Ecologia da Amazônia para Ciências - UFAM -...

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    Universidade Federal do Amazonas Instituto de Cincias Biolgicas

    Depto de Biologia- Lab. de Ecologia

    Apostilas de Biomas e Ecossistemas da Amaznia 2007

    Professor Thierry R. Gasnier [email protected]

    Contedo 1. INTRODUO ............................................................................................................................................ 2

    O QUE SO BIOMAS? .......................................................................................................................................... 2 O QUE SO ECOSSISTEMAS E ECORREGIES? .................................................................................................. 7

    2. NOES DE CLIMATOLOGIA................................................................................................................ 9 POR QUE QUENTE NOS TRPICOS? ................................................................................................................ 9 POR QUE MIDO NOS TRPICOS E OS DESERTOS ESTO CONCENTRADOS NAS LATITUDES 30 N E 30 S ?9 SAZONALIDADE CLIMTICA ............................................................................................................................... 10

    3. ENTENDENDO O RELEVO .................................................................................................................... 12 MONTANHAS EM MOVIMENTO ........................................................................................................................... 12 O RELEVO NUMA ESCALA LOCAL ...................................................................................................................... 14 A INFLUNCIA DO RELEVO SOBRE O CLIMA ...................................................................................................... 15 O RELEVO E A DRENAGEM DE GUA................................................................................................................. 16

    4. HIDROLOGIA: MARES DE GUA DOCE ........................................................................................... 16 OS TIPOS DE GUA ........................................................................................................................................... 17 POR QUE EXISTEM AS CHEIAS E VAZANTES DOS RIOS AMAZNICOS .............................................................. 19 CARACTERSTICAS DA PAISAGEM AMAZNICA PRXIMA AOS GRANDES RIOS................................................. 20

    5. DIFERENAS ENTRE VEGETAES ................................................................................................ 22 AS NECESSIDADES VEGETAIS........................................................................................................................... 22 ESTRATGIAS VEGETAIS E SUAS RELAES COM OS BIOMAS....................................................................... 32

    6. ECOSSISTEMAS AMAZNICOS DE TERRA FIRME....................................................................... 40 FLORESTA DENSA. ........................................................................................................................................... 40 A FLORESTA DE BAIXIO .................................................................................................................................... 42 A CAMPINARANA E CAMPINA............................................................................................................................ 43 A SAVANA AMAZNICA..................................................................................................................................... 44

    7. ECOSSISTEMAS PERIODICAMENTE INUNDVEIS ....................................................................... 46 A VRZEA.......................................................................................................................................................... 46 O IGAP............................................................................................................................................................ 50

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    1. INTRODUO

    O qu

    magine que voc liga a televiso e est passando um filme com pessoas andando dentro de uma floresta e-xuberante como a da figura ao lado. Durante algum

    tempo voc fica incerto se o filme se passa na frica, na Amaznia, no Mxico, na ndia ou na Indonsia. Demora um pouco para voc descobrir, at que passa algum tipo de animal ou alguma peculiaridade da regio. Por que locais to distantes so to parecidos? Esta semelhana no se restringe a florestas tropicais, h outros biomas no mundo, vejamos quais so eles e por que so semelhan-tes.

    e so biomas?

    I

    Biomas so reas que tem dimenses globais com vege-taes semelhantes (o mesmo jeito) em continentes diferentes. As classificaes dos biomas variam um pouco entre livros, adotamos aqui uma das mais comuns, um pouco modificada: a) As florestas tropicais midas (FTU) So regies com predomnio de florestas densas, isto , as copas das rvores maiores formam uma camada fechada chamada dossel, a estratificao complexa e a biomassa alta. As rvores dominantes so de grande porte (25 a 45 m). Abaixo do dossel h um sub-bosque que contem jovens de rvores de dossel e rvores e arbustos adultos de sub-bosque (floresta dentro da floresta). Algumas rvores desenvolvem copas aci-ma do dossel, e so chamadas de emergentes. So florestas muito ricas em esp-cies e situadas nos Trpicos, onde o clima quente e mido o ano inteiro (ou com estao seca curta). Alm das rvores, outras estratgias vegetais so abundantes, como trepadeiras, lianas, epfitas e ervas. Criptgamos como samambaias e musgos tambm so abundantes.

    Uma floresta tropical, mas onde?

    b) floresta tropical semidecdua (FTSD) semelhantes s FTU, mas ocorrem em reas com estao seca um pouco mais longa. Um pouco menos altas e menos densas e com vrias espcies de rvores que perdem folhas na poca seca. Geral-mente, possuem mais palmeiras de dossel e lianas que as FTU (florestas de palmei-ras e florestas de cips). A maioria das FTSD fica na periferia das FTU. c) floresta subtropical mida (FSU) ocorrem em clima subtropical e so semelhan-tes s FTU, mas menos densas e com menor diversidade. A maioria das rvores preserva as suas folhas durante o inverno.

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    d) floresta temperada decdua (FTD) ocorrem em clima temperado, possuem pou-cas espcies de rvores, na maioria Angiospermas, e quase todas as rvores e ar-bustos perdem as suas folhas durante o inverno; e) florestas e bosques esclero-filos (FBE) tam-bm ocorrem em clima temperado, mas do tipo medi-terrneo, que tem poca seca no vero. Por isto, as rvores mantm as suas folhas du-rante o inverno. Estas folhas tm adaptaes para resistir falta de gua que ocorre no inverno. uma floresta com baixa diversidade com predomnio de An-giospermas. f) florestas de conferas ou tai-ga, ocorrem em locais com inver-nos mais longos e extremos que a FTD e tem baixa diversidade de rvores, com pre-domnio de Gim-nospermas (pi-nheiros), cujas folhas se mantm durante o inverno e geralmente tem forma de agu-lhas.

    Cinco biomas: floresta temperada decdua; deserto quente; estepe; tundra e floresta tropical

    g) savanas, formao aberta tropical, com predomnio de gramneas (principalmente capim) e ciperceas, normalmente intercalada de rvores e arbustos (inclusive com florestas de galerias prximas aos rios e riachos). A vegetao tem adaptaes ao fogo, que freqente neste bioma;

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    h) estepe- formao vegetal aberta de clima temperado, constituda por uma vasta plancie desprovida de rvores, comum no sudeste da Europa e da sia e no cen-tro da Amrica do Norte. ; i) tundra: Vegetao aberta das regies polares onde o vero curto e com tempe-raturas constantes. No h rvores, apenas ervas, musgos e liquens. O solo da tun-dra permanece gelado o ano todo e a vegetao geralmente fica coberta pela neve boa parte do ano; j) deserto seco: reas de baixa precipitao com vegetao escassa (ou ausente) caracterizada por adaptaes morfolgicas extremas contra a seca e/ou ciclos de vida adaptados a chuvas eventuais. I) deserto gelado. reas extremamente frias onde a vegetao ausente ou rara localizada nos plos e no topo das montanhas mais altas. Estas descries so vagas, so s para se ter uma idia. Nas aulas passaremos filmes em que veremos melhor o jeito de cada bioma. Mas ver no basta, temos que entender o porqu de cada um ser como . Os Biomas e o clima. Pelas descries acima, j fica claro que os diferentes tipos de vegetao so de-terminados principalmente pelo clima, mesmo em vegeta-es de locais distantes com composies de espcies mui-to diferentes. o resultado de convergncia evolutiva aps evoluo em condies semelhantes por muito tempo. Por exemplo, em regies ridas as plantas precisam ter reser-vas de gua e defesas contra animais interessados nesta

    gua (e.g. espinhos e ltex venenoso). Muitas famlias dife-rentes de plantas de lugares distantes evoluram por mi-lhares de anos nes-tas condies, por isto, no surpreende que o jeito da ve-getao seja o mes-mo entre continentes

    distantes. A dependncia dos biomas em relao ao clima pode ser observada na comparao dos mapas das distribui-es dos biomas e dos climas de nosso planeta (figura da prxima pgina). So trs os fatores climticos principais que determinam a distribuio dos biomas: temperatura (calor), precipitao, e sazonalidade (ou estacionalidade) climtica. (sazonalidade= variaes ao longo do ano, que se repetem todos os anos aproximadamente da mesma forma no clima, nos ciclos de vida de animais e plantas, e no cotidiano humano).

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    Sobreposio dos mapas dos Biomas e de climas. A semelhana entre os mapas reflete a estreita rela-o que existe entre clima e vegetao.

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    O grfico abaixo mostra quais os biomas esperados em funo da temperatura m-dia e da precipitao mdia de um local. Este grfico vlido em geral, mas uma simplificao, pois sabemos que bem diferente um lugar com 1500 mm de chuva anual com chuva bem distribuda ao longo do ano comparado com um local que ti-vesse quase toda a chuva concentrada em poucos meses. No primeiro local prova-velmente haveria uma floresta exuberante, enquanto no segundo provavelmente ha-veria uma vegetao rala e adaptada seca. O mesmo po-de se dizer da tem-peratura. Na tundra, o clima frio com um vero curto e um inverno longo. No alto de uma grande montanha no equa-dor, o clima frio, mas sem sazonali-dade temperatura. H diferenas entre estas duas situa-es frias, como veremos adiante. Portanto, para en-tendermos os Bio-mas, teremos que entender o que de-termina os diferen-tes climas da terra e a sazonalidade cli-mtica (captulo 2).

    Biomas esperados em uma regio com base na temperatura media e na precipitao anual.

    Depois de olhar para cima para estudar o clima, olharemos para baixo para estudar o solo. O relevo e o tipo de solo influem na disponibilidade de gua e nutrientes pa-ra as plantas. O relevo, porque afeta o clima local e porque determina a drenagem da gua (isto , como ela escorre por dentro do solo). E o tipo de solo, porque solos arenosos tm capacidade muito menor de reter gua e nutrientes. Veremos o efeito do relevo sobre o clima e o solo no captulo 3. O relevo tambm determina locais onde a gua se acumula, formando ecossistemas complexos. A hidrologia impor-tante para entendermos estes ecossistemas, e ser abordada no captulo 4. Entender o clima e o solo apenas a metade do caminho para comearmos a en-tendermos os biomas. Precisamos tambm entender as plantas e as sua diferentes necessidades e as estratgias que elas utilizam para sobreviver. Tanto rvores como musgos precisam de gua, luz e nutrientes para completar seus ciclos de vida. En-tretanto, rvores so diferentes de musgos. Cada tipo de planta tem sua estratgia para conseguir esta gua, luz e nutriente e completar seu ciclo reproduzindo-se. E cada estratgia difere no seu sucesso de acordo com as condies biticas e abiti-cas do meio. As diferentes estratgias das plantas sero discutidas no captulo 5.

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    Biomas: transies graduais por fora e heterogneos por dentro

    As transies entre biomas no so como fronteiras.

