Dissertacao Suzi Oliveira de Lima

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    Departamento de Lingstica

    A estrutura argumental dos verbos na lngua Juruna (Yudja):

    Da formao dos verbos para a anlise das estruturas sintticas

    Suzi Oliveira de Lima

    So Paulo

    2008

  • Suzi Oliveira de Lima

    A estrutura argumental dos verbos na lngua Juruna (Yudja):

    Da formao dos verbos para a anlise das estruturas sintticas

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em Semitica e Lingstica

    Geral da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias

    Humanas da Universidade de So Paulo para

    obteno do ttulo de mestre sob orientao da

    Professora Dra. Luciana Storto e co-orientao da

    Professora Dra. Cristina Fargetti.

    So Paulo

    2008

  • i

    294 sawai 5 duyama he taha yudja de eela ela.

    Am kuperi anase~ esebe anu1

    1 Todos os dias 294 pessoas em 5 aldeias sonham em Yudja. Este trabalho para todas elas.

  • ii

    A Luciana Storto

    (essa sim, Dixon, uma mulher ergativa, mestre na arte de ser tica)

    A Sirlei

    (uma mulher nominativa, mestre na arte de rir e fazer rir)

    A Patrcia

    (uma mulher absolutiva, mestre na arte de ser amorosa e corajosa)

  • iii

    Agradecimentos

    Inicialmente agradeo professora Luciana Storto, minha orientadora desde

    2004 (desde os remotos tempos da iniciao cientfica at o mestrado). Para alm de sua

    orientao competente, clara e segura agradeo principalmente por um outro fator que

    julgo essencial para a constituio deste trabalho tal como ele se apresenta: a liberdade

    com a qual a professora Luciana me permitiu fazer meu trabalho, sem jamais criar

    comigo uma relao de submisso ou dependncia. Agradeo, portanto, pela confiana,

    serenidade e bom humor durante a orientao deste trabalho. Encerro dizendo que me

    ajudou muito saber (na vida pessoal e na vida acadmica) que temos, enfim, um

    alinhamento tico sobre o modo de fazer cincia, assim como o respeito em relao s

    linhas tericas com as quais no trabalhamos e demais temas e pesquisadores.

    Agradeo aos Juruna que sempre foram extremamente receptivos com o meu

    trabalho e me receberam muito bem na aldeia. Sem dvida alguma, esse trabalho feito

    com e para eles. Muito obrigada a todos vocs e principalmente aqueles com os quais eu

    trabalhei mais de perto: Yapariwa, Karin, Yawada, Pikaha, Tanadi e Tahurim. Muito

    obrigada por tudo.

    Agradeo professora Marli Quadros Leite que foi minha primeira orientadora

    de iniciao cientfica. A professora Marli me deu a base para tudo que veio

    posteriormente. Certamente, sem ela, meu percurso acadmico teria sido muito menos

    interessante e talvez eu no fosse uma lingista, afinal, quando pensei ser inbil para a

    profisso ela me orientou a confiar e ser persistente no que eu queria fazer. Pela

    pacincia, confiana, orientao e, ainda, pela sua doura e simpatia to caractersticas,

    agradeo.

    Agradeo s professoras Ana Mller e Esmeralda Negro pelas orientaes

    dadas durante minha banca de qualificao. Todos os comentrios foram muito

    importantes para o prosseguimento da pesquisa.

    Fao um agradecimento muito especial a Natasja Berzoini (et son coeur de

    mandarine): por sua amizade sempre presente h tantos anos, interlocuo, companhia,

    cinemices, apoio e por compartilhar comigo uma necessidade de ser tica e coerente

    com o que acreditamos e dizemos na vida privada e na vida pblica. Uma amiga

    essencial, portanto, para que este trabalho fosse levado a cabo com o melhor dos

    humores possveis.

  • iv

    Agradeo a Rita Demasi (Oh! Musa da fontica!), Juliana Yokoo (minha

    contraparte literria e corredora), Marcus Avelar (pelas boas risadas em noites

    insones e pelo todo o mais), Jlio Barbosa (e seu corao que maior do que ele

    mesmo - Rulio, I like your intuitions too), Dbora Vieira (uma qumica sempre

    otimista), Maria Flor Brazil (pelas cinematografices vamo que vamo!), Thiago

    Coutinho (pelo engarrafamento eu vejo o mundo, cheio de pessoas e sinais...) e Glauber

    Romling (Qual Glauber, o Rocha?) por, de diferentes formas e em diferentes fases

    desta pesquisa, fazerem as palavras amizade e companheirismo terem significao

    no meu universo de discurso.

    Agradeo a Denny Moore por toda a ateno e gentileza dispensada desde o

    incio deste trabalho com os Juruna at hoje. Agradeo pelas conversas, apoio e por ter

    feito possvel minha primeira viagem a campo.

    Retomo aqui um agradecimento especial professora Esmeralda Negro, a qual

    me ajudou muito no captulo sobre a sintaxe da lngua Juruna. Este captulo pde existir

    devido principalmente seu apoio, suas sugestes, por me conduzir a observar os fatos de

    vrios modos possveis e por ser sempre to atenciosa e gentil e, obviamente, qualquer

    incorreo neste captulo e em todos os outros de minha responsabilidade.

    Agradeo Bruna Franchetto que me acolheu na Fundao Bruna Franchetto

    (filiais Cosme Velho e Museu Nacional) e que foi muito generosa, atenciosa e

    colaboradora em todos os momentos de nossa convivncia.

    Agradeo Mara Santos pela atenciosa acolhida no Rio de Janeiro, tendo

    tornado minha vida extremamente fcil neste processo de mudana e eu-vou-de-volta.

    Agradeo pela ateno com minhas questes morfolgicas Juruna, pela companhia e

    pelo todo o mais.

    Agradeo ainda as sugestes de Samuel Jay Keyser (pelas questes sobre V1 e

    V2), Marcelo Ferreira (pelas questes de semntica e, indiretamente, pelas questes

    sintticas que me ajudou a resolver atravs de sua dissertao de mestrado) e Angelika

    Kratzer e Tereza Wachowicz (pelas questes de semntica).

    Agradeo a todos os professores do departamento de lingstica da USP que me

    permitiram me constituir como lingista. Agradeo especialmente a cinco deles:

    - Ana Scher, por suas aulas (na graduao e ps), pela ateno, e por enfatizar

    como postura terica a necessidade de avaliar uma teoria considerando os

  • v

    processos necessrios para aquisio e realizao das peripcias tericas que

    propomos.

    - Cristina Altman pelas palavras incentivadoras e muito gentis, e por suas aulas

    sempre to claras e to inspiradoras.

    - Didier Demolin, o qual discutiu comigo questes de fontica da lngua Juruna,

    algo que certamente eu no conseguiria sozinha. Agradeo-o principalmente

    pela generosidade, apoio e incentivo com o meu trabalho.

    - Marcos Lopes pelo incentivo e dilogo em momentos diversos, pelas excelentes

    aulas (que culminaram na minha ida para a semntica) e por ter sido a pessoa

    que me disse pela primeira vez no j remoto ano de 2004 ei, isso pode ser

    pluralidade de eventos. Dedico, portanto, a seo de duplicao verbal ao Mar-

    Mar-cos Lo-lo-pes.

    - Paulo Chagas que foi meu primeiro grande motivador veja, antes mesmo de

    Saussure! - a ser uma lingista devido suas excelentes e claras aulas em

    Elementos de Lingstica I, em 2002.

    Agradeo ainda aos outros scios do clube Pesquisa em lngua indgena:

    - Fao um agradecimento especial e essencial Cristina Fargetti por ter

    consentido e apoiado minha presena como lingista em territrio Juruna e pela

    companhia em dois episdios que viajamos juntas para trabalho de campo.

    - Tambm agradeo a Dioney Gomes pela ateno em momentos diversos e

    aproveito para manifestar minha admirao pelo modo como desenvolve sua

    pesquisa e tambm por sua postura acadmica em nossa efervescente rea de

    lnguas indgenas.

    - Agradeo ainda a Fbio Duarte Bonfim, pelo apoio na ocasio da publicao de

    um de meus artigos e pelas palavras incentivadoras.

    Gostaria de agradecer a Ben-Hur, rica e Robson, que sempre atendem todos os

    alunos da ps do DL com muita ateno e prontido. So nossos anjos da guarda

    burocrtica. Terceto fantstico: tudo nosso e o que no for a gente toma.

  • vi

    Agradeo Fundao de Amparo Pesquisa de So Paulo que financiou esta

    pesquisa desde a iniciao cientfica at o mestrado.

    Agradeo Funai pela autorizao para minha entrada no Parque indgena do

    Xingu.

    Finalmente, agradeo s pessoas que fazem do meu mundo um lugar com

    desenvolvimento sustentvel (apesar do aquecimento global que, enfim, problema de

    todos ns):

    - Aos meus pais Raimundo e Sirlei por compreenderem minhas escolhas e

    vestirem a camisa comigo sempre. Agradeo, principalmente, por terem me

    ensinado a ser honesta, tica e sincera em minhas atividades ao longo da vida,

    no importa o que isso acarrete.

    - Agradeo tambm a Patrcia, Aymeric e o pequenino Victor minha querida

    irm, cunhado e sobrinho por sempre terem ateno comigo, mesmo

    distncia, e por trazerem alegria aos meus dias, quando estou com eles em

    nossas incurses/expedies Brasil-Frana, Frana-Brasil ou simplesmente

    quando penso neles e em tudo que eles representam pra mim.

    Finalmente preciso dirigir algumas palavras especficas para minha me a quem

    agradeo por sua confiana, por rezar por mim, pelas risadas e alegria que trazia aos

    meus dias, pelo incentivo e principalmente pelo seu amor sincero, imensurvel e

    indizvel que me envolveu e protegeu em silncio durante minhas atividades na vida.

    Este trabalho principalmente dedicado a voc.

  • vii

    (...) As pessoas so chamadas de intelectuais se possuem um determinado grau de privilgio e decidem usar sua oportunidade na arena pblica. fato que o privilgio traz oportunidade, e um trusmo moral que a oportunidade traga responsabilidade. Portanto, aqueles que so chamados de intelectuais tm responsabilidades claras. Como so eles que escrevem a histria, o papel histrico dos intelectuais parece muito atraente: corajosos, honrados, defensores da verdade e da justia etc. A histria real um pouco diferente. O fundador da moderna teoria das relaes internacionais, Hans Morgenthau, lamentou o que chamamos de nossa subservincia conformista aos que esto no poder, referindo-se s classes intelectuais. A descrio dele tem um mrito considervel agora e no passado. H excees, claro, e muitas vezes sofreram por sua integridade o quanto, depende da natureza da sociedade. Mas a responsabilidade permanece. Noam Chomsky Entrevista para Revista Cult 116, ano 10.

    Nossa integridade vale to pouco, mas devemos lutar por ela. V for vendetta Allan Moore

  • viii

    RESUMO

    LIMA, Suzi Oliveira de. A estrutura argumental dos verbos na lngua Juruna (Yudja): da formao dos verbos para a anlise das estruturas sintticas. Dissertao (mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008.

