Dissertação Falk
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Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa
Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Educao
HISTRIA DE VIDA E CONCEPO DE DOCENTES SURDOS
ACERCA DAS POLTICAS DE INCLUSO NA EDUCAO
SUPERIOR NO DF
Braslia - DF
2014
Autor: Falk Soares Ramos Moreira
Orientadora: Dr. Ranilce Mascarenhas Guimares-Iosif
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FALK SOARES RAMOS MOREIRA
HISTRIA DE VIDA E CONCEPO DE DOCENTES SURDOS ACERCA DAS
POLTICAS DE INCLUSO NA EDUCAO SUPERIOR NO DF
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao Stricto Sensu em Educao da
Universidade Catlica de Braslia, como
requisito parcial para obteno do Ttulo de
Mestre em Educao.
Orientadora: Prof. Dr. Ranilce Mascarenhas
Guimares-Iosif
Coorientadora: Prof. Dr. Erenice Natalia
Soares de Carvalho
Braslia-DF
2014
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7,5cm
Ficha elaborada pela Biblioteca Ps-Graduao da UCB
M838h Moreira, Falk Soares Ramos. Histria de vida e concepo de docentes surdos acerca das polticas de
incluso na educao superior no DF. / Falk Soares Ramos Moreira 2014. 136 f.; il.: 30 cm
Dissertao (mestrado) Universidade Catlica de Braslia, 2014. Orientao: Profa. Dra. Ranilce Mascarenhas Guimares-Iosif Coorientao: Profa. Dra. Erenice Natalia Soares de Carvalho
1. Educao. 2. Docncia surdos. 3. Educao superior. 4. Professores formao. 5. Polticas de incluso. 6. Experincia. I. Guimares-Iosif, Ranilce Mascarenhas, orient. II. Carvalho, Erenice Natalia Soares de, coorient. III. Ttulo.
CDU 371.13
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Dissertao de autoria de Falk Soares Ramos Moreira, intitulada HISTRIA DE VIDA E CONCEPO DE DOCENTES SURDOS ACERCA DAS POLTICAS DE
INCLUSO NA EDUCAO SUPERIOR NO DF, apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Educao da Universidade Catlica de Braslia, em 15 de
agosto de 2014, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Ranilce Mascarenhas Guimares-Iosif
Orientadora
Universidade Catlica de Braslia
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Erenice Natalia Soares de Carvalho
Coorientadora
Universidade Catlica de Braslia
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Ftima Luclia Vidal Rodrigues
Universidade de Braslia
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Wellington Ferreira de Jesus
Universidade Catlica de Braslia
Braslia
2014
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AGRADECIMENTO
Agradeo primeiramente e especialmente a Deus, por me dar a coragem e a fora
necessrias para minha superao, e, atravs delas, toda a minha experincia.
A meus pais e irmos, pelo apoio e todo bom exemplo que ajudaram a estruturar e
forjar meu carter.
Agradeo minha esposa amada, Luciana Marques, por me apoiar e me incentivar a
seguir sempre em frente; aos meus filhos, Hugo e Samuel, pelo amor e por me inspirarem a
sempre crescer mais.
Minha melhor amiga e amada, Patrcia Tuxi, irm de todas as horas, sempre a meu
lado, incentivando-me; obrigado por todo o carinho e pacincia.
Obrigado minha orientadora, Dr. Ranilce, por aceitar comigo esse desafio e por
compartilhar sua experincia e me guiar por esse caminho e tudo o que aprendi nesta fase da
minha vida.
Agradeo minha coorientadora Dr. Erenice, que assumiu o desafio, em conjunto,
deste projeto comigo e incentivou esta perspectiva.
Agradeo tambm aos professores, Dr. Wellington e Dr. Ftima Vidal, pelo apoio e
interesse em meu projeto, bem como a emoo que tiveram pela minha histria de vida.
Aos meus amigos surdos e ouvintes, no apoio, principalmente nas tradues, obrigado!
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RESUMO
MOREIRA, Falk Soares Ramos. Histria de vida e concepo de docentes surdos acerca das
polticas de incluso na educao superior no DF. 2014. 136 folhas. Dissertao de Mestrado
em Educao. UCB, Braslia, 2014.
Esta pesquisa tem como foco principal investigar as percepes de docentes surdos que atuam
na educao superior em relao s polticas de educao inclusiva voltadas para os surdos no
Brasil desde a Lei 10.436/2002. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com base na
metodologia da Histria de Vida, que procura dar voz e viso a um determinado grupo ou
minoria social. Os dados foram coletados por meio da entrevista semiestruturada e analisados
por meio da anlise de contedo de Bardin. A pesquisa contou com a participao de cinco
professores surdos que atuam em Instituies de Educao Superior do Distrito Federal e
ministram a disciplina de Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS. Os resultados indicaram que os docentes surdos que atuam na docncia da educao superior trazem uma Histria de Vida
marcada por obstculos, mas tambm por luta, organizao coletiva e superao. O estudo
evidencia o engajamento dos surdos na reivindicao para que a lngua de sinais passasse a
ser aceita como a forma de instruo e comunicao dos surdos em todos os nveis e
modalidades de ensino no Brasil. Os dados apontam as dificuldades nas condies de trabalho
dos docentes surdos da educao superior uma vez que as polticas de incluso, tanto das
instituies da qual fazem parte como do Estado brasileiro, ainda so limitadas e incipientes
para esse grupo de profissionais. Por outro lado, o estudo tambm destaca a histria de
cidados surdos que superaram preconceitos e desafios educacionais e sociais e que hoje usam
seu conhecimento e sua posio como docentes para influenciar as polticas de incluso para
os surdos. As constataes apontam para a necessidade de tanto a academia como as agncias
de fomento do Estado e as associaes nacionais de pesquisa inclurem os docentes surdos em
suas agendas de discusso e ncleos de tomadas de deciso.
