Dossie Samba de Roda do Recôncavo - IPHAN

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano }{dossiê iphan 4

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano }{dossiê iphan 4

 

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imagem

 

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“O samba é a vida, é aalma, é a alegria da gente(...) lhe digo, eu estoucom as pernas travadasde reumatismo, a pressão

circulando, a colunatambém, mas quando tocao pinicado do samba euacho que eu co boa, eusambo, pareço uma meninade 15 anos.” 

Dalva Damiana de Freitas,Cachoeira/BA 

 

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Instrução Técnica e Elaboração do dossiê  para Registro do Samba de Roda

SUPERVISÃO TÉCNICA 

Departamento de Patrimõnio Imaterial Ana Gita de OliveiraMarcia Sant’Anna

COORDENADOR DE PESQUISA 

Carlos Sandroni

EQUIPE DE PESQUISA  Ari LimaFrancisca Marques

 Josias PiresKatharina Döring Suana Martins

  ASSISTENTE DE COORDENAÇÃO

 Alessandra Leão 

Edição do Dossiê 

EDIÇÃO DE TEXTO

Carlos SandroniMarcia Sant’Anna

REVISÃO DE TEXTO

Graça MendesLui Henrique de Aevêdo BorgesRívia Ryker Bandeira de AlencarSérgio de Sá

ELABORAÇÃO DOS ANEXOS

Lui Henrique de Aevêdo BorgesRívia Ryker Bandeira de Alencar

PROJETO GRÁFICO

 Victor Burton

DIAGRAMAÇÃO

Pedro Ivo Oliveira

FOTOGRAFIAS

Lui Santos Jean JaulbertGilberto SenaMárcio ViannaPedro Ivo Oliveira

PARTITURAS

Ralph Cole WaddeyCarlos Sandroni

Lucia Helena Cysneiros

PRESIDENTE DA REPBLICA 

Lui Inácio Lula da Silva

MINISTRO DA CULTURA 

Gilberto Gil Moreira

PRESIDENTE DO IPHAN

Lui Fernando de Almeida

CHEFE DE GABINETE

 Aloísio Guapindaya

PROCURADORA-CHEFE FEDERAL

Terea Beatri da Rosa Miguel

DIRETORA DE PATRIMNIO IMATERIAL

Márcia Sant’Anna

DIRETOR DE PATRIMNIO MATERIAL

E FISCALIzAÇÃO

Dalmo Vieira Filho

DIRETOR DE MUSEUSE CENTROS CULTURAIS

 José do Nascimento Junior

DIRETORA DE PLANEJAMENTO

E ADMINISTRAÇÃO

Maria Emília Nascimento Santos

COORDENADORA-GERAL DE PESQUISA,

DOCUMENTAÇÃO E REFERNCIA 

Lia Motta

COORDENADOR-GERAL DE PROMOÇÃO

DO PATRIMNIO CULTURAL

 João Tadeu Gonçalves

SUPERINTENDENTE REGIONAL NA BAHIA 

Eugênio de Ávila Lins

INSTITUTO DO PATRIMNIO HISTRICO

E ARTSTICO NACIONAL

SBN Quadra 2 Bloco F Edifício Central Brasília

Cep: 70040-904 Brasília-DF Telefones: (61) 3414.6176, 3414.6186, 3414.6199Faxes: (61) 3414.6126 e 3414.6198www.iphan.gov.br [email protected] 

 

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Ficha Técnica CD Samba de Roda – 

Patrimônio da Humanidade

PESQUISA  Carlos Sandroni

 ÁUDIO

• Gravação com a Unidade Móvel do Núcleode Etnomusicologia da UFPE – zé GuilhermeLima• Assistentes de Gravação – Johann Brehmer/

 Alessandra Leão• Gravação em DAT (Cachoeira) – FranciscaMarques• Mixagem no Estúdio Mister Mouse (Recife)– Léo D/ William P/ zé Guilherme LimaMasteriação do CD - Carlos Freitas – ClassicMáster (São Paulo)

PRODUÇÃO EXECUTIVA 

Carlos Sandroni

 Josias Pires Neto APOIO

Núcleo de Etnomusicologia da UniversidadeFederal de PernambucoSecretária – Anita Holanda Freitas

PARCERIA 

 Amafro – Sociedade Amigos da Cultura Afro-Brasileira

Ficha Técnica Samba de Roda do Recôncavo

Baiano

REGISTRO DO SAMBA DE RODA DO

RECNCAVO BAIANO

Processo número 01450.010146/2004-60

PROPONENTES:

• Associação Cultural Samba de Roda Dalva Damiana deFreitas• Grupo Cultural Filhos de Nagô

• Associação de Pesquisa em Cultura Popular e MúsicaTradicional do Recôncavo

DATA DE ABERTURA DO PR OCESSO:

17/08/2004Pedido de Registro aprovado a 4a reunião do ConselhoConsultivo, em 30/09/2004Inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão, em05/10/2004

PÁGINA 4

SAmbA de RodA bARquINhA de bom JeSuS

em bom JeSuS doS PobReS,

muNIcPIo de SAubARA.

foto: luIz SANtoS.

PÁGINA 6

me ÁuReA em cASA de

IANS (bAmbuRuceNA),

So fRANcISco do coNde.

foto: luIz SANtoS.

 

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sumário

  

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }

10 APRESENTAÇÃO

12 INTRODUÇÃO15 Notas

16 IDENTIFICAÇÃO17 Localiação geográca da formade expressão e das comunidadesabrangidas na pesquisa19 Periodicidade da forma deexpressão cultural21 Notas

22 DESCRIÇÃO23 Forma de expressão cultural ereferências históricas recentes25 História, desenvolvimento efunção social34 Descrição técnica: estilo,

gênero, escolas, inuências66 Notas

68 Justificativa (O samba deroda como objeto de registro)75 Enfraquecimento da forma deexpressão, pressões e riscospotenciais de desaparecimento81 Notas

82 PLANO DE SALVAGUARDA85 Objetivos do plano integrado desalvaguarda e valoriação do sambade roda86 Componentes do plano desalvaguarda92 Execução e etapas do plano desalvaguarda95 Notas

96 BALANÇO PRELIMINAR97 Primeiros resultados do

processo de salvaguarda do sambade roda101 Notas

102 Viola de Samba e Samba deViola no Recôncavo Baiano103 Apresentação105 Viola de samba118 Samba de viola140 Um epílogo pessoal142 Exemplos musicais149 Notas

154 FONTES BIBLIOGRÁFICAS

158 ANEXO 1 Partituras

190 ANEXO 2 Parecer do Relator

198 ANEXO 3 Grupos e pessoascontactadas

200 ANEXO 4 Instituições parceiras

201 ANEXO 5 Letras do CD Samba deRoda - Patrimônio da Humanidade

 

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APRESENTAção

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 11

Reconhecido como uma dasmatries do notório símbo-

lo nacional, o samba, o samba deroda do Recôncavo Baiano foiinscrito no Livro de Registro dasFormas de Expressão em 2004.Contudo, como demonstra esteexemplar da série Dossiês Iphan, o

 valor do samba de roda transcendeesse caráter de ancestralidade e suaimportância permanece presenteno cotidiano de homens e mulheresda Bahia.

Manifestação musical, coreo-gráca e poética, o samba de rodapermeia atividades econômicas,religiosas e lúdicas, particularmenteno contexto cultural do RecôncavoBaiano.

A pesquisa publicada nesteDossiê também fundamentou acandidatura do samba de roda àIII Proclamação das Obras-Primasdo Patrimônio Oral e Imaterial daHumanidade, título que foi outor-

gado pela Unesco em 2005.Desde então o Iphan tem acom-

panhado a elaboração e a implan-tação do Plano de Salvaguarda dosamba de roda, com o objetivo deapoiar e fomentar ações de valori-ação dos sambadores e sambadeirasda Bahia e a melhoria das condiçõesque propiciam a continuidade deste

 valioso bem cultural.Com mais esta publicação, o

Iphan prossegue com o trabalho deampla divulgação dos bens culturaisregistrados e espera que, para alémde sua terra natal, o samba de rodacontinue a despertar pés, palmas ecorações.

 

li frnan AiaPresidente do Iphan

PASSo de bAIANA do

SAmbA SueRdIeck. foto:

PedRo Ivo olIveIRA.

PÁGINA 8

PANdeIRo. foto: luIzSANtoS.

PÁGINA 9

detAlhe de ReNdA de

  veStImeNtA de bAIANA.

foto: PedRo Ivo

olIveIRA.

 

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introduçãointrodução

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 13

O dossiê de Registro do samba deroda do Recôncavo baiano foi

realiado em Recife/PE, em Salva-dor/BA e no Recôncavo da Bahia,

no ano de 2004, coordenado porCarlos Sandroni, professor da Uni-

 versidade Federal de Pernambuco- UFPE e presidente da Associa-ção Brasileira de Etnomusicologia(2002-2004). A equipe de pes-quisa constituiu-se das etnomusi-cólogas Katharina Döring, profes-sora da Universidade do Estado daBahia, e Francisca Marques, presi-dente da Associação de Pesquisa emCultura Popular e Música Tradi-cional do Recôncavo, de Cachoeira/BA; do antropólogo Ari Lima, pro-fessor da Faculdade de Tecnologia

e Ciência, de Salvador; da pesqui-sadora de dança Suana Martins,professora da Universidade Federalda Bahia, e do documentarista

 Josias Pires, professor da FaculdadeDois de Julho, de Salvador.1

O trabalho foi grandementefacilitado pelas pesquisas prévias deKatharina Döring, Josias Pires eFrancisca Marques, que gentilmen-

te puseram seus contatos, conheci-mentos e prestígio junto aos samba-dores à disposição do projeto. Estecontou com o acompanhamento esupervisão técnica do Iphan, pormeio de seu Departamento de Pa-trimônio Imaterial, e com o apoionanceiro do Ministério da Cul-tura, do Iphan e da Unesco, viabi-liado por contrato rmado coma Fundação de Apoio à Pesquisa eExtensão da Universidade Federalda Bahia - Fapex.

A metodologia do trabalho con-sistiu em, num primeiro momento,

mapear a ocorrência do samba deroda no maior número possível demunicípios e localidades do Re-côncavo e adjacências. Tal mapea-mento, na maioria dos casos, partiudos já citados contatos prévios, que

indicaram novos contatos e assimpor diante. Em outros casos, foifeito por meio de visitas a localida-des e perguntas aos moradores. Os

contatos assim desenvolvidos, se-mana após semana, deram origem aentrevistas, observações e relatóriosde visita enviados ao coordenador.Com base nesse material foramidenticados os sambas em suasparticularidades e pontos comuns.

A etapa seguinte correspondeu àescolha de uma quantidade me-nor de localidades, nas quais haviasamba de roda, para pesquisa maisaprofundada, incluindo registrofotográco, em vídeo e em áudiodigital. A Unidade Móvel de Grava-ção do Núcleo de Etnomusicologia

da UFPE deslocou-se em dois nsde semana para o Recôncavo, e fe10 horas de gravação multipista em10 diferentes municípios.2 Umaequipe de vídeo e um fotógrafo pas-saram 15 dias na região.3 Foi

Seu zé de lelINhA (JoSé

 vItRIo doS ReIS) e Seu

mAchete. foto: luIz

SANtoS.

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 14

denida uma lista de temas, emtorno dos quais as informaçõessobre cada localidade passaram a serorganiadas.

Paralelamente a esse trabalho decampo foi também realiada pes-quisa em fontes secundárias comolivros e artigos acadêmicos sobre osamba de roda e seu contexto, fon-tes sobre o samba de roda na inter-net e fontes audiovisuais existentes(cinema, vídeo e som).

O material de áudio produidopela pesquisa de campo foi pré-mixado e, dos 13 CDs resultantes,selecionou-se cerca de uma hora demúsica, que recebeu mixagem de-nitiva e masteriação. A parte vocaldas músicas constantes deste CD foi

transcrita em partitura, e suas letrastambém transcritas. As fotograasfeitas foram selecionadas e identi-cadas por localidade. O materialaudiovisual foi editado e produidoum vídeo com duas horas de dura-

ção, incluindo imagens de arquivoe imagens colhidas em 2004, bemcomo uma síntese deste vídeo, comduração de 10 minutos.

O conjunto das informaçõesprocessadas a partir dessas pesquisasfoi utiliado para produir o textodo dossiê de Registro e a versão,encaminhada à Unesco para apoiara candidatura do samba de roda à III Proclamação das Obras-Primas do Patri-mônio Oral e Imaterial da Humanidade.Cópias do áudio em CDs, de partedas fotograas e uma síntese domaterial em vídeo (ta VHS) foramentregues aos sambadores.

No dia 18 de setembro de 2004foi realiada na cidade de São Fran-cisco do Conde, com o apoio da

prefeitura local e da UniversidadeEstadual de Feira de Santana, reu-nião com os sambadores para dis-cutir a situação do samba de roda,sua sustentabilidade e eventuais me-didas de apoio a serem propostas.

Participaram cerca de 50 samba-dores de todo o Recôncavo, repre-sentantes do Iphan e da ComissãoBaiana de Folclore. A discussão,

realiada em plenária e em gruposseparados, versou sobre a situa-ção dos sambadores, seus grupos ecomunidades; sobre a memória edocumentação a respeito do sam-ba; e sobre a transmissão do sambaàs novas gerações. As conclusões,sintetiadas e postas no papel pelaequipe de pesquisa, foram incorpo-radas ao dossiê de Registro, sendo,mais tarde, objeto de detalhamentopor ocasião da implementação doPlano de Salvaguarda do samba deroda.

Presentemente, com o apoio -

nanceiro do Ministério da Culturae do Iphan, as ações para a salva-guarda dessa forma de expressão seencontram em pleno andamento.Entre os seus principais resultadosdestacam-se: maior articulação

Seu PedRo SAmbAdoR

e doNA PoRcINA,

SAmbAdeIRA, em

mARAcANGAlhA. foto:

luIz SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

bAIANA NA PARte

exteRIoR do teRReIRo

de PAI edINho, em

mARAGoGIPe. foto: luIz

SANtoS.

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 15

entre os praticantes, obtida a partirda criação da Associação de Samba-dores e Sambadeiras do Estado daBahia; o crescimento dos convites agrupos de samba de roda para apre-sentações em outras localidades; a

revitaliação de saberes tradicionais vinculados ao samba de roda e arealiação das gestões fundamentaispara a implantação de uma redede Casas do Samba no Recôncavobaiano para intercâmbio, pesquisa,

1. A redação nal contou ainda comapoio suplementar da historiadora Wlamy-ra Albuquerque da Universidade Estadualde Feira de Santana, no que se refere àhistória do Recôncavo, e de Maria Gore-tti Rocha de Oliveira, no que se refere àdescrição da dança.  2. Cachoeira, Conceição do Almeida,

 Jaguaripe, Santo Amaro, São Félix, SãoFrancisco do Conde, Saubara, TeodoroSampaio, Terra Nova, Vera Cru.

3. Imagens foram feitas nos mesmosmunicípios, e mais Cabaceiras do Para-guaçu, Maragogipe, Simões Filho, Castro

 Alves e São Sebastião do Passé.

difusão e transmissão de conheci-mentos, além de atividades ligadas àprodução e à reprodução do sambade roda.

Tais resultados, ainda queparciais, têm aumentado o respei-

to pelos indivíduos e grupos quefaem e que transmitem essa formade samba e aberto o caminho paraque o processo de salvaguarda dessepatrimônio brasileiro se torne cada

 ve mais sólido e autônomo.

notas

 

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identificação

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 17

O samba de roda ocorre em todoo Estado da Bahia. Apresenta

inúmeras variações que parecemestar relacionadas com aspectos

ecológicos, históricos e socioeco-nômicos das diferentes regiões doEstado. Mas o Recôncavo – como

 veremos, em detalhe, a seguir – temimportância fundamental na for-mação política, social e econômicado Estado da Bahia. É responsáveltambém pelas suas principais refe-rências culturais, artísticas e, porassim dier, pelo ethos atribuído,fora e dentro do Estado, ao povobaiano. Para situar geogracamenteessa região, podemos adotar comoponto de partida a denição forne-cida pelo Guia Cultural da Bahia,

 vol. 2, Recôncavo (1997):

“A faixa de terra que contornaa baía de Todos os Santos, formadapor mangues, baixas e tabuleiros,é conhecida como a Região do

Recôncavo. Para este guia cultural,que adota a divisão econômica doEstado, o Recôncavo está dividi-do em duas regiões distintas, uma

compreendendo a Região Metropo-litana de Salvador e a outra chama-da Recôncavo Sul, incluindo, alémdos municípios tradicionalmenteidenticados como do Recôncavo,aqueloutros que constituem o valedo Jiquiriçá. Reúne 33 municípios,totaliando 10.015 km2, 1,7% dasupercie da Bahia. Suas coordena-das geográcas se estendem de 12E23’ a 13E 24’ lat. S e de 38E 38’ a40E 10’ long. W.”

Contudo, a depender do pontode vista que se adote, ou seja, geo-gráco, econômico ou cultural, asdenições e delimitações do Re-côncavo são muito variáveis. Quan-to aos municípios que compõema região, por exemplo, o número

 vai de 17 até 96. Na elaboração do

dossiê de Registro foram pesquisa-dos 21 municípios e 33 localidades(mencionadas entre parênteses),conforme a seguinte lista (ver tam-

bém mapa de localiação):1

• Araíp (Maragogipinho)– 8.738 habitantes.• caaari (Parafuso) – 191.855habitantes.• caairas Paraga (Sede,Geolândia) – 16.189 habitantes.• caira (Sede, Santiago doIguape, Alecrim, Belém) – 31.748habitantes.• casr As – 24.802 habitantes.• cniã Aia – 19.144habitantes.• Grnar mangaira – 18.916habitantes.• Jagarip (Sede, Camassandi,Mutá, Pirajuía) – 13.378 habitan-tes.• lar frias (Portão)– 141.280 habitantes.• maraggip (Sede, Coqueiros,

localizaçãogeográficada forma deexpressão e dascomunidades

abrangidas napesquisa

doNA fIA, do SAmbA de

RodA de PIRAJuA. foto:

luIz SANtoS.

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 18

Itapecerica) – 41.256 habitantes.• mriia – 32.286 habitantes.• Saar – 2.673.560 habitantes.• San Aar (Sede, São Bra)– 61.079 habitantes.• Sã fi – 14.649 habitantes.• Sã franis cn (Sede,Ilha do Paty) – 30.069 habitantes.• Sã Sasiã Pass (Maracan-galha) – 41.924 habitantes.• Saara (Sede, Bom Jesus dosPobres) – 11.557 habitantes.

• Siõs fi (Pitanga dos Palma-res) – 107.561 habitantes.• tr Sapai – 8.435 habi-tantes.• trra Na – 13.274 habitantes.• vra cr (Mar Grande) –34.520 habitantes.

De acordo com o IBGE, estesmunicípios totaliam 3.536.220habitantes, o que corresponde a25% da população do estado.2

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 1

Não há ocasiões exclusivas paraa realiação do samba de roda,

mas há aquelas nas quais ele é indis-pensável. A primeira delas refere-

se às festas do catolicismo popularque são associadas, no Recôncavo, atradições religiosas afro-brasileiras.Em particular, no nal de setembrosão célebres os sambas nas festas dossantos Cosme e Damião, sincretia-dos com os orixás iorubanos rela-cionados aos gêmeos, os Ibeji. Estas

festividades são chamadas tambémde Carurus de Cosme, devido àiguaria da culinária afro-brasileira,o caruru, que é servida na ocasião.Nessas festas, as crianças comemprimeiro - sempre em gruposmúltiplos de sete - pois esses santossão considerados seus protetores;depois, os demais presentes. Emseguida às reas coletivas cantadas,entra o samba de roda como con-clusão.

O samba de roda também é

parte fundamental do culto aoscaboclos, entidades espirituaiscultuadas no contexto afro-brasi-leiro, mas com forte referência aouniverso ameríndio. Acredita-seque os caboclos gostem de samba, eem particular das modalidades queincluem viola. Nos festejos públicosde culto aos caboclos, denominadostoques, a presença de um samba de

 viola é fundamental (Lody, 1977;Garcia, 1995).

O samba também acontece de-pois de festas de candomblés de ritonagô ou angola, em alguns casos, jácomo tradição institucionaliada e,

em outros casos, como algo espon-tâneo que pode acontecer ou não adepender do ânimo das pessoas. Nailha de Itaparica é comum, ainda, osamba acontecer de manhã, depoisde uma noite inteira de festa paraos eguns, entidades espirituais rela-cionadas aos ancestrais.

Outra importante festa religiosaonde o samba de roda representapapel de coadjuvante proeminentee indispensável é a de Nossa Se-nhora da Boa Morte, em agosto,na cidade de Cachoeira (Marques,2003).

Assim, a singularidade do sambade roda para seus praticantes temrelação com a maneira como estepermeia as mais diversas expressõesdo rico patrimônio imaterial daBahia, e em particular do Recônca-

periodicidadeda forma deexpressãocultural

PRocISSo de NoSSA 

SeNhoRA dA boA moRte,

em cAchoeIRA. foto:

luIz SANtoS.

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 20

 vo, como que acrescentado, feito umintermezzo ou conclusão de caráterlúdico, aos mais variados eventos docalendário festivo religioso ou civil.

Os exemplos poderiam se mul-tiplicar: ternos de reis e folias dereis em vários municípios; é de

 vale em Saubara e Gameleira, naIlha de Itaparica; burrinhas em

 vários municípios; bumba-meu-boiem Parafuso, no município de Ca-maçari... Em todas essas festividades

o samba é presença indispensável.Citaremos apenas uma fala relativaà barquinha de Bom Jesus dos Pobres:

“É que aqui tem um pessoalmais antigo que saía pelas ruas nodia 31 de deembro, com a barca,de rua em rua, de casa em casa,pegando oferendas. Faia samba deroda nas portas, o pessoal acei-tava, chamava pra beber e botavaoferendas na barquinha. E depoisque corria as ruas, quando dava

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 21

meia-noite, essa barca ia pra praia ecolocava-se no mar com as oferen-das, pedindo que traga boas coisaspara o ano vindouro e leve as coisas

ruins que passaram do ano que es-tava terminando, e pedindo farturapara o pessoal que aqui vive da pescae dos barcos”. (Maria Rita, Bom

 Jesus dos Pobres)3

Embora essas outras celebraçõese formas de expressão tenham gran-

de importância para as comunida-des em questão, numa visão globalnenhuma delas parece exercer, tãobem quanto o samba, o papel dedenominador comum da culturapopular do Recôncavo. Como es-creve Tiago de Oliveira Pinto:

“No Recôncavo, o samba semdúvida tem uma posição especial. Ésignicante a ligação que o sambaconsegue entre todas as faixas etá-rias e entre os sexos, como também

o fato de que formas de samba sãoligadas, de uma ou outra maneira,a quase todas as espécies culturaisimportantes, e que têm um papel

importante nas demais datas festi- vas, sejam elas religiosas, rituais oude outra naturea”. (1990:106)

Esta posição especial fa tam-bém do samba de roda a forma maiscomum e tradicional de o povobaiano festejar em seu dia-a-dia:

“Além dos diversos eventosmencionados acima para se faerum samba, todos os acontecimentospodem dar motivo para um samba,seja um batiado, uma reunião es-pontânea dos moradores do povoa-do etc.” (Pinto, 1990:108).

  1. Fonte: IBGE. Os dados populacio-nais correspondem à estimativa realiadaem 2005 e à população total dos municí-pios, com base nos dados do Censo do ano2000.  2. Fonte: IBGE. Os dados populacio-nais correspondem à estimativa realiadaem 2005, com base nos dados do Censo

do ano 2000.  3. As entrevistas citadas, a não serquando especicado, foram registradas em

 vídeo, no Recôncavo, em agosto de 2004.

notas

cARuRu de coSme e

dAmIo NA comuNIdAde

de PoNtA de SouzA,

mARAGoGIPe. foto: luIz

SANtoS.

 

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descriçãodescrição

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 23

forma de

expressãocultural ereferênciashistóricasrecentes

O samba de roda é uma mani-festação musical, coreográ-

ca, poética e festiva, presente emtodo o estado da Bahia, mas muito

particularmente na região do Re-côncavo. Em sua denição mínimaconstitui-se da reunião, que podeser xada no calendário ou não, degrupo de pessoas para  performance deum repertório musical e coreográ-co, cujas características são dadasaqui de modo geral e resumido:

  • Disposição dos participantesem círculo ou formato aproximado,donde o nome samba de roda.  • Presença possível de instru-mentos musicais membranofones– caracteristicamente, o pandeiro1;idiofones – caracteristicamente, oprato-e-faca; e cordofones – carac-teristicamente, a viola. Os tocado-res cam juntos faendo parte docírculo. Os presentes participamdo acompanhamento musical compalmas, segundo certos padrões

rítmicos em ostinato.2 • Cantos estrócos e silábicos

em língua portuguesa, de caráterresponsorial e repetitivo. A estrofeprincipal, em certos casos, chamadade chula, pode ser cantada por umou dois cantores com certo grau deespecialiação, enquanto a respos-ta ou relativo - trata-se de termoslocais - pode ser cantada por todosos presentes ou, às vees, por doiscantores também especialiados,

diferentes dos dois primeiros, comou sem reforço das mulheres pre-sentes. As estrofes são relativamentecurtas, podendo ser de um único

 verso, e raramente indo além deoito versos. Há ocorrência eventualde improvisação verbal. Existe umrepertório de estrofes conhecidaspelos participantes, que no caso decanto individual, e eventualmenteem dupla, podem ser acionadas ad libitum.3 

• A coreograa, sempre feitadentro da roda, pode ser muito va-riada, mas seu gesto mais típico é ochamado miudinho. Feito, sobre-tudo, da cintura para baixo, consis-te num quase imperceptível sapatearpara frente e para trás dos pés quasecolados ao chão, com a movimen-tação correspondente dos quadris.Embora homens também possamdançar, há clara predominância demulheres na dança, enquanto notoque dos instrumentos a predomi-

SAmbA chulA oS fIlhoS

dA PItANGueIRA, So

fRANcISco do coNde.

foto: luIz SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

detAlhe de bAIANA 

duRANte PRocISSo

de NoSSA SeNhoRA dA 

boA moRte. foto: luIz

SANtoS.

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 24

nância é masculina, com exceção doprato-e-faca. Outro traço marcanteda coreograa é a alternância, ouseja: exceção feita à naliação de

um samba, não é comum que todosos participantes dancem ao mesmotempo, o que teria por efeito desfa-er o círculo de assistentes, desca-racteriando assim o samba como deroda. Em alguns casos é estritamenteproibido que mais de uma pessoadance de cada ve: uma só pessoa

deverá executar sua dança, sempreno interior do espaço delimitadopela roda, e em seguida escolherentre os participantes o que irásubstituí-la. Em outros casos, váriaspessoas podem dançar ao mes-mo tempo. Os participantes queformam a roda, por não estaremdentro dela, não dançam, a não serque se considere o bater palmas umtipo de dança; ou eventualmen-te dançam apenas através de umadiscreta movimentação rítmica do

corpo. O princípio da alternânciarelaciona-se também com um dosgestos coreográcos mais típicos dosamba de roda, a famosa umbigada,

ou choque de umbigos: traço cultu-ral de origem banto, a umbigada éum sinal por meio do qual a pessoaque está sambando designa quemirá substituí-la na roda (Carneiro,1961; Tinhorão, 1988:45-68).  • O samba de roda pode acon-tecer dentro de casa ou ao ar livre,

em um bar, uma praça ou umterreiro de candomblé. Sua per-formance tem caráter inclusivo, ouseja, todos os presentes, mesmo osque ali estejam pela primeira ve,são em princípio instados a parti-cipar, cantando as respostas corais,batendo palmas no ritmo e até mes-mo dançando no meio da roda casoa ocasião se apresente.

O samba de roda, desde antigosrelatos, tra como suporte deter-minante tradições culturais trans-

mitidas por africanos escraviadosno Estado da Bahia. Essas tradiçõesse mesclaram de maneira singulara traços culturais traidos pelos

portugueses, como os instrumentosmencionados acima, e à próprialíngua portuguesa e elementos desuas formas poéticas. Tal mescla,assim como outras mais recentes,não exclui o fato de que o sambade roda foi e é essencialmente umaforma de expressão de brasileiros

afro-descendentes, que se reconhe-cem como tais.

cARuRu em homeNAGem A 

So Roque, PItANGA doS

PAlmAReS, muNIcPIo de

SImeS fIlho. foto: luIz

SANtoS.

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 25

O Recôncavo na históriaPor Recôncavo, como visto, se

costuma designar uma vasta fai-xa litorânea que circunda a Baía

de Todos os Santos, à entrada daqual se ergue a cidade de Salvador,capital do Estado da Bahia. São asterras em “volta d’água” (Brandão,1998:30): anal, foi como a bocaaberta da Baía de Todos os Santosque a região passou a faer partedo mundo Atlântico. Na denição

de Kátia Mattoso, “o Recôncavo é,antes de tudo, uma terra oceânica”(Mattoso, 1992:54). Delimitá-lo,no entanto, não é uma tarefa fácil,ainda que se use o oceano comofronteira. Mesmo porque, quandose di Recôncavo baiano, está se fa-lando muito mais de um “conceitohistórico [do] que de uma unidadesiográca” (Santos, 1998:62). ORecôncavo é uma invenção históricae uma conguração cultural quenasceu da aventura de alguns portu-

gueses, e do infortúnio de muitosafricanos e indígenas. Por isso,trata-se de uma unidade regionalque foi concebida e é situada por

dentro da história dos engenhos decana, da escravidão e da indústriaaçucareira no Brasil.

Assim que chegaram, os portu-gueses perceberam que a baía eraum porto naturalmente seguro, e asterras em seu entorno lhes parece-ram propícias para que os primei-

ros núcleos coloniadores fossemestabelecidos. As pequenas ilhas eos recifes dicultavam a entrada denavios inimigos, mas para quemconhecia bem os caminhos do mare dos rios era possível transitar emmédias e pequenas embarcações.Resguardados do Atlântico, mastambém por ele providos, ergue-ram-se no Recôncavo engenhos decana-de-açúcar, paróquias e vilas.

 As de São Francisco do Conde,Cachoeira e Jaguaripe datam de

1693, e a de Santo Amaro foi criadaem 1724. A elas se seguiram váriasoutras e, assim, no nal do século

 XVIII, as margens do rio Paraguaçu

– até onde ele se faia navegável – jáestavam relativamente povoadas.

 Ainda naquele século, Salvador eCachoeira já eram os dois princi-pais centros metropolitanos da re-gião, pólos integradores do circuitocomercial, político e cultural que acoloniação portuguesa inaugurou.

No ritmo dos engenhos de açú-car o Recôncavo foi se formando,e foram surgindo e crescendo osnúcleos urbanos, faendo funcio-nar uma rede pela qual transitavamprodutos e pessoas ocupadas com ocomércio.

Dessa rede tem sido subtraídoe acrescentado, ao longo de tantosséculos, um considerável númerode cidades. Para o geógrafo MiltonSantos, por exemplo, faem partedo Recôncavo 28 municípios.4 

HISTÓRIA,DESENVOLVIMENTOE FUNÇÃO SOCIAL,SIMBÓLICA E

CULTURAL

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 26

 A sua justicativa para tal congu-ração é a conexão que existe entreessas cidades dispersas ao longo dabaía, mas integradas econômica eculturalmente. Em outros tempos,além do mar, os rios do lugar tam-bém ajudavam a garantir a funcio-nalidade da rede. O Paraguaçu,o Subaé e o Jaguaripe são os maisimportantes. Todos eles enfrentamhoje, contudo, uma grave situaçãode degradação ambiental. No Para-

guaçu foi construída a barragem dePedra do Cavalo: uma intervençãoque, se garante o abastecimentoregular de água potável para váriascomunidades, compromete todo oecossistema pelo processo contínuode saliniação e assoreamento dorio, prejudicando sobremaneira apesca e a mariscagem, importantese tradicionais fontes de renda paraas populações locais. Até o século

 XIX, o Paraguaçu levava o açúcar e

o fumo produidos em seu entor-no rumo ao porto de Salvador. Aspessoas faiam o mesmo percursono famoso vapor de Cachoeira, de

fabricação inglesa.Infelimente o Recôncavo, além

da degradação ambiental, sofre deoutras maelas. A pobrea generali-ada e a desigualdade social tambémsão ali heranças compartilhadas.Para alguns, o Recôncavo é sinôni-mo de “região cronicamente pobre,

entretanto dotada do fascínio de sera principal detentora da tradiçãocultural da sociedade escravista”(Pedrão, 1998:219). Mas nem sem-pre foi assim. Por um longo tempoa opulência e riquea dos donos deterras e escravos saltavam aos olhos.Logo que se instalaram no Recôn-cavo os coloniadores descobriramas virtudes do solo de massapê,predominante na região. Trata-sede uma terra de coloração escura,rica em materiais orgânicos, pouco

SAmbA de RodA SueRdIeck

No dIA dA feStA dA boA 

moRte em cAchoeIRA.

foto: luIz SANtoS.

 

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 27

permeável, mas capa de conservar aumidade durante um longo tem-po. O massapê e o clima tropicalse prestavam bem para o cultivo

em larga escala da cana-de-açúcar. Após a diimação de muitos indí-genas e a escraviação ou expulsãode outros tantos, os portugueses seassenhorearam dos melhores ter-renos, faendo-se donos de pessoase riqueas. Embora os negócios doaçúcar estivessem sempre à mercê

do mercado internacional, as ven-das garantiram fortuna e prestígioaos grandes proprietários locais.Criou-se ali, assim, uma economiasustentada pelas lavouras do fumo,da cana-de-açúcar e pelo trabalhode negros escraviados; criou-se também uma cultura lha das

relações sociais geradas no mundoescravista.

Associada à lavoura canaviei-ra, a indústria do tabaco tambémoresceu no Recôncavo baiano.

Na segunda metade do século XIX foram abertas as primeiras fábricasde charutos. No período, a regiãoamargava uma grave e irreversível

crise econômica e, para muitastrabalhadoras – visto ser esta umaindústria de predominância femi-nina – ser empregada na feiturados charutos era uma oportunidadeímpar. As fábricas mais importantesforam a Suerdieck, fundada em Ca-choeira por imigrantes alemães, e a

Dannemann, em São Félix. Aindase cultiva fumo no Recôncavo, masuma produção acanhada, em pe-quena escala.

Com a decadência da produçãoda cana-de-açúcar e do fumo, e oempobrecimento regional que seseguiu, caram ainda mais redu-

idas e precárias as oportunidadesde sobrevivência. Assim, teve lugaruma outra forma de expansão doRecôncavo: a migração. Forammuitos os trabalhadores, em sua

esmagadora maioria negros, queabandonaram as velhas cidades deSanto Amaro, Cachoeira, São Félixe São Francisco do Conde para se

estabelecerem em povoados e vilasmenores, em busca de melhorescondições de vida. Com isso, o Re-côncavo foi expandido para dentrode si mesmo. É muito corriqueiroencontrar na região famílias espa-lhadas por diversas cidades: o re-sultado de inúmeras tentativas de se

 viver melhor. Entretanto, tambémé preciso acentuar que foi graças aesse processo migratório que hojeé possível perceber certa unida-de cultural na região. Mesmo empovoados e cidades distantes entresi, podem ser observadas práticas etradições similares, a exemplo do

samba de roda.Nos anos 1950, a extração de

petróleo, recém-descoberto naregião, prometia encerrar a letargiaeconômica que nos 100 anos ante-

PeScAdoReS dA 

comuNIdAde de PoNtA 

de SouzA tRAzeNdo oS

fRutoS do mAR PARA o

tRAdIcIoNAl cARuRu de

coSme e dAmIo. foto:

luIz SANtoS.

 

{ }

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 28

riores cobrira boa parte do Recôn-cavo. Tal promessa foi cumpridaapenas em parte, e mesmo os limi-tados benefícios resultantes para a

população local têm sido distribuí-dos regionalmente de modo bas-tante desigual. Cidades como Catu,Candeias e São Francisco do Condecresceram vertiginosamente coma produção petrolífera, enquantoantigos e importantes centros urba-nos, a exemplo de Cachoeira, Santo

 Amaro e Maragogipe, continuamao largo das novas benesses extraí-das do solo. Por sua ve, a recriaçãodas tradições culturais locais estárelacionada a este duplo movimen-to: o acelerado desenvolvimentode alguns centros urbanos funda-mentais no mapa cultural da região,

e a secular paralisia econômica decidades não menos importantes.

A despeito da disritmia intra-regional, a presença africana eafro-descendente foi, e continua a

ser, uma marca da cultura do lugar.Eram negros os homens, mulherese crianças que cuidavam dos cana-

 viais, faiam os engenhos funciona-rem, mantinham toda a infra-es-trutura necessária para o bem viverde seus senhores... e ainda promo-

 viam magnícos batuques.5 Comohoje também o são os trabalhadoresocupados com a cata de mariscos,com a pequena lavoura ou com oreno de petróleo, e com o samba

de roda. Tamanha predominâncianegra fa com que o Recôncavoresguarde práticas culturais que são,a um só tempo, uma síntese dasexperiências das populações afri-canas no Brasil, e a evidência daenorme criatividade dos seus

descendentes.

doNA fIA, do SAmbA de

RodA de PIRAJuA. foto:

luIz SANtoS.

 

{ }

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 2

O samba de roda na históriaFormas culturais que faem

parte do samba de roda em suaconguração atual podem ser

encontradas desde o século XVIIem registros históricos, sempre emrelação com o universo dos negros.

 A umbigada - ou embigada - porexemplo, aparece em poemas deGregório de Matos (1636-1696),do mesmo modo que a viola, já em

 vilancicos seiscentistas, aparece no

papel de instrumento privilegiadodo baile dos negros escraviados.6

De maneira mais especíca, asprimeiras referências históricas amanifestações culturais diretamen-te assemelhadas ao samba de rodadatam do início do século XIX, e sedevem à pena de viajantes estran-

geiros que escreveram sobre suasexperiências no Brasil. O inglêsThomas Lindley registrou em 1803,na Bahia, uma dança assim descrita:

“(...) entram em cena a viola ou o violino, e começa a cantoria, quelogo cede passo à atraente dança dosnegros. (...) Consiste em baila-

rem os pares ao dedilhar insípidodo instrumento, sempre no mes-mo ritmo, quase sem moveremas pernas, com toda a ondulaçãolicenciosa dos corpos, em contatode modo estranhamente imodesto.Os espectadores colaboram com amúsica em um coro improvisado, e

batem palmas, apreciando o espe-táculo (...)” (citado por Tinhorão,1988:54).

Embora fale de uma dança depares e mencione um violino7, hána descrição outros elementos quefaem pensar no samba de roda:

uma dança de negros, ao som de viola, onde quase não se movem aspernas - como na coreograa domiudinho - e onde os espectadorestambém cantam e batem palmas.

Seu PedRo SAmbAdoR, de

mARAcANGAlhA. foto:

luIz SANtoS.

 

S b d R d d R ô B i{ } 30

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 30

 A primeira menção registrada noBrasil da palavra samba data de1838, e se encontra num jornalsatírico então editado em Pernam-

buco, estado com o qual a Bahia fafronteira a noroeste. A menção é,entretanto, feita de passagem, semnenhuma descrição, nem, aliás,associação especíca a afro-des-cendentes. Já o primeiro registroconhecido da palavra samba naBahia, encontrado pelo historiador

 João José Reis, data de 1844, emSalvador, e está num relato feito em

 janeiro daquele ano pelo carcerei-ro da prisão municipal, Joaquim

 José dos Santos Vieira, ao Chefe dePolícia:

“Ontem quase 9 horas da noite,

depois das prisões fechadas, ouvium alarme, que não podia perceberse era samba de africanos, ou denacionais (...) vim à guarda infor-mar-me aonde era aquele estrondo,

quando vi que era na 4a prisão destacadeia (...) imediatamente disse aosargento mandasse a sentinela con-ter a ordem naquela prisão: cessou

o samba (...)” (Reis, 2002:130).

Mas este é, no estado atual daspesquisas, um registro isolado,e que de resto não tra maioresesclarecimentos sobre em queconsistia o referido samba, além deser alarme, estrondo e desordem; ressal-

 vando-se que o próprio carcereironão só parece saber bem de que setrata - posto que se declara capa,em princípio, de faer a distinçãoentre sambas de africanos e de nacionais - como não tem nenhuma dúvi-da de que o Chefe de Polícia seriaigualmente capa de entendê-lo.

A julgar pelas pesquisas de quedispomos - cujos resultados estãono artigo já citado de João JoséReis, e no de Jocélio Teles dos San-tos que citaremos abundantemente

a seguir -, na primeira metade doséculo XIX o termo utiliado porescrito para designar de manei-ra genérica os divertimentos dos

negros era batuque. É só na segun-da metade do século que se passa aencontrar, sobretudo na imprensae em registros policiais, referênciasem profusão ao samba na Bahia, e

 já agora com muitas das caracterís-ticas hoje presentes no Recôncavo.

 A primeira delas data de 1864 – de

140 anos atrás, portanto, e 20 anosdepois do carcereiro Santos Vieira:“Nos becos da Rua da Castanhe-da, por exemplo, havia, segundo o

 jornal O Alabama [de 26/1/1864],sambas, todas as noites, acom-panhados de pratos e pandeiros”(Santos, 1998:23-4). Como vimos,

pratos e pandeiros estão ainda hojeentre os instrumentos mais típicosde acompanhamento do samba.

Dois anos depois, o mesmo jornal O Alabama publicava, em

 

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 versos, uma descrição mais detalha-da de samba acontecido no bairrodo Uruguai, em Salvador:

Houve samba no Uruguai A vinte e três do passado(...)

Mestre Paulino ferreiroCom a viola empunhada

 Acompanhava na primaUma chula bem tirada

 A Mariquinhas rufavaCom muito garbo o pandeiroCustódia tirava o sambaTocava o samba o Pinheiro

Miguel Corcunda e PaulinaRespondiam a toada

De vez em quando tomandoDe cachaça uma golada

Saiu então o Elias A fazer seu roda-pé 

Dá embigada no Victor E cai sobre um canapé 8 

 A descrição corresponde, com

pequenas ressalvas, ao que se pode ver hoje no Recôncavo, assim comoao vocabulário empregado. Háconcordância no que se refere aoselementos materiais – a viola, comsua corda mais aguda chamada deprima, e o pandeiro. Aos verbosusados – rufar o pandeiro, tirar a

chula ou o samba, responder a toada.E nalmente à dança, em que umapessoa especíca sai e dá uma em-bigada em outra. Note-se ainda queacompanhar a chula na prima corres-ponde ao modo de tocar ponteadodos violeiros do Recôncavo, emque se tange uma corda de cada ve,

diferentemente de outros estilos deacompanhamento de música popu-lar, em que várias cordas são tangi-das ao mesmo tempo.