    Os biomas no tm fronteiras definidas, isto , de um bioma para outro vizinho cos-tuma haver uma mudana gradual. No podemos esquecer que a categorizao em biomas criao do homem. Ela reflete diferenas reais, mas os limites e o nmero de categorias so arbitrrios. Por isto, vocs encontraro diferentes classificaes de biomas. Inclumos acima a floresta tropical semi-decdua, que no costuma ser includa em outras classificaes. O mais importante sobre os biomas no terem fronteiras ressaltar que cada bioma no uma entidade independente, completa-mente diferente dos demais e com lgica prpria, como se fosse um pas com ln-guas e leis diferentes dos vizinhos. Cada local parte da biosfera e todas as plantas fazem essencialmente o mesmo. Alm disto, ao categorizar os locais em biomas, temos a impresso que so unida-des homogneas, entretanto, temos de ressaltar que h variao dentro deles. Em alguns desertos h chuva eventual e uma flora e uma fauna bastante significativa, incluindo at anfbios. Em outros, no h chuvas por dcadas, e no encontramos praticamente nada. A Amaznia est no Bioma das florestas tropicais midas, entre-tanto, dentro deste bioma temos florestas de terra firme em plats, florestas de terra firme em baixios, campinaranas, campinas, igaps e diversos tipos de vrzeas. Por ser este o bioma em que vivemos, estudaremos os diferentes ecossistemas presen-tes na Amaznia nos captulos 6 e 7. O que so ecossistemas e ecorregies? Os biomas podem ser divididos em ecorregies para detalhar a heterogeneidade que existe em cada um deles. O termo Ecossistema definidos em alguns livros como o maior sistema de interao, envolvendo organismos viventes e seu meio ambiente. O termo maior vago, pode significar a Biosfera, qualquer rea de um bioma, uma ecorregio, e at mesmo uma pequena poa de gua. O que importa ao se evocar o termo ecossistema que estamos dando nfase ao funcionamento de-les e com a mente aberta para a sua complexidade, no apenas uma descrio esttica e restrita.

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    Por exemplo, quando falamos "ops, pisei em uma poa de gua", apenas pensamos nela como um local molhado onde podemos sujar os ps. Quando falamos no ecos-sistema poa de gua, pensamos nos organismos que vivem l, no fato que ela po-de secar matando muitos deles, que tem uma quantidade de oxignio alta ou baixa, que uns organismos alimentam-se de outros, que h pocas em que encontramos girinos l, etc. Existem milhares de fenmenos ocorrendo numa poa de gua, basta colocar uma gota em um microscpio para perceber isto. Descrever ecologicamente uma poa de gua poderia at ser um trabalho para muitos anos, e pessoas diferentes iro destacar aspectos diferentes da ecologia da poa. En-tretanto, a maioria das pessoas iria incluir nesta descrio fatores fsicos como o tamanho da poa, sua profundidade, se ela seca ou congela parte do ano, o teor de oxignio, pH, se a gua transparente ou no, e aspectos biolgicos, como as espcies mais abundantes, quais espcies esto l o ano todo e quais delas saem da poa (como os girinos e alguns insetos). Mas, principalmente, no poderamos deixar de falar nos proces-sos, como o que acontece quando cai o teor de oxignio, como algumas espcies resistem quando a poa se seca, e as interaes que ocorrem entre as espcies (predao, competio, mutualismo), e quais os problemas que estas espcies tem de resolver.

    Uma poa de gua pode ser vista como um obstculo no caminho. Mas, quando fala-mos no "Ecossistema Poa de gua", pen-samos nos organismos que vivem nela e nos processos ecolgicos. assim que de-vemos ver todos os ecossistemas.

    Nesta apostila, quando falarmos de ecossistemas amaznicos, no estaremos fa-lando de poas, ou de outros ecossistemas pequenos e mdios, embora, na realida-de tambm sejam ecossistemas amaznicos. Estaremos falando de ecossistemas maiores, como a vrzea, os igaps, mangues, a floresta densa de terra firme, cam-pinaranas, campinas, savanas e outros. Os limites da vrzea esto relacionados com as cheias dos grandes rios de gua branca. A diversidade de ambientes na vr-zea to grande que no pode ser representada com uma nica fotografia. Os ou-tros ecossistemas podem ser razoavelmente ilustrados usando uma fotografia da vegetao. Usamos nomes de formaes vegetais para nomear alguns ecossiste-mas, porque assim podemos reconhecer estes ecossistemas, mas no podemos esquecer que a descrio do ecossistema vai bem alm da descrio da vegetao.

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    Equador

    Alta latitude

    Baixa latit

    2. NOES DE CLIMATOLOGIA

    amos tomar a nossa regio como referncia. Por que o clima tropical quen-te? E por que mido? Por que tem pouca sazonalidade trmica? Por que tem sazonalidade de chuvas? Nessa seo abordaremos as causas para os pa-

    dres climticos globais. Entenderemos as tendncias climticas considerando a posio de cada lugar na terra. No captulo 3, iremos um pouco adiante nas noes de climatologia explicando desvios destas tendncias globais devido ao relevo.

    V

    Por que quente nos trpicos? Os trpicos recebem uma luz mais concentrada que latitudes mais altas porque a

    terra redonda. O sol est to distante que podemos considerar seus raios paralelos. Um raio que incida sobre o equador ao meio dia ter um ngulo de aproximadamente 900 (varia um pouco ao longo do ano) e vai se espalhar mui-to pouco, por isto concentrado. Claro que nos outros horrios o ngulo muda, mas ao longo do dia os trpicos acumu-lam mais calor. Veremos adiante que, devido inclinao da terra, a maior incidncia solar no est sempre sobre o equador. Entretanto, considerando o

    acumulado no ano, o equador que recebe a maior quantidade de energia.

    Os rais solares que incidem no equador esto concentrados em uma rea menor devido esfericidade da terra

    Por que mido nos trpicos e os desertos esto concentrados nas latitudes 30 N e 30 S ? No incio do dia o sol aquece o solo e o solo aquecimento o ar superficial. O ar da superfcie mais quente se dilata e tem 2 caractersticas: tem sua capaci-dade de carre-gar gua au-mentada (como uma esponja) e torna-se mais

    O ar como uma esponja que se dilata, absorve gua e sobe levando esta gua. Aps a condensao, esta esponja segue seca para locais distantes>

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    leve do que era, pois tem densidade menor (mesmo estando carregado de gua). Portanto, ele sobe e leva a gua com ele. A isto chamamos evaporao. medida que sobe entra em contado com ar mais frio e vai se esfriando. Em certa altura a gua que contm se condensa e transforma-se em nuvens e at em chuva. Mas o ar no para de subir at se esfriar tanto que fica novamente pesado e comea a cair. Este fenmeno acontece em escala local, mas tambm em escala global, de forma que se estabelecem padres globais de circulao de ar. No equador a gua que evaporou se precipita localmente e ar se-co exportado. Este ar seco acaba por determinar regies ridas e desrticas em outros locais do mundo. Por outro lado, a gua que evapora nas regies vizinhas ao equador tendem a ser sugadas para repor o ar exportado. Enquanto o equador quente e mido, reas vizinhas tendem a se tornar secas. A imagem que temos de desertos que so locais quentes. Alguns realmente so. Isto acontece porque faltam nuvens para proteger o solo da incidn-cia direta do sol. Alm disto, independente de nuvens, o ar seco tem menor inrcia trmica. Por isto mais fcil de ser esfriado e esquentado, causando extremos. Al-gumas pessoas se surpreendem ao saber que os desertos tendem a ser muito frios noite. Para piorar, estas condies atrapalham o estabelecimento de vegetao que tambm tem um efeito forte sobre o microclima.

    Circulao das massas de ar na terra

    Sazonalidade climtica Fenmenos sazonais so aqueles que variam aproximadamente da mesma forma todos os anos, por exemplo, o clima (inverno-vero), os ciclos de vida de animais e plantas (estao reprodutiva, mi-graes), e at o cotidiano humano (colheitas, festas). Por que a sazo-nalidade trmica to grande em latitudes mais altas? Por que l neva numa poca do ano e na ou-tra faz sol, enquanto aqui o clima

    muda pouco ao longo do ano? A resposta : Devido inclinao do eixo de rotao da terra (em relao ao plano de translao). Entretanto, uma res-posta destas sem explicao ajuda pouco. Esta inclinao acaba determinando que o nmero de horas varie ao longo do ano fora do Equador. Quanto mais alta a latitu-de mais forte este efeito (ver figura abaixo). importante perceber que quando a incidncia solar maior no hemisfrio norte, ela menor no Hemisfrio Sul. Aconte-ce uma situao peculiar nos plos: um dia ou uma noite podem durar mais que 24

    Translao e a sazonalidade climtica

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    horas (em alguns lugares podem durar meses). Em resumo, a principal causa da grande sazonalidade de temperatura (in-verno-outono-vero-primavera) fora dos trpicos a variao no numero de horas de incidncia solar (aquecimento) contra o nmero de horas de noite (resfriamento). No esquema ao lado, na situao c (que ocorre em dezembro), temos o vero do hemisfrio sul. Notem que o sol incide Per-pendicularmente sobre a linha do Trpico de Capricrnio. Nesta poca como se o equador fosse l. Dizemos que o equador climtico varia ao longo do ano. Lembrem que no Equador chove muito. por isto que esta tambm tende a ser a poca de chuvas sobre este trpico. (H variaes devido a outros fatores geogrficos, a mai-or chuva em So Paulo em fevereiro, no no final de dezembro). Sobre o Equador seriam esperadas duas pocas de chuva, uma na primavera e uma no outono (quan-do o Equador Geogrfico tambm o "Equador Climtico"). assim em alguns locais, como na Nigria. Entretanto, devido a fatores geogrficos como a continentalidade e movimentos de massas de ar, no ocorre exatamente como o esperado (2 estaes por ano). O que predomina na Amaznia uma estao de chuvas e uma relativamente seca. Na parte da A-maznia que est ao sul do Equador esta seca tende a ser aproximadamen-te/geralmente de agosto a outubro. Ao norte, como em Roraima e no Amap, a po-ca seca de Janeiro a Maro, pois est no Hemisfrio Norte.

    Incidncia solar em momentos dife-rentes do ano

    .

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    3. ENTENDENDO O RELEVO

    mbora o cho seja algo concreto, entender a histria do cho algo quase abstrato. A geologia lida com tempos to longos que desafiam a nossa imagi-nao.

    E Montanhas em movimento A terra surgiu h cerca de 5 bilhes de anos. A Terra teve uma superfcie que era uma mar de magma derretido, mas se esfriou forman-do uma crosta slida e a gua da atmosfera se condensou formando mares. Ainda hoje encontramos parte desta crosta muito antiga, inclusive na Amaznia. A superfcie da Terra tem uma aparncia es-ttica, entretanto, ela apresenta movimentos. Estes movimentos em conjunto so denomi-nados Deriva Continental. Eles ocorrem por-que o interior da Terra muito ativo, devido rotao e fora de gravidade do exterior sobre o interior do planeta. Os continentes slidos esto sobre uma matria relativamente plstica abaixo deles. O resultado de foras internas sobre massas que no esto apoiadas em algo muito slido a movimentao lenta destas massas. como se os con-tinentes fossem pesados barcos deri-va. Entretanto, isto no significa que estes movimentos sejam suaves, pois toda a crosta slida, e o deslocamento de uma parte leva a atrito com outra. E por isto que temos terremotos e vul-canismo, especialmente em regies de encontros de placas. Grande parte da formao de montanhas tambm se deve ao encontro entre placas. Vere-mos que isto ser importante para a formao da Bacia Amaznica adiante. A eroso o desgaste e transporte da terra pela gua, gelo ou vento. um fenmeno que conhecemos mais, pois, em condies favorveis, visvel na escala de tempo de meses ou anos. Imagine o seu efeito numa escala de milhes

    A deriva continental o movimento de placas imensas de crosta terrestre.

