Doutrina309 Incidentes Processuais Excecoes

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INCIDENTES PROCESSUAIS – EXCEÇÕES

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

No prazo da defesa escrita, pode o réu apresentar exceções peremptórias

(implicam no encerramento de um feito) e exceções dilatórias(não extinguem o

processo). Exemplo disso é a exceção de incompetência relativa, exceção dilatória, que

deve ser oposta, no prazo de defesa escrita, sob pena de preclusão, para a defesa.

Permite-se que o juiz reconheça , de ofício, a sua incompetência relativa, artigo 109 do

Código de Processo Penal.

Desde já anoto que as exceções serão processadas em autos apartados e

não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal(artigo 111 do CPP).

Como anotaram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues1, estamos diante de

uma forma de defesa por meio do qual o acusado objetiva a extinção do processo sem

julgamento do mérito ou ainda a procratinação do feito. Tal se manifesta mediante a

forma de exceção de suspeição; de incompetência; da ilegitimidade da parte; da

litispendência; da coisa julgada.

A competência rationi loci será relativa. Repita-se que se a

incompetência é relativa, se a parte deixar de argui-la no prazo legal, haverá para ela a

preclusão. Nada obsta que o juiz, a qualquer tempo, reconhecendo-se incompetente,

decline de sua competência. Se não o fizer, não há cuidar-se de nulidade e, sim, na linha

de Giovanni Leone, mera irregularidade.2

A competência penal é questão de ordem pública, seja absoluta ou

relativa, e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. Não sendo oposta pelo juiz, caberá a

exceção de incompetência a ser arguida no prazo da defesa. Superada tal fase, há

preclusão temporal, se não ajuizada.

Qual o recurso cabível da decisão nesse incidente? Se for julgada

procedente, o recurso cabível será o recurso em sentido estrito(artigo 581, II e III do

CPP). Não há recurso cabível se for julgada improcedente.

Vem a pergunta: Pode o Ministério Público opor a exceção de

incompetência?

1 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 7ª edição, Salvador,

Iuspodivum, pág. 323. 2 RT 168/72: 172/506, dentre outros.

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A esse respeito, disse Tourinho Filho3 se ó órgão ofereceu denúncia

perante um juízo, é porque o entendeu competente para conhecer da espécie. Logo não

seria possível que a parte acusadora oferecesse a declinatoria fori. O mesmo autor

admite que possa o órgão do Ministério Público, no Processo Penal, na qualidade de

custos legis, não como parte, opor a exceptio. Assim ajuizada a exceção deverá o juiz

intimar a parte contrária para falar nos autos.

Há ainda exceções dilatórias, envolvendo a suspeição, onde se discute

sobre a imparcialidade do juiz, diverso da competência, que diz respeito ao juízo.

O juiz será suspeito(artigo 254 do Código de Processo Penal): se for

amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes ou do advogado da parte; ser

ele cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato

análogo, sobre cujo caráter criminoso houver controvérsia; ser ele, seu cônjuge, ou

parente, consangüíneo, ou afim até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou

responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; se tiver

aconselhado qualquer das partes; se for credor ou devedor, tutor, curador, de qualquer

das partes.

Dir-se-á que todas as condições que afetam a competência subjetiva do

juiz não passam de incompatibilidades. Será o caso do juiz que é amigo do réu, que é

amigo do advogado ou seu irmão. Haverá incompatibilidade se o juiz estiver

funcionando, por absurdo, num processo, em funções inconciliáveis, como advogado e

juiz ao mesmo tempo. Se as funções forem distintas exercidas pela mesma pessoa,

contemporânea e não simultaneamente, haverá impedimento. Se as funções distintas

forem exercidas, contemporaneamente, por pessoas diversas que guardarem entre si

aquele grau de parentesco estabelecido em lei, haverá impedimento. Se pessoas

diversas, parentes entre si, exercerem, simultaneamente a mesma função, haverá

impedimento.

A arguição deve ser feita em petição dirigida ao próprio juiz que se

pretende recusar, trazendo-se os esclarecimentos sobre o motivo da recusa.

Poderá a exceção ser ajuizada pelo procurador da parte desde que na

procuração outorgada haja poderes especiais, Por sinal, o Tribunal de Justiça de São

Paulo, no julgamento da Exceção de Suspeição 53.839 – 0, Câmara Especial, Relator

Oetterer Guedes, 18 de fevereiro de 1999, entendeu que a arguição deve vir

acompanhada de instrumento de procuração com poderes especiais, como a melhor

interpretação do artigo 89 do Código de Processo Penal.