A principal diferença desta

descrição para o que se tem obser- vado de maneira predominante nosúltimos anos é a presença de mu-lheres tocando pandeiro e tirando

o samba, isto é, cantando a estrofeprincipal. Outra mulher canta chu-la em poema publicado no mesmo

 jornal no ano seguinte:

 A creoula HerculanaUma chula entoouRosa do peixe, Lourença

 A toada acompanhou

Caiu na roda OlegáriaPuxou mui bem a eiraE foi dar uma umbigada

 No rapaz Bastos Pereira

Este depois dum corrido

Deu na creoula Clotildes A qual fez o seu peãoE foi bater na Matildes

SR. luS bISPo doS RAmoS

(luS feIRANte), em

cAStRo AlveS. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 32

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Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 32

Depois de um miudinhoQue fez Antonia DengosaDançou Maria LibâniaE depois Maria Rosa 9 

Mais uma ve, encontra-se re-ferência a cantar chula e à umbiga-da. A isso se somam referências aocorrido, que veremos tratar-se deuma modalidade de samba praticadaainda hoje, ao miudinho, à dispo-sição em círculo dos participantes -

“caiu na roda Olegária” -, e à dançafeita individual e sucessivamente- “Depois de Antonia Dengosa,dançou Maria Libânia e depoisMaria Rosa”. O poema, aliás, segueenumerando o nome de mais 19mulheres que na ocasião ainda sam-baram uma depois da outra.

Especicamente no Recôncavo,registros documentais da palavrasamba, no século XIX, são mais ra-ros. Não faltam, porém, registrosde batuques e outras manifestações

musicais-coreográcas de negros. João José Reis menciona um do-cumento de 1808 que fala de umagrande festa de escravos acontecidaem Santo Amaro, com muita músi-ca e dança, assistência numerosa depopulação branca e beneplácito dos

senhores locais, para contrarieda-de, aliás, das autoridades policiaisde Salvador (Reis, 2002:105ss). Omesmo autor informa que em 1855a Câmara Municipal de Marago-

gipe, outra cidade do Recôncavo,enviou para exame em Salvadoruma postura municipal proibindo“batuques e voerias em casas públi-cas” (Idem: 135ss).

No nal do século XIX e na pri-meira metade do seguinte, o samba

baiano tornou-se objeto de interes-se de intelectuais, sendo menciona-do e descrito sumariamente pelosprincipais estudiosos do campoafro-baiano, como Nina Rodri-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 33

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gues, Manoel Querino, Artur Ra-mos e, sobretudo, Edison Carnei-ro. Este período coincide, como

 veremos à frente em detalhe, com o

da ascensão do samba feito no Riode Janeiro, como gênero de cançãourbana gravada em discos e tocadano rádio. Coincide, na verdade,com as etapas iniciais do predomí-nio do modo de vida industrial eurbano – e de estabelecimento deum mercado de entretenimento

de massas – no país. Tais processosinuenciaram, é claro, a práticado samba de roda, cuja importân-cia declinou muito em Salvador,embora tenha declinado menos emmuitas partes do estado da Bahia, e,em particular, no Recôncavo.

No último quarto do século XX 

houve três pesquisas acadêmicasimportantes sobre o samba de rodano Recôncavo. A primeira delasfoi feita por Ralph Cole Waddey,então candidato ao doutorado em

etnomusicologia pela Universidadedo Texas, em Austin, nos EstadosUnidos. Esta pesquisa se deu entre1976 e 1982, e embora Waddey não

tenha nalmente escrito uma tese,publicou um importante artigo emduas partes na Latin American MusicReview (Waddey, 1980 e 1981). A pesquisa de Waddey centrou-se emSalvador, Saubara, Santo Amaro eCastro Alves. Seu acervo encontra-se sob custódia da Universidade do

Texas.A segunda pesquisa foi feita pelo

etnomusicólogo brasileiro radica-do na Alemanha Tiago de OliveiraPinto. Ela aconteceu, sobretudo,entre 1982 e 1990, nas proximi-dades de Santo Amaro, e seus resul-tados foram publicados no livro

Capoeira samba candomblé . O livro nãofoi traduido para o português e oacervo gerado pela pesquisa, bemcomo pelas freqüentes voltas dePinto à região, encontra-se em

bom estado, em Berlim, Alemanha.Finalmente, nos anos 1990, a

etnomusicóloga Rosa Maria zami-th, trabalhando então para a Co-

ordenação de Folclore e CulturaPopular da Fundação Nacional de Arte - Funarte, fe uma pesquisa decurta duração na cidade de Cacho-eira, que resultou em artigo (zami-th, 1995) e CD, gravado em cola-boração com Eliabeth Travassos.O acervo gerado por esta pesquisa

encontra-se guardado em condi-ções adequadas no Centro Nacionalde Folclore e Cultura Popular, noRio de Janeiro.

No início dos anos 2000, trêsdissertações de mestrado foramescritas sobre o samba de roda. A deErivaldo Sales Nunes, Cultura popular 

no Recôncavo baiano: a tradição e a moder-nização do samba de roda, defendida noPrograma de Pós-Graduação emLetras da Universidade Federal daParaíba, em 2002, enfoca, sobre-

cAmINhAdA dAS bAIANAS

do teRReIRo de PAI

edINho, em dIA de

tRAdIcIoNAl lAvAGem

dA eScAdARIA dA IGReJA 

locAl, em mARAGoGIPe.

foto: luIz SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

doNA cARdo (ANtNIA 

eRotIldeS dA SIlvA),

de SAubARA. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 34

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{ }

DESCRIÇÃOTÉCNICA:ESTILO, GÊNERO,ESCOLAS,

INFLUÊNCIAS

TIPOSHá inúmeras modalidades de

samba de roda no Recôncavo. A pesquisa realiada propõe entendê-

las com base em dois grandes tipos.O primeiro corresponde a uma ca-tegoria nativa bastante generaliadano Recôncavo e em Salvador: sambacorrido. O segundo permite apro-ximar, por alguns traços comuns,sambas diferentes, na região deSanto Amaro e municípios viinhos

- muitos dos quais de emancipaçãopolítica recente em relação a Santo

 Amaro -, que são chamados desamba chula, de parada, amarrado ou deviola; e que na região de Cachoeira,com diferenças maiores, são cha-mados de barravento. Será usado, porconvenção, o nome samba chula

em referência ao segundo tipo emquestão. Já o samba corrido, comoserá visto a seguir, tem um carátermais genérico, e por isso pode serchamado às vees pelos partici-

pantes, por contraste com o sambachula, de samba de roda simples-mente.

As principais diferenças entre

samba corrido e samba chula sereferem às relações entre música edança, e podem ser resumidas emdois pontos principais. Primeiro:no samba chula, a dança e o cantonunca acontecem ao mesmo tempo- estando os toques dos instrumen-tos presentes nas duas atividades

-, enquanto no samba corrido,ao contrário, dança, canto e to-ques acontecem simultaneamente.Segundo: no samba chula apenasuma pessoa de cada ve samba nomeio da roda; enquanto no sam-ba corrido podem sambar uma ou

 várias pessoas ao mesmo tempo no

meio da roda. Pode-se dier que nosamba corrido os eventos tendema ser mais agregados, e no sambachula, mais separados. Os músicosexpressam a diferença diendo,

tudo, a região de Santo Amaro. A de Katharina Döring, O samba de rodado SembaGota, defendida no Progra-ma de Pós-Graduação em Música

da Universidade Federal da Bahia,em 2002, é um estudo de casosobre um grupo de jovens músicosprossionais de Salvador, ligadosa um dos mais tradicionais terrei-ros de candomblé da cidade. A deFrancisca Marques, Samba de roda emCachoeira, Bahia: uma abordagem etnomu-

sicológica, defendida no Programade Pós-Graduação em Música daUniversidade Federal do Rio de

 Janeiro, em 2003, enfoca especial-mente o samba de roda na festa deNossa Senhora da Boa Morte, nacidade de Cachoeira. A pesquisa-dora, instalada em Cachoeira desde

2001, vem produindo um im-portante acervo sonoro digital – oúnico deste tipo que se encontraatualmente na Bahia segundo nossasinformações.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 35

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em outras palavras, que o sambacorrido é mais livre, mais permis-sivo; ao passo que o samba chula émais exigente, mais rigoroso. Neste

último, não só cada um dos sam-badores precisa esperar sua ve dedançar, enquanto aprecia o desem-penho do outro, como também, demaneira mais geral, os conjuntosde sambadores e cantores precisamesperar-se mutuamente, cada grupoapreciando enquanto isso o desem-

penho do outro. Dessa forma, osamba chula é uma modalidade deexpressão onde a apreciação estéticadesempenha papel especialmenteimportante.

“No samba de parada, a gentecanta e a mulher sai na roda, e a

gente espera ela sair da roda pragente repetir a cantar. Cada qualtem sua ve, não saem duas [mulhe-res], só sai uma: a diferença é essado samba de roda [isto é, corrido]

pro samba de parada”. (João Antô-nio das Virgens, de Saubara).

“Porque o samba de viola é um

samba amarrado e nós temos querespeitar, nós responde [cantando],quando pára de responder a chula,a gente sai [dançando], pra respei-tar um ao outro. E samba corridotodo mundo samba junto, não temesse negócio de parar separando ascoisas”. (Maria Augusta Ferreira,

São Bra).

“[No samba corrido] pode sairhomem e mulher na roda, e já achula, quando as pareias [isto é,as duplas que gritam a chula] nãoestão cantando, a mulher leva aqui-lo com uma grande consideração.

Porque se as pareias estiverem can-tando e a mulher sair na roda, exis-te aquela desfeita, já é um conceitomesmo da chula, que você não podesair enquanto os homens estiverem

cantando. Quando os homens pa-ram de cantar e cam só os instru-mentos e a marcação, o pandeiro,aí a mulher sai no pé dos tocadores,

 vai saindo, dando umbigada nasoutras. Quando o homem começa acantar de novo a mulher geralmentesó ca batendo palma e cantando”.(Carlos M. Santana, São Bra).

Uma ve estabelecida, por con-traste e em linhas gerais, a distinção

entre os dois tipos de samba de rodaencontrados no Recôncavo, segue-se uma descrição mais pormenori-ada, tanto de seus aspectos gerais,como de suas particularidades.

SAmbA SueRdIeck,

cAchoeIRA. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 36

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A cena do sambaA roda, que dá nome ao gêne-

ro, é comum aos dois tipos men-cionados. A palavra não deve ser

tomada num sentido excessivamenteliteral. A forma real de disposiçãodos participantes pode ser antes ade um semicírculo, ou mesmo, adepender do espaço onde acon-tece o samba, assemelhar-se a umquadrado ou a uma elipse. Comono caso da famosa Távola Redonda,

a alusão ao formato circular podeaqui ter relação com certa igualdadeformal dos participantes, estandotodos à mesma distância do centroe desfrutando do recíproco direitode – respeitadas as regras do jogo– sambar por alguns minutos nomeio do contorno desenhado pelos

assistentes.A roda é, no entanto, polaria-

da pelo ponto onde se agrupam osmúsicos. De certa forma, todos ospresentes em um samba de roda são

músicos, pois todos, em princípio,batem palmas e cantam as respostas.Ou serão, como propôs GilbertRouget (1980), musicantes: partici-

pantes ativos de um evento musical,e não seus meros espectadores. Waddey propõe falar de um “con- junto musical secundário [formadopelos espectadores/participantes],proporcionando não só um acrés-cimo da sonoridade percussiva,como também (o que é talve de

importância maior) um estímuloao envolvimento e entusiasmo detodos” (1982:15). Este conjunto secun-dário está, pois, difuso, confundin-do-se com a totalidade do samba;mas há um conjunto  primário que,em ve disso, está concentrado numponto da roda, e é constituído pelas

pessoas que num dado momentocantam as partes mais individualia-das do samba e tocam os principaisinstrumentos disponíveis.

O samba de roda pode ser visto

SR. luS bISPo doS

RAmoS (luS feIRANte)

e Jovem SAmbAdeIRA, emcAStRo AlveS. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 37

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também como arena privilegiadapara um diálogo altamente codi-cado entre homens e mulheres. Oerotismo é um componente estru-

tural do samba, expresso não sópelos corpos dos participantes, mastambém pelas mais variadas inter-

 jeições e comentários, inclusiveaqueles relativos aos conitos porciúmes (Waddey, 1981:33).

De maneira geral, considera-seque no samba de roda e, como de

hábito com mais rigor no sambachula, o papel típico do homem étocar, enquanto o da mulher ésambar:

“Eu acho que a mulher praessa coisa assim [de sambar] é maisquente, mais enérgica. Eu também

toco, sambo, canto, mas eu achoque a mulher tem mais elegânciapra sambar e o homem pra tocar”.(Maria Rita Machado, Bom Jesusdos Pobres).

“A gente precisa muito do ho-mem por causa do toque, porqueraramente a mulher toca; e o ho-mem precisa da mulher pra acom-

panhar na vo e no pé. Sem a mu-lher não tem samba, sem homemtambém não tem. Aqui a gentedepende dos toques, mas pra sam-bar depende de mulher: um sambasó de homem, você vem, dá umaolhada e vai embora, mas quando vêmulher, ca”. (D.Mirinha, Pira-

 juía).

Esta diferença é levada a rigorem algumas comunidades que pra-ticam preferencialmente o sambachula:

“Nesse samba da gente, só dança

mulher. Homem só dança se vemuma pessoa de fora, que a gente nãoqueira dier nada, aí a gente deixa[ele sambar]. Mas o certo... vocês

 viram aí [isto é, apenas mulheres

sambaram]”. (Pedro dos Santos,líder do samba chula de Maracan-galha).

Para outros, porém, os homenstambém podem sambar, mas faem-no de maneira um pouco diferente:

“A diferença é que a mulher sesacode mais do que o homem. Éque a gente nasceu pra sambar nopé e a mulher pra se requebrar”.

(Antonio Correia de Soua, deMutá).

Em todo o caso é importantenotar que a relação entre homenstocando e mulheres sambandoé algo fundamental para o bomdesenrolar de um samba. A boa

sambadeira estimula o tocador,do mesmo jeito que o samba bemtocado, e muito particularmentea viola bem tocada, estimulam asambadeira:

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 38

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“O samba ca mais quente e agente se motiva mais quando a mu-lher sai, dá aquela remexidainha,sai no pé dos tocador... aí os toca-

dor olha um pra cara do outro, pra ver qual é a que samba mais, quemexe mais com a cintura... quer di-er, é claro que motiva, né, pra nóstocarmos. Inclusive a gente se em-polga até muito mais, tem mulherque a gente toca mais e tem mulherque a gente toca menos. Tem mu-

lher que se empolga e samba no pédo tocador, e o que o tocador fa,chama mais embaixo ou grita maisalto, entendeu?” (Carlos M. Santa-na, dito Babau, São Bra).

“Quando eu estou sambando,eu grito uma chula, que eu vejo

uma mulher ali amassando o barrono mesmo lugar, eu não gostomuito, aí eu estou com o pandeiromais amarrado. Mas quando eu vejoa mulher sair e cortar mesmo no pé

da viola, no pandeiro, e pinica emcima da gente, aí a gente joga pra lámesmo. Isso é que é mulher pisar

 valente, mulher boa, é praer ealegria e satisfação”. (João Saturno,São Bra).

“Quanto mais no samba a gente vê a mulher na roda sambando,sapateando, mais a gente tem ainuência de tocar”. (João Antôniodas Virgens, Saubara).

RodA dAS PAPARutAS dA 

IlhA do PAty, muNIcPIo

de mARAGoGIPe. foto:

luIz SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

bAIANA cANtANdo. foto:

  JeAN JAulbeRt.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 3

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O cantoEm se tratando de samba chula,

a principal parte cantada é chamada justamente de chula. Chula (mascu-

lino: chulo) é adjetivo portuguêsque quer dier vulgar ou grosseira. Deadjetivo passou a substantivo já emPortugal, para designar certas dan-ças e cantos populares. No Brasil,os estudiosos registraram a existên-cia de chulas não só na Bahia, mastambém no Rio Grande do Sul,

 Amaonas e São Paulo, tambémpara designar cantos e danças. NaBahia, no entanto, o termo se xouno canto, como já foi notado porOneyda Alvarenga.10

 Alguns grupos, por exemplo,em Santiago do Iguape e São Fran-cisco do Conde, parecem concor-

dar em que para cantar o sambachula o ideal é contar com quatrohomens. Os dois primeiros can-tam a chula, em polifonia de terçasparalelas, e os dois outros cantam

o chamado relativo, também empolifonia de terças paralelas.

“Quatro sambador: dois cantaa chula e dois responde o relativo.E mulher, a quantidade que tiver[também responde o relativo]”

(zeca Afonso, São Francisco doConde).

O relativo é uma estrofe cantadaque se constitui numa espécie de

resposta à chula, e apresenta, ideal-mente, alguma espécie de relaçãocom aquela, sendo que o caráterdesta relação é muitas vees, para

dier o mínimo, obscuro, inclusive,ao que parece, para os sambadores.

“O que é o relativo? O relativoé uma segunda chula que no nalcombina com a chula” (Pedro dosSantos, Maracangalha).

Mas em que consiste este combi-nar ?... É certo, no entanto, como

 já notara Waddey (1982:16), queo relativo bem executado deve seseguir imediatamente à chula, semperda de um só tempo:

“(...) uma parte [dos homens]

grita a chula, os outros respondemo relativo, imediatamente, pra nãocar a palavra longe da outra.”(Manuel Domingos Silva, TeodoroSampaio).

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 40

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E que, além disso, o reforço vocal das mulheres durante o rela-tivo é valoriado esteticamente, demaneira muito explícita:

“E quando o outro responde orelativo, a mulher vem e comple-menta junto, que é pra car boni-to” (Idem, ibidem).

“O relativo é assim: o sambadortem por obrigação cantar o samba,

e as mulheres cam na parte dorelativo, pra car uma coisa maisbonita. Porque o homem cantandoo samba e o relativo, não sai, entãoas mulheres cantando o relativo, osamba ca mais organiado, maisbonito” (Dilma F. Alves Santa-na, conhecida por Fiita, Teodoro

Sampaio).

Em alguns locais, no entanto,como Mar Grande, na ilha de Ita-parica, os  gritadores de chulas faem

meStRe quAdRAdo, em

mAR GRANde, muNIcPIo

de veRA cRuz. foto: luIzSANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 41

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questão de dier – com uma pontade orgulho – que “não se canta re-lativo” (Mestre Gerson Quadrado,7 de agosto de 2004, anotação de

campo).No samba corrido é maiscomum o cantador principal dosamba ser um solista. É em médiamais curta a duração de cada in-tervenção sua, constituída às veesde um único verso ou um dístico.

 Aqui, a existência de uma estro-

fe de resposta - também curta - éobrigatória. Não recebe o nome derelativo e será cantada, idealmente,pelo conjunto dos participantes dosamba. Em alguns casos, o texto ea melodia cantados pelo solista sãorepetidos com variações mínimaspelo coro dos presentes. Em ou-

tros, as duas partes são diferentes. A parte coral é, no entanto, semprexa, enquanto a do solista, se fordiferente da primeira, pode variarou não.

 As partituras e letras transcritasanexas traem inúmeros exemplosde chulas com e sem relativos, e decorridos. Daremos aqui, a título

de ilustração, apenas uns poucosexemplos:

Chula:“Minha sinhá, minha iaiá (bis)Quem tem amor tem que dar Quem não tem não pode dar Mulata baiana, quero ver a palma zoar 

Chora, mulata, chora Na prima desta viola” Relativo:“Ôh, vi Amélia namorando, eu vi AméliaEu vi Amélia namorando, namora, Amélia” (Waddey, 1982:26)

Corrido:

“Você matou meu sabiá,Moça morena, vou pra Ribeira sambar” Resposta:Igual(Samba Raíes de Angola, S. Fran-

cisco do Conde, faixa 10 do CDSamba de Roda – Patrimônio da Humani-dade).

Chula:“Foi agora que eu cheguei,Tava na beira da praiaConversando com meu bem:– Eh, minha caboquinha, me queira bem,Que o bem que eu quero a outra,Eu quero a você também.” (Mestre Quadrado e Manteigui-

nha, Mar Grande, Itaparica, faixa4 do CD Samba de Roda – Patrimônio daHumanidade).

 

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Os instrumentosAs pessoas que faem o samba

de roda tocam os instrumentosdisponíveis. Esta expressão é utiliada

para que se perceba a complexidadedas relações entre, por um lado, amaneira como a participação dosinstrumentos no samba de roda éconceituada pelos músicos, e poroutro, a maneira como é posta emprática. Veremos que certos ins-trumentos, mesmo os muitíssimo

 valoriados, nem sempre estarãodisponíveis para uso. Na verdadeé perfeitamente possível faer umsamba de roda sem instrumentos:cantando, batendo palmas e even-tualmente batendo ritmos nos ob-

 jetos que estiverem à mão. Se hou- ver pandeiro, entrará o pandeiro,

se houver timbal, melhor, e assimpor diante. O papel das soluções ad hoc na produção sonora do sambade roda tem sua melhor ilustraçãono caso do que, hoje, é um de seus

mais nobres instrumentos: o prato-e-faca, que será abordado adiante.

Isto não exclui, no entanto, ofato de que determinados instru-

mentos são especialmente valori-ados, especialmente no caso dosamba chula, sempre mais cheio derigores. Para este, o instrumentomais importante é a viola. É tal aimportância do instrumento queum dos nomes por meio dos quaisa forma de expressão é conhecida é

samba de viola.São encontrados dois tiposde viola empregados no samba deroda. Ambos apresentam cinco or-dens de cordas duplas: as três maisgraves, oitavadas, e as duas maisagudas, anadas em uníssono. Umtipo é a viola industrial, também

conhecida como viola paulista, pro- vavelmente devido aos principaisfabricantes estarem na cidade deSão Paulo. Um pouco menor que o

 violão, o modelo é bastante difun-

dido em todo o Brasil.O segundo tipo encontrado,

chamado no Recôncavo de mache-te11, é uma viola de talhe diminuto,

como se fosse uma soprano da fa-mília das violas. De fato, na pes-quisa de Ralph Waddey encontra-semenção a três tamanhos diferentesde violas artesanais do Recôncavo,obedecendo à velha terminologiaportuguesa para os dois maiores:regra inteira e três quartos. O nome do

modelo menor também tem origemportuguesa, situada, ao que parece,na Ilha da Madeira. Tanto lá comono Brasil, machete foi muitas veesum outro nome para o cavaquinho,que tem quatro cordas simples e éainda menor.12

O machete do Recôncavo parece

ser mais característico da regiãoque se estende de Santo Amaro aoNorte e a Leste em direção a Salva-dor. Em Cachoeira e na região quese estende desta cidade em direção

SAmbo NA RuA em

PIRAJuA. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 43

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ao Sul e ao Vale do Jequiriçá, nãose encontrou menção ao instru-mento, sendo usada, quando era ocaso, a viola paulista. Esta também é

usada na região do machete, onde,no entanto, a preferência por este émanifesta, e acentuada por sua atualraridade.

Durante a preparação destedossiê foram encontrados cincomachetes: um, na cidade de Sau-bara, encontrava-se danicado.

O segundo, em São Franciscodo Conde, em perfeito estado, emagnicamente tocado por seu zéde Lelinha. Estes dois primeirosapresentam fatura em tudo simi-lar, inclusive nas ornamentaçõesdo tampo, com desenhos de ores.Dois machetes estão em Maracan-

galha, no município de Candeias,sendo um de propriedade dosenhor José da Glória, tocador deprato-e-faca e triângulo no grupoSamba Chula de Maracangalha,

porém necessita de reforma, poisestá todo pintado de aul claro esem cordas. O outro está em bomestado e pertence ao senhor Pedro,

o líder do grupo de Maracangalha,que o emprestou para um jovem,lho de um dos cantadores de chulae tocador de cavaquinho no mesmogrupo. Esse músico estuda mache-te e já se apresentou algumas veescom o instrumento.

Eis, segundo Waddey, as me-

didas aproximadas dos machetes:comprimento, 76 cm; diâmetro dobojo superior, 17 cm; diâmetro dobojo inferior, 22 cm; cintura, 12cm; altura da caixa, 6 cm.

O quinto machete foi en-contrado na Ilha de Itaparica, depropriedade do grande sambador,

falecido em 2005, Gerson Francis-co da Anunciação, conhecido comoMestre Quadrado. Encontrava-setambém em perfeito estado, em-bora lhe faltassem cordas. Mestre

o mAchete uSAdo PoR

Seu zé de lelINhA. foto:

luIz SANtoS.

 

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Quadrado não sabia tocá-lo, masguardava-o com muito ciúme por-que pertencera a Chico da Viola,oriundo de Santiago de Iguape e,posteriormente, músico em Salva-dor, com quem fe sambas duran-te muitos anos e que, ao falecer,

deixou-lhe o instrumento comoherança.

A fatura do quinto mache-te encontrado é diferente da dosanteriores. Seu acabamento é mais

parecido com o de violões e cava-quinhos modernos, e inclui crave-lhas de metal com roscas. O tamponão é ornamentado. Por dentro háum selo onde ainda se pode ler onome do construtor: Clarindo dosSantos.13

No samba chula, como couclaro, o uso da viola é mais impor-tante que no samba corrido. Osdois tipos podem acontecer com ousem viola, mas é no samba de chula

que a viola é mais fundamental. Issose deve também a que, neste tipode samba, quando uma sambadeiraentra na roda, as voes se calam epassa a caber à viola - e, no caso daregião de Santo Amaro, de prefe-rência a um machete - o papel de

protagonista musical, num diálogocom a dança. Na ausência de viola,o mesmo papel de protagonistamusical poderá ser desempenhadopor violão, cavaquinho ou bando-

PeSSoAl do GRuPo

do SAmbA chulA de

mARAcANGAlhA (zé de

GlRIA – PRAto, hIlÁRIo

motA, coNhecIdo PoR

PequeNo – PANdeIRo,

Seu PedRo SAmbAdoR– tImbAl). foto: luIz

SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

cAvAquINho uSAdo

No SAmbA chulA de

mARAcANGAlhA. foto:

luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 45

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lim. O cavaquinho e o violão tantopodem ser empregados conjun-tamente com a viola, como, naausência desta, em seu lugar. Já o

bandolim foi observado apenas emSantiago do Iguape, numa ocasiãoem que não havia viola disponível.Um dos mais importantes cantoresde samba de Cachoeira, o falecidoDedão (Augusto Passos da Costa,1944-2004) informou que o grupode cordas deveria constar ideal-

mente de viola, violão e cavaquinho(Cachoeira, 10 de julho de 2004,anotação de campo).

Também foram encontrados ca-sos de uso da sanfona de oito baixos:em Terra Nova, Teodoro Sam-paio e Maracangalha. Nessa regiãodo Recôncavo Norte, existe certa

 valoriação desse instrumento nosamba chula. Em Teodoro Sampaioexiste ainda um grupo de sambaque toca com um realejo, ou gaita deboca, cuja sonoridade se aproxima

da sanfona. Também há referênciasao uso da sanfona de oito baixos emoutros municípios das regiões Nor-te e Noroeste do Recôncavo, como

 Antonio Cardoso, Amélia Rodri-gues e Conceição de Jacuípe, assimcomo em Castro Alves, mais ao Sul.

Os outros instrumentos uti-liados são membranofones eidiofones. Entre os primeiros, oprincipal é o pandeiro. O pan-deiro é um tambor de aro com

platinelas, correspondente ao queem inglês se chama tambourine, e emfrancês tambour de basque. Há doistipos de pandeiros em uso atual-mente no Recôncavo. Um é o tipotradicional, feito pelos própriossambadores. O aro é de madeira de

 jenipapo, as platinelas de chapinha

de refrigerante, e a membrana podeser de couro de jibóia ou de bode.Esta é xada no aro por meio depregos e retesada, antes de tocar,“mediante calor gerado pela queima

de papel de embrulho, de jornal oude palha” (Waddey, 1981:15, nota).O outro tipo é o pandeiro indus-trialiado, com aro, platinelas etarrachas de metal, e membrana deplástico. Este último é hoje larga-mente predominante.

Outros membranofones que sãoutiliados no Recôncavo:

• Aaas: tambores cilín-dricos grandes, abaulados no meio,com membrana de couro de um

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 46

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lado só, tocados em posição verticale apoiados no chão. Os tocadorescam de pé e tocam com as mãos.São os tambores clássicos do can-domblé baiano.  • tias: tambores cônicosgrandes com membrana plástica,

de um lado só, tocados em posiçãohoriontal e apoiados nas pernasdos tocadores, que cam sentados.Tocam-se com as mãos.

  • tarins arins: tambores pequenos, de aro, commembranas de couro ou sintéti-cas que são tocados com pequenas

baquetas de madeira.  • maraã: tambores cilíndri-cos grandes com membrana plásti-ca, de um lado só, tocados em posi-ção horiontal, apoiados nas pernasde tocadores sentados, ou vertical,apoiados no chão e com tocadoresde pé. Tocam-se com as mãos.

Entre os idiofones, o maiscaracterístico do samba de roda éo prato-e-faca. Trata-se dos doisutensílios domésticos usuais, com aúnica especicação de que o pratodeve ser, de preferência, esmaltado.Na descrição de Waddey: “Mantém-se o prato na palma aberta de uma

mão, numa posição como se fosseum pastelão que o tocador estivessepreparando para lançar no própriorosto. Arranha-se a faca na bordado prato (...)”. (1981:15)

Ao contrário dos outros ins-trumentos citados, o prato-e-facaé tocado predominantemente pormulheres. Isto pode se dever à rela-ção tradicionalmente privilegiada,no Recôncavo, entre mulheres e omundo da coinha. Outra peculia-

ridade da tocadora de prato-e-facaé que ela, regra geral, toca de pé, enão necessariamente numa posiçãopróxima à do conjunto dos tocado-res.

 AbAIxo

tImbAleS. foto: luIz

SANtoS.

  à dIReItA 

detAlhe de doNA mARIA 

  AuGuStA, SAmbAdeIRA 

de So bRAz, tocANdo

PRAto-e-fAcA. foto:

luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 47

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Outros idiofones encontradosno samba de roda são reco-recos echocalhos - estes, de contas inter-nas ou externas -, dos mais variados

formatos e materiais; e, nos muni-cípios mais distantes do mar, tri-ângulos de metal, suspensos no arpela mão menos hábil do tocador, etocados pela outra com uma varetatambém de metal.

É de especial importância noacompanhamento rítmico do samba

de roda o papel das palmas, batidas,idealmente, por todos os partici-pantes/assistentes. A participaçãode todos os presentes por meio daspalmas funciona como uma indica-ção da qualidade do samba, de suacapacidade de contagiar a todos.Como uma espécie de derivação das

palmas, alguns grupos – de Cacho-eira, Saubara - utiliam pares detabuinhas, ou taubinhas, que faem osmesmos padrões rítmicos.

É importante notar que, regra

geral, as mulheres batem palmassuaves durante a chula cantada paranão atrapalhar os cantadores, oumesmo, em ve de bater palmas,

esfregam suavemente em movimen-tos circulares as palmas das mãos.Quando então a chula termina, to-das começam a bater as palmas - outabuinhas - com entusiasmo.

Os resultados da pesquisa de Waddey indicam o conjunto depercussão apropriado para o samba

como sendo constituído de doispandeiros, prato-e-faca e ocasio-nalmente um pequeno tambor.Não são mencionadas as tabuinhas.Nos sambas presenciados duran-te a preparação deste dossiê, esseconjunto foi consideravelmenteacrescido. Viam-se geralmente três

pandeiros e a presença de tambo-res grandes - timbales e marcação- era usual. O resultado é que oacompanhamento rítmico cresceuem volume. Em concordância com

isso, o uso de amplicação para osinstrumentos de corda se generali-ou. Cavaquinhos, violões e violasem muitos casos foram dotados de

captador embutido e conectadospor um o a pequenas caixas desom, geralmente, de má qualidade.Em algumas ocasiões, o uso de mi-crofones para as voes também nãoé incomum.

  à dIReItA 

tAbuINhAS tocAdAS PoR

bAIANA do SAmbA de RodA SueRdIeck. foto: PedRo

Ivo olIveIRA.

 AbAIxo

  xequeR. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 48

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O ritmoQual é o compasso do samba?

Qualquer músico brasileiro quetenha estudado um pouco da cha-

mada teoria musical não hesitaráem responder: “dois por quatro”.Isto quer dier, em resumo, que seuritmo se fa em torno de dois tempos,ou duas pulsações principais, deduração teoricamente igual – cor-respondendo, por exemplo, aospassos de alguém que se dispusesse

simplesmente a caminhar em sintoniacom o samba14 – as quais se subdivi-dem em quatro unidades menores,também de duração teoricamenteigual. Na notação musical escolar,os tempos são escritos em semíni-mas, e as unidades menores, emsemicolcheias.

Compassos, semínimas e semi-colcheias foram inventados na Eu-ropa, entre os séculos XVI e XVII,como ferramentas de uma práticamusical desenvolvida sobretudo

 junto a clérigos e a aristocratas. Seuuso para descrição da música feitahoje por afro-descendentes em si-tuação de pobrea no Recôncavo da

Bahia di muito sobre uma históriade dominação que também come-çou no século XVI. Mas a maneiracomo tais ferramentas vêm sendousadas pelos músicos popularesbrasileiros, nos últimos 100 anos,é certamente – como no caso doprato-e-faca – bastante diferente

do uso previsto por seus inventores.Tal fato justica, a nosso ver, o uso– moderado e sempre crítico – quedelas também será feito aqui.

A descrição da estrutura rítmicado samba de roda é bastante faci-litada, também – e não por acaso– pelo uso de conceitos desenvol-

 vidos, na etnomusicologia, porestudiosos das músicas da Áfricasub-sahariana. Pensamos, emparticular, nos conceitos de contra-metricidade (Kolinski 1960, 1973),

de linhas-guia (Nketia 1975), de beat  (Kubik 1995), e de unidades operacio-nais mínimas (Arom 1985) ou pulsaçõeselementares (Kubik 1995).

Os eventos rítmicos do sambade roda podem, para ns analí-ticos, ser divididos em diferentesplanos. Num plano mais básico,ou mais denso – isto é, com maiorquantidade relativa de articulaçõesrítmicas por período – estão ospandeiros, prato-e-faca, e, quando

presentes, chocalhos e reco-recos. A participação desses instrumen-tos no samba tem como pontode partida um ostinato que, emtermos de notação convencional,pode ser descrito como uma suces-são de semicolcheias – as unidadesmínimas de Arom ou a pulsação

elementar de Kubik. A partir dessabase, acentuações e deslocamentossão criados, preferencialmente demaneira contramétrica.15

Um outro plano do ritmo, por

PASSo de bAIANA do

SAmbA SueRdIeck. foto:

PedRo Ivo olIveIRA.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 4

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assim dier mais espaçado e numregistro mais grave, é conguradopredominantemente por instru-mentos como os timbales e tambo-

res de marcação. Este correspondeàs semínimas, ou ao beat de Kubik,ou ainda, como cou dito atrás,aos passos de uma caminhada emsintonia com o samba. Em algunscasos, essas semínimas são tocadasde maneira igual, sem marca que asdistinga; em outros casos – talve

por inuência do samba carioca?– há acentuação e timbre mais graveno que seria a segunda semínima dodois por quatro, congurando maisum caso de contrametricidade.

A alusão aos passos remete a umponto de grande interesse e quenecessita maior aprofundamento:

o da denição do ritmo feito pelospés das sambadeiras no miudinho. A importância dos pés no sambade roda é ressaltada em inúmerosdepoimentos colhidos. Parece claro

que os pontos de apoio dos pés,sempre alternando entre o direito eo esquerdo, correspondem aos beats.No entanto, o que acontece entre

um beat e outro é menos claro.A alternância dos passos se dáda seguinte maneira no miudinho,estando sublinhados os pontos deapoio: direito-esquerdo-direito-esquerdo-direito-esquerdo-direitoetc. Como o mesmo pé nunca serepete, o ritmo seria em princípio

binário (direito-esquerdo); mas doponto de vista dos pontos de apoio,sublinhados acima - pontos ondeos passos coincidem com o beat  - a subdivisão seria antes ternária.Percebe-se que o miudinho nãocorresponde ao que foi chamadoacima de caminhada, sendo um

movimento, além de obviamentemais complexo, sensivelmente maisrápido que os passos cotidianos.No entanto, ainda não foi possívelsaber se a duração desses movi-

mentos dos pés é percebida pelassambadeiras como igual – o queconguraria um ritmo de subdivi-são propriamente ternária, como

no caso de um compasso seis por oito,simultâneo ao dois por quatro dos ins-trumentos; ou se tal duração é porelas percebida como diferente, indi-cando uma subdivisão, nalmente,binária como no caso da chamadasíncope característica, ou, usando-seguras musicais convencionais,

semicolcheia-colcheia-semicolcheia. Comoo miudinho é rápido, as diferençasde duração absoluta entre as duashipóteses são dicilmente percep-tíveis, e provavelmente coincidemcom as margens de erro de qualquerformaliação musical. É possívelque estratégias de pesquisa baseadas

na psicologia cognitiva sejam indi-cadas para dirimir a dúvida.Um terceiro plano do ritmo

corresponde às linhas-guia, e suaexecução cabe prioritariamente às

 

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palmas e/ou às tabuinhas. Tanto noque se refere à densidade ou espaça-mento das durações, como no que serefere ao timbre (grave ou agudo),

no samba de roda as linhas-guiacam numa posição intermediáriaentre os dois outros planos já men-cionados.

 A presença de linhas-guia comotraço rítmico africano na músi-ca brasileira tem sido notada por

 vários pesquisadores (Kubik 1979;

Mukuna, s/d; Sandroni, 2001).No caso do samba de roda, a linha-guia mais presente é aquela talvemais comum na música tradicionalbrasileira: o famoso 3-3-2, ou col-cheia pontuada, colcheia pontuada,colcheia.

Ex. 1

No entanto esta se combina,no caso aqui estudado, com outroselementos rítmicos de maneirabastante singular, gerando inclu-

sive congurações rítmicas que seaproximam do que foi chamadoparadigma do Estácio (Sandroni,2001): mais um caso em que as in-uências mútuas entre samba baia-no e carioca são difíceis de elucidar.

Ex. 2, 3 e 4

Finalmente, um quarto plano daelaboração rítmica é o que corres-ponde às voes que cantam chulas,relativos, barraventos e corridos.

Como já notara Waddey, a liberda-de rítmica das melodias em relaçãoao beat é muito grande, conrmada,portanto, no samba de roda, umatendência percebida pelos estu-diosos na música inuenciada pelacultura negro-africana de maneirageral.

A rítmica do samba de roda éum terreno vasto e fascinante e aquinão se pretendeu mais que apontaralguns elementos gerais para suacaracteriação.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 51

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Melodia e harmoniaOs sambas de roda do Recônca-

 vo baiano empregam escala diatô-nica maior não temperada, como sétimo grau oscilando entre asétima maior e a menor e, freqüen-temente, numa posição intermedi-ária. A articulação das melodias temforte tendência a acontecer off-beat ,conrmando a opinião geral dosespecialistas sobre as tendênciasrítmicas das músicas afro-america-

nas. A polifonia em terças paralelasé muito freqüente, e mesmo obri-gatória no caso do samba chula. Osgritadores de chulas tendem a can-tar no registro de tenor, chegandoàs vees ao lá agudo (ver Exemplo 5).

Estes são os intervalos predomi-nantes, mas há também ocorrência

de quartas, quintas e sextas entreos dois gritadores de chulas (verExemplo 8).

No relativo, as mulheres cantamgeralmente uma oitava acima do

doNA dod, doNA mARIA 

  ANNA e doNA deco,

SAmbAdeIRAS de SAubARA.

foto: luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 52

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gritador de chula que fa a vo maisgrave e, conseqüentemente, umasexta acima do gritador de chulaque fa a vo mais aguda (ver Exem-

 plos 6 e 7).Quando há instrumento har-

mônico - violão, violas de vários ti-pos, cavaquinho ou sanfona de oitobaixos - os acordes são geralmentede tônica e dominante.

 

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A dançaO passo mais característico do

samba de roda é o chamado miudi-nho. Trata-se de um leve e rápidopisoteado, com os pés na posiçãoparalela e solas plantadas no chão.No caso das sambadeiras, parece ser

sempre a partir deste pisoteado queas outras partes do corpo se mo- vem, simultaneamente, e a dançase desdobra. Embora o passo domiudinho seja, em amplitude, pe-

quenino, ele proporciona locomo-ção cômoda devido à velocidade naqual é executado. Esta locomoção,ademais, pode ser feita para qual-quer direção sem sair do miudinho:para frente, para os lados ou paratrás, de acordo com o desejo da

sambadeira.Como os músicos normalmenteestão posicionados ou no fundo docírculo, de frente para as samba-deiras, ou ao lado delas, elas saem

dançando o miudinho, se reque-brando e se deslocando no espaçogeral em direção aos músicos, paradançarem bem próximas e de frentepara eles, numa espécie de monó-logo corporal, que, embora sejareverencial e respeitoso, também

é exibicionista. Tamanhas são agraciosidade e a velocidade com quea sambadeira se locomove através doespaço, desenhando em seu deslo-camento linhas

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 54

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sinuosas, que dá a impressão deestar desliando ou escorregandonuma superfície lisa. Ao término deseu solo, a sambadeira dá a umbi-gada na próxima, que irá então porsua ve correr a roda. A umbigada émuitas vees quase imperceptível,

e pode também ser trocada poroutro gesto indicativo da escolha,como erguer os braços na frente dooutro, ou simplesmente lançar umolhar.

