congresso prorrogasse o imposto por mais três anos. A eliminação da CPMF redu-ziria significativamente as receitas do governo. Segundo jurisprudência, o governo usou o termo incorreto no projeto dc lei para prorrogar o imposto: ele deveria ter dito que iria renovar em vez dc prorrogar a CPMF. Latia American Economy & Business, out./1999, p. 2.

32. BEV1LAQUA, Afonso S. “Macroeconomic Coordination and Commercial Integration in Mercosul”, Texto para Discussão, n- 378, Rio de Janeiro, Departamento de Economia, PUC-Rio, out./1997.

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Parte IIQuestõescontemporâneas

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11O setor externo: comércio e investimentos estrangeiros

As POLÍTICAS ECONÔMICAS internacionais adotadas pelo Brasil desde a Segunda Guerra Mundial podem ser divididas em vários períodos distintos. Do final da década de 1940 até o início da década de 1960, a industrialização como objetivo de substituir importações (ISI - Import-Substitution Industrialization) era a preocupação dominante dos governos, e as políticas econômicas externas eram moldadas de tal maneira a maximizar esse processo. De 1964 a 1974, os formuladores da política econômica deram ênfase à racionalização da economia, isto é, à busca de soluções para alguns dos desequilíbrios e distorções que surgiram durante o período mais intenso de industrialização com o objetivo de substituir as importações, o que incluía, como vimos em capítulos anteriores, políticas econômicas externas que se tornaram mais voltadas para fora do que antigamente. De 1974 até a década de 1980, como resultado do choque do petróleo c a subseqüente crise originada pela dívida, houve uma renovada ênfase na ISI e a procura de ofertas seguras de matérias-primas tornou-se o tema dominante nas polí-ticas econômicas externas do país. Desde 1990, os planejadores tomaram medidas para abrir a economia através da redução de barreiras e de restrições ao capital estrangeiro.

Políticas econômicas internacionais no período ISI

O Brasil saiu da Segunda Guerra Mundial com um substancial acúmulo de reservas cambiais. Como o governo que assumiu o controle em 1945 era dominado por adeptos do livre-comércio internacional e por indivíduos preocupados em controlar as forças inflacionárias, todas as barreiras ao comércio e ao câmbio foram suprimidas; ao mesmo tempo, o câmbio permaneceu no mesmo nível praticado no período anterior à guerra (de 1937 a 1952, a taxa de câmbio oficial permaneceu fixa em 18,50 cruzeiros velhos

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por dólar) — até 1942 a moeda em vigor era o mil-réis), o que resultou numa '‘farra” de importações que deixou o país sem reservas adequadas no período de um ano e em 1947 levou à reimposição de restrições de comércio e pagamentos. A taxa cambial “real” em 1952 chegava quase à metade do que era em 1946. As medidas de proteção adotadas no final da década de 1940, embora tivessem sido planejadas essencialmente para defender o balanço de pagamentos do país, agiram como estímulo ao prossegui-mento do processo de industrialização, principalmente de bens de consumo, que havia começado na década de 1930.1

Já vimos como o governo brasileiro adotou a ISI (Import-Substitution Industria-lization) na década de 1950 como sua principal estratégia de desenvolvimento e como as medidas de proteção do final da década de 1940 eram agora deliberadamente empregadas como instrumentos de promoção da ISI em vez de serem usadas primor-dialmente para proteção do balanço de pagamentos. A ênfase estava em desenvolver a capacidade produtiva doméstica para tantos produtos manufaturados antes impor-tados quanto possível. Deu-se atenção especial à produção interna de bens de con-sumo mais sofisticados, insumos básicos, energia, e assim por diante. Notamos que para esse fim foram aplicados vários tipos de sistemas de controle cambial e de tarifas. Estas últimas resultaram numa estrutura de tarifas efetivas superior a 250% para produtos manufaturados.2 As políticas voltadas para o capital estrangeiro eram extre-mamente favoráveis. Não só havia a atração de um mercado amplo e largamente protegido, como foram desenvolvidas outras medidas que favoreciam as empresas que instalavam unidades de produção no Brasil (ver Capítulo 4).

Essas políticas não-ortodoxas da ISI dificultaram a obtenção de muitos financia-mentos de instituições internacionais, como o Banco Mundial ou órgãos de auxílio americanos, e a maioria dos financiamentos vinha do setor privado internacional.

A abordagem global do desenvolvimento na década de 1950 tinha uma “preocu-pação interna” . A ISI deveria tornar o crescimento do Brasil menos dependente dos centros industriais tradicionais do mundo, isto é, o “mecanismo de crescimento” re-sidiria cada vez mais no setor industrial em recente desenvolvimento. Conseqüente-mente, o indicador de sucesso do período era a rapidez com que o coeficiente de importações estava sendo reduzido.

Durante todo o período as exportações foram negligenciadas. De fato, as políticas da ISI adotadas pelo Brasil funcionaram em detrimento do setor de exportação. Mui-tos analistas acharam que longos períodos de supervalorização do câmbio limitaram a expansão das exportações tradicionais e novas. Como resultado de sua negligência, a estrutura das mercadorias de exportação pouco mudou na década de 1950, enquanto uma profunda transformação se instalara na estrutura da economia. No início da dé-cada de 1960, as exportações primárias tradicionais ainda eram responsáveis por mais de 90% do total de exportações, enquanto os produtos manufaturados representavam somente 2% em 1960.

Na década de 1960 ficou evidente que a negligência em relação ao comércio internacional durante os anos da ISI estava colocando o país numa posição precária. Atingira-se um limite para a redução do coeficiente de importações ao mesmo tempo em que o setor industrial em crescimento necessitava da entrada de materiais primá-rios, bens intermediários e de capital que não poderiam ser obtidos internamente. O

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contínuo descaso com as exportações colocava o país numa situação perigosa quanto ao balanço de pagamentos, visto que o declínio nos ganhos com exportações associado à necessidade de uma redução nas importações poderia levar à estagnação industrial. O resultado foi um grande acúmulo de deficits na conta corrente e, como era difícil obter financiamento, o Brasil acumulou uma quantia significativa de “dívidas força-das”, principalmente na forma de créditos de fornecedores. Em 1964 ficou claro que essa política não poderia continuar.

As políticas “voltadas para o exterior” do período 1964-74

A formulação de políticas econômicas após a mudança de regime de 1964 agiu na suposição de que as elevadas taxas de crescimento na era do Brasil pós-ISI somente poderiam ser atingidas num cenário econômico mais aberto do que o da década de 1950. A fim de aumentar a taxa de crescimento e de diversificação nas exportações, o governo implementou uma série de medidas: aboliu os impostos estaduais de ex-portação, simplificou procedimentos administrativos para os exportadores e introduziu um programa de incentivos fiscais às exportações e de créditos subsidiados aos ex-portadores.'’ Essas políticas visavam não apenas a um crescimento mais rápido no total das exportações, mas também a um aumento na participação dos bens manufaturados, o que levaria à redução da dependência do país na exportação de bens primários, especialmente o café.

Na área de políticas cambiais, o desenvolvimento de uma abordagem consistente com suas metas de diversificação de exportações por parte dos governos pós-1964 foi apenas gradual. Embora tivessem ocorrido várias desvalorizações que eliminaram subs-tancialmente a supervalorização do cruzeiro, os longos períodos entre as desvaloriza-ções causaram períodos recorrentes de supervalorização e especulação em relação à moeda nacional. Em 1968, o governo adotou um sistema de minidesvalorizações que consistiam em pequenas desvalorizações freqüentes, mas imprevisíveis. Esperava-se que esse sistema evitasse a supervalorização do cruzeiro à medida que a inflação prosseguia, que manteria a especulação da moeda a um mínimo e que evitaria a transformação do câmbio numa questão política.4

A orientação voltada para o exterior das políticas referentes às importações consisti-ram principalmente em uma reforma tarifária em 1966, que resultou na redução das tarifas nominais de uma média de 54% em 1964 e 1966 para 39% em 1967. Mudanças posteriores levaram novamente a um aumento das taxas, mas não aos níveis anteriores à reforma. Há provas de que as tarifas nominais eram mais elevadas do que as reais devido à freqüência das isenções e reduções especiais para importação de bens para projetos prioritários.

A proteção real também foi reduzida no final da década de 1960 e início da de 1970, pelo fato de que a taxa de desvalorização do cruzeiro era menor que a taxa de inflação.’

As políticas posteriores a 1964 relativas ao capital estrangeiro pretendiam estimularo aporte de capital de empréstimo oficial e privado e de investimentos privados diretos. Não há dúvida de que a estabilidade política e a orientação geral ortodoxa dos

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governos pós-1964 proporcionaram um clima favorável aos investimentos estrangeiros, dom o veremos na próxima seção, entretanto, foram necessários vários anos para que afluxos significativos de capital estrangeiro se tornassem efetivos. A estagnação eco-nômica que perdurou até 1968 e o considerável excesso de capacidade do setor xnanufatureiro nos primeiros anos de rápida prosperidade de 1968 a 1974 explicam em _grande parte por que os aumentos substanciais nos investimentos estrangeiros diretos ocorreram somente após 1971. Antes dessa época, dominavam os aportes de capital financeiro, que haviam crescido de maneira notável somente no final da década de 1960. Parece haver duas razões importantes para explicar essa demora. Primeiro, houve um longo período de gestação envolvido na realização de estudos de viabilidade para grandes projetos e na negociação de empréstimos de entidades como o Banco Mun-dial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Agência Americana para De-senvolvimento Internacional. O segundo motivo foi que os investidores estrangeiros esperaram algum tempo até que estivessem convencidos da estabilidade do regime e de seus compromissos para com a nova orientação política.

As políticas financeiras internas também foram responsáveis por grandes aportes de capital de empréstimo privado na década de 1970. A taxa de desvalorização do •cruzeiro, por exemplo, foi substancialmente menor que a taxa de inflação interna, e a correção monetária aplicada aos instrumentos financeiros foi maior que a desvalo-rização cambial. Esse fato tornou os empréstimos de fontes externas especialmente atraentes para as empresas brasileiras. Os significativos afluxos de capital devidos, em grande parte, à oferta excessiva de moeda internacional, aumentaram as reservas cambiais e também contribuíram para as pressões inflacionárias, o que obrigou o governo a impor aos fundos estrangeiros uma exigência de tempo mínimo de perma-nência no Brasil a partir do final de 1972.6

Do crescimento sustentado pelo endividamento à crise por ele provocada

No Capítulo 6 examinamos as circunstâncias que levaram o Brasil a optar pelo crescimento sustentado por dívidas em meados da década de 1970. Muitas das po-líticas adotadas na segunda metade dessa década contribuíram para uma diversificação maior das exportações do país e para os investimentos com o objetivo de substituir as importações em muitos setores, tais como o de bens de capital. A crise provocada pela dívida que surgiu no início da década de 1980 fez com que o Brasil desse grande impulso à promoção de exportações não-tradicionais e à redução das importações. Estas sofreram uma queda extraordinária devido aos vários tipos de restrições a elas impostos, à queda dos investimentos (cujo conteúdo de importações costuma ser muito elevado) e às baixas taxas de crescimento que predominaram por vários anos durante a década de 1980. O resultado final foi o desenvolvimento de superávits comerciais anuais consistentes necessários para o serviço da dívida externa, visto que a crise provocada por ela também ocasionou uma queda nos aportes de capital.

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A abertura da economia na década de 1990

Gomo vimos no Capítulo 9, uma das principais metas políticas do governo Collor foi a abertura da economia do país. As tarifas foram gradualmente abolidas, a reserva de mercado de certos produtos (especialmente computadores) foi eliminada e vários estímulos às exportações também foram removidos. Essas políticas continuaram a se r adotadas com Itamar Franco, que assumiu a presidência no final de 1992, e Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994 e reeleito em 1998.7 Além disso, foram instituídas várias medidas para facilitar os investimentos estrangeiros. O objetivo de todas essas medidas foi o de aumentar a eficiência da economia por meio da concorrência estran-geira e a entrada de investimentos estrangeiros diretos.

Resumo estatístico da posição internacional do Brasil

Durante o período da ISI (ver N. do T. à página 92), a dependência comercial brasileira medida pelos coeficientes de exportação de bens e serviços/PIB e de im-portação de bens e serviços/PIB caiu de 9% em cada setor em 1949 para 5% e 6%, respectivamente, em 1960. Durante as décadas de 1970 e 1980, a taxa de exportações aumentou consideravelmente, atingindo um pico de 15% em 1974; no início da década de 1990 ela atingiu uma média de cerca de 10%, caindo novamente para 7,5% no final dessa década.8 A taxa de importações atingiu o pico de 13,3% em 1974, caiu para 5,5% em 1989, tornou a aumentar na década de 1990, ultrapassando a marca dos 10% em 1997.

Pode-se ter uma idéia geral da posição internacional do Brasil analisando o balanço de pagamentos, apresentado no Apêndice, Tabela A4. Embora o saldo da conta cor-rente tenha sido negativo em quase todos os anos desde a década de 1950, a balança comercial foi quase sempre positiva desde 1971. Apesar das altas taxas de crescimento das exportações resultantes dos programas de incentivo do governo, o elevado cresci-mento interno (especialmente o dos investimentos de 1970 em diante) associado à liberalização das importações, provocou uma expansão maior nesse setor do que no de exportações. Além disso, o contínuo e rápido crescimento interno fez com que muitas indústrias atingissem a capacidade total de produção antes de satisfazer a demanda doméstica, o que gerou uma dependência maior das importações — como foi o caso, por exemplo, dos produtos siderúrgicos. Naturalmente, os elevados déficits comerciais de 1974 foram resultado, em grande parte, dos desmedidos aumentos dos preços do pe-tróleo. Além disso, porém, os ambiciosos programas de investimento do governo e as empresas multinacionais também foram responsáveis pelos sucessivos aumentos das importações de bens de capital e matérias-primas. Desde 1981 a balança comercial apresentou resultados positivos e assim continuou até meados da década de 1990, fato devido ao aumento progressivo das exportações naquele período e à extraordinária queda nas importações. As exportações aumentaram de cerca de US$ 21 bilhões no início da década de 1980 para mais de US$ 36 bilhões em 1992, enquanto as importa-ções caíram de aproximadamente US$ 22 bilhões no início da década de 1980 para cerca de US$ 13,5 bilhões em 1992 e 1993.

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Na segunda metade da década de 1990, a balança comercial apresentou significati-v o s resultados negativos. Em 1998, o déficit comercial chegou a quase US$ 6,5 bi-1 hões, como resultado de um maior número de importações do que de exportações, refletindo o impacto das políticas de liberalização adotadas pelas autoridades brasilei-r a s segundo o plano de estabilização do Real e da valorização da taxa cambial.

O balanço de serviços sempre foi negativo, e a carga maior residia nos pagamentos de •capital, seguida de custos de transporte. Como podemos observar no Apêndice, Tabela

a taxa de crescimento desses pagamentos foi muito rápida na década de 1970, refle-tin d o o aumento da dívida externa do Brasil, a maior dependência de investimentos estrangeiros diretos com a concomitante remessa de lucros e o aumento da utilização de transportadores estrangeiros que acompanhava o rápido crescimento das importações.

O crescente déficit da conta corrente e as amortizações do principal foram mais que compensados pelos aportes de capital, especialmente a partir do final da década de 1960 até 1973, o que permitiu ao Brasil acumular reservas cambiais no valor de US$ <5,4 bilhões nesse ano. A maior parcela de afluxo de capital consistia em empréstimos, embora de 1972 em diante tenha havido um grande salto na entrada anual de investi-mentos diretos que durou até meados da década de 1980.'’

O enorme aporte de capital continuou depois da crise do petróleo, aumentando a dívida do país de US$ 9,5 bilhões em 1972 para US$ 107,5 bilhões em 1987 (sem ■contar a dívida de curto prazo), mas não foi suficiente para cobrir a imensa conta cor-rente negativa e as amortizações do principal no final da década de 1970 e início da de 1980, e as amortizações vencidas eram sujeitas a renegociações periódicas. Vimos na Tabela 6.6 (à página 122) que os coeficientes do serviço da dívida (juros mais amorti-zação como proporção das exportações de bens e serviços) passaram de 58% em 1978, atingindo 83% em 1982; depois de muitos anos de renegociações da dívida, tal coefici-ente foi novamente reduzido para 27,3% em 1991.

Com a introdução das políticas neoliberais na década de 1990, examinadas no Ca-pítulo 10, o Brasil atraiu grande quantidade de investimentos em títulos de grandes fundos estrangeiros. Assim, de uma entrada praticamente inexistente em 1991, houve um salto para influxos líquidos de US$ 1,7 bilhão em 1992, US$ 6,6 bilhões em 1993, LS$ 7,3 bilhões em 1994 e uma média de US$ 4,5 bilhões em 1995 e 1997. À medida que as crises russa e asiática atingiram o Brasil, o investimento líquido em carteira tornou-se negativo em 1998, recuperando-se apenas ligeiramente em 1999.

Foi extraordinário o crescimento dos investimentos estrangeiros na década de 1990. Muito discretos no início da década, atingindo uma média de US$ 479 milhões ao ano em 1990 e 1993, aumentaram expressivamente nos anos seguintes:

1994 US$ 2,0 bilhões1993 US$ 4,3 bilhões1996 US$ 10,8 bilhões1997 IJS$ 19,0 bilhões1998 US$ 28,9 bilhões1999 US$ 28,6 bilhões2000 US$32,8 bilhões

O motivo e as implicações desse aumento significativo serão discutidos a seguir.

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As ligações do Brasil com o mundo externo

Embora as exportações tenham aumentado expressivamente em termos absolutos desde o final da década de 1960, tal crescimento foi menor do que o do comércio mundial, resultando numa queda na participação do Brasil nas exportações mundiais de 0,99% em 1980 para 0,91% em 1991, tornando a aumentar para 0,94% em 1998. No mesmo período, o país conseguiu diversificar seus laços econômicos internacionais.

Comércio

A Tabela 11.1 mostra a queda significativa do café e o crescimento das exportações primárias não-tradicionais, como as de soja e minério de ferro. Em meados da década de 1980, o suco de laranja também se tornou um importante item de exportação, principalmente nos anos em que os Estados Unidos foram vítimas de geada, e na década de 1990 a participação desse produto no total de exportações muitas vezes ultrapassou a marca dos 3%. E importante também ressaltar o aumento da participação da exportação de produtos manufaturados de 5% em 1964 para 69,4% em 1996. Na década de 1990, o Brasil havia alcançado uma diversificação geográfica muito maior em suas exportações do que nas duas décadas anteriores. Embora os Estados Lnidos fossem responsáveis por 41% das exportações brasileiras na década de 1950 (ver Tabela11.2), essa participação declinou para 17,7% em 1997, enquanto a Europa ocidental e o Japão aumentaram significativamente sua posição relativa como clientes do Brasil. O mais notável é o rápido crescimento da América Latina nas exportações brasileiras, aumentando de 9,7% em 1967, para quase 26% em 1997.

No que se refere às importações (Tabela 11.1b), observa-se a importância de bens intermediários e de capital. A queda dessa categoria no final da década de 1980 reflete a recessão do início da década e os resultados de investimento no setor de bens de capital durante a década de 1970. Na década de 1990, o aumento da participação dos bens de capital reflete o crescimento do interesse de multinacionais em realizar investimentos diretos em setores como os de equipamentos de transportes e em vários outros em vias de privatização (como aço, petroquímicos e serviços de utilidade pública). Deve-se observar, em especial, o crescimento da participação do petróleo e derivados de 10% do total de importações em 1968 e 1972 para 51,3% em 1981, refletindo o significativo aumento dos preços do petróleo provocado pelas ações da OPEPdurante esse período. O subseqüente declínio da categoria reflete a queda do preço internacional do petróleo e o aum ento da extração doméstica do produto (sendo que a participação caiu para 7,1% em 1998). Contou-se menos com os Es-tados Lnidos como fonte de fornecimento, registrando-se uma queda regular (de 35,4% em 1967 para 15,8% em 1981, aumentando novamente para 23,3% em 1997) e um rápido crescimento na participação do Oriente Médio (atingindo o pico em 1981 e declinando posteriormente). Finalmente, houve lima expressiva queda de importações por parte de países da América Latina até 1975; após esse ano, a participação da América Latina nas importações brasileiras aumentou, alcançando quase 22% em 1997.

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Tabela 11.1A estrutura das mercadorias de exportação e importação, 1948/50-96

(a) Estrutura das mercadorias de exportação 1955-96 (distribuição percentual)

1955 1960 1964 1973 1974 1975 1976 1980 1981 1985 1986 1992 1996

C a f é 59 56 53 22 13 11 21 14 8 11 9 3,1 4.4^Açúcar 3 5 2 9 16 11 3 6 5 2 2 1.5 5,6S o ja e derivados - - - 15 11 13 17 9 11 8 6 7,5 5,7M inério de ferro 2 4 6 6 7 11 10 8 7 8 9 7,0 5.6Manufaturados 1 2 5 29 36 36 34 52 57 66 63 67,0 64.4O utros produtos

primários 35 33 34 19 17 18 15 11 12 5 20 13,9 9,3

"Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100.0 100,0Fonte: Banco Central do Brasil. Boletim.

(b) Estrutura das mercadorias de importação 1948/50-98 (distribuição percentual)

1948-50 1960-62 1967 1971 1972

Bens de capital 38,0 29.0 31,9 38,9 42.2Bens intermediários 28.0 31.0 52,6 45,3 42,7Bens de consumo

duráveis 8,0 2,0 3,8 6.3 6,6Bens de consumo

não-duráveis 7,0 7.0 10,4 8,8 7,7Outros 19.0 31.0 1,3 0,7 0.8Total 100,0 100,0 100.0 100.0 100,0

1968-72 1973 1974 1975 1976 1981 1985 1986 1992 1998Maquinário e

equipamentos 37,6 34.6 24.8 32,3 28.7 18,2 18,9 24.7 30,4 27,1Óleo cru e derivados 10,0 11.5 22.0 25,2 31,2 51,3 47,0 19.8 20,4 7,1

Ferro-gusa e ferro-gusade forno elétrico 6,2 8.0 12.2 10,4 5.0 3.3 1,5 2.3 |

' 4,1 1Metais não-ferrosos 5,0 4,6 4.8 3.0 3,4 2.2 1,5 1,4 JProdutos químicos 5,3 6.0 5,1 4.3 5,8 3,6 5,3 7,5 17,0 |Outros 35,9 35.3 31,1 24.8 25,9 21,4 25,8 44,3 28,1 >

Total 100,0 100,0 100.0 100,0 100,0 100.0 100,0 100,0 100.0 100,0Fonte: BERGSMAN, Joel. Brazil: industrialization and trade policies. Nova York, Oxford University Press, 1970; DOEL LINGER,

Carlos von. “Foreign trade policy and its effects” . Rio de Janeiro. 1PF.A Brazilian FronomicStudies n 1, 1975; Banco Central do Brasil, Boletim.

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Tabela 11.2Distribuição geográfica das exportações e importações, 1945-98

(a) Exportações: distribuição geográfica (%)

1945-49 1957-59 1967 1970 1974 1975 1976 1981 1985 1992 1998

Estados Unidos 44.3 41.3 33,1 24,7 21,8 15.4 18,2 17,6 27,3 19,7 19,3Canadá - - 1.0 1,5 1,2 1.6 1.4 1.2 1.6 1.1 1,0América Latina - - 9,7 11,1 11,5 13.8 11,9 18,1 8,6 19.9 24,7Europa ocidental 23,3 26,3 39,8 40,3 35,2 31,4 34,9 27,1 30.0 29,7 28,8Europa central e

oriental - - 5,9 4,5 5,0 8.8 9,0 7,3 3,9 1,0 2.3Japão - 3,0 3,4 5,3 7,0 7,8 6,3 5,2 5,5 6.4 3,8Outros 32,4 29,4 7,1 12,6 18,3 21,2 18,3 17,5 23,1 22,2 20,1(Oriente Médio) - - (0,9) (0 ,6) (4.2) (5.2) (2,7) (5,4) (5.9) (5,2) (4,8)

Total 100.0 100,0 100.0 100.0 100.0) 100.0 100,0 100,0) 100,0 100,0 100.0

(b) Importações: distribuição geográfica <%)

Estados Unidos 35,4 32,9 24.2 25,3 23,1 15,8 19,8 24,0 23,7Canadá 1,1 2,4 3,3 1.7 2,5 2.5 3,1 2,2 2,2América Latina 13.0 10,5 ",l 5,9 9,5 14.1 12,2 15,9 20,1Europa ocidental 31,3 35,1 30.4 31,1 24,5 13.8 17,6 22,2 29,1Europa central e oriental 4,8 2.1 1,3 1,7 1.8 1,1 2,3 1,7 1,4Japão 3,1 6.4 8,8 9.1 7,2 5,7 3,8 5,5 5,7Outros 11,3 10,6 24,9 25,2 31,4 47,0 41,2 28,5 17,9(Oriente Médio) (7,1) (5.5) (17,1) (19.0) (24,8) (30,6) (22, 1) (16.5) (5,5)

Total 100,0 100.0 100.0) 100.0 ) 100,0 ) 100.0) 100.0 ) 100.0 ) 100.0Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim.

O crescimento do comércio com outros países latino-americanos no final da década de 1980 e durante a de 1990 é, em grande parte, resultado do Mercosul, o acordo de integração entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai que entrou em vigor em 1990.10 No período 1992-93, o Brasil obteve um elevado superávit comercial com a Argentina devido à supervalorização do peso argentino após a introdução do novo sistema mo-netário naquele país. O expressivo aumento das exportações brasileiras para a Argen-tina levou as indústrias afetadas a pressionar o governo em busca de algum tipo de proteção, que foi conseguida não por meio da renovação de tarifas, mas com a criação de um imposto especial sobre os produtos brasileiros. Como foi mostrado no capítulo anterior, houve uma valorização considerável do Real após sua introdução em julho de 1994, resultando em um aumento significativo de importações da Argentina e produ-zindo uma reação protecionista pelo Brasil que ameaçou os acordos firmados pelo Mercosul. Mais uma vez o pêndulo inclinou-se para o outro lado no início de 1999,

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g u a n d o o Brasil desvalorizou o Real, causando uma expressiva queda de importações d a Argentina e um notável aumento de exportação para esse país, novamente causan-d o tensão nas relações econômicas entre os dois países e ameaçando a estabilidade do Pvdercosul. O comportamento dos dois países nesses episódios certamente não se co-si dunava com o espírito do Mercosul e demonstrou a necessidade de integrar todo um c o n ju n to de políticas econômicas (monetárias, fiscais e cambiais) para que tal integração r-eg ional fosse bem-sucedida.

JPolíticas comerciais das décadas de 1980 e 1990

Os efeitos da crise do petróleo obrigaram o Brasil a redobrar seus esforços para jprom over as exportações e para mudar sua estratégia de importações; no primeiro t : aso, a solução estava em dar prosseguimento ao programa de incentivo às exporta-ç õ e s o que, na ocasião, foi severamente criticado pelos Estados Unidos e Europa. O u t r o fator importante para determinar o crescimento das exportações foi e ainda é a taxa de crescimento das economias industriais, que importam os bens manufatura-d o s e matérias-primas industriais brasileiros.

Como reação à crise mundial de petróleo que agravou intensamente seu balanço c ie pagamentos, o Brasil fez várias tentativas para controlar as importações e para cdedicar-se mais uma vez a uma estratégia intensiva de substituição de importações. Frogram as de investimentos maciços em aço, produtos de metal, bens de capital e petroquímicos e derivados aumentaram substancialmente a dependência do país de importações para promover seu crescimento industrial.

Os formuladores da política econômica brasileira foram incapazes de usar seu es- q u em a de minidesvalorizações com a liberdade esperada. Por um lado, houve pressões para desvalorizar o cruzeiro a um ritmo mais rápido do que no passado. A taxa de desvalorização na década de 1970, especialmente após 1973, ficou consistentemente defasada em relação à da inflação interna (mesmo subtraindo a taxa de inflação dos principais parceiros comerciais) que crescia outra vez após o declínio regular nos au-m entos de preços anuais no período de 1967-73. Na década de 1970 o programa de incentivo às exportações mais do que compensou os efeitos negativos de um cruzeiro sobrevalorizado. A relutância em desvalorizar devia-se ao receio de que essa medida pudesse dar impulso significativo ao ressurgimento da inflação depois da crise do pe-tróleo. Além disso, como havia uma dependência significativa dos negócios brasileiros em relação aos empréstimos estrangeiros, qualquer desvalorização aumentava signifi-cativamente o custo da dívida em cruzeiros, elevava as taxas de juros internas e, por-tanto, desestimulava novos investimentos e, conseqüentemente, a taxa de crescimen-to da economia. Entretanto, como mostramos no Capítulo 6, a crise de 1980, provocada pela dívida, e as pressões dos governos de países industrialmente desenvolvidos para eliminar ou moderar os vários programas de incentivo às exportações levaram o gover-no a decretar várias maxidesvalorizações e a adotar uma taxa de câmbio regulada por minidesvalorizações que não ficava defasada em relação à taxa de inflação.

Como vimos no capítulo anterior, a combinação de maciça entrada de capital após a adoção do Real em meados de 1994 causou uma significativa valorização da nova

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Page 241: Economia Brasileira - Werner Baer

moeda. A taxa de câmbio também foi usada como um dos instrumentos de estabili-zação da economia. Como resultado, houve um significativo aumento das importações e um crescimento muito menor das exportações, causando períodos ocasionais de retrocesso protecionista. O impacto das crises russa e asiática, contudo, fez o Brasil abandonar as políticas de elevadas taxas cambiais e o Real foi drasticamente desva-lorizado em janeiro de 1999.

A procura por fontes de energia e matérias-primas

Até o final da década de 1970, o Brasil foi capaz de prover somente 20% de suas necessidades de petróleo. (Descobertas de novas fontes realizadas no início da década de 1980 indicam uma queda da dependência em meados dessa década para cerca de 50%.) O país dependia da importação de carvão para a indústria siderúrgica e tinha de importar matérias-primas como cobre, estanho, zinco e produtos químicos. Dessa forma, muitas das políticas econômicas externas eram motivadas pelo desejo de atingir a auto-suficiência quanto a essas matérias-primas ou de assegurar o fornecimento desses insumos vitais. Em outubro de 1975, o país tomou uma medida sem precedentes, deixando de explorar com exclusividade as reservas de petróleo, o que era privilégio da empresa estatal Petrobras, e permitiu “contratos de risco”, isto é, que empresas estrangeiras realizassem prospecção de petróleo em determinadas áreas do país e, em caso de resultados positivos, a descoberta seria dividida entre a empresa estrangeira e a Petrobras. Esperava-se, dessa forma, atrair o capital estrangeiro para atividades de exploração custosas e desenvolver a capacidade do país para extrair petróleo mais rapidamente.

O impulso para aumentar os laços econômicos com o Paraguai e a Bolívia também toi motivado por considerações relacionadas à energia. A construção da maior barra-gem hidrelétrica do mundo em Itaipu, um empreendimento conjunto entre o Brasil e o Paraguai que tornou este último o maior exportador de energia elétrica do mundo, contribuiu significativamente às necessidades energéticas da região Centro-Sul do Brasil. Não há dúvida de que esse fato torna a economia do Paraguai muito depen-dente do Brasil. Da mesma forma, os investimentos de larga escala do Brasil na Bolívia são destinados a trazer o gás natural que aquele país possui em abundância e outras matérias-primas para o centro industrial brasileiro.

Para garantir o fornecimento de petróleo, uma subsidiária da Petrobras, a Braspetro, assinou contratos de assistência técnica e prospecção com países do Oriente Médio, Africa e América do Sul. Houve também um aumento de comércio bilateral com antigos países socialistas, pela mesma razão.

A dívida externa

A dívida externa brasileira, que aumentou de US$ 132 bilhões em 1992 para US$ 222 bilhões em 1998, tinha como principais credores entidades privadas (ver Tabela 11.3a). E possível notar, entretanto, que a parcela devida ao FMI aumentou extraordinaria-

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Page 242: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 11.3 A dívida ex terna brasileira

(a) Distribuição p o r origem dos credores (%)

1991 1998

Bancos comerciais 60,1 29,9FMI 1,3 21,6Banco Mundial 8,8 2,2BID 2 7 2,9CFI 0,5 1,0Governo EUA 1.3 -Banco Exp./Imp. Japão 0,4 -Banco Desenv. Gov. Alemão 1,8 -Crédito de fornecedores 10,5 33.1Outros 5,2 8,7

Total 100,0 100,0

(b) Estrutura de vencimentos da dívida externa do Brasil, setembro (%)

1985 1999 1985 1999

1 ano 12 23 4 anos 12 52 anos 14 11 5 anos 12 53 anos 14 6 mais de 5 anos 36 50

Fonte: Banco Central do Brasil, Relatório Anual l 991 1 1998.

mente de 1,3% em 1992 para 21,6% em 1998. Isso ocorreu devido aos empréstimos especiais feitos durante 1997-8, quando a comunidade internacional decidiu proteger a economia brasileira do impacto das crises financeiras asiática e russa. Também se pode observar na Tabela 11.3b que o governo conseguiu prolongar o prazo de resgate da dívida externa. Em 1985, cerca de 36% da dív ida tinha um prazo de pagamento de mais de cinco anos, percentagem que havia aumentado para 50% em 1999.

Embora o endividamento do Brasil o coloque numa posição vulnerável, a dívida também apresenta elementos de força. Ela enfraquece o país por vários motivos: como já foi mencionado, um elevado endividamento resulta em grandes quantidades de receitas de divisas que são usadas para o serviço da dívida; o endividamento aumenta o preço de novas dívidas no estrangeiro; à medida que se necessita de refinanciamento, ela coloca o país em desvantagem para negociar com os principais países credores, o que implica um certo grau de interferência na formulação de po-líticas internas — a ligação de novos empréstimos às políticas internas de crédito de-sejadas; e, finalmente, um endividamento elevado pode ocasionar pressões por parte dos países credores para que as multinacionais em funcionamento no país obtenham

Page 243: Economia Brasileira - Werner Baer

um tratamento mais tolerante, mesmo para aumentar a participação do capital estran-geiro nas empresas brasileiras endividadas.

Gomo aspecto positivo, o elevado endividamento de um país grande e importante como o Brasil confere às autoridades algum poder de barganha. Como as empresas multinacionais fazem investimentos significativos portanto, têm grande participação no bem-estar do país - e como algumas das principais instituições financeiras privadas têm grandes empréstimos vinculados à dívida total do país, há interesse por parte dessas empresas e desses credores em manter a economia em crescimento e fazê-la atingir uma sólida posição no balanço de pagamentos. Isso tem sido usado pelo gover-no brasileiro para propiciar opiniões favoráveis para expandir seu comércio e obter novos créditos.

Complementaridade versus competitividade nas relações do Brasil com o mundo industrializado

A estratégia brasileira da industrialização com o objetivo de substituir as importações (ISI) para promover o desenvolvimento econômico do país foi, ao mesmo tempo, um sucesso e um fracasso, pois resultou na industrialização do país, mas não reduziu sua dependência externa, somente mudando sua natureza. A estratégia ISI tornou o país mais dependente de insumos importados para operar seu parque industrial. Quando se reflete sobre os fatos, embora essa fosse uma conseqüência inevitável, considerando-se a falta de várias matérias-primas básicas, poder-se-ia afirmar que a estratégia ISI, que dava ênfase à indústria automobilística como um dos principais elementos de crescimento industrial e como elemento-chave no desenvolvimento do sistema de transportes do país (negligenciando as ferrovias), tornou o Brasil desnecessariamente vulnerável e dependente na era pós-1973. A dependência em relação ao capital estrangeiro e às multinacionais tam-bém aumentou e o poder de negociação dessas empresas cresceu à medida que elas se tornavam essenciais ao contínuo e intenso crescimento econômico do país."

A dependência também foi intensificada pelas indústrias em desenvolvimento, verticalmente integradas ao sistema industrial mundial e pelas exportações em desen-volvimento (como minério de ferro) que estão sujeitas ao desempenho dos países industrializados — talvez “interdependência” seja um term o mais realista; a maioria das economias mais importantes do mundo tem se tornado cada vez mais inter-dependentes. O grau em que o Brasil poderá beneficiar-se desse desenvolvimento vai depender muito da habilidade dos formuladores de sua política econômica e de diplo-matas especializados na área econômica. Sua diversificação comercial e a de suas fontes de investimento dão margem a vários procedimentos.

Também há um grau de competitividade no sistema econômico brasileiro com relação aos seus parceiros comerciais. Primeiro, há competitividade na complemen-taridade na medida em que as subsidiárias brasileiras de multinacionais estão com-petindo com as unidades de produção dessas empresas em outras áreas do mundo. Segundo, há competitividade na exportação dos produtos finais. Esse é o caso da exportação de vários tipos de bens de consumo - calçados, têxteis, automóveis e

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outros — em que o Brasil e seus concorrentes terão de chegar a alguma espécie de acordo quanto à participação de mercado ou quanto à redistribuição mundial do trabalho - por exemplo, uma redução na capacidade produtiva da indústria de calça-dos dos Estados Unidos para dar lugar aos produtores brasileiros, enquanto os ame-ricanos se especializam em outros produtos para os quais há mercado no Brasil.

Finalmente, há oportunidades e conflitos potenciais na diversificação das exportações agrícolas brasileiras. A emergência do Brasil como o segundo maior exportador de soja e derivados do mundo, o contínuo crescimento das exportações de minério de ferro e o potencial do país como exportador de carne apresentam oportunidades de aumento no comércio e de conflitos com economias concorrentes.

Investimentos estrangeiros no Brasil: seus benefícios e custos

O capital estrangeiro vem desempenhando um papel importante na economia brasileira desde que o país se tornou politicamente independente e, durante pratica-mente esse mesmo período, houve controvérsias quanto ao impacto causado por esse capital. Será que ele promove, sufoca ou distorce o desenvolvimento do país? Pretendo examinar essa questão do Brasil atual à luz das evidências disponíveis. Em primeiro lugar, farei uma breve revisão do papel histórico do capital estrangeiro no desenvol-vimento brasileiro, seguida de um sumário dos argumentos que determinam seus benefícios e custos, dada a estrutura atual. Finalmente, farei uma revisão das provas disponíveis a favor de cada aspecto do debate.

Perspectiva histórica

No princípio da era pós-independência, o capital estrangeiro (de origem britânica, em sua maioria) concentrava-se principalmente nos setores financeiro e comercial. Embora a produção de artigos de exportação (café, açúcar) fosse dominada por brasi-leiros, o embarque e o financiamento das exportações e também a importação de pro-dutos manufaturados estavam nas mãos de estrangeiros. O fácil acesso de bens britânicos ao mercado brasileiro foi resultado de pressões políticas da Inglaterra (um toma-lá-dá- cá pelo apoio político à independência) e contribuiu para conservar o país como uma economia de exportação de produtos primários até o século XX.12

Durante a segunda metade do século XIX, grandes quantias de capital estrangeiro entraram no Brasil para formar a infra-estrutura econômica - ferrovias, portos, serviços públicos urbanos - , muito do que foi planejado para integrar o Brasil de modo mais eficiente à rede de comércio mundial como fornecedor de produtos primários. Tal capital consistia em investimentos diretos e em financiamento de projetos por meio da venda de títulos. Em 1880, o estoque total de capital estrangeiro era calculado em US$ 190 milhões, quantia que aumentou para US$ 1,9 bilhão em 1914 e para US$ 2,6 bilhões em 1930. Antes da década de 1930, a Grã-Bretanha dominava os investimentos estrangeiros no país, embora a participação dos Estados Unidos tivesse crescido em

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importância na virada do século. Em 1930, metade do capital estrangeiro era b ritân ico e um quarto tinha origem americana.'3

Embora o capital estrangeiro tenha contribuído com recursos e tecnologia para o cres — cimento da economia brasileira antes da década de 1930, muitos observadores d a q u e le período ficaram apreensivos quanto ao impacto que tal capital exerceria sobre a nature-za do desenvolvimento que ajudara a produzir e seu custo para o país.14 As q u e s tõ e s mais freqüentemente citadas nas críticas ao capital estrangeiro no período antes de 1 9 3 0 eram as seguintes:

1. Os portos e ferrovias construídos deveriam integrar o país mais eficientemente à e c o n o m ia internacional, isto é, despachar produtos primários do interior para os mercados estrangeiros c r distribuir produtos manufaturados im portados de modo mais eficiente. Eles não integraram a s várias regiões do país a um mercado nacional mais amplo.2. O custo do capital externo era excessivo, visto que as empresas estrangeiras tinham taxas d c retorno garantidas sobre seus investimentos e o capital dc em préstim o era extremamente caro — devido às elevadas taxas de juros e/ou ao am plo desconto com os quais os títulos eram v e n d id o s em mercados financeiros internacionais pelos subscritores.153. As tarifas dos serviços públicos de propriedade de estrangeiros eram freqüentem ente m u i to altas a fim de garantir um rápido retorno dos investimentos, enquanto os serviços eram, m u ita s vezes, inadequados. Desde a década de 1930, o aumento do controle do Estado sobre as ta r ifa s de serviços públicos gradualmente levou a um declínio dos investim entos estrangeiros nesse se -tor e acabou com a nacionalização da maioria dessas empresas porque os controles eram ap licad o s de forma a dim inuir substancialmente a lucratividade do setor. 16

Os investimentos estrangeiros continuaram a fluir para o Brasil na década de 1920, embora a um ritmo reduzido quando comparados com o período que antecedeu a Pri-meira Guerra Mundial. Alguns se destinavam a expandir os serviços públicos, as opera-ções financeiras e comerciais e outros até foram reservados a novos empreendimentos industriais (embora o setor manufatureiro fosse dominado pelo capital interno antes d a Segunda Guerra Mundial).17 Com a Grande Depressão, os aportes foram virtualmente paralisados.

O período de 1950-86

Desde o início da década de 1950, quando o Brasil adotou a estratégia da indus-trialização com objetivo de substituir as importações (ISI) a fim de promover o cres-cimento e desenvolvimento econômico, os investimentos estrangeiros passaram a ser destinados ao setor fabril com o gradual declínio de sua participação na infra-estrutura. Esse foi o resultado de vários incentivos oferecidos ao capital estrangeiro, ao se sentir que uma rápida ISI somente era possível com uma elevada contribuição de recursos e know-how externos. O declínio do investimento estrangeiro na infra-estrutura foi provocado pelo controle exercido pelo governo, que tirava os atrativos dos retornos dos investimentos naquele setor, e pelo receio da reação nacionalista contra o domínio estrangeiro em setores estratégicos.18

Como podemos observar na Tabela 11.4, os investimentos estrangeiros realizados antes da Segunda Guerra Mundial concentravam-se principalmente nos serviços pú-

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D is t r ib u iç ã o setorial dos investim entos dos Estados Unidos no B rasil, 1929-98(%)

Tabela 11.4

1929 1940 1952 1980 1985 1992 1998

M anufaturados 23,7 29,2 50.6 68,0 74,7 74.6 59,0

P e tró leo (distribuição) 11.9 12,9 17,1 4,7 3,0 4.1 4,8

S erv iço s públicosCincluindo transporte) 50,0 46,7 14,9 7.3 4,5 2.4 -

C omércio 8.2 7.5 -

O u tro s 6,2 3,7 17,4 Bancos 1,7 3.0 6,3 4,5

T otal 100,0 100.0 100,0 Finanças (excluindo bancos) 10,8 11.4 11,4 12.4Mineração 1,9 - - -Outros 5,6 3,4 1,2 31,3Total 100,0 100,0 100.0 100,0

F onte- C a l c u l a d o a partir das Nações Cnidas, Foreign Capita!in Ijitin America. Nova York. Nações Cnidas, 19S5, p. 51; MALAN, P e d r o S : BONEI.I.I Regis, ABREU Marcelo d e P. & PEREIRA. José Eduardo de C. Política econômica externa t indus- tnalim ão no Brasil <1939-1952). Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1977, p. 181; U. S. Department of Commerce. Survey o f Current Business, ago.i'1981, ago71986, ago./1993 e ago./1999.

Ulicos c o m é rc io , finanças e distribuição de petróleo, o que mudou consideravelmente n a s décadas subseqüentes à Segunda Guerra Mundial. Em 1980 os investimentos em serviços públicos haviam praticamente desaparecido, enquanto 68% do total dos in -v e s t i m e n t o s estrangeiros se destinavam ao setor de transformação industrial, alcançan-do quase 75% em 1992.

A T a b e l a 11.5 revela que a maioria d o s investimentos estrangeiros no setor m a n u f a tu r e i r o e ra realizada nos setores de produtos químicos e farmacêuticos, equipa-mentos de transportes e maquinário. Esses setores experimentaram as maiores taxas de c r e s c i m e n t o na economia brasileira antes da estagnação da década d e 1980. Também se e n c o n t r a v a m investimentos estrangeiros significativos em produtos de metal e equipa-mento elétrico.

Perto do final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos dominavam os inves-timentos estrangeiros e, em 1951, sua proporção ainda representava quase 44%. Como podemos notar na Tabela 11.6, houve um importante crescimento na diversificação da origem geográfica do capital estrangeiro. Em 1980, a participação dos Estados Unidos havia caído a 30% e era menor que a da Alemanha ocidental. Japão e Suíça, juntos.

,\s Tabelas 11.7 e 11.8 contêm algumas informações mais detalhadas sobre a impor-tância relativa do capital estrangeiro em vários setores. A Tabela 11.7 baseia-se no f a t u r a m e n t o das 20 maiores empresas em cada setor. Segundo esse levantamento, as empresas estrangeiras dominam oito setores, incluindo indústrias de tecnologia dinâ-mica como montadoras de automóveis, farmacêuticas e de computadores. O fato no-tável nesse levantamento é a presença das empresas estrangeiras dominantes também nos setores mais tradicionais, como alimentação, bebidas e produtos de higiene e limpeza.

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Tabela 11.5Distribuição setorial do total de investim entos estrangeiros

e taxas de crescimento setorial, 1976-91Investimentos estrangeiros Taxa de crescimento anual

<%) da produção

1976 1981 1991 jun./1995 1975-80 1980-86 1986-91

Mineração 3 3 2 2 - - 1,7Transformação 81 76 69 53 6,9 0,3 -0,2

Minerais nâo-metálicos 3 2 2 1 7,8 1,5 1,6Produtos metálicos 8 8 8 6 9,9 1,7 0,2Maquinário 8 10 8 6 7,1 1,5 -1,2Maquinário elétrico 9 8 8 6 8,5 1,3 2,0Equipamento de transporte 13 13 10 10 4,4 0,0 -1,2Papel e produtos 3 2 2 2 7,7 0,8 2,9Borracha 2 2 2 2 5,9 1,3 2,3Químicos e farmacêuticos 18 17 13 13 8,7 1,1 0,7Têxteis, roupas 8 7 2 2 4.5 1,5 -3,5Alimentos e bebidas 7 6 5 4 7.0 1,0 3,0Fumo 2 1 1 0 4.6 0,2 2.6

Serviços públicos 3 - - - - -

Serviços 12 18 24 43 - -Outros 1 3 5 2 _ —

Total 100 100 100 - - -

Fome: DOELLINGE R. Carlos von {19/51, p. 27; Banco Central do Brasil, Holetim.

Tabela 11.6 A origem do capital estrangeiro no Brasil, 1951-95 (%)

1951 1980 1986 1991 jun./l995

Estados Unidos 43,9 30 30 30 32,9Canadá 30,3 4 5 6 3,9Reino Unido 12,1 6 6 7 9,0França 3,3 4 4 5 4,5Uruguai 3,1 0,1 - 1 0,5Panamá 2,3 3 4 2 1,7Alemanha — 13 15 14 12,1Suíça - 10 8 8 6,3Suécia - 2 2 2 0,9Países Baixos - 2 2 2 3,2Japão - 10 9 10 7,7Itália - 3 4 3 2,8Luxemburgo - 2 -> 2 1,6Outros 5,0 10.9 9 8 12,8Total 100.0 100,0 100.0 100,0 100,0Fonte: DOELLINGER, Carlos von (1975), p. 27; Banco Central do Brasil, Boletim.

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Page 248: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 11.7

a) Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais no faturamento total, 1992 (%)

!\acionais Estrangeiras Estatais Total

J>redominio nacional

^Agricultura 100 0 0 100Comércio varejista 100 0 0 100Construção 100 0 0 100Distribuição'automóveis 100 0 0 100Madeira e móveis 97 3 0 100Roupas 90 10 0 100Hotéis 85 15 0 100Têxteis 85 l í 0 100Papele celulose 81 19 0 100Supermercados 77 23 0 100Comércio atacadista 75 25 0 100Fertilizantes 75 7 18 100Serv iços de transporte 68 I 31 100Produtos elétricos 67 33 0 100Min. nâo-metálicos 67 33 0 100Produtos alimentícios 64 36 0 100Aço 56 6 37 100Prods, de transporte 46 45 9 100Autopeças de metal 44 48 8 100

Predomínio estrangeiro

Autos e peças 6 94 0 100Produtos higiênicos 12 83 0 100Farmacêuticos 18 82 0 100Computadores 33 65 2 100Plásticos e borracha 35 65 0 100Bebidas e fumo 40 60 0 100Gasolina distrib. 12 55 33 100Máquinas e equipamentos 50 50 0 100

Predomínio estatal

Serviços públicos 0 0 100 100Químicos e petroquímicos 13 21 66 100Mineração 32 7 61 100Ohs.: Cada setor inclui as vime maiores empresas. Fonte: “Os melhores e maiores*', F.xame, ago./1993.

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Page 249: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 11.7 (continuação)

b) Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais no faturamento total, 1998 (%)

!\acionais Estrangeiras Estatais Total

Predomínio nacional

Construção 96 4 100Serviços de transporte 96 4 100Bebidas 85 15 100Têxteis 84 16 100Mineração 83 15 2 100Papel e celulose 84 16 100Serviços 78 9 13 100Aço 72 28 100Materiais de construção 66 34 100Varejo 62 37 1 100Atacado e com. exterior 46 35 19 100

Predomínio estrangeiroAutos e peças 7 93 100Produtos higiênicos II 89 100Eletroeletrônicos 21 79 100T elecomunicações 24 75 1 100Farmacêuticos 25 75 100Máquinas e equipamentos 27 73 100C omputadores 19 67 14 100Plásticos e borracha 37 63 100Prods, alimentícios 44 56 100Predomínio estalai

Serviços públicos 21 14 65 100Químicos e petroquímicos 20 25 55 100Fonte: “Os melhores e maiores” . Exame, junh./1999, p. 11.

A Tabela 11.8 apresenta os resultados de um levantamento que inclui quase todo o universo de empresas em cada setor. Como é de se esperar, a predominância das empre-sas estrangeiras é bem menos pronunciada nesse quadro muito mais amplo. Em termos de faturamento, elas superam o nível dos 50% somente em sete casos; entretanto, to- mando-se uma parcela de 30% ou mais, encontram-se 15 setores. A predominância es-trangeira permanece em setores dinâmicos, como o de equipamento elétrico, automó-veis, farmacêuticos e maquinário para construção, e é consideravelmente menor nos setores têxteis e de produtos alimentícios.

261

Page 250: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 11.8Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais nos ativos, faturamento e emprego, 1985 {%)

Número de empresas

Ativos líquidos Faturamento Emprego

Nacionais

|1<<k; Estatais Nacionais Estrangeiras Estatais Nacionais Estrangeiras Estatais

Agricultura 503 92,6 2,6 4,8 96.4 1,1 2.5 91,6 1,7 6,7Cimento 52 82.8 17,1 0,1 85,6 14,2 0.2 89.8 9,2 1,0Aço 63 24,4 3,8 71,8 31,9 6,8 61,3 37,8 8,7 53,5

Metais não-íerrosos 57 51.4 33,8 14,8 61,3 38,7 - 67,4 32,3 0,3

Máquinas, motores, equip. 265 62,0 35,2 2.8 58,6 40,9 0,5 64,5 34,9 0,6instrumentos e equip, escritório 19 10,6 89,4 - 7,8 92,2 - 20,0 80,0 -Informática 22 85,4 5.1 9,5 93,5 0,5 6,0 83,9 - 16,1Malcriais elétricos 101 38,2 61.8 - 41,9 58,1 - 50,5 49,5 -Produtos elcl ricos domésticos 78 15,8 84,2 - 19.1 80.9 - 16,1 83,9 -

Construção naval 24 84,6 15,6 - 63,1 36,9 - 80,5 19,5 -Automóveis 11 1,0 99.0 - 2,9 97,1 - 3,6 96,4 -Peças e chassi de automóveis 110 75,3 24,7 - 70,9 29,1 - 76,9 23,1 -Tratores e equip, de tcrraplenagcm 44 69.1 30.9 - 65,1 34,9 - 73,4 26,6 -Móveis 62 100,0 - - 100,0 - 100,0 - -Madeira 129 94,2 5.8 - 90,3 9,7 - 89,5 10,5 -Papel e produtos de papel 128 89,7 6,3 4,0 87,5 11,0 1,5 90,7 9,0 0,3Químicos e petroquímicos 277 51,2 24,1 24,7 50.6 32,9 16,5 51,2 37,1 11,7

Plásticos e produtos 112 78,6 21,4 - 78.0 22,0 - - - -Petróleo 26 5,0 11,3 83,7 6,7 27,9 65,4 5,9 11,1 83,0

Farmacêuticos 55 42.2 56.5 1.3 30,7 68,1 1.2 27,0 63,0 lo.o

Produtos dc higiene 33 72,2 27,8 76,7 23,3 - 85,0 15,0 -Calçados 49 99.0 1,0 - 94,9 5,1 - 97,2 2,8 -Couro e revestimentos 73 89,7 10,3 - 84,4 15,6 - 89,8 10,2 _

Page 251: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 11.8 (continuação)Participação cie empresas nacionais, estrangeiras e estatais nos ativos, faturamento e emprego, 1985 (%)

Número de empresas

Ativos líquidos Faturamento Emprego

Nacionais Estrangeiras Estatais Nacionais Estrangeiras Estatais Nacionais

|| EstataisBorrachas e produtos 49 40,2 59,8 - 28,2 71.8 44,2 55,8 -Tcxteis 294 93,5 6,5 - 90.8 9,2 - 93.8 6,2 -

Roupas 101 98.1 1,9 - 97,4 2,6 98,0 2,0 -

Moagem 56 96,6 3.4 - 95,6 4,4 - 95,1 4,9 -Frigoríficos 112 96,8 3,2 - 95,1 4.9 - 95,0 5,0 -Laticínios 36 80.1 19.9 - 85,7 14,3 - 88,1 11,9 -Açúcar e álcool 240 99,3 - 0,7 98,1 1,9 98,2 - 1,8Óleos vegclais 80,3 - 19,7 86,3 - 1.3,7 84.4 15,6

Diversos produtos alimentícios 237 67,1 32,9 - 62,4 37.6 - 73,6 26.4 -

Bebidas 114 94.0 6.0 - 91,0 9,0 - 94,0 6,0 -

Fumo 12 12,9 87,1 - 8,6 91.4 - 7,0 93,0 -

Impressão e produtos gráficos 103 86,5 10,5 3,0 82,6 13,4 4,0 86,8 9,2 4,0

Construção 429 97,0 2,0 1,0 94.5 4,5 1,0 93,0 5,0 2,0Consultoria em engenharia 47 96,0 4,0 * 94.0 6.0 * 92,6 7,4 *

Comércio atacadista 127 97,3 2,7 - 96.9 3.1 89,0 11.0 ~

Comércio varejista dc alimentos 58 90.4 - 9,6 90,9 - 9,1 92,8 - 7,2

Concessionários dc automóveis 462 98,0 2,0 - 96,7 3,3 - 97,0 3,0

Outros varejistas 150 96,4 3,6 - 96,9 3,1 - 97,0 3,0 -

Comércio de exportação-importação 198 63,5 17,0 19.5 64,9 20,0 15,1 62,8 25,0 12,2* Inclu i empresas estatais c estrangeiras.b'onia: C om pilado ile inform ações “Q u em é q u em na econom ia brasileira” , Visão, ago ./1986.

O '

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O s benefícios e custos das multinacionais: algum as considerações gerais

Considerando-se a estrutura corrente dos investimentos estrangeiros no Brasil, que vantagens e desvantagens eles oferecem ao crescimento e desenvolvimento do país? Prim eiro , resumirei os argumentos favoráveis aos dois aspectos da questão, para então d iscu tir as provas correntes disponíveis.

JBenefícios

O aporte de capital estrangeiro exerce um impacto positivo sobre o balanço de pagamentos, especialmente nos primeiros estágios de desenvolvimento de um novo se to r ou quando ocorrem rápidas arrancadas expansionistas, visto que empresas estran-geiras trarão somas significativas de moeda estrangeira para garantir suas atividades de construção. Isso ocorre especialmente em países como o Brasil, em que o capital para empréstimos privados a longo prazo é limitado, onde a expansão em larga escala de multinacionais por meio da oferta de ações também é limitada e em que o acesso ao crédito de longo prazo do governo (por intermédio do BNDES) não é possível para empresas com maioria de capital estrangeiro. Naturalmente, uma vez que uma subsi-diária estrangeira se estabelece, uma quantidade substancial de financiamento de in-vestim ento virá de lucros acumulados que, entretanto, não é suficiente em épocas de importantes programas de expansão.

Um segundo benefício que acompanha o capital estrangeiro é a rápida transferên-cia de tecnologia avançada, permitindo ao país receptor desenvolver novos setores in-dustriais num curto período de tempo. No caso do Brasil, o rápido processo de ISI da década de 1950 e o acelerado ritmo de expansão industrial no final da década de 1960 e início da década de 1970 contaram visivelmente com a tecnologia estrangeira trazida pelas subsidiárias de empresas multinacionais. Dada a limitada capacidade técnica e financeira das empresas brasileiras antes desse processo, o crescimento de novos se-tores industriais sem a presença das multinacionais teria exigido muito mais tempo.

Além do know-how físico, as multinacionais trouxeram nova tecnologia organizacional e administrativa. Complexas operações industriais exigiam um tipo de organização, tanto do ponto de vista produtivo quanto do burocrático, que não existiam antes no país.

Grandes empresas multinacionais também influenciaram a tecnologia e a organiza-ção de empresas brasileiras. Como a maioria contava (em alguns casos, foram obrigadas a contar por meio de políticas governamentais) com empresas fornecedoras locais para receber muitos de seus insumos, transmitiam tecnologia para essas firmas. Nesse pro-cesso, muitos fornecedores brasileiros tornaram-se organizacionalmente mais eficien-tes e melhoraram a qualidade de sua produção por terem de se adaptar aos padrões de seu cliente — a empresa multinacional.

O aporte de capital estrangeiro cria empregos e também aumenta a qualidade da força de trabalho uma vez que treina seus operários e equipe administrativa que são

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Page 253: Economia Brasileira - Werner Baer

contratados localmente. O quadro de funcionários da maioria das multinacionais no Brasil é quase totalmente brasileiro.

Finalmente, a presença de um número maior de multinacionais no setor manufatureiro brasileiro contribuiu substancialmente para o programa de diversifica-ção de exportações no final da década de 1960 e na década de 1970. Com uma produção e uma rede de marketing instaladas em todo o mundo, as multinacionais no Brasil encontravam-se em excelente posição para facilitar o programa do governo para promover a exportação de produtos manufaturados.15

Em 1982, 298 entre 827 empresas envolvidas nas exportações brasileiras eram multinacionais. Das exportações das multinacionais, 23% consistiam em produtos pri-mários, 34% em bens semimanufaturados e o restante em produtos manufaturados. Na década de 1980, as multinacionais eram responsáveis por 30% das exportações brasi-leiras de produtos primários, 43% de semimanufaturados e 40% de manufaturados. Em alguns campos, sua predominância era muito maior: peças e equipamentos ele-trônicos, 99,5%; peças de automóveis, 60%; produtos químicos e farmacêuticos, 79%; automóveis, caminhões e ônibus, 89%; pneus, 100%.

Constatou-se na década de 1980 que cerca de metade das exportações de todas as multinacionais representava comércio entre as empresas. Em alguns setores, essa pro-porção era ainda maior: 88% para equipamento de transportes e 100% para instrumen-tos técnicos e científicos.2”

Embora a estratégia comercial adotada pelo Brasil ofereça um elemento de poder em suas relações econômicas externas que não existia na década de 1950, também causa um novo tipo de dependência. Por intermédio das multinacionais e/ou empre-endimentos conjuntos de empresas brasileiras com multinacionais, uma grande parcela do comércio brasileiro envolveu-se numa divisão internacional vertical de trabalho. A Ford Motor Company, por exemplo, produz motores para seus carros no Brasil; a Volkswagen do Brasil envia seus componentes a suas fábricas em outras partes do mundo, e há planos para empreendimentos conjuntos fabricarem produtos de aço semi-acabados no Brasil. Resta verificar quanto a autonomia de tomada de decisões é sacrificada dessa forma no país. O nível de produção de empresas internacionais e verticalmente integradas depende das decisões das multinacionais referentes ao seu esquema de produção mundial (a distribuição de seus planos de produção em suas fábricas em todo o mundo) e da pressão de sindicatos nos países anfitriões. As negociações internacionais quanto à participação na produção em tal sistema ainda estão no início, mas é certo que, cedo ou tarde, o governo brasileiro será atraído a tomar parte delas.

Custos

D esde que os formuladores brasileiros da política econômica estimularam o aporte de capital estrangeiro para desenvolver indústrias ISI, surgiu uma literatura polêmica e acadêmica que trata dos problemas e do impacto negativo provocado pela presença das multinacionais em setores dinâmicos da economia.21 Vamos examinar brevemente os principais aspectos negativos que têm sido enfatizados nessas obras.

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Page 254: Economia Brasileira - Werner Baer

O impacto no balanço de pagamentos

Gomo a principal motivação das multinacionais em instalar-se no estrangeiro é o lucro, cedo ou tarde uma grande parcela desses lucros serão repatriados à matriz e, portanto, esvaziarão a receita cambial do país.

Não só as multinacionais operam no exterior para obter lucros, como também os investimentos no Terceiro Mundo, que, por serem encarados como mais arriscados do que os realizados no próprio país ou em outros países desenvolvidos, se espera que sua taxa de retorno seja maior para compensar tais riscos, que incluem a possibilidade de nacionalização, controles rígidos sobre operações devido a mudanças de governo ou a inconvertibilidade da moeda em razão de problemas no balanço de pagamentos. Essa atitude, que é totalmente compreensível do ponto de vista do investidor, vai inevita-velmente se chocar com a opinião de vários grupos do país anfitrião que perceberão as multinacionais como empresas que querem extrair uma taxa de retorno mais elevada de um país pobre do que do país de origem onde a renda per capita é muito alta.

Gomo a maioria dos países do Terceiro Mundo tem algum tipo de limite sobre remessas de lucros, suspeita-se que muitas multinacionais transferem secretamente os lucros à matriz por meio da transferência de preços, isto é, uma situação em que a matriz cobra da subsidiária um preço excessivo por determinados insumos importa-dos.22 A fuga aos impostos e o desejo de deixar a impressão de uma taxa de lucros menor-do-que-a-real para fins de relações públicas são motivações adicionais para o uso da transferência de preços. Naturalmente, as multinacionais negam essa prática e é muito difícil, quando não impossível, conseguir provas conclusivas a respeito.

Tecnologia inadequada

Um grupo de críticos censura as multinacionais por não contribuírem para a solu-ção de um dos maiores problemas socioeconômicos do Terceiro Mundo (incluindo o Brasil) - a criação de emprego industrial. Elas importam tecnologia intensiva de ca-pital que não está adaptada às condições locais, exercendo, dessa maneira, um impac-to mínimo sobre o emprego por elas gerado; não estão inclinadas a despender somaí significativas para tentar adaptar a tecnologia à disponibilidade de fatores locais, viste que tal medida não traria muitos resultados e um dos principais atrativos de estabe lecer subsidiárias em países como o Brasil é o fato de que isso lhes permitirá obter un retorno extra sobre gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) que foram ante riormente assumidos para atender os mercados da matriz.

Há outros críticos que se preocupam menos com o impacto sobre o empreg causado pelas multinacionais do que com a relutância dessas empresas em envolvei se em trabalho de P&D básico no país anfitrião. Embora muitas multinacionais man tenham laboratórios de algum tipo como parte de suas operações nesses países, ek geralmente fazem parte de atividades de controle de qualidade e não de um empenh em ocupar-se de pesquisa tecnológica fundamental. Como a tecnologia é a arma d negociação mais potente de uma multinacional, ela se mostrará muito relutante ei transferir a capacidade de criar tecnologias avançadas ao país anfitrião, que se senti

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Page 255: Economia Brasileira - Werner Baer

cada vez mais ressentido com o fato, visto que sem o envolvimento dos cidadãos de seu país em P&D haverá uma eterna dependência da tecnologia externa e, portanto, chance alguma de aumentar seu poder para negociar melhores termos de transferência de tecnologia.

Finalmente, com o trabalho de P&D concentrado no país de origem da empresa- matriz geralmente se cobra, de uma forma ou de outra, essa tecnologia das subsidiárias. Embora isso se justifique pelo fato de que todos os consumidores dos produtos da empresa vão se beneficiar das inovações tecnológicas resultantes dos investimentos em P&D e, portanto, devem contribuir para o reembolso dos gastos da companhia, nunca se vê uma fórmula justa para distribuir a carga desse reembolso. Na verdade, alguns observadores alegam que os pagamentos de tecnologia por parte das subsidiá-rias à matriz proporcionam oportunidades para remessas ocultas de lucros.

Desnacionalização

A presença de multinacionais poderosas num país em desenvolvimento pode inibir o progresso das empresas locais que não possuem os meios financeiros e tecnológicos para competir. Em alguns setores, firmas locais anteriormente predominantes podem ser colocadas para fora do mercado e/ou adquiridas por multinacionais que estão entrando no país.

O tema da desnacionalização também pode ser analisado sob um ponto de vista mais geral. Como os setores mais dinâmicos da economia do país anfitrião são freqüentemente dominados por multinacionais, haverá uma tendência para transferir o local da tomada de decisões referentes a níveis de investimentos e produção para o exterior. As multinacionais são conhecidas por centralizar decisões importantes na matriz, que desenvolverá políticas destinadas a otimizar suas atividades mundiais. As decisões resultantes não são necessariamente as melhores do ponto de vista do país anfitrião, e o conflito de interesses será intensificado na medida em que as mul-tinacionais se ocupam em exportar cada vez mais do país recebedor. Por exemplo, embora, durante uma recessão mundial, a melhor atitude para uma multinacional possa ser a drástica redução de suas atividades na subsidiária brasileira em comparação com as das fábricas em seu país de origem, poucos brasileiros iriam simpatizar com tais medidas.

Distorções de consumo

A ISI representou uma ação para produzir internamente bens que antes eram importados. Gomo o perfil de demanda se baseia na distribuição de renda, que era concentrada, a substituição de importações implicou a criação de um perfil de capa-cidade de produção que refletisse o perfil de demanda existente. Gomo a s multinacionais representavam um elemento-chave na ISI, conquistaram uma partici-pação no recém-estabelecido perfil de produção e, assim, certa influência no status quo. Elas temiam que uma mudança drástica na distribuição de renda reduzisse seus mercados domésticos. Um argumento complementar foi o de que as multinacionais

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Page 256: Economia Brasileira - Werner Baer

tinham interesse em ampliar os mercados influenciando os grupos de menor renda a consumir seus produtos (vários tipos de bens de consumo duráveis) por meio da propaganda e esquemas de crédito (por exemplo, os consórcios de automóveis, que atraem consumidores de grupos de renda mais baixos, muitas vezes à custa de neces-sidades mais básicas), “distorcendo”, dessa forma, seus padrões de consumo.

Influência política

Seria ingenuidade presumir que a presença de multinacionais possa ser politica-m ente neutra. Não é preciso chegar a casos extremos como o do Chile na década de 1970, em que as multinacionais estiveram diretamente envolvidas em ações políticas, ou do Chile e do Peru no mesmo período, em que as multinacionais pressionaram diretamente os governos de seus países de origem para obter ações favoráveis como compensação por nacionalização. De uma forma muito menos dramática, será natural que as multinacionais utilizem sua influência política por meio dos canais diplomáti-cos de seus países para influenciar as políticas do país hospedeiro - em relação, por exemplo, ao relaxamento das normas de importação, controle de preços, políticas trabalhistas ou leis sobre remessas de lucros. A resistência a tais pressões por parte do país hospedeiro vai depender de várias circunstâncias, tais como empréstimos inter-nacionais ou renegociações de dívidas iminentes.

Esses efeitos colaterais políticos devem ser considerados como um dos custos de se contar com as multinacionais no processo de ISI e desenvolvimento geral. Se esses custos são muito elevados devido à sensibilidade da população do país anfitrião quan-to a qualquer fato que pareça tirar vantagem da soberania do país, seria aceitável adotar uma política de menor confiança nos investimentos estrangeiros, mesmo que isso diminuísse a taxa de crescimento da industrialização.

Um breve levantamento das provas empíricas

Lucros

É difícil apresentar informações precisas sobre a lucratividade das multinacionais no Brasil e também sobre o impacto causado no balanço de pagamentos. O aporte de investimentos diretos (ganhos líquidos ou reinvestidos) tem sido pequeno em relação às necessidades do balanço de pagamentos do país, o que é confirmado pelo fato de que no período 1977-86 o aporte de investimentos externos diretos tenha oscilado entre 10% e 15% dos empréstimos obtidos pelo Brasil. As contribuições de aportes de investimentos diretos ao balanço de pagamentos são ainda menores quando se sub-traem as remessas de lucros (ver Tabela 11.9). Os ganhos reinvestidos também repre-sentam uma quantia significativa dos investimentos externos diretos e em 1982 e 1986 eles até foram maiores que os aportes de investimentos diretos. A Tabela 11.9 também apresenta as taxas de remessas de lucros, que variaram de quase 16% em 1971 a 5,5% em 1980, baseadas em amplas informações do balanço de pagamentos,

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Page 257: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 11.9 Investimentos, fluxos e rendim entos do capital estrangeiro no Brasil, 1967-92

(US$ milhões)

Investimentos diretos totais

Investimentos diretos na indústria

1967 3,728 _1973 4,579 3,6031980 17,480 13,0051985 25,664 19,1821990 37,143 25,729

Aporte de investimentos Rein vesti men to Remessasestrangeiros diretos de lucros de lucros

1977 935 _ 4581978 1,196 975 5641979 1,685 721 7401980 1,487 41 1 5441981 1,779 741 5871982 1,370 1,557 5851983 861 695 7581984 1,123 472 7961985 804 543 1,0561986 -120 449 1,3501987 669 617 9091988 2,445 714 1,5391989 678 531 2,3831990 731 273 1,5931991 1,185 365 6651992 2,982 132 584

Taxa Taxade lucro * de remessa **

1971 15,8 4,11980 5,5 3,11985 6,2 4,11986 6,0 4,51987 4,8 2,91988 7,0 4,81989 8,5 6,91990 5,0 4,3

* Lucros reinvestidos + lucros remetidos como % do estoque de capital.** Lucros remetidos como % do estoque de capital.

Fonte: DOELLINGER, Carlos von & CAVALCANTI, Leonardo. Empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Ja-neiro, IPEA, 1975, p. 89-90; Banco Central do Brasil, Boletim, vários exemplares.

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Tabela 11.10 D esem penho comparativo de empresas nacionais privadas,

multinacionais e estatais no Brasil, 1977-91 (lucros como percentagem dos ativos líquidos)

Nacionais privadas Multinacionais Estatais

1977 25,2 23,4 7,81978 13,7 13,5 4,81979 11,8 7,7 3,11980 19,1 15,6 2,31981 11,1 18,2 10,61982 14,4 17,1 6,01983 11,2 9,6 3,01984 10,7 12,1 4,61985 13,1 16,4 2,51991 0,1 -1,2 -U

Obs.: Baseado nas cinqüenta maiores empresas em cada categoria.Fonte: “Melhores e maiores”, exemplar especial anual da revista F.xame, vários anos. Os dados de 1991 referem-se a estimativas

da Conjuntura Econômica, ago./1992.

enquanto no mesmo período as taxas de lucros nos Estados Unidos atingiram uma média de aproximadamente 12,8%.23 Os dados contidos na Tabela 11.10, extraídos dos balanços patrimoniais das cinqüenta maiores empresas em cada setor participativo, revelam taxas de lucros ainda maiores (embora as taxas das empresas nacionais sejam maiores do que as das multinacionais).

Voltando à Tabela 11.9, notaremos que a taxa de remessa de lucros como percen-tagem do estoque de capital foi relativamente estável, atingindo uma média de 3,9%. Parece, portanto, que as multinacionais estão próximas aos limites estabelecidos pelo governo brasileiro para essas remessas. A lei sujeita qualquer remessa acima de 12% ao ano, em relação ao investimento original registrado mais reinvestimentos, a pesadas tributações.24

À primeira vista, parece que as multinacionais no Brasil não estão obtendo lucros excessivos, comparados com empreendimentos locais ou com empresas nos países de origem e que são relativamente moderadas no que se refere à repatriação dos lucros. A questão principal que vem à tona refere-se à utilização de métodos escusos para transferir lucros. Há poucas provas até esta data sobre o uso da transferência de preços. As oportunidades para sua utilização existem, visto que grande parte do co-mércio das multinacionais ocorre dentro da empresa. No início da década de 1970 mais de 70% das vendas de multinacionais ocorriam dentro do sistema orientado pela matriz.25 Um estudo realizado no início da década de 1980 constatou que “exceto pelos setores de metal, produtos alimentícios e borracha, as exportações realizadas dentro da corporação transnacional sempre representaram mais de 50% de seu total... chegando até a 88% no caso de equipamentos de transporte e 100% no caso de instrumentos técnicos e científicos”.26

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Page 259: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 11.11 Balanço comercial das firmas por setor, 1975-77

(US$ milhões)

Empresas estatais Nacionais privadas Multinacionais1975 1976 1977 1975 1976 1977 1975 1976 1977

Montadoras de automóveis - - - - - - 69,0 -8,2 235,4Peças de automóveis - - - -25,8 -8,7 10,2 -86,0 -55,4 -22,2

Tratores - - - -7,7 -6,6 0,3 -124,5 -148,0 -54,2

Maquinário -1,7 -15,9 -9,9 -51,7 -52,4 -49,4 -152,2 -90,3 -82,2

Alimentos, fumo, bebidas -2,1 -5,1 -7,1 - 12,4 5,5 332,5 289,2 557,2

Químicos, farmacêuticos, artigos de higiene

-4.458,1 -175,7 -103,8 -122,8 -162,6 -183,6 -767,2 -968,4 -763,2

Têxteis, roupas, calçados - - - -34,1 -24,2 -19,5 2,8 -12,9 32,8

Fertilizantes -10,5 -14,0 -5,6 -137,8 -103,7 -136,2 -78,7 -67,4 -100,9

Minerais não-metálicos -2,1 -0,6 -0,9 -3,6 -2,4 -2,2 -47,5 -83,8 -37,5

Pneus _ - - -1,7 -3,6 -0,4 -98,4 -139,7 -99,7

Equipamentos de escritório - - - 1,4 - - -146,0 -90,1 -17,2

Equipamentos elétricos - - - -13,0 -62,9 -80,1 -444,1 -270,3 -154,6

Aço e produtos de metal -0,9 170,1 162,3 156,8 115,7 124,8 -78,0 -102,5 -86,4

Construção naval - - - -150,7 -58,6 -95,6 -59,5 -57,8 -89,8

Construção

Papel e celulose

- - - -29,4

17,9

-42,2

17,4

-26,1

-2,4

-1,2

-80,4

-4,7

-67,2

-0,9

-22,5

Serviços públicos -614,7 -481,1 -571,1 -137,8 -25,9 -34,0 -37,5 -43,7 -25,1

Diversos 156,8 18,6 204,1 -57,6 -67,2 -42,3 -99,6 -120,2 -124,9

Fonte: Seplan, fontes não-publicadas.

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Além disso, um levantamento de empresas multinacionais no período de 1975-77 mostra que na maioria dos setores elas apresentaram balanços comerciais negativos, o que proporcionava (ou refletia) a oportunidade de envolvimento em algum tipo de atividade de transferência de preços (ver Tabela 11.11). Um estudo posterior, abran-gendo os anos de 1974-84, indicou uma grande variação no coeficiente exportação/ importação das multinacionais - variando de 18,5% para o setor de fumo a 4,1% para os equipamentos de transportes, 0,4% para produtos químicos e 0,3% para minerais não-metálicos.27

E difícil obter informações específicas sobre pagamentos de tecnologia, que pode ser uma maneira de contornar as restrições às remessas de lucros. Desde a década de 1960 a legislação para controlar a tecnologia tem sido extensa. O pagamento de royalties é permitido somente quando uma empresa estrangeira possui menos de 50% das ações de uma firma no Brasil. Acordos de tecnologia e licenciamento também estão sujeitos a consideráveis restrições e fiscalização. Quando se permite o pagamento de royalties e de assistência técnica, eles não podem ultrapassar 5% do faturamento bru-to.28 Calcula-se que em 1973 e 1974 os pagamentos de assistência técnica somaram somente US$ 136 milhões e US$ 176 milhões, respectivamente, cifras pequenas, considerando que elas incluem empresas nacionais.29

Outra forma de contornar as restrições de remessas de lucros é aumentando os empréstimos com propósitos de expansão, visto que não há limites quanto aos paga-mentos de juros sobre empréstimos estrangeiros. Embora se saiba que uma grande parte do crescimento da dívida externa brasileira na década de 1970 foi provocada pelos empréstimos realizados por empresas estatais, uma quantia substancial é de responsabilidade de multinacionais. Como elas não têm acesso ao crédito oficial de longo prazo (pelo sistema do BNDES), há uma boa justificativa para pedir emprésti-mos no estrangeiro. Infelizmente, dados publicados pelo Banco Central não oferecem a classificação dos tomadores de empréstimos por setor. A única evidência indireta disponível encontra-se num levantamento das maiores cinqüenta empresas em cada setor participativo, apresentado na Tabela 11.12. Nota-se que até 1980 as multinacionais tinham mais dívidas do que empresas nacionais privadas ou estatais. A queda no nível do endividamento de empresas multinacionais privadas e nacionais na década de 1980 estava relacionada à recessão e à crise provocada pela dívida, enquanto o aumento da dívida das empresas estatais se relacionava às tentativas do governo em captar mais divisas fazendo com que essas empresas fizessem mais empréstimos do que o neces-sário no mercado internacional.

Tecnologia

Relativamente pouco trabalho sistemático foi feito até esta data sobre o compor-tamento tecnológico das multinacionais no Brasil.30 A melhor obra até o momento é a de Morley & Smith sobre as indústrias metalúrgicas.31 Comparando as operações das multinacionais americanas em suas fábricas nos Estados Unidos e no Brasil, eles cons-tataram que as primeiras “empregam muito mais automatismo e máquinas para fins especiais”.32 Entretanto, eles também constataram: “Em níveis de produção ameri-

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Tabela 11.12 D ívidas de empresas nacionais, multinacionais e estatais, 1977-85

(percentagem de ativos líquidos)

Empresas nacionais M ultinacionais Estatais

1977 57,0 60,9 47,71978 56,0 57,8 51,91979 56,8 63,7 58,41980 57,0 62,4 59,91981 55,9 52,5 55,11982 52,5 54,6 55,01983 47,7 54,2 57,01984 46,6 47,7 57,41985 43,6 48,3 59,7Nota: Baseado nas cinqüenta maiores empresas dc cada categoria.Fonte: Exemplar especial, anual, da revista Exame, “Melhores e maiores”, vários anos.

canos, todos os produtores de bens de capital que visitamos no Brasil declararam que usariam aproximadamente o mesmo grau de automação que a matriz americana e duvidamos que eles mudariam essa decisão mesmo que os custos de mão-de-obra fossem significativamente menores” .33 Eles observaram que no setor de prensagem de metal havia muito menos automação no carregamento e descarregamento de apa-relhos. E concluíram que “todas as evidências que registramos... indicam uma modi-ficação substancial dos processos de produção das multinacionais no Brasil... Elas também tendem a substituir a mão-de-obra por capital no... manejo de materiais e serviços de apoio do processo de produção.34 Descobriu-se que o motivo básico para as diferenças existentes entre as técnicas de produção das multinacionais em suas fábricas nos países de origem em comparação com suas fábricas brasileiras originava- se de diferenciais de escala, não na mão-de-obra barata. Quanto aos níveis de produ-ção no país de origem, a maioria das empresas afirmou que usariam as técnicas de produção do país de origem no Brasil, apesar de o custo da mão-de-obra eqüivaler somente a um quinto do que é nos Estados Unidos”.35

Num estudo sobre a tecnologia elétrica utilizada no Brasil, Newfarmer e Marsh compararam empresas multinacionais e nacionais e constataram que as últimas empre-gam mais mão-de-obra por unidade de capital do que as primeiras.36

Entretanto, mesmo que algumas multinacionais realizem ajustes de tecnologia, du- vida-se que isso causará um grande impacto no quadro geral de empregos, visto que a maioria dos investimentos de multinacionais se encontra em setores que são inerente-mente intensivos de capital. Deve-se observar que, na era de substituição às importa-ções da década de 1950, muitas multinacionais se estabeleceram no Brasil importando equipamentos de segunda mão. Esse fato pode ser interpretado como uma escolha deliberada, na época, a favor de técnicas mais intensivas de mão-de-obra. Com a ênfa-se dada à diversificação de exportações desde a segunda metade da década de 1960,

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tanto as empresas multinacionais quanto as nacionais basearam sua expansão em no-vos equipamentos, empregando a mais moderna tecnologia. As empresas perceberam esse fato como necessário a fim de competir efetivamente no mercado internacional.37

No que diz respeito ao desenvolvimento da nova tecnologia por intermédio de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, os esforços das multinacionais são relativamen-te reduzidos. Evans constatou que, no Brasil, “associados alocam cerca de um quinto do que a matriz gasta em... Se as multinacionais alocassem no país a mesma proporção do faturamento local, como fazem nos Estados Unidos, os gastos brasileiros teriam chegado a quase US$ 150 milhões em 1972 em vez de menos de US$30 milhões”.38 Pode-se acrescentar que mesmo o pouco que foi gasto no Brasil em P&D não se destinou puramente a pesquisas, visto que é difícil separar o trabalho de controle de qualidade realizado nos laboratórios de pesquisa genuína avançada.

Considerações sobre a eqüidade

Uma vez que a distribuição de renda está relacionada às características tecnológicas das indústrias, as multinacionais podem ser encaradas como responsáveis pelo aumen-to da concentração de renda no Brasil, isto é, seus elevados coeficientes de capital/ mão-de-obra ajudam a explicar as tendências de distribuição de renda observadas. Isso ocorreu apesar da melhor remuneração dos empregados das em presas multinacionais, comparados à de empresas privadas domésticas. Em 1972, por exem-plo, os salários médios pagos por multinacionais no setor manufatureiro foi 30% maior do que o pago por companhias nacionais, o que deve ser compensado pelo fato de que a produtividade nestas foi mais de 50% maior do que naquelas.39

As multinacionais têm interesse em promover as vendas dos produtos que fabri-cam no Brasil e, na medida em que seu perfil de produção reflete o perfil de demanda que, por sua vez, se baseia numa distribuição de renda concentrada, elas vão apoiar políticas que não perturbem o status quo e/ou influenciarão os consumidores por meio de propaganda e/ou esquemas de crédito (como os consórcios de automóveis). Se isso vai “distorcer” a estrutura de consumo das classes de menor renda é uma questão de controvérsia ideológica significativa.