    Esta dissertao descreve e analisa os verbos da lngua Juruna (Yudja) a partir de suas estruturas argumentais e conseqncias sintticas. O objetivo contribuir com um material para a escola indgena Juruna assim como contribuir com os estudos tericos da perspectiva gerativista de estudos sobre a linguagem. O texto dividido em duas grandes partes (descrio e anlise) sendo a primeira delas uma descrio de 302 verbos da lngua. Nesta parte dividimos estes verbos em dezoito classes verbais a partir de critrios morfolgicos, sintticos e semnticos. Estes critrios foram estabelecidos a partir de caractersticas da lngua, quais sejam estas: duplicao verbal, propriedades semnticas, afixos, causativizao e propriedades das razes - as quais associadas a verbalizadores formam os verbos. Nesta seo apresentamos quais so as construes e operaes morfolgicas que cada verbo descrito realiza (tais como: alternncias de valncia (por afixao e via alternncia labile), duplicao e supleo verbal) e suas funes na lngua. A segunda parte do texto denominada anlises apresenta uma anlise gerativa para os fatos da lngua Juruna. Para a questo da formao dos verbos, partimos da proposta de Hale & Keyser (1993; 2001) segundo a qual os verbos so formados de forma estrutural e hierrquica a partir de duas estruturas bsicas (mondica e didica) nucleadas por ncleos verbais (V1 e V2). Estas estruturas so utilizadas de forma paramtrica a partir de restries das razes verbais e seus traos sintticos e semnticos. Considerando esta proposta terica, argumentamos que os verbos da lngua Juruna so formados estruturalmente a partir de restries dos traos que formam as razes verbais, os quais tambm sero determinantes nos processos de atribuio e mudana de valncia e voz assim como no processo de duplicao e supleo verbal. Aps a anlise referente formao dos verbos apresentamos a formao de sentenas na lngua Juruna partindo do Programa Minimalista (Chomsky 1995; 1998; 1999). Nesta seo apresentamos o processo de insero de sujeitos (a partir de formas pronominais, demonstrativos e sintagmas nominais) em vP, discutimos os processos de concordncia, analisamos a insero de modo realis/ irrealis, bem como questes relacionadas a ordem sentencial, adjuno de advrbios e o paralelismo entre os planos nominal e verbal, a partir das questes associadas cumulatividade e quantificao. O ponto central desta dissertao , portanto, argumentar que todas as propriedades sintticas da lngua Juruna decorrem essencialmente dos traos formadores de seus verbos. Desta forma, para a compreenso da sintaxe de uma lngua necessrio compreender a estrutura argumental de seus verbos. Palavras-chave: Juruna; classes verbais; estrutura argumental; Programa minimalista.

  • ix

    ABSTRACT LIMA, Suzi Oliveira de. The argument structure of Juruna (Yudja): from verb formation to syntactic structure analysis. Dissertation (master) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008.

    This dissertation describes and analyzes Juruna (Yudja) verbs based on argument structure and its syntactic consequences. We aim to offer to the Juruna School useful material about verb classes and also to contribute to the advancement of language studies in the generativist framework. The dissertation is divided in two parts - description and analysis). The first is a description of 302 verbs in this language. In this part, we divided verbs in eighteen classes based on morphological, syntactic and semantic criteria established from phenomena present in Juruna. These phenomena are: verb reduplication, semantic properties of roots and affixes, causativization and properties of roots that, associated to verbalizers, form verbs. We presented constructions and morphological operations that each verb described realize, for instance: valence alternation (by affixation or labile alternation), reduplication and suppletion and their functions in this language. The second part of the dissertation - entitled analysis - presents a generativist account of some Juruna facts described in the first part. To discuss verb formation we based ourselves on Hale & Keysers (1993; 2001) proposal that verbs are formed from two basic structures (monadic and dyadic) with verbal nuclei (V1 and V2) organized structurally and hierarchically. These structures are utilized parametrically, taking into consideration verbal root restrictions and syntactic and semantic traces. Supported by this theorical proposal, we argued that verbs in Juruna are formed structurally based on restrictions of their root. These restrictions will also determine the process of attribution and change of valence and voice and the processes of verb duplication and suppletion in the language. After the analysis of verb formation, we present a hypothesis of sentence structure in Juruna based on the Minimalist Program (Chomsky 1995; 1998; 1999). In this section we discussed: 1) subject insertion (taking into consideration pronominal forms, demonstratives and nominal phrases) in vP; 2) agreement processes; 3) the insertion of mood realis/ irrealis; 4) sentential order; 5) adverbial adjunction and 6) the parallelism between nominal and verbal domains based on cumulativity and quantification. The central theoretical point of this dissertation is to argue in favor of the idea that syntactic properties may be explained, in large part, as a consequence of verb formation. In this sense, to understand the syntactic structure of a language it is essential to understand the argument structure of its verbs. Keywords: Juruna; verbal classes; argumental structures; Hale & Keyser; minimalism

    program.

  • x

    Tabela de abreviaturas

    S Sujeito

    O Objeto

    Adverb. Adverbializador

    Adv Advrbio

    V Verbo

    Poss. Possessivo.

    Dat. Dativo.

    1s Primeira pessoa do singular.

    2s Segunda pessoa do singular.

    refl Reflexivo

    3 Terceira pessoa

    3s Terceira pessoa do singular.

    3poss Terceira pessoa possessiva

    1pl Primeira pessoa do plural

    2p Segunda pessoa do plural.

    3pl Terceira pessoa do plural.

    v Verbalizador; verbo leve

    Pl plural

    Asp aspecto

    Caus causativizador

    Dupl Duplicado (verbo duplicado)

    Rel. Morfema de relativa

    Realis Modo realis

    Irrealis Modo irrealis

    neg negao

    Aux auxiliar

    Num numeral

    Nom nominalizador

    I Intransitivizador

    T Transitivizador

  • xi

    Sumrio

    Sees Pgina

    Introduo 01

    1. Os Juruna........................................................................................................... 01

    2. Material e mtodos............................................................................................ 03

    3. Das classes de verbos compreenso da estrutura da lngua Juruna:

    introduo ao tema e objetivos..............................................................................

    05

    Parte I - Das classes verbais da lngua Juruna: descrio 07

    1. Introduo parte I.............................................................................................. 08

    2. Dos verbos da lngua Juruna: descrio das classes verbais........................... 12

    3. Da formao dos verbos.................................................................................... 33

    (3.i) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais........................ 33

    (i.a) Verbos formados com {-h-} ................................................................ 33

    (i.b) Verbos formados com {-k-}................................................................. 34

    (i.c) Verbos formados com {-d-}................................................................. 37

    (i.d) Verbos formados com {-t-}.................................................................. 37

    (i.e) Verbos formados com {-n-}................................................................. 38

    (3.ii) Verbos a partir de adjetivos....................................................................... 38

    (3.ii.a) Formao de verbos deadjetivais a partir do verbalizador {maku}. 38

    (3.ii.b) Formao de verbos deadjetivais a partir de verbalizador

    fonologicamente nulo...................................................................................

    39

    (3.iii) Verbos a partir de nomes........................................................................... 40

    (3.iii.a) Formao de verbos denominais a partir de fuso entre

    verbalizador e objeto....................................................................................

    40

    (3.iii.b) Formao de verbos denominais a partir de verbalizador nulo...... 40

    (3.iii.c) Formao de verbos denominais a partir de mudana tonal........... 41

    (3.iii.d) Formao de verbos denominais a partir do sufixo {-u}................ 42

    (3.iv) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais, mas

    com verbalizador nulo..................................................................................

    43

    (3.iv.a) Verbos terminados em a.................................................................. 43

    (3.iv.b) Verbos terminados em i.................................................................. 45

    (3.iv.c) Verbos terminados em ................................................................... 46

    (3.iv.d) Verbos terminados em e.................................................................. 46

  • xii

    (3.iv.e) Verbos terminados em u.................................................................. 47

    (3.v.) Verbos a partir de posposies.................................................................... 48

    (3.vi) Verbos formados a partir de outros verbos................................................ 48

    (3.vii.) Consideraes finais da seo................................................................... 49

    4. Das alternncias de valncia............................................................................ 49

    (4.i.) Introduo .................................................................................................... 49

    (4.ii.) Processos de mudana de valncia na lngua Juruna................................... 52

    (4.ii.a) Transitivizao com o morfema {a-}............................................... 52

    (4.ii.b) Intransitivizao (a partir de raiz sem valncia ou a partir de

    transitivos que no so formados com a)...................................................

    54

    (4.ii.c) Transitivizao por mudana de ordem (verbalizador+ raiz).......... 55

    (4.ii.d) Transitivizao complexa................................................................ 56

    (4.iii) Da duplicao verbal: descrio do processo.............................................. 59

    (4.iv) Do fenmeno da supleo........................................................................... 65

    (4.v) Da alternncia labile..................................................................................... 66

    (4.vi) Consideraes finais da seo..................................................................... 67

    Parte II: anlises 68

    1. Dos verbos: formao, valncia, voz e duplicao........................................... 69

    1.i. Introduo................................................................................................... 69

    1.ii. Formao de razes.................................................................................... 74

    1.iii. Os verbalizadores e suas funes: Caso................................................... 96

    1.iv. Os ncleos verbais V1 e V2: atribuio e mudana de valncia............... 98

    1.v. Formao dos verbos inergativos, inacusativos e transitivos................. 105

    1.v.i. Formao de transitivos complexos (causativizaes)............................. 123

    1.vii. Alternncias de voz................................................................................. 136

    1.viii. Duplicao verbal................................................................................... 143

    1.ix. Consideraes finais da seo.................................................................. 170

    2. Da estrutura sinttica das sentenas................................................................. 171

    2.i. Introduo................................................................................................... 171

    2.ii. Formas pronominais, demonstrativos e sintagmas nominais.................... 175

    2.iii. Insero de sujeitos.................................................................................. 197

    2.iv. Concordncia............................................................................................ 206

    2.v. TP.............................................................................................................. 210

  • xiii

    2.vi. Ordem....................................................................................................... 214

    2.vii. Advrbios................................................................................................ 222

    2.viii. Quantificao......................................................................................... 260

    3. Concluses gerais.............................................................................................. 287

    4. ndice remissivo de definies.......................................................................... 290

    5. Referncias bibliogrficas................................................................................. 291

  • 1

    Introduo

    1. Os Juruna/ Yudja

    A lngua Juruna falada por aproximadamente 294 falantes da etnia homnima

    Juruna/ Yudja (sendo Yudja a autodenominao do grupo). Os Juruna moram no Parque

    indgena do Xingu (doravante PIX) em cinco aldeias: Kretire antigo (aproximadamente

    6 falantes), Paksamba (aproximadamente 38 falantes), Pequizal (aproximadamente 28

    falantes), Piarau2 (aproximadamente 83 falantes)3 e Tuba Tuba (aproximadamente 139

    falantes). importante ressaltar que h outros Juruna que moram no Xingu em aldeias

    de outros grupos (por razes diversas, entre elas principalmente o casamento entre

    pessoas de etnias diferentes).

