E. B. WHITE - booksmile.pt · cauda, bigodes — e até o jeito tímido e amável próprio de um...

51
E. B. WHITE TRADUÇÃO DE Carla Maia de Almeida E. B. WHITE Um livro maravilhoso, premiado e adaptado ao cinema.

Transcript of E. B. WHITE - booksmile.pt · cauda, bigodes — e até o jeito tímido e amável próprio de um...

A H

istória de

E. B. WHITE

Tradução de Carla Maia de Almeida

E. B

. WH

ITE

um dos maiores clássicos da liTeraTura para crianças, lido por milhões em Todo o mundo.

ninguém esquece esTe pequeno herói de enorme coragem!

A chegada de Stuart Little à família foi uma surpresa para todos: os pais e o seu irmão George são humanos, mas Stuart é um ratinho.Vivem juntos em Nova Iorque, com o gato Snowbell, e as coisas nem sempre são fáceis para Stuart devido ao seu tamanho. Cedo revela inteligência e coragem, mas é quando resolve procurar a sua melhor amiga, uma pequena ave chamada Margalo, que ele mostra a sua bondade e determinação. Ao enfrentar de forma brilhante todas as dificuldades com que se depara, Stuart Little prova que a força de um herói não se mede pelo seu tamanho, mas pela sua audácia.

Livro de estreia de E. B. White na literatura para crianças, repleto de peripécias e de personagens irresistíveis, A História de Stuart Little é uma obra inesquecível sobre a perseverança e a amizade.

E. B. White Nascido em Nova Iorque, foi, desde sempre, um apaixonado pela literatura e pela escrita.

Aos 22 anos começou a trabalhar na revista The New Yorker, onde permaneceu como editor e jornalista durante toda a sua carreira.

E. B. White escreveu três livros para crianças que se tornaram clássicos mundiais e que foram, também, adaptados para cinema: A Teia de Carlota (ed. Booksmile, 2016, distinguido com a Newbery Honor Book Medal), A História de Stuart Little (distinguido com a Laura Ingalls Wilder Medal) e The Trumpet of the Swan, a publicar pela Booksmile em 2017.

Muitos jovens leitores perguntaram ao autor se as suas histórias eram verdadeiras. Numa carta aos fãs, ele respondeu: «Não, são contos de fadas… mas existe a vida real e também a vida da imaginação.»

Além de livros para crianças, E. B. White escreveu poesia e diversos ensaios, que lhe valeram numerosas distinções, entre as quais um prémio Pulitzer.

Garth WilliamsNascido em Nova Iorque e radicado em Londres, ilustrou cerca de 100 livros para crianças. Nesta lista, encontram-se as obras para crianças de E. B. White e outros clássicos como Uma Casa na Imensa Pradaria, de Laura Ingalls Wilder (ed. Europa-América).

«Devido ao seu tamanho, Stuart dava uma grande ajuda aos pais e ao irmão mais velho, George. Era capaz de fazer coisas que só estavam ao alcance de um rato — e gostava disso. Uma vez, quando a Sra. Little limpava a banheira, um dos anéis soltou-se-lhe do dedo. Quando percebeu que tinha ido pelo cano abaixo, ficou horrorizada.

— Que hei de fazer? — choramingou, tentando conter as lágrimas.

Então, Stuart enfiou as calças velhas e preparou-se para ir pelo cano abaixo à procura do anel. Levou o cordel consigo e entregou uma das extremidades ao pai.

— Quando eu puxar o cordel três vezes, traz-me para cima — explicou-lhe.

Enquanto o Sr. Little ficou de joelhos na banheira, Stuart deslizou facilmente pelo cano e desapareceu de vista. Dali a um minuto, sentiram-se três puxões e o Sr. Little içou-o com todo o cuidado. No fim do cordel, apareceu Stuart com o anel à volta do pescoço, já a salvo.

— Oh, meu filhote corajoso! — disse a Sra. Little, cheia de orgulho, abraçando-o e beijando-o.»

«Stuart Little é um herói muito cativante e A História de Stuart Little

é um livro que agrada às crianças e aos seus pais.»

The New York Times

Um livro

maravilhoso,

premiado e

adaptado ao

cinema.

10 mm

N O H

Leitura Infantil

ISBN 978-989-8855-16-9

9 789898 855169

8+

Índice

I Pelo cano abaixo 5

II Problemas domésticos 11

III Limpezas matinais 17

IV Exercício físico 21

V Salvo 26

VI Uma brisa amena 31

VII A corrida de barcos 42

VIII Margalo 53

IX Por um triz 63

X Primavera 73

XI O automóvel 79

XII Na sala de aula 91

XIII Caminho de Ames 108

XIV Uma tarde no rio 121

XV Rumo a norte 133

5

I Pelo cano abaixo

Q uando chegou o segundo filho da Sra. Little, toda

a gente reparou que ele não era muito maior do

que um rato. Para sermos exatos, o bebé era

muito parecido com um rato, sob todos os aspetos. Tinha

apenas uns cinco centímetros de altura, um nariz afilado,

cauda, bigodes — e até o jeito tímido e amável próprio

de um rato. Com poucos dias de vida, não só se parecia com

um rato como também se comportava como tal, usando

6

um chapéu cinzento e uma pequena bengala. O Sr. e a

Sra. Little chamaram ‑lhe Stuart, e o pai construiu ‑lhe uma

cama minúscula a partir de uma caixa de cigarros e quatro

molas de roupa.

Ao contrário da maioria dos bebés, Stuart começou a

andar mal acabou de nascer. Com uma semana, já subia

aos candeeiros, trepando pelo fio. A Sra. Little percebeu

logo que a sua provisão de roupa de criança era inadequa‑

da e deitou mãos à obra. Fez ‑lhe um belo fatinho de fa‑

zenda azul, com bolsos de lado, onde ele pudesse guardar

o dinheiro, as chaves e o lenço de assoar. Todas as ma‑

nhãs, antes de Stuart se vestir, a Sra. Little ia ao quarto e

pesava ‑o numa pequena balança que, na realidade, se des‑

tinava a pesar cartas. Stuart poderia ter sido enviado por

correio azul, pelo valor de três cêntimos, mas os pais pre‑

feriram ficar com ele em vez de o despacharem. Quando

7

completou um mês, tinha apenas aumentado nove gra‑

mas, e a mãe ficou tão preocupada que resolveu levá ‑lo ao

médico.