Podem o Ministério Público como ainda a assistência da acusação, ao

querelante, na ação penal privada, arguir a suspeição. Se a causa de suspeição for

superveniente, isto é, vier a ocorrer após o ajuizamento da ação penal, tal não poderá

3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, volume II, São Paulo, Ed. Saraiva, 12ª edição,

pág. 500. A lição de Giovanni Leoni está inserida em seu Trattato di diritto processuale penale, Jovene, 1961.

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impedir essa arguição. Se o órgão do Parquet tem conhecimento de qualquer motivo

legal de suspeição, oferecida a denuncia em separado, o órgão do Ministério Público

poderá, na própria inicial, levantar a exceptio ou, então, no próprio corpo do inquérito

policial, ou das peças de informação ou da representação.

Arguida a exceptio suspicionis, se o juiz reconhecer a suspeição, sustará

o andamento do processo, determinando a juntada da petição do excipiente aos autos, e,

declarando-se suspeito, ordenará a remessa dos autos a seu substituto.

Se o juiz não acatar os argumentos contidos na petição de suspeição, em

prazo impróprio de 3(três) dias, encaminhará os autos da exceção ao tribunal

competente. Se o tribunal entender que a exceção é procedente ficarão nulos os atos do

processo principal, desde o instante em que surgiu a suspeição, artigos 101 e 564, I, do

Código de Processo Penal.

Se a exceção for rejeitada e o tribunal avaliar malicia da parte,

determinará a cominação de multa e o pagamento das custas do incidente à parte

excipiente.

Não existe recurso apropriado para combater o reconhecimento da

suspeição, notando-se que o artigo 581, III, do CPP, estabelece que contra a decisão que

julgar procedente as exceções, caberá recurso em sentido estrito, ressalvando a de

suspeição. Ora, a parte prejudicada poderá ajuizar habeas corpus(se estiver em

discussão o ir e vir) ou o mandado de segurança(direito líquido e certo diverso). Poderá

ser ajuizado recurso extraordinário, no caso de suspeição de órgão do Parquet, como já

decidiu o STF, na RCL 631, Relator Ministro Octávio Gallotti, Informativo STF n. 65,

de 31 de março de 1997.

Exceções peremptórias são a coisa julgada, a ilegitimidade da parte, a

litispendência, que devem ser opostas no prazo da defesa escrita, segundo o artigos 108

e 110 combinado com o artigo 396 do Código de Processo Penal.

A exceptio litispendentiae deve ser arguida contra alguém que propõe,

no mesmo juízo ou em outro diverso, novamente, a mesma causa, podendo o réu

esgrimá-la, alegando que aquela causa já pende de julgamento. Ofertada e recebida a

denúncia, citado o réu, validamente, fala-se em lide pendente de julgamento,

litispendência.

A litispendência pode ser arguida pelo réu ou reconhecida ex officio. O

órgão do Parquet, como custos legis, pode argui-la.

O juiz deve ouvir a parte contrária.

Reconhecida a litispendência o recurso será o recurso em sentido

estrito(artigo 581, III, CPP). Se, porventura, houver decisão onde o juiz afirme de

oficio, a litispendência, caberá apelação(artigo 593, II, CPP).

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A exeptio illegitimitatis partis poderá ser declarada de ofício.

Será o caso do promotor ajuizar ação penal pública incondicionada

quando o caso é de ação penal privada.

Se a parte for legítima, mas houver defeito de representação será caso de

ilegitimidade processual, seja porque o representante da vítima não está legalmente

habilitado ou porque outro é o seu representante legal e não o que comparece em juízo.

O artigo 110 do Código de Processo Penal permite que por meio de

exceção de ilegitimidade da parte se poderá arguir a illegitimatio ad causam e a

illegitimatio ad processum.

Oposta tal exceção o juiz devera ouvir a parte contrária e o incidente

deve ser autuado em separado.

O recurso cabível da decisão que reconhece a ilegitimidade da parte será

o recurso em sentido estrito(artigo 581, III, CPP). Se o juiz reconhece, para Fernando da

Costa Tourinho Filho4 caberia aplicação do artigo 591, I, do CPP, pelo recurso em

sentido estrito, pois seria uma forma de não recebimento da peça acusatória.

A exceção de coisa julgada visa a excluir a lide diante de outra já julgada.

Há coisa julgada diante das mesmas partes, pela mesma causa de pedir(razão do pedido

e fundamento da pretensão), mesmo pedido.

Sabe-se que óbvias necessidades de ordem prática impõem que se

assegure a estabilidade à tutela jurisdicional.

A lei atende a tal exigência tornando imutável e indiscutível, a partir de

certo momento, o conteúdo da norma concreta formulada na sentença.

Desde o trânsito em julgado, fica a sentença definitiva revistada da

autoridade da coisa julgada em sentido material de forma a que a situação trazida pelo

Judiciário, se pela condenação ou absolvição do réu, fique imune a contestações

juridicamente relevantes não apenas no âmbito do mesmo processo em que se proferiu a

decisão, mas ainda fora dele, vinculando as partes e quaisquer juízes de eventuais

processos subsequentes.