    A lngua Juruna pertence ao tronco Tupi, o qual se divide em sete grandes

    famlias, a saber4:

    2 Esta ltima uma aldeia Kayap onde vive a segunda maior concentrao de falantes da lngua Juruna depois da aldeia Tuba Tuba. 3 Senso realizado em 2008 durante trabalho de sociolingstica promovido pelo Instituto Socioambiental (doravante ISA) com o apoio de todos os professores das aldeias citadas e suas respectivas comunidades. 4 Dados fornecidos pelo Projeto Tupi Comparativo (Museu Paraense Emlio Goeldi) composto por: Ana Vilacy Galucio, Carmen Rodrigues, Denny Moore (coordenador), Didier Demolin, Gessiane Pincao, Luciana Storto, Nilson Gabas Jr, Sebastian Drude e Srgio Meira. Aproveitamos para agradecer a colaborao de Mary Angotti e Dioney Moreira Gomes, pesquisadores da lngua Munduruku.

  • 2

    Proto-Tupi (4000-5000AP)

    Ramarama-Purubor Juruna Aweti-Maw-Tupi Guarani Tupari Arikm Mond Munduruku

    Ramarama Purubor Aweti Maw T-G Karo Purubor Juruna Aweti Maw Ayuru Karitiana Munduruku Xipaya Akuntsu Makurap Mekns A Tupari I II III IV V VI VII VIII Observao: Rodrigues (1985) insere Kamaiur Salamy B Surui no subgrupo VII.

    Aru Gavio Zor Cinta-Larga

    A lngua Juruna pertence famlia Juruna com mais duas lnguas: Xipaya e

    Manitsaw (Rodrigues 1994; 96). Esta j desapareceu completamente. Dela h apenas

    uma pequena lista de palavras registradas por ocasio da primeira viagem de explorao

    ao alto do Xingu. A lngua Xipaya, por sua vez, tambm j foi considerada extinta

    (Rodrigues 1994; 96). Contudo, foram localizadas duas falantes da lngua em Altamira.

    Desde ento, as mesmas so as informantes de Carmen Rodrigues (1990; 1995), que

    descreve e analisa a lngua h 15 anos.

    H registros da lngua e cultura Juruna/ Yudja tanto realizados por lingistas

    como por antroplogos. Entre eles figuram-se registros preliminares de listas de

    palavras e paradigmas verbais (Collins (1962), Nimuendaju (1923), por exemplo) e

    trabalhos lingsticos com intuito de documentao. Neste caso, figuram-se inicialmente

    os trabalhos de Louro (1978) do qual resultou um estudo preliminar sobre a fonologia

    da lngua assim como um conjunto de paradigmas verbais e uma lista de palavras. Alm

  • 3

    dele, h os trabalhos de Fargetti (1992 (mestrado), 2001 (doutorado), entre outros

    artigos sobre questes especficas) que trabalha com a lngua at hoje5. de autoria de

    Cristina Fargetti a primeira descrio e anlise completa da fonologia da lngua Juruna,

    assim como a ortografia utilizada atualmente e o trabalho com questes diversas da

    gramtica da lngua em outros domnios da lingstica alm da fonologia. No que

    compete aos trabalhos de antropologia, possvel incluir o trabalho de Tnia Stolze

    Lima (1986 mestrado e 1995 doutorado, entre outros artigos sobre questes

    especficas). importante salientar que h os trabalhos dos prprios Juruna sobre sua

    cultura. Os temas de pesquisa incluem questes relativas aos alimentos, artesanato e

    msica. Este tipo de atividade evidencia a tendncia de fortalecimento da figura do

    professor-pesquisador de sua prpria lngua e cultura. Este tipo de postura , sem

    dvida, desejvel e ideal.

    2. Material e mtodos

    Os dados utilizados para a anlise foram os dados coletados por mim

    identificados no texto tal como segue abaixo:

    Cdigo Caractersticas

    Lima I Trabalho de campo realizado em 2005,

    com dois informantes Juruna em Braslia.

    Lima II Trabalho de campo realizado em 2006,

    com dois informantes Juruna do sexo

    masculino. O trabalho foi realizado em

    So Paulo, com participao de Luciana

    Storto.

    Lima III Trabalho de campo realizado em 2006,

    com dois informantes Juruna do sexo

    masculino. O trabalho foi realizado em

    So Paulo, com participao de Luciana

    5 Para questes sobre migrao Juruna vide Fargetti (1992) e Oliveira (1970). Para questes de fonologia consultar Fargetti (1992), (2001).

  • 4

    Storto.

    Lima IV Trabalho de campo realizado em 2006,

    com uma informante Juruna. O trabalho

    foi realizado em So Paulo.

    Lima V Trabalho de campo realizado em 2007, no

    Parque Nacional do Xingu com quatro

    informantes do sexo masculino.

    No processo de descrio dos verbos foram observados tambm os dados

    apresentados pelos outros autores citados acima. Em outras palavras, as generalizaes

    apresentadas neste trabalho partem de outras descries da lngua Juruna j realizadas.

    Quando necessrio, apresentaremos os dados destes outros trabalhos devidamente

    identificados no corpo do texto relacionando a referida pgina do original. Vale ressaltar

    que utilizaremos a ortografia proposta por Fargetti (2001; 51) e que os tons no sero

    marcados neste texto, com exceo dos casos em que eles se mostrarem relevantes para

    o tema em discusso. Com isso, no marcaremos tom inclusive nos dados de Fargetti

    (2001) que so originalmente marcados com tom. A ortografia a que nos referimos :

    Alfabeto IPA

    p b t d k p b t d k /

    tx dj t d

    m n m n

    r

    s z x h s z h

    l

    w y w j

    i u i u

    e a e a

    Os dados estaro organizados no texto da seguinte forma: a numerao

    independe do captulo. Eventualmente pares de dados anlogos podero ser

  • 5

    diferenciados por letras (1.a/ 1.b, por exemplo). As divises internas de cada seo

    sero simbolizadas por nmeros romanos.

    3. Das classes de verbos compreenso da estrutura sinttica da lngua

    Juruna: introduo ao tema e objetivos

    Neste trabalho objetivamos apresentar a descrio e anlise dos processos de

    formao de verbos e da sintaxe da lngua Juruna. Um argumento basilar para a

    constituio deste trabalho o fato que a formao dos verbos desencadear todos os

    outros processos sintticos subseqentes, uma vez que o comportamento sinttico de um

    verbo resultado das propriedades de sua estrutura argumental. Por esta razo, para a

    compreenso da sintaxe de uma lngua necessrio compreender a estrutura argumental

    de seus verbos. este, portanto, o percurso que o trabalho apresenta.

    Este trabalho dividido em duas grandes partes: na primeira delas apresentamos

    uma descrio dos verbos da lngua, sem discutir anlises possveis para os fatos. Nesta

    parte explicitaremos, apenas, os conceitos e critrios utilizados para a diviso das

    classes. Na segunda parte do trabalho apresentamos a anlise dos dados. Partimos da

    formao das razes verbais, seguindo pela formao dos verbos e os respectivos

    processos associados a eles (alternncias de valncia e voz, assim como a supleo e

    duplicao verbal) para ento discutir outras questes, tais como: insero de sujeitos,

    concordncia, ncleo TP, advrbios, quantificao e o paralelismo entre os planos

    nominal e verbal.

    Com esta diviso de trabalho descrio e anlise procuramos cumprir o

    objetivo inicial desta pesquisa que era tanto contribuir com a descrio dessa lngua

    como contribuir com o avano das pesquisas na rea da lingstica gerativa. No que

    compete s questes tericas, pautamo-nos em duas propostas de anlise. Para as

    questes relacionadas formao de verbos e estrutura argumental nos pautamos na

    proposta de Hale & Keyser. Para as questes relacionadas formao das sentenas nos

    pautamos no programa minimalista o qual adotamos justamente por seus princpios

    bsicos - economia e elegncia do sistema nos processos de aquisio e projeo das

    sentenas - e por ser uma proposta compatvel com a anlise de Hale & Keyser.

    Considerando o carter descritivo do trabalho, necessrio dizer que este processo

    fundamental primeiro como retorno para o grupo indgena que pode fazer uso destes

    resultados na escola da aldeia, segundo por ser um registro de um momento da histria

  • 6

    lingstica dos Juruna. Alm disso, a descrio importante para os estudos sobre

    lnguas Tupi. Do ponto de vista diacrnico, a lngua Juruna importante na histria do

    tronco Tupi porque representante de um dos trs subgrupos do ramo oriental (Cabral

    2002 e Rodrigues & Cabral 2003).

    No ramo oriental do tronco Tupi, temos a famlia Juruna, a famlia Munduruku e a

    subfamlia Aweti-Maw-Tupi Guarani. Hipotetiza-se que haja uma relao gentica

    entre estes trs sub-agrupamentos, diferenciando-os do ramo ocidental. As cinco

    famlias do grupo hipottico chamado de tupi ocidental so representadas por lnguas

    que so faladas hoje em Rondnia. Partindo da hiptese de Rodrigues (1964) de que os

    Tupi surgiram em Rondnia 4.500 anos atrs, possvel supor que tenha havido uma

    diviso inicial do povo em dois grupos em algum momento da pr-histria, que resultou

    na migrao de um dos subgrupos para fora de Rondnia, enquanto que o outro grupo

    ficou em Rondnia e gerou as 5 famlias lingsticas ali faladas hoje. Se for confirmada

    uma maior proximidade gentica entre as lnguas Tupi faladas fora de Rondnia, esta

    hiptese poder ser corroborada. Para tanto, a importncia do estudo da lngua Juruna a

    partir da descrio exaustiva dos fatos inquestionvel. Desenvolver o conhecimento da

    lngua Juruna contribui, portanto, para a compreenso do tronco Tupi atravs de estudos

    comparativos.

    Sendo assim, este trabalho procura descrever e analisar os verbos da lngua Juruna

    com o objetivo de compreender a sintaxe da lngua. Como conseqncia, procuramos

    produzir ao mesmo tempo um material que seja relevante para o trabalho na escola da

    aldeia assim como um material terico que colabore com os estudos acadmicos.

    Objetivamos que este trabalho contemple a necessidade sempre latente de descrio das

    lnguas indgenas brasileiras e, simultaneamente, contemple o desenvolvimento dos

    programas de pesquisa gerativistas. Dessa forma, procuramos inserir a lngua Juruna em

    estudos comparativos no apenas a partir de outras lnguas Tupi, mas para a insero

    das pesquisas desta lngua em um contexto mais abrangente, qual seja, o dos estudos

    voltados a universais lingsticos, sintticos e semnticos.

  • 7

    PARTE I:

    descrio

  • 8

    Parte I

    Das classes verbais da lngua Juruna: descrio

    1. Introduo da Parte I

    Na parte I deste trabalho nossa preocupao descritiva. Descreveremos os

    processos de formao dos verbos da lngua Juruna sem apresentar, neste momento, as

    anlises tericas para estes fatos. Contudo, importante explicitar para o leitor quais

    foram os critrios utilizados para a descrio. Visto isso, faremos inicialmente uma

    discusso dos parmetros usados partindo de alguns conceitos tericos que sero

    utilizados (vale ressaltar que estes conceitos sero discutidos posteriormente, na parte

    II):

    - Base semntica-fonolgica: uma das partes responsveis pela formao da raiz

    verbal. Essa base carrega as informaes do tipo de evento denotado e

    informaes fonolgicas, como padro silbico e padro tonal. A base

    semntica-fonolgica pode ser acategorial ou categorizada (nominal e adjetival).