O médico ficou encantado com Stuart e afirmou que ter

um rato não era comum numa família norte ‑americana.

Tirou ‑lhe a temperatura e verificou que era de 37 °C, per‑

feitamente normal para um rato. Auscultou ‑lhe o peito e

o coração, e examinou ‑lhe solenemente os ouvidos com

uma lanterna (nem todos os médicos são capazes de es‑

preitar para o ouvido de um rato sem se rirem). Parecia

estar tudo certo, e a Sra. Little ficou satisfeita com o que

ouviu.

— Alimente ‑o bem! — disse o médico, alegremente,

ao sair.

A casa da família Little era um sítio simpático que fi‑

cava perto de um parque em Nova

Iorque. De manhã, o sol en‑

trava pelas janelas vira‑

das a oriente, e todos

os Littles tinham o

hábito de se levantar

cedo. Devido ao seu

tamanho, Stuart dava

uma grande ajuda aos

pais e ao irmão mais velho,

8

George. Era capaz de fazer coisas que só estavam ao al‑

cance de um rato — e gostava disso. Uma vez, quando a

Sra. Little limpava a banheira, um dos anéis soltou ‑se ‑lhe

do dedo. Quando percebeu que tinha ido pelo cano abaixo,

ficou horrorizada.

— Que hei de fazer? — choramingou, tentando conter

as lágrimas.

— Se fosse a ti — disse George —, dobrava um gancho

do cabelo em forma de anzol, atava ‑lhe um pedaço de cor‑

del e tentava pescar o anel.

Então, a Sra. Little arranjou um pedaço de cordel e um

gancho do cabelo e, durante cerca de meia hora, andou à

pesca do anel. Mas o interior do cano era muito escuro e

o anzol embatia sempre em qualquer coisa antes que ela o

conseguisse descer até ao ponto certo.

— Estamos com sorte? — perguntou o Sr. Little, en‑

trando na casa de banho.

— Sem sorte — respondeu a Sra. Little. — O anel está

tão lá em baixo que não consigo puxá ‑lo.

— Porque é que não mandamos o Stuart à sua pro‑

cura? — sugeriu o Sr. Little. — Que achas, Stuart? Gostavas

de experimentar?

— Gostava, sim — replicou ele —, mas acho melhor

vestir as minhas calças velhas, porque lá em baixo deve

estar tudo molhado.

9

— De certeza que

está — disse George,

um pouco aborrecido

por a sua ideia não ter

resultado.

Então, Stuart enfiou as calças

velhas e preparou ‑se para ir pelo cano abaixo à procura do

anel. Levou o cordel consigo e entregou uma das extremi‑

dades ao pai.

— Quando eu puxar o cordel três vezes, traz ‑me para

cima — explicou ‑lhe.

Enquanto o Sr. Little ficou de joelhos na banhei‑

ra, Stuart deslizou facilmente pelo cano e desapareceu

de vista. Dali a um minuto, sentiram ‑se três puxões

e o Sr. Little içou ‑o com todo o cuidado. No fim do cor‑

del, apareceu Stuart com o anel à volta do pescoço, já

a salvo.

— Oh, meu filhote corajoso! — disse a Sra. Little,

cheia de orgulho, abraçando ‑o e beijando ‑o.

10

— Que tal era aquilo lá em baixo? — perguntou o pai,

sempre curioso acerca de sítios onde nunca tinha estado.

— Nada de especial — respondeu Stuart.

Mas a verdade é que o cano o tinha deixado todo pega‑

joso. Sentiu necessidade de tomar banho e borrifar ‑se com

um pouco de água de rosas da mãe, para voltar a sentir ‑se

na sua pele. Toda a família considerou que Stuart se tinha

saído extraordinariamente bem naquela situação.

11

II Problemas domésticos

Q uando se tratava de pingue ‑pongue, Stuart

também era útil. Os Littles gostavam de jogar

pingue ‑pongue, mas as bolas tinham a parti‑

cularidade de rolar para debaixo das cadeiras, dos sofás e

dos aquecedores, obrigando os jogadores a dobrarem ‑se

para as procurar. Stuart aprendeu depressa a localizá ‑las,

e era um alívio vê ‑lo surgir debaixo de um aquecedor ace‑

so, com o suor a escorrer pela cara, empurrando a bola de

pingue ‑pongue com todas as forças. Claro que a bola era

quase tão grande como ele, por isso necessitava de proje‑

tar todo o seu peso para mantê ‑la a rolar.

Os Littles tinham um gran‑

de piano na sala de estar.

Estava ótimo, com exce‑

ção de uma das teclas,

que permanecia pre‑

sa e não funcionava

como devia. A Sra. Little

12

afirmava que a causa seria a humidade, mas não vejo

como, uma vez que a tecla estava presa há seis anos, tem‑

po durante o qual houve muitos dias de sol… De qualquer

modo, a tecla continuava presa, um aborrecimento para

quem tentava tocar piano. Sobretudo para George, quando

tocava a animadíssima «Dança do Lenço». Foi dele a ideia

de infiltrar Stuart dentro do piano e encarregá ‑lo de levan‑

tar a tecla no momento certo.

Não era tarefa fácil, porque Stuart tinha de andar

agachado por entre os martelos, de modo a não levar

com um na cabeça. Mas ele gostava, apesar de tudo.

13

Era excitante andar

dentro do piano e

fazer aquelas mano‑

bras todas, e o som

era verdadeiramente

espantoso.

Às vezes, depois de

uma longa sessão, reapare‑

cia meio surdo, como se tivesse

saído de uma longa viagem de avião; e era necessário al‑

gum tempo até que se sentisse normal outra vez.