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    de anos. Cadeias de montanhas altas podem se transformar em vales. Mares interio-res (continentais) imensos podem ser aterrados com sedimentos trazidos por rios. D para imaginar? Vamos tomar a Amrica do Sul co-mo exemplo (esquema ao lado). A Amrica do Sul separou-se da frica h cerca de 100 milhes de anos. medida que se deslocava para oes-te, a placa do Oceano Pacfico aden-trou para baixo da placa da Amrica do Sul. Deste encontro de placas resultou o lento soerguimento dos Andes (Cadeia de Montanhas a Oeste da Amrica do Sul). Inicial-mente formou-se um mar interior. (Encontramos conchas do mar em alguns lugares no alto dos Andes). Com o passar do tempo este mar foi sendo assoreado pelos sedimentos trazidos pelos rios, restando apenas rios de gua doce. Mas os sedimen-tos no paravam de chegar, a tal ponto que as bacias hidrogrficas que drenavam para oeste foram se preenchendo com mais sedimentos, at que ficaram tambm assoreadas e a gua ento comeou a drenar para leste. Desta forma formou-se a maior bacia hidrogrfica do mundo. Agora os sedimentos desta regio so depositados no mar. Esta histria importante para en-tender a Amaznia. Com base nela podemos dividir a Amaznia em 3 regies geolgicas principais: 1) Os antigos escudos ao norte (Escudo das Guianas) e ao sul (Escudo Bra-sileiro); 2) A regio a oeste formada pelo Soerguimento dos Andes; 3) Uma regio central bastante plana formada principalmente por sedi-mentos de origem Andina: a Bacia Sedimentar Amaznica. Relevo, Topografia, composio do solo e principalmente os tipos de rios esto relacionados com esta origem. Voltaremos a isto nas aulas sobre hidrologia da Amaznia.

    A deriva na Amrica do Sul levou forma-o dos Andes e da Bacia Amaznica

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    O relevo numa escala local O que vimos acima ajuda a entender a formao do relevo em uma escala global. Vamos prestar ateno aqui ao detalhe do relevo em escala local. Topografia a representao de uma poro de um terreno com todos os acidentes e objetos que se achem sua superfcie. Discutiremos a topografia de reas inundveis nas aulas sobre hidrologia. Chamamos a ateno para a topografia de Terra Firme (reas que no esto sujeitas s inundaes anuais de grandes rios) da Plancie Amaznica para mostrar um exemplo de analise de relevo em escala local e porque ela ajuda a entender diferenas de tipos de solos e de habitats em Florestas de Terra Firme. Vimos que a Plancie Amaznica se formou com a deposio de sedimentos fluviais. importante esclarecer que depois da deposio a plancie foi amadurecendo e

    houve mudanas no nvel do mar. Portanto, reas que anti-gamente eram inundveis deixa-ram de s-lo, tornando-se terra firme. Esta superfcie foi se ero-dindo muito lentamente. O resul-tado uma topografia que pode ser dividida em 3 partes: 1) o plat, que uma rea que no foi erodida ainda e que plano; b) a vertente, que a rea que est em um lento processo de eroso; c) o baixio, que geral-mente plano tambm, e onde correm os igaraps Imagine agora um solo argiloso normal, ele tem partculas de vrios tamanhos, as pequenas se chamam argila e as grandes areia. O que acontece com este

    solo em cada um destes locais? Nos locais planos, a gua da chuva no se desloca lateralmente, apenas para baixo, e absorvida pelo solo. os locais inclinados, parte da gua absorvida, mas parte dela pode escorrer na superfcie e at abaixo da superfcie. A floresta influi muito neste processo, retardando-o. Se no houvesse uma floresta, a tendncia que a eroso seria rpida, levando o solo das vertentes, tanto a argila como a areia. Dependendo da inclinao da vertente e da posio na vertente, a velocidade e a quantidade de gua que escorre pode ser suficiente para mudar o tipo de solo, pois como se este solo estivesse sendo lentamente lavado ao longo de centenas de anos. Por isto, na vertente, especialmente nas partes mais baixas, freqentemente temos solos arenosos. No baixio, a gua que vem de toda a bacia e a prpria gua do igarap que transborda ocasionalmente, lavam o solo constantemente, resultando em um solo predominantemente arenoso. Este solo tem caractersticas prprias por estar constantemente encharcado, e por isto ns o de-nominamos hidromrfico. Este processo explica porque encontramos geralmente solos argilosos ou arenosos dentro da floresta (os intermedirios so mais raros). No o nico processo que determina solos arenosos. Em alguns locais o solo for-

    Plat Plat-vertente Vertente Baixio

    O relevo da terra firme em boa parte da Amaznia. Notar a transformao de solos argilosos em areno-sos em alguns locais.

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    mou-se da decomposio de uma rocha arenosa. Em outros locais, o solo arenoso porque ali foi um igap h muito tempo atrs. Estas diferenas de solos determinam diferenas importantes na vegetao, como veremos no captulo 05. A influncia do relevo sobre o clima Vimos no captulo anterior o que determina o clima global. Entretanto, h fatores locais, como o relevo, que afetam o clima. J vimos, por exemplo, que pode at nevar nos trpi-cos. Quanto mais alto nas mon-tanhas, mais baixa a tempe-ratura porque o ar mais rare-feito. Ao subirmos uma monta-nha alta nos trpicos, podemos encontrar em poucos quilme-tros uma mudana na vegeta-o semelhante que encon-tramos indo do equador aos plos. Entretanto, h algumas diferenas importantes, a sazo-nalidade menor. Na floresta temperada de montanhas, as rvores no perdem todas as folhas na estao mais fria por-que no h estao mais fria. Na tundra da montanha, a vari-ao trmica diria grande, e h plantas adaptadas a guardar o calor do dia para enfrentar o frio da noite, o que no se encontra na tundra polar.

    Em montanhas altas situadas nos trpicos encontra-mos um gradiente de vegetao semelhante ao que encontramos quando viajamos do equador aos plos, entretanto a sazonalidade muito menor e a variao trmica diria muito maior.

    Montanhas afetam muito o clima local porque so barreiras para massas de ar

    Alm disto, uma montanha uma barreira para o deslocamento das massas de ar que carregam a umidade. O ar que vai em dire-o montanha forado a subir e condensa-se, devido s tempe-raturas menores, causando chu-vas. Aps passar as montanhas, o ar de expande novamente e rouba umidade do ambiente. Por-tanto costumamos encontrar flo-restas a barlavento, e reas mais ridas, at desertos, a sotavento, conforme o esquema acima.

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    O relevo e a drenagem de gua Todo mundo sabe onde procurar um igarap: no local mais baixo. Parte da gua das chuvas pode escorrer pela superfcie, mas a maior parte da gua que chega ao iga-rap se desloca dentro da terra, e forma uma camada mida chamada de lenol fretico. Esta camada pode ficar mais profunda ou mais rasa em fun-o de particularidades do rele-vo, como vemos na figura ao lado. As rvores so mais sensveis que o capim a longos perodos sem gua (mesmo se o capim morrer, haver sementes para germinar na estao chuvosa seguinte). Por isto, elas so indicadoras de solos mais mi-dos prximo superfcie. Em locais onde chove o ano todo, o solo est permanentemente mido. Em locais muito secos, apenas encontraremos flores-tas prximos a rios. Entretanto, na transio, como na foto ao lado, podemos encontrar flores-ta nas reas de encosta em posies que favorecem a re-teno da gua.

    A gua das chuvas se desloca principalmente dentro do solo at aflorar em igaraps.

    Os locais com florestas nas vertentes nesta figura indi-cam solos mais midos na superfcie em funo da topografia e da drenagem da gua.

    4. HIDROLOGIA: MARES DE GUA DOCE

    M

    esmo nos continentes, h regies to cheias de gua que quase como se fossem mares de gua doce. A Amaznia e o Pantanal so reas que se des-tacam globalmente em relao a isto. Na nossa regio, como vimos acima, o

    soerguimento dos Andes, em funo da deriva continental, acabou por determinar a formao da maior bacia hidrogrfica do planeta. Portanto, no falta gua doce por aqui, alguns rios so imensos e existe uma grande rea inundada anualmente por estes rios. A rea sob influncia das inundaes de apenas cerca de 5% da rea da Amaznia. Entretanto, nestes 5 % encontramos ecossistemas ricos em biodiver-sidade, ai onde se concentra a maior parte da populao e da economia rural da

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    regio. Alm disso, uma das paisagens mais belas do planeta. Novamente, utiliza-remos nossa regio como modelo para entender aspectos biticos de ecossistemas de gua doce tropicais. Vamos desenvolver o tema das guas amaznicas a partir de 3 perguntas bsicas: 1) por que existem diferentes tipos de gua na Amaznia? 2) por que existem as cheias e vazantes dos rios Amaznicos? 3) quais so as principais caracters-

    ticas da paisagem amaznica pr-ximo aos grandes rios?

    Os tipos de gua Na foto ao lado, vemos o encontro dos rios Negro e Solimes, que passa a ser denominado Amazonas. O con-traste muito marcante. O Rio Negro tem uma gua da cor de ch preto forte, e o rio Amazonas barrento de cor marrom claro a amarelada, devido a um fino sedimento (partculas sli-das inorgnicas) em suspenso. Quando vamos ao encontro das guas percebemos ainda que o Rio Solimes mais agitado e mais frio. Mas h outras diferenas. O Rio Solimes tambm mais rico em nutrientes e tem pH neutro ou levemente cido. Como conseqncia, sustenta uma fauna (peixes, mosquitos, etc) mais abundante (discutiremos mais sobre isto na aula sobre os ecossistemas aquticos). O Rio Negro contrasta por ter um pH bastante cido (por volta de 4) e poucos nutrientes. A fauna no to abundante, mas a biodiversidade tambm muito alta. O entorno des-tes rios tambm diverge muito, como veremos adiante (hidrologia) e em outra aula (os ecossistemas). O Rio Negro considerado o principal exemplo de rio de "gua preta", outros exemplos so o Rio Urub e outros que tem nascentes em florestas. O Solimes-Amazonas o principal exemplo de rio de "gua branca" ou de "gua barrenta", outros exemplos so o Rio Madeira, o Purs e o Juru. Ainda h um terceiro tipo de rio, o rio de "gua clara". Os rios de gua clara, como os rios Tapajs, Xing e Trombetas, geralmente carregam muito pouco sedimento em sus-penso, como os rios de gua preta, mas no so escuros como eles. Em geral so rios relativamente pobres em nutrientes e com pH cido, mas no tanto como os rios de gua preta. comum que se desenvolvam algas nestes rios, tornando-os esver-deados.

    Encontro das "guas pretas" do Rio Negro com as "guas brancas" do Rio Solimes.

