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285Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
INTRODUÇÃO
Para a execução deste trabalho monográfico, o primeiro passo
foi pensar como aconteceram as transformações discursivas de Plínio
Salgado no Partido de Representação Popular (PRP), e se esta fala se
diferencia da oratória usada na Ação Integralista Brasileira (A.I.B.). Para
análise desta transformação e comparação, o trabalho primeiramente
buscou a organização dos fatos.
Este método facilita a compreensão do surgimento do partido, do
período em que esteve inserido e, principalmente, do envolvimento de
pessoas que se relacionaram a este grupo, como Getúlio Vargas e o
General Eurico Gaspar Dutra.
A ligação de Getúlio Vargas e o Estado Novo com PRP são de certo
modo, de data anterior a 1945. Vargas teve um importante papel no
processo de surgimento do partido, isto aconteceu devido ao veto do
Estado Novo com a Ação Integralista Brasileira no ano de 1937. A.I.B.
foi um movimento político liderado por Plínio Salgado, um partido
conservador que em sua origem mobilizou vários adeptos a sua
doutrina.
Os integralistas, termo designado a doutrina filosófica seguida pelos
integrantes da A.I.B, possuía segmentos básicos como o nacionalismo,
espiritualismo e defesa familiar. Até 1937, integralismo e A.I.B. eram
Dois Discursos Na Mesma Voz: Plínio Salgado E Os Princípios Integralistas No Partido De Representação Popular (1945 – 1947)
Autora: Vanessa Ladaniuski
Orientador: Profa. Dra. Liz Andréa Dalfré
tomados como sinônimos. Esta filosofia guiou o partido considerado
como um “fascismo brasileiro” entre outros termos pejorativos como
“galinhas verdes”, expressões que ligavam o partido com o fascismo
europeu.
A doutrina integralista esteve presente no Manifesto de Sete de
Outubro de 1932, que funcionava como um manual ideológico e base
nos discursos no líder do partido, Plínio Salgado, que conduziu o grupo
até sua extinção em 1937. A A.I.B. foi posta na clandestinidade na
abertura do Estado Novo por Getúlio Vargas, o partido foi extinto e seu
líder foi exilado em Portugal por seis anos.
Mesmo longe do país, Plínio Salgado manteve Raymundo Padilha
como seu representante no Brasil, que lhe deixava a par da situação
política e dos primeiros passos de suas reorganizações partidárias. A
volta ao cenário político aconteceu nos últimos meses do Estado Novo,
graças a dois fatores: Lei Agamenon que regulamentava a criação e
alistamentos políticos, e o auxílio do candidato presidenciável General
Eurico Gaspar Dutra, que alterou a lei apenas para a aprovação do
PRP.
Voltando do exílio um ano depois da criação do partido em 1946,
Plínio Salgado usou seus discursos pautados na ideologia do PRP para
a afirmação democrática do grupo, reestruturada no panorama político
em que se encontrava o Brasil após o fim do Estado Novo, e a eleição
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de Dutra. Da mesma forma que a A.I.B. produziu um documento com
os princípios do grupo, o PRP também lançou a Carta dos Princípios e
o Programa do partido.
Nos primeiros anos do PRP, seus representantes enfrentaram duras
comparações, em especial do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que
o acusava de ser uma reorganização da A.I.B., de cunho conservador
e fascista. Nesta ótica, Plínio Salgado buscou reestruturar os princípios
e principalmente a diferenciação entre o termo integralismo e A.I.B,
justamente porque muitos integralistas se filiaram ao PRP. Novamente
Salgado fez uso de seus discursos como estratégia para afirmação
democrática do grupo.
Em suas falas, nos primeiros anos do partido, Plínio Salgado,
além de esclarecer a diferença entre A.I.B. e integralismo, estabeleceu
que o grupo político não foi fundado por ex - integrantes da doutrina
integralista; ele reafirmou o caráter democrático do grupo, tentando
isentá-lo da acusação de uma rearticulação da A.I.B. Neste sentido,
como aconteceram as transformações discursivas de Plínio Salgado no
Partido de Representação Popular? Estas transformações se diferenciam
da fala usada na Ação Integralista Brasileira?
O primeiro objetivo foi à preocupação da contextualização do
período de 1945 a 1947. Esta organização possibilita a compreensão
do surgimento do partido, o processo de sua criação e inserção na
política brasileira; permite analisar os primeiros anos da fundação do
PRP, e a importância do uso dos discursos do Plínio Salgado para a
continuidade do grupo.
O próximo objetivo foi apresentar os princípios norteadores da
Ação Integralista Brasileira, esta explanação foi de grande importância,
pois o PRP teve forte ligação com o a A.I.B. Conhecendo as bases
ideológicas e a organização da A.I.B., liderados por Plínio Salgado,
é possível explicar a retomada de alguns fundamentos ideológicos
utilizados na A.I.B. na construção dos princípios perrepistas, como por
exemplo, os valores de Deus, Pátria e Família.
Diante desta apresentação, o terceiro objetivo visou a formação
política e filosófica do líder Plínio Salgado. A trajetória da vida de
Salgado contribuiu para sua formação ideológica, que pode ser
identificada em seus discursos; suas atividades no Partido Republicano
Paulista, contribuição na Semana de Arte Moderna e sua participação
como líder na A.I.B, são fatores que corroboraram em sua formação
política e filosófica e, por conseguinte em suas oratórias.
Por fim, a análise da Carta dos Princípios e Programa do Partido
de Representação Popular; documento que se dividi em duas partes:
filosofia do grupo e a apresentação das propostas dos perrepistas. A
partir desta análise, será feita a identificação filosófica do documento
contida nos discursos de Plínio Salgado, nos primeiros dois anos do
partido, tal identificação que serviu como estratégia para continuidade
do grupo e a comparação desta fala com a oratória usada na Ação
Integralista Brasileira, desta maneira, será possível identificar se o Partido
de Representação Popular foi ou não uma continuidade integralista.
O referencial teórico utilizado na pesquisa foi Michel Foucault com
sua obra A Ordem Do Discurso, aula inaugural no Collége de France
pronunciada em dois de dezembro de 1970. O autor posiciona um
conjunto de procedimentos com a função de organizar e redistribuir a
produção dos discursos.
Foucault faz uma suposição que em toda a sociedade, a produção
do discurso é “o tempo todo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função
conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,
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esquivar sua pesada e temível materialidade”.1 Na formação do
discurso, o autor apresenta procedimentos internos e externos, que
correspondem à exclusão, interdição, separação, limitação, rejeição,
classificação, seleção, produção e divulgação.
Estes procedimentos são aplicados em sua realidade material, ou
seja, estes métodos são empregados tanto na fala quanto na escrita.
O discurso, para o autor, corresponde a uma rede de signos que se
liga a outros discursos em uma rede aberta, reproduzindo significados
diferentes do que se encontra no interior da fala, aplicando os valores
da sociedade que devem ser perpetuados.
Os procedimentos desenvolvidos por Foucault utilizados neste
trabalho foram o método de análise no interior do discurso, processo de
exclusão, a “vontade de verdade” e o da repetição. No primeiro sistema,
à “vontade de verdade” deriva da oposição do verdadeiro ou falso. Para
o autor esse processo se apoia num suporte e distribuição institucional,
que tende a exercer sobre o discurso uma espécie de pressão e coerção
sobre o mesmo; este sistema recaiu em uma fala de desejo e poder,
identificado através da associação de Plínio Salgado com os princípios
do partido relacionando-os em suas oratórias.
O outro dispositivo é o do comentário, que atua no interior da fala
exercendo uma repetição do conteúdo inicial proposto. De acordo com
esse processo, o comentário repete silenciosamente o que já estava dito,
ou seja, revela aquilo que se encontra articulado; procedimento que
pode ser identificado nas oratórias de Plínio Salgado, em especial, na
afirmação da presença integralista no PRP.
Na elaboração deste trabalho, foram utilizadas duas fontes de acervo
pessoal. A primeira é o documento da Carta de Princípios e Programa 1 FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Aula inaugural no College de France. Pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola: 1996, p.8.
do Partido de Representação Popular publicado em 26 de outubro de
1946, este documento é dividido em duas partes. A primeira constitui
uma afirmação de princípios dos perrepistas, considerada imutável e
permanente como a essência humana, e a segunda como uma indicação
de rumo governamental a ser seguido pelo grupo, podendo mudar de
acordo com as necessidades da vida nacional.
A segunda fonte corresponde a cinco discursos feitos por Plínio
Salgado nos primeiros dois anos do partido (1946 – 1947). Estes
discursos foram publicados pela Editora Nacional, no ano de 1947,
com o nome de “Coleção Convivium”; O título e ano dos discursos são:
Discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro - 27 de outubro de 1946,
Discurso no Teatro S. Pedro de Porto Alegre – 17 de novembro de 1946,
Mensagem do Natal de 1946, Discurso de Niterói – pronunciado no ano
de 1947 e o Discurso de Belo Horizonte – 7 de outubro de 1947.
O trabalhou utilizou alguns trechos dos discursos mencionados
anteriormente; A escolha destas oratórias se deve a dois fatos: em
primeiro lugar por se tratar dos primeiros anos do partido, logo
correspondem à necessidade do uso da fala de Salgado como estratégia
de manter o grupo atuante, inserido os princípios recém-formados do PRP.
Em segundo lugar, estas falas contemplam o período em que Salgado
foi eleito presidente do partido, assumindo toda responsabilidade do
grupo.
A metodologia aplicada na pesquisa foi a seguinte: primeiro o
levantamento e seleção de fontes e bibliografia a ser consultada, a
definição do período e a problemática do trabalho. Em seguida, foi
realizada uma análise das duas fontes selecionadas, os princípios do
PRP e os discursos de Plínio Salgado, além da organização e tratamento
dos dados; no final, foi realizada a análise dos resultados da pesquisa
e a escrita do texto.
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As produções e discussões historiográficas que auxiliaram no
desenvolvimento da pesquisa foram: Thomas Skidmore, em seu trabalho
Brasil: de Getúlio a Castelo; o historiador estadunidense é especialista
na história política do Brasil, assim chamado de brasilianista, termo
usado para estrangeiros que estudam assuntos referentes ao Brasil. Sua
obra contribuiu para o mapeamento e contextualização dos últimos
meses do governo de Getúlio Vargas e do Estado Novo, ao fornecer
uma opinião crítica no Brasil do pós-guerra.
Na continuidade da contextualização política e na discussão sobre
as primeiras oposições ao Estado Novo, a obra Estados e partidos
políticos no Brasil, de Maria do Carmo C. Campello de Souza,
também foi importante, esta produção auxiliou na discussão das
primeiras oposições ao Estado Novo. Segundo a autora, o Manifesto
dos Mineiros de 1943, foi o primeiro sinal de descontentamento com o
regime. Contrariando sua opinião, Gilberto Grassi Calil em seu artigo
“Reflexões historiográficas sobre a redemocratização brasileira de
1945”, defendeu que já ocorriam insatisfações anteriores ao Manifesto
dos Mineiros, vindos de camadas populares no ano de 1942.
A obra de Boris Fausto, História Geral da Civilização Brasileira,
atuou juntamente com Skidmore, na produção do contexto e processo
dos últimos meses do Estado Novo a eleição do General Eurico
Gaspar Dutra. Na produção sobre a Ação Integralista Brasileira, o
uso da obra de Hélgio Trindade: O fascismo brasileiro na década de
30 foi escolhido por dois motivos: em primeiro lugar por abordar o
integralismo juntamente com a A.I.B. como uma produção fascista no
Brasil e também por ser uma referência dos estudos na área.
Já sobre a produção do Partido de Representação Popular, Gilberto
Grassi Calil em O integralismo no Pós – Guerra, a formação do
PRP (1945 -1950) trabalha com a perspectiva de que o PRP é uma
continuidade integralista, começando com uma análise do integralismo,
a estruturação interna do PRP, mobilizações partidárias e a intervenção
do grupo no processo político brasileiro de 1945 a 1950; considerado
por Hélgio Trindade, em sua introdução, como uma obra completa do
período.
Este trabalho está dividido em dois capítulos. No primeiro momento,
encontra-se a contextualização do período (1945 – 1947), últimos meses
de Getúlio e o Estado Novo, a candidatura de Dutra, sua influência e
fundação do PRP. Dando continuidade com a Ação Integralista Brasileira
explanando a ligação do PRP com a A.I.B e os princípios encontrados no
Manifesto de Outubro, finalizando com a formação política e ideológica
de Plínio Salgado, contendo sua trajetória e influência familiar, política,
artística e a construção de princípios que se encontram no PRP.