O Sr. e a Sra. Little falavam muitas vezes entre si, pois

nunca tinham recuperado do choque de ter um rato na

família. Era tão pequeno e trazia ‑lhes tantos problemas…

O Sr. Little declarou que, para começar, não deveriam exis‑

tir referências a «ratos» nas conversas deles. Obrigou a

Sra. Little a retirar da página do livro de rimas e canções

aquela lengalenga que começava por «o rato roeu a rolha

do rei da Rússia».

— Não quero que o Stuart cresça com certas ideias na

cabeça — disse ele. — Vou sentir ‑me mal se ele pensar

que pode andar por aí a estragar coisas que não lhe perten‑

cem. É o tipo de ações que fazem as crianças ter pesadelos

quando dormem.

— Tens razão — concordou a Sra. Little. — E acho que

devemos considerar também aquele poema: «Era véspera

14

de Natal e em casa nada se mexia/Nenhuma criatura, nem

mesmo um rato, se ouvia.» Pode ser desconfortável para

o Stuart ouvir falar de «ratos» de uma forma tão insigni‑

ficante.

— Claro, mas como é que fazemos quando chegarmos

a essa parte? Não podemos simplesmente dizer: «Era vés‑

pera de Natal e em casa nada se mexia/Nenhuma criatu‑

ra se ouvia.» Parece que falta alguma coisa, não soa bem.

Precisamos de uma palavra para substituir «rato».

— E se fosse «piolho»? — sugeriu a Sra. Little.

— Ou «pulga» — disse o Sr. Little.

— Ou «carraça» — acrescentou George, que tinha es‑

tado a ouvir a conversa do outro lado da sala.

Ficou decidido que «piolho» era o melhor substituto

para «rato», e perto do Natal a Sra. Little apagou cuida‑

dosamente uma palavra e escreveu a outra. Para Stuart,

o poema terá sido sempre assim:

Era véspera de Natal e em casa nada se mexia

Nenhuma criatura, nem mesmo um piolho, se ouvia.

Aquilo que mais preocupava o Sr. Little era a toca de

ratos que havia na despensa. O buraco tinha sido roído

pouco tempo antes de a família se mudar para aquela casa

e, entretanto, nada fora feito para resolver o problema.

O Sr. Little não tinha a certeza dos sentimentos de Stuart

15

acerca de uma toca de ratos, mas não sabia aonde o buraco

ia dar. Deixava ‑o inquieto pensar que Stuart, um dia, pu‑

desse ter vontade de se aventurar por ali.

— Afinal de contas, ele parece ‑se bastante com um

rato — comentou com a mulher. — E até hoje nunca vi

um rato que não quisesse enfiar ‑se dentro de uma toca.

17

III Limpezas matinais

Stuart era madrugador. De manhã, era quase sem‑

pre a primeira pessoa a levantar ‑se. Gostava da

sensação de ser o primeiro a mexer ‑se, gosta‑

va dos quartos silenciosos com as estantes cheias de

livros, gostava da luz pálida a atravessar as janelas e

gostava do cheiro fresco do dia. De inverno, ainda es‑

tava escuro quando trepava para fora da cama feita de

uma caixa de cigarros, e tremia de frio enquanto fazia

os seus exercícios em pijama. (Para se manter em for‑

ma, Stuart chegava com as patas aos calcanhares dez

vezes, tal como via o irmão fazer, e George tinha ‑lhe ex‑

plicado que assim manteria firmes os seus músculos

abdominais.)

Depois do exercício, Stuart enfiava ‑se no seu belo rou‑

pão, apertava o cordão à volta da cintura e dirigia ‑se à casa

de banho, caminhando silenciosamente pelo corredor até

às escadas, depois de passar pelo quarto dos pais, pelo

quarto de George e pelo armário da entrada onde se arru‑

mava o aspirador.

18

Claro que na casa de banho ainda estava escuro, mas

o pai de Stuart tinha arranjado um fio para ele acender a

luz, tão comprido que chegava até ao chão. Segurando ‑o

o mais alto que podia e fazendo força, Stuart conseguia

mover o interruptor. Balançando o fio, com o roupão en‑

rolado à volta das pernas, parecia um velho monge a tocar

os sinos de uma igreja.

Para alcançar o lavatório, Stuart tinha de trepar por

uma escada de corda feita pelo pai. George prometera

construir ‑lhe um lavatório especial com dois centíme‑

tros e meio, adaptado com um tubo de borracha para

a água correr; mas George estava sempre a prometer

construir coisas das quais depois se es‑

quecia. Todas as manhãs, Stuart con‑

tinuava a subir a escada de corda para

chegar ao lavatório comum, a fim de

lavar a cara, as mãos e os dentes.

A Sra. Little tinha ‑lhe arranjado o

que era necessário em tamanho

miniatura: uma escova de dentes,

um pedaço de sabão, uma toa‑

lha e um pente (que ele usava

para escovar os bigodes). Car‑

regava todos estes objetos no

bolso do roupão e, quando

chegava ao topo das escadas,

19

tirava ‑os e arrumava ‑os em fila, para depois se lançar à

tarefa de pôr a água a correr. Era complicado para uma

criatura tão pequena como ele. Foi isso que explicou ao

pai, depois de um dia de tentativas infrutíferas:

— Sou capaz de chegar à torneira, mas não consigo

abri ‑la porque não tenho onde apoiar os pés.

— Eu sei — disse o pai. — O problema é esse.

George, que adorava ouvir as conversas sempre que

podia, era da opinião de que deviam construir um apoio

para Stuart, e dessa forma conseguiu que lhe dessem

umas tábuas, um serrote, um martelo, uma chave de para‑

fusos, um furador e alguns pregos. Lançou ‑se então num

pandemónio terrível na casa de banho, a fim de construir

o apoio para Stuart, mas rapidamente se interessou por

outra coisa qualquer e desapareceu, deixando as ferra‑

mentas espalhadas pelo chão da casa de banho.

20

Depois de observar toda aquela confusão, Stuart recor‑

reu de novo ao pai:

— Talvez consiga abrir a torneira se lhe bater com

qualquer coisa.