Desnacionalização

Pode-se observar várias tendências ao se examinar a economia brasileira desde o final da década de 1940. Tem havido uma forte tendência nacionalista nos setores de serviços públicos e mineração; na verdade, a presença das multinacionais desapareceu do primeiro. A medida que as multinacionais ocupavam uma posição dominante no rápido desenvolvimento de novos setores (como automóveis, maquinário elétrico e outros), cujo peso na economia se intensificava, o poder relativo delas certamente se expandia. Finalmente, em alguns setores, a desnacionalização ocorreu por meio de aquisições diretas de empresas nacionais.

Evans documentou o processo de desnacionalização na indústria farmacêutica brasileira, anteriormente dominada por empresas nacionais, mas que, após a Segunda

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Guerra Mundial, experimentou um processo de desnacionalização gradativo, de modo que, em meados da década de 1970, empresas estrangeiras controlavam mais de 85% do mercado. Evans identifica a importância de novos produtos resultantes de P&D que se tornaram cada vez mais fundamentais aos lucros, como um dos principais motivos para o declínio das empresas nacionais. O processo de desnacionalização ocorreu principalmente por intermédio da aquisição de companhias nacionais por multinacionais.40 Um estudo de Newfarmer sobre a indústria elétrica brasileira acom-panha uma contínua tendência de desnacionalização durante as décadas de 1960 e 1970, de modo que em meados da década de 1970, quase 80% do setor - que, em grande parte, deve seu crescimento às aquisições - se encontrava nas mãos de multinacionais.41

Políticas governamentais e o comportamento das multinacionais no Brasil

Embora o processo de substituição das importações (ISI) tenha implicado confian-ça nas multinacionais em vários setores e seu fortalecimento por meio de vários pro-gramas de incentivo e, favores semelhantes tivessem sido concedidos a elas durante o período de estímulo às exportações, o governo brasileiro tomou várias medidas para controlar seu comportamento e influência. Vamos enumerar rapidamente algumas dessas medidas que agiram como forças de compensação.

Controle de remessas

O Banco Central e outros órgãos do governo tornaram-se cada vez mais sofisticados no monitoramento do controle de remessas de lucros e pagamentos por tecnologia, o que não significa, naturalmente, que as práticas de transferência de preços estejam totalmente sob controle.42

O sistema BNDES

O complexo sistema de crédito do governo foi desenhado para fortalecer o setor privado nacional e as empresas estatais. Ao excluir empresas estrangeiras desse siste-ma, recuperou-se um certo grau de equilíbrio no “tripé”, ou seja, a estrutura dos setores participativos da economia brasileira, entre as empresas privadas nacionais, multinacionais e estatais. Isso, por exemplo, possibilitou que o setor privado nacional se expandisse consideravelmente na área de bens de capital na década de 1970.43 Além disso, devido à exigência de que somente empresas com mais de 50% de capital nacional tivessem acesso ao crédito do governo, as firmas locais adquiriram um impor-tante instrumento de negociação no estabelecimento de empreendimentos conjuntos com multinacionais.

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Empresas estatais

O rápido crescimento de empresas estatais em setores-chave, como aço, mineração e petroquímicos, também influiu como uma medida de equilíbrio, fato que se tornou cada vez mais evidente desde meados da década de 1970, à medida que o Brasil desenvolvia uma estratégia para expandir suas reservas de matérias-primas e indústrias correlatas. O desenvolvimento das indústrias de mineração de bauxita e de alumínio, das reservas de Carajás, e de alguns novos complexos petroquímicos e siderúrgicos resultaram de empreendimentos conjuntos entre empresas estatais e multinacionais em que as primeiras mantinham o controle acionário. As empresas estatais brasileiras são grandes, tecnologicamente sofisticadas e financeiramente apoiadas pelo governo, estando, portanto, em situação favorável para enfrentar as multinacionais em condi-ções de relativa igualdade nas negociações sobre participação na tecnologia e nos lucros.44

Controles de mercado

O uso ocasional por parte do governo brasileiro de uma política chamada reserva de mercado representa uma tentativa de acom panhar o crescim ento relativo das multinacionais e de incentivar as empresas locais a ingressar em novos campos tec-nologicamente avançados. Um dos melhores exemplos disso foi a tentativa de restringir o mercado de minicomputadores a um reduzido número de empresas de caráter predo-minantemente nacional, isto é, com o controle acionário nas mãos de firmas locais.

A era do neoliberalismo: a década de 1990*

O Investimento Externo Direto (IED) começou a mudar consideravelmente na década de 1990, quando o Brasil adotou políticas neoliberais que consistiam em po-líticas voltadas para o mercado, privatização de empresas estatais no setor de indústria pesada e serviços públicos e significativa diminuição no protecionismo. Além disso, o país envolveu-se ativamente no Mercosul, o mercado comum da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o que implicava o desaparecimento gradual das barreiras regionais aos comércios e fluxos de investimento.

Nessa economia mais aberta, principalmente após o programa de estabilização do Real, introduzido em 1994, houve um extraordinário aumento na entrada de IED. En-quanto no início da década de 1980 a entrada anual de IED totalizava cerca de US$ 2,6 bilhões, no período de 1983 a 1990 ele caiu para aproximadamente US$ 1,7 bilhão. O IED estagnou no início da década de 1990, atingindo uma média de US$ 1,3 ao ano, recuperando-se apenas após 1994, alcançando US$ 5,5 bilhões em 1995, US$ 10,5 bi-lhões em 1996, US$ 18,7 bilhões em 1997, US$ 28,9 bilhões em 1998 e US$ 32,8 bilhões

* Esta seção foi escrita com a colaboração de Gustavo Rangel.

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em 2000. Em outras palavras, o IED cresceu vinte e duas vezes em relação ao nível atingido em 1993.

Vários fatores contribuíram para esse significativo aumento:I) O programa de estabilização do Real, que melhorou expressivamente o am-

biente para empresas estrangeiras, pois a menor flutuação de preços diminui grandemente o custo da realização de negócios. O programa também resultou num aumento da renda real dos grupos de baixa renda e no reaparecimento do crédito ao consumidor, melhorando, dessa forma, as vendas de muitos produtos, especialmente os bens de consumo duráveis.

II) O processo de privatização, responsável por cerca de um quarto do aporte de IED no período 1996-98. Isso representou um aumento expressivo da participa-ção estrangeira no processo de privatização. Na primeira metade da década de 1990, quando o processo teve início, os investimentos estrangeiros respondiam por apenas cerca de 5% do total de privatizações. Essa participação aumentou para aproximadamente 35% em 1997.45 Dois fatores contribuíram para essa ten-dência. Primeiro, a reduzida participação inicial pode ser explicada pelo fato de a privatização primeiramente ser limitada a setores tradicionais da indústria, como aço e petroquímicos. Tais setores não eram inerentemente atraentes aos investi-dores estrangeiros. Segundo, as mudanças na legislação referentes a investimen-tos estrangeiros tornaram o Brasil mais atraente para empresas multinacionais.46

III) A rápida implementação do Mercosul, aumentando o interesse das multinacionais na região à medida que ampliava o mercado efetivo que poderiam atender.47

IV) O fluxo geral de capital mundial de mercados emergentes. Por exemplo, o in-vestimento estrangeiro direto em países de baixa e média renda aumentou de US$ 23,7 bilhões em 1980 para US$ 118,8 bilhões em 1996.48

As mudanças na legislação brasileira referentes ao capital estrangeiro aparente-mente contribuíram para atrair uma crescente quantidade de IED. Houve uma impor-tante emenda na Constituição que suspendia a discriminação entre empresas brasilei-ras na base de participação de residentes e não-residentes. Esse fator permitiu que empresas estrangeiras investissem em vários setores anteriormente reservados a em-presas nacionais, privadas ou estatais. Esses setores incluem mineração, petróleo, energia elétrica, transportes e telecomunicações. A aprovação de uma lei de concessões para investidores privados (nacionais e estrangeiros) também ajudou a estabelecer um pro-cedimento para a privatização de serviços públicos, do qual poderiam participar gru-pos estrangeiros.49 Foi introduzida uma política de não-discriminação fiscal, visto que as taxas sobre a distribuição de lucros aplicadas a empresas não-residentes, anterior-mente mais elevadas, desestimulava investimentos estrangeiros. Além disso, havia um consenso de que a tomada de decisões por parte do governo referente a investidores estrangeiros tinha se tornado mais transparente. O governo também desenvolveu novos mecanismos para atrair mais investimentos externos em carteira, como a criação de um sistema de recibo de depósitos e a permissão de participação estrangeira nas bolsas de valores.

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Um quadro estatístico do IE D no Brasil50

Como fica evidente no Gráfico 1, a seguir, a segunda metade da década de 1990 testemunhou um extraordinário aumento de investimentos diretos estrangeiros no Brasil.51 Nesse gráfico parece que os investimentos em títulos representaram um papel mais significativo do que os investimentos diretos em toda a década. Como revela o Gráfico 2, porém, os investimentos em títulos são de curto prazo por natureza. Isso fica claroquando se observa sua posição líquida, que caiu proporcionalmente na se-gunda metade da década de 1990, ficando negativa em 1998.52

Também é digna de nota a maior dependência em fluxos IED quando comparados ao total anual de investimentos diretos no Brasil. Uma fonte calculou que essa propor-ção aumentou de 2,2% em 1992 para 12% em 1997."’

O Banco Central do Brasil calculou que o total de IED foi de US$ 58 bilhões em junho de 1995. Considerando-se os grandes aportes de investimento diretos, que ocor-reram entre 1995 e 2000, pode-se supor que esse total aumentou significativamente.54

Pela Tabela 11.5, já em 1995, antes do aumento dos investimentos estrangeiros na segunda metade da década de 1990 parece ter havido uma expressiva mudança em sua composição setorial. Os investimentos estrangeiros no setor fabril, que respon-diam por mais de 80%, caíram para 69% em 1991 e para 53% em 1995, enquanto os investimentos no setor de serviços aumentaram de 12% em 1976 para 43% em 1995. Entretanto, deve-se notar que a principal razão para essas mudanças proporcionais foi o aumento de investimentos em títulos, que estão incluídos no item “serviços” . Assim sendo, se não contabilizássemos a parcela de investimentos estrangeiros referentes aos títulos, a composição setorial dos investimentos estrangeiros não mudaria muito antes de meados de 1995.

Embora não haja dados oficiais sobre a composição setorial dos investimentos es-trangeiros para os anos dc 1996-99 até o momento em que este capítulo foi redigido, há indicações indiretas de que ela continuou a mudar consideravelmente na segunda metade da década de 1990. Foi nessa época que o processo de privatização foi acelera-do, especialmente no setor de serviços públicos, atraindo um número maior dc investi-dores estrangeiros. Só os setores de energia elétrica e telecomunicações foram respon-

Gráfico 1: Entrada de investimento estrangeiro ((US$ bilhões)

706050403020100

□ Carteira

IED

n ln ln ln ln irM ^ <~Hn +n i~+-"-

80 82 8 4 8 6 8 8 9 0 9 2 9 4 9 6

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sáveis por cerca de 70% do total de empresas federais privatizadas nesse período, em-bora enquanto a maioria das empresas dos Estados também estivesse localizada no setor de serviços públicos.

Também se deve ressaltar que, como resultado da falência de alguns dos princi-pais bancos do país, em agosto de 1995 o Banco Central encorajou um renovado fluxo de capital estrangeiro ao setor bancário. Isso deveria ocorrer por intermédio da privatização dos bancos estaduais e da aquisição de bancos privados em dificuldades, e não por intermédio da abertura de novos bancos estrangeiros. Em julho de 1998, a participação estrangeira no total de ativos no sistema financeiro havia atingido 16%.55 Esse fato indica que a participação de serviços no total de IED deve ter crescido significativamente até o final da década de 1990. Além disso, como ressaltou Dias Carneiro, vários fatores podem estar contribuindo para a crescente importância do IED no setor de serviços em geral. Ele observou que um deles pode ser “... a internacionalização de um tradicional ‘setor não-comercializável1 por meio de expan-são de operações de franchising. Outro seria a abertura de empresas de contratação nos setores de construção, consultoria técnica e de informática e, mais recentemente, seguros, que tem sido uma área tradicionalmente protegida até ao final da década de 1980.”56

Dados do Ministério do Comércio, Indústria e Turismo do Brasil mostraram que intenções de investimento por parte de multinacionais no setor fabril durante o pe-ríodo de 1997 a 2000 estavam concentradas em várias indústrias: 32,4% estavam lo-calizadas na indústria automotiva,57 20,5% na indústria química, 10,5% em informática e 5,2% em equipamentos para telecomunicações. Isso representa um aumento nos setores intensivos de P&D, o que pode, em parte, ocorrer devido à introdução de uma legislação mais rígida para proteger os direitos de propriedade intelectual (Lei de Patentes, maio 1996).58

Por outro lado, Nazmi (1998) chama a atenção para o fato de que a legislação brasileira desencorajou acordos de licenciamento com empresas estrangeiras. Ele é de opinião que “...o governo brasileiro concede patentes apenas para produtos acabados e não para o processo de produção... (e que)... não reconhece o licenciamento de uma ET (Empresa Transnacional) a sua subsidiária, tampouco reconhece quaisquer pa-gamentos de royalties por parte da subsidiária para a matriz, visto que considera que o pagamento para o ativo intangível já é feito por intermédio da remessa de lucros”, (p. 493) Isso pode explicar as preferência das ETs em instalar subsidiárias.

Além disso, é interessante notar que a participação do setor fabril no total das exportações aumentou de 15% em 1970 para cerca de 55% no final da década de 1990, com um aumento anual de 17%, nas exportações no mesmo período. Produtos químicos, maquinário e equipamentos de transportes foram responsáveis por cerca de 47% do total de exportações em 1996, e esses são setores em que as multinacionais são mais proeminentes. Esse fato indica que um dos motivadores para os grandes investimentos das multinacionais na década de 1990 não foi somente a grande exten-são do mercado interno do país, mas a possibilidade de utilizar o Brasil como uma plataforma de exportações em uma economia globalizada. Até ao fim da década de 1990, a maioria dessas exportações tem sido dirigida ao mercado regional, o Mercosul. 59 Como sugere The Economist, “...tradicionalmente, (multinacionais) ... instalaram-se no

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Brasil a fim de suprir seu imenso mercado interno. Há alguns sinais de que isso esteja a ponto de mudar.” 60

Fica claro na Tabela 11.6 que a origem geográfica do IED não mudou muito desde a década de 1980. A Europa respondeu por cerca de 44% em 1995, e o Japão por aproximadamente 8%.

O impacto dos investimentos estrangeiros na década de 1990

É sobre o balanço de pagamentos do país que os investimentos estrangeiros diretos exercem o impacto mais imediato. O crescimento das exportações brasileiras - de uma média anual de cerca de US$ 20 bilhões no início da década de 1980 para aproximada-mente US$ 51 bilhões no final da década seguinte - deveu-se, em parte, às multinacionais, que foram responsáveis por cerca de 50% das exportações do país.61 Entretanto, o cres-cimento das importações - de aproximadamente US$ 21 bilhões ao ano no início da década de 1980 para US$ 61 bilhões no final da década de 1990 - também se deveu, em parte, ao grande número de importações efetuado pelas multinacionais.

Um levantamento realizado por Laplane e Sarti em um selecionado número de multinacionais constatou que suas exportações dobraram entre 1989 e 1997, mas as importações cresceram cinco vezes, passando de um inicial superávit comercial para um déficit. Essa tendência pode ser parcialmente explicada pelo fato de que um cres-cente número de multinacionais tem mostrado preferência em adquirir seus compo-nentes em fornecedores tradicionais. Isso se aplica especialmente ao caso da indústria automobilística. Como resultado, muitos fabricantes de componentes brasileiros foram obrigados a associar-se a grandes fabricantes de componentes multinacionais.62 Essa tendência pode ter sido resultado da abertura da economia, que permitiu às multinacionais importar muitos de seus componentes do estrangeiro,63 especialmente durante os anos em que a taxa cambial estava supervalorizada (1994-98).

O comércio dentro de uma mesma empresa tem sido importante para a maioria das multinacionais. Laplane e Sarti observaram que em 1989 58% de suas importações se originavam na matriz, enquanto 35% de suas exportações se dirigiam também para a matriz. O levantamento constatou que, durante a década de 1990, as importações vindas da matriz caíram e, em 1997, eram responsáveis apenas por 39,7%. Essa mudança deve ser contrastada com o aumento do comércio entre subsidiárias de multinacionais, especial-mente as localizadas no Mercosul (principalmente Argentina e Brasil). Os mesmos auto-res constataram que, entre 1987 e 1997, em sua amostra de subsidiárias de multinacionais no Brasil, a percentagem de suas exportações dirigidas a subsidiárias no Mercosul aumentou de 2,5% para 32,3%, enquanto as importações de subsidiárias no Mercosul aumentaram de 6,2% para 14,4%.64 Outra descoberta importante é que os setores que originalmente apresentavam déficits comerciais viram esses déficits aumentar, enquanto os com su-perávit os viram crescer. Tudo isso parece indicar que a abertura da economia, simulta-neamente com a entrada no Mercosul, estimulou uma especialização maior dessas subsi-diárias de empresas multinacionais.

Outro estudo recente constatou que a maioria das exportações brasileiras se origi-nou em uma pequena quantidade de grandes empresas, quase todas estrangeiras. Em

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1997, menos de 500 firmas responderam por 80% das exportações industriais do país, quase metade das quais foi gerada por subsidiárias de multinacionais. O The Economist observou que multinacionais tendem a exportar mais que empresas brasileiras, mas não tanto quanto em suas operações em outros países”.65

Outro impacto digno de nota sobre o crescimento do IE D no balanço de pagamen-tos refere-se às remessas de lucros e dividendos, que totalizaram uma saída anual de cerca de US$ 500 milhões no início da década de 1980, US$ 1 bilhão no início da de 1990, aumentado gradativamente, atingindo US$ 6,5 bilhões em 1997 e US$ 7,3 bi-lhões em 1 9 9 8 .Deve-se observar que na década de 1980 e início da de 1990 o Brasil apresentou superávits comerciais. De 1995 a 1998, eles se transformaram em deficits. Assim, o surgimento dos déficits comerciais ocorreu num momento em que as remes-sas de lucros cresceram significativamente.

A combinação de uma economia mais aberta e um significativo aumento do IE D na década de 1990 exerceu um grande impacto na tecnologia brasileira. A moderni-zação tecnológica começou já na década de 1970 quando, como parte de seu programa de diversificação de exportações, o Brasil ofereceu vários tipos de incentivos fiscais a fim de promover exportações não-tradicionais. Contudo, muitos setores (domésticos e multinacionais) ainda continuavam satisfeitos em empregar tecnologia ultrapassada, visto que não enfrentavam muita concorrência estrangeira. A abertura ocorrida na década de 1990, acompanhada do extraordinário crescimento da concorrência trazida com as importações, proporcionou um estímulo para a modernização da economia. As multinacionais modernizaram as fábricas existentes e construíram outras novas. Algu-mas firmas nacionais formaram jo in t ventures com multinacionais ou lhes venderam uma parte do controle acionário a fim de beneficiar-se de sua tecnologia avançada.67

Um levantamento constatou que 400 entre as 500 maiores multinacionais do mundo tinham investimentos no Brasil.68 E dentro do Brasil, a quantidade de empresas con-troladas por empresas estrangeiras que se encontravam entre as maiores 500 aumen-tou de 142 em 1992 para 170 em 1997.69

O rápido crescimento da presença de multinacionais no país também é notável do ponto de vista de sua participação no mercado. Calcula-se que, analisando o faturamento das 550 maiores empresas brasileiras, a participação de multinacionais passou de 27,2% em 1984 para 36,3% em 1997.70

Também vale a pena observar que houve um aumento de IED por intermédio de fusões e aquisições. Um estudo calculou que ele cresceu de 19% em 1992 para 32,8% em 1996.71 Em outro estudo, os mesmos autores analisaram 79 grandes empresas es-trangeiras durante o período de 1994-98. Eles concluíram que 19% dos investimentos planejados e em andamento foram realizados por meio de fusões e aquisições, 58% por meio de construção de novas fábricas e 23% envolveram a expansão e modernização de fábricas existentes.72

Conclusões

Os investimentos estrangeiros no Brasil tiveram motivações diferentes ao longo d o tempo. Antes da Segunda Guerra Mundial, a grande atração eram os lucros convida-

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tivos de uma dinâmica economia voltada primordialmente para as exportações. Du-rante o período ISI, a motivação era o amplo e protegido mercado interno. O ressur-gimento do interesse no investimento estrangeiro direto na década de 1990 foi resul-tado de uma combinação de fatores: a volta da estabilidade econômica geral, as políticas neoliberais do governo favoráveis ao mercado, o esforço prodigioso em di-reção à privatização e as promessas de um ampliado mercado comum latino-america-no, o Mercosul. Além disso, esses fatores combinaram-se com a disponibilidade de um grande conjunto de recursos de investimentos vindos de países industrializados, onde o nível de crescimento da economia e a taxa de retorno sobre investimentos eram relativamente baixos.

Gomo mostrou nosso levantamento, o papel do investimento estrangeiro passou por mudanças consideráveis no último século. Antes da Segunda Guerra Mundial, empresas estrangeiras concentravam-se em empresas de serviços públicos e setores relacionados à exportação. Durante o período ISI, a maioria dessas empresas havia sido nacionalizada, e as empresas estrangeiras foram encorajadas a instalar fábricas para o protegido setor doméstico. Isso resultou em uma estrutura industrial diversificada relativamente ineficiente e caracterizada por tecnologias de segunda mão. Com a abertura da economia e o processo de privatização, vê-se novamente uma quantidade expressiva de investimento estrangeiro no setor de serviços públicos. Ao mesmo tempo, nota-se a mudança de comportamento das multinacionais com a diminuição de proteção às importações que, juntamente com uma taxa cambial supervalorizada em 1994-98, expuseram a economia à concorrência global. As multinacionais reagiram enfatizando investimentos em tecnologias avançadas, que também levaram as subsi-diárias a atender não somente o mercado doméstico, mas também a concorrer inter-nacionalmente, especialmente na área do Mercosul. Na verdade, parece que na dé-cada de 1990 a existência do Mercosul e a possibilidade de sua expansão se tornaram o principal fator motivador para uma quantidade significativa de multinacionais que se instalaram no Brasil pela primeira vez.

Ironicamente, o grande aporte de capital estrangeiro na década de 1990 também apresentou um aspecto problemático, visto que possibilitou ao governo adiar o tão necessário ajuste fiscal. Desde a introdução do Plano Real em meados de 1994, que reduziu a inflação, o governo financiou seus déficits de modo não-inflacionário pela emissão de títulos de curto prazo comprados por instituições financeiras e pelo pú-blico livremente. Enquanto o capital estrangeiro entrava no país numa razão maior do que a do total do déficit comercial, o serviço anual da dívida e as remessas de lucros, era possível manter uma taxa cambial estável e gradualmente supervalorizada. Essa estabilidade tranqüilizou o público quanto à credibilidade das obrigações financeiras do governo. Infelizmente, a estabilidade tornou-se cada vez mais frágil. O governo teve de recorrer a taxas de juros excessivamente elevadas a fim de conservar os investimentos estrangeiros em títulos e evitar que os brasileiros remetessem seu dinheiro ao exterior. Gradativamente, porém, a credibilidade do governo foi abalada pelo rápido aumento da dívida interna e pelas crises financeiras asiática e russa de 1997 e 1998, forçando a desvalorização em fevereiro de 1999.

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Notas

1. Já descrevemos essa políticas detalhadamente no Capítulo 4; veja também BERGSMAN, Joel. Brazil: industrialization and trade policies. Londres, Oxford University Press, 1970, cap. 3; HUDDLE, Donald. “Ba-lanço de pagamentos e controle de câmbio no Brasil”. Revista Brasileira de Economia, mar./1969 e jun./1964; DOELLINGER, Carlos von; CAVALCANTI, Leonardo C. & BRANCO, Flavio Castelo. Política e estrutura das importações brasileiras. Rio de Janeiro, IPEA, 1977.

2. BERGSMAN, op. cit., p. 42.3. DOELLINGER, Carlos von. A política brasileira de comércio exterior e seus efeitos: 1967-73. Coleção

Relatórios de Pesquisa, ne22. Rio de Janeiro, IPEA, 1974, p. 23-47; TYLER, William G. M anufactured export expansion and industrialization in Brazil. Tubingen, J. D. B. Mohr, 1976.

4. SLJPLICY, Eduardo Matarazzo. Os efeitos das minidesvalorizações na economia brasileira. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1976; DOELLINGER, Carlos von etal., op. cit.

5. DOELLINGER, Carlos von. “Foreign trade policy and its effects” . Brazilian Economic Studies 1. Rio de Janeiro, IPEA, 1975, p. 91.

6. Idem. “Considerações sobre o recolhimento compulsório dos empréstimos externos”. In: Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de Janeiro, IPEA, dez./1973.

7. Ocasionalmente, o presidente Fernando Henrique Cardoso iria interromper essa tendência de liberalização. Por exemplo, quando o Brasil foi inundado por importações de automóveis no final dc 1994 e início de 1995 como resultado do efeito combinado da liberalização das importações e da valorização do Real, a indústria exerceu considerável pressão sobre o governo para que protegesse o setor, o que ele fez aumen-tando “temporariamente” mais uma vez as tarifas sobre os automóveis e instituindo restrições quantitativas e de curto prazo às importações.

8. Até certo ponto, esse fato refletiu a valorização do Real antes da desvalorização em janeiro de 1999, tornando os produtos brasileiros menos competitivos no mercado internacional.

9. Como foi observado anteriormente, a oferta maciça de capital na forma de eurodólares no Final da década de 1960 e início da de 1970 facilitou ao Brasil a obtenção de tal quantidade de capital de Financiamen-to privado.

10. Para detalhes sobre o Mercosul, ver ARAÚJO, Jr., José Tavares de. “Industrial restructuring and economic integration: the outlook for MERCOSUR”. In: Brazil and the Challenge of Economic Reform. Werner Baer e Joseph S. Tulchin (orgs.). Washington, Woodrow W7ilson Center Press. Distribuído pela T h e Johns Hopkins University Press, 1993, p. 95-118.

11. O Brasil não é tão importante para as multinacionais quanto elas são para o Brasil. Para informações adicionais sobre essa questão, veja DOELLINGER, Carlos von e CAVALCANTI, Leonardo. Empresas multinacionais na indústria brasileira. Coleção Relatórios de Pesquisa, n2 29. Rio de Janeiro, IPEA, 1975.

12. Graham, em seu estudo clássico, afirma: “O controle que os britânicos exerceram sobre a estrada de ferro, as empresas de exportação, o negócio de importação, a companhia de navegação, a agência de seguros, a instituição financeira e até sobre o tesouro nacional” abafaram quaisquer esforços para reduzir a dependên-cia em relação às importações britânicas. GRAHAM, Richard. Britain and the onset of modernization in Brazil, 1850-1914. Cambridge, Cambridge University Press, 1968, p. 73.

13. BAKLANOFF, Eric N. “Brazilian development and the international economy”. In: New Patterns and Development. John Saudners (ed.). Gainesville, University of Florida Press, 1971, p. 191.

14. Em 1854, o representante diplomático brasileiro na Grã-Bretanha declarou: “O comércio entre os dois países é realizado com capital, empresas e navios ingleses. Os lucros,... os juros sobre o capital,... os pagamentos dos seguros, as comissões e os dividendos oriundos dos negócios, tudo vai para os bolsos dos ingleses” . Citado por GRAHAM, op. cit. p. 73. Cottrell observa que o controle britânico “sobre as exportações brasileiras foi intensificado por ligações interempresas. Comerciantes exportadores ingleses tinham interesses financeiros na navegação e nas ferrovias e, conseqüentemente, exerciam pressão por melhores instalações e serviços portuários

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cuja construção era financiada pelo capital britânico. A maioria dos passivos dos bancos britânicos consistia de depósitos locais, mas era emprestada principalmente às companhias e empreiteiros estrangeiros. A maioria das importações brasileiras vinha da Inglaterra e era negociada por casas de importação e exportação inglesas”. COTRELL, P. L. British overseas investment in the nineteenth centui'y. Londres, Macmillan, 1975, p. 42. Uma des-crição clássica da influência britânica na economia brasileira pode ser encontrada em MANCHESTER, Alan K. British preeminence in Brazil. Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1933.

15. A carga de se garantir uma taxa mínima de retorno a ferrovias pertencentes a empresas estrangeiras tornou-se tão onerosa que o Estado começou a realizar empréstimos no exterior na virada do século para comprá-las aos poucos. Em 1929, quase a metade estava em mãos do governo, aumentando para 68% em 1932, 72% em 1945 e 94% em 1953. Veja VILLELA, Annibal V. & SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1973, p. 397-9.

16. Idem, ibid., p. 381-2.17. Embora o investimento privado direto vindo do estrangeiro aumentasse de US$ 1,2 bilhão em 1914

para IJS$ 1,4 bilhão em 1930, houve uma notável mudança em sua origem geográfica: o investimento direto francês caiu de US$391 milhões para US$ 138 milhões, o britânico passou de US$609 milhões para US$590 milhões, enquanto os investimentos diretos americanos aumentaram de US$ 50 milhões para US$ 194 mi-lhões. Veja BAKLANOFF, Eric N. “External factors in the economic development of Brazil’s heartland: the c en te r-so u th , 1850-1930”. In: The shaping of modern Brazil. Eric N. Baklanoff (ed.) Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1969, p. 26-9.

18. Para um resumo das políticas de ISI e dos incentivos aos investimentos estrangeiros, ver o Capítulo 4; para uma análise das reações dos industriais ao capital estrangeiro, ver BAER, Werner & SIMONSEN, Mário H. “American capital and Brazilian nationalism”. In: Foreign investment in Latin America, Marvin D. Bernstein (ed.). Nova York: Alfred A. Knopf, 1966, p. 273-82.

19. Há uma farta literatura que detalha alguns dos benefícios a serem extraídos de investimentos multinacionais. Veja, por exemplo, LAPALOMBARA, Joseph 6c BLANK, Stephen. Multinational corporations a n d developing countries. Nova York, T he Conference Board, 1979, cap. 5; ou VERNON, Raymond. Storm over the multinationals. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1977, cap. 7; DOELLINGER, Carlos von & CAVALCANTI, Leonardo C. Empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975, p. 54-78; FRITSCH, Winston & FRANCO, Gustavo. Foreign direct investment in Brazil: its impact on industrial restructuring. Paris, OECD, Development Centre Studies, 1991.

20. Para detalhes, veja GOUVE A, Raul. “Export diversification, external and internal effects: the Brazilian case”. Tese de doutorado, University of Illinois at Urbana-Champaign, jun./1988.

21. Veja, por exemplo, MARTINS, Luciano. Nação: a corporação multinacional Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975; PIGNATON, Álvaro. “Capital estrangeiro e expansão industrial no Brasil” . Texto para discus-são. Brasília, Departamento de Economia, Universidade de Brasilia, 1973; EVANS, Peter. Dependent development: the alliance of multinational, state and local capital in Brazil. Princeton. NJ, Princeton University Press, 1979; NEWFARMER, Richard S. & M UELLER, Willard F. Multinational corporations in Brazil and Mexico. Relató-rio ao Subcomitê sobre Corporações Multinacionais do Comitê sobre Relações Estrangeiras, Senado dos Estados Unidos. Washington, DC, LT.S. Government Printing Office, 1975; LAPALOMBARA & BLANK, op. cit., cap. 6; DOELLINGER e CAVALCANTI, op. cit., cap. 4.

22. Existe uma vasta literatura sobre o conceito de transferência de preços. Veja, por exemplo, HAWKINS, Robert (ed.). The economic effects o f multinational corporations. Greenwich, Conn., JAI Press, 1979, especial-mente os artigos de Thomas G. Parry e Donald R. Lessard.

23. Nos Estados Unidos, esse é o lucro, deduzido o imposto de renda como percentagem do patrimônio dos acionistas, média anual para 1973-80. In: Economic report o f the President, February 1982. Washington, DC: U. S. Government Printing Office, 1982.

24. SIMONSEN, Mário H. “O Brasil e as multinacionais” . In: Multinacionais: os limites da soberania, Getúlio Carvalho (org.). Rio dc Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1977, p. 63.

25. NEWTARMER & MUELLER, op. cit., p. 128.

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26. GOUVEA, Raul, op. cit, p. 164.27. Idem, ibid., p. 185.28. SIMONSEN, op. cit., p. 65; NEWFARMER & MUELLER, op. cit., p. 100.29. DOELLINGER & CAVALCANTI, op. cit., p. 95.30. Um dos levantamentos mais recentes pode ser encontrado em BRAGA, Nelson C. “Foreign direct

investment in Brazil: its role, regulation and performance”. In: Brazil and the Ivory Coast: The Impact of International Lending, Investment and Aid, Werner Baer e John F. Due (orgs.). Greenwich, Conn., JAI Press, 1987, p. 99-126.

31. MORLEY, Samuel A. & SM ITH, Gordon W. “The choice of technology: multinational firms in Brazil”. Economic development and Cultural Change, jan./1977.

32. Idem, ibid., p. 254.33. Idem, ibid., p. 255.34. Idem, ibid., p. 257.35. Ide?n, ibid., p. 261.36. NEWFARMER, Richard S. & MARSH, Laurence C. “Foreign ownership, market structure and

industrial performance: Brazil’s electrical industry”. South Bend, Departamento de Economia da University of Notrc-Dame, nov./1979, p. 17 (mimeografado).

37. BAER, Werner. “Technology, employment and development: empirical findings”. World Development,4, na 2, 1976, p. 128. Para os argumentos relativos à eficiência de técnicas mais intensivas de mão-de-obra sobre criação geral de empregos, veja BA RR, Werner & SAMUELSON, Larry. “Toward a service-oriented growth strategy” . World Development 9, na 6, 1981.

38. EVANS, op. cit., p. 177-8.39. DOELLINGER & CAVALCANTI, op. cit., p. 67-8.40. EVANS, op. cit., p. 121-31.41. NEWFARMER, Richard S. “T N C takeovers in Brazil: the uneven distribution of benefits in the

market for firms”, hr. World Development 7, ne 1, jan./1979, p. 25-43.42. Para uma revisão do tratamento legal e administrativo do capital estrangeiro no Brasil, veja BRAGA,

op. cit., p. 113-8.43. Isso é discutido em detalhes em VILLELA, Annibal V. Ôc BAER, Werner. O setor privado nacional:

problemas e políticas para seu fortalecimento. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1980, cap. 3.44. Para maiores detalhes, veja ibid., cap. 1; veja também Capítulo 11 deste volume.45. A participação estrangeira no processo de privatização apenas começou a ser significativa na segunda

metade da década de 1990. Em 1996, 25% do total de aportes de IED foram destinados à privatização, total que passou a 28% e 21,3% em 1997 e 1998, respectivamente. Segundo o banco de desenvolvimento (BNDES), no final de 1998 a participação de IED no total das privatizações foi de 42%.

Há uma divergência nas estimativas do Banco Central e do BNDES referentes aos investimentos estran-geiros. A estimativa do primeiro para 1998 era de US$ 14 bilhões, enquanto a do segundo era de US$ 29 bilhões. A diferença pode ser resultado do fato de que o Banco Central apenas considera entradas reais de caixa, enquanto o BNDES computa os compromissos totais das empresas estrangeiras envolvidas. Esses compromissos são honrados ao longo de vários anos.

46. A tímida participação estrangeira no processo de privatização inicial pode ter sido politicamente útil ao governo, pois o protegeu das críticas da oposição de que a privatização servia principalmente para transfe-rir recursos produtivos a um custo a investidores estrangeiros.

47. Deve-se observar que o comércio do Brasil com seus vizinhos do Mercosul cresceu significativamente na década de 1990. Por exemplo, as exportações brasileiras para os países participantes aumentou de US$ 1,3 bilhão em 1990 para US$ 7,3 bilhões em 1996, enquanto as importações de outros países passaram de US$ 2,3 bilhões para US$ 8,3 bilhões no mesmo período.

48. O aumento desses fluxos também pode ter sido o resultado de baixas taxas de juros e elevadas taxas de crescimento em países industrializados avançados.

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49. A Constituição de 1988 proporcionou a base para as concessões instituídas na década de 1990 e a Lei das Concessões de 1995 regulou o artigo 175 da Constituição, estabelecendo normas segundo as quais o Estado podia delegar serviços públicos ao setor privado. Ver: Concessões de serviços públicos no B/asil, Brasília, DF, Presidência da República.

50. Os dados citados nesta seção foram obtidos do Banco Central do Brasil.51. É possível que esses dados tenham de ser lidos com ressalvas, pois alguns dos investimentos diretos

registrados podem ter sido investimentos em carteira de títulos disfarçados. Ao examinar o aumento de aporte de investimentos estrangeiros diretos em 1996, Garcia e Barcinski afirmaram que “... a imprensa financeira atribuiu uma grande parcela desse aumento aos investimentos de renda fixa, disfarçados de investimentos diretos para evitar a restrição sobre aportes de capital (em investimentos de renda fixa).” GARCIA & BARCINSKI, 1988, p. 343.

52. GARCIA 6c BARCINSKI, 1998, mostraram que o principal determinante para os investimentos em títulos em carteira para o Brasil foram os grandes diferenciais entre taxas de juros brasileiras e internacionais, que existiram durante quase toda a década de 1990. Essas diferenças compensaram o risco representado pela taxa cambial. Entretanto, em 1998 o ainda supervalorizado Real e os problemas fiscais do país aumentaram substancialmente o risco da taxa de câmbio, o que pode explicar os fluxos negativos líquidos de investimen-tos de capital.

53. LAPLANE & SARTI, 1998, p. 7.54. Não podemos fazer uma estimativa do valor real desse total em 1998, visto que é difícil conciliá-lo

com a metodologia usada para registrar o valor dos aportes diretos de capital.55. Jornal do Brasil, l/jul./1998, seção especial “Real/Ano 4”, p.7.56. CARNEIRO, Dionísio Dias, “Osfluxos de capitale o desempenho econômico brasileiro”, Departamento

de Economia, PUC-Rio, Texto para discussão, nG369, abril 1997, p.27.57. The Economist, 27/mar./1999 observou que “as vendas de carros mais que dobraram nos cinco anos

anteriores a 1997... Os fabricantes responderam com um programa de investimento de US$ 20 bilhões para 1996-2000. Parte desse dinheiro foi destinado a modernizar enormes fábricas obsoletas... Outra parcela está sendo aplicada em fábricas totalmente novas no Sul do Brasil, modernas e eficientes como qualquer outra no mundo...”.) Special Brazil Survey, p.15.

58. SUZIGAN, Wilson & VILLELA, Annibal V., Política industrial no Brasil, Campinas, SP, Brasil, Unicamp, Instituto de Economia, 1997, p. 125-6. Sobre a importância dos direitos sobre propriedade intelec-tual para atrair investimentos estrangeiros, ver: SMARZYNSKA, Beata K., “Composition of Foreign Direct Investment and Protection of Intellectual Property Rights in Transition Economies”, Yale University, out./ 1998, mimeografado.

59. Por exemplo, The Economist, no exemplar de 13-19/fev./1999, afirma que, com respeito ao Mercosul, “... pelo menos as barreiras tarifárias partilhadas causam menos danos que as nacionais, e... um mercado aberto e amplo é um forte incentivo ao investimento estrangeiro”, p.25.

60. The Economist, 27/mar./1999, “Brazil Survey”, p. 15. The Economist também mencionou o caso da Compaq, que abriu uma fábrica perto de Campinas para fornecer PCs e pequenos servidores a toda a Améri-ca do Sul. “Ela agora exporta 60% de sua produção. De fato, no momento os componentes locais são respon-sáveis por apenas 30% do valor dos PCs brasileiros da Compaq, mas essa percentagem pode crescer à medida que se forme um incipiente grupo de empresas de alta tecnologia ao redor de Campinas. Outras empresas estrangeiras também estão começando a usar o Brasil como base de exportação para suprir toda a América Latina. As exportações para a América Latina realizadas pelas multinacionais baseadas no Brasil foram res-ponsáveis por 57% de seu total de exportações em 1997 (quando em 1990 eram 26%), enquanto a percenta-gem de suas exportações dirigidas para países ricos caíram de 70% para 44% no mesmo período”, p. 15.

61. “Melhores e maiores”, Exame, ju l./l998, p.24.62. Ibid, p.30.63. LAPLANE & SARTI, 1998, p. 35.64. LAPLANE & SARTI, 1998, p. 37.

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65. The Economist, 27/mar./1999, Special Brazil Survey, p. 15.66. As remessas de lucro como percentagem de exportações totalizaram 1,5% em 1980 e 13,5% em 1998.67. Para exemplos específicos, ver “Melhores e maiores”, Exame, jul./1998, p. 26-8. Ver também:

BIELSCHOWKY & STUMPO, G., “A internacionalização da indústria brasileira: números e reflexões de-pois de alguns anos de abertura”. ///: 0 Brasile a Economia Global, editado por R. Baumann, Rio de Janeiro, Ed. Campus-SOBEET, 1996.

68. “Melhores e maiores”, Exame, jul./l998, p. 23.69. Ibid, p. 2370. “Melhores e maiores”, Exame, jul./l998, p. 17. Esse ganho na participação das multinacionais

correspondeu à queda da participação das empresas estatais de 28,3% em 1987 para 23,3% em 1997, enquan-to a participação das empresas privadas nacionais caíram de 43,2% para 40,4%. Setorialmente, a participação de mercado das multinacionais em 1997 foi a seguinte: 3% em construção; 13% em vestuário e têxteis; 12% em mineração; 25% em varejo; 48% em eletrônicos; 95% na indústria automobilística; 81% em computado-res; 79% em farmacêuticos; 57% em produtos alimentícios; 22% em produtos químicos e petroquímicos.

71. LAPLANE, Mariano & SARTI, Fernando. Novo ciclo de investimentos e especialização produtiva no Brasil, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Núcleo de Economia Industrial e de Tecnologia, mai./1998, p. 9, mimeografado.

72. LAPLANE, M. F. & SARTI, F. Investimentos diretos estrangeiros e a retomada do crescimento sustentado nos anos 90. Economia e Sociedade, Revista do Instituto de Economia da Unicamp, n u 8, 1997.

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12O ampliado setor público brasileiro: seu papel em processo de mudança e a privatização

O DESENVOLVIMENTO DAS instituições econômicas brasileiras desde o final da década de 1930 produziu um sistema econômico que ainda precisa ser inteiramente compreendido. Uma característica importante que o diferencia do tipo de mercado industrial ocidental, na qual grande parte da teoria econômica contempo-rânea está baseada, é o ampliado papel do Estado na economia.

O domínio do Estado na economia que caracterizou o Brasil a partir do final da década de 1940 até o início da de 1990 não foi resultado de um esquema cuidadosamente conce-bido, mas o resultado de várias circunstâncias que, na maioria dos casos, obrigou o gover-no a intervir cada vez mais no sistema econômico do país. Essas circunstâncias incluíram reações às crises econômicas internacionais, o desejo de controlar as atividades do capital estrangeiro, especialmente no setor de serviços públicos e na exploração de recursos na-turais, e a ambição de industrializar rapidamente uma economia retrógrada.

A ampla presença do Estado na economia brasileira foi encarada como necessária para se atingir um rápido desenvolvimento econômico por meio da industrialização com o objetivo de substituir as importações (ISI) da década de 1930 até a de 1960. Durante esse período, o setor de empresas estatais, predominando nos serviços públi-cos indústria pesada, exportação de recursos naturais e no setor financeiro, complementou os setores privados nacionais e multinacionais, isto é, complementou cada setor participativo especializado em áreas específicas da economia em que tinha a maior vantagem comparativa.1 Essa divisão de trabalho entre os setores tornava-se gradativamente institucionalizada e, na verdade, veio a ser conhecida entre economis-tas e formuladores da política econômica como o modelo “tripé” da estrutura dos tipos de empresa no processo de desenvolvimento brasileiro.2

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A partir de meados da década de 1970, o modelo “tripé” foi sendo gradualmente derrubado à medida que o envolvimento do Estado na economia se tornou uma força cada vez mais negativa. Quando, no início da década de 1980, a crise ocasionada pela dívida externa provocou uma década de baixo crescimento e investimento (a “década perdida”), manifestou-se um consenso progressivo de que uma das formas de tirar o Brasil da dificuldade econômica seria privatizar uma grande parte da economia. No início da década de 1990 o Brasil, durante a administração do presidente Collor, ado-tou um programa de privatização de larga escala como instrumento-chave econômico e político para revitalizar a economia.

Neste Capítulo, vamos examinar a contribuição do setor estatal para o processo de ISI do país, as causas de sua decadência, as metas e realizações do processo de privatização até esta data e a implicação de uma economia privatizada com respeito ao impacto exer-cido sobre a eficiência, eqüidade e o papel econômico do Estado brasileiro no futuro.

Estágios no crescimento do envolvimento do Estado na economia

A intervenção do Estado na economia do Brasil possui raízes históricas profundas, assim como na maioria das sociedades latino-americanas.

A era pré-1930

Da era colonial até o presente, o governo nunca esteve afastado da esfera econô-mica na mesma medida em que ocorreu na Europa pós-mercantilista (especialmente na Inglaterra) e nos Estados Unidos. No período colonial, a coroa era o defensor econômico supremo e todas as atividades comerciais e produtivas dependiam de li-cenças especiais, concessões de monopólios e privilégios comerciais.3 Essa tradição patronal persistiu durante o primeiro século após a independência. Ao descrever as atividades do Estado no século XIX, Faoro constatou que:

A intervenção do Estado não se restringia ao financiamento e ao crédito , mas, ao contrário, e s te n -dia-se a todas as atividades comerciais, industriais e de serviços públicos. O Estado autorizava o funcionamento d e sociedades por cotas de responsabilidade lim itada, fechava contratos com ban-cos, concedia privilégios, fazia concessões especiais para a administração de ferrovias e portos, assegurava o fornecim ento de materiais e garantia o pagamento de juros. A soma desses favores e privilégios envolvia a principal parte das atividades econômicas... [que]... poderiam existir so-mente através da vida transmitida pelo cordão umbilical do E stado .4

O Estado, no Brasil do século XIX (tanto durante o império quanto no período inicial da República), tinha um caráter relativamente não-intervencionista. O governo preocupava-se em obter receita por m eio de tarifas e, em raras ocasiões, por motivos protecionistas. Nas áreas de indústrias incipientes e investimentos em infra-estrutura, o governo agia principalmente como concessor de favores, isto é, empréstimos espe-ciais para alguns empreendimentos industriais5 e taxas garantidas de retorno para em -

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presas estrangeiras que investiam em infra-estrutura.6 A única outra participação direta do governo brasileiro na atividade econômica estava no setor financeiro. O Banco do Brasil atravessou várias fases no século XIX sendo, às vezes, ao mesmo tempo, um banco comercial e de emissão com graus variáveis de participação governamental. No século XX, continuou a representar o papel de banco comercial cujo principal dono era o Estado brasileiro, além de exercer muitas funções de um banco central até a criação do Banco Central do Brasil, no final de 1964. Quanto ao envolvimento do governo com as caixas econômicas remonta a 1861.7

Próximo ao início do século XX, a carga que representava a garantia de uma taxa de retorno mínima às ferrovias pertencentes a empresas estrangeiras tornou-se muito pesa-da para o governo8 e concluiu-se que pedir empréstimos no exterior a fim de comprar várias delas acabaria sendo menos oneroso para a economia. Assim, em 1901 o governo brasileiro fez um grande empréstimo para nacionalizar algumas das estradas de ferro. Esse processo prosseguiu por vários anos e, em 1929, cerca de metade da rede ferroviá-ria encontrava-se nas mãos do governo e em 1950 a administração pública de ferrovias havia crescido para 94%.9

Dessa maneira, a participação do governo nesse setor não foi resultado de um con-fisco arbitrário da propriedade privada, mas a conseqüência da falta de lucratividade e da resistência por parte do governo em continuar a garantir as taxas de retorno. Um fator adicional que levou ao crescente controle do Estado sobre as ferrovias e, como veremos adiante, de outros serviços públicos, foi o seu controle sobre as tarifas. Ao estabelecê-las para os serviços públicos, ele tinha de criar um equilíbrio entre os retor-nos que seriam adequados para os investidores privados e as tarifas que seriam conside-radas socialmente justas pelos usuários. Com o passar dos anos, a segunda preocupação assumiu uma importância cada vez maior. Assim, com os preços controlados proporcio-nando taxas de retorno baixas demais para que as empresas privadas garantissem a expansão e manutenção adequadas da rede ferroviária e com a resistência do governo em assegurar uma taxa de retorno, a nacionalização gradativa tornou-se inevitável.

Vimos no Capítulo 2 principalmente quanto o governo estadual de São Paulo se envolveu ativamente na defesa dos preços do café e na sua produção na primeira déca-da do século XX.

A década de 1920 testemunhou o crescimento dos bancos estaduais, pois, antes dessa época, somente dois encontravam-se em atividade: o Banco de Crédito Real de Minas Gerais (fundado em 1889) e o Banco da Paraíba (fundado em 1912). O Banco do Estado do Piauí (1926), o Banco do Estado de São Paulo (1927), o Banco do Estado do Paraná (1928) e o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (1928) foram criados com o objetivo inicial de auxiliar o setor agrícola desses estados. Na década de 1930, seguin-do propósitos semelhantes, foram fundados outros bancos estaduais, muitos dos quais se tornaram importantes bancos comerciais com filiais em todo o país.

A década de 1930

A depressão mundial não só colocou o Brasil no caminho da industrialização com o objetivo de substituir as importações, como também ocasionou um aumento e uma

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modificação no papel desempenhado pelo Estado na economia do país. As mudanças institucionais que levaram a uma ampliação do papel do Estado na economia origina-ram-se do desejo do governo brasileiro de protegê-la do impacto total da depressão mundial e de apoiar e acelerar o processo de industrialização.

A fim de lidar com o impacto imediato causado pela Depressão, o governo federal assumiu o programa de defesa do café dos estados. Isso, na verdade, significou que, pela primeira vez, o governo federal se envolvia diretamente no pricing e controle da produção de um setor produtivo.10 Uma intervenção direta posterior ocorreu por meio de controles de câmbio, introduzidos em setembro de 1931 a fim de racionar a escassa moeda estrangeira.

A medida que transcorria a década, o regime Vargas ampliou a intervenção estatal para proteger e estimular o crescimento de diferentes setores por meio da criação de autarquias.11 Essas instituições deveriam tratar de setores como os de açúcar, mate, sal, madeira de pinho, pesca e marinha mercante e, em colaboração com os produto-res, regularam a produção e os preços e financiaram a construção de armazéns. Com o correr dos anos, muitas vezes elas se expandiram, passando também de instrumen-tos de controle a instrumentos de pressão por favores do governo para os setores específicos.

Um dos primeiros exemplos de controle de preços (em comparação com a defesa de preços) no Brasil começou em 1934 com a criação do Código de Águas, que autorizava o governo a determinar as tarifas de eletricidade, que eram estabelecidas de maneira que permitisse um retorno máximo de 10% sobre o capital investido. O fato de o capital ser avaliado pelo custo histórico para tal propósito, como veremos mais adiante, deveria conduzir à expansão gradual da participação do governo nesse e noutros setores de serviços públicos. O motivo imediato para esse controle foi o fato de as tarifas terem sido parcialmente baseadas nos valores do ouro e, em parte, no papel-moeda nacional a fim de que as empresas estrangeiras pudessem proteger-se da desvalorização cambial. Isso significava, entretanto, que as tarifas de eletricidade au-mentariam todos os meses e, quando houvesse uma forte desvalorização, as tarifas aumentariam a ponto de diminuir o consumo de energia o que, por sua vez, afetaria adversamente a produção. Conseqüentemente, os controles foram instituídos a fim de proteger a indústria e os consumidores e, nos anos subseqüentes, o elemento de bem- estar na determinação de tarifas iria se tornar cada vez mais importante.12

As medidas iniciais tomadas pelo governo na década de 1930 para industrializar o país poderiam levar alguém a crer que ele previra o crescimento da indústria no setor privado e que ele proporcionaria o financiamento e a proteção necessários. A utilização de controles cambiais, de autarquias e a criação, em 1937, da Carteira de Crédito Agríco-la e Industrial do Banco do Brasil para proporcionar crédito de longo prazo a indústrias apontam nessa direção. Deve-se também considerar as várias tentativas infrutíferas por parte do governo brasileiro para que o capital nacional privado e o estrangeiro organizas-sem uma grande siderúrgica integrada. A criação da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda pelo Estado foi somente uma questão de último recurso.13

Um importante indicador da mudança da filosofia do governo com respeito à in-fluência do Estado na economia foi a criação do Conselho Federal de Comércio Exterior em 1934. Esse órgão, composto de representantes do Ministério do Exterior

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e de todos os ministérios ligados à economia, do gabinete da presidência, do Banco do Brasil e de vários especialistas, tentou não só estimular o comércio exterior do país, mas também proporcionar incentivos para o desenvolvimento de certas indústrias (especialmente de celulose, na década de 1930). Alguns consideram essa como a primeira tentativa de se realizar um planejamento econômico no Brasil.14

Na década de 1930, o Estado adquiriu o Lloyd Brasileiro, a principal empresa de navegação do país. Outras empresas do mesmo setor que recebiam subsídios foram nacionalizadas durante o início da década de 1940.15 A motivação para as ações desses governos era dupla: as preocupações com segurança em época de guerra e o progresso da navegação, que não se tinha desenvolvido bem na iniciativa privada.

A década de 1940: a Segunda Guerra Mundial e o período inicial do pós-guerra

Os anos da Segunda Guerra Mundial testemunharam o surgimento de vários novos empreendimentos governamentais. A maioria foi criada por motivos de segurança na-cional e alguns se transformaram em empresas poderosas da década de 1950 e 1960.

Além da expansão estatal na navegação, as condições do período de guerra também levaram o governo a criar a Fábrica Nacional de Motores em 1943, cujo objetivo inicial era oferecer serviços de manutenção de motores e também produzi-los devido à escas-sez provocada pela guerra. A empresa acabou por fabricar uma grande variedade de pro-dutos - tratores, carros e geladeiras -, mas sempre foi uma companhia deficitária com muitos problemas administrativos, e, em 1968, o governo a vendeu a uma empresa es-trangeira privada.

A Companhia Nacional de Alcalis foi criada pelo governo em 1943 devido ao temor de que a escassez de carbonato de sódio viesse a paralisar as indústrias que dele de-pendiam. Como nenhuma firma estrangeira ou nacional estava em situação de assumir tal empreendimento, uma empresa estatal era a única solução.

A fundação da Companhia Vale do Rio Doce em 1942 pode ser atribuída, em gran-de parte, a preocupações de ordem nacionalista. Durante muitos anos, grupos estran-geiros, muitas vezes associados a alguns empresários locais, mostraram-se ansiosos por explorar os ricos depósitos de minério de ferro de Minas Gerais para fins de expor-tação. Concessões para mineração e exportação foram dadas e tiradas várias vezes, con-forme aumentava ou diminuía a oposição nacionalista às empresas estrangeiras. As forças do nacionalismo finalmente obtiveram uma vitória importante com o cancelamento das concessões de mineração das ricas jazidas de Itabira a um grupo estrangeiro em 1942. A esse fato se sucedeu a criação da Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa estatal que iria tornar-se a maior exportadora de minérios do Brasil.16

O período imediatamente posterior à guerra foi praticamente destituído de novas experiências de envolvimento do Estado nas atividades econômicas. A participação do governo na rede ferroviária ampliou-se com a aquisição de várias companhias britâni-cas. Além disso, à medida que crises cambiais ocasionavam renovados controles de câmbio e, conforme se fazia sentir um crescente número de gargalos infra-estruturais, o governo envolveu-se cada vez mais em atividades de planejamento destinadas a pro-

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porcionar um crescimento mais equilibrado e obter auxílio externo. Durante a década de 1940, foram esboçados vários planos que, em última análise, levariam a uma futura expansão das atividades econômicas do Estado na década de 1950.17

A década de 1950

Durante o impulso de industrialização da década de 1950, o papel do Estado na economia continuou a se expandir. O planejamento geral e o surgimento ocasional de grupos de ação especial que visavam estimular o desenvolvimento de setores especí-ficos (os conhecidos grupos executivos) tornaram-se práticas governamentais reconhe-cidas. Na verdade, com as ambições dos governos da década de 1950 de promover uma rápida industrialização, ficou claro para os formuladores da política econômica que o sucesso de seus planos dependia das iniciativas governamentais em vários cam-pos. Os mecanismos de proteção para atrair o capital estrangeiro e estimular investi-mentos privados internos foram descritos no Capítulo 4. A fim de alcançar as metas de industrialização, entretanto, a ação do Estado tinha de ultrapassar essas medidas.

Um acontecimento de destaque no início da década de 1950 foi a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, nome que foi mudado para BNDES- Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -, na década de 1980) em 1952. O fato de a existência de instituições financeiras capazes de fornecer créditos de longo prazo ser quase uma situação sine qua non para o sucesso da industrialização de uma economia retrógrada tinha sido há muito reconhecido. Empresas privadas não são sufi-cientemente grandes e sólidas para gerar internamente os recursos necessários para o volume de investimentos requeridos, e os mercados financeiros não estão bastante de-senvolvidos para fornecer o financiamento, o que geralmente tornou indispensável a criação de bancos de investimento a fim de proporcionar o financiamento e, às vezes, participar de empreendimentos novos e/ou em expansão. A conhecida generalização sobre a necessidade de bancos de investimento, baseada na experiência de países europeus no século XIX que foram retardatários no processo de industrialização, é totalmente apli-cável ao Brasil na década de 1950 e I960.18

A necessidade da fundação de um banco de desenvolvimento pertencente ao go-verno ficou clara quando a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos recomendou um plano razoavelmente elaborado para a modernização da infra-estrutura do país (Progra-ma de Reaparelhamento Econômico) para cuja realização nenhuma empresa indivi-dual tinha recursos. Assim, foi criado o BN D E para prover o financiamento necessário e colocá-lo em prática. Suas tarefas, porém, também deveriam incluir a promoção e financiamento de indústrias pesadas e determinados setores da agricultura.19

Durante a década de 1950 e a de 1960, o BNDE executou suas tarefas de maneira flexível. Durante a primeira década de sua existência, a maior parte de seus recursos (70%) foi destinada ao financiamento do desenvolvimento da infra-estrutura do Brasil, enquanto, num estágio posterior, foi dada maior ênfase à indústria pesada, principal-m ente à siderúrgica. No final da década de 1960 e início da de 1970, o banco também se envolveu na administração de fundos especiais para financiar a venda de bens de capital, a expansão de pequenas e médias empresas, etc.20

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O papel do BNDE em aumentar a participação do governo na indústria siderúrgica é especialmente esclarecedor. A expansão da capacidade produtiva desse setor foi con-siderada parte integrante do programa de industrialização da década de 1950. Exceto pela ampliação de Volta Redonda, esperava-se que uma grande parte da capacidade produtiva ampliada fosse gerada pelo setor privado e por governos locais (estaduais), como foi o caso da Usiminas e Cosipa, duas empresas fundadas no início da década de 1950 a fim de formar grandes siderúrgicas integradas. A medida que se tornava óbvio em cada caso que os recursos locais privados e governamentais eram muito limitados para financiar esses projetos, o governo federal comprometeu-se em co-patrociná-los por intermédio do BNDE. Em troca da injeção de recursos financeiros, o banco rece-beu uma participação em cada empresa e, com o passar dos anos, tornou-se seu princi-pal acionista. Dessa maneira, o governo transformou-se num relutante proprietário de empresas, isto é, devido à incapacidade do setor privado e dos governos locais em obter êxito cm projetos considerados básicos para o programa de industrialização do Brasil, sua participação direta tornou-se inevitável.21

Outro marco da participação do governo brasileiro nas atividades econômicas foi a criação da Petrobras em 1953. Toda a exploração de petróleo e a maior parte das ativi-dades de refinação foram declaradas monopólio da empresa estatal. A principal moti-vação para esse fato foi a preocupação do governo em assegurar uma fonte interna de fornecimento para situações de emergência. A medida que aumentavam as pressões para que se aprovasse a lei que permitiria a criação da Petrobras, mais motivações nacionalistas foram gradativamente introduzidas - especialmente a questão de não se entregar a empresas estrangeiras a exploração de riquezas não-renováveis do subsolo.22 Essa base lógica também fundamentou a criação da Companhia Vale do Rio Doce.

Além da criação do BNDE, o envolvimento do governo no setor bancário conti-nuou a crescer. Em 1954, foi fundado o Banco do Nordeste do Brasil para proporcionar facilidades comerciais e de desenvolvimento de crédito. Na década de 1960, ele rece-beu todos os depósitos dos recursos provenientes da isenção de impostos destinados ao Nordeste (Lei 34/18) e tornou-se o principal agente financeiro da Sudene. Além disso, vários bancos de desenvolvimento estaduais surgiram nessa década, enquanto prosseguia a expansão do Banco do Brasil, do Banco do Estado de São Paulo e outros bancos estaduais comerciais.23

Na década de 1950 também testemunharam a difusão dos controles de preços. O controle das tarifas de serviços públicos se ampliou e em breve abrangia não só o setor de energia elétrica, mas também o de telefones e transportes públicos, atingindo de-pois os preços de aluguéis, gasolina e alimentos.

O controle de preços deveria refrear, em parte, as forças inflacionárias que aumen-tavam rapidamente nessa década, mas, na verdade, conseguiram apenas distorcê-las, criando escassez de produtos em vários setores da economia.

O rápido crescimento das empresas estatais no setor de serviços públicos foi ocasio-nado pelo controle de preços. A determinação de tarifas para esses serviços não propor-cionou uma taxa de retorno do investimento considerada adequada pelas empresas pri-vadas (principalmente as estrangeiras) para assegurar a expansão e modernização de suas fábricas. Como o controle das tarifas era considerado de interesse nacional, isto é, acre-ditava-se que tarifas relativamente baixas eram desejáveis para estimular o crescimento

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industrial e subsidiar os consumidores, a única alternativa que restava era o Estado in-gressar gradativamente nos campos de geração e distribuição de energia, transportes públicos e telecomunicações o que, em parte, explica a criação, na década de 1950, de empresas estatais, como a Chesf (Cia. Hidrelétrica do São Francisco), Furnas e Cemig (do estado de Minas Gerais) e, na década de 1960, a CESP (São Paulo) e outras, para proporcionar a energia adicional necessária para a economia em expansão. Os controles também causaram o declínio na qualidade e taxa de crescimento do sistema de telefonia do país e, na década de 1960, sua aquisição pelo Estado também se tornou inevitável.

A década de 1960

Durante a década de 1960, a expansão do Estado na economia brasileira ocorreu por intermédio da consolidação e do crescimento de suas várias atividades e pela organização de algumas novas áreas de ação do governo. Em 1965, por exemplo, foi criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), que rapidamente se tornou uma pode-rosa força financeira devido ao recebimento de parte dos fundos de aposentadoria dos trabalhadores e ao poder de lidar com instrumentos financeiros indexados. O Progra-ma de Integração Social (PIS), criado em 1971, fortaleceu as caixas econômicas (que haviam sido unificadas numa única organização nessa década) por receber os fundos especiais dos trabalhadores oriundos de uma dedução de 5% dos impostos devidos pela empresa e de uma contribuição de 0,5% de seu faturamento.

Durante a década de 1960, várias empresas estatais no ramo de geração de energia elétrica foram unificadas sob a holding Eletrobrás. Além disso, o estado de São Paulo criou a CESP a fim de realizar novos e amplos investimentos no setor de geração de energia elétrica por meio dos quais o Estado (governos estaduais e federal) veio a dominá- lo. A recém-nacionalizada rede de telecomunicações foi colocada nas mãos de uma estatal- Embratel - que iniciou um extraordinário programa de expansão e modernização. As siderúrgicas do governo também começaram a planejar visando à expansão e na década de 1970 executaram grandes programas de investimentos - inclusive a construção de novas estatais -, como a Açominas, por exemplo, em Minas Gerais, e Tubarão, em Vitória.

A década de 1960 também trouxe mudanças drásticas aos métodos de controle de preços. As tentativas de realizar controles na década de 1950 e início da de 1960 foram ineficazes para refrear a inflação e exerceram o efeito negativo de distorcer os preços relativos. A criação do CIP (Conselho Interministerial de Preços) em 1968 marcou o início de um novo capítulo no controle de preços por parte do Estado. Mecanismos de controle anteriores haviam se concentrado exclusivamente no varejo, enquanto o CIP desenvolveu uma estrutura completa de controle sobre os custos e preços em alguns dos principais setores produtivos da economia.

As décadas de 1970 e 1980

Quando ocorreu o primeiro choque do petróleo em 1973 e 1974, o Brasil decidiu reagir desenvolvendo um programa de larga escala de substituição às importações na

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Tabela 12.1Taxa real do crescimento do PIB e coeficientes de investimento/PIB, 1973-92

Crescimento real do

PIB

Investimentototal

Investimento geral do governo

Investimento de empresas

públicas federais

Investimentoprivado

Outrosinvestimentos

Inv. preços 1980

1973 13,94 20,37 3,71 2,09 14,34 0,23 25,581974 8,25 21,84 3,86 3,95 13,77 0,28 24,671975 5,12 23,33 3,95 4,47 14,60 0,31 25,751976 10,17 22,41 4,03 6,54 11,44 0,39 25,011977 4,93 21,32 3,29 6,20 11,41 0,43 23,561978 4,93 22,26 3,15 5,30 13,03 0,78 23,521979 6,77 23,35 2.47 4,46 15,71 0,71 22,891980 9,11 22,90 2,37 4,30 15,35 0,89 22,901981 -4,39 22,94 2,60 4,58 15,00 0.77 20,981982 0,57 21,44 2,35 4,40 14,13 0,55 19,461983 -3,41 18,13 1,83 3,87 11,87 0,57 16,901984 5,28 16,89 1,90 2,79 11,95 0,24 16,261985 7,95 16,95 2,32 2,53 11,71 0,38 16.381986 7,58 19,09 3,08 2,25 13,13 0,64 18,731987 3,62 22,30 3,21 2,91 15,61 0,58 17,571988 -0,08 22,81 3,17 2,86 16,19 0,59 17,021989 3,30 24,86 2,93 2,40 18,88 0,64 16,671990 -4,04 21,67 3,50 1,45 16,04 0,68 15,981991 1,21 18,90 - - 15,101992 -0,20 17,50 - - - 14,30Fonte: IBGE, Departamento de Contas Nacionais; Centro de Estudos Fiscais, IBRE, Fundação Getúlio Vargas. Retirado de

cálculos encontrados cm “Public savings and private investment for growth resumption in the Brazilian economy”, de Dionísio Dias Carneiro & Rogério L. F. Werneck. Rio de Janeiro, PUC, jun./1993.

indústria pesada, como bens de capital e aço, e também investindo em projetos de infra-estrutura que iriam proporcionar economia na importação de energia (como Itaipu- a maior hidrelétrica do mundo) e facilitar a diversificação das exportações. Para fi-nanciar esse programa, o Brasil contou com expressivos empréstimos externos. O cres-cimento sustentado pela dívida nos anos de 1975-80 chegou a cerca de 6,8% ao ano. As empresas estatais estiveram intensamente envolvidas nesse crescimento (ver Tabela 12.1), pois seus investimentos aumentaram de 2,09% do PIB em 1973 para 6,54% e 6,20% em 1976 e 1977, respectivamente. Isso significou que os investimentos de em -presas públicas como proporção da formação total de capital aumentou de 10,3% em 1973 para aproximadamente 30% em 1976-77. Pode-se ver na Tabela 12.1 que os in-vestimentos privados cresceram notavelmente nos anos de 1977-81, o que foi resulta-do das atividades de investimento induzidas pelo governo no setor de bens de capital, que foi financiado pelo BNDES a taxas subsidiadas.24

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O crescimento significativo da dívida externa na segunda metade da década de 1970 foi justificado pelas autoridades brasileiras com o pretexto de que a maior parte teve origem na substituição às importações e em projetos de investimento em exporta-ções e, uma vez que a nova capacidade criada por esses investimentos estivesse insta-lada, o declínio das importações e o crescimento das exportações permitiria ao país pagar os juros e saldar completamente sua dívida. O segundo choque do petróleo em1979 e o choque das taxas de juros do início da década de 1980 arruinaram essas ex-pectativas e levaram à crise provocada pela dívida que, por sua vez, ocasionou a estag-nação econômica e a explosão inflacionária nessa década.25

Na década de 1980, o peso do Estado no Brasil pode ser visto por meio das seguin-tes medidas quantitativas: em 1985, os bancos comerciais federais e estaduais eram responsáveis por 40% dos depósitos bancários e 44% dos empréstimos comerciais en -tre os cinqüenta maiores bancos; no mesmo ano, o BNDES e outros bancos de desen-volvimento do governo proporcionaram 70% de todos os empréstimos destinados a fins de investimento.26No mesmo ano, um levantamento realizado entre as 8.094 maio-res sociedades anônimas revelou que as empresas estatais controlavam 48% dos ativos combinados, 26,1% do faturamento e 18,9% do emprego. Finalmente, em 1990, ao se examinar as maiores companhias por setores, constatou-se que as estatais apresenta-vam a seguinte percentagem do total do faturamento:27

O grau de controle do Estado sobre a economia

A partir da narrativa feita acima sobre o crescimento da participação do governo na economia brasileira, deveria ser óbvio que não há uma maneira quantitativa simples de se medir o controle total do Estado sobre as atividades econômicas do país. D e-vemos, portanto, tentar verificar esse grau de controle de várias formas quantitativas e qualitativas.

Os controles econômicos do governo fazem-se sentir por intermédio de canais institucionais diferentes, mas inter-relacionados, que incluem o sistema fiscal, o banco central, os governos (estaduais e do federal), bancos comerciais e de desenvolvimento, as autarquias dos governos estaduais e do federal, empresas produtivas e o sistema de controle de preços. Essa intervenção multifacetada do “Estado” na economia não é monolítica, mas, na verdade, tem sido freqüentemente caracterizada por uma ausência de coordenação e comunicação entre as várias entidades envolvidas.

Serviços públicos AçoQuímicos e petroquím icos MineraçãoServiços de transporte Distribuição de gasolina FertilizantesEquipamentos de transporte

100%67%67%60%35%32%26%21%

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T abela 12.2 Gastos gerais do governo por categorias principais

como percentagem do PIB (excluindo em presas públicas)

Categoria 1949 1950 1970 1973 1979 1980 1985 1990

Bens e serviços correntes 5,4 5,4 3,6 2,6 í n c 10,6 1Funcionários do governo 6,3 6,5 7,3 7,1 i 9 ’5

9,7 15,6Formação de capital bruto fixo 4,3 4,1 4,0 3,7 2,4 2,3 2,3 3,5Transferências e subsídios 3,1 5,1 8,5 7,5 10,1 1 1.21 8,7 10,0Total setor público 19,1 21,1 23,4 20,9 22,0 24,1 20,7 29,1Fonte: Conjuntura Econômica, jun./1975, dez./1981 , mai./1987; VILLELj\ , Renato. “Crise e ajuste fiscal nos anos 80” . In: Pers-

pectivas da Economia Brasileira, 1991. Brasília, 1991, p. 27.

Impostos

Como pode ser observado na Tabela 12.2, os gastos do governo como proporção do PIB cresceram desde o período posterior à Segunda Guerra Mundial; eles representa-vam 19,1% em 1949, aumentaram para 24,1% em 1980, voltaram a cair para 20,7% em 1985 e tornaram a subir para 29,1% em 1990 (esses dados se referem a todos os níveis do governo, mas não incluem empresas estatais). E possível notar que muito do ganho se originou da quase triplicação das transferências.

A carga tributária aumentou bruscamente no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Em 1949, o total de impostos representou 14,9% do PIB, proporção que cresceu progressivamente nas décadas seguintes, atingindo, em 1973, 26,3%, caindo um pouco no final dessa década, alcançando 24,2% em 1980 e 28,2% em 1990. A que-da apresentada na década de 1980 provavelmente foi causada pela profunda recessão vivida no período de 1981 a 1983 e pelo impacto causado pela rápida aceleração da inflação sobre o valor real dos impostos recolhidos. As diferenças entre os coeficientes de gastos/PIB e os de impostos/PIB devem-se, principalmente, às contribuições tribu-tárias de vários tipos de fundos de previdência social.28 Embora a carga tributária brasi-leira tenha aumentado rapidamente, ainda se encontrava significativamente abaixo da apresentada por países industrializados, cuja média era de cerca de 34%. Entretanto, era elevada em relação às cargas tributárias médias de países menos desenvolvidos, com aproximadamente 16%.29

Os impostos indiretos como percentagem do PIB aumentaram de 9,8% em 1949 para 15,5% em 1973, caíram para 13,2% em 1980, para 10,4% em 1985, tornando a aumentar para 14,11% em 1991, enquanto os impostos diretos cresceram de 5,1% em 1949 para 10,8% em 1973, 11,0% em 1980, 11,7% em 1985, caindo novamente a 9,65% em 1991.30 Assim, os impostos diretos, que representavam somente 34% do total de impostos em 1949, deram um salto para 42% em 1973, 47% em 1985, baixando para 40,6% em 1991. Uma tendência notável no período de 1949 a 1973 foi o crescimento do governo federal como um importante agente coletor de impostos. Em 1991, ele

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recolheu mais de 64% de todos os impostos. Por um processo de divisão de renda, os governos estaduais e municipais desempenharam um papel relativamente importante na distribuição dos gastos entre os seus vários níveis. No passado, esse procedimento aumentou o poder do governo federal em determinar o emprego dos fundos transferi-dos às autoridades locais. A Constituição de 1988, contudo, enfraqueceu o governo federal, aumentando substancialmente as transferências obrigatórias de recursos fis-cais aos governos estaduais e municipais.

O governo brasileiro exerce uma pronunciada influência sobre a distribuição de renda e alocação de recursos pelo sistema fiscal. Em 1969, por exemplo, mais de 36% dos gastos públicos foram destinados a programas de previdência social e educação, enquanto quase 17% foram reservados à infra-estrutura (mais que a metade dessa quan-tia foi gasta em construção de estradas). Em 1990, a parcela destinada a programas de previdência social e educação havia caído para 30%.

Regulamentação direta

Vimos que a regulamentação de preços, produção e comércio exterior permearam, de uma forma ou outra, a economia brasileira desde o início do século.

O Conselho Interministerial de Preços (CIP), criado em agosto de 1968 e tendo como direto.es os ministros da Economia, do Planejamento, do Comércio e da Agri-cultura, controlava os preços, tinha poder legal para estabelecê-los, mas agia como uma comissão geral de vigilância em relação a eles. Seus poderes diretos eram signi-ficativos. Se uma empresa, por exemplo, aumentasse os preços sem submeter uma justificativa ao CIP, e/ou se a justificativa era submetida e não-aceita e os preços fossem aumentados de qualquer forma, a firma arriscava-se a ver sua linha de crédito eliminada do Banco do Brasil e de todos os bancos do governo. Grande parte do valor geral de seu crédito no setor bancário privado seria diminuída, visto que o Banco Central iria recusar-se a redescontar seus instrumentos de crédito. Dessa forma, quase todas as companhias pertencentes a setores sobre os quais o CIP exercia alguma influência tinham de obter permissão para aumentar preços e justificar seus pedidos apresentando dados sobre seus custos. Parece que até meados da década de 1970, o CIP evitou criar intensas distorções de preços na indústria (com a exceção dos preços do aço no início da década de 1970) considerando os custos e estabelecendo preços de acordo com taxas de lucro razoáveis. N esse processo, o governo, por meio do CIP, reuniu consideráveis informações sobre as atividades do setor privado aumentando, dessa maneira, o controle sobre ele.31

O controle do governo sobre a poupança e sua distribuição

Mostramos no Capítulo 5 que muito do notável crescimento da poupança na dé-cada de 1960 e na de 1970 se deveu ao setor governamental, isto é, à poupança d o próprio governo e à poupança forçada por ele, administrada por intermédio de vários tipos de fundos de previdência social. Assim, em 1974, 64% da poupança originou-se

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de empresas públicas e de fundos gerais do governo e de previdência social dos trabalhadores; em 1980, essa taxa ultrapassou os 70%.

Como o investimento bruto do governo e de empresas públicas era estimado em cerca de 50% do total bruto de investimentos no período de 1970-73, aumentando para cerca de 65% no início da década de 1980, fica claro que uma quantidade signi-ficativa de investimento privado foi financiada com recursos públicos. Ou seja, empre-sas privadas receberam fundos de investimento substanciais de entidades como o banco de desenvolvimento (BNDE - renomeado BNDES em 1982), que agia como um intermediário ao reemprestar recursos acumulados por intermédio dos fundos de previdência social dos trabalhadores.32

Apesar dos esforços das autoridades monetárias no sentido de desenvolver um mer-cado de capitais, os êxitos foram limitados.33 Levanta-se pouco capital privado pela emis-são de novas ações e as ações mais comercializadas são aquelas de empresas do gover-no.34 O governo e as autoridades monetárias emitem a maioria dos títulos a longo prazo (com correção monetária); o financiamento externo de longo prazo para empresas priva-das vem do exterior, geralmente da matriz de subsidiárias de multinacionais ou de em-préstimos de órgãos do governo, especialmente o BNDES e, até ser fechado na década de 1980, do Banco Nacional da Habitação (BNH).

Assim, o Estado brasileiro possui potencial econômico adicional em virtude de sua posição como o intermediário financeiro mais poderoso para financiamentos a longo prazo. Em rl980, os empréstimos do BNH, BNDES, bancos de desenvolvimento estaduais e caixas econômicas representaram 50% da formação de capital bruto das empresas (privadas e estatais). Os grandes aumentos dos recursos do BNDES e outras entidades financeiras oficiais ocorridos na década de 1970, resultado do rápido cres-cimento dos vários fundos de previdência social, intensificaram consideravelmente a intermediação financeira do Estado. Se essa intermediação foi usada para alocar fun-dos com base nos objetivos de desenvolvimento definidos pelo governo ou em res-posta a demandas de mercado por recursos é um assunto que exige estudos adicionais.

Embora o BNDES tenha sido o financiador de grandes projetos de indústria básica e de infra-estrutura do governo - e, durante esse processo, tenha se tornado o proprie-tário de algumas das maiores siderúrgicas do país nas décadas de 1950 e 1960 - suas atividades dirigiram-se cada vez mais ao setor privado brasileiro no final da década de 1960 e na de 1970, visto que em meados da década de 1970 cerca de 80% de seus empréstimos foram destinados ao setor privado. Desde 1975, entretanto, o banco adotou a prática de financiar empresas privadas brasileiras por meio da compra de ações minoritárias. Ainda que a intenção fosse estritamente fortalecer o setor privado, existe o potencial para uma participação maior do Estado, principalmente em empre-sas com problemas financeiros em que o BNDES é sócio minoritário e cuja partici-pação maior representa sua salvação.

O envolvimento do governo no setor bancário é significativo. Em 1985, o Banco do Brasil detinha 24% de todos os fundos de depósitos nos cinqüenta maiores bancos comerciais do país. Incluindo bancos comerciais de propriedade de governos estaduais, a parcela do total de depósitos representava 40%.

O Banco do Brasil representa um papel único: ele assume a arriscada carga de proporcionar empréstimos de capital de giro à agricultura. Em 1985, 49% de seus

300

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empréstimos foram para esse setor, enquanto os bancos privados raramente destina-ram a ele mais de 15%-20% de seus recursos. O Banco do Brasil tem usado sua influência sobre o crédito agrícola numa tentativa de diversificar seus empréstimos por atividades e regiões agrícolas. Embora também tenha sido um veículo para implementar a política monetária, muitas vezes protegeu a agricultura em períodos de restrição ao crédito. Ele se viu forçado pelo governo, seu principal acionista, a isentar determinados tipos de empréstimos agrícolas do sistema de indexação que predomi-nou no Brasil desde meados da década de 1960. Os juros sobre alguns empréstimos eram tão baixos que eram negativos em termos reais representando, portanto, um programa de subsídios administrados pelo Banco do Brasil e apoiados pelo Tesouro.

Juntos, os governos estaduais e o federal constituíram o mais poderoso banqueiro de investimentos na economia brasileira. Por intermédio do Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco Nacional da Habitação (BNH), do Banco do Nordeste e vários outros bancos de desenvolvimento dos estados, eles proporcionaram mais de 70% dos empréstimos destinados a atender aos objetivos de investimento. Em suma, durante muito tempo o Estado controlou uos altos postos financeiros”. Naturalmente, o controle das instituições financeiras não significava, ne-cessariamente, o controle do rumo dos investimentos.

O Estado como produtor

Como vimos em nosso levantamento histórico do crescimento do setor público, sua influência sobre o setor de produção é significativa, fato confirmado pela Tabela 12.3.

Um levantamento realizado em 1974 entre as 5.113 maiores sociedades anônimas mostrou que mais de 39% de seus ativos líquidos pertenciam a empresas públicas, 18% a multinacionais e 43% a empresas privadas brasileiras. Utilizando o faturamento como medida, as empresas estatais controlavam 16%, as multinacionais, 28% e empre-sas nacionais privadas, 56%. Em 1985, um levantamento das 8.094 maiores empresas revelou que a parcela de ativos líquidos das empresas estatais aumentara para 48%, enquanto a participação das empresas brasileiras representava 43% e a de multinacionais, 9%. A participação do faturamento de empresas estatais havia aumentado para 26,1%, enquanto a de empresas privadas brasileiras e de multinacionais declinou para 55,2% e 26,1%, respectivamente. Finalmente, em 1985, a participação dessas empresas na área de empregos foi a seguinte: empresas estatais, 18,9%; empresas privadas, 69,1% e multinacionais, 12,0%.35

Os investimentos do Estado estão altamente concentrados em determinadas indús-trias básicas. Na mineração, há a predominância de empresas estatais, com o controlo de cerca de 66% dos ativos líquidos. A estatal Companhia Vale do Rio Doce foi res-ponsável pela maior parte do valor de ativos naquele setor e por aproximadamente 80% das exportações de minério de ferro do Brasil. O governo estimulou a criação d e empreendimentos conjuntos entre empresas estatais, multinacionais e nacionais priva-das e a Companhia Vale do Rio Doce formou, de fato, vários desses empreendimentos com multinacionais para explorar novas jazidas de minério de ferro e outros minerais e para erguer novas empresas de aço, alumínio e outras no setor de produção.

30:

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D istribuição do PIB por setores de controle acionário, 1970-83 (percentagem do PIB)

Tabela 12.3

Ano Percentagem do PIB enviado ao exterior

PIB disponível setor público

PIB disponível setor privado PIB total

1970 0,94 16,63 82.43 100,001971 0,94 16,81 82,25 100,001972 0,96 16,64 82,40 100,001973 0,92 16,84 82,24 100,001974 0,87 14,34 84,79 100,001975 1,39 14,43 84,18 100,001976 1,53 14,85 83,62 100,001977 1,62 13,38 85,00 100,001978 2,23 11,59 86,18 100,001979 2,58 11,57 85,85 100,001980 3,07 10,05 86,88 100,001981 3,96 9,97 86,07 100,001982 5,10 10,29 84,61 100,001983 5,69 8,67 85,64 100,00

Fonte: WERNECK, Rogério L. F. “Poupança estatal, dívida externa e crise financeira do setor público”. Pesquisa e Planejamento Econômico 16, nu 3, dez./1986.