Há uma diferença fundamen-tal entre o samba chula e o sam-ba corrido, quanto à postura dassambadeiras. Em geral, no sambachula, a sambadeira mantém a co-luna vertebral ereta, os dois joelhossemiexionados, com ambos osbraços relaxados e soltos, descan-sando-os ao longo do corpo. Opeso do corpo é distribuído na solados pés, entre os dedos e os calca-nhares. O movimento dos quadris

também é contínuo e provenientedo ritmo produido pelos pés. Elelembra uma pequena gangorra quebalançasse de maneira perpendicu-lar à pélvis, com o ponto de engateum pouco abaixo do umbigo. Estemovimento, nas sambadeiras mais

 velhas, pode ser feito mantendo a

parte superior do corpo totalmenteimóvel.Entre as sambadeiras mais velhas

notamos também que, embora acabeça se mantenha ereta, geral-

mente o foco do olhar está dirigidopara o chão, observando o passo domiudinho. Enquanto que, nas mais

 jovens, o foco do olhar se dirigediscretamente para várias direções.Entretanto, elas não perdem a sen-sualidade do remexer dos quadris,que é bastante enfatiado, tantopelas mulheres mais velhas comopelas mais jovens.

No caso dos sambas corridos,embora a coluna vertebral tam-

bém esteja ereta, ela se mostra maisexível, enquanto os dois joelhoscam semiexionados e ambos oscotovelos também semiexionados,dão aos braços mobilidade no mo-

 vimento de ir e vir; os pés conti-nuam plantados e em contato como chão, ainda no passo miudinho,

mas com mais velocidade, amplitu-de e liberdade: os pés se separam epodem às vees sair do paralelismoe formar um ângulo agudo; os cal-canhares elevam-se um pouco mais.

  A tRAdIcIoNAl

umbIGAdA, SAmbA de

RodA SueRdIeck. foto:

luIz SANtoS.

PÁGINA ANteRIoR

SAmbA de RodA fIlhoS

de NAG, de So félIx.

foto: luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 55

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Conseqüentemente, as pernas tam-bém se separam um pouco e o pesodo corpo é levemente jogado parafrente e para os dedos dos pés. Elasusam também, de ve em quando,a articulação de ambos os ombros,sacudindo-os e, conseqüentemen-te, agitando todo o corpo, inclusivea cabeça e o foco do olhar, que sedirige para várias direções. Ou ain-da, em combinação com o remexerdos quadris, as mulheres podem

tremer ambos os ombros faendo omiudinho sem sair do lugar.Uma das mais evidentes con-

 venções coreográcas do samba deroda - tomado agora de maneirageral - di respeito ao uso do espaçodentro da roda. Qual seja: quementra na roda para sambar, tem

que correr a roda. Dilma Santana, deTeodoro Sampaio, por exemplo,di que “é obrigação da mulher,quando ela samba mesmo, correra roda”. A sambadeira argumen-

ta que “esse negócio de chegar nomeio da roda, pular, pular e sairnão é samba”. Dilma lamenta que“a juventude de hoje” não estejasambando mais “pra correr a roda”,pois muitos estão misturando edançando pagode como se fos-

se samba de roda. Ela explica quealgumas sambadeiras “chegam assimno meio da roda, se sacodem todasno pagode e vão saindo”, o que,no seu entendimento, está errado,

SAmbAdeIRA do SAmbA dA 

cAPelA, de coNceIço

do AlmeIdA. foto: luIz

SANtoS.

pois no samba de roda a sambadeira“tem que correr a roda”.

“Correr a roda” signica dan-çar, não em um mesmo local, masextrapolando os limites espaciais dasua própria kinesfera16, expandin-do-se e utiliando-se do espaço ge-ral da roda. Ou seja, a sambadeirase desloca – geralmente no sentidoanti-horário – aproximando-sesicamente de cada músico, comose estivesse dançando não só em

resposta ao que ele toca, mas paraele, reverenciando o que ele fa, aomesmo tempo em que exibe o queela é capa de faer. Sendo assim,a regra coreográca de correr a roda acaba por revelar não só a interde-pendência da música com a dança,mas também o relacionamento

íntimo estabelecido entre o músicoque toca o samba, que geralmente édo sexo masculino, com a dançari-na sambadeira, que geralmente é dosexo feminino.

 

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O segundo aspecto coreográcofundamental do samba de roda direspeito ao papel preponderan-te exercido pela parte inferior docorpo. A expressão, aliás, difundidaem todo o Brasil, segundo a qual osambador tem que saber dizer no pé  sintetia não apenas uma das regrasmestras do samba como dança –regra que não é exclusiva do sambade roda – mas também revela quala parte do corpo que desempenha

o papel principal dentro da dan-ça. Com isso não se quer dier queos pés são os únicos a  falar , ou queo signicado da dança se connaaos movimentos dos pés. Mas sim,que os pés são o centro gerador demovimentos, centro que ressoa erepercute no resto do corpo. Como

bem disse Barbara Browning, osamba é the dance of the body articulate,ou seja, a dança do corpo capa defalar (1995:1). A autora descreveos movimentos do samba como a

complex dialogue in which various parts of thebody talk at the same time, and in seeminglydifferent languages: “um diálogo com-plexo no qual várias partes do corpofalam ao mesmo tempo, e em lin-guagens aparentemente diferentes”(1995:2).

Ou, nas palavras de uma sambadei-ra:

“Samba é para quem sabe sam-

bar (...) [mas] nem todo mundosabe sambar. Sambar não é estarpulando, sambar é no pé. O sam-ba vem do pé. Se er o ritmo nocorpo e o pé certinho no chão, osamba vai longe”. (Maria Augusta S.Ferreira, São Bra).

Em suma, embora no samba ospés comandem os movimentos doresto do corpo, como um centrogerador de movimento, o corpo dasambadeira – da ponta dos pés até

a cabeça – se move como um todo.Esta articulação total do corpo podeser considerada uma conseqüêncianatural da participação íntegra eapaixonada dos sambadores em suasperformances. Como bem explicoua sambadeira Alva Célia Medeiros,de São Francisco do Conde: “Osamba de roda, pra mim, é algoespontâneo, é algo que mexe com ocoração, mexe com o corpo, mexecom a mente, mexe com toda a

estrutura nossa”.Isso explicaria, talve, por quealguns entrevistados considerama prática do samba como algo quealegra, rejuvenesce e cura. A alegriae o bem-estar desfrutados pelos queparticipam da roda de samba, sejatocando, cantando ou dançando, é,

de fato, um tema recorrente alu-dido por inúmeros entrevistados.Dona Dalva Damiana de Freitas,por exemplo, ressalta os benefíciosfísicos e mentais do samba diendo:

SAmbA de RodA RAzeS

de ANGolA, em So

fRANcISco do coNde.

foto: luIz SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

SAmbA dA cAPelA, em

coNceIço do AlmeIdA.

foto: luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 57

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“Estou com as pernas travadas dereumatismo, a pressão circulando,a coluna também. Mas quando tocao pinicado do samba eu acho queeu co boa. Eu sambo, pareço umamenina de 15 anos”.

A seguir, alguns exemplos de

 variações coreográcas do samba deroda.Na coreograa do grupo cha-

mado de Samba da Capela, forma-do por jovens mulheres e homens

da cidade de Conceição do Almei-da, sob liderança de D. Marina,os casais formam duas leiras paradançarem uma em frente da outrausando indumentária padroniada.

 As sambadeiras, na sua maio-ria jovens, iniciam o samba com

o passo miudinho e, em seguida,através de uma discreta umbigada,convidam um sambador que estejaposicionado na leira oposta à sua,para sambar. Ele, soinho, no cen-

tro do espaço, evolui numa série demovimentos e exibe sua habilidadede sambador. Toda a coreogra-a se desenvolve entre as leiras esegue uma variedade de seqüênciasde movimento, comandada por D.Marina. Por exemplo, os homens,sambando, correm no centro doespaço atrás das mulheres, sendoque, em outros momentos, são elasque se dirigem a eles; essa brin-cadeira se estende num jogo de

sedução e de cumprimentos, numaexibição cheia de glamour.Em outro momento, as samba-

deiras se locomovem marcando oritmo no chão, transferem o pesodo corpo para frente, arrastam opé que ca atrás, e assim, vão aoencontro dos sambadores. Depois é

a ve deles irem ao encontro delas,procedendo da mesma maneira.Em um determinado momento,

D. Marina coloca um pau de vas-soura no centro do espaço. Primei-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 58

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ro, as mulheres vão, uma a uma, epassam por cima dele, executandoum passo pulado de cruar e des-cruar as pernas; depois é a ve doshomens. Ainda na evolução dessacoreograa, um outro momentooriginal consiste em os homens sedirigirem às mulheres e, com muitahabilidade, as suspenderem pelasaxilas e as girarem no ar.

O entusiasmo é vibrante, tantodos participantes como da platéiaque assiste atenta às evoluções dossambadores, principalmente quan-do eles demonstram domínio numa

 variedade de ações corporais, como,por exemplo, sapatear, desliar, sa-cudir, balançar, pular, entre tantasoutras.

Outra variação coreográca do

samba de roda que merece destaqueé a do grupo de mulheres e músicoschamado Paparutas, da comunidadeda Ilha do Paty, no município deSão Francisco do Conde, comuni-

dade, aliás, quase que inteiramenteformada por negros, como tantasoutras no Recôncavo.

 As sambadeiras Paparutas in-terpretam uma coreograa com umenredo xo, ao som de um grupode músicos. Todas vestidas comtrajes padroniados, as sambadei-ras do Paparutas desenvolvem umacena com a nalidade de mostrar aculinária local por meio do samba,onde se destacam a coreograa e apantomima de gestos.

 A exibição das sambadeiras doPaparutas, junto a outros mora-dores da ilha, se deu ao ar livre.No centro de um grande círculoformado só por mulheres e trêsmeninas, ca a protagonista dacoreograa, a Dona da Comida,

que se destaca pela vestimenta debaiana, toda de branco. Inicialmen-te, a Dona da Comida, sambando,simula um gesto de mexer comuma colher de pau a comida numa

panela de alumínio que está nochão, panela que depois é colocadana cabeça. Enquanto isso, as ou-tras que estão no círculo cantam edançam, segurando um prato decomida na cabeça, preparado porelas, e repetindo, inúmeras vees, aseguinte canção:

“E somos nós, Paparutas boas (bis) Na cozinha na manemolênciasomos pequenas e provocantesna maior reminiscência.Eu sou a manemolênciaque me chamam de Iaiá Eu sou a dona da cozinhacomo eu não há igual”.

O movimento de deslocamen-to no círculo é repetitivo e se dá

através de um passo que vai para umlado e para o outro, balançando ocorpo todo, num movimento depêndulo. Depois dessa primeiracena, as mulheres se dirigem, uma

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 5

  A doNA dA comIdA dAS

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PARARutAS, IlhA do

PAty, muNIcPIo de So

fRANcISco do coNde.

foto: luIz SANtoS.

a uma, à Dona da Comida, paralhe mostrar seu prato. Esta, então,simula uma expressão corporal deaprovação do prato, mas às veeslança uma expressão facial questio-nadora para determinado prato,aparentemente comunicando queaquele ali está “mais ou menos”.Toda essa cena é uma comédia, comodiem alguns moradores da ilha.

 Após a cena da aprovação daDona da Comida com as sambadei-ras, os pratos são servidos à comu-nidade e aos convidados. Depoiselas voltam a dançar livremente naroda do samba, junto com outraspessoas, que se juntam a elas espon-taneamente.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 60

detAlheS de

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A indumentáriaNão há uma regra xa na indu-

mentária dos participantes do sam-ba de roda, simplesmente se dançacom a roupa que está no corpo.Em geral, as pessoas se vestem comroupas do cotidiano, aquelas queusam no dia-a-dia, para trabalharou passear.

Mas nota-se que para as sam-badeiras a saia ampla, comprida,franida na cintura e rodada, é boapara a expressão corporal. Esse tipode saia proporciona ao remexerdos quadris mais mobilidade, e aosmovimentos, amplitude, principal-mente quando elas giram e sambamno passo do miudinho. A imagemdo corpo das sambadeiras em mo-

 vimentos simultâneos, sacudindo

os ombros, remexendo os quadris,girando e segurando a saia rodada,produ no espectador uma sensaçãoestética de vitalidade e bem-estar.Por outro lado, o uso de roupas

modernas do dia-a-dia, como saiacurta e justa, calças compridas esapatos tipo tênis, visivelmente di-culta a movimentação dos quadris,das pernas e do passo miudinho.

Naqueles grupos que apresen-tam uma indumentária uniforme epadroniada, as sambadeiras usamum traje típico baseado na simbo-logia da tradicional baiana, ou seja,saia ampla, comprida e franidana cintura, muitas vees com doisníveis de babados, e também comtecidos estampados em cores vivase contrastantes; blusa folgada combabado no decote redondo, feitacom tecido de algodão e, geral-mente, com uma das cores contras-tantes com a cor do tecido da saiaestampada; turbante ou uma tira

de tecido largo feito de algodão,encobrindo os cabelos, e com umadas cores contrastantes da saia ouda blusa; colares de cores diver-sas; brincos e pulseiras de diversos

estilos; e, em alguns grupos, dis-creta maquiagem. As sambadeirascomplementam esse traje usandosandálias para sambar.

 As cores usadas no traje dasbaianas são contrastantes e fortes,como o aul e o amarelo, e o laranjae o verde. A combinação das co-res, aparentemente, não obedece anenhum padrão estético especial,e também não segue nenhumatendência de moda atual. Nota-seque aqueles grupos que buscam seprossionaliar usam indumentáriauniformiada e padroniada, mascada um demonstra uma percep-ção estética própria que não pareceespecialmente inuenciada pelosmeios de comunicação contempo-râneos.

A maioria das sambadeirasusa sandálias, mas em alguns gru-pos elas se apresentam descalças.Quanto aos homens, usam sapatose muitas vees dançam também des-

INdumeNtÁRIA dAS

bAIANAS do SAmbA de

RodA SueRdIeck. fotoS:

PedRo Ivo olIveIRA.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 61

  à dIReItA 

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calços, dependendo do local ondese samba.

Dos mais destacados trajes debaiana tradicional estão os do grupocomandado por D. Dalva Damianade Freitas, na cidade de Cachoeira,durante as comemorações na Festada Nossa Senhora da Boa Morte.

 As sambadeiras usam por baixo dasaia estampada – ampla, compri-da, até os tornoelos, franida nacintura e rodada – várias outrasque são chamadas de anáguas, paradar um maior volume. Além disso,por cima dessa saia, elas usam umablusa ampla, branca e rendada, commangas curtas, a chamada bata;uma grande quantidade de colares,pulseiras, brincos; e um mantolargo e comprido colocado por

cima de um dos ombros, conhecidopelas lhas-de-santo do candomblécomo pano da costa. Essas senhorastambém usam um turbante brancoamarrado na cabeça, encobrindo os

cabelos. Esse adereço é característi-co da tradicional baiana, das ven-dedoras de acarajé e das lhas-de-santo quando se apresentam para adança do Xirê, em cerimônias docandomblé.17 

O único grupo de sambadoresque vimos vestindo indumentáriatotalmente uniformiada e padro-niada é o de D. Marina, em Con-ceição do Almeida. Ainda assim,no nal do samba, várias pessoas

presentes entraram na roda com asroupas cotidianas que vestiam na-quele momento. Em outros grupos,os sambadores dançaram desde oinício com a roupa do cotidiano,como calças compridas, bermudas,shorts, camisa de mangas curtas oucompridas de tecido de algodão oumesmo camisetas de malha e sapa-tos. Em outros ainda - Terra Nova,Suerdieck, Samba Chula de Pitan-gueira - as sambadeiras usavam,

  veStImeNtA dAS

PAPARutAS. foto: luIz

SANtoS.

 AbAIxo

 AS mulheReS do SAmbA 

de RodA bARquINhA de

bom JeSuS (doNA RItA,

NIce, chARleNe e doNA 

elIeNe). foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 62

oS meNINoS JAdSoN e JAN,

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AprendizadoA transmissão dos saberes en-

 volvidos na realiação do samba deroda vem sendo feita por meio daobservação e da imitação. Crian-ças observam e escutam o samba deroda desde a mais tenra idade. A 

partir de 4 ou 5 anos, ou mesmobem antes, elas começam a imi-tar a dança, as palmas e os toquesrítmicos. Em vários casos foramobservadas crianças pequenas de um

todas, saias compridas, emborade diferentes modelos. No que serefere aos músicos, só vimos usaremindumentária uniformiada ou pa-droniada os dos grupos Raíes de

 Angola, em São Francisco do Con-de, Filhos de Nagô, na cidade de

São Félix, e o das Paparutas da Ilhado Paty. Nos outros casos, prevaleceuma indumentária do cotidiano.Em algumas localidades, os músicosusam chapéu de couro ou palha.

ano que estavam totalmente absor- vidas pelo ritmo do samba, faendopequenos passos e batendo palmas,para grande alegria dos adultos e

 jovens presentes. A partir de 8 ou

10 anos já participam da roda deforma ativa e consciente.

O papel da família parece serbastante importante no estímulo enas oportunidades de observação dosamba. Em alguns casos, quem faisso é a família nuclear:

“(...) e aí vindo de pequena,mãinha cantava, ele [pai] tocando, eeu fui vendo e aprendendo, essasmúsicas mesmo que eu acabei decantar foi de pequena [que apren-di] no samba de roda.” (Kelly Cris-tina S. dos Santos, Ilha do Paty).

Em outros casos, a família am-pliada:

“Eu mesmo desde criança gosto

do StIo doIS meNINoS

em PIRAJuA. foto: luIz

SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

Seu Joo do boI e oS

NetoS, cAlANGo e NGo,

de So bRAz, muNIcPIo

SANto AmARo dA 

PuRIfIcAço. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 63

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do samba, meu pai era sambador,meus tios, meus parentes são daquide Terra Nova, e eu me criei nesseclima e gosto até hoje do samba,acho bonito” (Carlos Pereira dosSantos, chamado Carlito Carpin-teiro, Teodoro Sampaio).

“Minha mãe saía para as rease me levava e eu cava olhando opovo sambar, mas achava tão boni-to e diia ‘eu vou sambar um dia’.

E depois eu fui crescendo, minhastias gostavam muito de samba e pedia ela: ‘Júlia, deixe Fiita ir conti-go pro samba’, e ela deixava e eusambava a noite toda, achava bo-nito minhas tias sambando porquetodo mundo sambava, era a família

inteira, achava bonito e continuei eaté hoje eu gosto do samba” (Dil-ma F.A. Santana, conhecida comoFiita, Teodoro Sampaio).

Nem sempre a observação étão passiva quanto pode parecer.Em alguns casos, parece haver umaintencionalidade educativa, tantopor parte dos mais velhos, quantoda própria criança:

“Quando eu tinha cinco anosde idade, meu pai começou a melevar pro samba pra me ensinar. Aíeu fui, cava com o olho em cimada boca dos homens pra aprender e

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 64

meNINAS e PANdeIRo, No

Alto do RIAchINho mAR

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daqui a pouco comecei a entrar nomeio” (zeca Afonso, São Franciscodo Conde).

É claro também que, na ausên-

cia dos pais, outros podem desem-penhar o papel de estimuladores doaprendiado:

“Eu fui criado com um cidadãoque era sambador, aí eu fui apren-dendo com ele e gostando” (ManoelDomingos J. Silva, dito Duinho,Teodoro Sampaio).

“Não vou dier nem que apren-di com minha mãe, que minha mãeela nunca gostou de samba, era umapessoa meia pacata. Mas aprendicom as pessoas daqui, da terra, as

pessoas mais antigas que saíam coma barquinha, e eu desde pequenaacompanhava e aprendi” (MariaRita S. Machado, Bom Jesus dosPobres).

É importante ressaltar tambémque o mundo do aprendiado dosamba na verdade são dois mundos,separados por gênero. As meninasaprendem a sambar com as mulhe-

res, que as introduem nos passose movimentos, e adotam a posturade madrinhas: em alguns casos foi ob-servado e ouvido que as sambadeirasexperientes se responsabiliam poruma ou duas meninas, que inclusiveentram na roda junto a essas madri-nhas, sambando paralelamente deforma discreta, acompanhando seuspassos e caminhos na roda. Esseaprendiado dentro da roda, comoem outros momentos fora da roda,também pode ser visto como umaintrodução ao mundo feminino,pois a jovem começa a desenvolver

uma consciência maior sobre seucorpo e sensualidade, alimentada,além disso, pelas conversas e co-mentários das mulheres mais velhas.

Os homens também procu-

ram envolver os rapaes no samba,ensinando-os a tocar os diversosinstrumentos, o que obviamentetem a ver com a inclinação de cadaum e com os conhecimentos do pai,

tio, irmão etc. Em muitos casos,como foi visto, o gosto dos rapaespelo samba é herança familiar, masnem sempre é este o fator decisivo.Conversando com os sambadores,percebe-se que muitas vees falamais alto o pendor individual do

 jovem, talve o que se chama detalento. Ora, segundo os samba-dores, em muitos casos este pendormusical estaria se inclinando emoutras direções. Os jovens interes-sados em música, e em aprenderinstrumentos como cavaquinho ou

 violão, geralmente querem tocar os

estilos musicais do momento, e sãopoucos os que se dedicam ao estudodo toque da viola no samba chula.

 Várias conversas com os sambadorespareceram indicar que o aprendi-

  Alto do RIAchINho, mAR

GRANde, muNIcPIo de

  veRA cRuz. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 65

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ado baseado na oralidade e na imi-tação poderia ser complementado,com proveito, por estilos educativosque ligassem o samba a interessesmais típicos dos jovens de hoje,como o uso de recursos tecnológi-cos, a prossionaliação etc.

Assim como no caso das moçasem relação às mulheres, o sambatambém serve de via de introduçãodos rapaes ao mundo dos homens.Mas este papel do samba não é tão

proeminente no caso masculino,que, ademais, tra conitos maioresentre as hierarquias e comporta-mentos tradicionais dos samba-dores, e o estilo de convívio maisdemocrático dos jovens rapaes. Épossível que as diferenças de gênero

no que se refere ao aprendiadoestejam ligadas também ao cará-ter menos especializado do papel dasmulheres no samba de roda. Ouseja, quase todas as jovens podem

 vir a tornar-se sambadeiras, en-quanto apenas poucos dos rapaesse tornarão gritadores de chula ou

 violeiros, pontos altos da hierarquiados sambadores; embora certamen-te uma quantidade um pouco maiordeles possa vir a tocar regularmente

os demais instrumentos, como pan-deiros, atabaques e timbales.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 66

  1. Uma descrição detalhada dos instru-mentos citados será encontrada à frente

edição e estudo crítico de uma coleção depeças para machete compostas em 1846

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mentos citados será encontrada à frente.

  2. Padrão (ou desenho) rítmico que serepete com regularidade (nota do editor).  3. Expressão de origem latina utiliadana escrita musical para indicar que deter-minado trecho de uma música pode serexecutado sem estrita adesão ao andamentoestabelecido, que uma passagem é opta-tiva ou que o executante pode, em suma,improvisar (nota do editor).  4. Seriam eles: Alagoinhas, Aratuí-

pe, Cachoeira, Camaçari, Castro Alves,Catu, Conceição de Feira, Conceição do

 Almeida, Coração de Maria, Cru das Almas, Feira de Santana, Irará, Itaparica, Jaguaripe, Maragogipe, Mata de São João,Muritiba, Naaré, Pojuca, Santo Antôniode Jesus, Santo Amaro, Santo Estevão, SãoFélix, São Felipe, São Francisco do Conde,São Gonçalo dos Campos, São Sebastião

do Passé e Salvador.  5. Para a descrição de um destes,ocorrido em Santo Amaro em 1808, e queparece ter sido especialmente impressio-nante, vide Reis, 2002:104ss.

6. Para os poemas de Gregório deMatos, Budas, 2001:148-55; para os

 vilancicos, Damasceno, 1970:88-9.  7. É possível que Lindley não conhe-cesse o cavaquinho, e o tivesse confundidocom um violino. De fato, na seqüência elemenciona o “dedilhar” do instrumento, enão o friccionar de um arco.  8. Citado em Santos, 1998:27. O jor-nal citado é de 19/5/1866.

9. Citado por Santos, 1998:33. O jornal citado é de 7/2/1867.  10. No verbete “Chula” (não assinado),para a Enciclopédia da Música Brasileira (Marcon-

des, 1977:192-3).  11. Substantivo masculino, pronuncia-se com o “e” do meio fechado: machête.  12. No nal de 2003, o musicólo-go português Manuel Morais publicou a

peças para machete, compostas em 1846,

por Cândido Drummond de Vasconcelosna ilha da Madeira (Morais, 2003). Oinstrumento em questão não correspondeao machete do Recôncavo, sendo, em vedisso, bastante próximo ao cavaquinho.É bastante possível que o machete que dánome ao conto “O machete”, de Macha-do de Assis (1994[1878]), seja tambémum cavaquinho. Vide também Budas2001:30-4.

  13. Clarindo dos Santos (1922-1980)foi o mais célebre construtor de violas doRecôncavo. Foi um dos principais cola-boradores da pesquisa de Ralph Waddey,no nal dos anos 1970. Quando de suamorte, Ralph a contragosto comprou oque restava de sua ocina, para evitar quese perdesse (Waddey, comunicação pessoal,

 julho de 2004). Este acervo encontra-se

hoje na Universidade do Texas, em Austin.  14. Sem esquecer que tal “sintonia”não acontece naturalmente, mas dependede certo conhecimento prévio da culturamusical em questão.  15. Para uma discussão do conceitode contrametricidade, vide Sandroni,2001:21-8.  16. Termo técnico empregado emestudos de dança, que signica “esfera demovimento”.  17. O Xirê é um dos rituais que com-põem as celebrações em louvor às divin-dades do candomblé, no qual as lhas-de-santo dançam em torno de um eixoimaginário ou assinalado por um elemento

 vertical denominado poste central. Cor-responde à parte pública dessas celebraçõese pode ser assistido por pessoas não inicia-

das (nota do editor).

notas

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 67

PANdeIRo uSAdo NA 

mARuJAdA, em SAubARA.

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foto: luIz SANtoS.

  

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justificativajustificativajustificativa

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 6

doNA mAdAleNA, em

GeolâNdIA, muNIcPIo

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A música popular, num sentidoamplo, vem sendo reconhecida

há muito como um campo privile-giado da expressão cultural no Bra-sil. Ela é multifacetada, singular em

comparação às músicas de outrospaíses, plural no território nacionale, sob certos aspectos, ainda mui-to mal conhecida. Um gênero, noentanto, se destacou nacional e in-ternacionalmente desde pelo menosos anos 1930, como sua expressãomáxima: o samba.

Como vimos, a primeira men-ção documentada da palavra sambano Brasil data de 1838, em Per-nambuco. Entre esta data e meadosdos anos 1920, há registros de ativi-dades musicais e coreográcas cha-madas de samba em vários pontosdo Brasil: Bahia, Ceará, Pernam-buco, São Paulo, Rio de Janeiro.No mesmo período há registro deoutras manifestações musicais e co-reográcas que não eram chamadas

de samba, mas tinham certas carac-terísticas comuns com sambas: noMaranhão, em Alagoas, Rio Grandedo Norte, Minas Gerais...

No início dos anos 1930, nas-

cem no Rio de Janeiro as primeirasescolas de samba. Elas irão modi-car profundamente o estilo do sam-ba carioca que, a partir de então, enum breve lapso de tempo, chegaráa todo o país e assumirá, já no nalda mesma década, o posto de sím-bolo musical da nacionalidade. Paratal, deu-se a conuência de doisfatores: primeiro, a existência degrande número de músicas locais,que eram já conhecidas como sam-bas, ou que, conhecidas por ou-tros nomes, tinham, com aquelas,semelhança. Segundo, a penetraçãonacional do samba carioca, que sedeu por duas vias simultâneas: osmeios de comunicação de massa,que passaram a veicular largamen-te canções chamadas de sambas,

gravadas por estrelas do rádio e dodisco como Francisco Alves e Car-mem Miranda; e o movimento dasescolas de samba, hoje existentes emtodos os estados, e não só nas suas

capitais. Nessas duas vias há, ainda,a inuência da hegemonia econô-mico-político-cultural do Rio de

 Janeiro. O samba brasileiro, pois – talcomo é, hoje, entendido, praticadoe consumido em todo o Brasil, etambém em outros países – é umaforma de expressão desenvolvidaprimariamente na antiga capitalfederal.1

Mas a enorme popularidadedeste samba não impediu que, emdiferentes pontos do país, conti-nuassem existindo sambas locais,oriundos de tradições às veescentenárias, e com maior ou menorcapacidade de adaptar-se às trans-formações históricas. É o caso dosamba rural paulista, do samba decoco pernambucano e – com outro

o samba de rodacomo objeto deregistro

de cAbAceIRAS do

PARAGuASSu. foto: luIz

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 70

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nome, mas com inúmeros traçoscomuns – do tambor de crioulamaranhense. É o caso também dosamba de roda baiano, objeto dopresente dossiê, que, no entanto,

ocupa na música popular do Brasiluma posição singular.

Esta singularidade se deve, entreoutras coisas, a raões históricase a traços formais. Tanto por suaorigem, como por algumas de suascaracterísticas, o samba carioca – osamba brasileiro – apresenta pro-

fundas conexões com o samba deroda baiano. É ponto pacíco nahistoriograa do gênero que os pri-meiros sambas cariocas, incluindo ofamoso Pelo telefone (1917), nasceramno seio da comunidade de imigran-tes baianos que existia em torno daPraça One, berço do carnaval doRio de Janeiro (Silva, 1975; Moura,1983). As descrições dos eventosfestivos onde se cantavam e dança-

 vam tais sambas - eventos que, aliás,

como ainda hoje, eram chamadostambém de sambas - coincidemem inúmeros pontos com o que sepode observar na Bahia em ple-no século XXI. Tais conexões são

reconhecidas e assumidas pelospraticantes do samba em sua versãocarioca e nacional, como atestam,entre outras coisas, inúmeras letrasde samba e a presença indispensávelde uma Ala das Baianas em todos osdesles de escolas de samba.

A enorme pujança, no Brasil,

da música popular prossional,nacionalizada através dos meios decomunicação – e conhecida a par-tir dos anos 1960 pela sigla MPB–obscureceu muitas vees o fato deque as formas de expressão tradi-cionais, que lhe serviram de pontode partida e fonte de inspiraçãono decorrer do século XX, longede serem apenas raíes longínquas,continuaram, e continuam a ser,parte importante da vida de inú-

meros homens e mulheres de todoo país. É o caso também do sambade roda baiano, que continua “vivoainda lá”, segundo uma cançãode Dorival Caymmi. Como berço

reconhecido do samba brasileiro,ele já ocupa um lugar privilegiadono panteão da sensibilidade doshabitantes deste país; e também, éimportante que se diga, na de todosaqueles que, da Suécia ao Texas,passando pela África e pelo Japão,hoje amam e praticam o samba em

sua versão mais difundida. É maisdo que justicado, portanto, queseja amplamente reconhecido tam-bém como prática contemporânea ecomo patrimônio vivo.

A magnitude do valor do sambade roda como bem cultural resideem seu conjunto. Ele é dança, émúsica, é poesia, é inclusive tea-tro, posto que apresenta cenários,indumentária e papéis a seremdesempenhados. E é – não menos

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 71

doNA fIA e o SAmbA de

RodA de PIRAJuA. foto:

luIz SANtoS.

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importante – participação: a alegriamáxima do samba reside em faerparte dele, em sambar. No sentidopróprio, como se sabe, “sambar”quer dier dançar o samba. Mas,com licença poética, a palavra podeser usada para designar qualquerdas inúmeras modalidades em que épossível dele participar, seja can-tando, tocando, batendo palmas,respondendo o refrão ou o relativo.E assim desfrutando do samba de

roda através de todos os sentidos,mas também através de ações físicas,as quais transformam, é claro, amaneira como o corpo o percebe.

Esse caráter totaliador da expe-riência do samba em nada diminuias qualidades especícas de cada umde seus aspectos.

Para signicativas parcelas dopovo do Recôncavo, o samba deroda se reveste indubitavelmente deum valor excepcional. Tal aspecto

pode ser avaliado em seus depoi-mentos e, em primeiro lugar, emtermos absolutos:

“O samba de roda representa,

pra minha vida, as minhas raíes.(...) É uma coisa mesmo do san-gue, das raíes, e eu me sinto muitobem faendo isso. Desde pequenaeu acompanho os antigos no sambade roda, e cresci e hoje abracei osamba de roda, adoro, e pra mimrepresenta muito.(...) A gente não

pode deixar isso, porque é nosso, efaço tudo, dou o meu sangue, pranão acabar essa tradição” (MariaRita Machado, da Barquinha deBom Jesus dos Pobres).

Mas também em termos compa-rativos:

“Eu gosto do samba mesmo,eu adoro o samba, deixo qualquermotivação pelo samba de roda. (...)

luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 72

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deixo festa, futebol, qualquer coisa,e vou pro samba” (Manoel Domin-gos Silva, dito Duinho, do sambachula de Teodoro Sampaio).

O samba é concebido como algoque tem caráter de síntese. Isto, pordier respeito à totalidade de cadapessoa envolvida. Mas também porintegrar campos distintos, consti-tuindo assim um saber próprio aseus praticantes:

“[No samba de roda] você vê

que algumas músicas são cantigas deroda, a gente canta até umas mú-sicas que são entoadas dentro dosterreiros pelos caboclos (...) e atéa gente fa trovas também, poesias,

 versos. Então pra mim é uma mis-tura de ideais, de cultura, uma mis-tura de um saber, um saber que só opróprio nativo da criação do sambaque sabe sentir isso aí” (Idem).

O valor do samba de roda

também é ligado por seus pratican-tes ao seu papel como testemunhode tradições mais que centenáriastraidas ao Brasil pelos africanosescraviados.

“O que eu sei é que partiu maisdos escravos, né? Que os primeiroshabitantes da nossa terra foram osescravos, e geralmente nos en-genhos a minha mãe contava quese faia muito samba. De noite,quando eles terminavam o trabalho,

quando iam descansar, noite de lua,sentavam no terreiro e daí surgiamos sambas” (Maria Ana do Rosário,Saubara).

“O samba na verdade a gentesabe que é de origem africana, osescravos quando eles vieram trou-xeram seus anseios, seus desejos,tradições, ideais. E na verdade nãomorreu, continuou: então pra mimé muito importante porque a gente

preserva uma tradição, preservauma rai, uma cultura que é mui-to importante para a referência daprópria Bahia, dentro dessa tradi-ção que é o samba” (Alva Célia, S.

Francisco do Conde).

“(...) essa tradição que vem pas-sando de geração pra geração. Foimeu bisavô quem trouxe para aquipara o Brasil, porque ele foi um dosescravos que, quando o povo veioda África, ele veio como sambador,

e aqui passou pro meu avô e passoupro meu pai e passou pra mim, epor isso a gente não quer deixaracabar porque já tá na terceira ouquarta geração” (zeca Afonso, S.Francisco do Conde).

Essa convicção expressa pelospraticantes do samba é, como jáfoi visto, corroborada pelos regis-tros históricos. Mas ela não excluio fato de que o samba de roda é

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 73

oS IRmoS zIldA do

SAcRAmeNto e AlcIdeS

do SAcRAmeNto, do

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resultado de um processo de trocasinterculturais. Sendo uma atividadede afro-descendentes, e exibindotraços culturais de origem africana,ele não deixa de comportar, desde

seus primeiros registros históricos,elementos traidos pelos europeus.Esses elementos, no entanto, foramcomo que apropriados à sua maneirapelo samba de roda. Talve o casomais típico seja o do instrumentomusical prato-e-faca: os utensíliosdomésticos de origem européia

foram empregados, de maneiratotalmente inesperada para seusfabricantes e utiliadores prévios,como idiofones raspados. Algosemelhante ocorre com os instru-mentos de corda - violão, machete,cavaquinho - que, mesmo traidospor europeus, soam nas mãos dossambadores afro-descendentesde maneira totalmente original eúnica, remetendo em alguns casosàs sonoridades de instrumentos de

cordas africanos. O mesmo se podedier da parte poética do samba,cantada em língua portuguesa, comcorte estróco e rítmico português,mas com emissão vocal e conteúdo

 verbal absolutamente associados àcultura dos afro-descendentes doRecôncavo.

O papel do samba de roda baia-no como fecunda matri de novasformas culturais é também indu-bitável. Como já foi dito, é pontopacíco entre os historiadores da

música popular brasileira que foi dacomunidade de imigrantes baianosno Rio de Janeiro, no início doséculo XX e dos sambas que faiam,que começou a tomar forma osamba carioca, com suas inúmeras

 variantes como o samba-enredo, osamba de breque, o samba canção,o samba de partido-alto etc.

O samba de roda foi tambémfonte de inspiração para algunsdos compositores prossionais que

faem a glória da moderna músicapopular brasileira, como DorivalCaymmi (Samba da minha terra), Ge-raldo Pereira (Falsa baiana) e Caeta-no Veloso (Boa palavra, É de manhã...).

Nos dias de hoje, o samba de rodatem inspirado compositores comoRoberto Mendes - especialmenteo CD Tradução - Raimundo Sodré,com o CD Dengo e outros. Temtambém inspirado grupos con-tratados por grandes gravadoras,como alguns dos ligados à chamada

axé music. Finalmente, cabe men-cionar que o samba de roda é basedo trabalho apresentado por DonaEdith do Prato - ela própria umahabitante do Recôncavo e praticantetradicional do gênero - no CD Vozesda puricação, que obteve em 2004 oimportante prêmio TIM de músi-ca popular brasileira na categoriaRegional.

Por tudo isso, a comunidade dosamba de roda engajou-se no seu

GRuPo AS PAPARutAS.foto: luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 74

doNA dAlvA, do SAmbA 

de RodA SueRdIeck, em

cAchoeIRA. foto: luIz

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reconhecimento como patrimônio:

“Era muito bom que virasse umpatrimônio, era uma belea, erauma benção porque o samba de

roda é uma coisa muito importan-te. (...) O samba é a vida, é a alma,é a alegria da gente (...) lhe digo,eu estou com as pernas travadas dereumatismo, a pressão circulando,a coluna também, mas quando tocao pinicar do samba eu acho que euco boa, eu sambo, pareço uma

menina de 15 anos” (Dalva Damia-na de Freitas, Cachoeira).

SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 75

enfraquecimento

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A prática do samba de rodasofreu considerável declínio

no curso do século XX. Um dosfatores que contribuiu para isso foia decadência econômica do Re-

côncavo que, embora iniciada noséculo XIX, ainda aumentou, entreoutras raões, devido à construção,nos anos 1970, da rodovia unindoSalvador a Feira de Santana. Estarodovia passa na fronteira Nortedo Recôncavo e tornou-se a viapreferida para o uxo de produtos

agrícolas do interior do Estado emdireção à capital. Assim, o comér-cio, as feiras e o ir-e-vir de embar-cações nos rios do Recôncavo - so-bretudo o Paraguaçu - e na baía deTodos os Santos foram reduidosconsideravelmente, o que agravoua estagnação econômica e acentuouo êxodo da população para a capitaldo Estado e para o Sul do país.

Outro fator que vem contri-buindo para a decadência do samba

de roda é a competição desigual quesofre por parte dos meios de comu-nicação de massa e do imenso pres-tígio da moderna música popular.Tal prestígio leva muitos jovens a

acreditar que o samba de roda é umdivertimento de velhos, ultrapassa-do e fora de moda.

Mais especicamente, um im-portante fator de enfraquecimentode uma das modalidades mais valo-riadas de samba de roda, o sambachula, é o quase completo desapa-

recimento do instrumento maisapropriado para a sua performance:as violas de samba e, entre elas,especialmente, o machete. Como jáfoi dito, o último artesão conheci-do de violas de samba, Clarindo dosSantos, morreu em 1980. Os sam-badores da região do samba chulaqueixam-se constantemente da faltadesses instrumentos, pois sentemque sem eles o samba perde algo degrande importância.

O samba brasileiro é, em suasmúltiplas formas, muito valoria-do no país e não se pode dier queesteja em risco de extinção. Noentanto, isto se refere, sobretudo,

ao samba carioca, que, como vimos,é a modalidade dominante e a quemais laços desenvolveu com a in-dústria cultural. Ora, vai muita dis-tância entre a valoriação do sambacomercial nos meios de comuni-cação de massa e a valoriação desambas tradicionais no seu contexto

original. As idéias preponderantesno Brasil sobre as relações entremúsica popular e música folclóri-ca estabelecem que esta última é araiz , uma espécie de sobrevivênciaanacrônica, na qual a primeira seinspira e se vivica. Isso pode sernotado no tipo de reconhecimento

 verbal que é dado ao samba de rodatradicional nos meios de comuni-cação de massa, reverenciado, empalavras, mas considerado primiti-

da forma deexpressão,pressõese riscospotenciais de

desaparecimento

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 76

tocAdoR de SANfoNA 

duRANte o cARuRu,

comuNIdAde de PoNtA 

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 vo, rústico. Lê-se, por exemplo, nainternet: “É uma música muito ricaque ainda está lá, quase primitiva,como a chula, ultimamente esque-cida até pelos próprios baianos” (da

apresentação do CD do sambistaRoque Ferreira, na página da gra-

 vadora Biscoito Fino). Ou ainda:“Das 14 faixas do álbum, apenas trêsnão pertencem ao domínio públi-co. A predominância das faixas deautoria desconhecida se deve ao fatode o samba de roda ser um gênero

primitivo, cantado e cultivado pelasbaianas antes do aparecimento dosamba propriamente dito, no Rio,na década de 10” (da apresentaçãodo CD de Dona Edith do Prato, namesma página).

Nesse quadro, a relativa valo-riação do próprio samba de rodacomo gênero comercial – manifes-tada, por exemplo, na mencionadapremiação do CD de Dona Edithdo Prato pela TIM – pode não

ter nenhuma repercussão positivasobre a vivência do samba de rodaem, digamos, Santiago do Iguape,que ca a menos de 50 km da casade Dona Edith em Santo Amaro. A 

cadeia de mediações que vai do pal-co do Prêmio TIM ao adro da igrejade Santiago do Iguape é demasia-do complexa. Em todo caso, se épossível argumentar que tal pre-miação tra embutida pelo menos apossibilidade de um efeito positivona outra ponta, deve-se reconhecer

que, para que tal efeito se realie, épreciso justamente atuar na referidacadeia de mediações.