    - Verbalizador: a outra parte responsvel pela formao das razes verbais. Trata-

    se de um morfema (fonologicamente realizado ou no) responsvel por atribuir

    ou mudar a categoria de uma base semntica-fonolgica em um verbo. Na lngua

    em questo, os morfemas de valncia so sempre sufixais.

    - Duplicao: quando toda a morfologia do verbo repetida (kurakura, ferver,

    em Juruna) ou quando parte dela repetida, no interior da raiz verbal, com

    eventual insero de outros morfemas (djidaku > djidaidaku, bater, em

    Juruna).

    - Ncleo funcional: morfemas que trazem informaes gramaticais aos verbos da

    lngua; no caso da lngua Juruna isso inclui: morfemas de valncia, categoria

    (verbo, nome, por exemplo) e modo.

    - Raiz: a raiz verbal formada pela fuso entre um verbalizador e uma base

    semntica-fonolgica.

  • 9

    - Supleo: quando um verbo apresenta duas formas possveis as quais no esto

    relacionadas morfologicamente, por exemplo kill/ die [Pin ~n 2001] e tahu e

    wna~ (correr, em Juruna).

    - Morfema de valncia: morfema que indica se a raiz foi transitivizada ou

    intransitivizada. Na lngua em questo, os morfemas de valncia so sempre

    prefixais.

    Para delimitar as razes verbais e os morfemas que formam a categoria verbal

    em Juruna, os parmetros utilizados foram:

    (i) Duplicao: tendencialmente apenas a base semntica-fonolgica dos verbos

    duplica, os ncleos funcionais (modo, verbalizador e morfemas de valncia)

    no:

    (1) Morder: a-txu

    T-raiz

    Morder, duplicado: a-txu-txu

    T-raiz.dupl

    (2) Contar: a-b

    T-raiz

    Contar, duplicado: a-bb

    T-raiz.dupl.

    (ii) Comparao dos verbos da lngua e observao de comportamento sinttico

    comum aos verbos que apresentam os mesmos morfemas (por exemplo,

  • 10

    verbos que apresentam o prefixo {a-}6 so transitivos; logo, podemos

    determinar qual a raiz verbal e quais so os morfemas de valncia):

    (3)

    Raiz

    Verbo em

    portugus

    TransitivizadorBase

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador Modo Verbo em

    Juruna

    Cobrir a -pau- -k- -u Apauku

    Apertar a -hu- -k- -u Ahuku

    Quebrar a -pi- -k- -u Apiku

    (iii) Proximidades semnticas (verbos que tem mesma raiz e proximidade

    semntica):

    (4)

    Raiz

    Verbo Intransitivizador TransitivizadorBase

    semntica-

    fonolgica

    Base

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador

    Cortar

    (akr)

    kr

    Quebrar

    por

    dentro

    l- -a- kr

    6 Usaremos { } para indicar a representao morfolgica de morfemas e alomorfes, no fornecendo diretamente nenhuma informao sobre pronunciao (Lopes 2001)

  • 11

    (lakr)

    Rasgar

    (labkr)

    l- -a- b- kr

    (iv) Causativizao (os verbos so causativizados a partir da raiz lexical, no a

    partir do verbo com outros morfemas de valncia):

    (5)

    Verbo Intransitivizad

    or

    Transitivizad

    or Base

    semntic

    a-

    fonolgic

    a

    Verbalizad

    or

    Causativiza

    o

    Estraga

    r

    (lm~m ~

    )

    l- -a- mm * ima-la~m ~m~

    * yu~-la~m~m~

    No exemplo acima, as causativizaes (que ocorrem na lngua com a insero

    dos morfemas {ma-} em verbos inacusativos e {u ~-} em verbos inergativos) so

    agramaticais porque so incompatveis com os morfemas {l-} e {-a-}. {l-} e {-a-} so

    morfemas de valncia na lngua (intransitivizador e transitivizador, respectivamente).

    Um fato semelhante que mostra essa incompatibilidade e, por conseguinte, que {l-} e

    {-a-} no fazem parte da raiz segue abaixo; a verso causativizada aparece apenas

    com o morfema de concordncia e causativizao ({i-} e {-ma-}, respectivamente):

    (6)

    Verbo Intransitivizad

    or

    Transitivizad

    or Base Verbalizad

    or

    Causativiza

    o

  • 12

    semntic

    a-

    fonolgic

    a

    Perder/

    sumir

    (lahua

    intransitiv

    o)

    (ahua

    transitivo)

    l- -a- -hua zero I-ma-hua

    (v) Verbos originados de outras categorias de palavras (nomes e adjetivos):

    Exemplo:

    (7)

    Adjetivo Verbo em Juruna

    Aduria (velho) Aduriu

    No exemplo acima, vemos que o {a-} inicial j aparece no adjetivo que gerar o

    verbo. Sendo assim, este {a-} no um transitivizador.

    Visto os critrios adotados, apresentaremos as classes de verbos da lngua.

    2. Dos verbos da lngua Juruna: descrio das classes verbais

    Nesta primeira seo faremos uma apresentao descritiva dos verbos da lngua

    Juruna. As classes apresentadas foram analisadas a partir da observao de 302 verbos

    transitivos e intransitivos (inacusativos e inergativos)7. Apresentamos a seguir uma

    primeira tabela com todos os verbos descritos e suas classificaes em relao

    valncia. Vale dizer que: 1) os verbos apresentados na tabela estao no modo realis; 2)

    verbos que esto numerados ((1)/ (2)) realizam supleo; 3) verbos separados por barras

    7 A partir de critrios que sero apresentados posteriormente, na seo de anlise.

  • 13

    (/) so verbos que apresentaram mais de uma grafia possvel no corpus; 4) quando o

    verbo apresenta duas contrapartes (intransitiva e transitiva) nos referimos alternncia

    simples: a parte intransitiva seria aquela na qual o objeto da parte transitiva ocupa a

    posio do sujeito, tal como em a farinha torrou/ Joo torrou a farinha. Vejamos:

    Tabela (8)

    Verbos em Juruna Verbo em Portugus Verbo

    intransitivo

    Verbo transitivo

    1. Abaixar (para pessoas) laberiku Maku laberiku

    2. Abaixar cabea laputuka

    3. Abaixar (coisa) pri~ (BA)

    4. Abandonar (algo, coisas) Imaeu

    5. Abandonar (aldeia) elaku

    6. Abraar Abi

    7. Acabar Masehu Imasehu

    8. Acordar Paku u~baku/umbaku

    9. Acrescentar iunu

    10. Adoar ima'e ~txa~ku~8

    11. Adoecer Kaneauadju

    12. Afundar Lamumi amumi

    13. Ajuntar (i)snu

    14. Ajuntar (l)a~hu~me

    15. Alcanar Watxuku

    16. Alisar marru9

    17. Amar/ gostar/ querer a

    18. Amanhecer Kahu

    19. Amarelar yu~pi~ maku Mku yu~pi~

    20. Amarrar ipdku

    8 Verbo que s existe causativizado. 9 Verbo que s existe na forma causativizada.

  • 14

    21. Amarrar (amarrar algo no tronco) apa~yu~

    22. Amarrar (amarrar algo em forma de

    feixe, por exemplo, amarrar redes

    todas juntas).

    pku

    23. Amassar iduduka

    24. Andar ppa

    25. Andar/ Caminhar/ Caar/ Fazer

    expediente

    Puduku10

    26. Anoitecer Txa kamad/

    kamad

    27. Apagar Lamihu Amihu

    28. Aparecer Ekua

    29. Apertar Ahuku (BAB)

    30. Apertar (com instrumento) dapka

    31. Apertar (apertar alguma coisa

    amarrada)

    dahuka

    32. Arder Ad

    33. Arranhar (l)atxatxaku atxatxaku

    34. Assar Atxuhu

    35. Assar Kae~ 36. Assoprar Asu

    37. Assustar Edtu (i)adtu

    38. Atirar pku Ap

    39. Avermelhar asu~ri) maku 40. Azedar thuku maku

    41. Banhar taeta

    42. Barbear/ Capinar Ak~zu (BBA)

    43. Bater djidaku

    44. Bater timb edaku

    45. Bater parte do corpo em algo lugar ap

    10 Com o auxiliar kara (puduku kara) o verbo pode ainda significar: visitar parentes e ficar andando.

  • 15

    46. Beber (alcolico) arehu Arehu

    47. Beber (remdio) Utu

    48. Beijar Itu~

    49. Beliscar Ixmi

    50. Beliscar Iparaku

    51. Brigar Lakariku

    52. Brilhar Txrr

    53. Brincar Ww

    54. Bocejar Aaa

    55. Boiar (mar sem onda) L

    56. Boiar (mar com onda) L uta

    57. Boiar Unta

    58. Buscar awa

    59. Caber pei~

    60. Caar puduka

    61. Cair (para [+ humano]) Bdtu

    62. Cair (1) Ala (um

    objeto/ pessoa)/

    (2) Etu (muitos

    objetos/ pessoas)

    63. Cair de repente mi ~tu bdtu

    64. Cantar Aba (BAA)11

    65. Casar (sujeito feminino, fala

    masculina)

    Apaku

    66. Casar (sujeito masculino, fala

    feminina)

    Iwae

    67. Casar (sujeito masculino, fala

    masculina)

    Ania

    68. Casar (sujeito plural; por exemplo,

    Joo Maria dalawa)

    la~wa~

    11 O tom ser eventualmente marcado quando for relevante para a compreenso da formao dos verbos. O tom alto ser grafado com A e o tom baixo com B.

  • 16

    69. Casar (sujeito feminino, fala

    feminina)

    Imenu~

    70. Cavar up

    71. Cegar ise'a~u~

    72. Chegar W

    73. Cheirar i~a~

    74. Chorar (por morte) (1) Ea /

    (2)Yayaya

    75. Chover Amana ala

    76. Chupar Itu~tu~

    77. Clarear Ikbe maku maku ikibe

    78. Cobrir/ tampar apauku

    79. Coar (quando a pessoa sente

    coceira)

    Ataata

    80. Coar (quando a pessoa coa uma

    nica parte do corpo)

    kwkw

    81. Coar (para coar o corpo inteiro) dukuku

    82.