No segundo capítulo, foram analisados alguns dos discursos de
Plínio Salgado na diferenciação entre Ação Integralista Brasileira e
integralismo; foi analisado a Carta dos Princípios e Programa do
Partido de Representação Popular com a identificação destes valores
nos discursos de Plínio Salgado como tática de reafirmação partidária
e de continuidade do grupo, e a diferença encontrada nos princípios
da A.I.B e do PRP.
Para a construção do pensamento integralista, o trabalho de
Edgar B.Franke Serratto – A Ação Integralista Brasileira e Getúlio
Vargas. Antiliberalismo e anticomunismo no Brasil 1930-1945
ajudou na constituição de meu objeto. Serratto buscou identificar
semelhanças e diferenças nos discursos de Plínio Salgado e Getúlio
Vargas, contemplando os recortes temáticos do antiliberalismo e o
anticomunismo proferidos pelos dois.
O autor explana uma aproximação/distanciamento destes diálogos,
com a compreensão de que estas produções pertenciam à cultura
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política do período entre 1930 a 1945. Este estudo priorizou uma
análise comparativa entre o discurso integralista e varguista, os motivos
que levaram a existência destas duas oratórias, e a compreensão do
surgimento de ambas.
Outro trabalho que auxiliou no objeto de estudo, foi à pesquisa
realizada por Fausto Irschlinger em sua tese, Crise e Redenção:
Sensibilidades históricas – religiosas na construção de um projeto de
Brasil – Plínio Salgado (1920 – 1950), o autor identificou e analisou
o discurso religioso nas obras de Plínio Salgado. Esta identificação
pautada nos preceitos espirituais e históricos contidos nas obras de
Salgado é apontada, segundo o trabalho, como fundamentação que o
líder integralista usou para a construção moral e cívico do Brasil.
Esta visão construída por Salgado em grande parte de suas obras se
basearam na construção espiritualista de cunho cristão para sensibilizar
a sociedade, estas bases, muitas vezes fugiam da realidade científica.
A tese de Irschlinger usou grande parte das obras de Plínio Salgado,
desde 1920, período em que ainda pertencia ao Partido Republicano
Paulista, até 1950, quando já se encontrava como presidente do Partido
de Representação Popular.
TRANSIÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA (1945 – 1947)
1 O FIM DO ESTADO NOVO E O GOVERNO DUTRA: PROCESSO
POLÍTICO DA FORMAÇÃO DO PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO
POPULAR
O Partido de Representação Popular (PRP) foi constituído no ano
de 1945, a fundação deste partido aconteceu em meio a mudanças
políticas no Brasil, estas transformações, favoreceram sua criação.
Para a compreensão do surgimento do PRP e as transformações
discursivas de Plínio Salgado, é preciso voltar nos fatos que ajudaram
em sua criação, como os últimos meses que antecederam o fim do
Estado Novo, a redemocratização e o mandato do general Eurico
Gaspar Dutra.
O partido contou com dois elementos fundamentais que
moldaram sua ideologia, o nacionalismo e religiosidade. Estas duas
características também constituíram sua criação, definindo assim o
andamento e continuidade do conjunto perrepista. Desta forma, a
presença nacionalista, religiosidade e as transformações políticas que
ocorriam no período de sua fundação, são identificados no processo
de transformação discursiva do líder do partido Plínio Salgado, que
nos primeiros anos do grupo, usou estes elementos como afirmação
democrática e partidária do grupo.
A conjuntura que resultou nos acontecimentos da transição política
do Estado Novo ao governo de Eurico Gaspar Dutra passou por uma
série de manobras antes da intervenção militar em 29 de outubro
de 1945. O objetivo deste apontamento visa levantar os fatos que
antecederam os últimos meses de Getúlio Vargas e o Estado Novo,
aos dois primeiros anos do mandato de Dutra, e sua influência na
criação do Partido de Representação Popular.
Neste primeiro momento o trabalho se dirigiu na apresentação do
contexto brasileiro e das mudanças transitórias entre o governo Vargas
para Dutra, devido ao impacto causado pelo Estado Novo nos partidos
políticos. Esta apresentação é importante para compreensão de como
se deu a rearticulação dos integralistas em forma de agremiação
partidária, que usou do apoio do candidato presidenciável Dutra em
sua retomada no cenário político.
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A decadência da ditadura já dava sinais de desgastes no ano
de 1943, à medida que se aproximava a derrota do nazi-fascismo
internacional para os aliados sobre o Eixo. Já no ano de 1944, o Estado
Novo recebeu diversas críticas tanto internacionais quanto dos próprios
comandantes que participavam dos combates, cobrando uma postura
democrática do Brasil. Segundo Thomas Skidmore, “Os brasileiros
tinham-se dado conta da anomalia de lutar pela democracia no
exterior, enquanto persistia uma ditadura em seu próprio país”.2 O clima amistoso gerado pelo possível resultado da guerra fez
com que Getúlio Vargas garantisse maior liberdade política no país
ao final dos combates, como a promessa que o povo brasileiro teria
direito de escolher seus representantes. As pressões sofridas por Vargas
aumentaram ainda mais no começo de 1945, o atual governante
já sentia a atmosfera próxima em direção da abertura democrática,
acontecimentos que culminariam na redemocratização.
A redemocratização brasileira de 1945 recebeu, em alguns estudos,
a denominação de um período compreendido como “adaptação” às
novas condições internacionais, em especial a derrota do nazi-fascismo
e a influência estadunidense. Os debates da democracia iniciaram-se
com o Manifesto dos Mineiros3 em 1943, que de acordo com Maria do
Carmo Campello de Souza “tornou-se usual simbolizar o Manifesto dos
Mineiros de 1943 o início da oposição aberta contra o Estado Novo”.4
2 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. p.72.3 O Manifesto dos Mineiros,surgido em 24 de outubro de 1943, foi assinado por um grupo de latifundiários de Minas Gerais, que defendia o retorno ao regime constitucional. Seu conteúdo evidencia uma perspectiva de uma redemocratização sem grandes alterações na estrutura social e mantinha os mecanismos autoritários de controle sobre os trabalhadores.4 SOUZA, Maria do Carmo C. Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Ed. Alfa-Omega, 1983.p.108.
Entretanto em discussão mais recente Gilberto Grassi Calil, defende
que a oposição à ditadura e ideias democráticas, já ocorriam em período
anterior ao Manifesto dos Mineiros, partindo de fatores internos como
mobilizações populares. Estas mobilizações, em grande maioria, eram
comandadas por intelectuais, estudantes e operários como, por exemplo,
a Passeata Estudantil Antitotalitária ocorrida em quatro de julho de 1942
e a fundação da Sociedade dos Amigos da América em 1943.5
A animosidade perante o Estado Novo se intensificou com a
possível abertura política prometida pelo governo. Ainda sobre forte
pressão, Getúlio Vargas em 28 de fevereiro de 1945, decretou a Lei
Constitucional nº 9, conhecida como Ato Adicional de 1937. Segundo
Boris Fausto esta lei:
[...] fixava um prazo de noventa dias a partir da data de sua publicação para a marcação de eleições à Presidência da República, Governadores de Estado, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas Estaduais, depois de considerar indesejável para o aperfeiçoamento das instituições políticas a manutenção das eleições indiretas. Revogava ainda vários dispositivos da chamada “Polaca”. 6
O impacto da decretação da lei gerou aos opositores um
sentimento de desconfiança, pois o Ato Adicional pareceu ser mais uma
estratégia de Vargas para permanecer no governo e adiar sua saída.
Mesmo antes da publicação da lei, alguns rumores de que o Brigadeiro
Eduardo Gomes se lançaria como candidato a presidência haviam
sido confirmados, e que o mesmo seria apoiado pelo partido da União
Democrática Nacional (UDN).
5 Sobre o assunto ver artigo de Gilberto Grassi Calil Reflexões sobre a historiografia da Redemocratização Brasileira de 1945.6 FAUSTO, Bóris (org.).História Gerald a Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano. Volume 3: Sociedade e Política 1930 – 1964. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.p.234.
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Logo em seguida surgiu o nome de um novo candidato, o Ministro
de Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, apoiado por Vargas.
Devido ao seu apoio militar e fidelidade ao Estado Novo, Vargas
a princípio negou a própria candidatura. Mesmo não concorrendo
à presidência, Getúlio Vargas realizou uma manobra política a fim
de amenizar o status do autoritarismo atribuído ao seu governo; em
abril de 1945 Vargas anunciou a anistia política a todos os presos
pelo Estado Novo, entre eles o líder comunista Luís Carlos Prestes.
A anistia concedida pelo governo gerou a expectativa de
mudanças e também a rearticulação do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), que encabeçou na “corrida” presidencial o concorrente
Yeddo Fiúza. No dia nove de maio, tornou-se oficial a candidatura
de Dutra apoiado pelo recém-formado Partido Social Democrático
(PSD), pouco tempo depois de oficializado, o ex - Ministro da
Guerra demitiu-se de seu cargo sendo substituído pelo General
Góes Monteiro.
Completando três meses depois de anunciado o Ato Adicional
e o nome dos futuros candidatos, surgiu um novo decreto de lei
para o Código Eleitoral, decreto nº 7.586, também conhecido
como “Lei Agamenon”. O nome da lei fazia menção ao Ministro da
Justiça Agamenon Magalhães, que tinha como objetivo principal
regular o alistamento eleitoral e as eleições no país, que mais tarde,
exatamente no mês de outubro, seria modificada.
Os últimos meses de Getúlio Vargas frente ao Estado Novo foram
agitados e permeados de mudanças que resultaram novamente em
tom de desconfiança a seus opositores. Estas mudanças começaram
a aparecer em meados de julho, quando Vargas retirou seu apoio
ao candidato Dutra, e em consequência da anistia política recebeu
apoio do Partido Comunista.
O clima de suspeita aumentou quando adeptos de Vargas iniciaram
um movimento com o intuito da permanência do ditador, agora
como presidente. O movimento ganhou o apelido de “queremistas”,
objetivando a permanência de Getúlio convocando uma eleição da
Assembléia Constituinte, ou seja, a eleição presidencial prevista para
o dia dois de dezembro seria adiada e o poder continuaria nas mãos
de Vargas.
A desconfiança dos opositores do governo sobre as verdadeiras
intenções de Getúlio aumentaram ainda mais quando o mesmo, no
dia 10 de outubro lançou o decreto de lei nº 8.063, modificando o
processo eleitoral. O decreto anteciparia a data das eleições estaduais
e municipais para o dia 2 de dezembro junto com as nacionais. Além
da antecipação, o decreto exigia que os candidatos que tivessem
cargos titulares estivessem desligados de seus postos 30 dias antes das
eleições.7 Consequentemente as alterações feitas nas leis eleitorais alertaram
os oficiais das forças armadas, que temiam uma possível permanência
de Getúlio Vargas. O estopim para a saída de Vargas se concretizou
quando o mesmo nomeia seu irmão Benjamin Vargas para o cargo de
chefe da polícia no Distrito Federal, substituindo João Alberto Lins de
Barros.
Após a decisão da substituição do chefe da polícia João Alberto,
Góes Monteiro, o atual Ministro da Guerra, se uniu a outros generais:
Anor dos Santos, Conrobert Pereira da Costa, Benício Silva e Gustavo
Cordeiro de Farias8. Em conferência propôs a renúncia de Vargas. No
dia 29 de outubro Getúlio Vargas renunciou o posto, encerrando os oito
anos do Estado Novo.
7 SKIDMORE, op. cit. p.77.8 FAUSTO, op. cit. p. 238.
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Menos de dois meses antes das eleições José Linhares, o presidente
do Supremo Tribunal Federal, assumiu o Governo. Em suas primeiras
ações, ainda que em breve período de tempo, realizou mudanças que
sugestionaram as atuações do próximo governante, começando com
o cancelamento do decreto de Vargas sobre a antecipação das datas
das eleições estaduais.
Estas atuações não se limitaram a anulações feitas às últimas ações
de Vargas; Linhares nomeou Góes Monteiro como chefe de gabinete
de circunstâncias, posto recém-criado com o intuito da permanência
do general. Além da criação do gabinete, o governo provisório de
Linhares articulou uma breve perseguição ao Partido Comunista;
contudo, seus membros continuaram a exercer suas atividades.9
Seguindo o calendário de transição, o governo provisório ficou em
vigência até o dia 31 de janeiro de 1946.
As eleições presidenciais no dia 2 de dezembro presidiram-se
de acordo com o decreto sancionado. Conforme descrito por Boris
Fausto “o candidato da aliança PSD-PTB, Eurico Gaspar Dutra, obteve
3.251.507 votos (correspondentes a 55,39% do total de sufrágios);
Eduardo Gomes, da UDN, conseguiu 2.039.342 (34%);o candidato
comunista, Fiúza, somou 569.818 (9,70%)”10.
