Do mundo como norma ao lugar como forma

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA MESTRADO EM GEOGRAFIA PABLO RUYZ MADUREIRA ARANHA DO MUNDO COMO NORMA AO LUGAR COMO FORMA: O USO DO TERRITÓRIO PELA ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA NATAL-RN 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA MESTRADO EM GEOGRAFIA

PABLO RUYZ MADUREIRA ARANHA

DO MUNDO COMO NORMA AO LUGAR COMO FORMA: O USO DO TERRITÓRIO PELA ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA

NATAL-RN 2010

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PABLO RUYZ MADUREIRA ARANHA

DO MUNDO COMO NORMA AO LUGAR COMO FORMA: O USO DO TERRITÓRIO PELA ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de mestre. Orientador: Prof. Dr. Aldo Aloísio Dantas da Silva

NATAL-RN

2010

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PABLO RUYZ MADUREIRA ARANHA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de mestre.

Aprovado em: 10/06/2010

____________________________________________________ Prof. Dr. Aldo Aloísio Dantas da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Orientador

____________________________________________________

Prof. Dr. Angelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Membro

____________________________________________________ Prof. Dr. Raul Borges Guimarães

Universidade Estadual Paulista – UNESP Membro

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Elaborar sobre o território é antes de tudo fazer a geografia da informação saber e discutir o lugar das coisas.

Maria Adélia A. de Souza

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Jorge e Leylah, por toda a dedicação e esforço que dedicaram a mim, Ao meu irmão, Pethersonn, pelo apoio, auxílio nos momentos da escrita desta dissertação, além do carinho, ajuda, e compreensão, Em especial, ao meu professor orientador, Aldo Dantas, por toda a dedicação em minha vida acadêmica, A todos os professores, pelas contribuições a este trabalho, A Elaine Michelle por todas as contribuições e incetivos, A CAPES pela bolsa REUNI concedida, que foi de fundamental importância para a minha formação acadêmica, A todos que fazem parte da Unidade de Saúde da Nova Cidade, em especial a Diretora Alba Cristina, a Enfermeira Patrícia, ao ACS José, por suas valiosas informações, Ao Distrito Sanitário Oeste, em especial a Celina e a Wilton que contribuiu e muito no meu trabalho de campo, A Edilson, agente de endemias da SMS de Natal , pela atenção, contribuição e paciência, Ao meu amigo Hudson pelo auxílio com o trabalho de elaboração dos mapas e pesquisa de campo, A professora Nazaré, pelo material fornecido e suas preciosas discussões, E a todos os colegas de curso.

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RESUMO

Este trabalho tem como finalidade verificar se há uma congruência entre a intencionalidade normativa imposta através do SIAB e a constituição da materialidade dos lugares onde suas informações são produzidas, uma vez que nossa hipótese é a de que há um descompasso entre as normas e as formas, ou seja, entre a realidade como ela é nos lugares e o modo como o território é esquadrinhado pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), tanto para a atuação de suas equipes como para a geração de suas informações. Para tanto, a metodologia utilizada foi a de pesquisa bibliográfica, documental e empírica, principalmente sobre a territorialização da estratégia Saúde da Família do município de Natal-RN. A partir das mediações empíricas foi possível constatar o descompasso entre o esquadrinhamento e as informações produzidas pela ESF e a realidade dos lugares. Diante disso, destacamos a importância de se considerar o condicionamento das formas geográficas como princípio norteador da estratégia de Saúde da Família. Palavras-chave: ESF. Territorialização. SIAB. Lugar.

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ABSTRACT This work aims to check whether there is a congruence between the purposes of regulations imposed by SIAB and the materiality constitution of places where your information is produced, since our hypothesis is that there is a mismatch between the rules and forms, which means, between reality as it is in places and how the territory is scrutinized by the Family Health Strategy (FHS) as for the performance of their teams as to the generation of their information. For this, the methodology used was the literature, documentary and empirical research, in special about territorialization of the Family Health strategy of Natal-RN. From the empirical mediation was possible to see the gap between full exploration and information produced by the ESF and the reality of the places. Thus, we highlight the importance of considering the conditioning of geographical forms as a guiding principle of the strategy for Family Health. Keywords: ESF. Territorialization. SIAB. Place.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

MAPA 1: Localização do Município de Natal-RN...............................................

54

MAPA 2: Regiões Político-administrativas.........................................................

55

MAPA 3: Distritos Sanitários do Município de Natal-RN....................................

56

MAPA 4: Áreas da Estratégia Saúde da Família de Natal.................................

61

MAPA 5: Áreas da Estratégia Saúde da Família do DSO..................................

63

FIGURA 1: “Mapa do DSO”................................................................................

64

MAPA 6: Unidades de Saúde da Família do DSO.............................................

66

MAPA 7: Áreas de Abrangência das USF do DSO............................................

67

Fotografia 01: Maquete de Nova Cidade produzida pelos ACS.......................

69

MAPA 8: Área de Abrangência da USF de Nova Cidade................................. 71

MAPA 9: (Sub)áreas das equipes de Saúde da Família da USF de Nova

Cidade................................................................................................................

72

MAPA 10: Microáreas de atuação dos ACS da USF de Nova

Cidade...............................................................................................................

73

Fotografia 02: Sede do Distrito Oeste................................................................ 76

MAPA 11: Fluxo Administrativo Municipal do SIAB...........................................

77

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MAPA 12: Formas Geográficas da Área de Abrangência da USF de Nova

Cidade................................................................................................................

84

MAPA 13: Formas Geográficas da Área de Abrangência da USF de Nova

Cidade(II)............................................................................................................

85

Fotografia 3: Lixo acumulado nas vertentes das ruas da FORMA 1..................

86

Fotografia 4: Rua da USF de Nova Cidade.......................................................

87

Fotografia 5: Antiga Rua da Palha, Atual Rua Francisco Varela........................

88

Fotografia 6: Vertente do terreno de Nova Cidade.............................................

89

Fotografia 7: Rua de Acesso ao Morro...............................................................

90

Fotografia 8 : Lagoa de Drenagem?................................................................... 91

Fotografia 09: Mini-campo de futebol.................................................................

92

Fotografia 10: Campo de Futebol....................................................................... 93

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Tipologia das UBS por Distritos Sanitários do Município de Natal-RN....

59

Tabela 2: Dados do Consolidado Anual das Famílias Cadastradas por (sub)área

das equipes de Saúde da Família da USF de Nova Cidade, 2007..........................

78

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Territorialização do SUS versus Esquadrinhamento Territorial............

39

Quadro 2: Atual Territorialização do SUS: das Propostas à Norma......................

50

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LISTA DE SIGLAS

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

SEMURB - Secretaria Municipal de Arquitetura e Urbanismo de Natal

SMS - Secretaria Municipal de Saúde de Natal

SESAP - Secretaria de Estado da Saúde Pública

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

SUS - Sistema Único de Saúde

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

NOB - Norma Operacional Básica

DATASUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................

15

2 GEOGRAFIA, MEDICINA E SAÚDE.......................................................

19

2.1 O Espaço como Totalidade e a Política Universal de Saúde da

OMS.........................................................................................................

22

2.2 O Sistema de Saúde Brasileiro................................................................

25

3 O PROCESSO DA TERRITORIALIZAÇÃO DO SUS.............................

32

3.1 O Território-Processo como Conceito-chave da Distritalização da

Saúde.......................................................................................................

33

3.2 A Territorialização como Proposta Metodológica.....................................

37

3.3 As Normas e a Territorialização do SUS.................................................

42

4 A TERRITORIALIZAÇÃO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

NO MUNICÍPIO DE NATAL-RN..............................................................

53

5 CONCLUSÕES........................................................................................

93

REFERÊNCIAS.......................................................................................

97

APÊNDICES............................................................................................ 102

APÊNDICE A – Mosaico fotográfico dos cartogramas utilizados pelas

equipes de Saúde da Família das USF do DSO......................................

103

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APÊNDICE B – Mapa de Localização Intra-bairros da Área de

Abrangência da USF de Nova Cidade.....................................................

108

ANEXOS..................................................................................................

110

ANEXO A – Organogramas: SMS/ Sede do DSO / USF de Nova

Cidade......................................................................................................

111

ANEXO B – Cartograma do esquadrinhamento da área de

abrangência da USF de Nova Cidade.....................................................

115

ANEXO C – SIAB: FICHA A / FICHA B – DIA / FICHA B – GES /

Relatório SSA2 / Relatório A2..................................................................

117

ANEXO D – Consolidado das famílias cadastradas, no município de

Natal, do ano de 2008..............................................................................

124

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1 INTRODUÇÃO

Do mundo como norma ao lugar como forma é uma idéia que traduz

coerentemente o seguinte princípio proposto por Milton Santos (2008, p.31):

O universal é o Mundo como Norma, uma situação não-espacial, mas que cria e recria espaços locais; o particular é dado pelo país, isto é, o território normado; e o individual é o lugar, o território como norma. [...]. Em todos os casos há combinações diferentes de normas e formas. No caso do Mundo, a forma é sobretudo norma, no caso do Lugar a norma é sobretudo forma (SANTOS, 2006, p. 338).

A necessidade de estudos de generalizações que demandam análise numa

escala geográfica maior, o mundo, se faz necessário, pois nos dias atuais a

densidade de relações que fazem parte da dinâmica de um fenômeno gera variáveis

que se ligam a muitos objetos e a outros fenômenos (SANTOS, 1988).

Nesse sentido, é o lugar que se mostra como uma categoria de análise de

difícil tratamento empírico, visto que há de se considerar primordialmente a crítica

feita por Milton Santos sobre “o vezo do „lugarzinho‟”, a qual, segundo ele, é

justamente a

[...] preocupação de um certo número de geógrafos que dizem: - Vamos estudar o que é pequeno, porque o mais pequeno é o mais fácil. De fato, o mais pequeno, isto é, o menor, é, na realidade, o mais difícil. Porque qualquer fato e tudo o que se encontra no espaço total se explicam pelo movimento global da sociedade total – o Estado Nação, conjunto que se torna efetivo através de um elenco múltiplo de processos de varias ordens: social, econômica, política, cultural, ideológica. Tanto mais agente desce na escala geográfica e tanto maior é a seletividade e a expressividade das variáveis combinadas e assim o trabalho de achar a explicação é maior. Pois, cada lugar é o resultado da localização seletiva de uma combinação de fatores cuja explicação está num universo mais amplo, ou seja, no próprio universo, [ou ainda, no mundo,] intermediado pelo Estado Nação. “O lugarzinho” não é pois o mais fácil, é o mais difícil (SANTOS, 1980, p.8).

Portanto, o estudo de um lugarzinho se inicia pela compreensão da

funcionalização do mundo no lugar, pois a “funcionalização do mundo nos lugares

define o lugar e sua constituição” (CATAIA, 2000, p.210).

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Mas, o que o lugar?

Segundo Maria Adélia de Souza (2008, p.45), o lugar “não é um ponto

geométrico do espaço. Ele não existe gravado no espaço, não necessariamente. Os

lugares se formam pelas ações sociais, humanas. Elas surgem e desaparecem.

Esses são os lugares geográficos”.

Na teoria da Geografia Renovada, o lugar é definido como o espaço do

acontecer solidário, que segundo Milton Santos (2006, p.166), “esse acontecer

solidário, malgrado todas as formas de diferenças, entre pessoas, entre lugares, se

apresenta sob três formas no território atual: um acontecer homólogo, um acontecer

complementar e um acontecer hierárquico”. No caso do acontecer homólogo e do

acontecer complementar, tem-se a primazia das formas com a relevância da técnica,

e no caso do acontecer hierárquico, tem-se a primazia das normas, com a relevância

da política (SANTOS, 2006).

Percebe-se que há uma relação íntima entre forma geográfica e norma, que

é em suma jurídica, as quais, conforme Antas Jr. (2005, p.59), se dão “[...] como a

materialidade se desdobra em ação, e o seu inverso”. As formas são materialidade,

o tempo passado cristalizado. Já as normas, “[...] para a geografia, pode ser vista

como [...] decorrência da indissociabilidade entre configuração territorial e uso do

território, determinantes de diferentes tipos de normas” (ANTAS JR, 2005, p.61).

A partir dessa base teórica, identificamos em nosso estudo monográfico –

Arranjo Espacial e Saúde: estudo de caso de Nova Cidade, Natal/RN (ARANHA,

2007) – a limitação de se compreender o lugar por si.

Ao fazermos uma periodização do lugar como instrumento metodológico na

tentativa de compreender a constituição de sua materialidade, foi possível verificar

que o setor saúde através da Estratégia Saúde da Família (ESF), imprime uma

pujança na dinâmica do lugar, mas sua força tem origem distante.

Assim, admitindo que através do lugar, o mundo é percebido empiricamente,

e que “cada lugar é a sua maneira o mundo” (SANTOS, 2006, p.314), fizemos

metodologicamente o sentido inverso neste trabalho, partindo da escala geográfica

do mundo, através da idéia de atenção primária à saúde proposta pela Organização

Mundial de Saúde (OMS) como uma política universal, que vem se implantando em

cada país, segundo as suas particularidades.

Segundo Barbara Starfield (2002, p.28),

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A atenção primária é aquele nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros. [...]. A atenção primária aborda os problemas mais comuns na comunidade, oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação para maximizar a saúde e o bem-estar. Ela integra a atenção quando há mais de um problema de saúde e lida com o contexto no qual a doença existe e influencia a resposta das pessoas a seus problemas de saúde.

No Brasil, a atenção primária à saúde surge e é difundida, principalmente

pelo grupo responsável pelo processo da reforma sanitária brasileira, na década de

1980, cujas idéias foram efetivamente normatizadas na Constituição Federal de

1988, a qual legitima o atual arcabouço normativo do Sistema Único de Saúde

(SUS).

Durante o processo de implantação do SUS, ao longo da década de 1990,

fez surgir da atenção primária à saúde, a singularidade da “Atenção Básica” no

Brasi, que vem sendo organizada na esfera de governo municipal desde as Ações

Integradas de Saúde (AIS), perpassando pelo SUDS até se conformar

concretamente pelo SUS através de um conjunto de ações e serviços estruturados,

segundo Heimann e Mendonça (2005, p.484), “[...] a partir do reconhecimento das

necessidades da população, apreendidas após o estabelecimento de um vínculo

entre população e profissionais da saúde, em contato permanente com o ambiente

de um dado território” (grifos nossos).

Juntamente com a formação do SUS, surgiu no Brasil a idéia de Distritos

Sanitários, a partir da influência dos Sistemas Locais de Saúde (SILOS)

desenvolvidos pela OPAS/OMS, tendo na base territorial o princípio metodológico

para o modelo de assistência à saúde.

Tal base territorial sustentou a formulação da territorialização do SUS, que

vem sendo aperfeiçoada, e atualmente tem como referência a Política Nacional de

Atenção Básica (PNAB) estabelecida pelo Ministério da Saúde, em 2006, a qual

adota o Programa Saúde da Família (PSF) como porta de entrada do sistema de

saúde brasileiro.

Porém, o problema da referida política se dá pela imposição normativa do

Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), que além de uniformizar o

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processo de trabalho das equipes de Saúde da Família nas áreas de abrangência

das unidades de saúde, gera informações que dificultam a compreensão da

realidade dos lugares onde a estratégia Saúde da Família se desenvolve.

De tal modo, este trabalho tem como finalidade verificar se há uma

congruência entre a intencionalidade normativa imposta através do SIAB e a

constituição da materialidade dos lugares onde suas informações são produzidas,

uma vez que nossa hipótese é a de que há um descompasso entre as normas e as

formas, ou seja, entre a realidade como ela é nos lugares e o modo como o território

é esquadrinhado pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) para a atuação das

equipes e a geração de informações.

Portanto, no primeiro capítulo realizamos uma discussão geral das relações

entre a Geografia e a Medicina no campo da saúde, e ainda sobre a noção de

atenção primária à saúde desenvolvida pela OMS e seus rebatimentos no Território

Normado brasileiro, até então chegarmos ao início da discussão sobre o processo

de territorialização do SUS. No segundo capítulo, analisamos a origem e processo

de territorialização do SUS, que nos leva ao problema de nossa pesquisa. No

terceiro capítulo, verificamos como se dá empiricamente a territorialização da

estratégia de Saúde da Família no município de Natal-RN, onde metodologicamente,

procuramos encontrar as devidas mediações, tomando como recorte o Distrito

Sanitário Oeste e a área de abrangência da USF de Nova Cidade, na tentativa de

podermos aferir se há ou não um descompasso entre as informações como norma e

o lugar como forma; a cartografia digital é o elemento primordial dessa explicativa.

Por fim, fazemos as devidas considerações, enfatizando a necessária a importância

de se obter precisas informações sobre os lugares, lá onde os cidadãos vivem.

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2 GEOGRAFIA, MEDICINA E SAÚDE

O interesse dos homens em descrever as relações entre as doenças (sua

presença ou freqüência) e os elementos do meio é historicamente antigo; os escritos

médicos da escola Ayurvédica da Índia (I-IIº milenar a.c.), anteriores até mesmo dos

conhecidos escritos Hipocráticos e dos médicos árabes, se caracteriza como um dos

registros mais remotos dessas observações empíricas (PICHERAL, 1982).

Apesar disso, as contribuições mais significativas advêm dos conhecimentos

gerados a partir da Medicina Moderna (científica)1, que segundo Michel Foucault

(2008, p.79) se apresenta como “[...] uma medicina social que tem por background

uma certa tecnologia do corpo social; [...] é uma prática social que somente em um

de seus aspectos é individualista e valoriza as relações médico-paciente”. Sua

hipótese é de que com o advento do capitalismo “não se deu a passagem de uma

medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente ao contrário”, com o

desenvolvimento capitalista (fins do século XVIII e início do século XIX) a medicina

“socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de

trabalho”, afirmando, pois, que “o controle da sociedade sobre os indivíduos não se

opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com

o corpo”.

Para Michel Foucault (2008), o processo da Medicina Moderna teve três

etapas: a medicina de Estado na Alemanha, a medicina urbana na França e, por

último, a medicina da força de trabalho na Inglaterra. Ele considera o corpo como

“uma realidade bio-política” e a Medicina Moderna como “uma estratégia bio-

política”. Entretanto, o corpo que essa medicina “socializou”

Não foi o corpo que trabalha, o corpo do proletário que primeiramente foi assumido pela medicina. Foi somente em último lugar, na 2ª metade do século XIX, que se colocou o problema do corpo, da saúde e do nível da força produtiva dos indivíduos (FOUCAULT, 2008, p.80).

1 A Medicina Moderna (científica), segundo Michel Foucault (2008, p.79), nasceu no final do século

XVIII com o aparecimento da anatomia patológica.

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Foi nesse processo que os médicos passaram a controlar o meio urbano

através de estatísticas de saúde e de inventários sobre a distribuição das

habitações, pessoas e doenças; caracterizando um movimento de origem européia

conhecido como topografias médicas, as quais se constituíram “em um poderoso

instrumento de poder político dos médicos” (GUIMARÃES, 2001, p.160). Esses

estudos “[...] se interessavam pela pesquisa das leis que regem as relações entre a

doença e o lugar, pela justaposição de observações locais e localizadas sobre os

efeitos do clima ou da topografia” (PICHERAL, 1982 – tradução livre).

No entanto, uma importante etapa de mudança na démarche médica,

referente às relações entre geografia e doenças, se processou durante a segunda

metade do século XIX quando o movimento conhecido como a Geografia Médica

passou a questionar sobre a produção, o funcionamento e a repartição das doenças

pela necessidade de comparação entre fenômenos da mesma ordem produzidos em

diferentes países (PICHERAL, 1982).