    83. Colher (banana, ovo de tracaj,

    cacho de inaj (palmeira))

    (1) Yaku; (2) ame~

    84. Colocar (uma nica coisa) au

    85. Colocar (em quantidade; vrias

    coisas todas juntas em algum lugar

    um buraco ou uma vasilha, por

    exemplo)

    Ameku

    86. Colocar (muitas coisas dentro de

    um buraco)

    im ~nu

    87. Comer Ixu

    88. Comer (alimentar) Etxuku

    89. Contar udase

    90. Contar ab

    91. Correr (correr de alguma coisa) (1) Tahu/ (2)

  • 17

    Wna~

    92. Cortar lenha akr txa

    93. Cortar Akr

    94. Cortar ataku

    95. Costurar iparaku12

    96. Cozinhar i~w~yu~

    97. Criar/ Adotar Imazu

    98. Cubrir Apauku

    99. Curar (com a boca, pajelana) Itu~

    100. Curar (com a mo,

    pajelana)

    ibitxudu

    101. Curar (no sentido de

    melhorar; para a pessoa que

    curada)

    P~na

    102. Custar iba

    103. Danar Karia (ABA)

    104. Dar (1) (i)kua/ (2) Upiku

    105. Deitar/ parar Pxihu/pna

    106. Deitar maku

    107. Deixar bravo, irritar u~m~yu~

    108. Depilar Apedu

    109. Derramar Lapa apa

    110. Derrubar (1) Daku/ (2) daraku

    111. Desabrochar (intransitivo)/

    rachar (transitivo)

    lataku ataku

    112. Desaparecer Maetku~

    113. Descansar p~na~

    114. Descascar (casca j solta;

    retirar a carne)

    (i)bku

    12 Os verbos beliscar e costurar no apresentam diferena alguma. Inclusive os tons so os mesmos.

  • 18

    115. Descascar asaku

    116. Descer pela rvore/ sentar abku

    117. Desenhar a~ha~ maku

    118. Desenhar (fazer imagem) a~ha~ xu

    119. Desenhar/ construir/ copiar (i)mamaku

    120. Desmaiar Iku~du~

    121. Destroncar yu~ruku

    122. Dormir Iyu

    123. Emagrecer U~la~mi

    124. Emagrecer (fala respeitosa) Bikaru

    125. Emagrecer Ipi'i~

    126. Embrulhar (qualquer objeto) Ahuku (BAA)

    127. Embrulhar (comida, para

    assar)

    U~p~

    128. Empurrar (i)depu

    129. Empurrar (canoa pelo rio) yu~uruku

    130. Emudecer Iwu ~ maku Maku iwu

    131. Encontrar (i)du

    132. Enfeitar u~ka (BA)

    133. Engasgar (transitivo)/ morrer

    (intransitivo)

    Ea Ea

    134. Engatinhar Txitxiku

    135. Encher It

    136. Engordar Atxu~ maku

    137. Engravidar Ima~bu Lapiku

    138. Engrossar Kudukudu maku

    139. Ensurdecer Napiuku maku

    140. Entardecer kai~txa

    141. Entrar/ voltar pela metade do

    caminho

    Eu

    142. Entristecer e)uhu) maku

  • 19

    143. Envelhecer Aduriu

    144. Esconder yaeta

    145. Escorregar pixaku

    146. Escrever waxi~waxi~

    147. Esfriar Itxaaku

    148. Espantar ebataku

    149. Esperar ilaku

    150. Espirrar A~xi~ a~xi~

    151. Esquentar/ Ficar com febre Akuhu

    152. Estar em p M~su

    153. Estragar Lm ~m ~ Lm~m ~

    154. Estourar (estourar ou partir

    sem cair pedao)/ Rachar

    Ludjaku udjaku

    155. Esvaziar Iblu) maku 156. Esverdear Akzu maku

    (BAA)

    Maku akzu

    157. Explodir Yupararaku/

    pararaku

    158. Explodir ludjaku

    159. Falar/ Reunir-se/ conversar Kamenu

    160. Fazer Kariku

    161. Fazer (a)Ka

    162. Fazer ppku

    163. fazer wanu

    164. Fazer (beiju) (I)puku/ ipku

    165. Fazer bonito u~-pi

    166. Fechar; tampar Ikupenu ikupenu

    167. Ferver Kurakura

    168. Ficar toa Pa~pa~ kara

    169. Ficar bonito Ikiaha maku

    170. Flechar api

  • 20

    171. Flechar apina

    172. Florescer (i)batxiu

    173. Flutuar u~ta

    174. Fritar srr/ yu~srr

    175. Fugir Eneu~

    176. Fumar/ beber Awi

    177. Furar Unaku

    178. Gritar (gritar com as

    pessoas)

    Azahaha

    179. Gritar (de medo ou dor) ee

    180. Gritar (na festa) eneneu

    181. Guardar (uma coisa apenas) imaku

    182. Incomodar13 Abahu

    183. Ir (auxiliar) Txa

    184. Jogar (coisas ao mesmo

    tempo)

    Daraku

    185. Jogar (jogar um) Daiku

    186. Jogar algo ppku

    187. Jogar Itu

    188. Juntar Apanu

    189. lavar (i)daku

    190. lavar (i)tutu (apenas um) /

    aututu (muitos)

    191. Lembrar (i)Kudu

    192.

    193. Lenhar

    itxitxadu

    194. Levantar Abku

    195. Levantar (fazer levantar ou

    voar)

    i~lau ~

    196. Levantar (ficar em p) msu

    13 Este verbo assim como elu (ter saudade) so verbos cujo objeto marcado com caso dativo. Para alm disso, abahu tambm pode ser interpretado como enjoar.

  • 21

    197. Levar idjutxa

    198. Limpar Bitxitxiku (lipar a

    si mesmo)

    itxitxiku/ etxitxiku

    199. Limpar (coisas) ptxiku

    200. Limpar animais (tirar

    escamas, por exemplo)

    ibizadaku

    201. Machucar Eduku/ lakr Duku

    202. Machucar (o corpo inteiro) (Ede) mi~tu

    203. Mandar Ada

    204. Matar/ Caar (1) Abaku / (2)Adku~

    205. Menstruar Meu~

    206. Mentir Yaridjaridja

    207. Mergulhar Lurutu; laurutu

    208. Mexer

    209. Mexer yukukutu/Iukutu

    210. Molhar iuru

    211. Morder Atxu

    212. Morrer Etaa

    213. Morrer e~a~

    214. Nadar Etahu

    215. Nascer S

    216. Nascer (gmeos; trabalho de

    parto simultneo)

    e~ e~

    217. Nascer (l)u~baru

    218. Obedecer Kamena e~du

    219. Olhar (rapidamente na

    surpresa)

    Elu

    220. Ouvir e~du

    221. Parar/ Sarar pna

    222. Parir Matxia

    223. Partir/rachar Pabku/ lupabku

  • 22

    224. Passar Kara14

    225. Pegar/ Segurar Pdku

    226. Pegar/ Comprar (1) Ita/ (2) i~w

    227. Pegar (pegar algo em grande

    quantidade e jogar em outro lugar)

    Ameku

    228. Pentear Lapinu

    Apinu

    229. Pentear (1) Itxiaku/ (2) a~piapinu

    230. Perder/ Desaparecer (objeto) Lahua

    231. Pescar Khu Pdku

    232. Perseguir Yubi kara

    233. Pilar Padaku15

    234. Pilar Utxa~ku~

    235. Pilar (com cuia apenas

    para pilar peixe)

    Pududuku

    236. Pilar (legumes) iduduku

    237. Pintar u~ka uka/ lu~ka/ ka 238. Pintar wxi

    239. Piscar pumipumi

    240. Plantar (i)katu

    241. Pr itu

    242. Procurar (i)ka

    243. Pular Prka

    244. Puxar Dedu

    245. Quebrar (parte do corpo;

    partir no meio)

    lapiku Apiku

    246. Quebrar kuwataku

    247. Quebrar (um pedao) lataku Ataku

    14 Tambm ocorre como auxiliar em contextos continuativos (Joo est passando, por exemplo). 15 Padaku/ Utxa~ku~ no se configuram como verbos em alternncia simples, como A farinha pilou/ A mulher pilou a farinha. Padaku utilizado em contextos como iidja padaku (a mulher pilou, sem especificao do objeto) e utxa~ku ~ utilizado para contextos em que o objeto especificado.

  • 23

    248. Quebrar (para objeto; vrios

    pedaos)

    Lapidu Apidu

    249. Quebrar (por dentro) Lakr

    250. Quebrar (quebrar algo no

    meio)

    apiku

    251. Queimar Txuxi

    252. Queimar (I)txuku

    253. Querer sa

    254. Ralar besebese

    255. Rasgar Lusi

    256. Rasgar/ trocar Ladu

    257. Rasgar labkr

    258. Recordar yaekua

    259. Remar Uruku

    260. Responder awa

    261. Respirar la~ma ~te~

    262. Respirar itiata

    263. Retornar Aumeta

    264. Roar Pema

    265. Roar atxadu atxadu

    266. Rodar no rio Wa~na~

    267. Roncar karn

    268. Roubar Paiaia

    269. Saber Ubahu

    270. Sair S

    271. Sangrar Apetu apetu

    272. Secar Txuratxu

    273. Sentar Txuka

    274. Sonhar eelu

    275. Sorrir Lakariariku

    276. Suar Kapr

    277. Subir Epa

  • 24

    278. Sujar bidku(imabidku)

    279. Sujar (para sujeira da casa

    ou cho)

    (I)kabutxu (yu ~kabutxu)

    280. Trabalhar Kuperi

    281. Trazer junto (i)djuw

    282. Ter cime ilawlu

    283. Ter preguia ipadjihu Maku ipadjihu

    284. Ter saudade Elu kara

    285. Ter fome Bataku (bbaa)

    286. Ter Au

    287. Torcer huli

    288. Torrar ui16 Hunu/ ahu~nu

    289. Tossir eseese

    290. Transformar/ Mudar Maku

    291. Tremer Ariari

    292. Triturar utxaka~/ utxa~ka~

    293. Varrer ptxiku

    294. Ver/ Cuidar/ Esperar zaku

    295. Vestir/ Enfiar alguma coisa Au

    296. Vingar (e~)ma~nu (ABB) (i)ma~nu (BBA)

    297. Virar um pouco Bese

    298. Virar completamente Txuruku

    299. Voar (1) a~u~ / (2)

    ebataku

    300. Voar Ilu~

    301. Voltar W

    302. Vomitar Enaena

    Valncia

    16 Este verbo tambm utilizado para dizer que a farinha foi pilada mo, sem utilizao da cuia (Lima V).

  • 25

    No que compete diviso entre verbos transitivos e intransitivos partimos do fato

    que um verbo transitivo exige um argumento interno na posio de objeto e ser

    agramatical sem ele:

    (a) pitxa ixu na

    peixe comer 1s

    Eu comi peixe

    (b) * ixu na

    comer 1s

    Em contraparte, os verbos intransitivos no exigem argumento interno na

    posio de objeto17 e, se este argumento inserido, a sentena torna-se agramatical:

    (c) etxuku na

    comer 1s

    Eu comi/ Alimentei-me

    (d) * pitxa etxuku na

    comer comer 1s

    Um outro critrio para diferenciar verbos intransitivos de verbos transitivos so os

    morfemas de valncia. Os morfemas {l-} e {e-} esto associados intransitividade

    enquanto que os morfemas {a-}, {ma-}, {u~-}, esta associado transitividade.

    importante dizer que os verbos intransitivos podem ser divididos em duas

    classes a partir de dois fatos: 1) os verbos que realizam causativizao com {ma-} so

    diferentes dos verbos que so causativizados por {u~-} uma vez que estes morfemas

    esto em distribuio complementar; 2) h verbos intransitivos que realizam alternncia

    simples (o vaso quebrou/ Joo quebrou o vaso) - e, logo, so inacusativos e h outro

    grupo que no realiza esta alternncia (inergativos). possvel observar que verbos

    17No caso dos verbos inacusativos cujo sujeito gerado na posio de argumento interno, este argumento interno move para a posio de sujeito e no permanece na posio de objeto e, portanto, este fato diferencia um verbo inacusativo (que intransitivo) de um verbo transitivo.