A percepção atual de uma partesignicativa dos sambadores doRecôncavo é a de que seu samba deroda é desvaloriado pela socieda-de. De fato, o descaso para com osamba de roda por parte de ins-tâncias locais - quer da sociedadecivil, quer políticas, educacionaise culturais - é apenas um exem-

plo de uma situação conhecida dequantos se interessam pela culturapopular tradicional no Brasil. Éproblema cuja solução exige umalonga batalha de idéias e luta contra

preconceitos arraigados, tal como vêm empreendendo o Iphan e oMinistério da Cultura. Nessa luta,um dos caminhos principais é ouviras reivindicações dos próprios sam-badores.

Uma das suas queixas recorren-tes refere-se à carência de violeiros

e violas adequadas. O instrumento,em muitos casos, precisa ser subs-tituído por violão, cavaquinho oubandolim; a queixa dos sambistasquanto à falta de bons tocadores égeneraliada. A situação dos demaisinstrumentos também é, em geral,bastante insatisfatória. Já forammencionadas, em particular, assanfonas de oito baixos utiliadaspor alguns grupos, todas encontra-das em estado lastimável.

de SouzA, mARAGoGIPe.foto: luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 77

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Mas no que se refere aos ins-trumentos, o ponto mais sensívelpara a continuidade e a integrida-de cultural do samba de roda é odesaparecimento dos artesãos quefaiam machetes, as pequenas violasde cinco ordens, típicas da regiãode Santo Amaro. Hoje são pou-

quíssimos os sambadores que pos-suem um machete. Foi encontradoapenas um tocador dominando suatécnica e repertório num grau satis-

fatório. Com a raridade, a valoria-ção do instrumento se tornou aindamaior. Muitos dos músicos sentemque, sem o machete, o samba perdealgo de importante:

“Hoje em dia nós não temos a viola principal como era antiga-

mente: era o machete, era a vio-la pequenininha de pau. Ela eranecessária pra esse samba da gen-te. Hoje em dia tem aquela viola

[paulista] que não vai dar a mesmatonalidade que vai dar aquela violaantiga. E se quiser uma daquela temque encomendar no Maranhão ouem outro lugar. É como o pandeiro

de tarraxa: nós toca, mas era [de]couro de cobra, prego, como Joãoainda tem, Babau tem. O sambanativo é esse, e a viola natural não éessa que nós toca não, é o machete.E essa nós temos que desencavarde onde tiver, pra botar o sambanativo mesmo como era.” (Augusto

Lopes, São Bra).

“As pessoas quando vêm praouvir o samba de roda, não ou-

 vem um samba de roda totalmenteoriginal, por falta de apoio, porquenós não temos o apoio mesmo prao machete. Esse machete é difícil deser encontrado e até hoje nós nãoconseguimos formaliar o sambaideal, o instrumento ideal” (CarlosM. Santana, dito Babau, São Bra).

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 78

  AluNoS teNdo AulA 

de vIolA. foto: JeAN

 JAulbeRt.

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“Então, a diculdade que nóstemos, é porque não existe maisquem fa o instrumento desse tipo.Porque só serve desse tipo, o ma-chete, porque é a tradição, e não é

só a tradição: porque só serve mes-mo para o samba é o machete, violagrande não serve pra samba. Porquepra gente cantar com a viola grandetem que ser sol maior e o samba cafeio” (zeca Afonso, São Franciscodo Conde).

A recuperação do saber-faer

 violas machetes, e a preservação edesenvolvimento do que resta dosaber tocá-las é, pois, urgente, epor si só já justicaria a importân-cia de ações armativas de valoria-ção do samba de roda.2 

Outra queixa recorrente dossambadores é a de falta de acesso

ao material produido por pesqui-sas feitas com eles próprios. Duasdas principais pesquisas realiadas- Waddey e Pinto - foram feitas por

pesquisadores independentes, nãoresidentes no Brasil e não vincu-lados organicamente a estruturaslocais e permanentes. Instituiçõesculturais brasileiras não possuemcópias dos acervos gerados por estaspesquisas, um dos quais se encontrahoje nos Estados Unidos, e o outro

na Alemanha. Mesmo os resulta-dos acadêmicos gerados por estaspesquisas encontram-se disponíveisem português de maneira parcial

e de difícil acesso (caso de Waddeyaté a presente publicação), ou detodo não disponíveis em português(caso de Oliveira Pinto). No que serefere aos acervos que estão no Bra-sil - os gerados pelas pesquisas dezamith/Travassos e Marques - nãose encontram em condições ade-

quadas de consulta pelos sambado-res. No que se refere ao acervo quefoi gerado pela presente pesquisa,embora parte dele esteja sendo

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 7

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devolvido por meio de cópias paraos sambadores, por enquanto háapenas a intenção de que possa vira ser consultado facilmente pelosfuturos sambadores do Recôncavo.

Essa situação de falta de acesso àsinformações geradas por pesquisasé sentida por muitos sambadores,com toda a raão, como um desres-peito aos seus direitos culturais.

Além disso, é forçoso mencio-nar a situação de grande precarie-dade material em que vive boa parte

das sambadoras e sambadores. Defato, o principal risco de desapa-recimento do samba de roda estáligado às difíceis condições sociais eeconômicas em que vivem seus pra-ticantes. Em sua maioria, negros;falantes de português dialetal, estig-matiado socialmente; em situação

econômica precária pois vivem deagricultura de subsistência, da pescaou de aposentadorias irrisórias, elesnão se apresentam, para a maior

parte da juventude da região, comomodelos a imitar, mas antes comoa personicação de um estado doqual se quer escapar.

“O trabalho é esse, vivemos tudode pescaria. Quando é no verão,tem uma coisinha melhor, e quan-do é no inverno, que a pescaria‘pifa’, eles todos passam privação.Não pedem porque têm vergonhade sair pedindo. (...) Dentro damaré, perdem a noite toda dentro

de uma canoa, correndo o riscode perder a vida, um dia traemum quilo de siri, e às vees voltampra casa com meio quilo, às veestem casa com quatro, cinco lhos,marido desempregado, como é queestá passando?” (Manoel Barbosado Amor Divino, dito Mané do

 Velho, Itapecerica).

“Eu faia e faço [roça], arrumoum pedacinho de terra pra plantar,

faço minha rocinha na terra dosoutros porque eu não tenho sítiopra plantar (...) Se não plantar roça

 vive de quê? Tem muitas pessoasque têm idade e não são aposen-

tadas, não recebem. Passar fomenão pode, tem que plantar roça,feijão, milho, mandioca, abóbo-ra, batata, tudo pra sobreviver,senão vai morrer de fome. (...) Ese não comer não agüenta sambar,tem que comer pra car forte, praagüentar sambar!!!!” (Madalena dos

Ramos, Geolândia, Cabaceiras doParaguaçu).

Nessas condições, a juventude volta seus olhos para as perspecti- vas de vida moderna oferecidas portudo que vem da capital do estadoe, mais ao Sul, dos centros econô-

micos do país. Nisto se enquadramnovos gêneros e estilos de diversão,difundidos pelos meios de comu-nicação de massa. Entre estes, em

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 80

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particular o pagode, um tipo desamba comercial que ganhou no-toriedade a partir do nal dos anos1980:

“(...) hoje não se ouve samba deorigens, e sim ouvimos difundidoo pagode, porque toda garotadahoje gosta do pagode, mas só que o

 verdadeiro samba está nas pessoasque viveram 50 anos atrás, que nãotinha outro tipo de diversão, quenão existia televisão. (...) Então

estão deixando morrer a culturadessas pessoas, simplesmente pelofato de não estarmos passando paraas gerações futuras” (Paulo César F.Santos, Maragogipe).

E o arrocha, dança da moda em2004, derivada da onda da música

brega:

“Mas hoje as meninas não que-rem aprender [o samba de roda], só

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 81

Seu domINGoS PReto,

do SAmbA SuSPIRo do

IGuAPe, SANtIAGo do

IGuAPe. foto: luIz

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  1. Sobre o samba carioca e suas relaçõescom o samba baiano, Sandroni 2001.Sobre as relações entre samba carioca eidentidade nacional, vide também Vianna,1995.  2. Essas ações tiveram início ainda em2004, logo em seguida ao Registro dosamba de roda como Patrimônio Cultural

do Brasil (nota do editor).

notas

querem aprender esse negócio dessearrocha” (D. zelita, Saubara).

Mesmo quando a adesão aosnovos gêneros não implica em

abandono dos antigos, ela ocasio-na por vees a alteração dos estilostradicionais:

“É obrigação da mulher, quan-do ela samba mesmo, ela correr aroda, e [diante de] cada tocadordaquele, no pé da viola, no pé do

pandeiro, ela cortar o samba. Essenegócio de chegar no meio da roda,pular, pular e sair, não é samba. Aío povo já inverte, porque a juven-tude de hoje não samba mais pracorrer a roda, é contado uma jovemque fa isso [isto é, são poucas as

 jovens que o faem]. Elas sambam

assim o ritmo [mostra], [como sefosse] pagode. E samba de roda ésamba de roda, e pagode é pagode!E elas misturam, chegam assim no

meio da roda, se sacodem todas nopagode, e vão saindo, e não é assim,o samba de roda tem que correr aroda” (Dilma F.A. Santana, Teo-doro Sampaio).

É diante deste quadro, e detudo o mais que foi exposto, queo reconhecimento do samba deroda como Patrimônio CulturalBrasileiro e, pela Unesco, comoObra-Prima do Patrimônio Orale Imaterial da Humanidade - além

de faer justiça a um bem culturalde enorme relevância - pode ajudara contrabalançar as tendências deenfraquecimento detectadas, e arestituir às comunidades locais,nacional e internacional, todo oprestígio que merecem as samba-deiras, os sambadores e sua maravi-

lhosa arte.

SANtoS.

 

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plano de salvaguardaplano de salvaguarda

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 83

me eufRÁSIA, de

SAubARA. foto: luIz

SANtoS.

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No dia 30 de setembro de 2004,o Conselho Consultivo do Pa-

trimônio Cultural, que atua juntoao Iphan, aprovou o Registro dosamba de roda do Recôncavo baiano

e concedeu a esta expressão musi-cal, poética e coreográca o títulode Patrimônio Cultural do Brasil.No dia 5 de outubro, em cerimôniasolene realiada em Brasília coma presença do presidente da Re-pública, Lui Inácio Lula da Silva,do ministro da Cultura, Gilberto

Gil, do então presidente do Iphan, Antonio Augusto Arantes, e de umgrupo de sambadores do Recôn-cavo, o samba de roda foi inscritono Livro de Registro das Formas deExpressão e declarado publicamentePatrimônio Cultural do Brasil. Em25 de novembro de 2005, junta-

mente com outros 43 bens cultu-rais provenientes de várias partesdo mundo, foi proclamado pelaUnesco Obra-Prima do Patrimônio

Oral e Imaterial da Humanidade.O conhecimento produido

durante as pesquisas que possibili-taram o Registro do samba de roda,assim como o contato com os pro-

blemas e demandas colocados pelosgrupos e indivíduos que praticamessa forma de expressão no Recôn-cavo baiano, permitiu a formulaçãode um Plano Integrado de Salva-guarda e Valoriação do Sambade Roda que, após a efetivação doRegistro, foi ajustado e comple-

mentado a partir de contatos comos grupos envolvidos.

O responsável pela implemen-tação do plano, em suas primeirasetapas, é o Iphan, por meio do De-partamento de Patrimônio Imate-rial e da Superintendência Regionalna Bahia. Esta implementação vem

sendo feita em diálogo permanentecom os sambadores e com as insti-tuições locais que são parceiras nes-se trabalho (ver anexo), as quais, no

decorrer dos cinco anos previstospara o desenvolvimento do plano,deverão assumir responsabilidadesde gestão cada ve maiores.

Os sambadores do Recôncavo

não possuíam, até o ano de 2004,nenhuma organiação própria quereunisse a todos. Em muitas locali-dades eles se organiaram em asso-ciações, mas estas não reúnem maisde uma cidade e raramente reúnemmais de um grupo de sambadores.

Assim, a criação de uma espécie

de Conselho permanente dos sam-badores do Recôncavo para traçardiretries, acompanhar, discutire scaliar as diferentes etapas deimplementação do plano de salva-guarda surgiu como uma medidafundamental. Esta organiação de-

 veria dispor de um órgão executivo

com capacidade gerencial e agili-dade para captar e utiliar recursosnanceiros e ter sua organiação

 jurídica e administrativa estabeleci-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 84

boI e SAmbAdoReS em

fReNte à ASSocIAço

cultuRAl fIlhoS de

NAG, em So félIx.foto: luIz SANtoS.

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da durante os dois primeiros anosde vigência do plano.

A auto-organiação dos grupose indivíduos que praticam o sambade roda no estado da Bahia foi, des-de o início, considerada uma açãoestratégica porque, entre outrasfunções, torna possível promover

a sustentabilidade social e a auto-nomia do processo de valoriaçãoe fortalecimento dessa forma deexpressão. Assim, já em 2004,

com o apoio nanceiro do Iphan,foram dados os primeiros passos nosentido da constituição e formali-ação de uma instituição capa derepresentar os indivíduos e gruposprodutores dessa arte – ação efeti-

 vada em 17 de abril de 2005 coma criação da Associação de Samba-

dores e Sambadeiras do Estado daBahia.

Alguns dos mais destacadossambadores do Recôncavo partici-

param ativamente da elaboração dodossiê de Registro, dando infor-mações, formulando propostas erealiando performances de sambade roda para gravação em áudio e

 vídeo. Esta participação continuou,se ampliou e se aprofundou du-rante a implementação do planode salvaguarda. Vários encontrosde sambadores para a discussão deinúmeros aspectos do plano foramrealiados sob a coordenação da suaassociação, encontros que conta-

ram também com a participaçãodo Iphan e de instituições locaisparceiras.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 85

Objetivosdo Plano

Seu muNdINho, dA 

mARuJAdA de SAubARA.

foto: luIz SANtoS.

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Objetivosdo PlanoIntegrado deSalvaguarda eValorização doSamba de Roda

Curto prazo  • Salvaguardar o saber tradicio-nal dos praticantes mais idosos dosamba de roda e contribuir para suatransmissão às gerações mais novas.

Revitaliar no Recôncavo a feituraartesanal de violas de samba e, emespecial, de machetes.  • Salvaguardar o repertório e atécnica do machete como instru-mento acompanhador do sambachula e a sua performance em asso-ciação com violas maiores.

  • Contribuir para o processo deauto-organiação dos sambadoresdo Recôncavo.

Médio e longo prazo  • Salvaguardar o samba de rodado Recôncavo baiano, atuandocomo contrapeso às tendências de

enfraquecimento detectadas.  • Aprofundar, organiar e dis-ponibiliar aos sambadores, pes-quisadores e ao público em geral,

conhecimentos sobre o samba deroda no Recôncavo e regiões vii-nhas.  • Contribuir para que a práti-ca do samba de roda e os saberes

tradicionais a ele associados conti-nuem sendo transmitidos para asnovas gerações.  • Promover o samba de rodadentro e fora do Recôncavo, pos-sibilitando que seus valores sejamapreciados por um público amplo,no Brasil e em todo o mundo.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 86

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componentesdo plano

O plano de salvaguarda do sambade roda se estrutura em torno

das seguintes linhas de ação:1. Pesquisa e documentação2. Reprodução e transmissão às

novas gerações3. Promoção4. Apoio

1. Pesquisa e documentaçãoEsta linha refere-se, primeiro,

à continuidade da pesquisa sobreo samba de roda do Recôncavo. As

pesquisas já feitas, incluindo a queserviu de base à elaboração do dos-siê de Registro, deixaram algumaslacunas. Há ainda necessidade deestudar melhor as inúmeras varia-ções do samba de roda, como sambade estivador, samba de coco, sambade bate baú e outras. Precisa ser

ainda melhor denida a própria di-ferença entre o samba chula, carac-terístico da região de Santo Amaro,e o samba barravento, típico da

região de Cachoeira, sendo ambos,de acordo com as categorias nativas,opostos ao samba corrido.

Outro ponto importante é co-nhecer a extensão do samba de roda

do Recôncavo em outras regiões daBahia. Como foi dito no início,o samba de roda é encontrado emtodo o estado. Presume-se que ossambas do sertão da Bahia, da Cha-pada Diamantina etc., tenham sidointerioriados a partir do Recôn-cavo e de Salvador, para onde eram

traidos os negros escraviados. Noentanto, após tanto tempo, essasoutras regiões devem ter desen-

 volvido modalidades especícasde samba de roda. Estas tambémdevem ser estudadas para que oconhecimento da forma de expres-são seja mais completo. Ademais,

o estudo da maneira como se deu ainterioriação referida pode lançarpistas para melhor compreensão dadifusão nacional do samba. Como

 já foi dito, antes que a indústriafonográca contribuísse para queo samba carioca se tornasse sím-bolo da brasilidade, já existiamreferências a diferentes sambas em

Pernambuco, Minas Gerais e outrasregiões do país.Em terceiro lugar, é necessário

que as informações sobre o sambade roda estejam disponíveis paraos próprios sambadores. Para isso,deverão ser adquiridos ou copiadosos acervos já existentes, e deverá ser

criado um Centro de Referência dosamba de roda em uma cidade doRecôncavo a ser denida conjun-tamente com os sambadores. EsteCentro deverá ligar-se a uma redede centros menores a ser criada, aospoucos, em todos os municípios daregião, possibilitando aos sambado-

res das localidades mais distantes oacesso ao material produido sobreeles e sobre seus colegas de outrospontos.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 87

  AluNoS de vIolA Se

 AJudANdo. foto: JeAN

 JAulbeRt.

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Além disso, é importante que osresultados das pesquisas e as visõesdos especialistas das diversas áreassobre tais resultados possam ser dis-cutidas e confrontadas, o que será

feito por meio de seminários sobreo samba de roda. Esses semináriospossibilitarão também que o traba-lho desenvolvido sobre esta formade expressão possa ser compartilha-do e aproveitado por pessoas envol-

 vidas com outras que compõem orico patrimônio cultural brasileiro.

As atividades de pesquisa de- verão ser desenvolvidas em cola-boração com os sambadores e suascomunidades, e não simplesmentetomando-os como informantes. Defato, muitos sambadores e pessoasde suas comunidades que participa-ram como colaboradores na realia-

ção do dossiê de Registro demons-traram um profundo interesse poraumentar seus conhecimentos sobreo samba, seja quanto à sua história,

seja quanto às várias modalidadesem que é praticado nas diferentesregiões.

Os seminários onde serão deba-tidos os resultados das pesquisas e o

andamento do Plano de Salvaguardacontarão sempre com a participaçãode sambadores como expositorese debatedores, e não apenas comoassunto do debate.

2. Reprodução e transmissãoO samba de roda possui seus

meios próprios de transmissão,baseados na imitação, na oralidadeetc. A intervenção do plano nestaárea justica-se pelas alterações docontexto social, que têm diminuídoa ecácia destes mecanismos tradi-cionais. Mas tal intervenção precisaser baseada, em primeiro lugar,

no conhecimento desses mesmosmecanismos, portanto, em conexãocom a linha de ação 1: Pesquisa.

O conhecimento já produido

sobre tais mecanismos indica que,em muitos casos, a transmissão dosamba ocorre concomitantemen-te a outras atividades. Em outraspalavras, aprende-se o samba de

roda faendo samba de roda e, nãonecessariamente, em horas e locaisespecícos para o aprendiado. Éimportante que a intervenção nessaárea leve isto em conta e evite aomáximo o risco da escolarização destaforma de expressão.

A ação mais urgente nesta linha

se refere à reprodução dos saberesrelativos à viola de samba e, em par-ticular, ao machete: o saber faê-loe o saber tocá-lo. Para o saber-fa-er, trata-se propriamente de umarevitaliação, na medida em que oúltimo artesão de violas de sambaconhecido, como já mencionado,

morreu há mais de 20 anos. Assim,será necessário reconstruir violasde samba e machetes a partir dospoucos exemplares remanescentes,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 88

bAIANA do SAmbA 

SueRdIeck

  AutoGRAfANdo cd

  APS APReSeNtAçoem bRASlIA-df. foto:

mÁRcIo vIANNA

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e com a ajuda de artesãos-luthiers que, no Recôncavo ou em outrasregiões do país, ainda faem violassimilares. As violas que vierem a serconstruídas por esses artesãos serão,

é claro, testadas pelos sambadorespara posterior aperfeiçoamento.Para o saber-tocar, conta-se

com a participação do Sr. José Vitório dos Reis, também conhe-cido como zé de Lelinha, de SãoFrancisco do Conde, que dominaa técnica e o repertório do mache-

te, e poderá transmiti-los a jovens violeiros. Paralelamente deveráser feito um trabalho exaustivo deregistro em vídeo da performancedo Sr. Reis.

Outras ações propostas re-ferem-se à transmissão às novasgerações do samba de roda em sua

totalidade, abordando diferen-tes aspectos: o canto - incluindoaí as chulas e os relativos cantadosa duas voes, os instrumentos e a

dança. Isto poderá ser feito como incentivo aos sambas-mirins, etambém, no caso do aprendiadodos instrumentos de cordas, pormeio de ocinas ministradas pelos

próprios portadores das tradiçõesdo samba de roda, em especial pelosmais velhos. Nesta linha de ação, aparticipação dos sambadores e desuas comunidades é, mais do queem qualquer outra, condição sinequa non. De fato, aqui, o papel doIphan e das instituições parceiras

será, sobretudo, o de contribuirpara a continuidade e a melhoriade um processo de transmissão desaberes e práticas que se dá entre ossambadores mais velhos e as novasgerações.

3. Promoção

Esta linha relaciona-se à valo-riação do samba de roda junto aum público mais amplo, tanto emnível local, como nacional e inter-

nacional, e também à difusão doconhecimento produido sobre ele.Isto será feito por meio de publi-cações em forma de livros, CDs,

 vídeos e outras mídias disponíveis.

Por outro lado, o valor do sambade roda não pode nem de longeser aquilatado pelo público semum contato direto, raão pela qualconsidera-se importante que estaforma de expressão, também forade seu ambiente de origem, possaser apresentada ao vivo. Em algu-

mas localidades do Recôncavo, ossambadores já se organiaram emgrupos semiprossionais e tiveramoportunidade de se apresentar emoutras cidades do país e mesmo noexterior. O plano pretende esti-mular tais iniciativas por meio deorientação, contatos e apoio ge-

rencial. Outro mecanismo ecade promoção do samba de roda éa organiação de uma exposiçãoitinerante, com fotograas,

mÁRcIo vIANNA.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 8

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instrumentos musicais etc.No que toca a esta linha de ação,o mais importante é assegurar quea promoção do samba de roda se dêem concordância com as aspiraçõese necessidades dos sambadores esuas comunidades. Ou seja, “umadifusão seletiva e controlada pelos

seus detentores (...)”1. É impor-tante, também, que sejam res-guardados os direitos intelectuaisindividuais e coletivos dos samba-

dores sobre todos os aspectos de seupatrimônio imaterial que foremobjeto de difusão.

4. ApoioEsta linha de ação tem um ca-

ráter mais geral na medida em quese propõe a fornecer alguns apoios

diretos que criarão uma estruturade sustentação para as demais ativi-dades.

Como foi visto, os sambado-

res do Recôncavo possuem poucaarticulação entre si. Contribui paraisso a precária situação econômicaem que estão, o que torna difícil atémesmo o deslocamento das várias

localidades do Recôncavo para umponto comum. Sendo assim, é im-portante que o Plano de Salvaguar-da contemple o apoio ao processode auto-organiação dos samba-dores, condição indispensável paraque o próprio plano e as possíveisações posteriores de salvaguarda

sejam gerenciados por eles mesmos.Outro apoio previsto é a cria-

ção, já mencionada, de um Centrode Referência do Samba de Roda.Tal iniciativa implica a obtenção deum imóvel, por meio de compra,construção ou doação, que deveráser devidamente equipado para a

preservação de vários tipos de docu-mentos e para sua disponibiliaçãoaos sambadores e ao público.

Já foi mencionada também a

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 0

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constituição, ligada a este Centro,de uma rede de Casas do Samba nosmunicípios do Recôncavo. Serãoespaços simples, a serem usadoscoletivamente pelos sambadorespara ensaios, atividades educativas,reuniões e o que mais necessitarem.Deverão estar dotadas de um salão

principal, onde se realiarão asatividades mencionadas e uma salamenor, com computador e arqui-

 vos, onde se trabalhará em conexão

com o Centro de Referência doSamba de Roda. Esta conexão direspeito, por exemplo, à disponibi-liação de cópias de documentos docentro para sambadores locais, mastambém ao envio de informaçõessobre as peculiaridades dos sambaslocais para o centro.

Finalmente, uma importanteação de apoio se refere à revitali-ação da luteria das violas artesa-nais do Recôncavo, em particular

do machete. Deverá ser criada noRecôncavo a Ocina de LuteriaTradicional Clarindo dos Santos,nome dado em homenagem aocitado artesão de violas, já falecido.Esta Ocina se dedicará em especialà recuperação do ofício de faer

 violas de samba, à capacitação de

artesãos e também à confecção deoutros instrumentos, como pandei-ros, atabaques e timbales.

No que se refere ao apoio ao

mAcheteS em ofIcINA 

de luteRIA. fotoS: JeAN

 JAulbeRt.

PÁGINA Ao lAdo

Seu zé de lelINhA com

o mAchete, em So

fRANcISco do coNde:foto: luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 1

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processo de auto-organiação dossambadores do Recôncavo e deoutras associações que eles julguemadequadas, é evidente que sua par-ticipação é condição necessária.

Quanto à implementação físicado Centro de Referência do Sam-ba de Roda, da Ocina de LuteriaTradicional Clarindo dos Santose, muito especialmente, da rede deCasas do Samba, também será fun-damental a participação dos samba-dores e das organiações locais, por

exemplo, na própria decisão sobreas cidades em que os dois primeirosdeverão ser implantados.

Por m, é importante ressaltarque o Iphan e demais instituiçõesparceiras organiarão ocinas deformação e atividades de capaci-tação para os sambadores, com o

objetivo de ajudá-los a dominar osdiferentes códigos necessários parasua plena participação em algumasdas atividades aqui mencionadas.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 2

Execução e

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Execução eetapas do planode salvaguarda

Fase 1: 2004-2005Providências de planejamento,

relacionadas à implantação do pla-no de salvaguarda, foram adotadasnesse período, assim como ações

relacionadas à linha de ação Re-produção e Transmissão. Embora,originalmente, estivessem tambémprevistas atividades de pesquisa edocumentação nesta fase, dianteda grave situação de fragilidade dosaber-tocar e do saber-faer violamachete, decidiu-se concentrar

recursos e esforços na implemen-tação de medidas emergenciais defortalecimento dos processos dereprodução e transmissão atinentesa esse instrumento.

O planejamento da implantaçãodo plano de salvaguarda se referiuà elaboração de projetos, ao maior

detalhamento orçamentário, téc-nico e administrativo das medidaspropostas, bem como a seu aper-feiçoamento, sobretudo, por meio

do aprofundamento do diálogocom os portadores da tradição e,em particular, com a instância derepresentação dos sambadores doRecôncavo. A organiação jurídico-

administrativa dessa instância foiiniciada e concluída nesta fase coma criação da Associação dos Samba-dores e Sambadeiras do Estado daBahia.

As medidas emergenciais rela-tivas à salvaguarda da viola macheteforam iniciadas no ano de 2004 e

concluídas em 2005. Referiram-se à realiação de ocinas para arevitaliação do saber-faer e para atransmissão do saber-tocar.

A ocina de transmissão e do-cumentação do saber-tocar machetefoi realiada entre maio e setembrode 2005 na Casa de Cultura de São

Francisco do Conde, com apoioda prefeitura local. Foi ministra-da pelo Sr. José Vitório dos Reis- Mestre zé de Lelinha - e acom-

panhada por um pesquisador e umetnomusicólogo, que também atuoucomo facilitador do processo deaprendiagem.2 Os alunos que par-ticiparam desse treinamento foram

indicados por grupos de sambado-res e a experiência produiu impor-tante material didático em áudio etablaturas, contendo o repertóriodo Mestre zé de Lelinha, além deregistros audiovisuais e fotográcosde todo o processo.3 Este materialserá, na próxima fase do plano de

salvaguarda, aproveitado para aedição de um guia, em DVD, des-tinado à aprendiagem dessa viola,assim como para o aprofundamentodo conhecimento sobre o samba deroda do Recôncavo.

Apesar do bom aproveitamen-to por parte dos aprendies que

participaram dessa experiência, odomínio do machete é complexoe o trabalho de documentação dorepertório desse instrumento e de

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 3

Seu zé de lelINhA e

  AluNo PRAtIcANdo o

mAchete. foto: JeAN

 JAulbeRt.

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transmissão do saber a ele relacio-nado deverá continuar nas próxi-mas fases.

O artesão responsável pelotrabalho inicial de retomada da

fabricação de violas machetes foi oSr. Antônio Carlos dos Anjos, dacidade de Cachoeira, carpinteiro emúsico experiente na confecção emanutenção de instrumentos musi-cais. Esta indicação foi validada porpesquisadores e mestres do sambade roda do Recôncavo, sendo, nesta

fase, fabricadas três novas violas erestauradas outras duas, uma dasquais de propriedade do Mestrezé de Lelinha. Todo o processo defabricação foi registrado em foto-graa e vídeo, além de documenta-das as entrevistas nas quais o artesãocomenta e explica os procedimentos

de construção do instrumento.

Fase 2: 2005-2006 Aõs prisas

• Início da implantação física doCentro de Referência do Samba deRoda, da Ocina de Luteria Tra-

dicional Clarindo dos Santos e darede de Casas do Samba.• Apoio aos sambas-mirins.• Complementação das ações de

pesquisa e documentação.• Aquisição e duplicação de

acervos.• Realiação de seminários de

acompanhamento do Plano.• Publicação de livros, CDs e vídeo sobre o samba de roda.

• Organiação denitiva da As-sociação dos Sambadores e Samba-deiras do Estado da Bahia.

 Aõs raiaas

ananEm 24 de agosto de 2006,

em solenidade realiada na cidadede Santo Amaro da Puricação e

presidida pelo ministro da Cultu-ra, Gilberto Gil, foi apresentadoaos sambadores do Recôncavo oprojeto de restauração do Solar

 Araújo Pinho, também conhecido

como Solar Subaé, imóvel que serádestinado à implantação do Centrode Referência do Samba de Roda.No evento foi também assinado,por vários prefeitos da região, umTermo de Compromisso e Adesãoao Plano de Salvaguarda do Sambade Roda.

De acordo com este instrumen-to, caberá ao Ministério da Cultura viabiliar a instalação da rede deCasas do Samba nos municípiosdo Recôncavo e ao Iphan, entreoutras atribuições, incentivar acontinuidade das pesquisas sobre osamba de roda na Bahia; ampliar as

ações que visem ao fortalecimento,à reprodução e à transmissão dossaberes e conhecimentos relaciona-dos ao samba de roda; e promover

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 4

cAPA do cd S A M BA D E R O D A

– P A T R I M Ô N I O D A H U M A N I D A D E .

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e valoriar essa forma de expressãoem nível local, nacional e interna-cional, por meio de projetos de di-

 vulgação e difusão. Os municípiossignatários, por sua ve, compro-meteram-se a contribuir para a ins-talação da rede de Casas do Sambade Roda, disponibiliando imóveis

para tal iniciativa e contribuindona sua manutenção. Comprome-tem-se também a dar prioridadeaos grupos locais em apresentações

relacionadas a eventos ou festivi-dades municipais e a apoiá-los nosdeslocamentos para apresentaçõesou reuniões em outras localidades.

Ainda na solenidade realiadana cidade de Santo Amaro, foi lan-çado o CD Samba de Roda – Patrimônioda Humanidade, com uma seleção do

repertório dos grupos que partici-param da pesquisa para o Registrodessa arte. O CD, que concretiouuma primeira ação de promoção do

samba de roda no âmbito do planode salvaguarda, foi nanciado peloIphan e produido em parceria coma Sociedade de Amigos da Cultura

 Afro-Brasileira (Amafro) e com a

 Associação de Sambadores e Sam-badeiras do Estado da Bahia.Outra ação de promoção,

realiada nesta segunda fase doplano, di respeito à presenteedição do dossiê de Registro dosamba de roda. A iniciativa, alémde dar cumprimento à norma que

estabelece que os bens registradosdevem ser amplamente divulgados,4 permite difundir para além doRecôncavo e da Bahia o conheci-mento sobre essa tradição. O dossiêde Registro foi editado em livro etambém na forma de CD-Rom,contendo imagens e áudio.

Em 2005, tiveram início oscontatos com a Prefeitura Muni-cipal de São Francisco do Condepara a implantação, naquela cidade,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 5

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da Ocina de Luteria TradicionalClarindo dos Santos. Na realidade,um embrião dessa ocina já entrouem atividade a partir da fabrica-ção das três novas violas machetes

que foram nanciadas pelo Iphan,estando em andamento negociaçõespara a implantação denitiva desseequipamento.

Fase 3: 2006-2008 Aõs Prisas  • Conclusão da implantação

física do Centro de Referência doSamba de Roda e da Ocina deLuteria Tradicional Clarindo dosSantos. Continuidade da implanta-ção da rede de Casas do Samba.  • Ações de apoio para a ma-nutenção e auto-sustentabilidadedas estruturas de apoio montadas.

Treinamento e capacitação de sam-badores para captação de recursos

 junto a agências e programas gover-namentais e não-governamentais,

e para administração e manutençãoda rede de Casas do Samba.  • Continuidade do apoio aossambas-mirins.  • Ocinas de samba de roda

ministradas pelos sambadores mais velhos.  • Exposição sobre o samba deroda.  • Apoio à apresentação degrupos de samba de roda fora doRecôncavo.

Fase 4: 2008-2009 Aõs Prisas  • Finaliação da implantação darede de Casas do Samba.  • Ações de avaliação do anda-mento e da ecácia do plano desen-

 volvido.• Avaliação dos impactos da sal-

 vaguarda no samba de roda.

  1. Dossiê de Registro da Arte GrácaKusiwa dos índios Wajãpi, 2002.  2. Respectivamente, Josias Pires e Jean

 Joubert Freitas Mendes.  3. Foram produidos 660 minutosde gravação audiovisual em Mini DV e180 minutos em MD, e 360 fotograasdigitais.  4. Artigo 6°, do Decreto n. 3551, de 4de agosto de 2000, que criou o Registrode bens culturais de naturea imaterial e oPrograma Nacional do Patrimônio Imate-

rial.

notas

 

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Balanço preliminarBalanço preliminar

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 7

primeirosresultados do

doNA cAdu (RIcARdINA 

PeReIRA dA SIlvA)

SAmbANdo, em coqueIRo

do PARAGuASSu,

muNIcPIo mARAGoGIPe.

foto: luIz SANtoS.

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Apesar das diculdades e pro-blemas que sempre permeiam

a execução de uma ação pioneira,os participantes e observadores dasações de salvaguarda do samba de

roda têm freqüentemente ressaltadoque o processo de reconhecimentoe valoriação dessa forma de ex-pressão como patrimônio culturalbrasileiro “tem sido rico e grati-cante para todos os envolvidos”.1 A participação dos sambadores e deseus grupos na implantação do pla-

no de salvaguarda tem sido intensae essa é, sem dúvida, a principalraão desse sucesso.

A política de salvaguarda dopatrimônio cultural imaterial que

 vem sendo executada pelo Iphantem como um dos seus princípiosfundamentais a promoção da auto-

nomia dos processos de reconhe-cimento e valoriação. Em outraspalavras, um dos seus principaisobjetivos é fortalecer essas expres-

sões culturais em seus aspectos deprodução, reprodução e transmis-são, cuidando para que esse proces-so seja conduido e administradopelos próprios praticantes. Eles são

e devem continuar sendo os princi-pais sujeitos da preservação do bemcultural.

A organiação dos sambadoresdo Recôncavo em uma associaçãoconstituiu, assim, um passo fun-damental não apenas para que seavance no sentido dessa autonomia,

mas também para que os órgãosgovernamentais envolvidos no pro-cesso de salvaguarda tenham inter-locutor qualicado e representativodos portadores dessa tradição.Garante-se também, dessa forma,que benefícios e efeitos positi-

 vos gerados pela  patrimonialização da

expressão cultural sejam apropria-dos por aqueles que a produem etransmitem.

Até o momento, portanto,

se pode armar que o plano desalvaguarda do samba de roda vaibem. A Associação dos Sambadorese Sambadeiras do Estado da Bahiaestá plenamente constituída,2 tem

proporcionado maior articulaçãoentre os grupos e indivíduos quepraticam o samba e encaminhadoquestões importantes relacionadas àcaptação de recursos e identicaçãode imóveis para a rede de Casas doSamba.3 

 Após o Registro do samba de

roda e sua proclamação como Patri-mônio Oral e Imaterial da Hu-manidade, os convites aos grupospara apresentações em Salvadorou fora das comunidades locaisaumentaram. O grupo de sambachula Filhos da Pitangueira, de SãoFrancisco do Conde, por exemplo,

foi contratado pelo SESC para faerapresentações em 17 capitais dopaís.

Com as pesquisas para produção

processo desalvaguarda dosamba de roda

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 8

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do dossiê de Registro, a realiaçãode ocinas para revitaliação dosaber-tocar e do saber-faer violamachete, a organiação da Associa-ção dos Sambadores e Sambadei-ras do Estado da Bahia, a edição elançamento do CD de músicas dosgrupos do Recôncavo e outras ações

de divulgação, o Ministério da Cul-tura e o Iphan conrmam seu com-promisso com o fortalecimento dosamba de roda. Estes constituíram

investimentos estratégicos voltadospara o fortalecimento dessa formade expressão em aspectos cruciaisrelacionados à sua reprodução etransmissão e, também, à armaçãoe consolidação de seus praticantescomo condutores do processo de

 valoriação.

Apesar de suas conquistas,entretanto, o plano de salvaguar-da do samba de roda tem aindaum longo caminho a percorrer e

desaos a enfrentar para que todosos seus objetivos sejam atingidos.Um desses desaos é, sem dúvida, aconsolidação de uma rede de par-ceiros e a implementação de açõesde capacitação que permitam aoprocesso de preservação do sambaavançar com suas próprias pernas.

Outro desao, não menos impor-tante, é a construção de indicadorespara monitoramento e avaliação dosresultados e impactos do trabalho

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }

cRIANçAS SAmbANdo

duRANte o cARuRu de

coSme e dAmIo, NA 

comuNIdAde de PoNtA 

de SouzA, mARAGoGIPe.

foto: luIz SANtoS.

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de salvaguarda, de modo que sepossa acompanhar a dinâmica de

 valoriação iniciada, especialmenteno que toca à melhoria das condi-ções materiais e sociais que permi-

tem a existência, a continuidade ea renovação da tradição do sambade roda e sua transmissão às novasgerações.

Até a proclamação do Registro,as principais iniciativas no sentidoda preservação do samba de rodaeram tomadas pelos próprios sam-

badores. Muitos grupos já vinham,nos últimos anos, se preocupandocom a questão da transmissão desuas técnicas e conhecimentos, con-forme já descrito em outras partesdeste dossiê:

“O que eu tenho feito é persis-

tido. Muitas meninas não queremsair [participar do samba], camenvergonhadas, e eu faço a cabeçadelas [convenço-as a participar],

porque a gente não pode deixarisso. Eu faço tudo, dou o meusangue pra não acabar essa tradição”(Dona Rita, Bom Jesus dos Pobres).

“A gente está faendo um tra-balho de conscientiação grupal, agente reúne as pessoas que faemparte do grupo para conversar so-bre o real valor do samba. A gentetambém está faendo um trabalhode preservação através de crianças,em reuniões falando sobre o que

é o samba, como surgiu o samba,a importância do samba pra nos-sa tradição, pra nossa história, arelação do samba com nossa identi-dade cultural. E aí a gente procurapreservar, porque se a gente nãoprocurar preservar ele vai mor-rer” (Alva Célia, São Francisco do

Conde).

Cabe mencionar também, comofruto dessas preocupações, a cria-

ção dos chamados sambas-mirins,grupos de crianças que faem sambade roda sob orientação de samba-dores mais velhos. Entre estes, sedestaca o que foi organiado por

Dona Dalva Damiana de Freitas nogrupo de samba de roda Suerdie-ck, na cidade de Cachoeira. Essesamba-mirim foi criado em 1984no bairro do Rosarinho e desdeentão atende a comunidade, en-

 volvendo pais e conhecidos, des-pertando-os para a importância da

continuidade do samba de roda, erecebendo crianças, em sua maio-ria, com idades entre cinco e deanos. Integrantes da família de D.Dalva são responsáveis pelo sam-ba-mirim, com responsabilidadescomplementares entre si. Sua lhaLuci, recentemente falecida, por

exemplo, desempenhava um papeldidático importante relativo ao to-que das tabuinhas e à performancecoreográca das meninas. Gilson,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 100

cARuRu de coSme e

dAmIo. foto: luIz

SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

doNA AuRINdA,

tocAdoRA de PRAto, mAR

GRANde muNIcPIo veRA

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genro de D. Dalva, orienta os me-ninos no toque dos pandeiros, tri-ângulo e reco-reco. Vários adultoshoje participantes do samba de rodaSuerdieck vieram do samba-mirim.

Boa parte dos músicos e cantores deoutros grupos de samba e de pago-de, em Cachoeira e nas redondeas,passou pelo samba-mirim de D.Dalva.

Com as ações de fortalecimen-to desenvolvidas até agora, com aimplantação gradativa da rede de

Casas do Samba e, principalmente,com a garra que os sambadores esambadeiras têm demonstrado nadefesa e preservação de sua arte, háraões para crer que o Plano de Sal-

 vaguarda ora em curso continuaráse efetivando com sucesso.

GRANde, muNIcPIo veRA 

cRuz.foto: luIz SANtoS.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 101

notas

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notas

  1. Ver, por exemplo, Sandroni, Carlos.“Questões em torno do Dossiê do Sam-ba de Roda”. In: CNFCP, MinC/Iphan.Registro e Políticas de Salvaguarda para as CulturasPopulares. Rio de Janeiro, 2005, p. 52.  2. A Diretoria eleita pelos sambado-res em 2005 é composta de: Coordena-dor Geral, Rosildo Moreira do Rosário;Coordenador Administrativo, Mário dosSantos; Coordenador Financeiro, Djalma

 Afonso Gomes; Coordenador de Comu-nicação, Edivaldo José; e Coordenador dePesquisa, Bule-Bule.  3. A associação já preparou e estáencaminhando ao Programa Nacional de

 Apoio à Cultura – Pronac, projeto para

nanciamento do equipamento do Centrode Referência do Samba de Roda, que jáconta com o apoio da Petrobras.