    Um rio de gua preta com uma praia arenosa

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    Esta categorizao de guas til do ponto de vista prtico e didtico, entretanto, para entender o que acontece importante reconhecer a existncia de gradientes (ver figura). As guas brancas tm sedimentos em suspen-so, mas a quantidade de sedimentos varia no tempo e no espao. Por exemplo, o Rio Branco em Roraima tem uma cor barrenta em uma poca do ano e clara em ou-tra, em funo da variao na quantidade de sedimentos. Alm disto, quando as guas "brancas" do Rio Solimes entram em lagos e reduzem sua velocidade, os sedimen-tos se depositam e a cor da gua muda. Entretanto, as caractersticas qumicas principais mudam pouco, continua sendo uma gua rica em nutrientes, mesmo que a cor seja de gua preta ou clara. Por isto, dizemos que as guas destes lagos so guas "brancas sedimentadas", isto , guas cujas partculas em suspenso se de-positaram. As "guas pretas" se diferenciam das claras por possurem grande quan-tidade de cidos hmicos e flvicos. Entretanto, a quantidade destes cidos tambm varia no tempo e no espao. guas pretas e claras podem possuir um pouco sedi-mento. guas Brancas podem ter muito ou pouco cidos hmicos e flvicos, mas isto s pode ser visto quando coletamos uma amostra desta gua e deixamos que fique parada para sedimentar as partcu-las em suspenso.

    Quantidade de sedimentos em suspensoQ

    uant

    . de

    cid

    os h

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    Rio Solimes(outubro)

    Igarap em Pres.Figueiredo

    Rio Amazonas(Santarem)

    Rio Solimes(junho)

    Rio Tapajs(outubro)

    Rio Negro(Manaus)

    (*Lago de gua brancasedimentada- no gua preta)

    gua Clara

    gua Pretagua Branca

    Rio Negro(Anavilhanas)

    Rio Amazonas(Belm)

    Rio Branco(setembro)

    Rio Branco(fevereiro)

    A diviso em trs tipos de gua simplifica diferenas que so graduais nas quantidades de sedimentos e de cidos orgnicos.

    J entendemos que a quantidade de se-dimentos e de cidos orgnicos varia, falta entender por qu. Quanto aos sedi-mentos, temos que lembrar que a Plan-cie Amaznica formou-se da deposio de sedimentos fluviais e lacustrinos (des-de uma poca geologicamente recente denominada Tercirio at os dias de ho-je). Aqueles rios cujas nascentes esto nos Andes, ou nas bases dos Andes, recebem sedimentos dos Andes e tm mar-gens formadas por sedimentos geologicamente muito recentes (principalmente do Quaternrio, inclusive de anos recentes). Estas margens so barrancos que esto constantemente caindo, liberando barro na gua em alguns pontos que se deposita novamente em outros. Portanto, so rios muito dinmicos. Moradores ribeirinhos freqentemente perdem seus terrenos neste processo. Em resumo, os rios de gua branca so barrentos porque carregam sedimentos resultantes principalmente dos processos erosivos intensivos dos Andes.

    As margens dos rios de gua branca geral-mente formada por barrancos na poca que a gua est mais baixa.

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    A cor escura da gua preta causada por substncias orgnicas derivadas da de-composio incompleta de folhas na floresta. Estas substncias che-gam aos igaraps ou no. Se o solo for argilo-so existe uma demora na drenagem da gua sufi-ciente para dar tempo para as bactrias faze-rem a decomposio mais completa. Alm disto, necessrio que haja uma quantidade grande de folhas em de-composio para que uma quantidade signifi-cativa de cidos orgnicos chegue aos igaraps. Portanto, em bacias de drenagem sobre solo argiloso ou em regies com vegetao aberta, os igaraps tendem a ter uma gua mais do tipo "clara" que do tipo "preta". Se o solo for arenoso, a drenagem rpida e o pH do solo menos fa-vorvel para a ao de bactrias, de forma que a gua chega aos igaraps ainda cheia de cidos orgnicos da decomposio incompleta. Tambm nos baixios e em reas pantanosas, onde o solo encharcado, a decomposio tende a ser incomple-ta, com liberao de cidos orgnicos para a gua, devido falta de oxignio.

    Na terra firme, encontramos igaraps com guas mais ricas em cidos orgnicos em locais com solos arenosos, pois a drenagem rpida e no h tempo da ao de bactrias para decompor o hmus.

    Por que existem as cheias e vazantes dos rios Amaznicos Basicamente por duas razes, porque existe forte sazonalidade de chuvas e porque os rios esto sobre uma bacia sedimentar muito plana. O esquema ao lado mostra a variao anual na quanti-dade de chuva em Manaus (curva com o pico em maro) e do nvel do Rio Ne-gro em frente a Manaus. Note como o pico da enchente (a outra curva) ocorre apenas em junho. Isto acontece porque 1) a gua da chuva retida no solo e escoa lentamente; 2) drenagem lenta em uma superfcie muito pouco inclina-da (de cerca de 1m a cada 100km). Es-tamos falando da maior bacia hidrogr-fica do mundo. Embora o Rio Amazonas seja grande, muita gua para sair e ela se acumula. Quanto mais longe da foz, maior a "fila" que cada gota tem

    Variao na chuva e no nvel de gua no Rio Negro em frente a Manaus

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    enfrentar. Por isto, em Belm, a diferena entre o nvel dos picos da cheia e da va-zante pequena (cerca de 2 metros em mdia), em Manaus de cerca de 8 m e no alto Solimes pode chegar a 15m. Caractersticas da paisagem amaznica prxima aos grandes rios Estas caractersticas dependem do Rio, de um lado temos os rios de gua negra ou clara, que carregam poucos sedimen-tos, do outro lado temos os Rios de gua branca, que levam mui-tos sedimentos. Vejamos por qu. Neste esquema vemos um rio de gua branca em corte (Rio Juru). Note que existe um sedimento mais velho nas bor-das. Este sedimento foi deposi-tado e depois passou por um processo de eroso, especial-mente em uma poca quando o nvel do mar estava mais baixo, formando um vale. Isto ocorreu tanto em rios de gua clara e negra quanto em rios de gua branca. Depois, o nvel do mar voltou a subir. Nos rios de gua branca um novo sedimento foi depositado. Como resultado, os Rios de gua negra ou clara praticamente no tem vrzea, isto , uma rea grande de terra alagvel.

    Corte do Rio Juru

    Nas reas de rios de gua negra ou clara, temos basicamente uma margem com florestas ou formas mais abertas de vegetao. As florestas inundveis e so cha-madas de Igaps. Ilhas, como as Ilhas Anavilhanas do Rio Negro so pouco co-muns. (Aparentemente estas foram formadas a partir da deposio de sedimentos do Rio Branco.) H poucos lagos e no existe uma ampla vrzea como nos Rios de gua branca. Quando a gua baixa, geralmente ficam expostas longas praias de areia branca. Em rios de gua branca a vrzea pode ser imensa. H locais no Rio Amazonas em que ela chega a ter 100 km de largura. Nos locais onde os rios no so muito grandes e as vrzeas so estreitas, geral-mente temos apenas o canal do rio (com muitos meandros), a floresta inundvel, e lagos de ferradura (ou de meandro sacado).

    Meandros no rio Purus

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    Nos locais com vrzeas amplas temos um ambiente mais complexo. Nestas vrzeas encontramos florestas de vrzea alta, florestas de vrzea baixa, restingas, lagos temporrios, lagos permantes, furos, Rio Principal, Parans e tambm alguns lagos de meando abandonado. Na figura ao lado pode-mos entender como se formam os meandros e um pouco da dinmica destes rios. Note que no lado de dentro das curvas dos rios h deposio de sedimentos, no lado oposto ocorre eroso. Isto faz com que as curvas fiquem cada vez mais abertas, e uma curva pode tocar a outra. Quando isto acontece, o rio muda de curso e o meandro fica abandonado, formando um lago. Note que rios co-mo este so muito dinmicos, h muito tempo que passa um rio drenando gua por ai (entre as 2 reas de terra firme mostradas), mas a posio do rio muda constan-temente. Em fotos de satlite podemos ver as "cicatrizes" dos leitos antigos.

    Principais elementos da drenagem da vrzea A-maznica: 1- igarap; 2- furo; 3 Paran; 4 Regos em regos temporrios; 5- Lago permanente; 6 Lago de meandro abandonado "sacado"; 7- Lago de barragem em antiga ria fluvial.

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    5. DIFERENAS ENTRE VEGETAES

    principal elemento da paisagem que nos leva a categorizar um bioma a ve-getao. Podemos at identificar uma savana africana em uma foto pela pre-sena de um elefante, mas foram as caractersticas semelhantes da vegeta-

    o do cerrado e da savana africana que levaram os bilogos e gegrafos a coloc-las em uma mesma categoria de bioma. Portanto, alm dos fatores fsicos discutidos acima, temos que entender as necessidades vegetais e como os fatores fsicos e as interaes com espcies afetam as plantas para compreender melhor as caracters-ticas e as dinmicas dos diferentes biomas.

    O

    Praticamente todas as plantas fazem fotossntese (falaremos da exceo depois). Para isto, elas precisam de gua, luz, calor e nutrientes (e algo mais que veremos logo). Mas h diferentes formas de se obter isto, desde uma erva anual at uma r-vore centenria. H diferentes tipos de plantas em cada bioma. No nos referimos aqui s espcies, mas agrupamentos maiores que vamos chamar de estratgias ve-getais. A diviso destas estratgias um pouco arbitrria, como a de biomas, que discutimos na seo 1; aqui tambm as fronteiras entre categorias no so absolu-tas, mas servem para discutirmos diferenas reais. Cada estratgia vegetal dife-rente no conjunto de adaptaes para a sua sobrevivncia (gua, luz, calor, nutrien-tes e oxignio para as razes), para uma reproduo eficiente (mistura gentica) e para o estabelecimento da gerao seguinte (fixao-sustentao, colonizao e defesa). Vejamos primeiro as necessidades vegetais para depois compararmos as estratgias vegetais mais comuns em cada bioma. As necessidades vegetais gua As plantas terrestres originaram-se de algas que viviam em ambiente aqutico. Ra-zes de algas (quando existem) servem apenas para fixao; o prprio meio aqutico d sustentao, possibilita as trocas de nutrientes, de oxignio e de gs carbnico, e possibilita a troca de gametas da reproduo sexuada. Por isto, a conquista do am-biente terrestre ao longo da evolu-o envolveu grandes mudanas morfolgicas e fisiolgicas. Entre-tanto, a fisiologia celular no mu-dou tanto assim. Sem um forneci-mento constante de gua, as clu-las de um tecido vegetal morrem (mesmo no caso extremo de uma semente em dormncia h uma necessidade mnima de gua que fornecida metabolicamente). Ao contrrio dos animais, as plan-tas no podem se deslocar para resolver uma necessidade momentnea de gua.