A distribuição de ativos e o faturamento por setor mostrado nas Tabelas 11.7 e 11.8 revela que as empresas multinacionais e nacionais privadas superam as estatais em grande parte do campo de manufatura e na agricultura. Até 1992, o Estado era forte-mente representado nos setores de produtos de metal e químicos; na indústria side-rúrgica, as empresas estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional, Usiminas e Cosipa e algumas outras, são responsáveis por cerca de dois terços do faturamento; no setor químico, a Petrobras tem dominado as explorações e o refino de petróleo e aumentou progressivamente sua participação na distribuição de gasolina. Por meio de subsidiárias como a Petroquisa, ampliou regularmente sua participação no setor de petroquím icos, em parte pela criação de em preendim entos conjuntos com multinacionais. Desde meados da década de 1970, o Estado também tem sido respon-sável pelo desenvolvimento de uma indústria aeronáutica; a Embraer é uma empresa pública administrada pela Força Aérea que produz pequenos aviões de passageiros e de combate.36

O dinamismo de empresas estatais como a Companhia Vale do Rio Doce e a Petrobras caracterizou-se não só pela expansão em seus respectivos campos de atua-ção, mas também pelo crescimento em áreas complementares à sua especialização inicial. Ambas as empresas expandiram suas atividades na produção de fertilizantes e na navegação; a Petrobras ingressou em vários campos da petroquímica, e a Vale do Rio Doce nos de fábricas de peletização, mineração de bauxita, produção de alumínio,

302

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fabricação de celulose e siderúrgicas. Ambas as firmas e algumas siderúrgicas do go-verno também fundaram empresas de consultoria em engenharia.

As empresas estatais predominam no setor de serviços públicos. Em uma década, a geração de energia passou do setor privado ao Estado, o que reflete os grandes investimentos realizados por antigas e novas empresas do governo nas décadas de I960 e 1970. Em 1962, o setor privado foi responsável por 64% da capacidade de geração de energia do país; em 1977, essa proporção havia sido reduzida para menos de 20% e, em 1982, quase todo o setor era administrado por empresas estatais.

Até a década de 1990, o Estado estava perto de deter o monopólio do transporte ferroviário e das telecomunicações, controlando mais de 70% da marinha mercante brasileira e uma grande parte das firmas de armazenamento; muitos governos esta-duais possuem companhias que prestam serviços públicos.37

Deve-se observar, entretanto, que no início da década de 1980 a lucratividade das empresas estatais não foi tão favorável - devido, em parte, à situação econômica mun-dial e brasileira e aos grandes programas de investimento do Estado em projetos que ainda não foram colocados em andamento. A taxa de retorno dos ativos líquidos foi a seguinte:38

1980

Empresas privadas 19,1Multinacionais 15,6Empresas estatais 2,3

A decadência das empresas públicas

Até o final da década de 1970, as empresas públicas brasileiras funcionaram rela-tivamente bem. Cálculos realizados por Werneck sobre a produção dessas empresas por unidade do PIB no período de 1970 a 1979 (ver Tabela 12.4) revelam que o minério de ferro e o aço plano aumentaram 30%, telecomunicações 48%, eletricidade 52% e petroquímicos 157%.39 Durante esses anos, as vendas de bens e serviços d e empresas federais foram maiores do que os gastos operacionais e o “... resultante superávit operacional, somado a outras receitas correntes, foi grande o bastante para. permitir que as empresas apresentassem um superávit corrente considerável até q u ase o final do período, quando surgiram os deficits correntes. De 1970 a 1978, s e u s superávits agregados correntes corresponderam a uma média de mais de 2% do P IB , financiando, portanto, uma parte significativa de seus dispêndios de capital com o s recursos gerados internamente. Esse quadro foi particularmente verdadeiro no in ício da década de 1970, quando o índice de autofinanciamento se encontrava na faixa d e 40%-50%, atingindo quase 90% em 1973”.40

Com o desenvolvimento da crise provocada pela dívida e a explosão inflacionáris no final dessa década, o governo brasileiro utilizou as empresas públicas como fe rra -mentas de políticas macroeconômicas e os preços de seus produtos eram usados comic instrumentos de controle das taxas de inflação em ascensão. O preço real dos produto: de ferro e aço (um setor dominado por empresas estatais) despencou 50% entre janeirc

1981

11,118,210,6

1985

13,116,42,5

3 0 :

Page 292: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 12.4 Produção física de em presas públicas

por unidade do PIB, 1979

índice de produção (1970=100)

Produção setorial por unidades de índices reais do

PIB (1970=100)

PIB real 210 _

Minério de ferro 272 130Aço plano 273 130Eletricidade 320 152Frete ferroviário 351 167T elecomunicações 312 148Serviços postais 397 149Óleo cru processado 218 104Nafta petroquímica 540 257

F onte: WERNECK, Rogério L. F., op. cit., p. 65; baseado em dados obtidos do IBGE, Anuário Estatístico r/o Brasil.

d e 1979 e dezembro de 1984; as tarifas de energia elétrica, 40% e as dos serviços telefônicos, 60%.41

Além disso, algumas empresas públicas foram obrigadas a tomar mais empréstimos no mercado internacional do que era preciso, a fim de proporcionar ao governo um contínuo aporte de divisas necessárias para enfrentar um balanço de pagamentos em declínio.42 Esse fato colocou empresas do governo, endividadas, numa situação finan-ceira precária quando as taxas de juros internacionais começaram a subir bruscamente no início da década de 1980.

A situação crescente de instabilidade das empresas públicas pode ser demonstrada pelo fato de que:

1. o superávit de sua conta corrente como percentagem do PIB caiu de 2,96% em1980 para 0,63% em 1985, oscilando entre 1,49% e 1,74% em 1986 e 1988, e cain-do para 0,19% em 1989;43

2. a taxa de retorno dos ativos das cinqüenta maiores empresas estatais brasileiras caiu de 10,6% em 1981 para -2,7% em 1990 (nesse ano, as cinqüenta maiores esta-tais tiveram um prejuízo combinado de US$ 6,4 bilhões);44

3. em 1990, a maior siderúrgica estatal (Companhia Siderúrgica Nacional) tinha uma dívida de US$ 2,1 bilhões e precisava de US$ 300 milhões para atualizar-se tecnologicamente;4'’

4. em 1990, todo o setor de aço plano do Brasil (na maioria empresas estatais) produ-ziu um total de cerca de 10 milhões de toneladas, que somou ao déficit da holding estatal - Siderbras - a quantia de US$ 10,4 bilhões, que foi paga pelo Tesouro Nacional;

5. a holding estatal do setor de energia elétrica - Eletrobrás - , com ativos estimados em aproximadamente US$ 20 bilhões, apresentou prejuízos na primeira metade

304

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de 1991 de US$ 2,2 bilhões.46 Nesse ano, a Eletrobrás elaborou um programa de investimento planejado de US$ 16 bilhões, cuja viabilidade dependia totalmente de um financiamento do Banco Mundial. Caso ele não se concretizasse, atrasando o programa, o adiamento do crescimento econômico na segunda metade da déca-da de 1990 resultaria numa grave escassez de energia;

6. as maiores siderúrgicas do país que atuavam na produção de produtos de aço plano - Usiminas (privatizada em 1991), Cosipa e Companhia Siderúrgica Nacio-nal (CSN — privatizada em 1993) — eram de propriedade do Estado até a década de 1990 e cada uma tinha, até o final da década de 1980, a capacidade de produzir cerca de 3,5 milhões de toneladas ao ano. Seus registros de emprego diferiam, entretanto, já que empregavam, respectivamente, 14,7, 15,3 e 22,2 mil funcioná-rios. Os números referentes a emprego da CSN refletem o featherbedding ocasio-nado pelas pressões dos políticos.

Para enfrentar o aumento dos déficits das empresas públicas e do orçamento do governo em geral, houve um drástico declínio dos investimentos na década de 1980. Como podemos observar na Tabela 12.1, os investimentos das empresas públicas como percentagem do PIB, que eram de 6,54% em 1976, apresentaram uma queda para 1,45% em 1990.

A privatização como solução diante da falência do Estado

O movimento brasileiro em direção à privatização começou no final da década de 1970, quando a queda na taxa de crescimento resultou num aumento acirrado da con-corrência entre a empresa pública e o setor privado pelos recursos de capital - internos e externos cada vez mais escassos. Como as empresas estatais se encontravam no meio de grandes projetos de investimento aos quais o governo dava total apoio, a ofer-ta de recursos disponíveis para o setor privado era cada vez mais reduzida, o que deu fim à harmonia do “tripé” e levou a um movimento em favor da privatização.

A primeira tentativa de controlar a expansão das empresas estatais brasileiras ocor-reu em 1979 com a criação do Programa Nacional de Desburocratização e a Secretaria Especial para Controle de Empresas Estatais (SEST).47 Esses primeiros programas não causaram grande impacto sobre o processo de privatização, mas o governo usou a SEST para obter um controle centralizado maior sobre as empresas estatais. N a verdade, essa instituição facilitou ao governo utilizar as estatais como instrumentos de políticas macroeconômicas (isto é, o uso do pricing das estatais para tentar controlar a inflação e captar uma quantidade maior de financiamento externo).

Na primeira m etade da década de 1980 foram envidados alguns esforços para privatizar as empresas estatais. A “Comissão Especial de Desestatização”, estabelecida em 1981, identificou 140 empresas privatizáveis e recomendou a venda de cinqüenta

* Prática usada por sindicato de classe que obriga o empregador a contratar mais empregados do que o neces-sário para determinada tarefa. (N. do T.)

305

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num futuro imediato. Dessas, vinte foram vendidas nos anos de 1981 e 1984, arreca-dando um total de US$ 190 milhões.48 M uitas delas representaram um processo de “re-privatização”, visto que a maioria, à beira da falência, havia caído nas mãos do Banco de Desenvolvimento do governo (BNDES) que, então, as reorganizou com a intenção de revendê-las ao setor privado. Grande parte era de pequenas ou médias empresas, pois, na época, acreditava-se que as grandes estatais não poderiam ser privatizadas.

Dois economistas brasileiros encontraram vários motivos para a ausência de um movimento poderoso em prol da privatização na década de 1980.4l) Primeiro, não havia comprometimento político, visto que o governo, no início dessa década, estava mais interessado em controlar a expansão do Estado do que modificar seu papel. Segundo porque a primeira m etade da década foi um período de profunda recessão, teria sido impossível encontrar compradores, a menos que as empresas estatais tivessem sido vendidas com descontos politicamente inaceitáveis. Terceiro, a venda de empresas estatais era restrita a companhias brasileiras. Quarto, para ser eficiente, um processo de privacização em larga escala teria tornado necessária a instituição dè controles de liberalização governamental (especialmente controles de preços) que, na época, não eram aceitáveis para o governo.

Na segunda metade da década de 1980, a administração Sarney apoiou a privatização com palavras, mas não se esforçou em implementá-la com um programa sólido. Tal fato provavelmente teve motivação política, uma vez que esse primeiro governo civil em 21 anos era muito sensível a grupos de pressão, que incluíam funcionários de em-presas estatais cujos salários eram significativamente mais altos do que as médias prati-cadas no mercado, empresas privadas que vendiam bens a empresas do governo com grandes lucros, companhias que recebiam bens e serviços das empresas públicas a pre-ços subsidiados e políticos que usavam as empresas públicas para proveito próprio.50

No período de 1985 a 1989, 18 empresas foram privatizadas, gerando uma receita de US$ 533 milhões para o governo. A maioria era dc firmas relativamente pequenas que haviam sido revitalizadas pelo BNDES.

A privatização na década de 1990s'

Com a mudança administrativa em março de 1994, o governo adotou uma série de políticas neoliberais em que a privatização foi considerada altamente prioritária. O Con-gresso aprovou o Programa Nacional de Desestatização (PND), que iria prevalecer durante toda a década e que se baseava nas experiências de privatização do BNDES da década de 1980. A Lei 8.031 estabeleceu procedimentos formais para o processo de privatização. Formou-se um Comitê Diretor de Privatização para supervisionar o pro-grama que incluía a recomendação das empresas a serem privatizadas e a aprovação dos métodos e condições de vendas das estatais, especialmente os preços mínimos para leilão.52 O BNDES foi incumbido de gerenciar o PND e, para realizar suas tarefas, selecionou duas empresas de consultoria (ou consórcio de firmas) por meio de concor-rência pública a fim de analisar cada empresa estatal a ser leiloada. Com base no traba-lho delas, o Comitê de Privatização definia um preço mínimo para o leilão.53

306

Page 295: Economia Brasileira - Werner Baer

A maioria das vendas ocorria em leilões públicos e, até 1996, as “moedas” aceitas na compra podiam ser as velhas e novas moedas brasileiras (cruzados novos ou cru-zeiros), vários tipos de títulos públicos, títulos da dívida externa e moeda forte estran-geira.54 A participação estrangeira nas empresas públicas privatizadas foi primeiramente limitada a 40% do capital votante e ilimitada para o capital não-votante, e o desconto máximo estabelecido para a conversão da dívida foi de 25%. Outras restrições in-cluíam uma norma de que o capital estrangeiro deveria permanecer no Brasil por 12 anos e que a venda das ações adquiridas poderia ser efetuada somente após dois anos. Em 1992, algumas dessas restrições foram modificadas - o capital com direito a voto de no máximo 40% poderia ser mudado depois da realização de leilões numa base caso a caso; a exigência sobre a venda de ações e remessa de lucros depois de somente dois anos foi eliminada e a permanência de 12 anos do capital no país foi reduzida para seis.55 O tempo médio para privatizar uma empresa estatal tomava cerca de nove me se s.%

Com a mudança do governo em setembro de 1992 devido ao impeachment do presi-dente Collor, o novo presidente mostrou-se inicialmente relutante em dar prossegui-mento ao programa de privatização. Entretanto, após uma pausa de três meses, o governo de Itamar Franco decidiu dar continuidade ao processo. A lei que criou o PND foi mudada para permitir a participação ilimitada de estrangeiros. Foram privatizadas mais empresas durante o mandato do presidente Itamar Franco do que na administração anterior.

A maior parte das fábricas estatais foi privatizada no período de 1991 a 1994 e in-cluía setores como aço, fertilizantes e petroquímicos. Em meados de 1993, vinte em -presas haviam sido privatizadas e vinte e uma outras encontravam-se na lista de privatização. Na administração de Fernando Henrique Cardoso, que começou em 1995, o processo de privatização foi acelerado e incluiu setores como o de mineração e servi-ços públicos. Na última metade da década de 1990, a privatização foi ampliada para abranger também empresas pertencentes a estados e municípios.

Em janeiro de 1995 foram realizadas mudanças institucionais quando o Comitê Nacional de Privatização foi substituído pelo Conselho Nacional de Privatização, que aumentou o controle central sobre o processo de privatização. Embora o PND tenha sido preservado, foram feitas modificações na estrutura legal e institucional. Em fe-vereiro de 1995, foi promulgada a Lei de Concessões (Lei 8.987) e meses depois foram aprovadas emendas constitucionais. A Lei de Concessões (regulada pelo artigo 175 da Constituição) introduziu mudanças nas regras aplicadas a concessões no setor de serviços públicos. Ela estabelecia penalidades a concessionários inadimplentes; criou a possibilidade para que grandes grupos de consumidores escolhessem seus fornecedores (e assim dando fim a monopólios locais); estabeleceu que as tarifas seriam definidas no contrato de concessão; estipulou que todas as concessões seriam dadas por um prazo fixo e que a renovação iria basear-se em um novo processo de licitação; proibiu que concessionários recebessem subsídios públicos e habilitou con-sumidores a participar na supervisão da concessão. As emendas constitucionais aca-baram com os monopólios públicos nas telecomunicações, na distribuição de gás encanado e no setor petrolífero; elas também aboliram a diferença entre empresas brasileiras com participação de capital nacional e estrangeiro. Esta última emenda

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abriu o caminho para o processo de privatização nos setores de mineração e de energia elétrica.

A privatização em nível estadual e municipal foi importante devido ao seu impacto fiscal. Empresas públicas não-federais foram responsáveis pela maior parte do déficit das estatais. Em 1994-98, enquanto as estatais federais apresentaram um superávit que totalizou 0,4% do PIB, as estatais estaduais e municipais apresentaram um déficit de 0,7% do PIB. Assim, a privatização foi importante no processo de reestruturação da dívida. Castelar Pinheiro e Giambiagi afirmam que “a negociação da dívida con-sistiu na transferência dos débitos estaduais que pagam taxas de juros de mercado ao governo federal, com garantia de pagamentos futuros por parte dos estados (durante um período de 30 anos). Gomo a taxa de juro real sobre o empréstimo efetuado pelo governo federal aos estados é de 6% e a taxa de juros de mercado é mais alta, o arranjo envolveu alguma ‘federalização das perdas estaduais.’ Numa tentativa de minimizar essas perdas e reduzir o déficit total das estatais, o governo federal exigiu que os estados fizessem acordos de reestruturação de débitos a fim de pagar 20% do principal por meio da venda de ativos. Essa exigência tornou-se o maior incentivo para que os estados iniciassem seus próprios programas de privatização” .57 A privatização de estra-das e das telecomunicações foi realizada por ministérios que se preocupavam direta-mente com esses setores sem passar pelo PND.

A privatização da Light em 1996 representou um importante avanço na venda de uma grande empresa de serviço público. A ela se seguiu a privatização da Vale do Rio Doce, em 1997, que era o maior exportador brasileiro. Gomo ela era a mais eficiente empresa estatal, houve considerável oposição à sua venda e o governo teve de ganhar 217 ações judiciais antes que ela pudesse ser finalizada. Na segunda metade da dé-cada de 1990, houve uma exigência por parte do governo para que a maioria dos pagamentos para a privatização de empresas fosse realizada em dinheiro. Segundo Castelar Pinheiro e Giambiagi “... como, internacionalmente, o Brasil permanecia na categoria não indicada para investimentos e o risco de uma grande desvalorização do Real assomava no horizonte, empréstimos feitos em mercados estrangeiros podiam somente oferecer uma solução parcial. Assim sendo, o governo interferiu, financiando os tomadores de empréstimos diretamente por meio da venda em prestações ou atra-vés do BNDES” .58

É de se notar também que foi dada uma nova abordagem à privatização de estra-das, pontes, serviços sanitários e estradas de ferro. Esses eram setores com grandes quantidades de externalidades e menor rentabilidade, casos em que se dava maior ênfase ao compromisso de investir.

Com a ampliação da privatização de serviços públicos, o valor das vendas aumentou a ponto de se tornarem cruciais nas políticas macroeconômicas do governo, isto é, na defesa do Plano Real, especialmente com o impacto das crises asiática e russa. Assim "... a privatização ofereceria uma vantagem ao país em relação aos outros países que tinham sido ou poderiam tornar-se vítimas do ataque especulativo. Nesse aspecto, a privatização era vista como um tipo de ‘rede de proteção’ ou ‘ponte de estabilidade’, concedendo ao país alguma margem para resolver seus dois principais desequilíbrios, a conta corrente e os déficits”.59

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Tabela 12.5Privatizações na década de 1990 (até janeiro de 2000, milhões de US$)

IS úmero Receita Dividade empresas transferida

Aço 8 5.562 2.626 8.188

Petroquímicos 27 2.698 1.003 3.701

Ferrovias 7 1.698 - 1.698

Mineração 2 3.305 3.559 6.864

Telecom 24 26.644 2.125 28.769

Energia 3 3.907 1.670 5.577

Outros 18 1.471 434 1.814

Participação - 1.040 - 1.040

Nível federal 89 46.325 11.326 57.651

Nível estadual 28 22.736 5.223 27.959

Total 117 69.061 16.549 85.610

Fonte-. BNDES e Castelar Pinheiro & Giambiagi, 1999, p. 21.

Os resultados da privatização, 1991-99

Entre outubro de 1991 e janeiro de 2000, foram vendidas 117 empresas estatais (ver Tabela 12.5), totalizando cerca de US$ 69 bilhões. Além disso, foram transferidos US$ 16,5 bilhões em dívidas para o setor privado. Vale notar que, embora a privatização se tenha restringido a empresas manufatureiras, as receitas foram relativamente red u -zidas, atingindo em média US$ 2,7 bilhões em 1991-95. Começando em 1996, com a extensão da privatização ao setor de serviços públicos e a participação dos estados, as receitas aumentaram. Só em 1997, a receita foi maior do que nos seis anos anteriores. Pode-se observar na Tabela 12.5 que cerca de 70% da receita originada nas privatizações veio dos setores de telecomunicações e de energia elétrica. Até 2000, o setor privado nacional dominou o processo de privatização, adquirindo aproximadamente 61,2% das ações leiloadas. Embora a participação estrangeira tenha sido reduzida na prim eira metade da década de 1990, ela aum entou rapidamente após 1995, de menos de 1% do total em 1994 para 42,2% no final de 1998. Nesse ano, os investidores estrangeiros sozinhos foram responsáveis por 59% do total da receita.

O efeito da distribuição de patrimônio resultante da privatização

Na análise de questões de distribuição econômica, é útil distinguir entre os efeitos de políticas sobre a riqueza (estoque) e sobre a renda (fluxo). Embora muitas vezes

* Esta seção baseia-se num ensaio não-publicado escrito com a colaboração de Donald V. Coes.

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intimamente relacionados, esses efeitos podem, às vezes, divergir significativamen-te.60 No contexto da privatização, os efeitos da riqueza são alterações na participação dos ativos econômicos do país. Essa é uma mudança definitiva que ocorreu na época da privatização. Os efeitos da distribuição de renda, por outro lado, são as contínuas conseqüências da privatização sobre ganhos reais e renda de vários grupos da socie-dade, entre eles novos proprietários, trabalhadores e consumidores do produto das empresas privatizadas. Nesta seção, consideramos os efeitos na distribuição de riqueza causados pela privatização. Tratamos dos efeitos da distribuição de renda na seção seguinte.

A distribuição da riqueza corporativa no Brasil tem sido tradicionalmente dividida pelo “tripé” de empresas estatais, nacionais privadas e estrangeiras.61 Muito antes que ocorressem as importantes privatizações da década de 1990, muitos setores da indús-tria brasileira foram dominados por um pequeno número de empresas privadas nacio-nais ou estrangeiras. Esse foi o caso, por exemplo, da indústria automobilística, em que as quatro maiores firmas foram responsáveis por 94% da receita líquida do setor em 1998; da indústria de cimento, em que as sete maiores empresas foram responsá-veis por 60% da receita líquida; da construção pesada, em que as oito maiores firmas responderam por 67% da receita líquida; de motores e componentes - quatro maiores empresas tinham 64% da receita líquida; eletrodomésticos - quatro maiores firmas com 75%; aço, sete respondiam por 82%.62 Como o programa de privatização da dé-cada de 1990 era impulsionado principalmente pela necessidade de o governo maximizar suas receitas com a venda das empresas estatais pelas melhores ofertas, não representa surpresa a maioria dos licitantes se constituir de empresas estrangeiras ou das maiores empresas privadas nacionais. Isso indica que o método de privatização brasileiro de vender pelo maior lance a fim de aliviar a pressão fiscal sobre o setor público pode ter exercido um impacto insignificante ou mesmo negativo sobre a distribuição de riqueza no Brasil. Se a política de privatização tivesse procurado divi-dir o valor das empresas estatais entre os cidadãos ou contribuintes brasileiros, é possível que os efeitos da privatização sobre a distribuição de riqueza tivessem resul-tados mais positivos.

Além disso, essa tendência pode ter sido reforçada por outra, paralela, de realização de fusões e aquisições importantes em toda a década de 1990, que passou de 58 em 1992 para 212 em 1995 e 351 em 1998.63 Algumas dessas fusões foram motivadas, em parte, pela necessidade de as firmas nacionais privadas formarem alianças estratégicas amplas para fazer ofertas bem-sucedidas a empresas que estavam sendo privatizadas. Um exemplo foi a associação entre o Grupo Votorantim, o maior produtor brasileiro de cimento, a grande construtora Camargo Correia e o maior banco privado brasileiro, Bradesco, para participar das privatizações do setor de energia.64

A Tabela 12.6 fornece alguma compreensão sobre os possíveis efeitos da privatização sobre a organização e distribuição de holdings corporativas durante a década de 1990 e mostra mudanças no tipo de participação das cem maiores empresas brasileiras não- financeiras entre 1990 e 1998. Ela classifica as empresas nacionais privadas em três subcategorias, correspondendo ao grau de concentração de participação. Deve-se ob-servar que mesmo as empresas com “menor concentração” apresentadas nessa tabela incluíram algumas, cujas ações não seriam consideradas “pulverizadas” no sentido

n n

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Tabela 12.6 Distribuição das 100 maiores empresas

e suas receitas por tipo de controle acionário

1990 1998

Número de Parcela de Número Parcela deempresas receita total (%) de empresas receita total (%)

Privada - Menor concentração 1 1 4 3Privada - Média concentração 5 4 23 19

Privada — Alta concentração 27 23 26 17Pública 38 44 12 21Estrangeira 27 26 34 40Cooperativas 2 2 1 0Total 100 100 100 100Fonte: Siffert Filho c Souza c Silva, 1999, p. 40Z.

norte-americano. Mesmo que nenhuma pessoa ou família tivesse mais de 20% de ações com direito a voto nessa subcategoria, um pequeno número de proprietários poderia facilmente dominar a empresa.

Várias tendências estão evidentes nos dados apresentados na Tabela 12.6. A privatização exerceu pouco ou nenhum impacto sobre as cooperativas ou sobre as menos concentradas das cem maiores empresas privadas, cuja soma das parcelas de receita (3% do total) permaneceu inalterada. Os principais beneficiários da queda na importância relativa das empresas públicas durante o período 1990-98 foram donos estrangeiros ou empresas privadas brasileiras nas quais um indivíduo ou família pos-suía ao menos 20% das ações com direito a voto.65

Alguns casos específicos ilustram bem o domínio exercido por grandes empresas nacionais e compradores estrangeiros no processo de privatização. No caso das si-derúrgicas Gosinor e Piratini, 99,8% e 89,8% das ações respectivamente foram adqui-ridas pelo grupo Gerdau.66 Na venda da ainda maior Companhia Siderúrgica de T u-barão, 45,4% das ações foram adquiridas pelos grupos financeiros privados Bozano Simonsen e Unibanco. Em outros setores, como o de telecomunicações, foram im-portantes as alianças realizadas entre grupos brasileiros privados (Construtora Andrade Gutierrez, Bradesco, Globopar, Banco Opportunity) e compradores estrangeiros (Telecom de Portugal, Banco Bilbao Vizcaya, Stet International, Iberdrola).67 No setor de energia elétrica, as empresas brasileiras aliaram-se a outras estrangeiras dos Estados Unidos, Chile, França, Espanha e Portugal.68

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O efeito da privatização sobre a distribuição de renda resultante

Quaisquer que tenham sido as motivações iniciais para a criação da rede brasileira de empresas estatais, na década de 1960 elas tinham se tornado uma expressiva fonte de emprego, tanto em termos de números quanto de salários. As pressões sociais e políticas geradas pelo rápido crescimento de mão-de-obra e um elevado grau de mi-gração para as cidades contribuíram para a disposição de sucessivos governos absorver a mão-de-obra no setor público bem além de suas necessidades reais. O gradativo reconhecimento do excesso significativo de pessoal em muitas das empresas estatais foi, na verdade, um dos motivadores para a criação da Secretaria Especial de Controle de Estatais (SEST) em 1979.

A privatização reverteu essa tendência no emprego do setor público. Em vários casos, mesmo antes que as empresas selecionadas para privatização fossem colocadas em leilão, o excesso de mão-de-obra foi eliminado para torná-las mais atraentes aos compradores em potencial. Na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), cerca da metade dos 40 mil empregados foi demitida mesmo antes da privatização. E, depois de tomar posse, os operadores privados da ferrovia reduziram ainda mais o quadro de empregados para cerca de 11.500, enquanto aumentavam o nível de serviços. Nos maiores portos públicos, a quantidade de empregados foi reduzida de 26.400 em 1995 para aproximadamente 5 mil em 1997, com reduções adicionais previstas para chegar a 2.500.69 A redução significativa no quadro de empregados também ocorreu no setor de aço após a privatização. O número de empregados da Companhia Siderúrgica Nacional caiu de 24.463 em 1989 para 9.929 em 1998; na Cosipa, de 14.445 para 6.983, e na Usiminas, de 14.600 para 8.338.70

A análise dos efeitos exercidos sobre a distribuição de renda causados pela redução de empregos em decorrência da privatização é complexa, mesmo quando são pro-cedentes os argumentos de eficiência econômica pela eliminação do excesso de em -pregados. Se a receita resultante de uma maior eficiência econômica tivesse sido distribuída aos brasileiros mais pobres, a privatização teria feito uma contribuição positiva. Não há, porém, evidência de que os ganhos de eficiência tenham sido realmente distribuídos para a população. O que se sabe, a partir do expressivo aum en-to nos lucros das empresas recém-privatizadas, é que grande parte do aumento da renda originada no aumento da eficiência foi apropriado pelos novos proprietários. Assim, tanto em 1997 como em 1998, a revista Exame incluiu quatro empresas privatizadas entre as 20 mais lucrativas do país (Vale do Rio Doce, Usiminas, CSN e Light). Uma década antes, algumas empresas, especialmente a CSN e a Vale do Rio Doce, haviam estado na lista das empresas de maiores prejuízos. Além disso, uma parcela significativa dos lucros ficaram com os compradores estrangeiros das empresas privatizadas. Alguns dos pronunciados aumentos na remessa de lucros e dividendos no balanço de pagamentos do Brasil, que aumentaram de US$ 1,6 bilhão em 1990 para US$ 2,5 bilhões em 1994 e para US$ 7,2 bilhões em 1998, podem refletir, em parte, os lucros realizados por firmas estrangeiras que participaram do processo de privatização.

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Outra importante ligação entre privatização e distribuição de renda passa pelo sistema de regulamentação e seu resultante impacto sobre os preços. Gomo foi obser-vado anteriormente, uma grande parte do processo de privatização concentrou-se nos serviços públicos, notadamente telecomunicações, energia elétrica, estradas e ferro-vias e portos. Um elemento essencial no processo de privatização foi a reestruturação do sistema de regulamentação de modo a atrair empresas privadas que poderiam conservar e expandir adequadamente os serviços públicos.

No que se refere à regulamentação dos serviços públicos, levanta-se a clássica pergunta sobre quais índices de tarifas podem gerar fundos adequados para a manu-tenção e expansão do serviço e proporcionem um retorno atraente o bastante para investidores externos, sem sobrecarregar os consumidores. Pelo menos desde a dé-cada de 1960, o governo brasileiro passou a usar muitas estatais do setor de serviços públicos como armas na luta contra a inflação. Isso foi feito pela regulamentação de seus preços, que ficaram substancialmente abaixo dos aumentos dos níveis gerais de preços, com as conseqüentes reduções na manutenção e novos investimentos. Em meados da década de 1980, a redução em investimentos públicos resultou em graves deficiências no capital estocado de várias empresas de serviços públicos, incluindo ferrovias, portos e usinas de energia elétrica.71

A privatização forçou uma drástica revisão das tarifas dos serviços públicos. Nas telecomunicações, por exemplo, elas sofreram um aumento expressivo em 1995, muito antes da realização do leilão do sistema Telebrás. As assinaturas residenciais aumen-taram cinco vezes, e o custo das chamadas locais aumentou 80%. A manutenção dessas tarifas facilitou a privatização do sistema em julho de 1998.72

Um padrão semelhante de atualização ocorreu no setor de energia elétrica, no qual as tarifas estavam defasadas em relação à inflação desde 1993. A partir desse ano, com as sucessivas privatizações das empresas geradoras de energia elétrica, as tarifas de eletricidade foram sendo atualizadas num ritmo muito mais acelerado do que a maio-ria dos outros preços. Segundo o Estado de S. Paulo o índice de preços usado para ajustar os preços da eletricidade aumentou duas vez mais rápido em 1999 do que o empregado para o ajuste salarial.73

As evidências disponíveis até o momento indicam que o clima regulador no Brasil deu passos significativos em favor dos novos proprietários privados das empresas de serviços públicos. Do ponto de vista de distribuição de renda, deve-se concluir que essas mudanças regulatórias passaram a renda de um grupo muito maior de consumi-dores para os novos detentores de concessões. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, enquanto o índice de Preços ao Consumidor aumentou 87,4% entre agosto de 1994 e novembro de 1999, o índice de preços para serviços públicos aumentou 163,2%.74

Conclusão

A desigualdade na distribuição de renda e de riqueza no Brasil tem sido desencorajadoramente persistente desde os tempos coloniais até o presente. As evi-

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dências existentes indicam que o programa de privatização da década de 1990, cujos méritos em termos de eficiência econômica são inegáveis, pouco contribuíram para mudar esse padrão de distribuição, podendo mesmo tê-lo agravado.

Não se pode ignorar o potencial político e as conseqüências sociais desse recente padrão de desenvolvimento. O confronto entre os operadores das concessões de rodo-vias e os caminhoneiros brasileiros, ocorrido em 1999, é um bom exemplo. Os contra-tos de concessão permitiram aos operadores cobrar altos pedágios para financiar a manutenção e a expansão das estradas. Os caminhoneiros alegaram que esse pedágio era excessivo e que ameaçava seu sustento. Após uma rápida greve, na qual o governo federal chegou a ameaçar com uma possível intervenção militar, as tarifas de pedágio foram reduzidas significativamente. Isso, por sua vez, desencadeou processos por par-te de detentores de concessões, que alegavam violação de contrato. Esse exemplo mostra claramente os limites de uma política focada em eficiência, que implicitamente ignorou os efeitos na distribuição.

Notas

1. BAER, Werner; KERSTENETZKY, Isaac & VILLELA, Annibal V. “T he changing role of the state in the Brazilian economy” . World Development, nov./1973.

2. Também se pode encontrar uma interessante discussão sobre o funcionamento do tripé no Brasil em: EVANS, Peter. Dependent development: the alliance o f multinacional, state and local capital in Brazil. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1979.

3. FAORO, Raimundo. Os donos do poder. 2a ed., São Paulo, Globo, 1975, p. 206-9, 222-30.4. Idem, ibid., p. 434.5. Maud, autobiografia. Rio dc Janeiro, Edições dc Ouro, Tecnoprint Gráfica, 1972, p. 107; LUZ, Nicia

Vilela. A luta pela industrialização no Brasil. São Paulo, Corpo e Alma do Brasil, I960, p. 1 70-1, 190.6. Isso foi exatamente o que ocorreu com a construção das ferrovias. As empresas estrangeiras somente

iniciaram suas atividades de investimento com taxas de retorno garantidas pelo governo. Ver VILLELA, Annibal V. & SUZIGAN, Wilson. Política dogoverno e crescimento da economia brasileira. Série Monográfica, nü 10, Rio dc Janeiro, IPEA/INPES, 1973, p. 392-5.

7. RIBEIRO, Benedito & GLIMARAES, Mario Mazzei. História dos bancos e do desenvolvimento financei-ro do Brasil. Rio dc Janeiro c São Paulo, Pro-Serviee Ltda. Editora, 1967, p. 41-127, 314-5.

8. Uma estimativa de 1887 mostra que de 18 milhões dc libras investidas em ferrovias, a taxa de retorno garantida de 7% ao ano chegava a 1,3 milhão de libras, o que representava 6% do total dos ganhos com exportações. Ver VILLELA ôc SUZIGAN, op. cit., p. 396.

9. Administração de ferrovias (em %)Pública Privada

1929 49 511932 68 321945 72 281953 94 6

10. VILLELA & SUZIGAN, op. cit., p. 191-200.11. Para uma discussão completa sobre essas entidades, especialmente sob um ponto dc vista legal e

administrativo, ver VENANCIO FILI IO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. Rio de |anei- ro, Fundação Getúlio Vargas, 1968, p. 358-66. Outra valiosa fonte sobre o funcionamento das autarquias é o Centro dc Estudos Fiscais, O setor publico federal descentralizado. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas / IB RE, 1967.

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12. VILLELA & SUZIGAN, op. cit., p. 381.13. BAER, Werner. The development of the Brazilian steel industry. Nashville, Tenn; Vanderbilt University

Press, 1969, p. 68-76; WIRTH, John D. The politics of Brazilian development, 1930-54. Palo Alto, Calif; Stanford University Press, 1970, p. 71-129.

14. Conselho Federal de Comércio Exterior. Dez anos de atividades. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1944.15. VILLELA, Annibal V; SILVA, Sérgio Ramos da; SUZIGAN, Wilson & SANTOS, Maria José. “Aspectos

do crescimento da economia brasileira, 1889-1969”. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1971, vol. 1, p. 382-5, mimeografado.

16. BAER, Werner. The development of the Brazilian steel industry, p. 67-8; W IRTH, op. cit., cap. 4 e 5.17. Para um exame das diferentes fases do planejamento no Brasil, ver COSTA, Jorge Gustavo da. Pla-

nejamento governamental: a experiência brasileira. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1971; LAFER, Betty Mindlin, (ed.), Planejamento no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1970; IANNI, Octavio. Estado eplanejamento econômico no Brasil, 1930-70. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970; SOUZA, Nelson Mello e. “O pla-nejamento econômico no Brasil: considerações críticas”. Revista de Administração Pública. 2- semestre, 1968, p. 59-112.

18. “O caráter mais gradual do processo de industrialização (na Inglaterra) e o maior acumulo de capital, primeiro dos ganhos no comercio e agricultura modernizada e depois da indústria em si, removeram a pressão para o desenvolvimento de quaisquer dispositivos institucionais especiais para a provisão de capital de longo prazo para a indústria. Em contraste, num país relativamente atrasado, o capital é escasso e difuso. A descon-fiança quanto a atividades industriais é considerável c, finalmente, há pressões maiores por grandeza devido ao alcance do movimento dc industrialização, a ampla dimensão média de uma fábrica e a concentração da produção industrial. A esses fatos deve-se acrescentar a escassez do talento empresarial do país atrasado.

É a pressão dessas circunstâncias que essencialmente dá origem ao desenvolvimento divergente no setor bancário em grandes partes do Continente cm comparação à Inglaterra. As práticas continentais no campo da atividade bancária de investimento industrial devem ser concebidas como instrumentos específicos de in-dustrialização numa economia retrógrada”. GERSCHFNK.RON, Alexander. Economic backwardness in historical perspective. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1962, p. 14.

19. SUZIGAN, Wilson; PEREIRA, José Eduardo de Carvalho & ALMEIDA, Ruy Affonso Guimarães de. Financiamento de projetos industriais no Brasil. Coleção Relatórios de Pesquisa, n-9. Rio de Janeiro, IP FA, 1972, p. 106.

20. Idem, ibid., p. 106-8.21. BAER, Werner. The development of the Brazilian steel industry, op. cit., p. 80-3. De forma semelhante, o

BNDE adquiriu a Cia. Ferro e Aço, dc Vitória, na década de 1950, e o Banco do Brasil tornou-se proprietário da Acesita, uma empresa de aços especiais.

22. Para detalhes, ver WIRTH, op. cit., p. 133-216; CARVALHO, Getúlio. Petrobras: do monopólio aos contratos de risco. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1976.

23. SUZIGAN etal., op. cit., p. 166-80.24. Ver BAER, op. cit., cap. 6.25. Idem, ibid., cap. 6 e 7.26. “Quern é quem na economia brasileira” , Visão, ago./1986, p. 384-90.27. Exame. “Melhores e maiores”, ago./1991, p .30.28. Conjuntura Econômica, jun./1975, p. 88-9; dez./1981, p. 78-81 e mai./1987; p. 59-65.29. DUE, John F. & FRIEDLAFNDER, Ann F Government finance: economics of the public sector.

Homewood, III; Richard D. Irwin, 1973, p. 672.30. Conjuntura Econômica, jun./1975, p. 88; dez./1981; mai./1987; ago./1993.31. A melhor análise sobre os controles de preços no Brasil pode ser encontrada em NETTO, Dionísio

Dias Carneiro. “Política de controle de preços industriais”. In: Aspectos daparticipação do governo na economia, Série Monográfíea, n- 26. Rio de Janeiro, 1PEA/INPES, 1976, p. 135-69.

32. VILLELA, Annibal V. & BAER, Werner. O setor privado nacional: problemas e políticas para seu forta-lecimento. Coleção Relatórios de Pesquisa 46. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1980, cap. 3.

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33. NESS, Jr., Walter L. “Financial markets innovation as a development strategy: inicial results from the Brazilian experience”. Economic Development and Cultural Change, abr./1974, p. 453-72. Ver também: WELCH John H. Capital markets in the developmentprocess: the case o f Brazil. University of Pittsburg Press, 1993

34. Segundo Ness, três entre quatro das ações mais negociadas na bolsa de valores do Rio de Janeiro pertenciam a empresas do governo (Banco do Brasil, Petrobras, Vale do Rio Doce), sendo responsáveis por 38% do volume negociado cm 1972. NESS, op. cit., p. 470.

35. Esses dados, compilados pela revista Visão, devem ser interpretados com cautela. As 5.113 empresas incluem apenas as sociedades anônimas. Visto que o setor não pertencente às sociedades anônimas é relativa-mente grande no Brasil, as ações dos três setores (estatal, multinacional e privado) nas 5.113 empresas exami-nadas apresentam o setor privado abaixo da realidade. Na compilação, os empreendimentos conjuntos foram tratados como uma categoria residual a ser alocada no setor privado, sem considerar quem detinha o controle. Nesse caso, as empresas estatais e multinacionais estão sub-representadas. O Brasil não exige a publicação do balanço consolidado e dos demonstrativos de lucros e perdas. Assim, uma grande empresa que possui muitas subsidiárias tem seu patrimônio calculado duas vezes, uma vez na matriz e outra na subsidiária. À medida que isso ocorre, as empresas estatais e privadas brasileiras estão representadas acima da realidade. Informa-ções adicionais sobre empresas estatais também podem ser obtidas nas seguintes fontes: SUZIGAN, Wilson “As empresas do governo e o papel do Estado na economia brasileira”, hr. Aspectos da participação do governo na economia, Série Monográfica n*2 26, Rio de Janeiro, IPEA, 1976, p. 77-134; SARAIVA, Enrique. “Aspectos gerais do comportamento das empresas públicas brasileiras e sua ação internacional” . Revista de Administração Pública, jan./mar./1977, p. 65-142.

36. A Embraer, de propriedade da Força Aérea, foi fundada em meados da década de 1960. Até 1982 havia fabricado 2.748 aviões e tinha exportado um grande número de seus produtos para os Estados Unidos e Europa. Ver “A Embraer em 1975” , Conjuntura Econômica, mar./1976, p. 138-9; “A indústria aeronáutica a um passo da maturidade”. Exame, 25 mai./1977, p. 22-7; RAMAMURTI, Ravi. “State-owned enterprises and industrialization: the Brazilian experience in the aircraft industry”. Boston, College of Business Administraiton, Northeastern University, 1982, mimeografado. Até 1986, o faturamento da Embraer chegara a US$ 44 bi-lhões, dos quais US$ 287 milhões foram exportados; ver Conjuntura Econômica, fev./1987, p. 90.

37. Em 1982 havia 498 empresas estatais. Ver Presidência da República, Secretaria do Planejamento - Seplan, SEST, Relatoria S E S T 1982; Cadastro das Empresas Estatais, SEST, set./1982.

38. “Melhores e maiores” . In: Exame, set./l982, p. 110; set./1986, p. 138.39. WERNECK, Rogério F. “Public sector adjustment to external shocks and domestic pressures in

Brazil” . In: The Public Sector and the Latin American Crisis, Felipe Larrain e Marcelo Selowsky (eds.) São Francisco: ICS, 1991, p. 64-5.

40. Idem, ibid., p. 65.41. Idem, ibid. “Poupança estatal, dívida externa e crise financeira do setor público”. Pesquisa e Planeja-

mento Econômico 16, nü 3, dez./1986, op. cit., p. 566-7.42. Idem. “Public sector adjustment...”, p. 82-3.43. C A R N E IR O , D io n isio & W E R N E C K , R ogério L . F. “Public savings and p riv a te investm ent:

re q u ire m e n ts for growth re su m p tio n in the brazilian eco n o m y ” . Rio de Janeiro, P U C , D epartam ento dc Economia, mimeografado, jun./1992, p. 27A.

44. “Melhoes e maiores, In: Exame, ago./1991, p.26.45. “Balanço Anual 1991” . In: Gazeta Mercantil p. 80.46. Idem, ibid., p. 82.47. P IN H E IR O , A rm ando C astelar & O LIV E IR A F IL H O , L uiz Chrysostom o. “O program a brasileiro

dc privatização: notas e conjeturas”. Perspectivas da Economia Brasileira 1992. Brasília IPEA 1992 p 33748. Idem, ibid., p. 338-9. ’ ’ ' '49. Idem, ibid., p. 338.50. Idem, ibid., p. 340.51. Essa seção baseia-se essencialmente em PINHEIRO, Castelar & GIAMBIAGI, 1999.52. O comitê era formado de 12 a 15 membros indicados pelo presidente da República e pelo Senado, e

aprovados pelo Congresso, com apenas cinco representantes do governo.53. PINHEIRO, Castelar & GIAMBIAGI salientam que “... menos aparente, mas também importante

para a transparência do PND, é a firma de auditoria que acompanha cada passo no processo de venda de cada estatal. Uma venda pode ser fechada apenas após esta firma publicar o relatório dc auditoria apropriado. Cada

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privatização tambcm é monitorada dc perto por um subcomitê da Câmara dos Deputados, do Judiciário e do Tribunal dc Contas da União, que regularmente publica a opinião sobre o preço mínimo estipulado para as empresas que serão vendidas.” PINHEIRO, Castelar & GIAMBIAGI, 1999, p .12.

54. As “moedas” aceitáveis eram: cruzeiros, cruzados novos, certificados de privatização, debentures da Siderbrás, títulos da reforma agrária, obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento, dívidas securitizadas do setor público, moedas fortes estrangeiras e papéis da dívida externa.

55. Programa Nacional de Desestatização. Rio de Janeiro, BNDES, mai./1992.56. O BNDES alega que foram necessários cerca de nove meses para privatizar uma empresa. Nesse

período, o processo dc privatização passou pelas seguintes etapas:Rtafia Prazo médio (dias)

1. Empresa é incluída no programa -2. Ações da empresa são depositadas no Fundo Nacional de Desestatização (FND) 53. Seleção de consultores e auditores privados 75

4. Trabalho de consultoria 90

5. Ajustes anteriores à privatização 206. Aprovação do preço mínimo por ação e método de venda 107. Publicação do edital de venda 15

8. Leilão publico das ações 60

Prazo médio de privatização 275

57. PINHEIRO, Castelar & GIAMBIAGI, 1999, p. 18.58. Idem, ibid., p. 19.59. Idem, ibid., p. 19.60. Teoricamente, um conjunto completo dc mercados de capital em perfeito funcionamento permitiria

cjue todos os fluxos de renda fossem convertidos em equivalente estoque de riqueza. Por todo seu apelo teórico, tal hipótese diverge totalmente das realidades de uma verdadeira economia tal como do Brasil.

61. EVANS, 1979.62. Calculado a partir de dados da Gazeta Mercantil, Balanço Anual, 1999.63. SIFFERT FILH O & SOUZA & SILVA, In: GIAMBIAGI & MOREIRA, 1999, p. 383.64. Idem, Ibid., p. 385.65. Um exemplo interessante é oferecido pela privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)

em 1993, na qual a oferta vencedora foi feita pelo Grupo Vicunha, dc tamanho médio, que antes atuava principalmente no setor têxtil. Ela formou uma aliança com vários bancos nacionais, fundos de pensão e muitos investidores estrangeiros.

66. BIONDI, 1999, p. 42-7, apresenta uma extensa lista da estrutura acionária de empresas antes e após a privatização, com base em dados do BNDES.

67. SIFFERT FILH O & SOUZA & SILVA, op. cit., p. 392.68. FERREIRA, Leal, 1999. In: IMNHEIRO, Castelar & FUKASAKU, 1999, p. 154.69. Ver DE CASTRO, 1999, p. 176-7.70. Informação da revista Exame, que publica uma edição anual dedicada aos “Melhores e maiores”.71. Ver COES, 1995, WERNECK, 1987 ou BAER & MCDONALD, 1998, para uma discussão sobre a

queda nos investimentos de empresas públicas.72. NOVAES, 1999. In: PINHEIRO, Castelar & FUKASAKU, 1999, p. 111.73. O Estado de S. Paulo, 3/jan./2000 (www.estado.com). Isso ocorreu porque o ajuste das tarifas foi ba-

seado no índice Geral de Preços - Disponibilidade interna (IGP-DI), que aumentou 20% em 1999. Os ajus-tes salariais, contudo, foram baseados no índice de Preços ao Consumidor (IPC), que aumentou somente 7% em 1999.

74. Conjuntura Econômica, jan./2000, p. 34.

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13O sistema bancário: privatização e reestruturação1(em co-autoria com Nader Nazmi)

Introdução

A p ó s DÉCADAS DE INFLAÇÃO, culminando com períodos de hiperinflação na década de 1980 e início da década seguinte, o Brasil alcançou estabili-dade com a introdução do Plano Real em julho de 1994. Depois dc atingir taxas men-sais próximas a 50% em meados de 1994, elas rapidamente caíram para 0,6% em de-zembro de 1994, e em junho de 1998 a taxa anual era de 4% (ver Figura 1). Essa nova estabilidade criou vários problemas institucionais ao sistema bancário. No caso dos bancos estatais, ela exacerbou um já contínuo processo de degeneração e, para alguns dos maiores bancos privados do país, ela revelou fraquezas estruturais significativas que não se haviam mostrado ameaçadoras em um ambiente inflacionário. O governo por intermédio de seu banco central, foi obrigado a tomar algumas medidas drásticas para reestruturar o sistema bancário por meio da privatização de bancos estatais e da intervenção de alguns dos bancos privados em dificuldades.

Neste capítulo, vamos examinar as origens dos bancos estatais e privados brasileiros e como décadas de inflação produziram distorções em seu modo de funcionamento Em seguida, teremos uma descrição das crises que surgiram com o final da inflação e as medidas tomadas pelo Banco Central para contorná-las. A parte final do capítulo trata das implicações da nova estrutura bancária emergente, tanto do ponto de vista de eficiência quanto de eqüidade.

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Figura 1 - Taxas de inflação anuais: 1989-98

Nota: Os dados dc 1998 referem-se aos primeiros 6 meses do ano. Fonte: IBGE.

Uma breve perspectiva histórica

Antes do século XX, o sistema bancário brasileiro era relativamente fraco e con-centrado regionalmente. Em 1888, o país dispunha de apenas 26 bancos, localizados em somente 7 dos 20 estados, e mais da metade dos depósitos eram feitos no Rio de Janeiro.2 No início da era republicana, em 1890, o governo tentou solucionar a busca por crédito criando três bancos emissores regionais e moderando a legislação bancária em geral. A resultante explosão do mercado especulativo financeiro e de ações levou à inflação e à desvalorização da moeda.3 O governo seguinte adotou políticas ortodo-xas, incluindo uma volta ao padrão ouro. Assim como ocorreu no grande aumento de atividade especulativa anterior, muitos bancos ultrapassaram os limites, concedendo empréstimos a empresas de fraco desempenho, aceitando ações de valor questionável como garantia, e o governo se viu obrigado a conceder empréstimos consideráveis a eles para evitar um colapso financeiro total.

O Estado também impôs a fusão dos maiores bancos do país, criando o Banco da Repú-blica. Este se tornou o principal agente do governo para o pagamento da dívida interna-cional, recebeu superávits do Tesouro como depósitos e concedeu empréstimos ao T e -souro, em função das expectativas de receitas, e recebeu o direito exclusivo de emissão.

No começo do século XX, o banco foi nacionalizado e seu nome foi mudado para Banco do Brasil. Era um empreendimento misto em que o governo detinha o controle acionário. Ele continuou a ser o agente do Tesouro no mercado cambial, a receber os depósitos do Tesouro e a conceder empréstimos a ele. Embora continuasse a exercer as operações bancárias habituais, estas passaram a ser secundárias em relação a suas fun-ções públicas.4

Em 1912, o sistema bancário era dominado pelo Banco do Brasil e por um pequeno número de bancos estrangeiros. Estes respondiam por cerca de 56% do total de em-préstimos, a maioria dos quais concentrados no financiamento de comércio exterior. Assim, quase todos os empréstimos para atividades domésticas encontravam-se nas mãos do Branco do Brasil e alguns bancos privados pequenos.5

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Na década de 1920, porém, o Brasil dispunha de uma estrutura bancária bastante precária. O Banco do Brasil respondia por cerca de um terço das atividades do setor, enquanto o restante do mercado era controlado por um pequeno número de bancos tradicionais. Topik usa a medida de Rondo Cameron para classificar o tamanho do sistema bancário. Ele usava a quantidade de instituições financeiras (matrizes e filiais) por 10 mil habitantes como índice, assumindo que qualquer número menor que 0,50 é baixo. O Rio de Janeiro, que dominava as finanças brasileiras, tinha um índice de 0,15 em 1912; o estado de Minas Gerais tinha um índice de 0,10 em 1921, e em 1930 o índice nacional era de apenas 0,15. Em comparação, o Reino Unido tinha um índice de 0,77 no início de sua industrialização, e os Estados Unidos, em 1920, um índice de 2,94. A baixa cobertura bancária no Brasil também era evidente ao considerar-se que em 1921 os depósitos bancários per capita totalizavam apenas US$ 17,50, aumentando para US$ 20,00 em 1928, comparados à média de depósitos nos Estados Unidos, que era de US$ 235,80 em 1928. Naturalmente, algumas dessas diferenças, embora não todas, podem ser explicadas pela diferença do PIB per capita. A concentração regional de bancos continuou nas primeiras três décadas do século XX, e no período de 1921 a 1936 as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo eram responsáveis por dois terços dos depósitos bancários e hipotecas do país, e muitas regiões do Brasil não dispunham de serviços bancários.6

Após a Primeira Guerra Mundial, houve um crescimento expressivo dos bancos comerciais, principalmente nacionais. Em 1937, a quantidade de estabelecimentos bancários havia passado para 200 e em 1945 havia 500 bancos; ao mesmo tempo, o número de filiais havia aumentado para 600 em 1937 e para 1.600 em 1945.7

A década de 1920 também testemunhou o surgimento de vários bancos estaduais. Antes disso, apenas dois governos estaduais haviam fundado bancos comerciais. Em 1889, o estado de Minas Gerais fundou o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, e em 1912 o estado da Paraíba fundou o Banco da Paraíba. Na década de 1920, os estados do Piauí (1926), São Paulo (1927), Paraná (1928) e Rio Grande do Sul (1928) fundaram bancos estatais com o objetivo inicial de auxiliar o setor agrícola que não era atendido adequadamente pelos bancos privados ou pelo Banco do Brasil.8

Outros bancos estatais foram fundados na década de 1930 por motivos semelhan-tes. Muitos desses bancos transformaram-se gradativamente em grandes bancos co-merciais com filiais em todo o país. O principal objetivo de todos (não apenas os bancos estatais comerciais, mas também os de desenvolvimento e os de poupança) era o de atender às necessidades dos setores produtivos não servidos pelos bancos priva-dos, o que ocorria especialmente no caso de pequenas e médias empresas e agricul-tores. Na década de 1970 havia 24 bancos estaduais comerciais. Além disso, muitos estados também fundaram bancos de desenvolvimento e bancos de poupança. No nível federal, o Banco do Brasil expandiu-se regularmente por muitas décadas; no início da década de 1950, o governo federal fundou seu Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico (BNDE, depois renomeado BNDES), que foi um importante instrumento político no financiamento de infra-estrutura e investimentos industriais- alguns bancos de desenvolvimento regionais, estatais e privados e, na década de 1960, o Banco Nacional de Habitação para financiar casas e construções que, mais tarde, se fundiu na Caixa Econômica Federal.9 A extensão do crescimento dos bancos

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Tabela 13.1Brasil: total de bancos comerciais

1956 1970 1987 1992 1994 1998

Bancos comerciais 403 178 103 211 226 207Federais 4 5 5Estatais 24 24 22Priv. nac. 142 56Priv. estrang. 8 18

Fonte: LEES, BO ITS c CYSNE, 1990, p. 125; Boletim do Banco do Brasil, Relatório 1999.

do governo pode ser medida pelo fato de no início da década de 1970 eles terem sido responsáveis por 55% do total de depósitos e de 58% de todos os empréstimos. Ao mesmo tempo, cerca de 60% dos empréstimos do sistema financeiro ao setor privado vinham de instituições financeiras governamentais.

Uma série de reformas financeiras em meados até o final da década de 1960 resul-tou na criação de programas especiais de crédito e fundos destinados a canalizar recur-sos a setores da economia que, na época, eram considerados de alta prioridade para os formuladores de políticas. Como resultado, a estrutura do sistema financeiro passou por profundas mudanças.10 Assim, a proporção de empréstimos concedidos pelos ban-cos caiu de 86,3% em 1963 para 40,6% em 1985 (sendo que a do Banco do Brasil caiu de 33,31% para 10,93%, a de bancos comerciais estatais de 39,27% para 5,33%, en -quanto a percentagem de bancos comerciais privados subiu de 13,72% para 24,35%).11 As leis de reforma bancária de meados da década de 1960 também resultaram em um processo de concentração bancária. A Tabela 13.1 mostra o significativo declínio na quantidade de bancos existentes durante as três décadas subseqüentes.

Chamou-se a atenção para o fato de que o objetivo dessas reformas era estimular os bancos privados brasileiros a abrir filiais em regiões menos desenvolvidas do país. Isso ocorreu, mas ironicamente essas novas filiais foram usadas para receber depósitos des-sas regiões, enquanto a maioria dos empréstimos concedidos por esses bancos conti-nuava a concentrar-se nas regiões mais desenvolvidas.12

O comportamento dos bancos durante os períodos de elevada inflação

A inflação ajudou os bancos brasileiros de três formas. Primeiro, permitiu-lhes obter receita fácil pagando taxas de juros reais negativas ou baixas sobre o excesso de captações acima dos limites de reserva. Segundo, reduziu o valor real de seus passivos, diminuindo a probabilidade de insolvência. Terceiro, acrescentou liquidez ao facilitar o pagamento das dívidas aos tomadores de empréstimos. O final da inflação, então, significou que, além de enfrentar margens de intermediação menores, os bancos so-freram com o aumento das taxas de inadimplência e de empréstimos em atraso, visto

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Tabela 13.2Brasil: total de bancos privados e filiais

Ano Número de bancos privados

Número de filiais Média de fdiais por banco

1964 302 n/a n/a1970 152 5.576 371974 81 5.529 681978 80 6.583 821980 84 7.327 871984 85 8.902 1051994 214 8.309 381997 220 8.166 37

Fonte: Banco Central do Brasil.

que o montante dos pagamentos dos empréstimos ultrapassavam os pagamentos pre-vistos.

O clima inflacionário que, com algumas exceções, se tornou um fenômeno quase permanente na economia brasileira, levou ao um crescimento significativo na quan-tidade de bancos comerciais e filiais de bancos privados e estatais já estabelecidos. Assim, se no final da década de 1950 existiam mais de 400 bancos (ver Tabela 13.1), o número de filiais cresceu, como podemos ver na Tabela 13.2: em 1970 havia 5.576 filiais, e em 1984 esse número havia aumentado para 8.902 (e a média de filiais por banco havia aumentado de 37 em 1970 para 105 em 1984.u) A causa dessa expansão foi a taxa de inflação que atingiu a média de 17,3% na década de 1950, 44,8% na década de 1960, 33,8% na década de 1970, alcançando três dígitos na década de 1980 e quatro dígitos na primeira metade da de 199014. Os bancos ganhavam grandes somas de dinheiro com base no “float”. Este consistia em uma receita baseada em vários tipos de obrigações de baixo custo, como recebimento de impostos, depósitos à vista, garantias de empréstimos, etc., que pagavam pouco ou nenhum juro por vários dias ou mais. Os bancos utilizavam esses recursos quase gratuitos para investir em títulos de curto prazo que pagavam taxas de juros nominais elevadas. As elevadas taxas de retor-no a serem obtidas durante esses períodos de inflação tornavam a fundação de novos bancos interessante para muitos grupos.15

À medida que a inflação se agravava na década de 1980 e início da seguinte, os bancos privados e estatais continuaram a se expandir rapidamente. Embora os méto-dos cada vez mais sofisticados de indexação de títulos do governo ajudassem a moder-nizar o sistema financeiro, incluindo os bancos, as tendências inflacionárias induziam os bancos privados e estatais a conceder empréstimos cada vez mais arriscados.

A queda na qualidade das operações dos bancos estatais brasileiros começou a ocorrer no início da década de 1980 e foi associada à volta do país à democracia. Nas eleições de 1982, os governantes, que naquela época não podiam ser reeleitos, empre-gavam todos os meios à sua disposição para favorecer seus candidatos. Um desses

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Tabela 13.3 Ganhos dos bancos brasileiros com a inflação

(% do total das receitas)

Ano Ganhos com a inflação/PIB

Ganhos com a inflação/ Total das receitas

1990 4,0 35,7

1991 3,9 41,3

1992 4,0 41,9

1993 4,2 35,3

1994 2,0 20,4

1995 nm nm

1996 nm nm

1997 nm nm

Fonte: Banco Central do Brasil.

meios era o uso dos bancos estatais que recebiam depósitos do público e também de fundos de instituições estaduais (para os quais não havia limites de reserva) para conceder empréstimos a entidades governamentais estaduais. Em muitos casos, os estados eram, dessa forma, capazes de aumentar o emprego nas entidades estaduais e/ou financiar imensos projetos de infra-estrutura (o estado de São Paulo durante a administração dos governos Quércia e Fleury na década de 1980 e início da de 1990 é um bom exemplo). Enquanto durassem as altas taxas de inflação, a maior parte das dívidas incorridas pelo Estado tinha o serviço da dívida coberto. Na verdade, contudo, os bancos estatais muitas vezes se tornavam “instrumentos para financiar os déficits orçamentários estaduais”.16

Gomo se pode observar na Tabela 13.3, os bancos beneficiaram-se grandemente das receitas da inflação durante o período 1990-94. Durante esses anos, eles auferiram lucros expressivos com operações de tesouraria (arbitragem sobre taxas de juros e mo-edas) e do já mencionado “float” sobre serviços bancários básicos (recebimento de contas e impostos).17 Especificamente, as receitas da inflação eram responsáveis por mais de um terço das receitas operacionais do setor bancário em 1990 e 1993 e mais de 41% das receitas em 1991 e 1992. Essas receitas reduziram-se rapidamente com o final das altas taxas de inflação e em 1995 tinham um papel desprezível no balanço patrimonial dos bancos. Com a estabilização da economia após meados de 1994, a lucratividade dos bancos passou a depender cada vez mais de operações de emprésti-mos e renda advinda de receitas de comissões. E, à medida que a inflação encolhia, o mesmo acontecia com o papel do sistema financeiro na economia brasileira. Segundo as estatísticas do IBGE, a participação do sistema financeiro no PIB caiu mais de 50%, de cerca de 15,6% em 1993, para menos de 7% em 1995 (ver Tabela 13.4).

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Tabela 13.4Participação das instituições financeiras no P IB {%)

Ano % do PIB

1990 12,781991 10,531992 12,131993 15,611994 12,371995 6,94

Fonte: Banco Central do Brasil e IBGE.

Estabilidade e mudança institucional

Embora o fim das altas taxas de inflação tenha lançado enormes desafios para os bancos brasileiros, eles foram ajudados por um saudável aumento nos gastos do con-sumidor e um salto na demanda por crédito. No Brasil, como em outros países que confiaram em programas de estabilização baseados na taxa cambial, o período ime-diato pós-estabilização foi marcado por uma expansão econômica movida por uma explosão de consumo sem precedentes.18 Gomo podemos ver na Figura 2, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e o consumo cresceram significativamente durante o período de 1994-5. O PIB aumentou 5,9% e 4,2% em 1994 e 1995, respectivamente. O consumo, por outro lado, teve um crescimento médio anual de 37% nesse mesmo período. O consumo e a demanda por crédito também foram impulsionados pela volta da compra em prestações, ausente no período de altas taxas de inflação. Após anos de inflação elevada e de impossibilidade de comprar pelo crediário, os brasileiros, con-fiantes com o sucesso do Plano Real e o aumento real dos salários, passou a fazer compras a crédito em quantidades sem precedentes. Como é demonstrado na Figura3, o crédito bancário para indivíduos deu um salto de mais de 180% em 1994.

O aumento da demanda por crédito auxiliou os bancos no período imediato, mas criou dificuldades de longo prazo para o sistema bancário. No novo ambiente de infla-ção baixa e demanda por crédito elevada, os bancos concederam crédito e aumentaram sua exposição aos riscos por dois motivos. Primeiro, como no antigo ambiente de ga-nhos fáceis com a inflação era desnecessário que os bancos públicos e privados baseas-sem as decisões de crédito numa sólida análise de risco, a maioria dos bancos encon-trou dificuldades em operar com prudência num mercado com novas exigências de análise e gerenciamento de risco. Segundo, considerações de risco moral tinham gran-de peso nas práticas de empréstimos dos bancos, devido aos implícitos (para banco privado) e explícito (para bancos oficiais) seguros governamentais e a fraca fiscalização que resultou em bancos aumentarem risco e de financiarem o surto de consumo.19

A forte moeda nacional e a gradual redução das tarifas direcionou grande parte da expansão no consumo para os importados, fazendo com que as importações aumentas-sem em três vezes e criando um grande déficit comercial (ver Figura 4). A ampliação do déficit da conta corrente foi inicialmente financiado pelo expressivo influxo de

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Figura 2 - Taxas de crescimento do PIB e do consumo no Brasil: 1993-96

Fonte: Conjuntura Econômica.

Figura 3 - M udança percentual no créd ito dos bancos privados brasileiros para o comércio, habitação e particulares

Fonte: Conjuntura Econômica.

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Figura 4 - Importações, exportações e balança com ercial, 1987-97

A no

Fonte: Conjuntura Econômica.

capital estrangeiro. A crise mexicana de 1994 e o posterior efeito Tequila em 1995, porém, reverteram a entrada de capital estrangeiro e serviram de teste para o Real e o sistema bancário brasileiro. Sabe-se bem que, com a adoção do câmbio flexível, cho-ques externos adversos se convertem em depreciação da moeda, aumento de preços e um correspondente declínio no valor real dos ativos e passivos dos bancos. Entretanto, com a taxa de câmbio (quase) fixa adotada no Brasil, esses choques provocaram uma crise no balanço de pagamentos, um maior custo do crédito e o agravamento das finan-ças bancárias.20 Diante das dificuldades de uma conta corrente em declínio e compro-metido em defender seu regime de taxa cambial fixa, o Banco Central foi obrigado a aumentar significativamente as taxas de juros (Figura 5). No final do primeiro trimes-tre de 1995, a taxa do mercado interbancário aproximou-se dos 70%, exercendo enor-me pressão sobre os bancos. O Banco Central havia decidido defender o Real e a estabilidade de preços, sabendo bem que esse aumento inesperado nas taxas de juros iria enfraquecer os bancos cujo negócio é emprestar a longo prazo e captar a curto prazo.

O sucesso do governo brasileiro ao defender o Real aumentando as taxas de juros de curto prazo implicou uma recessão econômica, uma onda de inadimplências e fa-lências e períodos difíceis para os bancos. Empréstimos vencidos saltaram de 5,75% do total de empréstimos na primeira metade de 1994 para cerca de 17% na segunda meta-de de 1995.21

Sobrecarregados por obrigações sensíveis às taxas de juros e necessitando novas receitas, os bancos concederam crédito a tomadores de empréstimos de maior risco. O problema da seleção de clientes (clientes com projetos de menor risco, isto é,

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Figura 5 -T axa base mensal: 1995:1-1997:12

nienor retorno de projetos alijados do mercado) pode explicar em parte o estreitamento de crédito que logo se espalhou. Gomo afirmaram Stiglitz e Weiss (1981), quando os credores não podem distinguir entre bons e maus empréstimos, eles tendem a dimi-nuir o número de empréstimos concedidos e, assim, reduzir o crédito apesar das taxas

e juros mais altas. Nesse contexto, mesmo um pequeno aumento nas taxas de juros pode levar a uma considerável redução de crédito.22

No Brasil, a escassez de crédito provocou uma recessão econômica acompanhada de um aumento de perdas de negócios e empréstimos vencidos (ver Figura 6).23 A estabilização também causou um notável aumento de ativos problemáticos nos bancos privados. Assim sendo, calculou-se que os ativos dos nove maiores bancos privados do

rasil aumentaram de 2% dos empréstimos brutos no final do primeiro trimestre de 1995 para quase 5% no final de 1995.24 Estimou-se que os empréstimos vencidos de todo o sistema bancário aumentaram de cerca de 5% em setembro de 1994 para aproximadamente 15% durante quase todo o ano de 1997.25

O aum ento de empréstimos vencidos surtiu um e fe ito especialm ente desestabilizante nos bancos públicos. Gomo seu papel tradicional era o de cobrir deficiências de crédito do Tesouro dos estados, esses bancos não desenvolveram as

abilidades para realizar um bom gerenciamento bancário, de crédito e de risco e, como foi mencionado acima, não estavam motivados para isso por razões políticas. Em vez disso, praticavam o rolamento dos empréstimos vencidos do Estado e acumula-vam ativos problemáticos. Dessa forma, eles concederam crédito negligentemente durante períodos de vacas gordas e foram duramente atingidos quando a explosão de consumo chegou ao fim. A carteira desses bancos deteriorou-se significativamente à niedida que o setor privado encontrava dificuldades cada vez maiores em pagar os empréstimos efetuados nos bancos estatais.

Uma análise dos doze bancos estatais dos quais há dados disponíveis revela perdas superiores a R$ 1 bilhão no período de 1994-95, sendo que os empréstimos vencidos

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Figura 6 - Em préstim os vencidos como percentagem do total de em préstim os no Brasil: 1994-96

H! Empréstim os vencidos (% do total)

1994 1995 1996

Fonte: Banco Central do Brasil

ao setor público foram responsáveis por 5% do total de empréstimos.26 Os quatro bancos federais perderam perto de R$ 5 bilhões em 1995 à medida que os fundos por empréstimos perdidos para o setor privado aumentaram de 8,6% em 1995 para cerca de 14% em 1996.27

A reestruturação do setor bancário

As dificuldades do setor bancário aumentaram numa época em que não havia ne-nhum plano claro de seguro de depósitos. O governo brasileiro optou por não confiar num sistema, como o da Argentina, com poucas instituições bancárias e prosseguiu com planos para um sistema de seguro de depósitos.28 Os bancos privados formaram e financiaram um sistema temporário até que o sistema de seguro de depósitos bancá-rios, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), pudesse ser lançado posteriormente na-quele ano. Exceto pelas cooperativas de crédito, todas as instituições financeiras são obrigadas a contribuir com 0,025% de todos os saldos de todas as contas cobertas pelo FGC. O FGC cobre todos os depósitos a prazo, em poupança, conta corrente, assim como títulos cambiais e títulos hipotecários de todas as instituições financeiras até R$ 20 mil por conta.

Para lidar com bancos problemáticos estatais e privados, o Banco Central utilizou quatro instrumentos: (a) liquidação, (b) recapitalização, (c) fusão e aquisição e (d) reestruturação e vendas. Entre a introdução do Plano Real e o final de 1997, o Banco Central liquidou, interveio ou colocou em Regime de Administração Especial Tem po-rário (RAET) 43 instituições financeiras (ver Tabela 13.5). Além disso, numa tentativa

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Tabela 13.5 Intervenção do Banco C entral no sistema bancário

(jul./1994-dez./1997)

Tipo de banco Numero de instituições que sofreram liquidação,intervenção ou em RAET*

Bancos de investimento 1Bancos comerciais privados nacionais 4Bancos estatais comerciais 3Bancos estatais de desenvolvimento 1Bancos nacionais múltiplos com participação estrangeira 2Bancos nacionais múltiplos privados 28Bancos estatais múltiplos 4Total 43

*R A E T - Regime de Administração Temporária.Fonte: Mendonça de Barros, Loyola e Bogdanski, 1998, p. 7.

de fortalecer o sistema bancário pela injeção de capital novo, o governo brasileiro abriu recentemente o sistema bancário à participação estrangeira direta.29

Entre julho de 1994 e dezembro de 1996, o Banco Central liquidou 25 bancos privados e um estatal, e colocou quatro bancos em RAET.30 O instrumento legal usado para liquidar bancos privados e estatais foi a Lei 6.024 de 1974, que permite a liquidação de todas as instituições financeiras não-federais insolventes. Após um período de intervenção financeira e administrativa de seis meses, o Banco Central pôde (1) liquidar o banco sob fiscalização, (2) manter sob supervisão por outros seis meses ou (3) permitir o retorno ao funcionamento normal. Na prática, porém, a inter-venção do Banco Central geralmente acabou se convertendo na liquidação do banco em questão. Em 1995, o RAET foi aplicado ao Banco Econômico, um dos maiores do país, a um custo de US$ 2,9 bilhões e ao Bamerindus, a um custo de US$ 3 bilhões.

O mais notável uso do instrumento de recapitalização foi o auxílio oferecido em abril de 1996 ao Banco do Brasil, que sofreu perdas de mais de US$ 12 bilhões no período de 1995-96. A parte mais importante do plano de auxílio do governo foi uma recapitalização de cerca de US$ 8 bilhões financiados pelo Banco Central (US$ 3,9 bilhões), por ações de empresas estatais (US$ 2,9 bilhões) e pelo fundo de pensão do banco (US$ 1,2 bilhão). O plano de recapitalização também foi aplicado a bancos estatais (ver adiante) com a intenção explícita de reestruturá-los e privatizá-los.

O instrumento de fusões e aquisições foi desenvolvido pelo Programa de Incen-tivos para a Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), introduzido em novembro de 1995. O Proer oferece um sistema de incentivo fiscal e facilidades de crédito para estimular a rápida consolidação do setor bancário. Conce-dia-se ao banco comprador uma ampla linha de crédito a taxas de juros abaixo do mercado para adquirir o novo banco, disponibilizada por uma linha oficial do Banco Central e de dois bancos federais: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Além

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T abela 13.6Os 8 maiores bancos (em termos de tam anho de ativo) da América Latina

Classificação Instituição País Ativo (US$ milhões)

1 Caixa Econômica Federal Brasil 100,0032 Banco do Brasil Brasil 95,8273 Banespa Brasil 51,8274 Bradesco Brasil 37,9325 Banco Itaú Brasil 32,4426 Banco Nacional de México México 31,1357 Bancomer México 27,0998 Unibanco Brasil 22,110

Fonte: Latin Trade, jul./1998.

disso, o banco comprador podia absorver as perdas financeiras do banco adquirido em seu balanço patrimonial por meio de deduções fiscais.

A um custo de US$ 4,9 bilhões, esses benefícios foram primeiramente usados pelo Unibanco (o sexto maior banco do Brasil) para adquirir o Banco Nacional (sétimo maior banco) e para criar o oitavo maior banco da América Latina (ver Tabela 13.6). O Banco Excel também usou esse programa para adquirir a parte recuperável do Banco Econômico enquanto o governo ficou com a carteira de empréstimos problemá-ticos desse banco. O programa também foi aplicado ao Bamerindus, ao Banco Mercan-til do Recife, ao Banorte, ao Banco United e ao Banco Martinelli.

A opção de reestruturação e venda foi um elemento importante no processo da reforma dos bancos estaduais. O governo federal formalizou tal processo com a intro-dução do Programa de Incentivos para a Reestruturação do Sistema Financeiro Públi-co Estadual (Proes). A intenção expressa do Proes era a de reduzir o papel do setor público no sistema financeiro pela “privatização, extinção ou transformação (dos ban-cos estatais) em instituições não-financeiras ou agências de desenvolvimento”.31

O governo federal dispôs de quatro opções importantes para lidar com os bancos es-taduais em dificuldades. Primeiro, podia adquirir instituições financeiras estaduais usando títulos públicos como moeda na transação. Segundo, podia ajudar a transformar os ban-cos estaduais em instituições não-financeiras ou agências de desenvolvimento. Terceiro, podia financiar a reestruturação do banco estadual com o único objetivo de privatizá-lo posteriormente. Quarto, podia financiar até 50% do custo da reestruturação do banco estatal recapitalizado pelo governo estadual com uma nova administração que assegu-rasse a operação profissional e responsável do banco reabilitado.32

Na prática, o governo federal persuadiu os estados a permitir a “federalização” de seus bancos enfraquecidos, oferecendo-se para reprogramar a dívida dos governos estaduais. O Banco Central, então, contou principalmente com a Lei RAET de 1987 para lidar com os bancos “federalizados”. Embora o RAET tenha sido planejado para bancos públicos e privados, na prática ele foi mais usado para auxiliar bancos estatais. Isso talvez ocorresse porque a aplicação do RAET é uma proposta custosa para o

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Banco Central, que precisava assumir os passivos dos bancos em dificuldades.33 Ban-cos de investimento privados então receberam fundos federais para reestruturar os recém-“federalizados” bancos estaduais e prepará-los para a privatização.

Os primeiros bancos estaduais que sofreram intervenção direta do Banco Central por intermédio do RAET foram o Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj) e o Banco do Estado de São Paulo (Banespa). O Banerj foi logo inserido num plano de reestruturação administrado pelo banco de investimentos privado Bozano Simonsen, que o preparou para a privatização. A bem-sucedida privatização do Banerj ocorreu em junho de 1997, quando o grupo financeiro Itaú adquiriu o banco.

Um receita semelhante foi aplicada ao banco estadual de Minas Gerais, privatizado em setembro de 1998. Três bancos brasileiros - Bradesco, Itaú e Bozano Simonsen — mostraram interesse em adquirir o banco. O Itaú apresentou a melhor oferta, de R$ 583 milhões, com um ágio de 85,5% sobre o preço mínimo de R$ 346 milhões. Espera-se que o Banco do Estado de São Paulo (Banespa), a jóia da Coroa, foi comprado pelo Ban-co Santander Central Hispânico (BSCH) em 2000. A privatização do braço de investi-mentos do Banco do Brasil programada para o quarto trimestre de 1998 foi recentemen-te adiada devido às dificuldades de liquidez enfrentadas por bancos internacionais resultantes da crise russa. Entretanto, a privatização de vários bancos prosseguiu no úl-timo trimestre desse ano, incluindo a dos bancos estaduais de Pernambuco, Mato Gros-so e Santa Catarina.

Entre 1995 e meados de 1998, as intervenções do governo em bancos públicos e privados provocaram uma nítida tendência de downsizing. A quantidade de bancos pri-vados que contavam somente com capital nacional diminuiu 25%, de 144 para 108 (ver Tabela 13.7). O número de bancos públicos foi reduzido em 20%, de 30 para 24, en -quanto o número total de bancos no país caiu de 265 para 233 (ver Tabela 13.7). O nú-mero de filiais foi reduzido de 17.300 em agosto de 1994 para 16.300 em setembro de 1997.34 Nesse ano, a proporção de filiais por 10 mil habitantes havia declinado para 1,08, cerca de 30% menos que os elevados índices de 1990 e comparáveis às estatísticas de 1980 (ver Tabela 13.8). Houve também uma pronunciada queda no número de funcio-nários, especialmente nos bancos estatais. De março de 1995 a março de 1996, o quadro

T abela 13.7 A evolução do sistem a bancário no Brasil: 1995-98

1995 1996 1997 ju n .1998

Comercial/Múltiplo Público 30 30 25 24Privado 144 130 118 108Privado com capital estrangeiro 66 68 70 72

Investimentos 17 23 22 21Desenvolvimento 6 6 6 6Cooperativas de Crédito (Caixa Econômica) 2 2 2 2Total 265 259 243 233

Fonte: Banco Central e Banco do Brasil - Informações relativas ao 1Q semestre, 1998.

331

Page 320: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 13.8População e filiais de bancos

A no População(milhares)

Número de filiais

População por filial

1980 II 8.561 13.088 9.059I985 131.978 17.757 7.4321990 144.724 19.996 7.2381994 153.724 18.223 7.898I995 154.835 18.151 8.328I996 157.070 18.379 8.546I997 159.337* 17.285 9.218

*Calculado pelos autores.Fonte: Banco Central do Brasil c IBGE.

de empregados no setor bancário caiu de 704 mil para 636 mil, sendo que os funcioná-rios de bancos estatais responderam por 66% dessa queda.35 Em meados de 1998, calcu-lava-se que a participação dos bancos estatais no total de depósitos iria declinar de 19,27% em 1996 para cerca de 6,54% dois anos depois (ver Figura 7), e se esperava que apenas 11 dos antigos 26 bancos estaduais permaneceriam em funcionamento.36 Além disso, durante o período de 1994-97, os ativos dos bancos estatais aumentaram somente 62%, enquanto os dos bancos privados deram um vigoroso salto de 201% (ver Figura 8).

É interessante notar que, embora no final de 1997 a reestruturação bancária tenha aumentado a concentração, os beneficiários não foram os 30 maiores bancos (classifica-dos pelos ativos), cujos rankings estavam entre os próximos 70 bancos; a participação

Figura 7 - Participação de bancos privados e estatais: 1996-98

Agosto 1996 Abril 1997 Abril 1998

Fonte: Banco Central do Brasil

332

Page 321: Economia Brasileira - Werner Baer

Figura 8 - Taxa de crescimento do total de ativos, 1994-97

dos primeiros entre os cem maiores bancos caiu de 85,5% para 83% no período de 1994-96, enquanto a dos últimos aumentou de 14,5% para 17%.

Gomo foi mencionado, os bancos estrangeiros puderam participar do processo de reestruturação bancária após agosto de 1995. De fato, bancos com capital estrangeiro foram o único segmento do setor que cresceu durante o período de 1995-97 (Tabela 13.7). Foi permitido o ingresso de grupos financeiros estrangeiros no sistema financei-ro brasileiro contanto que estivesse associado à venda de bancos privados ou estaduais existentes. Bancos estrangeiros podiam assumir bancos nacionais já estabelecidos ou se associar a grupos financeiros brasileiros que estivessem adquirindo um banco. En-tretanto, os bancos estrangeiros já em atividade no país não podiam abrir novas filiais. Em 1998, vários bancos estrangeiros aproveitaram-se dessa abertura. Entre eles (ver Tabela 13.9 para detalhes), encontravam-se o Banco Santander, da Espanha37, a Société Générale de France38, o britânico HSBC39, e ABN Amro, da Holanda40. O HSBC comprou o Banco Bamerindus (terceiro maior banco brasileiro) e, assim, foi o primeiro banco estrangeiro a adquirir participação majoritária em um dos grandes bancos de varejo do país. Como podemos notar na Figura 8, durante o período 1994-97, os ativos pertencentes a estrangeiros na indústria bancária brasileira aumentaram 335%. Apesar desse crescimento, como indica a Figura 9, a participação estrangeira no sistema ban-cário brasileiro ainda fica para trás em relação aos demais países da América Latina. Enquanto os estrangeiros possuem uma média de 17% dos ativos bancários na Amé-rica Latina, seu índice de participação no Brasil é de apenas 14% comparados a 24% na Argentina, 22% no Chile, 18% na Venezuela e 16% no México, Colômbia e Peru (Figura 9).

333

Page 322: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 13.9 Aquisições bancárias março 1997-setem bro 1998

Data Instituiçãocompradora

Instituiçãoadquirida

% adquirida Valor (USS milhões)

Set./1998 Itaú BEMG 100 530Jul./1998 ABN Amro Real 40 2.000Abr./1998 Sudameris América do Sul 100 17Abr./1998 Bilbao Vizcaya Excel Econômico * 450Jan../1998 CGD Bandeirantes 100 *

Dez./1997 Bozano Meridional 100 265Out./199 7 Bradesco BCN 100 1.040Ago./1997 Santander/BGC Noroeste 50 500Ago./1997 InterAtlântico Boavista* * *

Ago./1997 BCN Credireal 100 120Jun./1997 Itaú Banerj 100 291Mai./1997 Santander B. Geral do Comércio 51 220Mar./1997 HSBC Bamerindus 100 940

* Não-divulgado.Fonte: Ernst & Young, /«: Gazeta Mercantil, 7/jul./1998, c atualizado pelos autores.