 

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viola de samba e samba de violano recôncavo baianoviola de samba e samba de violano recôncavo baiano

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 103

meStRe quAdRAdo, com

o mAchete, mAR GRANde,

muNIcPIo veRA cRuz.

foto: luIz SANtoS.

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apresentação

Ralph Cole Waddey, nascido emCincinatti - Ohio (EUA) em

1943, há muitos anos é pesquisadore amigo da música brasileira. Nasegunda metade dos anos 1970, eraaluno de doutorado em Etnomusi-cologia na Universidade de Austin,Texas, sob orientação do saudoso

Gerard Béhague, e tinha intençãode escrever uma tese sobre a mú-sica da capoeira. Quando chegouem Salvador para seu período de

pesquisa de campo, no entan-to, acabou conhecendo um tipode samba sobre o qual não existiaentão literatura especíca, e que ofascinou, levando-o a redirecionaro tema de suas pesquisas: o sam-ba de viola ou samba chula. Ralphnão concluiu seu doutorado, masescreveu dois artigos fundamentaissobre o assunto ora aqui republi-cados (Waddey, 1980 e 1981), alémde ter reunido vasto acervo sobre amúsica tradicional do Recôncavo,

incluindo gravações, exemplaresde instrumentos e documentaçãoassociada. Junto com o acervo deTiago de Oliveira Pinto, que tam-bém realiou importantes pesquisassobre o samba de roda nos anos1980 e 1990, conforme citado commais detalhes neste dossiê, o acervo

de Ralph é uma das mais impor-tantes coleções etnográcas sobre oassunto hoje existentes.

Em 1993, quando eu próprio

preparava meu doutorado so-bre samba carioca, estive na casade Ralph nos Estados Unidos.Ele presenteou-me com uma tacassete que guardo ciumentamen-te até hoje, contendo trechos dasgravações que era no Recôncavo,incluindo maravilhosos toques demachete, totalmente diferentes doque eu já ouvira até então em violasbrasileiras. No primeiro semestrede 2004, na ocasião das discussõesocorridas no Ministério da Cultu-

ra e no Iphan sobre a candidaturabrasileira à Terceira Proclamaçãodas Obras-Primas do PatrimônioOral e Imaterial da Humanidade daUnesco, penso que não foi pequenoo papel desempenhado pela escutadestas gravações, em uma reuniãonão isenta de emoção, na escolha

nal do samba de roda como nossocandidato.Mais do que por seu pionei-

rismo e importância histórica, a

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 104

viola de sambae samba de viola

mAchete. foto: JeAN

 JAulbeRt.

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inclusão dos artigos de Ralph Cole Waddey na publicação deste dossiêse justica pela qualidade de suaetnograa e por sua atualidade.Quando viajei pelo Recôncavo coma equipe que trabalhou na pesquisaaqui apresentada tive aquela sensa-ção, às vees descrita por pesquisa-dores de campo, como de familia-ridade via literatura. Muito do queestava vendo então pela primeira

 ve, já podia reconhecer ou prever,graças às minuciosas descrições de

Ralph, que havia lido em inglêsnuma revista norte-americana, eque agora se tornam acessíveis a umpúblico mais amplo, como há mui-to merece a cultura brasileira.

cars Sanrni Professor-Adjunto de Etnomusicologia

da Universidade Federal de Pernambuco

no recôncavobaiano1

Não é raro ouvir na Bahia, comome disse um amigo, que “sam-

ba é apenas coisa que neguinho faem esquina de rua”. Esta observaçãonão causaria surpresa se partisse dealguém do círculo, bastante am-plo, para quem toda a arte popularbaiana é primitiva, pagã e selvagem.

Mas neste caso teve origem numbaiano que se autoclassicava comomulato, com curso superior, pro-ssional liberal, e que se considera

defensor da purea e do valor dassuas tradições de rai africana. Opressuposto é que somente o sambamerece tal despreo: que é despro-

 vido de arte por ser tão simples,que não exige nem aprendiagemespecial nem talento para a sua exe-cução, e que é tão sem importânciaperante quem o cultiva, que podeser feito em qualquer ocasião oulugar. Nada mais longe da verdade.Pois, conforme insistia em dier“Cobrinha Verde”,2 “samba é coisa

séria”.O conceito de “samba” é tão vasto e profundo na música e na vida brasileiras que praticamentedesaa denição. É um gênero(musical e coreográco), um acon-tecimento e um grupo de pessoas.Como gênero, freqüentemente não

se distingue de outros, a não serpela região e pelos nomes que aírecebe, como os “cocos” do ser-tão da Bahia3 e outras áreas mais

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 105

1 VIOLA DE SAMBA

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ao Norte. O samba a que Cobri-nha Verde se refere é o “samba de

 viola”. “Samba de viola”, “sambade chula”, “samba de parada”,“samba de partido alto”, “sambasant’amarense”, “samba amarra-do”, todos se referem a um mesmofenômeno: variam as denominaçõesconforme diferentes aspectos queapresenta. Na realidade, é o texto, a“chula”, que formalmente dissociade outros este tipo de samba, mas éa viola, sua presença na execução do

gênero e seu signicado no evento,que mais o caracteriam aos olhosdos seus participantes.

A primeira parte deste ensaio édedicada ao instrumento, na formade que se reveste no Recôncavo.

 A segunda examinará o samba doRecôncavo segundo as suas várias

denominações, e como gênero,acontecimento e grupo de pessoas.4 

1. VIOLA DE SAMBA

VIOLAA forma e a construção da viola

brasileira são aproximadamente asdo violão. Suas dimensões, depen-dendo da região e do uso, variam:podem ser as mesmas desse últimoinstrumento, ou consideravelmentemenores. Seu braço tem trastos,e, na execução, pode ser ponteadaou “rasgada” com palheta ou comos dedos. O que, de maneira dignade nota, distingue a viola do vio-lão e lhe determina em boa parte a

sonoridade, bem como a técnica, éser instrumento de encordoamentoem ordens duplas, tendo de oito adoe cordas (mais freqüentementede), anadas em pares de oita-

 vas e uníssonos. Este instrumentopopular ainda é, embora rara-mente, feito por artesãos. A viola

industrialiada, fabricada em SãoPaulo, e por isso chamada pelos violeiros do Recôncavo de “violapaulista”, hoje predomina inclusive

em regiões onde os estilos musicaisexigem, idealmente, uma formadiferente do instrumento. Este éo caso do Recôncavo baiano, ondeestá desaparecendo não somente aarte de fabricar a viola, como o usoaté mesmo da viola industrialiada(que cede lugar ao violão e mesmo àguitarra).

Aqueles que, no Recôncavo, de-têm a arte e ciência da viola são deparecer que é o “primeiro dos ins-trumentos”. É duplo esse primado.

 A viola é o primeiro no sentido deadmitir-se ser o mais antigo. Comefeito, sabemos pelo menos que uminstrumento denominado “viola”está há muito tempo no Brasil. O

 jesuíta José de Anchieta escreveu,no século XVI, que os meninosíndios “faem as suas danças à por-

tuguesa, com tamboris e violas”.5

 Esta antigüidade, ao lado da asso-ciação com os primeiros senhoresportugueses, contribui por si para

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 106

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o segundo sentido do primado: osentir-se que é o primeiro dentre osinstrumentos. Arma-se ser o maisnobre e histórico, o mais brasileiroe, ao mesmo tempo, o mais euro-peu.

Em duas regiões brasileiras, amúsica da viola encontrou apre-ciável número de cultivadores naindústria de discos. A viola é oponto de apoio do acompanhamen-to da “música caipira”, cujo centroé o Estado de São Paulo, tendo se

industrialiado principalmente emfunção desse mercado. Visto serSão Paulo a metrópole fabril, alié também fabricada, prevalecen-do, pois, em todo o país, a “violapaulista”. No nordeste brasileiro, a“viola repentista” é a companheiranecessária do cantor de “repentes”

e “desaos” improvisados. O acom-panhamento de violas nos estiloscaipira e repentista é musicalmentebastante secundário, proporcio-

nando breves e simples interlúdiosde solos, que, no caso do “repen-te”, proporcionam ao cantador umrápido momento para pensar nopróximo improviso.

Na Bahia, tanto no sertão como,de maneira particular, no Recôn-cavo, a viola acompanha a dança eo canto. O violeiro não só forneceum fundo rítmico aos que dançam,como é encorajado a desaá-los aacompanhar com os pés a destrearítmica dos dedos do executante.

Um “toque” (breve padrão harmô-nico, melódico e rítmico) básico éconstantemente repetido, mas hádentro desse padrão uma urdiduraem ornamentação e ritmo de con-siderável complexidade. O conjun-to instrumental consiste de várias

 violas (de tamanhos diferentes, ou,

se do mesmo tamanho, anadasdiferentemente, ou ainda, se ana-das da mesma maneira, executandotoques diferentes), eventualmente

de outros instrumentos de cordas(como o violão e o cavaquinho) einstrumentos de percussão (ten-do como centro o pandeiro). A exatidão é essencial na complexainteração entre as violas, os outrosinstrumentos e quem dança oucanta. Este complexo e preciso rela-cionamento, mais a necessidade deuma conveniente e bem-estrutura-da variedade musical, caracteriadospela maneira de combinar violas dediferentes tamanhos, anações e

toques, proporciona um verdadeiroideal de conjunto que funciona naprática e se articula na teoria tradi-cional oral, parte dela aforismática,parte racional. Efetivamente, pou-cas coisas podem ser mais típicas dacomplexidade do Recôncavo baiano- arcaico, místico, tradicional, em

rápida mudança e de extraordináriaheterogeneidade - do que a viola esua música, e os usos e signicaçõesde ambas.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 107

Seu zé de lelINhA e Seu

mAchete. foto: luIz

SANtoS.

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VIOLA NO RECÔNCAVOQuase todos os aspectos da viola

do Recôncavo comportam duasespécies de explicações e descri-ções: uma natural, a outra sobre-natural; uma mundana, a outraextraterrena, mística e mítica. Oprimado que, entre os instrumen-tos, lhe atribuem os músicos po-pulares, pode ser explicado pelosseus poderes não musicais (as forçasque se di possuir) e pela vincula-ção, na mente dos que ainda usam

o instrumento, com os primeiroscoloniadores e senhores do Brasil.É, ademais, o instrumento popularmais inacessível, e por conseguinteo primeiro e mais elevado, tanto doponto de vista musical - pelas di-culdades em dominá-lo - como doângulo econômico, devido ao custo

da técnica, dos materiais e ferra-mentas necessários à sua feitura.Um único fabricante de violas

me foi possível localiar em 1976

ainda ativo na Bahia: Clarindo dosSantos, nascido em 1922 (falecidoem 1o de deembro de 1980), rocei-ro, residente a cerca de 75 quilô-metros de Salvador, perto da cidadede Santo Amaro da Puricação, ca-pital da antiga economia açucareira,onde era conhecido como “Cla-rindo da Viola” e expunha à vendaos seus instrumentos na barraca deum amigo no mercado municipal,quando não tinha encomendas deinstrumentos especiais. Os seus

eram largamente usados e aprecia-dos pelos violeiros que encontreiem Salvador, nos sambas do bairrodo Alto da Santa Cru, muitos decujos residentes (alguns dos quais

 violeiros) provinham de Santo Amaro. Veriquei que os instru-mentos de Clarindo eram usados

e tinham preferência em Santo Amaro e em volta, assim como emCachoeira. Suspeitava haver loca-liado unicamente o Clarindo em

 virtude de morar nas proximidadesde Salvador e que, mais no interiordo Estado, poderia deparar-mecom outros artesãos, pelo menosem meia atividade. A nenhum ou-tro encontrei pessoalmente: ape-nas, aqui e ali, um nome vagamentelembrado; ninguém, contudo, queainda trabalhasse em violas. Aquelesque ainda tocavam o instrumentousavam os antigos, feitos à mão, jácheios de remendos, ou a “violapaulista” industrialiada. Os arte-

sanais eram bem semelhantes aos deClarindo, com variações menoresno tamanho e na madeira usada,de acordo com as disponibilidadeslocais. Viajei permanentementecom duas das violas de Clarindo,fosse para usá-las eu mesmo, casoencontrasse um mestre desejoso de

ensinar-me qualquer coisa, fossepara xar em gravação a arte de al-gum violeiro que não dispusesse deinstrumento. Jamais afastei-me de

 

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uma localidade sem que me rogas-sem deixar as criações de Clarindocom os violeiros locais, e em certaoportunidade invocou-se mesmo,em defesa do pedido, uma chulatradicional, “ou me venda ou medá” (o que aconteceu ao m de umasessão de gravação). Sinto-me, porconseguinte, à vontade para usar as

 violas de Clarindo como modelosde descrição.

Clarindo faia violas para os violeiros do Recôncavo de prefe-

rência em dois tamanhos: o “ma-chete” e a “três-quartos”, usadaslado a lado no conjunto tradicionalde samba, por vees acompanha-das também do cavaquinho e do

 violão moderno, que a tenda deClarindo podia igualmente pro-duir. O “machete” (nome ao que

parece oriundo da Ilha da Madeira)tem de comprimento cerca de 76centímetros, com o bojo superiorde aproximadamente 17 cm em

diâmetro, o inferior de cerca de 22cm, e a cintura de mais ou menos12 cm. A viola de “três-quartos”tem o comprimento de 89,5 cm, obojo superior de 20 cm, o inferiorde 29,5 cm, e a cintura de 15 cm. A altura da caixa de ressonância, tantodo machete como da três-quartos,é de cerca de 6 cm. A regra do ma-chete tem o comprimento de cercade 18 cm, e a da três-quartos, cercade 23 cm, dividida por de trastosde brone ou de cobre, espaçados

de modo que produam intervalos, grosso modo, de segundas menores.Instrumentos de ambos os tama-nhos podem ter outros trastos demadeira de lei ou de metal encrava-dos na face da caixa de ressonância,apenas nas duas ordens mais agu-das, a “prima” e a “segunda”.

Uma denominação coletivaem curso no Recôncavo para essesinstrumentos é “viola de de cor-das”. O machete, assim como a

três-quartos, possui de cordas demetal em cinco pares. A posiçãopara a execução da viola é seme-lhante à do violão, e o instrumen-to é encordoado de tal maneiraque as ordens mais agudas estãomais perto do colo do músico queas mais graves. As três primeirasordens, mais agudas, são de os deaço nu anados em uníssono. Asmais graves são anadas em oitavas,com uma corda revestida e a outra,a “requinta”, sem revestimento.6 

 A “requinta” do quarto par é de odo mesmo diâmetro das cordas doterceiro par. As requintas dos doispares mais graves são dispostas detal maneira que, com o instrumen-to na posição de tocar, estão maisdistantes do colo do músico do queas suas correspondentes uma oitava

mais baixa.Hoje em dia, a caixa de resso-nância é com mais freqüência feitade pinho, embora se usem o cedro

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 10

detAlhe dA mo

eSqueRdA No mAchete.

foto: JeAN JAulbeRt.

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e o jacarandá no fundo e nos lados,quando as condições, sobretudoas nanceiras, assim permitem.

 A regra ainda é amiúde de jaca-randá, como são as de “craveiras”(cravelhas) de anação, o cavaletee (de jacarandá e piaçaba) o relevoornamental na forma de losangos(às vees em rosas, com talos deo de piaçaba) que acompanha oscontornos da borda exterior da facee circunda a abertura da mesma,de aproximadamente 6,5 cm dediâmetro. Os trastos são de broneou de cobre, estes últimos me-nos dispendiosos e mais comuns.Conquanto a ação das cordas de açomais agudas - extremamente nas-, ao cortarem os trastos e nelesdeixarem incisões, exija a freqüen-te substituição destes, isto serve de

ocasião ao proprietário da violapara temperar em seu instrumentoas idiossincrasias e imperfeições daregra, as tensões internas e o mate-

rial, de acordo com o seu “toque”e gosto. O processo se denomina“surrar a viola”, no sentido de cas-tigá-la ou de domá-la para adquiriro desempenho desejado.

Podem negá-lo os músicos quese servem de palheta, mas o usoexclusivo dos dedos é geralmentemais apreciado. A palheta é segurapelo polegar e o indicador, limi-tando assim o executante a rasgarou a dedilhar uma única nota decada ve, o que resulta num padrãointerrompido, às vees de notá-

 vel habilidade e muito próprio àtextura do conjunto, um tantosemelhante à harpa. Todavia, quemse utilia do indicador e do polegarpode conseguir o efeito da palheta- “catando” a melodia - com a unhacrescida desse dedo (ou mesmo com

a espécie de palheta que se prendeno indicador) enquanto mantém opulso rítmico do toque - a “mar-cação” - com o polegar (também

de unha crescida, ou às vees com adedeira). O violeiro fa seus to-ques essencialmente em torno depadrões de acordes formados namão esquerda, ponteando somentecom o indicador nos três pares decordas mais agudos e o polegar nosdois mais graves. Nunca vi na Bahia

 violeiro que ponteie com três oumesmo dois dedos.

Foi empiricamente que Cla-rindo aprendeu a faer violas.Contou-me que, depois que o seuantigo fornecedor de instrumentosconverteu-se em “crente”, abju-rando assim a música, e especial-mente a viola e tudo o que signica,Clarindo decidiu que era capa dereproduir um instrumento que-brado que possuía. Não negava asimperfeições da sua primeira obra.

Os lados de suas violas são arquea-dos ao redor de uma sólida formade jacarandá (que Clarindo herdoudo seu amigo renascido na religião,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 110

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 juntamente com algumas relutantesinstruções sobre o seu emprego)e colados sob pressão. Enquantoa viola se arma e adquire forma(na realidade, em todas as fases deconstrução, enquanto o instru-mento não se acha sicamente nasmãos do construtor), põe-se umramo de arruda para afastar o “mauolhado”, que, deitado durante otempo vulnerável de gestação, antesdo acabamento e de receber nome,pode signicar que nunca virá “aprestar”. Ganha assim personalida-de e, supõe-se, defesas pessoais.

O proprietário do instrumentodá-lhe o nome. A viola favorita deClarindo se chamava “Princesa Ma-rinalva”. Outro violeiro de Santo

 Amaro recordou-se com saudadesda sua viola “Moça Velha Branca”

que tinha vendido quando, uns deanos antes, atravessava tempos difí-ceis. A que possuía em 1977, quan-do foi feita a entrevista, chamava-se

“Dengosa”. Meu mestre em Salva-dor, Antônio Moura da Silva, nas-cido em Santo Amaro e conhecidono bairro do Alto da Santa Crucomo “Candeá”, denominou “Me-nina Linda” o machete que Clarin-do fe para ele. Inscreveu o nomena face da viola para complementaros fragmentos de espelhos e as tasdo Nosso Senhor do Bonm queacrescentou aos relevos de jacaran-dá, de autoria de Clarindo, a mde embelear a sua Menina Linda.Quando contei a este que haviadado o nome de “Prima Julieta” àtrês-quartos que me preparara, dis-se-me que já lhe havia dado o nomede “Venância”, ajuntando, contu-do, “Prima Julieta cai bem” e queeu tinha liberdade para continuarcom o novo nome. No Recôncavo,

a viola é efetivamente mulher, e assuas qualidades e formas femininassão realçadas pela ornamentação eo nome que o dono lhe dá. A viola

deve ser seduida pelo executante etornar-se sedutora em suas mãos.

Nem mesmo a Virgem Mariaestá imune aos poderes da viola.Ouve-se dier na Bahia que a “pri-ma” da viola (a ordem de cordas deanação mais aguda) é ao mesmotempo abençoada e maldita. Nosertão do estado, arma-se que a

 viola recebe os favores da VirgemMaria porque é o instrumento maisapropriado para o seu ofício. Mas,no Recôncavo, se di que a primafoi excomungada porque NossaSenhora não pôde resistir ao seuchamado, e uma noite desceu doaltar para sapatear ao som da viola.

História semelhante se contade Cristo. Este teria sido obrigadoa sair em busca de São João e SãoPedro, que, despachados em missão

terrena, terminaram envolvendo-senum samba de viola, desviando-seassim do objetivo. Tendo nal-mente reencontrado os discípulos,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 111

Seu NININho e doNA 

mARIA AuGuStA,

tRAdIcIoNAIS

SAmbAdoReS de So bRAz,

muNIcPIo SANto AmARo

dA PuRIfIcAço. foto:

luIz SANtoS.

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o próprio Cristo tampouco resistiu,e, antes de seguir caminho, deualguns passos ao som da viola.

Os violeiros pesam cuidadosa-mente as conseqüências de tocaros seus instrumentos em certoslugares, ocasiões e anações. Nasorestas, especialmente se anadaem rio-abaixo e manejada entrea meia-noite e as seis da manhã,a viola atrai “bichos do chão”, os“encantes” da oresta (os caboclos)7 e, o que lhe seja talve mais caracte-rístico, “o Homem”, isto é, Sata-nás.

Pode-se aprender a arte da viola de maneira natural, através delongos anos de audição, imitação eemulação, ou de maneira sobrena-tural, por meio de um pacto com oDemônio. A predileção deste pela

anação em rio-abaixo é explicadapelos violeiros como resultado dosmágicos poderes de atração daquelaforma de anar, e também como

conseqüência perfeitamente naturalde certas facetas de execução implí-citas nas relações de intervalos entreas cordas livres.

A anação rio-abaixo (chama-da “guitarra boiadeira” no sertão)proporciona consonância em todosos cinco pares livres. Entre a quintaparelha (a mais grave) e a quarta, háo intervalo de uma quinta perfeita;entre o quarto e o terceiro pares,uma quarta perfeita; entre o tercei-ro e o segundo, uma terça maior;e entre o “segundo” e a “prima”excomungada, uma terça menor.O resultado é uma tríade maiorformada nos três pares agudos coma fundamental dobrada uma oi-tava mais baixa e em uníssono nasduas cordas do quinto par e o seuquinto grau similarmente dobrado

no quarto par. (Ver Exemplo 1, napágina 142.)“Candeá” diia com desdém

que qualquer um pode tocar viola

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 112

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em rio-abaixo; tudo o que se tem afaer é “passar o dedo, e qualqueroreio dá certo”. Mostrava que oinstrumento pode ser tocado emrio-abaixo dispensando a mão es-querda; demonstrava como o diaboseduiu “a lha do Barão” duran-te um samba, ao tocar um padrãosimples que usa as cordas livres, otempo suciente para desobrigar amão esquerda e possibilitar-lhe fa-er sinais à moça, no sentido de quese preparasse para acompanhá-lo nafuga “rio-abaixo”. Somente a moçacompreendeu os sinais; seus pais secongratulavam por terem encon-trado um violeiro tão talentoso quepodia tocar com uma única mão.Foi evidentemente a consonânciaentre as cordas livres que permitiuà mão do violeiro/Satanás os gestos

não-musicais. O encantamento daanação, que, tratado pelo violeiroapropriado, pode mesmo chamaros espíritos das orestas, induiu

a moça a segui-lo. Suspeita-se queo violeiro humano tem poderesde sedução aparentados com os doDiabo, e os violeiros têm consciên-cia da sensibilidade dos seus instru-mentos.

Visto que todos os intervalosentre as cordas livres em rio-abaixosão acusticamente puros, a sonori-dade do instrumento é efetivamentebastante ressonante e penetrantenessa anação. A maioria dos

 violeiros, todavia, limita-se a tocarem apenas uma tonalidade em rio-abaixo, outra raão para o despreoem que o têm alguns executantes.

A anação “travessa”, como a“rio-abaixo”, forma uma tríademaior nas três ordens mais agudas,mas o quarto par é um tom inteiromais grave do que o do rio abai-

xo, invertendo-se assim a posiçãodo pentacorde e do tetracorde naoitava entre o terceiro e o quintopares; entre o terceiro e o quar-

to pares, há uma quinta perfeita;entre o quarto e o quinto, umaquarta perfeita. (Ver Exemplo 1.)Esta anação toma o seu nome douso de uma meia-pestana sobre ostrês pares mais agudos, no quintotrasto, como centro da formaçãoda mão esquerda, “atravessando”assim a viola e criando uma tríademaior cuja fundamental é dobradano quarto par. Essa tríade forma nocaso o acorde de tônica, do mes-mo modo que, em rio-abaixo, atríade tônica é formada pelos trêsprimeiros pares livres. O acorde dedominante é facilmente produido(na sua segunda inversão) nos trêspares mais agudos desta meia-pes-tana do quinto trasto, apertando-seo primeiro par no sétimo trastocom o dedo anular, e o segundo

par no sexto trasto com o médio.O indicador permanece no quintotrasto do primeiro par. A quinta doacorde subdominante já está pre-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 113

detAlhe do mAchete.

foto: JeAN JAulbeRt.

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sente também no quarto par livre.O acorde dominante está presentena sua posição fundamental nos trêspares mais agudos em aberto, com asua fundamental dobrada no quintopar. O violeiro remove o indica-

dor do quinto trasto para passarda tônica à dominante. Embora amaioria dos violeiros se limitem aapenas uma tonalidade na travessa,recursos consideráveis de ornamen-tação melódica e de complexidaderítmica derivam-se desta estruturatão simples. Um sinal de domínioda viola (embora mais característicodo sertão) é o domínio do toque“iúna”,8 que é executado somenteem travessa. Uma das combinaçõesideais do conjunto de violas parao samba tradicional emprega umamachete em travessa para preencher

o registro mais alto.No samba de viola de Santo Amaro e imediações (e, em Salva-dor, no estilo “sant’amarense”),

tanto os violeiros como os canta-dores gostam ocasionalmente demudar de tonalidade, seja para aco-modar os seus diferentes âmbitos de

 voes, seja para usufruir a satisfaçãoestética que uma mudança de to-

nalidade proporciona. A mudançanão somente altera a altura real damúsica, como também cada tona-lidade tem implicações própriasde ritmo, andamento e textura. A anação mais apreciada em San-to Amaro, chamada “natural”, é amesma do violão moderno, sem asua corda mais grave, a sexta (e sempensar em alturas absolutas). Nessaanação, o violeiro consegue tocarem certo número de tonalidades.O termo “natural” é usado tantono sentido de “correto” como de“nativo”. Esta anação é, por con-

seguinte, originária e peculiar deSanto Amaro, mas também a maiscorreta e apropriada, porque mais

 versátil e erudita que as outras. A 

terminologia a ela associada, que éo vocabulário básico da teoria mu-sical européia adaptado às práticas ecategorias musicais locais, permiteaos músicos organiar verbalmen-te o conjunto e sua apresentação.

Suponho que foi introduida pormestres de música europeus queensinaram em Santo Amaro noséculo XIX, e que depois veio a serabsorvida pela população local, namedida em que cada elemento setornou necessário para uma músi-ca realmente baiana - isto é, ondeelementos europeus e africanoscombinaram-se numa forma local.

As relações tonais e a termino-logia a ela associadas penetraramnesta teoria musical popular demaneira singular. Os acordes seformam na viola anada em natural

em posições que seriam familiaresà maioria dos tocadores de violãoe as suas fundamentais são deno-minadas segundos. Executar numa

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 114

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tonalidade e denominá-la pela suatônica é comum entre os violeirosque tocam em natural. Ré maior éo tom mais comum para o samba,principalmente porque, na alturareal em que as violas estão anadas,

o âmbito vocal é confortável paraa maioria dos cantadores. Existemos conceitos de maior e menor, ese reconhece que só as tonalidadesmaiores são apropriadas ao sam-ba. Em “Ré maior”, a “primeiraparte” é um acorde de Ré maior;a “segunda parte” é um acorde deLá maior com sétima, a que não sechama “dominante”, mas se admite“quase igual à primeira parte de Lámaior”, demonstrando-se assim oreconhecimento das proximida-des tonais: vê-se que a dominantede um tom está relacionada com a

tônica de outro.Nesta teoria musical popular,tonalidade não é apenas a identi-cação de uma tônica e suas relações

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 115

Seu zé de lelINhA. foto:

luIz SANtoS.

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harmônicas. Indica também a posi-ção ao longo da regra (ou braço) da

 viola onde o acorde é formado. “Rémaior grande” compõe-se ape-nas nas quatro ordens mais gravese toca-se usando um padrão que

percorre a quarta e a quinta ordens.“Ré maior pequeno”, demonstradono Exemplo 2, é talve o mais comumde todos os “tons” da viola parasamba. “Ré maior sustenido” não éum acorde maior com a fundamen-tal de Ré sustenido, como seria nateoria musical convencional euro-péia. É, sim, um acorde cuja fun-damental é Ré, mas formado numaposição mais adiante na regra da

 viola; vale dier, o acorde soa maisagudo. O violeiro diria que esteacorde é “mais embaixo”, referên-cia à maneira como o instrumento

é empunhado: os sons mais agudosda viola encontram-se mais pertodo chão (em termos espaciais, maisbaixos), da mesma forma como

foram representados em algunssistemas renascentistas de tablaturapara o alaúde. “Ré maior sustenidobemol” é Ré maior numa quartaposição, ainda mais aguda, ou seja“mais embaixo”. O “Sustenido de

Lá maior” é conhecido por umnome especial, “samango”, palavrade provável origem banto, que sig-nica “preguiçoso” ou “indolente”.

A tonalidade e as posições ondeas “partes” se formam têm impli-cações de ritmo e andamento bemdenidas, no sentido de que cadauma é tocada de determinada ma-neira ou conforme certo padrão.Cada tonalidade ou posição, pois,é virtualmente um toque. Essespadrões são ditados ao menos emparte pelas características inerentesàs próprias formações: a mão pode

faer certas coisas mais facilmenteem determinadas posições do queem outras. Complementa a ma-neira de formar os acordes na mão

esquerda o tratamento rítmico damão direita (“marcação”) especí-co de cada um. O resultado é quecada tom se identica não somenteatravés da sua altura em relação aoutros tons, como também pela

maneira distinta de ser executado.“Lá maior”, por exemplo, dá a sen-sação de uma breve passagem pelasua subdominante, remanescentedo son jarocho mexicano e do son mon-tuno cubano (suponho que não sejasimples coincidência), o que nãoacontece em “Ré maior” (Exemplo 2).

 Além disso, cada violeiro tem o seupróprio padrão melódico e rítmi-co básico, com a sua ornamenta-ção, para a execução de cada tom.“Toque”, por conseguinte, é umaforma de composição para o reper-tório da viola: é a célula através da

qual o violeiro individual introduo seu próprio material no sistemamusical e a sua própria música naexecução.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 116

SAmbA SuSPIRo do

IGuAPe, em SANtIAGo

do IGuAPe, cAchoeIRA.

foto: luIz SANtoS.

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Essas noções teóricas são im-portantes, principalmente naformação apropriada do conjuntode violas, ou seja, um conjunto deinstrumentos de diferentes tama-nhos, anados diferentemente uns

em relação aos outros e tocadosdiferentemente uns dos outros. A maioria dos violeiros concordamem que um conjunto de samba commuitas violas resulta, na palavra decerto informante, em verdadeira“bagunça”, basicamente por duasraões: primeiro, num grupo ex-cessivamente numeroso, os músicostendem a não se acostumar às regrasde conjunto; em segundo lugar,instrumentos em demasia inevi-tavelmente tumultuam a sutileae a nitide do ideal sonoro de umagrupamento de violas. A com-

binação a que se dá preferência,no estilo de Santo Amaro, é umamachete anada em natural e umatrês-quartos, também em natural,

mas anada uma quarta ou umaquinta mais grave. (Ver Exemplo 1.)O executante da viola maior ana asua “prima”, posta uma quarta maisgrave, em uníssono com a “segun-da” da machete. Para anar uma

quinta mais grave, o instrumentomaior ana a sua “segunda” umaoitava mais grave do que a “prima”do instrumento menor.

Anadas em “natural”, emqualquer altura, as “primas” tan-to do instrumento menor comodo maior são chamadas “Mi”. A “segunda” é sempre “Si”, a tercei-ra ordem “Sol”, a quarta “Ré” e aquinta “Lá”. Conseqüentemente,com a sua “segunda” anada emuníssono com a prima do mache-te, o tocador da três-quartos devetocar a sua terceira, a que chama

“Sol”, quando a última fa soar asua quarta ordem, chamada “Ré”.Quando a machete toca em “Rémaior”, cabe à três-quartos tocar

em seu “Sol maior”. Quando otocador da machete, que funcio-na como viola-guia, murmura aosouvidos do tocador da três-quartosque se senta ao seu lado, “Sambaem Lá”, cumpre ao último perceber

logo que vai tocar em “Ré”. Se nãoperceber, o violeiro-guia lhe infor-ma. É a tonalidade do machete que

 verbalmente dene a tonalidade doconjunto em qualquer ocasião, e,uma ve que cada tonalidade tem assuas facetas de estilo, é o estilo datonalidade do machete que predo-mina. Os cantadores (que podemser ou não os próprios violeiros)são livres para pedir determinadotom. “Lá maior”, por exemplo,exige que os cantadores cantem emâmbito extremamente agudo (usan-do o falsete), ou em outro muito

grave. Tende a ser mais langorosoque outras tonalidades, executan-do-se em andamento mais lento.Os cantadores devem sustentar, por

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 117

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períodos maiores, difíceis alturas deinexão lamuriosa, particularmentenos nais de frases.

Quando um segundo macheteintegra o conjunto, seja na au-sência de uma viola três-quartos,

seja como terceiro componente dogrupo, é recomendável que o seutocador a ane em “travessa”. Seé dos que preferem tocar somen-te em “natural”, provavelmentedeverá (ana o seu instrumento emuníssono com a machete do compa-nheiro) optar por uma execução em“sustenido”, ou em “sustenido-be-mol”. Se resolvesse ignorar as con-siderações de textura que o tocarem outra posição procura cumprir,o violeiro-guia provavelmentesugeriria que o primeiro tocasse emdeterminada posição tonal. Con-tinuar ignorando a sugestão nãolevaria à outra coerção que um darde ombros, um balançar de cabeçade brando desgosto, e um discreto

anular-se de tocar do violeiro-guia. A machete em “travessa” (que domesmo modo deve atingir texturaapropriada no registro mais alto)ana a sua “prima”, sua quarta esua quinta ordens em uníssono com

aqueles mesmos pares da macheteem “natural”, com as duas outrasordens ajustadas de modo queofereçam intervalos apropriadosà anação. O músico continuaráa chamar a quarta e a quinta or-dens respectivamente “Ré” e “Lá”e reconhece que só pode acompa-nhar com facilidade a machete em“natural” se a última tocar em “Ré”.Tal como um violeiro me declarou,“em travessa não se fala em tonali-dade”.

A percussão do conjunto apro-priado para o samba consiste de umou dois pandeiros (talve três, casoos tocadores sejam bastante cuida-dosos para tocar no mesmo estilo enão “esmagar” as voes e as violas),

ocasionalmente um pequeno tam-bor de tamanho variável, e prato-e-faca (de preferência esmaltado, equanto mais arrebentado melhor).Qualquer dos componentes doconjunto pode gurar também

entre os cantadores, que cantamaos pares, principalmente em terçasparalelas. Ocasionalmente, em-bora seja raro, um dos cantadoresnão fará parte do conjunto instru-mental. No decorrer de uma típicanoite de samba, os músicos poderãosair do conjunto e a ele retornar,mudando a sua função musicalinterna, numa constante recompo-sição do grupo que faculta varieda-de estilística e a resistência física aosamba “de valor”, o qual “só acabaquando o dia arraiar”.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 118

2. samba de viola

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Tem-se dito do samba que équase tudo, do sublime ao ri-

dículo.9 Este estudo toma a defesade algo mais próximo do primeiroponto de vista, pois, longe de serum passatempo de esquina, o samba

pode ser uma arte complexa, bemcomo parte de atos e eventos reli-giosos.

Na primeira parte deste estudo,examinaram-se várias propriedadesfísicas, musicais e simbólicas da

 viola brasileira no Recôncavo, oinstrumento musical que dá a umgênero de samba o mais comum dosseus nomes: “samba de viola.” Osoutros nomes - “samba de chula”(ou “samba chulado”) [Nota darevisão: na pesquisa de 2004, en-contramos mais a expressão “sambachula”], “samba de parada”, “sam-ba santo-amarense”, “samba departido alto”, “samba amarrado”- identicam o mesmo gênero pordiferentes aspectos, e realmente,

tomados em conjunto, esses nomesproporcionam uma denição com-pleta do gênero.

A compreensão do signicadocompleto desse tipo de samba exigetambém a sua apreciação como

ocasião, como evento ritual, que éparte integrante das mais impor-tantes festas da religião domésticada família, num quase inseparávelsistema de crenças herdado da Áfri-ca e do catolicismo popular, nota-damente nas pequenas localidadese nas áreas rurais circunviinhas doRecôncavo. Um samba é o eventoque se desenrola através da execu-ção do gênero musical do mesmonome.

Finalmente, “samba” assumeum sentido de identidade de grupoque discrimina os indivíduos com-petentes para participar do evento epara execução do gênero de manei-ra correta.

Muito do que se tem escrito so-

bre o samba, concentrando-se emargumentos a respeito da etimolo-gia da palavra e numa polêmica so-bre se o samba se originou na Bahiaou no Rio de Janeiro, obscureceo passado e ignora o presente. O

primeiro destes argumentos pare-ce preocupado com uma remotafonte africana do samba e o outrocom uma distante fonte brasileira.

 Ambas as atitudes são grandementededutivas e ignoram o comporta-mento humano que os seus par-ticipantes denominam “samba”.10 

 Ambas evidenciam uma tentativade encontrar um passado para osamba com pouco conhecimento deseu presente. Neste ensaio, enm,convém procurar-se ores antes deraíes.

O propósito deste estudo não ébuscar uma denição geral de sam-ba: o assunto é vasto e tenho comi-go que irrelevante. O objetivo aquiem jogo é lançar a vista sobre uma

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 11

doNA fIA com PRAto-e-

fAcA, do SAmbA de RodA 

de PIRAJuA. foto: luIz

SANtoS.

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forma especíca de comportamen-to artístico que os seus executantesdenominam “samba” (com os seus

 já mencionados qualicativos) epor esse meio contribuir para umanoção válida de pelo menos um dos

gêneros em que cabe aquele termo,do qual se tem abusado bastante. A orientação que seguiremos é em-pírica: é resultado de trabalho e deobservações de campo; as fontes se-cundárias têm uma posição de fatosecundária.

O GÊNEROO que se segue deverá servir de

texto básico. É o sumário do mí-nimo dos eventos que constituemo gênero. Esta célula de execução(que, na terminologia de músi-

ca e dança, poderia chamar-sede “peça”) ajudará a esclarecer os

 vários nomes que o gênero recebe.Uma seqüência de tais células, e amaneira como são concatenadas am de produir a seqüência, gerama estrutura e a dinâmica do gênero.

Pressupõe-se um conjuntomusical mínimo e ideal do tipodescrito na primeira parte do pre-sente estudo: uma viola “machete”anada em “natural” e tocando em“Ré maior pequeno”, uma viola“três-quartos” anada em “natu-ral” e tocando em “Lá maior”, umpandeiro11, e um prato-e-faca. A 

 viola principal (a viola machete, viola-guia) toca o padrão de “Rémaior” (demonstrado no Exemplo 2)

uma ou duas vees, praticamentesem metro, a m de xar a tonali-dade, permitindo assim aos outros

 violeiros que estabeleçam as suas.O toque das violas adquire metrode forma gradativa, dentro, apro-

ximadamente, dos quatro próximoscompassos, e os instrumentos depercussão entram a seu própriocritério, tocando o pandeiro maisou menos conforme o padrão dadono Exemplo 3.

Mantém-se o prato na palmaaberta de uma mão, como se fosseum pastelão que o tocador estivesseprestes a lançar no próprio rosto.

 Arranha-se a faca na borda do pra-to da maneira vista no Exemplo 4.

São as palmas dos demaispresentes uma parte essencial dapercussão. Situação típica é a depessoas que se mantém de pé juntodas paredes da sala, geralmen-te pequena, a um lado da qual osmúsicos permanecem sentados,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 120

foto de GIlbeRto SeNA,

do ARquIvo de RAlPh

 wAddey.

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exceto o tocador de prato-e-faca,que normalmente ca em pé (a nãoser que também cante chula). Essaspalmas constituem o que pode cha-mar-se de conjunto musical secun-dário, proporcionando não só um

acréscimo de sonoridade percussi- va, como também (o que é talve deimportância maior) um estímulo aoenvolvimento e ao entusiasmo detodos os que estão na sala. As pal-mas entram à vontade, principal-mente no padrão dado no Exemplo5. Outras pessoas, à medida que o

conjunto se forma e o entusiasmocresce, podem bater palmas, numpadrão de colcheias de igual acen-tuação, como no Exemplo 6. Outros,ainda, curvando a palma direita e,com uma rápida torção do punho,em golpes contra a esquerda, po-dem percutir da forma mostrada noExemplo 7.

Depois de cerca de deesseiscompassos, ou após tornar-se

claro que o conjunto está conve-nientemente formado, de entre osmúsicos que formam o conjuntoprimário entram dois cantadorescom o texto do canto, uma “chula”,em terças paralelas, como no Exemplo

8. Ao completar-se a chula, doisoutros cantadores  podem responder(sem perder nem um só tempo, seadequadamente executada) com um“relativo”,12 cujo texto seria, su-postamente, relevante para a chula(ou, justamente, “relativo” a ela),relevância essa que os próprios mú-

sicos reconhecem ser muitas veesduvidosa (ou que não sabem, ounão querem, explicar). De maneiratípica, o relativo consiste em dois

 versos, ocupando oito compassos,e é cantado uma ve, também emterças paralelas, e imediatamenterepetido.

Durante o canto, o prato-e-facase modica, passando-se a baterna borda do prato com as costas da

faca, como no Exemplo 9. As palmasmudam para o mesmo padrão ereduem grandemente o volume,muitas cessando de todo. O prato-e-faca parece assim funcionar comoum instrumento-guia em relação ao

conjunto secundário.Com o término do relativo (ou,

se não se canta relativo, ao térmi-no da chula), o prato-e-faca e aspalmas retornam ao seus padrõesiniciais, mas com insistência aindamaior, a m de encorajar o dança-dor - “sambador” ou “sambadora”

(com mais freqüência uma mu-lher)13 - que logo entra na “roda”(o espaço livre no centro da sala,aproximadamente em círculo),para “sambar” ou “sapatear”.14 Osmovimentos dos pés, minúsculos,intricados, rápidos, e às vees quaseimperceptíveis (o “sapateado”, tam-bém chamado “repicado”, “recol-chete”, ou “miudinho”) são quaseos únicos movimentos do corpo na

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 121

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coreograa do samba no estilo doRecôncavo adequadamente execu-tado.