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    Por isto, a gua a principal necessidade vegetal e h uma forte relao entre a quantidade e regularidade da disponibilidade de gua no solo e o tipo de vegetao. Onde h chuvas abundantes no ano todo normalmente haver florestas. As rvores so os organismos vegetais mais dependentes de gua, mas onde esta no falta este tipo de planta predomina por vencer a competio pela luz. Se a chuva for mais ou menos regular e pouco abundante, a vegetao tende a ser mais aberta, mas poderemos encontrar florestas em locais onde a topografia determina maior quanti-dade e regularidade de gua no solo, como prximo a riachos (floresta de galeria). Onde h uma quantidade de gua muito pequena na maior parte do ano, mesmo que haja uma poca chuvosa, teremos uma regio de semi-rido ou deserto. interessante notar que o efeito da temperatura baixa sobre plantas menos direto (pelo seu efeito em diminuir das reaes qumicas do metabolismo vegetal como um todo) do que indireto. O frio limita a capacidade das plantas em absorver gua, seja pelo congelamento do solo ou pela reduo do metabolismo das razes. Calor Como vimos, a temperatura tem principalmente um efeito indireto sobre os vegetais devido restrio de gua. Entretanto, h um efeito mais direto do frio. As geadas so redues rpidas na temperatura do ar que no costumam ser suficientemente duradouras e intensas para determinar uma falta da gua para a planta, entretanto pode mat-la por outra razo. O problema a formao de cristais de gelo que rom-pem as clulas das plantas, o contedo celular vasa e oxida, deixando-a queima-da. Plantas que suportam o inverno gelado com folhas verdes como os pinheiros possuem substncias anti-congelamento dentro das clulas. Este um problema principalmente na agricultura em certas regies. Em locais com invernos rigorosos, so escolhidas espcies adaptada ao frio ou o cultivo feito nas pocas apropriadas. O problema so as reas com geadas eventuais. Ai, o cultivo destas plantas uma questo de risco. A geada tambm afeta as plantas selvagens, h mudana de composio de espcies ao sul e ao norte da regio das geadas e-ventuais. Alm da falta de gua, h outros importantes efeitos indiretos do calor, aqueles rela-cionados com interaes com animais e outros organismos. Os animais so forte-mente influenciados pela reduo na temperatura. Desta forma, um inverno rigoroso pode restringir os herbvoros e as doenas. Tambm relaes mutualisticas como a polinizao e a disperso devem ser mais restritas em ambientes mais frios, seja um frio sazonal (e. g. tundra rtica) ou no (e. g. tundra alpina tropical). Luz As plantas so auttrofas. Este termo significa que so capazes de alimentar a si mesmas, isto , fixam gs carbnico do ar em molculas de glicose que serviro tanto para construo como para o funcionamento do organismo vegetal. uma fi-xao de matria e de energia. Para isto, a planta precisa da gua que retira do so-lo, do gs carbnico do ar e energia luminosa.

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    Ao conquistar o ambiente terrestre, as plantas tiveram de desenvolver filtros contra o excesso de luz e adaptaes fisiolgicas para evitar o superaquecimento. Entretanto, estes problemas foram superados. O problema mais comum de luz nos ambientes naturais a sua falta, que ocorre principalmente devido presena de outras plantas. Houve trs caminhos evolutivos em resposta a isto: a) crescimento para cima em direo luz ou b) a-daptao a um ciclo de vida inteiro sob baixa inci-dncia solar; c) alelopatia. O primeiro caminho resultou numa presso para r-vores mais altas e trepadeiras que crescem apoia-das nas rvores. O segundo, na vegetao de sub-bosque. Estas estratgias vegetais sero discutidas depois. No caso da alelopatia, uma planta produz substncias que inibem o cresci-mento de outras. Esta estratgia ocorre com muitas ervas, capins, pinheiros, eucalip-tos, e bambus. Aparentemente uma estratgia que funciona apenas em situaes de baixa diversidade, na qual h clones ou plantas muito prximas geneticamente lado a lado. No caso de florestas tropicais, certamente mais vantajoso gastar ener-gia na produo de frutos. A influncia de uma planta sobre outra na busca por luz geralmente chamada de competio. Entretanto, por definio, na competio os dois organismos envolvidos so prejudicados para existncia do outro. Podemos dizer que isto ocorre no caso da alelopatia, pois uma planta gasta energia para produzir a toxina inibitria e a ou-tra prejudicada por ser inibida. Competio tambm pode ocorrer durante a suces-so vegetal, em que uma planta pode crescer mais rpido que outra e prejudica-la com sua sobra. Entretanto, no caso do sombreamento de uma plntula por uma r-vore em uma floresta madura, seria mais apropriado chamar esta relao de amen-salismo, pois a plntula se prejudica pela sombra da rvore, mas o oposto no acon-tece. Nutrientes No basta gua, gs carbnico e luz para o funcionamento e desenvolvimento de uma planta. Macronutrientes como Nitrognio, Fsforo e Potssio (N, P, K), mi-cronutrientes como Ferro, Zinco, Boro, Cobre e Mangans so necessrios para a fisiologia da planta. Cada nutriente tem a sua funo, mas, para as finalidades desta apostila, podemos trat-los genericamente apenas como nutrientes. Se um ou mais destes nutrientes estiver em uma quantidade baixa, dizemos que o solo pobre em nutrientes. Solos pobres tendem a ter produtividade baixa, isto , o crescimento vege-tal mais lento do que poderia ser, e a produ-o de flores e frutos menor. No caso das plantaes, esta uma grande preocupao, e o homem frequentemente corrige isto acrescen-

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    tando nutrientes e/ou alterando o pH do solo, o que pode disponibilizar melhor os nutrientes existentes no solo. Entretanto, no caso das vegetaes naturais, o efeito basicamente se restringe a uma produtividade baixa. Uma floresta sobre solo rico difere estruturalmente muito pouco de uma floresta sobre solo pobre. Voltaremos a isto mais longamente adiante quando compararmos os ecossistemas amaznicos Sustentao e fixao Adaptaes para a sustenta-o comearam na evoluo das primeiras plantas terrestres, com o aparecimento do caule para elevar a altura das folhas e das razes, que, alm da funo de absoro, tem a funo de fixar e dar equilbrio planta. Especialmente em ambientes que tem o solo menos firme, como em baixios, vrzeas e no mangue, al-gumas rvores e arbustos tem modificaes para aumentar a estabilidade, como as razes tabulares e razes escoras. Algumas estratgias vegetais dependem de adaptaes especiais para se fixar a outras plantas, como ocorre com as trepadeiras, para apoiar-se na planta hospedei-ra, e as epfitas, que precisam prender-se rapidamente durante a germinao nos troncos, evitando cair com o vento e a chuva. Oxignio para as razes O oxignio est em abundncia no ar, de forma que no falta para as folhas. Entre-tanto, nos locais em que o solo encharcado, o oxignio pode faltar para as razes. Existe oxignio na gua, mas o problema que em locais encharcados este oxignio costuma se consumido por organismos do solo, especi-almente bactrias. Sem oxignio nas razes, elas param de funcionar, e a planta no pode absorver gua. Curiosamente, em alguns lo-cais, como na floresta de vrzea, na poca das enchentes que as rvores tm falta de -gua e perdem as suas folhas para economizar gua. Entretanto, esta estratgia tem seus limi-tes, e, abaixo de um certo nvel topogrfico a durao da seca fisiolgica longa demais para permitir a existncia de rvores.

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    No baixio e no mangue, onde o solo en-charcado, mas o nvel da gua sempre volta a baixar, so comuns razes que emergem para fora do solo com aberturas para absor-ver o ar chamadas de pneumatforos. Solos compactados podem restringir o cres-cimento vegetal pela dificuldade fsica no crescimento de razes (especialmente na germinao de sementes). Entretanto, a re-duo na dimenso dos poros restringe tam-bm a quantidade de gua e de oxignio para as razes. Estes fatores em conjunto tendem a ter um forte efeito sobre a vegetao. Isto um problema especialmente em condies Defesa Plantas terrestres praticamente no se movem. De certa forma elas se movem de uma gerao para outras, pois as sementes podem ir parar longe da planta me. H plantas, como a Espada de So Jorge, que pode ir crescendo um rizoma em um sentido, e pode gradualmente ir mudando de posio. Mesmo considerando estas formas de mobilidade, permanece o fato que as plantas no podem fugir dos ani-mais. Ento, por que os animais (herbvoros) no comem logo todas as plantas? Esta per-gunta parece ingnua, mas no to ingnua assim. Muitos animais comem partes da planta oferecida por ela, como nctar e frutos, mas isto vantajoso para plantas (como veremos adiante). Ns comemos alface entre outras plantas, mas isto o re-sultado de seleo artificial do homem. Ns tiramos as defesas destas plantas para consumi-las, tanto que precisamos de agrotxicos para defend-las. De forma geral, as plantas tm defesas, principalmente qumicas, muito fortes, que tornam seu teci-do txico para a maioria dos animais. Alm das defesas qumicas, o tecido vegetal de difcil digesto, pois em cada clula tem uma parede celulsica que exige enzi-mas especiais para ser quebrada. H outras defesas como espinhos, a altura das folhas, e animais mutualistas que as defendem, especialmente as formigas. A dis-perso/espalhamento das sementes/esporos para longe das plantas-mes e o tem-po de dormncia (especialmente em espcies anuais) tambm dificultam a ao dos herbvoros (e de doenas). Se considerarmos os insetos, por exemplo, veremos que na maioria das ordens pre-dominam os predadores e decompositores. As formigas savas so importantes destruidoras de plantas, entretanto, elas no comem diretamente as plantas, mas fungos que utilizam as folhas como substrato dentro do formigueiro. Portanto, vemos que o consumo de tecidos vivos de plantas mais complexo do que parece. O consumo de plantas exige adaptaes dos herbvoros, que resulta em aumento da defesa das plantas, que por sua vez exige adaptaes mais extremas dos herbvo-

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    ros. Este processo chama-se co-evoluo. Um herbvoro pode co-evoluir com uma ou algumas espcies de plantas, mas no pode co-evoluir com todas. Portanto, cada espcie de planta tem poucos animais capazes de consumi-la. Onde a diversidade das plantas alta, os herbvoros tero certa dificuldade em encontrar alimento, e isto j um fator a mais a limitar a herbivoria. Nem sempre a defesa to forte. As zebras, gnus e outros animais comem diariamente de-zenas de quilos de capim na savana africana. Neste caso, a diversidade do capim baixa, e no protege as plantas. Entretanto, h dois fato-res importantes a limitar os herbvoros: os gran-des predadores e a sazonalidade climtica. A parte verde do capim tende a morrer todo ano durante a seca, obrigando estes herbvoros a migrar ou morrer de fome, e a vegetao pode se recuperar. A herbivoria um fator importante dentro das diferentes estratgias vegetais. A defesa pode ter um custo elevado. A planta precisa investir tambm em crescimento da raiz, do contrrio poder faltar gua ou nutrientes, em altura, para poder ter mais folhas, e em folhas, para fixar matria e energia. Mas se no investir em defesa, poder no ter mais as folhas, e morrer. Este balano de custo-benefcio depende da situao. Algumas plantas abdicam dos investimentos em de-fesa para ter um crescimento rpido e reproduzir em pouco tempo. Isto eh comum em ambientes com situao favorvel passageira, como em clareiras formadas den-tro de florestas, ou para plantas de ciclo de vida curto em reas inundveis. Dentro da mata, plantas que crescem fora de clareiras normalmente tm sementes grandes, pois necessitaro da energia para a sua defesa e crescimento inicial durante a fase crtica em que so plntulas. Mistura Gentica Cada organismo tem uma bagagem gentica limitada, com falhas e inflexvel. A ba-gagem gentica da populao eh muito mais ampla e dinmica. Muitos indivduos podem morrer devido a uma doena nova, entretanto, se alguns tiverem em sua ba-gagem gentica condies de resistir ahh doena, ento a populao sobrevivera. Quanto mais intensa for a troca gentica, melhor a capacidade da populao para resistir a mudanas ambientais. E no faltam mudanas ambientais quando conside-ramos tempo evolutivo. Doenas, novos inimigos naturais, novas oportunidades, e ateh a manuteno do patrimnio exigem mudanas constantes. A bagagem de um individuo basta para uma gerao, mas clones deste individuo estariam predestina-dos ahh extino. Portanto, as trocas genticas so essenciais, e encontraremos adaptaes importantes para otimizar as trocas genticas das plantas. Para termos uma dimenso da importncia da mistura gentica, considere o custo que uma rvore tem para se perpetuar em uma floresta primria. Nestas florestas, a composio de espcies praticamente constante. Portanto, em mdia, uma arvore