A primeira formulação e menção do termo “geografia médica” provêm de um

médico francês chamado Boudin que em sua obra publicada em 1843, intitulou:

“Ensaio de geografia médica, ou estudo das leis que presidem a distribuição

geográfica das doenças assim como as relações topográficas entre elas, leis de

coincidência e de antagonismo” (PICHERAL, 1982 – tradução livre). Ainda segundo

Picheral (1982),

O termo agrada e conhece um sucesso fulgurante se se considerar o florescimento de tratados e de manuais de medical geography, medizinische geographie, geomedizin e outras, nosogéographie, pathogéographie e medicinskaja geografia. Sem dúvida, essa moda responde ao espírito da época, ao gosto do enciclopedismo e do exotismo renovado pelas conquistas coloniais. Porém, ela se situa principalmente no rasto das descobertas pasteurianas, dos sucessos da higiene, da fé no Progresso e na Ciência. Não se passa um ano até 1914 sem a publicação de uma nova obra das editoras de Londres, Paris, Berlim, Stuttgart, Leipzig ou São Petersburgo. O Manual de patologia geográfica e histórica, de A.Hirsch (1860-64), revela-se o mais importante e também o mais sólido (PICHERAL, 1982, tradução livre).

É interessante frisar que os mapas também figuravam como um instrumento

técnico geográfico importante para a representação espacial das doenças.

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O primeiro mapa “médico” data sem dúvida de 1832 (Shapter), seguido de perto por aquele de J. Snow em 1855. Um e outro são mapas por pontos que localizam com precisão o domicílio dos doentes no momento das grandes epidemias de cólera em Exeter e Londres. Porém, Snow vai mais longe quando ele situa num mapa a famosa fonte pública de Broad Street responsável pela difusão da doença. Trata-se sem nenhuma dúvida do primeiro mapa etiológico (PICHERAL, 1982, tradução livre).

Após o pioneirismo dos mapas de Shapter e de J. Snow apareceram muitos

atlas, mas sem nenhuma participação de geógrafos. A única exceção foi Peterman

que publicou, em 1852, um mapa da repartição do cólera entre 1831 e 1833 nas

Ilhas Britânicas (PICHERAL, 1982).

Porém, nos parece que mesmo como o único geógrafo a apresentar um

estudo de representação espacial, não poderíamos ainda ponderar este estudo

como sendo de cunho geográfico, considerando-se a crítica2 de Pierre George

(1980, p.20) sobre “os estudos de representação espacial bruto”.

Neste sentido, a Geografia Médica permaneceu como uma exclusividade

médica até 1910, quando o geógrafo francês Jean Brunhes em sua obra Geografia

Humana se pronunciou sobre a questão.

Não existe, talvez, uma outra ordem de pesquisas propriamente científicas, que tenha confirmado a legitimidade das pesquisas geográficas e revelado singulares e muito estreitas relações com a Geografia Humana, como os mais recentes estudos sobre as doenças endêmicas e epidêmicas (BRUNHES, 1962, p. 423).

Contudo, o precursor da Geografia Humana fez o seguinte questionamento:

“existirá uma geografia médica?” Sua resposta, no entanto, foi categórica: “dever-se-

ia dizer, com mais exatidão, que existe uma Geografia das Doenças” (BRUNHES,

1962, p. 423).

2 Para Pierre George (1980, p.20) “[...] um estudo de representação espacial bruto, sem preocupação

em estabelecer relações com fatos ou ações que interessam à vida e ao desenvolvimento das coletividades humanas não é um estudo geográfico [...] [exemplificando, pois, que] uma carta das repartições dos casos de tuberculose na França ou em Paris não é um trabalho de geografia”.

Page 22: Do mundo como norma ao lugar como forma

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Sendo assim, Jean Brunhes elabora, pela primeira vez, um método

propriamente geográfico ao domínio das doenças; mais precisamente, ao domínio

das doenças infecciosas (endêmicas ou epidêmicas)3.

Todavia, a denominada “geografia das doenças infecciosas” foi somente

fundamentada pelo também geógrafo francês – Max Sorre – que ainda se utilizando

do termo “geografia médica”, baseou sua teorização na literatura médica da época, a

partir dos estudos epidemiológicos sobre doenças endêmicas, epidêmicas,

infecciosas, parasitárias e tropicais.

Desta maneira, recusando-se a analisar geograficamente as patologias não

infecciosas, Max Sorre, desenvolveu conceitualmente a idéia de “complexo

patogênico” com o objetivo de estudar a distribuição das doenças transmissíveis, por

suas estritas relações com o meio (natural, físico e biológico), classificando estas

patologias por áreas, denominadas de “áreas patogênicas”.

O legado da obra de Max Sorre é incontestável. Fundamentos Biológicos da

Geografia Humana e Complexos Patogênicos e Geografia Médica, este último

publicado em 1933, foram às obras que lançaram as bases da „geografia médica

sorreana‟ e, que também, serviram de suporte para algumas discussões da

Epidemiologia4 (PICHERAL, 1982).

2.1 O Espaço como Totalidade e a Política Universal de Saúde da OMS

O trabalho intitulado o conceito de espaço em epidemiologia: uma

interpretação histórica e epistemológica de Dina Czeresnia e Adriana Ribeiro,

apresenta um esboço de

3 Se referindo ao “método geográfico”, Jean Brunhes (1962, p.416) escreveu que “em todos os

domínios onde pode ser empregado, é um método que dá sempre a primazia de lugar e interesse ao estudo exato, preciso, do que existe hoje em dia”, denominando, portanto, ao invés de Geografia Médica, de Geografia das doenças infecciosas (endêmicas ou epidêmicas) em suas novas correlações com a Geografia Humana. 4 A epidemiologia estuda em geral, além das doenças endêmicas e epidêmicas, “agravos a saúde, ou

ainda, [...] diferenciais de mortalidade em diversos grupos de uma mesma população” (CARVALHO, 2002, p.3).

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“[...] interpretação a respeito da utilização do conceito de espaço em epidemiologia [mais] especificamente a produção da vertente que enfatiza o estudo das relações entre espaço e doença na América Latina, analisando as principais referências que orientam esses estudos” (CZERESNIA; RIBEIRO, 2000, p.596).

Segundo Czeresnia e Ribeiro (2000), as principais referências que

orientaram os estudos entre espaço e doença na América Latina, foram Pavlovsky,

Max Sorre e Samuel Pessoa. Além disso, as autoras também explicam que “as

tentativas de redefinir o conceito de espaço em epidemiologia, acompanhando o

desenvolvimento teórico e conceitual da geografia, buscaram incluir na

compreensão do processo da doença, dimensões sociais, culturais e simbólicas.

(CZERESNIA; RIBEIRO, 2000, p.597).

Contudo, as tentativas de redefinições do conceito de espaço em

epidemiologia tiveram um limite imposto pela teoria da doença. A teoria da doença,

por mais que se destaque na episteme da Epidemiologia por ser uma “[...] estrutura

nuclear da apreensão da relação entre espaço e corpo”, também se constitui como

um “[...] limite epistemológico à intenção de compreender o espaço como uma

totalidade integrada” (CZERESNIA; RIBEIRO, 2000, p.597)

Esta intenção de compreender o espaço como uma „totalidade integrada‟ se

refere às contribuições teóricas de Milton Santos que orientam atualmente alguns

estudos de epidemiologia no Brasil (CZERESNIA; RIBEIRO, 2000).

Por mais que Milton Santos (2006, p.80), concordando com Neil Smith,

tenham escrito que o problema das escalas “conhecem uma progressão que vai do

corpo do homem ao próprio mundo”, seu método é justamente o inverso: procede

primeiramente do mundo como totalidade e, somente através das „mediações‟, é que

há a possibilidade de se chegar ao corpo dos homens.

Milton Santos (2006, p.80), também deixa clara sua posição quanto à

necessidade de se “distinguir entre atores que decidem e os outros”, pois,

reconhecendo que a corporeidade do homem é um instrumento da ação, pondera

que nos dias atuais “o governo do corpo pelo homem é limitado [pois] é lento o

progresso na produção de normas legais para protegê-lo” e, portanto, considera que

o verdadeiro motor da ação não é o corpo dos homens, mas sim “os grandes

decididores, os governos, as empresas multinacionais, as organizações

Page 24: Do mundo como norma ao lugar como forma

24

internacionais, as grandes agências de notícias, os chefes religiosos” (SANTOS,

2006, p.80).

No livro Espaço e Método, Milton Santos (2008, p.15) postula como uma

questão de método que o espaço deve ser considerado como uma totalidade e

considerá-lo assim “[...] é uma regra de método cuja prática exige que se encontre,

paralelamente, através da análise, a possibilidade de dividi-lo em partes [...] operada

segundo uma variedade de critérios”.

Então, partiremos criteriosamente da idéia de mundo definido como “um

conjunto de possibilidades” (SANTOS, 2006, p.337) utilizando as organizações

internacionais como um dos seus “grandes decididores”.

Porém, enfatizemos analiticamente a OMS que se caracteriza como uma

pujante idealizadora e fomentadora das possibilidades da noção de saúde no

mundo; ressalvando-se que para a efetivação dessas possibilidades do mundo

depende das oportunidades oferecidas pelos lugares (SANTOS, 2006).

A OMS ao definir, em 1946, a noção de saúde como “um estado de

completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doenças

ou enfermidades”, apesar das críticas a essa definição, principiou uma inversão da

concepção de saúde como um conceito negativo (ausência de doenças) à um

conceito positivo (como um estado de bem-estar). A partir daí, se processa a adoção

de princípios que vão se acumulando para a formulação de uma política universal de

atenção primária a saúde elaborada pela OMS que ao reconhecer o crescimento das

iniqüidades sociais e de saúde em quase todos os países do mundo, propôs através

da Carta de Lubliana, em 1977, que os sistemas de saúde nacionais fossem:

[...] dirigidos por valores de dignidade humana, equidade, solidariedade e ética profissional; direcionados para a proteção e promoção da saúde; centrado nas pessoas, permitindo que os cidadãos influenciem os serviços de saúde e assumam a responsabilidade por sua própria saúde; focados na qualidade, incluindo a relação custo-efetividade; baseados em financiamento sustentável, para permitir a cobertura universal e o acesso equitativo e; direcionados para a atenção primária (STARFIELD, 2000, p.30).

Sendo assim, ainda em 1977, a OMS em sua trigésima reunião anual,

também conhecida como Assembléia Mundial de Saúde, decidiu por unanimidade

que a meta (social) principal dos governos participantes deveria ser “a obtenção por

Page 25: Do mundo como norma ao lugar como forma

25

parte de todos os cidadãos do mundo de um nível de saúde no ano 2000 que lhes

permitirá levar vida social e economicamente produtiva” (OMS apud STARFIELD,

2000, p.30).

Conhecida com SPT-20005, essa declaração se institui através da OMS

como uma “política global de saúde” (PAIM, 2000, p.52), o que concretiza a idéia do

Mundo como Norma, ou seja, uma idéia universal caracterizada como “uma situação

não-espacial, mas que cria e recria espaços locais” (SANTOS, 2006, p.338).

Entretanto, para efetivarmos a proposta analítica Do Mundo como Norma ao

Lugar como Forma, há necessariamente de se considerar a mediação particular dos

países, pois, como nos ensina Milton Santos, a relação regulatória entre lugar-

mundo não se dá de maneira direta, passando, pois, inexoravelmente pela mediação

dos Estados Nacionais.

Nesta perspectiva, consideremos o Estado Nacional brasileiro, mais

detidamente, o seu sistema de saúde, no intuito de compreender como se processou

essa mediação particular entre o Mundo como Norma e o Lugar como Forma.

2.2 O Sistema de Saúde Brasileiro

A assistência a saúde, no decorrer do século XX, apresentou quatro

principais tendências:

A primeira [tendência] foi denominada de sanitarismo campanhista porque tinha nas campanhas sanitárias sua principal estratégia de atuação e vigorou do início do século XX até 1945. O período de 1945 a 1960 pode ser considerado como de transição para o período seguinte, quando se consolida, até o início dos anos 1980, o modelo médico assistencial privatista. Segue-se o modelo plural, hoje vigente, que inclui, como sistema público, o Sistema Único de Saúde (SUS – MENDES, 1996 apud CARVALHO, 2001, p.27).

5 A declaração da SPT-2000, segundo STARFIELD (2000, p.30), “hoje conhecida como „Saúde para

Todos no Ano 2000‟, [...] desencadeou uma série de atividades que tiveram um grande impacto sobre o pensamento a respeito da atenção primária. Os princípios foram enunciados em uma conferência realizada em Alma Ata [em 1978] e trataram do tópico „atenção primária à saúde‟. O consenso lá alcançado foi confirmado pela Assembléia Mundial da Saúde em sua reunião subseqüente, em maio de 1979”.

Page 26: Do mundo como norma ao lugar como forma

26

O atual “modelo plural” do sistema de saúde brasileiro – o Sistema Único de

Saúde (SUS) – apresenta uma política „distinta‟ do modelo anterior – o modelo

médico assistencial privatista (ARRETCHE, 2005).

Essa formulação inaugurada por Vargas de proteção à saúde, que segundo

Marta Arretche (2005, 287) foi a de um “[...] modelo de seguro no interior do sistema

previdenciário”, foi massificada pelo regime militar que ampliou significativamente

sua cobertura, mas fazendo com que

[...] o direito a serviços públicos de saúde ficasse restrito apenas aos trabalhadores formais que pagavam contribuições ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Neste, uma única agência federal – o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps) – estava encarregada do financiamento e gestão da assistência médica, bem como da seleção, contratação e pagamento dos provedores de serviços no nível nacional (ARRETCHE, 2005, 287).

Neste sentido, concentrando e centralizando os recursos, somado ao poder

de contratação, o INAMPS se caracterizou como o principal agente definidor das

prioridades da política de saúde brasileira, conjuntamente com o Ministério da

Saúde. Dentre as prioridades do INAMPS se configuraram subsídios para a

construção hospitalar privada, investimentos na expansão, a partir da década de

1970, do sistema hospitalar privado, além da indústria farmacêutica6 e dos

equipamentos hospitalares (ARRETCHE, 2005).

Diante desta conjuntura das prioridades do INAMPS, Marta Arretche (2005,

288) considera como resultado que “[...] as políticas [no setor saúde] do regime

militar criaram um ator relevante para o entendimento do processo de formulação e

implementação do SUS: o sistema hospitalar privado, organizado em associações

nacionais”.

Esta consideração se aproxima da análise delineada por Elisa Almeida

(2005) em sua tese, “Uso do território brasileiro e os serviços de saúde no período

técnico-científico-informacional”, quando afirma que “o sistema de saúde brasileiro

ainda está centrado no atendimento hospitalar” (ALMEIDA, 2005, p. 174), pois

6 Sobre a indústria farmacêutica, ver a tese de BICUDO Jr. Intitulada “O circuito superior marginal:

produção de medicamentos e o território brasileiro”.

Page 27: Do mundo como norma ao lugar como forma

27

O modelo [reforçado], a partir de 1964, com a chegada dos militares ao poder deu prioridade à medicina privada voltada, mormente, para as ações curativas. O hospital tornou-se, neste modelo, um ícone de atendimento médico para o conjunto da população do país. Entre 1974 e 1980, as consultas hospitalares cresceram 220% passando de 50 milhões para 160 milhões ao ano (Gazeta Mercantil: 31/03/1990). Os hospitais brasileiros, em sua grande maioria de natureza privada são vorazes consumidores de recursos públicos. Esses objetos técnicos-científicos são extremamente dispendiosos em virtude da constante incorporação tecnológica, da manutenção física dos estabelecimentos, e pela exigência de atualização constante de conhecimento e adoção de serviços especializados. Desde a implantação do SUS, um dos objetivos é justamente a tentativa de se reverter esse quadro (ALMEIDA, 2005, p.174-175).

O processo de “reversão do quadro” do sistema de saúde brasileiro se inicia,

com o pujante movimento de descentralização política7 decorrido na década de

1980, orientado pela idéia de municipalização, que foi fundamental no processo de

reconstrução da política do setor saúde, apresentando significativas repercussões a

partir das influências do movimento de reforma sanitária brasileira que, já na década

de 1970, desencadeou um processo de conscientização entre os profissionais da

área de saúde pública para estender a assistência à saúde aos segmentados mais

necessitados da população.

Além disso, segundo Elisa Almeida (2005, 127), “[...] havia uma pressão por

parte das entidades internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e

a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para a [implementação da]

atenção primária à saúde no Brasil.

Nessa conjuntura, os Ministérios da Saúde e da Previdência Social, em

outubro de 1980, na tentativa de minimizar a situação de crise do setor saúde

(instalado no regime militar após a recessão econômica de 1979), apresentaram um

anteprojeto conhecido como o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde – o

PREV-SAÚDE. Este anteprojeto pautava-se primordialmente nos princípios da

descentralização e universalização dos serviços de saúde e “[...] visava melhorar as

condições de saneamento, habitação, alimentação e nutrição da população

brasileira, além de aprimorar os programas de vigilância epidemiológica” (ALMEIDA,

7 Segundo Eliza Almeida (2005, p.185-186) a descentralização política “[...] era defendida pelos

representantes locais – governadores e prefeitos que argumentavam serem reféns durante o regime militar dos casuísmos e clientelismos do governo federal. A descentralização administrativa permitiria que estados e municípios assumissem responsabilidades nas execuções das políticas públicas e atendessem as necessidades das populações no que se refere à saúde, educação, saneamento, habitação, entre outras”.

Page 28: Do mundo como norma ao lugar como forma

28

2005, p.127).

Contudo, o PREV-SAÚDE não chegou a ser implantado efetivamente, pois o

governo brasileiro alegou falta de verba.

Então, a alternativa subseqüente do governo federal foi a criação (dentro do

chamado "Pacote da Previdência") do Conselho Consultivo de Administração da

Saúde Previdenciária (CONASP), em 1982, que surgiu na intenção de controlar os

gastos com saúde buscando alcançar três objetivos: “1. estabelecer no sistema um

uso mais racional dos recursos; 2. um uso mais efetivo na cobertura populacional; 3.

e que alcançasse uma maior resolutividade de seus atos” (ALMEIDA, 2005, p.128).

Sendo assim, foi criado o Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no

âmbito da Previdência Social (mais especificamente no INAMPS), conhecido como o

Plano CONASP. Seu principal desdobramento foi à implantação das Ações

Integradas de Saúde (AIS), que teve como “base jurídico-legal [...] dada pela

Portaria nº 01, MS/MPAS,/MEC, de 7 de junho de 1985” (MENDES, 1993b, p.39),

uma portaria conjunta entre os Ministérios da Saúde, da Previdência Social e da

Educação e Cultura que buscavam reorganizar institucionalmente a assistência à

saúde e evitar ações paralelas e simultâneas entre as instituições.

As AIS tinham como base os princípios já delineados no PREV-SAÚDE, ou

seja, universalidade no atendimento, integralidade e eqüidade da atenção a saúde,

regionalização e hierarquização dos serviços, planejamento e controle das ações

pelo setor público, democratização (atualmente reconhecida como controle social) e

descentralização.

É daí que, pela primeira vez, os recursos federais, oriundos do INAMPS e

mediante a assinatura de convênios, foram repassados a estados e municípios,

reforçando o orçamento público desses níveis de governo. Com isso, “as AIS

produziram um deslocamento relativo dos recursos financeiros da Previdência para

o setor público, prestador de serviços de saúde, o que abriria as portas para a

implantação do SUDS” (ALMEIDA, 2005, p.129).

O SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde – foi implantado

pelo governo federal anteriormente ao SUS, em 1987, e tinha como objetivo

contribuir no desenvolvimento qualitativo das AIS; priorizando a “estadualização” dos

serviços de saúde, ou seja, a transferência de atribuições do nível federal para os

níveis estaduais.

Esta tomada de decisão, por parte do governo federal, contrariou as

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29

prerrogativas estabelecidas pelas discussões sobre a situação do sistema de saúde

brasileiro na VIII Conferência Nacional da Saúde realizada em março de 1986, ano

anterior a implantação do SUDS, que havia decidido que o princípio da

descentralização seria o da municipalização e não, o da estadualização do setor

saúde, como proposto pelo SUDS.

Com isso, a Comissão Nacional de Reforma Sanitária que se encarregou de

sintetizar as idéias e princípios fundamentais expressas na VIII Conferência Nacional

elaborou o Projeto de Reforma Sanitária Brasileira, o qual foi levado à Assembléia

Nacional Constituinte, em 1987, no sentido de sensibilizar os constituintes a

aprovarem os princípios da Reforma Sanitária Brasileira na formulação da

Constituição Federal (CF) de 1988.

A CF de 1988 apresenta nove títulos, classificados por capítulos que se

subdividem em seções; onde estão citados os 242 artigos constitucionais que

enunciam os princípios orientadores do Território Normado brasileiro. No título VIII

referente à “Ordem Social” apresenta em seu Capítulo II, “Da Seguridade Social”,

quatro seções, dentre as quais: “Disposições Gerais”, “da Saúde”, “da Previdência

Social” e “da Assistência Social”. É no capítulo da Seguridade Social que está

descrito todo o sistema oficial de saúde brasileiro, mais especificamente, na seção II

em seus artigos 196 a 200.

O principal objetivo do Projeto de Reforma Sanitária Brasileira foi justamente

a necessidade urgente de romper com a dicotomia existente nos serviços de saúde,

prevenção versus curativismo, e teve como êxito a consagração dos seus princípios

no texto final da CF de 1988 que estabeleceu a proposta de um sistema único de

saúde (SUS) de maneira descentralizada (municipalização), reconhecendo a saúde

como direito de cidadania e como dever do Estado (ALMEIDA, 2005).

Ora, considerando esse reconhecimento constitucional da saúde como um

dever do Estado e, sobretudo, como um direito de cidadania, por conseguinte, é “[...]

impossível imaginar uma cidadania concreta que prescinda do componente

territorial” (SANTOS, 2007, p.144).

Então, na tentativa de apreender o “componente territorial” do setor saúde,

recorremos ao artigo 198 da CF de 1988, o qual está escrito que o sistema único se

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30

constitui por uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços públicos de

saúde8.

A partir daí, percebemos que os elementos teóricos que subsidiam o

“componente territorial” do sistema único de saúde são a noção de rede e a

categoria região.

A idéia de „rede regionalizada‟ como descrita pela CF de 1988, parece uma

versão peculiar do conceito de regionalização em saúde pública que teve origem,

segundo STARFIELD (2000, p.30),

[...] em 1920, oito anos após a institucionalização do seguro nacional de saúde da Grã-Bretanha, [quando] foi divulgado um „texto oficial‟ tratando da organização do sistema de serviços de saúde. Distinguia três níveis principais de serviços de saúde: centros de saúde primários, centros de saúde secundários e hospitais-escola. Foram propostos vínculos formais entre os três níveis e foram descritas as funções de cada um. Essa formulação foi a base para o conceito de regionalização: um sistema de organização de serviços planejado para responder aos vários níveis de necessidade de serviços médicos da população. Esse arranjo teórico forneceu, posteriormente, as bases para a reorganização dos serviços de saúde em muitos países, os quais agora possuem níveis claramente definidos de atenção, cada um com setor de atenção médica primária identificável e em funcionamento (grifos nossos).

Mas, também, alguns autores estão de acordo ao dizer, como Raul Borges

Guimarães (2005), por exemplo, que “[...] o território tem se constituído em uma das

principais categorias da estratégia espacial da política nacional de saúde”, porque,

segundo ele, a partir da estratégia de municipalização dos serviços e da

integralização das ações de saúde desencadeado pela reforma sanitária brasileira,

em que cada nível de governo apresenta um comando único, então, primeiramente,

“o território é visto como uma área, delimitada por fronteiras políticas” (GUIMARÃES,

2005, p.7).

Contudo, o autor pondera que “[...] o território concebido e, ao mesmo

tempo, em processo de construção pela política nacional de saúde é muito mais do

que a extensão territorial dos municípios brasileiros”, pois considera que a

concepção de território pelo SUS perpassa por outras estratégias espaciais que

8 Está escrito na CF de 1988, em seu Artigo 198, que “[...] as ações e serviços públicos de saúde

integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade [...]” (BRASIL, 1988).

Page 31: Do mundo como norma ao lugar como forma

31

integram o escopo da Atenção Básica como a delimitação das áreas de abrangência

das unidades de saúde, os distritos sanitários e os programas de saúde da família,

os quais “apresentam a territorialização como trunfo político” (GUIMARÃES, 2005,

p.8).

Para GUIMARÃES (2005), este processo de territorialização no SUS está

produzindo uma diferenciação entre espaços de vida cotidiana, que poderia ser

reconhecida como um “processo de regionalização em diferentes escalas”, cuja

escala local é onde a política de saúde brasileira ganha capacidade operacional

através da capilaridade engendrada no cotidiano dos cidadãos.

Por isso, na tentativa de apreendermos o elemento condutor Do Mundo

como Norma ao Lugar como Forma, acreditamos na possibilidade de análise a partir

deste elemento que vem apresentando uma ativa reestruturação do setor saúde

brasileiro, qual seja o processo da territorialização no SUS.

Neste sentido, a questão principal a se desenvolver consiste em saber o que

é a territorialização no SUS; e para isso, passa-se à análise dos fundamentos que

instituem o seu processo.

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32

3 O PROCESSO DA TERRITORIALIZAÇÃO NO SUS

A idéia de territorialização se apresenta como uma estratégia operacional do

SUS originária da elaboração teórico-metodológica sobre os Distritos Sanitários que

se configura, por sua vez, como uma proposta particular brasileira decorrente da

formulação da OPAS/OMS sobre os Sistemas Locais de Saúde (SILOS)9; seu

contexto histórico é relatado por Eugênio Vilaça Mendes (1993a) na introdução do

livro organizado, intitulado – Distrito Sanitário: o processo social de mudança das

práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde.

Segundo seu relato, a representação brasileira da OPAS/OMS desenvolveu

inicialmente, entre os anos de 1987 e 1988, através de seu Programa de

Desenvolvimento de Serviços de Saúde, uma estratégia de difusão da idéia dos

SILOS no Brasil, fomentada a partir de constantes atividades (reuniões, seminários e

distribuição de material bibliográfico) em círculos acadêmicos e serviços de saúde,

além de visitações a dezenas de municípios brasileiros (MENDES, 1993a).

Em seguida, a OPAS/OMS elaborou e financiou um projeto, no segundo

semestre de 1988, denominado “Implantação de SILOS nos Estados” que foi

experimentado em sete secretarias estaduais de saúde (MENDES, 1993a), dentre

as quais se destacaram as secretarias dos estados da Bahia e de São Paulo pelos

avanços significativamente obtidos.

Então, a partir dessas experiências, se verificou a necessidade de um

desenvolvimento teórico e metodológico sobre a concepção de SILOS adequada ao

Brasil. Neste sentido, foram promovidos seminários que articularam centenas de

técnicos para a discussão de temas específicos, como:

Distritos Sanitários e Processo de Trabalho em Saúde; Território, Cidadania e Saúde; Programação Local em Distritos Sanitários; Avaliação de Serviços de Saúde; Gestão, Poder e Participação Social em Saúde; Programação local em Distritos Sanitários; Adscrição de Clientela nos Distrito Sanitários e Vigilância à Saúde como prática sanitária (MENDES, 1993ª, p.12).

9 A idéia dos SILOS tinha como objetivo, segundo Mendes (1993a, p.11), “[...] buscar modelos de

intervenção sobre a realidade local, através da mudança das práticas sanitárias”.

Page 33: Do mundo como norma ao lugar como forma

33

Esses seminários coordenados pela OPAS/OMS (Representação do Brasil)

tiveram o apoio, principalmente, de professores do departamento de medicina

preventiva da UFBA e do Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde do estado de

São Paulo; lembrando que ambos pertenciam aos estados federados que obtiveram

sucesso na etapa inicial do projeto de “implantação de SILOS nos estados”. Outro

importante apoio foi o da Cooperação Técnica Italiana que através de sua

experiência na reforma sanitária da Itália com suas peculiares Unidades Sanitárias

Locais (USL), procurou também devolver discussões nesta mesma perspectiva

(MENDES, 1993a).

O objetivo desses seminários foi fundamentalmente “[...] de se iniciar o

processo de construção de uma teoria e de uma metodologia, referidas à cena

brasileira, no campo dos Sistemas Locais de Saúde” (MENDES, 1993a, p.12).

Com isso, a conformação de uma proposta teórico-metodológica sobre a

concepção de SILOS adequada ao Brasil se deu a partir de contribuições de

diversos e diferenciados campos científicos; dentre estas contribuições destacamos

“[...] a visão de território-processo da nova geografia, especialmente, de Milton

Santos” (MENDES,1993a, p.12).

3.1 O Território-Processo como Conceito-chave da Distritalização da Saúde

No trabalho intitulado Distritos Sanitários: conceitos-chave a „visão de

território-processo‟ é desenvolvida pelos autores como um dos “elementos teórico-

conceituais que fundamentam [...] o processo de distritalização” (MENDES, 1993c,

p.160), pois, além de argumentarem que a dimensão territorial é inerente a definição

de Distrito Sanitário como processo, também justificam que “[...] os sistemas de

saúde mais eficazes, eficientes e equitativos tem como elemento comum a sua

estruturação numa base territorial, tal como acontece na Suécia, na Finlândia, na

Inglaterra, em Cuba, na Costa Rica e em outros países” (MENDES, 1993c, p.166).

Portanto, para estes autores, o território é um importante „conceito-chave‟

dentro do escopo teórico-metodológico do Distrito Sanitário e, com isso, na tentativa

de se precisar melhor o conceito de território, partem da seguinte afirmação: “há,

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34

pelo menos, duas grandes correntes de pensamento que apreendem de forma

distinta a questão do território” (MENDES, 1993c, p.166).

A primeira grande corrente de pensamento, segundo o autor, apreende a

questão do território “[...] de forma naturalizada como um espaço físico que está

dado e que está completo. Nesta concepção, são os critérios geopolíticos que

definirão um território denominado de território solo (MENDES, 1993c, p.166). Ainda

segundo os autores, esta concepção sustenta, além do entendimento da saúde

apoiado no modelo da clínica, também à visão topográfico-burocrática de distrito

sanitário.

A segunda “grande corrente de pensamento”, ao contrário da primeira,

apreende a „questão do território‟ coerentemente com a definição de distrito sanitário

como processo, pois “[...] vê o território como um espaço em permanente

construção, produto de uma dinâmica social onde se tensionam sujeitos sociais

postos na arena política” (MENDES, 1993c, p.166); por essas tensões terem um

processo permanente, é que se atribui ao território sua constante reconstrução.

Então, a partir dessa segunda corrente de pensamento é que na teoria da

distritalização se estabeleceu a concepção de território-processo como conceito-

chave, o qual,

[...] transcende a uma superfície-solo e às suas características geofísicas para instituir-se como um território de vida pulsante, de conflitos, de interesses diferenciados em jogo, de projetos e de sonhos. Esse território, então, além de um território-solo é, ademais, um território econômico, político, cultural e epidemiológico. Esse é o território do distrito sanitário entendido como processo social de mudança das práticas sanitárias e é o que permitirá exercitar a hegemonia do modelo sanitário (MENDES, 1993c, p.166).

Neste sentido, a formulação do território-processo como „conceito-

chave‟ seguiu o seguinte encaminhamento metodológico: “um território-processo-

base do distrito sanitário, deverá ser esquadrinhado de modo a configurar uma

determinada realidade de saúde, sempre em movimento” (MENDES, 1993c, p.166).

Este esquadrinhamento do „território-processo-base‟ é que caracteriza

o método operacional no nível local, uma vez que, o território-processo por ser

sempre inacabado e, também, nunca admitir simetrias; de tal modo, o

esquadrinhamento serve para “[...] desnudar as assimetrias espaciais que

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35

correspondem às localizações diferenciadas de distintos conjuntos sociais no seu

interior, com suas necessidades, demandas e representações singularizadas”

(MENDES, 1993c, p.167).

Assim, MENDES (1993c) diz que o esquadrinhamento é uma proposta

crítica aos trabalhos clássicos de serviços de saúde, pois esses

“[...] dividem o território em espaços simétricos, contíguos, tal como, por exemplo, a forma de divisão espacial da vigilância sanitária. Essa territorialização pressupõe uma distribuição homogênea dos problemas de saúde no espaço, o que, na prática, não ocorre” (MENDES, 1993c, p.167).

Da crítica à metodologia do esquadrinhamento territorial segue a seguinte

proposta: “numa tentativa de ordenar essa situação de acordo com as necessidades

e possibilidades das práticas de intervenção [...] se subdivide o território do Distrito

Sanitário em: Território-Distrito, Território-Área, Território-Microárea e Território-

Moradia” (MENDES, 1993c, p.167).

Porém, consideramos que a limitação desta proposta não está,

propriamente, nessa subdivisão, e sim, na fragmentação dada pelo encaminhamento

seguinte: “cada um desses territórios estruturam-se por lógica própria, tem objeto

diferenciado e sustenta-se em disciplinas distintas” (MENDES, 1993c, p.167).

Segundo MENDES (1993c, p.167), “a disciplina que subsidia a delimitação

do Território-Distrito é o planejamento urbano e seu objeto é o administrativo-

assistencial”; com isso,

[...] o Terriório-Distrito obedece à lógica político-administrativa e, normalmente, está dado [...]. A coincidência dos Distritos Sanitários com territórios político-administrativos previamente delimitados apresenta, dentre outras, a vantagem da possibilitação de uma integração da autoridade sanitária com responsáveis por outros setores, contribuindo para a facilitação de uma ação intersetorial (MENDES, 1993c, p.167).

Os Territórios-Área se referem à primeira subdivisão do Território-Distrito e,

segundo MENDES (1993c, p.168), “a disciplina que, fundamentalmente suporta a

delimitação do Território-Área é a geografia humana”. Essa segunda subdivisão (o

Território-Área), de acordo com o autor, “significa a área de abrangência de uma

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36

unidade ambulatorial de saúde e delimita-se em função do fluxo e contrafluxo de

trabalhadores de saúde e da população num determinado território” (MENDES,

1993c, p.168); seu objeto é similar ao Território-Distrito10, e se define, portanto,

“com base em critérios administrativos e assistenciais, uma vez que há uma unidade de direção ao nível da unidade ambulatorial com autoridade sanitária sobre seu território e uma população adstrita que deve receber serviços de saúde dessa unidade e com ela interagir” (MENDES, 1993c, p.168).

O Território-Área, por sua vez, se subdivide em „Territórios-Microárea‟ que,

segundo Mendes (1993c, p.168), “impõe-se na medida em que os problemas de

saúde não se distribuem de forma simétrica no Território-Área, tendendo, ao

contrário, a discriminarem-se de forma negativa naquele espaço”. A definição do

Território-Microárea segue “a lógica da homogeneidade socioeconômico-sanitária” e

“está próximo ao conceito de „áreas homogêneas de risco‟” (MENDES, 1993c,

p.168). Desta maneira, de acordo com Mendes (1993c, p.168), “a disciplina central

para a caracterização da microárea é a epidemiologia, com o apoio da economia, da

sociologia e da antropologia, na identificação e análise das condições de vida e

saúde dos distintos grupos populacionais”.

Por último, o Território-Microárea se subdivide em Territórios-Moradia, os

quais se constituem como um território de grande valor operacional, cuja disciplina

básica para sua construção e intervenção também é a epidemiologia que tem por

objetivo a prática da vigilância à saúde nesse território (MENDES, 1993c). Em suma,

o Território-Moradia, segundo Mendes (1993c, p.169), “[...] institui-se no espaço de

vida de uma microunidade social (família nuclear ou extensiva), identificando na

microárea como locus para o desencadeamento de ações de intervenção sobre

algumas causas dos problemas e seus efeitos”.

Porém, Mendes (1993a, p.16) ao referenciar Carmen Unglert (1993), por seu

trabalho intitulado Territorialização em sistemas de saúde, demonstrou que ela foi

quem procurou “[...] desenvolver, na prática, o processo de territorialização a partir

do esquadrinhamento dos diferentes territórios: o território-distrito, o território-área, o

10

O objeto do Território-Distrito é administrativo-assistencial que se justifica pela seguinte argumentação: “o distrito sanitário institui-se, nesse espaço, como organização administrativa com certo grau de autonomia decisória, voltada para a mudança das práticas sanitárias” (MENDES, 1993c, p.167).

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37

território-microárea e o território-domicílio”; nesse sentido, passemos à análise dessa

proposta metodológica sobre a territorialização.

3.2 A Territorialização como Proposta Metodológica

Unglert (1993, p.221), acreditando na consolidação de um sistema de saúde

mais eficiente, eficaz e equitativo, propunha a adoção de uma concepção que

abrangesse as dimensões política, ideológica e técnica, a qual permitisse, também,

a identificação de “cenários onde as mudanças ganham concretude”. Então,

adotando a idéia de “espaço político-operativo” como proposta inicial, argumentou

que

[...] é no espaço político-operativo [onde] se dá a interação população-serviços. É neste cenário que se visualiza uma população específica, vivendo em tempo e espaço determinados, com problemas de saúde definidos e que interage com distintas unidades prestadoras de serviços de saúde (UNGLERT, 1993, p.221).

Contudo, Unglert (1993, p.222) explica, ainda, que esse enfoque no „espaço

político-operativo‟

[...] não implica uma visão baseada em uma atomização reducionista, onde os espaços político-jurídico e político-administrativo sejam ignorados. Ao contrário, entende-se que se deva processar também nesses espaços e, para isso, é imprescindível a apropriação do poder pelos atores sociais, pois só assim tais transformações terão legitimidade. E é no plano do espaço político-operativo que essa apropriação se processa.

Portanto, enfocando no espaço político-operativo, Unglert (1993, p,222) o

sub-intitulou de “Espaço Local-Território”, pois, além de considerar que “o espaço

local é o cenário estabelecido por atores sociais no desenrolar de um processo em

que problemas de saúde se confrontam com serviços prestados e onde

necessidades cobram ações”, também ponderou que o espaço local “representa

muito mais que uma superfície geográfica”, por apresentar através da combinação

Page 38: Do mundo como norma ao lugar como forma

38

dos seus diferentes perfis (demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico,

político e social) características expressas “num território em permanente

construção”.

Sendo assim, ela escreveu que “[...] a territorialização se apresenta como a

grande contradição entre a proposta da reforma [sanitária] democrática e a do

projeto neoliberal” (UNGLERT, 1993, p.222). Essa contradição se dá por que a

proposta do projeto neoliberal, priorizava a demanda individual, por compreender

que o direito a usufruir do sistema de saúde se vincula à capacidade de pagamento.