Ao dançar, a mulher mantémo queixo levantado, o rosto volta-do para o lado, de modo altivo, asmãos nos quadris, ou segurandode leve com uma mão a sua saiana altura da coxa, suspendendo-adelicadamente.15 Ela entra na roda,

 vindo do seu lugar na periferia e,com os pequenos passos do “miu-

dinho”, parece utuar na direçãodos músicos, de onde o pandeiroa chama para a “boca do banco”.O tocador de pandeiro segura oseu instrumento numa posiçãohoriontal, perto do chão e do

seu banco ou tamborete (ou mes-mo cadeira), entre as suas pernasabertas e executa o padrão mostradono Exemplo 10, com a extensão dosseus dedos fechados sobre a pelefolgada do pandeiro. A mulherque dança se apresenta diante decada instrumento, especialmente

diante da viola-guia ou do músicoque oferece o ritmo mais atraente,escolhendo entre um repertório depassos especícos (presumindo-seque ela seja do número, rapida-mente declinando, daquelas queainda dominam esse repertório). A 

 viola-guia toca uma “passagem”, talcomo a do Exemplo 11, para a mulher,como diem os violeiros, “tirar nopé o que a viola tira no dedo”.

Então a que vai dançar movi-menta-se para o centro da roda,onde dança breve tempo, “dá três

 voltas” e, nalmente, movendo-serapidamente para a periferia daroda, “passa” o samba a alguém

da sua escolha, mediante um sinalque fa parte de um conjunto, umrepertório, de sinais apropriados,sendo talve o mais comum a “um-bigada”: a dançadeira abre os bra-ços e estende o ventre, ou melhoro umbigo, na direção da pessoa aquem está passando a dança. Os

dois podem se tocar efetivamente,ou não. Outros sinais são um toquedo joelho no de quem vai dançar(mais comum entre homens), ouestender as mãos juntas, num gestode prece (ou adoração), na direçãodo rosto da pessoa que recebe oencargo. O tempo desta na roda éindeterminado, e dura essencial-mente de acordo com a sua vontade(moderada pela apreciação ou a

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 122

SAmbA chulA oS fIlhoS

dA PItANGueIRA, de So

fRANcISco do coNde .

foto: luIz SANtoS.

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falta dela por parte dos demais par-ticipantes em relação à sua dança),mas uma execução típica dura entre16 e 48 compassos musicais.

O novo dançador - homemou mulher - espera no seu lugar

enquanto se repete a chula, e estaé respondida pelo mesmo relativo,por outro, ou por nenhum. Tipi-camente, uma chula e seus relativossão executados três vees, cada veseparada por uma seqüência dedança. Três ou mais chulas diferen-tes são geralmente ligadas, antes que

os instrumentos parem e se reagru-pem. Um dançador se apresentaentre duas diferentes chulas exa-tamente como se o intervalo fosseapenas entre repetições da mesmachula.16

Em resumo, um ciclo completocaracterístico obedece ao seguinteesquema:

Introdução instrumentalChula A (+ Relativo A)Dançador A Chula A (+ Relativo A ou B)Dançador BChula A (+ Relativo A, B, ou C)

Dançador CChula B (+ Relativo D)Dançador D...

...e assim por diante. Os parêntesesservem para lembrar que os relati-

 vos podem ou não estar presentes, eque o mesmo relativo pode ou não

ser repetido para a mesma chula (equalquer combinação destas possi-bilidades).

O ciclo termina mais comu-mente logo depois de uma chula(e seu relativo), a critério da vio-la-guia, que se interrompe pormotivos próprios ou por indicaçãode outro músico ou de uma pessoade responsabilidade do conjuntosecundário, ou da casa, para faer

uma mudança e/ou um intervalo. A célula de execução está completae, embora seja raro na prática, umsamba como evento poderia em teseconsistir apenas desta célula (exa-tamente como um recital ou con-

certo poderia consistir de apenasuma peça). Um novo ciclo começa,geralmente após um descanso dealguns minutos (e habitualmentecom o reabastecimento dos músicosem bebidas, e às vees comidas), emnova tonalidade.

O que se transcreve no Exemplo 8 

é excelente demonstração de regis-tro alto, chamado “vo de mulher”,que é talve o principal renamen-to, ou maneirismo, da execução

 vocal para os cantores masculinosde chulas no estilo sant’amarense.

 Ambos os cantores nesta apresen-tação eram homens. A despeito daregião tonal aguda, os sons vocaissão relaxados. O timbre não é ás-pero, e a produção vocal parece ser

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 123

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de verdadeiro contratenor. Nesteexemplo, como acontece comu-mente, a vo mais aguda é chama-da “primeira vo”, e a mais grave“segunda vo”. Essencialmente,contudo, a primeira vo é a vo-

guia, e como tal pode ser tanto amais aguda como a mais grave.

O cantor que escolhe a chulae entra em primeiro lugar escolhetambém a parte e o registro em quecantará; o outro cantor deve entãoadaptar-se da maneira mais con-

 veniente. Uma primeira vo pode

selecionar certo registro no qual asua segunda, para ajustar-se ade-quadamente, seja forçada, de ma-neira desconfortável, a um registroelevado. Esta forma de competição,de acordo com Antônio “Can-deá” Moura, é comum no “sambade estiva” (mas de forma algumaexclusiva dele), no qual a primeiraé comumente a vo mais grave. Umpar de cantadores (“parceiros”),

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 124

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altamente acostumados um ao ou-tro, pode mesmo permutar as voesem certas frases em determinadaschulas, como faem Cobrinha

 Verde e Candeá no último verso (*)desta chula:

Ô liga,19 ô liga meu bem bará, (bis)Roxo, não. Sou mulatinho,Cabelo crespo, cacheadinho.Bicho do mato tem três pé.Ele pula alí, dança candomblé.Pimenta de jiriquitá.20 *Vou beber na venda de Loriana.

O Exemplo 8 também mostraoutra importante faceta do estilode canto: pouco do que os canta-dores faem acontece em cima dotempo; só raramente uma sílabanão se antecipa, ou ligeiramente seretarda, em relação ao pulso rítmi-co. Tempo e metro são claramenteexpressos pelos instrumentos depercussão, mas, para os cantadores,

são apenas implícitos. A xação dotexto é bastante livre, e os valoresrítmicos variam de execução paraexecução. Os valores dados no Exem-

 plo 8 não devem, por conseguinte,ser tomados muito literalmente.

As alterações cromáticas tam-bém são tratadas um tanto livre-mente, e o rebaixamento do sétimograu da escala, característico damúsica tradicional brasileira, espe-cialmente no Nordeste, por veesocorre, por vees não. Mais pre-cisamente, o sétimo grau é tratado

como neutro: pode ser uma sétimamenor ou uma sétima maior, oupode cair em algum ponto inter-mediário.

A liberdade de expressão que taluide oferece exige cuidado, pre-cisão e intimidade proporcionaisentre os parceiros e cantadores, am de atingir o ideal de exatidão doestilo. Os cantadores devem agir ereagir, em sua apresentação, como

se fossem um só. Os dois freqüen-temente cantam olhando atenta-mente um para o outro, especial-mente se antes não cantaram juntoscom freqüência. Parcerias sãoescolhidas com cuidado e cultiva-

das com carinho. Cobrinha Verdecelebrava esse tipo de relação numachula que cantava tendo Candeácomo parceiro:

Era eu e era Candeá,E nós dois andava junto.

 Não sei se Deus consente

 Numa cova dois defunto.

Melodias especícas, tiposmelódicos e tratamento dos tiposmelódicos variam consideravel-mente de acordo com os cantadoresindividuais, grupos e localidades. Otratamento dessas variantes e variá-

 veis será abordado em futuro estu-do. Um traço melódico recorrente,todavia, que é identicado e deno-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 125

SAmbA tRAdIcIoNAl dA 

IlhA, mAR GRANde, IlhA 

de ItAPARIcA. foto: luIz

SANtoS.

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minado pelos próprios cantadores(caso raro, em contraste com oextenso vocabulário teórico aplica-do à viola e seu uso) é o “baixão” - asensível na oitava inferior sustidana sílaba nal do penúltimo verso,

como no Exemplo 12. A sustentaçãoda sílaba nal de cada verso sobre

 vários tempos é característica doestilo de Santo Amaro propriamen-te dito (cidade sede do municípiodo mesmo nome, em contraste comseus distritos atuais e os já emanci-pados, como, por exemplo, Sauba-

ra). No estilo “estiva”, essas sílabasnais são quase truncadas, mas no

 verdadeiro estilo santo-amarense asinterjeições “ ai-ai”, “ ah-ah”,ou mesmo “ iaiá” são acrescen-tadas ao m do texto da chula eestendidas sobre vários compassos,ao invés da sílaba nal do texto, talcomo nesta chula que Candeá cos-tumava cantar:

Ô, vem a cavalaria da donzela Teodora. (bis)Cada cavalo uma sela, cada sela uma senhora.Três Maria, três Joana, três tocador de viola.Quem me dera aquela roxa pra raiar no colodela.Toca viola, ioiô. Minha santa é virtuosa.

Mulher que engana homem é danada deteimosa, ô, iaiá.21

Candeá canta esta chula de duasmaneiras: numa delas, sustenta aúltima sílaba da palavra “teimosa”,deixando fora a palavra “iaiá”; naoutra, acrescenta a palavra “iaiá”, e

sustenta sua sílaba nal. De pas-sagem, diga-se que ele apresentaesta chula como uma que “não pegarelativo”. (“- Por que não pega,Sr. Candeá?” “- Não pega. É poristo.”) Esta chula é cantada comum baixão na palavra “virtuosa”,e demonstra também outro tra-ço comum: com mais freqüênciarepete-se o primeiro verso de umachula do que se deixa de faê-lo. O

Exemplo 8 vai no sentido contrário.O “repicado” do estilo coreo-

gráco tradicional de samba estárapidamente cedendo terreno ao“rebolado” do samba de Carnaval(e acrescente-se, dos programas de

auditório da televisão). O reper-tório dos sapateados - “bate-sola”,“corta-jaca”, “samba-no-coco” e“charre” (ou “chale”) - está caindoem esquecimento, e os dançado-res mais jovens ignoram também aseqüência apropriada de eventos naroda. Esta espécie de mudança, que

consiste numa diminuição concre-ta do repertório, estabelece nítidocontraste com o processo de mu-dança do passado, no qual o mate-rial era reinterpretado em termosdo estilo tradicional preexistente, enele incorporado.

O “charre”, que ainda podeser encontrado entre os da velhageração na localidade de Saubara,é claramente o charleston22 executa-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 126

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do no estilo do samba tradicional- isto é, com movimentos de péscontidos e com os braços retidosnos lados, em lugar dos balanços eos saltos das pernas e dos braços docharleston “autêntico”. Reconhece-

se que o charre, ou “chale”, “veiode fora”, muitos anos atrás, e queera uma “dança” (tomando-se estapalavra no sentido de algo diferentede “samba”). O charleston natu-raliou-se e enriqueceu o gêneroantigo ao assumir o estilo tradicio-nal, ao passo que o rebolado invade

aquele gênero e expulsa o estilotradicional.

Esta descrição pretende atingira função essencial de denir umgênero que, mesmo para os seusparticipantes, se impõe através denomes variados e intercambiáveis,cada um se referindo simplesmentea uma faceta diferente do mesmosamba. O exame de cada um dessesnomes em separado torná-lo-á bem

claro.“Samba de viola” refere-se

evidentemente ao instrumento queconstitui o centro do conjuntoinstrumental de acompanhamentodeste samba. O assunto “viola” já

foi extensamente tratado, mas valea pena ressaltar que este instru-mento proporciona uma deniçãoexistencial do samba. A simplespresença da viola e de sua bagagemsimbólica no samba dá a este gêne-ro um dos seus nomes de uso maisgeneraliado. Noutras palavras, a

mesma célula de execução musicalpode ser, e efetivamente é, feita sema viola, quando o instrumento nãoestá disponível. O estilo da dançae do canto, os textos, e a seqüênciados eventos são os mesmos, massão acompanhados somente peloconjunto de percussão. Outro ins-trumento - a sanfona, por exemplo- pode faer a substituição musicalda viola. Os promotores do evento,

todavia, enfrentarão diculdadese despesas para contarem com apresença de violeiros, e a viola ge-ralmente não acompanha sambas deoutros tipos.

“Samba de parada” refere-se

ao fato de os cantadores pararem ocanto enquanto o dançador dançae o dançador interromper a dançapara que os cantadores cantem. Emcontraposição, no “samba corrido”não somente o canto e dança sãosimultâneos, como também mais deum dançador pode entrar na roda a

um só tempo, coisas rigorosamenteproibidas no samba de parada.

O fator formal essencial e prin-cipal elemento organiador nesseestilo de samba é a chula, do quese deriva a denominação “sambade chula” (ou “samba chulado”).Um ensaio substancial poderia serelaborado sobre a históra dos váriosgêneros musicais e coreográcosaos quais o nome de “chula” tem

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 127

tocAdoReS do GRuPo

PAPARutAS. foto: luIz

SANtoS.

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sido aplicado. Tem sido considera-do, como canto e dança, sinônimoou uma variante do fandango e dosapateado, populares no século XIX em Portugal, no Rio de Janeiro,São Paulo e Rio Grande do Sul.23 

Todos os relatos estão de acordo emque a chula virtualmente se extin-guiu em todos esses lugares.

No samba do Recôncavo, achula24 é o texto do canto. Chulassão poemas, de extensão variável,porém mais comumente de quatro

 versos, e ecléticos ao extremo, tanto

na forma como no assunto. A chulapode ter sentido lógico, mensa-gem clara, ser narrativa e linear,ou pode ser altamente simbólica,parecendo expressar uma livreassociação. A chula, como vimos,pode ser seguida por um “relativo”,tipicamente de dois versos, que seconsidera adequado para a chulaque o precede (adequação esta que,na prática, muitas vees é só rela-

tiva). Uma constante entre todasessas variáveis é que a forma textualdo samba chulado é essencialmenteeuropéia. As chulas são de extensõesdiferentes, mas cada chula indivi-dual tem uma extensão e duração

especícas. Em contraste, o padrãobreve do chamado do solo e da res-posta do grupo, e a duração inde-terminada do samba “corrido” sãoeminentemente africanos, comoneste exemplo.

(Solo) Que é que Maria tem?

(Grupo) ‘Tá doente.Que é que Maria tem?‘Tá doente.Maria não lava roupa.‘Tá doente.Maria não varre a casa.‘Tá doente.Maria não vai pra rua.‘Tá doente.Que é que Maria tem?‘Tá doente.

E assim por diante, semprelamentando as tarefas que Marianão executa por causa de sua indis-posição. Este corrido só terminaquando, após certo tempo, os par-ticipantes se cansam, e outro solista

entra com outro corrido.É difícil criar, de forma sumá-

ria, uma idéia geral signicativade algo tão variado no conteúdo ena forma como a chula. Uma dascaracterísticas que as chulas pare-cem compartilhar é um senso deintimidade - uma proximidade

pessoal entre o cantador e o assun-to - expresso em linguagem muitocoloquial. Esta qualidade foi vistanos exemplos já oferecidos.

A chula no Exemplo 8 é um diá-logo pastoral em que um viinhoaparece para pedir emprestado umacadela à sua pouco compreensivacomadre,25 para ajudar a expulsarum boi da sua roça. O nome dacachorra é Caravela: coisas do mar

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 128

foto de GIlbeRto SeNA,

do ARquIvo de RAlPh

 wAddey.

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são imunes às coisas da terra, comopor exemplo os “bichos do chão”(eufemismo para cobras) e a raiva,raão por que freqüentemente oscães recebem nomes marítimos.26 Na chula, o viinho chama a ca-

chorra exatamente como se estivessena roça: “Ecô, Caravela!”. A pri-meira chula citada no texto destetrabalho trata com ironia noçõesraciais: “Roxo, não. Sou mulatinho- cabelo crespo, cacheadinho”. Ocantador decide que uma bebida na

 venda de uma certa “Loriana” pode

resolver os problemas. A segundachula citada no texto é uma declara-ção de amiade fraternal e de uniãoentre os dois cantadores.

Esse senso de intimidade apa-rece até nas chulas a respeito deacontecimentos históricos, tal comonuma das chulas favoritas de Co-

brinha Verde, também na forma dediálogo:

Ô, compadre, que dia você chegou? Chegueiontem.Fui na guerra dos Canudos, não morri.Dia de fogo cerrado, mataram todo soldado.Dia de fogo primeiro, mataram AntônioConselheiro.

Dia de fogo segundo, mataram todo jagunço.Ô, compadre, que dia você chegou? Chegueiontem.

A chula pode ser a respeito dopróprio samba, como acontececom esta conversa (também chulade “Cobrinha”) entre pai e lho.

O último di o que se passou nosamba da noite anterior.

Ô, meu pai, ainda ontem fui no samba. Deubom.Ói o velho lá!Deu muito comida, meu pai.Ói o velho lá!

Tinha muita bebida, meu pai.Ói o velho lá!Tinha moça bonita, meu pai.

Ói o velho lá!

Ô, meu pai, de meia-noite para o dia,Faca fora desaa.Ói o velho fora de lá!

A mistura de temas e idéias,como ocorre na chula referida nanota 21, pode indicar a recomposi-ção a partir de mais de uma fonte,

e isto certamente conviria à natu-rea permissiva da chula em todosos seus aspectos. Em outros casos,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 12

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todavia, esta livre associação pareceobedecer a uma coerência impres-sionista, expressa na linguagemlírica das imagens vivas do cotidianodo Recôncavo, tal como nesta chulafreqüentemente cantada por Can-

deá.

Ô, vem do mar,Do outro lado de lá. Olha eu.Cabocolinho, venha cá serear.Que coisa bonita eu acho,Banana madura no fundo do cacho.Céu de amor.

Céu de amor é céu de amar.Da forma que o barco anda, meu mano,Como o vento leva.Deus me livre de eu andar, mulher,Como o barco anda.

Além da possibilidade de umachula ser refeita de pedaços de

outros textos, as chulas são tambémextraídas intactas de outros reper-tórios, inclusive da música popular

corrente, e podem ser paródias deoutros textos, tal como esta chula deautoria de Candeá, baseada numacantiga muito ouvida alguns anosatrás nas emissoras baianas.

Quando será O dia da minha sorte?

 Antes da minha morte,Esse dia chegará.

Sou lho de Oxum.Sou neto de Iemanjá.Sou lho de Ogum.

Sou neto de Oxalá. Antes da minha morte,Minha sorte vai mudar.

A mais notável contribuição deCandeá ao texto é o apelo que fa àsua relação com seus orixás, inclu-sive de parentesco de “santo”.

Embora não seja essencialmenteum gênero improvisado, às vees achula pode ser composta no mo-

mento mesmo, durante o samba,como foi a precedente. Pode entãoentrar no repertório estabelecidoe ser cantada por qualquer pessoa,embora seja reconhecida comoa chula de autor tal. Do mesmo

modo, uma chula já existente éconhecida como a chula do indiví-duo que a introduiu no repertóriode um grupo ou local especícos.Qualquer um pode então cantá-la,reconhecendo-se que é a chula dequem a introduiu, muito emboraeste não reclame autoria, como é

exatamente o caso, por exemplo,da chula citada, “, meu pai ...”:Candeá admitia tê-la aprendidonos sambas de sua juventude, emSanto Amaro da Puricação.

Uma vaga idéia da idade relativadas chulas no repertório é reconhe-cida pelos que as executam, mas não

se apresenta nenhuma raão ana-lítica. O violeiro Crispim UbaldoEvangelista, agricultor em Senala

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 130

SAmbA de RodA RAzeS

de ANGolA, de So

fRANcISco do coNde.

foto: luIz SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

Seu muNdINho e

Seu Joo de IAIÁ, dA 

mARuJAdA de SAubARA.

foto: luIz SANtoS.

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(perto de Oliveira dos Campinhos,localidade nas proximidades deSanto Amaro), nascido em 1911,27 apresenta como “a primeira chu-la” esta, que se transcreve com umrelativo.

(Chula)Minha sinhá, minha iaiá. (bis)Quem tem amor tem que dá.Quem não tem não pode dá.Mulata baiana, quero ver a palma zoá.Chora mulata, chora

 Na prima desta viola.

(Relativo)Ô, vi Amélia namorando. Eu vi Amélia.Eu vi Amélia namorando. Namora, Amélia.

As chulas podem ter tambémsentido imediato. Existem textosespeciais para começar uma noite

de samba, para permitir a um novocantador se apresentar, e para lou-

 var ou provocar outros músicos e

pessoas na roda.Di-se que o “samba amarrado”

se refere, por um lado, a um ritmoum tanto calmo e ao uso rena-do e reservado de voes, violas emesmo percussão, em comparação

com o samba corrido, mais “solto”e demonstrativo. Candeá, todavia,dá uma explicação mais especícado samba amarrado com base numaforma especial de chula. O samba é“amarrado” cantando-se os ver-sos nais da chula somente depoisda repetição nal desta, como no

seguinte exemplo. Canta-se inicial-mente a chula desta forma:

Garimpeiro, boiadeiro,Olha seu gado esparramado.Sinhazinha mandou me chamar Lá de cima do sobrado.Um conto de réis eu dou

Pela boiada do gado,Tirando tortos e magrosQue não possam viajar.

Um dançador entra na roda; re-pete-se a chula acima, e outro entrana roda. Este ciclo pode acontecer

 várias vees. O samba é então “de-samarrado”, cantando-se a chula,desta ve com os seus versos nais:

 Na Feira de Santana,Eu vendi meu boi adoPor um bom dinheiro, ai, ai.

Introdu-se uma nova chula, e osamba continua.

Nos tempos presentes, associa-

se mais comumente o “partido alto”com o samba do Rio de Janeiro,mas há considerável indicação deque o termo e o estilo do samba queidentica possam ter emigrado daBahia.28 A palavra partido, já se vê,signica, entre outras coisas, umaassociação política formal. Parti-

do é também um extenso campode cana-de-açúcar, e deste modopartido alto pode signicar uma

 

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plantação em terreno elevado. A Prof. zilda Paim, de Santo Amaroda Puricação, explica que partidoalto era o samba que os senhores deengenho estimulavam para exibir assuas “cabrochas e mucamas” favo-

ritas, vale dier, as suas amantes es-cravas prediletas.29 Cobrinha Verdearma que o partido alto é o sambada “ristrocacia”.30 

Partido alto pode, pois, referir-se a um discreto refúgio no canavialem terreno alto, assim como aopartido, ou sociedade, dos “barões

do açúcar” do Recôncavo. A his-tória oral falha em especicar qualdessas é a válida (se alguma delas ofor), mas esta hipótese proporcionapelo menos explicações parciais aos

 vários elementos estilísticos dessegênero de samba. O canto cessa, eem contraste com o samba corrido,

apenas uma mulher de cada ve éadmitida na roda, a m de mostrarsua habilidade e seus encantos a

um público não distraído nem poroutras dançadeiras, nem por textoscantados. Este aspecto oferecetambém uma explicação da predo-minância de mulheres nesta espé-cie de samba. A participação dos

senhores de terra explica o uso deum instrumento de origem euro-péia (a viola), e de um texto cantadoem língua européia, e de estruturaeuropéia.

Raíes etimológicas e históricassão de pouco interesse para os mú-sicos do Recôncavo. São mais prag-

máticos, e os informantes denemo partido alto em termos estilísticosclaros e simples: é cantado em duas

 voes, a “primeira” e a “segun-da”; só uma mulher entra na rodade cada ve, e só quando a chula(possivelmente com seu relativo)terminou.

Samba “santo-amarense”refere-se ao fato de que está maisassociado à cidade de Santo Amaro

da Puricação e seus arredores osamba que apresenta tais elementosestilísticos. A expressão tem eviden-temente mais sentido fora do quedentro de Santo Amaro, e o seusentido, por exemplo, em Salvador

é diferente daquele que tem em Ca-choeira. Na primeira cidade, centroonde muitos estilos regionais sereuniram, “samba sant’amarense”refere-se em sentido generaliadoao estilo de samba do Recôncavo,exemplicado pelo de Santo Ama-ro. Em outros locais do Recôncavo,

muitos dos quais têm seus própriosestilos bastante semelhantes ao deSanto Amaro, o termo refere-sea detalhes especícos e menoresdo repertório, ao uso da viola, àmaneira de dançar e ao estilo docanto.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 132

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O EVENTOÉ verdade que este gênero de

samba, e qualquer outro, pode serapresentado nas esquinas, mas nomesmo sentido em que um quar-teto de cordas da música erudita

também pode ser - e realmente é- apresentado nos passeios públicos(e até nos metrôs) das metrópoleseuropéias e norte-americanas. Asapresentações de música de câma-ra a céu aberto (e nos túneis dosmetrôs) podem ser prejudicadasem comparação com as audições de

salas de concertos, em termos deacústica e de vários outros fatoresambientais (e, é claro, muitas veesem termos da habilidade musicaldos executantes), mas o gênero e aforma artísticos em si são os mes-mos, e tanto os executantes comoos ouvintes reconhecem que a rua

não é o meio ideal, e nem sempre oadequado, para a apresentação.

É verdade também que em al-

gumas viinhanças de Saubara, e emoutras localidades do Recôncavo,as pessoas costumam sambar quasetodas as noites, depois do dia detrabalho. Trata-se porém de umaexecução do gênero apenas, infor-

mal e recreativo, e não do sambacomo evento. Predomina em taismomentos, aliás, o samba corrido.

É pouco provável que um sambade viola se realie numa esquina derua. Sem mencionar o anonimatoe a confusão de uma via pública, ofato é que os violeiros e os canta-

dores de chulas são extremamenteexigentes a propósito do ambienteem que se apresentam (inclusive noque se refere ao ambiente huma-no e à conduta dos presentes), atémesmo quando esse ambiente éparte da sua própria viinhança, jáque o conjunto de violas é peque-

no, e os cantadores são apenas dois,o som que produem não é alto. Éigualmente improvável que o con-

 junto adequado se reúna numa basediária. Enm, vale lembrar que osamba de viola é da “aristocracia”,nas palavras de Cobrinha Verde, e,nas de Marcelino Amorim, “dono”do toque “iúna” referido alhures

neste ensaio, é “música clássica”.31 Muito mais provável é que o sambainformal de recreio venha a ser ocorrido: é mais fácil formar o gru-po, e, já que qualquer número depessoas pode “brincar” e quase aomesmo tempo, é bem mais iguali-tário.

Isto não pretende relegar osamba corrido a uma ordem infe-rior. No evento completo do sam-ba, os corridos e as chulas com suasparadas se complementam, como

 veremos.O samba acontece adequa-

damente entre quatro paredes e

realia-se, mais caracteristicamente,nas salas da frente das casas parti-culares. É um evento doméstico, de

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 133

foto de GIlbeRto SeNA,

do ARquIvo de RAlPh

 wAddey.

PÁGINA Ao lAdo

cARuRu de coSme e

dAmIo, em mARAGoGIPe.

foto: luIz SANtoS.

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família e, por extensão, de vii-nhança e comunidade. Realia-seem ocasiões especiais, de signica-ção religiosa direta ou indireta. Asda última categoria incluem ritosde passagem: nascimentos, casa-

mentos, batismos, e mesmo festasde quine anos. As da primeira sãomais interessantes para este ensaio.

Os eventos de naturea direta-mente religiosa32 e ritual ocorremem dias dedicados a um santo, sejapatrono de nascimento de alguém,um santo que se escolheu como

protetor, ou cuja intervenção sesolicitou. No sistema de crençasafro-baiano, que funciona emíntima relação com o catolicismopopular, pode mesmo ser o própriosanto quem demonstra interesse emser procurado (em outras palavras,o santo pode tomar a iniciativa).

Em resumo, estes eventos po-dem ser “promessa” ou “obrigação”de alguém. A obrigação é de fato

parte de uma religião pessoal queo indivíduo escolhe e assume, eno qual, em certa medida, elege otempo e a maneira de cumprir osatos indicados. O samba pode ser aparte pública, celebratória e re-

creativa de um ritual completo queajuda a cumprir a obrigação.

A comemoração em homena-gem a São Roque, realiada todosos anos no dia desse santo (16 deagosto) por determinado moradorem sua casa num lugarejo pertode Santo Amaro, reúne todos os

elementos. São Bra é um vilarejo àbeira da maré, que depende quaseinteiramente da pesca. Tem umarua principal sem pavimentação,que atravessa uma pequena praçacom uma capela e termina no outrolado da colina, perto do mangue.

 Várias ruas se estendem a partir da

rua principal. As ruínas de umaigreja barroca dedicada a São Bra,de importância na história da ar-

quitetura baiana, se erguem numa

colina, a cavaleiro do arraial. OSão Roque católico, como muitosleitores sabem, está associado aoObaluaiê afro-baiano, a qualidade

 jovem do idoso Omolu, que está as-sociado a São Láaro. Juntos, são asdivindades que controlam as enfer-midades e a peste.

Esse morador e um primo seutêm suas casas localiadas pertouma da outra, na rua principal

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 134

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de São Bra. Na véspera do dia deSão Roque, gambiarras são esten-didas entre as duas casas. Na salade uma delas, realia-se uma festade candomblé em homenagem aObaluaiê, ritual em que o orixá é

chamado com tambores e ciclos decânticos de origem africana. Simul-taneamente, na outra casa, perten-cente ao primo, realia-se uma reae um samba para São Roque.33

A rea é um ciclo de oraçõescantadas em português (com al-gumas respostas em latim, às vees

de memória apenas fonética, “Orapros nobres”, por exemplo) e “ti-radas” por uma “readeira”, pessoaespecialiada, na grande maioriados casos mulher, e traida de forapelo dono da casa. Rea ajoelhada -ou sentada numa esteira de palha deartesanato local - diante de um altar

(chamado às vees de “pejí”) ornadocom imagens do santo reverenciado(e talve com imagens dos outros

santos preferidos no culto domés-tico). A rea é aberta físicamentee simbolicamente à comunidade,e o grupo participante consiste detodos aqueles que desejam assistir.Este grupo se reúne ao redor do

altar e da readeira, respondendo,também em canto, a suas preces.O estilo musical destas preces

é europeu. O tempo é lento e oritmo, quadrado. O canto pode serem uníssono, ou às vees em terçasparalelas improvisadas. A impressãoé geralmente de lamento, embora,

é claro, nada em absoluto exista delamento no rito. A rea prolon-ga-se por aproximadamente meiahora. Encerra-se com uma ladai-nha de despedida para o santo ou asanta, freqüentemente agradecen-do-lhe a presença e expressando aesperança de que a ocasião se repita

no ano vindouro. Ao m da ladai-nha, a readeira saúda o santo três

 vees, “Viva Senhor São Roque!”

Os participantes dão uma salva depalmas e respondem, “Viva!”, eamiúde soltam-se foguetes na rua,diante da casa.

O estilo musical que prevaleceno evento começa gradativamente

a modicar-se, num processo detransformação musical que levadiretamente ao samba. Dando umpasso da Europa rumo ao Brasil,as mulheres cantam uma roda34 de despedida a São Roque (Exemplo13). Toda a assembléia entra comas palmas em cima do tempo, e o

andamento se acelera à medida quesucessivamente a roda se repete.

 Alguns dos músicos que acompa-nharão o samba assistiram à rea, e,em certo ponto, pode-se ouvir umtimbal que se vem juntar ao con-

 junto (Exemplo 14). A roda terminaquando a readeira interrompe com

outra saudação, “Bença, SenhorSão Roque!”. Quase imediatamen-te, as mulheres iniciam uma segun-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 135

foto de GIlbeRto SeNA,

do ARquIvo de RAlPh

 wAddey.

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da despedida ao santo, desta ve em

forma de samba - mais precisamen-te, um corrido (Exemplo 15). Umaou várias pessoas podem entrar naroda para sambar diante do altar,que permanece exposto por todaa noite. O conjunto de cordas epercussão (a “charanga”) arranja-se no lugar competente, e quando

o corrido das mulheres termina,o samba de viola está pronto paracomeçar quase imediatamente.

O samba de Messias foi umgrande e feli acontecimento noano em que este caso foi registra-do. Os violeiros geralmente con-cordaram em que o conjunto erademasiadamente grande e que,

por conseguinte, jamais se ajustoudevidamente, resultando assim na“bagunça” - palavras suas - a quese aludiu muito atrás neste estudo.

 Viola, cavaquinho e violão eramde São Bra mesmo. Dois violei-ros foram traidos de localidadespróximas, sendo o transporte pago

pelo patrocinador. O alojamentofoi problema menor, pois o sonofoi coisa rara. Comida e bebidaforam abundantes no samba, ecerto número de casas se abriu paradescanso de forasteiros e viinhosigualmente.

O samba não é em absoluto uma

cadeia de eventos inteiramente ho-mogênea e indiscriminada duranteas muitas horas que pode durar.

 A primeira chula cantada é comfreqüência diretamente apropriadaa abrir uma noitada:

Dona da casa, cheguei agora.Foi agora que eu cheguei,

Com Deus e Nossa Senhora.[Nota: Esta chula é cantada naabertura do CD Samba de roda – Patri-mônio da Humanidade]

Em Saubara, um músico podeapresentar-se e introduir-se nosamba com esta chula, pela qual

parece louvar sua própria conduta:

Pela primeira vez que chego,Peço licença.

 Apertei a mão das moças,E dos mais velhos dei a bença.

 Ajoelhei pedi perdão.Eu dei a bença aos mais velhos,

E às moças eu apertei a mão.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 136

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Os cantadores podem om-

bar um do outro, ou louvarem-semutuamente, em suas chulas. Umpar deles pode cantar da seguinteforma:

Se minha mulher souber Que um cantador me venceu,Ela jura, bate fé,

“Isto não aconteceu”. Arruma a trouxa e vai-se embora. Não quer morar mais eu.

Ao que outro par poderá res-

ponder com este relativo:

Colega meu,Vou mandar de relepada.Quando Deus mandar a chuva,Você vai na enxurrada.

Não é incomum que dois

cantadores se convidem a sair dacasa “para ver se o corpo agüenta oque a boca fala”, nem é incomum

que, pelas graças de uma mulher da

roda, o ciúme e mesmo a violênciase excitem. Uma forma comum deelogio a uma sambadora particular(e também uma forma de partici-pação para quem não está dançan-do) é o grito, “Olhe seu marido,mulher!” (ou, “Marido, olhe suamulher!”), destinado a provocá-la

ainda mais a caprichar na roda (e,de passagem, enciumar o compa-nheiro dela). De qualquer forma,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 137

SAmbA de RodA de

PIRAJuA. foto: luIz

SANtoS.

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di-se que um samba sem pelo me-nos ameaça de briga “não prestou”.Tal como di a chula, “De meia-noite para o dia, faca fora desaa”.

Várias vees durante a noi-te, tanto para proporcionar uma

mudança de passo como para dartrégua aos violeiros e cantadoresde chula, os corridos substituem aschulas. O corrido pode ser variantede uma chula, como neste caso:

(Chula)Eu via Maria sentada,

Sentada no tamborete,Cozendo sua costura,Bordando seu ramalhete.Chora, chorei, chora.Chora, Maria, chora

 Na prima desta viola,Chora.

(Corrido)Ô, chora, Maria, chora, (bis)

 Na prima desta viola.

Em determinado momento danoitada, o samba pode se tornarmais lúdico, com a execução de“brincadeiras” contendo diálogofalado e representação, e usandoadereços e objetos de cena, como

o “Samba de Severo”. Nesse, ummestre de cerimônias pergunta a vários indivíduos (identicadospor um chapéu que passa de umao próximo escolhido), os quaisimprovisam papéis de forasteiros,porque apareceram no samba semserem chamados. O intruso inven-

ta qualquer pretexto para estar nas viinhanças e algum grau de paren-tesco, ou outro vínculo freqüen-temente sugestivo, com um certo“Severo”. Quem indaga procurapaciente porém insistentementesaber se o penetra “fa o que Seve-ro fa”. Este desaa em resposta:

“Pinique aí pra ver!”. A percussãocomeça antes, se possível, destaspalavras terminarem de sair da sua

boca, e ele ou ela entra na roda parasambar ao som da seguinte chulae seu corrido, repetidos enquantoa pessoa que dança permanece naroda:

(Chula, solo)Quando eu tinha meu Severo,Eu comi de prato cheio.Hoje que não tenho Severo,

 Nem bem cheio nem bem meio.(Corrido)(Solo) O Severo é bom.(Grupo) É bom demais.

(Solo) O Severo é bom.(Grupo) É bom rapaz.

Quem dança passa o samba aopróximo “forasteiro”, colocandoo chapéu em sua cabeça, a músicapára, e repete-se o interrogatório.É difícil recusar o chapéu, e assim

este samba é usado para provocar aparticipação dos que se marginali-am, assim como faer um intervalo

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 138

SAmbA em dIA de cARuRu

de coSme e dAmIo.

foto: luIz SANtoS.

PÁGINA Ao lAdo

ldeReS do SAmbA de

cAStRo AlveS. foto: luIz

SANtoS.

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humorístico, malicioso e até nal-mente gaiato (combinação que aliáscarateria o no senso de humor doRecôncavo). De uma forma ou deoutra, geralmente aumenta a ani-mação. O samba de Severo termina

quando alguém, decidindo que seprolongou o suciente, anunciaque ele ou ela (é indiferente queseja mulher) é Severo em carne eosso. Entra na roda, e não passa ochapéu.

Outros sambas com teor derepresentação não incluem diálogo

falado. Em “Chora, menino”, umobjeto representando um neném(pode ser uma boneca mesmo, ouuma garrafa, um trapo, um pedaçode pau, qualquer coisa) passa dedançador para dançador, enquantose canta um corrido sobre o choroda criança:

(Solo) Chora, menino.(Grupo) Nhem, nhem, nhem.

(Solo) Porque apanhou Nhem, nhem, nhem.Porque não mamou.

 Nhem, nhem, nhem.Chora, menino.

 Nhem, nhem, nhem.

O menino é chorão. Nhem, nhem, nhem.Chora, menino.

 Nhem, nhem, nhem.O menino é chorão.(...)

Noutro samba, “Coça-quipá”,35 

quem dança nge ter comichões,e coça as partes do corpo, indo dasmenos às mais provocativas.

O valor de um samba é calcu-lado em boa medida por sua dura-ção. É lógico que um samba bom,“quente”, tende inevitavelmente adurar mais do que um samba fraco;

mas parece haver mais do que isto.Nenhum samba digno de lembran-ça termina antes do amanhecer. Os

 violeiros e cantadores às vees re-sistem ao cansaço, enquanto exaus-tos nos seus lugares, continuam acantar e tocar, espichando o pes-coço e forçando os olhos para alémda porta, aguardando “o dia raiar”,

para sentirem-se satisfeitos com osamba. Um bom samba pode muitobem “entrar no dia seguinte”, enão é raro ouvir-se que um sambacontinua diretamente na segundanoite da festa. Mas os tempos estãomudando rapidamente, e, nos diasde hoje, é motivo de satisfação en-

contrar-se mesmo uma só noite desamba rigorosamente executado.

 

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O GRUPOÉ inegável que os participantes

de um samba, durante sua efetiva-ção, formam um grupo. É clarotambém que o samba tem signi-cação religiosa e mesmo função

religiosa direta. No culto domés-tico, o samba se realia não apenaspara um santo, mas diante dele,presente em seu altar. Tanto SouaCarneiro como N’Landu-Longasugeriram a naturea religiosa dosamba no passado, quer africano,quer brasileiro, e o último chega

a armar que o samba remonta aum grupo de iniciação ao qual sepermanece ligado por toda a vida. A questão é saber se o samba da Bahia,presentemente, retém ou não umaqualidade de identidade com umgrupo estabelecido - grupo quedure além da identidade momen-

tânea assumida enquanto o gênerose apresenta, e há participação noevento do samba.

O “samba” não é certamente,na Bahia, um grupo ou sociedadeformal (salvo para faer apresenta-ções). Há, todavia, forte reconheci-mento de anidade com um certo,e muitas vees bem especíco,

grupo de pessoas competentes emum estilo de samba, na maioria doscasos estreitamente identicado, efreqüentemente com fortes cono-tações regionais e até micro-regio-nais.

A relação está implícita na lin-guagem que os participantes usam

a propósito do gênero. “Nossosamba” pode ser usado para in-dicar aquele grupo de músicos edançadores que juntos costumamrealmente executar o gênero. É,noutras palavras, o conjunto deapresentação ( performance). Assim, osmúsicos de samba podem referir-se

ao seu “conjunto”, especialmenteaqueles que tiveram experiênciacom grupos de “folclore” para a

indústria turística, e ainda maisquando falam com forasteiros.

“Nosso samba”, contudo, podetambém ser usado de referência atodos aqueles que são consideradoscompetentes para executar o gênero

com propriedade e da mesma formaparticipar do evento. Admite-seque o conceito é tênue, e certa-mente merece mais estudo, mas nãohá dúvida alguma de que o samba éum importante ponto de referênciapara os seus participantes no seuambiente social.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 140

um epílogopessoal

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Fui informado da viola doRecôncavo e do seu samba no

decorrer de um trabalho que faiaem Salvador sobre o repertóriomusical do jogo de capoeira, e foiatravés de informantes de capoei-

ra, especialmente o saudoso Rafael Alves França, o Mestre “Cobrinha Verde”, que pela primeira ve fuiapresentado aos violeiros do Alto daSanta Cru, em Salvador, entre osquais Antônio “Candeá” Moura eseus colegas - na sua maioria, como“Cobrinha”, emigrados do Recôn-

cavo. Foi Cobrinha o primeiro ainsistir em que eu, como músico,precisava conhecer “nosso samba...samba de viola”, e levou-me a ver“Candeá”, que morava alí perto.