Figura 9 - Participação do capital estrangeiro nos ativos do setor bancário

3 0 i

Fonte: Ernst & Young, Folha de S.Paulo, 3/set./1998.

334

Page 323: Economia Brasileira - Werner Baer

ImplicaçõesAs muitas décadas de inflação levaram bancos públicos e muitos bancos privados

brasileiros a conceder crédito a muitos clientes de credibilidade duvidosa. Como vi-mos, o “float” resultante da inflação possibilitou aos bancos e seus clientes escapar às conseqüências de suas ineflciências. No processo, contudo, os governos estaduais e seus bancos puderam continuar a operar sem qualquer disciplina fiscal. Os bancos es-taduais estavam, desta forma, aplicando os depósitos do público em geral e de institui-ções públicas nos clientes de méritos duvidosos. Alguns dos bancos privados também emprestavam os depósitos do público a empresas com base na amizade (muitas vezes a firmas pertencentes ao mesmo grupo do banco) e não com base em uma cuidadosa análise de desempenho. O início do Plano Real e a subseqüente estabilização da eco-nomia expôs as ineficiências acumuladas de quase todos os bancos estaduais e muitos bancos privados, obrigando a uma drástica reestruturação do sistema bancário.

Apesar dos ganhos do ponto de vista da eficiência, o sistema bancário brasileiro ainda permanece relativamente ineficiente segundo a maioria dos padrões interna-cionais. A Figura 10 mostra que importantes bancos brasileiros estão muito defasados em relação a grandes bancos americanos no que concerne à eficiência, que é medida pelo índice de gastos administrativos e com pessoal em relação às receitas oriundas de operações de intermediação e serviços bancários. A Figura 11 mostra que, comparado à Coréia do Sul, aos Estados Unidos e aos Países Baixos, o Brasil fica para trás em termos de clientes atendidos por filial e do uso de transações eletrônicas. Essas ten-dências apontam para um custo mais elevado de operação por cliente e, portanto, que o sistema bancário brasileiro precisa eliminar a disparidade em termos de eficiência.

Figura 10 — Eficiência dos principais bancos brasileiros e internacionais (gastos administrativos e com pessoal relativos a intermediação

e receita de serviços)

176

Fonte: Bozano Simonsen, publicado na Gazeta Mercantil, 12/ago./1^98.

335

Page 324: Economia Brasileira - Werner Baer

Figura 11 - Medidas de eficiência: clientes por filial e transações eletrônicas(% do total)

Fonte: M cK insey , “A chave do desen v o lv im en to acelerado no Brasil” , m ar./1998, e Banco do Brasil, In fo rm ações relativas ao l 11 sem estre 1998.

A Figura 12 mostra que o crédito bancário para o setor privado no Brasil (somente 27%) é significativamente menor do que no Reino Unido (100%), nos Estados Unidos (63%), no Chile (44%) e no México (34%). A retração do setor público e o aumento da presença de concorrentes nacionais e estrangeiros podem ajudar a melhorar a efi-ciência do sistema bancário brasileiro. A fatia dos bancos públicos (excluindo o Banco do Brasil) no mercado financeiro caiu drasticamente de 21,3% em 1993 para apenas 5,8% em 1997 (ver Tabela 13.10). Durante o mesmo período, as cooperativas de crédito aumentaram sua participação no mercado em cerca de 11 pontos e outras instituições privadas registraram modestos avanços à custa de bancos federais e esta-tais. É provável que o aumento da concorrência (estrangeira e doméstica) associado ao maior envolvimento do setor privado no sistema financeiro ajude a melhorar a efici-ência. Um sistema bancário mais eficiente pode abrir caminho para um envolvimento mais ativo e produtivo do setor financeiro na economia.

Esse aumento de eficiência e de índices de crescimento econômico, porém, pode-rá não beneficiar todo o país. A privatização, em geral, poderá aumentar a curto e médio prazos a concentração de renda e a participação nos ativos.41 Isso também poderá ocorrer em relação à privatização dos bancos e reestruturação de bancos priva-dos. No passado, os bancos públicos tinham uma responsabilidade social que preju-dicava sua lucratividade. Essa incumbência fazia com que tivessem uma base de

Page 325: Economia Brasileira - Werner Baer

Figura 12 - C rédito bancário para o setor privado como percentagem do PIB

Fonte: M cK insey , “A chave do d esen v o lv im e n to acelerado no Brasil” , m ar./1998.

Tabela 13.10 Crédito concedido pelo sistema financeiro (% participação)

Tipo de instituição 1993 1994 1995 1996 1997

Bancos múltiplos e comerciais 74,2 66,8 65,2 62,4 56,2Banco do Brasil 16,1 18,4 18,1 18,2 16,2Bancos comerciais federais e estatais 21,3 10,5 11,1 10,3 5,8Bancos privados 36,8 37,9 36,0 33,9 34,2Bancos de desenvolvimento 6,5 5,8 6,0 7,2 10,0Bancos de investimento 0,5 0,6 0,4 0,5 0,5Financeiras 0,4 1,3 0,6 1,2 1,5Cooperativas de crédito 15,4 19,6 20,3 22,7 26,0Empresas de arrendamento mercantil 2,3 5,2 5,7 4,4 5,1Outros 1,0 1,6 1,6 1,6 1,3Total 100,0 100,0 100,0 100 100,0

Fonte: Banco C e n tra l do Brasil.

receita menor (embora a maior parte dos empréstimos agrícolas do Branco do Brasilfosse concedida a uma pequena parcela dos agricultores, principalmente para aqueles com maiores propriedades e rendas) e um processo administrativo intensivo de mão- de-obra. A responsabilidade social também levou ao número excessivo de filiais, já que regiões mais pobres e menos densamente habitadas podiam ser atendidas apenas

337

Page 326: Economia Brasileira - Werner Baer

por bancos públicos. Não há dúvida de que as responsabilidades sociais desses bancos dificultaram a avaliação de sua eficiência, visto que a otimização de objetivos sociais muitas vezes se contrapõe à maximização dos lucros e/ou da eficiência.

Como vimos, os bancos públicos foram excessivamente usados para fins políticos e, embora seu desaparecimento ajude a desfazer as distorções financeiras herdadas dos tempos inflacionários, permanecerá a questão sobre que instituição vai atender as tare-fas para as quais eles foram inicialmente criados, isto é, proporcionar crédito para áreas, grupos populacionais e setores econômicos não atraentes aos bancos privados. Da mes-ma forma, a intervenção do Banco Central em bancos privados mal administrados e sua integração com bancos privados mais saudáveis e a abertura do setor bancário aos bancos estrangeiros poderão melhorar a eficiência e a segurança do setor, ao mesmo tempo em que concentram crédito em áreas prósperas e grupos socioeconômicos mais privilegiados. Resta analisar se o governo pode criar incentivos num sistema financeiro privatizado a fim de dirigir alguns recursos dos bancos privados para as regiões atrasa-das e setores sociais e econômicos negligenciados.

Notas

1. D esejam os agradecer a M urillo N etto Carneiro Campello as várias sugestões que incorporamos a este capítulo

2. T O P IK , 1987. Topik também menciona que “...quase todos os empréstimos... eram concedidos por indivíduos e não por bancos e o crédito geralmente era de curto prazo” . Sobre a história dos primórdios do sistema bancário brasileiro, ver tam bém GOLD SM ITH, 1986, p. 36-43.

3. O boom financeiro nos primeiros anos da república foi m eticulosam ente descrito em Levy, 1980; ver também P E L Á E Z & SUZIGAN, 1981, cap. 6.

4. T O P IK , 1987, p. 38-535. G O L D SM IT H , 1986, p. 99-101.6. T O P IK , 1987, p. 52.7. G O L D SM IT H , 1986, p. 166. Em 1945, dois quintos dos bancos tinham suas m atrizes no Rio de

Janeiro e um quarto em São Paulo. As filiais eram menos concentradas, visto que São Paulo tinha um terço delas, M inas Gerais um quarto e o Rio Grande do Sul um décim o. Lees, Botts e Cysne, 1990, também observaram que do final da década de 1940 ao início da década seguinte, apenas alguns dos bancos então existentes tinham filiais, com a exceção do Banco do Brasil, e q u e "... a estrutura fragmentada dos bancos comerciais que prevalecia na época era praticamente a única opção disponível para quem precisava de serviços bancários, pois existiam muito poucos outros tipos de instituições financeiras. O incentivo para fundar novos bancos reside, em grande parte, nas elevadas taxas de inflação... e nas taxas de juros reais negativas. Esse fenômeno tornou a fundação de bancos atraente para muitos em presários”, p. 106.

8. D E A N , 1986, observa que “... a té bem depois de 1900, a maior parte do crédito agrícola era informal e privado; adiantam entos por parte de corretores ou importadores, ou empréstimos de credores privados, muitos dos quais limitavam suas negociações a parentes e vizinhos. As taxas de juros começavam a 12% e muitas vezes subiam até a 24%... E xceto para produtores de safras destinadas a exportação, o crédito rara-mente estava disponível, e não era incom um , mesmo para plantadores de café, fazer hipotecas” , p. 706.

9. A fonte dos fundos do BND ES variou ao longo do tempo. Ver: VILLELA & BAER, 1980, cap. 3.10. Ver W ELC H , 1993, cap. 3.11. W E L C H , 1993, p. 79.12. C A M PELLO , 1995, p. 9-10.13. Cam pello ressaltou que o aum ento de filiais se deu cm grandes bancos, como Bamerindus, Bradesco

c Itaú.14. Para detalhes sobre inflação, ver cap. 7 e 9.

338

Page 327: Economia Brasileira - Werner Baer

15. LEES et a I., 1990, p. 106.16. D O E L L IN G E R , 1991, p. 299. Doellinger ressalta que já em 1987, após a eleição para governadores

de 1986, o Banco Central interveio em sete instituições financeiras estatais, visto que elas corriam o risco de insolvência. O fato se repetiu no ano eleitoral de 1990, quando o Banco Central interveio em seis instituições estatais, incluindo três bancos estatais.

17. No ano anterior a junho de 1994, quando se iniciou o programa de estabilização do Real, a receita de “float” do setor bancário privado foi estim ada em R$4,7 bilhões, caindo para R$ 0,1 bilhão no ano seguinte.

18. Ver NA ZM I, 1997, para examinar as conseqüências macroeconômicas da estabilização com base na taxa cambial.

19. Essa opinião é coerente com constatações empíricas de que as explosões de crédito são indicadores importantes e confiáveis da crise bancária. Veja, por exemplo, KAMINSKY & REINHART, 1995, e GAVIN & HAU SM A NN, 1996.

20. GAVIN & HAUSMANN, 1996.21. CYSNE & da COSTA, 1996.22. M IS H K IN ,.1997.23. Deve-se ressaltar que no Brasil grandes empresas não contam tanto com empréstimos bancários quanto

pequenas e m édias empresas. Assim, a maioria dos empréstimos vencidos pode ser atribuído a essas últimas.24. WELCH, 1996, p. 7. Welch também observa que a situação do Brasil é favorável quando comparada

a outros países latino-americanos.25. W E L C H , 1998.26. FM I, 1997.27. Idem, ibid.28. Para um tratamento para sistemas bancários com poucas instituições, ver BERY & GARCIA, 1996.29. A partir dc dezembro de 1995, foi perm itido aos investidores estrangeiros adquirir ações, sem direito

a voto, de instituições financeiras e os bancos brasileiros puderam adquirir American Depositary Receipts - ADRs (Recibos dc Depósitos dc Ações).

30. Boletim, Banco Central do Brasil, Relatório Anual, 1996.31. Boletim, Banco Central do Brasil, Relatório Anual, 1997.32. Idem, ibid.33. CYSNE & da COST A, 1996.34. Deve-se observar que no mesmo período o número de caixas eletrônicos aumentou de 14.400 para

15.100. Esses caixas funcionam como locais de depósitos e retiradas. Ver Conjuntura Econômica, dez./1997, p. 34.35. Idem, ibid.36. Gazeta Mercantil, 23/jun./1998, p. B -l.37. O Santander comprou o Banco Geral do Comércio, com 43 filiais, em 1996.38. O Société Générale comprou o Banco Sogcral.39. O HSBC comprou o Bamerindus.40. O ABN Amro comprou o Banco Real.41. Ver, por exemplo, BAER, 1994.

339

Page 328: Economia Brasileira - Werner Baer

14Desequilíbrios regionais

.A . DESIGUALDADE ESPACIAL NO crescimento e na distribuição de renda tem sido uma característica da economia brasileira desde os tempos coloniais e cada um dos ciclos de exportação de produtos primários do passado beneficiou uma ou outra região específica. O ciclo da cana-de-açúcar nos séculos XVI e XVII favoreceu o Nordeste; o de exportação de ouro dos séculos XVII e XVIII transportou o dinamis-mo da economia à área onde hoje se encontra o estado de Minas Gerais e às regiões que a abasteciam, no Sudeste brasileiro; a expansão da exportação de café do século XIX favoreceu primeiro o interior do Rio de Janeiro e, posteriormente, o estado de São Paulo. No século XX, entretanto, a substituição histórica de regiões economicamente favorecidas chegou ao fim. O Sudeste do país, que era a área dinâmica de exportação no início do processo de industrialização, tornou-se também o setor líder da economia brasileira, e o principal beneficiário do crescimento econômico e aumentou significati-vamente sua participação no PIB.

O grau de desigualdade regional

A dimensão da desigualdade regional no Brasil pode ser avaliada a partir da Tabela14.1. Da era colonial até o presente, o Nordeste e o Sudeste brasileiros foram responsá-veis pela maior parte da população do país. Pode-se observar, pelos dados contidos na Tabela 14.1a, que até 1872 a maior parcela dos habitantes residia no Nordeste. Na vi-rada do século, porém, o Sudeste se transformou no principal centro populacional, assim permanecendo até hoje. A participação do Nordeste na concentração populacional de-clinou continuamente após 1872, de 46,7% para 29% em 1989. A redistribuição da po-pulação ocorreu por meio da migração interna e da vinda de imigrantes.

Comparando-se a distribuição regional da população com a da renda nacional (Ta-bela 14.1c), nota-se o alto grau de desigualdade entre as regiões e sua persistência ao

340

Page 329: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 14.1População regional e estatísticas de renda

(a) Distribuição regional da população, 1772-1996

1772-82 1872 1900 1940 1970 1980 1991 1996Norte 4,1 3,4 4,0 3,6 3,9 4,9 7,0 7,1Nordeste 47,4 46,7 38,7 35,0 30,3 29,3 28,9 28,5Sudeste 41,8 40,5 44,9 44,5 42,7 43,4 42,6 42,7Sul 1,9 7,3 10,3 13,9 17,7 16,0 15,1 15,0Centro-Oeste 4,8 2,1 2,1 3,0 5,4 6,4 6,4 6,7

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fontes: G R A H A M , D ouglas H. & M E R R IC K , T h o m a s W. “Population and eco n o m ic grow th in Brazil: an in te rp re ta tio n of the long-term tre n d (1800-2000)” . mar./1975, p. 43 (mimeografado); além d e u sa r material sobre o censo b ras ile iro , eles tam bém em pregaram as seguintes fontes para as informações históricas p ré -ce n so : A LD EN , D auriel. “T h e population of Brazil in th e late eighteenth century : a prelim inary study” . Hispanic American Historical Review 43, mai./1963, p. 173- 205; IB G E , Censo Demográfico, 1980, Rio d e Janeiro , 1983; Anuário Estatístico do Brasil 1992, 1997.

(b) População total (milhares)

1872-993 1940-41.236 1980- 119.070 1996- 157.0701900- 17.434 1970-93.135 1993 - 155.000 2000- 165.359

Fontes: As m esm as d e (a).

(c) Distribuição regional da renda national (percentagem da distribuição)

1949 1959 1970 1980 1985

Norte 1,7 2,0 2,0 3,1 4,4Nordeste 14,1 14,1 12,2 12,0 13,5Sudeste 66,5 64,1 64,5 62,4 58,2Sul 15,9 17,4 17,5 17,0 17,7Centro-Oeste 1,8 2,4 3,8 5,5 6,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fontes: C alculado a p artir de dados da F undação G e tú l io Vargas, IB R E, C en tro d e C ontas Nacionais, Sistema de Contas Nacio-nais, Novas Estimativas, set./1974; Conjuntura Econômica, mai./1987; IB G E , Anuário Estatístico do B ra s il1991.

(d) Distribuição regional do PIB

1970 1985 1990 1997Norte 2,2 4,3 5,5 4,4Nordeste 12,1 13,8 15,9 13,1Sudeste 65,0 59,4 56,2 58,6Sul 17,4 17,1 16,7 17,7Centro-Oeste 3,8 5,4 5,7 6,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: IBGE, Anuário Estatístico, 1999.

341

Page 330: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 14.1 (continuação)

(e) Distribuição regional da produção industrial

1949 1959 1970 1985 1995

Norte 1,0 1,7 1,1 4,0 3,0Nordeste 9,4 8,3 7,0 12,1 7,0Sudeste 75,4 76,9 79,1 65,7 72,1Sul 13,5 12,3 12,0 15,7 16,6Centro-Oeste 0,7 0,8 0,8 2,5 1,3

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fontes: C a lcu lado a partir de dados da F u n d a ç ã o G etú lio Vargas, IB R E , C e n tro d e Contas Nacionais, Sistema de Contas Nacio-nais, Novas Estimativas, set./1974; In: Conjuntura Econômica, d ez ./1993 ; IB G E , Anudrio Estatístico, 1991, 1997.

longo do tempo. Enquanto até 1980 o Nordeste ainda era responsável por 30% da popu-lação, sua parcela da renda nacional caiu de 14,1% em 1959 para 12,0% em 1980, ampli-ando-se novamente para 13,5% em 1985, enquanto o Sudeste, com 44,8% da população em 1989, era responsável por 58,2% da renda. Também se pode observar que na década de 1980 as parcelas da renda nacional do Sul e do Centro-Oeste estavam próximas às parcelas proporcionais de sua população. Analisando a distribuição regional do PIB (Ta-bela 14.1d), percebe-se o ganho relativo do Nordeste desde 1970, principalmente na década de 1980. As diferenças entre as regiões mais importantes são impressionantes mesmo quando se acrescenta que o Nordeste possui uma característica predominante-mente rural e, portanto, dispõe de um setor não comercial proporcionalmente significa-tivo e, conseqüentemente, apresenta uma receita real (incluindo bens que não entram na economia de mercado) que é, de algum modo, maior do que o indicado aqui.

Durante o período de 1960-75, a renda per capita do Nordeste oscilava entre 38% e 42% da média da renda per capita nacional, permanecendo em 41,6% em 1980, aumentando para 62,5% em 1988 e caindo novamente, porém, para 46% em 1997. Para alguns estados, a renda per capita atingiu a baixa percentagem de 25% da média nacional, enquanto na região mais desenvolvida essa taxa chegou a mais de 163%. Como indicação aproximada da real magnitude envolvida na questão, calculou-se que o PIB per capita do Brasil em 1960 foi de cerca de US$ 420, em 1988 de US$ 2.241 e em 1998 US$ 3.209 (em dólares correntes).

Mesmo durante o processo brasileiro de urbanização, as cidades do Nordeste apre-sentavam maior pobreza urbana. Enquanto em 1989 os pobres chegavam a uma média de 28% nas nove maiores regiões metropolitanas do país, nas áreas metropolitanas do Nordeste essa taxa atingia 40%.’

Um indicador da forte ligação entre o processo de industrialização e as elevadas disparidades regionais pode ser obtido a partir de uma análise das mudanças havidas na distribuição regional de renda nos setores agrícola, industrial e de serviços (Tabela 14.2). O grau de concentração regional é muito menos pronunciado na agricultura do que nos outros setores. Como estes últimos (especialmente a indústria), porém, têm crescido mais rapidamente que a agricultura e por se tratarem basicamente de setores urbanos, pode parecer que o aumento da concentração regional de atividade econô-

1 4 7

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Tabela 14.2 Distribuição regional de renda por setores, 1949-95

(distribuição percentual)

Morte Nordeste Sudeste Sul Oeste Total

Agricultura1949 1,6 18,7 54,2 22,2 3,3 100,01959 1,7 21,0 43,7 28,8 4,8 100,01970 2,3 20,9 40,0 29,6 7,2 100,01980 5,0 19,5 34,7 29,5 11,3 100,01985 4,7 7,2 38,9 29,8 1,9 100,01995 9,3 16,8 35,2 27,2 11,5 100,0

Indústria1949 1,0 9,4 75,4 13,5 0,7 100,01959 1,7 8,3 76,9 12,3 0,8 100,01970 1,3 5,6 80,6 11,7 0,8 100,01980 3,0 9,5 69,0 16,2 2,3 100,01985 2,9 8,5 70,8 16,4 1,4 100,01995 3,0 7,0 72,1 16,6 1,3 100,0

Serviços1949 2,0 13,1 70,7 12,9 1,3 100,01959 2,2 13,0 69,1 13,8 1,9 100,01970 2,3 12,1 65,8 16,0 3,8 100,01980 2,8 12,4 62,9 15,1 6,8 100,01985 3,6 13,5 58,2 16,2 8,5 100,01995 4,7 13,1 55,5 22,2 4,5 100,0

Fonte: C alculado a p a rtir dc dados da F undação G e tú l io Vargas, IBRE, C en tro de C o n ta s Nacionais, Sistema de Contas Nacionais, Novas Estimativas, set./1974; Conjuntura Econômica, mai./1987; IB G E , Anuário Estatístico do Brasil, 1992 e 1997.

mica se deve, em grande parte, à natureza do processo de industrialização. Deve-se notar, entretanto, que o setor agrícola detém as maiores disparidades regionais quanto à renda e à população economicamente ativa. Em outras palavras, uma região como o Nordeste não só possui uma parcela muito menor de indústrias comparada à sua parcela populacional, mas também sua renda per capita na agricultura é muito menor do que a do Sudeste.

A T abela 14.2 mostra que nas décadas de 1970 e 1980 houve alguma descentralização na indústria. O Sudeste perdeu alguns poucos pontos percentuais para outras regiões, e os maiores ganhos foram obtidos pelo Sul do país. A parcela do Nordeste aumentou quatro pontos percentuais, o que o colocou de volta à posição ocupada em 1949. Em 1995, o Nordeste voltou a declinar.

As Tabelas 14.3 e 14.4 revelam diferenças significativas na distribuição setorial de renda e mão-de-obra nas diversas áreas geográficas. Enquanto em 1985 a média da ren-da nacional gerada pela agricultura foi de 10,0%, essa taxa variou de 6,8% no Sudeste, 13,2% no Centro-Oeste a 15,9% no Nordeste. A média nacional para o setor industrial foi de 40,1%, variando consideravelmente entre as regiões - 44,6% no Sudeste, 35,4%

343

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Tabela 14.3Distribuição setorial de renda das principais macrorregiões, 1949-95

(distribuição percentual)

Agricultura Indústria Serviços Total

1949Norte 30,0 12,3 57,7 100,0Nordeste 41,0 13,8 45,2 100,0Sudeste 25,2 23,3 51,5 100,0Sul 43,0 17,5 39,5 100,0Centro-Oeste 46,8 17,0 36,2 100,0Brasil 30,9 20,6 48,3 100,0

1959Norte 22,8 19,6 57,6 100,0Nordeste 39,5 13,4 47,1 100,0Sudeste 18,0 27,2 54,8 100,0Sul 43,7 16,1 40,2 100,0Centro-Oeste 53,0 7,3 39,7 100,0Brasil 26,4 22,7 50,9 100,0

1970*Norte 23,5 15,1 61,4 100,0Nordeste 22,3 18,3 59,4 100,0Sudeste 6,5 37,0 56,5 100,0Sul 24,1 20,9 55,0 100,0Centro-Oeste 24,0 7,0 69,0 100,0Brasil 12,5 30,6 56,9 100,0

1980*Norte 16,1 37,2 46,7 100,0Nordeste 16,3 30,3 53,4 100,0Sudeste 5,6 42,3 52,1 100,0Sul 18,4 35,5 46,1 100,0Centro-Oeste 20,7 15,4 63,9 100,0Brasil 10,0 38,3 51,7 100,0

1985*Norte 16,7 39,8 43,5 100,0Nordeste 15,9 35,4 48,7 100,0Sudeste 6,8 44,6 48,6 100,0Sul 16,6 36,7 46,7 100,0Centro-Oeste 13,2 16,1 70,7 100,0Brasil 10,5 40,1 49,4 100,0

1995Nordeste 12,6 23,8 63,6 100,0Brasil 12,3 32,0 55,7 100,0

* D is trib u ição do PIB.Fonte: C alcu lado com base em dados dos censos de 1950 e I960 e da Conjuntura Econômica, mai./1987; I B G E , Anuário Estatístico

cio Brasil, 1992. SU D EN E, Boletim Conjuntural, ago./1996.

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Page 333: Economia Brasileira - Werner Baer

no Nordeste e 16,1% no Centro-Oeste. A variação regional para o setor de serviços fc muito menor. Em 1995 a participação da indústria diminuiu tanto em termos regionai quanto nacionais, ao passo que a participação dos serviços aumentou substancialmente

Em 1990, a população economicamente ativa como parte do total da população ci 10 anos ou mais era maior no Sudeste (43,5%), enquanto consistia em somente 34,1 Ç no Nordeste. A distribuição setorial da mão-de-obra apresentada da Tabela 14.4 tarr bém indica variações regionais significativas. Em 1999, a média nacional para a partic pação da mão-de-obra na agricultura foi de 23,3%, enquanto no Nordeste era de 39,6>í e no Sudeste, de 12,3%. No que se refere ao emprego industrial, a média nacional f< de 20,1%, com variações de 24,2% no Sudeste a 14,8% no Nordeste. A taxa da popu 1í ção empregada no setor de serviços encontrava-se muito acima da média nacional n Sudeste (63,5%) e era a mais baixa nas regiões mais pobres (46,1% no Nordeste).

A Tabela 14.4 também mostra que, no decorrer dos anos, a mão-de-obra foi transferi t da agricultura para os outros dois setores em todas as regiões. Contudo, enquanto r Sudeste a parcela do emprego industrial mais que dobrou, o setor de serviços desenv^c veu-se mais lentamente. No Nordeste o setor de serviços cresceu ligeiramente mais c termos relativos - a indústria de 7,3% para 14,3%, e os serviços de 18,4% para 46,1% .

A comparação entre a parcela dos três principais setores nas regiões mais im porta tes do Brasil e da População Economicamente Ativa (PEA), no PIB, revela algumas c racterísticas dignas de nota (Tabela 14.5). Embora 24% da PE A brasileira estivesse e: volvida na agricultura do Nordeste em 1950, ela contribuiu somente com 5,7% p a ra PIB; em 1980, 13,2% da PEA trabalhava na agricultura do Nordeste, contribuindo e 1,9% para o PIB. Isso significa que a produtividade da agricultura na região dim inui visto que a relação entre a parcela da PEA e a receita agrícola do Nordeste aum entou 4,2% para 6,9% no período examinado, tendência que foi revertida nas décadas de 1 S* e 1990. Pode-se observar que, embora a participação da PEA na agricultura no S u d e í e no Sul também tenha sido maior do que a participação desses setores na renda n a c nal, a discrepância foi muito menos acentuada do que no Nordeste.2

Passando aos setores urbanos, são impressionantes os contrastes de produtivid a entre setores industriais do Nordeste e Sudeste. No primeiro, a parcela da PEA c d< pada no setor foi maior que o percentual de contribuição na geração de riquezas < relação à renda nacional naquela região, fato radicalmente modificado pela prim_e vez na década de 1980. No Sudeste, a participação da mão-de-obra industrial na IP1 nacional foi muito menor do que a participação da renda nacional em 1950, d ife re i que se ampliou até 1990.

Examinando o setor de serviços, percebe-se que no Nordeste a diferença de p ticipação (PEA versus renda nacional) existente em 1950 era menor que em o u t setores, embora a participação da PEA em 1980 e 1990 tenha sido significativam maior do que a da renda. Antes de 1980, a produtividade do setor de serv iços Sudeste era muito maior do que no Nordeste, sendo que a parcela da PEA era m i menor do que a da renda. Até 1990, porém, esses fatos foram modificados, quan^ d parcela da PEA e da renda eram aproximadamente as mesmas. No Sul, a la c u n s bastante acentuada em 1950 (a PEA era bem menor do que a renda) tendo 5 reduzida no período de 1980-95.

Page 334: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 14.4D istribuição setorial da força de trabalho por região, 1940-98

Agricultura Indústria Serviços Total

Brasil1970 44,3 17,9 37,8 100,01985 28,3 22,1 49,6 100,01990 22,8 22,7 54,5 100,01998 23,3 20,1 56,6 100,0Norte e Crrtro-Oeste 1940 70,4 8,2 21,4 100,01950 72,8 7,5 19,7 100,01960 62,8 9,1 28,1 100,01970 55,2 11,3 33,5 100,01985 32,2 18,2 49,6 100,01990 18,0 18,0 64,0 100,01998 17,3 16,7 66,0 100,0Nordeste1940 74,3 7,3 18,4 100,01950 73,8 8,0 18,2 100,01960 69,6 8,0 22,4 100,01970 61,1 10,7 28,2 100,01985 46,3 15,1 38,6 100,01990 37,9 15,8 46,3 100,01998 39,6 14,3 46,1 100,0Sudeste1940 55,4 12,7 31,9 100,01950 47,1 19,0 33,9 100,01960 38,8 18,4 42,8 100,01970 26,9 25,0 48,1 100,01985 15,6 28,1 56,3 100,01990 12,1 28,4 59,5 100,01998 12,3 24,2 63,5 100,0Sul1940 63,9 9,4 26,7 100,01950 63,3 12,6 24,1 100,01960 59,4 10,2 30,4 100,01970 54,0 14,3 31,7 100,01985 38,2 19,7 42,1 100,01990 30,7 21,3 48,0 100,01998 26,3 22,5 51,2 100,0

Fonte■ IBGi, vários censos demográficos para 1985, IBGE, Anuário Estatístico, 1986; IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1992, ' IBGi! 1998.

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Page 335: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 14.5 Participação regional no PIB total e no total

da População Econom icam ente Ativa (PEA), 1950-95

Agricultura Indústria Serviços

NordestePIB1950 5,7 1,9 6,21970 2,6 2,1 6,91980 1,9 3,6 6,41985 2,2 4,8 6,61995 2,0 4,4 7,8

PEA1950 24,0 2,7 6,11970 17,6 3,0 7,61980 13,2 4,1 10,31990 10,2 4,2 12,41995 11,8 3,8 9,2

SudestePIB1950 16,5 15,2 33,61970 4,3 24,2 37,01980 3,5 26,4 32,51985 4,0 26,4 28,71995 4,2 20,7 36,1

PEA1950 21,4 8,7 15,61970 11,9 11,3 21,51980 7,7 12,6 25,51990 5,5 12,9 27,21995 5,8 9,3 17,2

SulPIB1950 6,7 2,7 6,21970 4,2 3,7 8,91980 3,0 6,2 7,81985 2,8 6,3 8,01995 3,3 5,2 9,5

PEA1950 9,5 1,9 3,61970 9,9 3,0 7,61980 6,8 3,4 7,21990 5,3 3,7 8,31995 4,9 3,3 5,5

Fonte: Calculado com base em dados da Fundação Getíílio Vargas, Centro de Contas Nacionais, In: Sistema de Contas Nacionais, set./1974; IBGE, vários censos; IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1992, IBGE 1998.

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Page 336: Economia Brasileira - Werner Baer

A dinâmica das desigualdades regionais

Enquanto a economia brasileira estava voltada basicamente às exportações, a distribuição regional da renda era determinada pelo tipo de produtos primários pre-dominantemente exportados. Quando, porém, a principal fonte de crescimento foi internalizada, as taxas de crescimento e desenvolvimento regional desiguais tenderam a se perpetuar ou, às vezes, até a aumentar.

Hicks, entre outros, observou que, uma vez que se desenvolvem taxas de cresci-mento desiguais, elas tendem a se perpetuar. A disparidade nas taxas de crescimento pode até aumentar porque, “à medida que a indústria e o comércio se concentram em um determinado centro, eles mesmos conferem a esse centro uma vantagem para desenvolvimento posterior” .3 Novas empresas se mostrarão inclinadas a se instalar nas regiões já em processo de desenvolvimento, a menos que haja razões especiais para procurar outras áreas, visto que economias externas vão investir nesses locais mais lucrativos. Tais economias externas compõem-se de mão-de-obra especializada mais facilmente disponível e uma ampla variedade de bens e serviços complementares que não precisam ser importados. Embora a razão inicial para o mais rápido crescimento de tal região possa ter sido uma vantagem geográfica, “é perfeitamente possível que elas a percam e ainda continuem a crescer devido a essa vantagem de concentração. Ou seja, elas crescem por um impulso econômico interno”.4

Embora o impulso de crescimento geralmente seja cumulativo na área dinâmica, ele poderia, em determinadas circunstâncias, espalhar parte de seu dinamismo a outras áreas. Em outras palavras, o crescimento da área dinâmica pode agir como uma força centrífuga em determinadas situações, mas pode também atuar como uma força centrípeta e extrair qualquer potencial de crescimento que possa haver nas áreas marginais.

O crescimento pode ser transmitido da região dinâmica à estática por três canais básicos: a movimentação de bens, de capital e de trabalho. As transmissões de cres-cimento por meio do comércio se instalam quando a região dinâmica não é auto- suficiente, fazendo com que parte da riqueza incrementai seja gasta em outra região complementar. O capital será incentivado a passar da área dinâmica para a inativa somente se a fonte vital de abastecimento da primeira necessitar de desenvolvimento. Tal movimentação pode criar novos centros de crescimento auto-sustentados, embora possa também simplesmente criar uma economia encerrada em uma região distante com poucas ligações locais. Sem esse incentivo, é provável que o centro dinâmico aja de modo centrípeto no que se refere ao capital, pois, com todas as circunstâncias exteriores disponíveis, as taxas de retorno do investimento provavelmente serão muito mais elevadas na região em crescimento do que na inativa.

Também é de se esperar que a mobilidade da mão-de-obra se dirija para a região em desenvolvimento e é mais provável que sua produtividade e seus ganhos sejam maiores nessa área do que na inativa. A margem de diferença na remuneração da mão- de-obra ou a expectativa em relação a ela terão de ser suficientes para superar a inércia atribuível à mudança nos padrões de vida envolvidos no movimento. Como fato positivo, a movimentação da mão-de-obra poderá aliviar a pressão na área inativa

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Page 337: Economia Brasileira - Werner Baer

e até mesmo elevar a renda per capita, especialmente se na área existir uma quanti-dade considerável de desemprego disfarçado. Tal movimentação também pode bene-ficiar o centro dinâmico ao manter uma oferta constante de mão-de-obra à disposição evitando, dessa maneira, um aumento excessivamente rápido de seus custos, além de poder representar um escoadouro para a região inativa, visto que geralmente há uma tendência maior para que indivíduos jovens, mais vigorosos e mais bem treinados ou com potencial para serem treinados se mudem.

Também se pode argumentar que, se a região em crescimento não atrair mão-de- obra de outras regiões com a rapidez suficiente, é possível que estas últimas acabem parecendo mais atraentes ao capital do que antes. É mais provável, entretanto, que os salários relativamente mais baixos na região inativa sejam compensados por uma produtividade menor da mão-de-obra e por custos mais elevados em outros campos, como transporte ou energia.

Se o padrão de desenvolvimento da situação for tal que resulte em forças centrípetas dominantes, considerações de eqüidade poderão obrigar o governo a tomar medidas que corrijam as desigualdades regionais. Até que ponto isso pode ser feito sem pre-judicar o crescimento da região dinâmica? Pode-se conseguir a implementação de medidas políticas oficiais de redistribuição geográfica por meio de uma política fiscal e/ou dc medidas oficiais diretas que estimulem as empresas a se instalar em regiões mais atrasadas.

Uma providência redistributiva óbvia é a expansão, por parte do governo, de sua infra-estrutura socioeconômica na região inativa, financiada ou pela redução de suas atividades na região dinâmica ou pelo aumento da carga tributária nesta. O primeiro método pode ser prejudicial à continuação do crescimento naquela área devido aos gargalos que poderão surgir na infra-estrutura. Se a expansão dos investimentos do governo na área inativa deve ser financiada por gastos adicionais com base no aumen-to da tributação na região dinâmica, o dano causado a esta última dependerá da estrutura fiscal. Caso sua natureza seja progressiva, a fonte do capital e o incentivo ao investimento poderão diminuir significativamente, conduzindo à redução na taxa de crescimento daquela região. Se, porém, a estrutura fiscal for regressiva, como ocorre em muitos países em desenvolvimento, o efeito poderá ser menos prejudicial ou até mesmo neutro, caso em que o financiamento do desenvolvimento da região inativa viria de uma diminuição no consumo da região dinâmica. Em determinadas circuns-tâncias, esse seria um fenômeno saudável, embora o crescimento nesta região pudesse ser reduzido se a queda no consumo fosse de uma grandeza tal a ponto de afetar o incentivo ao investimento.

A migração populacional interna

É possível observar na Tabela 14.6 que foram realizados alguns ajustes nos desequilíbrios regionais por meio da migração.

A imigração estrangeira exerceu um impacto importante no estado de São Paulo e nos estados do Sul na segunda metade do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX. No caso de São Paulo, a imigração estava ligada à expansão do setor

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Page 338: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 14.6Taxas nacionais e regionais d a migração interna líquida,

expressas como percen tagem da população nos primeiros censos, 1890-1970

Taxas nacionaisPeríodos de 10 anos entre censos Taxa 20 anos Taxa

1890-1900 2,97 1900-1920 3,791940-1950 2,94 1920-1940 4,991950-1960 5,51 - -

1960-1970 4,49 -

Taxas regionais*

1890-1900 1900-20 1920-40 1940-50 1950-60 1960-70

Norte 27,38 16,66 -13,72 -3,38 0,39 2,78Nordeste -1,42 -1,68 -0,84 -2,67 -9,78 -5,08Leste -0,64 -4,81 -5,37 -3,36 -3,10 -5,57Sul -0,97 5,24 11,73 6,07 8,25 5,61

São Paulo 5,43 1,13 11,54 5,70 7,80 7,66Paraná -7,47 13,43 19,58 29,28 43,58 18,39

Centro-Oeste 2,64 11,88 13,37 7,27 22,52 23,22Goiás 2,17 10,33 9,92 11,15 21,34 21,42Mato Grosso 3,81 15,60 21,30 -0,55 23,59 27,38

* Essa tabela utiliza antigas divisões macrorregionais.Fonte: GRAHAM, Douglas H. & MERRICK, Thomas W. “Population and economic growth in Brazil: an interpretation of rhe

long-term trend (1800-2000)” , mar./1975, p.49, mimeografado.

cafeeiro e, no Sul, ao desbravamento de novas terras nas quais, após a exploração de produtos da floresta, se desenvolveu uma agricultura comercial que atendia aos mer-cados urbanos em crescimento.

Depois disso, a migração interna assumiu uma importância cada vez maior, espe-cialmente quando a industrialização com o objetivo de substituir as importações (ISI) se tornou a principal força dinâmica da economia e, localizada no Sudeste, atraiu gran-de número de migrantes. As melhorias nas comunicações entre as várias partes do país, que foi uma conseqüência do processo de industrialização, e a abertura de novas fron-teiras para o aumento da produção agrícola facilitaram a migração interna. Assim como ocorreu com a imigração estrangeira, a migração interna beneficiou principalmente São Paulo, além do Paraná, Mato Grosso e Goiás, que são seus limítrofes (ver Tabela 14.6). A migração prosseguiu na década de 1970 e calcula-se que, em 1980, 46 milhões de pessoas mudaram de cidade ao menos uma vez, que 36 milhões não nasceram em seu domicílio e que 44% dos 35 milhões de residentes das nove maiores regiões metropo-litanas brasileiras eram imigrantes (regionais e estrangeiros).5

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Page 339: Economia Brasileira - Werner Baer

A interação entre o Nordeste e o Centro-Sul

Argumentou-se que o processo de ISI agravou os desequilíbrios regionais no Bra-sil, principalmente entre o Nordeste e o Centro-Sul.6 Antes da ISI, o Nordeste era um exportador de produtos primários (cana-de-açúcar, algodão, cacau) e um importador de produtos manufaturados. As políticas que levaram à intensificação da ISI não só ocasionaram o estabelecimento da maior parte da capacidade industrial do país no Centro-Sul, mas também conduziram ao declínio da posição absoluta ocupada pelo Nordeste. Ao mesmo tempo em que continuava a exportar seus tradicionais produ-tos primários, essa região era obrigada, devido às políticas protecionistas praticadas no país, a importar seus produtos manufaturados do Centro-Sul, e não do estrangei-ro. E, como os preços relativos dos produtos das empresas recém-instaladas eram mais elevados do que os bens antes importados, o Nordeste sofreu uma queda nas relações de troca ajudando, na verdade, a subsidiar a industrialização do Centro-Sul brasileiro.

As evidências disponíveis indicam que essas tendências existiam na década de 1950. A Tabela 14.7 contém a posição de comércio exterior do Nordeste e a distribui-ção regional de exportações e importações. O valor médio das exportações da região aumentou de US$ 165 milhões em 1948-49 para US$ 232 milhões em 1959-60, en -quanto naquele período o valor médio de suas importações caiu de US$ 97 milhões para US$ 82 milhões. Durante muitos anos do período posterior à Segunda Guerra Mundial o superávit de comércio exterior do Nordeste foi suficiente para cobrir os déficits incorridos pelo restante do país em sua balança comercial sendo, às vezes, grande o bastante para cobrir outros déficits do balanço de pagamentos.

O elevado superávit do comércio exterior do Nordeste devia-se, principalmente, às políticas gerais de industrialização seguidas pelo governo federal. Como o ritmo de industrialização do Nordeste não era tão rápido quanto o do Sudeste, a estrutura de sua demanda por importações estava voltada para bens que sofriam pesadas restrições. Assim, “o Nordeste não usou o total da receita cambial gerada por suas exportações. Cerca de 40% de tal receita foi transferido a outras regiões do país”.7

A Tabela 14.8 mostra as cifras referentes ao comércio inter-regional para o período de 1948-59. Pode-se notar que o Nordeste apresentou déficits perpétuos em relação ao resto do país, especialmente com o Centro-Sul, e que esses déficits aumentaram durante a última parte da década de 1950.

Esses dados levaram as autoridades responsáveis pelo desenvolvimento do Nor-deste a concluir que uao suprir com créditos externos ao Centro-Sul, o Nordeste contribuiu para o desenvolvimento daquela região com um fator escasso aos sulistas, a capacidade de obter recursos externos”. Além disso, com um crescente déficit do Nordeste diante do Centro-Sul no que se refere ao comércio e “como as exporta-ções do Centro-Sul para o Nordeste consistem principalmente em bens manufatu-rados, ao passo que as matérias-primas têm um peso muito maior nas exportações do Nordeste, é apropriado supor que a discrepância em relação ao Centro-Sul é ainda maior, se a troca for medida em termos de volume de emprego criado para ambas as regiões” .8

351

Page 340: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 14.7C om ércio exterior do N ordeste e distribuição regional

de exportações e importações, 1947-60

(a) Comércio exterior do Nordeste (em milhões de US$)

Exportações Importações Saldo

1948 197,6 93,2 104,41949 133,0 100,3 32,71950 174,1 86,9 87,21951 197,6 166,4 31,21952 114,5 173,3 -58,81953 169,6 95,3 74,31954 235,4 86,9 148,51955 238,5 86,2 152,31956 163,9 97,7 66,21957 212,1 131,9 80,21958 246,1 94,4 151,71959 216,1 79,3 136,81960 247,7 85,3 162,4

(b) Distribuição percentual regional de exportações e importações

Exportações Importações

1947 1960 1947 1960

Norte 2,4 1,7 1,3 1,2Nordeste 9,8 7,7 6,4 4,5Leste 22,2 39,2 42,6 33,9Sul 65,6 48,3 49,6 60,3Centro-oeste - 3,1 0,1 0,1Total 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: a) Conselho de Desenvolvimento do Nordeste. A policy for the economic development o f the northeast. Recife, 1959.

b) Calculado com base em vários exemplares do Relatório, do Banco do Brasil.

O superávit de exportações do Nordeste para o exterior resultante da industriali-zação centrada no Sudeste - o primeiro sendo obrigado a comprar do segundo sob relações de troca menos favoráveis - implica uma transferência de renda da região mais pobre do país para a mais rica. Tentou-se medir a magnitude dessa transferência de renda. A Tabela 14.9 mostra o índice dos preços de exportação e atacado do Brasil, incluindo o café. A relação entre o primeiro e o segundo indica as relações de troca por região, na suposição de que somente bens nacionais possam ser adquiridos com a receita de exportação.9 Gomo o câmbio no período até 1953 era estável, a coluna C reflete com bastante propriedade a perda do poder de compra do Nordeste. Após essa data, entretanto, os índices tiveram de ser corrigidos por causa das mudanças nas taxas

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Tabela 14.8Valor do comércio do Nordeste com o Centro-Sul, 1948-59

(em milhões de cruzeiros)

Exportações Importações Saldo

1948 4.069 5.541 -1.4721949 4.579 6.630 -2.0511950 5.349 7.141 -1.7921951 6.843 8.298 -1.4551952 6.687 8.159 -1.4721953 7.975 10.792 -2.8171954 10.804 12.871 -2.0671955 13.495 16.477 -2.9821956 19.845 19.692 1531957 17.892 21.078 -3.1861958 16.878 22.732 -5.8541959 21.857 26.699 -4.842

Fonte: Conselho dc Desenvolvimento do Nordeste. A policy for the development of the northeast. Recife, 1959, p. 121; Banco do Brasil, Relatório. Rsses dados referem-se à navegação costeira entre os estados.

de câmbio, o que foi feito na coluna E, assim, no período de 1948-60, o coeficiente de preços declinou de 100 para apenas 48 em vez de 10, o que significa que “a receita cambial que o Nordeste não gastou com importações, mas usou para comprar produtos no Centro-Sul, sofreu uma queda no poder aquisitivo na magnitude indicada”.10

Também apresentamos na Tabela 14.9 uma medida da transferência real de ati-vos. A coluna b contém os ganhos cambiais líquidos obtidos pelo Nordeste multipli-cados pelo índice do poder de compra dos ganhos cambiais na região Centro-Sul. Obtemos, assim, uma aproximação do poder de compra real dos ganhos cambiais líquidos e a diferença existente entre ele e os ganhos cambiais iniciais (coluna I) que revela a quantidade de ativos transferidos para o Sudeste.

No período de 1948-60 foram transferidos mais de US$ 413 milhões de capital, representando uma média de US$ 32 milhões ao ano, de modo que a transferência de ativos ocorreu porque o preço pelo qual o Nordeste vendeu seus haveres em moeda estrangeira subiu menos que o preço das mercadorias compradas no Centro-Sul.

Não houve fluxo de capital evidente entre o Nordeste e o Centro-Sul na década de 1950 quando se desconta a transferência de capital implícita na análise da dete-rioração de preço. Os grandes déficits comerciais internos do Nordeste, especialmente nos anos de 1953 e na segunda metade da década de 1950, refletem a ajuda federal para aliviar os efeitos das condições de seca e as tentativas da Sudene, o órgão de desenvolvimento para o Nordeste, em colocar em prática planos de investimento especiais. Em épocas de seca, entretanto, há um considerável fluxo de capital para a área mais rica. Em 1953, por exemplo, o governo federal gastou Cr$ 1,6 bilhão a mais do que arrecadou no Nordeste, mas naquele ano o aporte líquido de capital foi so-mente um pouco maior do que Cr$ 1 bilhão. Pode-se, portanto, supor que houve significativas saídas de capital privado.11

353

Page 342: Economia Brasileira - Werner Baer

Ln4^

Tabela 14.9Transferência estimada de recursos do N ordeste para o Centro-Sul através do comercio, 1948-68

índice de preços de

exportações brasileiras

Preços de atacado

Coeficiente de A/B

índice de taxa de câmbio

Corrigido por C xD 100

Renda líquida de comércio

exterior do NE

índice do poder de compra advindo da

receita externa em C-F

F xG100

Transferência de ativos F-H

A B C D E F G H I

1948 100 100 100 100 100 104,4 100 104,4 -1949 86 105 82 100 82 32,7 82 26,8 5,91950 78 105 72 100 72 87,2 72 62,8 24,41951 96 130 74 100 74 31,2 74 23,1 8,11952 106 147 72 100 72 - - - -1953 98 169 58 112 65 74,3 65 48,3 26,01954 84 213 39 169 66 148,4 66 97,9 50,51955 85 252 34 225 77 152,3 77 117,3 35,01956 88 307 29 255 74 66,3 74 49,1 17,21957 89 352 25 255 64 80,2 64 51,3 28,91958 83 403 20 255 51 151,7 51 77,4 74,31959 79 573 14 406 57 136,8 57 78,0 58,81960 73 756 10 481 48 162,4 48 78,0 84,41960 100 (73)a 100 (756)a 100 100 (481)a 100 (48)a 161,0 100 (48)a 161 (78)a1961 110 (80) 140 (1.058 78 158 (760) 124 (61) 181,0 124 (61) 225 (110) -44,0 (77)a1962 106 (77) 210 (1.588) 51 252 (1.212) 127 (61) 121,0 127 (61) 154 (74) -33,0 (49)1963 109 (80) 371 (2.805) 29 390 (1.876) 114 (56) 163,0 114 (56) 186 (91) -23,0 (76)1964 112 (82) 673 (5.088) 17 745 (3.583) 124 (72) 126,0 124 (72) 156 (91) -30,0 (53)1965 107 (78) 1.030 (7.787) 10 1.270 (6.109) 132 (61) 153,0 133 (61) 203 (93) -50,0 (59)1966 105 (77) 1.460 (11.038) 7 1.560 (7.504) 112 (52) 164,0 113 (52) 185 (85) -21,0 (78)1967 128 (93) 1.840 (13.910) 1.850 (8.899) 129 (62) 158,0 130 (62) 205 (98) -47,0 (64)1968 123 (90) 2.190 (16.556) 6 2.330 (11.207) 131 (56) 134,0 134 (56) 175 (75) -41,0 (53)v— .. . M ’ * k'‘u a u m t iu u c s u c uoq>; u inuice aa coiuna e Daseaao em preços em IJS$.

Os números entre parênteses na metade inferior da tabela são calculados com base em 1948.Fouts; A primeira parte da tabela 1948-60, está baseada em fontes do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste, op. cit., p. 23; também calculada com base em dados da Conjuntura

Economical do International Financial Statistics do FMI. Os cálculos do segundo período, 1960-68, foram extraídos de: ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti & CAVALCANTI Clovis de Vasconcelos. Desenvolvimento regional do Brasil. Brasília, IPEA, Série Estudos para o planejamento, 16, 1976, p. 50.

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Tabela 14.10Perdas do N ordeste causadas pelo sistema cambial, 1955-60

A B C D E A E

Valor das Valor das Taxa de câmbio Perdas devidasAnos importações importações A/B para tipos de B x D ao sistema

(Milhões de Cr$) (Milhares de US$) exportações - NE cambial

1955 3.830 87.292 43,87 37,06 3.235 595

1956 4.933 98.933 49,86 43,06 4.260 673

1957 6.782 131.928 51,41 43,06 5.681 1.1011958 6.340 94.357 67,19 43,06 4.063 2.277

1959 8.537 79.292 107,66 76,00 6.026 2.511

1960 10.147 85.308 118,94 90,00 7.678 2.469

Fonte: Calculado com base em dados do Banco do Brasil, Relatório, I960 e 1957; FMI, International Financial Statistics.

O sistema cambial representou uma carga adicional para a economia do Nordeste durante o processo de industrialização da década de 1950. Os importadores da região tinham de pagar elevados encargos relativos às taxas “subsidiadas” de importação como a de bens de capital. A receita oriunda dessas taxas era usada pelas autoridades cambiais para amparar a economia cafeeira centrada no Sudeste. Os superávits do sistema cambial também aumentaram a capacidade do Banco do Brasil de conceder empréstimos, grande parte dos quais foi realizada no Sul. O grau de “tributação” do Nordeste envolvido nessa operação pode ser calculado da seguinte forma: na coluna A da Tabela 14.10 estão enumerados os valores das importações do Nordeste em cru-zeiros e, na coluna seguinte, seus valores em dólares. Dividindo-se a coluna A pela B, obtém-se a taxa cambial real paga pelos importadores. Na coluna D, encontram-se as taxas de câmbio para os tipos de bens exportados do Nordeste. Multiplicando-se o valor em dólar das importações pela coluna D, obtém-se (coluna E) o valor em cruzeiros das importações, caso a taxa de câmbio para as importações fosse a mesma que a das exportações. Subtraindo-se esse valor do gasto real em cruzeiros, obtém-se uma estimativa da perda do poder de compra que foi destinada a apoiar outras partes do país.

A transferência de recursos por meio das relações comerciais foi revertida na década de 1960 (ver a metade inferior da Tabela 14.9), representando aproximada-mente US$ 36 milhões ao ano que ingressavam no Nordeste, o que ocorreu devido a uma taxa de câmbio mais favorável aos tipos de produtos exportados pelo Nordeste e para seus preços em relação ao aumento do nível geral de preços do país.12 Deve- se observar, entretanto, que, se o ano de 1948 tivesse sido usado como o ano-base para os cálculos de 1960-68 (ver os números entre parênteses na Tabela 14.9), teria havido uma transferência contínua de ativos do Nordeste para o Sul; o poder de compra teria sido baseado nos preços relativos de 1948 e não de 1960.

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Tabela 14.11Carga fiscal e várias transferências ao Nordeste, 1947-74

Nordeste Imp. fed./

p j b »e

Brasil Imp. fed./

Exp. fed. no Nordeste/

PIB»e

Transferências intergov. para

NE/PIBse

Concessão incentivos

fiscais/PIBNE

1947 5,0 9,6 - - -

1950 4,0 8,1 - - -

1955 4,0 8,0 - - -1960 3,4 7,8 7,4 0,46 0,011965 3,1 8,5 5,0 0,88 0,15

1970 6,0 10,5 9,6 4,07 3,11

1974 5,9 12,2 5,8 4,21 1,81

Fonte: ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & CAVALCANTI, Clóvis de Vasconcelos. Desenvolvimento Regional do Bra-sil. Série Estudos para o planejamento, 16, Brasília: IPEA, 1976, p. 123-5.

A transferência de recursos através do mecanismo fiscal

O mecanismo fiscal federal brasileiro tem agido como um meio de transferência de recursos para as regiões menos favorecidas do Brasil durante muitas décadas. Nunca foi totalmente determinado, entretanto, até que ponto esse mecanismo foi amplo o bastante para se opor a outros fluxos de recursos para as regiões mais ricas.13

Tradicionalmente, a carga fiscal federal do Nordeste tem sido muito menor do que a do país como um todo (ver Tabela 14.11), embora seu crescimento desde meados da década de 1960 tenha sido mais rápido nessa região do que no resto do país. A carga fiscal total (incluindo os impostos estaduais e municipais) chegou a 5,9% para o Nordeste em 1974 (impostos como percentagem do PIB regional) e 12,2% para o país (impostos como percentagem do PIB nacional). As estimativas de gastos do go-verno federal no Nordeste mostraram que estes, como proporção do PIB, foram maiores do que os impostos, o que significa que o mecanismo fiscal federal resultou numa transferência líquida de recursos para aquela região. Pode-se observar, entretanto, que em 1974 a carga fiscal foi maior do que os gastos.

Outra entrada de recursos líquidos ocorreu durante a transferência dos impostos federais aos estados e municípios. No período de 1964-74 tais transferências ao Nor-deste subiram de 13% da receita fiscal federal na região para quase 68% (em 1970 essa taxa chegou a 98%) ou de 0,5% para 4,2% do PIB do Nordeste.

O uso dos incentivos fiscais para atrair recursos de investimentos privados ao Nor-deste foi um importante instrumento de política de distribuição regional de renda na segunda metade da década de 1960 e começo da de 1970. Gomo se pode notar na T abe-la 14.11, os recursos liberados durante esse programa aumentaram para 68% da receita tributária federal no Nordeste em 1970 e para 3,1% do PIB da região. Em meados da dé-cada de 1970, entretanto, houve nova redução nos recursos, à medida que os incentivos para outras regiões e setores diminuíram a disponibilidade de fundos para o Nordeste.14

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Somando-se os gastos federais realizados no Nordeste, a transferência de impostos a governos estaduais e municipais e os incentivos fiscais, e subtraindo-se a carga fiscal, constata-se que a nova transferência por meio do mecanismo fiscal aumentou de uma média anual de 4,4% do PIB do Nordeste no início da década de 1960 para mais de 6% na primeira metade da década de 1970.15

Políticas regionais

A eqüidade regional no processo de desenvolvimento econômico nem sempre foi a principal preocupação dos formuladores brasileiros de política econômica, tornando- se, geralmente, um objetivo explícito do governo em épocas de calamidade regional (como as secas periódicas do Nordeste) ou quando era politicamente útil como medida de equilíbrio para desenvolver programas que ruidosamente favoreciam as regiões mais desenvolvidas do país. Durante importantes crises econômicas nacionais — muitas ve-zes ligadas ao balanço de pagamentos -, os programas formulados para enfrentá-las normalmente eram destituídos de preocupações com a eqüidade regional. Os casos mais notáveis são os programas de ISI implementados desde a década de 1930, adotados como resultado de crises nos balanços de pagamentos.

Antes da Segunda Guerra Mundial, os governos brasileiros não dispunham de políti-cas econômicas regionais. Programas regionais específicos eram elaborados somente em épocas de desastres naturais, geralmente em relação às recorrentes secas do Nordeste.16 A medida que havia alguns programas econômicos nacionais, eles eram dirigidos à pro-teção e desenvolvimento de setores específicos — os programas de defesa do café, por exemplo, que datam do início do século e que foram assumidos pelo governo federal na década de 1930 - cujo efeito regional normalmente concentrava o crescimento econô-mico nas áreas mais desenvolvidas do país, especialmente o Centro-Sul.

Desde a Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir do final da década de 1950, tornou-se mais freqüente a formulação de políticas regionais “explícitas” que visavam à redistribuição de renda e dos recursos de investimentos das regiões mais ricas para as mais pobres. A eqüidade regional como meta política, entretanto, geral-mente tem sido encarada como somente um entre uma série de objetivos pelos quais o governo se tem empenhado. Em outras palavras, o cumprimento de outras metas - como o rápido crescimento de determinados setores industriais ou o controle da in-flação - não era condicionado por um desejo de alcançar a eqüidade regional. Os programas que visavam atingir um objetivo específico geralmente foram formulados sem dar muita atenção aos efeitos que exerceriam sobre outras metas, o que levou à elaboração de políticas contraditórias, principalmente em relação às metas de eqüida-de regional.

Os planos de desenvolvimento nacional brasileiro no final da década de 1940 e durante a de 1950 não continham programas regionais específicos. O impacto regional dos programas de investimentos setoriais neles contidos (transporte, saúde, indústrias básicas, energia) era maior sobre o mais desenvolvido Sudeste.17 A nítida preferência do Programa de Metas a favor da região Sudeste na segunda metade da década de 1950, associada às graves secas do Nordeste em 1958, obrigou o governo a formular

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uma política definida em relação a essa região. Em 1959, criou-se um grupo de estu-dos sob a liderança de Celso Furtado a fim de formular um programa de desenvolvi-mento para o Nordeste. A análise do documento resultante sobre a natureza do atraso da região (parte da análise anteriormente exposta foi baseada nesse documento) fez com que o governo criasse a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1959.

A Sudene deveria dirigir e coordenar todas as atividades do governo federal na região. Os objetivos básicos do novo órgão em seu primeiro plano (que sempre foram repetidos em todos os planos subseqüentes) eram os seguintes: 1) intensificação dos investimentos industriais para a criação de fontes geradoras de emprego em áreas urbanas por meio de uma lei especial de incentivo fiscal (conhecida como Lei 34/18) que permitia às empresas investir 50% dos impostos devidos ao governo federal na região; 2) modificar a estrutura agrária da úmida zona costeira do Nordeste, visando a uma utilização mais intensiva da terra que aumentaria a produtividade da economia açucareira e permitiria a instalação de unidades familiares especializadas na produção de alimentos da cesta básica (e, dessa maneira, diminuir a dependência da região, da importação de alimentos do Sul); 3) mudar progressivamente a economia de zonas semi-áridas, pelo aumento da produtividade e de uma maior conformidade com as condições ecológicas e 4) mudar as fronteiras agrícolas de modo a integrar as terras úmidas do sul da Bahia e do Maranhão à economia da região e abri-las pela construção de estradas, o que também possibilitaria a migração para a Região Amazônica.

As realizações dos quatro planos de desenvolvimento da Sudene nas décadas de 1960 e 1970 ficaram muito abaixo dessas metas originais. Pouco foi conseguido quanto à mudança da estrutura agrária da região. Depositou-se muita confiança no esquema de incentivos fiscais (programas relativos à Lei 34/18) para aumentar os investimentos privados no Nordeste e muito foi investido nas indústrias na segunda metade da década de 1960 e início da de 1970. Entretanto, a maioria das empresas instalou-se nas cidades de Salvador e Recife e suas atividades geraram relativamente poucos empregos.18 Dessa forma, o processo de industrialização do Nordeste pouco fez para resolver os problemas endêmicos de subemprego da região.

Alguns críticos responsabilizam o fracasso dos planos da Sudene à falta de esque-mas precisos que tratassem dos problemas da região. A preocupação geral com o emprego e a distribuição de renda, por exemplo, nunca foi vinculada a programas específicos e instrumentos de política. O Terceiro Plano da Sudene admite especi-ficamente uma deficiência geral no aparato da organização administrativa.19

Voltando ao âmbito nacional, os planos econômicos do governo na década de 1960 ainda se preocupavam principalmente com os programas setoriais e problemas gerais de estabilização, referindo-se aos problemas regionais como dignos da preocupação nacional sem, contudo, desenvolver projetos específicos para sua solução. No final da década de 1960, houve algumas modificações institucionais com respeito a formula-ções de políticas econômicas regionais. A criação do Ministério do Interior centralizou a tomada de decisões federais. Tais órgãos regionais, como a Sudene, Sudam (para a Região Amazônica) e o Banco do Nordeste, passaram a sujeitar-se ao seu controle. Esperava-se que essa mudança institucional ajudasse na formulação de políticas re-gionais mais coerentes.

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A calamitosa seca no Nordeste, em 1970, estimulou o governo a envidar novos esforços na direção de uma política regional mais ativa e específica. A importância da Sudene foi de certa forma diminuída devido a sua reação tardia e inadequada diante da situação emergencial representada pela seca, que parecia exagerar muitas de suas fraquezas como órgão de desenvolvimento regional. A ação direta do governo no início da década de 1970 consistia em um programa formado por três elementos - o Programa de Integração Nacional (PIN), o Programa de Modernização para a Agricul-tura (Proterra) e o Programa Especial de Desenvolvimento para a Área do rio São Francisco (Provale). O PIN buscou uma solução para o problema do Nordeste por meio do desenvolvimento da Região Amazônica. Esperava-se que a construção do sistema rodoviário da Transamazônica, a formação de comunidades em toda a sua extensão e a modernização dos portos ao longo do rio Amazonas criassem condições para absorver efetivamente o excesso de população nordestina. O Proterra deveria injetar recursos no setor rural para redistribuir terras e aumentar a produtividade agrícola no Nordeste, enquanto o Provale deveria acelerar o desenvolvimento agrícola das áreas desocupadas ao redor do rio São Francisco. Até meados da década de 1970, poucos desses objetivos haviam sido alcançados.

O Plano de Desenvolvimento Nacional que abrangeu o período de 1975-79 pre-tendia que os problemas regionais, especialmente os do Nordeste, fossem abordados por um programa de investimentos federais e privados induzidos pelo sistema de incentivos fiscais. Também se enfatizou a criação de vários “pólos de desenvolvimen-to” para regiões atrasadas - o pólo petroquímico na Bahia, por exemplo, um pólo de fertilizantes, um complexo de metal e maquinário elétrico, além do fortalecimento dos setores mais tradicionais (têxteis ou calçados).

Os recursos federais deveriam ser alocados para o crescimento e desenvolvimento do setor agrícola nordestino — o plano menciona especificamente os projetos de indus-trialização do algodão, da mandioca, de frutas regionais e outros produtos, de irrigação de novas áreas e de desenvolvimento da pecuária, que visavam à modernização e à diversificação da agricultura do Nordeste.

A dimensão regional dos problemas setoriais

Os programas regionais específicos constituíam uma parcela relativamente peque-na dos planos de investimento do Governo Federal (eles sempre estiveram abaixo de 10%). Um estudo mostrou que os programas de gastos regionais e setoriais do governo federal não tiveram um impacto redistributivo muito significativo.20 As estimativas indicam que o Sudeste recebe mais do governo que a parcela proporcional de sua população, mas ligeiramente menos que sua parcela na renda nacional, enquanto o Nordeste recebe substancialmente menos que a parcela proporcional à sua população, mas ligeiramente mais que sua parcela da renda nacional. Entretanto, não se pode dizer que o programa do governo federal como um todo tenha sido, mesmo que ligeiramente, redistributivo. O estudo considerou somente programas de investimen-to planejado e é provável que, dada a natureza mais desenvolvida da economia do Sudeste, as repercussões multiplicadoras dos gastos de investimentos o favoreçam

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mais do que ao Nordeste, isto é, pode-se esperar vazamentos significativos das regiões menos desenvolvidas para as mais desenvolvidas à medida que esses programas de investimento se fizerem sentir. Portanto, pode ser provável que, se pudéssemos medir o impacto total dos programas do governo, as repercussões secundárias superariam o ligeiro grau de redistribuição regional inicial.

As tendências regionais da década de 1980: o Nordeste versus o Brasil

Em um estudo realizado em 1987, Maia Gomes constatou que o impacto da crise de 1980-83 foi muito mais moderado no Nordeste do que no país como um todo.21 Como se pode observar na Tabela 14.12a, o PIB do Nordeste cresceu a uma taxa de 7,4% no período de 1980-86, enquanto o do país como um todo cresceu somente 2,7%. Como resultado, a parcela do Nordeste no PIB aumentou de 12% em 1980 para 18,8% em 1986. Pode-se ver na Tabela 14.12 que nos anos de crise de 1980-83, quando a taxa média de crescimento anual do país era de -1,4%, o Nordeste cresceu +4,5% ao ano e, nos anos de retomada do desenvolvimento de 1984-86, o crescimento do Nordeste foi maior do que o do país.

As divisões setoriais apresentadas na Tabela 14.12 revelam que o desempenho da agricultura nordestina foi superior ao do país em todo o período de 1980-86. No sub- período de 1980-83, entretanto, o Nordeste experimentou um crescimento negativo devido a um período de seca, mas em 1984-86 a recuperação foi tão intensa que o desempenho de crescimento da região sobressaiu em relação às demais.22

A Tabela 14.12 também mostra que, em 1980-86, o Nordeste estava adiante do resto do país no que se refere ao crescimento industrial graças, principalmente, ao fato de que o produto industrial da região sofreu uma queda significativamente menor durante os anos de crise de 1980-83 do que o do restante do país. Além disso, o declínio da produção industrial deveu-se a uma queda de 21% nas atividades fabris nesse período, enquanto outros setores industriais cresceram (mineração +22%; ener-gia elétrica e abastecimento de água +29% e construção civil +9%).

Mais revelador, entretanto, é o fato de que no setor de serviços o crescimento do Nordeste foi excepcionalmente maior do que o do país - no período de 1980-86 foi de 8,4% versus 3,1% ao ano e durante os anos de crise foi de 7,8% versus zero ao ano.

Ao tentar interpretar esses dados, Maia Gomes ressalta que, enquanto nos anos da crise de 1980-83 o emprego no Brasil declinou em todo o setor formal - negócios registrados e empregados registrados que pagam impostos -, ele aumentou na admi-nistração pública, fato ainda mais pronunciado no Nordeste (ver Tabela 14.13b), o que explica por que o crescimento global do emprego naquela região foi positivo durante aquele período. Além disso, no setor urbano nordestino, apenas a indústria eo comércio declinaram naquela época (-21% e -0,5%, respectivamente). O crescimen-to negativo do primeiro pode ser explicado pelo fato de que a indústria nordestina era uma unidade estreitamente integrada à estrutura industrial nacional. Assim, grande

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Tabela 14.12Taxas reais de crescim ento do PIB, nacionais e do N ordeste,

e taxa de crescim ento anual de investim ento, 1980-86

(a) Taxas de crescimento real do PIB nacionais e do Nordeste (taxas de crescimento anual)

Total Agricultura Indústria Serviços

Brasil NE Brasil NE Brasil NE Brasil NE

1980-86 2,7 7,4 2,1 4,7 1,7 2,3 3,1 8,41980-83 -1,4 4,5 1,6 -5,2 -4,8 -2,2 0,0 7,8

1984-86 7,9 10,2 0,6 9,3 9,7 9,3 8,8 12,9

Fonte: GOMES, Gustavo Maia. “Da recessão de 1981-83 aos impactos do Plano Cruzado, no Brasil e no Nordeste: um alerta para o presente”, Recife, l Universidade Federal de Pernambuco, 1987, mimeografado; Fundação Getúlio Vargas e Sudene, Contas Regionais.

(b) Taxa de crescimento anual de investimento 19H0-83

Setor público Setor privado Total

Brasil 3,0 -1,6 -9,7

Nordeste 6,9 -1,8 2,1Fonte: A mesma de a.

parte de seus produtos era vendida fora da região e a queda do mercado nacional para produtos industriais exerceu, portanto, um impacto negativo sobre a indústria e o comércio nordestinos.

Maia Gomes conclui que o desempenho do Nordeste foi melhor que o do restante do país devido à realização de investimentos compensatórios por parte do governo e empresas estatais. Ele constatou que no período de 1980-83 os investimentos do setor público sofreram uma redução de 0,7% para o país como um todo, enquanto aumen-taram em 21,4% no Nordeste; os investimentos privados declinaram em 29,4% no país, mas somente 9,2% no Nordeste. Assim, ao mesmo tempo em que o investimento global no país caiu em 27,8%, ele aumentou 4,7% naquela região. A parcela do setor público no total de investimentos no Nordeste foi de 45,3% em 1980, aumentando para 52,5% em 1983. Como se pode observar na Tabela 14.13a, ele foi até mesmo maior em setores responsáveis por mais de 80% da formação de capital da região.

Uma avaliação dos investimentos públicos compensatórios e programas de empre-go que possibilitaram o crescimento no Nordeste enquanto o resto do país se encon-trava em meio a profunda recessão nos leva a uma conclusão negativa. O aumento do emprego e dos investimentos públicos pouco fizeram para elevar a capacidade produ-tiva da região e somente ampliaram sua dependência das transferências por parte do restante do país.

Como, por exemplo, a seca do Nordeste ocorreu na época da crise econômica do início da década de 1980, o governo federal gastou somas consideráveis em atividades

361

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Tabela 14.13Investim entos do setor público e crescim ento do em prego, 1980-83

(a) Nordeste do Brasil: Investimentos do setor público

Parcela do setor público no total dos investimentos

Estrutura dos investimentos públicos

1980 1983 1980 1983

Agricultura 10,9 29,2 3,9 6,8Mineração 98,7 99,3 15,7 23,3Indústria 7,0 8,0 2,9 2,6Energia elétrica 100,0 100,0 25,5 31,6Construção civil 4,8 16,5 0,1 0,4Comércio 1,1 2,6 0,1 0,1Transporte, armazenamento, e/ou comunicações 75,6 79,5 25,0 12,4Finanças 10,7 17,1 3,4 6,5Serviços à comunidade 81,4 85,5 23,4 16,3Total 45,3 52,5 100,0 100,0

Fonte: GOMES, Gustavo Maia. “Da recessão de 1981-83 aos impactos do Plano Cruzado, no Brasil e no Nordeste: um alerta para o presente”, Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 1987, mimeografado; Sudene, Contas Regionais.

(b) Crescimento do emprego: 1980-83

Brasil Nordeste Sudeste

Mineração -10,8 -10,3 -14,3Indústria -16,5 -5,1 -19,2Serviços públicos -4,3 2,6 -15,5Construção -37,9 -33,3 -39,1Comércio -10,5 -7,9 -11,0Serviços -4,4 -0,1 -6,3Administração pública 16,0 25,2 12,4Total -6,0 3,5 -9,3

Fonte: GOMES, Gustavo Maia. “Da recessão de 1980-83 aos impactos do Plano Cm/.ado, no Brasil e no Nordeste: um alerta para o presente”, Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 1987, mimeografado, p. 34.

que visavam compensar seus danos, especialmente por meio da utilização de trabalha-dores em projetos de obras públicas (chamadas de frentes de trabalho). Maia Gomes observa que, como resultado, surge:

... um sistema de atividades de comercialização, transporte e abastecimento cujo motivo de exis-tência são (sic) as transferências do governo federal para pagar os trabalhadores que, por razões climáticas, não sendo capazes de se envolver em atividades produtivas naquele momento, são sustentados pela produção de terceiros, o que era assumido pelo Estado.23

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Page 351: Economia Brasileira - Werner Baer

O Nordeste em uma economia cada vez mais aberta*

No início da década de 1990, o Brasil começou a liberalizar sua economia. A tarifa média de importações caiu de 41% em 1989 para 14,2% em 1994, provocando um aumento expressivo nas importações, de US$ 18,3 bilhões em 1989 para US$ 33,1 bilhões em 1994 e US$ 53,3 bilhões em 1996. Ao mesmo tempo, o Brasil afrouxava o controle sobre as atividades do capital estrangeiro no país e, por intermédio do proces-so de privatização iniciado em 1990, permitia que investidores estrangeiros participas-sem de setores dos quais haviam sido excluídos por muito tempo, especialmente o de serviços públicos. Os investimentos estrangeiros diretos aumentaram de US$ 510 mi-lhões em 1990 para US$ 1,3 bilhão em 1992, US$ 2,4 bilhões em 1994, US$ 4,7 bilhões em 1995, US$ 9,6 bilhões em 1996, atingindo US$ 32,8 bilhões em 2000.

Grande parte desse investimento direto representava investimentos realizados por multinacionais em indústrias-chave como equipamentos de transporte. Muitas empre-sas já localizadas no país expandiram suas instalações, enquanto outras abriam fábricas pela primeira vez. Além de querer participar de um mercado brasileiro estável e em expansão, o uso do país como plataforma para exportações para o mercado comum regi-onal, o Mercosul, e para o resto do mundo, era um motivo adicional para a realização desses investimentos. Desde meados da década de 1990, quando o programa de privatização do Brasil começou a acelerar e incluir a venda de empresas prestadoras de serviços públicos, houve uma crescente participação de grupos estrangeiros no progra-ma. Isso também foi representado pelo grande influxo de investimentos estrangeiros.

Qual é o provável impacto exercido por esses acontecimentos - a abertura da economia ao comércio e aos investimentos e o processo de privatização - sobre a distribuição regional de atividades econômicas? Vamos considerar primeiramente os impactos negativos e os positivos.

Impacto regional negativo

Se deixada ao sabor das forças de mercado, a alocação de recursos provavelmente favorecerá o Sudeste e o Sul do país. Isso ocorre não apenas devido à maior renda per capita dessas regiões, mas também devido à importância da estratégia comercial do Brasil, enfatizando o crescimento do Mercosul e a adaptação do país ao processo de globalização. Em 1996, a participação de países do Mercosul no total de exportações brasileiras havia atingido 15,3%, ao passo que a participação do Nordeste nessas expor-tações foi de cerca de 7%; e 68% das exportações do Nordeste para o Mercosul origi-naram-se no estado da Bahia.24 Gomo grande parte das exportações para o Mercosul consistia em produtos manufaturados, e as exportações do Nordeste consistiam princi-palmente em produtos primários e semimanufaturados fabricados com matéria-prima local, sua futura participação nesse dinâmico mercado parece fraca.

* Esta seção é baseada em um artigo não-publicado, escrito em co-autoria com Eduardo Haddad e Geoffrey Henings.

3 6 £

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T abela 14.14 O im pacto de uma redução geral de tarifas d e 25%

(setores selecionados)*

Setores selecionados Emprego Produção

N E CS Brasil ME CS Brasil

Aço CP 0,935 0,709 0,716 0,435 0,360 0,362LP -0,801 0,157 0,125 - 0,683 0,293 0,258

Maquinário CP 0,075 0,071 0,071 0,062 0,061 0,061LP - 0,600 0,153 0,131 - 0,578 0,195 0,171

Equipamento elétrico CP -0,064 0,053 0,055 - 0,065 0,045 0,047LP - 0,453 0,207 0,194 - 0,477 0,243 0,226

Equipamento eletrônico CP -0,142 - 0,012 0,014 - 0,008 - 0,008 0,010LP -0,646 - 0,009 0,038 - 0,560 0,118 0,163

Equipamento de transportes CP 0,295 0,565 0,560 0,210 0,339 0,336LP -0,240 0,262 0,253 - 0,257 0,371 0,361

Produtos de madeira e móveis CP 0,042 0,169 0,180 0,035 0,137 0,149LP -0,513 0,284 0,178 - 0,497 0,335 0,231

Produtos de papel e impressão CP 0,091 0,282 0,282 0,042 0,157 0,157LP -0,772 0,096 0,046 - 0,632 0,264 0,211

Produtos químicos CP 0,640 - 0,239 - 0,284 - 0,433 -0,183 -0,214LP -1,207 - 0,205 -0,314 - 1,054 - 0,084 - 0,201

Refinamento de petróleo CP 0,008 -0,011 -0,008 0,004 - 0,006 - 0,005LP -1,087 -0,195 -0,318 - 0,884 0,024 -0,117

Farmacêuticos e veterinários CP - 0,858 -0,321 - 0,342 - 0,668 - 0,274 -0,292LP -1,571 - 0,225 - 0,272 -1,426 -0,150 -0,199

Têxteis CP 0,169 0,262 0,248 0,088 0,158 0,147LP -1,052 0,135 0,005 - 0,867 0,262 0,123

Vestuário CP 0,077 0,202 0,190 -0,761 0,337 0,123LP - 0,846 0,249 0,143 0,319 0,458 0,236

Calçados CP 0,544 0,632 0,629 0,319 0,458 0,452LP - 0,609 0,343 0,305 - 0,558 0,394 0,348

Nota: NE=Nordeste; CS=Centro-Sul (inclui Sul, Sudeste e Centro-Oeste, exceto o estado de Matro Grosso), CP=curto prazo;LP=longo prazo. . .

* Os resultados foram gerados em simulações comparativo-estáticas usando o modelo CG ha inter-regional para a economia brasileira (ver HADDAD, 1997). Esses números referem-se à mudança percentual em emprego e produção, mostrando como essas variáveis seriam afetadas pela redução de tarifas a curto e longo prazo.

Fonte: HADDAD, Eduardo, “Regional inequality and structural changes in the Brazilian economy”, University of Illinois at Urbana-Champaign, 1998.

Considerando-se essas tendências, haverá uma inclinação natural para as multi-nacionais alocarem seus investimentos no Centro-Sul e no Sul, regiões mais próximas aos mercados do Mercosul e com melhor infra-estrutura e mão-de-obra especializada. Esse fato, por sua vez, vai pressionar o governo a aumentar os investimentos em infra-

Page 353: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 14.15

a) Participação regional nas receitas do governo central

1970 1975 1980 1985 1991 1992

Norte 1,4 1,5 1,7 2,2 2,3 2,1Nordeste 10,0 8,2 7,2 8,3 9,9 9,3Sudeste 74,8 75,2 74,5 72,0 62,4 58,2Sul 11,3 10,3 7,9 9,6 12,7 12,6Centro-Oeste 2,5 4,8 8,7 7,9 12,7 17,8

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

b) Participação regional nos gastos do governo central

1970 1975 1980 1985 1991 1992

Norte 3,2 2,5 3,0 3,5 3,6 5,0Nordeste 13,4 10,9 10,3 10,4 11,2 14,7Sudeste 64,6 67,9 66,2 63,9 54,3 63,5Sul 10,5 8,8 8,5 9,5 11,2 9,1Centro-Oeste 8,3 9,9 12,0 12,7 19,7 7,7

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: SUDENE, Boletim Constitucional, agosto de 1996, p. 397 e 400.

estrutura nessas regiões que, dadas as limitações de recursos, criarão dificuldades para regiões menos desenvolvidas como o Nordeste.

Exercícios de simulação baseados na estrutura da economia brasileira em meados da década de 1980 revelam que o Nordeste estará em desvantagem numa economia mais aberta. Esse fato é apresentado na Tabela 14.14. Supondo que haja uma redução geral de tarifas de 25%, o Nordeste sentirá um impacto negativo tanto no emprego quanto na produção, ceteris paribus. Isso se revelará num declínio no Nordeste, com ganhos para o Centro-Sul e o Brasil como um todo, em setores como aço e equipa-mento elétrico; ou num declínio maior no Nordeste do que no Centro-Sul (em setores como o químico e o farmacêutico), ou num crescimento menor no Nordeste do que no Centro-Sul. Esses cálculos não consideram a hipótese de contramedidas defensi-vas, como incentivos fiscais.

A Constituição de 1988 exerceu um duplo impacto regional. Primeiro, incluiu uma transferência automática de receitas fiscais federais para as regiões pobres do país, ou seja, 3% de toda a receita fiscal deveria ser direcionada para os estados do Nordeste, Centro-Oeste e Norte por intermédio de suas instituições financeiras, a fim de forta-lecer o setor de produção. Segundo, obrigou o governo central a transferir 21,5% de sua receita fiscal aos estados e 22,5% aos municípios.25 Até que ponto esta última transferência implica uma redistribuição regional depende em que base os fundos são distribuídos entre os estados. Se ela fosse feita segundo a proporção populacional de

365

Page 354: Economia Brasileira - Werner Baer

ada região, o Nordeste ganharia muito mais do que se ela fosse distribuída de acordo om a participação de cada região no PIB.

A Tabela 14.15, que expõe a participação de cada região nas receitas e gastos do ;overno central, mostra que o sistema orçamentário favorece o Nordeste, que consis- en tem ente tem recebido uma parcela maior dos gastos do governo do que suas eceitas. Pode-se observar, porém, que essas diferenças caíram de 1970 até o início de 991. Em 1992, contudo, elas foram maiores do que nunca, o que possivelmente pode e r ocorrido devido aos efeitos da Constituição de 1988.

Os acontecimentos ocorridos desde a introdução do Plano Real e a crise de 997, que em novembro daquele ano resultou na eliminação de muitos programas de ncentivo fiscal, diminuíram esse mecanismo regional de redistribuição.

^ossíveis tendências positivas

A combinação de várias circunstâncias - a abertura da economia, rede de comunica- :ões inter-regionais construída desde a década de 1960 e descentralização fiscal - po- leria resultar num fluxo de investimentos para o Nordeste. A abertura da economia esultou em um influxo maciço de bens de consumo (especialmente têxteis e calça- los) de países asiáticos com custos significativamente menores (especialmente de mão- ie-obra). Houve pressões sobre o governo brasileiro para controlar essas importações sob a justificativa de alegadas práticas de dumping e/ou da “ilegalidade” do uso de não-de-obra escrava, com pagamento de salários irrisórios em países como a China).

Um avanço mais interessante foi a mudança de várias firmas do setor têxtil e de :alçados para o Nordeste, atraídas, em parte, pelos salários mais baixos e os vários tipos i e incentivos fiscais existentes na região. Esse fato é semelhante ao movimento obser- /ad o nos Estados Unidos a partir da década de 1950, quando indústrias têxteis e outrasi elas relacionadas se mudaram de estados do Nordeste e Centro-Oeste para o Sul, 3n d e os salários eram mais baixos (devido à ausência de sindicatos) e os estados esta- /am dispostos a oferecer atraentes incentivos fiscais.