Diferentemente, a proposta da reforma sanitária compreendia que o direito a usufruir

do sistema se vincula ao pressuposto da universalização dos serviços de saúde

como um direito de todos os cidadãos e como um dever do Estado.

É nesse sentido que a proposta da reforma sanitária apresenta o

fundamento da base territorial11 como princípio organizativo-assistencial do sistema

de saúde brasileiro; logo, estabelecer essa base territorial para Unglert (1993, p.222)

[...] é um passo básico para a caracterização da população e de seus problemas de saúde, bem como o dimensionamento do impacto do sistema sobre os níveis de saúde dessa população e, também, para a criação de uma relação de responsabilidade entre os serviços de saúde e sua população adscrita.

Sendo assim, Unglert (1993) preconiza estabelecer critérios básicos para a

territorialização com a autonomia do nível local em utilizar e adaptar tais critérios a

sua realidade, já que, por reconhecer as desigualdades territoriais, há dificuldades

de se atuar em problemas específicos a partir de modelos teóricos ou técnicas de

planejamento a partir do nível central. Em todo caso, necessita-se definir “distintos

espaços territoriais que delineados dentro de uma mesma lógica deverão contribuir

para a implantação de um Distrito Sanitário” (UNGLERT, 1993, p.223).

Nesse sentido, consideremos o quadro a seguir que demonstra a coerência

entre as terminologias propostas pela territorialização do SUS de Unglert (1993) e as

terminologias do esquadrinhamento territorial propostas por Mendes (1993c).

11

De acordo com UNGLERT (1993, p.222), “a base territorial deve ser detalhada chegando ao domicílio, o que possibilita a adscrição de clientela a unidades ambulatoriais, bem como o estabelecimento de ações de controle de saúde específicas para a população da área visando prioridades”.

Page 39: Do mundo como norma ao lugar como forma

39

QUADRO 1 – Territorialização do SUS versus Esquadrinhamento Territorial

UNGLERT (1993) MENDES (1993c)

Distrito Sanitário Território-Distrito

Área de Abrangência Território-Área

Microárea de Risco Território-Microárea

Domicílio Território-Domicílio

De acordo com Unglert (1993, p.223),

[...] esses espaços devem ser encarados como dinâmicos e a proposta metodológica que se segue de trabalhá-los consecutivamente traz em si a idéia de reconstrução permanente. Assim é que, partindo-se de distritos sanitários cujos limites geográficos podem estar, de início, claramente definidos, pode-se chegar à proposta de mudança desses mesmos limites pela construção dos demais espaços territoriais: a) Distrito Sanitário – a definição inicial do território de um distrito sanitário depende de critérios de natureza político-administrativa. Um distrito sanitário ou grupo de distritos sanitários geralmente corresponde a uma região administrativa municipal; b) Área de Abrangência – corresponde a área de responsabilidade de uma unidade de saúde. Baseia-se em critérios de acessibilidade geográfica e de fluxo da população. Deve ser constituída por conglomerados de setores censitários; c) Microárea de Risco – é de perfil epidemiológico específico. Através da caracterização desse perfil epidemiológico é que serão definidas ações de saúde específicas para essa área. É desejável que seja constituída por conglomerados de setores censitários; d) Domicílio – o detalhamento da base territorial no nível de domicílio possibilita a adscrição de clientela, além de favorecer o estabelecimento de ações de controle de saúde, visando a prioridades (grifos nossos).

Unglert (1993) também estabelece um contraponto entre o conceito de área

de abrangência (correspondente a área de responsabilidade de uma unidade de

saúde) e a conceituação de área de influência de um serviço de saúde (baseada,

Page 40: Do mundo como norma ao lugar como forma

40

ainda, por uma lógica assistencial derivada geralmente pela pressão da demanda

espontânea)12; segundo sua previsão a médio e longo prazo,

[...] com o reordenamento natural do sistema que deverá advir da apropriação do espaço local pelas diversas equipes, as reflexões sobre os modelos assistencial e gerencial acabarão por possibilitar que área de influência e área de abrangência possam tornar-se sinônimas (UNGLERT, 1993, p.224).

Essa estratégia de partir de duas conceituações distintas, para Unglert

(1993), viabiliza a apropriação do território numa lógica nova, tendendo a contribuir,

até mesmo, para reordenar as ações assistenciais futuras; assim, argumentando

ainda que a territorialização não devesse se constituir por um processo baseado em

procedimentos rígidos propôs como pressuposto a metodologia do Planejamento

Ascendente,

[...] entendido como um processo de construção do Sistema Único de Saúde, baseado em distintas realidades locais, onde atores sociais se transformam em autores de um processo, no qual se dá a apropriação do território numa lógica voltada à Saúde (UNGLERT, 1993, p.225).

Por conseguinte, essa metodologia objetiva a apropriação do território pelos

distintos atores sociais, podendo haver, todavia, a variação do objeto13 escolhido

dependendo de cada realidade local, cuja conformação inicial pode se dá a partir de

“pistas” que subsidiam o desenvolvimento prático da territorialização, como: mapa-

base, setor censitário, bairro, barreira geográfica, movimentos sociais urbanos e

adscrição de clientela.

12

Segundo UNGLERT (1993, p.224) “[...] a população, inteligente que é, na busca pela sobrevivência, procura atenção a seus problemas de saúde considerando as distintas modalidades de acessibilidade dos serviços, estabelecendo, assim, áreas de influência mais ou menos dispersas dependendo das inúmeras variáveis [...]. Por outro lado, o conceito de Área de Abrangência que se defende é [...] construída através da apropriação do território por parte da equipe local, pela aplicação de instrumentos que garantam a participação da população no processo”. 13

O objeto, de acordo com UNGLERT (1993, p.225) “[...] é fruto de uma opção tomada por grupos que estejam motivados a analisá-lo, ante uma realidade [...]”, o qual, para apropriação do território, em alguns casos, o objeto que serviu foi o estudo da mortalidade infantil, em outros, foi à identificação da cobertura vacinal.

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41

a) mapa-base – é de fundamental importância a visualização, em mapa, da área a ser trabalhada. Para áreas urbanas recomenda-se a escala 1:5.000 ou 1:10.000. Para zonas rurais, escalas de 1:25.000, ou mesmo 1:50.000 são mais indicadas. De forma geral, as prefeituras municipais possuem mapas nessas escalas; b) setor censitário – é a unidade básica de coleta para o Censo Demográfico estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Constitui-se de área territorial contínua, de mesma situação (urbana e rural) e do mesmo distrito administrativo do IBGE. O número e a extensão dos setores variam segundo a área, as dificuldades de transporte, a densidade demográfica e a proximidade ou afastamento dos domicílios. Os limites geográficos dos setores censitários podem ser utilizados, pois, por se constituírem unidades geográfica com pequena extensão (restritas, por vezes, a uma quadra ou a um edifício de apartamentos), mostram-se muito adequados a se considerar como elemento nuclear, e, a partir de conglomerados de setores, poderão ser determinadas áreas com limites geográficos e demográficos definidos; c) bairro – considera-se como fundamental o respeito à distribuição por conglomerados estabelecidos pela própria população. Dessa forma, os bairros, vilas e jardins que a população refere devem ser respeitados. O bairro representa, em nossa sociedade, uma forma espontânea de manifestação da população na apropriação do território. [...]. d) barreira geográfica – o conceito de barreira geográfica deriva dos obstáculos naturais ou gerados pela implantação urbana que orientam a organização de fluxos de freqüentação numa dada estrutura de circulação e que criam “distancias relativas” que variam do nível local para o regional. É importante frisar que a estrutura de circulação de dá numa lógica e racionalidade que está em estreita dependência com a própria estruturação do tecido urbano com suas funções e hierarquias, seu perfil populacional e sua adaptação relativa ao quadro natural preexistente. A barreira geográfica é conceituada tendo por referência a população que se movimenta na região; e) movimentos sociais urbanos – que se expressam como movimentos de bairros e incluem problemas prioritários para a população, como moradia, transporte e saúde. Nesse contexto, torna-se fundamental a articulação do processo de gestão entre o pessoal de saúde que atua na rede e as organizações populares; f) adscrição de clientela – para isso é importante o mapeamento do nível de domicílio. Essa adscrição pode ser estabelecida de forma progressiva, mas é fundamental para a incorporação da relação de responsabilidade entre os trabalhadores da área da saúde e a população (UNGLERT, 1993, p.225-226).

Por último, Unglert (1993) analisou em seu trabalho o processo de

territorialização em alguns municípios brasileiros como a „região sul do município de

São Paulo‟, o „município de Fortaleza‟ e o „município de Belo Horizonte‟.

Page 42: Do mundo como norma ao lugar como forma

42

Relevadas ao seu tempo, consideramos essas análises como o ponto de

partida prático da territorialização como uma metodologia eminentemente empírica

que ao longo das décadas de 1990 e 2000 alguns dos seus princípios foram sendo

incorporados, difusamente, ao escopo normativo do SUS, como veremos a seguir.

3.3 As Normas e a Territorialização do SUS

O Sistema Único de Saúde (como vimos no capítulo anterior) se constitui

normativamente a partir da aprovação da Constituição Federal de 1988 que, por sua

vez, derivou a necessidade de formulação da legislação infra-institucional do setor

saúde para estabelecer a efetivação do sistema.

Neste sentido, se procedeu à elaboração da chamada Lei Orgânica da

Saúde (LOS) que sofreu um intenso embate político-ideológico, concluído em 1990

com a aprovação da Lei n° 8080. Esse contexto da institucionalização do SUS,

segundo ALMEIDA (2005, p.191),

[...] ocorreu num clima político distinto daquele de sua [constitucionalização]. A eleição de Fernando Collor de Mello (1989), para presidente da república, coincide com o afastamento no INAMPS do grupo vinculado aos ideais da VIII Conferência de Saúde, passando o comando para um grupo conservador que buscou manter as estruturas e funções do antigo sistema.

O escopo da LOS regula as ações e serviços de saúde em todo o território

nacional, estabelece as condições para a organização e funcionamento do sistema,

e define a direção, a gestão, as competências e as atribuições de cada esfera de

governo dentro do Sistema Único de Saúde.

A LOS, em seu artigo 7º, ressalta o componente territorial ao mencionar que

“as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou

conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de

acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal”; ainda assim,

reforça em seu princípio IX que a descentralização político-administrativa apresenta

Page 43: Do mundo como norma ao lugar como forma

43

direção única em cada esfera de governo, enfatizando a descentralização dos

serviços para os municípios a partir da regionalização e hierarquização da rede de

serviços de saúde.

Em seu artigo 8º, a LOS confirma que as ações e serviços de saúde

executados pelo SUS “[...] serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada

em níveis de complexidade crescente”. Já no artigo 9º, a LOS reafirma que a direção

do SUS é única em cada esfera de governo (de acordo com o inciso I do artigo 198

da CF) sendo exercida pelos seguintes órgãos: no âmbito da União, pelo Ministério

da Saúde; no âmbito dos estados ou do Distrito Federal, pela respectiva secretaria

de saúde ou órgão equivalente; no âmbito dos municípios, pela respectiva secretaria

de saúde ou órgão equivalente (BRASIL, 1990).

Quanto aos municípios, destacamos a primeira legitimidade normativa

(apesar do caráter flexivo) sobre a diretriz da municipalização14 como possibilidade

de se desenvolver a idéia da „municipalização–distritalização‟ (MENDES, 1993b,

p.123), conforme o inciso 2º do artigo 10º da LOS, o qual está escrito que “no nível

municipal, o Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em distritos de

forma a integrar e articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a cobertura

total das ações de saúde” (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Porém, o nosso principal destaque se refere ao artigo 36 da LOS, pois

normatiza o princípio metodológico da territorialização através do planejamento

ascendente15:

Art. 36. O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União (BRASIL, 1990, grifos nossos).

14

No setor saúde, o processo de descentralização se inicia na segunda metade da década de 1980 pelo grupo da reforma sanitária brasileira que já vinha debatendo sobre a questão desde meados da década de 1970, mas que naquele momento (década de 1980) como ocupava cargos de comando dentro da burocracia estatal do INAMPS (ALMEIDA, 2005), formulou essa proposta como uma forma do princípio de descentralização, aprovada na CF (1988). 15

Ver UNGLERT (1993, p.225).

Page 44: Do mundo como norma ao lugar como forma

44

Desse modo, consideramos a LOS como o marco normativo para o processo

de territorialização do SUS por esboçar tanto a idéia dos distritos como também a

idéia do planejamento ascendente (princípio metodológico da territorialização).

Porém, com a subseqüente formulação da primeira Norma Operacional

Básica (NOB/91), resolução nº 258 de 07 de janeiro de 1991, não houve uma

apropriação do princípio metodológico da territorialização através do planejamento

ascendente, tal como proposto pela LOS. Essa norma se voltou mais para a

regulamentação do processo de descentralização, financiamento e especificações

das atribuições dos entes federativos com o objetivo de fornecer instruções aos três

níveis de governo, responsáveis pela implantação e operacionalização do SUS,

estabelecendo aspectos de natureza operacional e gerencial dos serviços e ações

de saúde, mas principalmente, instituir critérios de controle, acompanhamento e

fiscalização da aplicação dos recursos (BRASIL, 1991).

Com a edição da NOB/91, segundo ALMEIDA (2005), surgiu à idéia de

municípios e estados habilitados pelo SUS como gestores diretos dos serviços de

saúde; essa norma,

[...] previa a formação de um fundo setorial de saúde e o funcionamento de conselhos comunitários. [...] [Também] incentivou os convênios de municipalização, habilitando os municípios a receber os repasses dos recursos para o pagamento dos serviços diretamente com o Ministério da Saúde, retirando de cena o estado como mediador entre os poderes federais e municipais, que foi um dos princípios básicos do SUDS que antecedeu o SUS (ALMEIDA, 2005, p.191).

Neste sentido, a NOB/91 ampliou a base de sustentação política do

presidente Fernando Collor de Mello através do fortalecimento dos laços políticos

entre o governo federal e os governos municipais, que foi um retrocesso, reduzindo

assim, o papel ativo do governo estadual no processo de descentralização dos

serviços de saúde que se tornou, praticamente, sinônimo de municipalização

(ALMEIDA, 2005). Essa norma, também apresentou uma mudança significativa no

financiamento do sistema de saúde, adotando o mesmo critério do setor privado

para o setor público, qual seja: pagamento por produção de serviços em substituição

ao pagamento por orçamento.

Page 45: Do mundo como norma ao lugar como forma

45

Contudo, a NOB/91 significou um retrocesso na perda de autonomia dos

gestores estaduais e municipais, pois (re)conduziu a centralização dos recursos para

os órgãos centrais do INAMPS que veio somente a ser extinto em 1993. Foi

justamente nesse ano, 1993, que se editou a segunda norma operacional básica

(NOB/93) pela portaria nº 545 de 20 de maio, cuja formulação se deu num clima

político diferente, já no governo Itamar Franco.

A NOB/93 foi proposta como a possibilidade de instaurar uma mudança do

modelo assistencial, apresentando o seguinte título – Descentralização das ações e

serviços de saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Sendo assim, a

NOB/93, de acordo com Almeida (2005, p.193),

[...] reafirmava como um dos pressupostos a descentralização, entendida como um processo de redistribuição de poder e redefinição de papéis e o estabelecimento de novas relações entre as três esferas de governo. [...]. No âmbito nacional buscou uma aproximação entre as três esferas de poder criando a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), compostas paritariamente, por representação do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). No estados foram instituídas as Comissões Intergestoras Bipartides (CIB), integradas por representantes da Secretaria Estadual de Saúde e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), com representação paritária entre estados e municípios. No âmbito municipal criou o Conselho Municipal de Saúde – instância permanente deliberativa, atuando na formulação de estratégias no controle de execução da Política Municipal de Saúde, instituindo, ainda, um fundo de saúde.

A NOB/93 manteve a forma de pagamentos por serviços produzidos

responsabilizando o financiamento do SUS às três esferas de governo. Determinou,

também, novas regras para a transferência de recursos, as quais enquadravam, por

análise, a capacidade de gestão dos entes federativos – estadual e municipal – por

condições de habilitação através de três modalidades de gestão: incipiente, parcial e

semiplena16. Essas induções estabelecidas pela NOB/93 impulsionaram o processo

de municipalização, pois os municípios passaram a ganhar maior autonomia (se

ressalvando o tipo de modalidade de gestão) na utilização dos recursos direcionados

16

Ver tese de ALMEIDA (2005, p.195): quadro IV (formas de gestão previstas na NOB/93)

Page 46: Do mundo como norma ao lugar como forma

46

em prover os serviços transferidos para a sua responsabilidade, principalmente pelo

financiamento da atenção básica.

O processo de municipalização foi ainda mais fortalecido com a terceira

norma operacional básica editada pelo Ministério da Saúde em 1996 (NOB/96)

intitulada de Gestão plena com responsabilidade pela saúde do cidadão.

Essa norma objetivou induzir, mudanças no modelo assistencial, através do

fortalecimento da atenção básica17 com a finalidade de responsabilizar o poder

público municipal pelo seu pleno exercício funcional de gestor da atenção à saúde

dos seus munícipes (BRASIL, 1996). Assim, a NOB/96 apresentou a idéia de

sistema de saúde municipal, ou “SUS-Municipal”, com a seguinte justificativa:

A totalidade das ações e de serviços de atenção à saúde, no âmbito do SUS, deve ser desenvolvida em um conjunto de estabelecimentos organizados em rede regionalizada e hierarquizada, e disciplinados segundo subsistemas, um para cada município ─ o SUS-Municipal ─ voltado ao atendimento integral de sua própria população e inserido de forma indissociável no SUS, em suas abrangências estadual e nacional (BRASIL, 1996, p.3).

O SUS-Municipal se caracteriza nessa norma como o principal elemento da

descentralização do setor saúde por apresentar uma “responsabilização dos

municípios, no que se refere à saúde de todos os residentes em seu território

(BRASIL, 1996, p.3).

Porém, ressalvamos a preocupação referida pela NOB/96 ao SUS-Municipal

por considerar um “[...] elevado risco de atomização desordenada dessas partes do

SUS, permitindo que um sistema municipal se desenvolva em detrimento de outro,

ameaçando, até mesmo, a unicidade do SUS” (BRASIL, 1996, p.3). Assim, na

tentativa de minimizar esse risco, a NOB/96 induziu ao gestor estadual a

responsabilidade de integrar, harmonizar e modernizar, com eqüidade, os sistemas

17

Dentre as alterações promovidas pela NOB/96 destacamos as condições de habilitação dos gestores de saúde, pois reduziu a duas modalidades municipais e duas modalidades estaduais: Gestão Plena de Atenção Básica (GPAB) e Gestão Plena do Sistema Municipal (GPSM), Gestão Avançada de Sistema Estadual (GASE) e Gestão Plena de Sistema Estadual (GPSE); também se destaca a forma de transferência destinada ao financiamento da assistência hospitalar e ambulatorial que além de manter o pagamento por serviços produzidos, passou a transferir os valores do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos estaduais e municipais de saúde pela modalidade conhecida como: Transferência Regular e Automática – Fundo a Fundo; e, por último, se destaca a criação do Piso Assistencial Básico (PAB), destinado ao custeio de procedimentos das ações de assistência básica à saúde ao nível municipal (ALMEIDA, 2005).

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47

municipais de saúde, afirmando que “[...] o mais importante e permanente papel do

estado é ser o promotor da harmonização, da integração e da modernização dos

sistemas municipais, compondo, assim, o SUS-Estadual” (BRASIL, 1996, p.5).