Com a vitória de Dutra frente ao PSD, os dois primeiros anos do
presidente foram marcados de ajustes relacionados ao final da guerra
e à política brasileira. O primeiro passo estaria na elaboração da
Constituinte de 1946, aprovada em setembro, na qual se destacam
principalmente elementos que favoreciam a democracia e à cassação
de pensamentos contrários a este modelo que deveria vigorar no
país.
9 SKIDMORE, op. cit. p. 79.10 FAUSTO, op. cit. p. 240.
Em sua quarta versão, a nova Constituição procurou restaurar
um âmbito liberal e o favorecimento de um governo federal forte.
Assim como na Constituição de 1934, foram inclusos dispositivos que
asseguravam as eleições e direitos cívicos, porém o executivo, criado
e ampliado por Vargas, não obteve alterações em sua nova versão no
ano de 1946.11 Além da independência e restabelecimento dos três
poderes, formou-se uma autonomia dos Estados e Municípios.
Outro ponto de destaque na nova Constituição remeteu ao direito
à greve. Antes da aprovação da Constituinte em setembro de 1946,
Dutra utilizou a legislação herdada de Vargas até aprovação da nova.
Se anteriormente a greve era considerava um ato infrator, na nova
Constituição a mesma é “liberada”, porém com uma lei complementar
aos trabalhadores que na prática dificultava o exercício da mesma,
característica do Governo Dutra que foi herdada do Estado Novo.
Junto com a Constituição, o governo Dutra iniciou uma posição
mais dura frente ao Partido Comunista. Depois da anistia concedida
no ano de 1945, o partido retomou suas atividades com grande
notoriedade, elegendo mais de quinze membros para a Assembleia
Constituinte, seguindo com mais deputados e o senador Luís Carlos
Prestes pelo Distrito Federal.
A importância do PCB evidenciou-se nas eleições presidenciáveis de
1945; Yeddo Fiúza atingiu um número grande de votos, além disso, o
partido ocupou grande parte da bancada na Câmara na capital do país.
Toda essa força adquirida em pouco tempo, não passou despercebida
aos olhos do novo presidente, que se apressou em tomar providencias
repressivas.
Esta repressão começou com a própria Constituição de 1946,
incluindo um dispositivo legal, nos quais partidos antidemocráticos
11 SKIDMORE, op. cit. p 91.
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seriam impedidos da participação aberta na política.12 A medida de afastar
o PCB nos pleitos democráticos, concretizou-se em maio de 1947, mesmo
período em que iniciava a “Guerra Fria”, elemento que facilitou a oposição
ao PCB apoiado em grande número pela bancada do governo de Dutra.
Um detalhe de grande importância foi que o senador Prestes do PCB
chegou a apoiar Dutra em sua campanha presidencial, mesmo seu partido
nomeando Yeddo Fiúza como candidato. A campanha do general Dutra
neste sentido escondeu uma proveniência importante sobre as alianças
partidárias que o apoiaram em sua candidatura para presidente em
1945.
Portanto, a especulação de maior importância verificou-se com o
Partido de Representação Popular (PRP). O recém-partido criado necessitou
segundo a regulamentação eleitoral, a conhecida “Lei Agamenon”, de no
mínimo cinquenta mil assinaturas para a sua eletiva criação, tendo em
vista que esse número de assinaturas representava um número pequeno
para partidos de menor expressão.
Essa norma foi reduzida por influência de Dutra, para no mínimo
dez mil assinaturas, número que correspondia à necessidade do PRP e
que, consequentemente, apoiou o candidato presidenciável. Logo depois
de formada e aprovada a coligação eleitoral liderado por Plínio Salgado,
Dutra decretou o aumento para cinquenta mil assinaturas como previa a
lei anteriormente.
O partido de Representação Popular fundado no ano de 1945 usou o
apoio dado por Dutra em pról de sua legalização, como uma espécie de
mão-dupla, ou seja, a criação do partido ajudado por Dutra levou o mesmo
a receber o apoio perrepista em sua campanha. A articulação tomada pelo
partido, compreendida como uma troca de favores explicava-se pelo seu
passado duramente criticado, que se iniciou com a extinta Ação Integralista
12 SKIDMORE,op. cit. p.93
Brasileira, no ano de 1932 e vetada na abertura do Estado Novo.
A AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA (1932 – 1937)
Um partido político brasileiro que, em sua constituição reuniu
inúmeros seguidores e implantou em sua criação o nacionalismo13,
iniciou sua trajetória no ano de 1932. A Ação integralista Brasileira
(A.I.B) desempenhou um importante papel no processo político
brasileiro, importância que se destacou tanto na produção literária
como no pioneirismo de partido de massas do país.
O Integralismo14 com sua postura conservadora foi desarticulado
no ano de 1937 durante o Estado Novo, e reorganizado em forma
de agremiação partidária em 1945 como Partido de Representação
Popular (PRP). A Ação Integralista Brasileira é elemento de extrema
importância para a compreensão da formação doutrinária,
estrutural e discursiva do PRP, neste sentido, o objetivo é apontar
os principais aspectos que influenciaram na agremiação perrepista,
compreendendo suas bases e os acontecimentos relevantes para sua
fundação.
13 O nacionalismo para A.I.B. centralizava-se na forma da valorização do Brasil, união dos brasileiros em um só espírito para a construção da Nação. Este nacionalismo vai além do culto do hino e da bandeira, se caracteriza na interpretação da realidade nacional e o culto aos nomes que ajudaram na construção do país.14 “Quando nos referimos a “integralismo” estamos designando a doutrina político-filosófico, que não deve ser confundida com a Ação Integralista Brasileira (AIB), forma partidária que se revestia o integralismo entre 1932 e 1937. Esta distinção deve-se à reelaboração feita pelo movimento, pois até 1937 AIB e integralismo eram tomados como sinônimos.” Esta diferença é ressaltada por Plínio Salgado quando no contexto da rearticulação integralista já em meados de 1946, estabelece uma distinção entre integralismo e AIB, para Salgado Integralismo foi uma doutrina democrática fundada num conceito espiritualista e a AIB, um partido político. CALIL, Gilberto Grassi. O integralismo no Pós-Guerra. A Formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre: EDIPUCRS. p .122.
294Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Para a concepção da formação política do PRP, há a necessidade
de um retorno as bases da Ação Integralista Brasileira, pois o
andamento do partido necessariamente teve uma importante ligação
com o integralismo. As bases do movimento integralista foram
principalmente pautadas em uma renovação literária, nacionalista e
estética, transformações que significaram um marco, pois se revelou
uma ruptura com o passado da República Oligárquica15 e um interesse
maior das classes médias urbanas pela política, que geraram uma
reação contra a alternância de mandatos mineiros e paulistas.
Esta trajetória iniciou-se na década de 1920 com o ideal pós-
guerra, fim da primeira Guerra Mundial, e a presença crescente do
modernismo, fazendo este período um símbolo da produção literária no
país, devido à revolução estética criada pelo movimento. A característica
de formação intelectual é ainda mais perceptível nas produções literárias
do chefe integralista Plínio Salgado que o acompanham até o final de
sua carreira política, segundo Hélgio Trindade:
[...] não se pode compreender a ideologia integralista sem penetrar no significado dos romances de Salgado,onde se encontra sua interpretação da realidade brasileira,num período de ebulição e, ao mesmo tempo alguns temas de sua concepção ideológica através de manifestações de certos personagens.16
Além de Plínio Salgado, outros autores que não pertenciam ao
integralismo como Monteiro Lobato, que representava a vanguarda
15 Período de 1895 a 1930. A República Oligárquica compreende-se a dominação do cenário político pelas oligarquias rurais, em especial as de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em especial a paulista e mineira que foi chamada de “política do café com leite”. A “política do café com leite” recebeu este apelido devido à alternância presidencial de São Paulo e Minas Gerais.16 TRINDADE,Hélgio.Integralismo(o fascismo brasileiro na década de 30),São Paulo:Difel;Porto Alegre:UFRGS,1974.(Coleção Corpo e Alma do Brasil). p. 63.
literária na época, e Alberto Torres17 contribuíram para a crescente
produção bibliográfica na questão nacional. O período posterior a
Grande Guerra,18 de acordo com análise feita por Trindade, “embalou
uma produção e cultivo de consciência nacionalista, intensificação da
industrialização, e a inserção de novas camadas urbanas na luta social e
política que mudou a ideologia operante entre as elites intelectuais.” 19
A intensificação do sentimento nacionalista se aliou a crescente
exaltação ao civismo, lembrando que ambos se desenvolveram na
esfera intelectual que se disseminava no Brasil. E neste meio intelectual
que juntou a presença do modernismo, abriu caminhos para os
primeiros passos do surgimento de uma ideologia, gerada em um
ambiente propício a novas consciências políticas.
Plínio Salgado buscou um profundo conhecimento e organização nos
ideais ufanistas produzidos neste período, enfatizando principalmente
sua ideia contrária sobre o cosmopolismo, e a influência estrangeira
na realidade do país. A revolução literária, devido ao impacto do
modernismo, é ainda mais exaltada no ano de 1922, fazendo com
que Salgado ressurja numa tomada de consciência na organização de
um movimento político independente das forças tradicionais vigentes,
impulsionado com a sua participação dos movimentos Verde-Amarelo
e a Escola da Anta.
Esta consciência de renovação política foi aumentando com os
acontecimentos vivenciados por Salgado, em especial sua aproximação
17 Alberto Torres foi ensaísta, político e sociólogo que ao longo de sua carreira publicou reflexões sobre a reforma brasileira, de cunho nacionalista. Durante o período de 1930, suas obras se tronaram referência a grupos políticos e intelectuais, um autor de alta admiração dos integralistas. TRINDADE, op. cit. p.29. 18 Compreende-se Grande Guerra como a Primeira Guerra Mundial 1914- 1918. 19 TRINDADE, op. cit. p.15
295Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
e interesse pelo nazi fascismo internacional. Com a revolução de 193020
e o término do domínio oligárquico no Brasil, o chefe integralista
abandou o Partido Republicano Paulista, onde iniciou sua trajetória
política em 1919, e procurou inspiração para a política brasileira em
uma viagem para a Europa em abril de 1930, sendo esta fase decisiva
para a formação do Integralismo.
O significado da revolução de 1930 recaiu em uma espécie de
decepção para o líder integralista, que temeu o declínio do país em uma
ausência de direção ideológica. Em sua concepção, o país necessitava
da formação de um povo conciso, forte, e mais do que tudo imune aos
efeitos do mal urbano e estrangeiro sobre a formação da consciência
nacional.
Retornando ao país em outubro de 1930, Salgado procurou difundir
sua opinião política através de artigos publicados no jornal A Razão,
no Estado de São Paulo. Seus periódicos formaram um meio eficaz
para transmissão de um novo segmento político junto ao seu grupo
de estudo S.E.P- Sociedade de Estudos Políticos, do qual participaram
jovens intelectuais como Candido Motta Filho, Ataliba Nogueira, Mario
Graciotti, João Leães Sobrinho.21
Os estudos realizados pelo grupo abrangiam contextos ideológicos
e debates políticos, que posteriormente estariam presentes no Manifesto
20 Movimento armado encabeçado pelos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, que descontentes com o resultado das eleições presidenciais do ano de 1930, originaram-se em um golpe de estado. O golpe derrubou o então presidente Washington Luís, impedindo a pose do presidente Júlio Prestes, considerada nos discursos acadêmicos uma revolução democrática burguesa, destacando-se a burguesia industrial no processo da Revolução. Na obra “O Silêncio dos Vencidos” de Edgar Salvadori de Decca, o autor faz outra leitura da Revolução de 1930, apontando a mesma não como fruto de iniciativa burguesa, mas com interessa e participação da classe operária e camponesa dentro do processo revolucionário.21 TRINDADE. op. cit.1974. Pg.125.
lançado em outubro de 1932. A S.E.P estava organizada em comissões
de estudo para várias áreas como economia, jurídica, higiene, medicina
social e geografia. Todos os tópicos se relacionavam em uma estrutura
antiliberal e nacionalista22.