  • 26

    inacusativos so causativizados com o morfema {ma-} e os verbos inergativos com o

    morfema {u~-}.

    Variao morfolgica dos verbos

    Analisando os 302 verbos acima descritos em seus contextos de uso (que sero

    apresentados no decorrer da anlise), observamos que a morfologia de um verbo pode

    variar de acordo com os seguintes fatores: 1) valncia, 2) pluralidade de eventos, 3)

    especializao semntica (modo como o evento performado) 4) polidez e 5) sexo do

    falante.

    Valncia

    H verbos em Juruna que apresentam formas diferentes de acordo com a

    valncia (se transitiva ou intransitiva):

    Tabela (09): especializaes do verbo comer

    Denotao bsica Especializaes Forma verbal em

    Juruna

    Comer Sem objeto Etxuku

    Comer Com objeto e, por conseguinte,

    especificao do que foi ingerido.

    Ixu

    Tabela (10): especializaes do verbo pescar

    Denotao bsica Especializaes Forma verbal

    em Juruna

    Pescar Sem objeto Khu

    Pescar Com objeto e, por conseguinte,

    especificao do que foi pescado.

    Pdku

  • 27

    Pluralidade de eventos

    H verbos da lngua Juruna que marcam pluralidade atravs de duplicao da

    raiz verbal assim como h verbos que marcam pluralidade atravs de supleo. Os

    verbos que realizam supleo neste contexto so:

    Verbos em Juruna Verbo em Portugus Forma verbal

    neutra para

    numero

    Forma verbal para

    plural

    Cair Ala (um

    objeto/

    pessoa)

    Etu (muitos objetos/

    pessoas)

    Casar Apaku,

    Iwae/Iwai,

    Ania, la~wa~

    Imenu~

    Chorar Ea yayaya

    Colher (banana, ovo de tracaja, cacho

    de inaja (palmeira))

    Yaku ame ~

    Colocar au Ameku, imnu

    Correr (correr de alguma coisa) Tahu Wna~

    Dar (i)kua Upiku

    Derrubar/ Jogar Daku Daraku

    lavar Tutu Aututu

    Matar/ Caar Abaku Adku~

    Pegar/ Comprar Ita i~w

    Pentear Itxiaku apiapinu

    Voar a~u~ ebataku

  • 28

    Especializao semntica

    No que compete especializao semntica, podemos observar os verbos de

    (12) a (16). Veremos que o modo como o evento performado e traos como

    [+humano]18 influenciam a forma verbal utilizada. Vejamos:

    Tabela (12): especializaes do verbo quebrar

    Denotao bsica Especializaes Forma verbal em

    Juruna

    Quebrar Quebrar parte do corpo; partindo

    alguma parte do corpo ao meio.

    Lapiku/ Apiku

    Quebrar Para objetos que quebram em vrios

    pedaos

    Lapidu/ Apidu

    Quebrar Para algo que quebra por dentro Lakr

    Quebrar Para os casos em que apenas um

    pequeno pedao de algo quebrado

    Lataku

    Tabela (13): especializaes do verbo cair

    Denotao bsica Especializaes Formal verbal em Juruna

    Cair [+ humano] Bdtu

    Cair [- humano/ + humano] Ala

    Cair Para algo que cai repentinamente Pdtu

    Tabela (14): especializaes do verbo pilar

    Denotao bsica Especializaes Forma verbal em Juruna

    Pilar Pilar peixe com o uso de uma cuia Pududuku

    Pilar Pilar legumes Iduduku

    Tabela (15): especializaes do verbo curar

    18 Ao longo deste trabalho veremos que o trao [+humano] ser relevante at mesmo para a distribuio de ncleos funcionais, como o plural.

  • 29

    Denotao

    bsica

    Especializaes Forma verbal em Juruna

    Curar Pajelana com a boca Itu~

    Curar Pajelana com a mo ibitxudu

    Tabela (16): especializaes do verbo curar

    Denotao bsica Especializaes Forma verbal em Juruna

    Virar Virar um pouco Bese

    Virar Virar completamente Txuruku

    Sexo do falante

    Um outro fator que faz com que haja variao nas formas verbais da lngua o

    sexo do falante; isto , h formas verbais que mudam de acordo com a fala masculina e

    feminina. Vejamos:

    Tabela (17): especializaes do verbo casar

    Verbo Verbo em Juruna Quem fala: Exemplos (Lima V)

    Imenu~

    (sujeito feminino)

    Fala feminina Iidja imenu~

    Mulher casar

    Mulher casou

    Iwae

    (sujeito masculino)

    Fala feminina Senah iwae

    Homem casar

    Homem casou

    Apaku

    (sujeito feminino)

    Fala masculina Iidja apaku

    Mulher casar

    Mulher casou

    Casar

    Ania

    (sujeito masculino)

    Fala masculina Senah ania

    Homem casar

    Homem casou

  • 30

    Polidez

    No que compete, ainda, aos casos de polidez, vemos os exemplos relativos ao

    verbo emagrecer, abaixo:

    Tabela (18): especializaes do verbo curar

    Denotao bsica Especializaes Forma verbal em Juruna

    Emagrecer Fala informal u~la~mi

    Emagrecer Fala respeitosa Bikaru

    Vale ressaltar ainda que h casos em que a valncia do verbo acarreta na

    variao de seu significado, tal como vemos a seguir:

    Tabela (19): o verbo ea~

    Verbo Especializaes Exemplos (Lima II)

    Ea~

    Sem objeto denota morrer Iidja ea

    Mulher engasgar/morrer

    Mulher morreu

    Ea~ Com objeto denota engasgar Iidja pitxa ipank~ wa ea

    Mulher peixe espinho com engasgar/morrer

    Mulher engasgou com espinho de peixe

    Os verbos da lngua Juruna podem ser formados a partir de uma base semntica-

    fonolgica acategorial ou a partir de uma base semntica-fonolgica categorizada

    (nomes e adjetivos). Em ambos os casos, os verbalizadores sero sufixais, tais como

    vemos a seguir:

    (20) Exemplo de verbo derivado de base semntica-fonolgica acatergorial:

    (a) Yadtu (assustar, transitivo)

    (b) Edtu (assustar, intransitivo)

    (c) I -a- d- t- -u

  • 31

    3s T Base

    semntica-

    fonolgica

    verbalizador modo

    (d) e- -d t- -u

    I Base

    semntica-

    fonolgica

    verbalizador modo

    Note pelos exemplos (20.c) e (20.d) que a base semntica-fonolgica que traz

    informaes semnticas apenas d. Todos os outros morfemas presentes no verbo so

    ncleos funcionais. Outra caracterstica fundamental para a compreenso do

    comportamento dos verbos da lngua o fato que os verbalizadores so sempre sufixos,

    como dissemos anteriormente. Por outro lado, os morfemas de mudana de valncia so

    sempre prefixados. Visto isso, a ordem bsica de morfemas na formao dos verbos :

    (21)

    I- a- -d- -t- -u

    Concordncia morfema de

    valncia

    Base

    semntica-

    fonolgica

    verbalizador modo

    Em (21), vimos a formao de um verbo a partir de uma base semntica-

    fonolgica acategorial. Contudo, como j mencionamos, a formao de verbos a partir

    de bases semntico-fonolgicas nominais ou adjetivais produtiva na lngua. Tambm

    nestes casos, a insero do verbalizador sempre posterior raiz do verbo:

    (22)

    (a) akzu maku (esverdear, intransitivo)

    (b) akzu (verde)

  • 32

    Visto isso, apresentaremos as 18 classes verbais da lngua Juruna. Destas

    classes, dez partem de bases semntico-fonolgicas acategoriais (vide os itens de 1 a 5

    com verbalizador fonologicamente realizado - e de 12 a 16 verbalizador

    fonologicamente no realizado), duas a partir de bases semntico-fonolgicas adjetivais

    (6 e 7), quatro a partir de bases semntico-fonolgicas nominais (8 a 11), uma a partir

    de posposies (17) e, finalmente, uma a partir de outros verbos (18). Em sntese,

    apresentaremos:

    (i) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais

    1) Verbos formados com {-h-}

    2) Verbos formados com {-k-}

    3) Verbos formados com {-d-}

    4) Verbos formados com {-t-}

    5) Verbos formados com {-n-}

    (ii) Verbos a partir de adjetivos

    6) Formao de verbos deadjetivais a partir do verbalizador {maku};

    7) Formao de verbos deadjetivais a partir de verbalizador fonologicamente nulo;

    (iii) Verbos a partir de nomes

    8) Formao de verbos denominais a partir de fuso entre verbo e objeto;

    9) Formao de verbos denominais a partir do verbalizador fonologicamente nulo;

    10) Formao de verbos denominais a partir de mudana tonal.

    11) Formao de verbos denominais a partir do sufixo {-u}19.

    (iv) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais, mas com

    verbalizador nulo:

    12) Verbos terminados em a

    13) Verbos terminados em i

    14) Verbos terminados em

    19 Esta formao foi descrita por Fargetti (2001; 120).

  • 33

    15) Verbos terminados em e

    16) Verbos terminados em u

    (v) Verbos a partir de posposies

    17) Verbo a partir da posposio dju

    (vi) Verbos formados a partir de outros verbos

    18) Verbo a partir de outra raiz verbal

    Feitas estas consideraes, podemos apresentar o processo de formao verbal a

    partir dos verbalizadores da lngua.

    3. Da formao dos verbos

    Nas tabelas a seguir, apresentamos alguns exemplos representativos de cada

    classe citada acima a partir dos verbos apresentados na tabela (8). Vale lembrar que na

    base semntica-fonolgica no esto os morfemas de valncia ou concordncia. Desta

    forma, na segmentao do verbo as informaes referentes valncia e concordncia

    no aparecero nas tabelas que seguem. Vejamos:

    (3.i) Dos verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais

    (3.i.a) Verbos formados com {-h-}

    (23)

    Verbo em

    portugus

    Verbo em

    Juruna

    Base

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador Modo

    Apagar Lamihu -mi- -h- -u

    Amanhecer Kahu Ka- -h- -u

    Acabar Masehu Mase- -h- -u

    Assar Atxuhu -txu- -h- -u

    Beber arehu -re- -h- -u

    Correr (correr de Tahu Ta- -h- -u

  • 34

    alguma coisa)

    Deitar/ parar Pxihu Pxi- -h- -u

    Incomodar20 Abahu -ba- -h- -u

    Nadar Etahu -ta- -h- -u

    Pescar Khu K- -h- -u

    Saber Ubahu Uba- -h- -u

    Ter preguia Ipadjihu/ maku

    ipadjihu

    -padji-

    -h- -u

    (3.i.b) Verbos formados com {-k-}

    (24)

    Verbo em Portugus Verbo em

    Juruna

    Base

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador Modo

    1. Pilar Utxa~ku~

    Padaku

    Utxa-

    Pada-

    -k- -u

    2. Arranhar Atxatxaku -txatxa- -k- -u

    3. Limpar itxitxiku -txitxi- -k- -u

    4. Limpar (coisas) ptxiku Ptxi- -k- -u

    5. Escorregar pixaku Pixa- -k- -u

    6. Casar Apaku Apa- -k- -u

    7. Rachar/ Estourar Ludjaku

    udjaku

    -udja-

    Udja-

    -k- -u

    8. Bater djidaku Djida- -k- -u

    9. Rir lakariariku -kariari- -k- -u

    10. Pescar pdku Pd- -k- -u

    11. Acordar Paku

    u~baku

    Pa-

    u~ba-

    -k- -u

    12. Abaixar laberiku -beri- -k- -u

    13. Andar Puduku Pudu- -k- -u

    20 Este verbo assim como elu (ter saudade) so verbos cujo objeto marcado com caso dativo. Para alm disso, abahu tambm pode ser interpretado como enjoar.