Dessa maneira, o SUS-Estadual efetivado pela NOB/96 reativou o papel do

estado (relegado desde o SUDS) na reorganização do SUS, culminando na

formulação e aprovação em 2002 da Norma Operacional da Assistência a Saúde

(NOAS) que enfatizou o estabelecimento do processo de regionalização como

estratégia de hierarquização dos serviços de saúde nos “territórios estaduais”

(BRASIL, 2002).

Além de enfatizar a regionalização nos estados federados, a NOAS,

objetivando consolidar a descentralização do SUS, induziu também a ampliação do

acesso e da qualidade da Atenção Básica, referenciando maiores responsabilidades

de gestão e gerência aos municípios18.

Assim, a NOAS instituiu mecanismos para o fortalecimento da capacidade

de gestão do SUS, como procedimentos de atualização dos critérios de habilitação

de estados e municípios, por exemplo, a modalidade de Gestão Plena da Atenção

Básica Ampliada (GPAB-A) que se caracteriza como uma das condições de gestão

dos sistemas municipais de saúde, a qual define como áreas de atuação

estratégicas mínimas: “o controle da tuberculose, a eliminação da hanseníase, o

controle da hipertensão arterial, o controle da diabetes mellitus, a saúde da criança,

a saúde da mulher e a saúde bucal” (BRASIL, 2002).

Vale salientar que a NOAS como última norma operacional editada pelo

Ministério da Saúde, representou um significativo avanço do SUS (no período de sua

regulação via normas operacionais) ao acesso “[...] de toda a população aos

serviços de saúde relacionados à atenção básica, sobretudo em pequenas

localidades, onde antes inexistiam recursos de saúde (HEIMANN; MENDONÇA,

2005, p.483).

18

Na NOB/96 “[...] gerência é conceituada como sendo a administração de uma unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação etc.), que se caracteriza como prestador de serviços ao Sistema. Por sua vez, gestão é conceituada como a atividade e a responsabilidade de dirigir um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional), mediante o exercício de funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria. Portanto, são considerados gestores do SUS os Secretários Municipais e Estaduais de Saúde e o Ministro da Saúde, que representam, respectivamente, os governos municipais, estaduais e federal” (BRASIL, 1996, p.3).

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48

A partir de 2006 se processa um rearranjo do modelo de gestão, que é o

Pacto pela Saúde. Em seu site, o Ministério da Saúde define o Pacto pela Saúde

como

[...] um conjunto de reformas institucionais pactuado entre as três esferas de gestão (União, estados e municípios) do Sistema Único de Saúde, com o objetivo de promover inovações nos processos e instrumentos de gestão. Sua implementação se dá por meio da adesão de municípios, estados e União ao Termo de Compromisso de Gestão (TCG), que, renovado anualmente, substitui os anteriores processos de habilitação e estabelece metas e compromissos para cada ente da federação. As transferências dos recursos também foram modificadas, passando a ser divididas em seis grandes blocos de financiamento (Atenção: Básica, Média e Alta Complexidade da Assistência, Vigilância em Saúde, Assistência Farmacêutica, Gestão do SUS e Investimentos em Saúde).

Nesse contexto do Pacto pela Saúde, o Ministério da Saúde na perspectiva

de adequar às normas nacionais ao atual momento do desenvolvimento da Atenção

Básica no Brasil, instituiu através da Portaria nº 648/GM de 28 de março de 2006, a

Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que se destaca como um dos volumes

do Pacto, e estabelece a revisão de diretrizes e normas para a organização da

Atenção Básica19, o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes

Comunitários de Saúde (PACS)20.

Ao adotar a estratégia Saúde da Família visando “[...] à reorganização da

Atenção Básica no país” (BRASIL, 2006, p.20) a PNAB determina que a estratégia

Saúde da Família, que surgiu como um programa (Programa Saúde da Família) em

1994 no Brasil, deva “[...] ter caráter substitutivo em relação à rede de Atenção

Básica tradicional nos territórios em que as Equipes Saúde da Família atuam”

(BRASIL, 2006, p.20). Determina também como competência das secretarias

municipais de saúde, a definição das características, objetivos, metas e mecanismos

de acompanhamento da estratégia Saúde da Família, prevista em seus respectivos

Planos Municipais de Saúde. Além disso, reforça o ente federativo municipal

designando-o “[...] como gestores dos sistemas locais de saúde, [e responsabiliza-

19

A atenção básica é caracterizada pela PNAB “[...] por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde” (BRASIL, 2006, p.10). 20

Ver o trabalho intitulado a trajetória da Atenção Básica em Saúde e do Programa de Saúde da Família no SUS: uma busca de identidade (HEIMANN; MENDONÇA, 2005).

Page 49: Do mundo como norma ao lugar como forma

49

os] pelo cumprimento dos princípios da Atenção Básica, pela organização e

execução das ações em seu território” (BRASIL, 2006, p.12).

Ao descrever que os municípios são gestores dos sistemas locais de saúde

a PNAB indica retomar a idéia de SILOS. Indica também a retomada da idéia de

„território-processo‟ ao referir-se primeiramente a categoria território como sinônimo

de município e, seguidamente, ao definir em seus princípios gerais que o

desenvolvimento da Atenção Básica se dá

[...] por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações (BRASIL, 2006, p.10).

Então, a partir do direcionamento das práticas gerenciais e sanitárias as

populações de territórios bem delimitados, a PNAB retoma peculiarmente a

territorialização do SUS como metodologia característica do processo de trabalho

das equipes de Saúde da Família, cuja norma determina a “[...] definição precisa do

território de atuação, mapeamento e reconhecimento da área adstrita, que

compreenda o segmento populacional determinado, com atualização contínua”

(BRASIL, 2006, p.26, grifos nossos).

O termo “área adstrita”, apontado em nossos grifos, apresenta uma

ambigüidade, pois se refere tanto à circunscrição de uma “UBS com Saúde da

Família” – equivalente ao “Território-Área” proposto por Mendes (1993c) e a “Área

de Abrangência” proposta por Unglert (1993) – como também se refere ao “território

de atuação” das equipes de Saúde da Família.

A “área adstrita” de uma “UBS com Saúde da Família em grandes centros

urbanos” se estabelece normativamente a partir do “[...] parâmetro de uma UBS para

até 12 mil habitantes, localizada dentro do território pelo qual tem responsabilidade

sanitária, garantindo os princípios da Atenção Básica” (BRASIL, 2006, p.18); essas

“UBS com Saúde da Família” redefinem-se como Unidades de Saúde da Família

(USF), compreendidas teoricamente a partir da combinação entre uma tecnoesfera

formada pela UBS com uma psicoesfera formada pelo Programa Saúde da Família

(PSF), lembrando que “a tecnoesfera é o mundo dos objetos, [e] a psicoesfera é a

Page 50: Do mundo como norma ao lugar como forma

50

esfera da ação (SANTOS 2006, p.257). Já a “área adstrita” do “território de atuação”

das equipes de Saúde da Família se estabelece normativamente a partir da

responsabilidade, por equipe, de “[...] no máximo 4.000 habitantes, sendo a média

recomendada de 3.000 habitantes [...]” (BRASIL, 2006, p.24).

Na tentativa de distinguir ambas as “áreas adstritas”, achamos mais

adequado adotar nesse trabalho a terminologia área de abrangência da USF em

substituição a área adstrita de UBS com Saúde da Família, e (sub)área21 de atuação

das equipes de saúde da família em substituição a área adstrita do território de

atuação das equipes de Saúde da Família.

A atual territorialização do SUS, a partir das normas da PNAB, segue as

propostas realizadas por MENDES (1993c) e UNGLERT (1993), com suas devidas

alterações. Abaixo, demonstramos comparativamente as propostas realizadas por

MENDES (1993c); UNGLERT (1993) com as normas da PNAB que atualmente a

territorialização do SUS (QUADRO 2).

QUADRO 2 – Atual Territorialização do SUS: das Propostas à Norma

MENDES (1993c) UNGLERT (1993) PNAB (2006)

Território-Distrito

Distrito Sanitário

Área de abrangência das USF

Território-Área

Área de Abrangência

(Sub)áreas das equipes de Saúde da Família

Território-Microárea

Microárea de Risco

Microáreas de atuação dos ACS

Território-Domicílio

Domicílio

Domicílio – Família(s) – Indivíduo(s)

Percebe-se, comparativamente, que a PNAB não mantém a idéia de Distrito

Sanitário, mas no atual contexto de organização do SUS acabaram adquirindo uma

conotação meramente administrativa.

21

O setor saúde não distingue o termo área, que tanto se utiliza para denominar as áreas de abrangência das unidades de saúde, como para as áreas das equipes de Saúde da Família. Porém, as áreas das equipes são divisões internas das áreas de abrangência, por isso preferimos denominá-las de (sub)áreas.

Page 51: Do mundo como norma ao lugar como forma

51

Há uma ênfase da PNAB nas áreas de abrangência das USF, que

subdividem-se em (sub)áreas das equipes de Saúde da Família (conforme o número

de equipes instaladas em cada USF); é somente a partir dessas (sub)áreas que são

subdivididas as microáreas de atuação dos ACS.

Partindo-se do critério populacional utilizado pela PNAB como a única norma

que define a área de abrangência da USF e suas (sub)áreas de atuação das

equipes de saúde da família, logo, se conclui que cada USF apresenta no máximo 4

equipes de Saúde da Família. Essas equipes apresentam caráter multiprofissional,

“[...] compostas por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem ou

técnico de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde” (BRASIL, 2006, p.24).

Para cada equipe de Saúde da Família exige-se normativamente um “[...]

número de ACS suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um

máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família"

(BRASIL, 2006, p.24). Os ACS têm entre suas atribuições mínimas que “[...]

trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a microárea; [...]

[além de] cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros

atualizados” (BRASIL, 2006, p.43).

Esses agentes se caracterizam como um dos principais responsáveis pelo

processo de trabalho das equipes de Saúde da Família principalmente por

acompanhar “[...] por meio de visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua

responsabilidade” (BRASIL, 2006, p.44); tanto o cadastramento como o

acompanhamento das famílias e indivíduos são realizados de acordo com as

informações sistematizadas pelo Sistema de Informação da Atenção Básica

(SIAB)22.

O SIAB se caracteriza como um elemento normativo fundamental ao atual

estágio do processo de territorialização do SUS, visto que o repasse fundo a fundo23

dos recursos financeiros da estratégia Saúde da Família através do PAB24, mais

22

Segundo o site do Ministério da Saúde, “o Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB, foi implantado em 1998 em substituição ao Sistema de Informação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - SIPACS, pela então Coordenação da Saúde da Comunidade/Secretaria de Assistência à Saúde, hoje Departamento de Atenção Básica/Secretaria de Atenção à Saúde, em conjunto com o Departamento de Informação e Informática do SUS/Datasus/SE, para o acompanhamento das ações e dos resultados das atividades realizadas pelas equipes do Programa Saúde da Família – PSF”. 23

O repasse fundo a fundo dos recursos financeiros da estratégia Saúde significa que o repasse sai do Ministério da Saúde diretamente para os municípios. 24

O Piso da Atenção Básica (PAB) “constitui-se no componente federal para o financiamento da Atenção Básica, sendo composto de uma fração fixa [PAB Fixo] e outra variável [PAB Variável]. O

Page 52: Do mundo como norma ao lugar como forma

52

especificamente, através do PAB variável25, somente se realiza a partir do

cumprimento obrigatório das ações contidas nesse sistema informacional, pois de

acordo com a PNAB

“a efetivação da transferência dos recursos financeiros que compõem os incentivos relacionados ao PAB variável da SF, dos ACS e da SB tem por base os dados de alimentação obrigatória do SIAB, cuja responsabilidade de manutenção e atualização é dos gestores [...] dos municípios (BRASIL, 2006, p. 33).

Nesses termos, o SIAB se estabelece como o instrumento do Ministério da

Saúde responsável por regular os gestores municipais quanto ao cumprimento das

ações determinadas para a estratégia Saúde da Família.

Sendo assim, o SIAB se caracteriza como uma cartilha normativa vertical

imposta aos municípios que implica diretamente na atual dinâmica da regionalização

e da territorialização do SUS, qual seja a territorialização da estratégia Saúde da

Família.

Portanto, é essa variável que inspira o nosso principal questionamento: se

há uma congruência entre a intencionalidade normativa do SIAB e a constituição da

materialidade dos lugares, onde suas informações são produzidas?

Nossa hipótese é aquela de que há um descompasso entre a realidade

como ela é nos lugares e o modo como o território é esquadrinhado pelos agentes

da Estratégia da Saúde da Família.

Essa problemática será melhor compreendida no próximo capítulo, a partir

da análise empírica da territorialização da estratégia Saúde da Família do município

de Natal-RN.

somatório das partes fixa e variável do Piso da Atenção Básica (PAB) comporá o Teto Financeiro do Bloco Atenção Básica conforme estabelecido nas diretrizes dos Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão. Os recursos do Teto Financeiro do Bloco Atenção Básica deverão ser utilizados para financiamento das ações de Atenção Básica descritas nos Planos de Saúde do município e do Distrito Federal” (BRASIL, 2006, p.29). 25

Segundo a PNAB, “para fazer jus ao financiamento específico do PAB variável, [...] os municípios devem aderir às estratégias nacionais: I - Saúde da Família (SF); II - Agentes Comunitários de Saúde (ACS); III - Saúde Bucal (SB); [...]” (BRASIL, 2006, p.32).

Page 53: Do mundo como norma ao lugar como forma

53

4 A TERRITORIALIZAÇÃO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO

MUNICÍPIO DE NATAL-RN

O município de Natal, localizado no estado do Rio Grande do Norte (MAPA

1), se destaca na história recente do SUS como uma das experiências pioneiras de

implantação dos distritos sanitários pela OPAS/OMS no Brasil, a partir de 1990,

tendo por base os conceitos e métodos sistematizados pelo movimento sobre a idéia

do Distritos Sanitário como o processo social de mudança das práticas sanitárias do

Sistema Único de Saúde.

Essa experiência se processa a partir de 1987, quando foi firmado um

convênio de cooperação técnica entre a recém formada Secretaria Municipal de

Saúde (SMS) e a OPAS/OMS, sob a coordenação da Secretaria de Estado da

Saúde Pública, com o objetivo de orientar a política institucional da SMS.

Ao longo dos dois anos seguintes, foi realizada uma série de consultorias

focadas em áreas específicas, como: “organização e estruturação do Sistema

Municipal de Saúde, modelo assistencial com ênfase na Vigilância à saúde, Sistema

de Informações em saúde e Territorialização” (NATAL, 2007, p.11, grifos nossos).

Essas consultorias resultaram em propostas apresentadas num Seminário de

Avaliação da Política Municipal de Saúde, em janeiro de 1989.

Em 1991, com a promulgação da Lei Municipal Nº 4.008/91, a SMS

modificou sua estrutura organizacional passando a ser operacionalizada pelas

denominadas “Unidades de Coordenação e Execução Regional” que apresentavam

quatro coordenadorias: Distrito Sanitário Norte, Distrito Sanitário Sul, Distrito

Sanitário Leste e Distrito Sanitário Oeste.

Essa lei foi o primeiro elemento normativo de concretização efetiva da

territorialização do SUS no município de Natal, em que ressaltamos a pista

metodológica sobre a implantação dos distritos sanitários conforme a proposta

elaborada por Unglert (1993), qual seja, seguir as Regiões político-administrativas

municipais como princípio de esquadrinhamento territorial (MAPA 2). Essa

configuração inicial foi alterada em 2005, após a SMS subdividir o Distrito Sanitário

Norte em Distrito Norte I e Distrito Norte II (MAPA 3)26.

26

O Mapa 3 representa a atual configuração dos distritos sanitários e a localização da SMS.

Page 54: Do mundo como norma ao lugar como forma

54

MAPA 1 – Localização do Município de Natal-RN

Page 55: Do mundo como norma ao lugar como forma

55

MAPA 2 – Regiões Político-administrativas

Page 56: Do mundo como norma ao lugar como forma

56

MAPA 3 – Distritos Sanitários do Município de Natal-RN

Page 57: Do mundo como norma ao lugar como forma

57

Embora a SMS tenha priorizado os distritos equivalentes à Região político-

administrativa Norte, destaca-se o Distrito Sanitário Oeste (DSO), pois em seu

contexto há um processo de pioneirismos referentes à atenção primária a saúde

devido a pauperização de sua população, e também, por atualmente se consolidar

como o distrito mais desenvolvido, quanto à estratégia Saúde da Família no

município de Natal.

Entre os anos de 1978 e 1982 (durante a gestão do então Prefeito José

Agripino Maia), onde hoje se localiza o atual recorte do DSO, foi desenvolvido um

programa original de assistência primária à saúde executado pelo Projeto Hope

conjuntamente com o Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte (UFRN) que tinha como objetivo “[...] elevar o nível de saúde

da comunidade pela adoção de um modelo de assistência de baixo custo” (SANTOS

FILHO, 2002, p.64)27.

Subseqüentemente28, o programa Médico da Família passou a ser

desenvolvido também nesse distrito tendo como princípios: “[...] a correlação da

clientela do serviço e das famílias ao médico; a atuação de equipe multiprofissional,

em tempo integral, em atividades dentro e fora da unidade de saúde; e a

participação da comunidade” (SANTOS FILHO, 2002, p.65).

A organização do programa médico da família em Natal, segundo ROCHA

(2000), teve como base a experiência de Cuba e se caracterizou como uma das

experiências pioneiras no Brasil, desenvolvendo-se sob a forma de projeto piloto,

objetivando principalmente superar as dicotomias e a verticalidade dos programas

de saúde e reorientar o modelo de atenção à saúde. O referido programa médico

teve seu término no final da gestão do prefeito Marcos Formiga, em 1986.

Embora ambos os programas não tenham obtido sucesso, suas

características inovadoras promoveram principalmente uma inter-relação entre as

comunidades e os profissionais dos serviços de saúde.

27

A execução desse programa se deu especificamente nas unidades de saúde dos bairros de Cidade Nova e Felipe Camarão. Segundo SANTOS FILHO (2002, p.64), “a participação da comunidade se dava através da atuação da associação de saúde, congregando pessoas voluntárias que mediante treinamento e supervisão, desenvolviam ações de educação para saúde nos domicílios. Cada promotor, como eram chamados, dava cobertura a uma média de 75 a 100 famílias, e se projetava como elo de ligação entre a unidade de saúde do bairro e a comunidade, como também representava o setor saúde”. 28

Em 1982, José Agripino Maia foi eleito governador do estado do Rio Grande do Norte, passando o cargo de prefeito de Natal para Marcos Formiga.

Page 58: Do mundo como norma ao lugar como forma

58

Em 1994, logo após o início da efetiva operacionalização administrativa do

DSO, com a fundação de seu prédio localizado no bairro Nª. Sra. do Nazaré, se

principiou a implantação pioneira em Natal do Programa de Agentes Comunitários

de Saúde (PACS). Daí começou a se esboçar o esquadrinhamento das áreas de

abrangência das UBS preexistentes do DSO por microáreas de atuação dos ACS.

Esses agentes foram os responsáveis iniciais pela adscrição de clientela.

Em 1998, o PACS foi incorporado ao Programa Saúde da Família (PSF),

cuja implantação em Natal também se deu pioneiramente no DSO, especificamente

nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Felipe Camarão, Cidade Nova e

Guarapes. Dessas experiências iniciais, o PSF foi difundido pelas UBS distribuídas

nos demais distritos sanitários do município de Natal.