Uma importante característica da formação da S.E.P foi que algumas
das ideias contidas no grupo que posteriormente formaria a A.I.B,
pertenciam a movimentos políticos autoritários da direita da década de
1930. Estes movimentos obtinham inspirações fascistas, denominados
como: Ação Social Brasileira, Legião Cearense do Trabalho, República
Sindicalista, Milícia Sindicalista e Patrionovistas.23
Com a presença de diferentes movimentos no interior da S.E.P, a
mesma acabou ficando sem uma definição de princípios específicos. E
nesta heterogeneidade de valores, acabaram por afastar o grupo dos
patrionovistas, que acreditavam em um corporativismo aliado a uma
monarquia antiliberal, pensamentos que entravam em contradição
ao grupo de estudos que por fim deu a origem a Ação Integralista
Brasileira.24
Em junho de 1932 foi redigido o Manifesto Integralista com os
propósitos estudados e levantados pela S.E.P desde fevereiro do mesmo
ano. A publicação foi adiada graças às agitações populares devido a
“Revolução Constitucionalista”25 que ocorria em São Paulo, sendo ele
22 Id. ibid. p. 126.23 Trindade. op. cit. p.111.24 Id. ibid. p.127.25 Segundo Alexandre Hecker (professor de História Contemporânea da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Creio que a expressão “Revolução” adotada para o movimento paulista pela constituição e para o movimento militar subsequente, não seja apropriada. Não era uma revolução. Na verdade, desejava-se a normatização da legislação e do processo eleitoral, e não uma mudança no sentido de alteração das relações de poder ou qualquer coisa que significasse uma limitação no processo de desenvolvimento capitalista”, afirma. Ele diz que, para alguns historiadores, o movimento é considerado até conservador
296Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
publicado em sete de outubro de 1932, marcando o proselitismo da
Ação Integralista Brasileira como um movimento político independente.
A A.I.B. desde sua fundação de 1932 ao seu veto no ano de 1937
possuiu segmentos doutrinários básicos. Segundo Gilberto Calil esta
atuação “moldou os integrantes e definiu sua intervenção no cenário
político”.26, estas bases estariam em torno de três elementos: Deus,
Pátria e Família. Estas ideias partiam desde o núcleo da célula familiar
até abranger a nação como um todo, considerada também uma
“família- nação”.
Além da forte presença e importância da família, a religião católica
atuou como um elemento legitimador da ordem a ser instaurada
pelos integralistas em nome de Deus. A nação, o mais importante
elemento na formação doutrinária, preocupou-se em reinterpretar o
passado nacional, avivando o espírito nacionalista através de culto aos
heróis nacionais, cultivo das três raças (branco, preto, índio) e uma
reinterpretação do passado, sendo esta preocupação recorrente e
produto de propaganda integralista.27
Todos estes princípios atrelados à realidade em que se encontrava
o Brasil, prestes ao golpe de Estado, foram barrados juntamente com
a AIB no final do ano de 1937. Getúlio Vargas com Estado Novo
põe fim a A.I.B. com um decreto promulgado em 3 de dezembro,
impossibilitando Plínio Salgado de manter a autonomia do integralismo,
que na concepção do grupo seria a base do novo regime.28
e anti-revolucionário. “Era uma elite derrotada que queria voltar ao poder e encontraram nesse movimento uma desculpa para isso”. Informações retiradas do Portal UNESP, em entrevista ao historiador Alexandre Hecker. http://www.uneps.pbr/aci/imprensa/arquivo/movimento.htm. Em vinte e oito de setembro de dois mil e quatorze.26 CALIL, op. cit. p. 37.27CALIL, op.cit. p. 38.28 Id. ibid. p. 65.
Este rompimento de Vargas com a A.I.B. gerou algumas especulações, a de maior importância foi o medo da popularidade atingida pelo movimento e uma possível candidatura de Plínio Salgado. Já na clandestinidade, ocorreu a Intentona Integralista29, tentativa frustrada do grupo que além de ser contida resultou na prisão de vários envolvidos e, consequentemente, no exílio de Plínio Salgado em Portugal por seis anos.30
Mesmo longe de sua nação, Salgado manteve trocas de correspondências, que lhe deixavam a par da situação no Brasil. Esta condição tomou novo rumo a partir da redemocratização brasileira de 1945, neste momento o país se acometeu de diferentes mudanças principalmente com a chegada da democracia.
O antigo chefe integralista retornou a sua pátria um ano depois em 1946, encontrando muitas dificuldades na reorganização política de seus ideais. Tanto Salgado como os ex-integrantes sofreram duras repressões da imprensa e principalmente da FEB (Força Expedicionária Brasileira), que após negarem as denuncias do envolvimento com o nazi-fascismo internacional, conseguiram rearticular o integralismo
como partido político, o Partido de Representação Popular.
MANIFESTO DE OUTUBRO DE 1932
Resultado dos estudos feitos pela S.E.P., e fruto da abertura da Ação
Integralista Brasileira, o Manifesto de Outubro foi o documento que
funcionou como manual ideológico dos integralistas. Neste manuscrito
se encontravam os direcionamentos ideológicos e os objetivos a serem
seguidos pelo grupo; transferindo este escrita aos discursos feitos pelo
29 Intentona Integralista: ataque ao Palácio da Guanabara no Rio de Janeiro em maio de 1938, reação contra Getúlio Vargas com a decisão da ilegalidade dos integralistas. 30 CALIL, op. cit. p. 67.
297Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
líder Plínio Salgado, parte de sua oratória continha os princípios citados
pelo documento. De acordo com Michel Foucault:
[...] O discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula assim, em sua realidade,inscrevendo-se na ordem do significante.31
A escrita do documento estava diretamente ligada à fala de
Salgado frente à Ação Integralista Brasileira. Os discursos realizados
pelo líder do movimento se incorporavam a outros discursos, como
por exemplo, O manifesto de Outubro, e numa rede aberta de falas,
que acabavam estabelecendo e reproduzindo um jogo de signos,
que objetivavam expressar valores a serem perpetuados; no caso
os princípios integralistas. Estes princípios buscavam reproduzir
a concepção do grupo e seus aspectos fundamentais, como o
nacionalismo exercido pelo partido.
O nacionalismo assumia uma posição central no manifesto,
que objetivava elevar o valor do Brasil na consciência de Nação.
Na busca desta valorização brasileira, os integralistas exaltavam a
diversidade cultural existente no país, como o índio, o negro e o
branco. Esta Nação inspirada pelos adeptos da A.I.B. deveria ser
“organizada, una, indivisível, forte, poderosa, rica e feliz [...] a fim
de criar uma cultura, civilização, um modo de vida genuinamente
brasileiro”32.
“O Nosso Nacionalismo”, título dado ao tópico que tratava
de explicar a importância desta característica nos integralistas,
condenava toda e qualquer influência estrangeira no território 31 FOUCAULT, op. cit. p.46.32MANIFESTO DE SETE DE OUTUBRO.Disponível em: http://www.integralismo.org.br/manifesto.htm. Acesso em: 15 set. de 2014.
brasileiro. Segundo o manifesto, combater o cosmopolismo, isto é,
a influência estrangeira, era dever e obrigação de cada adepto da
doutrina.
O documento ainda argumentava que a vida cotidiana dos
brasileiros estava “impregnada” de estrangeirismo, não conhecendo
mais os costumes e histórias de sua terra natal, nem seus poetas,
escritores e pensadores. Finalizando a escrita desta característica, o
grupo sintetizou o objetivo do nacionalismo perante a doutrina: ”O
nacionalismo para nós não é apenas o culto da Bandeira e do Hino
Nacional; é a profunda consciência das nossas necessidades, do
caráter, das tendências, aspirações da Pátria e do valor de um povo.
Essa é a campanha que vamos empreender”33.
Além do nacionalismo, a doutrina reservava um lugar de grande
importância à família. Para o documento ela era à base da felicidade
na terra, comparando a alegria do homem ao receber o afago da mãe
e a ternura paterna. Da base sólida familiar conquistava os triunfos e as
lutas que o ser humano enfrentava em sua trajetória terrestre, tornando-
se uma projeção da personalidade do indivíduo.
O manifesto comparava o Estado a uma grande família ou um
conjunto de famílias, e por esse motivo, o Estado deveria zelar por
essa instituição que originou o sentido da ordem. E devido a grande
importância atribuída a esta instituição, os integralistas se coloraram
em defesa da família, elemento que teve um lugar de destaque no
programa.
Outro ponto a ser analisado pelo programa da A.I.B. foi a
concepção espiritualista do grupo. O integralismo definia que Deus era
à base de todas as coisas e agia como interventor no universo. Esta
ideia esta contida na primeira página do manifesto: “Deus dirige os
33 MANIFESTO DE OUTUBRO. op. cit.
298Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
destinos dos povos”34. Seguindo esta lógica, os homens são criações divinas e sua conduta moral se encontrava diretamente ligada a sua crença em Deus.
A religiosidade integralista seguia os princípios cristãos da Igreja Católica. Esta visão de mundo espiritualista contida no manifesto carregava a noção de providencia divina, priorizando os valores considerados emanantes de Deus. Desta forma, o espiritualismo acabou se convertendo nas bases culturais, política e sociais adotadas pelo grupo.
Finalizando os preceitos encontrados no manifesto, o autoritarismo também pertencia aos dogmas seguidos pelo grupo. Para os integralistas a autoridade do Estado era considerada uma força mantenedora do equilíbrio e harmonia humana. Segundo o documento, somente a consciência de autoridade poderia levar o indivíduo a tomar iniciativas
que beneficiariam a todos.
A FIGURA DE PLÍNIO SALGADO: FORMAÇÃO POLÍTICA E IDEOLÓGICA
Plínio Salgado esteve no posto de líder na Ação Integralista
Brasileira desde a sua fundação em 1932 até seu veto pelo Estado
Novo em 1937. Sendo o porta-voz do grupo Salgado carregou em
suas oratórias muito de sua base familiar, cultural e educacional. Estas
características também se encontram nos discursos feitos pelo Partido
de Representação Popular; de acordo com Foucault e seu dispositivo de
autoria nos discursos:
[...] o autor presta conta sob seu nome; pede-se que lhe revele, ou ao menos sustente o sentido oculto que os atravessa; pede-se que os articule com sua vida pessoal e suas experiências vividas, com a história real que
34 Id. ibid.
os viu nascer. O autor é aquele que dá à inquietante linguagem de ficção a suas unidades, seus nós de coerências, sua inserção no real.35
O autor do pronunciamento fixa a direção de sua fala primeiramente
nele mesmo, restringindo a busca de fatos a um núcleo de verdades
significativas. Salgado faz uso de suas experiências e as transmite
nitidamente em suas oratórias. Isto aconteceu quando esteve à frente da
A.I.B. e no seu retorno do exílio, quando foi eleito presidente do PRP.
Retornando do exílio em agosto de 1946, Plínio Salgado usou desta
experiência em prol de sua nova empreitada política. Para Gilberto Calil
“A permanência de Salgado no exílio, permitiu a construção de um mito
do ausente”36, o tempo afastado do país, o tornou mártir de sacrifício pela nação, sendo expressada através de mensagens a ele enviadas e em seus próprios discursos:
Meus patrícios! Ao dirigir-vos este ano a mensagem de Natal que muitas vezes vos mandei do exílio, faço-o particularmente comovido, por me encontrar agora entre vós, respirando o mesmo ar, o ar da Pátria que tanto amamos. Não posso deixar de dizer-vos que esta emoção do regresso ao Brasil, depois de longa e forçada ausência, mistura-se a dolorosas apreensões em face do estado de espírito em que vejo o nosso povo e do quadro geral da sociedade em todos os países, cujos fundamentos cristãos aparecem abalados e, porventura, sob muitos aspectos, subvertidos. [...] 37
Plínio Salgado utilizou tanto a permanência no exílio como elementos
cristãos em grande parte de sua vida pública. Esta construção explica-se
principalmente em sua formação política e ideológica que carregou de
suas tradições republicanas, herdadas de sua criação. Nascido em São
35 FOUCAULT, op. cit. p. 26.36 CALIL, op. cit. p. 159.37SALGADO, Plínio.In: Discursos.São Paulo:Companhia Editora Nacional,1947,Coleção “Convivium”. p.93.
299Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Bento do Sapucaí município do estado de São Paulo em 22 de janeiro
de 1895, recebeu uma rigorosa formação religiosa, e o gosto pela
política resultou devido a forte tradição passada de seu pai, o coronel
Francisco das Chagas Esteves Salgado.
O elo da tendência conservadora se iniciou com seu pai, que foi
farmacêutico e também chefe político local, fundando sua carreira
política no berço da Primeira República38. De sua mãe, Salgado obteve
as primeiras lições de educação espiritual e aspiração nacionalista,
sendo ela professora de História do Brasil, História Sagrada, de
Geografia, Aritmética e de Francês.39
A abertura de sua vida política aconteceu quando completou a
maioridade. Salgado inscreveu-se como eleitor do Partido Municipalista
do vale do Paraíba, aonde chegou a ajudar na organização do grupo.
Nesta atuação, é possível identificar em seus discursos e conferencias
de suas atividades jornalísticas, uma aplicação patriota no tom de sua
retórica.