  • 35

    14. Quebrar Apiku -pi- -k- -u

    15. Comer Etxuku -txu- -k- -u

    16. Fazer Kariku Kari- -k- -u

    17. Jogar Daraku Dara- -k- -u

    18. Jogar Daiku Dai- -k- -u

    19. sujar bidku -bid- -k- -u

    20. Costurar iparaku -para- -k- -u

    21. Descascar (casca

    j solta)

    ibku -b- -k- -u

    22. Descer/ sentar abku -b- -k- -u

    23. Estourar Ludjaku

    udjaku

    -udja-

    Udja-

    -k- -u

    24. Jogar algo ppku Pp- -k- -u

    25. Cobrir apauku -pau- -k- -u

    26. Partir pabku Pab- -k- -u

    27. Pegar pdku pd- -k- -u

    28. Pular prka Pr- -k-

    29. Queimar Itxuku -txu- -k- -u

    30. Espantar Bataku Bata- -k- -u

    31. Ver Izaku -za- -k- -u

    32. Apertar Ahuku (Tom:

    BAB)

    -hu- -k- -u

    33. Embrulhar Ahuku (Tom:

    BAA)

    -hu- -k- -u

    34. engravidar lapiku -pi- -k- -u

    35. Estourar Udjaku

    ludjaku

    Udja- -k- -u

    36. Quebrar Apiku

    lapiku

    -pi- -k- -u

    37. Virar

    completamente

    Txuruku Txuru- -k- -u

    38. Ver/ Esperar zaku Za- -k- -u

    39. Dar upiku Upi- -k- -u

  • 36

    40. Brigar lakariku -kari- -k- -u

    41. machucar Duku Du- -k- -u

    42. Fazer pku p- -k- -u

    43. Descascar asaku -sa- -k- -u

    44. partir/rachar pabku Pab- -k- -u

    45. lavar Idaku -da- -k- -u

    46. pular Prka Pr- -k-

    47. remar uruku Uru- -k- -u

    48. Colocar Ameku -me- -k- -u

    49. Limpar animais ibizadaku -bizada- -k- -u

    50. Arranhar (l)atxatxaku -txatxa- -k- -u

    51. Limpar Itxiitxiku -txiitxi- -k- -u

    52. Varrer Ptiku Puti- -k- -u

    53. Esfriar Itxaaku -txia- -k- -u

    54. Quebrar kuwataku Kuwata- -k- -u

    55. Quebrar (um

    pedao)

    lataku -ta- -k- -u

    56. Engatinhar Txitxiku Txitxi- -k- -u

    57. Matar Abaku -ba- -k- -u

    58. Pentear Itxiaku -txia- -k- -u

    59. Fazer (beiju) Ipuku -pu- -k- -u

    60. Fazer Kariku Kari- -k- -u

    61. Costurar iparaku -para- -k- -u

    62. Desenhar (i)mamaku Mama- -k- -u

    63. Pegar pdku Pd- -k- -u

    64. Amarrar ipdku -pd- -k- -u

    65. Ter fome bataku Bata- -k- -u

    66. Partir no meio lupabku -upab- -k- -u

    67. Cubrir Apauku -pau- -k- -u

    68. Esperar laku la- -k- -u

    69. Virar Txuruku Txuru- -k- -u

    70. Voar ebataku -bata- -k- -u

  • 37

    (3.i.c) Verbos formados com {-d-}

    (25)

    Verbo em

    Portugus

    Verbo em

    Juruna

    Base

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador Modo

    1. Ouvir E ~du e~- -d- -u

    2. Quebrar Apidu -pi- -d- -u

    3. Puxar De- De- -d- -u

    4. Lenhar itxitxadu -txitxa- -d- -u

    5. Depilar Apedu ape- -d- -u

    6. Lembrar (i)kudu Ku- -d- -u

    7. Rasgar/

    trocar

    Ladu La- -d- -u

    8. Roar atxadu -txa- -d- -u

    (3.i.d) Verbos formados com {-t-}

    (26)

    Verbo em Portugus Verbo em

    Juruna

    Base semntica-

    fonolgica

    Verbalizador Modo

    1. Mergulhar Lurutu; -uru-

    -t- -u

    2. Sangrar Apetu Ape- -t- -u

    3. Assustar Yadtu

    Edtu

    -d- -t- -u

    4. Cair Bdtu Bd- -t- -u

    5. Mexer Iukutu -uku- -t- -u

    6. Plantar katu ka- -t- -u

    7. Chupar Itu~tu~ -tu~- -t- -u

    (3.i.e) Verbos formados com {-n-}

    (27)

    Verbo em Verbo em Juruna Base Verbalizador Modo

  • 38

    Portugus semntica-

    fonolgica

    1. Torrar hunu hu- -n- -u

    2. Fechar Ikupenu -kupe- -n- -u

    3. fazer wnu W- -n- -u

    4. vingar-

    se

    ema ~nu -ma~- -n- -u

    5. Falar Kamenu Kame- -n- -u

    6. Pentear Lapinu

    Apinu

    -pi- -n- -u

    7. Ajuntar (i)snu -s- -n- -u

    (3.ii) Verbos a partir de adjetivos

    (3.ii.a) Formao de verbos deadjetivais a partir do verbalizador {maku}

    Neste tipo de formao verbal, aps o adjetivo aparece o verbalizador {maku}

    (veremos adiante que quando o {maku} aparece preposto ao adjetivo temos um verbo

    transitivo):

    (28)

    Verbo em

    Portugus

    Adjetivo Verbo em

    Juruna

    Base

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador

    1. Engrossar Kudukudu Kudukudu maku

    (intransitivo)

    Kudukudu maku

    2. Esverdear Akzu

    maku

    Akzu maku

    (intransitivo)

    Akzu maku

    3. Avermelhar asu~ri) asu~ri) maku (intransitivo)

    asu~ri) maku

    4. Clarear ikbe ikbe maku

    (intransitivo)

    ikbe maku

  • 39

    5. Amarelar yu~pi) yu~pi) mau (intransitivo)

    yu~pi)) mku

    6. Esvaziar iblu ~ iblu~) maku (intransitivo)

    iblu ~ maku

    7. Azedar

    Thuku thuku maku

    (intransitivo)

    thuku maku

    8. Entristecer e)uhu) e)uhu) mku (intransitivo)

    e)uhu)

    maku

    9. Ficar bonito Ikiaha Ikiaha maku

    (intransitivo)

    Ikiaha maku

    10. Engordar Atxu~ Atxu ~ maku

    (intransitivo)

    Atx~u

    maku

    11. Ter preguia ipadjihu Maku ipadjihu

    (transitivo)

    ipadjihu Maku

    12. Emudecer Iwu ~ Iwu ~ maku Iwu~ Maku

    (3.ii.b) Formao de verbos deadjetivais a partir de verbalizador fonologicamente nulo

    H verbos deadjetivais que no so formados com o verbalizador {maku}, como

    vimos em (3.ii.a). H verbos deadjetivais que tm verbalizador fonologicamente nulo.

    Nestes casos os verbos so idnticos aos adjetivos que o originaram:

    (29)

    Verbo em

    Portugus

    Adjetivo Verbo em

    Juruna

    Base

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador

    Emagrecer Ipii~

    (magro)

    Ipii~

    (emagrecer)

    Ipii~

    Fonologicamente nulo

    Emagrecer u~la~mimi

    (magro)

    U ~la~mi

    (emagrecer)

    u~la~mimi Fonologicamente nulo

    Molhado Iuru iuru iuru Fonologicamente nulo

  • 40

    (molhado) (molhar)

    Seco Txuratxu

    (seco)

    Txuratxu

    (secar)

    txuratxu Fonologicamente nulo

    Veremos adiante, contudo, que os verbos deadjetivais do tipo (3.ii.a) e (3.ii.b),

    apesar de serem formados de modos diferentes apresentam traos sintticos em comum.

    Primeiro, a transitivizao destes dois tipos de verbos com a insero do verbalizador

    {maku}, pr-adjetival. Segundo, verbos do tipo (3.ii.a) e (3.ii.b) so causativizados com

    o morfema {ma-}.

    3.iii. Verbos a partir de nomes

    (3.iii.a) Formao de verbos denominais a partir de fuso entre verbalizador e objeto

    (30)

    Verbo em

    Portugus

    Verbo em

    Juruna

    Base semntica-fonolgica Verbalizador

    Chover Amana ala

    (Chuva + cair)

    Amana Ala (verbo leve)

    Obedecer Kamena e~du

    (fala + ouvir)

    Kamena e~du

    (3.iii.b) Formao de verbos denominais a partir de verbalizador nulo

    (31)

    Nome em

    portugus

    Nome em

    Juruna

    Verbo em

    portugus Verbo em Juruna

    Ronco Karana Roncar Karana Tosse Eseese Tossir Eseese

    Nariz i~a~ Cheirar i~a~

    Espirro a~xi~ a~xi~21 Espirrar a~xi~ a~xi~

    21 Existem outras formas nominais que ocorrem associadas aos verbos, contudo, estas outras formas apresentam o sufixo {-ha} e so nominalizaes, possivelmente. Por exemplo: axi axi seha (para

  • 41

    Bocejo Aaa Bocejar Aaa

    Roubo Paia Roubar Paiaia

    Choro ea seha Chorar Ea

    Banho taeta22 Banhar taeta

    Coceira Ataata Coar Ataata

    Abrao Abi Abraar Abi

    Mordida Atxu Morder atxu

    Trabalho Kuperi Trabalhar Kuperi

    Susto Edtu Assustar Edtu

    Noite Kamad anoitecer Kamad (kamad txa)

    Tarde Kaitxa Entardecer Kaitxa

    Tiro Ap Atirar ap

    Sonho Eelu Sonhar Eelu

    Dor Iwad Doer iwad

    Mentira yaridja/

    yaridjaridja

    Mentir Yaridjaridja

    Roada Pema Roar Pema

    Grito Azahaha Gritar azahaha

    Caneta Iwxiha Escrever waxi~waxi~

    Beijo itu ~ Beijar itu~

    Mergulho laurutu Mergulhar Lurutu; laurutu

    Sujeira Kabutxu Sujar (i)kabutxu

    Pintura u~kau~ka pintar u~ka

    Ardor Ad Arder Ad

    (3.iii.c) Formao de verbos denominais a partir de mudana tonal.