O pai arranjou ‑lhe um martelo de madeira, muito pe‑

queno e leve, e Stuart descobriu que, depois de ganhar

balanço, girando‑o três vezes por cima da cabeça, bastava

acertar na manivela para fazer jorrar um fio de água — o

suficiente para lavar os dentes e molhar a toalha. A partir

daí, todas as manhãs, depois de trepar para o lavatório,

Stuart agarrava no martelo e batia na torneira. Ainda a

dormitar nas suas camas, os outros membros da família

ouviam aquele plinc ‑plinc ‑plinc agudo, como um ferreiro a

martelar ao longe, e sabiam que um novo dia tinha chega‑

do e que Stuart estava a tentar lavar os dentes.

21

IV Exercício físico

Numa bela manhã de maio — já Stuart

tinha três anos —, levantou ‑se cedo,

como era habitual. Lavou ‑se, vestiu ‑se,

pegou no chapéu e na bengala e desceu as escadas para

ver o que se passava. Não havia ninguém acordado a não

ser Snowbell, o gato da família, outro madrugador. Naque‑

la manhã, estava estendido no tapete da sala, a recordar os

dias em que era apenas um gatinho.

— Bom dia — disse Stuart.

— Olá — respondeu o gato, friamente. — Levantaste‑

‑te cedo, não?

Stuart olhou para o relógio de pulso.

— Sim. São apenas seis horas e seis minutos, mas

sinto ‑me bem e achei que devia descer para fazer um pou‑

co de exercício.

— Acho que devias fazer na casa de banho todo o exer‑

cício que te apetecer. Tu e as tuas marteladas, enquanto

tentas pôr a água a correr para escovar os dentes e acor‑

das quem quer dormir. E nem sequer se pode dizer que

22

tenhas dentes para escovar. Queres ver uma boa amostra?

Olha para isto!

Snowbell abriu a boca e exibiu duas filas de dentes

brancos e luzidios, tão afiados como agulhas.

— Muito bem — disse Stuart —, mas os meus também

não estão nada mal, ainda que sejam pequenos. Quanto

ao exercício, vou fazer tudo o que puder. Aposto que os

meus músculos abdominais são mais rijos do que os teus.

— Aposto que não — retorquiu o gato.

— Aposto que sim — insistiu Stuart. — Rijos como

barras de ferro.

— Aposto que não — disse o gato.

Stuart deu uma olhadela à volta da sala, tentando des‑

cobrir o que poderia fazer para provar a Snowbell como

tinha bons músculos abdominais. Reparou nas cortinas

fechadas da janela, com o cordão e as argolas a formar

23

uma espécie de baloiço, e teve uma ideia. Trepou ao pa‑

rapeito e pousou o chapéu e a bengala. Depois desatou

a correr e saltou para a argola, tal como os trapezistas no

circo, desafiando o gato:

— Não consegues fazer isto!

Então aconteceu uma coisa inesperada. O salto foi

tão enérgico que a cortina saiu do lugar: com um esta‑

lido agudo, esta subiu até ao topo da janela e arrastou

Stuart, enrolando ‑o de tal forma que ele não se conseguia

mexer.

24

— Diabos me levem — exclamou Snowbell, tão sur‑

preendido quanto Stuart Little. — Então, quem é que ago‑

ra quer exibir os músculos?

— Socorro! Tirem ‑me daqui! — gritou Stuart, magoa‑

do e assustado, dentro da cortina enrolada, e quase sem

poder respirar.

Mas a voz dele era tão fraca que mal se ouvia. Snowbell

era todo risinhos. Não gostava de Stuart. Pouco lhe impor‑

tava que ele estivesse preso numa cortina, aflito, a chorar

e incapaz de libertar ‑se. Em vez de subir rapidamente as

escadas e contar o acidente ao Sr. e à Sra. Little, fez uma

coisa muito estranha. Olhou em volta, certificou ‑se de que

não estava a ser observado e depois saltou para o parapei‑

to da janela. Abocanhou o chapéu e a bengala de Stuart,

levou ‑os para a despensa e deixou ‑os à entrada da toca dos

ratos.

25

Quando a Sra. Little desceu e se deparou com aquilo,

deu um grito estridente que pôs toda a gente em alvoroço.

— Aconteceu!

— O que é que aconteceu? — perguntou ‑lhe o marido.

— O Stuart entrou na toca dos ratos!

26

V Salvo

George era a favor de arrancar o soalho da despen‑

sa. Saiu a correr e trouxe o seu martelo, a chave

de parafusos e um picador de gelo.

— Vou levantar este soalho num instante — anun‑

ciou, ao mesmo tempo que metia a chave de parafusos

numa das juntas das tábuas e lhe dava um valente empur‑

rão.

— Ninguém vai desfazer o chão até procurarmos como

deve ser — interrompeu a Sra. Little. — Ponto final, Geor‑

ge! Podes ir pôr o martelo no sítio de onde o tiraste.

— Oh, pronto… Já vi que nesta casa o único que se

preocupa com o Stuart sou eu.

A Sra. Little começou a chorar.

— Meu pobrezinho e querido filhote! Já sei que vai ser

apanhado em qualquer lado!

— Lá porque tu não és capaz de estar confortável den‑

tro de uma toca de ratos, isso não quer dizer que não seja o

lugar ideal para o Stuart — disse o Sr. Little. — Não fiques

assim tão transtornada.

27

— Talvez devêssemos deixar ‑lhe alguma comida —

lembrou George. — Foi o que fez a polícia quando um

homem ficou preso na cave.

Disparou em direção à cozinha e voltou com uma taça

cheia de puré de maçã.

— Podemos espalhar um bocado disto, de certeza que

vai acabar por chegar até ao Stuart — disse George.

Despejou uma colher e começou a atirar mais puré

para dentro da toca.

— Já chega! — berrou a Sra. Little. — George, importas‑

‑te que seja eu a tratar do assunto? Pousa esse puré de

maçã imediatamente!

O Sr. Little lançou um olhar furioso ao rapaz.

— Só estava a tentar ajudar o meu irmão — disse ele,

abanando a cabeça e regressando à cozinha com o puré de

maçã.

— Vamos chamar todos pelo Stuart — sugeriu a Sra.

Little. — É possível que ele se tenha perdido, a toca de ra‑

tos deve ter muitos caminhos e reviravoltas.

— Certo — concordou o Sr. Little, pegando no relógio.