\ fraqueza estrutural da economia do Nordeste

Uma das fraquezas estruturais do Nordeste brasileiro (e de outras regiões periféri-cas, como o Norte) é o fato de que suas relações internas são muito mais ineficientes J o que as do Centro-Sul. Isso pode ser constatado na Tabela 14.16. No Centro-Sul a grande proporção das vendas para a produção intermediária na região indica um ele-vado grau de ligações intra-regionais que podem gerar multiplicadores internos poten-cialmente altos. Os valores mais baixos para o Nordeste indicam uma estrutura regio-na l menos integrada. A parcela das vendas extra-regionais (bens intermediários, bens d e capital e bens de consumo doméstico) reflete o grau de dependência inter-regional d e cada região do ponto de vista de demanda de outras regiões: como se pode ver, os calores mostram um grau de dependência muito maior no Nordeste (12,4%) do que no □entro-Sul (3,7%).

Page 355: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 14.16Faturamento, custo e estrutura de consum o (%)

Centro-Sul Nordeste

Vendas Regional Restante Restante do Brasil do mundo

Regional Restante do Brasil

Restante do mundo

Produtos 49,4 2,0 37,6 8,2intermediários

Criação de capital 8,4 0,2 11,3 0,2Doméstico 24,5 1,5 26,4 4,0Estrutura de custo:ComprasIntermediário 88.6 3,6 7,8 79,9 18,5 1,6Criação de capital 94,8 1,6 3,6 93,8 6,0 0,2Consumo doméstico privado 94,8 3,3 1,9 77,7 21,9 0,4Consumo total 91,6 3,1 5,3 82,4 16,7 0,9

Fonte: Haddad, 1997.

T abela 14.17Distribuição regional dos efeitos multiplicadores de uma injeção inicial:

Brasil, 1985

Nordeste Centro-Sul

Efeitos intra-regionais 65,7% 93,7%Efeitos inter-regionais 34,3% 6,3%

Fonte: HADDAD, Eduardo, “Regional inequality and structural changes in the Brazilian economy” (Ph.D. diss., University of Illinois at Drbana-Champaign, 1998).

O padrão de dependência inter-regional também aparece no uso de insumos de fontes intra-regionais e inter-regionais. Como podemos ver na Tabela 14.16, 88,6% do total de insumos intermediários usados pelas indústrias do Centro-Sul são fornecidos por indústrias regionais e apenas 3,6% vêm do restante do país; no Nordeste, pouco menos de 80% dos insumos intermediários vêm de indústrias nordestinas e 18,5% vêm de outras regiões. Enfim, o Centro-Sul adquire uma parcela relativamente pe-quena de seu consumo doméstico privado e do consumo total de regiões externas (3,3% e 3,1%, respectivamente), enquanto o Nordeste compra 21,9% e 16,7% respec-tivamente de regiões externas.

O maior grau de auto-suficiência do Centro-Sul também pode ser percebido n a Tabela 14.17, que mostra os efeitos diretos e indiretos de uma mudança de unidade: na demanda final em cada região da injeção inicial, isto é, o efeito multiplicador d e

36*7

Page 356: Economia Brasileira - Werner Baer

«ma mudança micial. Os números são percentagens, mostrando o grau de deoenH^n cia de cada reg.ao em relação a outras regiões. O Centro-Sul é, de longe, a reriâo m l ' auto-suficiente; os efeitos de uma mudança de unidade na demanda semri«? r i ultrapassando 93%. Para o Nordeste, há um m enor grau de auto-suficiência dentro da

" S Serad° S Pda " ei3° normalmente a c t

O maior grau de auto-suficiência do Centro-Sul indica que, sob as condições es truturais atua,s, sera pouco o impacto sobre o Nordeste do aumento de atividades' economic» no Centro-Sul resultantes de uma economia mais aberta sujeita à l forca do mercado, com uma quantidade continuamente menor de programas governamen tais para corrigir desigualdades regionais. Chega-se, assim, à conclusão de que aToüi' dade regional so pode ser atingida indo além das forças de mercado.

O mercado, o Estado e a igualdade regional

As evidências apresentadas em nossa análise nos f.zcm conclui, qUe, m ,m paribu,a abertura da economia „„ Btastl, o afastamento do Estado e a total aro^ào das forasde mercado favorecem a regrao mais desenvolvida do pais. Em outtas pa|avtas ” 1“e muito improvável que o» efeitos positivos gerados pelas futças de mercado L T 1os mesmos resultados nas regiões rn„s pobres que „„ Cen„0-Sul. Se a ,z,regional faz parte da programação de desenvolvimento do país, é prceiso que se adôrcuma polinca regional atrva p„, pane do governo eenrral a fim de reduzi, disoarid.dó! economicas regionais.

Uma análise d*, experiências de outros países dá c,édi,„ à nossa in,e,p,e„eã„ sobre a expenencia brasileira. Em paises industrialmente mais avançados as C mercado criaram, na maioria das vezes, desequilíbrios regionais e foi deiv J »Esrudo a tarefa dc uma fo,ma ou de ourra, de renra, /ringi, ^ ^ a desenvolvimento de varias regiões. Examinemos alguns exemplos.

Os Estados Unidos. Após a Guerra Civil, a economia americana vivenciou muitas décadas de rapida industrial,zaçao Grande parre do ereseimeuto industrial locafeoú se pr.me.ro no Nordeste, espalhando-se gradativamente para o Centro Oeste O s i contudo, permaneceu uma área economicamente estagnada, relativamente não-afeta

conhecido projeto TVA (Tennessee Valley Authority) foi üm, L r n Z d em im lita anvidades agncolas e mdustna.s por me,o de um proje,„ de investimento do grTem„- uma sene de represas destmadas , direeiona, „ curso d„s rios da regiao e a s Z estrmular a agneulrura e o forneeimenro de elerrieidade ba,ata para á ^ T u ™'quanto u,ba„as d. ,eg,ao. Apos a Segunda Guena Mundial. „ Sul eonsegufu óbm uma grande quannd.de das despesas do governo fede,al pa,a produtos mi,Sforam ,esul,ado da influencia de politicos sulistas, que haviam conquistado exmeaslvÔ poder arra.es de erernas reeleições. Da fornla, „ insta,espaciais no Alabama e em Houston (Texas) também resulrou de « f e P„ X » s Alem disso, a const,uçao do « e m a de auro-esrradas ,u,e,estaduais que “edúziu

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Page 357: Economia Brasileira - Werner Baer

significativamente os custos de transporte inter-regional, pela reduzida influência dos sindicatos no Sul, e os salários menores da região eram grandes atrativos para as indústrias. E, ainda, os estados sulistas usaram cada vez mais incentivos fiscais a fim de atrair investimentos domésticos e estrangeiros. Com menor comprometimento com gastos educacionais e sociais que estados do Norte e Gentro-Oeste, esses estados encontravam-se em melhor condição fiscal para atrair investimentos.26

A combinação desses fatores resultou em uma rápida industrialização do Sul. É importante observar que foram as ações do Estado (tanto em termos de gastos diretos quanto de incentivos fiscais) as responsáveis pela diminuição de disparidades re-gionais nos Estados Unidos.

Alemanha. A reunificação da Alemanha criou automaticamente um problema regio-nal, uma vez que a parte ocidental era uma das mais ricas do mundo, e os estados que antigamente formavam a República Democrática Alemã uma região industrial atrasa-da. Assim, o Estado teve de intervir e formular uma política que levasse a uma igualdade regional maior. O governo investiu enormes somas (na maior parte levan-tadas por meio de um imposto especial na Alemanha ocidental) na reconstrução da fragmentada infra-estrutura da região. Entretanto, foi cometido um importante erro econômico, ao se aumentarem rapidamente os salários nos estados do leste a fim de equipará-los aos do ocidente sem que houvesse um aumento correspondente na pro-dutividade de mão-de-obra. Gomo resultado final, obteve-se uma rápida melhoria na infra-estrutura, mas, devido ao descompasso entre o custo da mão-de-obra e produti-vidade, houve muito poucos investimentos privados nos estados do leste, causando altos níveis de desemprego. Mais uma vez, o Estado teve de intervir e formar a infra- estrutura necessária para criar uma igualdade regional maior. E foi o mesmo Estado que estabelecera uma política salarial incompatível com uma maior eqüidade em investimentos privados.27

Itália. Desde sua unificação, tem havido uma dualidade geográfica em sua econo-mia: o Norte industrializando-se rapidamente, enquanto o Sul ficava para trás. Em bo-ra a forças de mercado provocassem uma intensa migração de pessoas do Sul para o Norte, isso pouco influiu para que se criasse uma igualdade maior entre as duas regiões. Gomo resultado de pressões políticas, o governo criou a Gassa Per II Mezzogiorno para tentar corrigir o desequilíbrio. Empresas estatais foram estimuladas a instalar algumas de suas operações no Sul, mas os resultados foram desapontadores, visto que os órgãos oficiais ali eram ineficientes e o impacto na região acabou sendo insignificante.

Conclusão

Em um estudo sobre a evolução macroeconômica no Nordeste brasileiro realizado em 1995, Maia Gomes e Vergolino mostraram a importância fundamental do Estado para se manter algum grau de igualdade regional entre aquela região e o Sudeste do país. Eles constataram que o emprego no setor público como proporção do emprego formal total no final da década de 1980 era de 36% no Nordeste comparado com um pouco mais de 21% no país como um todo; que o Estado e suas empresas eram

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‘ipnsáveis por metade dos investimentos na região e que, considerando que grande melado investimento privado na região era feito com recursos públicos empresta- csa taxas subsidiadas por bancos de desenvolvimento estatais, ficava evidente que itstamento do Estado no Nordeste poderia causar graves repercussões negativas no emvolvimento da região.28Somo vimos, as políticas regionais do governo federal consistiram na concessão de

jhídios isolados e incentivos industriais para centros de desenvolvimento. No con- 30 do processo de ajuste fiscal de meados da década de 1990, o papel do governo snral no estímulo direto de atividades produtivas e melhoria do capital social geral ilreto nas regiões atrasadas está sendo negligenciado. No Plano Real de estabiliza- §q lançado em meados de 1994, não houve uma preocupação clara com a formulação <ima política regional de desenvolvimento. O plano foi concebido como um plano estabilização, e incluía reformas econômicas (privatização, desregulamentação) e firmas institucionais (sistema fiscal, seguridade social e administrativa), sem propor L)iquer estratégia de desenvolvimento a médio ou longo prazos. Entretanto, com os •íiefícios advindos da estabilização e outras reformas, surgiu um novo ciclo de in- (dmentos privados, a maioria dos quais concentrado nas regiões Sul e Sudeste, que 'ieeciam uma ampla série de fatores de localização não-tradicionais (por exemplo, utilidades técnicas e aglomeração urbana) e tradicionais (por exemplo, o fator dis- ãtia - Mercosul) para atrair o novo capital. A falta de investimentos por parte do ;»crno federal que complementariam o fluxo de investimentos privados fez com que governos regionais se empenhassem numa intensa competição por capital privado » meio de mecanismos fiscais. Em alguns casos, as pressões políticas por parte dos kutados de regiões atrasadas produziram elementos de políticas compensatórias cçonais, como no caso do regime automotivo especial promovido pelo governo ccbral para regiões menos desenvolvidas, que resultou em planos de investimentos an equipamentos de transporte no Nordeste. Entretanto, com a crise asiática na itjunda metade de 1997, houve dúvidas de que eles seriam colocados em prática. De to, o programa de austeridade para lidar com essa crise, introduzido no final daquele id, reduziu o programa de incentivos fiscais à metade. Mais uma vez, esse fato telou que a eqüidade regional muitas vezes é sacrificada a fim de solucionar pro- iaiias macroeconômicos.

Os resultados para o Brasil confirmam constatações feitas em relação a regiões unos desenvolvidas semelhantes em outros países cujas economias os colocavam ano parte do segundo ou terceiro mundo na hierarquia do desenvolvimento.29 O :rncipal problema em promover um desenvolvimento significativo nessas regiões :r^ina-se na escassez de ligação interna entre indústrias da região. Conseqüentemen-te é provável que uma alta percentagem de qualquer iniciativa de desenvolvimento sdesvie para outras partes do país, enfraquecendo o impacto sobre a região menos pnspera e aumentando ainda mais a posição competitiva das partes mais ricas. Com nior atenção internacional agora concentrada na promoção de mercados abertos e líve-comércio, as opções abertas a economias nacionais para que intervenham em eonomias regionais de modo a se ajustar às diretrizes da OMC ficaram significativa-mente limitadas. Nesse aspecto, a forma pela qual a política regional vem sendo coiduzida na União Européia pode oferecer algumas idéias importantes para o caso

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responsáveis por metade dos investimentos na região e que, considerando que grande parcela do investimento privado na região era feito com recursos públicos empresta dos a taxas subsidiadas por bancos de desenvolvimento estatais, ficava evidente que o afastamento do Estado no Nordeste poderia causar graves repercussões negativas no desenvolvimento da região.28

Como vimos, as políticas regionais do governo federal consistiram na concessão de subsídios isolados e incentivos industriais para centros de desenvolvimento No con texto do processo de ajuste fiscal de meados da década de 1990, o papel do governo central no estímulo direto de atividades produtivas e melhoria do capital social geral indireto nas regiões atrasadas está sendo negligenciado. No Plano Real de estabiliza ção, lançado em meados de 1994, não houve uma preocupação clara com a formulação de uma política regional de desenvolvimento. O plano foi concebido como um plano de estabilizaçao, e incluía reformas econômicas (privatização, desregulamentação) e reformas institucionais (sistema fiscal, seguridade social e administrativa) sem propor qualquer estratégia de desenvolvimento a médio ou longo prazos. Entretanto com os benefícios advindos da estabilização e outras reformas, surgiu um novo ciclo de in vestimentos privados, a maioria dos quais concentrado nas regiões Sul e Sudeste que ofereciam uma ampla série de fatores de localização não-tradicionais (por exemplo habilidades técnicas e aglomeração urbana) e tradicionais (por exemplo o fator d is’ tância - Mercosul) para atrair o novo capital. A falta de investimentos por parte do governo federal que complementariam o fluxo de investimentos privados fez com que os governos regionais se empenhassem numa intensa competição por capital privado por meio de mecanismos fiscais. Em alguns casos, as pressões políticas por parte dos deputados de regiões atrasadas produziram elementos de políticas compensatórias regionais, como no caso do regime automotivo especial promovido pelo governo federal para regiões menos desenvolvidas, que resultou em planos de investimentos em equipamentos de transporte no Nordeste. Entretanto, com a crise asiática na segunda metade de 1997, houve dúvidas de que eles seriam colocados em prática De fato, o programa de austeridade para lidar com essa crise, introduzido no final daquele ano, reduziu o programa de incentivos fiscais à metade. Mais uma vez esse fato revelou que a eqüidade regional muitas vezes é sacrificada a fim de solucionar pro- blemas macroeconômicos. F

Os resultados para o Brasil confirmam constatações feitas em relação a regiões menos desenvolvidas semelhantes em outros países cujas economias os colocavam como parte do segundo ou terceiro mundo na hierarquia do desenvolvimento 29 O principal problema em promover um desenvolvimento significativo nessas regiões origina-se na escassez de ligação interna entre indústrias da região. Conseqüentemen te, é provável que uma alta percentagem de qualquer iniciativa de desenvolvimento se desvie para outras partes do país, enfraquecendo o impacto sobre a região menos próspera e aumentando ainda mais a posição competitiva das partes mais ricas Com maior atenção internacional agora concentrada na promoção de mercados abertos e Iivre-comércio, as opções abertas a economias nacionais para que intervenham em economias regionais de modo a se ajustar às diretrizes da OMC ficaram significativa mente limitadas. Nesse aspecto, a forma pela qual a política regional vem sendo conduzida na União Européia pode oferecer algumas idéias importantes para o caso

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brasileiro, embora ao ser aplicada no Brasil deverá levar em conta seus diferentes níveis de desenvolvimento e escala geográfica.

Notas

1. ROCHA, Sonia. “Pobreza metropolitana: balanço de uma década”. In: Perspectivas da Economia Bra-sileira, 1992, p. 454.

2. BAER, Werner & GEIGER, Pedro Pinehas. “Industrialização, urbanização e a persistência das desi-gualdades regionais do Brasil”. Revista Brasileira de Geografia 38, n- 2, abr./jun. 1976, p. 3-99.

3. HICKS, J. R. Essays in world economics. Oxford: Clarendon Press, 1959, p. 163; outras conhecidas análises sobre desigualdades regionais são MYRDAL, Gunnar. Economic theory and under-developed regions. London, Gerald Duckworth, 1957; IIIRSCHMAN, A. O. The strategy of economic develop?nent. New Haven, Yale University Press, 1958, p. 183; PERROUX, François. “N ote sur la notion de ‘pole de croissance’”. Economie Appliquée 8, n,J 1-2, jan./jun. 1955, p. 307-20.

4. Idem, ibid., op. cit., p. 163.5. COSTA, Manoel A. “Cenário demográfico do Brasil para o ano 2000...”. In: 0 Brasil social, ed. por

Roberto Cavalcanti de Albuquerque. Rio de Janeiro, I PEA, 1993, p. 249.6. C Conselho de Desenvolvimento do Nordeste. A polity for the economic development of the northeast. Rccifc,

1959. Esse documento foi redigido por Celso Furtado e levou à criação da Superintendência do Desenvolvi-mento do Nordeste (Sudene). Uma análise semelhante foi realizada algum tempo antes pelo departamento de pesquisa do Banco do Nordeste. A análise contida neste capítulo também aparece, em parte, em BAER, Werner. Industrialization and economic development in Brazil. Homewood, 111.: Richard D. Irwin, 1965, p. 174-83.

7. Conselho de Desenvolvimento do Nordeste, op. cit., p. 18.8. Idem, ibid., p. 19.9. Embora os preços de exportações e importações sejam medidos em dólares e os preços de merca-

dorias comercializadas internamente em cruzeiros, os coeficientes são significativos, visto que estamos inte-ressados em variações relativas.

10. Conselho dc Desenvolvimento do Nordeste, op. cit., p. 18.11. Idem, ibid., p. 26.12. ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & CAVALCANTI, Clóvis de Vasconcelos. Desenvolvi-

mento regional no Brasil Série Estudos para o Planejamento, 16. Brasília, IPEA, 1976, p. 49.13. Não há dados sobre a distribuição geográfica dos gastos do governo federal. Foram realizadas algu-

mas estimativas especiais para o Nordeste. Ver ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & CAVALCANTI, C. de Vasconcelos, op. cit., p. 122. Ver também HARBER Jr., Richard Paul. “The impact of fiscal incentives on the Brazilian northeast” . Tese de doutorado, University of Illinois at Urbana-Champaign, 1982.

14. A melhor e mais completa análise sobre esses incentivos é encontrada em GOODMAN, David E. & ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. Incentivos à industrialização edesenvolvimento do Nordeste. Coleção Relatórios de Pesquisa, n- 20, Rio de Janeiro, IPEA, 1974.

15. ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & CAVALCANTI, C. de Vasconcelos , op. cit., p. 125-6.16. Para uma análise histórica das políticas do Brasil referentes ao Nordeste, ver ALBUQUERQUE,

Roberto Cavalcanti de & CAVALCANTI, C. de Vasconcelos, op. cit., p. 50-62; HIRSCHMAN, Albert O. Journeys toward progress: studies o f economic policy-making in Latin America, Nova York, Twentieth Century F nnd, 1963, cap. 1.

1 7. MAIMON, Daelia; BAER, Werner & GEIGER, Pedro P. “O impacto regional das políticas econômi-cas no Brasil”. In: Revista Brasileira de Geografia 39, n- 3, jul./set./ 1977.

18. ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de 6c CAVALCANTI, C. de Vasconcelos, op. cit., p. 78; GOODMAN & ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de, op. cit., cap. 8 e 9.

19. Idem, ibid., op. cit., p. 74-5.

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20. MAI M O M et al., op. cit.21. GOMES, Gustavo Maia. “Da recessão de 1981-83 aos impactos do Plano Cruzado no Brasil e no

Nordeste: um alerta para o presente.” Recife, Faculdade de Economia, Universidade Federal de Pernambuco, 1987. Mimeografado.

22. Maia Gomes ressalta que no período de 1984-86 grande parte do crescimento agrícola se concentrou nesse último ano, quando a produção agrícola caiu 7,3%, enquanto a do Nordeste aumentou 14,2%. GOMES, Maia, op. cit., p. 9.

23. Idem, ibid., p. 40-1.24. Dados de: Sudene, Boletim Conjuntural, ago./1996; Boletim, Banco Central do Brasil e Relatório 1996,

Banco Central do Brasil.25. República Federativa do Brasil, 1988, Constituição, Artigo 159.26. Existe ampla literatura sobre o tema. Ver, por exemplo, W RIGHT, 1986, p. 257-64.27. Para maiores detalhes, ver HEIM SOETH, 1996; HOLTHUS, 1996; KRÜSSELBERG, 1994.28. GOMES, Maia & VERGOLINO, 1995, p. 62-4.29. Ver, KO & HEWINGS, 1993; HULU & HEWINGS, 1993; RESOSUDARNO etal., 1998.

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15O desempenho da agricultura

IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA do setor agrícola corno mecanis- mo de crescimento econômico no Brasil tem sido demonstrada repetidamente desde 1500 com os primeiros empreendimentos experimentais. A exploração do pau-brasil pelos primeiros comerciantes portugueses marcou o início de uma longa (e lucrativa) sucessão histórica de períodos de prosperidade, a grande maioria da qual envolvia pro-dutos agrícolas destinados aos mercados externos. A cana-de-açúcar, o algodão, o fumo, o cacau, a borracha e o café, todos experimentaram períodos de desenvolvimento e fracasso frenéticos, porém, relativamente breves. As conseqüências econômicas dessas expansões voltadas para o exterior transcenderam sua natureza regional para afetar não somente o Brasil, mas também toda a América Latina - na verdade, toda a ordem econômica internacional.1

A medida que as esporádicas arrancadas da atividade exportadora começavam a dar lugar aos avanços do complexo urbano-industrial do século XX, os esforços agrícolas deixaram de ser o centro das atenções. O ritmo frenético das atividades de ISI na década de 1950 ofuscaram totalmente os progressos realizados no setor agrícola. O planejamento e as políticas agrícolas foram negligenciadas tanto pelos políticos quanto pelos acadêmicos.

Ironicamente, foi durante esse período de relativo descuido que o perfil da agri-cultura brasileira foi permanentemente modificado. O setor agrícola, juntamente com o resto da realidade socioeconômica, foi levado nas correntes da industrialização, destinado a ser submetido a uma modernização significativa seguindo as conseqüên-cias das políticas de ISI.

A internacionalização da economia brasileira, os avanços tecnológicos e a proletarização da mão-de-obra foram somente algumas das forças geradas pela indus-trialização que em breve devastariam a natureza feudal/tradicional da agricultura bra-sileira. O conceito de que a habitual dependência do petróleo importado poderia terminar com a produção de álcool de cana-de-açúcar em larga escala foi apenas um dos resultados dessa era de renovação.

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Tal modernização, porém, não deixou de apresentar problemas. Uma população em expansão, combinada com um aumento da migração do campo para a cidade, resul-tou numa população urbana de proporções gigantescas como a do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Em anos recentes, a escassez de alimentos, às vezes, tornou-se inten-sa, especialmente entre as classes de renda mais baixa, destacando um aspecto antes não discutido da agricultura brasileira: a produção de alimentos para consumo interno.

Depois de preparar o terreno, vamos examinar neste capítulo, em primeiro lugar, o desempenho da agricultura desde a Segunda Guerra Mundial, proporcionando uma estrutura abrangente na qual poderemos interpretar o estado atual desse setor, além de discutir vários pontos polêmicos e atuais no presente. Vamos, em seguida, rever brevemente as mudanças de políticas econômicas diante da agricultura, desde o início da década de 1950.

O crescimento da produção agrícola desde a Segunda Guerra Mundial

A natureza da atividade agrícola no Brasil mudou significativamente desde a Se-gunda Guerra Mundial. Não há dúvida de que os catalisadores dessa mudança já estavam presentes antes dessa época, seu desenvolvimento remontando ao início do século, nos primeiros dias do crescimento industrial. Embora seja difícil apontar com precisão os momentos exatos de transição de uma fase agrícola a outra, podemos, todavia, identificar as várias tendências que caracterizam tais períodos, esclarecendo melhor o alcance e a magnitude da produção agrícola.

Apesar da negligência e mesmo da discriminação total por parte dos formuladores de política econômica preocupados com a industrialização, durante os anos de expansão da ISI, a produção agrícola parece ter mantido taxas de crescimento adequadas durante quase todos os anos desde a Segunda Guerra Mundial (ver Tabela 15.1a). Estima-se que o valor agregado agrícola aumentou a uma taxa média anual de 4,5% durante o mesmo período, comparado com a taxa de crescimento de 7% do PIB, fato que explica o declínio da participação da agricultura no PIB de 27% para 1 \%} Os aumentos da produção agrí-cola foram superiores à taxa de crescimento populacional (de 3% e 2,7% nas décadas de 1950 e 1960, respectivamente).^ Também está claro que a agricultura perdeu sua posi-ção como setor líder em algum ponto na década de 1940. De fato, o crescimento da taxa da produção industrial foi, muitas vezes, o dobro da agrícola.

Como foi descrito pelo modelo de “articulação setorial”,4 aumentos significativos na produção agrícola complementaram o desenvolvimento do complexo industrial bra-sileiro. As taxas de crescimento médio anual das áreas cultivadas de arroz, mandioca e feijão-preto foram de 6,5%, 4,7% e 4,2%, respectivamente.5

Durante toda a década de 1950 e no início e meados da de 1960, as políticas de industrialização continuaram a discriminar o setor agrícola. As notáveis expansões na produção agrícola ocorreram em condições retrógradas com o contínuo uso de métodos de cultivo e colheita tradicionais e intensivos de mão-de-obra. lim a parcela significati-va dessa expansão pode ser atribuída ao período de prosperidade do setor cafeeiro na década de 1950 e início da de 1960, durante o qual as áreas plantadas com café aumen-

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Tabela 15.1Estatísticas agrícolas selecionadas, 1947-96

(a) Taxas de crescimento médio anual da produção realy por setor

TotalSafras

agrícolas Gado Indústria PIB real

1947-50 4,3 4,4 6,2 11,0 6,81951-54 4,5 3,0 9,4 7,2 6,81955-58 4,2 5,6 1,5 9,9 6,51959-62 5,8 5,7 4,9 10,0 7,71963-66 3,2 3,0 4,7 3,1 3,11967-70 4,7 5,1 2,3 10,1 8,21971-76 5,9 5,5 6,3 14,0 12,21977-81 5,0 4,8 5,1 5,5 5,41981-86 1,8 3,9 -0,9 1,9 2,91987-92 2,9 3,8 1,8 -2,2 0,41993-96 2,3 6,8 0,9 3,9 3,5

Fonte: Fundação Getíílio Vargas, Conjuntura F.conômica; Perspectivas da Economia Brasileira, 1994. Rio de Janeiro, IPEA, 1993, vol. 2, p. 699-700.

(b) Taxas de crescimento médio anual de produtos agrícolas selecionados segundo os principais mercados de destino

(percentagens)

1960-69 1967-76 1970-79 1978-89 1990-92 1990-94

InternoArroz 3,2 -2,5 1,5 3,8 4,5 1,3Feijão 5,4 -1,9 -1,9 0,5 11,7 1,6Mandioca 6,1 -1,9 -2,1 -0,6 1,3 3,8Milho 4,7 3,5 1,8 6,3 9,0

ExternoSoja 16,3 35,0 22,5 8,8 -5,8 4,3Laranja 6,1 12,7 12,6 7,9 2,7Açúcar 3,6 5,1 6,3 6,6 1,8 3,8Fumo 5,3 - 6,2 - - -

Cacau 2,5 - 3,7 3,0 - -3,2Café 7,1 -6,3 -1,5 1,7 - -Algodão 1,5 -2,0 -4,4 1,5 - -

Trigo 6,4 13,9 6,9 6,3 - -0,1

Fontes: MELO, Fernando Homem de. O problema alimentar no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 17 e IBGE, Estatís-ticas Históricas do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, 1987; Perspectivas da Economia Brasileira 1994. Rio de Janeiro, IPEA, 1993, p. 719; Perspectivas da Economia Brasileira 1992. Brasília, IPEA, 1991, p. 164; Conjuntura F.conômica, fevereiro de 1998.

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Tabela 15.1 (continuação)Estatísticas agrícolas selecionadas, 1947-96

(c) Mudanças na proporção do to ta l de área cultivada, principais safras, maiores regiões produtoras 1950-97

Safras e região /rijltijwYiç listnAas;

Total de área cultivada (%)I ItOtUUUi) —pela divisão de 1950 1960 1965 1970 1975 1980 1989 19971950) (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8)

I. Sudeste

1. Café 27,4 29,5 20,8 13,0 12,7 15,6 14,8 14,6

2. Milho 25,2 28,1 30,6 35,1 32,2 29,0 20,7 23,7

3. Algodão 16,1 8,3 9,2 8,5 5,2 3,7 2,7 1,2

4. Açúcar 4,5 7,2 9,1 9,7 11,5 14,0 15,7 26,6

5. Cítricos 0,6 0,8 1,0 1,6 3,6 4,8 5,5 7,3

6. Soja - - 0,1 0,7 5,1 7,2 8,1 9,7

11. Sul

1. Milho 42,2 34,3 37,7 35,6 26,8 27,3 29,4 30,7

2. Trigo 17,0 16,4 8,7 16,0 16,8 14,9 17,7 9,2

3. Feijão 12,5 9,1 11,2 9,9 6,9 6,7 7,2 6,2

4. Café 7,1 19,3 14,8 9,0 5,7 3,4 3,1 0,8

5. Mandioca 5,8 4,6 5,3 4,4 2,7 1,4 1,7 1,7

6. Soja - 2,4 4,8 10,6 31,1 36,7 40,7 35,4

III. Centro-Oeste

1. Arroz 38,0 47,2 53,8 55,9 49,8 48,0 16,3 7,1

2. Milho 26,7 23,4 23,6 23,4 25,7 18,4 20,6 26,7

3. Feijão 12,3 10,8 9,1 9,4 8,0 5,7 3,7 2,2

4. Mandioca 8,0 5,6 4,7 3,8 2,7 1,1 0,4 0,8

5. Café 4,7 7,1 3,1 0,9 0,8 1,4 1,4 0,3

6. Soja - - - 0,5 7,2 20,8 50,3 52,3

IV. Nordeste

1. Algodão 31,3 30,4 31,4 33,4 28,1 26,1 6,2 2,5

2. Milho 20,8 20,1 20,8 19,2 23,4 19,7 16,4 23,3

3. Feijão 13,3 13,9 14,5 13,6 16,8 16,1 14,4 21,8

4. Mandioca 11,5 10,2 9,3 11,3 10,4 I 1,6 5,7 6,7

5. Açúcar 8,2 7,5 7,0 7,1 7,2 9,2 7,3 11,2

6. Cacau 6,4 6,9 5,4 4,7 3,9 3,9 2,8 5,6

7. Arroz 4,3 6,7 8,1 8,6 8,3 11,1 7,0 6,3

Fontes: GRAHAM, Douglas H.; GAUTHIER, Howard & BARROS, José Mendonça de. “Thirty years of agricultural growth in Brazil”. Economic Development and Cultural Change, out./1987, p. 12; IBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1992, 1998.

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taram de 2.663.117 hectares em 1950 para um pico de 4.462.657 hectares em 1962, um crescimento de quase 70% (no final do período a produção quadruplicou).6

O centro da expansão, contudo, deve ser procurado em outro lugar. A industriali-zação maciça criada pela ISI fomentou, além de promover o aumento da migração rural, a criação de uma classe média trabalhadora urbana que precisava de quantidades cada vez maiores de alimento. Durante todo esse período de intenso desenvolvimento industrial, as condições internas de comércio foram desfavoráveis ao setor agrícola, sustentando a contínua formação e crescimento de capital dentro do complexo urba- no-industrial. Embora os preços internos dos alimentos e, subseqüentemente, os sa-lários rurais fossem lentamente desgastados, o crescimento agrícola na margem extensiva, utilizando métodos menos sofisticados, prosseguiu, aparentemente indife-rente às desvantagens inerentes que se apresentavam.7 Embora às vezes houvesse escassez, ela era resolvida diretamente pelo governo por meio da importação dos bens necessários.8 A produção com fins de exportação, sem contar o desenvolvimento do setor cafeeiro citado anteriormente, foi relativamente menor nessa época.

No início da década de 1960, o papel da agricultura na economia começou a mudar. A medida que as dinâmicas taxas de crescimento da era de ISI começavam a declinar, ficava claro que somente a industrialização não serviria mais de mecanismo de crescimento e desenvolvimento econômico. E por volta dessa época que se nota a lenta, mas constante “abertura” da economia brasileira. Apesar de se ter dado muita ênfase à exportação de bens manufaturados, a produção agrícola para consumo exter-no também cresceu significativamente. As exportações de produtos provenientes da agricultura (beneficiados e não-beneficiados), excluindo o café, cresceram a uma taxa média anual de 22% entre 1965 e 1977 (em termos nominais).9

Está claro que os enormes aumentos na produção de soja estavam à frente desse novo movimento. De 1966 a 1977 a produção de soja ampliou-se a uma taxa anual de 37,6%.10 Essa expansão espetacular é parcialmente explicada pela pequena base de onde o produto começou, embora durante todo o transcorrer da década de 1970 os aumentos na produção eram grandes até em termos absolutos, tornando o Brasil o seu terceiro maior produtor do mundo e o segundo maior exportador em meados dessa década. Quando os produtores de laranja passaram à exportação em larga escala de suco concentrado, a produção aumentou a uma taxa anual média de 12,1% durante o mesmo período.11

Alguns dos principais produtos de exportação, como café e cacau, experimentaram baixas taxas de crescimento no final da década de 1960 e início da de 1970, embora isso revele pouco sobre o impacto causado por esses setores, visto que os preços internacionais, extremamente favoráveis, principalmente durante aquele período, mais do que compensaram os pequenos aumentos na produção.

Mudanças nos métodos de produção

No final da década de 1960 principiaram a ocorrer mudanças extraordinárias nos métodos de produção agrícola. Mesmo no final da década de 1950 e início da de 1960, era evidente que as técnicas de cultivo tradicionais repetidas na margem extensiva

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não eram satisfatórias para o prosseguimento do crescimento agrícola ao ritmo exi-gido para sustentar a expansão no setor industrial.12 Instalou-se um processo de “modernização conservadora”, uma combinação de planejamento consciente e pro-gressão natural. A política agrícola e o novo potencial de receitas de exportação começaram a estimular o fluxo de capital urbano-industrial para o setor agrícola.13 O sistema rural era lento, mas seguramente influenciado pelas recentes vantagens da tecnologia agrícola geradas internacionalmente pela “revolução verde”.14 Com o tempo, em muitas áreas, o tradicional sistema de latifúndio/minifúndio tão comum no Brasil foi convertido num moderno complexo agroindustrial. O crescimento de terras na área cultivada continuou.

O aumento da produtividade das terras agrícolas existentes na margem intensiva, entretanto, incluindo o uso de tratores, fertilizantes e outros insumos de alta tecnologia, era o novo foco de atenção em alguns setores. Como a especialização na agricultura, tanto a voltada à exportação quanto a alguns setores do mercado interno, parecia ser a tendência no final da década de 1960 e início da de 1970, os preços das terras aumentaram a uma taxa duas vezes maior do que seu valor de arrendamento.15 A natureza do trabalho agrícola foi basicamente alterada, à medida que os trabalhadores residentes permanentes foram expulsos dos grandes latifúndios (os minifúndios inter-nos foram absorvidos pelos fazendeiros) favorecendo os trabalhadores migrantes sazo-nais. Cada uma dessas etapas foi projetada para tornar as unidades de agroindústria mais produtivas e eliminar ineficiências e redundâncias inerentes ao velho sistema.

Embora as mudanças tivessem se difundido, grande parte dessa transformação ocorreu na agricultura de exportação e em alguns setores voltados para o setor interno, principalmente no Sudeste e especialmente em São Paulo, para onde parecia se des-tinar uma quantidade desproporcional de pesquisas e recursos de desenvolvimento agrícola.16 De fato, muitos estudos contemporâneos sobre a agricultura brasileira enfocam o Estado de São Paulo e a atividade dinâmica ali observada.17 Nas décadas de 1970 e 1980, a modernização agrícola também se estendeu a outras áreas: aos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul, a partes de Minas Gerais e a partes das regiões do cerrado no Centro do Brasil.18

Após 1973, a expansão da produção agrícola para exportação recebeu atenção es-pecial como instrumento de melhoria da balança comercial em declínio devido às pressões inflacionárias provocadas pela crise do petróleo.19 A produção de cana-de- açúcar, em especial, começou a se expandir extraordinariamente em 1977 com a cri-ação do Proálcool, um programa do governo destinado a promover a produção de álcool de cana-de-açúcar como um substituto do petróleo.20

A expansão do setor agrícola em termos de área e de produtividade prosseguiu de forma positiva durante a década de 1970. Um breve período de declínio foi observado em 1974-75, quando os preços internacionais de produtos primários caíram, seguido, porém, de um período favorável de aumento dos preços mundiais, conhecido como o “mini-boom de mercadorias”, em 1976-77.21

As condições climáticas desfavoráveis e a redução das áreas cultivadas, associadas ao aumento das taxas de juros internacionais e à segunda crise do petróleo, foram responsáveis pela produção agrícola extremamente baixa em 1978 e 1979. A magni-tude e a coincidência desses acontecimentos chamaram a atenção a uma séria defí-

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ciência no setor agrícola brasileiro que começara a se manifestar já no início da década de 1960: a produção insuficiente de alimentos para consumo interno, fato devido, em grande parte, à falta de crédito, de preços subsidiados e a políticas macroeconômicas que discriminavam a agricultura voltada para a produção para consumo interno.

O plantio de culturas alimentares vinha crescendo a uma taxa reduzida desde a \ “internacionalização” da economia brasileira no início e meados da década de 1960. Durante o período de 1966-67, a taxa de crescimento médio anual das culturas ali-mentares nacionais foi de 3,3%, enquanto a de safras exportáveis foi de 20% ao ano. 2 Todos os fatores que coincidiram para estimular a produção em larga escala de cul-turas para exportação - incluindo preços internacionais favoráveis, política de apoio do governo e amplo uso de avanços na tecnologia agroindustrial - pareceram exercer um impacto negativo sobre o plantio de culturas alimentares. Os recursos e os insumos, incluindo a mão-de-obra, o financiamento e a tecnologia, foram retirados desse setor pelos agroindustriais ora capitalizados, deixando a produção de alimentos para con-sumo interno nas mãos, em sua maioria, de pequenos e médios fazendeiros, que empregavam técnicas ineficientes e relativamente antiquadas e que eram vítimas de políticas discriminatórias, como a de preços máximos e elevados impostos sobre as vendas.

A situação de crise de 1978-79 conscientizou o governo da necessidade de renovar a política agrícola a fim de estimular o cultivo de alimentos. O programa de “Priori-dade Agrícola” foi arquitetado com esse objetivo, além de dar ênfase renovada às culturas de energia (cana-de-açúcar) e aos produtos de exportação.23 O setor agrícola recuperou-se rapidamente, e as taxas positivas de crescimento foram retomadas,24 o que poderá ser confirmado pela Tabela 15.1.

A suficiência do setor agrícola brasileiro em abastecer a população pode ser medida pelo comportamento dos preços dos alimentos em relação às mudanças do nível geral de preços e aos preços de produtos não-agrícolas, o que pode ser observado na Tabela15.2. Pode-se notar que, nos dados sobre o custo de vida, os preços dos alimentos estavam à frente do nível geral até meados da década de 1960; durante todo o restante dessa década eles ficaram defasados em relação aos aumentos gerais de preços; a partir do início da década de 1970, porém, até meados da de 1980, mais uma vez eles ficaram significativamente em posição de vantagem em relação aos aumentos médios. As variações dos preços de atacado também indicam um aumento mais rápido dos preços agrícolas do que os preços médios de atacado no final da década de 1970 e na de 1980. Em 1983, quando a produção caiu expressivamente, os preços agrícolas dispararam, fazendo com que alguns analistas chamassem os acontecimentos daquele ano de “crise agrícola”.25 O índice de preços agrícolas por atacado em 1983 aumentou 336%, enquanto o mesmo índice para produtos industriais se elevou somente 200%. Durante o mesmo período, o índice de Preços ao Consumidor do Rio de Janeiro aumentou 199%, enquanto os dos alimentos subiram 237%.26 O problema referente à produção interna de alimentos ficou mais uma vez em destaque, lançando dúvidas sobre o sucesso do programa de Prioridade Agrícola do governo amplamente aclamado (pelo menos pelas fontes governamentais).

Na segunda metade da década de 1980 e início da de 1990, a produção de alimen-tos progrediu consideravelmente, em grande parte devido à eliminação de políticas

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T abela 15.2Variação de preços na agricultura e outros setores, 1948-99

(percentagem média anual)

(a) Custo de vida (Rio de Janeiro)

Período Total Alimento Vestuário Habitação Serviços públicos

1948-50 6,7 6,8 4,3 10,7 10,51950-54 16,5 18,1 12,0 19,1 11,31954-58 18,3 19,4 15,4 16,8 27,71958-62 38,3 43,0 40,7 23,1 35,01962-66 67,4 61,9 65,6 69,1 89,81966-70 24,4 21,0 22,9 33,6 26,01971-76 24,7 26,4 15,2 16,2 25,11976-81 64,7 69,3 44,1 52,6 70,31981-85 145,4 150,4 148,4 131,0 148,81986-89 837,5 788,7 830,6 688,2 838,81990-92 1.069,6 1.019,9 902,2 1.287,0 1.157,61994-99 17,4 8,2 4,8 47,2 12,6

(b) Preços por atacado

Produtos de uso doméstico Oferta agregada

Período Total Matérias-primas

Alimento Mat.constr.

Total Agric. Prods.inds.

1948-50 3,4 16,9 1,0 12,3 18,1 17,7 4,11950-54 18,6 19,1 19,8 18,0 19,0 19,3 18,31954-58 17,6 12,1 16,3 20,0 14,2 11,2 18,01958-62 41,2 41,0 44,2 33,1 40,0 41,4 38,71962-66 63,0 63,1 62,8 66,5 63,5 62,4 65,01966-70 21,9 20,5 22,0 26,3 22,7 23,0 23,31970-76 25,3 24,4 28,0 25,6 25,9 29,8 23,91976-81 71,4 64,3 75,5 70,6 70,1 72,1 68,41981-85 178,8 154,6 189,2 179,8 174,4 199,0 171,01986-89 812,1 525,3 581,6 705,9 582,5 542,9 593,61990-92 1.019,4 1.387,8 1.577,5 1.288,1 1.371,9 1.552,8 1.324,91994-99 12,6 13,4 6,2 10,6 18,2 - -

Fontes: PAIVA, Ruy Miller; SCHATTAN, Salomão & FREITAS, Claus R. T. de. Setor agrícola do fírasi/, São Paulo, Secretaria da Agricultura, 1973, p. 37-8 e Conjuntura F.conômica.

discriminatórias, principalmente no caso do arroz e do milho. Surgiu uma moderna área irrigada no Estado do Rio Grande do Sul que foi responsável por 40% da produ-ção de arroz em 1991. Houve uma rápida expansão de uma moderna área de cultivo de milho, especialmente nos Estados do Paraná, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina. Em ambos os casos, essa modernização ocorreu no desenvolvimento de complexos agroindustriais que afetaram não apenas as operações agrícolas, mas também o processamento e o comércio.

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O exemplo do milho é especialmente interessante. Ele deixou de ser um item de consumo humano direto para se transformar num importante insumo de vários seg-mentos da agropecuária, tais como os de criação de aves e suínos e de uma sofisticada indústria de processamento de alimentos.

No início da década de 1990, já não era mais exata a classificação que dividia a agricultura brasileira num setor voltado para a exportação e noutro para o consumo interno. Além disso, um produto pode ser incluído num grupo em dado momento e ser mudado para outro alguns anos depois. Gomo foi mencionado, isso ocorreu com o arroz e o milho e parece estar surgindo uma área irrigada importante e moderna de cultivo de feijão. E claro que haverá uma área produtora de feijão tradicional durante muito tempo, especialmente no Nordeste e regiões de fronteira.

As safras para exportação foram as primeiras a serem modernizadas e incorporadas aos complexos agroindustriais. Entretanto, apesar das desigualdades de distribuição, em termos absolutos o mercado doméstico para produtos alimentícios é bastante amplo. Assim, no momento, algumas das restrições de política foram abrandadas e a moderniza-ção foi introduzida nos segmentos agrícolas destinados ao mercado interno (por exem-plo, arroz e milho).

O café parece estar caminhando em sentido oposto. Após ter enfrentado vários anos de condições de mercado extremamente difíceis, ele está se tornando uma cultura tradicional. Naturalmente, ainda há áreas produtoras de café “modernas” e importan-tes no Brasil - principalmente nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo -, mas, a menos que as condições de mercado melhorem, essas áreas acabarão sendo substituí-das por outros produtos ou por pastagens.

Padrões regionais27

Tem havido importantes mudanças regionais na produção agrícola desde a década de 1950 que são apresentadas na Tabela 15.1c. Uma breve análise revela vários fatos.

Primeiro, o Sul experimentou um pronunciado aumento na produção de café na década de 1950 (principalmente no estado do Paraná) e um declínio nas culturas alimentares internas. Na década de 1960, porém, o café voltou a apresentar uma queda e a produção de soja começou a se expandir, e nas décadas de 1970 e 1980 essa produção ampliou-se a tal ponto que em 1989 era responsável por mais de 40% da área de cultivo da região. No início da década de 1990, a produção de arroz ocupou 7,1% da área plantada no Sul, grande parte da qual localizada no Rio Grande do Sul. A área irrigada para plantio de arroz desse Estado era responsável por 40% da produção do país, tomando o lugar do Centro-Oeste como maior fornecedor de arroz de sequeiro.

Segundo, a participação do café e da cana-de-açúcar aumentou ligeiramente no Su-deste na década de 1950, as culturas alimentares mantiveram sua participação relativa e a do algodão declinou. Na década de 1960, a área destinada ao plantio de milho foi con-sideravelmente ampliada. As décadas de 1970 e 1980 testemunharam uma queda do algodão e do milho, enquanto houve um acentuado aumento nas terras utilizadas para o plantio da cana-de-açúcar, como resultado do programa de substituição da gasolina pelo álcool. Também digno de nota é o crescimento do cultivo da soja e de frutas cítricas.

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Terceiro, o Centro-Oeste, a maior região de fronteira do Brasil, sempre produziu grandes quantidades de culturas alimentares domésticas, além de ser uma importante região pecuarista. Nas décadas de 1970 e 1980, houve um pronunciado aumento na produção de soja e um acentuado declínio na área reservada às culturas alimentares.

Quarto, o Nordeste é a região em que houve um relativo aumento da área destina-da às culturas alimentares e uma queda na utilizada para safras exportáveis. Graham, Gauthier e de Barros constataram que os “incentivos às exportações que estimularam tal substituição dos recursos da terra e da vantagem comparativa por atividades de exportação exerceram um impacto consideravelmente menor no Nordeste ou, em ou-tras palavras, as oportunidades potenciais de exportação (com ou sem subsídios) eram muito menos promissoras no Nordeste, quando comparadas às do Sul e Sudeste” .28

1 Fontes de crescimento agrícola

Como já mencionado, até a década de 1970 a maior parte do crescimento agrícola no Brasil ocorreu na margem extensiva, isto é, mais terra foi usada para o cultivo. O número de fazendas aumentou mais de 60% na década de 1950, cerca de 50% no período de 1960-75 e 17% em 1975-85. Em 1950, havia pouco mais de 2 milhões de estabelecimentos agrícolas e em 1985 eram 5,8 milhões.29 A quantidade de terras cultivadas cresceu 175% no período de 1950-85. Em 1950, 6,5% das terras pertencen-tes a estabelecimentos agrícolas eram cultivadas; em 1970, essa percentagem havia subido para 11,6% e, em 1985, para 13,9%.30

Até recentemente, o aumento de produtividade contribuiu relativamente pouco para o crescimento da agricultura brasileira, o que fica claro com os dados apresentados na Tabela 15.3. Da década de 1940 até a de 1980 não houve mudança (ou retrocesso) na produtividade (medida por produção por hectare) de produtos básicos como arroz, feijão e mandioca; entre os produtos para exportação, o algodão e o cacau mantiveram-se esta-cionários até o final da década de 1970, quando houve alguma melhora, enquanto so-mente o café, o açúcar e a soja apresentaram aumentos de produtividade dignos de nota. De meados da década de 1980 até meados da de 1990, ocorreram aumentos significati-vos de produtividade no cultivo de algodão, arroz e trigo.

Charles C. Mueller dividiu a área cultivada do Brasil em dois subsetores, moderno e tradicional, em que o primeiro foi beneficiado pela modernização agrícola (espe-cialmente por complexos agroindustriais) e o segundo é formado de produtos não- afetados pela modernização. A Tabela 15.4 deixa claro que no período de 1970-89 os aumentos de produção nos setores agrícolas modernos foram muitas vezes maiores do que os aumentos de área, enquanto ocorria o oposto nos setores tradicionais.31

Uma comparação de produtividade entre o Brasil como um todo e o estado de São Paulo (Tabela 15.3a e b) é bastante esclarecedora. A produtividade do setor algodoeiro de São Paulo não só foi superior à do país, como também cresceu significativamente. A produtividade do arroz de São Paulo ficou para trás em relação à média nacional, sendo que essa cultura progrediu muito mais no estado do Rio Grande do Sul. No caso da cana-de-açúcar, a produtividade absoluta de São Paulo foi maior do que a média nacio-nal, enquanto sua taxa de crescimento foi menor. O desempenho do Estado nos produ-

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T abela 15.3Produtividade agrícola, 1947-96 (quilogramas por hectare)

(a) Brasil

1947-49 1961-63 1964-66 1968-70 1972-74 1974-76 1978-80 1983-85 1988-91 1995-96

Algodão 442 554 482 490 526 446 546 679 1.321 1.314Amendoim 1.004 1.347 1.286 1.286 1.196 1.302 1.473 1.582 1.671 1.802Arroz 1.552 1.634 1.536 1.464 1.533 1.461 1.415 1.700 2.171 2.702Cacau 450 312 341 378 436 528 681 623 544 473Café 41 1 415 771 811 1.192 1.009 1.046 1.356 1.011 1.566Cana-de-açúcar 38.333 42.773 44.841 45.551 43.806 47.785 55.252 62.034 62.158 61.049Feijão 685 659 656 634 593 566 472 454 485 638Mandioca 13.347 13.404 14.120 14.662 13.168 12.278 11.770 11.601 12.526 13.217Milho 1.256 1.311 1.283 1.365 1.462 1.650 1.479 1.792 1.880 2..406Trigo 789 658 833 945 1.110 892 862 1.314 1.603 1.604Soja - 1.056 1.088 1.072 1.463 1.660 1.398 1.747 1.841 2.284

(b) Estado de São Paulo

1947-49 1961-63 1964-66 1968-70 1970-72 1978-81 1986 1988-91 1994

Algodão 576 985 1.147 1.550 1.077 1.565 1.970 1.878 1.706Amendoim 948 1.160 1.257 1.126 1.308 1.519 1.419 1.797 1.913Arroz 1.357 1.126 865 874 1.054 1.048 1.736 1.811 1.944Café 943 903 1.036 1.118 1.324 1.231 527 831 1.500Cana-de-açúcar 47.1 17 48.747 52.294 47.597 55.131 68.819 69.215 74.213 80.112Feijão 670 377 474 432 505 581 656 892 884Mandioca 9.481 16.875 17.351 17.533 17.136 19.838 20.098 21.593 22.502Milho 1.262 1.620 1.565 1.602 1.846 2.079 2.417 2.831 2.444

Fontes: PAIVA, Ruy Miller; SC l \ IATTAN, Salomão & FREITAS, Claus R. T. dc. Setor agrícola do Brasil. São Paulo, Secretaria da Agricultura, 1973, p. 64-5; IB(íE, Anu/írio Estatístico.

tos básicos foi variado - o feijão às vezes superando ou ficando para trás em relação à média nacional, enquanto a mandioca e o milho apresentaram maiores progressos.32

O desempenho insignificante da produtividade da agricultura brasileira até a dé-cada de 1980 pode ser atribuído, em parte, à relativa lentidão no aumento do uso de insumos modernos. E possível observar na Tabela 15.5 que o emprego de fertilizantes por hectare em meados da década de 1960 foi extremamente baixo comparado aos padrões internacionais, ampliando-se nos vinte anos seguintes, mas, mesmo em m ea-dos da década de 1980, não havia ainda alcançado os padrões adotados pelos países desenvolvidos em 1970. Em nível regional, houve uma enorme diferença no uso de fertilizantes entre o Nordeste, o Sudeste, o Sul e o estado de São Paulo. A utilização mais acentuada de insumos neste último está relacionada a uma tradição maior do governo do Estado em promover a pesquisa agrícola e estimular o uso mais intenso de fertilizantes, produtos químicos e sementes melhoradas.33

A Tabela 15.5f mostra a persistência das diferenças regionais na utilização de insumos agrícolas na década de 1980. Em 1985, o uso de fertilizantes limitou-se a 13%

383

Page 373: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 15.4 Brasil: variações de área e de produção das principais culturas

“m odernas” e “tradicionais”1970-1989 e 1985-1995/6

CULTURA1970-89

Variação em área(%)

1970-89 Variação em produção

(%)

1985/6 Variação em área

(%)

1985-95/96 Variação em produção

(%)

ModernaAlgodão -38,6 61,4 -69,8 -62,7Arroz 5,6 47,4 -42,3 -10,0Cana-de-açúcar 143,4 228,8 14,7 15,6Laranja 335,3 482,7 49,8 32,2Milho 24,7 77,0 -1 1,9 43,5Soja 767,8 1.231,1 0,5 29,4Trigo 69,6 175,5 -4,5 42,6Subtotal 76,5

TradicionalFeijão 41,6 3,7 -18,7 -16,3Mandioca -8,7 -22,5 -24,5 -26,6Bananas 76,0 10,5 9,0 -17,0Amendoim -85,2 -82,7Café 20,6 21,5 -31,3 -23,3Subtotal 1,0 -

Fonte: IBGE, Anuário Fstatístko, vários exemplares.

dos estabelecimentos agrícolas do Nordeste, enquanto no Sudeste e no Sul 60% e 63%, respectivamente, os empregavam. Somente 2% dos estabelecimentos agrícolas do Nordeste receberam assistência técnica em 1985, enquanto a taxa no Sudeste e Sul foi de 15% e 28%, respectivamente.

Embora a mecanização da agricultura brasileira tenha progredido significativamen-te nas décadas de 1960 e 1970, na década de 1980 ainda estava muito atrasada em relação aos padrões adotados pela maioria dos países desenvolvidos, quando medida em termos de hectares de terra cultivada por trator (Tabela 15.5e), sendo que São Paulo fez os maiores avanços nesse aspecto.

O aumento da mecanização, entretanto, leva à diminuição da capacidade da agri-cultura em absorver mão-de-obra o que, por sua vez, conduz a uma contínua ou mesmo acelerada migração da zona rural para a urbana.

Distribuição de terras

Como se pode observar na Tabela 15.6, no Brasil a concentração de propriedades rurais é muito grande e houve poucas mudanças durante o período 1950-85. Como o

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()

Tabela 15.5Insum os agrícolas, 1960-85

/ " (a) Uso de fertilizantes (kg/ha)

1960 1964 Í968 1970 1975 1985

11,5 8,3 17,9 27,8 44,5 51,0

(b) Uso de fertilizantes, I970y por região (kg/ha)

Brasil Nordeste Sudeste Sul São Paulo

27,8 5,6 34,4 46,6 72,8

(e) Proporção de fazendas usando equipamento mecânico, fertilizantes químicos, produtos agroquímicos e empregando práticas de conservação do solo: Brasil e estados - / 985

Equipamento Fertilizante Produtos Conservaçãomecânicoa químico agroquímicos do solob

Brasil 22,8 26,0 54,9 12,7Nordeste 10,4 7,0 40,4 2,0São Paulo 56,4 70,0 78,9 39,4Paraná 46,6 49,1 72,9 32,1Goiás 48,5 51,8 83,0 16,1

1 Equipamento mecânico de qualquer tipo, próprio ou alugado. h Qualquer tipo de prática de conservação do solo.Goiás foi incluído para representar a agricultura moderna na região do cerrado. Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1985.

(d) Uso de fertilizantes: comparação internacional(centenas de gramas de nutriente por hectare de terra arável)

Brasil EstadosUnidos

Japão França Alemanhaocidental

México Argentina

1970 169 800 3.849 2.424 4.208 246 241984 304 1.041 4.365 3.115 4.211 602 37

(e) Hectares de terra cultivada por trator

Brasil 1960 - 430 Nordeste (1985) - 3771965 - 344 Sudeste (1985) - 571970 - 218 Sul (1985) - 521975 - 137 Centro-Oeste (1985) - 861985 - 80 São Paulo (1985) - 41

União Soviética (1967) - 139Estados Unidos (1987) - 27França (1966) - 19Alemanha ocidental (1967) - 36Itália (1967) - 30Noruega (1967) - 11

Fontes: PAIVA, Ruy Miller; SCHATTAN, Salomão & FREITAS, Claus R. T. de. Setor agrícola do Brasil. São Paulo, Secretaria da Agricultura, 1973, p. 77; índice do Brasil\ 1977-78, Rio de Janeiro, Banco Denasa de Investimento S.A., 1977, p. 341; World Bank Development Report. Washington, D.C.: World Bank, 1987; IBGE, Anuário Estatístico 1986; Anuário Estatístico do Brasil 1992; IBGE, Censo Agropecuário 1985.

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Tabela 15.5 (continuação)Insumos agrícolas, 1960-85

(J) Uso de fertilizantes e assistência técnica p o r estabelecimentos agrícolas 1985 (%)

Uso de fertilizante Assistência técnica

Brasil 31 11

Norte 4 2

Nordeste 13 2

Sudeste 60 15Sul 63 28Centro-Oeste 37 14

Fonte: IBGE, Anuário F.statístico do Brasil, 1992.

Tabela 15.6Classificação por tamanho das propriedades rurais

por quantidade de estabelecim entos e área total, 1950-85 (distribuição percentual)

Tamanho das Número de estabelecimentos Área

propriedades (hectares) 1950 1960 1970 1975 1985 1950 1960 1970 1975 1985

Menos de 10 34,0 44,7 51,2 52,1 52,9 1,3 3,4 3,1 2,8 2,710- 100 50,9 44,6 39,3 38,0 39,1 15,3 19,0 20,4 18,6 18,5100- 1.000 12,9 9,4 8,4 8,9 8,9 32,5 34,4 37,0 35,8 35,11.000- 10.000 1,5 0,9 0,7 0,8 0,8 31,5 28,6 27,2 27,7 28,810.000 ou mais 0,7 0,4 0,4 0,2 0,3 19,4 15,6 12,3 15,1 14,9Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Calculado com base em dados do IBGE, Anuário F.statístico, 1976, 1981, 1986.

conceito usado para terras não é a propriedade, mas sim instalações, a tabela não retrata com justiça o grau de desigualdade da posse de terras. Tendo em conta o elevado grau de desigualdade de concentração de propriedades rurais, há uma grande variação na qualidade de terras num país das dimensões do Brasil. Assim, muitos estabelecimentos agrícolas muitas vezes são compostos de uma grande parcela de terras inférteis que é usada para a criação de gado em larga escala.

Os cálculos dos coeficientes de Gini para a concentração na distribuição de terra para os censos dos anos de 1950, 1960 e 1970 mostram que estes pouco mudaram, oscilando entre 0,84, comparados aos coeficientes de 0,72 nos Estados Unidos em 1959, 0,57 no Canadá em 1961, 0,51 na índia em 1960 e 0,71 no Reino Unido em I960.34 Os coeficientes de Gini para diferentes regiões do Brasil mostram que a con-

\ centração de propriedade é maior no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e menor no Sul.

386 1 W V₩C v* Y< <SsV,N>

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Esse fato reflete a grande variedade de condições socioeconômicas e tipos de ativi-dades agrícolas encontradas nas diferentes regiões do Brasil — variando de pequenas fazendas pertencentes a famílias descendentes de imigrantes europeus no Sul do país às cooperativas de japoneses-brasileiros e outros grupos em São Paulo e no Paraná e às tradicionais fazendas de cana-de-açúcar do Nordeste.35

Pobreza rural

Grande parte do aumento na produção agrícola do país ocorreu na margem exten-siva. Embora se esperassem preços relativamente mais altos de alimentos devido à elevação dos custos de transporte e armazenamento, isso não aconteceu, fato que uma das principais autoridades agrícolas brasileiras atribuiu à adequação da mão-de-obra rural aos salários relativamente baixos.36 Uma conseqüência dessa superabundância de mão-de-obra rural é que as condições de pobreza habituais encontradas nas zonas agrícolas não se modificaram ao longo dos anos.

Em 1970, a renda média per capita de uma família da zona rural atingia 26% da renda média per capita de uma família da zona urbana; essa taxa aumentou para 32% em 1980 e caiu novamente para 31% em 1988.37 Também em 1988, calculou-se que na área rural 53,1% da população vivia abaixo do nível de pobreza, comparados aos 17,8% na área urbana.38 Um estudo mostrou que, com exceção de São Paulo, o salário médio do trabalhador rural encontrava-se abaixo do salário mínimo legal. Ruy Miller Paiva observou que esses níveis de renda “não possibilitam a existência de condições satisfatórias de bem-estar na agricultura” .39 Pesquisas sociais indicaram que em 1988 somente 32% das residências da zona rural tinham água corrente, comparadas com 81% de casas da zona urbana; 51% tinham eletricidade, contra 97% na área urbana; 7,4% estavam conectadas a um sistema de esgotos ou possuíam uma fossa séptica, contra 50% nas cidades; somente 34% tinham uma geladeira, contra 79% nas áreas urbanas.40

A pobreza se estende além dos rendimentos do trabalhador rural. Uma grande par-cela dos estabelecimentos rurais tem uma área inferior a 10 hectares (passando de 34% de todos os estabelecimentos agrícolas cm 1950 para 52,9% em 1985). Vários estudos constataram que a renda gerada por tais propriedades era extremamente reduzida.41

Também existe uma grande defasagem educacional entre o Brasil rural e urbano. Em 1988, somente 15,5% da população rural tinha mais de quatro anos de escolari-dade, contra 49,1% da população urbana.42

Políticas agrícolas

Durante toda a década de 1950 as políticas agrícolas estiveram sujeitas à meta mais importante da industrialização. Segundo Nicholls, “o principal objetivo das políticas públicas durante aquela década foi a exploração de seus excedentes exportáveis (café, algodão e cacau) a fim de financiar o desenvolvimento industrial por meio de um ela-borado sistema de taxas de câmbio múltiplas que discriminavam as exportações tradi-

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cionais enquanto favoreciam as importações de maquinário e de bens de produção”.43 Isso foi parcialmente compensado por taxas de câmbio favoráveis ocasionais concedi-das para a importação de alguns insumos agrícolas (como fertilizantes) destinados às principais culturas para exportação. Também foram feitas tentativas para desenvolver serviços de extensão agrícola, mas até 1960 somente 11,5% dos municípios brasileiros tinham sido atingidos por eles (excluindo o estado de São Paulo).

O amplo crescimento da produção agrícola brasileira na década de 1950 não pode-ria ter ocorrido sem o programa de construção de estradas do governo. No período de 1952-60, o sistema rodoviário federal foi ampliado de 12,3 para 32,4 mil quilômetros e o sistema rodoviário estadual de 51 para 75,9 mil quilômetros. Embora isso “ainda fosse extremamente insuficiente para um país de tais dimensões, a expansão das redes rodoviárias estaduais e da federal foi acompanhada pela quadruplicação no vo-lume de mercadorias transportadas por caminhão na década de 1950”.44

O programa de garantia de preços mínimos foi usado na década de 1950, mas não se mostrou muito eficiente, pois,

com os preços aumentando a taxas superiores a 25% ao ano, o preço mínimo estabelecido para as mercadorias agrícolas era irrealisticamente baixo na época em que o produtor vendia sua safra. O programa de crédito rural era limitado quase que inteiram ente ao financiamento da comercialização da safra, não sendo destinado para investimentos fixos ou empréstimos para produção. Parece que grande parte do crédito foi parar nas mãos de intermediários para financiar a movimentação de bens a serem comercializados ou, às vezes, para ocultar produtos do m ercado até futuros au-m entos de preços.45

Após 1964, as políticas do governo passaram a dar mais apoio ao setor agrícola do que antes e o mecanismo de mercado foi muito enfatizado a fim de estimular a produção. Os controles de preços sobre muitos produtos foram gradualmente elimina-dos (sobre o feijão, leite, carne e outros), embora fossem ocasionalmente reintroduzidos, especialmente na década de 1980, quando o governo tentava solucionar o problema da inflação. Durante vários anos, o governo contou com o programa de preços míni-mos como um incentivo à produção agrícola. O elevado custo e o impacto inflacionário desse programa, entretanto, conduziram a uma dependência maior do financiamento pelo sistema de equivalência como substituto da compra total das safras. Tal proce-dimento “permitiu ao produtor ocultar suas safras do mercado, armazená-las e vendê- las quando o mercado parecia mais lucrativo” .46

Nas décadas de 1960 e 1970 um dos principais instrumentos de política para estimular a agricultura foi o uso do crédito. De 1960 até meados da década de 1970 o valor real dos novos empréstimos agrícolas aumentou mais de seis vezes. O crédito agrícola em comparação ao crédito total aumentou de 11% em 1960 para cerca de 25% em meados da década de 1970, e o crédito agrícola total em comparação ao PIB agrícola oscilou entre 65% e 94% na década de 1970.47 A maior parte do crédito destinado à agricultura originou-se no Banco do Brasil, mas várias medidas também foram tomadas para induzir os bancos privados a elevar o número de empréstimos ao setor. A expressiva parcela de empréstimos agrícolas foi feita numa base de conces-sões, ou seja, a taxa de juros cobrada geralmente se encontrava abaixo da taxa de inflação. Em meados da década de 1970, por exemplo, incidiam juros de 7% ao ano

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sobre os empréstimos destinados à compra de insumos agrícolas, enquanto a taxa de inflação era superior a 35%. O volume de crédito subsidiado representou 2% do PIB agrícola no início da década de 1970 atingindo quase 20% em 1980.48

A transferência de renda à agricultura por intermédio do crédito subsidiado trouxe benefícios discrepantes ao setor. Ao mesmo tempo em que contribuiu para um aumento significativo na mecanização de certas áreas e para a melhoria de técnicas de cultivo, a distribuição do subsídio por meio de taxas de juros reais negativos foi bastante desigual: normalmente os maiores beneficiários desse crédito eram os grandes fazendeiros. Por exemplo, a parcela do total de crédito destinado a safras alocadas para pequenos em -préstimos (menos de 5 salários mínimos) foi de 34% em meados da década de 1960 e caiu para 11% em meados da de 1970; no que se refere a empréstimos destinados à pecuária, a queda foi de 33% para 12%. Estima-se que o índice Gini para a concentração de empréstimos destinados ao cultivo aumentou de 0,600 em 1969 para 0,725 em 1979. E, até o final da década de 1970, 60% do total do crédito agrícola foi para 10% da camada que recebia os maiores empréstimos. Contudo, Graham et al. ressaltam que “esses da-dos subestimam a concentração de empréstimos, visto que não consideram os emprésti-mos múltiplos concedidos ao mesmo tomador”. E, “na medida em que alguns peque-nos produtores foram inseridos nesse portfolio subsidiado, as pesquisas mostraram que os custos dos empréstimos e as transações sem juros eram muitas vezes maiores que a taxa nominal de juros para pequenos produtores e praticamente zero para grandes fa-zendeiros exacerbando, dessa forma, as conseqüências eqüitativas”.49

Alguns estudos mostram que nem todo o crédito rural subsidiado foi sensatamente empregado sendo, muitas vezes, indiretamente usado para adquirir mais terras ou mesmo bens de consumo (quando aumenta o crédito rural, a venda de automóveis no interior cresce consideravelmente).50

Hoje, costuma-se admitir que vários tipos de programas de subsídio rural exerce-ram somente um impacto limitado. Ao analisar o programa de subsídio aos fertilizan-tes, por exemplo, Syvrud conclui que ele

... teve um certo grau de sucesso à m edida que os fazendeiros brasileiros reagiam com um a u -mento na utilização de fertilizantes. Mas os métodos usados para im plem entar o programa ap re -sentaram várias imperfeições. Como não era supervisionado ou vinculado a quaisquer padrões significativos que limitassem o desvio de fundos para outros usos, e le beneficiou [sic] som ente 5% dos produtores brasileiros, provavelm ente os tecnologicamente avançados. A grande m aioria de fazendeiros não foi atingida pelo programa. Quanto aos programas de preço mínimo e créd ito rural, a eficiência de um projeto de subsídio aos insumos como instrumento para melhorar a produtividade e a produção foi limitado aos modernos segmentos da agricultura que respondiam aos incentivos do mercado. Para a grande maioria de fazendeiros brasileiros, incentivos de m erca-do não são suficientes; eles precisam ser complementados com serviços de extensão rural, ed u c a -ção, pesquisa e, em alguns casos, mudanças no sistema de ocupação de terras.51

Apesar do sistema de crédito rural subsidiado, o amplo programa de construção de estradas e alguns investimentos em comercialização terem ajudado a aumentar e diver-sificar a produção agrícola brasileira, parece haver uma necessidade de mais reformas institucionais básicas para melhorar a produtividade desse setor e ampliar a eqüidade na distribuição do produto. Não foi instituída uma reforma agrária efetiva em algumas das

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regiões mais atrasadas52 e, até esta data, não se fez o bastante para mudar a natureza do crédito e do sistema de serviços de extensão rural.

Em 1973, o governo achou que se poderia obter um avanço significativo na pro-dutividade por meio de investimentos maciços em pesquisa. Para esse fim, foi criada a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).53 Sob seu patrocínio, in-vestiu-se muito em capital humano, que consistia principalmente em treinamento de especialistas em ciências agrícolas no exterior; houve uma nova ênfase em pesquisa a fim de melhorar a produtividade. Envidaram-se esforços para realizar inovações tecnológicas que levariam a um rendimento maior dos solos ácidos nas regiões fronteiriças (o cerrado) do Sudeste e Centro-Oeste. Graham, Gauthier e de Barros constataram que houve alguns “avanços parciais... no cultivo de diversas variedades de soja e feijão-preto e uma melhoria nas práticas de policultura na região do cerrado. Contudo, o longo período de evolução característico a todas as pesquisas agrícolas pressupõe que o maior impacto desse investimento provavelmente se tornará eviden-te apenas de meados ao final da década de 1980”.54

As políticas de diversificação de exportações que tiveram início no fim da década de 1960 e avançaram na década de 1980 também tiveram um efeito pronunciado sobre a agricultura. Produtos não-beneficiados foram responsáveis por cerca de 84% das ex-portações agrícolas em meados da década de 1960, taxa que caiu para 20% no início da de 1990. Além disso, a quantidade de produtos agrícolas que renderam mais de US$ 100 milhões aumentou de 4 em meados da década de 1960 para 19 em 1991. As medidas responsáveis por essa tendência incluíam prêmios de exportação diretos, isenções de impostos estaduais e federais sobre circulação de mercadorias, créditos com o imposto de renda, restituição de impostos sobre insumos importados e créditos subsidiados. Houve também uma ampla variedade de controles e cotas de exportação que obriga-ram os fazendeiros a vender produtos agrícolas não-beneficiados para indústrias de beneficiamento nacionais a preços inferiores aos praticados internacionalmente.

Como resultado dessas últimas medidas, constatou-se que “produtos agrícolas de exportação não-beneficiados pagavam um imposto de 13% sobre suas vendas... E ntre-tanto, a elevação dos níveis do valor agregado gerou o aumento dos níveis dos subsídios de exportação para produtos agrícolas de exportação semi ou totalmente beneficiados, atingindo o patamar de 50% para os produtos têxteis”.55 Como resultado final de tais políticas, o complexo conjunto de impostos e créditos subsidiados para produtos de ex-portação anulou o fator relativamente atrativo de se produzir para o mercado interno. Conseqüentemente, essas políticas criaram um nível de proteção efetiva que penalizou os produtores agrícolas em favor dos beneficiadores agroindustriais. Graham et al., por-tanto, são de opinião que “esse tratamento discriminatório intersetorial criou uma forte razão que justificou uma política para compensar os produtores agrícolas pela tributação implícita. Essa ‘segunda melhor’ base racional [sic] foi um argumento importante que fundamentou a rápida expansão do crédito rural subsidiado” .56

Ao avaliar as políticas agrícolas brasileiras do final da década de 1960 até a de 1990, Charles C. Mueller, que deu a essa era o nome de “modernização conservadora”, cons-tatou que sua principal característica residia na mudança técnica, que “... incluía o desenvolvimento e a adaptação das tecnologias da revolução verde voltada principal-mente para grandes fazendas, com uma importante posição a ser ocupada pelos tra-

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tores e outros equipamentos mecânicos, assim como pelos fertilizantes químicos e ou-tros insumos”.57 O período foi caracterizado pela formação de vários complexos agroindustriais e houve vários estímulos para a criação, expansão e modernização de indústrias de beneficiamento e para o desenvolvimento e a melhoria de indústrias de insumos agrícolas”.58 Além disso, desenvolveu-se um complexo sistema de isenção de impostos, reembolsos e subsídios para a exportação de produtos semi-acabados, enquanto as exportações de mercadorias não-beneficiadas eram pesadamente tribu-tadas. Simultaneamente, “... o segmento de insumos agrícolas domésticos tinha a ga-rantia de uma forte proteção, juntamente com privilégios de financiamento e outras formas de incentivos e subsídios”.59

Mueller é de opinião de que as exportações agrícolas “... reagiram bem aos estí-mulos do modelo de modernização conservadora e às oportunidades que surgiam nos mercados mundiais. Os segmentos da agricultura dedicaram-se ao desenvolvimento das exportações e aqueles que receberam apoio oficial modernizaram-se consideravel-mente... além de se tornarem importantes clientes das indústrias de insumos e equi-pamentos e venderem uma parte significativa de sua produção às indústrias de beneficiamento”.60 Ele conclui que um “...papel atribuído à agricultura no período, remanescente do modelo de ISI, foi o de fornecer alimento barato aos habitantes das cidades de modo a aplacar as pressões inflacionárias sobre as exigências salariais, o que foi feito por meio de um labirinto de regulamentos, preços máximos, restrições e cotas de exportações que, todavia, representaram desestímulos à mudança nos segmentos da agricultura que produziam alimentos de ampla demanda popular... Estes não se moder-nizaram e estavam destinados a apresentar um desempenho insatisfatório”.61

A agricultura brasileira na década de 1990“

O afastamento do Estado do envolvimento direto em atividades econômicas na dé-cada de 1990 também incluiu o setor agrícola, especialmente no que se referia ao crédito subsidiado e aos preços mínimos. O crédito agrícola foi crescentemente racionado, e o programa de estabilização introduzido em 1994, que reduziu significativamente a infla-ção, provocou uma expressiva queda no crédito subsidiado à agricultura. Além disso, com a introdução do Plano Real, muitos produtores agrícolas se viram numa situação precária, pois a correção monetária de suas dívidas era muito maior do que o aumento dos preços de seus produtos. Esse fato influenciou sobremaneira a produção de 1995-6, ano do censo agrícola. Gomo resultado, muitos produtores tornaram-se mais seletivos quanto aos produtos cultivados, concentrando-se naqueles sobre os quais tinham maior controle e apoio tecnológico, prejudicando as safras mais tradicionais.

A comparação da estrutura agrária brasileira de 1970 com a de 1995 (apresentada na Tabela 15.7) revela poucas mudanças em estabelecimentos de 100 hectares ou menos. Em 1970, sua participação no total de estabelecimentos era de 90,8% e na de terras cultivadas era de 23,5%; em 1995, elas representavam 89,3% dos estabeleci-mentos, controlando 20% das terras cultivadas. No outro extremo, estabelecimentos agrícolas com 1.000 hectares ou mais respondiam por somente 0,7% do total de esta-belecimentos, controlando 39,5% das terras cultivadas; em 1995, elas respondiam por

391

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Tabela 15.7

a) Distribuição de estabelecimentos e área cultivada: 1970 e 1995 (distribuição percentual)

Tamanho da oropriedade

Parcela de estabelecimentos

Parcela de estabelecimentos

Parcela de terras

cultivadas

Parcela de terras

cultivadas1970 1995 1970 1995

Menos de 10 hectares 51,4 49,7 3,1 2,310 a 100 hectares 39,4 39,6 20,4 17,7100 a 10.000 hectares 8,5 9,7 37,0 34,91.000 a 10.000 hectares 0,7 1,0 27,2 30,610.000 hectares ou mais - 12,3Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: FIGE, Anuário Estatístico, 1997.

b) Percentagem de estabelecimentos e áreas exploradas porproprietários, meeiros, posseiros e administradores, 1970 e 1995

Esta beleci m entos Terra cultivada Estabelecimentos Terra cultivada

1970 1970 1995 1995

Proprietário 59,6 60,6 69,8 63,9Meeiro 20,2 5,5 11,0 2,6Posseiro 16,1 6,4 14,4 2,6Administrador 4,1 27,5 4,8 30,9

Fonte\ FIGE, Anuário F.statístico, 1997.

1% dos estabelecimentos, controlando 45,1% das terras cultivadas. Houve, portanto, um considerável aumento na concentração de estabelecimentos.

A Tabela 15.7b mostra que, no intervalo de 25 anos entre 1970 e 1995, uma crescente proporção da terra cultivada foi explorada por administradores profissionais, o que revela uma ampliação gradativa da agroindústria no setor agrícola.

As terras utilizadas para safras temporárias (como algodão, arroz, açúcar, feijão, etc.) somaram 42,6 milhões de hectares em 1985 e 46,4 milhões de hectares em 1989, caindo para 34.348 em 1995. Isso ocorreu especialmente devido à queda da produção d e algodão, arroz, trigo, feijão e milho. Segundo Mueller, esse fato ocorreu principal-m ente devido à redução dos subsídios agrícolas e, especialmente no caso do trigo, devido à concorrência da importação. Houve também uma queda das safras perma-nentes de 5.978 milhões de hectares em 1989 para 4.108 milhões em 1995, principal-m ente por causa da redução da produção de algodão e café.

Uma análise de dados do censo agrícola entre 1985 e 1995 revela uma significativa queda no número de pessoas empregadas na zona rural, de 21,7 milhões para 17,9 milhões. Uma importante explicação para essa redução é a ampliação da modernização

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agrícola, especialmente do aumento de sua mecanização. O uso de tratores aumentou em 23,5% no período de 1985-95, apesar de esses anos terem testemunhado uma expressiva queda no crédito subsidiado.

Os anos de 1985-95 também viram um crescimento no uso de modernos insumos agrícolas. Em 1985, 31,6% dos estabelecimentos agrícolas usavam fertilizantes, passan-do para 38,2% em 1995-96. Em 1985 apenas 5,8% de estabelecimentos usavam calcário e outros produtos para correção do solo; sua utilização passou para 12% em 1995-96.

Reformas nas políticas no final da década de 1980 e na de 199063

As reformas políticas mais importantes ocorreram no período de 1987-92 e podem ser classificadas em três grupos:64

1) as reformas referentes à liberalização do comércio exterior de produtos agríco-las: eliminação de restrições de importação e exportação e modernização de procedimentos alfandegários. As tarifas médias sobre importação de produtos agrícolas caiu de 32,2% em meados da década de 1980 para 14,2% na de 1990. Houve também uma significativa redução das tarifas de importação de fertili-zantes. As tarifas para maquinário agrícola, porém, continuaram altas a fim de proteger a indústria nacional;

2) as reformas voltadas para a estabilização dos preços domésticos: intervenções do Estado mais coerentes com as forças de mercado do que no passado - estabelecendo preços mínimos para vários produtos agrícolas, compatíveis com os preços praticados nos mercados internacionais. Na década de 1990, o gover-no adotou uma política de preços mínimos que tinha por objetivo um sistema de incentivos compatível com projeções de demanda futura para vários produ-tos agrícolas. Além disso, o governo instituiu uma política de estoques regula-dores que complementou as políticas de preços;

3) mudanças institucionais que visavam à eliminação de monopólios agrícolas estatais, especialmente de açúcar, álcool, café e trigo.

Novo modelo na década de 1990

Com a diminuição da intervenção do governo e do crédito subsidiado, pareceu surgir um novo modelo no Brasil no qual o setor agrícola estava integrado a unrx sistema de distribuição crescentemente influenciado pelas cadeias de supermercados e pela agroindústria. Essas instituições, que tam bém incluíam com ercian tes/ processadores de commodities e setores de insumos agrícolas, tornaram-se a principal fonte de financiamento, substituindo as fontes de crédito público que desapareciam. Dias e Amaral apresentaram a hipótese de que “... a queda nas transferências de rend^ via crédito subsidiado estimulou os produtores agrícolas a reduzir os custos m édios...O instrumento mais importante foi o rápido aumento de produtividade, com uma moderada queda nas áreas cultivadas e uma redução drástica no emprego de mão-de-

39^

Page 383: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 15.8

a) Brasil: índices de produtividade agrícola, 1987-98

Safras Gado Total1 ^ 8 7 100,0 100,0 100,01^> 88 96,1 101,9 98,01 ^ 8 9 100,5 103,8 101,61«5>90 94,9 105,8 98,51 ^ 9 1 97,1 107,9 100,71 ^ 9 2 103,6 110,0 105,71 ^ 9 3 110,8 112,1 111,31 <^94 111,3 114,3 112,31 «5>95 112,5 116,6 113,8L <5>96 114,2 118,9 115,8l <997 116,4 123,6 122,81 <998 122,4 123,6 122,8

Fonte: Dl/VS & AMARAL, 2000, p. 139 - baseados em dados do FIBGE.

b) Indices de produtividade das principais safras, 1986-98

Algodão Soja Café Cacau Milho Feijão

1986-SÉ 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,01987-89 106.3 100,0 75,0 104,7 99,7 113,71988-90 110,3 98,0 63,7 103,7 97,7 121,31989-9' 116,3 95,0 68,0 101,0 96,7 122,71990-92 121,3 96,0 68,7 91,7 100,3 131,01991-95 126,3 103,7 71,3 89,7 1 1 1,3 144,71992-94 127,3 115,0 74,7 89,3 120,3 154,31993-95 136,0 118,0 73,7 86,3 125,7 158,31994-93 139,7 1 19,0 78,3 82,7 123,7 152,71995-97 148,7 121,3 76,0 78,3 127,0 153,31996-98 152,2 124,3 87,0 77,0 130,7 158,3

Fonte: 1)1 AS & AMARAL, 2000, p. 240, baseados em dados do FIBCiR

obra’/ ’5 Eles criaram um índice de produtividade agrícola que está reproduzido na T abela 15.8. Pode-se notar que houve um crescimento estável na produtividade nos p e r ío d o de 1987 a 1998. Dias e Amaral destacam vários fatores que contribuíram para e s s e crescimento. Primeiro, a falta de investimentos na infra-estrutura de transportes na década de 1980 e início da de 1990 obrigaram a um aumento na concentração num maior uso da terra. Segundo, houve um impacto provocado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), firma do governo especializada em pesquisa agrícola, cuja produção de uma nova variedade de sementes (muitas adaptadas a c o n dições do solo de outras regiões) e novas técnicas de produção foram rapidamente transferidas aos fazendeiros do país. Terceiro, eles verificaram que a agricultura se bemficiou da transferência de capital humano para regiões remotas, especialmente

T.ÍTIA

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fazendeiros do Sul que migravam para as regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil. Finalmente, verificaram que a liberalização do comércio resultou na disponibilidade de insumos agrícolas modernos a preços mais baixos, dessa maneira estimulando seu maior uso.