Em 2006, a Secretaria Municipal de Saúde de Natal em consonância com

Pacto pela Saúde, mais especificamente com a Política Nacional de Atenção Básica

(PNAB), elaborou seu Plano Municipal de Saúde (PMS) para o período

compreendido entre os anos de 2006 a 2009, o qual apresentou como uma das

prioridades de gestão “consolidar e qualificar a estratégia do Programa Saúde da

Família como modelo de atenção básica” (NATAL, 2006d, p.15, grifos do autor).

Para consolidar a estratégia Saúde da Família, a SMS de Natal teve que se

adequar as normas vigentes da PNAB que define os seguintes itens:

[...] a) território a ser coberto, com estimativa da população residente, definição do número de equipes que deverão atuar e com o mapeamento das áreas e micro-áreas; b) infra-estrutura incluindo área física, equipamentos e materiais disponíveis nas UBS onde atuarão as equipes, explicitando o número e o local das unidades onde irão atuar cada uma das equipes; c) ações a serem desenvolvidas pelas equipes no âmbito da Atenção Básica, especialmente nas áreas prioritárias definidas no âmbito nacional; d) processo de gerenciamento e supervisão do trabalho das equipes; e) forma de recrutamento, seleção e contratação dos profissionais das equipes, contemplando o cumprimento da carga horária de 40 horas semanais; f) implantação do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), incluindo recursos humanos e materiais para operá-lo; g) processo de avaliação do trabalho das equipes, da forma de acompanhamento do Pacto dos Indicadores da Atenção Básica e da utilização dos dados dos sistemas nacionais de informação; h) a contrapartida de recursos do município e do Distrito Federal” (BRASIL, 2006, p.27-28, grifos nossos).

Page 59: Do mundo como norma ao lugar como forma

59

Conforme o primeiro item, destacado por nossos grifos, a diretriz de

aprimoramento e qualificação da atenção básica do PMS de Natal (2006-2009)

determinou como meta: “[...] realizar estudo de territorialização em 100% das

unidades de saúde da família” (Natal, 2006d, p.46, grifo nosso).

Nesses termos, a territorialização é somente considerada pelo PMS de Natal

(2006-2009) como inerente às Unidades de Saúde da Família (USF), definidas

como:

Unidade[s] pública[s] ESPECÍFICA[S] para prestação de assistência em atenção contínua programada nas especialidades básicas e com equipe multidisciplinar para desenvolver atividades que atendam as diretrizes da Estratégia Saúde da Família – ESF, do Ministério da Saúde (NATAL, 2007, p.19).

Entretanto, se considerarmos que a materialidade é uma condição e um

convite às ações (SANTOS, 2006) e que a USF surge da combinação entre a

materialidade de uma Unidade Básica de Saúde com as ações do Programa Saúde

da Família, então, a priori, se faz necessário analisar a configuração territorial29, ou

melhor, a materialidade das Unidades Básicas de Saúde do município de Natal.

A TABELA 1 demonstra uma tipologia com a atual quantidade de UBS

distribuídas por Distritos Sanitários.

TABELA 1 – Tipologia das UBS por Distritos Sanitários do Município de Natal-RN

TIPOLOGIA DAS UBS DISTRITO SANITÁRIO

Norte I Norte II Sul Leste Oeste TOTAL

UBS c/ equipe(s) de Saúde da Família (USF)

11 9 1 3 11 35

UBS c/ equipe(s) de ACS 1 2 4 2 2 11

UBS s/ nenhum tipo de equipe(s) da estratégia Saúde da Família

2 2 4 6 0 14

TOTAL Unidades Básicas de Saúde (UBS)

14 13 9 11 13 60

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Natal, 2008.

29

Segundo Milton Santos (2006, p.62), a configuração territorial apresenta “[...] é dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos que os homens superimpuseram a esses sistemas”.

Page 60: Do mundo como norma ao lugar como forma

60

Através desses dados, nota-se que o município de Natal apresenta 35 USF,

mas se somarmos às 11 UBS com equipe(s) de ACS, o município de Natal

apresenta 46 UBS com algum tipo de equipe(s) da estratégia Saúde da Família.

Destaca-se o Distrito Sanitário Oeste (DSO) como o único a apresentar a

estratégia Saúde da Família em todas as UBS de sua responsabilidade, perfazendo,

assim, uma quantidade de 13 UBS com algum tipo de equipe(s) da estratégia Saúde

da Família.

Por isso, também, o DSO é considerado pelos gestores como o mais

consolidado distrito em termos de desenvolvimento da estratégia Saúde da Família,

conforme entrevista realizada com a responsável pela recém formada “Coordenação

da Estratégia da Saúde da Família” da Secretaria Municipal de Saúde de Natal30.

Além disso, ela confirmou que o planejamento da expansão da estratégia Saúde da

Família para as UBS do município, a partir de 2010, irá priorizar a implantação

completa do PSF nas UBS que já apresentam equipe(s) de ACS; ao mesmo tempo,

tentará implantar equipe(s) de ACS nas UBS sem nenhum tipo de equipe(s) da

estratégia Saúde da Família31.

Perseguindo a meta do PMS de Natal (2006-2009) de se estudar a

territorialização em 100% das USF do município, a SMS realizou o mapeamento da

delimitação dos “territórios cobertos” pela estratégia Saúde da Família, que além de

mapear a delimitação das áreas de abrangência das USF também mapeou a

delimitação das áreas de abrangência das UBS com equipe(s) de ACS.

Esse mapeamento representa um primeiro passo para compreendermos a

topologia da territorialização da estratégia Saúde da Família no município de Natal

(MAPA 4).

30

Ver organograma atual da SMS de Natal (ANEXO A). 31

Esse procedimento está de acordo com a previsão da PNAB quanto “[...] a implantação da estratégia de Agentes Comunitários de Saúde nas Unidades Básicas de Saúde como uma possibilidade para a reorganização inicial da Atenção Básica” (BRASIL, 2006, p.25). Para tanto, é exigido normativamente os seguintes itens necessários: “I - a existência de uma Unidade Básica de Saúde, inscrita no Cadastro Geral de estabelecimentos de saúde do Ministério da Saúde, de referência para os ACS e o enfermeiro supervisor; II - a existência de um enfermeiro para até 30 ACS, o que constitui uma equipe de ACS; III - o cumprimento da carga horária de 40 horas semanais dedicadas à equipe de ACS pelo enfermeiro supervisor e pelos ACS; IV - definição das microareas sob responsabilidade de cada ACS, cuja população não deve ser superior a 750 pessoas; e V - o exercício da profissão de Agente Comunitário de Saúde regulamentado pela Lei nº 10.507/2002” (BRASIL, 2006, p.25-26).

Page 61: Do mundo como norma ao lugar como forma

61

MAPA 4 – Áreas da Estratégia Saúde da Família de Natal

Page 62: Do mundo como norma ao lugar como forma

62

O mapa das “Áreas da Estratégia Saúde da Família” evidencia claramente a

cobertura pontual do PSF, no município de Natal. Esse mapa faz parte do

documento lançado pela SMS em outubro de 2009, intitulado Mapas das Unidades

de Saúde de Natal/RN: áreas de abrangência das Unidades Básicas de Saúde,

Estratégia Saúde da Família (NATAL, 2009a), cujo conteúdo apresenta o

esquadrinhamento das áreas de abrangência, sem, no entanto, apresentar o

esquadrinhamento das (sub)áreas das equipes de Saúde da Família e microáreas

de atuação do ACS.

Esse documento foi elaborado pelo Núcleo de Geoprocessamento do Setor

de Vigilância Ambiental do Departamento de Vigilância à Saúde da SMS, com base

na regulamentação da Portaria Nº 0058/2008-GS/SMS de 10 de abril de 2008 que

define as áreas de abrangência das USF e com base na regulamentação da Portaria

Nº 0059/2008-GS/SMS de mesma data, 10 de abril de 2008, que, por sua vez,

define as áreas de atuação das equipes de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e

suas UBS de referência. Ambas as portarias foram publicadas no Diário Oficial do

Município do dia 25 de junho de 2008.

Através do MAPA 4 se percebe que a delimitação das áreas de abrangência

das USF e UBS com equipe(s) de ACS se estabelecendo independentemente das

linhas político-administrativos dos bairros (considerados como as menores unidades

político-administrativas municipais), mas, mesmo assim, esse mapa das áreas da

estratégia Saúde da Família de Natal ainda conserva a representação dessas linhas.

Consideramos, porém, que as linhas dos bairros são apenas obstáculos

representativos à territorialização da estratégia Saúde da Família, pois, pelo menos

no caso de Natal, o bairro não condiz com a pista metodológica da territorialização,

tal como propôs Unglert (1993).

Na tentativa de delimitar analiticamente a territorialização da estratégia

Saúde da Família do município de Natal, adotamos o Distrito Sanitário Oeste como

recorte metodológico, representado cartograficamente a seguir, através do MAPA 5.

Page 63: Do mundo como norma ao lugar como forma

63

MAPA 5 – Áreas da Estratégia Saúde da Família do DSO

Ao observar detalhadamente a legenda do mapa das “Áreas da Estratégia

Saúde da Família do DSO”, logo constata-se que a USF do Planalto, mesmo

localizanda dentro da circunscrição do DSO, está conjunturalmente sob a gerência

do Distrito Sanitário Sul, ou seja, a informação quantitativa tratada anteriormente de

que o DSO contabiliza apenas 11 USF é relativa, pois apresenta na verdade 12 USF

em sua circunscrição. Esse fato aponta para a importância da cartografia como

instrumento qualificador das informações quantitativas.

No entanto, a cartografia é subutilizada pelos gestores municipais, sendo

sempre preterida à utilização dos dados quantitativos. Exemplo disso ocorre com a

sede administrativa do Distrito Sanitário Oeste (Sede do DSO) que desempenha,

principalmente, a mediação administrativa entre às unidades de saúde sob sua

responsabilidade e a SMS.

Ao visitarmos a Sede do DSO, entrevistamos a equipe de Supervisão

Territorial32, cuja função é regular, especificamente, as ações realizadas nas 11 USF

32

Ver organograma atual da Sede do DSO (ANEXO A).

Page 64: Do mundo como norma ao lugar como forma

64

do Distrito Sanitário Oeste, as quais compõem, segundo seus integrantes, a

“territorialização da saúde”.

A propósito da “territorialização da saúde”, questionamos se era de

conhecimento da equipe de Supervisão Territorial do DSO o documento realizado

pela SMS que mapeia a delimitação das áreas de abrangência da estratégia Saúde

da Família no município de Natal. Após demonstrar desconhecimento sobre o

referido documento, a equipe de Supervisão Territorial apresentou o único “mapa”

da sede administrativa, intitulado por eles de MAPA DO DSO (FIGURA 1).

FIGURA 1 – “Mapa do DSO”

S E D E D O D I S T R I T O

S A N I T A R I O O E S T E

S A Ú D E D A F A M Í L I A

P R O N T O

A T E N D I M E N T O

U N I D A D E B Á S I C A D E

S A Ú D E

O D O N T O L O G I A

E S P E C I A L I Z A D A

S A Ú D E M E N T A L

M A T E R N I D A D E

S E D E D O D I S T R I T O

S A N I T A R I O O E S T E

S A Ú D E D A F A M Í L I A

P R O N T O

A T E N D I M E N T O

U N I D A D E B Á S I C A D E

S A Ú D E

O D O N T O L O G I A

E S P E C I A L I Z A D A

S A Ú D E M E N T A L

M A T E R N I D A D E

Page 65: Do mundo como norma ao lugar como forma

65

Esse mapa foi produzido, com muito esforço, por um dos funcionários da

Sede do DSO que, apesar de considerar o mapa como um importante instrumento

de operacionalização administrativa, reconheceu as limitações do “Mapa do DSO”,

embora reconheçamos a riqueza de detalhes oferecida pela simbologia dessa

cartografia na tentativa de representar topologicamente os serviços prestados pelo

Distrito Sanitário Oeste.

Assim, constatamos que a Sede do DSO não tem qualquer tipo de

representação cartográfica que demonstre, pelo menos, a delimitação das áreas de

abrangência das 11 USF, cuja responsabilidade diz respeito à equipe de Supervisão

Territorial.

Ora, mas como pode uma equipe de supervisão “territorial” não apresentar

ao menos um esboço cartográfico das áreas de abrangência das USF sob sua

responsabilidade? Essa indagação reflete uma das várias limitações de gestão do

setor saúde, e mais especificamente da ESF, que não atende, ou não entende a

importância do preciso mapeamento das áreas de abrangência das USF com suas

respectivas (sub)áreas de atuação das equipes de Saúde da Família e microáras de

atuação das equipes de ACS.

Na tentativa de compreender a territorialização das 11 USF do DSO,

realizamos uma visita de campo, onde procuramos verificar as atuais estruturas de

esquadrinhamento dessas unidades de saúde a partir de entrevistas com diretores,

administradores e integrantes das equipes de Saúde da Família.

Abaixo, apresentamos o mapeamento georreferenciado, tanto da localização

das 11 USF visitadas (MAPA 7) como de suas respectivas áreas de abrangência

(MAPA 8), cuja delimitação foi realizada como base nos arruamentos dos mapas

(croquis) publicados no Diário Oficial do Município de Natal do dia 25 de junho de

2008.

Page 66: Do mundo como norma ao lugar como forma

66

MAPA 6 – Unidades de Saúde da Família do DSO

Page 67: Do mundo como norma ao lugar como forma

67

MAPA 7 – Áreas de Abrangência das USF do DSO

Page 68: Do mundo como norma ao lugar como forma

68

A delimitação das áreas de abrangência das USF do DSO sobrepostas, ao

recorte da fotografia aérea do município de Natal, nos permite perceber que ainda

há diversas áreas não cobertas pelo PSF no Distrito Oeste; lembremos que esse

distrito é considerado pelos gestores da SMS o mais consolidado e desenvolvido

quanto à estratégia Saúde da Família.

Esse tipo de mapeamento, utilizando as ferramentas do geoprocessamento

e da cartografia digital, mostra ser um instrumento essencial para o planejamento da

expansão da estratégia Saúde da Família, se a expectativa é universalizá-la,

atendendo as pessoas desassistidas por seus serviços, denominadas popularmente

de “usuários fora de área”.

Em visita as 11 USF do Distrito Oeste, verificamos algumas das informações

contidas no relatório anual de 2009 da Sede do DSO, no que tange as dificuldades

do trabalho no “nível local”, consideradas como “pontos de estrangulamento”, tais

quais: estrutura física precária (reclamação maior de todos os entrevistados,

inclusive os “usuários” dos serviços de saúde); deficiência de equipamentos e

materiais de consumo e permanente; e limitações quanto à gestão de pessoas que,

de acordo com o relatório, há a necessidade de profissionais para completar as

equipes da estratégia Saúde da Família, pois das 40 equipes do distrito, 27 estão

incompletas e somente 13 completas (NATAL, 2009b). Somado a essas limitações

referentes à gestão de pessoas, ainda verificamos que muitos profissionais estão de

licença, férias e/ou afastamento, o que dificulta o processo de trabalho nessas

unidades de saúde.

Verificamos que as áreas de abrangência das 11 USF visitadas apresentam

uma territorialização conforme o esquadrinhamento atual da estratégia Saúde da

Família, qual seja a delimitação das (sub)áreas das equipes de Saúde da Família e

das microáreas de atuação dos ACS. Também constatamos que as coordenadoras

das equipes de Saúde da Família (enfermeiras em sua maioria mulheres) tentam

fazer o processo de trabalho com base em representações cartográficas que tenha

minimamente os arruamentos, mas nem sempre essas cartografias são as mais

adequadas33.

33

Registramos fotograficamente as formas cartográficas utilizadas pelas diversas equipes de Saúde da Família das USF visitadas (ver APÊNDICE A). Advertimos, porém, que as USF de Felipe Camarão III e Guarapes, informaram que detinham “mapas” referentes ao esquadrinhamento de suas áreas de abrangência, mas não foi possível registrá-los. A USF de Nova Cidade não detém nenhum tipo de representação cartográfica.

Page 69: Do mundo como norma ao lugar como forma

69

Atualmente, a USF de Nova Cidade é a única em que as equipes de Saúde

da Família não apresentam nenhum tipo de representação cartográfica34. Porém, em

2007, ao realizarmos o campo do nosso trabalho monográfico intitulado Arranjo

espacial e saúde: estudo de caso de Nova Cidade, Natal-RN (ARANHA, 2007),

registramos fotograficamente uma maquete produzida pelos ACS que representava

a topografia da área de abrangência da USF de Nova Cidade (Fotografia 1).

Fotografia 01 – Maquete de Nova Cidade produzida pelos ACS

Foto: Pablo Aranha, 2007.

O mais interessante nessa maquete35 é a representação topográfica do que

a comunidade chama de “Morro”, parte mais alta que corresponde atualmente a uma

microárea peculiar, por haver a atuação de todos os ACS da USF de Nova Cidade

atuam. Sem um ACS fixo, o Morro se caracteriza como uma microárea mista.

Metodologicamente, daqui para frente enfocaremos nossa análise na

configuração do esquadrinhamento da área de abrangência da USF de Nova

Cidade, a partir da representação cartográfica realizada pela Prof.ª Nazaré do

34

Se nos reportarmos ao “Mapa do DSO” (FIGURA 1), curiosamente iremos notar que a USF de Nova Cidade não é representada pelo símbolo “Saúde da Família”, conforme a legenda. Outra curiosidade, é que no MAPA 7 realçamos a área de abrangência da USF de Nova Cidade, cuja localização está destacada por sua legenda. 35

Infelizmente, a maquete da USF de Nova Cidade não existe mais por falta de cuidados.

Page 70: Do mundo como norma ao lugar como forma

70

Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN) com a ajuda de alguns ACS (ver ANEXO B).

Percebe-se que essa representação cartográfica, diferentemente do que

vínhamos considerando, atribui a denominação Área (“Área 12” e “Área 13”) para as

(sub)áreas das equipes de Saúde da Família36 e, atribui a denominação Sub-áreas

(“Sub-Áreas por Agente Comunitário de Saúde”) para as microáreas de atuação dos

ACS. Além disso, ela não demonstra claramente as (sub)áreas das equipes de

Saúde da Família e também não relaciona as microáreas de atuação dos ACS com

suas respectivas (sub)áreas. Contudo, é possível notar que há uma confusa

definição das microáreas de atuação dos ACS; algumas delas sequer apresentam

contigüidade geométrica.

Com base nessa representação cartográfica, realizamos um mapeamento

que melhor detalha o esquadrinhamento da área de abrangência da USF de Nova

Cidade. Mais uma vez, utilizando a cartografia digital como instrumental técnico

delimitamos a área de abrangência da USF de Nova Cidade, representada pelo

MAPA 8. Na seqüência, delimitamos as (sub)áreas das equipes de Saúde,

representadas pelo MAPA 9 e, ainda delimitamos, no MAPA 10, as microáreas de

atuação dos ACS, cuja legenda apresenta um quadro com a classificação dos ACS

por (sub)áreas correspondente as suas equipes de Saúde da Família, conforme o

organograma da USF de Nova Cidade37.

36

A USF de Nova Cidade apresenta duas equipes de Saúde da Família, cuja numeração 12 e 13 representa o número de inscrição da equipe na SMS do município de Natal. Assim sendo, as (sub)áreas dessas equipes são classificadas por esse número de inscrição. 37

Ver o atual organograma da USF de Nova Cidade no ANEXO A.