Sua tendência nacionalista foi inspirada muitas vezes em temas da
história do Brasil, que lhe serviu como embasamento em discursos e
atividades partidárias. Um exemplo dessa utilização histórica aconteceu
em uma conferência no ano de 1916. No aniversário da Independência
do país, Salgado manifestou seu ufanismo citando a frase de D. Pedro
I “Independência ou Morte”, ao enfatizar que os brasileiros deveriam
assumir uma postura patriota frente a sua nação.40
O segundo passo das atividades políticas realizadas por Plínio
Salgado ocorreram em São Paulo. Na capital conseguiu um emprego
38 Primeira República ou República velha, foi o período que se compreende de 1889 – 1930, onde o poder das oligarquias rurais estiveram presentes no cenário político brasileiro.39 TRINDADE, op. cit. p. 43.40id. ibid.p.45.
como revisor suplente no jornal Correio Paulistano, periódico ligado
ao Partido Republicano Paulista onde se aliou a grupos intelectuais
e políticos que consequentemente o levaram a se filiar ao partido
republicano.
Ingressando no ano de 1919 ao Partido Republicano Paulista, obteve
grande destaque, passando de suplente a revisor da redação do jornal
Correio Paulistano, onde desenvolveu rapidamente maior notoriedade
política. Porém sua ligação com o partido sofreu forte abalo quando
se engajou em uma corrente ideológica interpretada como estratégia
pessoal pelos demais membros, de tentar renovar o velho partido.
Esta corrente renovadora visou especialmente uma cisão interna
no partido, que pretendia conciliar o velho Partido Republicano com
as ideias intelectuais literárias modernas que estavam surgindo, de
cunho nacionalista. Plínio Salgado pretendeu nomear esta renovação
partidária de “Ação Nacional”, que na luta pela renovação chegou a
escrever artigos com o pseudônimo de Pinus, na tribuna O Estado de
São Paulo.41
Porém esta tentativa não obteve êxito, mesmo não ocorrendo
à renovação no partido, Salgado permaneceu ligado a ele até a
Revolução de 1930, onde posteriormente fundou a Ação Integralista
Brasileira. Sua saída do P.R.P. foi marcada pelo lançamento de sua obra
O Estrangeiro, que obteve uma ótima repercussão, se tornando uma de
suas mais famosas obras.
A efervescência literária de Salgado o auxiliou em sua mutação
ideológica e resultou na influência do modernismo e da integração ao
movimento Verde- Amarelo/Anta, que ocorreu no marco da semana da
Arte Moderna em fevereiro de 1922. A semana da Arte Moderna foi um
movimento artístico, literário, político e social que tinha como objetivo
41 TRINDADE, op. cit. p.48.
300Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
se opor a política oligárquica, tendo como sua principal característica
o nacionalismo.
Na primeira fase do movimento marcada pelo nacionalismo, se
destacaram dois grupos: Pau- Brasil e Verde – Amarelismo; futuramente
do grupo Pau –Brasil surgiu uma transformação literária, e o nome foi
alterado para “antropofágica” e o Verde-Amarelismo, que encabeçaria
a criação da “Escola da Anta”. No primeiro grupo, a proposta principal
se deteve na literatura vinculada a realidade e cultura brasileira. Os
principais nomes do movimento Pau-Brasil foram: Tarsila do Amaral,
Oswald de Andrade e Alcântra Machado.
O grupo Pau – Brasil manteve-se coeso até 1924. De acordo com
Afrânio Coutinho em sua obra A Literatura no Brasil, o movimento
preocupou-se com uma produção poética baseada na ambiência
geográfica, histórica e social brasileira42. A partir de 1926, a tendência
literária do grupo ampliou suas produções na compreensão de obras
estrangeiras, não no sentido de copiar, mas na criação de poesias
de exportação, renomeando o movimento para “antropofágico”,
valorizando o homem natural, antiliberal e anticristão.
O grupo Verde-Amarelo liderado por Plínio Salgado buscou
apresentar um nacionalismo primitivo, puro sem qualquer influência
estrangeira. Dois anos depois de sua fundação, os “verde-amarelos”
optaram por um aprofundamento da realidade brasileira e seus
respectivos problemas, renomeando o grupo para Escola da Anta, nome
sugerido por Salgado homenageando o mamífero da raça tupi.43
Este novo momento do movimento, priorizou a valorização do
nacionalismo aliado a uma poesia de região, de tal modo como
na utilização de elementos cristãos, como por exemplo, obras que
42 COUTINHO, Afrânio; Coutinho, Eduardo de Faria. A literatura no Brasil. Vol.5. São Paulo: Global, 1999.p.50.43 TRINDADE, op. cit. p. 51.
refletissem a vida de Cristo. Assim a Escola da Anta, de acordo com
Coutinho “prega um retorno ao primitivo, porém ao primitivo em
estado de pureza – se assim se pode dizer – ou seja, compromisso com
a ordem social estabelecida: religião, política e economia”44.
As participações de Salgado no movimento modernista e no Partido
Republicano Paulista, resultaram na formação ideológica da Ação
Integralista Brasileira, e posteriormente no Partido de Representação
Popular. Plínio Salgado usou estas experiências adquiridas em sua
transformação face à política, em dois momentos politicamente
distintos; aperfeiçoou seus discursos sob o raciocínio da interpretação
da realidade brasileira, fruto de sua trajetória nas mudanças políticas
com o fim do Estado Novo, e a sua literatura produzida.
PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR
2.1 ”O PASSADO É TEIMOSO PORQUE SE DISSIMULA NAS
CONVENIÊNCIAS DO PRESENTE”: DISTINÇÃO DO INTEGRALISMO E
A A.I.B. NA FALA DE PLÍNIO SALGADO
Com a fundação do Partido de Representação Popular em setembro
de 1945, as ocupações nos primeiros anos se voltaram à desvinculação
do integralismo com o AIB. Esta medida se fez necessária justamente
porque na concepção perrepista o integralismo foi uma doutrina geradora
de novas consciências políticas, diferentemente da AIB, que atuou como
partido político em determinado tempo, que não condizia mais a
realidade brasileira, como observado por Salgado em seu Discurso no
Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 27 de outubro de 1946:
44 COUTINHO, op. cit.p.33.
301Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
[...] Quero, entretanto (e reservei especialmente para esta reunião solene, esta deliberação) ao assumir a presidência do Partido de Representação Popular, com o firme propósito de elevar o povo brasileiro, cada vez mais à altura dos seus destinos; quero, neste momento, já que um dia chefiei uma corrente cujos iniciados, cujos companheiros costumavam assinar ficha de compromisso contendo um juramento; quero, neste instante, em que assumo este posto político e a fim de abrir as portas a todos os brasileiros, para que se aproximem de mim, sem temor, mas com amor ao Brasil; quero, em todo o território nacional, desligar do juramento que me fizeram aqueles que comigo militaram outrora na Ação Integralista Brasileira.45
O início de formação partidária do PRP precisou afastar qualquer
ligação entre o integralismo e a A.I.B., principalmente devido aos
aspectos usados na trajetória de seu passado como milícias e rituais que
foram deixados de lado, para que não influenciassem na concepção
democrática dos perrepistas. Tanto os rituais como o uso de uniformes,
foram justificados por Salgado. Para ele, a ideologia contida na A.I.B.
nada influenciava com o uso de vestimentas semelhantes, desta forma,
a doutrina integralista não poderia ser associada a “roupa”.
Tal argumento também é esclarecido no uso das milícias.
Novamente Salgado comparou que a formação da AIB não poderia ser
a cópia do outros exércitos, e que a milícia formada naquele período só
serviu ao seu país. Estas medidas tinham o propósito de desvincular o
passado e a trajetória de Salgado e fazer com que o novo partido não
parecesse fruto de uma iniciativa integralista, mas que os ex- integrantes
da ideologia se anexaram ao PRP depois da formação do partido, e não
como fundadores.
Esta participação dos ex- integralistas no Partido de Representação
Popular, foi novamente reafirmado por Salgado ainda no mesmo
discurso do Teatro Municipal do Rio de Janeiro no ano de 1946:
45 SALGADO. op .cit. p.12.
Na verdade, temos sido deturpados, temos sido caluniados, temos sido apresentados diferentemente daquilo que realmente somos. Isso digo aqueles que comigo militaram naquele magnífico momento; isso digo também aqueles que não militaram comigo naquela obra importante mas que hoje confluem com meus antigos companheiros em um Partido Nacional Democrático e Cristianíssimo, profundamente enraizado no mais puro nacionalismo e altamente projetado no mais luminoso dos espiritualismo. (Palmas).46
Mesmo assumindo a presença dos integralistas no PRP, Salgado também enfatizou o comparecimento de não integrantes da ideologia dentro do partido, formando uma espécie de repetição dentro de sua fala através de comentários pontuais. Esta prática de repetir “silenciosamente” o cerne do conteúdo foi identificada por Foucault; nela o dispositivo de repetição no interior da fala por comentários exerce,“senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro”.47
Esta necessidade contínua de articular em sua fala que o PRP também estava formado por membros não atuantes do integralismo, é utilizada durante os primeiros anos da formação dos perrepistas enquanto partido democrático. Já aos companheiros provindos de sua antiga doutrina, eram conduzidos ao pensamento necessário da mudança, mas esta alteração estava ligada aos princípios espiritualistas, cristãos, nacionalistas e democráticos que Plínio achava que o Brasil carecia nesta nova fase de sua história.
Já definida a posição democrática assumida pelos perrepistas com o esclarecimento de seus membros, o partido se comprometeu em reverter o ambiente hostil agregado ao passado do integralismo. Esta prática visou em “reelaborar” à doutrina integralista para que a mesma
se encaixasse nos moldes democráticos assumidos pelo Partido de
46 SALGADO. op .cit. p.18.47 FOUCAUL, op. cit. p. 28.
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Representação Popular. Esta iniciativa serviu tanto como salvo- conduto
da reafirmação democrática quanto como elemento de propaganda
inserido em sua retórica.
A reconstrução da doutrina integralista, agora com ex-membros
presentes no PRP, se pautou na caracterização de um movimento
antitotalitário. Salgado levou esta tática a sua fala, onde novamente
diferenciou o integralismo como filosofia política, afirmando que a
prática totalitária nunca esteve em seus propósitos, seja na AIB, seja no
integralismo e muito menos no Partido de Representação Popular. De
acordo com o Discurso no Teatro de São Pedro de Porto Alegre (17 de
novembro de 1946):
E já que vos falei da Ação Integralista que desenvolvi no Brasil, e do Integralismo que é filosofia política que professo e professarei sempre (palmas), quero falar-vos ainda que de relance, sobre a obra de deturpação que se processou contra a nossa doutrina durante oito anos em que fomos privados da liberdade, até mesmo da liberdade de defendermo-nos contra as calúnias mais soezes. [...] Nós, que amamos a liberdade, fomos chamados de totalitários, de destruidores da liberdade. Nós, que proclamamos no nosso primeiro documento político (Manifesto de 1932), antes que nenhum outro partido o houvesse proclamado jamais na História do Brasil. [...] Nós que fomos os primeiros a levantar o nosso grito contra o totalitarismo, vimo-nos apontados, duramente oito anos, como totalitários. Apontados por quem? Por aqueles que no Brasil praticavam o totalitarismo e por aqueles que pretendiam impor um totalitarismo mais negro ainda, o totalitarismo da “cortina de ferro” e das deportações para a Sibéria. (Muito bem; palmas).48
O esforço de distinguir a doutrina integralista e a Ação Integralista como movimentos antitotalitários, segundo Calil, “levou Salgado em alguns momentos a utilizar-se de exemplos absurdos, chegando a associar sua milícia partidária como uma força policial pública.”49 Estes
48 SALGADO. op .cit. p.77 e 78.49 CALIL. op. cit. p. 137.
argumentos destinados a maquiar a presença integralista no PRP, e seu passado na A.I.B., ganharam ainda mais peso com a influência do candidato presidenciável Eurico Gaspar Dutra, nas eleições de 1945.
Mesmo com os perrepistas tendo uma pequena participação nas eleições de 1945, o apoio favorável a Dutra serviu como tática para obter ajuda na legalização do PRP. Esta estratégia garantiu ao partido facilidade na inserção do sistema político, como no próprio registro partidário, preocupação recorrente do grupo devido ao sentimento pós-guerra, anti-integralista e antifascista.
Todos estes elementos como afirmação democrática, antitotalitária e a ajuda na legalização do registro partidário, corroboraram para a afirmação institucional do grupo que aos poucos ganhou mais notoriedade no meio político. Este conjunto estratégico utilizado pelo PRP em seu processo de consolidação partidária esteve presente tanto nos pronunciamentos públicos, como em seu próprio manual ideológico.