Vale notar que os maiores ganhos de produtividade foram conseguidos nos setores agrícolas voltados para o mercado doméstico (ver Tabela 15.8 b), enquanto os que esta-vam voltados para exportação (como café e cacau) realmente reduziram sua produtivida-de. Isso indica que as medidas já mencionadas adotadas para aumentar a produção agrí-cola na margem intensiva visavam principalmente à parte da agricultura que serve ao mercado interno e à agricultura de exportação não-tradicional, como a soja.

O aumento de produtividade da agricultura brasileira nas décadas de 1980 e / 1990 originou uma significativa queda no emprego e no número de estabelecimentosI agrícolas. Entre 1985 e 1996, o emprego na agricultura caiu 23%, enquanto sua pro-

dução total aumentou 30%. Para solucionar o aumento do desemprego agrícola, o governo acelerou seu programa de reforma agrária em meados da década de 1990 e distribuiu terras para mais de 200 mil famílias e criou um crédito especial para mais de 700 mil estabelecimentos agrícolas.66

1. Banco Mundial. Brazil: a review of agricultural policies. Washington, D. C., World Bank, 1982, p. 1. Para o leitor interessado em informações mais detalhadas sobre a agricultura brasileira além das apresentadas neste capítulo, recomendamos as seguintes fontes de consulta: SCHUH, G. The agricultural development of Brazil', Nova York, Praeger, 1970; Farm growth in Brazil, Columbus, Ohio State University, Department of Agricultural Economics, jun./1975; CONTADOR, Cláudio Roberto (org.). TecnologiaeDesenvolvimento Agrico-la, Série Monográfica na 17, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975.

2. Banco Mundial, op. cit., p. 4.3. E óbvio que tal declaração ignora a existência de uma distinção entre culturas alimentares domés-

ticas e produção para exportação. Notavelmente, a produção de feijão-preto caiu extraordinariamente em meados da década dc 1960, enquanto a produção de soja aumentou expressivamente.

4. Para discussões adicionais sobre a polêmica que cerca o “modelo de articulação” e sua suficiência em explicar a relação entre os setores agrícola e industrial durante esse período, ver GOODMAN, D. E.; SORJ, B. & W ILKINSON, J. “Agroindústria, políticas públicas e estruturas sociais rurais: análises recentes sobre a agricultura brasileira” . In: Revista de Economia Política, out./dez./1985, p. 31-6. Ver também GOODMAN, David. “Economia e sociedades rurais a partir de 1945”. In: A transição incompleta: Brasil desde 1945, E. Bacha e H. S. Klein (eds.). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986, p. 115-25.

5. Banco Mundial, op. cit, p. 11., Tabela 4.6. LIMA, José Luiz & COSTA, Iraci del Nero da. Estatísticas básicas do setor agrícola, São Paulo, Institu-

to de Pesquisas Econômicas, Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, 1985, vol. 2, p. 74, Tabela 10.

7. Ver GOODMAN, op. cit. e/ou GOODMAN etal., op. cit.

s O emprego na agricultura

Notas

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8. BLUMENSCHEIN, Fernando Naves. “Uma análise da proteção efetiva na agricultura do Estado d e São Paulo”. In: Estudos Econômicos 14, nü 2, 1984, p. 299.

9. Banco Mundial, op. cit., p. 12.10. Idem, ibid., p. 7, Tabela 2.11. Idem, ibid.12. Ver GOODMAN, op. cit., p. 127.13. Ver GOODMAN etal.y op. cit, p. 33.14. Ver GOODMAN, op. cit., p. 127.15. REZENDE, Gervásio Castro de. “Retomada do crescimento econômico e diretrizes de política agrí-

co la” . In: Perspectivas de Longo Prazo da Economia Brasileira, um relatório especial realizado pelo Instituto de P lanejam ento Econômico e Social, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, jan./1985, p. 173.

16. MELO, Fernando Homem de. O problema alimentar no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. Ver especialm ente o Capítulo 3 para uma discussão mais completa sobre a alocação desequilibrada de recursos para o desenvolvimento agrícola. Ver também BARROS, José Roberto & GRAHAM, Douglas II. “A agricul-tu ra brasileira e o problema da produção de alimentos”. ítr. Pesquisa e Planejamento Econômico 8, ne 3, dez./ 1978, p. 701.

1 7. Para exemplos desse fenômeno, ver da SILVA, Gabriel, L. S. P. “Contribuição da pesquisa e exten-são rural para a produtividade agrícola: o caso de São Paulo” . In: Estudos Econômicos 14, 1984, p. 315-53.

18. O crescimento relativo dessas áreas pode ser ilustrado com várias culturas. Em 1991:Soja - Paraná, com 23% da produção total. São Paulo ocupou o sexto lugar, com cerca de 6%.Milho - Paraná, com quase 20% do total produzido no país. São Paulo ocupou a segunda posição, com

mais de 16%.Arroz - Rio Grande do Sul, com 40% do total. São Paulo apresenta uma produção mínima de arroz. Algodão - Paraná, com cerca de 50% da produção total. São Paulo ficou na segunda posição, com 22%

do total.Cana-de-açúcar - São Paulo, com aproximadamente 50% da produção total. Pernambuco ocupa o

segundo lugar com menos de 10%.Laranja - São Paulo, com quase 90% da produção total.Café - Minas Gerais, com um terço da produção total. São Paulo foi responsável por pouco mais dc

10% do total.Feijão - Bahia, com cerca de 14% da produção total. São Paulo ocupou o terceiro lugar com mais de

10% do total.Com respeito à produtividade, os estados cm primeiro lugar eram:C a fé -O Rio de Janeiro, um pequeno produtor, apresentou a maior safra de 1989. São Paulo ocupou

a oitava posição.Laranja - O primeiro lugar ficou com Santa Catarina (também um pequeno produtor); São Paulo

ficou em segundo.Algodão - A primeira posição foi ocupada por Goiás; São Paulo ficou em terceiro lugar.Arroz - O primeiro lugar ficou com o Rio Grande do Sul; São Paulo ocupou a nona posição. Cana-de-açúcar - O Paraná apresentou a maior produção, seguido por São Paulo.Feijão - São Paulo foi o maior produtor.Milho - Goiás teve a maior produção, com São Paulo em terceiro lugar.Soja - São Paulo teve a maior safra, seguido de perto por Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e

Goiás.Trigo - Goiás apresentou a maior safra (o estado tem uma pequena produção dc trigo, a maior parte

irrigada). São Paulo ocupou a quinta posição.19. BARROS & GRAHAM, op. cit., p. 695.20. Ver MELO, Fernando Homem de, op. cit., p. 18.21. Ver BARROS & GRAHAM, op. cit., p. 704.

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22. Banco Mundial, op. cit., p. 7.23. MELO, Fernando Homem de. Prioridades agrícolas: sucesso ou fracasso?. São Paulo, Pioneira, 1985, p. ix-x.24. Deve ser lembrado, entretanto, cjue o crescim ento apresentado representou uma recuperação e não

aumentos estáveis contínuos, e outro exame de todo o espaço de tempo contido na Tabela 13.1b mostra claramente cjue a produção agrícola nunca voltou a atingir os níveis de 1977, apesar da intervenção do gover-no a favor desse setor.

25. Ver, MELO, Fernando Homem de. Prioridades agrícolas: sucesso ou fracasso?. São Paulo, Pioneira, 1985, p. i., 1983 foi um péssimo ano para a agricultura devido às intensas secas no N ordeste e às enchentes no Sul.

26. Calculado pela Fundação Getúlio Vargas. Ver M ELO, Fernando H om em de, Prioridades agrícolas, sucesso ou fracasso?. São Paulo, Pioneira, 1985. p. i.

27. Essa seção baseia-se nas pesquisas de GRAHAM , Douglas H.; G A U T H IE R , Howard & BARROS, José Roberto Mendonça de. “Thirty years of agricultural growth in Brazil: crop performance, regional profile and recent policy review” . Economic Development and Cultural Change, out./1987, p. 1-34.

28. Idem, ibid., p. 14.29. MEYER, Richard. “Agricultural policies and growth, 1947-1974” . In: Farm Growth in Brazil,

Columbus, Ohio State University, 1975, p. 3-9 e IB G E, Anuário Estatístico, 1986.30. Calculado com base cm dados do IBGE, Anuário Estatístico, 1986.31. M UELLER, C harles C. “Agriculture, urban bias development and the environm ent”. Brasília, Uni-

versidade de Brasilia, 1992, p. 8. Mimeografado.32. Idem, ibid.33. MEYER, Richard, op. cit., p. 3-14; SCHUH, op. cit., cap. 5; PAIVA, Ruy Miller; SCHATTAN, Salomão

& FREITAS, Claus R. T. de. Setoragricola do Brasil. São Paulo: Secretaria da Agricultura, 1973, cap. 4.34. HOFFMAN, Rodolfo & SILVA, José F. Graziano da. “A estrutura agrária brasileira”, hi: C O N TA -

DOR, op. cit., p. 248-51. Os coeficientes foram 0,84 na Colombia em 1960, 0,93 na Venezuela em 1961 e 0,95 no México em 1960.

35. Numa base macrorregional, o maior coeficiente Gini, de 0,87, foi encontrado no Nordeste em 1970. N o Centro-Oeste ele foi de 0,86 e, no Sul, 0,75. Em termos de estados, o M ato Grosso apresentou a maior concentração (0,93) e o E sp írito Santo a menor (0,61). O s resultados de alguns outros estados são: Ceará, 0,79; Pernambuco, 0,84; Bahia, 0,80; São Paulo, 0,78; M inas Gerais, 0,75; Paraná, 0,71; Rio Grande do Sul, 0,76; HOFFM AN & SILVA, op. cit., p. 251.

36. SCHUH, G. Edw ard. “A modernização da agricultura brasileira: um a interpretação”. In: C O N T A -DOR, op. cit, p. 12.

37. ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & VILLELA, Renato. “A situação social no Brasil: um balan-ço de duas décadas”. In: A questão social no Brasil, ed. por J. P. dos Reis Velloso, São Paulo, Nobel, 1991, p. 91.

38. Idem, ibid., p. 97.39. PAIVA, Ruy M iller. “Os baixos níveis de renda e de salários na agricultura brasileira”. In: C O N T A -

DOR, op. cit, p. 105-9.40. HOFFM AN, H elga. “Pobreza e propriedade no Brasil: o que está m udando?”. In: A transição in-

completa: Brasil desde 1945, BACHA. Edmar L. & K L E IN , Herbert, (org.), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986, P- 89; ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de & VILLELA, Renato, op. cit., p. 91-100.

41. PAIVA, op. cit., p. 201-2.42. A LBU Q U ER Q U E, Roberto Cavalcanti de, op. cit., p. 95.43. NICHOLS, W illiam H. “The Brazilian agricultural economy: recen t performance and policy” . In:

Brazil in the sixties, R iordan Roett, (org.), Nashville, Vanderbilt University Press, 1972, p. 151.44. Idem, ibid., p. 156.45. SYVRUD, D onald E. Foundation of Brazilian economicgrowth. Palo Alto, California, Hoover Institu tion

Press, 1974, p. 219.46. Idem, ibid., p. 231.47. GRAHAM et al., op. cit., p. 21.

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48. Ibid; SYVRUD, op. cit., p. 231-35; M EYER, op. cit., p. 10/5-10/11.49. GRAHAM et al., op. cit., p. 24. Os autores também acrescentam (p. 24):A elevada incidência de concentração de empréstimos salienta o fato de que a distribuição de crédito

entrc-portfolio é, para começar, tão desigual e concentrada quanto a oportunidade de acesso aos em préstim os formais. O censo agrícola de 1970 revelou que somente 11% de todos os produtores agrícolas tiveram acesso a empréstimos formais e institucionais. Se, generosamente, pressupuserm os que, no final da década de 1970, seguindo-se a um a década de rápida expansão do crédito formal para a agricultura, ele possa ter atingido 20% de todos os produtores e que... 50%-60% desse crédito tenha sido alocado para somente 15%-20% daqueles produtores qu e a ele tiveram acesso, então a maioria do crédito formal concedido à agricultura foi para as mãos de não mais de 3%-4% dos produtores no setor.

50. M EYER, op. cit., p. 10/38-10/40. Paulo Rabello de Castro constatou que em 1970 som ente 20% dos estabelecimentos rurais receberam crédito para operações correntes, som ente 10% receberam crédito para investimentos e apenas 6% receberam crédito para comercialização, sendo que a maioria foi destinada a grandes fazendeiros. Ver CASTRO, Paulo Rabello de. “O impasse da política agrícola”. In: Rumos do Desen-volvimento, set./out./1978, p. 4-8; GRAHAM etal., op. cit., p. 25.

51. SYVRUD, op. cit., p. 236.52. H O FFM A N , Rodolfo & SILVA, José f. Graziano da. “A estru tu ra agrária brasileira” . Iti: C O N TA -

DOR, op. cit., p. 248.53. PASTORE, José & ALVES, Eliseu R. A. “A reforma do sistema brasileiro de pesquisa agrícola” . In:

CONTADOR, op. cit., p. 111-29; GRAHAM etal., op. cit., p. 6.54. GRAHAM et al., op. cit., p. 6.55. Idem, ibid., p. 19.56. Idem, ibid., p. 20.57. M U E L L E R , Charles C. “Agriculture, urban bias developm ent and the environment: the case of

Brazil”. Universidade de Brasilia, 1992, p. 6. Mimeografado.58. Idem, ibid.59. Idem, ibid.60. Idem, ibid., p. 6-7.61. Idem, ibid., p. 7; ver também M U E L L E R , Charles C. “ D inâm ica, condicionantes e im pactos

socioambientais da evolução da fronteira agrícola no Brasil”. Revista de Administração Publica, jul./sct./l 992, p. 70-3.62. F ssa seção baseou-se extremamente no relatório não-publicado de Charles Mueller, sobre o setor

agrícola brasileiro na década dc 1990.63. Para um a excelente avaliação das políticas agrícolas anteriores à década de 1990 e o im pacto das

reformas dos anos 1990 na agricultura, ver DIAS & AMARAL, 2000.64. Ver artigo de DIAS & AMARAL, 2000, p. 229-35.65. DIAS & AMARAL, 2000, p. 238-9.66. Idem, ibid., p. 242-3.

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16Aspectos ambientais do desenvolvimento do Brasil(em co-autoria com Charles C. Mueller*)

A t é o FINAI. DA DÉCADA de 1970, o impacto ambiental do de- senvolvimento econômico brasileiro foi negligenciado tanto pelos formuladores da política econômica quanto pelos acadêmicos. De fato, ouviu-se o ministro do Planejamento do Brasil no período de 1969-74, J. P. dos Reis Velloso, comentar por acaso os possíveis efeitos ambientais negativos dos planos de investimentos japone-ses: “E por que não? Ainda nos resta muito a ser poluído, a eles não”.2 Essa atitude mudou consideravelmente desde o início da década de 1980 como resultado, em parte, do crescimento dos movimentos de proteção ao meio ambiente em nações desenvolvidas, que não apenas tiveram impacto sobre as políticas de seus países, mas também estimularam a criação de movimentos semelhantes em outras partes do mundo e influenciaram as políticas de organizações internacionais, como o Banco Mun-dial, cujos empréstimos são cada vez mais condicionados ao impacto ambiental dos projetos que financia. Tam bém surgiram e se espalharam rapidamente grupos de proteção ao meio ambiente no Brasil, cujos passos nos últimos anos para controlar alguns dos excessos poluidores da industrialização e os realizados no desenvolvi-mento de territórios virgens refletem a crescente consciência ecológica nacional e mundial, que culminou com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambi-ente, em 1992, realizada no Rio de Janeiro.

O objetivo deste capítulo é, essencialmente, rever os múltiplos impactos ambientais causados pelo desenvolvimento econômico, começando com um resumo histórico em que se enfatiza a prática de exploração inconseqüente dos recursos naturais, já no início do período colonial. Em seguida, discutimos a industrialização que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, enfatizando não só a poluição urbana industrial e conven-

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cional, mas também a deterioração ambiental proveniente da pobreza urbana. Anali-samos tam bém as conseqüências ambientais do desenvolvimento agrícola brasileiro, realçando os efeitos da expansão de fronteiras (desenvolvimento horizontal) e da modernização agrícola. O desmatamento da Amazônia é freqüentemente tratado como um aspecto da expansão horizontal da agricultura; entretanto, devido às suas pecu-liaridades, consideramos mais adequado examinar a estratégia adotada na Amazônia e suas conseqüências ambientais separadamente. O capítulo termina com uma análise da evolução e dos principais problemas da política de meio ambiente no Brasil.

A expansão econômica e o meio ambiente sob uma perspectiva histórica

No Brasil colonial, tão imenso e pouco habitado, todos os esforços concentraram- se em explorar seus recursos, sem considerar os custos ambientais dessa exploração. O primeiro produto importante de exportação colonial, o pau-brasil, teve um impacto reduzido sobre o meio ambiente, pois era muito limitado em relação às grandes áreas cobertas por florestas. O hábito, contudo, de sistematicamente derrubar as árvores ao longo da costa iria desnudar gradualmente amplas regiões cobertas por matas. A pro-dução durante o ciclo de exportação de cana-de-açúcar durante os séculos XVI e XVII localizava-se na costa do Nordeste brasileiro, transformando aquela região numa área de monocultura de exportação. As técnicas de produção permaneceram primitivas e raramente se utilizava qualquer fertilizante. Tanto na área açucarejja como no interior do Nordeste, que fornecia alimento para os estados açucareiros, empregavam-se a derrubada e a queimada. Um dos motivos do declínio das exportações de cana-de- açúcar no século XVII foi a utilização de métodos de produção primitivos e a declinante fertilidade do solo.

O ciclo de exportação de ouro, que mudou o centro das atividades econômicas para o Brasil central (especialmente onde hoje se encontra o estado de Minas Gerais), também causou efeitos negativos sobre o meio ambiente. As florestas dessa região foram derrubadas, já que eram a única fonte de energia, e a agricultura de derrubadas e queimadas avançou pelas regiões vizinhas que eram fontes de alimento para as minas de ouro. O historiador Roy Nash, ao escrever sobre a corrida do ouro, comentou que “... os mineiros da corrida do ouro do século XVIII rapidamente transformavam em carvão os grandes troncos de madeira que originalmente cresciam [na região]”. Isso foi causado pelo desmatamento da terra para cultivar alimentos para a população mineira e para fornecer-lhes combustível. A devastação era tão completa que “... já em 1735... Gomes Freyre de Andrada, um grande governador, divisou a ameaça ao futuro das minas e fez o melhor que pôde para interrompê-la, porém seus esforços foram inúteis”.3

O início do ciclo de exportação de café estabeleceu-se no Vale do Paraíba, parte no estado do Rio de Janeiro, e parte no de São Paulo, e também em algumas áreas a um raio de 160 quilômetros do Rio e, mais uma vez, conduziu ao rápido desmatamento da zona rural à medida que a região se dedicava exclusivamente à monocultura de exportação, causando o acelerado declínio da fertilidade do solo. Esse fato foi expres-

400

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sivamente ilustrado no estudo clássico de Stanley Stein sobre Vassouras, uma área de cultivo de café naquela região. O declínio do café na década de 1870 foi resultado direto do emprego de práticas agrícolas muito rudimentares. Durante as duas gerações em que subsistiu a prosperidade de Vassouras, os plantadores de café continuaram a mandar os escravos derrubar e queimar as matas virgens, plantar descuidadamente mudas novas de café ou sementes inadequadamente escolhidas e depois capinar e colher ano após ano como se sempre fossem ter à disposição um ‘solo virgem que produziria colheitas abundantes de qualquer coisa plantada em qualquer ponto e, logo, sem precisar de fertilizantes’. Contudo, depois de alguns anos, a produção de café começou a declinar e o solo esgotado teve de ser trocado por zonas férteis mais distantes” .4 Como herança, foram deixadas a erosão e as mudanças climáticas. Cada vez mais ocorriam irregularidades no clima, contrastando com um regime de chuvas regulares e periódicas que predominavam anteriormente. Embora a precipitação pluviométrica durante o ano não mudasse, ela se concentrava numa quantidade me-nor de dias, o que representava chuvas torrenciais em certos períodos, aumentando a erosão, e temporadas mais longas de secas com efeitos adversos sobre a produção de café.5 A fronteira do café, então, estendeu-se até São Paulo e avançou em direção ao oeste do Estado durante a segunda metade do século XIX e início do século XX. Durante esse processo, foram destruídas grandes áreas de florestas tropicais.

Ao escrever sobre o assunto na década de 1920, Roy Nash observou que,

além da devastação da ag ricu ltu ra que agride p e rm a n en te m e n te a fertilidade do solo, a principal form a de devastação vegetal no Brasil é a destru ição das florestas pelo fogo. T rê s décimos das flo restas existentes em 1500 desapareceram ... as do R io G rande do Sul foram reduzidas à metade e e s tá confirmado o fato d e q u e m etade das m atas prim itivas de São Paulo já não existe. Isso sign ifica um ganho social, na m edida em que significa u m a conversão para a agricultura e pasta-gens; as grandes áreas q u e h o je estão cobertas por u m a segunda vegetação sem valor represen-tam um a perda total. A flo resta litorânea que an tes m arginava o mar desde o C abo São Roque até o São Francisco não ex iste m ais. Foram-se os ve rd es m an tos dos topos das m o n tan h as do Ceará e do seco N ordeste; 58% da á rea do Brasil era co b erta por florestas em 1500; em 1910, eram so-m e n te 40%. Não utilizadas, m as queimadas! Pois a m adeira usada no Brasil não é a milésima p a rte da que foi destru ída p e lo fogo...

O modo de vida dos n ô m ad es das florestas b rasile iras é “plantar pelo fogo - m udando a lav o u ra”... Nesse país, as p e sso as sem pre consideraram as florestas como um a possessão coletiva q u e tinham liberdade de co rta r, queim ar e ab andonar à vontade.6

Dessa forma, o Brasil herdou um padrão de comportamento na agricultura e uma exploração de recursos naturais de seu passado colonial e do século XIX que descon-siderou totalmente o meio ambiente. É fato conhecido que até a década de 1960 a produção agrícola aumentou na margem extensiva, isto é, foram usados poucos insumos para elevar a produtividade do solo, e as técnicas de derrubada-e-queimada foram empregadas em todo o país. As grandes quantidades de terra estimularam tal compor-tamento e foram uma das principais razões para a insensibilidade do país para com as preocupações ecológicas.

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Page 391: Economia Brasileira - Werner Baer

A industrialização, o crescimento urbano e o meio ambiente

A industrialização com o objetivo de substituir as importações (ISI), que começou na década de 1930 e se acelerou na de 1950, não foi seletiva, estimulando a criação indiscriminada de indústrias e, no início, muitas das fábricas recém-instaladas opera-vam com equipamentos de segunda mão, importados por empresas multinacionais. O setor industrial se concentrava no Centro-Sul do país, especialmente nas áreas da Grande São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Em 1949, o Sudeste do Brasil era responsável por 75,4% da receita gerada pela indústria, taxa que aumentou para 79,1% em 1970, caiu ligeiramente para 65,7% em 1985 (ver Tabela 16.1). Nesse ano, entre-tanto, o Sudeste abrigava somente 43% do total da população brasileira.

A concentração industrial regional foi o resultado de economias internas e externas. Gomo na época de industrialização acelerada a região com a maior renda per capita era o Sudeste, era óbvio que as empresas nacionais e estrangeiras quisessem ali realizar seus investimentos, próximo dos mercados mais importantes. Além disso, visto que essa desenvolvida região possuía mais trabalhadores e profissionais especializados e tinha a melhor infra-estrutura do país, herdada da prosperidade do ciclo do café, a percepção de custos menores das economias externas também convenceu a maioria das empresas a se instalar nessa área.

Mesmo na região Sudeste, as indústrias concentraram-se em algumas poucas loca-lidades (Grande São Paulo, Baixada Santista, Campinas, Rio de Janeiro e Belo Hori-zonte). A Tabela 16.1 oferece algumas medidas da concentração espacial das indús-trias brasileiras. Essa concentração ocasionou tremendas pressões sobre o governo a fim de proporcionar uma infra-estrutura adequada para o crescente número de indús-trias, ou seja, transporte adequado, fornecimento de energia, etc. Cada setor, en-tretanto, era responsável pela emissão de efluentes no solo, na água e no ar - indús-trias automobilísticas, têxteis, químicas, etc. e a proximidade entre elas resultou numa poluição que se alastrou rapidamente, além da contribuição da crescente de-pendência das pessoas e bens em relação ao transporte rodoviário para o aumento da poluição do ar.

Até recentemente, a poluição resultante da concentração industrial regional não foi combatida pelo governo. O motivo principal para isso foi que antes da década de 1980 havia pouca consciência da degradação ambiental como uma questão política im-portante. Além disso, o governo estava tão interessado no estímulo aos novos inves-timentos industriais que qualquer preocupação específica com o tema teria parecido prejudicial a tais esforços.

A ISI provocou uma rápida urbanização. Enquanto em 1940 a população urbana era de 31%, em 1950 essa taxa havia crescido para 36%, em 1965 para 50% e, em 1989, para 74%. Em 1990, a população que vivia em cidades de 1 milhão de habitantes ou mais representava cerca de 48% da população urbana total. Essa mudança deveu-se à rápida migração da zona rural para a urbana. O aumento extremamente acelerado de pessoas que passaram a morar nas cidades não foi acompanhado da ampliação adequa-da na infra-estrutura social urbana e explica o rápido crescimento das favelas em que as pessoas viviam sem um sistema de fornecimento de água, uma rede de esgotos ou serviços de saúde e de educação apropriados, etc.7

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Tabela 16.1Concentração espacial da indústria brasileira, 1980

„ % do valor agregado no setor Grau de concentração Industria _______________ _______ _____

/ centro 3 centros 4 centros

Muito altamente concentrado Farmacêutica 50 84 89

Perfumes, fumo e velas 52 80 87

Impressão e material gráfico 46 80 85

Altamente concentrado Maquinário elétrico 50 70 80Produtos plásticos 50 70 77

Produtos de borracha 56 66 75

Relativamente concentrado Maquinário 44 58 66Fumo 22 58 72

Concentrado Vestuário e calçados 28 50 60

Produtos químicos 21 44 60Produtos de papel 32 43 52Têxtil 32 42 48Móveis 28 40 50

Espalhado Minerais não-metálicos 20 34 41

Produtos de couro 17 37 43

Produtos alimentícios 15 23 27Bebidas 13 27 35

Amplamente espalhado Extração mineral 8 21 30Madeireira 8 27 22

Total 33 45 51

Fonte: IBGE. fírasil: uma visão nos anos 80.

Estudos recentes8 mostram evidências de alguma queda na polarização urbano-in- dustrial. O recente desenvolvimento mais voltado para fora, o congestionamento na região da Grande São Paulo, as mudanças técnicas e organizacionais, as políticas esta-duais que oferecem incentivos especiais e subsídios para atrair indústrias e a influência do Mercosul, entre outros fatores, ocasionaram a redução da concentração industrial. Entretanto, as mudanças não foram realmente expressivas. De fato, o que observamos é uma expansão industrial junto de uns poucos eixos industriais emanando de um núcleo que claramente é São Paulo. Elas incluem alguns eixos de desenvolvimento industrial que levam ao interior do Estado; um eixo de São Paulo a Belo Horizonte; outro de São Paulo a Porto Alegre, passando por Curitiba e pelas cidades industriais de Santa Catarina. Todos esses eixos originam-se na metrópole industrial de São Paulo; além disso, a queda na concentração industrial física está longe de reduzir o controle exercido pelo núcleo central do sistema.

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Tabela 16.2 M udanças na estrutura industrial brasileira:

distribuição percentual do valor agregado bruto

1949 1963 1975 1980 1985

Minerais não-metálicos 7,4 5,2 6,2 5,8 4,30Produtos de metal 9,4 12,0 12,6 11,5 12,21Maquinário 2,2 3,2 10,3 10,1 9,20Equipamento elétrico 1,7 6,1 5,8 6,3 7,56Equipamento de transporte 2,3 10,5 6,3 7,6 6,43Produtos de madeira 6,1 4,0 2,9 2,7 1,58Móveis - - 2,0 1,8 1,45Produtos de papel 2,1 2,9 2,5 3,0 2,94Produtos de borracha 2,0 1,9 1,7 1,3 1,84Produtos de couro 1,3 0,7 0,5 0,6 0,60Produtos químicos - - 12,0 14,7 17,33Farmacêuticos 9,4 15,5 2,5 1,6 1,69Perfumes, sabonetes e velas - - 1,2 0,9 0,89Produtos plásticos - - 2,2 2,4 2,24Têxteis 20,1 11,6 6,1 6,4 5,95Vestuário e calçados 4,3 3,6 3,8 4,8 5,17Produtos alimentícios 19,7 14,1 11,3 10,0 12,01Bebidas 4,3 3,2 1,8 1,2 1,24Fumo 1,6 1,6 1,0 0,7 0,76Impressão e publicação gráfica 4,2 2,5 3,6 2,6 1,94Diversos 1,9 1,4 3,7 4,0 2,67Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: IB G E , Censos Industriais e Anuário Estatístico, vários anos.

Poluição industrial

Em quatro décadas de desenvolvimento industrial, a estrutura do setor no Brasil passou por mudanças consideráveis (ver Tabela 16.2). Houve um notável declínio relativo das indústrias têxteis (de 20,1% em 1949 para 5,25% em 1990), produtos alimentícios (de 19,7% para 11,85%) e uma rápida expansão das indústrias de equi-pamentos de transporte (de 2,3% para 7,7%), equipamento elétrico (de 1,7% para 8,64%) e do grupo de produtos químicos, farmacêuticos, perfumes, plásticos (9,4% para 19,89%).

Os setores que apresentaram o crescimento mais rápido também foram aqueles com maior potencial poluidor, principalmente as empresas do ramo químico-petro- químico, produtos de metal e transporte de materiais (ver Tabela 16.3). Também vale a pena observar que, como até a década de 1980 o crescimento das indústrias ocorreu sob barreiras altamente protetoras e a principal preocupação de vários governos foi a

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Tabela 16.3Capacidade poluidora potencial das indústrias brasileiras, 1980 {Rankings dos menos poluidores = 0 para os mais poluidores = 3,

para cada m edida de poluição)

Poluição do ar Poluição da água Total

Minerais não-metálicos 3 3 6Produtos de metal 3 3 6Produtos químicos 3 3 6Equipamento de transporte 2 3 5Bebidas 2 3 5Têxteis 2 2 4Produtos de papel 1 3 4Maquinário elétrico Perfumes, sabonetes, etc.

1 23

33

Produtos de couro 1 2 3Produtos alimentícios Produtos de madeira

I 21

33

Produtos plásticos 1 1 2Impressão e publicação 1 1 2Produtos de borracha 1 1 2Farmacêuticos 1 1 2Vestuário e calçados 0 1 1Fumo 1 0 1Móveis 0 0 0Maquinário 0 0 0

Fonte: Adaptado de T O R R E S , Haroldo & M A R T IN E , G eorge. “Amazonia extrativ ism : p rob lem s and pitfalls” . In: Documento de Trabalho n° 5, In s titu to para Estudo da S oc ied ad e , População e N atureza, B rasília, 1991, p. 3.

de atrair tantas indústrias quantas fosse possível por intermédio da redução de regu-lamentos que poderiam ser percebidos como prejudiciais aos lucros dessas indústrias, as normas relativas ao meio ambiente não eram muito rígidas. Tal situação resultou na incorporação de tecnologias que não eram as mais avançadas e não levavam o meio ambiente em consideração. Ao ser combinada com a extrema concentração espacial de fábricas, a estrutura industrial emergente era extremamente favorável ao aumento da poluição.

Como até recentemente não havia uma coleta de dados sistemática sobre poluição, devemos contar somente com alguns estudos de casos a fim de ilustrar o impacto ambiental da industrialização. Vamos considerar alguns exemplos:

1. A poluição da água no Rio de Janeiro. A Baía da Guanabara, em torno da qual está concentrada a maior parte da população, tem experimentado uma degradação ambiental indiscriminada. Roger W. Findley, em sua pesquisa sobre poluição no Brasil, comen-tou que somente as grandes dimensões da baía e o efeito de limpeza da ação das marés a salvou da morte biológica resultante da entrada de resíduos industriais e meio

405

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milhão de toneladas de detritos orgânicos dos esgotos sanitários por dia. Ao longo do rio Paraíba do Sul, que corre para a baía, há mais de 500 fábricas, constituindo-se uma das maiores concentrações de grandes instalações industriais do país.9

2. A poluição do ar em São Paulo. Há muito tempo a densa concentração industrial na região metropolitana de São Paulo tem sido a principal causa de problemas ambientais. A cidade está localizada a mais de 100 quilômetros do litoral, a cerca de 900 metros de altitude, e no inverno sofre freqüentes inversões atmosféricas. De 1976 a 1982, segundo Findley, “... concentrações de partículas suspensas no ambiente pro-duziram 291 estados de alerta de poluição do ar em São Paulo; esses alertas são comu-nicados quando a concentração média num período de 24 horas atinge 375 microgramas por metro cúbico, mais de 50% acima da média admissível de 240. Além disso, os níveis de enxofre ocasionaram 363 alertas, que são anunciados a um nível de 800 microgramas por metro cúbico, mais que o dobro da média tolerável de 365, num pe-ríodo de 24 horas. Durante tais períodos, as operações industriais precisam ser limita-das” . A Cetesb, um órgão do estado de São Paulo, calculou que 90% das partículas se originam de 300 entre as 70 mil indústrias da Grande São Paulo. O dióxido de enxofre origina-se principalmente da queima de óleo combustível com alto teor de enxofre.10

A poluição da água também representa um problema importante na região metro-politana de São Paulo. Até recentemente, muitas de suas áreas não possuíam estações públicas de tratamento e a maioria das indústrias não tratava seus próprios detritos. O rio Tietê, que atravessa a cidade, é o principal coletor de detritos industriais e domés-ticos de 37 municípios e de mais de 10 milhões de habitantes. Findley chama o rio "... assim como os seus afluentes, de um enorme esgoto a céu aberto”.11

Ao longo de seus 90 quilômetros na região da Grande São Paulo, o rio Tietê recebe uma grande quantidade de dejetos industriais e humanos (estes últimos coletados por sistemas de esgoto e lançados ao rio sem tratamento ou com tratamento inadequado). No início da década de 1990, uma grande quantidade de dejetos de ambos os tipos lançados no rio transformaram o Tietê num canal de esgotos. Desde então, foi implementado um extenso programa que visa à sua recuperação; quase uma década depois, os resultados são parciais. As emanações industriais foram controladas; com um sistema de pesadas multas, denúncias do público sobre empresas poluidoras e um in-tenso monitoramento da Cetesb, o lançamento de detritos industriais no rio foi prati-camente eliminado. Segundo um levantamento realizado pela Cetesb, recentemente divulgado (O Estado de S. Paulo, l/out./1999, p. A3), em 1991, de 1.056 indústrias que lançavam detritos no rio Tietê, apenas 79 os tratava adequadamente. Em 1999, das 1.250 indústrias que lançavam seus resíduos líquidos no rio, 1.239 os tratavam adequa-damente. Além disso, das onze restantes, sete estavam a ponto de completar suas ins-talações de tratamento.

O tratamento do esgoto ainda é um problema sem solução. A região metropolitana de São Paulo apresenta um registro relativamente satisfatório quanto à coleta de esgotos domésticos, mas quase todos são lançados com tratamento inadequado nos rios, a maioria dos quais deságuam no Tietê. Gomo a Cetesb não tem poderes para impor multas aos governos municipais, tem havido pouco progresso no que se refere aos dejetos humanos. Entretanto, essa situação está começando a mudar; o governo do

A f₩á.

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estado está negociando um empréstimo de US$ 200 milhões com o Banco de Desen-volvimento Interamericano para ser investido na melhoria do sistema de coleta e tratamento dos esgotos na Grande São Paulo, o que faz parte do Programa Vamos Limpar o Tietê, agora visando principalmente solucionar os problemas do tratamento de dejetos humanos. (O Estado de S. Paulo, 20/out./1999, p. C4.)

3. A tragédia de Cubatão. O pior exemplo de destruição ecológica atribuível à indústria ocorreu na cidade de Cubatão — uma cidade industrial de 100 mil habitantes em São Paulo, a 20 quilômetros do porto de Santos e a 60 quilômetros a leste da cidade de São Paulo. Ali se encontram o maior e mais antigo pólo petroquímico, usinas siderúrgicas e outras indústrias. Em 1983, Cubatão produziu grande parte do aço, do nitrogênio, dos fertilizantes, do ácido fosfórico, do polietileno, do gás engar-rafado, da clorosoda e da gasolina do país. Alguns se referiam à cidade como o “Vale da morte” e “o lugar mais poluído sobre a face da terra”. Segundo Findley, a cidade

... não tinha pássaros nem insetos e as árvores pareciam esqueletos negros. Em 1981, um m em bro da câmara dos vereadores afirmou que, devido à poluição, há vin te anos não via uma estrela. Naquela época, a rede de esgotos da cidade atingia um quilômetro e não havia coleta de lixo. A incidência de doenças respiratórias era quatro vezes maior do que em cidades vizinhas e a m orta-lidade infantil era dc 35% durante o prim eiro ano de vida, dez vezes maior que a média de todo o Estado. Os bairros residenciais em que viviam milhares de pessoas localizavam-se im ediatam en-te ao lado de m uitas indústrias.12

Em 1980, o monitoramento da poluição atmosférica pela Cetesb revelou que a concentração média de partículas em Cubatão era de 1.200 microgramas por metro cúbico e que as emissões diárias provenientes das fábricas incluíam 148 toneladas de partículas, 473 toneladas de monóxido de carbono, 182 toneladas de dióxido de en-xofre, 41 toneladas de oxido de nitrogênio e 31 toneladas de hidrocarboneto. Houve 40 mil emergências médicas, das quais 10 mil eram de tuberculose, pneumonia, bron-quite, enfisema, asma e vários tipos de doenças do nariz e da garganta. Quarenta em mil bebês eram natimortos e outros quarenta morriam na primeira semana de vida.13 Em março de 1992, um dos principais jornais de São Paulo teve acesso a um docu-mento confidencial da Cetesb - e publicou - o que revelava que as indústrias petroquímicas de Cubatão lançavam no ar, na água e no solo um milhão de quilogra- mas de poluentes por dia, numa área em que havia 2 quilômetros de residências.

Roberto P. Guimarães é de opinião que o caso de Cubatão exemplifica a situação predominante em muitos lugares do Brasil: a total ausência de planejamento do uso do solo, associada à extrema concentração de indústrias altamente poluidoras, resul-tando num rápido processo de destruição ambiental.14

Mais recentemente, as condições melhoraram significativamente em Cubatão, graças a uma ação decisiva do governo do Estado. As indústrias que operavam na área foram obrigadas a instalar equipamentos de controle de poluição e foi implementado um amplo programa que visava à redução da degradação local. Essas medidas, entretanto, foram criadas somente em 1984, depois da explosão, seguida da queima de 7 mil litros de gasolina que matou mais de 100 pessoas.15 Foi o protesto gerado por esse incidente que finalmente impeliu as autoridades a agir.

407

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A situação ambiental na região de Cubatão continua a melhorar. Os rios da área estão vivos outra vez, os mangues da Baixada Santista estão novamente cheios de vida e a vegetação da Serra do Mar está quase recuperada. Além disso, as condições ambientais na cidade de Cubatão estão bastante adequadas. Segundo a Cetesb, após muitos anos de trabalho árduo e gastos em torno de US$ 525 milhões, cerca de 93% das fontes poluidoras da região de Cubatão foram controladas. Um dos casos mais notáveis foi o da Companhia Siderúrgica Nacional (Cosipa), que há 15 anos era uma das empresas que mais poluíam a região. Recentemente, a Cosipa conquistou o cer-tificado ISO 14001. (José Rodrigues, “Guará vira símbolo de recuperação de Cubatão, O Estado de S. Paulo, 13/out./1999, p. C8.) Deve-se dizer, contudo, que esse resultado não foi conseguido apenas por meio de ameaças e multas, ou pela preocupação com o meio ambiente por parte dos executivos da empresa. O principal fator foi, sem dúvida, o desejo da Cosipa de expandir suas exportações.

4. O caso da celulose e do papel. Até recentemente, esse segmento da indústria tinha péssimos antecedentes no Brasil. O pior caso foi o da Riocell, uma subsidiária da empresa norueguesa Borregaard Aktieselskapet, que envolveu a construção e opera-ção de uma fábrica com capacidade de produção de 190 mil toneladas de celulose por ano próxima à cidade de Porto Alegre, no sul do país, empregando 2.500 funcionários. Ela foi construída sem nenhuma preocupação com as conseqüências ambientais de suas operações. A poluição que causou logo provocou oposição em Porto Alegre, e a pressão da opinião pública foi tão intensa que, em 1973, o governo do Estado ordenou seu fechamento. Mais tarde, ela foi reformada e reaberta, mas somente após uma campanha difícil e cara a fim de persuadir a opinião pública de que os problemas de poluição haviam sido efetivamente resolvidos. Houve incidentes semelhantes em outras localidades, mas, desde meados da década de 1980, a maioria das grandes empresas desse setor industrial tem investido nas mais modernas técnicas de proteção ambiental. Em 1990, o setor consistia em 191 empresas com 236 unidades de produção em dezessete estados brasileiros e tinha cerca de 1,4 milhão de hectares de florestas plantadas para uso próprio. Os principais danos ambientais eram: emissões de enxofre na atmosfera, resíduos líquidos despejados nos rios, grande necessidade de árvores para a produção da celulose.15

Em 1993, a balança comercial (exportações menos importações) em celulose foi de US$ 653,4 milhões e, em papel, de US$ 520,9 milhões. (Bacha, 1996, p. 96.) Na década de 1990, quase toda a madeira usada pela indústria de papel e celulose veio de florestas cultivadas. Em 1993, as empresas do setor no Brasil possuíam quase 1,5 milhão de hectares de florestas cultivadas. (Bacha, 1996, p. 98.)17

Embora tenha havido melhorias consideráveis na produção sob condições ambientalmente adequadas por parte de indústria de papel e celulose, o desempenho nesse aspecto varia de acordo com as empresas, e mesmo entre subsidiárias da mesma empresa. Como regra, as companhias (ou subsidiárias) envolvidas no comércio de exportação tendem a adotar as mais modernas tecnologias no que se refere à proteção ambiental e às práticas de administração florestal avançadas. Mas as que produzem principalmente para o mercado interno costumam adotar tecnologias e práticas de administração não tão avançadas.

A í \ 0

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5. Camaçari e Carajás. Outro exemplo de crescimento industrial altamente concen-trado é o do pólo petroquímico de Camaçari no estado da Bahia, instalado próximo à cidade de Salvador no final da década de 1970 e que provocou maiores preocupações quanto ao impacto ambiental do que ocorreu em Cubatão. Apesar disso, houve vários problemas devido à contaminação da água e deterioração do solo.

No início da década de 1980, foi construído um pólo minério-metalúrgico em Carajás, ao leste da Região Amazônica que tinha como principais características a exploração de minério de ferro para exportação e produção de ferro-gusa, a extração de bauxita e a produção de alumínio para os mercados interno e externo. Embora esse pólo tenha sido desenvolvido cercado de consideráveis preocupações ambientais, houve cuidados quanto ao impacto ambiental, direto e indireto, decorrente do desmatamento, e quanto à poluição provocada pelas operações com alumínio. Houve também um projeto polêmico para induzir a produção de ferro-gusa com a utilização de carvão, o que poderia, segundo temiam alguns, acelerar a destruição da floresta tropical.18

Poluição urbana

O explosivo crescimento da população urbana brasileira associado à falta de infra- estrutura também tem colaborado de modo expressivo à poluição. O transporte urba-no é um exemplo. Até a década de 1990, cerca de 90% da poluição atmosférica de São Paulo era causada por veículos motorizados. A situação torna-se pior nos meses de inverno quando a inversão térmica interrompe a dispersão atmosférica dos poluentes. Considerando-se a tecnologia defasada da indústria de automotores no Brasil, especial-mente no que se refere a equipamentos redutores de poluição, a poluição provocada pelos veículos em grandes centros urbanos não deve representar uma surpresa.

Os veículos movidos a combustíveis fósseis são as principais fontes de poluição em São Paulo, onde problemas dessa natureza são mais intensos. Veículos de combustão interna emitem matéria em forma de pequenas partículas líquidas ou sólidas, monóxido de carbono e nitrogênio, hidrocarbonetos, aldeídos e ácidos orgânicos. Em 1994 exis-tiam cerca de 4,5 milhões de veículos na região metropolitana de São Paulo que espalham 3,8 toneladas de monóxido de carbono na atmosfera por dia, além de monóxido de nitrogênio, partículas poluidoras e outros resíduos prejudiciais.19 No inverno de 1974, a concentração de poluentes no ar tornou-se tão elevada que pela primeira vez foi declarado o estado de emergência. Situações semelhantes ocorreram até meados da década de 1980, quando a adição de 25% de etanol na gasolina e a proibição da utilização de chumbo, também na gasolina e aditivos semelhantes, me-lhoraram a qualidade do ar.20

Como os veículos motorizados são a principal fonte de poluição atmosférica na cidade de São Paulo, as autoridades do Estado instituíram o sistema de rodízio para veículos particulares. Carros com placas de determinado final são impedidos de circu-lar em certos dias da semana. Quando a política foi introduzida, os paulistanos se queixaram amargamente, mas com o tempo a medida conquistou amplo apoio, não tanto por seus efeitos sobre a poluição, mas devido à diminuição dos congestionamen-

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tos que provocou. Na verdade, o congestionamento urbano é um dos principais efei-tos ambientais da urbanização descontrolada no Brasil.

A pobreza urbana e o meio ambiente

Do ponto de vista dos “consumidores”, em comparação ao dos produtores, a con-centração da poluição nas grandes áreas urbanas do Brasil (no início da década de 1990 quase 30% da população vivia em nove regiões metropolitanas e mais de 42% vivia em cidades com mais de 100 mil habitantes) cria dois tipos de destruição ambiental: a poluição e a degradação resultante do padrão de consumo de um grupo relativamen-te pequeno, com níveis de renda média para alta, e a resultante da ausência de serviços urbanos para uma grande parcela da população, principalmente aquela per-tencente às classes de renda inferiores. A poluição causada pelos automóveis e a destruição da terra originada por grandes quantidades de lixo são fenômenos que têm sido associados particularmente ao primeiro grupo. Várias doenças e acidentes são conseqüências ambientais de uma grande aglomeração dos pobres em áreas inadequa-das, mal atendidos pelos serviços públicos nas grandes cidades.

A degradação pela pobreza não recebeu destaque nas análises realizadas sobre os problemas do meio ambiente no Terceiro Mundo, o que pode ser resultado do fato de que, em países desenvolvidos, problemas semelhantes foram solucionados há muitas gerações por meio de políticas de saúde pública e o impacto ambiental da pobreza ter efeitos localizados, em comparação ao desmatamento da Amazônia, por exemplo, que pode ter implicações globais.

A degradação do meio ambiente, atribuída à população de baixa renda no Brasil, é o resultado do desenvolvimento desigual do país, ou seja, da distribuição extrema-mente concentrada da renda gerada pelo desenvolvimento, o que significa que uma pequena parcela da população, 10% que pertence ao grupo de renda mais elevado, tem acesso a uma grande porção dos bens e serviços produzidos e gera um amplo fluxo de detritos, lixo e resíduos. Ao mesmo tempo, uma grande parcela da população vive em áreas inadequadas e não tem acesso a serviços médicos e de saúde pública apropriados e, dessa forma, despeja restos e lixo prejudiciais no ambiente.

Os principais problemas ambientais associados à população urbana pobre do Brasil são:Uma grande parcela dessa população está apinhada em habitações inadequadas,

muitas vezes em locais proibidos, como morros íngremes, zonas sujeitas a inundações ou áreas contaminadas por poluição industrial (como foi mostrado nos exemplos an-teriores). A maioria das favelas das grandes cidades brasileiras apresenta essa caracte-rística. Os pobres não vivem ali devido à ignorância, mas porque é o único local em que têm condições financeiras de construir ou alugar suas casas. Esses lugares são baratos por serem insalubres e/ou perigosos. Embora muitas vezes seja ilegal ocupar essas áreas, é improvável que seus habitantes sejam expulsos, visto que elas apresen-tam um custo de oportunidade muito baixo.

O desenvolvimento desigual obriga a população urbana pobre a concentrar-se num espaço urbano inadequado, o que causa a degradação de áreas ambientalmente frágeis. O Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, têm tido freqüentes casos de deslizamentos

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í terra e enchentes nessas áreas. Hardoy e Satterthwaite comentam as centenas de "ssoas mortas ou seriamente feridas e os milhares que ficaram sem suas casas devido a sslizamentos no Rio de Janeiro em 1988 ...” causados por chuvas torrenciais.21

Por estarem freqüentemente localizadas em locais ilegais e/ou fora das áreas regu- rmente zoneadas pelos governantes, as favelas possuem uma infra-estrutura precária, 3mo ruas e sistemas de drenagem, água encanada imprópria ou inexistente, serviços e esgoto, coleta de lixo, etc. A água utilizada pelos moradores dessas áreas geralmen- j não é tratada e o esgoto doméstico costuma ser inadequadamente despejado. Em reas densamente habitadas, essa situação tem sido responsável por elevados níveis de gentes patogênicos, provocando uma alta incidência de doenças endêmicas como di- rréia, disenteria, febre tifóide, parasitas intestinais e intoxicação alimentar. Conse- |üentemente, “... muitos dos problemas de saúde estão ligados à água - qualidade e luantidade disponível, a facilidade com que pode ser obtida e as medidas tomadas >ara sua eliminação, depois de usada”.22 Além disso, a reduzida disponibilidade e bai- :a qualidade da água, associadas às condições impróprias para a coleta de resíduos e ísgotos, conduzem, muitas vezes, a problemas de higiene pessoal, infecções dos olhos ; ouvidos, doenças de pele, escabiose e aparecimento de piolhos e pulgas.23

Moradias apertadas e apinhadas agravam a situação, pois facilitam a disseminação ie doenças como tuberculose, meningite, gripe, cachumba e sarampo, o que é faci-litado pela baixa resistência dos habitantes de tais áreas devido à subnutrição e ao estado geral de saúde insatisfatório. Além do mais, a grande concentração de pessoas combinada à infra-estrutura inadequada sujeita-as a uma ampla incidência de aciden-tes domésticos que resultam em mortes e invalidez.24

Em regiões pobres o lixo freqüentemente se acumula em terrenos vizinhos ou nas ruas, originando “... mau cheiro, transmissão de doenças e pestes... [e]... os esgotos ... ficam entupidos e transbordam”.25

Em alguns casos, os pobres escolhem seu local de moradia tão próximo quanto possível aos seus empregos. Para outros, o que conta é o acesso a lugares baratos, fazendo com que, muitas vezes, eles se instalem em zonas distantes de seus locais de trabalho, o que exige jornadas diárias que consomem horas em ônibus malconser- vados, aumentando a poluição de veículos a motor.

Visão sumária da degradação do meio ambiente oriunda da pobreza urbana

Calculou-se que em 1988 um terço da população brasileira era composta de pobres (44,8 milhões de pessoas) e que cerca da metade dessa população se encontrava em áreas urbanas.26 Para fins estatísticos e políticos, foram estabelecidas nove Regiões Metropolitanas (MRs) para o Brasil, enumeradas nas Tabelas 16.4 e 16.5. Em 1989, as nove MRs abrigavam uma população total combinada de 40,6 milhões (um terço da população do país). A predominância e persistência de concentrações de renda elevada em todas as áreas metropolitanas, juntamente com suas grandes populações, indicam a existência de uma quantidade significativa de pessoas de baixa renda, o que

411

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Tabela 16.4 As nove regiões m etropolitanas do Brasil:

população to tal e estimativas da população de baixa renda: 1989

Área metropolitana

Populaçãototal

(1.000)

População de baixa renda

(1.000)

Pop. de baixa renda como

% da população

% do total da pop. de baixa renda da área metropolitana

Belém 1.265,0 501,3 39,6 4,4Fortaleza 2.144,0 872,6 40,7 7,5Recife 2.758,8 1.302,1 47,2 11,4Salvador 2.325,7 907,0 39,0 7,9Belo Horizonte 3.288,6 894,5 27,2 7,8Rio de Janeiro 9.444,7 3.069,5 32,5 26,8São Paulo 14.686,9 3.069,6 20,9 26,8Curitiba 1.865,6 251,9 13,5 2,2Porto Alegre 2.867,7 602,2 21,0 5,2

TotalRegiões metropolitanas 40.647,0 11.470,7 28,2 100,0

Fonte: Cálculos da população da região metropolitana baseados em dados de Martine (1992); do número de pobres das regiões metropolitanas em ROCHA, Sonia. “Pobreza metropolitana: balanço de uma década”. In: Perspectivas da Economia Brasileira - 1992. Rio de Janeiro, IPEA, 1990.

é confirmado pelos dados da Tabela 16.4. Em 1989, o total da população de baixa renda das nove MRs era de quase 11,5 milhões, ou 28,2% de suas populações com-binadas. São Paulo e Rio de Janeiro possuíam o maior número absoluto de pobres, mas os maiores índices de população urbana pobre encontravam-se nas zonas urbanas do Norte/Nordeste. Rocha (1991) constatou que a proporção de desempregados nas MRs era de 11%, comparados aos 3% do restante da força de trabalho; 38% dos pobres das MRs estavam envolvidos em ocupações informais, comparados aos demais 26% e a proporção de crianças pobres em idade escolar (de 7 a 14 anos de idade) fora da escola era de 14% entre os pobres das MRs, comparados aos 6% dos não pobres.

Vimos que a maioria dos problemas ambientais causados pelo desenvolvimento desigual e pela pobreza - superpopulação urbana, especialmente nas áreas pobres, saneamento inadequado, acúmulo de detritos produzidos pelo homem, degradação de terras marginais - se origina, em grande parte, da infra-estrutura e serviços básicos insuficientes e/ou impróprios. Apesar do crescimento da economia, um número cada vez maior de pobres continua em locais de moradia inadequados e tem acesso a serviços básicos deficientes. Dessa forma, eles são causas e vítimas da degradação ambiental.

Há alguns indicadores da disponibilidade de serviços básicos que podem ser usa-dos para avaliar a situação dos pobres nas áreas urbanas, como a disponibilidade de água nas residências, acesso a saneamento apropriado e informações sobre coleta e eliminação de lixo. A superpopulação urbana, juntamente com os níveis inadequados de fornecimento desses serviços, conduz à degradação ambiental e a problemas de

412

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Tabela 16.5 Regiões metropolitanas do Brasil:

algumas medidas de acessibilidade à infra-estrutura urbana (% das residências)

Regiãometropolitana

Com água encanada

(1970)

Ligadas a esgotos/fossas sépticas (1970)

Comsaneamentoinadequado

(1970)Com coleta de

lixo (1976)

Com água encanada

(1989)

Ligadas aesgotos/fossas sépticas (1984)

Comsaneamentoinadequado

(1984)Com coleta de

lixo (1989)

Belém 60,8 29,3 70,7 45,6 70,3 52,7 47,3 83,5

Fortaleza 28,9 25,6 74,4 48,2 53,2 52,1 47,9 66,9

Recife 45,7 31,4 68,6 44,3 67,0 26,0 74,0 70,3

Salvador 53,7 30,4 69,6 47,3 78,8 42,9 57,1 73,6

Belo Horizonte 58,1 44,7 55,3 44,5 86,7 62,9 37,1 70,5

Rio de Janeiro 75,7 63,5 36,5 70,3 82,8 82,3 17,7 72,5

São Paulo 75,4 Nd Nd 87,8 95,0 78,4 21,6 96,3

Curitiba 61,1 51,1 48,9 60,3 87,2 71,2 28,8 86,5

Porto Alegre 72,9 54,6 45,4 67,5 89,6 80,8 19,2 86,6

Nd = não-disponíveis devido a falhas no processamento dos dados do censo.Fonte: IBGE, Indicadores Sociais para Areas Urbanas, Rio de Janeiro, 1977; IBGE, /W/lD-1976, Rio de Janeiro, 1980; IBGE, PNAD-1984, Rio de Janeiro, 1985; IBGE, PNAD-1989, Rio de

Janeiro, 1991.

Page 403: Economia Brasileira - Werner Baer

saúde pública. Embora tenha havido melhorias consideráveis na infra-estrutura básica, ainda existia um grande número de brasileiros que vivia em condições precárias. Em primeiro lugar, apesar de as casas que dispõem de água encanada terem aumentado de 24,3% em 1960 para 72,7% em 1989, ainda havia, nesse ano, 9,4 milhões de residências sem essa benfeitoria. Em segundo lugar, em 1989, 62,9% das casas brasi-leiras tinham acesso a serviços regulares de coleta de lixo (essa taxa era de 90,1% pararesidências urbanas).

Já mencionamos que um dos serviços essenciais para a preservação do meio am -biente e da saúde pública é o fornecimento de meios de saneamento para eliminar dejetos humanos e águas servidas o que é, porém, um serviço difícil de ser avaliado a partir dos dados disponíveis. Não há dúvida de que os investimentos em saneamen-to melhoram o ambiente nas populosas áreas urbanas. Se, entretanto, os detritos produzidos pelo homem e as águas servidas forem meramente transportadas de tais áreas e despejadas sem tratamento num rio, será criada uma diferente forma de de-gradação. Além disso, devem-se considerar os aspectos qualitativos, tais como a efici-ência do sistema de saneamento.

Em meados da década de 1980, somente 30,8% das casas brasileiras estavam liga-das a um sistema de esgotos. Mesmo considerando aceitável o fato de que 17,1% possuíam fossas sépticas, ainda restavam 52,1% de residências com saneamento ina-dequado ou inexistente. Porém, a situação real provavelmente é pior, pois uma gran-de parcela das casas pertencentes aos dois primeiros grupos recebia serviços impró-prios a partir de sua instalação.27

Considerando-se que, devido à aglomeração, o impacto ambiental do fornecimento de água, a coleta de lixo e os serviços de saneamento inadequados são mais prejudi-ciais em grandes centros urbanos, vamos examinar a situação nas áreas metropolitanas brasileiras. A Tabela 16.5 apresenta a taxa de residências metropolitanas que possuem água encanada e acesso aos serviços de saneamento e eliminação de lixo. Em 1970, a proporção de casas com água encanada era baixa em todas as MRs e todas testemu-nharam melhorias significativas no período de 1970-91. Entretanto, neste último ano, essa proporção ainda era inadequada, especialmente no Nordeste.

Houve uma evolução semelhante em relação à disponibilidade de saneamento e ser-viços de coleta de lixo. Em 1970, uma grande parte das casas metropolitanas não tinha acesso a meios higiênicos de eliminação de dejetos e águas servidas. As proporções varia-vam de 62,5% em Fortaleza à baixa percentagem de 20,3% no Rio de Janeiro. Se consi-derarmos os aspectos qualitativos do que foi discutido acima, fica claro que o saneamento nas grandes cidades do Brasil - mesmo aquelas em regiões mais desenvolvidas - ainda é um sério problema ambiental e de saúde pública. A remoção do lixo melhorou entre 1976 e 1989. O Rio de Janeiro, São Paulo e as duas MRs do Sul indicam um progresso significativo, mas mesmo ali o desempenho ainda está longe do ideal.

Os números apresentados na Tabela 16.5 encobrem a magnitude do problema enfrentado pelas regiões metropolitanas brasileiras. A disponibilidade de água encanada, por exemplo, indica elevadas proporções em quase todos os lugares em 1991. Anali-sando a população das nove MRs que não dispõem desse serviço básico, entretanto, chega-se à soma de 7 milhões de pessoas em 1989. O quadro é mais grave quando consideramos a população que vive sem o mínimo saneamento. Em 1991, havia 12,3

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milhões de pessoas vivendo em moradias sem meios higiênicos de eliminação de dejetos e águas servidas nas nove MRs.

O crescimento agrícola e o meio ambiente

A expansão da agricultura brasileira posterior à Segunda Guerra Mundial pode ser dividida em dois períodos. O primeiro perdurou de 1945 a 1970 e foi marcado pelo aumento de terras cultivadas; o segundo, de 1970 até o presente, pode ser caracte-rizado pelo aumento da produção agrícola resultante de uma modernização conserva-dora e seletiva.

Impactos ambientais provocados pela expansão horizontal

No primeiro período, a produção agrícola aumentou pela incorporação de novas terras à produção nas áreas já ocupadas do Centro-Sul e também nas fronteiras agríco-las em constante expansão. Cerca de 62,3 milhões de hectares de novas terras foram incorporados ao processo produtivo28 o que foi possível devido à construção de estra-das que continuamente melhorava o acesso a novas áreas e ao investimento realizado em armazéns em novas regiões.29 Durante esse período houve uma ausência quase total de uma política direcionada a mudanças técnicas e esforços para melhorar a utili-zação dos recursos naturais a fim de reduzir a degradação ambiental; e a produtividade agrícola (produção por hectare) ficou estacionada.30 No período de 1948-50 a 1967-69, cerca de 91% do crescimento da safra de 4,3% ao ano originou-se do cultivo de novas terras.31 Além disso, naqueles anos não havia obstáculos para o desmatamento em larga escala provocados pela expansão agrícola. Os resultados estavam de acordo com as expe-riências históricas do país, revistas anteriormente. A Tabela 16.6, por exemplo, mostra que em 1988 somente 11,7% da imensa Mata Atlântica, que antes cobria a maior parte das áreas com exceção da Amazônia e dos cerrados, haviam sido preservados.

Impactos ambientais provocados pela modernização agrícola

A fase de modernização conservadora iniciou-se quando cessou a produção para responder adequadamente à incorporação de terras à fronteira agrícola. No final da década de 1960, ela havia atingido o cerrado do Centro-Oeste, que era uma área de solo ácido e pouco fértil que exigia a utilização de novas técnicas avançadas para tor-nar-se produtiva. Ao mesmo tempo, o Brasil não podia esperar grandes aumentos na produção agrícola da Região Amazônica. Dessa forma, o desenvolvimento da agricul-tura foi obtido principalmente por meio de uma política de modernização de seus seg-mentos considerados estratégicos, isto é, que poderiam elevar a receita cambial e for-necer insumos para a indústria. A mudança técnica foi um elemento-chave na estratégia agrícola desse período. Foram fornecidos estímulos para a formação de complexos agroindustriais, a agricultura comercial recebeu importantes incentivos e subsídios e encorajou-se a exportação de bens manufaturados de origem agrícola, como o farelo de

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Tabela 16.6Florestas brasileiras não-amazônicas

a) A Mata Atlântica: áreas originalmente de florestas e as áreas de florestas restantes

Originalmente de florestas Florestas restantesa Parcela restante(km2) (km2) (%)

Nordeste tradicionalb 63.600 4.000 6,3Bahia e Espírito Santo 185.500 12.033 6,5Centro-Sulc 805.000 101.663 12,6Suld 247.000 35.012 14,2TOTAL 1.301.100 152.708 11,7

. Aeas remanescentes florestadas incluem áreas existentes originalmente cobertas por florestas (sob diferentes eraus de imor venção antrópica) e áreas reflorestadas. *nier-

*• Nordeste tradicional: estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe 1 Centro-Sul: estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul dSul: estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

^tnte: ^r^ès^^èrth^Auslríina^decl/I^O. Kc'th Brown* aPresentados na International Union for the Conservation of Nature

(b) Brasil: área de florestas temperadas com grande participação do pinheiro-do-paraná

Área aproximada de florestas Em comparação com 1990(milhões ha) (%)

1900 16,1 100,01950 7,8 48,41980 3,2 19,9

Fc„te: CIMA, 1991.

soja, café instantâneo, carne processada, frango congelado e produtos têxteis, por isen-ções de impostos, descontos e subsídios, enquanto a exportação de produtos não-be- nefic iad o s era pesadamente tributada e sofria freqüentes restrições administrativas.32

Os aumentos de produtividade tornaram-se o principal fator responsável pelo cres-cimento da agricultura brasileira após 1970. Apesar disso, a fronteira continuou a se expandir e, no período de 1970-85, uma grande área (82,1 milhões de hectares) foi incorporada ao processo produtivo, grande parte do que se originou da especulação imobiliária, induzida por políticas que forneciam incentivos para a agricultura na Amazônia e no cerrado, de outras medidas governamentais e do aumento da inflação. Houve também um aumento de 18,4 milhões de hectares nas áreas cultivadas entre 1970 e 1985, mas a maioria encontrava-se em regiões agrícolas já estabelecidas do Centro-Sul e nos cerrados do Centro-Oeste e grande parte deveu-se a mudanças técnicas que possibilitaram a produção nessas áreas.33

A modernização da agricultura brasileira representou a introdução de tecnologias da revolução verde, rapidamente adaptadas às condições do país. A maior parte dos métodos foi adotada por fazendeiros em bases comerciais do Centro-Sul (incluindo o cerrado) em resposta a políticas de incentivo e de subsídios, concebidas com objetivos

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de visão extremamente limitada. Os planejadores responsáveis pela estratégia agrícola a partir do final da década de 1960 praticamente não refletiram sobre o impacto ambiental das novas tecnologias empregadas na agricultura que consistiam no cultivo de variedades de cereais e grãos de alto rendimento, o uso intensivo de fertilizantes e maquinário e do emprego indiscriminado de pesticidas e drogas para a produção agrí-cola e criação de gado.34 A Tabela 16.7 apresenta um quadro quantitativo da expansão dos insumos agrícolas modernos no Brasil.

O amplo cultivo de variedades de grãos e cereais de alto rendimento provocou perdas ambientais, pois contribuiu para a extinção das espécies, fato observado prin-cipalmente no caso dos cerrados do Centro-Oeste, em que grandes áreas de um intrincado ecossistema foram drasticamente modificadas para o cultivo da soja e para a formação de pastos. Isso foi feito rapidamente, sem qualquer precaução quanto à proteção do rico e ainda pouco conhecido ecossistema.35

A agricultura moderna do tipo que predominou no Brasil, contando extremamente com implementos agrícolas e com fertilizantes químicos e pesticidas, apresenta vários impactos ambientais potencialmente negativos. O principal problema provocado pelo uso indiscriminado de fertilizantes químicos é a modificação da natureza do solo, que, em seu estado natural, contém muitos organismos que facilitam às plantas a extração dos nutrientes dos materiais inorgânicos. O emprego excessivo desses produtos pode causar danos a esses organismos, exigindo o uso permanente de fertilizantes a fim de substituir os mecanismos naturais da terra. Além disso, se o solo extremamente fer-tilizado é permeável, as chuvas levarão os elementos contidos nos fertilizantes às águas subterrâneas, causando impactos prejudiciais aos usuários dessas águas, inclu-sive o homem.36

O uso difundido deNmaquinário pesado na agricultura pode provocar efeitos negati-vos sobre o meio ambiente. Em primeiro lugar, o emprego eficiente de máquinas exi-ge áreas relativamente grandes das quais é removida a cobertura vegetal, facilitando a erosão pelo vento e pela água. Além disso, por ser pesado e usado freqüentemente sobre o solo, o maquinário agrícola pode causar sua compactação. No Brasil, um dos resultados do ritmo acelerado da modernização foi a presença de todos esses efeitos ambientais. A limpeza do terreno raramente é realizada com precauções quanto à pre-servação da vegetação nas margens dos rios o que, juntamente com a prática ainda predominante de arar a terra em linhas retas e a remoção periódica da cobertura vege-tal por meio da colheita mecanizada, tem sido responsável por grande parte da erosão em várias regiões do país.37 Além disso, deslizamentos do solo causaram ampla sedi-mentação de rios e represas.38

O uso intensivo de produtos químicos agrícolas não apenas auxilia a destruição das espécies associadas com as práticas acima mencionadas, mas também pode provocar efeitos danosos ao homem e ao ecossistema além do campo de ação pretendido. Se não forem utilizados com cuidado, os produtos químicos agrícolas podem causar pro-blemas de saúde às pessoas que os aplicam e aos animais, além de contaminar a água usada pela população em geral e os alimentos e outros produtos agrícolas com eles produzidos. No Brasil, o ritmo acelerado de modernização, os baixos níveis educa-cionais dos trabalhadores rurais (e muitas vezes dos próprios fazendeiros) e a falta de um controle eficiente por parte do governo levaram à utilização irresponsável desses

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T abela 16.7M edidas de m odernização agrícola no Brasil

(a) Insumos agrícolas

Area cultivada Qtde. de tratores Mão-de-obra agrícola(1.000 hectares) (un idades) (J. 000)

1950 19.040,0 8.372 10.963,61960 28.396,0 61.345 15.454,51970 33.983,8 165.870 17.627,11980 49.104,0 545.205 21.163,71985 52.147,7 665.280 23.394,9

Obs.: Entre 1950 e 1985, a área cultivada aumentou 2,7 vezes e o número de trabalhadores 2,1 vezes, enquanto a quantidadede tratores foi multiplicada 79,5 vezes.

Fonte: IBGE, Censos Agropecuários, 1950 a 1985.

(b) Grau de concentração de insumos: 1985

Trabalhadores por Tratores por100 hectares cultivados 100 hectares cultivados

Brasil 45,05 1,28

Nordeste 72,99 0,29São Paulo 20,79 2,45Paraná 30,58 1,67Goiás 21,05 1,46

(c) Proporção de fazendas usando equipamento mecânico, fertilizantes químicos, agroquímicose empregando práticas de conservação do solo: Brasil e estados - 1985

Equipamento Fertilizante Agroquímicos Conservaçãomecânicoa químico do solob

Brasil 22,8 26,0 54,9 12,7

Nordeste 10,4 7,0 40,4 2,0São Paulo 56,4 70,0 78,9 39,4Paraná 46,6 49,1 72,9 32,1Goiás 48,5 52,8 83,0 16,1

a Equipamento mecânico de qualquer tipo, próprio ou alugado. h Qualquer tipo de prática de conservação do solo.Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1985.

produtos. Até agora não ocorreram desastres graves, mas os problemas mencionados são uma característica comum da agricultura do país.39

Alguns dos problemas ambientais revistos anteriormente estão sendo solucionados por órgãos públicos e por alguns produtores, mas outros mal foram reconhecidos. O emprego de práticas de conservação do solo está aumentando e alguns governos es-taduais estão realizando projetos menores de tratamento de rios. O monitoramento do

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uso de produtos químicos agrícolas (principalmente os de elevada toxicidade), entre-tanto, ainda é incipiente, e os efeitos de longo prazo da tecnologia da revolução verde amplamente usada pela agricultura moderna nem ao menos são considerados como um problema pela maioria dos formuladores brasileiros da política econômica.

A estratégia amazônica e o meio ambiente

A estratégia brasileira adotada na Amazônia e o desmatamento resultante não são estritamente características promotoras de crescimento das políticas de desenvolvi-mento do período pós-Segunda Guerra Mundial; ela tem um forte componente geopolítico e seus efeitos ambientais são completamente desproporcionais à sua con-tribuição para a expansão do produto nacional.

O impacto ambiental da Amazônia

A maior parte das atenções mundiais aos problemas brasileiros de ordem ambiental tem se concentrado na Região Amazônica devido ao fato de o país possuir a última extensão contínua de floresta tropical existente no mundo. A remoção em larga escala dessa floresta resultante da colonização e da exploração comercial da terra pode gerar problemas ambientais locais, regionais e mesmo mundiais.

Regulando o ciclo hidrológico, a floresta tropical mantém a distribuição relativa-mente homogênea das chuvas e confere certa estabilidade à vazão dos rios durante o ano. Essa função não pode ser desempenhada onde há extensos desmatamentos, ocasionando mudanças climáticas locais e regionais e um aumento na probabilidade de ocorrerem enchentes. Além disso, o solo descoberto da Amazônia é facilmente compactado pelas fortes chuvas tropicais, reduzindo a absorção da água e favorecendo deslizamentos, erosão e sedimentação dos rios.40

A remoção da floresta também interrompe o ciclo de nutrição que ocorre entre a cobertura vegetal e a camada superficial do solo. Abaixo da porção de matéria orgâ-nica, os solos da Amazônia são pobres. Conseqüentemente, a exploração agrícola ten-de a esgotar rapidamente a fertilidade natural, causando drásticas reduções na produ-ção. Quando isso ocorre, a área é abandonada; a recuperação é difícil e onerosa.

O principal motivo para a atenção mundial dada ao desmatamento da Amazônia está relacionado ao seu efeito universal. Teme-se que a remoção da floresta tropical em grande escala vai contribuir significativamente para o efeito estufa e para uma considerável perda de biodiversidade. Só a Amazônia brasileira armazena cerca de 60 bilhões de toneladas de carbono ou 8% de todo o carbono presente na atmosfera sob forma de gás carbônico. Derrubar e queimar porções significativas da floresta repre-senta a liberação de grandes quantidades de gás carbônico para a atmosfera, aumen-tando o efeito estufa.41

A derrubada em larga escala da floresta tropical pode causar a redução na biodiversidade.42 Os vários ecossistemas da Amazônia contêm uma ampla diversidade biológica, tanto em termos da multiplicidade de espécies de organismos vivos quanto

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da variedade de genes de determinadas espécies. A destruição dos hábitats naturais causada pelo desmatamento afeta as populações e as áreas de incidência de um gran-de número de espécies de plantas e animais. Mais da metade das espécies vegetais que vivem em nosso planeta - muitas das quais nem mesmo foram catalogadas e analisadas ainda - encontram-se nas florestas tropicais do mundo.43 Receia-se que, com o desmatamento da Amazônia, várias espécies valiosas para o ser humano sejam eliminadas.

A recente intensificação da ocupação e do desmatamento ocorreu principalmente no perímetro Leste-Sudeste-Sul-Sudoeste da Região Amazônica.44 A floresta tropical estava sendo destruída por fazendeiros de gado que respondiam ao estímulo de incen-tivos e subsídios oficiais; por migrantes - expulsos por mudanças ou pelas rudes condições de vida em suas regiões de origem e que foram para a Amazônia em busca de terras; por madeireiros interessados na preciosa madeira de lei; por empresas de mineração; por especuladores imobiliários; por garimpeiros em busca de ouro e outros minérios e pela execução de projetos hidrelétricos.

Os fatores básicos para a abertura da Amazônia brasileira são complexos. Os mais importantes são:45

1. Objetivos geopolíticos do regime militar e de parte da elite do país. A Amazônia foi encarada como uma região de riquezas potenciais que devia ser ocupada a todo custo a fim de evitar a intervenção de potências e interesses estrangeiros. Assim, no final da década de 1960, sem a realização de levantamentos prévios dos recursos naturais e de estudos de viabilidade, construíram-se várias estradas ligando partes da Amazônia ao desenvolvido Centro-Sul. Executaram-se projetos públicos e privados de colonização de terras de domínio público que visavam atrair colonizadores e foram oferecidos in-centivos e subsídios a empresários e especuladores dispostos a iniciar empreendimen-tos na região, a maioria dos quais eram projetos de grandes fazendas de gado.46

2. A pressão dos sem-terra em áreas colonizadas. A modernização no Centro-Sul tornou supérfluos centenas de milhares de pequenos agricultores e trabalhadores rurais. Em-bora muitos se mudassem para as grandes cidades, um número considerável foi atraído à Região Amazônica pela perspectiva de se tornar proprietário de terras, além dos traba-lhadores rurais sem-terra do pobre Nordeste, onde a tradicional elite rural resistiu à redistribuição de terras com sucesso. A corrida dos migrantes, especialmente para o les-te do Pará e para o estado de Rondônia, no oeste da Amazônia, resultou numa demanda por terras que superou significativamente os lotes disponíveis nos projetos de coloniza-ção. Como conseqüência, milhares de migrantes ocuparam espontaneamente terras pú-blicas e privadas, derrubando a floresta para cultivo e para reclamar direitos sobre elas.

3. Projetos de larga escala voltados para a exportação. Mais recentemente, foi conclu-ída uma grande hidrelétrica47 e foi desenvolvido um complexo de minérios e metalur-gia em Carajás, no leste da Amazônia. Foi construída uma estrada de ferro de 850 quilômetros, unindo Carajás ao porto de Itaqui, no estado do Maranhão, e foram executados vários empreendimentos de mineração, com ênfase na extração e processamento de minério de ferro, bauxita e manganês.48

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4. A corrida do ouro na Amazonia. Levantamentos sobre os recursos naturais não só revelaram os minérios mencionados no item anterior, mas também ouro e outros metais já existentes. A divulgação dessas descobertas atraiu um grande número de garimpeiros (estimados em 860 mil) que vinham em busca de riqueza súbita e cujos métodos geravam baixa produtividade e destruição ambiental.49

O recente impacto exercido pelas operações de corte de madeira

Esperava-se que, ao longo da década de 1990, uma drástica redução nos incentivos oficiais para grandes projetos agrícolas e de pecuária e de planos de colonização pa-trocinados pelo governo iriam reduzir consideravelmente o desmatamento na Amazô-nia. E, como está indicado na Tabela 16.8, a primeira metade da década confirmou essas expectativas. Entretanto, após 1995, houve uma nova onda de desmatamento que continuou até o final da década.

Tabela 16.8 Áreas desm atadas na Amazônia legal -

média anual, 1978 (em km 2)

1978-89 22.2281989-90 13.8101990-91 11.1301991-92 13.7861992-94 14.8961994-95 29.0591995-96 18.161

Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INDEP), Desflores-tamento na Amazônia. Brasilia, Ministério da Ciência e Tec-nologia, 1997.

As principais responsáveis pelo recente aumento do desmatamento, porém, são as operações de derrubada de madeira — especialmente as conduzidas por empresas estrangeiras (principalmente asiáticas), a maioria das quais migraram da Malásia e outros países asiáticos, onde a madeira se tornou escassa, para a Amazônia. Elas vie-ram para a região prometendo adotar práticas de administração sustentável e atuar de acordo com a legislação brasileira. Entretanto, a maioria considerou as leis e regula-mentações do país rígidas demais e agiram de modo a contorná-las, adotando esque-mas ilegais e semi-ilegais. Como a lei exige que se tenha um plano de administração da floresta — plano que geralmente requer uma extração seletiva e práticas de derru-bada especiais — antes que a madeira possa ser removida da floresta, as madeireiras começaram a persuadir os chamados “cupins da floresta” (pequenas empresas cortadoras de madeira ilegais, ex-garimpeiros, pequenos colonizadores, sem-terra e índios) a cortar ilegalmente as árvores que eles compram clandestinamente, em geral a um preço

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muito baixo. Elas, então, usam corrupção e subterfúgios para “legalizar”, transportar e exportar a madeira ou seus subprodutos.50

Segundo os especialistas, as madeireiras estrangeiras, responsáveis por mais de 90% da exportação de madeira da Amazônia, compram 60% da madeira extraída pelos “cupins da floresta”. Calcula-se que estes últimos são responsáveis por 80% do mais recente desmatamento da região (“Os cupins da floresta”, O Estado de S. Paulo, 12/jul./ 1999, p. A3). E, embora exista uma rígida legislação que proíbe tais práticas, a falta de recursos humanos e financeiros do Ibama, órgão ambiental responsável pelo cumpri-mento da lei, somada ao peso econômico representado pelas madeireiras, tem tornado a lei inócua. Isso explica o recente aumento das clareiras.

A extensão do desmatamento na Amazônia

Calcula-se que no início do século XX havia uma área desflorestada de cerca de 100 mil km2, localizada principalmente em regiões originalmente colonizadas no leste e nordeste da Amazônia.51 Como revela a Tabela 16.9, em 1978 as áreas desmatadas haviam se expandido para 152,1 mil km2, ou 3,6% da área originalmente coberta por florestas; dez anos mais tarde, a área aumentou bruscamente para 372,7 mil km2, ou 9,3% da área originalmente coberta por florestas. O desmatamento atingiu um pico em 1987, diminuindo depois devido à desaceleração econômica e a mudanças nas políticas governamentais.52 Entretanto, como já foi discutido, a segunda metade da década de 1990 testemunhou um aumento no desmatamento, impulsionado principal-mente por madeireiras.

A Tabela 16.9 mostra que o desmatamento se concentra principalmente na peri-feria da Amazônia. Em 1990, 385,5 mil km 2, ou 16,1% do total da área desmatada localizava-se ali. No coração da região somente 24,9 km2 haviam sido derrubados. Na Amazônia como um todo, até 1990, 9,6% da floresta haviam sido eliminados; na pe-riferia, essa taxa foi de 16,1% e, no centro, de 1,3%.

Segundo o último censo agrícola realizado em 1985, 842,8 mil km2 da Amazônia, ou 18,9% de sua área, eram ocupados por fazendas, sendo que cerca de um quarto desse espaço havia sido desmatado. Realizando uma análise retrospectiva da ten-dência de desmatamento mostrada na Tabela 16.9, o total da área desmatada em 1985 seria de cerca de 304 mil km2, o que significa que até aquele ano o desma-tamento com fins agrícolas foi responsável por aproximadamente 71% do total do desmatamento.53

O desmatamento com fins agrícolas no coração da Amazônia ainda é limitado, ao contrário do que ocorre com a periferia. Em 1985, ele atingia somente 0,7% do total da área central, enquanto na região periférica havia chegado a 11,8%.

Esses dados nos fazem chegar a três conclusões. Em primeiro lugar, ainda existe uma extensa área na Amazônia não ocupada por fazendas e uma política que vise à sua conservação deveria incluir medidas que evitassem futuras construções de estradas que levem às partes intatas da região, associadas a uma suspensão total de esquemas de incentivos e subsídios para essas áreas. Em segundo, mesmo na região periférica existem muitas áreas ainda não incorporadas a estabelecimentos agrícolas onde deve

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Tabela 16.9A Região Amazônica brasileira

(a) Área desmaiada na Amazônia legal e sub-regiões

Áreaoriginalmente Jan. 1978 Abril 1978 Agosto 1989 Agosto 1990

florestada Total e Total e Total e Total e(1.000 km2) (% do orig.) (% do orig.) (% do orig.) (% do orig.)

AMAZÔNIALEGAL

4.275 152,1 (3,6%) 372,7 (8,7%) 396,6 (9,3%) 410,4 (9,6%)

Coração da Amazônia3

1.881 2,0 (0,1%) 20,8 (1,1%) 23,9 (1,2%) 24,9 (1,3%)

Periferia da Amazôniab

2.394 150,1 (6,3%) 351,9 (14,7%) 372,7 (15,6%) 385,5 (16,1%)

Estado do Pará

1.218 56,3 (4,6%) 129,5 (10,6%) 137,3 (11,3%) 142,2 (11,7%)

Estado de Rondônia

224 4,2 (1,9%) 29,6 (13,2%) 31,4 (14,0%) 33,1 (14,8%)

JCoração da Amazônia: inclui os estados do Amapá, Amazonas e Roraima.b Periferia da Amazônia: inclui os estados do Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins.Fonte: GOLDENBERG, José. “Current policies aimed at attaining a model of sustainable development in Brazil".hr. Journal

of Environment and Development, vol. 1,1992, p. 105-15. Baseado em interpretação de imagens via satélite realizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil e analisadas por Philip M. Feranside, A. T. Tardin e L. G. Meira Filho.