Haverá o que chamamos de efeito preclusivo que se arrasta aos processos

posteriores, uma eficácia que chamamos de pan-processual. A decisão ao produzir

efeitos dentro dos limites da lide será chamada de coisa julgada formal. Fará coisa

julgada material quando o efeito preclusivo projetar-se ad extra.

A coisa julgada não é efeito da condenação, mas é uma qualidade dela,

como já aduzia Libman, um modo de se manifestarem e produzirem os seus efeitos,

4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Código de Processo Penal Comentado, 5ª edição, São Paulo,

Saraiva, 1999, volume I, pág. 287.

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uma imutabilidade do comando emergente da sentença, como dizia o próprio Fernando

da Costa Tourinho Filho, à luz dos ensinamentos de Liebman, já reportados.5

Eventual absolvição do réu em processo onde se detecte que o juízo é

absolutamente incompetente deve ser perenizada sem oportunidade de ajuizamento de

ação de revisão criminal. Ao contrário, se houver condenação, abrem-se as portas para a

revisão criminal para desconstituir a coisa julgada formada e obter-se um novo

julgamento.

No Brasil, ao contrário da Alemanha(Lei de 1960), da Noruega, da Suíça,

por exemplo, não há falar em revisão pro societate. As sentenças absolutórias, justas ou

injustas, uma vez preclusas as vias de impugnação, permanecem imutáveis, inalteráveis,

em respeito ao direito fundamental que é a liberdade.

A sentença de pronúncia não faz coisa julgada material, pois se trata de

decisão de natureza eminentemente processual.

Em sede de coisa julgada, em tendo havido crime continuado, é

conhecida posição de Delitala6 no sentido de que a ficção da unidade delituosa não se

dá, apenas, para se tornar menos rigorosa a sanctio juris. È o crime continuado um só

delito para todos os efeitos. Assim, condenado o réu por crime continuado, se outros

fatos forem descobertos novos processos poderão ser instaurados, porque o objetivo da

sentença é a unidade jurídica. Cumpre ao juiz da execução penal fazer a necessária

unificação da pena, caso haja posteriores condenações por crimes objeto da

continuidade delitiva.

Caso, havendo crime continuado, haja exclusão na denúncia de alguns

crimes, esses poderão ser arguidos em outra peça acusatória. Se houver condenação

transitada em julgado, caberá ao juiz da execução penal(Lei 7.210/84) fazer a devida

unificação de penas, como reza o artigo 111.

De toda sorte, em havendo crime permanente, tem-se que se o agente

praticou um crime de extorsão mediante sequestro e após o transito em julgado da

decisão que o condenou ou o absolveu, vier o agente praticar contra a mesma pessoa a

mesma infração, nada obsta que se instaure contra ele um novo processo, uma vez que o

fato é outro.

Da mesma forma cometido um crime habitual, como o de manter casa de

prostituição(artigo 229 do Código Penal), a decisão passada em julgada com relação a

essa espécie de ilícito, impede que se proponha uma nova ação penal para o processo e

julgamento de crimes anteriores do acusado, que se integrem no contexto criminoso.

Por certo havendo ação penal nos casos de coautoria, havendo acusação e

posterior condenação apenas contra um dos autores, nada impede que o outro ou

5 Tourinho Filho, Fernando da Costa. Manual de processo penal, 5ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003,

pág. 703. 6 DELITALA, Giacomo. Reato Continuato e cosa giudicata, in Scuola Positiva, 1928, pág. 119.

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outros, posteriormente, venham a ser processados. Havendo absolvição, no primeiro

caso, a força obrigatória da decisão absolutória se estende, de forma reflexa, sobre os

demais.

Em havendo concurso formal se um só dos resultados foi objeto de

sentença condenatória, poder-se-ia admitir a instauração de outro processo quanto a

outro ou outros resultados.

Se houver absolvição, a abertura de outro processo com relação a outro

resultado poderá trazer situações perniciosas a liberdade individual, uma absoluta

insegurança jurídica que tornaria combalida a garantia da coisa julgada.

O juiz, de oficio, pode reconhecê-la ou a parte ré pode opor tal exceção

de coisa julgada, artigo 108 do Código de Processo Penal, processando-se o incidente

em autos apartados.

Reconhecida a coisa julgada, estará extinta a ação penal e o recurso

cabível será o recurso em sentido estrito, a teor do artigo 581, III, do CPP. Ser for

reconhecida de ofício, caberá apelação, do que se lê do artigo 593, II, CPP. Se a decisão

não acolher tal pedido, poderá caber habeas corpus.