Através do samba, conheci oRecôncavo. Aos poucos, comeceia viajar com os músicos do “Alto”

para as terras natais deles, nos diasde festa ou de “obrigação” de pa-rente ou amigo. Conheci em Santo

 Amaro da Puricação homens, emulheres, famosos nas redondeaspor suas proeas como violeiros,como conhecedores de grande nú-mero de chulas, como possuidoresde um “grito” excepcional, como

“bagunceiros”. Conheci um faedorde violas. Através de Santo Ama-ro, conheci São Bra, e Saubara (elá Marujos, Cristãos e Mouros, eFrança, Oropa, Portugal, e Bahia).Descobri, anal, uma tremendarede de samba e sambas, e umaarte musical de considerável com-

plexidade, aparentemente nuncaantes tratada, salvo de passagem, emqualquer espécie de publicação.

A música e a sua rede, todavia,estavam e estão rapidamente desa-parecendo, como acontece a tantacoisa da cultura tradicional doRecôncavo. Talve o samba de viola

fosse a única que jamais tinha sidoregistrada, mesmo pela indústria doturismo, e é a única que depende

de um instrumento musical cujotipo realmente adequado é fabri-cado por um minúsculo grupo deartesãos em plena fase de extinção.

Para os herdeiros naturais dessatradição - os descendentes dos

 violeiros, cantadores e sambadeiras- muitas vees este samba antigorepresenta um passado de pobre-a rural e de imobilidade sociale econômica. Na verdade, poucoexiste nas vidas da maioria dos meusinformantes que indique outra coi-sa. O interesse do estudioso de fora

os espanta, o que parece ter tidopelo menos algum efeito na reava-liação positiva da tradição na mentedaqueles que a herdaram.

A reação da classe média comformação universitária, especial-mente entre indivíduos de meia-idade, e tanto mais “politiados”

melhor, pode ser bem diferente.Bom número de amigos meus noscampos prossional, acadêmico,

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 141

Seu PedRo SAmbAdoR

e doNA PoRcINA, em

mARAcANGAlhA. foto:

luIz SANtoS.

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 jornalístico ou artístico (muitos dos

quais, como os próprios violeiros,têm laços íntimos e recentes como Recôncavo), têm se expressadoquase maravilhados com o samba de

 viola. Muitos armam relembrá-lodas suas infâncias, e espantam-sede vê-lo ainda existente. Muitosme expressaram o ponto de vista de

que, para eles, esse estilo musicalrepresenta a quintessência de umamúsica brasileira verdadeira e sin-

gela. É um claro símbolo de nacio-

nalismo saudável, de um Brasil decerto modo mais brasileiro, menoscomprometido com o desarmô-nico modelo de desenvolvimentoe da idolatria alienante da culturainternacional de massa das recentesdécadas - um Brasil que esperam,ou esperavam, conquistar.

Desde que este ensaio foi inicia-do, sem falar nas mortes do “Co-brinha Verde”, do “Candeá” e do

Nélson de Araújo, morreu tambémClarindo dos Santos, “Clarindo da

 Viola”, sem deixar no Recôncavoquem faça violas para seus violeirose para os violeiros do futuro.

O samba de viola fa parte de

um cosmos [mundo] de compor-tamento simbólico repleto [pleno]e coerente. Se é uma arte bela eexpressiva, como aqui se arma, éurgente que seja divulgada (e prati-cada), para que os lhos e as lhasdos violeiros do Alto da Santa Crue das mulheres de Saubara possam

ainda cantar:“Ainda ontem fui no samba.Deu bom”.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 142

exemplosmusicais

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Aaltura real é dada na notainicial entre parênteses; esta

nota mostra a altura da primeiranota do exemplo não circunscritapor parênteses. Todas as alturas nosExemplos 1 e 2 são na prática uma

quinta e uma sétima menor maisagudas do que aqui demonstrado, eas violas que foram discutidas nesteensaio são anadas uma sétimaacima das alturas mostradas nosexemplos, dependendo da execu-ção, isto é, das características dosinstrumentos e das voes dos canta-

dores presentes.

Exemplo 1:   AFINAÇÃO DA VIOLA 

 As cordas simples são indicadaspor notas cheias; as revestidas, pornotas brancas. As “requintas” daquarta e quinta ordens são indica-

das por hastes. As cordas são repre-sentadas na pauta na ordem físicasegundo a qual estão colocadas noinstrumento. Isto signica que as“requintas” estão numa posição tal

que são tangidas antes do par umaoitava mais baixa, pelo movimen-to do polegar do violeiro quandoavança na direção do indicador. A 

anação “requintada” é outra usadaem Santo Amaro, mas é menoscomum que as demais examinadas,e não é descrito no texto.

 

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Exemplo 2:  RÉ MAIOR E LÁ MAIOR

 A altura aqui indicada é da “mache-te”, mas os padrões se formariamda mesma maneira na viola “trêsquartos” anada em “natural”.

O tempo num samba seria colcheiaentre aproximadamente 96 e 120.

Exemplo 3: PANDEIRO

Cada semicolcheia representa oretinir das rodelas do pandeiro,produido pelo movimento dopunho da mão esquerda (com oqual mais habitualmente se segura oinstrumento). Um círculo (_) acimad’uma nota representa um somprofundo produido pela batida

do polegar da mão direita sobre ocouro livre, não comprimido, dopandeiro; o sinal “mais” (+) acima

d’uma nota representa o som agudoda batida de toda a palma no couro

do instrumento, comprimido pelapressão do polegar da mão direi-ta sobre o couro moderadamentecomprimido; as notas entre parên-teses são os sons das rodelas por simesmas, isto é, sem golpes da mãodireita sobre o couro do pandeiro.

Esta é uma transcrição rudimentare simplicada da maneira altamen-

te sosticada que o instrumento étocado. Consegue-se complexidadeatravés da variação dos acentos ebatidas da mão direita e da tensãoaplicada sobre o couro pelo polegarda mão que segura o pandeiro.

 

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Exemplo 4:  PRATO-E-FACA 

 As notas acentuadas e aquelas cujashastes não estão conectadas comuma nota precedente representamsons produidos pelo dorso da faca

batendo na borda do prato; as notascujas hastes estão conectadas repre-sentam os sons produidos pela facaraspando o prato, sem se afastardele.

Exemplo 5:  PALMAS Exemplo 6:  PALMAS Exemplo 7:  PALMAS

 

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Exemplo 8:  CHULA E RELATIVO

O relativo está grandemente sim-plicado no exemplo que se trans-creveu. Só se oferece a vo maisaguda; a mais grave, na maioria dos

casos, combinaria em terças para-lelas. O tratamento rítmico, comoo da chula, seria caracteriado porantecipações e retardamentos nabatida.

Exemplo 8:  PRATO-E-FACA 

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 146

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Exemplo 10: PANDEIRO “BOCA DEBANCO”

(Os círculos têm a mesma signica-ção que no Ex. 1)

Exemplo 11:  PASSAGEM DE VIOLA 

Exemplo 12:  “BAIXÃO”

 

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Exemplo 13:  RODA, “ADEUS, SÃOROQUE”

Exemplo 14:  TIMBAL

 

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Exemplo 15:  CORRIDO, “ATÉ P’RO ANO”

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 14

  1. Este ensaio foi publicado, na suaprimeira versão, em inglês, na Revista deMúsica Latinoamericana, Vol. I, N._ 2 (ou-tubro, 1980), e Vol. II, N._ 2 (outubro,

1981) da University of Texas Press (Austin,Texas, EUA). A “Parte I: Viola de Samba”foi editada em português, em traduçãode Nélson de Araújo, na série monográ-ca Ensaios/Pesquisas, N._ 6 (deembro,1980), do Centro de Estudos Afro-Orien-tais da Universidade Federal da Bahia(Salvador, Bahia).

O estudo que resultou nesta publicaçãocomeçou mediante pesquisa subsidiada

qual leva em conta a formação dos terrenose a resultante utiliação dos solos. (...)Recôncavo quer dier açúcar, açúcar efumo, massapê, (...) casas-grandes caindo

em ruínas, (...) os grandes navios petro-leiros aportados na entrada do boqueirão,na Ilha de Madre de Deus, bem defronteà igrejinha de Loreto no mais puro estilo

 jesuítico seiscentista na Ilha dos Frades.”Machado Nedo, zahidé. Quadro sociológico da“civilização” do Recôncavo, pp. 3-4.  5. Anchieta, José de, S.J. Poesias, p.743, n._ 9.  6. Os nomes pelos quais as cordas

Notas

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pelo Social Sciences Research Council do American Council of Learned Societies,no decorrer da qual o autor esteve ligadoà University of Illinois, como candidatoao Ph.D., e ao Centro de Estudos Afro-Orientais, ao qual deseja apresentar pro-fundos agradecimentos pela cordialidade eapoio, durante esses longos anos, dos seusfuncionários, alunos, professores e, no-

tadamente, dos seus diretores, Guilhermede Soua Castro, Nélson de Araújo, JúlioBraga e Jeferson Bacelar.  2. Rafael Alves França, conhecidocomo “Cobrinha Verde”, é dos maisrenomados dentre os mestres tradicionaisda capoeira. Também faia curas, segun-do suas palavras, “pelas ervas e as águas”.Foi quem primeiro me abriu caminhoao mundo da viola, dos violeiros e do seusamba, no qual era exímio.  3. No sertão da Bahia, o gênero podeser chamado “coco”, mas o evento recebe onome de “samba”.  4. A signicação dos termos usados notítulo é o verdadeiro assunto do presen-te trabalho, sendo conveniente, todavia,acrescentar a seguinte citação: “O chamadoRecôncavo geográco, compreendendo

a área em torno da Bahia de Todos osSantos, cuja entrada é a cidade do Salva-dor, se estende, no conceito siográco, o

são chamadas no Sul do Brasil são poucousados na Bahia. Câmara Cascudo, em seuDicionário do folclore brasileiro, verbete “Viola”,dá os seguintes nomes: “prima” e “con-traprima” (1._ par); “requinta” e “contra-requinta” (2._ par); “turina” e “contratu-rina” (3._ par); “toeira” e “contratoeira”(4._ par); “canotilho” ou “bordão” e“contracanotilho” (5._ par).

  7. Algumas cerimônias dos cultos doscaboclos comportam violas, como as queenvolvem o “Boiadeiro”, sendo o instru-mento favorito deste.  8. Di-se que o “iúna” imita o canto dopássaro que dá o nome ao toque.  9. N’Totila N’Landu-Longa, emconferência pronunciada no CEAO (10de maio de 1978), da qual há uma grava-ção depositada na biblioteca deste órgão,sugere que “samba”, como vocábulo e fato,é descendente do quicongo sáamba, quesignica o grupo iniciatório no qual umapessoa se torna habilitada para funçõespolíticas, sociais e religiosas, passando asignicar, por analogia, a hierarquia dasdivindades. Edison Carneiro, em Fol-guedos tradicionais (p. 36), sugere que“samba” deriva de semba e signica umbi-

gada, através do qual a dança passa de umapessoa à próxima. Batista Siqueira arma,em A origem do termo “samba” (p. 30), que

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 150

“samba” vem da palavra carirí equivalenteao português “cágado”.

Existem diversas outras explicaçõesetimológicas. Há por exemplo em Lu-

anda, Angola, uma rodovia à beira-mar,chamada “Estrada da Samba”, usada quasediariamente pelo autor deste trabalhoquando teve ocasião de passar uns mesesde 1996 neste país a serviço da ONU. Opedido de uma explicação ao povo do lugarrecebeu, de um informante amigo, a res-posta de que “samba” era “uma espécie debraço do mar”, e de outro participante damesma conversação cordial, “qual nada - é

  12. O Recôncavo baiano é uma ver-dadeira civiliação, embora regional e jáarcaica (veja Machado Neto, 1971, e MiltonSantos, 1959). Nesta civiliação, como em

qualquer outra, as diferenças entre lugarespróximos são às vees nítidas e rigorosa-mente reconhecidas pelos habitantes.

Na cidade de Santo Amaro da Purica-ção, sede do município do mesmo nome,não se canta relativo. No lugar de SantaElisa, do mesmo município, e em Saubara- cidade só recentemente emancipada deSanto Amaro -, o relativo entra a rigor.Em São Bra, também no município de

suas parceiras femininas, seu estilo é maiscomumente um tanto diferente, caracteri-ado pelos movimentos de pernas e braços(conhecidos como “piegas”) mais exube-

rantes e acrobáticos.  14. Existem em todo o Brasil, e mesmoem toda a Bahia, vários estilos do “sapate-ado”. No Recôncavo “sapatear” signicadançar nos pequenos e rápidos movimen-tos do pé característicos do samba. O sa-pateado (ou “sapateio”) pode ser executadofacilmente de pés descalços.  15. Conheço uma certa sambadora, deapelido “Da Véia” (da velha), de Saubara,

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um tabuleiro no interior”. Terreno fértil,mas para outra colheita.  10. Uma exceção é Samba rural paulista deMário de Andrade, trabalho baseado emobservação de campo.  11. O pandeiro tradicional do Re-côncavo consta de um aro de madeira(de preferência jenipapo), com rodelasrecortadas de folhas de andres (hoje em

dia, de tampas de garrafa de cerveja ourefrigerante, achatadas e desamassadas) ecom membrana de pele de cobra, veado oubode (e por esta raão esse instrumento émuitas vees chamado apenas de “bode”).O couro esticado é pregado na orla do aro,e é apertado durante o samba, conformea necessidade, mediante calor gerado pelaqueima de papel de embrulho, papel-jor-nal ou palha. Recentemente, entraramem uso pandeiros industrialiados, commembranas de plástico esticadas por umacoroa de ferro e apertadas por tarrachas deferro. A sonoridade desse instrumento é,evidentemente, diferente da sonoridade doseu congênere artesanal, e os músicos maisortodoxos sentem que o pandeiro moder-no é ruidoso demais. Queixam-se também- mencione-se de passagem - que a mem-

brana de plástico é altamente vulnerável aderretimento e perfuração pelas brasas doscigarros dos seus tocadores.

Santo Amaro, e só uns 18km de Saubara,não entra. O hábito do lugar onde estáse realiando o samba prevalece naquelesamba, mas, já que é comum em qualquersamba a presença de cantores de lugares

 viinhos, porém de hábitos divergentes,são proporcionalmente comuns os choquesestilísticos, e não raros os atritos em tornodeles. [Nota do revisor: a pesquisa realia-

da em 2004 mostra certas diferenças como aqui armado neste ponto. O grupo comque trabalhamos em São Bra canta relati-

 vo, como se percebe na faixa 1 do CD Sambade roda, patrimônio da humanidade].  13. Uma ve que esta descrição visa aoferecer um modelo, use-se como exem-plo a situação, mais comum, de mulhe-res que dançam e homens que tocam osinstrumentos e cantam as chulas. Nãose pretende ignorar a presença de mu-lheres como violeiras (o que de resto émuito raro), nem a de homens na rodade samba. O melhor prato-e-faca queouvi no Recôncavo esteve (e continua) nasmãos de Joselita Moreira (a muito querida“zelita”) de Saubara, e o Exemplo 4 é umatentativa de transcrever o seu estilo. Oshomens, que predominam nas rodas do

sertão, são comuns nas do Recôncavo, massão secundários, e embora possam dançarno mesmo estilo de sapateado, como faem

que samba daquela maneira, segurando asaia com a mão esquerda e acrescentandosua marca registrada de encostar de leve nabochecha direita as pontas dos dedos (ouapenas a do dedo indicador) da mão direi-ta, a palma para cima - olhando para cimacomo se estivesse distraída ou desinteres-sada. Estas marcas registradas maneiristassão permitidas, e mesmo estimuladas,

entre os participantes. Diversas pessoaspodem empregar o mesmo maneirismo,ou semelhante, da mesma forma que cadacantador tem sua própria vo e sua pró-pria maneira de interpretar, mas sempredentro do estilo. Certos maneirismos nãoseriam considerados apropriados ao estilo.O estilo do samba - tanto coreográcoquanto musical - reconhece os elementos eo comportamento que nele não cabem.  16. Convida-se o leitor a comparar adescrição do samba que se fa no presenteestudo com a do fado feita por Manuel

 Antônio de Almeida no seu romanceMemórias de um sargento de milícias (pag. 39 eseg.), que transcorre no Rio de Janeiro“no tempo do Rei”, quer dier, na segundadécada do século XIX.

“Todos sabem o que é o fado, essa dan-

ça tão voluptuosa, tão variada, que parecelha do mais apurado estudo da arte. Umasimples viola serve melhor do que instru-

 

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mento algum para o efeito.O fado tem diversas formas, cada qual

mais original. Ora, uma só pessoa, homemou mulher, dança no meio da casa por

algum tempo, faendo passos os mais di-cultosos, tomando as mais airosas posições,acompanhando tudo isso com estalos quedá com os dedos, e depois pouco e poucoaproximando-se de qualquer que lheagrada; fa-lhe diante algumas negaças e

 viravoltas, e nalmente bate palmas, o quequer dier que a escolheu para substituir oseu lugar.

 Assim corre a roda até que todos te-

quenos Mundos, Tomo I, O Recôncavo, “Bandasde pífanos na Bahia e em Sergipe”, pag.321.

A “Donela Teodora” é, como se sabe,

um dos grandes temas da literatura decordel do Nordeste. A história é compro- vadamente de origem árabe-medieval, efoi estudada por Luís da Câmara Cascudoem Cinco Livros do Povo, Vaqueiros e Cantadores,e outras publicações. Introduida remo-tamente na Península Ibérica, desde 1840

 vem sendo publicada no Brasil, na formade folhetos em prosa, posteriormente em

 versos. Na literatura árabe, aparece em

pag. 50:“O partido alto, que tanto delicia os

 veteranos do samba, não se executa para ogrande público, nem exige a bateria das es-

colas. Ao som de reco-reco, prato e faca,chocalho, cavaquinho e de canções tradi-cionais, como na Bahia - um estribilhosobre o qual o cantador versa ou improvisa- um único dançarino, homem ou mulher,ocupa o centro da roda, passando a vecom uma umbigada simulada. Os antigosrelembram assim “os velhos tempos” dachegada do samba ao Rio de Janeiro.”

O verbete “Partido Alto” na Enciclopé-

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nham dançado.”17. Antônio Moura (“Candeá”),

“primeira”, e Henrique Santana da Silva,“segunda”. A gravação sobre a qual se feesta transcrição foi realiada em 12/4/78,na casa de Candeá, no Alto da Santa Cru,bairro de Salvador. Candeá faleceu emSalvador em 11 de março de 1988.  18. Antônio Moura, comunicação

pessoal, 1978.  19. Lira?  20. Jiquiriçá?  21. Os versos desta chula são umacuriosa incorporação da “Donela Teo-dora” - velha história popular portuguesapassada para o Brasil - ao folclore musicaldo interior baiano. Ainda recentemente,o pesquisador Nélson de Araújo, um dostradutores deste trabalho, encontrou omesmo tema literário servindo à melodiade um dos “toques” de conhecida banda depífanos de Uauá, no sertão baiano de Ca-nudos. A melodia, recolhida por um dosintegrantes da banda no começo do séculoe desde antão faendo parte do seu reper-tório de “toques” fora originariamenteuma modinha cantada pela população deUauá tal como relata Nélson de Araújo,

primeiro em artigo intitulado “Calumbi, abanda baiana de pífanos”, publicado em  ATarde (edição de 9.12.84) e depois em Pe-

 várias coleções das Mil e Uma Noites.  22. Dança de salão de origem norte-americana dos anos 1920 (e das boates debebida clandestina da lei seca) que levao nome do porto importante do estadode Carolina do Sul, fundado no tempocolonial inglês e, por sinal, berço de umacultura africana-norteamericana de peso.  23. A semelhança do “sapateado”

do Rio Grande do Sul e dos “piegas” do“lundu”, ainda assim conhecido no sertãoda Bahia, certamente merece mais estudoem termos de formas arcaicas e possivel-mente em termos de uma remota formaçãomusical e coreográca do Brasil.  24. A palavra “chula” (forma femini-na de “chulo”) signica como se sabe, emseu sentido mais geral, “vulgar, rude ourústico”.  25. Por sinal, “comadre” ou “com-padre”, como se sabe, pode signicar,segundo costume do Recôncavo, amiadeou título de respeito e afeto mútuos, alémdo relacionamento sacramental.  26. Agradece-se ao Prof. Cid Teixeirapor esta elucidação, feita em comunicaçãopessoal.  27. Falecido no início da década dos

anos noventa.  28. Sobre o “partido alto”, escreveEdison Carneiro em Folguedos Tradicionais,

dia da Música Brasileira: Erudita, Folcló-rica e Popular di o seguinte:

“Tipo de samba dançado nos morroscariocas. Traido da Bahia para a cidade doRio de Janeiro em ns do século passa-do, foi um dos elementos formadores dasescolas de samba. Dançado em roda, carac-teria-se por não haver dança enquanto setira o canto estróco, sem refrão. Depois

de cantada cada estrofe, um dos raiadores(dançarinos) sai sambando e, partindo dostocadores, dá duas voltas na roda, termi-nando com a umbigada. O que a recebe saidançando, depois de cantada outra estrofe,e assim sucessivamente. As mulheres mui-tas vees dançam o miudinho. Os partici-pantes batem palmas, marcando o ritmo eacompanhando os instrumentos: violões,cavaquinhos, autas, pandeiros e prato-e-faca.”  29. zilda Paim. Comunicação pessoal,1980.  30. Rafael Alves França, “Cobrinha

 Verde”. Entrevista gravada em 12 de se-tembro de 1977.  31. Numa conversa de botequim algunsanos atrás no Alto da Santa Cru, pertoda casa de Marcelino, o autor e alguns

praticantes do samba de viola, entre eles oMarcelino, estavam trocando idéias sobreo tipo de música que a gente apreciava. O

 

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autor, quase pedindo desculpas, disse quegostava de, entre outras coisas, “músicaclássica”. Marcelino não vacilou: inter-

 veio com animação, “Eu também gosto da

música clássica – samba de viola!”  32. Soua Carneiro (pai de EdisonCarneiro), em Os mitos africanos no Brasil (pag.436 e segs.) arma que o samba era uma“dança dos negros feita sempre em honraaos Orixás, por algum motivo religioso. . . saindo dos candomblés para o meioda rua” só após “os primeiros séculos dodescobrimento”.

Valiosa elucidação de notável caso de

 vees o samba de um dia emendava com amanhã do outro. Hoje o Samba de Oxum,pelas diculdades de vida das pessoas queo compõem, mudou. É feito somente com

atabaques, agogô, o prato-e-faca e as pal-mas, e é realiado num dia só.Nesse dia, as expectativas das pessoas na

casa cam voltadas para o Samba de Oxum,que geralmente se inicia à tarde e segueaté que se dê a festa por encerrada, com asaída da coinha do tradicional bacalhau amartelo.

As mulheres se arrumam com o traje de‘crioula’, todas elas muito enfeitadas com

 vital do autor). A música do candomblépara Omolu na casa do primo-viinho éinteiramente audível na gravação, ao fun-do, assim como se ouve a discreta entrada

do timbal mencionado vários parágrafosadiante.Além disso, e por certo digna de regis-

tro, é a realiação de uma cerimônia muitarara, levada a efeito pela última ve depoisde muitos anos de cumprimento em SãoBra por uma senhora, que então a estaparte faleceu.

Referimos-nós à “comida dos cachor-ros”. Como foram os cães que, com suas

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um samba (de viola, da forma que ve-remos) que não saiu do candomblé foigentilmente fornecida por Márcia Mariade Soua em abril de 1985, em forma depequeno manuscrito, aqui publicado pelaprimeira ve.

O Gantois - um dos terreiros da Bahiamais respeitados por sua ortodoxia e a me-ticulosidade com que cumpre as obrigações

da casa - da mãe de santo Maria EscolásticaConceição Naareth, mais conhecida comoMãe Menininha, comemora anualmenteum Samba de Oxum.

Os eventos rituais da casa obedecem aum calendário de festas móveis começandona última sexta-feira de setembro com as

 Águas de Oxalá. Este ciclo de festas públi-cas continua até festejar todos os orixás,encerrando-se nos ns de novembro ouno início de deembro. A festa de Oxum,orixá da mãe de santo, é uma das maisimportantes da casa. Realia-se, geralmen-te em novembro, a festa de Oxum numdomingo e, na segunda-feira seguinte, oSamba de Oxum.

Segundo alguns informantes, essesamba, até mais ou menos 1980, era sambade viola, com todos os elementos que

normalmente compõem esse tipo de ‘brin-cadeira’: viola, atabaque, prato-e-faca, eas palmas. Eram três dias de samba, e às

torço, colares e pulseiras. Estão, na suamaioria, descalças. O samba pode começarno salão, onde se realia o candomblé,e terminar na coinha, ou vice-versa. Às

 vees, ainda arrumando a coinha após oalmoço, o samba vai começando, até quesurja um tocador de atabaque. Assim, osamba se arruma e vai para o salão, ondecam todos em círculo, batendo palmas.

São as próprias mulheres que tiramo samba, uma por uma, horas seguidassapateando, segurando nos lados da saia,levantando-a um pouco em certos mo-mentos. Cada mulher tem suas caracterís-ticas próprias no uso dos pés e dos braços.

 A mulher na roda escolhe sua sucessorae a chama, ora com a umbigada, ora comas mãos juntas estiradas e dirigidas para aoutra.

As pessoas no samba vão se reveandona roda e nos instrumentos musicais, atéser servido o bacalhau a martelo, que ter-mina o ritual Samba de Oxum.  33. A rea e o samba aqui usados comomodelos realiaram-se da noite de 15 paraa manhã de 16 de agosto de 1978, e foramgravados quase na íntegra pelo autor,com a parceria de Gilberto de Lemos

Sena (parceiro, aliás, irmão inseparável eindispensável nas investidas de “campo”que produiram este trabalho e esta época

lambidas, sararam as feridas de São Láaro,oferecia-se todos os anos aos cachorros deSão Ba (começando com sete escolhidos),em homenagem a esses animais, assimcomo ao santo, um banquete completocom vinho (Vinho Composto Jurubeba“Leão do Norte”), seguido por um ciclo decantos em louvor ao santo. Este costumeextremamente raro tem sido registrado

noutras partes do Brasil. [Espera-se queGilberto Sena possa realiar a sua pla-nejada e mais detalhada descrição destebanquete de São Bra, a despeito da mortede quem a promovia.]  34. A roda é uma dança circular,acompanhada de cantos, geralmenterealiada fora de casa, em metro bináriosimples, ritmo quadrado e em andamentomoderado de marcha.  35. Quipá é uma erva que provocacomichões.

 

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detAlhe de bAIANA 

do SAmbA de RodA 

SueRdIeck. foto:mÁRcIo vIANNA.

 

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  • Reisado zé de Vale, TVE-Bahia, 2002.  • Recôncavo na palma da mão,TVE-Bahia, 2002.  • Dança de São Gonçalo, TVE-Bahia, 2002.  • Festa de São Roque, TVE-Bahia, 2003.

  • Cosme e Damião, TVE-Bahia,2003.

 

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Anexo 1partituras

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SAmbA de RodA 

bARquINhA de bom

 JeSuS, de bom JeSuS doS

PobReS, SAubARA. foto:luIz SANtoS.

PÁGINA 215

SolIStA do SAmbA de

RodA SueRdIeck: foto:

mÁRcIo vIANNA.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 10

Anexo 2parecer dorelator

De Maria Cecília Londres Fonseca,relatora do Processo de Registrodo Samba de Roda do RecôncavoBaiano no Conselho Consultivo do

dades, que a princípio poderiamconstituir problemas para umainstrução bem fundamentada, na

 verdade se revelaram desaos que

não denir, no texto do decre-to, um “conceito” de patrimônioimaterial, remetendo apenas aoartigo 216 da Constituição Federal

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Patrimônio Cultural - Iphan

Introdução O processo de Registro do“Samba de roda no Recôncavobaiano” no Livro das Formas deExpressão é o quarto pedido en-caminhado a este Conselho, eo segundo a ser indicado para oLivro em questão. Perfeitamente

adequado, como os que o antece-deram, aos termos de decreto n°3.551/2000, apresenta, no entan-to, particularidades tanto na formade seu encaminhamento quanto àprópria naturea do objeto, carac-terísticas que o singulariam e queserão levadas em consideração no

presente parecer.Entendo que essas particulari-

 vieram enriquecer o entendimentodessa manifestação em particulare da própria noção de patrimô-

nio imaterial. O conhecimentogerado pela instrução do processo vem, portanto, contribuir para aconstrução dessa noção, formuladarecentemente e ainda pouco ela-borada, tanto no Brasil como nocontexto internacional.

Nesse sentido, considero que

a decisão tomada pela Comissãoinstituída pelo ministro Francis-co Weffort em 1998 para proporinstrumento legal voltado para apreservação do patrimônio culturalbrasileiro tem se mostrado, na prá-tica, o caminho mais frutífero paraa construção desse campo semânti-

co que é também objeto de políticapública. Rero-me à decisão de

gde 1988, e deixando que o próprioprocesso de aplicação do decreto vácriando uma jurisprudência a partir

da análise dos pedidos apresenta-dos.Com essa estratégia, todas as

informações e análises reunidas eminstruções, pareceres e documentosproduidos no cumprimento dasexigências burocráticas de anda-mento dos processos adquirem

um valor suplementar, na medidaem que, uma ve consolidadas embancos de dados e em trabalhos decaráter analítico e teórico, cons-tituem a base para a formulaçãode políticas para o setor. E, nesseprocesso, acredito que o papel doConselho Consultivo do Patrimô-

nio Cultural, enquanto representa-ção da sociedade, necessariamente

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 11

será, conforme reivindicado por vários conselheiros em mais de umaocasião, e proposto pelo DPI doIphan, o de parceiro na formula-

cluindo, como é indispensável nocaso de um “patrimônio cultural

 vivo” , os produtores e transmisso-res dos bens culturais de naturea

para sua salvaguarda.Tendo como fundamento o

exame da documentação que mefoi encaminhada, como premissa o

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ção e avaliação de políticas, e nãoapenas de instância decisória no

 julgamento dos processos caso a

caso, como tem ocorrido com ostombamentos. Acredito também que a propos-

ta de regulamentação do decreto, ea sistemática de sugestão de critériose prioridades – já encaminhados aesse Conselho - constituirão balia-mentos sólidos e indispensáveis ao

bom andamento de sua aplicação,tanto para as instâncias técnicas edecisórias quanto para a sociedade,no sentido de dar consistência e vi-sibilidade a noções ainda nebulosas,haja vista a freqüente confusão de“registro” com “tombamento”.Com essa dinâmica, cria-se um

campo de diálogo constante entre as várias instâncias envolvidas – in-

imaterial – que certamente contri-buirá para práticas políticas maiságeis e democráticas.

Considero que a instrução doprocesso do “Samba de roda doRecôncavo baiano” cumpre ple-namente as exigências de rigor napesquisa etnográca e de sensibi-lidade para os aspectos políticos desua motivação. Em um curtíssimoespaço de tempo, a equipe coorde-

nada pelo Professor Carlos Sandro-ni realiou um trabalho exemplarno sentido de fornecer não só oselementos para uma avaliação dapertinência de se registrar o bemem questão como também de esta-belecer desde o início uma relaçãode diálogo com os grupos de samba

de roda, apresentando, como basenesse contato, sugestões pertinentes

estabelecido no decreto n° 3.551, ecomo orientação as consideraçõesfeitas acima, passo à apresentação

do meu parecer.

Análise do processoO pedido de Registro do “Sam-

ba de roda no Recôncavo baiano”,encaminhado ao Iphan em 13 deagosto de 2004, foi precedido pelolançamento da candidatura do sam-

ba à terceira edição do programada Unesco intitulado “Proclamaçãodas Obras-Primas do Patrimôniooral e Imaterial da Humanida-de”, amplamente divulgado pelaimprensa em março e abril desteano. Essa decisão, apresentada pelopróprio Ministro da Cultura, teve

grande impacto, provocando umdebate em torno da proposta.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 12

A abertura do processo juntoao Iphan, feita em 13 de agosto de2004, com base em pedido enca-minhado por três associações da re-

do pela antropóloga DominiqueGallois, aqui tratava-se de cir-cunscrever no amplíssimo e difusocontexto do samba brasileiro uma

– o fato de o samba de roda baianoestar na origem do samba carioca, oque é comprovado por várias fonteshistóricas citadas – vem ao encon-

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gião do Recôncavo baiano, é frutode um amadurecimento da primei-ra proposta mencionada acima, e

 já no curso da elaboração do dossiêpara a Unesco. Embora o mesmotenha ocorrido com o processo deRegistro da “Arte Kusiwa dos Wa-

 jãpi”, nesse caso a situação era bemmais complexa em vários aspectos:na denição do objeto, na ne-cessária articulação com os grupos

envolvidos com o bem em questão,e na elaboração de um plano desalvaguarda.

Se no caso da arte kusiwa dos Wajãpi, a construção do objetodo pedido de registro foi bastantefacilitada pelo trabalho junto a essegrupo indígena, por muitos anos,

do Núcleo de História Indígena eIndigenismo da USP, coordena-

manifestação que fosse espacial-mente delimitável, culturalmenterelevante e, sobretudo, cuja distin-

ção, no universo musical e coreo-gráco tão diversicado do samba,estivesse fundada numa justicativaconsistente. Decisão técnica mastambém política, dada a importân-cia do samba como “símbolo musical danacionalidade” (p. 69) na medida emque o sentido do termo “samba” foi

adquirindo uma amplitude e umapolissemia que levam, freqüente-mente, a que seja identicado àMPB em suas ricas e inumeráveis

 versões. A leitura da instrução do pro-

cesso demonstra, no meu entender,o acerto da proposta e a consis-

tência na construção do objeto. Oprincipal argumento apresentado

tro do requisito de “continuidadehistórica” mencionado no pará-grafo 2o. do artigo 1o. do decreto

n° 3.551/2000. Além disso, essefato é pouquíssimo conhecido pelagrande maioria dos brasileiros, e,sem medo de incorrer em exagero,poderíamos dier que é quase umaquestão de justiça tornar públicaessa informação e conferir a essamanifestação o devido reconhe-

cimento enquanto patrimôniocultural brasileiro. Nesse sentido– e, no meu entender, muito maisapropriadamente do que no casode um eventual registro do “samba”– a outorga do Registro ao sam-ba de roda do Recôncavo baiano

 viria cumprir uma das principais

motivações para a criação desseinstituto legal: propiciar o de-

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 13

senvolvimento de uma política depatrimônio cultural mais inclusivae mais representativa da diversidadecultural brasileira, privilegiando

l if b

que essa última é a “raiz”, uma espécie desobrevivência anacrônica, na qual a primeirase inspira e se vivica.” (p. 61) Esse, ali-ás, é um dos maiores desaos para

lí i l d i

parecimento dessas manifestaçõesdeva-se ao repúdio ou, no mínimo,à indiferença das novas gerações,que preferem se identicar com os

l i l d i d

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aquelas manifestações que, emboraapresentem “relevância nacionalpara a memória, a identidade e a

formação da sociedade brasilei-ra” (art. 1o. par. 2o. do decreton° 3.551/2000), não goam dereconhecimento nem de valoria-ção por parte da sociedade (o queconsidero a forma mais eciente desalvaguarda), nem dos benefíciosda proteção via direitos legalmente

regulamentados (como o direito deautor, de propriedade intelectual,de patente, etc.).

Citando o texto do dossiê,quando esse reconhecimento se dá,expressa “a distância que vai da valorizaçãonos meios de comunicação de massa a umavalorização no seu contexto original. As idéias

 preponderantes sobre as relações entre “música popular” e “música folclórica” estabelecem

as políticas voltadas para o patri-mônio imaterial: ir de encontro auma conotação de “primitivismo”

que se atribui aos bens culturais denaturea imaterial, que, ao mesmotempo em que os idealia comoresquícios puros de um passado, efonte para a criação contemporâ-nea, termina por “aprisioná-los”em determinadas versões e – o queé mais grave – em determinadas

condições de produção, associandoa criatividade dos produtores às ca-rências de seu modo de vida. Essassão posturas que costumam estarembutidas na exigência de auten-ticidade, criando-se assim uma cor-relação quase perversa entre valorcultural e desvaloriação social. Não

é de surpreender, portanto, queum dos principais riscos de desa-

 valores veiculados a partir dos gran-des centros urbanos pelos meios decomunicação de massa. Trabalhar

no sentido de entender os bens cul-turais de naturea imaterial comoexpressões de nossa diversidade cul-tural signica quebrar essa equaçãode lugares marcados, e contribuirpara que sua produção e transmis-são possam retomar plenamente sua

 vitalidade.

Voltando ao caso do samba deroda, o fato de essa expressão tersuas raíes na cultura afro-brasileiradesenvolvida no contexto da escra-

 vidão vem reforçar o argumentoda continuidade histórica, assimcomo a presença de elementos dacultura traida pelos europeus (por

exemplo, o prato e a faca) e mesmode elementos caboclos. Do mesmo

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 14

modo, a pesquisa demonstra que osamba de roda tem um caráter “sin-crético”, pois é tocado e dançadotanto em festas religiosas católicas

lt d d blé

marcada pelas imagens dos deslesdas escolas de samba no período docarnaval.

Embora todos esses traços con-t ib di ti i b d

brasileiro assume por ocasião dosdesles carnavalescos.

Considero, portanto, que aconstrução de um possível objetod R i t t l f l d

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como em cultos de candomblé. Ao argumento da “continuidade

histórica” se soma a caracteria-

ção do samba de roda como umamanifestação singular quanto a suaexpressão musical e coreográca. A minuciosa descrição feita na ins-trução do processo identica doistipos de samba de roda – “chula”e “corrido” – diferenciando-os apartir dos instrumentos utiliados,

das peculiaridades rítmicas, mu-sicais e coreográcas, e da codi-cação da participação de homens emulheres. A própria utiliação dotermo “sambador/a” para desig-nar os participantes os diferenciados “sambistas” do samba carioca,gênero identicado como “samba

brasileiro”, e cuja representação,sobretudo no exterior, é muito

tribuam para distinguir o samba deroda das manifestações contempo-râneas mais conhecidas do samba,

há um traço enfatiado no texto dainstrução que, a meu ver, constituium dos valores mais signicativosdessa forma de expressão da cultu-ra nacional, e que é característicotambém do pagode (em sua versãotradicional) e de outras versões dosamba brasileiro: a “espontaneida-

de” de sua ocorrência, constituin-do-se como uma forma de expres-são profundamente internaliadanos indivíduos e grupos que o têmcomo parte de seu repertório cultu-ral. A própria expressão “o sambaacontece” é elucidativa de uma ma-nifestação não ritualiada do samba,

contribuindo para relativiar ocaráter de espetáculo que o samba

de Registro, tal como formulada nainstrução do processo, está bastanteconsistente, a não ser por um deta-

lhe aparentemente irrelevante : emalguns documentos a referência é a“samba de roda Recôncavo baia-no” (pedido de registro, ofício deencaminhamento do Presidente doIphan); já o título do dossiê refere-se a “samba de roda n Recôncavobaiano”. Entendo que a diferença

não pode ser entendida como umamera variação vocabular: no pri-meiro caso, o leitor é induido aconsiderar o samba de roda nessaregião como um gênero especíco,com características próprias bastan-te marcadas; já na segunda redação,a impressão que ca é de que a re-

ferência é à ocorrência, na região,de um gênero existente também em

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 15

outras localidades. Conforme pudedepreender da leitura da documen-tação, a primeira redação me parecemais apropriada, na medida emque o samba de roda tal como foi

lado e legitimamente reconhecidopelos indígenas para representá-losnas negociações junto às outras ins-tituições envolvidas no encaminha-mento do pedido inclusive junto

sonoro produido pela pesquisa.Essa conduta distingue a produçãode uma pesquisa etnográca comns estritamente acadêmicos docompromisso dos pesquisadores

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que o samba de roda tal como foiapresentado na instrução do pro-cesso pode ser considerado como

uma forma de expressão enraiadapredominantemente no Recôncavobaiano, onde teriam sido desen-

 volvidas as características que osingulariam como gênero musicale coreográco. É importante queessa ambigüidade seja resolvida,optando-se pela redação que for

 julgada mais adequada.Quanto ao processo de cons-trução de articulações que viabili-em o registro e posteriormente asalvaguarda do bem, observo tam-bém uma importante diferença emrelação ao caso da arte kusiwa. Opedido dos Wajãpi foi encaminha-

do pela APINA – o Conselho de Aldeias Wajãpi, interlocutor articu-

mento do pedido, inclusive juntoao Estado nacional. No caso dosamba de roda, o próprio relatório

de pesquisa menciona os inúme-ros grupos identicados (sendo desupor que possa haver outros aindanão identicados) que não estãoarticulados, em seu conjunto, emqualquer tipo de organiação ouassociação. Por esse motivo, foimuito graticante perceber que o

processo de elaboração do dossiê deinstrução levou esse fato em conta,tratando as pessoas contatadas nãoapenas como meros informantes,mas como interlocutores e par-ceiros na produção do trabalho,lançando inclusive bases para umafutura organiação ao reuni-los

para discutir a proposta e entregan-do-lhes cópias do material visual e

compromisso dos pesquisadorescom o que seriam os primeiros pas-sos de uma intervenção conduida e

regulamentada pelo poder público,que será totalmente inócua sem aadesão dos principais interessados,mesmo se atendida a exigência deanuência prévia. A propósito, anecessidade de envolver os “gru-pos, comunidades e indivíduos”na preservação dos bens culturais

imateriais foi um ponto bastanteenfatiado na elaboração da Con- venção da Unesco para a salvaguardado patrimônio cultural imaterial,preocupação signicativa sobretudose considerarmos que a interlocu-ção desse organismo internacionalse dá essencialmente com os Estados

nacionais.Finalmente, e no mesmo

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 16

sentido apontado acima, é bastantepositivo o fato de que as propostasde salvaguarda tenham como basenão apenas os dados coletados pelapesquisa como também as reivindi-

a vivência do samba de roda em, digamos,Santiago do Iguape (que ca a menos de 50km da casa de dona Edith em Santo Amaaro).

 A cadeia de mediações que vai do palco doFestival TIM ao adro da igreja de Santiago

quisas. As ações de apoio propostas– e que se enquadram perfeita-mente nos requisitos do ProgramaNacional do Patrimônio Imaterial– visam a assegurar “condições de

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pesquisa como também as reivindicações dos sambadores e sambado-ras, que freqüentemente expressam

“revolta” com o que consideramindiferença do poder público, queprestigiaria formas musicais maisconhecidas pelo grande público,favorecidas assim com retorno co-mercial. Mas, como se observa mui-to apropriadamete no dossiê, essasreivindicações dos grupos, ainda

que perfeitamente legítimas, nãosão elemento suciente para a ela-boração de medidas de salvaguarda.