(b) Região Amazônica: área geográfica, área agrícolat porção de áreas agrícolas desmaiadas - 1985

Area geográfica 1.000 km2

Area de fazendas 1.000 km2

Area desmatadaa 1.000 km2

% de área geográfica

com fazendas

% de área geográfica desmatada

% de área desmatada de fazendas

Total 4.462,8 842,8 216,7 18,9 4,9 25,7Amazôniab

Coração da 2.799,4 190,1 19,8 6,8 0,7 10,4Amazôniac

Periferia da 1.663,4 652,7 196,9 39,3 1 1,8 30,2Amazôniad

a A área desmatada foi obtida com a soma da área cultivada e da área de pastagens, de terrenos alqueivados e “produtivos, mas não-utilizados”.

O Total da Amazônia nesta tabela é somente uma aproximação da Região da Amazônia Legal. A porção do Maranhão na Amazônia Legal e o estado de Roraima, por exemplo, não foram incluídos.

c O Coração da Amazônia consistiu em todo o estado do Amazonas e das seguintes microrregiões: estado do Acre - Alto Juruá;estado do Pará - Médio Amazonas, Tapajós, Baixo Amazonas e Furos.

d A Periferia da Amazônia consistiu no total dos estados dc Rondônia e do Amapá e nas seguintes microrregiões: estado do Pará — Marajó, Baixo Tocantins, Marabá, Araguaia Paraense, Tomé-Açu, Guajarina, Salgado, Bragantina, Belém e Viseu; estado do Tocantins - Baixo Araguaia, Médio Tocantins - Araguaia e Extremo Norte; estado do Mato Grosso - Norte Mato-grossense, Alto Guaporé-Jauru e Alto Araguaia - e estado do Acre - Alto Purus.

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário de 1985.

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ser feito um esforço para aplicar os dispositivos da Constituição de 1988, que exigem um zoneamento ambiental antes de se partir para novas explorações, em associação com o rigoroso cumprimento da legislação de proteção da floresta tropical.54 Em ter-ceiro lugar, as áreas já desmatadas e degradadas precisam de atenção especial. Uma forma de restringir a agricultura nômade associada à grande parte da recente ocupação de terras na Amazônia seria por meio de um empenho vigoroso para desenvolver tecnologias que favorecessem uma exploração sustentável dessas áreas, o que também implica ações decisivas para estabelecer direitos de propriedade sólidos. Sem alterna-tivas viáveis e seguras, os colonizadores tenderão a continuar a migração para novas áreas na Amazônia dando prosseguimento, portanto, ao ciclo destrutivo.55

As políticas ambientais criadas no Brasil

Na década de 1970, o Brasil achava que valia a pena pagar o preço da poluição e da degradação ambiental em troca do desenvolvimento. Até recentemente, essa opinião ainda era relativamente comum entre os formuladores de política econômica do país, além do ponto de vista, até o presente aceito em alguns círculos, de que a questão ambiental é, principalmente, uma arma usada por potências estrangeiras para restringir o progresso do país.56 As opiniões dos que promovem o desenvolvimento e dos teó-ricos da “conspiração” deixaram uma marca forte no Brasil, que somente há pouco começou a se dissipar.

Mais recentemente, também ouvimos as objeções de nacionalistas ambientais que temem a desaceleração do crescimento econômico que poderia advir de uma ênfase na preservação. Segundo eles, é impossível colocar em prática políticas que protejam, recuperem e melhorem o ambiente numa situação de pobreza e estagnação. As fac-ções de esquerda dos nacionalistas ambientais ressentem-se da comunidade ambien-talista internacional, por ignorar os impactos ambientais causados pela pobreza no Terceiro Mundo. Para eles, a atitude preservacionista, voltada para os efeitos globais, preocupa-se, na verdade, com os interesses do Primeiro Mundo, na medida em que “... a degradação ambiental resultante da pobreza não representa um problema impor-tante para os países... desenvolvidos, pois ela não gera um fenômeno global” .57

Desde o início da década de 1970, o Brasil vem testemunhando um rápido cresci-mento de Organizações Não-Governamentais (ONGs) preocupadas com o meio am-biente. Até 1990, elas eram cerca de 700, 90% das quais se localizavam nas áreas urbanas do Sudeste e do Sul.58 Muitas são amadoras e ineficientes, mas algumas são altamente profissionais e provocaram um impacto significativo sobre a opinião pública nacional.

A evolução das bases legais e institucionais

Foi somente em meados da década de 1970 que começou a se formar uma política ambiental. Em 1973, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), su-bordinada ao Ministério do Interior, tendo como função principal a definição de nor-mas de proteção ambiental e a redução de alguns dos excessos do setor produtivo.59

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Logo depois, São Paulo criou sua organização ambiental - a Cetesb (Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio Ambiente) - e o Rio de Janeiro fundou a Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Am-biente) em 1975, que se tornariam as duas organizações estaduais mais ativas e pre-ocupadas com o meio ambiente.60 Como, porém, o crescimento ainda era prioridade absoluta na década de 1970, a legislação para apoiar a proteção ambiental era ineficiente.

A política ambiental foi fortalecida somente em 1981 com a aprovação da Lei 6.938 que estabeleceu a PNMA (Política Nacional do Meio Ambiente), cujo propósito era promover a preservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental de forma consistente com o desenvolvimento econômico e a segurança nacional. Essa lei orga-nizou e consolidou normas já existentes, complementando-as e reforçando-as, criando, dessa forma, uma sólida estrutura legal. Ela, entretanto, contou com instrumentos de comando e controle, enquanto o uso de incentivos econômicos não foi levado em consideração.61

A Lei 6.938 consolidou a infra-estrutura institucional da política e proporcionou um estímulo ao desenvolvimento de organizações ambientais estaduais e locais. Na segun-da metade da década de 1980, a base legal da política foi fortalecida e culminou com a aprovação de todo um capítulo da Constituição de 1988 dedicado ao meio ambiente. A estrutura institucional também sofreu algumas mudanças: em 1985, foi criado o Minis-tério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; em 1988, foi fundado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e institui-ções estaduais ambientais (como a Cetesb e a Feema) foram aperfeiçoadas.6-

Em 1990, a administração Collor criou a Secretaria do Meio Ambiente (Seman), que, em 1994, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi transformada no Mi-nistério do Meio Ambiente. Com pequenas mudanças, esse ministério continuou a ser responsável pelo comando da área ambiental do governo federal, incorporando o Ibama, que se tornou o principal órgão federal para a implementação de políticas ambientais.

O final da década testemunhou uma importante mudança na legislação ambiental brasileira. Até 1998, o limitado impacto da política ambiental foi justificado com base na ineficiência do sistema legal do país no que dizia respeito ao meio ambiente. A legislação existente era imprecisa, dificultando a implementação de ações que conti-vessem a agressão ambiental. Entretanto, em março de 1998 o Congresso aprovou a Lei n- 9.605/98, a chamada Lei de Crimes Ambientais. Essa lei consolidou a legislação referente a diversos aspectos do ambiente, introduziu novas cláusulas e criou uma se-vera estrutura de penalidades para os transgressores - desde multas pesadas até infle-xíveis sentenças de prisão para crimes ambientais. A Lei de Crimes Ambientais foi recebida com indignação pelos juristas63 e pelos setores produtivos; o protesto foi ta-manho que, não só algumas de suas cláusulas foram vetadas pelo presidente, como sua implementação foi consideravelmente retardada pelo insucesso do executivo em pu-blicar os decretos e regulamentações necessárias para que pudessem ser implementadas as cláusulas mais drásticas. Presumivelmente, o objetivo dessa demora era o de d a r tempo aos agentes econômicos de fazer as adaptações necessárias diante da lei.

Alguns ambientalistas, porém, consideraram a lei excessivamente branda.64 Para eles, prova disso foi a reduzida mudança no padrão de agressão ambiental do país após a aprovação da lei. O problema, contudo, é que, para ser cumprida com eficiência, a

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lei requer uma total reformulação das organizações responsáveis por sua execução. A estrutura atual, na melhor das hipóteses, pode atingir parcialmente esse objetivo. Esse parece ser outro exemplo brasileiro de uma lei que, em muitos aspectos, não “pegou” totalmente.

Políticas para reduzir a poluição urbano-industrial

Em meados da década de 1970, a Sema e alguns órgãos estaduais começaram timidamente a definir normas para corrigir e evitar a poluição industrial que, entretan-to, foram enfraquecidas pela contínua prioridade dada ao crescimento. Foi imposta uma seqüência de penalidades; havia um sistema de multas e as empresas transgressoras podiam ser impedidas de receber incentivos fiscais, créditos subsidiados e favores semelhantes do governo federal. Em casos extremos, uma companhia infratora pode-ria ser impedida de funcionar. Várias empresas consideradas estratégicas, contudo, foram isentas de dispositivos mais severos relativos ao meio ambiente.65

Na década de 1980, aumentou o número de multas, as isenções foram reduzidas e a tendência à descentralização aumentou o poder do Estado e de organizações ambientais locais (muito mais próximas às áreas problemáticas) para agir de modo que refreassem a poluição urbana e industrial. Determinaram-se padrões de qualidade para o ar e a água semelhantes aos instituídos pelo órgão de proteção ambiental americano.66 Uma parte essencial da nova política de meio ambiente foi a criação de um sistema de licenciamento para atividades potencialmente poluidoras que acabou sendo incorpora-do à Constituição de 1988. Todos os projetos que ultrapassassem certas dimensões e tivessem impactos ambientais em potencial (como a construção de estradas, aeropor-tos, portos, ferrovias, usinas hidrelétricas, refinarias de petróleo e outras fábricas de grande porte) deveriam obter uma licença antes de sua instalação. Para que essa licen-ça fosse concedida, deveria haver uma Análise de Impacto Ambiental (AIA), realizada com o apoio de um Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (Rima).67

Apesar dessas mudanças, o sistema regulador continua a enfrentar restrições. A repressão à poluição tornou-se mais eficaz, porém o sistema não pôde avançar mais devido a preocupações com o crescimento. O rigor do controle à poluição tende a ser maior no caso de novos projetos e fábricas, mas deve-se ter cautela a fim de evitar dificuldades econômicas nas fábricas existentes antes do início do programa regulador. Além disso, há grandes lacunas nas regulamentações, como a falta de limites de emissão ou exigências quanto à instalação de equipamentos antipoluidores em veículos automotores que utilizam outros combustíveis que não o óleo diesel.68 Também hou-ve dificuldades com o sistema de licenciamento. A idéia era se examinar o Rima de um projeto e aprovar a AIA bem antes de sua implementação. Até recentemente, entretanto, houve vários casos em que o Rima foi concluído depois de iniciada a construção. Além disso, pode haver muita burocracia e, muitas vezes, falta aos órgãos de proteção ao meio ambiente pessoal treinado em número suficiente para realizar uma avaliação minuciosa dos Rimas.69

Em nível estadual, os resultados dos esforços de proteção ambiental oferecem bons exemplos de progresso e dos problemas remanescentes. A Cetesb obteve suces-

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so considerável na redução da poluição do ar de origem industrial, mas ainda está por obter algum avanço significativo quanto à poluição provocada pelos veículos automotores. Quanto à poluição da água, a Cetesb foi capaz de exercer algum controle sobre as emissões industriais, mas a poluição orgânica continua sendo um problema de difícil solução. O principal desafio da Feema é a poluição da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. Em 1990 começou a limpeza da baía com financiamento especial da agência japonesa de desenvolvimento e o Banco Interamericano de Desenvolvi-mento, mas no final da década o trabalho ainda não estava pronto.

Via de regra, os órgãos ambientais estaduais têm dificuldades em superar a opo-sição das empresas existentes, muitas das quais são controladas pelo próprio governo. Quando pressionadas a cumprir os regulamentos de proteção ao meio ambiente, elas recorrem a influências políticas e ameaçam cessar o funcionamento. Segundo Findley, “... os funcionários dos órgãos reguladores estaduais e federais agem com rapidez e eficiência para combater a poluição se estiverem motivados para tanto”. Contudo, como foi testemunhado no caso de Cubatão, “... tal motivação geralmente requer uma emergência muito divulgada que envolva uma ameaça séria e imediata à saúde e segurança públicas”. Excluindo esse fato, entretanto, “... a proteção ao meio ambiente normalmente ocupa uma posição secundária em relação à manutenção ou aumento da produção econômica”.70

Finalmente, a crise fiscal de 1990, tanto em âmbito federal quanto estadual, teve um impacto negativo sobre as políticas ambientais. Os recursos financeiros, não só para investimento e expansão, mas também para a manutenção das atividades corren-tes dos órgãos de proteção ao meio ambiente estão encolhendo e os salários do pessoal técnico estão declinando em termos reais, causando diminuição de incentivos e per-das nos já insuficientes quadros de funcionários.

Políticas conservacionistas

Paradoxalmente, no final da década de 1960, quando se iniciava o desenvolvimen-to da Amazônia, a legislação brasileira já dispunha do Código Florestal de 1965 que, se rigorosamente aplicado, teria evitado os piores excessos que ocorreram desde aque-la época. O código exigia que todas as fazendas conservassem pelo menos 50% de sua área com a cobertura vegetal original; estabelecia regras rígidas para a proteção de áreas de grande declividade, de camadas freáticas e outros pontos de água e áreas ambientalmente frágeis. Ele também fixava normas rígidas para a extração de recursos florestais, tanto por parte de indústrias que regularmente transformam matérias-pri-mas oriundas da floresta (como serrarias e fábricas de papel e celulose) como das que empregam energia originada de recursos florestais (carvão ou lenha). Reconhecendo a impossibilidade de aplicar a regra dos 50% a regiões do país já povoadas na época, o código estabelecia que as fazendas deveriam conservar somente 20% de suas áreas cobertas de florestas; esse mesmo nível mais reduzido também se aplicava a fazendas na fronteira do cerrado.71

A legislação posterior que tratou da preservação das florestas simplesmente refor-çou o Código Florestal. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a lei da PNMA de

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1981, com a Constituição de 1988 e com a Lei de Crimes Ambientais 9.605/98. Com a criação do Ibama em 1989, as cláusulas de licenciamento da PNMA, até então aplicá-veis somente a atividades urbano-industriais, foram estendidas a projetos baseados em florestas. E, em 1990, foi criada uma comissão especial encarregada de estudos de zoneamento territorial exigidos pela lei ambiental e pela Constituição de 1988. A Ama-zônia foi declarada uma área de zoneamento prioritária, e o Decreto 153 de 1991 proi-biu a concessão de incentivos fiscais e subsídios para projetos a serem realizados nas partes intocadas da floresta tropical amazônica. O desmatamento naquela região tam-bém foi proibido. O licenciamento de qualquer atividade econômica nessas áreas será apenas considerado após a conclusão dos estudos de zoneamento territorial.

Apesar dessas medidas, o desmatamento e a destruição dos recursos naturais têm prosseguido até o presente, especialmente na Amazônia, devido à completa ausência de vontade política por parte do governo federal para acrescentar cláusulas ao Código Durante o regime militar, o cumprimento rigoroso do Código iria contra a estratégia geopolítica da Amazônia que era perseguida na época.

Essa situação começou a mudar em meados da década de 1980. O regime militar estava chegando ao final e havia crescentes protestos internacionais contra a destrui-ção da floresta tropical. A criação do Ibama em 1989 já foi parte de um compromisso maior do governo federal com a preservação e a administração Collor, que tomou posse em 1990 e adotou uma posição firmemente preservacionista. Apesar desses progressos, parece difícil conseguir uma redução significativa no desmatamento da Amazônia, visto que o principal problema é o elevado custo da repressão. A Amazônia é imensa e as atividades que atingem a floresta tropical estão espalhadas por grandes porções dentro de seus limites: resultados eficientes exigiriam operações de controle em grande escala. Entretanto, o pessoal e o equipamento que está à disposição do Ibama são insignificantes, e a crise fiscal impediu a alocação dos recursos necessários para modificar a situação. Embora o governo federal tenha intensificado seus esforços em 1990 e, como vimos anteriormente, tenha havido um declínio na taxa de desmatamento na Amazônia, resultados adicionais iriam requerer recursos maiores do que os disponíveis.

Outro problema reside na oposição ativa de uns poucos governadores e membros do Congresso, ligados aos estados situados na Região Amazônica, a tentativas de reduzir significativamente os incentivos e as atividades de desenvolvimento na região Alguns acreditam que preservação significa manter a Amazônia em situação de sub-desenvolvimento e outros agem sob pressão de grupos de interesse locais. Os go-vernadores freqüentemente se recusam a cooperar com os esforços governamentais e pressionam o Congresso contra qualquer tentativa drástica de reformular o sistema de incentivos fiscais.

Pode-se conseguir um impacto positivo na preservação dos ecossistemas da flores-ta tropical por meio da definição de áreas de preservação ambiental e o Brasil possui um sistema de áreas protegidas. Existem dois tipos dessas áreas: as de conservação incluindo parques nacionais e florestas, e as reservas biológicas, nas quais estão proi-bidas quaisquer formas de exploração de recursos naturais (exceto o turismo e a pesquisa científica); e as estações ecológicas e áreas de proteção ambiental, que per-mitem uma exploração sustentável de recursos naturais sob rigorosa supervisão 72

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Tabela 16.10U nidades de conservação ambiental, 1990

Áreas de conservação Proteção ambiental

Área % da Área % da(1.000 ha) área geográfica (1.000 ha) área geográfica

Brasil 37.583,2 4,5 12.516,4 1,5

Norte 32.305,5 9,1 299,7 0,1

Nordeste 2.106,1 1,4 182,2 0,1

Sudeste 1.615,0 1,8 2.533,0 1,8

Sul 881,7 1,6 380,0 0,7

Centro-Oeste 674,9 0,4 9.121,5 4,9

Fonte: IBGE, Anuário Estatístico 1991, p. 130.

Como podemos ver na Tabela 16.10, em 1990 havia 6% de território brasileiro sob algum tipo de proteção ambiental especial. Cerca de 1,5% pertencia a áreas de pro-teção ambiental e aproximadamente 4,5% pertenciam a áreas de conservação. Uma grande porção destas localiza-se na Região Norte, onde se encontra a maior parte da Amazônia brasileira, e que possui mais de 9% de sua área geográfica protegida. Nela existem parques nacionais e florestas, reservas biológicas, estações ecológicas e re-servas extrativistas, num total combinado de quase 35 milhões de hectares. Esses números podem parecer impressionantes, mas existem alguns problemas: os limites de muitas das áreas protegidas na Amazônia ainda não foram legalmente delimitados, a demarcação de várias dessas áreas não foi completada e há muitas disputas legais em relação a elas, além de vários abusos. As poucas pessoas responsáveis pela supervisão das áreas de conservação não conseguem mantê-las livres de posseiros. Finalmente, os planos de administração dessas áreas são inadequados ou inexistentes e há umaacentuada escassez de pessoal treinado para geri-los.73

Um avanço promissor na área de preservação florestal é a criação, durante a década de 1990, de reservas extrativistas. Em meados da década, a Amazônia já dispunha de colônias extrativistas, totalizando 889,6 mil hectares, e nove reservas extrativistas, somando 2.200,8 mil hectares. No final da década de 1980 não havia nenhuma. As colônias extrativistas são áreas sob supervisão do Incra, o instituto de reforma agrária, cujo objetivo é assentar famílias para o trabalho de extração, sem dividir a terra em lotes retangulares, como era comum nos seus projetos de colonização. Embora os colonos não possam derrubar a floresta, eles têm permissão de extrair seus frutos. As reservas extrativistas, por sua vez, são áreas de conservação que, graças à pressão de movimentos dos seringueiros com o apoio de ONGs, da imprensa nacional e interna-cional, foram criadas para o uso dos trabalhadores extrativistas. As reservas extrativistasencontram-se sob a jurisdição do Ibama.74

Dois fatores significativos levaram à criação das reservas extrativistas: o reconhe-cimento das necessidades das pessoas que, durante muitos anos, viveram na floresta

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sem destruí-la - os trabalhadores extrativistas (os seringueiros e outros envolvidos na coleta de produtos da floresta) - e a crescente pressão nacional e internacional a favor da preservação das florestas tropicais. Ainda é muito cedo para julgar a eficiência dessas reservas.75

Alguns ambientalistas mais extremados argumentam que já que a existência de uma população humana na floresta é prejudicial, a criação de reservas extrativistas deveria ser contida. Alguns economistas alegaram que sem os subsídios e favores oficiais, a maioria das atividades extrativistas não é economicamente viável. O assunto precisa ser mais pesquisado, mas o extrativismo parece ser uma alternativa relativa-mente simples para a conservação da floresta. Evidentemente, isso deve ser conside-rado um instrumento entre muitos outros; seria fugir à realidade supor que toda a floresta amazônica pudesse ser salva por ele.

Conclusão

Do período colonial até o final da década de 1970, o impacto ambiental do cresci-mento econômico não recebeu muita atenção no Brasil. Antes da industrialização, a imensidade do país e seus recursos abundantes tornaram as preocupações conser- vacionistas irrelevantes e a produção agrícola, para exportação e para uso doméstico, abusou dos recursos do país. Na fase de industrialização, os formuladores de política econômica deram ênfase ao crescimento sem quaisquer condições paralelas. Nesta re-visão, mostramos que o descaso com o impacto ambiental por parte da indústria, da urbanização descomedida e da concentração de renda resultante de um desenvolvimento desigual, que se agravou durante o período de industrialização-urbanização, ocasiona-ram problemas de ordem ecológica que gradualmente estão obrigando a sociedade a modificar seu estilo de crescimento. Constatamos também que os fatores ambientais forçaram o Brasil a progressivamente mudar seu desenvolvimento agrícola, passando da expansão das fronteiras para o aumento da produção com base no uso mais inten-sivo da terra já cultivada. Entretanto, incentivou-se a modernização com pouca preo-cupação em relação a suas conseqüências ambientais. Finalmente, a destruição da Região Amazônica, oriunda de considerações geopolíticas equivocadas e esquemas de incenti-vos distorcidos, fez com que tanto as pressões domésticas quanto as internacionais se opusessem e controlassem as forças prontas a explorar os recursos da região. Concluin-do, parece que o Brasil aprendeu que o crescimento a qualquer preço pode ser caro demais para ser mantido indefinidamente, mas vimos neste capítulo que houve mu-danças positivas em muitos aspectos. No entanto, não há dúvida de que as políticas ambientais do país precisam ser aprimoradas consideravelmente.

Notas1. Gostaríamos de agradecer a Marcos Holanda e Curtis McDonald várias sugestões úteis.2. GUIMARÃES, Roberto R “O novo padrão de desenvolvimento para o Brasil: inter-relação do desen-

volvimento industrial e agrícola com o meio ambiente”. In: VELLOSO, J. P. (ed.). A ecologia e o novo padrno de desenvolvimento no Brasil. São Paulo, Nobel, 1993, p. 19.

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3. NASH, Roy. The conquest of Brazil. Nova York, Harcourt, Brace and Company, 1926, p. 290.4. STEIN, Stanley J. Vassouras: a Brazilian coffee country, 1850-1900. Cambridge, Massachusetts, 1970,

P. 214-5.5. Idem, ibid., p. 217-8.6. NASH, op. cit., p. 286-7.7. Para descrições da pobreza urbana no Brasil, veja TOLOSA, Hamilton. ‘ Dimensão e causas da po-

breza urbana”. In: Estudos Econômicos, vol. 7, nü 1, 1977. TOLOSA, Hamilton. “Pobreza no Brasil: uma avali-ação dos anos 80”. In: VELLOSO, J. P. (ed.), op. cit., p. 105-36.

8. MARTINE, George & DINIZ, Clélio Campolina, “Concentração econômica e demográfica no Bra- sib recente inversão do padrão histórico”. Revista de Economia Política, vol. 11, nQ3, jul.-set./1991, p. 121-34.

9. FINDLEY, Roger W. “Pollution control in Brazil”. In: Ecology law quarterly. Berkeley, CA., vol. 15, n -1, P* 31. Findley também descreve um dos piores episódios relacionados à água no Brasil, que ocorreu em 1982.O rio Paraíba do Sul fornece água para a região metropolitana do Rio de Janeiro e localiza-se corrente acima

do rio Paraibuna, cm Minas Gerais, um de seus afluentes. Ao lado de um pequeno córrego que deságua no Paraibuna, encontrava-se, com menos dc três anos de funcionamento, a segunda maior fábrica de zinco... Junto a ela havia um tanque dc decantação contendo entre 30 mil e 40 mil toneladas de metais pesados, quantidade total de detritos produzidos desde sua abertura. Em 12 de maio de 1982, depois de fortes chuvas, houve o rompimento do dique que circundava o tanque e metade dos metais escorreu para o córrego, fluindo para o rio Paraibuna. A corrente tóxica atingiu o Paraíba do Sul cm menos dc 48 horas. Em 19 de maio, os 370 mil habitantes de doze cidades - duas ao longo do Paraibuna e dez margeando o Paraíba do Sul - ficaram sem fornecimento dc água. Muitos peixes foram mortos. Conseqüentemente, houve escassez de alimento e pro-blemas de eliminação dc lixo sólido” (p. 33). Findley também comenta que, caso o acidente tivesse ocorrido riu acima, dc onde o Rio de Janeiro capta a água do Paraíba do Sul, vinte vezes mais pessoas teriam ficado sem fornecimento dc água c milhares de empresas teriam sido fechadas.

10. FINDLEY, op. cit., p. 35; ver também W ILHEIM, Jorge. “Perspectivas urbanas: infra-estrutura, atividades e ambiente”. In: VELLOSO, J. P. (ed.), op. cit., p. 82-3.

11. FINDLEY, op. cit., p. 37.12. Idem. “Cubatão, Brazil: the ultimate failure of environmental planning . In: HAY, P. & HOEFLICH,

M. (eds.), Property law and legal education. Urbana, University of Illinois Press, 1988, p. 53-72.13. Idem, ibid., p. 60.14. GUIMARÃES, op. cit., p. 30.15. CIMA, Comissão Interministerial para a Preparação da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento. Subsídios técnicos para a elaboração do relatório nacional do Brasil para a Cnumad. Brasília, jun./l991, p. 74-5; ver também FINDLEY, “Cubatão, Brazil:... , op. cit.

16. CIMA, p. 95-6.17. BACI IA, José Carlos Caetano de. “O uso sustentável dc florestas: o caso Klabin . In: LOPES, Ignez;

BASTOS FILHO, Guilherme; BILLER, Ban & BALE, Malcom (eds.), Gestão ambiental no Brasil-experiên-cia e sucesso, Rio dc Janeiro, Editora Fundação Getíílio Vargas, 1996, p. 95-123.

18. GUIMARÃES, op. cit., p. 31. Ver também HALL, Anthony L. Developing Amazonia: deforestation and social conflict in Brazil's Carajás Programme. Manchester University Press, 1989.

19. WILHEIM, op. cit., p. 82-3.20. GUIMARÃES, op. cit., p. 30.21. HARDOY, Jorge & SATTE RTHWAITE, David. Squatter citizen - life in the urban third world, Lon-

dres. Earthcan Publications, 1989, p. 160.22. Idem, ibid., p. 150.23. Idem, ibid., p. 151.24. Idem, ibid., p. 154-5.25. Idem, ibid., p. 160.26. TOLOSA, “Pobreza no Brasil op. cit., p. 124.27. Nem todos os sistemas de esgotos apresentam um desempenho adequado e, em alguns casos, as

fossas sépticas são pouco mais elaboradas que latrinas escavadas no solo. Além disso, em áreas muito povoa-das conectadas a esse tipo de fossa pode haver contaminação do solo,

28. MUELLER, Charles C. “Dinâmica, condicionantes e impactos socioambientais da evolução da fron-teira agrícola no Brasil”. In: Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, vol. 26, n2 3: 64-87, jul./set./l992 p. 64-87.

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65. C IM A , op. cit., p. 49-50.66. P e d e -s e aos estados que determinem limites de emissão e padrões de equipamentos aplicáveis a

f o n t e s individuais de poluição que, geralmente, são negociados caso a caso, levando em consideração a capa-c i d a d e econôm ica e técnica da empresa. Ver FINDLEY. “Cubatão, Brazil: ...”, op. cit., p. 24.

67. C IM A . op. cit., p. 50.68. F IN D L E Y , op.cit., 168, p. 51.69. C IM A , op. cit., p.51.70. F IN D L E Y . “Pollution control in Brazil”, op. cit., p. 34.71. C IM A , op. cit., p. 54.72. Idem, ibid., p. 57-8.73. Idem, ibid.., p. 61.74. Para maiores detalhes, ver RUE DA, Rafael Pinzón. “Desenvolvimento histórico do extrativismo”.

In: MUR I E T A , Julio Ruiz & RUEDA, Rafael Pinzón, (eds.), Extractive Reserves, IlICN, Gland, Suíça, Cambridge, Reino Unido, 1995, p. 3-12.

75. Ver CASTILLO, Carlos Aragon, “Viability of the extractive reserves”. In: MURIETA, Julio Ruiz & RUEDA, Rafael Pinzón (eds.), Extractive Reserves, IUCN, Gland, Suíça, Cambridge, Reino Unido, 1995, p. 19-36.

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17Saúde no processo de desenvolvimento do Brasil(em co-autoria com Antonio Campino e Tiago Cavalcanti)

T_JlVl DOS PRINCIPAIS OBJETIVOS do desenvolvimento econômico é melhorar o padrão de vida do cidadão médio de um país. Além de atingir rendas per capita mais altas dentro de um sistema de razoável eqüidade (isto é, evitando uma excessiva concentração de renda), um importante objetivo é trazer também para o ci-dadão médio um padrão decente de escolaridade e saúde. Naturalmente, existe uma quantidade substancial de controvérsia sobre o sentido da causa: uma renda per capita mais alta é o resultado de melhor educação e saúde, ou melhor educação e saúde é o resultado de renda per capita mais alta?

Estudos recentes,1 entretanto, mostraram que saúde e nutrição estão positivamente associadas com ganhos em escolaridade e produtividade, que, por sua vez, se tradu-zem em conquistas no processo de crescimento econômico de longo prazo, como pre-diz a Teoria do Capital Humano.2 Assim, saúde e educação são os canais básicos da formação do capital humano e deveriam ser vistos como investimentos que produzem retornos contínuos no futuro. Embora seja fácil medir retornos para educação, pois anos de escolaridade completos é uma boa proxy para escolaridade, é mais difícil medir os retornos para investimentos em saúde, pois nenhum índice similar para a saúde dos indivíduos está disponível.3 Isto explica, em parte, por que a pesquisa econômica bási-ca sobre investimento em capital humano, por meio de programas de saúde, recebeu menor atenção do que os retornos sobre investimento em educação, a despeito de sua importância para o desenvolvimento e o bem-estar do indivíduo.

Além disso, um aumento da expectativa de vida, por meio de uma melhoria na saúde, reduz a taxa de depreciação e aumenta o retorno do investimento em educação e em programas sociais feitos pelo governo. A morte prematura de um indivíduo

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implica um retorno menor sobre os investimentos públicos nesta pessoa. Do ponto de vista de um país, é também muito difícil avaliar a morte prematura de um cientista oU de um chefe político. Por exemplo, “...qual teria sido a perda se Einstein tivesse morrido durante a epidemia de gripe após a Primeira Guerra Mundial, ou se o último trabalho de Keynes fosse seu Treatise on MoneyV’4

Mesmo que os dados estatísticos mostrem que, juntamente com o crescimento econômico e com o aumento da renda per capita, há uma melhoria geral nas condições de saúde, uma importante questão diz respeito ao grau de participação nessas melhorias de todos os grupos de renda. Exatamente como a distribuição de renda influencia o p erfil da demanda de uma sociedade, pode também influenciar a maneira como os recursos são gastos no serviço de saúde. Isso é muito importante nas sociedades em desenvolvimento, com distribuição de renda viesada, onde o poder político e o status social guiam os fatores institucionais formais e informais que conformam a provisão jos serviços sociais, tais como o serviço de saúde.

Especialistas reconheceram que saúde é um conceito ardiloso. Embora todos pos-sam concordar que saúde é a ausência de doença e enfermidade, observou-se que “... infecção com parasitas intestinais ou desnutrição de primeiro grau (moderada), que sJo entendidas como doença em países com altos padrões de saúde, podem ser tão c0muns em países com padrões mais baixos que não são mesmo reconhecidas como anormais.”5 Além disso, as estatísticas sobre saúde freqüentemente deixam a desejar,«... não somente pela ausência de uma definição clara de doença, mas porque muitas p e s s o a s doentes nos países pobres nunca consultam um médico ou entram num hos-p ita l , e assim não entram em contato com o sistema estatístico”.6

É dentro desse contexto que examinaremos como o crescimento e o desenvolvi-mento econômico do Brasil se manifestaram na saúde e no sistema de serviço de saúde deste país. Primeiro, examinaremos a evolução geral dos dados sobre saúde do Brasil- Isso será seguido por um levantamento da alocação de recursos para o serviço de s a ú d e do país e da evolução de seu sistema de oferta desses serviços.

Informações sobre saúde

A saúde da população do Brasil melhorou substancialmente ao longo do século XX. A Tabela 17.1 mostra que a expectativa de vida ao nascer cresceu de 43 anos na década de 1930 para quase 68 anos na década de 1990. Entretanto, o Brasil ainda está atrás tanto dos países industrializados como da média da América Latina, enquanto houve variação regional considerável dentro do país, com o Nordeste bem atrasado ern relação ao Sudeste. A Tabela 17.2 mostra também um declínio dramático da mortalidade infantil de 158 por mil na década de 1930 para 40 por mil na década de1990. Novamente, o Sudeste do Brasil tinha taxas de mortalidade infantil menores qye a média da América Latina. Uma estimativa do Banco Interamericano de Desen- vc,lvimento sobre as condições de saúde da América Latina poderia também aplicar- se ao caso específico do Brasil quando concluiu que “... a América Latina e o Caribe e)Cperimentaram claramente melhorias na mortalidade infantil, expectativa de vida e cobertura nos últimos trinta anos. Mesmo assim, dados seus níveis de educação e

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Tabela 17.1Expectativa de vida ao nascer

1930/40 1940/50 1950/60 1960/70 1970/80 1998

Brasil 42,74 45,90 52,37 52,67 60,08 67,91Nordeste 37,17 38,69 43,51 44,38 51,57Sudeste 44,00 48,81 56,96 56,89 63,59América Latina 55,2 69,0Países industrializados 68,6 73,8

Fonte: IBGE. Estatísticas Históricas cio Brasil, 1986; Brasil em Números, 1997 e UNPD. Human Development Report, 1997.

Tabela 17.2 Mortalidade infantil (por mil)

1930/40 1940/50 1950/60 1960/70 1970/80 1998

Brasil 158,3 144,7 118,1 116,9 87,9 40,0Nordeste 178,7 174,3 154,9 151,2 121,4 63,1Sudeste 152,8 132,6 99,9 100,2 74,5 26,8

1996: Estados Unidos - 13; Alemanha - 5; Suécia - 4; Reino Unido - 6; México - 32; América Latina - 38. Fonte: As mesmas da Tabela 1 e World Bank, World Development Report.

renda, a região deveria estar desfrutando condições de saúde muito melhores. Em vez disso, os países têm sérios problemas de cobertura limitada, qualidade do serviço baixa ou declinante e custos crescentes” .7

As melhorias que aconteceram estavam, em parte, ligadas à modernização tangível da infra-estrutura sanitária do país. Houve uma expansão substancial na proporção da população com acesso à água tratada de 33% da população em 1970 para 72% em 1995. O acesso ao saneamento, entretanto, que era de 26,6% em 1970, ainda estava somente em 40% em 1995, consideravelmente mais baixo que nos países industrializados ou na média da América Latina (Tabela 17.4). A população, por médico e por enfermeiro, no Brasil era substancialmente mais alta que nos países industrializados ou na Argentina (Tabela 17.3).

A estrutura de mortalidade foi mudando ao longo da segunda metade do século XX, refletindo o padrão epidemiológico associado a mudanças na estrutura demográfica da população. Com a expectativa de vida ao nascer aumentando, há um crescimento de doenças relacionadas às condições degenerativas crônicas. Entretanto, quando compa-rado às regiões economicamente mais avançadas ou às Américas como um todo (ver T a-bela 17.6), será observado que uma grande proporção das causas de morte no Brasil na década de 1990 ainda estava associada a um menor padrão de vida de uma parcela con-siderável da população, tais como: doença pulmonar obstrutiva, doenças do aparelho digestivo, condição perinatal, etc.

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Tabela 17.3Indicadores de saúde

População por médico

População por enfermeiro

Prevalência de desnutrição (%) de crianças menores de 5 anos

Brasil 847 3,448 7

Chile 943 3,846 1

Argentina 329 1,786 2

México 621 14

Canadá 446

Suécia 395

Dinamarca 360

Estados Unidos 470 (1984) 70

Alemanha 380 (1984) 230

Fonte: World Bank, World Development Report.

Tabela 17.4Infra-estrutura sanitária (% da população)

Acesso a tratamento de água Acesso a saneamento

1980 1995 1980 1995

Brasil 72 41

Estados Unidos 90 98 85

Reino Unido 100 96

Alemanha 100

México 83 66

América Latina 60 75 61

Fonte: World Bank, World Development Report', UNDP, Human Development Report, 1997.

No que diz respeito à hospitalização, verificou-se que 25,8% delas estão relaciona-das à gravidez e às complicações do parto. Doenças respiratórias (16%), doenças do aparelho circulatório (9,96%) e doenças parasitárias e infecciosas (8,79%) são respon-sáveis pelas freqüências subseqüentes, fornecendo “... um quadro do padrão epidemiológico brasileiro, em que doenças degenerativas crônicas coexistem com do-enças parasitárias e infecciosas, devido ao abismo social que ainda prevalece...” .8

Em suma, os problemas de saúde no Brasil abrangem tanto as doenças de bebês e crianças (como a diarréia) como as doenças crônicas e degenerativas de uma popu-lação idosa. “Gomo o país passa pela transição epidemiológica dos padrões de doença do mundo em desenvolvimento para aquelas dos países industrializados, ambos os conjuntos de problemas de saúde necessitam de determinado tratamento.”9 Diferen-

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ças regionais também agravam o custo dessa transição. Enquanto as regiões mais ricas, Sudeste e Sul, têm estatísticas sobre saúde similares àquelas do mundo desenvolvido, as regiões mais pobres, Norte e Nordeste, possuem padrões de saúde similares àque-les encontrados nos países africanos pobres, como a Etiópia.10

Saúde e serviço de saúde no Brasil antes de meados da década de 1980

A Previdência Social foi criada em 1923, e, a partir desse ano, começaram a ser oferecidos à população urbana inserida no mercado formal de trabalho serviços médi- co-assistenciais. A população não protegida pela Previdência Social era atendida pelo Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais de Saúde, agências municipais e institui-ções filantrópicas. O Poder Público era também responsável pelas ações de interesse coletivo, como o controle de endemias e a vigilância sanitária.

Até 1964, apesar do crescimento da cobertura dos serviços previdenciários, apenas 22% da população brasileira tinha acesso aos benefícios da assistência médica da Previdência Social. Nas décadas de 1960 e 1970 iniciaram-se, com recursos da Pre-vidência Social, ações que visavam universalizar o acesso aos serviços médico- assistenciais.

Em meados da década de 1960, a população rural foi incorporada como beneficiária da Previdência Social, passando a ter acesso a serviços médico-assistenciais. Em 1974, qualquer pessoa, independentemente de vínculo previdenciário, passou a ter atendi-mento garantido em situações de emergência.11

Essas medidas concorreram para o aumento da cobertura populacional: o número de internações providas pela Previdência Social, que correspondia a 3,2% da popula-ção em 1971, passa a 8,8% em 1979; e o número de consultas por habitante/ano que era de 0,5 em 1971 passa a 1,3 em 1979.12

Em conseqüência dessas medidas, os gastos com a saúde no Brasil cresceram, passando de 1% para 2% do PIB na década de 1950 e para cerca de 6% em meados da década de 1980 (comparados a 11% nos Estados Unidos, 9,2% na Alemanha, 9,7% na Argentina e 10% na Suécia). Em termos absolutos, os gastos per capita com saúde no Brasil somavam US$ 80 em 1982, enquanto os Estados Unidos, à mesma época, estavam gastando 15 vezes mais.13

É notável que, enquanto o governo brasileiro gastava somente 1% do PIB com saúde em 1950, a maioria desses recursos se destinava à medicina preventiva e aos programas de saúde pública. Nas quatro décadas seguintes, a maior parte do crescimento dos gas-tos com saúde ocorreu em medicina curativa individual, de modo que, em 1982, esses gastos foram responsáveis por cerca de 85% dos gastos totais com saúde.14 Uma vez que a maioria dos serviços médicos era fornecida pelo sistema de Previdência Social, que cobria principalmente trabalhadores e empregados no setor formal,15 o governo reforçou a desigualdade, negligenciando serviços preventivos destinados, em primeiro lugar, a impedir as pessoas de ficarem doentes.16 Portanto, os beneficiários da renda em gastos com saúde foram principalmente as classes de renda média e alta dos centros urbanos no Brasil, que estão concentradas no Sudeste mais rico.

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T abela 17.5Gastos públicos com saúde como % do PIB

(dado disponível do ano mais recente no período 1990-7)

Brasil 1,9%

4,3%

6,6%

5,8%

7,2%

2,8%

Argentina

Estados Unidos

Reino Unido

Suécia

México

Fonte: World Bank, World Development Report, 1999/2000.

O governo federal ajudou a financiar o sistema médico-hospitalar por meio do Inamps, financiando os pagamentos dos serviços de saúde pela arrecadação sobre a folha de pagamento e financiando a construção de hospitais privados por meio de empréstimos subsidiados.17 No início da década de 1980, 90% da população estava supostamente coberta pelo sistema de Previdência Social, que destinava um quarto de seus fundos ao serviço médico e hospitalar. Também, um fundo especial para o desenvolvimento social (FAS), criado em 1974, financiou a construção de mais de 30 mil leitos hospitalares, dos quais três quartos estavam no setor privado. '* O Ministério da Saúde forneceu ambulatório e serviços preventivos, e seu financiamento caiu subs-tancialmente na década de 1970. É notável que, em tempos de crises econômicas, quando havia necessidade de ajustamentos fiscais, os programas de serviço de saúde preventiva geralmente sofreram reduções substanciais.19 Entre 1980 e 1983 os gastos federais com saúde reduziram-se em 20%.20

Durante todo o período, houve uma luta entre o Ministério da Saúde, que tentava tratar os principais problemas de saúde pública (tais como, tuberculose, outras doenças parasitárias e infecciosas, gripe, pneumonia, bronquite, diarréia), o Ministério da Pre-vidência Social e o Inamps, que representavam os interesses médicos e hospitalares.

Regionalmente, no início da década de 1980, o governo redistribuiu alguns recursos das regiões mais ricas para as mais pobres. Arrecadou 9% de financiamento para gastos com saúde no Nordeste, enquanto gastava 17,2% naquela região. Ainda, a despeito dessa redistribuição, os gastos federais com saúde eram duas vezes mais altos no Sudeste, mais rico do que no Nordeste.21 Em 1980, havia 32 milhões de visitas médicas registradas no Nordeste, somando menos que uma por pessoa, enquanto no Sudeste havia 1,7 visita per capita.22

A precariedade do sistema de saúde no Brasil, nesse período, pode ser vista pelo fato de que, em 1973, metade dos 4 mil municípios do país não tinha nenhum clínico residente. A maioria desses municípios estava localizada no norte e nordeste do país, mas, mesmo no Estado de São Paulo, avançado economicamente, quase um terço dos municípios não tinha clínico.23

Na década de 1980, o sistema médico-hospitalar reuniu a maior parte dos serviços do sistema de saúde. Em 1981, mais de 85% dos gastos hospitalares destinavam-se a

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Tabela 17.6Principais causas da mortalidade (%)

Brasil (1994) Américas (1998) Europa (1998)

Doença cardíaca 7,7% 17,9% 25,5%Doença cérebro-vascular 9,3% 10,3% 13,7%Infecção respiratória menos aguda 9,1% 4,2% 3,6%HI V/AI DS 4,5% 1,8% 0,2%Doença pulmonar obstrutiva crônica 7,1% 2,8% 2,7%Diarréia 4,2% 2,0% 0,7%Condições perinatal 4,2% 2,6% 1,2%Tuberculose 1,0% 0,6%Câncer de traquéia/brônquios/pulmões 3,2% 4,2%Acidentes rodoviários 3,3% 3,1% 1,9%Outras* 49,4% 51,1% 45,7%Total 100,0% 100,0% 100,0%

*No caso do Brasil, as seguintes causas estão incluídas sob “Outras”: Homicídios ■ 3,7%; Outros acidentes e efeitos adversos de drogas e medicamentos - 2,3%; doenças hipertensivas - 2,0%.

Fontes: IBGE, Brazil in numbers (Rio de Janeiro, 1997); WHO, The World Health Repor, 1999.

estabelecimentos privados; assim a forma predominante de distribuir serviços mé- dico-hospitalares...(era)... por meio do setor privado com reembolso dos gastos pelo governo por meio do Inamps”,24 enquanto os custos do sistema eram altos e a oferta para os pobres, precária. Isso está em contraste com o mais típico arranjo nos países em desenvolvimento, onde uma grande proporção do serviço de saúde é estendida aos estabelecimentos públicos (A Tabela 17.7 descreve a distribuição dos estabeleci-mentos públicos e privados no Brasil).25 Muitos clínicos brasileiros, especialmente nas grandes cidades, continuam trabalhando como empregados, em regime de tempo parcial, em diversos empregos, uma vez que, “... além de seu trabalho em clínicas públicas, cada médico trabalha normalmente em um estabelecimento privado. Tipi-camente, eles usam seu emprego em clínicas públicas como um meio para recrutar pacientes em um estabelecimento privado, onde, do ponto de vista do médico, ele pode oferecer um serviço de melhor qualidade com base em uma remuneração pelo serviço e onde o cliente pode desfrutar uma maior atenção pessoal... Assim, os esta-belecimentos de responsabilidade do governo... foram, em 1981, responsáveis por 43% das consultas médicas e dentárias, mas somente por 10% de admissões hospi-talares. Clínicos, dentistas e hospitais particulares conduziram 30% das consultas mé-dicas e dentárias e 86% de admissões hospitalares...”.26

Estudos também mostraram que os hospitais públicos eram subutilizados na dé-cada de 1980. Isso foi atribuído tanto aos estabelecimentos ineficientes e obsoletos como ao fato de que os acordos do Inamps com esses hospitais davam uma remune-ração muito abaixo daquela paga aos hospitais com fins lucrativos. Além disso, como as consultas iniciais ocorriam em estabelecimentos públicos, os clínicos tinham uma tendência em fazer referências aos hospitais privados. Em geral, o sistema desenvol-vido no Brasil encorajava os clínicos a recomendar grande quantidade de serviços,

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Tabela 17.7 Distribuição dos estabelecim entos públicos e privados no Brasil (%)

Com leitos Sem leitos

Público Privado Público Privado

1978 19% 81% 70% 30%1980 20% 80% 71% 29%1988 26% 74% 74% 26%1990 28% 72% 77% 23%

Fonte: IBGE e World Bank (1994).

além da consulta inicial. Enquanto o padrão internacional é de 23 exames comple- mentares para cada 100 pacientes consultados, os hospitais privados brasileiros, con-tratados pelo Inamps, executaram 130 exames para cada 100 pacientes consultados, em 1981. Os sistemas público e privado realizaram juntos 95 exames para cada 100 consultas e foi verificado pelos especialistas que provavelmente 80% deles eram desnecessários.27 O grande número de cesarianas reforça esse ponto. Cesarianas foram realizadas por todo o Brasil a taxas excessivas, especialmente no Sudeste, que é a região mais rica. O parto por cesariana ocorreu, em média, em 32% de todos os nascimentos naquela região em 1986, aumentando sua freqüência com o nível de renda que, por sua vez, está inversamente relacionado aos riscos maternais.28

Desde a década de 1970, o sistema médico do Brasil tem sido caracterizado por uma rápida expansão de equipamento médico de alta tecnologia. Tomando-se como base o número 100 em 1970, as consultas médicas cresceram para 565 em 1981 e as hospitalizações para 469, os exames de raio X expandiram-se para 1.036 e outros exames complementares para 1.530. O estudo de McGreevey et al. afirma que muitos desses exames não eram necessários, mas que “... existe agora no Brasil um complexo médico-industrial avantajado que vende o filme e produtos relacionados para o siste-ma de saúde e, assim, tem motivo para repelir mudanças.”29 Até a década de 1980, o sistema de saúde do Brasil poderia enquadrar-se facilmente na crítica feita ao sistema de saúde da América Latina pelo relatório do BID, no qual se afirmava que, “... para o sistema de saúde da América Latina e do Caribe, as maiores questões são sua organização e suas formas particulares de alocar recursos. Essas encorajam custos cres-centes, desencorajam o esforço de provedores, direcionam-se menos para atividades menos efetivas em relação ao custo e resultam em cobertura desigual entre regiões e classes de renda.”30

Neste ponto, podemos observar que, a despeito das altas taxas de crescimento e das melhorias no sistema de saúde no período anterior a meados da década de 1980, a concentração de renda refletiu-se em um sistema de saúde que fornecia, razoavel-mente bem, serviços sofisticados para as classes média e alta, mas negligenciava ser-viços básicos para a população rural e urbana pobre.

Durante esse período, movimentos sociais emergiram, reagindo contra esse mode-lo de serviço de saúde altamente desigual e que implicava mau uso de recursos. Eles

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demandavam uma Reforma Sanitária para garantir direitos iguais a todos os ci-dadãos e mudar a ênfase de medidas curativas para preventivas, tais como, vacinação e saneamento”.31 Essa reforma entrou em vigor em 1984, com as Ações Integradas de Saúde (AIS) e, posteriormente, em 1987, com o Serviço Unificado e Descentralizado do Sistema de Saúde (SUDS). Culminou, então, com a Constituição de 1988, como veremos a seguir.

A Constituição de 1988 e seu impacto sobre o sistema de distribuição de saúde no Brasil

A Constituição de 1988 declarou o direito de “acesso igual e universal aos serviços...(de saúde)”,32 qualquer que seja a renda ou ocupação da pessoa. Levou à integração do Inamps e Ministério da Saúde, criou o SUS (Serviço Unico de Saúde) e declarou que todos os serviços deveriam ser fornecidos pelos municípios, com assis-tência técnica e financeira do governo federal e dos estados.33 O Sistema Único de Saúde (SUS) é visto como uma consolidação dos esforços que começaram com as Ações Integradas de Saúde (AIS) e o Sistema Unificado e Descentralizado do Sistema de Saúde (SUDS). É creditado por alguns,34 com eficiência e coordenação aprimoradas na distribuição e descentralização estimulada (municipalização), um importante elemento em um país do tamanho do Brasil. Com o SUS, espera-se que os governos municipais constituam um “sistema único”, sendo responsáveis pela administração dos serviços de saúde pública e deixando tarefas mais gerais para o governo central.35 Identifica-mos, portanto, duas implicações maiores da Reforma da Saúde Brasileira: primeiro, a cobertura foi estendida a todos os cidadãos; segundo, as provisões do serviço de saúde foram descentralizadas.

A Constituição é vaga, entretanto, na fixação da exata responsabilidade de cada esfera do governo, mas altamente específica sobre a distribuição dos fundos federais entre as três esferas. Estima-se que a participação do governo federal declinou de um pouco mais de 50% do final da década de 1970 para 36,5% ao final de 1993, enquanto a participação dos estados aumentou um pouco e a dos municípios passou de 14% para 22%. Se essa é uma bonança ou um ônus para os governos locais depende de suas responsabilidades aumentarem para menos ou para mais com relação a suas receitas. Foi observado que, embora a Constituição de 1988 estabelecesse as bases para um sistema descentralizado, “... as extravagâncias de responsabilidades associadas com ... (a transferência de recursos do governo federal para o local)... deixam o sistema aberto para o abuso e o caos. Não está claro que entidade ou esfera do governo tem autorida-de máxima para controlar o sistema ou seus custos. Todas as esferas do governo conti-nuam envolvidas com financiamento e distribuição do serviço”.36

No início da década de 1990, havia 5.500 municípios no Brasil e à maioria era dada mais autoridade sobre saúde do que poderiam administrar. Grandes municípios (com populações de mais de 1 milhão de habitantes) beneficiaram-se do sistema por meio de economias de escala e da presença de burocracias mais competentes e responsá-veis, enquanto municípios menores (5 mil a 30 mil habitantes) não tinham nem com-

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petência administrativa nem recursos para controlar e distribuir serviços de saúde de maneira efetiva, por isso, em muitos casos, os governos estaduais permanecem como administradores e mesmo como provedores.

Nos primeiros quatro anos da municipalização dos serviços de saúde no Brasil, ocor-reu um boom de construção de clínicas públicas, especialmente em municípios meno-res. A maioria nunca foi concluída por insuficiência de fundos. Assim, a idéia de que maior responsabilidade com gasto público resultaria da descentralização, quando os governos locais estavam sujeitos a maior responsabilidade, foi colocada em dúvida. Lewis e Mediei concluíram que "... dados os incentivos com que se defrontam os prefeitos, é provável que eles gastassem exatamente nos projetos caros de construção, tais como, hospitais e clínicas, deixando os problemas de custos operacionais para os futuros prefeitos”.37 A descentralização também induz pequenos municípios a ter seu próprio hospital, o que, dados os altos custos fixos para construção e manutenção, pode gerar um número maior de hospitais do que é preciso para atender às necessidades da população.

Durante toda a década de 1970 e início da de 1980, os custos do Inamps subiram muito, na medida em que aumentaram os contratos particulares e havia pouco con-trole sobre o consumo do serviço de saúde. A despeito das tentativas de melhorias no sistema de auditoria, havia crescentes problemas de administrar a prestação de contas, de prever gastos em nível federal e hospitalar e acusações correntes de fraude. Isso levou à criação de uma comissão de especialistas que estabeleceram parâmetros-chave para um novo sistema. Deu-se prioridade a: a) permitir acesso dos pacientes aos serviços de sua escolha; b) definir padrões para a participação dos hospitais no sistema; c) definir mecanismos para reajustar pagamentos para os provedores; d) determinar critérios para a admissão do paciente no hospital; e) separar pagamento de hospital e de clínico; f) facilitar supervisão e controle financeiro e g) ligar os pagamentos ao desempenho do hospital. Sob o novo sistema, os provedores recebiam uma quantia fixa, de acordo com o diagnóstico, usando custos médios e códigos da Organização Mundial da Saúde para fixar os níveis de pagamento.38 Para suplementar o financia-mento à internação de pacientes, o governo federal, em 1990, instituiu um sistema prospectivo de pagamento para paciente de ambulatório, UCA (Unidade de Cober-tura Ambulatorial), que incluía serviço de emergência e cuidados ao paciente de ambulatório, sob um sistema de pagamentos separados. A idéia era suprimir incen-tivos da hospitalização, e reembolsar os hospitais pela atenção aos pacientes ambu- latoriais, bem como aos pacientes internados.

Ao final de 1991, o sistema SUS admitia 1,2 milhão de pacientes por mês com permanência média de 6,4 dias. Esse dado foi considerado baixo quando comparado a outros países desenvolvidos e em desenvolvimento. O uso do hospital, entre 1987 e1991, cresceu 53%, enquanto a população crescia menos de 2% ao ano. Lewis e Mediei declaram que “... parte do crescimento é devida à abertura do sistema a todos os cida-dãos, o restante é atribuído à fraude em contas “fantasmas” e à sofisticação crescente de residentes urbanos que querem serviços hospitalares”.39 Este aumento no uso de hospital pela universalização e o aumento na expectativa de vida colocou em dúvida a

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capacidade do governo de enfrentar essa demanda crescente pelos serviços de saúde, a despeito da recessão enfrentada pelo país e sua crise orçamentária.

Contribuições do setor público e do setor privado para o serviço de saúde do Brasil

O setor privado poderia participar da estrutura SUS de maneira complementar, como provedor. A relação entre administradores públicos e provedores privados era dada pelos contratos e pagamentos feitos sob a forma de “pagamento por serviço” (“fee for service”).

A maioria do sistema de atenção à saúde do Brasil é particular, devido ao fato de o crescimento dos serviços, na década de 1980, ter sido atendido principalmente pela construção de hospitais privados, os quais se beneficiaram de empréstimos subsi-diados do Estado. O setor privado dominou a oferta de pacientes internados, enquan-to o setor público construiu a maior parte da infra-estrutura do serviço ambulatorial. Em 1987, o Inamps financiou 64% de todas as permanências em hospitais (internações hospitalares), das quais menos de 20% eram em hospitais públicos; o Inamps também pagou mais de 70% dos serviços com pacientes ambulatoriais, sendo metade em estabelecimentos públicos. Na década de 1990, 80% dos leitos hospitalares eram par-ticulares, enquanto o setor público forneceu 70% do serviço ambulatorial. O governo federal é a principal fonte de recursos financeiros dos gastos com saúde pública (cerca de 65%), enquanto estados e municípios contribuem com 20% e 15%, respectivamen-te. E claro que o governo é o principal pagador de serviços de saúde, especialmente serviços de hospital, que é a parte mais onerosa. Os gastos com saúde pública na década de 1990 somavam somente cerca de 1,9% do PIB (ver Tabela 17.5), enquanto 1,5% vinha do setor privado.

A distribuição da atenção de saúde

Dada a continuidade de problemas nos serviços de saúde fornecidos pelas insta-lações públicas (tais como, filas, carência de médicos em serviços básicos, carência de padrões de conforto mais altos), o sistema privado começou a crescer, provendo ser-viços para as classes média e alta que compram planos de saúde e para as pessoas empregadas no mercado de trabalho formal, para quem os empregadores pagam pla-nos de saúde. A Tabela 17.8 mostra a distribuição de pessoas que compram planos de saúde por quintil da distribuição de renda. Observamos que, quando a renda aumen-ta, a percentagem de indivíduos com planos de saúde aumenta (passa de 1,4% no quintil mais baixo para 63,4% no quintil mais alto).

O setor privado oferece serviços primários e de internação. Entretanto, para ser-viços que requerem tecnologia mais alta, mesmo os grupos de renda mais alta usam os serviços públicos de saúde devido à sua menor disponibilidade no setor privado.

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Tabela 17.8Distribuição de planos de saúde (%)

Quintil de renda

Plano de saúde ? 1 2 3 4 5

Sim 1,40% 5,00% 16,80% 34,50% 63,40%

Não 98,60% 95,00% 83,20% 65,50% 36,60%

Fonte: CAMPINO et al. (1999).

Assim, paradoxalmente, “... as classes (renda) mais baixas e as pessoas do mercado de trabalho informal têm poucas oportunidades de acesso a esses tipos de serviços pú-blicos. Em muitos casos, eles não têm a informação necessária sobre suas necessi-dades para esses serviços e, mesmo se a tivessem, não têm os meios para entrar em contato com eles”.40 Foi estimado que, em meados da década de 1990, cerca de 37 milhões de habitantes usaram o sistema privado (ao redor de 23% da população).

O estudo sobre o setor saúde na América Latina, publicado em 1996 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, chegou a conclusões que facilmente se adaptam ao Brasil. O estudo verificou que há “... um imenso setor privado que administra ao redor da metade de todas as visitas médicas e aproximadamente de um quarto de permanências hospitalares. O sistema é de propriedade privada e tende a ser finan-ciado diretamente pelos usuários, que têm pouco controle sobre os serviços e que assumem inteiramente o risco. A regulamentação do governo é mínima... Para a po-pulação com maior capacidade de pagar, os serviços de saúde tendem a ser mais integrados e controlados por arranjos financeiros independentes”.41 Na América La-tina, os governos têm estado cada vez mais envolvidos com os serviços de saúde por meio de provedores públicos. Esses serviços de saúde têm geralmente sido financiados por impostos gerais. Os limites de financiamento eram vagos e existia uma pobre coordenação entre os vários tipos de serviços. A alocação de recursos tem pouca co-nexão com a demanda, mas está vinculado à disponibilidade de insumos. A centrali-zação destes últimos freqüentemente dificulta a obtenção pelos hospitais ou clínicas da mistura necessária de insumos no tempo certo. Empregados nos serviços de saúde do governo têm estabilidade no emprego com um salário fixo e pouco incentivo para fazer satisfatoriamente seus trabalhos. Muitas vezes, os clínicos, que também estão vinculados a serviços públicos e privados, usam sua posição no primeiro “... para obter acesso aos estabelecimentos públicos, enquanto oferecem serviços privados que asse-guram pagamento adicional para cada v isita... e... desde que o uso de um sistema de preço é proibido, os estabelecimentos públicos estão inundados de pacientes, a ponto de a qualidade do serviço declinar e a espera em filas tornar-se longa”.42

446

Page 434: Economia Brasileira - Werner Baer

Condição da saúde no Brasil

Uma pesquisa especial, realizada em 1996-97 nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, revelou desigualdades substanciais no sistema de saúde do país.43 Verificou-se que a saúde melhora quando o nível de renda aumenta. Os entrevistados pela pes-quisa foram classificados em dois grupos: aqueles que declararam que sua saúde era boa ou muito boa, e aqueles que indicaram que sua condição de saúde era inadequa-da. Verificou-se que 80,9% da população estavam no primeiro grupo e 19,1%, no último. O exame dos resultados por quintil da distribuição de renda mostrou que aqueles cuja condição de saúde era boa ou muito boa aumentaram de 76% no quintil mais baixo para 87% no quintil mais alto. Verificou-se também que, com rendas crescentes, há um aumento na proporção de pessoas com problemas cardíacos, hiper-tensão e diabetes, enquanto há um declínio em problemas do aparelho digestivo e doenças neuropsiquiátricas.

Demanda por serviços de saúde

A demanda por serviços de saúde pode ser dividida em três: por tratamento de problemas crônicos, por problemas passageiros (serviços curativos) e por prevenção. Na pesquisa mencionada, verificou-se que, quando a renda aumenta, há um aumento na proporção de pessoas que usam serviços médicos e fazem exames periódicos. Além disso, a demanda por serviços curativos de saúde aumentou claramente com os níveis de renda, pois somente 47% das pessoas no quintil mais baixo procuravam esse serviço, proporção que atingia 69% no quintil mais alto.

A pesquisa revelou que os grupos de renda mais baixa estavam obtendo atendi-mento nos hospitais ou centros públicos de saúde e as classes mais ricas em estabe-lecimentos privados (hospitais, clínicas e consultórios médicos) (ver Tabela 17.9). Deveria ser observado, entretanto, que muitas pessoas dos grupos de renda mais alta receberam atendimento em hospitais públicos quando sua doença exigia tratamentos mais onerosos, de alta tecnologia, que não estão necessariamente disponíveis em hospitais privados (por exemplo, o Incor - Instituto do Coração de São Paulo).

Gastos com saúde

A pesquisa mostra que os gastos com saúde cresceram com os níveis de renda. O crescimento foi bem substancial entre os quintis 4 e 5 (157%). Os gastos no quintil 5 foram quase 6,5 vezes o de pessoas no quintil 1. No primeiro quintil, apenas 1,4% possuía algum tipo de seguro-saúde, comparado aos 34% no quintil 4 e 63,4% no quintil 5.

Dados os maiores recursos financeiros e de seguro dos grupos de renda mais alta, não é surpresa que os indivíduos nos quintis mais altos revelem mais problemas crônicos de saúde do que aqueles dos quintis mais baixos. Duas explicações são

447

Page 435: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 17.9Distribuição do acesso aos serviços hospitalares

Quintil de Renda

1 2 3 4 5 Total

Centros e Hospitais Públicos 80,70% 80,40% 67,60% 42,50% 18,70% 54,70%

Clínicas e Hospitais Privados 9,70% 13,50% 25,80% 52,90% 76,60% 39,80%

Outros 9,60% 6,10% 6,60% 4,60% 4,70% 5,50%

Fonte: CAMPINO et ai (1999).

possíveis: ou os indivíduos dos grupos de renda mais baixa estão menos cientes de seus problemas de saúde ou, como um resultado de seu perfil demográfico, apresen-tam poucos problemas crônicos.

A pesquisa verificou que há sinais consistentes de desigualdade em relação à utilização dos serviços de saúde a favor dos indivíduos nos níveis de renda alta.

Financiamento do serviço de saúde

Atualmente, há quatro fontes básicas de financiamento do serviço de saúde no Bra-sil. Essas fontes incluem dois tipos de impostos indiretos, uma contribuição de um imposto sobre transações financeiras e recursos do Fundo de Estabilização Fiscal.

O artigo 198 da Constituição do Brasil afirma que o SUS deve ser financiado por recursos do orçamento da Previdência Social do governo federal, dos estados (inclu-indo o Distrito Federal) e dos governos municipais. A Constituição não indica fontes específicas das quais cada esfera do governo financiaria suas contribuições para saúde. Em 1995, último ano para o qual há informação consolidada, a contribuição do gover-no federal somou 63%, dos estados, 21% e dos municípios 16%. A parcela do governo federal veio de contribuições sociais ligadas ao orçamento da Previdência Social. Na década de 1990, havia cinco fontes de financiamento:

1) Contribuição sobre o lucro líquido das empresas (CSLL), cuja parcela da recei-ta total do Ministério da Saúde, em 1994, foi 12,8% e nos anos 1995-97 foi 9,27%.

2) Cofins, criado em 1982, que incide sobre o faturamento das empresas. A base de cálculo é a renda operacional ou os lucros das empresas. Os recursos desta fonte corresponderam a 49,08% da receita do Ministério da Saúde em 1995 e 25,05% em 1998.

3) CPMF, instituída em 1997 como um imposto temporário sobre transações fi-nanceiras. Os recursos dessa fonte corresponderam a 27,8% da receita do Mi-nistério da Saúde em 1997 e 33,9% em 1998.

4) Fundo de Emergência Social, criado em 1994, quando sua parcela foi 36,8% da receita do Ministério da Saúde, declinando para 12% em 1998.

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Page 436: Economia Brasileira - Werner Baer

5) Outras fontes: a composição de seus recursos variou de ano para ano, ma principal fonte foram, geralmente, os recursos ordinários do esouro e as p rações de crédito interno. Sua parcela foi, em média, 18% em mea os a de 1990.

Estudos sobre o sistema tributário do Brasil mostraram que, entre os princ p impostos que financiam a saúde, o único que mostra indicações c aras e regressividade é a CSLL. O imposto financeiro CPMF gerou alguma controvérsia sobre seu grau de regressividade. Uma escola de pensamento argumentou q imposto é progressivo porque as pessoas com rendas baixas não se uti ízam o si bancário. Outros reivindicam, entretanto, que, atrás das transações manceiras, funcionamento da economia real que utiliza o sistema bancário como interm para suas trocas e, assim, o imposto permeia todas as transações economicas.

Conclusão

Neste capítulo, descrevemos a situação da saúde da popu ação o rasi, o sr de saúde brasileiro, e suas implicações para o processo de desenvo vimento. tenha havido melhorias substanciais nas últimas décadas, o Brasi ain a tem u drão epidemiológico em que ainda prevalecem doenças infecciosas e parasitaria como, cólera, malária, etc.), devido à deficiência de infra-estrutura sanitaria a ecl Esse padrão está rigorosamente associado à alta concentração e ren a 0 Enquanto as classes de renda média e alta podem comprar planos e sau j tipo de serviço de saúde similar ao que é usado em países in ustriais avanç > pobreza urbana e a população rural têm acesso limitado aos serviços pusaúde, que são, na maior parte, bem precários.

Nas duas últimas décadas do século XX, principalmente epois a m ro Constituição de 1988, o Brasil implementou uma reforma institucional no sistema de saúde para promover igualdade e eficiência na provisão dos serviços.^ ssa r teve sucesso apenas limitado. Os objetivos oficiais das novas instituições lv^rS de seu impacto real devido à deficiência de execução adequada pe o governo Por exemplo, as extravagâncias na legislação levaram a uma issipaçao e quando sua distribuição se tornou cada vez mais descentraliza a. ronicame , objetivo dessa descentralização foi aumentar a eficiência na o erta e se çsaúde 7

Mostramos neste capítulo que a melhoria no perfil da saúde de um P desenvolvimento depende não somente da proporção de seus recursos es í saúde, mas também de como esses recursos são gastos e quem tem acesso a e es^ alta concentração de renda do Brasil resultou em uma distorção os gastos con ,enfatizando a medicina curativa em prejuízo da medicina preventiva, e a P°P^ das classes de renda mais alta foi capaz de usar a infra-estrutura a sau e o vantagem própria, muitas vezes à custa das necessidades dos gruposbaixa.

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Page 437: Economia Brasileira - Werner Baer

rsíotas

1. BEHRMAN (1996); LEV IN G ER (1992) & M A R TO R ELL (1993).2. MUSHKIN (1962) & SCHULTZ (1962).3. De fato, há vários índices para saúde, mas nenhum deles é superior aos demais e eles são intrinseca-

m e n te complementares. Por razões óbvias, não podemos usar gastos com saúde como uma proxy para o status cJe saúde dos indivíduos.

4. MUSHKIN (1962), p. 131.5. GILLIS etal. (1996), p. 273.6. Idem, ibid.7. Inter-American Development Bank (1996), p. 301.8. Brasil em Números (1997), p. 89.9. World Bank (1994), p. 7.

10. World Health Report (1999) and Ministério da Saúde Brasileiro (1997).11. PAULANI, L. M. (1999).12. VIANNA, S. M. etal., 1987, p.21, citado em PAIJLANI, L. M. (1999).13. McGREEVEY et al. (1989), p. 313.14. O sistema individual curativo foi financiado por meio de um imposto federal incidente sobre o total

da folha de pagamento, desvinculado do programa de saúde pública do Ministério da Saúde e secretarias estaduais de saúde.

15. Uma vez que a massa dos pobres que vivem na zona urbana e a população rural não efetuavam pagamentos à Previdência Social, eles foram qualificados somente para os serviços mínimos.

16. WEYLAND (1995), p. 1.701. Um autor mostrou, no início do século XX “... Medidas de saúde públi-ca, tais como, campanhas de saneamento e serviços básicos de saúde, tornaram-se requisitos para a manuten-ção e a reprodução de uma força de trabalho urbana” . ATWOOD (1990), p. 143. E, em geral, “... Antes do golpe militar de 1964, o grande volume de gasto público com saúde foi para o subsistema coletivo-preventi- vo. Entretanto, desde então, a tendência foi a marginalização progressiva do Ministério da Saúde c o abando-no de medidas coletivo-preventivas, com o subsistema individual-curativo, ascendendo para a posição domi-nante dentro do sistema do serviço dc saúde.” ATWOOD (1990), p. 144.

17. O Inamps foi parte do Sinpas (Serviço Nacional da Previdência e Assistência Social que era financiado pelo salário e impostos do empregador e suplementado por transferências dc receitas gerais. Forneceu ser-viços somente para os assalariados do setor formal. LEWIS & MEDICI (1998), p. 269. McGREEVEY et al. (1989), p. 315.

18. Estes empréstimos foram bem controversos uma vez que muitos foram feitos para hospitais priva-dos, a taxas de juros reais negativas.

19. McGREEVEY et al. (1989), p. 314.20. LEWIS & M ED ICI (1998), p. 270.21. McGREEVEY */al. (1989), p. 317-8.22. McGREEVEY et al. (1989), p. 319.23. GENTILE D E MELO (1981), p. 34.24. McGREEVEY et al. (1989), p. 322.25. World Bank (1994).26. McGREEVEY et al. (1989), p. 323.27. McGREEVEY et al. (1989), p. 325; LANDMAN (1981).28. World Bank (1994). A quantidade excessiva de cesarianas também estava relacionada à forma de paga-

mentos. O SUS pagava mais por cesarianas do que por partos normais. Os pagamentos por cesarianas incluíam pagamentos para anestesistas, que não eram utilizados em partos normais. Esses fatos levaram muitos clínicos a recomendar cesarianas. Em 1999, entretanto, o SUS mudou seus procedimentos de pagamento, não pagando por

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Page 438: Economia Brasileira - Werner Baer

cesarianas para os hospitais cuja taxa de cesarianas excedesse à taxa recomendada pela Organização Mundial de Saúde.

29. McGREEVEY ata i. (1989), p. 529.30. Inter-American Development Bank (1996), p.299-300.31. WEYLAND (1995), p. 1701.32. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Título VIII, “A Ordem Social , Artigo 196.33. Tudo isso foi obtido pela Lei 8.080 de 1990. Para detalhes, veja World Bank (1994), p. 23.34. World Bank (1994).35. CAMPINO,?/al. (1999).36. LEWIS & M E D IC I (1998), p. 273.37. Idem, ibid., p. 274.38. Idem, ibid., p. 275.39. Idem, ibid., p. 277-80.40. CAMPINO etal. (1999), p. 10.41. Inter-American Development Bank (1996), p. 305.42. Idem, ibid., p. 305-6.43. A pesquisa se intitulou “PPV Pesquisa de Padrão de Vida” e foi realizada pelo IBGE, em colaboração

com o Banco Mundial, no período de março de 1996 a março de 1997, cobrindo as regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e as regiões urbana e rural restantes do Nordeste e Sudeste.

44. Por exemplo, há um grande número de hospitais públicos desnecessários, construídos com fins eleitorais.

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18Mudanças estruturais na economia industrial do Brasil,

(em co-autoria com Manuel A. R. da Fonseca e Joaquim J. Aí. Guilhoto)

INTENSA INDUSTRIALIZAÇÃO com o objetivo de substituir as importações no Brasil (ISI) na década de 1950 ocasionou importantes mudanças estru-turais na economia como um todo e no setor industrial. Esse desenvolvimento foi ana-lisado em estudos anteriores que revelaram que os tipos de políticas de ISI utilizadas provocaram o aparecimento de um bom número de setores industriais diversos, com ênfase especial naqueles de elevada elasticidade de renda e população e com elevados encadeamentos regressivos e progressivos.1 Após sete anos de estagnação na década de 1960, o Brasil tornou a experimentar taxas de crescimento extremamente rápidas no final da década de 1960 e início da de 1970. Mesmo depois do primeiro choque do petróleo em 1973-74, as taxas de crescimento geral e industrial relativamente elevadas prosseguiram até 1981.2 Esse crescimento baseou-se parcialmente em mais substitui-ções às importações (especialmente em setores como os de bens de capital) e parcial-mente na expansão de exportações industriais e em amplos investimentos em projetos de infra-estrutura.3

Que tipo de mudanças esse período pós-ISI provocou na estrutura da indústria? Ele deu prosseguimento ou desviou-se das tendências iniciais? Gomo a mais recente estrutura da economia industrial do Brasil se compara aos padrões internacionais

* Rste capítulo foi primeiramente publicado na edição de fevereiro de 1987 da revista World Development. Está sendo reproduzido com a permissão dos editores da revista.

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Page 440: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.1 Dados de corte transversal de Kuznets:

participação de setores de produção no PIB* (percentagem)

/ / / / / / I V V VI VII VIII

PIB per capita 51,8 82,6 138 221 360 540 864 1.382(S)(preçosde 1985)

Agricultura 53,6 44,6 37,9 32,3 32,5 17,4 11,8 9,2Indústria 18,5 22,4 24,6 29,4 35,2 39,5 52,9 50,2Serviços 27,9 33,0 37,5 38,3 42,3 43,1 35,3 40,6* Baseado em análise de corte transversal de 57 países em 1958.Fonte: Kuznets (1971), p. 104.

Tabela 18.2Distribuição setorial do PIB

1953 I960 1965 1970 1975 1980 1982 1983 1992 1998

Agricultura 26 23 19 11,7 9,7 8,8 9,1 12,0 9,9 8,0Indústria 24 25 33 35,4 36,8 38,2 36,7 35,0 31,6 36,0(Manufat.) (26) (28,0) (29,0) (29,0) (27,0) (27,0) (20,4) 23,0Serviços 50 52 48 52,9 53,5 53,0 54,2 53,0 58,5 56,0Fonte: Conjuntum F.conòmica.

baseados em estudos de corte transversal? E o que significam as mudanças estruturais observadas para os futuros padrões de crescimento da economia brasileira, conside-rando-se especialmente o desejo de melhorar a eqüidade por parte dos novos regimes civis, que assumiram o poder em março de 1985?

Hoje é possível começar a responder a essas perguntas devido à disponibilidade dos censos industriais dos anos de 1970, 1975, 1980 e 1985 e das tabelas de insumo- produto referentes aos anos de 1959, 1970, 1975 e 1985.

Começaremos sumariando algumas das análises tradicionais da relação entre cresci-mento e mudança estrutural. Em seguida, examinaremos os dados brasileiros. Final-mente, especularemos sobre até que ponto a estrutura industrial do Brasil em processo de mudança se adapta ou se desvia das normas esperadas e o que isso significa para as futuras perspectivas de crescimento.

Mudanças estruturais gerais

A renomada análise de corte transversal de Kuznets, reproduzida nas Tabelas 18.1 e 18.2 mostra claramente a correlação inversa entre a renda per capita e a participação do setor agrícola e uma associação positiva da participação da indústria e dos serviços com a renda per capita. A tendência brasileira segue a mesma direção, como podemos

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Page 441: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.3D istribuição setorial do PIB segundo K uznets (percentagens)

/ II III IV V VI VII VIII

PIB per capita (S) 72,3 107 147 218 382 588 999 1.501Agricultura 79,7 63,9 66,2 59,6 37,8 21,8 18,9 11,6Indústria 9,9 15,2 16,0 20,1 30,2 40,9 47,2 48,1Serviços 10,4 20,9 17,8 20,3 32,0 37,3 33,9 40,3

Fonte: Kuznets (1971), p. 200.

Tabela 18.4Distribuição setorial de m ão-de-obra

(percentagens)

1950 1960 1965 1981 1990 1995 1998

Agricultura 62 48 49 30 28,3 26,1 23,0Indústria 13 14 17 24 20,4 19,6 19,2Serviços 25 38 34 46 51,4 54,3 57,8

Fonte: Conjuntura Econômica; IBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1992; 1996; 2000.

observar na Tabela 18.3. A renda per capita no Brasil no início da década de 1950 provavelmente era equivalente aos níveis entre IV e V de Kuznets, o que faria o setor agrícola corresponder aos resultados do corte transversal, enquanto a participação in-dustrial pareceria um tanto menor para o nível de PIB per capita. Partindo do pressu-posto de que no início da década de 1980 o nível do PIB per capita do Brasil se inseria entre os grupos VI e VII, isso significa que o declínio da agricultura foi ligeiramente maior do que os resultados do corte transversal, mas a participação da indústria foi um tanto menor do que o esperado.4

Uma comparação das mudanças na distribuição da força de trabalho apresentada na Tabela 18.4 indica que o emprego na agricultura foi proporcionalmente amplo em comparação ao padrão internacional de Kuznets, enquanto a absorção da mão-de-obra pela indústria foi menor nas décadas de 1950, 1980 e 1990.

A história industrial do Brasil no período pós-Segunda Guerra Mundial

A experiência brasileira de industrialização da Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1980 pode ser dividida em dois períodos amplos: os anos de 1950- 62 e de 1968-81. O primeiro caracterizou-se por uma intensa industrialização com o objetivo de substituir as importações, no qual houve uma criação indiscriminada de indústrias, embora fossem enfatizadas as de bens de consumo, e em que as indústrias

Page 442: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.5 M udanças na estrutura industrial do Brasil, 1949-92: valor bruto agregado

(distribuição percentual)

1949 1963 1975 1980 1992

Minerais não-metálicos 7,4 5,2 6,2 5,8 4,7Produtos de metal 9,4 12,0 12,6 11,5 11,9Maquinário 2,2 3,2 10,3 10,1 12,5Equipamento elétrico 1,7 6,1 5,8 6,3 6,8Equipamento de transportes 2,3 10,5 6,3 7,6 7,1Produtos de madeira 6,1 4,0 2,9 2,7 1,2Móveis - - 2,0 1,8 0,9Produtos de papel 2,1 2,9 2,5 3,0 3,7Produtos de borracha 2,0 1,9 1,7 1,3 1,4Produtos de couro 1,3 0,7 0,5 0,6 0,5Produtos químicos - - 12,0 14,7 13,0Farmacêuticos 9,4 15,5 2,5 1,6 2,3Perfumes, sabonetes, velas - - 1,2 0,9 1,1Produtos plásticos - - 2,2 2,4 2,2Têxteis 20,1 11.6 6,1 6,4 4,6Vestuário e calçados 4,3 3,6 3,8 4,8 3,2Produtos alimentícios 19,7 14,1 11,3 10,0 13,6Bebidas 4,3 3,2 1,8 1,2 2,1Fumo 1,6 1,6 1,0 0,7 1,4Impressão e material gráfico 4,2 2,5 3,6 2,6 2,6Diversos 1,9 1,4 3,7 4,0 3,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: IBGE, Censos Industriais e Perspectivas da Economia Brasileira 1993, Rio de Janeiro, IPEA,

1993, p. 709.

básicas cresciam a taxas significativas, porém menores. Após cerca de seis anos de estagnação e ajustes na década de 1960, a economia brasileira vivenciou uma rápida prosperidade de 1968 a 1973 quando a indústria foi o setor líder, e de 1973 a 1981 as sólidas taxas de crescimento continuaram, embora num ritmo mais modesto. Nesse período ocorreram substanciais substituições às importações nas indústrias pesadas e as exportações também se tornaram uma fonte de demanda cada vez mais importante para as indústrias brasileiras.

Apesar de não se poder realizar uma comparação com base numa análise de insumo- produto, visto que a primeira tabela disponível data somente de 1959, vale a pena ter uma idéia das informações gerais reunidas a partir de censos brasileiros realizados entre 1950 e 1980, o que pode ser observado nas Tabelas 18.1 até 18.6.

Podemos ver na Tabela 18.3 que em 1960 a contribuição da indústria para o PIB foi de 25%, ultrapassando a participação de 23% da agricultura; a Tabela 18.4, porém, indica que o emprego na indústria, nesse ano, absorveu somente 14% da população economicamente ativa, enquanto na agricultura essa taxa foi de 48%. Comparando-se

455

Page 443: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.6 Mudanças na estru tu ra de emprego industrial do Brasil

(distribuição percentual)

1950 1960 1975 1980 1985 1995

Minerais não-metálicos 9,7 9,7 8,4 8,8 6,7 5,2Produtos de metal 7,9 10,2 11,6 10,8 10,3 8,9Maquinário 1,9 3,3 10,2 10,9 10,7 4,9Equipamento elétrico 1,1 3,0 4,6 8,7 5,6 3,2Equipamento de transportes 1,3 4,3 5,8 5,7 6,2 3,8Produtos de madeira 4,9 5,0 5,3 4,3 4,2 9,9Móveis 2,8 3,6 3,6 3,6 3,5 -Produtos de papel 1,9 2,4 2,2 2,2 2,4 5,1*Produtos de borracha 0,8 1,0 1,2 1,1 1,3 1,0Produtos de couro 1,5 1,5 0,9 0,8 1,1 -Produtos químicos 3,7 4,1 3,3 3,3 4,0 3,6Farmacêuticos 1,1 0,9 0,9 0,7 0,6 | I cPerfumes, sabonetes, velas 0,8 0,7 0,6 0,5 0,5 j 1 ,DProdutos plásticos 0,2 0,5 2,1 2,4 2,8 1,9Têxteis 27,4 20,6 8,8 7,7 7,1 3,6Vestuário e calçados 5,6 5,8 7,9 9,4 13,6 23,5Produtos alimentícios 18,5 15,3 13,1 11,6 12,2 1 7 8Bebidas 2,9 2,1 1,4 1,2 1,2 1 /,o

Fumo 1,3 0,9 0,6 0,4 0,4 -Impressão e material gráfico 3,0 3,0 3,3 2,9 2,5Diversos 1,7 2,1 4,2 3,0 3,1 6,1Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0* Inclui impresso e publicado.Fonte: IBGE, Censos Industriais; FURTUOSO & GUILHOTO (1999).

as mudanças na estrutura industrial (Tabela 18.5) havidas entre 1949 e 1963, constata- se que o crescimento mais significativo ocorreu nos setores de transportes e equipa-mentos elétricos, juntamente com um crescimento proporcional mais modesto do setor de produtos de metal e maquinário, o que reflete a menor prioridade dada aos bens de capital na época. Houve também uma notável expansão na área de produtos químicos, farmacêuticos/perfumes/plásticos, embora seja difícil determinar qual subsetor tenha sido mais importante.