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    substitui uma outra arvore a cada gerao. Considerando os milhares de sementes que uma arvore produz, a taxa de mortalidade extremamente elevada. Os vegetais tm uma capacidade de reproduo vegetativa (assexual) bastante elevada. Para muitas plantas, basta plantar um galho e ele comea a brotar. A reproduo vegeta-tiva teria vantagens imensas para uma rvore, que poderia fazer germinar a ponta de sua raiz e sustentar este novo individuo durante o seu desenvolvimento inicial, aumentando muito as suas chances de sobrevivncia. Entretanto, nenhuma arvore de floresta, faz isto. Aparentemente, as vantagens da reproduo com troca genti-ca, por mais alto que seja o seu custo, superam as vantagens da reproduo vege-tativa. A mistura gentica no depende apenas de reproduo sexual, isto , da unio de gametas de indivduos diferentes. Uma mistura mais efetiva acontece quando indiv-duos menos aparentados realizam esta mistura. Uma analogia pode deixar isto cla-ro. Imagine pessoas que trocam receitas de bolo com vizinhos. Esta prtica permitir que cada casa melhore a qualidade de seus bolos gradualmente. Agora imagine que algumas pessoas trocam receitas de bolo pela internet com o mundo inteiro. As tro-cas com indivduos distantes tm um potencial muito superior de melhoramento. As plantas no se deslocam depois que germinam, mas suas sementes (ou esporos) e gametas podem ser levados para longe das plantas pai e me. Nas plantas ter-restres primitivas (musgos e samambaias), os gametas dependem de gua para a fecundao e o deslocamento do gameta masculino (anterozide) muito restrita. Portanto a fecundao sempre ocorre muito prxima das duas plantas que produ-zem os gametas (masculinos e femini-nos). A mistura gentica eficiente de-pende destas duas plantas terem ori-gem de locais distantes. Por isto, estas plantas tm um ciclo de vida dividido em duas partes. Aps a fecundao, germi-nar um esporfito, que uma planta que produz esporos (a samambaia o esporfito). Os esporos so secos, po-dem ser levados para longe com o ven-to e germinam distante das plantas pai e me, formando as plantas que produ-ziro gametas. Desta forma, aumenta a chance de fecundao entre plantas de parentesco distante, e a mistura gentica melhor. Com o aparecimento dos gros de plen nas Gimnospermas, a fecundao deixou de depender de gua. Isto foi importante para a conquista mais efetiva do ambiente terrestre. Entretanto, a polinizao pelo vento contribui pouco para uma melhora na mistura gentica, pois a fecundao tende a ocorrer entre as plantas mais prximas. A mistura gentica efetiva ainda depende mais de mecanismos que levem os indiv-duos a se afastarem da planta me, de forma que os indivduos prximos estejam pouco prximos geneticamente. Este afastamento das plantas me chama-se dis-perso. A disperso tambm pode ser pelo vento (anemocoria), mas aqui comea a aparecer uma interao com animais.

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    Animais que se alimentam de sementes podem perder algumas longe da planta me. O prejuzo de comer as sementes pode ser pequeno comparado com s van-tagens de levar algumas sementes para bem longe da planta me.. Posterioremente, evoluram os frutos com um tecido nutritivo para a atrao do animal. Desta forma, o animal deixou de comer (ou de digerir) a semente para realizar a disperso. A dis-perso por animais chama-se zoocoria. Uma grande revoluo na histria das plantas terrestres foi o aparecimento das flores e a polinizao por animais. Para a polinizao pelo vento, era ne-cessrio muito plen para uma planta fecundar outra planta que estivesse a alguns metros de distncia. Este plen atraiu consumidores, especialmente besouros. Ao passar de uma planta pa-ra a outra, mesmo consumindo parte do plen, os besouros facilitaram a troca gentica com uma eficincia muito mai-or do que qualquer outro mecanismo anterior de mistura gentica. Agora, com um gasto mnimo de plen, ficou possvel a mistura gentica de plantas distantes dezenas de metros, e at quilmetros. Da mesma forma que aconteceu com os fru-tos, as plantas forneceram um alimento alternativo ao plen para atrair os insetos: o nctar. A polinizao mediada por ani-mais foi um sucesso to grande que mu-dou todos os ecossistemas tropicais e subtropicais em um tempo geolgico mui-to curto. As Angiospermas praticamente levaram as Gimnospermas extino nos trpicos, e se diversificaram muito. Ao mesmo tempo, os insetos polinizadores tambm se diversificaram imensamente. Os biomas do mundo mudaram comple-tamente. mente. H cerca de 40 milhes de anos, surgiu um grupo que tambm teve um sucesso e-norme: as gramneas. Este grupo especializou-se em reas abertas com estaes secas longas demais para rvores. Basicamente, as gramneas tm um metabolismo que lhes d maior resistncia seca e crescem seus caules sob o cho (rizoma). Na poca seca, suas folhas morrem, mas o rizoma permanece vivo. Estas folhas secas ficam sujeitas a incndios que podem matar outras ervas, mas o rizoma subterrneo resiste. O sucesso foi to grande que elas cobriram savanas e estepes. Curiosamen-te, a polinizao destas plantas pelo vento, o que parece um retrocesso evolutivo. Entretanto, se lembrarmos que as gramneas cobrem as superfcies onde ocorrem, veremos que a polinizao por insetos seria ineficiente para a mistura gentica, pois os insetos passariam plen de uma planta para a vizinha. O vento pode fazer o mesmo com um gasto menor. No caso das gramneas, a mistura gentica entre indi-vduos distantes garantida pela disperso. E quem realiza a disperso das gram-

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    neas de forma muito eficiente so as aves, que possibilitam misturas genticas de quilmetros.

    Colonizao A disperso importante na mistura gentica das plantas, especialmente a disper-so de esporos para as plantas primitivas e para as plantas com polinizao pelo vento no caso das Gimnospermas e algumas Angiospermas. Entretanto, a disperso tambm importante para defesa e para a colonizao. Pa-ra a defesa das sementes e plntulas, pois perto da planta me o local menos se-guro para uma planta crescer. ai que os predadores vo procurar alimento. A disperso impor-tante para a coloniza-o. A colonizao de-ve ser vista em um sentido amplo. Pssa-ros podem levar se-mentes de capim para uma ilha distante. Co-queiros chegam na ilha pela gua. Alguns ha-bitats, como ilhas pe-quenas, praticamente s possuem estas es-pcies colonizadoras. Entretanto, de certa forma, uma clareira parecida com uma ilha neste sentido. Os ga-lhos novos de uma rvore grande tambm so como uma nova ilha para plantas ep-fitas.

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    Interao entre necessidades vegetais e as estratgias vegetais Didaticamente, separamos as necessidades das plantas acima: gua, luz, nutrientes, sustentao, oxignio para as razes, defesa, mistura gentica e colonizao. Entre-tanto, na realidade todas as necessidades ocorrem ao mesmo tempo. Algumas destas necessidades esto relacionadas entre si. A relao mais bvia a de gua com nutrientes. A falta de gua no compromete apenas o balano hdrico das plantas, mas restringe a captao dos nutrientes. gua, em excesso no solo tambm ser um problema por afetar a disponibilidade de oxignio para as razes.

    Necessidades Vegetais:

    guautrientes

    LuzSustentao

    Oxignio (razes)Defesa

    Mistura genticaColonizao

    ContextClimaSolo

    Topografia

    A mesma espcieOutros Vegetais

    Outros organismos

    o:N

    Todas as plantas tm estas necessidades, entretanto, em algumas situaes estas necessidades no so um problema. Se o clima e o solo garantem um suprimento de gua o ano todo, ento a necessidade de gua no um problema. Entretanto, se h gua o ano todo, ento teremos uma floresta, e se h floresta, uma semente no solo ter de enfrentar a falta de luz. Se h pouca luz, ento seu desenvolvimento ser lento, e a chance de um predador de plntulas aparecer grande, logo, ne-cessria uma defesa qumica eficiente, etc. Ou seja, est tudo relacionado. So mui-tos problemas a serem resolvidos, e a soluo de um problema de uma necessidade pode levar a um problema em outra necessidade. Por isto, temos diferentes estrat-gia vegetais. Entendendo as diferentes estratgias vegetais estaremos a caminho de entender o funcionamento de todos os ecossistemas terrestres.