— Vou contar até três e chamamos todos em coro. Depois

ficamos calados durante três segundos, à espera da resposta.

Puseram ‑se os três de gatas e aproximaram ‑se da en‑

trada da toca o mais que podiam.

— Stuuuuuuart! — chamaram. Depois permaneceram

em silêncio durante três segundos.

28

Dentro da cortina enrolada, todo torcido, Stuart conse‑

guiu ouvi ‑los na despensa e respondeu:

— Estou aqui!

Mas tinha uma voz tão fininha, e estava tão longe e

abafado pela cortina, que o resto da família não escutou o

seu grito de súplica.

— Outra vez — disse a Sra. Little. — Um, dois, três:

Stuuuuuuart!

Era escusado. Não se ouvia resposta nenhuma.

A Sra. Little subiu para o quarto, deitou ‑se e soluçou

amargamente. O Sr. Little pegou no telefone e ligou para o

Departamento de Desaparecidos, mas, quando o assisten‑

te lhe pediu uma descrição de Stuart e ficou a saber que

este tinha cinco centímetros, desligou, aborrecido.

29

Entretanto, George desceu até à cave e pôs ‑se à procura

de outra entrada para a toca dos ratos. Pegou numa série de

caixas, caixotes, malas, cestos, vasos e cadeiras partidas,

transportando ‑os de um canto para o outro, de maneira

a chegar à zona da parede que lhe parecia ser a mais pro‑

vável, mas não descobriu nenhuma entrada. Descobriu,

isso sim, uma velha máquina de musculação que perten‑

cera ao Sr. Little. Carregando o seu novo interesse pelas

escadas acima, ainda que com alguma dificuldade, passou

o resto da manhã a fazer exercício.

Quando chegou a hora do almoço (tinham ‑se esque‑

cido do pequeno ‑almoço), sentaram ‑se os três à volta do

guisado de borrego da Sra. Little, mas foi uma refeição

triste. Todos evitavam olhar para a pequena cadeira vazia

que Stuart costumava ocupar, mesmo ao lado do copo de

água da mãe. Ninguém conseguia comer, tão grande era

30

a tristeza. George comeu um pouco da sobremesa, mas

nada mais. No fim, a Sra. Little rompeu de novo em lágri‑

mas e disse que achava que Stuart devia estar morto.

— Disparate, disparate! — resmungou o marido.

— Se ele está morto, devíamos fechar todas as cortinas

de casa — disse George, e começou a fazer exatamente isso.

— George! — gritou o Sr. Little, já sem paciência.

— Se não acabas com este comportamento absurdo, vou

ter de te castigar. Já temos problemas suficientes para ain‑

da aturarmos as tuas parvoíces.

Mas George já tinha corrido para a sala de estar e co‑

meçado a baixar as cortinas, em sinal de respeito pelo fa‑

lecido. Ao puxar um cordão, Stuart aterrou no parapeito

da janela.

— Pelo amor da santa! Olha só quem está aqui, mãe!

— Já estava na hora de alguém descer essa cortina

— disse Stuart, bastante fraco e cheio de fome. — É tudo

o que me apetece dizer.

Ao vê ‑lo, a Sra. Little ficou de tal forma feliz que con‑

tinuou a chorar. Como é evidente, todos queriam saber

o que se tinha passado.

— Foi um simples acidente que poderia ter acontecido

a qualquer pessoa — declarou Stuart. — Quanto ao facto

de o meu chapéu e a minha bengala estarem junto à entra‑

da da toca dos ratos, bem, podem tirar as vossas próprias

conclusões.

31

VI Uma brisa amena

Certa manhã, quando o vento soprava de oeste,

Stuart pôs o seu fato e chapéu de marinheiro, tirou

o binóculo da prateleira e saiu para um passeio,

cheio de alegria de viver e de medo dos cães. Com um pas‑

so gingão, deambulou pela Quinta Avenida, mantendo ‑se

atento ao que se passava à sua volta.

32

Sempre que, através do binóculo, avistava ao longe um

cão, corria para junto do primeiro porteiro de hotel que

via, trepava ‑lhe pelas calças e escondia ‑se nas costas do

uniforme. Uma vez, quando não havia nenhum porteiro

à vista, teve de rastejar até um jornal abandonado na rua

e esconder ‑se na segunda página até o perigo ter passado.

Na esquina da Quinta Avenida, havia várias pessoas à

espera do autocarro para a alta da cidade, e Stuart juntou ‑se

33

a elas. Ninguém reparou nele, porque não tinha tamanho

suficiente para isso.

Não sou suficientemente alto para que me vejam, pensou,

mas sou suficientemente crescido para querer ir até à 72.ª Rua.

Quando o autocarro se aproximou, todos os homens

fizeram sinal ao motorista com as suas pastas e benga‑

las, e Stuart fez também sinal com o binóculo. Depois,

LUGARES

SENTADOS

34

ao perceber que o degrau do autocarro era demasiado alto,

agarrou ‑se com firmeza à bainha das calças de um senhor

e foi içado a bordo sem qualquer problema.

Stuart nunca pagava bilhete de autocarro, porque

não tinha altura que chegasse para transportar dinhei‑

ro normal. A única vez que tentara guardar uma moeda

de dez cêntimos, acabara por pô ‑la a rolar como um arco

e a correr atrás dela. Mas, numa colina, a moeda fugiu‑

‑lhe e foi apanhada por uma velhota sem dentes. Depois

dessa experiência, Stuart contentava ‑se com as moe‑

das de folha de alumínio que o pai lhe fazia. Eram pe‑

quenas e amorosas, ainda que difíceis de ver sem pôr os

óculos.

Quando o motorista veio picar os bilhetes, Stuart re‑

mexeu no bolso e tirou uma moeda não muito maior do

que o olho de um gafanhoto.

— O que é isso que me está a dar? — perguntou o

motorista.

— É uma das minhas moedas.

— Não me diga! Bem, seria muito interessante expli‑

car isso à empresa de autocarros. Mas, também, olhe que

você não é muito maior do que uma moeda!