Estas atitudes se ligaram meticulosamente a retórica do presidente do partido, fazendo com que tanto argumentos apelativos como apoios políticos, tornassem mais sólida à situação institucional do PRP. Novamente o uso da repetição em forma de comentários pontuais no interior de sua fala, atuou numa espécie de simples recitação ao ponto de partida, que segundo Foucault, permite dizer algo além do próprio texto, que o mesmo seja dito e de certo modo realizado.50
O dispositivo do comentário, conceito desenvolvido por Foucault se insere nos procedimentos organizacionais da produção e reprodução do discurso. Esta fórmula está associada aos procedimentos externos e de exclusão na oratória. Tal metodologia se encadeia a uma rede de discursos, deixando de representar o sentido pelo o que se debate, passando a ser o objeto de desejo pelo que se busca, “à parte do discurso que põe em jogo o poder e o desejo”.51 50 Foucault,op. cit. p. 24. .51id. ibid.p.20.
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Dentro dos elementos que ajudaram na afirmação institucional perrepista, encontra-se a justificativa espiritualista. A utilização deste componente fez com que o grupo desenvolvesse em sua ideologia o conceito de cristão democrático, também fortemente utilizado na retórica perrepista. O espiritualismo para os integrantes do PRP era a crença em Deus como o autor de todas as coisas, e nele estava depositado o destino dos povos. O conceito de cristãos democráticos desenvolvido pelo grupo será analisado junto com a Carta dos Princípios, manual ideológico do grupo.
A seguir, no discurso feito por Plínio Salgado em Niterói no ano de 1946, identificam-se alguns dos elementos utilizados pelo partido em sua afirmação partidária, incluindo a Carta dos Princípios e o Programa do PRP:
Nestas circunstâncias formou-se o Partido de Representação Popular. Que é o Partido de Representação Popular? É um partido que se funda em princípios espirituais, cristãos, nacionalistas e democráticos. Qual o seu roteiro? A nossa Carta de Princípios, em cujo contexto estão consignados os postulados dos quais jamais nos afastaremos. Muitos antigos integralistas nele ingressaram, mas nem todos que militaram em suas fileiras foram integralistas. Porque a Ação Integralista, apesar de nunca ter sido totalitária senão na versão dos papalvos, foi extinta por nós mesmos porque não corresponde, pelo menos neste instante, a uma necessidade histórica. O Partido de Representação Popular é coisa nova, como política; a sua doutrina é a perene doutrina cristã e democrática pregada pelo integralismo, e deturpada por ordem do governo russo, pelos comunistas e suas linhas auxiliares. (Palmas).Fiéis a essa doutrina, afirmamos conceber o Universo, não unilateralmente, como materialista, porém de maneira completa com seu conjunto espiritual. Cremos em Deus; cremos em nosso espírito e em sua imortalidade; cremos no duplo destino dos homens – o destino terreno e o sobrenatural. Cremos portanto que o homem tem aspirações tanto matérias como sobrenaturais. Cremos que o homem é livre na escolha de seus atos. Proclamamos o livre arbítrio do homem até o ponto em que não colida com as leis da natureza de Deus. Deus criou o mundo e, criando o homem, quase podemos dizer que o mesmo lhe ordenou: “Cria-te, agora, a ti mesmo”. 52
52 SALGADO. op.cit. p. 114 e 115.
No discurso feito por Salgado, o presidente do partido afirma
que as bases desta agremiação se fundaram principalmente em
princípios espiritualistas e nacionalistas. Aprofundando estes conceitos,
o nacionalismo ao qual Plínio Salgado se refere encontra-se no
engrandecimento do Brasil como uma grande Nação. Tal nacionalismo
ultrapassaria o culto do hino nacional e a bandeira do país, criando
uma consciência coletiva em cada brasileiro sobre seu passado, suas
histórias e seus poetas.
Ao termo espiritualismo frequentemente utilizado na retórica de
Salgado frente ao PRP, designa na crença em Deus como criador de todas
as coisas. O partido não escondia sua ligação aos preceitos cristãos da
Igreja Católica, conduzindo ao pensamento que Deus guiava o destino
de cada indivíduo e que a religião tornava os homens mais conscientes
de suas responsabilidades diante do bem comum.
Outro aspecto a ser observado nesta oratória, foi a necessidade
histórica em que Plínio Salgado usa ao referir-se a criação da Ação
Integralista Brasileira. Este partido político criado no ano de 1930
foi resultado de acontecimentos, que segundo Salgado, engrenou o
andamento da A.I.B. Em primeiro lugar, com o fim da Primeira Guerra
Mundial, o Brasil passou por diversas transformações, considerada uma
fase de evoluções históricas.
As mudanças iniciaram-se com a intensificação da industrialização
e economia do país. O mercado passou a se preocupar com o setor
interno da economia, ou seja, passou a importar mais produtos e
diminuiu as exportações. Surgiu, por exemplo, o interesse de muitos
na plantação de café. Seguindo pela revolução estética oferecida pela
Semana da Arte Moderna, que direcionou o pensamento artístico e
político na questão do pensamento nacional, afastando a influencia
estrangeira.
304Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2015
Estas duas transformações pelas quais o Brasil enfrentou, fez crescer
uma maior preocupação sobre o engrandecimento nacional na esfera
política e literária, que para Salgado, era exatamente o que o país
precisava naquele momento. Nesta ótica atuou a A.I.B., que na oratória
de Salgado feita em Niterói, justificava a criação da Ação Integralista,
que neste momento não correspondia mais a necessidade do país.
A justificativa termina com as explicações do surgimento do PRP.
Um partido político que carrega princípios cristãos e democráticos, com
ideias contrárias ao pensamento comunista. A crítica do PRP feita ao
comunismo será desenvolvida posteriormente a análise da Carta dos
Princípios do partido.
2.2 CARTA DOS PRINCÍPIOS DO PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO
POPULAR
A Carta dos Princípios e o Programa do Partido de Representação
Popular foi um documento redigido como objetivo apresentar os
princípios do partido e programa dos perrepistas. Este manuscrito
foi feito por Goffredo Telles Junior, advogado e militante do PRP, que
registrou este manual juntamente com Plínio Salgado em 26 de outubro
de 1946. A Carta dos Princípios foi um documento que misturou a
postura ideológica e o programa partidário proposto pelo partido,
utilizado como manual do grupo.
O programa do PRP foi detalhado em várias áreas entre elas na
carta: família, educação, saúde pública, trabalho, produção, município,
viação, finanças, defesa nacional e política exterior. Suas propostas
se fundavam em questões cotidianas como o amparo à família e
moralidade, temas denominados como a “natureza das coisas”, ou
seja, a essência previamente dada ao homem como fonte de direito
natural não podendo ser violadas ou impostas por qualquer tipo de ordem política.
A Carta dos Princípios vinha acompanhada de uma base filosófica imutável, dedicada a todos os brasileiros e também aos idealistas que segundo o documento, se “desiludiram” desde 1922, referindo-se principalmente aos integralistas e a própria AIB. Esta base filosófica foi justificada como imutável, porque assim como a existência humana necessitaria ser considerada inabalável, a ideologia do partido também deveria igualmente permanecer.
Seguindo está lógica da estrutura humana imutável, para o PRP o homem foi anterior ao Estado e, portanto, “o governo e o Estado, existem para servir ao mesmo para que possa o ajudar na dura caminhada em direção ao seu destino”53; e a partir desta concepção “Homem” e “Estado” que o grupo definiu uma posição entre “pessoa humana”, indivíduo e humano. Se o Estado foi criado para zelar o indivíduo, o mesmo deveria ser considerado parte de um todo, devendo se subordinar aos interesses superiores da coletividade.
A doutrina ainda acrescentou na esfera do individuo, que ocorre o desconhecimento político entre individualismo e totalitarismo. De acordo com o documento:
No individualismo, o indivíduo humano, endeusado, esquece-se de servir à sociedade, da qual é parte. No totalitarismo, o Estado, endeusado, esquece de que deve se submeter aos fins superiores da pessoa humana. No primeiro caso, o bem comum deixa de existir; a sociedade e o Estado perdem sua razão de ser; e os fortes escravizam os fracos. No segundo caso, o meio é transformado em fim; a dignidade humana é violada; e o Estado escraviza a todos. Em ambos os casos a liberdade se extingue54.
53 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa do Partido de Representação Popular (Documento fundamental do Partido aprovado pela 2ª Convenção Nacional realizada em Outubro de 1946 no Rio de Janeiro).p.554 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa, op. cit. p. 7.
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O conceito de individualismo utilizado pelo grupo, deriva da afirmação
do indivíduo diante do Estado e da sociedade. Segundo o documento, o
individualismo deixa de auxiliar a sociedade da qual o indivíduo humano
faz parte, abandonando o bem comum, o Estado e a coletividade. O
programa declara ser contra o individualismo propondo uma subordinação
necessária do indivíduo ao Estado.
Já ao totalitarismo no qual o documento aponta que o Estado deixa
de cumprir seus deveres superiores a pessoa humana, sendo endeusado,
o mesmo acaba por desvalorizar e escravizar o indivíduo. Sendo contra ao
totalitarismo, que priva o individuo humano de sua liberdade, o programa
declara que o Estado deve se subordinar a pessoa humana, da mesma
forma que o indivíduo ao Estado.
Esta posição do grupo, onde apontam o individualismo e o
totalitarismo de forma negativa já haviam sido proferidas nas falas
de Plínio Salgado, no qual negam qualquer vínculo com o PRP. Outro
aspecto de grande importância contida na Carta dos Princípios foram
suas definições a liberdade humana, compreendida como “faculdade
de aderir o bem”55, da mesma forma como o livre arbítrio foi inspirado
na natureza das coisas humanas; este conceito se encontrava
intrinsecamente com a propriedade privada.
Segundo o documento, a liberdade foi considerada qualidade de
excelência moral e manifestação externa, logo esta característica se
tornou um bem subjetivo do homem, que nos princípios perrepistas foi
considerada a garantia econômica e da liberdade. Assim, “suprimir
a propriedade privada, é suprimir a liberdade. Suprimir a liberdade é
destruir o homem”56; na concepção ideológica do grupo a liberdade se
relacionava com o direito a propriedade privada, garantida pelo Estado.
55 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. id. ibid. p.7.56 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa. op. cit. p.9
Junto aos conceitos filosóficos aderidos no programa, a família,
segundo o documento, foi considerada um grupo fundamental da
sociedade. Foi a partir dela, que as demais instituições se originaram,
e que o Estado deveria zelar por esta importante instituição formadora
de inteligência e de prosperidade: “A família unida, sadia, fecunda e
estável, é a maior garantia de uma sociedade feliz”57.
A família foi elevada como componente estrutural e de ética para o
homem, sendo que a partir dela a sociedade se guiou como elemento
indissolúvel do alicerce da organização social. A valorização e o zelo
pela família não se limitaram apenas como ideologia, mas como
programa partidário.
A definição de família para o partido foi considerada uma instituição
geradora de valores morais que serviram de base para o indivíduo
perante a sociedade. No seio familiar são desenvolvidas a honestidade,
o respeito, a bondade, justiça e a retidão, virtudes que posicionariam o
homem diante da sociedade e o Estado. Segundo a Carta dos princípios,
a família procedeu ao Estado e a própria sociedade civil, entendidas
como uma união de famílias. Para o PRP:
A família, pátria do coração, é por nós considerados o fundamento de todo o edifício social, porque nela encontramos um resumo da sociedade inteira, o princípio da ordem, a notação da autoridade, o conceito da justiça, a expressão da bondade, da virtude, abnegações, o sentimento da Pátria, a fonte ética perene, onde o Estado reúne a sua força e seu esplendor.58
Outro ponto no tocante a ideologia do partido, esclareceu o
nacionalismo exercido e cultuado pelo grupo. O documento comparou
o caráter individual com o nacionalismo, deste modo, como cada
57 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. id. ibid. p 11.58 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. id. ibid. p 12.
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homem carrega consigo sua personalidade, cada nação constrói sua fisionomia pautada em sua elevação moral e cultural presente em cada cidadão, não aderindo à interferência e influencia de outros países.
O princípio doutrinário de nacionalismo seguido pelo partido compreendia-se na elevação do Brasil como uma Nação. Para essa elevação da pátria, o PRP pretendia estabelecer em cada indivíduo uma consciência da realidade brasileira, valorizando os costumes genuinamente nativos de nossa terra, como por exemplo, a vida do sertanejo e os costumes indígenas, reavivando o “mito das três raças” que consolidam no país: o índio, o negro e o branco.
O nacionalismo exercido pelos perrepistas, segundo suas convicções, não se limitaram ao culto do hino nacional e a bandeira, objetivaram o conhecimento da realidade de sua nação tal como sua história. O PRP se voltou contra o cosmopolitismo, negando qualquer influencia advinda de outros países, pois não se encaixavam na realidade histórica e cultural do país.