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    Estratgias Vegetais e Suas Relaes com os Biomas. A mesma estratgia vegetal pode ser encontrada em vrios biomas. Por exemplo, os cactos so muitos comuns na caatinga, entretanto, tambm ocorrem em copas de rvores na floresta tropical, pois no alto das rvores incide sol forte e existe um mi-croclima muito seco. Para evitar ser repetitivo, sero abordadas as estratgias j dentro de uma abordagem contextualizada em biomas. A floresta tropical a melhor referncia para comearmos a apresentao das estratgias vegetais, devido mai-or diversidade de estratgias que encontramos l. Estratgias mais comuns na floresta tropical. rvore do dossel: As rvores do dossel so as rvores de florestas tropicais que atingem a maturidade no dossel (o nvel das copas das rvores mais altas). Inclu-mos tambm nesta categoria espcies emergentes, que ultrapassam o nvel da mai-oria das rvores de dossel, como a Castanheira do Par. So as rainhas dos vege-tais. gua e luz no lhes faltam. Em solos frteis, podem produzir toneladas de fru-tos Em solos pobres produzem menos, mas so as maiores produtoras da floresta de qualquer forma, pois suas razes se espalham so-bre uma superfcie muito grande. Entretanto, tm uma infncia terrvel. Antes de brotar, recebem uma herana da me: uma semente grande e cheia de reservas; e dinheiro para o txi: um fruto suculento que atrair os dispersores. Mesmo assim, muitas sementes no conseguiro pegar o txi e sero ata-cadas antes de germinar por predadores de semen-tes, ou germinaro abaixo da planta me, mas sero consumidas em poucas semanas pelos predadores de plntulas. Longe da planta me, a semente germi-nar mais segura. Entretanto, a mata escura, ape-nas cerca de 2% da luz que incide acima da mata chega ao solo. pouco para fazer fotossntese. Al-gumas plntulas crescem lentamente; outras prati-camente param de crescer e aguardam a sorte de uma rvore ou um galho grande cair para aumentar a luminosidade e iniciar o crescimento. Se isto no acontecer, morrem na espera, pois sua resistncia cai e so comidas. O conjunto de plntulas aguardando maior luminosidade denominadobanco de plntulas. As plantas que passaram por esta fase comeam a encontrar condies de luminosidade melhores, mas ainda fracas, e o crescimento ainda difcil. importante aumentar a altura, pois, quanto mais alto, mais luz haver. Por isto, as rvores jovens parecem varetas nesta fase, com um caule fino e comprido com folhas nas pontas e sem galhos em-baixo. A madeira leve, pois no h energia suficiente para construir uma madeira dura. A mortalidade ainda alta nesta fase, pois a rvore jovem tem poucas folhas e mais vulnervel ao ataque de herbvoros. Finalmente, a rvore comea a se apro-ximar da copa, a luz comea a aumentar e ela comea a se desenvolver mais. Neste momento, seus galhos tero de disputar com os galhos de outras rvores pela luz. Pode levar bastante tempo at que ela desenvolva uma copa grande. A partir da, a rvore atinge a maturidade, mas ainda no consegue produzir muitas flores e frutos. Ento, elas comeam a desenvolver mais rapidamente as suas razes, cobrindo uma rea muito maior, principalmente prximo da superfcie do solo, que onde h mais

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    nutrientes. Seu tronco se alarga, sua copa se desenvolve. Muito poucas de suas ir-ms sobreviveram, mas agora ela ter uma vida muito longa, e ser a principal fonte de entrada de matria e energia no seu ecossistema. Seu nctar, frutos e sementes alimentaro herbvoros. Alguns comero suas folhas, mas suas defesas so fortes, e a maioria das folhas s ser consumida pelos decompositores aps serem descarta-das. Na transio entre a floresta tropical e a savana, temos a floresta tropical semidec-dua. Nesta floresta, a estao seca ainda suficientemente curta para permitir a e-xistncia de uma floresta, mas h um estresse hdrico que sentido especialmente pelas rvores mais altas (emergentes), que podem perder as suas folhas. Quanto maior a durao da seca, mais rvores perdem as folhas. Provavelmente, a mudan-a estrutural mais forte nestas florestas seja o aumento na quantidade de palmeiras e cips, como discutiremos adiante. rvores, arbustos e ervas de sub-bosque. grupo 1- baixa produtividade: Abaixo das copas das rvores de dossel, h rvores cujas copas no alcanam o dossel, e uma diversidade de plantas menores. Para simplificar, inclumos todas numa nica categoria, entretanto, h algumas di-ferenas que precisam ser mencionadas, por isto as dividimos em dois grupos. A maioria destas plantas tem produtividade baixa. Assim como as rvores jovens, seu crescimento lento devido ao escuro da mata. Diferente das rvores, estas plan-tas produzem flores e frutos sob baixa incidncia de sol. Entretanto, sua produo bastante limi-tada. Suas sementes so geralmente de tamanho mdio. Grupo 2- produtividade alta (considerando-se o contexto). Algumas plantas de sub-bosque s germinam se h muita luz, normalmente devido abertura de uma clareira, de um igarap mais largo, ou de uma estrada. O conjunto de sementes de plantas que est no solo aguardando a eventualidade de aumento de luz denominado banco de plntulas. Estas plantas tm um desenvolvimento rpido e podem produzir uma quantidade significativa de frutos. Esta estratgia depende muito da sorte da semen-te cair em um lugar iluminado, pois isto, ao contrrio das rvores, as sementes so pequenas, porque assim a planta pode produzir mais sementes e multiplicar suas chances de sucesso. Vrias destas plantas so dispersas por morcegos, como as sementes de Embaba e desta pipercea da foto. Seus frutos costumam ser com-pridos para facilitar sua localizao por ecolocao, e podem ser verdes, como se v nesta foto em preto e branco.

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    As trepadeiras Como vimos, as rvores tm uma juventude muito difcil. No fcil construir um tronco no escuro. A estratgia das trepadeiras uma alternativa econmica. Apoiando-se nas rvores, elas podem chegar at as copas com um investimento muito menor. Em seguida, comeam a crescer sobre a copa de vrias rvores, seu tronco se alarga e comeam a emitir razes (cips). Estes troncos grandes de trepadei-ras so chamados lianas. H muitas trepadeiras peque-nas que no chegam at as copas. Algumas, como a Arcea Jibia, crescem alguns metros e adquirem uma forma semelhante de uma bromlia. Elas so chama-das hemi-epfitas. As trepadeiras que se desenvolvem sobre as copas das rvores podem crescer muito. Algumas florestas so chamadas de matas de cip porque a quantidade des-tas plantas to grande que difcil se deslocar dentro da mata. Estas matas de cips so mais comuns nas reas de floresta tropical semidecdua. Aparentemente, a maior abertura de dossel e menor altura das rvores neste tipo de floresta favorece as trepadeiras. O prejuzo que causam s rvores muito grande, e a estrutura destas florestas bem diferen-te. O dossel torna-se irregular e coberto pelas trepadeiras, pois poucas rvores re-sistem a esta cobertura. As epfitas A falta de luz no solo da floresta um problema srio para o desenvolvimento das plantas jovens. Entretanto, nem toda a floresta escura. As epfitas so plantas que germinam suas sementes nas copas e se desenvolvem l. Entretanto, a soluo deste problema criou vrios outros. O primeiro o da semente chegar at um galho. Orqudeas produzem milhares de semen-tes pequenas que so carregadas pelo vento. A grande maioria no cai em galhos e morrer, mas algumas conseguiro chegar a um galho. importante que isto ocorra numa poca seca, pois sementes molhadas no podem ser levadas pelo vento e ao carem em galhos podem ser retiradas dele pela chuva. Em seguida, precisam germinar e desenvolver o mais rpido possvel uma raiz para se fixar. Um problema srio neste momento e ao longo da vida da orqudea a fal-ta de gua. Embora esteja numa regio de muita chuva, o tronco da rvore se resseca com o sol forte durante o dia. A orqudea resolve isto apro-veitando a umidade da noite. Sua raiz exposta capaz de absorver a gua do ar e do orvalho, especialmente durante a noite, e esta gua fica armazenada em suas

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    grossas folhas. Seu metabolismo de um tipo especializado que permite uma eco-nomia de gua. Outro problema a falta de nutrientes. Nos galhos, normalmente no h um solo. Apenas em forquilhas de grandes rvores e ocasionalmente sobre troncos muito velhos se acumula matria orgnica que serve como solo para as ep-fitas (como na foto), e ento elas podem se desenvolver muito. Em geral, as orqu-deas dependem dos nutrientes que escorrem pelo galho. Suas razes tambm so ricas em micorrizas que auxiliam na captao de nutrientes. Embora as orqudeas estejam em um local iluminado, sua produtividade baixa, devido falta de gua e de nutrientes. O resultado disto que as orqudeas geralmente so pequenas e pro-duzem poucas flores ao longo do ano. Como produzem poucas flores, estas flores tendem a ser muito vistosas, para facilitar o seu encontro pelos polinizadores. Como poucas plantas estaro produzindo flores, necessrio que a flor tenha durao de vrios dias e que o polinizador seja muito especfico, para que se desloque direta-mente de uma flor de orqudea para outra flor de orqudea da mesma espcie. Por-tanto, as flores tem estruturas especializadas para evitar polinizadores de menor efi-cincia. O exemplo da orqudea ilustra bem o que dissemos antes: a soluo de um problema pode levar criao de outros problemas. Entretanto, estes outros pro-blemas tm soluo. E por isto a estratgia epfita to diferente das outras. As Bromlias das copas so epfitas que encontraram os mesmos problemas das orqudeas. A maioria das suas solues foi parecida. Uma diferena est na forma de armazenas gua. Suas folhas esto dispostas em forma de coroa, formando um reservatrio de gua. Este reservatrio pode secar eventualmente, mas as suas fo-lhas so relativamente resistentes dessecao. A presena de cactos entre as ep-fitas pode surpreender algumas pessoas, pois uma vegetao mais associada a ambientes semi-ridos. Entretanto, eles so comuns nas copas das rvores, pois o microclima l seco. Orqudeas, bromlias, cactos e a maioria das epfitas so co-mensais, isto , no prejudicam a rvore sobre a qual cresceram. Existem epfitas que so parasitas. Por exemplo, a erva de passarinho consegue

    penetrar suas razes dentro do tronco da plan-ta hospedeira e retira gua e sais minerais deste tecido. No incio de suas vidas, encon-tram problemas semelhantes aos das orqu-deas, entretanto, a sua disperso por pssa-ros que ingerem suas sementes e as deposi-tam ao defecar sobre os troncos. A semente da erva de passarinho tem uma substncia que a adere ao tronco, reduzindo sua chance de cair. Aps desenvolverem as suas razes de absoro, tero gua, nutrientes e luz, e

    podem se desenvolver bastante, em alguns casos, a ponto de matar a planta hospe-deira. Como absorvem gua e nutrientes, ainda tm que fazer fotossntese, por isto so chamadas de hemiparasitas. Outras epfitas desenvolveram um parasitismo ain-da mais extremo. Suas razes so capazes de absorver a seiva elaborada da planta hospedeira. A seiva elaborada aquela que vem das folhas trazendo os produtos da fotossntese para alimentar as razes e o restante do corpo vegetal. As epfitas que absorvem esta seiva no so verdes porque no precisam fazer fotossntese e so chamadas de holoparasitas. Algumas holoparasitas crescem sobre a copa, como uma convolvulcea (gnero Cuscuta), chamada popularmente de fios de ovos por-

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    que sua cor semelhante de um doce feito com a gema do ovo. Outras crescem no interior do tronco das rvores hospedeiras, sua presena s notada quando produzem as suas flores. Palmeiras da floresta As palmeiras so plantas que ocorrem tanto em ambientes abertos como em flores-tas. Costumam Desenvolver um tronco do tipo estipe, que geralmente no tem cres-cimento em largura. Entretanto, podem ser bastante altas. Geralmente so sensveis falta de gua, provavelmente devido s suas folhas muito grandes. Palmeiras co-mo o Buriti so indicadoras de locais com solos hidromrficos e possuem pneumat-foros para resistir ao excesso de umidade. So comuns dentro da floresta, incluindo algumas espcies de sub-bosque e outras de dossel. Muitas espcies de floresta tm caule subterrneo, como a Inaj e a Attalea. A abundncia de espcies com caules subterrneos possivelmente esteja relacionada ao fato que a disposio de suas folhas enerms acaba por formar um grande funil coletor das folhas das copas das rvores, determinando um acmulo de nutrientes sua volta. Outras estratgias vegetais na floresta tropical H outras estratgias menos comuns na floresta. O Mata-pau ou apui uma estratgia que evoluiu apenas em dois gneros de plan-tas (Fcus e clusia), entretanto, uma estratgia que pode ser considerada importan-te, pois estas rvores so relativamente abundantes na floresta tropical. A planta nasce como uma epfita, na copa das rvores, onde h bastante luz. Entretanto, dife-rente das epfitas, sua raiz cresce at atingir o solo. Ao chegar neste estgio, a plan-ta tem a luz das copas e a gua e os nutrientes do cho, e comea a desenvolver mais esta raiz, que comea a cobrir o tronco da hospedeira. Sua raiz no tem a ca-pacidade de apertar o tronco da hospedeira, entretanto, ela termina por morrer por-que no pode impedir o desenvolvimento natural do seu tronco, comprimindo os va-sos que levam seiva. Plantas do jardim de formigas. A quantidade de formigas em uma floresta muito grande. Aparentemente, a competio entre elas acaba por restringir os bons locais para construo de formigueiros. Algumas formigas resolveram isto levando solo para cima de galhos para construo do seu formigueiro. Entretanto, o excesso de chuvas dificulta a manuteno destes formigueiros. Para evitar que o formigueiro se desfaa com a chuva, elas trazem sementes de determinadas espcies de plantas e as protegem de herbvoros. Assim, elas se desenvolvem nesta terra, e sua raiz retira o excesso de umidade e fornece uma estrutura firme que retm a terra. Estas plan-tas apenas so encontradas nestes locais.