— Sou, sim senhor — retorquiu Stuart, zangado. —

Sou duas vezes maior do que uma moeda de dez cênti‑

mos, que só vai até às minhas pernas. Além disso, não

entrei neste autocarro para ser insultado.

35

— Peço desculpa — disse o motorista. — Vai ter de me

desculpar, porque eu não fazia ideia que pudesse existir

um marinheiro tão pequeno em todo o mundo.

— Nunca é tarde para aprender — resmungou Stuart,

sarcástico, voltando a guardar o porta ‑moedas no bolso.

Quando o autocarro parou na 72.ª Rua, Stuart saltou

do autocarro e apressou ‑se em direção ao lago dos barcos

em Central Park. O vento soprava de oeste, e na força da

corrente navegavam veleiros, corvetas e escunas, com os

36

conveses a brilhar. Os donos, tanto crianças como adultos,

corriam pelo passadiço de cimento, fazendo tudo por tudo

para chegar ao outro lado antes que os barcos chocassem.

Alguns destes barcos de brinquedo não eram tão pe‑

quenos quanto se possa imaginar, porque, quando nos

aproximávamos, percebíamos que o mastro principal era

mais alto do que a cabeça de um homem; além de belissi‑

mamente construídos, tinham tudo impecável e estavam

aptos a uma viagem marítima. Aos olhos de Stuart, pa‑

reciam enormes, e o seu desejo era subir a bordo de um

deles e navegar até aos cantos mais distantes do lago. (Era

um jovem aventureiro, que adorava ouvir os grasnidos das

gaivotas e sentir a brisa no rosto e o remoinho da água por

baixo dele.)

37

Sentado de pernas cruzadas no passadiço, contem‑

plando as embarcações pelo binóculo, reparou num

barco que lhe pareceu mais bonito e imponente do que os

outros.

Chamava ‑se Vespa. Era uma grande escuna negra que

velejava com a bandeira dos Estados Unidos da América.

No convés da proa tinha um canhão com sete centímetros

e meio. É o barco certo para mim, pensou Stuart. Quando

foi novamente lançada à água, correu à volta da escuna

para perceber como era manobrada.

— Desculpe, cavalheiro — disse ele ao homem que a

conduzia. — O senhor é o proprietário da Vespa?

— Sim, sou — disse o homem, surpreendido por ser

abordado por um rato vestido de marinheiro.

— Ando à procura de um posto num bom navio,

e achei que talvez o senhor me pudesse aceitar. Sou forte e

desembaraçado.

— Bebeu alguma coisa? Sente ‑se bem?

38

— Faço o meu trabalho como deve ser — respondeu

Stuart, com firmeza.

O homem observou ‑o com atenção. Não podia deixar

de admirar o aspeto cuidado e os modos decididos daquela

diminuta figura marítima.

— Bem — afirmou, pausadamente, apontando para

a proa da Vespa no centro do lago. — Vou explicar ‑lhe o

que tenciono fazer consigo. Vê aquela grande corveta lá

ao longe?

— Vejo — respondeu Stuart.

— O seu nome é Lillian B. Womrath, e odeio ‑a do fun‑

do do coração.

— Então eu também a odeio — concordou Stuart,

mostrando a sua lealdade.

— Odeio ‑a porque está sempre a chocar contra o meu

barco — continuou o homem —, e porque o dono é um

rapaz preguiçoso que não percebe nada de navegação e

mal consegue distinguir uma rajada de vento de um rasgo

de vela.

— Nem uma caldeira de uma caldeirada — enfureceu‑

‑se Stuart.

— Nem uma escotilha de uma pastilha — acusou o

homem.

— Nem um leme de um creme — exclamou Stuart.

— Nem um fuzil de um barril! — gritou o homem.

— Mas já chega, estou farto disto! Eis o que vamos fazer.

39

A corveta Lillian B. Womrath

sempre conseguiu levar a

melhor à Vespa, mas eu acredito

que, se a minha escuna for cor‑

retamente governada, a história

será outra. Ninguém sabe o quanto

eu sofro, aqui parado, incapaz, vendo o meu barco à deriva

quando tudo aquilo de que ele precisa é uma mão firme ao

leme. Por isso, meu jovem amigo, vou deixá ‑lo atravessar o

lago com a Vespa e regressar. E, se conseguir derrotar aque‑

le miúdo detestável, dar ‑lhe ‑ei um posto permanente.

— Sim, meu capitão — exclamou Stuart, lançando ‑se

a bordo da escuna e tomando o seu lugar ao leme. — Já

estou pronto!

— Um momento — alertou o homem. — Importa‑

‑se de me dizer como é que tenciona ganhar à Lillian

B. Womrath?

— Tenciono arriar todas a velas.

— Obrigado, mas não no meu barco. Não quero vê ‑lo

virar ‑se com uma ventania.

— Então avanço para ela e deito ‑a ao fundo com a aju‑

da do canhão.

— Isso é jogo sujo! Eu quero uma corrida de barcos,

não uma batalha naval!

— Bem, então vou conduzir a Vespa com toda a determi‑

nação e deixar a Lillian B. Womrath andar à deriva no lago.

40

— Bravo! Isso mesmo! E boa sorte!

Dizendo isto, o homem largou a Vespa. Uma corrente

de vento insuflou as velas para bombordo e inclinou ‑a sua‑

vemente, enquanto Stuart fazia girar o leme, segurando‑

‑se a um gancho no convés.

— A propósito — disse o homem —, não me chegou

a dizer o seu nome.

— O meu nome é Stuart Little! — respondeu ele,

a plenos pulmões. — Sou o segundo filho de Frederick

C. Little, de Nova Iorque!

— Bon voyage, Stuart! — despediu ‑se o homem. —

Tome conta de si e traga a Vespa sã e salva.

— Assim farei!

Stuart estava tão feliz e orgulhoso que se esqueceu do

leme por um segundo e ensaiou uns passos de dança, sem

41

perceber que quase era abalroado por um barco a vapor

que andava por ali sem rumo, com os motores desligados

e o convés cheio de água.