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71

MAPA 8 – Área de Abrangência da USF de Nova Cidade

Page 72: Do mundo como norma ao lugar como forma

72

MAPA 9 – (Sub)áreas das equipes de Saúde da Família da USF de Nova Cidade

Page 73: Do mundo como norma ao lugar como forma

73

MAPA 10 – Microáreas de atuação doas ACS da USF de Nova Cidade

Page 74: Do mundo como norma ao lugar como forma

74

Interessante discussão poderia ser feita a partir da compreensão dos

critérios estabelecidos para a delimitação dessas microáreas, provavelmente entre o

final de 1994 e início de 1995 durante a implantação do PACS na atual USF de Nova

Cidade, mas, por falta de informações sobre esse processo, não é possível

fazermos tal discussão.

A discussão central, portanto, é sobre a função dessas microáreas, que é de

delimitar a atuação dos ACS. Eles atuam, na microárea, realizando visitas

domiciliares seguindo, principalmente, as demandas estabelecidas pelo SIAB38.

A primeira demanda do SIAB, diz respeito à adscrição de clientela. Ao visitar

o domicílio pela primeira vez, cada ACS faz o preenchimento do “Cadastro da

Família” através da FICHA A39, partindo da numeração específica da família

cadastrada, identificando em seguida as pessoas integrantes com nome, data de

nascimento, idade, sexo, se alfabetizadas ou não e ocupação. Essas “pessoas” são

classificadas por “pessoas com 15 anos e mais” ou por “pessoas de 0 a 14 anos”.

Caso uma dessas pessoas apresente alguma “doença referida”, imediatamente o

ACS a identificada, demarcando em seu cadastro a sigla representativa da

patologia, como: ALC – Alcoolismo, CHA – Chagas, DEF – Deficiência, DIA –

Diabetes, EPL – Epilepsia, HA – Hipertensão Arterial, TB – Tuberculose, HAN –

Hanseníase, MAL – Malária; e ainda, a sigla da “condição referida” GES – Gestação.

No verso da FICHA A, o ACS ainda preenche as informações sobre a “situação de

moradia e saneamento” como o tipo de casa, destino do lixo, tratamento da água no

domicílio, abastecimento de água e destino de fezes e urina; além de “outras

informações” como, por exemplo, se as “pessoas” possuem, ou não, plano de

saúde.

Após o cadastramento das famílias e a coleta das informações iniciais da

FICHA A, o ACS passa a visitar uma vez por mês os domicílios pertencentes a sua

microárea de atuação, fazendo o acompanhamento das “pessoas” referidas (por

doenças e/ou condição) através da FICHA B que corresponde, por exemplo, as

informações da doença referida Diabetes (FICHA B – DIA), ou a condição referida

Gestação (FICHA B – GES)40.

38

Vimos no capítulo anterior que a “alimentação obrigatória” do SIAB é uma exigência normativa do Ministério da Saúde à efetiva transferência dos recursos financeiros da estratégia Saúde da Família para os municípios. 39

Ver modelo da FICHA A (ANEXO C). 40

Ver modelos da FICHA B – DIA e da FICHA B – GES (ANEXO C).

Page 75: Do mundo como norma ao lugar como forma

75

Além disso, nas visitas domiciliares mensais, os ACS também coletam

informações, cuja sistematização realizada pela coordenadora responsável por sua

equipe, é detalhada pelo “Relatório da Situação de Saúde e Acompanhamento das

Famílias na [Sub]Área/Equipe” – Relatório SSA241.

Diante do exposto, destacamos aquelas informações produzidas e contidas

na FICHA A, para tentar esclarecer, por essa variável, os fluxos das informações do

SIAB.

O ACS após cadastrar as famílias que residem nos domicílios pertencentes

a sua microárea de atuação, realiza um somatório das informações contidas em

todas as suas – FICHA A. Daí há um primeiro fluxo, interno à equipe de Saúde da

Família, quando os ACS passam os somatórios de suas microáreas, para a

enfermeira coordenadora responsável por sua equipe de Saúde da Família.

A coordenadora, então, faz um somatório dos somatórios das microáreas

dos ACS pertencentes a sua equipe, e sistematiza e atualiza essas informações

através do “Consolidado Anual das Famílias Cadastradas por [Sub]Área” –

Relatório A242. Esse relatório dá a média estatística da (sub)área da equipe de

Saúde da Família. Seu preenchimento é realizado manualmente (relatórios

manuscritos), no caso do município de Natal, e contém as informações quantificadas

relativas à FICHA A de todas as pessoas cadastradas na circunscrição da (sub)área.

Depois disso, o Relatório A2 perpassa por um segundo fluxo, interno a

Unidade de Saúde da Família. Para tanto, consideremos o caso da USF de Nova

Cidade como exemplo explicativo. Assim, a equipe 12 e a equipe 13 passam seus

respectivos Relatórios A2, ainda manuscritos, para a direção da USF. Daí se inicia

um terceiro fluxo, que intitulamos de fluxo administrativo municipal do SIAB. A

direção da USF de Nova Cidade passa via “motoqueiro” os Relatórios A2, que

equivalem às (sub)áreas das equipes 12 e 13, para a sede administrativa do Distrito

Oeste que, por sua vez, os compila e passa seguidamente, também via “motoqueiro”

ou “motorista”, para a Secretaria Municipal de Saúde.

Logo abaixo, a Fotografia 01 demonstra a fachada do prédio da Sede do

Distrito Oeste e a moto utilizada para perfazer esse fluxo administrativo municipal do

SIAB, referente a circunscrição do DSO.

41

Ver modelo do Relatório SSA2 (ANEXO C). 42

Ver modelo do Relatório A2 (ANEXO C).

Page 76: Do mundo como norma ao lugar como forma

76

Fotografia 02 – Sede do Distrito Oeste

Foto: Pablo Aranha, 2009.

A seguir, o MAPA 11, demonstra o fluxo administrativo municipal do SIAB

gerado a partir da diretoria da USF de Nova Cidade, que por fim chega à Secretaria

Municipal de Saúde de Natal.

As informações do SIAB como o Relatório A2, por exemplo, produzidas por

todas as equipes de Saúde da Família das USF do município de Natal, somente ao

chegar à Secretaria Municipal de Saúde é que são digitalizados. Frisamos que a

digitalização das informações do SIAB produzidas pelas equipes de Saúde da

Família do município de Natal fica a cargo exclusivo da SMS, que após digitalizá-las,

atualmente as envia, pela internet, diretamente ao Ministério da Saúde43.

Com isso, a SMS cumpre normativamente a exigência da “alimentação

obrigatória” do SIAB e garante a efetivação da transferência federal dos recursos

financeiros da estratégia Saúde da Família para o município de Natal.

43

Antes, as informações do SIAB produzidas pelos municípios eram primeiramente repassadas para a Secretaria Estadual de Saúde que, por sua vez, as repassava para o Ministério da Saúde.

Page 77: Do mundo como norma ao lugar como forma

77

MAPA 11 – Fluxo Administrativo Municipal do SIAB

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78

Se analisarmos o “Consolidado das Famílias Cadastradas, no Município de

Nata, do ano de 2008” (ver ANEXO D), cujo resultado é o somatório dos Relatórios

A2 produzidos por todas as equipes de Saúde da Família distribuídas pelas USF dos

cinco distritos sanitários do município, se obtém a informação de que o total do

“número de pessoas” cadastradas em Natal é de 57.900.

Se questionarmos em que condições vivem essas pessoas, porém, os dados

quantitativos contidos nesse mesmo consolidado são meras abstrações estatísticas,

logo, nem os dados estatísticos de cunho preventista baseados em critérios

demográficos, nem os dados sobre a situação de moradia e saneamento dos

domicílios que abrigam as famílias cadastradas, são suficientes para sabermos a

real condição dos lugares onde esses dados foram produzidos, pois enquanto

médias estatísticas não traduzem as particularidades de cada área de abrangência

das USF municipais.

Contudo, se desagregarmos essas informações até o seu nível máximo,

poderíamos, então saber sobre as condições em que vivem as pessoas cadastradas

pela Saúde da Família lá onde elas vivem?

Para tanto, consideremos a desagregação de alguns desses dados referidos

acima, para obtermos informações sobre a condição que vive as pessoas

cadastradas na área de abrangência da USF de Nova Cidade (ver TABELA 2).

TABELA 2 – Dados do Consolidado Anual das Famílias Cadastradas por (sub)área das equipes de Saúde da Família da USF de Nova Cidade, 2007

DADOS POPULACIONAIS (Sub)área 12 (Sub)área 13 Total

Famílias cadastradas 915 968 1883

Pessoas cadastradas 3222 3528 6750

TIPO DE CASA

Tijolo/adobe 906 967 1873

Material Aproveitado 9 1 10

DESTINO DO LIXO

Coletado 879 955 1834

Queimado / enterrado 3 5 8

Céu aberto 33 8 41

DESTINO DE FEZES/URINA

Sistema de esgoto (rede geral) 425 483 908

Fossa 490 484 974

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79

Céu aberto - 1 1

ÁGUA UTILIZADA

Rede pública 910 968 1878

Poço ou nascente - - -

Outros 5 - 5

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde (SMS) *Tabela adaptada a partir das informações do SIAB

As variáveis priorizadas obedecem aos dados do SIAB sobre a situação de

moradia e saneamento da área de abrangência da USF de Nova Cidade, as quais

tentamos correlacioná-las ao número de famílias e pessoas cadastradas pelas

(sub)área das equipes 12 e 13.

Esses dados expressam o nível máximo de desagregação das informações

que podemos obter através do SIAB. Porém, percebe-se que mesmo chegando a

desagregação máxima, que corresponde as (sub)áreas das equipes de Saúde da

Família, ainda assim, os dados manifestam o lugar enquanto médias estatísticas,

fazendo com que não obtenhamos as reais informações sobre as pessoas

cadastradas e, principalmente, o onde que elas vivem.

As verdadeiras informações do SIAB são aquelas produzidas pelos ACS em

suas microáreas de atuação, que são perdidas, pois se transformam em médias

estatísticas, ou seja, se tornam dados a-espacias.

Mas a partir da entrevista realizada na USF de Nova Cidade com a então

coordenadora Patrícia da “equipe 12” e o ACS José responsável pela microárea 1 da

“equipe 13”, pudemos verificar que essas informações produzidas pelos ACS não

são perdidas completamente, são apenas sub-utilizadas, pois o relato de ambos

demonstrou que após o preenchimento dos relatórios pela enfermeira coordenadora

da equipe de Saúde da Família, o ACS faz uma espécie de arquivo pessoal de suas

“fichas manuscritas”, como por exemplo a FICHA A, cujas informações têm a

possibilidade de serem transformadas em ferramentas de intervenção ou de

planejamento no nível local.

Planejamento que, aliás, sofre limitações, pois as respostas que obtivemos

da entrevista realizada com a diretora da USF de Nova Cidade, Alba Cristina, em

que constatamos a impossibilidade de se realizar um planejamento adequado no

nível local, pois as atuais condições de trabalho, sejam infra-estruturais ou de

recursos humanos, são escassas e, muitas vezes, limitadas. Segundo a diretora o

Page 80: Do mundo como norma ao lugar como forma

80

que existe mesmo é uma programação da unidade para atender as demandas

impostas, e supervisionadas, pela SMS de Natal.

Mas ainda há uma demanda maior, que é a própria comunidade de Nova

Cidade, cujas carências, das pessoas quanto às condições mínimas de existência,

faz com que intensifique a procura pelos serviços da unidade de saúde da família, e

assim, os profissionais de saúde se tornam o alento, e ao mesmo tempo, o alvo das

reclamações dos tantos problemas não solucionados da comunidade, pois eles

sabem que têm direitos, mas não sabem decodificá-los.

Contudo, o que é essa comunidade? Nova Cidade, afinal, é uma área de

abrangência ou uma comunidade?

Na verdade, Nova Cidade é ambas as coisas, ao mesmo tempo. Nova

Cidade é uma área de abrangência e uma comunidade.

Até aqui, temos somente as informações de Nova Cidade como área de

abrangência, que é um lugar, mas um lugar cuja existência se dá através da coesão

estabelecida pelo setor saúde.

Entretanto, o que queremos saber é sobre Nova Cidade por outro ponto de

vista, Nova Cidade como um lugar visto não de fora para dentro, mas sim de dentro

para fora, cuja existência é forjada pela coesão estabelecida pela comunidade

através de sua densidade comunicacional44.

Mas os únicos a participar da “realidade vivida, do entorno comum”, nos

termos de Milton Santos, os únicos a participarem da comunhão entre a coesão

estabelecida pelo setor saúde e a coesão estabelecida pela comunidade são os

Agentes Comunitários de Saúde, os quais, além de produzir e ter a posse das

verdadeiras informações do SIAB, são eles que têm o conhecimento sobre o lugar

onde atuam, sobretudo porque é esse o lugar onde habitam, onde vivem, onde

moram.

Nesse sentido, José (ACS responsável pela microárea 1 da equipe 13), já

citado anteriormente na entrevista realizada conjuntamente com a enfermeira

Patrícia, contribuiu para desenvolvermos uma metodologia de análise por meio das

formas geográficas do lugar, através das quais pudemos resgatar a origem e a

identidade de Nova Cidade (ARANHA, 2007).

44

Segundo Milton Santos apud Márcio Cataia (2000, p.210) “[...] o lugar possui diferentes densidades: a densidade técnica, que é o artifício em seus diferentes graus; a densidade informacional, que é a informação derivada, e derivada em parte da densidade técnica; e a densidade comunicacional, que é o acontecer solidário, a realidade vivida, o entorno comum”.

Page 81: Do mundo como norma ao lugar como forma

81

Ensina-nos Milton Santos (2008b), que as formas geográficas “[...] quando

empiricizadas, apresentam-se seja como objeto, seja como relação a obedecer”, e

talvez por isso, ele ainda nos diz que é fundamental compreendê-las,

[...] porque elas são o envoltório inerte de instantes que marcam a evolução da sociedade global, mas, igualmente, a condição para que a História se faça. As formas antigas permanecem como herança das divisões do trabalho no passado e as formas novas surgem como exigência funcional da divisão do trabalho atual ou recente. Elas são também uma condição, e não das menores, de realização de uma nova divisão do trabalho (SANTOS, 2005, p.62-63).

Partindo desse esclarecimento teórico, elaboramos uma metodologia que

mistura o resgate de oralidades com a cartografia digital, numa tentativa explicita de

se compreender a empiricização das formas geográficas da área de abrangência da

USF de Nova Cidade.

O resgate de oralidades foi o recurso que encontramos para tentarmos

compreender a desestruturação45 do lugar a partir de suas formas. Mais uma vez

recorremos ao ACS José, e pedimos para que ele nos levasse ao morador mais

antigo de Nova Cidade. Ele nos levou ao domicílio de seu Geraldo Cabral, morador

desde 1969, onde realizamos uma entrevista conjunta com seu Geraldo e José, em

outubro de 2007.

Utilizando uma fotografia aérea do recorte da área de abrangência da USF

de Nova Cidade, primeiramente, instigamos a acuidade de ambos entenderem o

lugar visto de cima. Feito isso, pedimos então que seu Geraldo nos relatasse a

história de Nova Cidade, contada a partir da constituição das formas geográficas do

lugar, como casas e ruas, por exemplo, sendo apontadas em relação à fotografia

aérea, o que nos possibilitou a reconstituição de Nova Cidade.

Assim, fomos registrando aquele contar histórico de seu Geraldo sobre essa

formação. Fato curioso foi saber que Nova Cidade surgiu por volta de 1967 com

outro topônimo. Segundo seu Geraldo Nova Cidade e chamava de Povoado de

Cidade da Esperança, isso em alusão ao Conjunto Habitacional de Cidade da

Esperança, que

45

De acordo com Milton Santos (2006, p.287), “pode-se falar numa desestruturação, se nos colocamos em relação ao passado, isto é, anterior. E de uma reestruturação, se vemos a coisa do ponto de vista do processo que está se dando”.

Page 82: Do mundo como norma ao lugar como forma

82

[...] foi construído através da Fundação de Habitação Popular, criada pelo Decreto Estadual nº. 1.102, de 12 de agosto de 1963, no Governo Aluízio Alves. Esse órgão antecedeu à COHAB/RN - Companhia de Habitação Popular do Rio Grande do Norte, na produção de moradias populares. As casas de Cidade da Esperança foram construídas e entregues, em 4 etapas, entre os anos de 1965 e 1969. [...] Cidade da Esperança foi inicialmente oficializado como bairro pelo Decreto-Lei nº. 1.643, de 09 de junho de 1967, na administração do então Prefeito Agnelo Alves. O bairro teve seus limites redefinidos através da Lei nº. 4.330, de 05 de abril de 1993, oficializada quando da sua publicação no Diário Oficial do Estado no Diário Oficial em 07 de setembro de 1994 (NATAL, 2006a, p.8).

Outra curiosidade se refere à divisão político-administrativa, por bairros,

adotada pelo município de Natal que se configura até hoje como um obstáculo para

a identidade da atual comunidade de Nova Cidade, pois seus moradores, todos sem

exceção, consideram-na como um bairro.

Entretanto, sabemos que Nova Cidade não é político-administrativamente

um bairro.

Esse problema foi causado justamente durante a implantação da atual USF

de Nova Cidade, quando em 1982 o ainda prefeito do município de Natal José

Agripino Maia, num claro golpe eleitoral, disse em discurso que iria dar ao Povoado

de Cidade da Esperança um posto de saúde, e que a partir de então aquele

“povoado” iria se chamar “bairro de Nova Cidade”.

O posto foi inaugurado com o nome de Nova Cidade, em 1994. Contudo,

Nova Cidade não se constituiu de fato como um bairro, e hoje sua delimitação

normativa como área de abrangência está sobreposta aos limites dos bairros,

oficiais, de Cidade da Esperança, Candelária46 e Cidade Nova47. Essa sobreposição

é demonstrada através do Mapa de Localização Intra-bairros da Área de

Abrangência da USF de Nova Cidade (ver APÊNDICE B).

Pois bem, a partir das informações obtidas pela entrevista com seu Geraldo

e as valiosas contribuições de José, empiricizamos os eventos que marcaram a

46

O bairro de Candelária “[...] teve seus limites definidos pela Lei nº. 4.328, de 05 de abril de 1993, oficializada quando da sua publicação no Diário Oficial do Estado em 07 de setembro de 1994” (NATAL, 2006b, p.6-8) 47

O bairro de Cidade Nova, “apesar de sua ocupação ter se dado nos anos 60, [...] teve seus limites definidos somente quando da sua publicação em 1994, através da Lei nº 4.328, de 05 de abril de 1993, oficializada no Diário Oficial do Estado em 07 de setembro de 1994” (NATAL, 2006c, p.8).

Page 83: Do mundo como norma ao lugar como forma

83

constituição de Nova Cidade, e fizemos uma proposta de mapeamento das suas

formas geográficas (ARANHA, 2007).

Assim, atualizamos aquele mapeamento com as devidas adequações a

nossa atual proposta de estudo, a fim de averiguar a constituição da materialidade

do lugar, tomando como base a área de abrangência da USF de Nova Cidade.

Nesse sentido, consideremos primeiramente o MAPA 12 que demonstra as

formas geográficas da área de abrangência da USF de Nova Cidade. Esse mapa

serve de suporte para o MAPA 13, que é o mapa 12 às avessas, ou seja,

cartograficamente invertido para o sul.

É então a partir do mapa 13 que estabelecemos nossa análise, cujo recurso

metodológico de inversão cartográfica, nos permite melhor compreender a

seqüência da reestruturação48 do lugar.