Por fim estabeleceu Deus como ordem natural das coisas e base da doutrina perrepista, desenvolvendo a filosofia de “cristão democrata”, no qual as bases espiritualistas se mesclam ao sentido democrático. Esta concepção filosófica estabelecia Deus como o princípio natural das coisas, misturando o espiritualismo como princípio e finalidade de suas ações políticas. O final da doutrina do Partido de Representação Popular se encerra com a mesma frase encontrada no Manifesto de Outubro de 1932, proclamada pelos integralistas:
Em Deus pomos o princípio e o fim de nossa doutrina política. Em Deus pomos o supremo destino de nossas aspirações. E opondo nossa clara doutrina a todas as formas ficamos com Cristo, com ele e por ele marchamos convencidos de que ele é, realmente a Luz do mundo, o Caminho, a Verdade e a Vida. E confiamos nesta fé, que nos abrasa, proclamamos, mais uma vez: - Deus Dirige o Destino dos Povos.59
59 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, op. cit. p. 1.7
Junto com os princípios, o documento fazia uma crítica ao
comunismo. Para o PRP o comunismo é suscetível à submissão estrangeira,
sendo o Partido Comunista instrumento de dominação conduzido pelo
imperialismo soviético. Ideia contrária a doutrina nacionalista dos
perrepistas. Também acusavam os comunistas de provocarem conflitos
sociais com a luta de classes, segundo o documento: “[...] contrários
à natureza humana, jamais ensinaremos ao operário os métodos da
covardia, vingança e do ódio, empregados pelo comunismo [...], nem
lhe ensinaremos, tão pouco, que o trabalho é propriedade do Estado,
como quer os comunistas.”60
A segunda parte do documento destinou-se as propostas do PRP e
indicação de um rumo de governo. O programa partidário contém 111
pontos divididos em 13 capítulos. Iniciando com a família, o parecer do
grupo continuou em defesa desta instituição reconhecida como base da
sociedade, e por isso deveria receber o apoio e zelo do governo.
As primeiras propostas enfatizavam instituições de empréstimos
para aquisição de casas e outros bens. Estas providencias não se
limitavam só na obtenção do imóvel, mas para que as famílias também
pudessem recorrer destes empréstimos para a manutenção e maior
acomodação decorrentes do aumento da prole; além disso, contariam
com a colaboração do Estado, na educação dos filhos, com construções
de creches, educandários, e escolas gratuitas.
Outra proposta vinculada ao círculo familiar e sua defesa incluiu a
instituição do “voto familiar”. A medida previa que: ”o chefe da família
poderia dispor, além do seu voto pessoal, nas eleições para cargos
públicos, de um número de votos igual ou proporcional ao número de
pessoas, de que possuí a guarda”.61 Na continuidade das entidades,
60 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, id. ibid.p.1061 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, op. cit. p.20
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o partido propôs a criação em todo território nacional de uma “Escola
das Mães”.
A criação desta organização visou o amparo à mulher, onde a
mesma “aprimore seus dotes morais e adquira todos os conhecimentos
indispensáveis à criação e educação dos filhos e os referentes à economia
doméstica”.62 O papel da mulher de acordo com o documento estava
rigidamente definido. Ela deveria exercer apenas deveres domésticos
e cuidar da criação dos filhos. Anexado a esta instituição, o programa
apontou a criação de um serviço assistencial e orientação domiciliar,
por meio de visitadores, com o propósito de orientar as famílias nos
preceitos morais, nacionalistas, quanto a salubridade e ao “bom gosto
residencial”.
No plano da educação, as declarações visavam ensino gratuito,
a intensificação de ensino técnico, a autonomia das universidades
e o estimulo à iniciativa particular em todos os ramos do ensino. A
característica mais importante das propostas feita a educação, foram
à inclusão de ensino religioso obrigatório, esta prática visou também
à regulamentação religiosa nas classes armadas como equivalentes ao
serviço militar.
No planejamento da saúde pública, as metas do partido apontavam
uma execução de um plano nacional no qual as prioridades estavam
na melhoria das condições no serviço público, combate à lepra,
tuberculose e mal de Chagas. Junto com esta prática, o uso de
uma extensiva propaganda dos conhecimentos básicos de higiene e
educação sanitária, incluindo a criação de uma entidade de nutrição
para a orientação alimentar, visando sempre na construção de uma
nação saudável a fim de melhorar as condições físicas da população.
Por fim, o programa apresentou suas propostas sobre a política
62 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, id. ibid.p.20
exterior; esta medida objetivou “uma política de confraternização
americana, baseada nos fatores comuns de formação histórica, identidade
dos interesses de defesa recíproca e de defesa do hemisfério [...]”63. Segundo
o documento, o partido de Representação Popular almejava medidas táticas
no cumprimento de sua política exterior.
Uma destas medidas táticas estaria relacionada com a própria política
das Américas, em razão de suas origens históricas e formadoras. A justificativa
histórica se encontraria no patrimônio cultural que todos moralmente
participaram, cuja integridade, em determinados aspectos, formariam a
garantia de autodefesa. No documento umas das passagens fazem menção
ao “intercambio” cultural histórico envolvendo Brasil e Portugal:
Como consequência, no que se refere ao Brasil, continuação e fortalecimento de uma obra de efetivo intercambiam com a Nação Portuguesa e o seu Império, tendo em vista que a História do Brasil não principia apenas com a Descoberta de Cabral, mas tem seu início desde o século XII, sendo o período que vai desse século ao XVI, a fase da formação de uma língua, de uma consciência jurídica e religiosa e de um tipo de civilização comum aos dois povos. Considerando que um povo sem consciência de sua origem não pode possuir uma forte personalidade nacional, entendemos que a política de aproximação com o Portugal dará ao Brasil um poder mais forte de afirmação de independência e soberania.64
A política exterior aproximava Brasil e Portugal. Esta união era
justificada devido à ligação histórica entre os dois países, tendo a
formação brasileira incorporado muitos aspectos lusitanos, como
formação linguística a constituição jurídica e principalmente a religião
católica, apontada como comum entre os dois povos. Estes elementos
proporcionavam ao Brasil uma maior afirmação de independência e
soberania em sua política exterior. 63 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, op. cit. p.28.64 PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR, id. ibid.p.29.
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Além da aproximação com os povos americanos e Portugal como
afirmação de independência e soberania, o documento apresentou uma
proposta de conciliação política brasileira e estadunidense. Esta união
para a política exterior se empenharia na consolidação da paz mundial,
juntamente com a defesa do hemisfério e atuando em conjunto contra
novas formas de imperialismo e totalitarismo, porém não exercendo
nenhuma interferência nos assuntos internos brasileiros.
2.3. “PALAVRAS NOVAS DOS TEMPOS NOVOS”: PRINCÍPIOS
DOUTRINÁRIOS DO PRP NA ORATÓRIA DE PLÍNIO SALGADO.
Os princípios doutrinários do PRP ficaram mais evidentes do que
as propostas oferecidas pelo partido, ganhando força na fala do
presidente perrepista Plínio Salgado. A partir da exposição doutrinária,
o grupo se muniu de argumentos que contra-atacavam elementos que
não se encaixavam em sua filosofia, como por exemplo, o comunismo
e o totalitarismo, utilizados também como subsídios de propaganda a
serem combatidos ideologicamente em defesa a família e a nação.
A Carta dos Princípios atuou como roteiro, sendo que a partir
dela toda afirmação democrática deveria se encaixar na Constituição
Brasileira, não ferindo nenhum dispositivo eleitoral, como apresentado
por Salgado em seu Discurso de Niterói, no Teatro da capital Fluminense
em 1947:
[...] Possuindo, portanto, uma Carta de Princípios, orientadora do nosso pensamento, dos nossos sentimentos, e possuindo um programa objetivo, concreto, de realizações, qual deve ser a ação do Partido de Representação Popular? Preliminarmente, desejo dizer-vos que o Partido de Representação Popular quer agir dentro dos dispositivos da Constituição Brasileira. Quer agir dentro das disposições da lei eleitoral vigente. Quer agir pacificamente. Repugna-lhe qualquer conspirata,
qualquer revolução. Não é desencadeador de perturbações sociais. Não promove sabotagem. Não conspira contra as autoridades. Quer viver serenamente. Condena o extremismo, como condena qualquer forma de totalitarismo, e foi por condenar o extremismo e o totalitarismo que não aceitou o regime do Estado Novo, imposto pelas forças extremistas da direita. (Palmas).65
A Carta dos Princípios possuindo um caráter legal guiou a
agremiação partidária em suas ações no sentido social, intelectual,
cívica e espiritual. Em especial, suas convicções espiritualistas, Salgado
se apropriou do conceito desenvolvido do documento oficial, como
argumento para contra-atacar filosofias opostas a sua doutrina.
De acordo com conceitos espiritualistas do PRP, os mesmos não se
limitavam em ser apenas cristãos, mas como cumpridores do evangelho
que encontravam a essência da vida humana e governança justa. Este
preceito se aliou com a inspiração de causa e natureza guiada por Deus,
neste sentido, Salgado se ajustou a esta teoria em ataque ideológico ao
comunismo, que segundo o grupo, deturpavam os valores da sociedade,
além do comunismo combatiam toda a forma contraria aos princípios
espiritualistas democráticos.
O exemplo deste “combate ideológico” estruturado nos princípios
espiritualistas se identifica no Discurso de Plínio Salgado no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, em outubro de 1946:
[...] Sustento, por conseguinte, este princípio fundamental da nossa propaganda. Doutrinariamente, ideologicamente, combatemos o comunismo, não por ser um partido adverso ao nosso, mas porque é uma doutrina filosófica baseada no socialismo de Marx, e o socialismo de Marx é baseado no materialismo histórico, e nós somos espiritualistas. Só por isso combatemos no campo doutrinário, procurando esclarecer o povo brasileiro acerca desse problema de ordem filosófica [...] Eu, portanto, recomendo a todos que comigo estão nesta batalha pelo
65 SALGADO. op .cit. p. 119
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bem do Brasil, pelo amor as nossas tradições, pela afirmação da nossa espiritualidade, da nossa crença em Deus, e na imortalidade da alma humana; recomendo que tratem carinhosamente o comunista combatendo vigorosamente o comunismo (Palmas), combatendo essa doutrina materialista, pela nossa convicção espiritualista. Amemos o nosso próximo, seja ele quem for, e procuremos, pela ação pessoal conquistar, um a um os brasileiros.66
O uso da prerrogativa espiritualista desenvolvida pelo grupo,
também permeou a construção da justificativa da liberdade humana.
De acordo com as regras da Carta dos princípios, existe claramente a
associação espiritualista inspirada pela natureza das coisas, fazendo
menção a Deus, com a liberdade definindo-a como a faculdade de
aderir ao bem.
A “natureza das coisas” permeia toda a doutrina perrepista, nela
Deus é a causa da natureza e autor de todas as coisas. Esta associação
de causa e efeito sobre consequências divinas levam o grupo a proferir
que nele se encontram o direito, a liberdade, justiça e dignidade, e
com ele decorre a legitimidade dos governos e toda a autoridade do
Estado.
Entretanto a liberdade sem freio transformou o homem em
sujeito fraco, inconsequente e mal, abdicando do seu livre – arbítrio
transformando-se em escravo de sua liberdade. Daí a importância do
uso das leis, complementando o princípio de liberdade como faculdade
de aderir ao bem agindo conforme a lei, desde que a mesma signifique
a expressão da natureza das coisas.
Salgado manifesta esta concepção de liberdade humana e
espiritualismo contido no Partido de Representação Popular, em sua
oração pronunciada na Capital de Minas Gerais, em sete de outubro
de 1947:
66 SALGADO. op .cit. p.51
A liberdade humana é base fundamental da doutrina política por mim pregada quando ela se exprime como condição da existência de uma sociedade em que uns não anulem os direitos de outros; compreendo assim a liberdade – tendência do homem para o Bem, síntese de direitos e deveres, porque sou espiritualista, creio em Deus, creio no destino sobrenatural do homem, creio na alma humana, na imortalidade, na sua responsabilidade em virtude da própria liberdade. 67
Analisando a postura do presidente do partido, o mesmo pode ser
associado ao dispositivo do sistema de exclusão, a vontade de verdade,
desenvolvido por Foucault. Esta medida reforça e dissimula a própria
vontade de tornar verdade o que foi reproduzido na fala, fazendo senão
ligação com o desejo e poder;68 esta prática de mascarar o sentido de
vontade de verdade foi conduzida por Salgado através da associação
dos princípios do partido relacionando-as em suas oratórias.
Tal conceito incorporado nos dispositivo de exclusão desenvolvido
por Foucault leva novamente a pratica do discurso avaliado com uma
rede de signos que se ligam a outros discursos, reproduzindo valores a
serem perpetuados. A esta prática da oratória refletida por Salgado não
se tornou um encadeamento de significados, mas passou a ser o objeto
de desejo que se busca intrínseco de sua reprodução e dominação.