42

VII A corrida de barcos

Q uando os visitantes de Central Park souberam

que um dos barcos de brinquedo era conduzi‑

do por um rato vestido de marinheiro, vieram

a correr. Dali a pouco, as margens do lago estavam de tal

forma apinhadas que um polícia foi enviado da esquadra

para impedir que as pessoas se empurrassem.

Mas não conseguiu, porque os habitantes de Nova Ior‑

que gostam de andar aos empurrões. O mais empolgado

de todos era o dono da corveta Lillian B. Womrath. Era

um rapaz de 12 anos, gordo e trombudo, chamado LeRoy.

43

Usava um fato de sarja azul e uma gravata branca man‑

chada de sumo de laranja.

— Anda cá! Anda cá para o meu barco! — gritou ele a

Stuart. — Quero que sejas tu a conduzi ‑lo. Pago ‑te cinco

dólares por semana e podes ter as quintas ‑feiras livres e

um rádio no teu quarto.

— Agradeço a sua amável oferta — replicou Stuart —,

mas estou feliz a bordo da Vespa, mais feliz do que já esti‑

ve em toda a minha vida.

E, com essa resposta, girou o leme com toda a perícia

e foi para a linha de partida, onde LeRoy fazia o barco dele

andar às voltas com a ajuda de uma vara de madeira.

44

— Eu vou ser o juiz — anunciou um homem de fato

verde ‑brilhante. — A Vespa está pronta?

— Sim, senhor! — assentiu Stuart, fazendo continên‑

cia.

— A Lillian B. Womrath está pronta? — perguntou o

juiz.

— Iá, estou pronto — disse o rapaz.

— Dirijam ‑se à extremidade norte do lago e voltem

para trás! — gritou o homem. — Aos vossos lugares…

preparem ‑se e… partida!

— Partida! — gritou a multidão.

— Partida! — gritou o dono da Vespa.

— Partida! — gritou o polícia.

E lá seguiram as duas embarcações em direção à parte

norte do lago, enquanto as gaivotas davam voltas e guin‑

chavam nos céus e os taxistas buzinavam sem parar na

72.ª Rua. O vento de oeste (que tinha percorrido metade

da América até chegar a Central Park) cantava e assobia‑

va nos cordames, fazia chuviscar nos conveses e arrastava

fragmentos de casca de amendoim que atingiam Stuart

na cara. Esta é a vida que quero para mim, pensava ele. Que

navio! Que dia! Que corrida!

Os dois barcos tinham avançado poucos metros

quando aconteceu um acidente na margem. A multi‑

dão agitava ‑se cada vez mais, na ânsia de assistir à cor‑

rida, e ainda que as pessoas não fizessem de propósito,

45

empurraram o polícia de tal forma que este caiu no lago

e ficou encharcado até ao terceiro botão do uniforme.

O polícia não só era um homem grande e pesado como

tinha acabado de fazer uma refeição grande e pesada.

Ao cair de costas, levantou uma onda que foi avançando e

crescendo, provocando abalos nos barcos mais pequenos

e fazendo os donos gritar de alegria ou de preocupação.

Quando viu a onda gigantesca aproximar ‑se, Stuart

agarrou ‑se ao cordame, mas era demasiado tarde.

46

Avolumando ‑se como uma montanha sobre a Vespa,

a onda caiu de chofre sobre o convés, capturando Stuart

e varrendo ‑o para a água.

Todos pensaram que ele se iria afogar, mas ele não

fazia tenções disso. Esperneou e agitou a cauda, e dali

a um minuto ou dois já tinha subido de novo para a es‑

cuna, molhado e cheio de frio, mas praticamente ileso.

Assim que retomou o seu lugar ao leme, ouviu a multidão

a saudá ‑lo e a chamar por ele:

47

— És o maior, Stuart! Grande rato!

Espreitou para o lado e viu que a onda tinha virado a

Lillian B. Womrath, mas esta recuperara e agora navegava

muito perto — e assim foi até que os dois barcos atin‑

giram a parte norte do lago. Ali chegados, Stuart mano‑

brou a Vespa na direção oposta e LeRoy deu a volta à Lillian

com a vara de madeira, ambas retornando para a linha de

partida.

Esta corrida ainda não acabou, pensou Stuart.

Apercebeu ‑se do primeiro sinal de perigo quando

olhou de relance para a cabina da Vespa e reparou que o

barómetro tinha descido abruptamente. Isso só podia sig‑

nificar uma coisa: mau tempo. De repente, uma nuvem

negra cruzou o sol, engolindo a luz e mergulhando a terra

na sombra. Stuart tremeu de frio nas suas roupas molha‑

das. Enrolou a camisola de marinheiro à volta do pescoço

e, quando viu o dono da Vespa no meio da multidão, agitou

o chapéu no ar e chamou ‑o:

— Vem aí mau tempo, meu capitão! Vento de sudoes‑

te, mares turbulentos, barómetro a pique!

— Esquece o tempo! — gritou o homem. — Atenção

aos destroços mais à frente!

Stuart averiguou a extensão da tempestade, mas só via

ondas cinzentas enroladas em cristas de espuma branca.

O mundo parecia ‑lhe frio e assustador.

49

Olhou para trás. A corveta avançava a todo o pano, sul‑

cando as águas e ganhando estabilidade.

— Cuidado, Stuart! Olha para onde vais!

Semicerrou os olhos e, de repente, mesmo no cami‑

nho da Vespa, viu um enorme saco de papel vazio a flutuar

à superfície do lago. Vogava bem alto, com a boca aberta

como a entrada de uma gruta. Stuart deu uma guinada no

leme, mas era demasiado tarde: a escuna entrou pelo saco

com o gurupés e, com um barulho assustador, abrandou

e estremeceu as velas. Naquele preciso momento, Stuart

ouviu o barulho de algo a partir ‑se e viu a proa da Lillian

a entrar pelo cordame da Vespa. Sentiu o navio a tremer de

uma ponta à outra com o impacto da colisão.

— Um choque! — gritou a multidão a partir da margem.

Num abrir e fechar de olhos, os dois barcos

encontravam ‑se num emaranhado terrível. Na margem,

as crianças gritavam e davam pulos. Entretanto, o saco de

papel rompeu ‑se e começou a deixar entrar água.