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    As Holoparasitas de razes. Nem todas as holoparasitas so epfitas. A maior flor

    simples do mundo pertence a uma holopara-sita de razes, Rafflesia arnoldii, da Indon-sia, que se desenvolve dentro da raiz de uma trepadeira. Algumas parasitas de razes se-quer entram em contato direto com as suas hospedeiras e produzem flores bem peque-nas. Suas razes so parasitas de fungos de micorrizas, que so mutua-listas de rvores. Micorrizas so associaes entre fun-

    gos e plantas, na qual o fungo recebe alimento da planta e a planta recebe nutrientes do solo que os fungos tem maior capacidade de absorver. Praticamente todas as plantas fazem estas associaes, mas as rvores em especial, especialmente se o solo for pobre. As plantas holoparasitas de micorrizas se associam ao fungo, mas ao invs de fornecer alimento, retiram o alimento que o fungo obteve de outra planta. No uma estratgia muito comum, entretanto, vale a pena ser citada para verificarmos que existem possibilidades de estratgias vegetais bem diferentes das mais comuns. Estratgias mais comuns na savana. rvores e arbustos de savana aberta. As savanas geralmente possuem rvores prximas dos cursos de gua. Nestes locais, o leno fretico est prximo da super-fcie, de forma que a disponibilidade de gua ao longo do ano todo permite a ocor-rncia de rvores. Em vertentes de morros tambm pode haver disponibilidade de gua em alguns pontos que per-mitem a existncia de gua sufi-ciente. Fora desta situao, a existncia de rvores possvel em savanas, mas depende da profundidade do lenol fretico, e poucas rvores e arbustos so-brevivem seca por tempo sufi-ciente para suas razes chega-rem profundidade necessria. Portanto, no ocorre a formao de um dossel, as rvores e ar-bustos ficam esparsos. As rvores de savanas so diferentes das rvores de dossel da floresta tropical. Su-as razes so profundas, porque seu fator limitante gua. O mesmo ocorre com os arbustos. Na maioria das savanas, predominam os arbustos, e as rvores so muito baixas. Costumam ter copas baixas, isto , ramos deste a base. A savana africana um pouco diferente. L h mais rvores altas com copas altas devido abundn-cia de herbvoros que atacam os ramos mais baixos. Devido abundncia de capim que seca na poca sem chuvas, a ocorrncia de fogo relativamente comum neste

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    bioma. Entretanto, um fogo que passa rapidamente. Por isto, os arbustos costu-mam ter cortias grossas ao redor do tronco, que uma defesa que costuma ser suficiente contra o fogo. O fogo costuma matar gemas apicais, e gemas laterais bro-tam aps o fogo. Este um dos motivos destes arbustos terem uma aparncia con-torcida. comum encontrarmos arbustos com folhas bastante duras. Isto chamado de es-cleromorfismo. Esta uma adaptao para prolongar bastante a vida til de uma folha, tornando-a mais resistente herbivoria e ao desgaste mecnico. Na savana, a produtividade dos arbustos costuma ser baixa, especialmente na poca seca para as plantas que no atingem o lenol fretico, por isto, difcil produzir folhas novas. Embora estas folhas no sejam to eficientes como folhas novas trocadas constan-temente, esta estratgia mais efetiva quando necessria uma a economia de nutrientes. Capim. O capim dificilmente cresce embaixo de rvores porque precisa de bastante luz. Entretanto, na savana, e nos outros biomas abertos, o espao entre as rvores freqentemente amplo. Geralmente possuem um rizoma subterrneo que resiste seca e ao fogo, e em alguns lugares, suporta bastante frio. Entretanto, o capim pre-cisa tambm de uma estao de chuvas para crescer e recuperar suas reservas. Por isto, h pouco capim em regies semi-ridas, e menos ainda em desertos. O capim e outras gramneas e ciperceas costumas ser a estratgia de maior produtividade vegetal na savana e na estepe, sustentando at uma biomassa enorme de herbvo-ros. Entretanto, no vamos superestimas esta produtividade, bom lembrar que es-tes herbvoros migram devido seca ou ao frio. Ervas anuais. Algumas plantas tm um ciclo de vida curto, devido a uma forte seca sazonal (como nas savanas) ou ao frio sazonal (como nas estepes e nas tundras). Na poca favorvel elas germinam, crescem, produzem flores e sementes e mor-rem. As sementes ficam em um banco de sementes aguardando a prxima poca favorvel. Em alguns desertos o intervalo supera um ano. Aps anos, basta uma chuva forte para as plantas germinarem e completarem todo o ciclo em poucas se-manas. Na tundra, esta a vegetao predominante. Vegetao do semi-rido ao deserto. Em locais on-de chove pouco o ano todo, como na caatinga, o len-ol fretico est inatingvel em quase toda a rea. Em poucos lugares ele pode ser alcanado pelas razes de rvores. Dependendo da quantidade de chuvas, pode haver uma espcie de mata baixa de arbustos com espinhos e folhas pequenas, passando por locais mais secos, onde encontramos praticamente apenas cactos (ou semelhantes) e pequenas plantas com es-pinhos e folhas pequenas, e finalmente os desertos mais secos onde no h nenhuma forma de vegeta-o. Ocasionalmente, encontramos alguns arbustos com folhas maiores e duras (escleromorfismo). As folhas pequenas e alongadas bem prximas ao caule tendem a sobre aquecer menos que folhas largas e grandes, pois tem proporcionalmente maior superfcie

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    de perda de calor. Freqentemente, estas folhas so carnosas, isto , acumulam reservas de gua. A foto ao lado de uma euforbicea adaptada a regies secas. Freqentemente, elas nem tem estas folhas. Os cactos e semelhantes levaram a estratgia da economia de gua ao extremo, pois suas folhas se reduziram a espi-nhos, e a superfcie fotossinttica passou a ser o caule. Adicionalmente, este caule possui uma capacidade de acumular muita gua. Os espinhos so uma estratgia de defesa contra herbvoros mais comum neste bioma do que nos outros. Provavel-mente, o impacto da herbvora neste bioma seja mais alto do que em outros, dada a dificuldade da planta em se recuperar. Vegetao de climas temperados O frio influi na fisiologia das plantas de formas diferentes dependendo da sua inten-sidade. Se a temperatura no for inferior a zero graus, praticamente o nico efeito ser uma reduo na velocidade das reaes qumicas. O efeito neste caso muito pequeno, e a planta volta ao normal quando a temperatura voltar a subir. Nesta situ-ao, provavelmente o efeito maior deste inverno brando seja apenas a reduo da atividade de insetos prejudicando a polinizao. Se a temperatura chegar a poucos graus abaixo de zero por pouco tempo, poder haver formao de cristais de gelo que destroem tecidos vegetais (geada). Algumas plantas resistem geada porque possuem substncias inibidoras da formao de gelo. Existe uma diferena significativa na composio de espcies de plantas pou-cos graus acima e abaixo da faixa onde ocorrem gea-das. Se a temperatura for inferior a zero por alguns meses, ento haver seca fisiolgica, pois a gua congelar, e, ainda que haja gua no solo, a temperatura ser muito baixa para o metabolismo radicular. A maioria das rvo-res descartam as suas folhas e hibernam, aguardando a primavera para brotar novas folhas e flores. Se a temperatura for inferior a zero por vrios meses, ento o tempo favorvel mais curto. Possivelmente seja esta a causa das Gimnospermas serem as espcies predominantes nesta situao, pois elas no descartam as suas folhas no inverno, e esto prontas para produzir novamente quando a temperatura voltar a subir. Existem algumas regies temperadas entre as latitudes 30 e 45 nas quais o vero a poca mais seca (clima mediterrnico). Portanto, a vegetao ter dificuldade em absorver gua no inverno por causa do frio e no vero por causa da seca. Neste ca-so, temos algumas caractersticas semelhantes ao semi-rido. uma vegetao ar-bustiva baixa e espinhosa.

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    6. ECOSSISTEMAS AMAZNICOS DE TERRA FIRME.

    diviso de ecossistemas que vamos adotar vai seguir aproximadamente a divi-so de tipos de vegetao da Amaznia proposta por Pires e Prance em 1985. Em primeiro lugar vamos dividir os ecossistemas em dois tipos: a) os que so

    de terra firme, e b) os que so inundveis periodicamente por rios. Os ecossistemas inundveis sero tratados no prximo captulo.

    A H diferenas de ecossistemas de terra firme relacionadas com a transio do ecos-sistema de floresta tropical mida para savana (escala amaznica), e diferenas re-lacionadas com caractersticas locais, como posio topogrfica e tipo de solo (esca-la local). As diferenas relacionadas escala amaznica j foram abordadas na in-troduo sobre biomas, temos a florestas tropical mida, a floresta tropical semide-cduas e a savana (regionalmente denominada cerrado). Nos mapas da distribuio do bioma Floresta Tropical mida Amaznica encontra-mos os ecossistemas: a) Floresta Tropical mida de Terra Firme Sobre Solos Argi-losos, que denominaremos Floresta Densa, b) Floresta Tropical mida de Terra Firme Sobre Solos Arenosos, ou Campinarana; c) Floresta Tropical mida Sobre Solos Hidromrficos ou Floresta de Baixio; d) Formao Arbustiva sobre Solos Are-nosos ou Campina. As abordagens mais superficiais deste bioma normalmente des-crevem apenas o primeiro como se estivessem se referindo ao bioma todo. Entretan-to, os outros trs ecossistemas so bastante diferentes e representam uma rea sig-nificativa. Estes quatro ecossistemas costumam coexistir lado a lado em propores que variam entre regies. Na maior parte da Amaznia predomina o primeiro ecos-sistema, entretanto, na regio de terra firme da bacia do Rio Negro predominam as campinaranas. Floresta Densa. A Floresta