O crescimento proporcional do emprego (ver Tabela 18.6) ficou relativamente reduzido em transportes e equipamento elétrico, apesar de que nos setores de produ-tos de metal e maquinário as proporções de valor agregado e emprego tenham sido aproximadamente as mesmas. O declínio mais acentuado na participação do emprego foi na área de têxteis e alimentos, embora não tenha sido tão grande nessa década como foi a redução no valor agregado.

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Page 444: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.7 Dados de corte transversal de Kuznets:

participação no valor agregado da produção (percentagens)

V alores de referência do PIB per capita

1953 US$: 81 135 270 450 900 1.2001958 US$: 91,7 153 306 510 1.019 1.359Alimentos, bebidas e fumo 33,8 37,4 34,8 27,2 17,6 15,5Têxteis 18,3 14,2 10,5 9,4 7,1 5,6Vestuário e calçados 4,8 6,3 7,8 7,5 6,3 5,5Produtos de madeira e móveis 6,9 5,4 4,9 5,1 5,7 5,4Papel e produtos de papel 0,9 1,3 1,9 2,9 3,9 4,3Impressão e publicação 2,5 2,6 2,9 3,5 4,7 5,3Produtos de couro (exc. calçados) 1,1 1,3 1,2 1,1 0,8 0,7Produtos de borracha 1,2 1,4 1,2 1,3 1,4 1,4Produtos químicos e de petróleo 8,7 9,3 9,7 9,6 8,9 9,3Produtos de minerais nào-metálicos 5,4 5,5 4,9 4,8 4,7 4,5Metais básicos 4,0 3,5 4,3 5,2 5,7 6,0Produtos de metal 10,4 9,9 13,7 19,8 29,8 32,8Diversos 2,0 1,9 2,2 2,6 3,4 3,7Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100.0Fonte: KUZNETS (1971), p. 114.

Seria de se esperar que existisse uma estrutura industrial relativamente diversificada no final da década de I960, mas ainda não muito bem interligada, visto que a integração vertical estava apenas se iniciando.

Durante o segundo período de crescimento, do final da década de 1960 até as de 1980 e 1990, a mudança mais extraordinária ocorrida na estrutura industrial do país foi o crescimento proporcional dos setores de maquinário e de produtos químicos, a que-da dos têxteis e alimentos/bebidas e a estabilidade proporcional da área de equipa-mentos elétricos, enquanto a de transportes declinou ligeiramente, fatos que refletem a maior verticalização da economia brasileira. O crescimento proporcional do emprego foi particularmente notável nos setores de maquinário e equipamento elétrico, enquanto as maiores quedas foram registradas na indústria têxtil.

A comparação da estrutura industrial brasileira em processo de mudança com os re-sultados do corte transversal de Kuznets (ver Tabela 18.7) revelam algumas diferenças interessantes. Pode-se observar que a participação dos têxteis, alimentos, vestuário/cal-çados e bebidas, no Brasil, seguiu uma tendência semelhante à dos dados de Kuznets, apesar de as participações brasileiras absolutas serem consideravelmente menores do que as esperadas a partir dos resultados do corte transversal sobre o nível do PIB per capita correspondente (isto é, cerca de US$ 500, a preços de 1958). Por outro lado, as indústrias pesadas (incluindo produtos de metal, equipamentos de transporte, etc.) e produtos químicos tiveram uma participação muito maior que a esperada. Consideran-do-se nosso conhecimento atual sobre a economia brasileira, essa ênfase maior do que a esperada, dada a produtos da indústria pesada e bens de consumo duráveis após coni-

457

Page 445: Economia Brasileira - Werner Baer

paração com elementos internacionais indica q u e o padrão de consumo do Brasil e, con-s e q ü e n t e m e n t e , o de produção, foram afetados não apenas pelo nível de renda per capita a l c a n ç a d o , m a s também por sua distribuição desigual. Como esta é pior do que a média internacional, dever-se-ia esperar uma demanda e produção maiores de bens de consu-mo duráveis.5

M udanças estruturais: 1959-1998

Vamos examinar as mudanças estruturais ocorridas entre o final do período de ISI da década d e 1950 e a aceleração da industrialização que se iniciou no final da década de 1960, pelo prisma das tabelas de insumo-produto que estão disponíveis em cinco anos — 1959, 1970, 1975, 1985 e 1995. Esses elementos nos permitirão observar as mudanças depois de considerar as repercussões intersetoriais totais.

Estrutura produtiva

A Tabela 18.8 contém a participação da produção total da economia dos setores de dois dígitos. Pode-se notar que a participação dos bens de capital, dos bens de consu-mo durável e dos bens intermediários (exceto produtos de papel e borracha) aumen-tou nos anos de 1959-75, enquanto a dos não-duráveis (exceto vestuário e calçados) e da agricultura declinou. Essas mudanças estruturais estão ligadas às tendências de in-dustrialização da economia e ao aumento da concentração de renda que as acompa-nhou. Em 1980 e 1992, os serviços ficaram à frente à custa de todos os outros setores, o que pode ter sido causado, em grande parte, pela elevada inflação do período.

A estrutura de demanda final

A Tabela 18.9 contém a participação de vários setores no consumo total pessoal (e x c lu in d o importações). O mais notável é o declínio dos produtos agrícolas não- b en efic iad os e o aumento dos alimentos beneficiados. Os setores compostos de bens de consum o durável elevaram significativamente sua participação, enquanto o dos não-duráveis caiu drasticamente (exceto vestuário/calçados e alimentos industriali-zados). Uma explicação provável para essa tendência é o aumento de concentração de renda durante esse período.

A. participação estável do setor de vestuário e calçados está intimamente relacio-nada k queda dos produtos têxteis, refletindo o declínio da produção caseira de rou-pas. explicações para a modificação na participação de outros setores são: 1) a a m p lia ç ã o da participação do setor de maquinário reflete o aumento do consumo de bens duráveis (geladeiras, máquinas de lavar, equipamentos de escritório, etc.); 2) o a u m e n t o da participação dos transportes é explicado pelo crescente consumo de au-tom óveis e peças e 3) a maior participação do setor químico reflete o aumento do consu*mo de gasolina, gás liqüefeito e outros derivados de petróleo.

Page 446: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.8Estrutura do valor agregado (distribuição percentual)

1959 1970 1975 1980 1992 1995

Agricultura 16,23 11,11 9,43 9,90 9,89 9,79Mineração 1,10 0,75 0,63 1,00 1,40 0,84Minerais não-metálicos 1,86 1,90 1,92 1,70 0,95 1,11Produtos de metal 4,98 5,71 6,28 3,45 2,39 2,57Maquinário 1,73 2,61 3,79 2,94 2,52 2,11Equipamento elétrico 1,87 2,14 2,40 2,14 1,36 1,71Equipamento de transportes 3,38 3,80 4,24 2,42 1,43 1,97Madeira 1,06 1,04 1,05 0,78 0,25 1 0,86Produtos de madeira 0,74 0,81 0,74 0,52 0,18 1Papel 1,26 1,09 1,10 0,87 0,75 1,06*Borracha 1,02 0,77 0,79 0,38 0,28 0,36Couro 0,43 0,30 0,23 0,14 0,09Produtos químicos 7,22 5,09 7,36 4,44 2,62 4,2Farmacêuticos 0,85 0,98 0,73 0,52 0,44 j\ o,75Cosméticos 0,62 0,63 0,48 0,30 0,22 JPlásticos 0,27 0,76 0,88 0,71 0,44 0,57Têxteis 5,03 4,10 3,41 1,98 0,93 0,80Vestuário e calçados 1,37 1,55 1,47 1,53 0,65 0,89Alimentos 9,84 10,71 7,97 3,33 2,74 '1 3 2Bebidas 0,97 0,75 0,62 0,39 0,43 1 3’Fumo 0,45 0,45 0,39 0,21 0,29Impressão 0,95 1,19 1,08 0,81 0,52Outros produtos industriais 0,58 1,06 1,02 0,70 0,58Serviços públicos 0,93 2,25 2,32 1,75 3,18 2,63Construção 6,08 10,73 10,14 6,53 6,52 9,13Margens de lucro bruto 16,17 18,56 14,98 1 49,44 1 58,92 55,45Serviços 13,01 9,16 14,55 J - i -

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0* Inclui impresso e publicado.Fonte: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); Perspectivas da Economia

Brasileira 1994, Rio de Janeiro, IPEA, 1993; FURTUOSO & GUILHOTO (1999).

A Tabela 18.10 mostra as mudanças na proporção da produção destinada ao con-sumo pessoal em cada setor. A diminuição de participação em cada área representa um aumento da tendência de interdependência dos setores, que se manifestou nos anos de 1959-75.

Segundo Hirschman (1958), esse tipo de mudança estrutural geralmente é asso-ciado à intensificação do processo de industrialização, isto é, quanto maiores forem a renda per capita e a participação da população empregada no setor industrial, mais numerosas serão as transações intersetoriais.6

A extraordinária queda observada no setor de minerais não-metálicos deve-se a uma mudança metodológica na construção da tabela de insumo-produto. Esse setor consiste principalmente em materiais de construção (cimento, principalmente). Nas matrizes de

459

Page 447: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.9E stru tura de consumo pessoal de bens

produzidos in ternam ente (%)

1959 1970 1975 1995

Agricultura 17,40 5,40 3,33 5,67Mineração 0,00 0,00 0,01 -Minerais não-metálicos 0,51 0,18 0,07 0,20Produtos de metal 0,41 0,92 0,49 0,42Maquinário 0,32 1,07 1,20 0,03Equipamento elétrico 1,83 0,92 1,93 3,07Equipamento de transportes 0,79 2,89 5,13 3,06Madeira 0,09 0,02 0,03Produtos de madeira 1,34 1,98 1,58 1,20Papel 0,11 0,22 0,19 0,77*Borracha 0,96 0,16 0,18 0,02Couro 0,1 1 0,08 0,01 -

Produtos químicos 0,96 2,22 3,93 3,81Farmacêuticos 1,56 2,29 1,54 1Cosméticos 1,31 1,94 2,30 | 2,70

Plásticos 0,42 0,03 0,03 0,16Têxteis 6,88 1,28 1,99 0,86Vestuário e calçados 3,11 3,54 3,33 3,17Alimentos 15,14 25,34 21,12 |Bebidas 2,01 1,63 0,37 ] 15,07

Fumo 0,87 1,28 0,82Impressão 1,21 0,55 0,76 -Outros produtos industriais 1,03 1,03 0,88 0,94Serviços públicos 0,27 3,15 4,55 2,73Construção 2,42 0,00 0,00 -Margens de comércio 20,28 35,48 30,88 |Serviços 18,66 6,40 13,35 j

Total 100,00 100,00 100,00

* Inclui impresso.Fonte: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984); FURTUOSO&GUILHOTO

(1999).

1970 e 1975, esses produtos foram tratados como insumos para a construção, o que não ocorreu com a matriz de 1959.

A Tabela 18.11 mostra a participação das exportações no produto total de cada setor. Essas proporções indicam claramente que houve uma abertura significativa da econo-mia brasileira no período de 1959-75, principalmente para setores como os de produtos de metal, maquinário, equipamento de transportes, produtos de papel e químicos. A coluna referente a 1981 não é estritamente comparável às demais, visto que as propor-ções de exportação foram extraídas diretamente do valor bruto de exportações e do va-lor das estatísticas de produção. Os números indicam, porém, um crescimento posterior considerável das exportações em alguns dos setores-chave da economia industrial, o que

460

Page 448: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.10Participação do consumo pessoal

na produção total (%)

1959 1970 1975 1995

Agricultura 45,03 14,39 6,24 24,45Mineração 0,00 0,00 0,32 -Minerais nâo-metálicos 11,57 2,84 0,61 4,81Produtos de metal 3,47 4,78 1,39 8,42Maquinário 7,68 12,17 5,61 0,40Equipamento elétrico 41,10 12,80 14,21 39,00Equipamento de transportes 9,84 22,50 21,37 50,03Madeira 3,51 0,67 0,48 | 35,46Produtos de madeira 76,42 72,16 37,56 1Papel 3,61 5,88 3,13 1 1,61*Borracha 39,76 6,16 3,95 1,27Couro 10,75 8,33 0.56 -Produtos químicos 5,59 12,93 9,43 31,64Farmacêuticos 77,24 68,98 37,44 -Cosméticos 89,22 90,62 84,44 87,75Plásticos 64,84 1,19 0,63 6,98Têxteis 57,43 9,25 10,33 17,41Vestuário e calçados 95,79 67,76 39,97 69,06Alimentos 64,63 70,01 46,84 51,37Bebidas 86.90 64,12 10,43Fumo 81,66 83,78 37,44 -Impressão 53,71 13,67 12,33 -Outros produtos industriais 75,22 28,76 15,17 -Serviços públicos 11,97 41,30 34,62 32,19Construção 16,72 0,00 0,00 0,00Margens de comércio 52,67 56,58 36,47 -Serviços 60,25 20,60 16,27 -

* Inclui impresso.Fonte: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); FURTUOSO & GUILHOTO

(1999).

é consistente com o fato de que, em meados da década de 1980, mais de 50% das expor-tações brasileiras eram compostas de produtos manufaturados.

Tecnologia de produção

Tem sido mostrado que o processo de industrialização da década de 1950 utilizou grandes quantidades de equipamento de segunda mão, oriundos de países desenvol-vidos. Na década de 1970, isso mudou consideravelmente à medida que a maioria dos setores incorporava a mais moderna tecnologia a seus planos de expansão/ Os dados

461

Page 449: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.11Participação das exportações

na produção total (%)

1959 1970 1975 1981* 1995

Agricultura 2,56 3,88 4,80 - 1,64Mineração 8,00 25,94 39,33 - -

Minerais não-metálicos 0,37 0,92 0,79 2,00 1,69Produtos de metal 0,01 3,63 1,69 6,00 12,93Maquinário 0,30 4,11 3,10 8,10 9,08Equipamento elétrico 0,02 1,59 4,55 - 7,52Equipamento de transportes 0,09 0,83 4,83 15,00 11,11Madeira 0,25 16,24 3,87 6,70 )Produtos de madeira 0,00 0,34 0,72 9,58

Papel 0,00 1,04 2,38 - 10,74Borracha 0,12 1,01 1,27 - -

Couro 16,09 15,49 1 1,14 23,00 -

Produtos químicos 3,13 6,48 6,85 1,90 4,72Farmacêuticos 0,23 0,96 0,78

2,96Cosméticos 0,01 0,19 0,30- j

Plásticos 0,03 0,05 0,33 4,80 2,87Têxteis 0,62 8,42 5,79 18,30 6,33Vestuário e calçados 0,07 1,14 8,30 16,40 13,97Alimentos 21,71 15,20 10,02 18,70 1Bebidas 0,05 0,31 0,27 11,28

Fumo 1,01 13,10 18,55 - -

Impressão 0,27 0,36 0,71 - -

Outros prod, industriais 0,33 1,55 2,73 -

Serviços públicos 0,01 0.00 0,00 0,19Construção 0,00 0,00 0,00 -

Margens de comércio 7,09 5,51 8,15 - 4,93Serviços 0,00 0,59 0,00 - -

* Os índices de 1981 não são exatamente comparáveis aos dos anos anteriores por serem baseados na exportação bruta e no valor dos dados de produção do IBGE (1984a).

Fonte: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); para 1981, IBGE (1984a); FURTUOSO & GUILHOTO (1999).

que apresentamos na Tabela 18.12 são consistentes com esses acontecimentos, isto é, na maioria dos setores a participação da mão-de-obra no valor agregado declinou e a capacidade instalada por trabalhador aumentou.H Essa tendência sustenta a alegação de vários estudiosos de que os aumentos reais de salários na economia brasileira tiveram pouca influência no processo inflacionário,9 e que o arrocho salarial não de-veria, portanto, ser a peça central de um programa de estabilização.

Gomo exceções nessas tendências gerais em que os setores experimentaram um aumento na participação dos salários no valor total da produção, estão os campos de mineração, maquinário, serviços públicos, construção e serviços (ver Tabela 18.12). Os setores que pareciam estar usando mais tecnologia intensiva de mão-de-obra (segundo os pagamentos de salários e de seguro social como parcela do valor agregado) são os

462

Page 450: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.12Participação dos salários e da previdência social

na produção total (%)

1959 1970 1975 1980 1995

Agricultura 19,89 16,85 15,58 8,82Mineração 12,69 27,23 13,08 15,10 ]

12,46Minerais não-metálicos 20,86 20,65 14,38 14,50 JProdutos de metal 13,47 13,13 10,59 9,64 10,22Maquinário 15,37 24,24 20,85 24,27 19,38Equipamento elétrico 12,95 17,39 12,65 12,25 9,55Equipamento de transportes 1 1,04 15,90 10,62 10,75 10,17Madeira 17,73 17,89 14,27 15,40

f 20,47Produtos de madeira 22,85 22,02 17,15 17,10 1Papel 1 1,01 15,98 10,64 9,33 15,59Borracha 9,05 12,07 8,29 9,45 _Couro 15,10 15,49 14,02 13,07 _Produtos químicos 4,64 8,79 3,48 3,14 5,95Farmacêuticos 15,20 12,78 8,99 8,43 13,50Cosméticos 8,11 8,33 6,04 6,66 _Plásticos 14,18 13,60 11,54 11,40 13,63Têxteis 17,71 16,59 10,14 10,09 7,87Vestuário e calçados 17,83 16,83 15,38 14,95 27,06Alimentos 6,64 8,98 5,21 5,98 ]

| 30,40Bebidas 15,04 18,69 9,60 11,61 jFumo 9,66 10,32 8,04 8,10 -Impressão 23,38 26,92 19,36 21,40 _Outros produtos industriais 21,28 14,17 8,92 13,49 _Serviços públicos 4,36 31,58 30,36 _ 44,57Construção 12,82 24,60 19,07 _ _Margens de comércio 29,09 27,38 25,42 — 63,36Serviços 22,61 51,60 25,19 - 63,00

Fontev Paru 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); para 1980, IBGE (1984b); FURTUOSO & GUILHOTO (1999).

de produtos de borracha, serviços públicos e construção (Tabela 18.13). A Tabela 18.14, que mostra a capacidade de potência instalada por trabalhador, revela que todos os setores experimentaram crescimento na intensidade de capital ao usar esse critério.

A Tabela 18.15, que mostra a participação de insumos importados no valor total da produção, revela uma tendência de baixa na maioria dos setores. Essa tendência re-flete o aumento da complexidade da economia brasileira que ocasionou um aumento no grau de integrações intersetoriais, como discutiremos a seguir. As expectativas estão voltadas aos setores que dependem de insumos externos, extremamente especializados, que não podem ser substituídos no curto prazo.

463

Page 451: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.13Participação dos salários e da Previdência Social

no valor agregado (%)

1959 1970 1975 1980 1985 1995

Agricultura 24,07 22,57 21,63 - - 14,27Mineração 35,99 34,18 19,16 23,60

| 27,04Minerais não-metálicos 37,46 33,26 24,87 25,56 19,99Produtos de metal 35,37 31,61 29,59 28,07 19,35 33,02Maquinário 46,76 42,14 41,47 44,37 31,40 34,54Equipamento elétrico 38,72 33,40 28,07 24,44 20,65 25,35Equipamento de transportes 31,74 34,55 37,46 27,22 29,39 31,40Madeira 37,98 36,83 27,99 28,37 23,79

| 47,45Produtos de madeira 49,37 40,60 33,84 34,43 24,96 ]Papel 30,00 34,55 27,43 20,25 19,54 46,79Borracha 19,00 22,74 20,81 27,24 18,93 -Couro 38,49 35,31 34,04 33,41 19,69 -Produtos químicos 23,81 21,30 11,75 10,08 11,37 15,53Farmacêuticos 36,82 17,87 13,67 13,79 18,01 30,00Cosméticos 25,37 16,52 12,88 15,24 18,43 -Plásticos 30,22 26,62 24,48 23,17 19,81 31,61Têxteis 42,51 34,97 29,38 24,72 15,83 27,14Vestuário e calçados 43,49 36,88 34,84 29,06 22,43 72,77Alimentos 26,46 30,46 19,49 20,18 14,90 |

30,06Bebidas 33,83 32,97 17,73 24,69 21,24 1Fumo 19,73 17,20 15,81 15,76 19,96 -Impressão 48,66 41,17 30,00 32,44 30,48 -Outros produtos industriais 42,59 39,48 25,83 21,83 19,68 -Serviços públicos 10,72 34,93 38,73 n.d. 44,57Construção 41,55 61,51 61,83 37,63 23,53 19,63Margens de comércio 44,94 33,67 32,24 - 63,36Serviços 27,62 61,98 29,52 — - 63,00

Fonte: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); para 1980, IBGE ( 1984b); IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1992; FlIRTUOSO & GUILHOTO (1999).

Encadeamentos regressivos e progressivos

As Tabelas 18.16 e 18.17 contêm os índices de encadeamento regressivo e pro-gressivo de Rasmussen para a economia brasileira em diferentes períodos.10 Esses índices mostram que, em 1959, três setores (papel, químicos e têxteis) apresentaram altos encadeamentos regressivos e progressivos e foram responsáveis por 13,51% do produto total da economia. Em 1970 e 1975 os setores com altos encadeamentos aumentaram para cinco (produtos de metal, maquinário, papel, têxteis e produtos alimentícios) e foram responsáveis por 24,22% e 22,55% da produção total em 1970 e 1975, respectivamente. É interessante observar que os setores que antes tinham

464

Page 452: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.14Capacidade instalada (hp/trabalhadores)

I960 1970 1980

Agricultura _ - -

Mineração 1,77 8,05 12,99Minerais não-metálicos 3,15 4,86 6,15Produtos de metal 4,26 9,62 8,57Maquinário 2,89 3,80 4,52Equipamento elétrico 2,62 5,77 2,68Equipamento de transportes 4,14 5,73 4,00Madeira 4,54 4,96 7,15Produtos de madeira 2,07 2,62 3,60Papel 8,48 14,05 14,80Borracha 7,45 6,82 9,82Couro 3,27 4,94 5,49Produtos químicos 9,20 16,06 30,84Farmacêuticos 3,08 3,80 3,51Cosméticos 2,18 3,73 3,47Plásticos 3,68 4,08 4,73Têxteis 2,50 4,00 5,04Vestuário e calçados 0,61 1,29 1,56Alimentos 5,46 6,86 7,30Bebidas 4,05 5,58 7,79Fumo 1,19 1,36 10,82Impressão 1,30 3,13 2,09Outros produtos industriais 1,52 6,88 2,22Serviços públicos - - -C onstrução - - -Margens de comércio - - -Serviços - - -

Fonte: Calculado a partir dc dados do IBGE (1984a): BAER & GEIGER (1978).

relativamente pouca importância no processo de industrialização no início da era de ISI - produtos de metal, maquinário e alimentos - e que, subseqüentemente, se tornaram importantes, foram os que, por sua natureza, contribuíram para o aumento dos encadeamentos intersetoriais. O processo de industrialização também produziu mudanças na capacidade de encadeamento regressivo de vários setores, ou seja, seto-res que antes tinham baixos encadeamentos devido à elevada proporção de insumos importados passaram a adquirir uma crescente quantidade desses insumos interna-mente. Isso é revelado pelo crescimento da capacidade de encadeamento regressivo de setores como os de produtos de metal, maquinário e equipamento de transportes. Além disso, contradizendo as observações de Hirschman (1958, p. 109), o setor agrí-cola desenvolveu altos encadeamentos progressivos.11

465

Page 453: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.15Participação de insum os importados na produção total (%)

1959 1970 1975 1985 1995

Agricultura 3,13 0,52 0,54 0,20 1,12Mineração 53,21 0,00 0,13 1 0,61 1,60Minerais não-metálicos 3,67 0,92 1,32 í 1,93Produtos de metal 15,53 2,04 5,05 5,49 6,47Maquinário 33,99 3,40 3,72 4,12 4,42Equipamento elétrico 15,07 8,92 9,81 8,45 12,82Equipamento de transportes 19,81 2,88 4,63 4,03 8,31Madeira 0,24 0,34 0,36

0,49 1,39Produtos de madeira 0,03 0,19 0,21Papel 5,63 2,19 2,97 1,38 5,90Borracha 0,51 3,84 5,34 7,27 -Couro 0,38 1,04 1,22 1,09* -

Produtos químicos 15,60 16,28 26,9414,11 *1 9,32

Farmacêuticos 8,22 8,48 10,22 J1 1Cosméticos 1,03 3,15 6,05 4,78 10,12Plásticos 0,15 9,88 3,72 , 3,55 5,58Têxteis 0,31 0,99 0,81 8,770,61Vestuário e calçados 0,08 0,35 0,28 4,56Alimentos 1,87 2,35 2,49

Bebidas 2,51 3,37 6,02 2,08 2,24Fumo 0,00 0,26 0,42Impressão 3,86 5,25 3,48 4,40 -Outros produtos industriais 10,07 6,51 5,07 14,88 -Serviços públicos 0,00 0,19 1,23 0,49 3,80Construção 0,00 2,00 2,31 2,07 1,22Margens de comércio 0,00 1,58 2,32 4,34 4,74Serviços 0,00 0,12 0,25 1,36 1,16

* Calçados incluídos.Fonte: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); FIJRTUOSO& GUILHOTO

(1999).

A comparação de dados brasileiros de 1959, com aqueles do Sri Lanka, Formosa, Malásia e Coréia do Sul do início da década de I96012 revelou que os valores de encadeamentos progressivos e regressivos são maiores no Brasil, o que indica um maior grau de encadeamentos internos na economia brasileira. Esse fato tenderia a apoiar um estudo sobre a economia brasileira realizado anteriormente que usou coe-ficientes de encadeamento para a economia americana.13 Os dados de 1985 mostram um contínuo aumento de encadeamentos regressivos e algumas quedas nos encade-amentos progressivos.

Page 454: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 18.16índice de encadeamento regressivo

1959 1970 1975 1985 1995

Agricultura 0,6557 0,8200 0,8159 0,9043 0,8419Mineração 0,6291 0,7790 0,8261 1 0,9784

0,9468Minerais não-metálicos 0,9129 0,9302 0,9105 J 1,0376Produtos de metal 0,9818 1,2176 1,1755 1,2685 1,1981Maquinário 0,8592 1,0151 1,0188 1,1000 0,4228Equipamento elétrico 1,0302 1,0013 0,9854 1,0274 1,1436Equipamento de transportes 0,9679 1,1630 1,3158 1,1799 1,1305MadeiraProdutos de madeira

0,96731,0486

1,05481,0654

0,9743 1 1,0292 J

1,0992 1.0363

Papel 1,1675 1,1272 1,1462 1,1600 1,1038Borracha 1,0123 1,10236 1,1002 1,1387 -Couro 1,0819 1,2154 1,1662 1,0510* -Produtos químicos Farmacêuticos

1,14701,0268

0,98440,7828

0,9275 1 0,7522

| 0,9585 1,0084

Cosméticos 1,2078 1,0866 1,0055 1,0239 0,9473Plásticos 1,0874 0,9718 1,0087 1,0463 0,9936TêxteisVestuário e calçados

1,09131,1360

1,10081,1797

1,26231,1999

| 1,1958** 1,1330

Alimentos 1,1021 1,2689 1,2558Bebidas 1,0135 0,9916 0,9507 1,1561 1,1434Fumo 0,9731 0,9544 0,9993Impressão 1,0513 0,8927 0,8715 1,0067 -Outros produtos industriais 0,9207 1,1635 1,1400 1,0663 -Serviços públicos 1,1590 0,6821 0,7125 0,8702 0,8216Construção 1,1760 1,0634 1,0815 1,1064 0,8437Margens de comércio 0,8725 0,7359 0,7035 0,6953 0,8040Serviços 0,7210 0,7389 0,6649 0,8604 0,7338

* Sapatos incluídos.** Calçados excluídos.Fonte: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); GUILHO TO & PICERNO

(1993); FURTUOSO& GUILHO TO (1999).

Conclusões gerais

Nosso estudo sobre a mudança da estrutura da economia brasileira e da natureza de seus relacionamentos intersetoriais nos mostrou que a integração vertical da eco-nomia aumentou significativamente desde os primeiros dias de ISI, da década de 1950. E digno de nota, entretanto, o fato de que essa tendência não aumentou a auto- suficiência econômica do país, pelo contrário, o aumento da integração vertical ocor-reu ao mesmo tempo em que a economia brasileira se voltava mais para o exterior, especialmente se observada do ponto de vista da participação das exportações de

467

Page 455: Economia Brasileira - Werner Baer

T abela 18.17índice de encadeam ento progressivo

1959 1970 1975 1985 1995

Agricultura 2,1446 2,1988 1,9060 1,1614 3,4418MineraçãoMinerais não-metálicos

0,95750,7873

0,80000,8904

0,73760,8409 1,0068 0,8402

Produtos de metal 1,9181 2,0456 2,103.0 1,8889 1,3417Maquinário 0,5705 1,0508 1,0107 0,8914 1,1629Equipamento elétrico 0,6218 0,8719 0,8545 0,7051 0,7283Equipamento de transportes 0,6757 0,8635 0,9161 0,7904 0,7441MadeiraProdutos de madeira

0,89970,5478

0,85210,6287

0,89690,5729 | 0,6964 0,7072

Papel 1,3305 1,1803 1,1911 0,9967 1,1932Borracha 0,7090 0,8010 0,8438 0,7665 0,9118Couro 0,7605 0,7010 0,7282 0,5867* 1,8741Produtos químicos Farmacêuticos

2,94540,5647

2,01180,6783

2,4571 1 0,6089 | 1,4031 0,5522

Cosméticos 0,5460 0,6225 0,5702 0,4962Plásticos 0,5970 0,8119 0,8085 0,7055 0,8262Têxteis 1,1620 1,3232 1,4488

0,9797** 1,3786Vestuário e calçados 0,5449 0,6253 0,5735 1 0,5313Alimentos 0,6993 1,2332 1,0175Bebidas 0,5817 0,6583 0,6026 0,9001 0,7084Fumo 0,6512 0,6230 0,6285Impressão 0,6366 0,6849 0,6368 0,5960 -Outros produtos industriais 0,5587 0,8338 0,7743 0,6683 -Serviços públicos 0,9592 0,8816 0,8092 0,8975 1,4314Construção 0,6854 0,6193 0,5560 0,6068 0,5684Margens de comércio 1,9803 1,8433 2,2561 2,8617 1,6858Serviços 1,9648 0,6655 0,6505 0,6808 0,8164

* Inclui calçados.** Exclui calçados.Fontes: Para 1959, VAN RIJCKEGHEM (1969); para 1970, IBGE (1979); para 1975, IBGE (1984c); GUILHOTO&PICERNO

(1993); FURTUOSO & GUILHOTO (1999).

vários setores industriais. A maioria dos setores experimentou um aumento na parti-cipação nas exportações do total de sua produção o que, provavelmente, reflete uma reação positiva a vários incentivos às exportações, introduzidos pelo governo durante as décadas de 1960 e 197014, além da capacidade de competir no mercado interna-cional, tanto em relação a preços quanto à qualidade.

Devemos observar, em particular, que um número de exportações brasileiras cada vez maior consiste em bens semi-acabados e de capital, exportados ou por empresas nacionais ou por subsidiárias de multinacionais. Estas últimas, muitas vezes, enviam componentes produzidos no Brasil a outras fábricas de suas organizações, o que ex-plica, em parte, o motivo pelo qual a integração vertical não é um movimento que

Page 456: Economia Brasileira - Werner Baer

contraria o comércio internacional. Pode-se prever, a longo prazo, uma troca de bens em vários níveis do processo de produção, isto é, uma crescente troca internacional de bens acabados e intermediários. Dado o desenvolvimento da economia brasileira, com suas dimensões, diversidade de recursos e estrutura industrial, a verticalização e o aumento do comércio deverão prosseguir no futuro sem problemas.

Uma crescente internacionalização da economia também deverá significar, em cer-to ponto, a reversão do declínio de importações, em diferentes setores. A medida que aumenta a importância do Brasil no comércio internacional, os superávits comerciais permanentes serão cada vez menos viáveis e a economia brasileira também terá de aceitar alguma especialização internacional na ampla variedade de produtos industriais finais e bens intermediários. Isto é, o Brasil teria de aceitar a importação de determi-nados bens industriais de forma permanente, visto que eles seriam a contrapartida de uma aceitação duradoura dos bens industriais brasileiros, nos mercados de nações in-dustrializadas mais antigas.

A conformação produtiva atual da economia brasileira reflete uma certa estrutura de consumo que, por sua vez, está associada à distribuição de renda existente. Na hipótese de os futuros governos implementarem uma política de redistribuição de ren-da, pode-se esperar mudanças na estrutura de consumo e, conseqüentemente, na es-trutura produtiva da economia. Na verdade, num exercício simulado, Locatelli (1985) constatou que uma distribuição de renda mais eqüitativa (semelhante à do Reino Uni-do) resultaria num crescimento de 16% no emprego industrial brasileiro. Isso ocorreria porque o maior poder aquisitivo dos grupos de baixa renda aumentaria a demanda por bens de tecnologia que supõe ocupação intensiva de mão-de-obra.15 Como resultado, a possibilidade do crescimento econômico dependeria de uma reestruturação setorial da economia em que se daria uma ênfase maior aos bens de consumo de massa e, menor aos bens de consumo duráveis. Considerando-se a atual estrutura da economia, o de-senvolvimento dependeria dos presentes níveis de exportação.

Finalmente, como mostramos neste capítulo, a participação dos salários nos preços finais tem declinado continuamente desde a década de 1960. Como conseqüência, o controle dos aumentos salariais não é um elemento crucial para o sucesso de progra-mas de estabilização.

Notas

1. B A E R (1965),cap . 6.2. Idem, ibid., cap. 5 c 6.3. Idem, ibid.4. Embora a utilização de análises de corte transversal tenha gerado muita polemica entre vários auto-

res, somos de opinião de que os resultados de Kuznets ainda propiciam um padrão útil para analisar mudan-ças estruturais no processo de crescimento. Ver CHENERY & SYRQUIN (1974) e SUTCLIFFE (1971).

5. Pode-se ter uma boa idéia do que é a concentração relativa da renda no Brasil a partir dos seguintes dados publicados pelo Banco Mundial. No início da década de 1980, a camada superior de 10% dos grupos dc renda recebia: 50,6% da renda familiar no Brasil; 40,6% no México; 40,7% na Turquia; 33,6% na índia; 34,0% na Indonésia; 23,3% nos Estados Unidos e 24,0% na Alemanha ocidental. Ver Banco Mundial (1985), p. 228-9.

469

Page 457: Economia Brasileira - Werner Baer

6. Hirschman declara que a “falta de interdependência e encadeamento é, naturalmente, uma das carac-terísticas mais representativas das economias subdesenvolvidas”. Ver HIRSCHMAN (1958), p. 109.

7. V ILLELA & BAER (1980), p. 185-9.8. Nas Tabelas 18.12 e 18.13, o valor agregado foi obtido utilizando-se duas metodologias diferentes.

Nas colunas referentes aos anos de 1959, 1970 e 1975, o valor agregado originou-se de matrizes de insumo- produto, enquanto na coluna referente ao ano de 1980 ele foi obtido a partir de dados do censo industrial brasileiro, motivo pelo qual é impossível realizar uma comparação exata entre as três primeiras e a última colu-na. Pode-se, porém, ter uma idéia de quais eram as tendências predominantes.

9. Ver, para exemplo, MACEDO (1983), p. 133-59.10. RASMUSSEN (1956).11. Hirschman alegou que “é claro que a agricultura, em geral, e a cultura de subsistência, em particular,

são caracterizadas pela escassez de efeitos de integração”.12. LAUMAS (1975), p. 62-79.13. BAER (1965), p. 138-44; ver também a confirmação anterior de Huddle sobre o estudo de Baer

realizado sobre a tabela de insumo-produto de 1959 (HUDDLE, 1972, p. 568-9). Muitas de nossas conclu-sões também foram apoiadas por LOCATELLI (1985).

14. Ver Capítulo 5 deste livro.15. LOCATELLI (1985), p. 166-71; ver também BONELLI & DA CUNHA(1981), p. 703-56.

470

Page 458: Economia Brasileira - Werner Baer

19Epílogo: a economia brasileira de 1999 a 2002

DESVALORIZAÇÃO DO REAL em janeiro de 1999 exerceu mais efeitos positivos do que negativos sobre a economia do Brasil. A taxa de crescimento do PIB, que atingira a modesta marca de 0,22% em 1998, aumentou para 0,79% em 1999, saltando a seguir para 4,4% em 2000. A balança comercial, cujos resultados foram muito negativos (US$ -8,4 bilhões em 1997 e US$ -6,5 bilhões em 1998), passou para US$ -1,3 bilhão em 1999 e US$ -0,7 bilhão em 2000, devido à queda das importações.

O impacto inflacionário da desvalorização foi relativamente suave. O aumento do índice de Preços ao Consumidor, que havia caído de 9,6% em 1996 para 5,2% em 1997 e 1,7% em 1998, subiu para 8,9% em 1999, caindo novamente em 2000 para 6%. O fato de a economia apresentar um grande excesso de capacidade industrial (acima de 18%) e um elevado índice de desemprego (cerca de 9% da força de trabalho) na época da desvalorização, permitiu uma reação inflacionária pequena. Além disso, o Plano Real foi acompanhado por uma desindexação geral da economia, evitando que grande parte dos aumentos dos custos de produtos importados fosse repassada ao consumidor.

Como podemos observar na Tabela 19.1a, o declínio da atividade econômica teve curta duração. No que se refere ao setor industrial, houve um aumento na produção de produtos de consumo duráveis no terceiro trimestre de 1999 e na de bens de capital no último trimestre desse ano (Tabela 19.1b). Houve também um aumento significativo na produção agrícola. A queda relativamente breve na atividade econômica ocorreu devido, em parte, ao impacto positivo da desvalorização sobre a demanda por produtos domés-ticos que concorriam com importados, a um ano excepcionalmente bom para o setor agrícola, à rápida queda das taxas de juros após o primeiro trimestre do ano e à manu-tenção do poder de compra dos salários (que foram positivamente afetados pela redução dos preços dos alimentos).1

471

Page 459: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela 19.1aBrasil: desem penho econômico geral, 1999-2001

PIB Indústria Agricultura Serviços Inflação* Taxa de juros **

1998 0,2 -1,45 1,94 1,11 1,65 32,2

1999 0,8 -1,60 7,41 1,89 8,94 19,0

2000 4,4 4,87 3,03 3,71 5,97 17,4

2001 1,5 0,58 5,11 2,52 7,67 17,3

2002*** 1,25 0,40 4,40 2,10 8,99 21,0* Preços ao consumidor ** Selic, média ***Estimativa em outubroFonte: Conjuntura F.conômica-, IPEA, fíoletim Conjuntural.

Tabela 19.1b Brasil: crescimento industrial (taxas de crescim ento trimestrais)

Indústria Indústria de Bens de Bens Bens de consumo Bens de consumototal transformação capital intermediários duráveis não-duráveis

1998I -0,40 -8,81 -0,65 0,45 -10,64 -0,58

II 0,73 0,48 2,91 0,71 6,39 -0,30

III -1,28 -1,78 -4,29 0,01 -10,00 0,05

IV -3,30 -4,49 -11,40 -3,14 -8,05 -1,33

19991 0,32 0,37 2,31 1,25 -3,00 -0,96

II 1,39 1,86 -2,58 1,96 -1,47 2,66III 0,16 -0,02 -1,74 0,73 6,37 -2,30

IV 3,61 3,35 8,47 4,03 5,59 -0,05

2000I 1,32 1,68 0,88 0,77 9,42 1,1011 0,40 0,07 2,51 1,32 -1,18 -2,55

III 1,28 0,82 8,43 0,46 2,00 -0,53

IV 4,03 3,07 1,95 2,88 16,27 3,28

20011 0,77 1,6 5,98 1,53 -2,40 1,79

II -3,00 -3,2 -0,12 -3,80 -7,23 -3,51

III -1,60 -2,5 3,25 -2,35 -15,00 0,91

IV 0,00 0,00 -5,56 -1,60 11,36 1,80

2002I -2,1 -3,4 -1,9 -2,1 -8,6 -0,2II 1,9 0,3 -0,4 2,5 -2,0 0,9

Fonte: IPEA, Boletim Conjuntural.

A l i

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O déficit nas transações correntes de US$ 26 bilhões (Tabela 19.2) foi mais do que compensado pela expressiva entrada de investimentos diretos. Esses aportes aumen-taram de US$2 bilhões em 1994 para US$28,9 bilhões em 1998, mantendo-se em1999 em níveis praticamente semelhantes (US$ 28,6 bilhões). Alguns desses influxos foram associados ao programa de privatização do país, outros provieram da expansão ou estabelecimento de novas instalações de multinacionais no Brasil e uma quanti-dade expressiva originou-se de fusões e aquisições de indústrias e bancos brasileiros já existentes.

Um lado negativo da desvalorização cambial de 1999 foi seu impacto sobre as fi-nanças públicas. Como a dívida externa federal era muito maior do que a do setor privado, o setor público elevou a meta do superávit primário de 0,5% do PIB em 1998 para 3,25% do PIB em 1999. (Tabela 19.3).

Em termos de crescimento e estabilidade, o desempenho da economia em 2000 foi o melhor desde a introdução do real, visto que o PIB cresceu 4,5% e a inflação atingiu apenas 6%. A taxa de desemprego caiu de 7,5% no início do ano de 2000 para 7% no final desse mesmo ano.

Tabela 19.2 Brasil: indicadores de posição econômica internacional, 1998-2002

(bilhões de US$)

Balança Transações comercial correntes

Investimentos em títulos

Investimentos Amortização Juros estrangeiros

diretos

Dividendos

1998 -6,5 -33,4 - 1,8 28,9 -33,6 -11,4 -6,81999 -1,2 -26,0 1,4 28,6 -49,1 -14,9 -4,12000 -0,7 -24,7 2,7 30,5 -34,7 -14,6 -3,32001 2,6 -23,2 -1,9 22,6 -35,1 -14,9 -5,02002* 2,4 -13,4 - 1,1 15,0

*Setembro.Fonte: Banco Central do Brasil.

Tabela 19.3Brasil: posição fiscal do governo

(% do PIB)

Dez. Dez. Dez. Dez. Dez. Set.1997 1998 1999 2000 2001 2002

Superávit primário -0,92 0,01 3,09 3,54 3,70 3,88Total federal -0,26 0,57 2,25 1,90 1,90 -Estados e municípios -0,73 0,20 0,21 0,56 0,90 -Empresas estatais 0,07 -0,36 0,62 1,08 0,90 -

Fonte: Bacen/Depec.

473

Page 461: Economia Brasileira - Werner Baer

O desempenho fiscal do setor público continuou positivo, pois o superávit primário atingiu 3,54% do PIB (superando a meta do programa do FMI em R$ 1,4 bilhão). A melhora do superávit primário também se beneficiou do melhor desempenho fiscal dos governos estaduais e empresas estatais e da maior receita fiscal associada à elevada taxa de crescimento econômico.

A crise de 2001

No início de 2001 quase todos os analistas previam outro ano com um significativo crescimento do PIB da ordem de 4-5%. A confiança de que as taxas de inflação conti-nuariam baixas fez com que o Banco Central reduzisse sua taxa Selic básica para 16,5% na segunda metade do ano 2000, e para 15,25% em janeiro de 2001.

Esse cenário foi abalado por choques adversos de origem tanto interna quanto externa. Internamente, o racionamento da energia elétrica impactou desfavoravelmen-te o consumo e o investimento. E externamente “...cabe destacar os desequilíbrios da economia Argentina, que se fizeram presentes praticamente em todo o período, com impactos sobre o câmbio e as exportações, e os ataques terroristas aos Estados Unidos, ocorridos em setembro, que aumentaram as incertezas sobre as trajetórias das econo-mias americana e mundial, que já apresentavam desaceleração” .2

A crise energética

Tornou-se cada vez mais evidente na primeira metade de 2001 que o Brasil enfren-tava uma escassez de energia. Alguns responsabilizaram a seca prolongada nas regiões Nordeste e Central do Brasil que reduziu perigosamente o nível dos reservatórios que forneciam quase toda a energia doméstica e comercial. Diante desta situação o gover-no federal decidiu elaborar um plano de racionamento de energia a fim de evitar blecautes em diversas áreas do país. Em meados de 2001 ficou claro que a crise de energia iria exercer um impacto negativo sobre o crescimento.

Um crescente número de críticos tem atribuído a crise de energia à falta de plane-jamento por parte do governo. Os dados mostram que o crescimento da capacidade de energia elétrica instalada foi muito menor do que o crescimento do consumo comercial e residencial durante a década de 1990 (ver Tabela 19.4). Além disso, uma comissão independente que analisou a crise de energia concluiu que a principal causa do pro-blema foi a falta de investimento em geração e transmissão, que estavam basicamente nas mãos do governo (a privatização do setor concentrou-se na distribuição).3 Não fi-cou claro se essa falta de investimento ocorreu devido à excessiva ansiedade do go-verno em atingir desde o início da década de 1990 o ajuste fiscal e, desse modo, obter a aprovação do FMI e da comunidade internacional de investimentos.4

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Tabela 19.4Brasil: crescimento da capacidade de energia elétrica,

PIB e consum o de energia (taxas de crescimento m édio anual)

Capacidade PIB Consumo Consumo de Consumo de Consumo deinstalada de total de eletricidade eletricidade eletricidade

energia elétrica eletricidade industrial comercial residencial

1981-1990 4,8 1,6 5,9 5,4 5,5 7,41991-2000 3,3 2,6 4,1 2,4 7,1 5,8

Fonte: Eletrobrás e IBGE.

A deterioração do crescimento em 2001

Em uma análise trimestral da economia, a Tabela 19.1b deixa evidente que ocor-reu uma deterioração da economia brasileira em 2001. Por exemplo, o setor industrial apresentou um pequeno crescimento no primeiro trimestre, seguido por um cresci-mento negativo no segundo e terceiro trimestres, e estagnação no último trimestre. Uma análise da tabela 19.1b também deixa claro que o crescimento vigoroso do setor agrícola impediu uma queda do PIB em 2001.

A grave crise econômica argentina exerceu um impacto extremamente negativo na economia do Brasil. A taxa negativa de crescimento da economia argentina desacelerou as exportações brasileiras para aquele país. Entretanto, o impacto mais importante da crise argentina foi seu “efeito-contágio” no que se refere ao inves-timento estrangeiro direto no Brasil. Esse tipo de investimento, que havia atingido US$32,8 bilhões no ano de 2000, declinou significativamente em 2001 para US$ 22,5 bilhões. Considerando-se a necessidade de US$ 55 bilhões para cobrir amortizações, juros e dividendos, o país tinha de captar financiamentos externos de cerca de US$ 22 bilhões. O “efeito-contágio” também provocou uma significativa desvalorização do real, que passou a valer R$ 2,36 por US$ em dezembro (depois de atingir R$ 2,74 em outubro).

O Banco Central reagiu a esta situação e diante do impacto inflacionário da desva-lorização do real decidiu elevar as taxas de juros (a taxa Selic básica atingiu 19% em agosto de 2001 e ficou nesse patamar no restante do ano). Esse fato, por sua vez, desacelerou a economia cujo crescimento caiu de 4,4 % em 2000 para 1,5% em 2001. Houve também um significativo declínio no uso da capacidade instalada da indústria. Nesse setor como um todo, o uso da capacidade caiu de cerca de 84% em outubro d e2000 para 79,8% em outubro de 2001.

Apesar do “bom comportamento” do Brasil segundo o ponto de vista do F M I e da comunidade financeira internacional — isto é, a produção de um superávit prim á-rio significativo nas contas do setor público — o FMI exigiu um novo aperto orçamen-tário como condição para conceder outro empréstimo para neutralizar o “contágio” argentino e especialmente para evitar a deterioração da razão dívida/PIB. De fato, o

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governo brasileiro já havia se comprometido em impedir o aumento dessa razão, colocando-se numa difícil posição, visto que a carga da dívida do setor pública aumen-tava. Vários fatores contribuíram para essa situação. Primeiro, a expressiva desvalori-zação do real exerceu um forte impacto em grande parte da dívida que estava atrelada ao dólar e, considerando-se a desaceleração da taxa de crescimento do PIB, a razão dívida/PIB aumentou significativamente. O crescimento mais lento da taxa do PIB também reduziu as receitas do setor público, e as taxas de juros mais elevadas tam-bém contribuíram para aumentar a carga do serviço da dívida.s Como o governo bra-sileiro se comprometeu junto ao FMI desde o final da década de 1990 a fazer com que a razão dívida/PIB se mantivesse estável, ele viu-se cada vez mais pressionado para aumentar o superávit primário. Considerando-se as tendências de crescimento e de juros, e desvalorização na taxa de câmbio exposta acima, o superávit primário exigido cresceu continuamente, aumentando de 3,54% do PIB em 2000 para 3,70% no final de 2001. Mas a dívida pública elevou-se de 49,4% do PIB no final de 2000 para 53,25% do PIB no final de 2001.

A crise de 2002

A economia brasileira em 2002 foi caracterizada por fortes tensões oriundas do seu balanço de pagamentos. Embora pareça que o governo tenha feito tudo que a comuni-dade internacional, especialmente o FMI, queria que fosse feito a fim de evitar uma crise no mercado de câmbio - como a obtenção de um superávit primário de 3,75% do PIB - o prolongamento da crise argentina, as conseqüências dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a recessão mundial, e as incertezas criadas pelo período elei-toral no país implicaram que a economia brasileira tivesse uma performance ruim. No início do último trimestre do ano de 2002, esperava-se que a economia crescesse so-mente 1,25%, com o setor industrial se expandindo somente 0,4%. Como recompensa ao bom comportamento do governo brasileiro, o FMI ofereceu um empréstimo ao Bra-sil de US$ 30 bilhões em agosto, esperando que a comunidade financeira internacional apoiasse o país nesse período de dificuldades econômicas. Entretanto, o apoio do FMI não impediu, por exemplo, uma queda esperada do investimento estrangeiro direto para US$ 15 bilhões. Embora a balança comercial continuasse a melhorar (resultando mais em uma queda de importações do que em um aumento das exportações) e a conta corrente tenha melhorado em cerca de US$ 10 bilhões (com um declínio do déficit de US$ 23 bilhões para US$ 13 bilhões), o mercado internacional de capitais tornou-se crescentemente relutante a fazer compromissos com países como o Brasil.

A perda da credibilidade brasileira na comunidade financeira internacional deveu- se principalmente às incertezas descritas acima. Como conseqüência ocorreu uma re-dução dramática da rolagem da dívida externa brasileira de 70% no início do ano para 30% no início do segundo semestre. Ocorreu também uma notável queda nas linhas de financiamento de comércio exterior para o Brasil. Como resultado a moeda brasilei-ra se desvalorizou em relação ao dólar americano em torno de 40% entre abril e outu-bro de 2002. (Lembrar que parece que o déficit em conta corrente tende a ser muito baixo em 2003.)

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Com 50% da dívida pública interna brasileira atrelada à moeda americana, a rápida desvalorização do real no segundo semestre de 2002 resultou em um substancial au-mento da relação dívida/PIB, de 49,4% em 2000 para 58,3% em agosto de 2002. No final do ano parecia muito provável que esta relação aumentasse para 75% do PIB. Dada a baixa taxa de crescimento da economia (entre 1% e 1,5%) e as altas taxas reais de juros (cm torno de 11%), isto iria requerer um superávit primário de 7,5% a fim de manter a relação dívida/PIB constante. A obtenção de um superávit primário de 3,75% somente manteria a relação dívida e PIB estável se a economia crescesse pelo menos 3% e as taxas reais de juros caíssem para 8% ou menos, o que ao final do ano 2002 parecia improvável.

Dado o baixo crescimento econômico e as altas taxas reais de juro, parece muito pos-sível que Brasil seja forçado a renegociar parte das dívidas interna e externa. Portanto, uma renegociação da dívida pública brasileira pode ser evitada se ocorrer um substan-cial aumento do crescimento econômico e um aumento do fluxo de capitais tanto na forma de empréstimos em moeda como em investimentos diretos. Entretanto, um au-mento do crescimento econômico e o retorno de vultosos influxos de capitais parecem incertos dado que um novo governo está prestes a tomar posse em janeiro de 2003.

Notas

1. Para uma descrição mais detalhada do impacto da desvalorização de janeiro de 1999, ver: IPEA, Bole-tim Conjuntural, 48, jan./2000 “Panorama Conjuntural” .

2. Banco Central do Brasil, Relatório Anual2001, p. 16.3. O artigo “Estudo atribui crise de energia a erros do governo,” Gazeta Mercantil, 26/07/01, p. A-6, discu-

te o relatório dessa comissão.4. Uma crítica semelhante foi feita por alguns analistas do BNDES. Eles declaram que no ano de 2000,

aproximadamente 80% da geração e tansmissão de energia ainda se encontrava nas mãos de empresas esta-tais. Como o Estado não dispunha de recursos suficientes, vários planos de investimento da Eletrobrás foram adiados. Alem disso, a partir da década de 1990, a maioria dos recursos das empresas estatais destinada ao setor de energia foi usada para colocar em ordem sua situação financeira. Esses analistas concluem que: “...ao mesmo tempo cm que o Estado não mais podia investir e/ou não priorizava novos investimentos em geração, o rápido crescimento da demanda vinha consumindo o estoque de sobrecapacidade do sistema. Foi nesse momento que o governo adotou a estratégia de iniciar o cronograma de privatização pelo segmento de distribuição de energia. Por um lado, essa opção foi correta por dissipar os riscos de inadimplência nas tran-sações de compra e venda de energia elétrica verificada no período estatal. Por outro, a perda de momentum do programa dc privatização fez com que, sem que tivesse condições de investir, o Estado mantivessse em suas mãos o segmento que deveria realizar os investimentos para a expansão do sistema. Isso criou uma fonte de incerteza sobre os rumos e o ritmo de abertura do setor e desencorajou novos investimentos priva-dos.” (José Cláudio Linhares Pires, Joana Gostkorzewicz, Fábio Giamgiagi,“0 cenário macroecnômico e as condições dc oferta de energia elétrica no Brasil,” BNDES , Textos para Discussão, 85, mar./2001, p. 21).

5. Calculou-se que para a desvalorização de cada ponto percentual do real há um aumento de 0,21% no índice da dívida/PIB; e para o aumento de cada ponto percentual na taxa de juros há um aumento de 0,26% nesse índice. Finalmente, para a queda de cada ponto percentual na taxa de crescimento do PIB há um aumento de 0,46% na razão dívida/PIB. Ver o jornal Valor, 30/jul./01, p. C l .

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Com 50% da dívida pública interna brasileira atrelada à moeda americana, a rápida desvalorização do real no segundo semestre de 2002 resultou em um substancial au-mento da relação dívida/PIB, de 49,4% em 2000 para 58,3% em agosto de 2002. No final do ano parecia muito provável que esta relação aumentasse para 75% do PIB. Dada a baixa taxa de crescimento da economia (entre 1% e 1,5%) e as altas taxas reais de juros (em torno de 11%), isto iria requerer um superávit primário de 7,5% a fim de manter a relação dívida/PIB constante. A obtenção de um superávit primário de 3,75% somente manteria a relação dívida e PIB estável se a economia crescesse pelo menos 3% e as taxas reais de juros caíssem para 8% ou menos, o que ao final do ano 2002 parecia improvável.

Dado o baixo crescimento econômico e as altas taxas reais de juro, parece muito pos-sível que Brasil seja forçado a renegociar parte das dívidas interna e externa. Portanto, uma renegociação da dívida pública brasileira pode ser evitada se ocorrer um substan-cial aumento do crescimento econômico e um aumento do fluxo de capitais tanto na forma de empréstimos em moeda como em investimentos diretos. Entretanto, um au-mento do crescimento econômico e o retorno de vultosos influxos de capitais parecem incertos dado que um novo governo está prestes a tomar posse em janeiro de 2003.

Notas

1. Para uma descrição mais detalhada do impacto da desvalorização de janeiro dc 1999, ver: IPEA, Bole-tim Conjuntural, 48, jan ./2000 “Panorama Conjuntural”.

2. Banco Central do Brasil, Relatório Anual2001, p. 16.3. O artigo “Estudo atribui crise de energia a erros do governo,” Gazeta Mercantil, 26/07/01, p. A-6, discu-

te o relatório dessa comissão.4. Uma crítica sem elhante foi feita por alguns analistas do BNDES. Eles declaram que no ano de 2000,

aproximadamente 80% da geração e tansmissão de energia ainda se encontrava nas mãos dc empresas esta-tais. Como o Estado não dispunha de recursos suficientes, vários planos de investimento da Elctrobrás foram adiados. Além disso, a partir da década de 1990, a maioria dos recursos das empresas estatais destinada ao setor de energia foi usada para colocar em ordem sua situação financeira. Esses analistas concluem que: “...ao mesmo tempo em que o Estado não mais podia investir e/ou não priorizava novos investimentos em geração, o rápido crescimento da demanda vinha consumindo o estoque de sobrecapacidade do sistema. Foi nesse momento que o governo adotou a estratégia de iniciar o cronograma de privatização pelo segmento de distribuição dc energia. Por um lado, essa opção foi correta por dissipar os riscos de inadimplência nas tran-sações dc compra e venda de energia elétrica verificada no período estatal. Por outro, a perda de momentum do programa de privatização fez com que, sem que tivesse condições de investir, o Estado mantivessse em suas mãos o segmento que deveria realizar os investimentos para a expansão do sistema. Isso criou um a fonte de incerteza sobre os rumos e o ritmo de abertura do setor e desencorajou novos investimentos priva-dos.” (José Cláudio Linhares Pires, Joana Gostkorzewicz, Fábio Giamgiagi,“0 cenário macroecnômico e as condições dc oferta de energia elétrica no Brasil,” BNDES , Textos para Discussão, 85, mar./2001, p. 21).

5. Calculou-se que para a desvalorização de cada ponto percentual do real há um aumento de 0,21% no índice da dívida/PIB; c para o aumento de cada ponto percentual na taxa de juros há um aumento de 0,26% nesse índice. Finalmente, para a queda de cada ponto percentual na taxa de crescimento do PIB há u m aumento dc 0,46% na razão dívida/PIB. Ver o jornal Valor, 30/jul./01, p. C l.

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Apêndice estatístico

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Apêndice est;

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Apêndice estatístico

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Tabela A lDistribuição setorial do PIB (1950-99)

Ano Taxa de crescimento

anual do PIB

PIB per capita (* 1980 US$)

(** 1988 US$)

Agricultura Indústria Serviços Total

1950 6,80% 24,28% 24,14% 51,58% 100,01951 4,90% 23,76% 25,14% 51,10% 100,01952 7,30% 24,99% 24,18% 50,83% 100,01953 4,70% 23,55% 25,41% 51,04% 100,01954 7,80% 24,12% 25,76% 50,12% 100,01955 8,80% 23,47% 25,64% 50,89% 100,01956 2,90% 21,09% 27,32% 51,60% 100,01957 7,70% 20,43% 27,81% 51,76% 100,01958 10,80% 18,40% 31,12% 50,49% 100,01959 9,80% 17,16% 32,98% 49,86% 100,0I960 9,40% 650,6* 17,76% 32,24% 50,01% 100,01961 8,60% 16,96% 32,53% 50,50% 100,01962 6,60% 17,46% 32,48% 50,06% 100,01963 0,60% 15,95% 33,10% 50,96% 100,01964 3,40% 16,28% 32,52% 51,21% 100,01965 2,40% 15,86% 31,96% 52,18% 100,01966 6,70% 14,15% 32,76% 53,09% 100,01967 4,20% 13,71% 32,03% 54,25% 100,01968 9,80% 11,79% 34,77% 53,45% 100,01969 9,50% 1 1,39% 35,24% 53,36% 100,01970 10,40% 923,9% 1 1,55% 35,84% 52,61% 100,01971 1 1,30% 12,17% 35,22% 51,61% 100,01972 12,10% 12,25% 36,99% 50,75% 100,01973 14,00% 1 1,92% 39,59% 48,49% 100,01974 9,00% 11,44% 40,49% 48,07% 100,01975 5,20% 10,75% 40,37% 48,88% 100,01976 9,80% 10,86% 39,91% 49,24% 100,01977 4,60% 12,61% 38,64% 48,75% 100,01978 4,80% 10,26% 39,49% 50,25% 100,01979 7,20% 9,91% 40,04% 50,05% 100,01980 9,20% 2,291** 10,2 0 % 40,58% 49,22% 100,01981 -4,50% 2,252** 9,47% 39,09% 51,44% 100,01982 0,50% 2,173** 7,73% 40,33% 51,94% 100,01983 -3,50% 2,058** 9,02% 37,82% 53,16% 100,01984 5,30% 2,118** 9,29% 39,44% 51,27% 100,01985 7,90% 2,235** 9,00% 38,73% 52,27% 100,01986 7,60% 2,362** 9,24% 39,87% 50,89% 100,01987 3,60% 2,394** 7,73% 38,51% 53,76% 100,01988 -0 , 10% 2,346** 7,60% 37,92% 54,48% 100,01989 3,30% 2,377** 7,20% 34,38% 58,42% 100,01990 -4,40% 2,233** 9,26% 34,20% 56,54% 100,01991 1, 10% 2 ,212** 9,96% 34,58% 55,46% 100,01992 -0,90% 2,151** 9,89% 31,56% 58,55% 100,01993 4,92 100,01994 5,85 2,970 100,01995 4,22 3,640 100,01996 2,66 14% 36% 50% 100,01997 3,60 4,720 8 % 35% 57% 100,01998 -0,12 4,570 8 % 36% 56% 100,01999 0,80 100,0Obs.: PIB per capita de 1980 em preços de 1980 = US$ 1.651,6.Fontes: Estatísticas históricas do Brasil', Anuário Estatístico do Brasil, Brasil em dados e vários relatórios anuais do IDB, Socio-

Economic Progress in Latin America.

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Tabela A2Taxas de crescimento de subsetores (1971-99)

1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977

Agricultura 10,15 3,97 0,08 1,30 6,64 2,44 12,11

Indústria 11,81 14,19 17,04 8,49 4,9 11,74 3,14

Extrativa 3,60 2,40 23,24 3,02 2,75 -3,47Manufatureira 11,86 13,95 16,62 7,75 3,81 12,12 2,27Minerais não-metálicos 4,35 13,82 16,30 14,79 8,99 12,41 7,14Produtos de metal 12,76 12,30 9,42 5,18 9,19 9,62 6,59

Maquinário 20,68 19,94 28,54 11,65 15,14 9,19 -6,71Equipamento elétrico 12,85 22,10 27,93 10,24 0,50 17,69 0,27Equipamento de transportes 24,77 22,53 27,59 18,85 0,52 8,65 -0,30Produtos de madeira - - - - - - -Móveis - - - - - - -Produtos de papel 6,99 7,51 9,37 4,27 -14,80 20,95 2,42Produtos de borracha 12,92 13,02 22,31 18,23 4,73 11,07 -2,02Produtos de couro - - - - - - -Produtos químicos 12,11 16,98 23,37 5,36 2,48 16,15 5,29Farmacêuticos - - - - - - -Perfumes, sabonetes e velas 19,8 9,13 6,58 11,48 3,68 15,24 -3,33Produtos plásticos 10,05 18,3 28,23 23,17 5,13 20,71 0,30

Têxteis 16,61 3,77 6,88 -3,46 2,33 4,88 2,05Vestuário e calçados -7,74 5,02 14,11 2,11 7,18 10,45 -0,58Produtos alimentícios 2,51 16,22 9,60 5,47 -0,13 12,78 6,62Bebidas 11,34 4,79 17,81 8,34 5,49 13,22 12,95Fumo 4,85 5,96 6,41 12,82 7,89 9,19 8,24Impressão e material gráfico - - - - - - -Diversos - - - - -Construção 11,2 17,9 20,9 9,1 8,1 10,17 5,24

Serviços 11,2 12,43 15,64 10,58 5,04 11,57 5,02

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil 1992, 1997.

482

Page 471: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A2 (c o j

Taxas de crescim ento de sul

Agricultura

Indústria

ExtrativaManufatureira

Minerais não-metálicos

Produtos de metal

Maquinário

Equipamento elétrico

Equipamento de transportes

Produtos de madeira

Móveis

Produtos de papel

Produtos de borracha

Produtos de couro

Produtos químicos

Farmacêuticos

Perfumes, sabonetes e velas

Produtos plásticos

Têxteis

Vestuário e calçados

Produtos alimentícios

Bebidas

Fumo

Im pressão e material gráfico

DiversosConstrução

Serviços

1978 1979 19*

-2,68 4,70 9,-

6,44 6,80 9,17,51 12,05 12,:6,11 6,86 9,5,59 5,88 7, '5,44 8,24 12,-1,68 7,66 14„

16,96 7,71 12,10,41 6,69 4,

11,21 13,19 11,7,59 7,21 9 ,

7,53 9,36 5 .1,42 5,53 11

11,41 15,06 99,34 6,53 14-6,52 8,487,66 5,14 IO

-1,09 -0,39 &7,09 4,63 £5,74 7,54 5

6,20 3,71 £

6,16 7,75 c

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil 1992, 1997.

Page 472: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A2 (continuação)Taxas de crescim ento de subsetores (1971-99)

1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984

Agricultura -2,68 4,70 9,52 7,97 -0,22 -0,46 2,63

Indústria 6,44 6,80 9,25 -8,83 0,15 -5,91 6,37Extrativa 7,51 12,05 12,84 -2,48 6,93 15,45 30,48

Manufatureira 6,11 6,86 9,11 -10,38 -0,18 -5,85 6,17Minerais não-metálicos 5,59 5,88 7,74 -5,23 -2,84 -16,30 -0,15Produtos de metal 5,44 8,24 12,48 -17,00 -3,65 -2,61 13,78Maquinário 1,68 7,66 14,48 -19,67 -17,25 -13,36 18,77Equipamento elétrico 16,96 7,71 12,30 -15,38 2,78 -11,15 1,99Equipamento de transportes 10,41 6,69 4,50 -22,87 -2,95 -6,66 4,58Produtos de madeira - - - - - - -Móveis - - - - - - -Produtos de papel 11,21 13,19 11,22 -6,89 7,22 1,69 6,84Produtos de borracha 7,59 7,21 9,36 -14,61 -5,89 3,82 7,76Produtos de couro - - - - - - -

Produtos químicos 7,53 9,36 5,02 -1,24 8,14 -1,50 9,56Farmacêuticos 1,42 5,53 11,66 2,61 0,71 -7,69 8,86Perfumes, sabonetes e velas 11,41 15,06 9,06 1,41 3,56 1,30 - 1,11Produtos plásticos 9,34 6,53 14,45 -20,90 9,12 -10,19 4,28Têxteis 6,52 8,48 6,51 -13,72 5,02 -10,61 -3,62Vestuário e calçados 7,66 5,14 10,67 -0,67 3,02 -15,07 2,21Produtos alimentícios -1,09 -0,39 8,38 2,67 1,31 3,25 -0,69Bebidas 7,09 4,63 2,03 -7,58 -2,38 -5,05 -0,52Fumo 5,74 7,54 -3,27 4,08 4,24 -1,72 3,29Impressão e material gráfico - - - - - - -Diversos - - - - - - -

Construção 6,20 3,71 9,04 -5,97 -1,31 -14,24 -0,63

Serviços 6,16 7,75 9,02 -2,23 2,01 -0,80 4,13

Fonte: Anuário F.stattstico do Brasil 1992, 1997.

483

Page 473: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A2 (continuação)Taxas de crescimento d e subsetores (1971-99)

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991

Agricultura 9,58 -8,21 15,21 1,49 2,85 -3,72 2,62

Indústria 8,97 11,67 1,05 -2,59 2,90 -7,99 -0,76Extrativa 11,60 3,69 -0,25 0,38 3,96 2,73 0,28

Manufatureira 8,34 11,30 0,95 -3,42 2,88 -9,46 -0,71Minerais não-metálicos 7,95 17,24 2,33 -4,10 3,82 -11,03 1,47Produtos de metal 7,32 11,95 0,43 -3,25 5,01 -12,62 -0,18Maquinário 10,35 21,98 4,03 -8,56 4,99 -6,86 -12,64Equipamento elétrico 19,04 22,58 -2,23 -4,44 5,67 -5,51 -4,52Equipamento de transportes 11,73 12,52 -10,15 9,08 -2,81 -15,86 0,33Produtos de madeira - - - - - - -Móveis - - - - - - -Produtos de papel 6,50 10,46 3,62 -1,58 5,62 -6,25 5,6Produtos de borracha 8,51 13,55 3,62 2,13 -1,89 -4,39 0,83Produtos de couro - - - - - - -Produtos químicos 6,23 1,46 5,53 -3,04 -0,29 -8,07 4,32Farmacêuticos 5,23 22,85 2,37 -4,18 4,68 -9,71 2,45Perfumes, sabonetes, velas 15,93 20,01 12,25 -7,85 11,52 -5,68 5,31Produtos plásticos 11,50 21,61 -4,20 -7,21 12,36 -15,61 -1,09Têxteis 13,51 13,52 -0,59 -6,13 0,49 - 10,11 -5,27Vestuário e calçados 6,40 7,25 -9,61 -6,91 1,85 -14,00 -13,22Produtos alimentícios 0,22 0,35 6,82 -2,43 1,27 1,82 3,98Bebidas 11,03 23,19 -3,43 2,20 14,70 2,28 4,99Fumo 11,72 7,46 2,10 0,97 5,11 -1,35 1,48Impressão e material gráfico - - - - - - -Diversos - - - - - - -Construção 10,89 17,52 1,07 -2,92 3,28 -8,35 -3,99

Serviços 6,49 8,24 3,29 2,37 3,81 -0,83 2,12Fonte: Anuário Fstatístico do Brasil 1992, 1997.

Page 474: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A2 (continuação)Taxas de crescim ento de subsetores (1971-99)

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Agricultura -2,2 3,2 3,9 -3,9 - - - -

Indústria -3,73 7,51 7,60 1,82 1,73 0,04 -1,02 4,42Extrativa 0,77 0,63 4,72 3,25 1,10 8,87 16,42 6,41

Manufatureira -4,08 8,07 7,82 1,72 1,10 -0,05 -1,59 5,50Minerais não-metálicos -7,67 4,90 3,07 4,09 3,90 - - -Produtos de metal -0,64 7,71 10,17 -1,71 2,90 6,4 -13,7 11,88Maquinário -9,49 17,36 21,07 -4,60 3,10 -4,0 -7,00 7,53Equipamento elétrico -12,64 14,25 18,97 14,60 6,20 - - -Equipamento de transportes -2,16 20,76 13,45 4,05 7,70 -15,50 -35,40 7,5Produtos de madeira - 1,2 6,83 -2,61 -3,36 4,20 - - -Móveis -11,56 20,39 1,17 6,21 3,90 - - -Produtos de papel -2,01 4,84 2,78 0,45 6,10 -5,7 9,7 7,0Produtos de borracha -0,08 9,26 4,02 -0,19 2,80 - - -Produtos de couro -3,11 10,53 -4,31 -16,70 3,80 - - -Produtos químicos -0,46 4,29 6,62 -0,46 2,70 - - -Farmacêuticos -11,25 12,37 -2,46 18,15 - - - -Perfumes, sabonetes e velas -0,60 4,45 2,45 5,31 - - - -Produtos plásticos -11,34 7,71 4,13 9,71 - - - -Têxteis -4,51 -0,45 3,79 -5,76 2,40 - - -Vestuário e calçados -7,65 10,57 -2.10 -7,22 4,00 - - -Produtos alimentícios -0,08 0,54 2,23 7,69 1,80* - - -Bebidas -16,65 8,70 10,41 17,16 - - - -Fumo 17,72 4,40 -14,78 -5,10 0,50 - - -Impressão e material gráfico - - 6,4 8,4 4,10 - - -Diversos - - - - - - - -Construção - - - - - - - -

Serviços - - - - - - - -

Fonte: Anuário F.statístico do Brasil 1992, 1997.

485

Page 475: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A3 Formação de capital fixo bruto, 1950-99

(como % do PIB)

Ano Em preços correntes Em preços de 1980

1950 12,80 _1951 15,40 -

1952 14,80 -

1953 15,10 -

1954 15,80 -

1955 13,50 -

1956 14,50 -

1957 15,00 -

1958 17,00 -

1959 18,00 -

1960 15,70 -

1961 13,10 -

1962 15,50 -

1963 17,00 -

1964 15,00 -

1965 14,70 -

1966 15,90 -

1967 16,20 -

1968 18,70 -

1969 19,10 -

1970 18,80 20,61971 19,60 21,31972 20,20 22,21973 21,40 23,61974 22,80 24,71975 24,40 25,81976 22,50 25,01977 21,40 23,61978 22,20 23,51979 23,00 22,91980 22,80 22,81981 23,10 20,91982 21,80 19,41983 18,60 16,81984 17,70 16,21985 16,90 16,31986 19,00 18,71987 22,20 17,81988 22,70 17,01989 24,80 16,61990 21,50 15,81991 18,90 15,11992 19,10 14,51993 19,28 14,381994 29,75 15,241995 20,54 16,781996 19,26 16,541997 19,93 18,061998 19,92 17,721999 - 15,97

Fontes: Anuário Estatístico do Brasil, IBGE; Perspectivas da economia brasileira 1994, Rio de Janeiro, IPEA, 1993.

486

Page 476: Economia Brasileira - Werner Baer

"TBalanço de p

( U S

Ano Exportações Importações

1950 1359 9341951 1771 17031952 1416 17021953 1540 11161954 1558 14101955 1419 10991956 1483 10461957 1392 12851958 1244 11791959 1282 12101960 1270 12931961 1405 12921962 1215 13041963 1406 12941964 1430 10861965 1596 9411966 1741 13031967 1654 14411968 1881 18551969 2311 19331970 2739 25071971 2904 32451972 3991 42351973 6199 6192,21974 7951 12641,31975 8669,90 12210,31976 10128,30 123831977 12120,10 120231978 12658,90 13683,11979 15244,40 18083,11980 20133 229541981 23292 220921982 20176 193951983 21899 154291984 27006 139161985 25642 131541986 22349 140451987 26224 150531988 33789 146051989 34383 182631990 31414 206611991 31620 210411992 35862 205541993 38597 256591994 43545 331051995 46506 496641996 47747 533011997 52990 613471998 51120 575941999 48006 49212

Fonte: Conjuntura econômica.

Page 477: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A4 Balanço de pagamentos, 1950-99

(US$ milhões)

Ano Exportações Importações Balançacomercial

Taxa de juros

Total deserviços

Contacorrente

1950 1359 934 425 -209 -283 1401951 1771 1703 68 -379 -469 -4031952 1416 1702 -286 -300 -336 -6241953 1540 1116 424 -228 -355 551954 1558 1410 148 -241 -338 -1951955 1419 1099 320 -230 -308 21956 1483 1046 437 -278 -369 571957 1392 1285 107 -265 -358 -2641958 1244 1179 65 -220 -309 -2481959 1282 1210 72 -257 -373 -3111960 1270 1293 -23 -304 -459 -4781961 1405 1292 113 -205 -350 -2221962 1215 1304 -89 -203 -339 -3891963 1406 1294 112 -182 -269 -1 141964 1430 1086 344 -128 -259 1401965 1596 941 655 -188 -362 3681966 1741 1303 438 -266 -463 541967 1654 1441 213 -270 -527 -2371968 1881 1855 26 -328 -556 -5081969 2311 1933 378 -367 -630 -2811970 2739 2507 232 -462 -815 -5621971 2904 3245 -341 -560 -980 -10371972 3991 4235 -244 -730 -1250 -14891973 6199 6192,2 7 -1009,70 -1722,10 -16881974 7951 12641,3 -4690,3 -1532,10 -2432,60 -7122,401975 8669,90 12210,3 -3540,4 -1429,30 -3162 -6700,201976 10128,30 12383 -2254,7 -1573,90 -3763 -6017,101977 12120,10 12023 97,1 -1575,70- -4134,30 -4037,301978 12658,90 13683,1 -1024,20 -1804,90 -6037,20 -6990,401979 15244,40 18083,1 -2838,70 -2378 -7920,20 -10741,601980 20133 22954 -2821 -6311 -10152 -128071981 23292 22092 1200 -9161 13135 -117341982 20176 19395 781 -11353 -17083 -163111983 21899 15429 6469 -9555 -13415 -68371984 27006 13916 13088 -10203 -13215 451985 25642 13154 12487 -9659 -12877 -2421986 22349 14045 8305 -9327 -13695 -53041987 26224 15053 11171 -8792 -12678 -14361988 33789 14605 19184 -9832 -15103 41751989 34383 18263 16120 -9633 -15331 10331990 31414 20661 10753 -9748 -15369 -37821991 31620 21041 10579 -8621 -13542 -14071992 35862 20554 15308 -7253 -11339 61441993 38597 25659 12938 -8280 -15585 -5921994 43545 33105 10440 -6338 -14743 -16891995 46506 49664 -3158 -8158 -18594 -179721996 47747 53301 -5554 -9840 -21707 -233471997 52990 61347 -8357 -10391 -26897 -330541998 51120 57594 -6484 -11948 -28798 -336111999 48006 49212 -1206 -15168 -25212 -24375

Fonte: Conjuntura econômica.

487

Page 478: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A4 (continuação) Balanço de pagam entos, 1950-99

(US$ m ilhões)

Ano Amortizações C o n ta de capital Balanço de pagamentos Débito bruto

1950 -85 -65 52 5591951 -27 -11 -291 5711952 -33 35 -615 6381953 -46 59 16 11591954 -134 -18 -203 13171955 -140 3 17 14451956 -187 151 194 15801957 -242 255 -180 15171958 -324 184 -253 20441959 -377 182 -154 22341960 -417 58 -410 23721961 -327 288 115 28351962 -310 181 -346 30051963 -364 -54 -244 30891964 -277 82 4 31601965 -304 -6 331 39271966 -350 124 153 45451967 -444 27 -245 32811968 -484 541 32 37801969 -493 871 549 4403,301970 -672 1015 545 5295,601971 -850 1846 530 6621,601972 -1202 3492 2439 95211973 -1672,50 3512,10 2178,6 12571,501974 -1920,20 6253,90 -936,3 17165,701975 -2172,10 6188,90 -950 21171,401976 -2986,90 6593,80 1191,7 25985,401977 -4060,40 5278 630 32037,201978 -5323,50 11891,40 4262,4 43510,701979 -6384,70 7656,90 -3214,9 49904,201980 -5010,30 9678,70 3471,6 53847,501981 -6241,60 12722,70 624,7 61410,801982 -6951,60 7850,90 -8828 70197,501983 -6862,90 2102,80 -5404,5 81319,201984 -6468,20 252,90 700,2 910911985 -8490,90 -2553,90 -3200,1 95856,701986 -11546,50 -7108,30 -12356,7 101758,701987 -12024,60 -8330,10 -10227,5 107512,701988 -15226 2921 6977 1134691989 -33985 -4179 -3077 1147411990 -8665 05616 -8825 1234391991 -7768 -4463 -4679 1239101992 -8572 24877 30028 132259*1993 -9978 10115 8404 1451994 -5041 1 14294 12939 1491995 -11023 29359 13480 1591996 -14271 32148 8774 1801997 -28701 25864 -7865 1991998 -33587 25641 -7970 2431999 -51905 16557 -7822 236

* Março de 1992.Fontes: Conjuntura Econômica e Boletim do Banco Central do Brasil.

488

Page 479: Economia Brasileira - Werner Baer

Tabela A5Taxa de câmbio, salário m ínim o, inflação, taxas de juros, 1950-99

Ano Taxa de câmbio (Cr$/US$) (*)

Salário mínimo real (taxa de crescimento)

Taxa de inflação

Taxa de juros (nominal)

Taxa de juros (real)

1950 18,80 9,40% 9,20% — —

1951 18,80 12,80% 18,40% - —

1952 18,80 -63,00% 9,30% - —

1953 - 14,40% 13,80% - -

1954 - -17,20% 27,10% - —

1955 - -9,50% 11,80% - —

1956 - -1,30% 22,60% - -

1957 - -9,60% 12,70% - -

1958 - 14,50% 12,40% - -

1959 - -12,70% 35,90% - -

1960 - 19,40% 25,40% - —

1961 - -14,70% 34,70% - -

1962 - 7,20% 50,10% - -

1963 - 7,00% 78,40% - -

1964 7,60% 89,90% - -

1965 1,90 2,30% 58,20% - -

1966 2,20 7,50% 37,90% - -

1967 2,70 4,30% 26,50% - -

1968 3,40 0,90% 26,70% - -

1969 4,10 2,70% 20,10% -

1970 4,60 1,80% 16,40% - -

1971 5,30 -0,90% 20,30% - -

1972 5,90 -2,70% 19,10% - -

1973 6,10 -3,40% 22,70% - -

1974 6,80 5,40% 34,80% 17,27 -12,901975 8,10 -5,10% 33,90% 21,86 -5,871976 10,70 1,70% 47,60% 41,15 -3,631977 14,10 -0,90% 46,20% 41,94 2,151978 18,10 -1,70% 38,90% 46,40 3,901979 26,90 -17,00% 55,80% 42,57 -19,521980 52,70 2,50% 110,00% 46,35 -30,371981 93,10 -1,90% 95,00% 89,27 -3,241982 179,40 0,70% 100,00% 119,35 9,801983 576,20 - 10,20% 211,00% 191,34 -6,321984 1845,40 -8,80% 224,00% 242,48 5,781985 6205,00 - 10, 10% 235,00% 272,81 15,051986 13,70 -0,40% 65,00% 68,60 3,831987 39,30 -18,50% 416,00% 353,00 -2,781988 260,15 0,06% 1038,00% 1057,00 12,00(*) Entre 1952 e 1963 o Brasil teve taxas de câmbio múltiplas. Fonte: Conjuntura Econômica.

4 8 c

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T abela A5 (continuação)Taxa de câmbio, salário mínimo, inflação, taxas de juros, 1950-99

Ano Taxa de câmbio (R$/US$) (**)

Salário mínimo real (taxa de crescimento)

Taxa de inflação

Taxa de juros (nominal)

Taxa de ju ros (real)

1989 1,03E-06 9,40% 1783,00% 2407,40 _

1990 2,48E-05 -13,99% 1476,71% 1033,22 -

1991 0,0001 -12,05% 480,23% 536,33 -

1992 0,0016 20,00% 1157,84% 1059,15 -

1993 0,0322 -18,50% 2708,17% 3488,45 -

1994 0.6387 -14,00% 1093,89% 1153,60 -

1995 0.9174 65,00% 14,78% 53,08 -

1996 1.0051 10,70% 9,34% 22,73 -

1997 1.1134 1, 12% 7,48% 37,19 -

1998 1.2054 9 , 10% 1,70% 24,59 24,671999 1,8428 -15,40% 19,98% 27,34 27,12

(**) A partir dc 1989, houve mudança de taxa de reais para dólar.

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