A Vespa estava imobilizada. A Lillian B. Womrath tam‑

bém não se conseguia mexer porque tinha o nariz preso

às cordas da Vespa.

Acenando com os braços, Stuart foi a correr e disparou

o canhão. Depois ouviu, acima da multidão, a voz do dono

da Vespa a gritar e a explicar ‑lhe o que fazer.

— Stuart! Stuart! Desce a giba! Desce o estai do tra‑

quete!

50

Stuart saltou para a adriça e fez o que o dono da Vespa

mandava.

— Rasga todos os pedaços de papel! — continuou ele.

Stuart sacou do canivete e atirou ‑se corajosamente ao

saco ensopado, desfazendo ‑o em pedaços.

— Agora volta ao mastro principal e dá todo o pano à

vela!

Stuart arriou a vela com todas as suas forças e, pou‑

co a pouco, a escuna começou a mexer ‑se e voltou ao seu

rumo. Ao deixar ‑se levar pela brisa, libertou ‑se da Lillian e

navegou para sul. Alto e bom som, ouviram ‑se «vivas!» na

51

margem do lago. Stuart correu para o leme e respondeu‑

‑lhes. Depois olhou para trás e, para seu contentamento,

percebeu que a Lillian tinha partido na direção errada e

andava agora completamente perdida.

Com Stuart à frente do leme, a Vespa navegou com

toda a determinação. Depois de ter cruzado a linha de che‑

gada, Stuart trouxe ‑a de volta ao passadiço. Foi transpor‑

tado para terra e elogiado pela sua audácia e talento de

marinhagem.

O dono estava satisfeitíssimo e afirmou que aquele era

o dia mais feliz da vida dele. Apresentou ‑se e disse que, na

sua vida privada, era o Dr. Paul Carey, médico dentista. Fa‑

zer modelos de barcos em miniatura era o seu passatempo.

52

E declarou que ficaria muito contente caso Stuart quises‑

se comandar a Vespa sempre que lhe apetecesse. Toda a

gente cumprimentou Stuart. Todos, exceto o polícia, que

estava demasiado encharcado e furioso para apertar a mão

a um rato.

Quando Stuart voltou a casa naquela noite, George

perguntou ‑lhe onde tinha estado durante todo o dia.

— Oh, fui só dar uma volta pela cidade — respondeu

ele.

A H

istória de

E. B. WHITE

Tradução de Carla Maia de Almeida

E. B

. WH

ITE

um dos maiores clássicos da liTeraTura para crianças, lido por milhões em Todo o mundo.

ninguém esquece esTe pequeno herói de enorme coragem!

A chegada de Stuart Little à família foi uma surpresa para todos: os pais e o seu irmão George são humanos, mas Stuart é um ratinho.Vivem juntos em Nova Iorque, com o gato Snowbell, e as coisas nem sempre são fáceis para Stuart devido ao seu tamanho. Cedo revela inteligência e coragem, mas é quando resolve procurar a sua melhor amiga, uma pequena ave chamada Margalo, que ele mostra a sua bondade e determinação. Ao enfrentar de forma brilhante todas as dificuldades com que se depara, Stuart Little prova que a força de um herói não se mede pelo seu tamanho, mas pela sua audácia.

Livro de estreia de E. B. White na literatura para crianças, repleto de peripécias e de personagens irresistíveis, A História de Stuart Little é uma obra inesquecível sobre a perseverança e a amizade.

E. B. White Nascido em Nova Iorque, foi, desde sempre, um apaixonado pela literatura e pela escrita.

Aos 22 anos começou a trabalhar na revista The New Yorker, onde permaneceu como editor e jornalista durante toda a sua carreira.

E. B. White escreveu três livros para crianças que se tornaram clássicos mundiais e que foram, também, adaptados para cinema: A Teia de Carlota (ed. Booksmile, 2016, distinguido com a Newbery Honor Book Medal), A História de Stuart Little (distinguido com a Laura Ingalls Wilder Medal) e The Trumpet of the Swan, a publicar pela Booksmile em 2017.

Muitos jovens leitores perguntaram ao autor se as suas histórias eram verdadeiras. Numa carta aos fãs, ele respondeu: «Não, são contos de fadas… mas existe a vida real e também a vida da imaginação.»

Além de livros para crianças, E. B. White escreveu poesia e diversos ensaios, que lhe valeram numerosas distinções, entre as quais um prémio Pulitzer.

Garth WilliamsNascido em Nova Iorque e radicado em Londres, ilustrou cerca de 100 livros para crianças. Nesta lista, encontram-se as obras para crianças de E. B. White e outros clássicos como Uma Casa na Imensa Pradaria, de Laura Ingalls Wilder (ed. Europa-América).

«Devido ao seu tamanho, Stuart dava uma grande ajuda aos pais e ao irmão mais velho, George. Era capaz de fazer coisas que só estavam ao alcance de um rato — e gostava disso. Uma vez, quando a Sra. Little limpava a banheira, um dos anéis soltou-se-lhe do dedo. Quando percebeu que tinha ido pelo cano abaixo, ficou horrorizada.

— Que hei de fazer? — choramingou, tentando conter as lágrimas.

Então, Stuart enfiou as calças velhas e preparou-se para ir pelo cano abaixo à procura do anel. Levou o cordel consigo e entregou uma das extremidades ao pai.

— Quando eu puxar o cordel três vezes, traz-me para cima — explicou-lhe.

Enquanto o Sr. Little ficou de joelhos na banheira, Stuart deslizou facilmente pelo cano e desapareceu de vista. Dali a um minuto, sentiram-se três puxões e o Sr. Little içou-o com todo o cuidado. No fim do cordel, apareceu Stuart com o anel à volta do pescoço, já a salvo.

— Oh, meu filhote corajoso! — disse a Sra. Little, cheia de orgulho, abraçando-o e beijando-o.»

«Stuart Little é um herói muito cativante e A História de Stuart Little

é um livro que agrada às crianças e aos seus pais.»

The New York Times

Um livro

maravilhoso,

premiado e

adaptado ao

cinema.

10 mm

N O H

Leitura Infantil

ISBN 978-989-8855-16-9

9 789898 855169

8+