Ainda pautados no reconhecimento da filosofia contida na Carta
dos Princípios relacionada à oratória do representante do PRP, a família
foi exposta ao dispositivo de proteção e pilar social. Na ideologia
perrepista a família é o fundamento social porque nela se encontram o
princípio da ordem, autoridade, justiça bondade e fonte da felicidade
humana.
A família ainda foi associada ao sentido de pátria, pois todos os
princípios que a mesma contém, são os requesitos necessários da
67 SALGADO. op .cit. p. 170.68 FOUCAULT, op. cit. p. 27.
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moralidade contida no seu ambiente geográfico. Esta associação logo
se torna base no espiritualismo e nacionalismo pertencente ao partido.
Discurso Porto Alegre, 1946:
Ao Partido de Representação Popular, asseguro-vos ( e compete a vós, outros, senhores dos outros partidos defender-vos no mesmo teor e diapasão);Nosso fundamento é nacional (Palmas), porque se baseia na crença em Deus (Palmas) que é a crença de todos os brasileiros; no amor da Pátria (Palmas) que é o fundamento de nossos sentimentos, e no respeito à Família que é a base da nossa moralidade. (Palmas).69
Por fim, o nacionalismo cultuado e proferido pelo grupo que
se justificou tanto na história brasileira quanto na construção do
engrandecimento da Nação,objetivos a serem alcançados pelo grupo.
O Partido de Representação Popular desvinculou esta base filosófica
como apenas o culto ao hino e a bandeira, fez do nacionalismo uma
somatória aos elementos patrióticos, realidade e consciência nacional e
conhecimento de sua própria história.
A consciência histórica presente neste nacionalismo visou o
engrandecimento, reconhecimento e repeito ao caráter dos povos
que constituem o Brasil, negando qualquer vínculo ou influencia
estrangeira em seus costumes. O presidente do partido evidenciou todo
o nacionalismo, oriundo desde sua antiga doutrina, ainda mais vivo
e presente em sua fala no Partido de Representação Popular. Discurso
Niterói, 1947:
Vejo que o Espírito da Pátria nem sequer adormeceu; que está vigilante de todas as vicissitudes, das perseguições que se desencadearam contra aqueles que tiveram audácia de sonhar um Brasil, forte e digno. [...] Vivo, realmente, está o espírito da Nossa Pátria; mas está vivo porque estais vivos, porquanto o Brasil só vive na força do idealismo construtor que representais. O Brasil vive naqueles que o amam; o Brasil vive nos que
69 SALGADO. op .cit. p.86.
nele creem, nos que trabalham pelo seu futuro, nos que se sacrificam pela sua grandeza. Só nestes vive a Pátria, porque a Pátria não vive, de maneira alguma, numa sociedade gozadora, que anda atrás dos prazeres, das negociatas, dos interesses materiais, completamente esquecida dos grandes deveres que assumiu para com os antepassados e em prol da posteridade. (Palmas). 70
2.4 DIFERENÇAS E IGUALDADES NOS PRINCÍPIOS DA AÇÃO
INTEGRALISTA BRASILEIRA E DO PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO
POPULAR
Neste momento o trabalho irá se voltar para os pontos de diferenças
e igualdades encontrados nos dois principais documentos, primeiro
o da A.I.B. – O Manifesto de Outubro, e a Carta dos Princípios do
PRP. Esta análise vai prestigiar o manual ideológico dos dois partidos
políticos, procurando responder até que ponto a oratória de Plínio
Salgado pelo Partido de Representação Popular, se diferenciou dos
princípios utilizados pela Ação Integralista Brasileira, e se o PRP é uma
continuidade integralista.
Começando com os preceitos claramente utilizados nos dois
partidos, Deus, Pátria e Família, ambos fizeram destas bases pautas de
seus princípios ideológicos. O Partido de Representação Popular guiado
pelo espiritualismo aderido pelo grupo, fez deste princípio, Deus como
base de sua doutrina e autor de todas as coisas, mas empregou dentro
desta filosofia um conceito de “cristão democrático”. Este princípio
ligava as bases espiritualistas com suas ações políticas perante a
democracia que o grupo defendia, sendo contrários a qualquer tipo de
autoritarismo e totalitarismo.
Nesta ótica surge a primeira diferença nos princípios que
aparentemente parecem se mesclar. A Ação Integralista Brasileira
70 SALGADO. op .cit. p.106.
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também possuindo um caráter espiritualista, defendia que Deus era
base de sua doutrina, conduzindo o destino dos povos. Entretanto, no
manual do Manifesto de Outubro utilizado pelos integrantes da A.I.B.
existia um ponto específico: o princípio de Autoridade.
A autoridade defendida pelos integralistas seguia um sistema de
respeito, hierarquia e ordem, obedecida pelos integrantes do grupo.
Tal autoridade se ligava na construção de nação, ou seja, sem o uso da
autoridade não haveria progresso na construção nacionalista desejada
pelo partido, fazendo este princípio um meio de manter a justiça, a
ordem e a harmonia social.
Já ao nacionalismo fortemente defendido por ambos, há uma
grande semelhança da estrutura na construção deste princípio. Tanto
o Partido de Representação Popular quanto a Ação Integralista,
pretendiam criar uma base de conscientização nos indivíduos das
realidades brasileiras da mesma maneira, com o conhecimento das
realidades do país, a valorização dos costumes regionais, o “mito das
três” raças e aprofundamento dos poetas e pensadores regionais.
Esta conscientização seria um passo para o engrandecimento do
país como nação. Cultuando não apenas o hino nacional e a bandeira,
mas tendo um forte conhecimento da cultura e história da pátria.
Outro dispositivo estrutural semelhante a ambos os partidos se refere
ao combate ao cosmopolismo, ou seja, a influencia estrangeira nos
costumes nacionais. O nacionalismo do PRP, embora se colocando
como herdeiro do nacionalismo integralista dos anos 30, se constituiu
de maneira diferente, pois este princípio estava sempre atrelado à
democracia negando qualquer forma de autoritarismo, diferente da
A.I.B.
Vinculando o último princípio utilizado nos dois manuscritos,
encontra-se a família. Os dois partidos defendiam esta instituição,
que segundo consta em ambos os documentos, eram formadoras da
moralidade e personalidade humana. O Estado deveria zelar pela
família, neste modo, por mais que a defesa fosse pauta em ambos
os partidos, o PRP foi o único que formulou programas específicos.
Enquanto a Ação apenas usou argumentos em prol a esta instituição, o
PRP criou programas como empréstimos financeiros para obtenção de
imóveis, seguro escolar para financiamento e manutenção dos estudos,
a instituição da “escola das mães” e serviços assistencialistas a família.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contexto da redemocratização brasileira de 1945 e os
acontecimentos posteriores deste evento proporcionaram a criação
do Partido de Representação Popular, e o andamento do grupo em
seus primeiros anos. Com o fim do Estado Novo e a saída de Getúlio
Vargas, ocorreram transformações na esfera política, como a crítica
aberta a modelos fascistas e a valorização a democracia, elementos
que contribuíram nas transformações discursivas de Plínio Salgado,
líder do PRP.
O processo desta transformação contou com mudanças no
panorama político brasileiro, e a própria formação familiar de Salgado,
que o influenciou em sua vida política. Sua trajetória biográfica contém
características que se encontram presentes nos dois partidos em que foi
representante (A.I.B. e o PRP), como o nacionalismo e o espiritualismo,
herdado de seus pais.
Estas mudanças na fala do presidente do PRP também são
consequências de seu passado. Salgado na década de 1930 liderou
um partido político de cunho conservador, a Ação Integralista Brasileira,
que foi extinta no começo do Estado Novo, tendo Plínio exilado por seis
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anos. Em seu retorno ao Brasil, deparou-se com um panorama político
diferente, fazendo adaptações necessárias para que sua volta à política
fosse viável.
O retorno de Plínio Salgado frente a um partido político só foi
possível com uma “maquiagem” no qual Salgado tentou diferenciar o
PRP do seu antigo grupo. Além disso, a sua volta também recebeu a
ajuda do General Eurico Gaspar Dutra, que alterando uma lei eleitoral,
tornou o PRP um partido político legalizado. A partir do momento de
sua criação o PRP procurou afastar qualquer ligação com a A.I.B.
Junto com as mudanças nos discursos de Salgado frente ao novo
partido político, a pesquisa contribuiu com a análise dos dois principais
documentos produzidos por ambos os partidos. O estudo e comparação
destes dois documentos permitiu ao trabalho identificar as semelhanças
e diferenças dos princípios de ambos os partidos, que se encontram nas
falas de Plínio Salgado.
O trabalho se concentrou nos componentes que mudaram a fala do
presidente do partido, desde o momento de sua criação. Depois veio
a preocupação com os princípios doutrinários utilizados por Salgado.
Muito da doutrina produzida pelo PRP se assemelhou aos princípios
usados pelo antigo partido, a A.I.B.
Além da semelhança dos princípios, Salgado que foi eleito presidente
do partido, angariou adeptos de sua antiga doutrina para que se
tornassem militantes do PRP. Um dos meios utilizados por Plínio Salgado
para distanciar o novo partido da A.I.B., foi transformar o integralismo
como doutrina filosófica, e não mais um sinônimo de partido político.
Esta tática garantiu o grupo ativo no cenário eleitoral.
Assim como a A.I.B. possuiu seu manual, o PRP também produziu
um documento contendo os princípios do partido. Este documento
foi nomeado como Carta dos Princípios e Programa do Partido de
Representação Popular. Seus conceitos se guiaram igualmente os da
A.I.B. Deus, Pátria e Família.
O partido perrepista definiu o espiritualismo, o nacionalismo e
a família como base de governo. Embora estes princípios pareçam
herança dos integralistas de 1930, sua diferença se encontra
praticamente no autoritarismo que a A.I.B. prezou em seus oito anos de
existência. Enquanto a Ação Integralista defendeu o autoritarismo em
seu programa, o PRP valorizou a democracia.
A pesquisa contou com duas fontes que se relacionaram ao longo
do trabalho, a Carta dos Princípios e alguns discursos de Salgado.
Também foram analisados os princípios doutrinários da A.I.B. que se
encontram no Manifesto de Outubro. Os discursos selecionados para o
trabalho foram escolhidos por corresponderem aos primeiros anos do
PRP, e por ter Salgado já como presidente.
A identificação dos princípios do PRP na fala de Salgado foi
desenvolvida através de uma análise, no qual elementos da atual filosofia
se encontravam em seus discursos. Foi a partir desta identificação que se
notou semelhanças com a filosofia usada pelos integralistas de 1930.
Com o resultado da pesquisa, percebeu-se claramente pouca
diferença na filosofia integralista de 1930 com o Partido de
Representação Popular. Sua única diferença foi o abandono da postura
autoritária, rituais, símbolos e uniformes que foram substituídos pela
valorização à democracia, elemento que se encaixou a nova realidade
brasileira pós – segunda guerra.
Muito dos discursos produzidos por Plínio Salgado em seus primeiros
anos como presidente perrepista, foram uma tática para “maquiar” a
semelhança do PRP com a A.I.B. Nesta ótica o partido perrepista seguiu
como uma continuação integralista de 1930, mas agora como um
modelo democrático, sem rituais, milícia e uniformes.
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No campo teórico o trabalho contou com a obra de Michel Foucault,
a Ordem do Discurso. A teoria desenvolvida por Foucault trabalha na
organização e distribuição do discurso, seja ele falado ou escrito. O
discurso para Foucault se compreende a uma rede de signos que se liga
em outros vários discursos, estabelecendo um sistema aberto em sua
fala, que não reproduzem significados esperados da própria oratória,
mas sim valores sociais a serem perpetuados.
Junto com esta teoria do discurso, Foucault cria dispositivos internos
e externos. A pesquisa usou os dispositivos criados por Foucault na
aplicação das falas feitas por Plínio Salgado, em especial o uso da
interdição, exclusão, comentário, repetição e autoria. Estes dispositivos
atuam como tática para futuras análises. O uso da interdição e exclusão
se apresentou na pesquisa em forma de separação do conteúdo a ser
utilizado por Salgado, a “vontade de verdade”, validação da mensagem
a ser transmitida pelo locutor.
Por fim, o uso do comentário que recaiu no sistema de repetir
silenciosamente o objetivo principal do pensamento, dispositivo que
se localizou em muitas das falas feitas pelo presidente perrepista.
Assim como a tática da autoria, sistema que se direcionou no eixo do
indivíduo, isto é, do próprio Plínio Salgado que carregou sua criação
familiar, cultura, social e religiosidade para dentro de sua fala.
FONTES
PARTIDO DE REPRESENTAÇÃO POPULAR. Carta de Princípios e Programa do Partido de Representação Popular. Goffredo Telles Junior e Plínio Salgado em 26 de outubro. Rio de Janeiro, 1946.
SALGADO, Plínio. In: Discursos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Coleção “Convivium”.
REFERÊNCIAS
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