A idéia de seqüência é fundamental para compreendermos a história real

dos lugares, essa história, como nos diz Milton Santos (2006, p.157-158),

[...] mostra que os objetos são inseridos num meio segundo uma ordem, uma seqüência, que acaba por determinar um sentido àquele meio. É diferente se, numa rua, criamos primeiro um edifício ou se a asfaltamos, se criamos antes a rua asfaltada e depois melhoramos as infra-estruturas subterrâneas, se estabelecemos primeiro a escola ou o hospital, o hospital ou o banco. O resultado das combinações não é o mesmo, segundo a ordem verificada.

Portanto, observemos a seqüência da numeração das formas geográficas

inseridas no MAPA 13, que vai nos permitir discorrer, em seguida, sobre o processo

de reestruturação da atual área de abrangência da USF de Nova Cidade.

48

Lembramos que de acordo com Milton Santos (2006, p.287), “pode-se falar numa [...] reestruturação, se vemos a coisa do ponto de vista do processo que está se dando”.

Page 84: Do mundo como norma ao lugar como forma

84

MAPA 12 – Formas Geográficas da Área de Abrangência da USF de Nova Cidade

Page 85: Do mundo como norma ao lugar como forma

85

MAPA 13 - Formas Geográficas da Área de Abrangência da USF de Nova Cidade (II)

Page 86: Do mundo como norma ao lugar como forma

86

Antes de tudo, queremos deixar claro que cada forma geográfica apresenta

uma acumulação desigual de tempos, cujos pormenores não serão aqui tratados.

Faremos, portanto, uma tentativa de síntese, objetivando atingir nossos propósitos,

mostrando que o lugar não é devidamente tratado pela atual proposta da política de

saúde brasileira.

Dito isso, consideremos então a FORMA 1. Foi aí onde surgiu o Povoado de

Cidade da Esperança, e se constitui como a forma geográfica mais antiga da atual

área de abrangência da USF de Nova Cidade.

Percebe-se pelo contorno de seus arruamentos, a clara definição dessa

forma, que tem como principal característica o adensamento populacional. Cheia de

vilas e travessas, há também uma elevada densidade domiciliar.

O ponto positivo dessa forma é que, toda ela, apresenta uma infra-estrutura

de coleta de esgoto e drenagem de águas pluviais. Além disso, o abastecimento

d‟água é suficientemente fornecido. Porém, como seu terreno interno é íngreme,

fruto do não aplainamento das formas dunares preexistentes, principalmente em

épocas de chuvas as pessoas que moram nas partes baixas sofrem não

efetivamente pelos alagamentos, mas pelo lixo carreado pela chuva, que ficam

depositados nas vertentes das ruas (ver Fotografia 3).

Fotografia 3 – Lixo acumulado nas vertentes das ruas da FORMA 1

Foto: Pablo Aranha, 2007.

A explicação dessa prática está, também, relacionada a dificuldade do

caminhão coletor de lixo entrar nas estritas ruas internas, passando somente pelas

Page 87: Do mundo como norma ao lugar como forma

87

ruas limítrofes. Assim as pessoas que moram no alto muitas vezes não vão

depositar o lixo onde a coleta passa, nem os coletores vão buscá-los. Os agentes

comunitários de saúde até tentam orientar, mas efetivamente, somente as

orientações não bastam, tem que haver uma maior intervenção desses problemas.

A FORMA 2 surgiu mais recentemente, e apresenta a mesma infra-estrutura

de saneamento da primeira forma, sem sofrer no entanto com os transtornos

causados pelo lixo. Seu terreno plano, com suas ruas relativamente largas, propicia

a coleta dos resíduos. É nessa forma que se localiza a escola que atende os alunos

do ensino fundamental da comunidade.

A FORMA 3 surge a partir da implantação da atual USF de Nova Cidade, em

1984. Até então, não havia ainda nenhuma construção nesse terreno. O intrigante é

a localização escolhida na época para se instalar a unidade de saúde, longe de onde

moravam as pessoas. Atualmente seus principais problemas se refletem na falta de

saneamento e pavimentação. A Fotografia 4 mostra as águas servidas, justamente

na rua da USF de Nova Cidade, localizada ao fundo da foto, onde há um carro

estacionado.

Fotografia 4 – Rua da USF de Nova Cidade

Foto: Pablo Aranha, 2007.

Page 88: Do mundo como norma ao lugar como forma

88

Uma das principais reclamações dos usuários dos serviços dessa unidade é

principalmente a acessibilidade. Muitos idosos e até mesmo pessoas em cadeira de

rodas precisam enfrentar o difícil acesso feito por ruas de barro e areia, que em

alguns pontos chegam até mesmo a atolar os carros.

A FORMA 4 surgiu de uma fábrica instalada no início da década de 1980,

onde hoje se localiza um agrupamento de prédios, localizados na FORMA 5. Os

trabalhadores começaram então a construir suas casas atrás da fábrica, cujas casas

eram tão paupérrimas que essa forma geográfica ficou conhecida como a “Rua da

Palha”, em referência ao material que era feito essas casas. Somente por volta de

1985, esses moradores receberam ajuda política da então secretária municipal

Vilma de Faria, que “doou” o material para a reconstrução dessas casas, agora de

alvenaria, como podemos observar através da Fotografia 5.

Fotografia 5 – Antiga Rua da Palha, Atual Rua Francisco Varela

Foto: Pablo Aranha, 2007.

Atualmente, os moradores não aceitam mais ser chamados de “moradores

da Rua da Palha”, se sentem ofendidos, querem ser considerados como moradores

da Rua Francisco Varela. Talvez por isso, alguns desentendimentos entre esses

moradores e os outros moradores das outras formas, fazem com que eles não se

sintam pertencentes à Nova Cidade, enquanto comunidade. As carências dessa

forma ainda são muitas, mas recentemente, a Rua Francisco Varela foi pavimentada

e saneada, o que melhorou um pouco as condições de seus moradores.

A FORMA 5, já citada acima, corresponde exatamente a microárea de

atuação do ACS João (microárea 4 da equipe 13). Esse Agente Comunitário de

Page 89: Do mundo como norma ao lugar como forma

89

Saúde tem muitas dificuldades de atuação visto que os moradores dos prédios não

aceitam o cadastramento, muito menos a visitação freqüente do ACS em seu

domicílio, alegando também que por terem plano de saúde não necessitam dos

serviços do PSF; nenhum dos moradores dessa forma geográfica se diz pertencer à

Nova Cidade.

A FORMA 6 é o depósito de uma empresa de material de construção,

portanto, não há pessoas para que o ACS possa atuar. Mas, sempre há ações para

a contenção de roedores, que invadem as casas dos moradores do entorno.

A FORMA 7 apresenta problemas de falta de infra-estrutura de saneamento

e pavimentação, cuja localização fica na vertente do terreno de Nova Cidade, como

demonstrado na Fotografia 6.

Fotografia 6 – Vertente do terreno de Nova Cidade

Foto: Pablo Aranha, 2007.

A FORMA 8 que corresponde a microárea mista, conhecida na comunidade

como Morro, é sem dúvida onde há a maior precariedade, em todos os sentidos.

Tanto, que as equipes de Saúde da Família da USF de Nova Cidade se une para

atender as demandas dos seus moradores. Muitos são os seus problemas, como o

tráfico de drogas, que por vezes impede até mesmo os ACS de subir ao Morro para

prestar seus serviços.

Deslizamentos de casas localizadas na encosta do Morro, fez com que a

Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) a classificasse

como uma área de risco.

Page 90: Do mundo como norma ao lugar como forma

90

A Rua que dá acesso ao Morro era de areia, o que dificultava o

deslocamento dos seus moradores, os quais através de manifestações, na tentativa

de sensibilizar o poder público, conseguiram a pavimentação dessa rua (ver

Fotografia 7). Essa rua é que divide as formas geográficas 3 e 9, de acordo com o

MAPA 13.

Fotografia 7 – Rua de Acesso ao Morro

Foto: Pablo Aranha, 2007.

A FORMA 9 é a última, porém, a mais problemática de Nova Cidade. Para

tentar melhor elucidar sua complexidade, explicitaremos sucintamente a

reconstituição de sua materialidade.

Essa forma geográfica era uma antiga área de empréstimo, em que havia a

retirada de material, como barro e areia, para atender a demanda da construção

civil. Essa prática gerava os mais diversos transtornos aos moradores do seu

entorno. A retirada de material foi tamanha que, como disse seu Geraldo, se criou

uma “cratera”, tão profunda que a exploração de barro e areia foi desativada. Como

o terreno era de propriedade privada, seu antigo dono, na tentativa de mitigar o

problema da “cratera”, fez uma parceria com a Prefeitura Municipal de Natal, na

gestão do então Prefeito Marcos Formiga, em 1983.

Essa parceria resultou na implantação de um aterro controlado de “lixo” em

Nova Cidade, que funcionou de 1983 a 1986, justamente onde delimitamos a

FORMA 9.

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91

A idéia era que o lixo, coletado no município de Natal, fosse sendo

depositado na cratera, até o seu preenchimento49.

Entretanto, aquilo que era para ser uma mitigação, hoje é um problema.

Isso, porque após preencher a antiga “cratera” com lixo, a conseqüente desativação

do aterro controlado recobriu os resíduos, mas que atualmente permanecem, agora

sob as residências dos moradores localizados nessa forma geográfica.

Essas residências foram sendo construídas em meados da década de 1990,

após o loteamento do terreno (preenchido com lixo) pelo seu antigo dono. Muitos

dos seus moradores nem sabem que moram em cima de um antigo “lixão”. As casas

sobrepostas ao lixo, vez por outra, apresentam rachadura. Isso se dá justamente em

decorrência da decomposição do lixo, o qual também emana gases.

Para piorar a situação, aquele sistema de engenharia construído para

facilitar o acesso ao Morro foi realizado inapropriadamente, pois juntamente com a

pavimentação, foi feito um sistema de drenagem de águas pluviais, mas sem um

sistema de esgotamento sanitário. Os moradores do Morro, então, fizeram ligações

clandestinas de esgoto e águas servidas no sistema de drenagem, e com isso, a

lagoa de drenagem (localizada na FORMA 9 ao lado da FORMA 6), que serviria

apenas para filtrar as águas pluviais, atualmente é um deposito de esgoto a céu

aberto, cujos os moradores do entorno sofre ainda mais esse problema de

saneamento, demonstrado abaixo através da Fotografia 8.

Fotografia 8 – Lagoa de Drenagem?

Foto: Pablo Aranha, 2007.

49

Os trabalhos de Sérgio Pinheiro (2000) e Ivanilde Silva (2006) relatam sobre o contexto de implantação, funcionamento e desativação daquele aterro controlado de Nova Cidade.

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92

Por último, ainda fazemos o registro da única área de lazer da comunidade

de Nova Cidade, localizada na FORMA 9, que é um mini-campo e um campo de

futebol, como está demonstrado, abaixo, pela Fotografia 09 e pela Fotografia 10,

respectivamente. O problema principal decorre do fato de que os campos de futebol

estão sobrepostos ao antigo lixão, e como a “estrutura” deles é feita de areia, seus

usuários (crianças, jovens e adultos) estão seriamente expostos aos riscos daí

derivados.

Fotografia 09 – Mini-campo de futebol

Fotografia 10 – Campo de Futebol

Foto: Pablo Aranha, 2007.

Foto: Pablo Aranha, 2007.

Portanto, diante do exposto, a área de abrangência de Nova Cidade através

da análise de suas formas geográficas manifesta as verdadeiras realidades

vivificadas pelos seus moradores, contrariamente aquela realidade estatística

proporcionada pelo Sistema de Informação da Atenção Básica.

Acreditamos que a partir da metodologia por nós utilizada, pudemos assim

demonstrar que a territorialização da estratégia Saúde da Família é muito mais

complexa do que somente a delimitação das áreas de abrangência das unidades de

Saúde da Família, e que o caso de Nova Cidade possa então elucidar que há de fato

um descompasso, gritante, entre as informações empíricas do lugar e as

informações estatísticas do SIAB.

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5 CONCLUSÕES

Vimos que as áreas de abrangência das USF são as bases de

funcionalização da estratégia Saúde da Família nos municípios brasileiros. Mas,

ressaltamos que o estudo dessas áreas se mostra de tamanha dificuldade, visto que

se faz necessário um adequado tratamento empírico, pois, como ressalva Milton

Santos (2008, p.31),

[...] o espaço total, que escapa à nossa apreensão empírica e vem ao nosso espírito, sobretudo como conceito, é que constitui o real, enquanto as frações do espaço, que nos parecem tanto mais concretas quanto menores, é que constituem o abstrato, na medida em que o seu valor sistêmico não está na coisa tal como a vemos, mas no seu valor relativo dentro de um sistema mais amplo.

Então, há impreterivelmente de se considerar a importante mediação, dessa

funcionalização do mundo nos lugares, realizada pelo Estado Nação, noção base

para a concepção de Milton Santos sobre o território como categoria de análise

geográfica.

Diferentemente do tratamento difuso e confuso dado a categoria território

pelo setor saúde brasileiro, desde a concepção dos distritos Sanitários com o

“conceito” de território-processo, Milton Santos e Maria Laura Silveira (2008, p.19)

primeiramente definem o território, “num sentido mais restrito”, como um “[...] nome

político para o [sub]espaço de um país”, mas ponderam que o território

[...] em si mesmo, não constitui uma categoria de análise ao considerarmos o espaço geográfico como tema das ciências sociais, isto é, como questão histórica. A categoria de análise é o território [usado]. A partir desse ponto de vista, quando quisermos definir qualquer pedaço do território, deveremos levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ação humana (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p.247).

Esse encaminhamento metodológico, da inseparabilidade entre a

materialidade e o seu uso, é para nós o mais genuinamente geográfico. Eis aí, a

variável primordial desconsiderada pela territorialização no SUS: a materialidade.

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A materialidade, definida como um “[...] componente imprescindível do

espaço geográfico, [...] é, ao mesmo tempo, uma condição para a ação; uma

estrutura de controle, um limite à ação; um convite à ação” (SANTOS, 2006, p.321).

Já o uso, segundo Ortega y Gasset (1973, p.227), “[...] seria o costume, e o

costume é um certo modo de comporta-se, um tipo de ação costumeira, isto é,

habitualizado. O uso, seria, assim, um hábito social”.

Ora, nada mais habitualizado do que as ações, ou melhor, as atuações dos

Agentes Comunitários de Saúde, conduzidas, sobretudo por normas exteriores ao

seu entorno que não dizem respeito à materialidade do seu lugar. Somente se

considerarmos a atuação desses agentes indissociavelmente a constituição da

materialidade de suas respectivas áreas de abrangência é que podemos, então, nos

aproximarmos da idéia de uso do território, que como nos diz Maria Adélia de Souza

(2003, p.65),

[...] quando se estudar sob a ótica do uso do território fica mais clara a noção de complexidade, da inter-relação que existe entre as coisas que precisamos para viver. A saúde, por exemplo, não precisa apenas de médicos, enfermeiras, hospitais, ambulâncias, remédios, para se fazer. Ela exige também saneamento básico, ar puro, boa alimentação, higiene, etc. São os usos do território pelas distintas funcionalidades requeridas pela existência que nos interessa. Então, a pergunta que se faz é outra! Não importa saber como vai “o social”, o transporte, a economia. Mas, como está tal lugar, tal região [...]. Lá tem tudo? Não basta ter apenas um setor, é preciso que tenha tudo aquilo que dignifica a vida humana naquele lugar. E a interação e articulação entre todas as coisas é que fará daquele lugar, um lugar bom de se viver, enfim, um lugar saudável (grifos do autor).

Mas para se responder como está tal lugar, se o lugar é saudável ou não, se

faz necessário apreendermos, compreendermos e, acima de tudo, desenvolvermos

a importante noção de salubridade legada por Michel Foucault, o qual nos diz que a

salubridade

[...] não é a mesma coisa que saúde, e sim o estado das coisas, do meio e seus elementos constitutivos, que permitem a melhor saúde possível. [...]. Salubridade é a base material e social capaz de assegurar a melhor saúde possível dos indivíduos. [...] Salubridade e insalubridade são o estado das coisas e do meio enquanto afetam a saúde (FOUCAUT, 2008, p.93).

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A salubridade como base material que possibilita a melhor saúde possível

dos indivíduos, dos cidadãos, reforça a idéia da materialidade, ou melhor, das

formas geográficas como uma condição das ações desenvolvidas pelas equipes de

Saúde da Família.

As formas geográficas, portanto, é para nós um pressuposto metodológico

que pode melhor subsidiar a territorialização da estratégia Saúde da Família na

perspectiva do lugar, do lugar como forma.

Daí é que acreditamos na possibilidade de enriquecimento das práticas

territoriais do setor saúde no Brasil, em que as formas geográficas dos lugares onde

os cidadãos realmente vivem, sejam devidamente consideradas.

Essa é a nossa proposta, na tentativa de se produzir informações das áreas de

abrangência inversamente as informações unívocas disponíveis atualmente, ou seja,

os dados a-espaciais do SIAB que além de limitados, mascaram as verdadeiras

condições dos lugares bases da funcionalização da Saúde da Família.

Nesse sentido, há de se considerar que a produção de dados e informações

geográficas geradas pelo trabalho dos Agentes Comunitário de Saúde é sub-

utilizada, juntamente com os mapas e croquis gerados no percurso das áreas de

abrangência das USF. Isto nos leva a concluir que temos uma tarefa junto a esses

agentes, dando-lhes suporte para que o seu trabalho seja melhor viabilizado e mais

valorizado.

Considerando o SIAB como uma ferramenta atualmente limitada, é urgente seu

aperfeiçoamento, pois hoje está disposta apenas a descriminar variáveis universais

e impositivas do Ministério da Saúde para todos os municípios brasileiros; varáveis

essas que tanto servem para o município de Natal, no Rio Grande do Norte, como

para o município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. E levando em conta essa

padronização pode-se afirmar que é um absurdo, e demonstra que o SIAB serve de

instrumento para uma regulação tosca do processo de trabalho das equipes de

Saúde da Família, fazendo cegá-las, por não considerar uma simples, mais não

menos importante variável, que é a diferenciação dos lugares e suas singularidades.

Isso nos leva a acreditar que o critério de financiamento da estratégia Saúde

da Família a partir dos “dados de alimentação obrigatória do SIAB” como norma

vigente, representa um retrocesso ao atual estágio da territorialização no SUS, pois

sua pujança é tamanha que “sutilmente” o Ministério da Saúde centraliza e

concentra o planejamento orçamentário da Atenção Básica ao invés de

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96

descentralizá-los efetivamente aos gestores municipais, invertendo, assim, o

princípio da territorialização a partir da idéia do planejamento ascendente, aquele

legitimado pelo Artigo 36 da Lei Orgânica da Saúde que diz: “[o] processo de

planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será ascendente, do

nível local até o federal [...]” (BRASIL, 1990).

Por isso, acreditamos que o SIAB como cartilha impositiva do Ministério da

Saúde aos gestores municipais se caracteriza como um instrumento regulatório que

propicia um planejamento ascendente às avessas, que poderíamos até mesmo

chamá-lo de “planejamento descendente”, o qual contribui para legitimar com aquilo

que Raul Borges Guimarães (2000, p.59) chamou de “[...] discurso deslocado, fora

do lugar em que foi produzido”, ou ainda nos termos de Hermínia Maricato (2007,

p.121) sobre “as idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias”

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