 Vale citar aqui o texto da pesquisa:

“Neste quadro, a valorização do samba deroda como gênero comercial – manifesta-da por exemplo na premiação do CD de D.

Edith do Prato pela TIM em 2004 – podenão ter nenhuma repercussão positiva sobre

Festival TIM ao adro da igreja de Santiagodo Iguape é demasiado complexa. Em todocaso, se se pode argumentar que tal premiação

traz embutida pelo menos a possibilidade deum efeito positivo na outra ponta, deve-sereconhecer que, para que tal efeito se realize, é 

 preciso justamente atuar na referida cadeia demediações.” (p. 17)

 As medidas de salvaguarda pro-postas no dossiê levam em conta o

interesse de se preservar essa mani-festação cultural enquanto patri-mônio dos sambadores e sambado-ras, agregando-lhe valor enquanto“Patrimônio cultural do Brasil”.Essa perspectiva implica, portan-to, num trabalho extremamentecomplexo que vai bem além do que

nos anos 70-80 denominávamos de“devolução” dos resultados das pes-

visam a assegurar condições desustentabilidade” de uma tradiçãoe envolvem necessariamente con-

dições materiais e simbólicas desobrevivência da atividade e de seusexecutantes. As medidas propostaspreliminarmente no dossiê são:

• Apoio à fabricação e conser- vação dos instrumentos (principal-mente do machete)  • Apoio à formação de fabrican-

tes de instrumentos e de violeiros• Acesso dos grupos ao materialdas pesquisas por meio da criaçãode um espaço, na região, para guar-da e disponibiliação do material,e de um sistema que possibilite oacesso a todos os interessados  • Divulgação ampla para o pú-

blico de informações sobre o sambade roda.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 17

A preocupação com um pla-no de salvaguarda, que envolvenecessariamente inúmeros atorese iniciativas, embora não este-

 ja explicitamente mencionada no

ConclusãoMeu parecer é inteiramente

favorável ao registro do Saa ra Rôna baian noLivro das Formas de Expressão,

de dados do Iphan e ampla divul-gação e promoção – se prossiga notrabalho de elaboração de um planode salvaguarda que, se adequada-mente realiado, muito provavel-

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j pdecreto n° 3.551/2000, já estava dealgum modo implícita na exigência

de revalidação periódica do títulode “Patrimônio Cultural do Bra-sil”. Deve-se à inspiração em umaoportuna exigência do programa“Proclamação das obras-primas dopatrimônio oral e imaterial da hu-manidade” da Unesco. No Brasil,essa preocupação pode ser enten-

dida como fruto da experiênciaacumulada com os mais de sessentaanos de vigência do instituto dotombamento, e signica o reco-nhecimento de que o recurso a uminstrumento legal é etapa necessáriamas não suciente para viabiliar apreservação de um bem, sendo que

o Estado tem funções denidas maslimitadas nesse processo.

p ,na medida em que os elementoscontidos na instrução do proces-

so evidenciam que se trata de umatradição viva e de relevância culturalde âmbito nacional. A essas quali-cações, cabe lembrar a responsabi-lidade do Estado junto aos gruposde sambadores e sambadoras nosentido de que a outorga do títulode “Patrimônio Cultural do Bra-

sil” não se limite a uma distinçãohonoríca, mas signique um realinvestimento na salvaguarda des-sa forma de expressão musical ecoreográca tão representativa dadiversidade cultural brasileira. Poressa raão é fundamental que, aoscompromissos previstos no texto

do decreto n° 3551/2000 – docu-mentação a ser incluída em banco

, pmente contribuirá não apenas paraa continuidade histórica do samba

de roda, como para sua expansão edifusão, sem que quem compro-metidos os valores que justicaramo registro.

Brasília, 28 de setembro de 2004.

maria ciia lnrs fnsa

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 18

Contatos dos grupos

1. Samba Chula de São Bra(75) 3216.1074 / 3241.2557(falar com Fernando)

2. Associação Cultural Filhos deNagô (São Félix)(75) 3425.2234(falar com Mário dos Santos)

3. Samba Chula Filhos da Pitan-

gueira (São Francisco do Conde)(71) 3651.1928(falar com zeca Afonso)

4. Samba da Suerdick (Cachoeira)(Associação Cultural do Samba de

7. Samba de Roda Raíes de Angola(São Francisco do Conde)(71) 3651.2148 / 9971.6424(falar com Alva Célia)

8. Samba de Roda Suspiro do Igua-pe (Santiago do Iguape)(71) 9961.2087(falar com Nalva)

9. Samba de Roda União Teodo-rense

(75) 3237.2470(falar com Mário César)

10. Clemente e Sua Gente(75) 3238.2666(falar com Clemente)

Anexo 3

grupos epessoascontactadas

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( ç tRoda “Dalva Damiana de Freitas”- Cachoeira)

(75) 3425.4218 /[email protected](falar com Ane)

5. Sambadores de Mutá e Pirajuía(71) 9606.6653(falar com Mirinha)

6. Samba da Capela (Conceição do Almeida)(75) 3629.2683(falar com Fátima ou Jaelson)(75) 3629.2360(falar com Marina)

( t )

11. Samba do Rosário (Saubara)

(75) 9112.1545(falar com Rosildo)(75) 3696.1652(falar com dona Anna)

12. Samba de Viola de Pitanga dosPalmares (Simões Filho)(71) 9105.2633

(falar com Bernadete)

13. Samba Chula Os Vendavais(Salvador)(71) 3247.874 / 9158.1287(falar com Mestre Nelito)

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 1

14. Samba Resgate (Itapecerica– Maragogipe)(75) 3526.2502 / 3526.1195 /3526.2968(falar com Paulo Cear ou MariaSão Pedro)

15. Samba Chula de Maracangalha(Maracangalha – São Sebastião doPassé)(71) 3656.6002 / 3656.6039(falar com Mestre Pedro)

16. Rita da Barquinha(Bom Jesus dos Pobres – Saubara)(75) 3699.2149(falar com Rita)

Pessoasentrevistadas

Cabaceiras do ParaguaçuFrancisco Pereira Xavier

 Antonio Anselmo da PaDistrito de Geolândia – MadalenaRamos

CachoeiraSamba de Roda Amor de MamãeSamba de Roda Filhos do Caquen-

deSamba de Roda Filhos da BarragemDistrito de Alecrim – Maria AleluiaBelém – Glória Maria Amaral dosSantosPovoado da Pinguela – Francisco

Governador MangabeiraPovoado da Aldeia – MarivaldoRodrigues dos ReisPortão – Leopoldo Silvério daRocha

Lauro de FreitasBairro Portão – Samba de ViolaUnidos de Portão – Florisvaldo So-ares de Aevedo (Mestre Paiinho)

Maragogipe

Coqueiros – Ricardina Pereira daSilva (Dona Cadu) e Fátima Lui

São FélixMatatauba (Outeiro Redondo/Boa

 Vista) – Isabel Conceição (Dona

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17. Grupo Brilho do Samba (Para-fuso – Camaçari)

(71) 3668.1448(falar com Miro)

gLeal e Antonio LealSantiago do Iguape – Domingos

Conceição

CamaçariParafuso – Bumba-meu-Boi deParafuso – Valdomiro

Conceição do AlmeidaMarina Santos e Maurício Carvalho

Santos (conhecido como Moura,sobrinho de D. Marina)

Castro AlvesSeu Elmiro Santiago, conhecidocomo Seu Bilinho

çBeka)

São Francisco do CondeIlha do Paty – Samba das Paparutas– Altamirando Amorim

 Vera Cru (Ilha de Itaparica)Mar Grande – Samba Tradicio-nal da Ilha – Gerson Francisco da

 Anunciação (Mestre Quadrado),

Mestre Manteiguinha, Mestre Ri-mum, Dona Aurinda

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 200

  • AMAFRO - Sociedade Amigosda Cultura Afro-Brasileira  • Associação Cultural de Preser-

 vação do Patrimônio Bantu - ACBANTU  • Associação de Pesquisa emCultura Popular e Música Tradi-cional do Recôncavo  • Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federalda Bahia  • Comissão Baiana de Folclore

  • Correios  • Fundação Cultural do Estadoda Bahia  • Fundação Gregório de Mattos  • Fundação NICSA   • Ministério das Comunicações

Prefeituras que aderiram ao Termode Compromisso e Adesão que visaa execução do Plano de Salvaguardado Samba de Roda até setembrode 2006 (Termo rmado entre oMinistério da Cultura, o Iphan eMunicípios do Recôncavo Baiano):

• Cabaceiras do Paraguaçu  • São Sebastião do Passe  • Santo Amaro  • São Félix  • Castro Alves

  • Teodoro Sampaio  • Saubara

 

Anexo 4instituiçõesparceiras

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  • Prefeitura de São Francisco doConde

  • Pronac/Petrobrás  • Universidade Estadual daBahia - UNEB  • Universidade Estadual de Feirade Santana - UEFS

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }201

Anexo 5

letras do cdsamba de roda- patriMônio dahumanidade

1. dn a asa, gi agra(Samba tradicional do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00001

Saa ca Sã bra

Dono da casa,eu cheguei agoraFoi agora que eu chegueiCheguei agora, cheguei agoraCom Deus e Nossa Senhora

Eu vi conversa de homem

Eu vi grito de rapaz Eu vi conversa de homemÉ assim que homem faz 

Eu saí pra meu trabalhoDeixei Luíza em casa

 No mar não vouPor que não sei nadar 

 A maré tá muito cheia A canoa não pode passar  No mar não vou, aê Tenho medo de morrer, ah ah

Gravado em 31 de julho de 2004, no res-taurante Nando’s Mariscos, em São Bra,município de Santo Amaro da Puricação.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO 

 João Saturno (João do Boi): vo, pandei-ro / Máximo Ferreira Silva (Maçu): vo,pandeiro / José Alves Ferreira (zé QuerMamar): vo, pandeiro / Antônio Satur-no (Alumínio): vo, pandeiro / AugustoLopes (Nininho): viola / Lídio Chagas de

 Jesus (Lidião): violão / Carlos Mivaldo( )

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Deixei Luíza em casa

Luíza se descuidou

Labareda me roubouLuíza, minha nêgaEu vou ver LabaredaMe leva pra Salvador, MorenaMe leva pra Salvador, Morena

Eu saí pra meu trabalhoDeixei Luíza em casa

Luíza se descuidouLabareda me roubou

Luíza, minha negaEu vou ver labareda

Que dor mamãe, que dor mamãe,Que dor mamãe, minha mãe que dor 

Santana (Babau): marcação / José Carlosdos Santos (zé dos Santos): marcação.Coro, palmas e sambadeiras: Catarina

Chagas de Jesus (Nildete) / Doralice San-tanade Almeida (Dora) / Faustina Ferreirada Silva / Maria Raimunda de Jesus Satur-no / Raimunda Nonato de Soua (Mundi-nha) e público presente no local.

São Bra é um distrito do município deSanto Amaro. O Samba Chula de São Braé um dos grupos de samba de roda mais

requisitados da região, tendo tambémparticipado de CDs comoTradução/Tradição,do compositor sant’amarense RobertoMendes, de um vídeo da série Música do Brasil(produida por Hermano Vianna), e deprojetos com Antonio Nóbrega e Maria

Betânia.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }202

2. Filho de Nagô / Rio Paraguaçu(Mário dos Santos)BR-OIJ-06-00030Grp cra fis Nagô (Sãfi)

São Benedito é negroEu sou lho de Ogum

Vem mexer, adeus mana,Ó meu pai Senhor Ogum

São Benedito é negro

Eu sou lho de nagôSão Benedito meu paiEle é o nosso protetor 

São Benedito é negroEu sou lho de nagô

Paraguaçu, tu embeleza’ Cachoeira

Ó meu Paraguaçu... 

Gravado no dia primeiro de agosto de

2004, no Centro Cultural Dannemann,em São Félix.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃOEvandro César Pereira Lessa (Césardo Samba): vo principal, pandeiro /Franklande Leal dos Santos: vo, violão /Nelito Bernadino de Soua (Dunga): vo,pandeiro / Geovane Matos Santos (Geo

Santos): viola / Renivaldo da Silva Neves(Neto): banjo / Robson Damião Moreira(ndio): timbal / Genivaldo Ângelo de Je-sus (Geni): timbal / Gilson Lima Moreira:triângulo.

Os Filhos de Nagô participaram, com

3. N as sn(zeca Afonso)BR-OIJ-06-00004Saa ca fis a Piangira (São

Francisco do Conde)

  Ai, iá, lê, ô Ai, iá, lê, ô No meu castelo de sonhoMeu amor tá na janelaOnde ela é a rainhaEla é somente minhaE eu sou somente dela

Lê, lê, ô, lê, lê lê, lê, lá, lá Eu cheguei agoraBoa noite pessoal

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u sou lho de nagôSão Benedito meu paiEle é o nosso protetor 

Tanto tempo eu te faleiMas não me canso de falar É do Rio ParaguaçuÔ meu povo, vamos todos abraçar 

Sempre ter o que comer Sempre ter o que beber Paraguaçu, quem te viu e quem te vê 

Ó meu Paraguaçu,Ó meu gigante rio,Teu nome é parteDa história do Brasil

 Jogue o lixo no lixo

Vamo’ acabar com essa sujeira

outros grupos de São Félix e Cachoeira, dopioneiro CD produido pela Coordenaçãode Folclore e Cultura Popular (MinC) em1994, Samba de Roda no Recôncavo Baia-no. Em 2004, o grupo lançou oCD Viola velha.

 Ai, iá, lê, ô Ai, iá, lê, ô

Se você quiser saber Onde é essa morada

Vá morar na PitangueiraTerra boa abençoadaSe você for lá um diaVá ver a losoaDo sambador da pesada

Se a Anália não quiser ir,Eu vou só, eu vou só

 Ai, iá, lê, ô Ai, iá, lê, ôSambador da Pitangueira

É parada muito quentePrecisa ter cachola

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }203

Pra sambar no meio da gente

Você tem que aprender Para quando nós morrer Do Brasil virar semente

Me leva pra Salvador, MorenaMe leva pra Salvador, Morena

Ê, ê, ê Eu cheguei na Cachoeira

Feira de SantanaSantana da feiraÔ morena bonitaEu moro na Pitangueira

Pode peneirar, peneiraP d p i p i

Coro, palmas e sambadeiras: Angelina deOliveira / Arlinda Cerqueira

 Andrade (Linda) / Celina da Conceiçãodos Santos /Edvalda da Rocha Gomes (Tu-dinha) / Heloísa Bispo (Lula) / Hilda daRocha (Didi) / Lindaura Rocha Ribeiro/ Maria Soa Lima dos Santos (Sufa) / Ma-ria Vitória Gomes da Cru (Vicky) / NeuaMaria Rocha / Ocleres Demetris / OdeteMaria Ferreira Capistrano (Dete) / Raílda

 Afonso Gomes.

Esta faixa e a nº 8, do mesmo grupo, sãoas únicas deste CD onde se pode ouvir

a viola conhecida no Recôncavo comomachete. Típico do samba da região deSanto Amaro, o machete tem cinco cordas

duplas, como a maioria das  violas brasilei-ras, mas suas dimensões são excepcional-mente pequenas, sendo pouco maior queum cavaquinho. Aqui ele é tocado por José

4. Pr Saar / Na ira apraia / carr rigir(Chulas tradicionais do Recôncavo, as duasprimeiras com adaptação de Mestre Qua-drado, a terceira com adaptação de Mestre

Manteguinha)BR-OIJ-06-00007

Saa traiina a Ia (Mar Grande)

Salvador,Tem navio americanoPorto de Salvador,Tem navio americano

Vou trabalhar,Que o Ari tá me mandandoBotar as caras na paredeVou lá,Contramestre tá chamandoÔ

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Pode peneirar, peneiraPode peneirar 

Gravado no dia primeiro de agosto de2004, na sede do grupo, no bairro daPitangueira, em São Francisco do Conde.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO  José Afonso Gomes (zeca Afonso): vo,pandeiro / Aurino Paciência: vo, pan-deiro/ Nemésio Isaías da Silva (Demésio):

 vo, pandeiro / José Vitório dos Reis (zéde Lelinha): machete / Raimundo Capis-trano (Camarão): violão / Domingos de

 Jesus: pandeiro, marcação / José ValbertodosSantos Júnior: pandeiro / Edmundoda Cru (Barrigão): marcação / Djalma daCru Gomes: tamborim / Djalma AfonsoGomes: tamborim / Denivan da Cru Go-mes (Deni): tamborim de couro de jibóia

/ Djavan da Cru Gomes (Ivan):maracá.

q q p J Vitório dos Reis, o zé de Lelinha (foto),nascido em 1932, e uma das poucas pessoas

que hoje domina este instrumento. Comapoio do Iphan, ele vem desenvolvendoocinas para ensinar jovens do Recôncavoa tocar o machete.

Ôiá 

Eu hoje tava na beira da praiaConversando com meu bemMinha caboclinha me queira bemQue o bem que eu quero a outra,Eu quero a você também, ah ah.

Vem nego vadiar Tava na beira da praia

Foi agora que eu chegueiConversando com meu bemMinha caboclinha me queira bemQue o bem que eu quero a outraEu quero a você também, ah ah.

Meu cachorro trigueiro

O meu cachorro trigueiro

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }204

 Na porta era monoE no mato era ligeiroEle acuouLá no pé de formigueiroDesde baixo, desde cimaMatei o tatu verdadeiro

Vem me ver vadiar Meu cachorro trigueiro ...

Gravadas em 7 de agosto de 2004 no barde Mestre Quadrado e de sua esposa, Dona

Balbina, no Alto do Riachinho, em MarGrande, município de Vera Cru, Ilha deItaparica.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃOGérson Francisco da Anunciação (MestreQuadrado): vo principal (em Na beira

(projeto Toques e Trocas, com patrocínioda Petrobras). Gérson Francisco da Anun-ciação faleceu a 17 de abril de 2005, diaexato em que foi fundada, em Saubara, a

 Associação dos Sambadores e Sambadeirasdo Estado da Bahia.

5. vina: maria trsa(Dalva Damiana de Freitas)

BR-0IJ-06-00008

Ô Maria Teresa

Toma lá teus pedaçosTodo mundo tomouMas não teve embaraço

Embaraço que tiveDe não ter meu dinheiroPara comprar uma taPara amarrar teu cabelo

Gravado na Casa Paulo Dias Adorno, emCachoeira, em maio de 2001. Canta DalvaDamiana de Freitas, acompanhada ao

 violão por José Carlos Pereira Conceição

( )

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da praia e Porto de Salvador), pandeiro /Raimundo Rodrigues de Oliveira (Mestre

Manteguinha): vo principal (em Cachor-ro trigueiro), pandeiro / ClaudionorCorreia dos Santos (Rimu): cavaquinho/ Carlos Alberto dos Santos (Tatuinho):pandeiro / Aurinda Raimunda da Anun-ciação (D. Aurinda): prato-e-faca / AnaLúcia Francisca da Anunciação: samba-deira.

Mestre Quadrado (1925-2005), além de

ter sido na juventude e durante toda vidaum grande capoeirista, era um dos maioresconhecedores de chulas, que gostava decantar, diferentemente do que se fa naregião de Santo Amaro, sem relativo,emendando uma na outra (tal como seouve nesta gravação). Já com mais de se-tenta anos, gravou os CDs Encanto bantonum recanto da Ilha: capoeira angola e

samba chula (independente) e Aruê Pãcom o grupo Samba Tradicional da Ilha

(Viana).

Dalva Damiana de Freitas, nascida em1927, é uma legenda do samba de Cacho-eira. Ela trabalhava na antiga fábrica decharutos Suerdieck, onde com suas com-panheiras de trabalho passou a organiarum grupo de samba. A fábrica acabou, maso Samba da Suerdieck é hoje um dos maistradicionais da cidade. Dona Dalva – comoé carinhosamente conhecida – é tambémintegrante da Irmandade de Nossa Senhorada Boa Morte, uma das mais veneráveisinstituições da cultura afro-brasileira.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }205

6. e i s, i a a arar / enã n anar n ar(Samba tradicional do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00009

Saa Ra Ar maã (Cacho-eira)

Eu vi o solVi a lua clarear Eu vi meu bemDentro do canavial

Minha zabelê Minha zabelê Toda meia noiteEu sonho com você 

Eu não tenho medoD d

Que tem perna de urubuEu só gosto de mulher gordaQue tem perna de chuchu

Eu não tenho medoDe andar no mar Eu só tenho medoÉ do vapor virar 

Minha mãe chama MariaMoradora de Nagé 

 No meio de tanta MariaEu não sei minha mãe quem é, olha aí 

Eu não tenho medoDe andar no mar Eu só tenho medoÉ do vapor virar 

 Augusto Passos da Costa (1944-2004),conhecido como Dedão, era taxista e foium dos maiores intérpretes de samba deroda da região de Cachoeira. O apelido,assim como a vocação para o samba, veiode criança quando participava dos ajuntó-rios, mutirões de viinhos e parentes que,movidos a samba, construíam suas casas deadobe (barro). Mestre do “samba antigó-rio”, era considerado o puxador ocial dosamba da Festa de Nossa Senhora da BoaMorte, anualmente realiada em agosto nacidade.

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De andar no mar Eu só tenho medo

É do vapor virar 

Eu não tenho medoDe andar no mar Eu só tenho medoÉ do vapor virar 

E vem a lua saindo

Por detrás da bananeira Não é lua, não é nadaÉ a bandeira brasileira, olha aí 

Eu não tenho medoDe andar no mar Eu só tenho medoÉ do vapor virar 

Eu não gosto de mulher magra

Venha cá dona casa

Traga água pra eu beber  Não é sede não é nadaÉ vontade de lhe ver  

Gravado em primeiro de agosto de 2004,no Centro Cultural Dannemann, em SãoFélix.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO Augusto Passos da Costa (Dedão): voprincipal / José Carlos Pereira Conceição(Viana): viola / Jefferson Ataíde Rodri-gues Braga (Jerso): violão / João Lima de

 Jesus (Rochedo): cavaquinho / Antonio deSoua Conceição (Caboré): vo, pandei-ro / Alberto Ferreira dos Santos (PedroGalinha Morta), vo, pandeiro / UbirajaraSilva Conceição: vo, timbal / Lui ReisMoreira (Lui Orelha): vo, timbal.

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }206

7. Arrasa a sanáia(Samba tradicional do Recôncavo,com adaptação do grupo)BR-OIJ-06-00010

Saars má Pirajía

 Arrasta a sandália aí Sou eu morena

 Arrasta a sandália aí Sou eu morena

Gravado no barracão na frente da casade Dona Fia, em Pirajuía, município de Jaguaripe.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO Miraíldes Xavier de Lima (Mirinha): vo/ Antônio Correia de Soua: vo / MariaCrispiniana de Jesus (Fia) pandeiro /

8. Ra piã / oê, aiana(zeca Afonso)BR-OIJ-06-00029Saa ca fis a Piangira (São

Francisco do Conde)

Roda, roda, piãoQue não bambeia, pião

Roda, roda, piãoQue não bambeia, pião

Ô, que não bambeia, pião

Ê que não bambeia, pião

Roda, roda, piãoQue não bambeia, pião

Olelê baiana

Data, local e participantes da gravação, taiscomo na faixa 3.

Os Filhos da Pitangueira se denemcomo grupo de samba chula, mas sambascorridos, como estes que aqui se ouvem,também faem parte de seu repertório.

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Crispiniana de Jesus (Fia): pandeiro /Cândido Manoel da Conceição: pandeiro/ Robson Carlos Santos Amaral: timbal/ Neide Maria de Soua: timbal / Antô-nio Láaro: timbal / Edivaldo RodriguesSoua: timbal / Jorge Santiago Conceição:atabaque. Coro, palmas e sambadeiras:Lucila Maria Santos Barbosa / MariaBraulina / Valdete Gonaga Boa Morte /Bárbara Santiago Conceição / AltamiraSoua Barbosa.

Esta faixa apresenta um samba corrido, talcomo as faixas seguintes (até a 11). Aqui,o verso único é tirado pelo solista compequenas variações melódicas, e repetidona chamada resposta, cantada por todos osparticipantes do samba. Em outros casos, osolista canta um ou mais versos, que podemser também improvisados, enquanto ocoro canta um verso xo, diferente do

primeiro.

 A baiana deu o sinal

Olelê baiana

Deu na terra deu no mar 

Olelê baiana

 A baiana deu o sinal

 A baiana me pegaMe joga na lamaEu não sou camarãoCamarão me chamam

Olelê baiana

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }

207

9. vina: dinir n(Samba tradicional do Recôncavo,com adaptação do grupo)BR-OIJ-06-00005

Saa a capa (Conceição do Almeida)

Eu vou buscar, eu vou buscar Dinheiro novo na BahiaO governo mandou dar Dinheiro novo eu vou buscar 

Gravado em 7 de agosto de 2004, na

 Associação Cultural Dr. José Joaquim de Almeida, em Conceição do Almeida.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃOMarina Santos (Lina): vo principal /Maria de Fátima Conceição Cru (Fafá):

 vo / Jaelson Conceição Cru: tamborim/ Benedito Pereira (Bené): pandeiro /

10. q a saiá(Samba tradicional do Recôncavo,com adaptação do grupo)BR-OIJ-06-00016Saa Ra Raís Anga

(São Francisco do Conde)

Quem matou meu sabiá Moça morena,Vou pra Ribeira sambar 

Você matou meu sabiá Moça morena,

Eu vou pra Ribeira sambar 

Gravado em primeiro de agosto de 2004,no Terreiro Angurusema Dya Nambi,situado no centro de São Francisco doConde.

Costa (Val) / Águida Pereira de Soua /Maria Cacilda da Cru Coelho / MariaTereinha dos Santos (Teço) / Maria Bal-bina dos Santos (Bina) / Maria HortênciaBarbosa.

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p José Va Santos (zé das Farinhas): surdo /Cachimbo:timbal. Coro, palmas e samba:

 Antonia Rita Santos (Tonha Preta) / Anto-nia Santos (Tonha Moça) / Antonio Mar-cos Nascimento Fonseca (Marquinhos) /

 Antonio Santos (Tonho do Rio) / Roberto

Santos Rodrigues (Bereço).

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO 

 Alva Célia Medeiros Assis: vo principal/ Roendo Honorato de Paula (Pinto):cavaquinho, bandolim / Hamilton dosSantos (Miltão): cavaquinho / Celso Bahia:

 violão de 7 cordas / Gildásio Afonso dosSantos (Juquinha): pandeiro / Everaldodos Santos (Bango): pandeiro / Roque de

 Jesus Santos (Boni): pandeiro / RoqueBispo dos Santos (Sapo): marcação de mão/ Francisco Paulo dos Santos (Nem): re-

bôlo (tambor de couro) / Valter dos SantosMachado (Valtinho): tamborim, maracá /

 Jocelino Roque Santos (Joka): tamborim,maracá, meia-lua. Coro, palmas e sam-badeiras: Valdenice Áurea Medeiros (Mãe

 Áurea) / Maria das Graças Bonm (Gal) / Jandira Maria dos Santos Franco / MariaRegina dos Santos de Jesus / BereniceBorges dos Santos (Biu dos Santos) / Maria

Balbina Silva dos Santos (Baby) / Valnísia

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }

208

11. e i a a á na aga(Samba tradicional do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00006Saa Ra Sspir Igap

(Santiago do Iguape)

Eu vi a ema

Lá na lagoa

Ema tem asa

Mas não avoa

Gravado em 8 de agosto de 2004 no barTatuí, em Santiago do Iguape, municípiode Cachoeira.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO

uma das fontes de inspiração de seus pri-meiros sambas.

12. Vinheta: Conversa dos samba-

dores organiando a gravação emTeodoro SampaioDia 31 de julho de 2004BR-OIJ-06-00031

13. carã á na aga(Samba tradicional do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00019Saa Ra uniã trns (

Teodoro Sampaio)

Carão tá na lagoaBeliscando o aruá 

Segura o tiro, Helena Não deixa o carão voar 

Segura o tiro, Helena Aê, baiana Não deixa o carão voar 

Quem nasceu para sofrer Deixa penar Quem nasceu para sofrer

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PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO Domingos Conceição (Domingos Preto):

 vo, pandeiro / Valter do Amor DivinoConceição (Besouro): vo, pandeiro / Fer-nando da Cru (Fefeco): vo, pandeiro /Manoel Germano Assis Dias (Cebola): vo,pandeiro / Evaney Barbosa Guedes (Nei):bandolim / Cantídio Conceição Filho(Tim): vo, palmas / Moacir Fernandes daSilva (Moa): vo / Ananias Nery Viana:pandeiro / Augusto César Fernandes(César): tumbadora / Pedro dos SantosBarbosa (Pedro Swing): timbal / Edmun-do Ribeiro Soledade (Bobô): triângulo /

 Agnelo da Lu: pandeiro. Coro, palmas esamba feitos pelo público presente.

O vale do Iguape ca entre as cidades deCachoeira e Santo Amaro e tem uma fortetradição de sambas de roda. Esta tradiçãoé mencionada pelo sant’amarense Caetano

 Veloso, no livro Verdade tropical, como

Quem nasceu para sofrer Deixa penar 

Pelejo, mas não posso

Fazer do caixeiro sócio

Caixeiro se embebeda Amor, meninaE não dá conta do negócio

 Ai, aiMeus amor, ai, ai

 Ai, aiMeus amor, ai, ai

Botei meu barco n´água

 No dia de chuva, aê 

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }

20

14. o arr ir na aira(Samba tradicional do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00018

cn Sa Gn (Terra Nova)

Ô mamãe, aê mamãe,O carro virou na ladeiraVirou virouMatou, matouMorreu, morreu

 Na roda do meu pandeiro

Ô iôiô Na roda do meu pandeiroÔ iáiá 

Data, local e participantes da gravação, taiscomo na faixa seguinte.

Dia que não tem vento Amor, meninaMeu barco não tem carreira

Ô iá, iá 

Eu vou beirar o mar, ê Eu vou beirar o mar, ê Eu vou beirar o mar 

Gravado no Espaço Cultural Dois de Ju-lho, em 31 de julho de 2004.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO Carlos Pereira dos Santos (Carlito Car-pinteiro): vo, tamborinho de repique/ Manoel Domingo de Jesus Silva (Du-inho): vo, tambor / Aluiio Gonçalves(Véio): vo, pandeiro / Carlos Bispo dosSantos (Paião): vo, cavaquinho / Elinaldo

15. vapr rra / mia ra só(Sambas tradicionais do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00012

cn Sa Gn (Terra Nova)

Vapor de terra subiuVapor de terra desceuVapor de terra subiuVapor de terra desceu

Ô Horácio do matoVocê é malcriado

Chegou na Bahia, morreu

Meia hora sóMeia hora só

Meia horaMeia hora só

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( ) , qdas Mercês Santo (Nal): reco-reco / Lui

de Anunciação Santos: pandeiro. Coro,palmas e sambadeiras: Augusta dos SantosSuêlo / Ana Cristina Reis Silva / CelinaSuêlo dos Santos Ueda / Dilma Ferreira

 Alves Santana (Fiita) / Edijane BarbosaPereira (Jane) / Ila dos Santos Suêlo /Maria Severina Barreto (Severa) / Mariadas Mercês dos Santos (Neninha) / MariaEnedina Bispo / Maria Edelvira da Silva /Nirete Silva Roseira / Raquel Barbosa.

Nesta faixa e nas seguintes até a 17, comexceção da 15, estamos de volta ao sambachula.

Meia hora só

Gravado em 8 de agosto de 2004, na sededa Associação dos Moradores do BairroCaipe, Terra Nova.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃOClemente Eustáquio de Soua: sanfona de8 baixos / José Ivanildo Correia (Pepeto):

 viola, pandeiro, timbal / Domício dos

Santos Brito (Micinho): vo, viola, pan-deiro, ganá / Miguel Cerqueira: vo,pandeiro / Faustino Pereira: vo, pandei-ro / César Dantas Pinto: vo, pandeiro /Eugênio Santos: vo / Raimundo Alves:

 vo / Dioníio Correia: vo, bongô / JoséRuno Pereira (Binha): timbal / Már-cia Marques: triângulo. Coro, palmas esambadeiras: Maria Almerinda dos Santos(Milu) / Maria Domingas / Maria dosSantos Faleta (Vardinha) / Marinalva

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ }

210

Ferreira de Jesus (Marlene) / Lúcia de

Oliveira.

 A presença de uma sanfona de oito baixosno samba de roda pode surpreender. Maso instrumento não é raro no Recôncavo,cujos intercâmbios econômicos, demográ-cos e culturais com o sertão da Bahia sãonotórios

16. Ai, nê(Chula tradicional do Recôncavo, comadaptação de Mestre Quadrado)BR-OIJ-06-00013Saa traiina a Ia 

(Mar Grande, Vera Cru)

 Ai dendê, ai dendê  Ai dendê,Tem boca não pode falar Ouvido não é pra ouvir 

 Nariz não é pra cheirar Dedo não é pra apontar 

Ô Jorge, A navalha de AngolaOiá, oiá, oiá 

 A navalha de AngolaOiá, oiá 

Data, local e participantes da gravação, taiscomo na faixa 4. Vo principal de MestreQuadrado. Aurinda Raimunda da Anun-ciação: prato-e-faca.

Sendo uma atividade de afro-descenden-tes, o samba de roda também comportaelementos traidos da Europa. Estes noentanto foram “apropriados” à sua ma-neira. Talve o caso mais típico seja o doprato-e-faca: os utensílios domésticos deorigem européia foram empregados, demaneira totalmente inesperada para seusfabricantes e utiliadores prévios, comoinstrumento musical. A faca é arranhada

na borda do prato num ritmo contínuo,àmaneira de um reco-reco. Ao contrá-rio dos outros instrumentos do samba, oprato-e-faca é tocado predominantementepor mulheres. Mas João da Baiana tocavaprato-e-faca com Donga e Pixinguinhanas festas de Tia Ciata, e depois em grava-ções do Grupo da Guarda Velha.

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Tem boca não pode falar 

Ouvido não é pra ouvir  Nariz não é pra cheirar Dedo não é pra apontar 

Ô Jorge, A navalha de AngolaOiá, oiá, oiá 

 A navalha de Angola

Oiá, oiá 

ç p

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 211

17. bi ar n´ága(Samba tradicional do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00017

Saa Rsári (Saubara)

Botei meu barco n´águaMas não falei com meu mestre

O vento deu na proaPancada de noroeste(ê ah ah)

Eu vou m’embora, ôMaria minha amada

 Ainda ontem eu vi meu bemInda hoje eu quero ver 

 Não mandei você gostar de mim

Gravado em 31 de julho de 2004, noTerreiro de Oxum, na rua do Taboão, emSaubara.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO Joselita Moreira da Cru Silva (D. zelita):

 vo, palmas / Mário Bispo Barbosa (Máriode Nusceço): viola / Euébio Santos de

 Almeida (zibinho): violão / Rafael doEspírito Santo: vo, pandeiro / Gregóriodos Santos (Góia): pandeiro / AntônioCarlos dos Santos (Vortinha): pandeiro/ Guilhermino Moreira (Guilherme):tambor / João Antônio das Virgens (Joãode Iáiá): timbal / Maria Gregória Santana

Moreira (Branca): prato-e-faca. Coro,palmas e sambadeiras: Hermínia da SilvaSantos / Maria Ângela Moreira (Deco) /Maria Anna Moreira do Rosário (D. Anna)/ Maria Emília Moreira (Teteca) / MariaLeocádia da Cru (Dodô) / Marta Ferreira/ Sônia Regina Barbosa.

18. virg Sana / carina /cir n(Cântico e sambas tradicionais do Recôn-cavo, com adaptações do grupo)BR-OIJ-06-00028

Saars má Pirajía

Ó Virgem SantaRogai por nósRogai por nósÓ Virgem Santa

 Nós precisamos de paz 

Viemos saudar Ó meu guia forte(Ele é forte)Ó meu Santo AntônioÉ quem nos dá sorte(Ele é forte)

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g Não mandei você de mim gostar 

 Não mandei você olhar pra mim Não mandei olhar 

Ô Luzia,Você é, não sabe

Eu lhe conto uma mentiraVocê pensa que é verdade

Eu me chamo or da noite

Fulô de matar saudade Ai, ai

Vou fazer bilu bilu No seu queixinhoEh, pra saber Se você gosta de carinho

O Recôncavo é uma região formada pormangues, tabuleiros, baixios, ilhotas e valesmargeando o mar da Baía de Todos osSantos. Temas marítimos como o destafaixa são freqüentes nos sambas da região.

Dona zelita a Dona Anna são duas irmãscom muita tradição de samba de rodana família.No início dos anos 1980, oetnomusicólogo Ralph Waddey publicouuma monograa incluindo o resultado de

pesquisas feitas com esta família de Sau-bara. Hoje em dia, o lho de Dona Anna,Rosildo, é uma das principais lideranças da

 Associação de Sambadores e Sambadeirasfundada em 2005.

Ê, ê, Carolina

Ê, ê, ê, ê Carolina

Ê, ê, CarolinaÊ, ê, ê, ê Carolina

Coqueiro novoCoqueiro novo

 Na Bahia não tem mais

Coqueiro novo

Data, local e participantes da gravação,tais como na faixa 7.

Esta faixa, assim como a seguinte,testemunha a profunda conexão dosamba de roda com a religiosidade doRecôncavo. O cântico em louvor à Virgem

é seguido, sem interrupção, pelos sambas

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 212

corridos, tal como tantas vees acontecenas festas de santos da região.

19. vas anar ss Ris /

q ni Ris Sã cs(Lôas de reis tradicionais do Recôncavo,com adaptação do grupo)BR-OIJ-06-00027

Saa a capa (Conceição do Almeida)

Vamos cantar esse ReisQue é a nossa devoçãoEm louvor a Santa Bárbara

São Cosme, São Damião

 Já saiu as três MariasTodas três a passear Procurando Jesus CristoSem nunca poder achar 

20. vina: mari, prsaa(Dalva Damiana de Freitas)

BR-OIJ-06-00025

- Marido, eu vou pra o samba- Mulher eu lá não vouSe eu gostasse de zoadaTrabalhava no trator Mulher, eu lá não vou- Não vá - Eu lá não vou- Não vá 

- Eu lá não vouMulher 

Gravado na Casa Paulo Dias Adorno, emCachoeira, em maio de 2001. Canta DalvaDamiana de Freitas, acompanhada por JoséC l P C (V ) l

21. Graas a ds as isa’r(Dalva Damiana de Freitas)BR-OIJ-06-00023

Saa Ra a Sri (Cachoeira)

Graças a DeusQue as coisa’ melhorou

 As festas de CachoeiraTodas elas levantou

Graças a DeusQue as coisa’ melhorou

 As festas de CachoeiraTodas elas levantou

Foi chegado o Patrimônio* Consertando o bangalôMe traga de volta o tremMe traga de volta o vapor 

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Vamos cantar esse ReisQue é a nossa devoçãoEm louvor a Santa BárbaraSão Cosme, São Damião

Que bonito Reis de São CosmeÉ coroado, é coroadoSão Cosme é coroado.

Data, local e participantes da gravação, taiscomo na faixa 9.

 As festas de Reis são um momento privile-giado da cultura popular do Nordeste, e naBahia o samba é parte integrante delas.

Carlos Pereira Conceição (Viana), violão.g p

Graças a DeusQue as coisa’ melhorou

 As festas de CachoeiraTodas elas levantou

 Nossa Cachoeira é belaÉ jóia, é diamanteSó falta voltar agora

 A Festa dos Navegantes

Graças a DeusQue as coisa’ melhorou

 As festas de CachoeiraTodas elas levantou

 

Samba de Roda do Recôncavo Baiano{ } 213

22. As, gn(Samba tradicional do Recôncavo, comadaptação do grupo)BR-OIJ-06-00024Saa Ra Ar maã(Cachoeira)

 Adeus, gente Adeus, gente Adeus, que eu já vou me embora Adeus, gente

 Adeus, gente

 Adeus, gente Adeus, que eu já vou me embora Adeus, gente

 Adeus, que eu já vou me embora Adeus, gente Adeus, até outra horaAd

Gravado na Casa Paulo Dias Adorno, emCachoeira, em maio de 2001.

PARTICIPARAM DA GRAVAÇÃO Dalva Damiana de Freitas: vo principal /Gilberto Santos (Seu Ferrolho): viola, vo

/ Edmilson dos Santos (Seu Ná): violão /Silvério Bispo dos Santos (Seu Bureca):

 vo, cavaquinho / Martiniano Ferreirados Santos Neto (Gílson): vo, pandeiro /Lucidalva dos Santos Cerqueira (Luci):

 vo, taubinhas / Antônio Batista Santa-na: pandeiro / Joel Ventura dos Santos:timbal / Miguel dos Santos Filho: timbal /Leandro dos Santos Cerqueira: triângulo /

Cleydson Nascimento dos Santos: pandei-ro.

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 Adeus, gente

Data, local e participantes da gravação, taiscomo na faixa 6. Vo principal: Dedão(Augusto Passos da Costa, 1944-2004).

Dedão foi um colaborador ativo no pro-cesso de pesquisa que resultou neste CD.

 Viajou pelo Recôncavo conduindo pes-

quisadores na sua Brasília aul, conversoue riu com os sambadores que encontrou,cantou com eles e até desaou Mané do

 Véio (do Samba de Roda Resgate, Itapece-rica), num encontro inesquecível. A gra-

 vação que aqui se escuta é o último registrode Dedão e seu Samba de Roda Amor deMamãe. Ele estava bastante debilitado pelodiabetes e morreria três meses depois.

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Este livro foi produzidona primavera de 2006 para oInstituto do Patrimônio Histórico

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e Artístico Nacional

 

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA 

BIBLIOTECA ALOSIO MAGALHÃES

S187 Samba de Roda do Recôncavo Baiano. _Brasília, DF : Iphan, 2006.216 p. : il. color. ; 25 cm. + CD ROM. – (DossiêIphan ; 4)

ISBN - 978-85-7334-041-9ISBN - 85-7334-041-x

1. Patrimônio Imaterial. 2. Samba de roda. 3.Patrimônio Cultural. I. Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional. II. Série.

Iphan/Brasília-DF CDD – 394.3

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