    (32)

    Nome em Nome em Verbo em Verbo

    espirrar, aquele que espirra), aaa seha (para bocejar, aquele que boceja), tahu seha (para correr, aquele que corre), e assim sucessivamente. Fargetti (2001; 110) diz que {-ha} um predicativizador. 22 Uma outra palavra associada a essa raiz praia, eta.

  • 42

    portugus Juruna portugus em Juruna

    Dana Karia (tom:

    AAB23) Danar Karia (ABA)

    Canto, msica Aba (tom:

    BBB) Cantar Aba (BAA)

    Baixo pri (AB) Abaixar pri~ (BA)

    Pescaria Khu (BB) Pescar khu (BA)

    Enfeite u~ka (BB) Enfeitar u~ka (BA)

    (3.iii.d) Formao de verbos denominais a partir do sufixo {-u}24.

    Neste tipo de formao o morfema {-a} substitudo pelo morfema {-u}, o qual

    o morfema de modo realis que ocorre nos verbos (Fargetti 2001). Esta formao de

    verbos levanta a possibilidade de o morfema {-a} em aduria (velho) ser um morfema de

    formao de nomes, uma vez que ele desaparece uma vez que formado o verbo

    (aduriu). Este tipo de formao verbal mostra um fato importante: vimos acima que o

    morfema {-n-} (antes do morfema {u}, de modo) um verbalizador na lngua Juruna.

    Contudo, h que se observar que fonemas {-n-} podem ser parte da base semntica-

    fonolgica do verbo. possvel distinguir estes casos a partir da palavra (nome ou

    adjetivo) que gera o verbo. o caso de apinu (pentear) e kamenu (conversar), por

    exemplo. Como vemos, os verbos apinu e kamenu apresentam um fonema {-n-}; mas

    este fonema j estava presente no nome pina (pente); kamena (conversa). Portanto,

    neste caso, ele no um morfema verbalizador. Vejamos os exemplos:

    (33)

    Verbo Nome Verbo em

    Juruna

    Base semntica-

    fonolgica

    Modo

    1. Envelhecer25 Aduria

    (velho)

    Aduriu Aduri- -u

    2. Pentear Pina (pente) Apinu Apin- -u

    23 Onde A tom alto e B tom baixo. 24 Esta formao foi descrita por Fargetti (2001; 120). 25 Como vemos, essa formao tambm pode estar associada a adjetivos, muito embora esteja associada a nomes na maioria dos casos.

  • 43

    (pentear)26

    3. Conversar Kamena

    (reunio)

    kamenu Kamen- -u

    4. Florescer Batxia (flor) Batxiu Batxi- -u

    5. Sangrar Apeta

    (Sangue)

    apetu Apet- -u

    6. Engravidar Imamba imambu -mamb- -u

    7. Brigar Lakarika

    (briga)

    lakariku Lakarik- -u

    (3.iv) Verbos a partir de bases semntico-fonolgicas acategoriais, mas com

    verbalizador nulo

    H ainda outros verbos para os quais no parece haver uma base semntica-

    fonolgica nominal ou adjetival e que possivelmente apresentam verbalizadores nulos.

    Dividimo-os a partir de sua terminao (uma vez que outra hiptese seria dizer que h

    morfemas verbalizadores voclicos nestes casos). Vejamos:

    (3.iv.a) Verbos terminados em {-a}

    (34)

    Verbos em Juruna Verbo em Portugus

    Verbo intransitivo Verbo

    transitivo

    1. Correr (correr de alguma coisa) Wna~

    2. Chorar (por morte) Yayaya (evento

    plural)

    3. Morrer Etaa

    4. Boiar (mar sem onda) L

    5. Boiar (mar com onda) L uta

    26 Florescer e pentear so os exemplos de Fargetti (2001, 120). No caso de pentear, temos a insero do prefixo {a-} para alm da mudana final do nome (de {-a} para {-u}). Mas este um morfema de mudana de valncia que ser discutido na seo posterior.

  • 44

    6. Boiar Unta

    7. Curar P~na

    8. Casar Ania

    9. Responder awa

    10. Perder/ desaparecer (objeto) Lahua

    11. Derramar Lapa apa

    12. Esconder yaeta

    13. Buscar awa

    14. Aparecer Ekua

    15. Abaixar cabea laputuka

    16. Andar ppa

    17. Fazer (a)Ka

    18. Fazer bonito u~pi

    19. Ferver Kurakura

    20. Descansar pna~

    21. Sentar Txuka

    22. Pegar/ Comprar Ita/ i~w

    23. Apertar (louro) dapka

    24. Apertar hoku

    25. Apertar dahuka

    26. Vomitar Enaena

    27. Subir Epa

    28. Ir (auxiliar) Txa

    29. Ficar toa Pa~pa~ kara

    30. Cair (para no aminados/ no

    humanos)

    Ala

    31. Engasgar Ea

    32. Nascer S

    33. Aparecer Ekua

    34. Triturar Utxaka~ (utxa~ka~)

    35. Respirar Itiata

  • 45

    36. Flechar apina

    37. Levar Idjutxa

    38. Amar/ gostar/ querer a

    39. Querer sa

    40. Procurar (i)ka

    41. Passar Kara27

    42. Recordar yaekua

    43. Custar iba

    44. Mandar Ada

    45. Parar pna

    46. Sair S

    (3.iv.b) Verbos terminados em {-i}

    (35)

    Verbos em Juruna Verbo em Portugus

    Verbo intransitivo Verbo transitivo

    1. Fumar/ beber Awi

    2. Torrar U i28

    3. Queimar Txuxi

    4. Encher It

    5. Beliscar Ixmi

    6. Tremer Ariari

    7. Casar (sujeito masculino, fala feminina) Iwae

    8. Rasgar Lusi

    9. Torcer huli

    10. Afundar Lamumi amumi

    11. Piscar pumipumi

    (3.iv.c) Verbos terminados em {-}

    27 Tambm ocorre como auxiliar em contextos continuativos (Joo est passando, por exemplo). 28 Este verbo tambm utilizado para dizer que a farinha foi pilada mo, sem utilizao da cuia (Lima V).

  • 46

    (36)

    Verbos em Juruna Verbo em Portugus

    Verbo intransitivo Verbo transitivo

    1. Estragar Lm ~m~ Lm~m ~

    2. Fritar srr

    3. Cortar Akr

    4. Encher It

    5. Rasgar labkr

    6. Abaixar (coisa) pri~ (BA)

    7. Quebrar (por dentro) Lakr

    8. Embrulhar (comida, para assar) Up~

    9. Cavar up

    10. coar kwkw

    11. Contar ab

    12. Brincar Ww

    12. Brilhar Txirr

    (3.iv.d) Verbos terminados em {-e}

    (37)

    Verbos em Juruna Verbo em Portugus

    Verbo intransitivo Verbo transitivo

    1. assar Kae~

    2. Virar um pouco

    Bese

    3. Gritar ee

    4. Nascer (gmeos) e~e~

    5. Contar udase

    6. Ajuntar (l)hu~me

    7. Casar Iwae

  • 47

    (3.iv.e) Verbos terminados em {-u}

    (38)

    Verbos em Juruna Verbo em Portugus

    Verbo intransitivo Verbo transitivo

    1. Emagrecer (fala respeitosa) Bikaru

    2. Torrar Hunu/ ahu~nu

    3. Assoprar Asu

    4. Ter cime ilawlu

    5. Levantar ila~u ~

    6. Levantar msu

    7. Cozinhar i~w~yu~

    8. engravidar Imambu

    9. Criar/ Adotar Imazu

    10. Assustar Edtu adtu

    11. Empurrar Depu

    12. amarrar apa~yu~

    13. Beijar Itu~

    14. Voar ila~u~

    15. Matar/ Caar Abaku

    16. Desabrochar lataku

    17. Nascer (l)u~baru

    18. Desmaiar Iku~du~

    19. Barbear Ak~zu

    20. Vestir Au

    21. Encontrar Du

    22. Entrar eu

    23. Estar em p M~su

    24. Fugir Eneu ~

    25. Ter Au

  • 48

    26. Menstruar Meu~

    Para alm destes, temos ainda dois casos menos freqentes, que seguem abaixo:

    (3.v) Verbos a partir de posposies

    (39)

    Verbo em

    Portugus

    Verbo em

    Juruna

    Base semntica-fonolgica Verbalizador

    1. Trazer junto Djuw Dju (com,

    posposio)

    W (vir,

    verbo)

    (3.vi) Verbos formados a partir de outros verbos

    (40)

    Verbo em Portugus Verbo em Juruna Base

    semntica-

    fonolgica

    Verbalizador

    1. Cortar lenha akr txa akr Txa

    Vale ressaltar que a lngua no apresenta verbo para ser, mas esta relao

    expressa por uma construo genitiva, tal como j foi descrito por Fargetti (2001; 117).

    Vejamos um exemplo:

    (41)

    Maria u~la~mimi

    Maria magra

    Maria magra (Lima V)

    3.vii. Consideraes finais da seo

    Nesta seo apresentamos os processos de formao verbal da lngua Juruna de

    um ponto de vista descritivo. Na parte II (anlises), veremos que o processo de

  • 49

    formao verbal ir determinar o tipo de estrutura destes verbos. As caractersticas dos

    verbos (sua base semntica-fonolgica e seu verbalizador) influiro nos processos de

    alternncia e duplicao.

    4. Das alternncias de valncia

    4.i. Introduo

    Vimos na seo (3) que as bases semntico-fonolgicas dos verbos da lngua

    Juruna so categorizadas atravs de verbalizadores. Contudo, o fato de um verbo ser

    intransitivo, transitivo ou ainda o fato dele poder sofrer mudana de valncia (isto , ser

    transitivo e poder ser intransitivizado ou ser intransitivo e poder ser transitivizado)

    algo que decorre de outros processos morfossintticos. Entre eles inclui-se:

    (1) Prefixao de morfemas de valncia:

    (a) {a-} e {e-}/{l-}, transitivizador e intransitivizadores, respectivamente. Estes

    morfemas, tal como veremos adiante, podem co-ocorrer indicando a direo da

    formao do verbo;

    Exemplo (42):

    a-kuhu (esquentar, verbo transitivo)

    e-dtu (assustar, verbo intransitivo)

    (b) {ma-} e {u~-}, morfemas causativizadores;

    Exemplo (43):

    txuxi (queimar, intransitivo)

    Ma-txuxi (fazer queimar, causativo)

    (2) Mudana de ordem entre verbalizador e a base semntica-fonolgica (o

    que reitera o fato que os morfemas de valncia sempre esto esquerda da base

    semntica-fonolgica do verbo);

    Exemplo (44):

    akzu maku (esverdear, intransitivo)

  • 50

    maku akzu (esverdear, transitivo).

    (3) Supleo (mudana completa da morfologia verbal em dois contextos: 1)

    alternncia de valncia; 2) pluralidade);

    Exemplo (45):

    ui (torrar, intransitivo)

    hunu (torrar, transitivo)

    ala (cair, forma verbal neutra para nmero)