Palavraschave: Docentes surdos. Polticas de incluso. Educao superior. Histria de vida.
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ABSTRACT
MOREIRA, Falk Soares Ramos. Life history and perceptions of teachers on deaf inclusion
policies in higher education of DF. 2014. 136 pages. Dissertation in Education. UCB,
Brasilia, 2014.
This research is mainly focused to investigate the perceptions of deaf professors who work in
higher education in relation to inclusive education policies aimed at deaf Brazilian students
starting with the adoption of Law 10.436/2002. This is a qualitative research based on the
History-of-Life methodology, which seeks to give voice and vision to a particular social
group or minority. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed using
Bardin's content analysis. The research involved the participation of five deaf professors who
work in Institutions of Higher Education of the Federal District and teach Brazilian Sign
Language (LIBRAS). The results indicated that deaf professors who work in higher education
teaching have a Life Story marked by obstacles, struggles, collective organization, and
overcoming challenges. The study highlights the commitment of deaf professors in the fight
for making sign language become accepted as a form of instruction and communication for
the deaf at all levels and types of education in Brazil. The data shows the difficult working
conditions facing deaf professors in higher education since the inclusion policies of both the
institutions they are part of and of the Brazilian government are still limited and incipient to
this group of professionals. Moreover, the study also highlights stories of deaf people who
overcame prejudice, educational, and social challenges and today use their knowledge and
position as professors to influence the inclusion policies for deaf people. The findings point to
the need for both the academia, state development agencies, and national research
associations to include deaf professors in their discussions agendas and decision-making
centers.
Keywords: Deaf professors. Inclusion policies. Higher education. Life history.
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LISTA DE SIGLAS
AEE- Atendimento Educacional Especial
APADA- Associao de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos
BM- Banco Mundial
CEPAL- Comisso Econmica das Naes Unidas
CEAL- Centro Educacional de Audio e Linguagem
CIEE- Centro Integrado de Ensino Especial
FENEIS- Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos
FMI- Fundo Monetrio Internacional
IES- Instituio de Educao Superior
INES- Instituto Nacional de Educao de Surdos
LDB- Lei de Diretrizes e Bases
LIBRAS- Lngua Brasileira de Sinais
MEC- Ministrio da Educao
ONU- Organizao das Naes Unidas
PIB- Produto Interno Bruto
PNE- Plano Nacional de Educao
PNEE- Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais
PNUD- Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina
UnB- Universidade de Braslia
UNESCO- Organizao para a Educao, a Cincia e a Cultura das Naes Unidas
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................................................... 10
CAPITULO I- CARACTERIZANDO O OBJETO DE ESTUDO ................................................. 13
1.1 O PESQUISADOR E O TEMA: SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA ...................... 13
1.1.1 Problema ............................................................................................................................. 17
1.1.2 Objetivos ............................................................................................................................. 19
1.2 DELINEAMENTO METODOLGICO .................................................................................... 19
1.2.1 Abordagem .......................................................................................................................... 19
1.2.2 Procedimento metodolgico............................................................................................... 21
1.2.3 Participantes ....................................................................................................................... 24
1.2.4 Local .................................................................................................................................... 25
1.2.5 Estrutura das Instituies de Educao Superior - IES ................................................. 25
1.2.6 Tcnicas para gerao de dados ........................................................................................ 29
1.2.7 Procedimentos..................................................................................................................... 30
CAPTULO II- POLTICAS DE EDUCAO INCLUSIVA ....................................................... 32
2.1 O NEOLIBERALISMO E A INFLUNCIA NA EDUCAO BRASILEIRA ....................... 32
2.2 POLTICA PBLICA DE EDUCAO INCLUSIVA NO CONTEXTO DA
GLOBALIZAO NEOLIBERAL ................................................................................................. 35
2.3 REPERCUSSES DO NEOLIBERALISMO NA EDUCAO INCLUSIVA ........................ 40
CAPTULO III EDUCAO E CIDADANIA DOS SURDOS ...................................................... 50
3.1 HISTRIA DA EDUCAO DOS SURDOS NO BRASIL ..................................................... 50
3.2 O ACESSO DOS SURDOS NA EDUCAO BSICA E SUPERIOR ................................... 56
3.3 FORMAO, CIDADANIA E APRENDIZAGEM DO PROFESSOR SURDO ..................... 60
CAPITULO IV- O TRABALHO DOCENTE DO SURDO NA EDUCAO SUPERIOR ........ 65
4.1 EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL .................................................................................... 65
4.2 A POLTICA DE INCLUSO NA EDUCAO SUPERIOR ................................................. 69
4.3 O DOCENTE SURDO E O ESPAO NA EDUCAO SUPERIOR ...................................... 73
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CAPTULO V- OS SABERES DOS DOCENTES SURDOS ACERCA DAS POLTICAS DE
INCLUSO E DO TRABALHO NA EDUCAO SUPERIOR ................................................... 80
5.1 ANLISE DE CONTEDO ...................................................................................................... 80
5.1.1 O perfil dos docentes surdos entrevistados ...................................................................... 80
5.1.2 Os docentes surdos e sua histria de vida ........................................................................ 84
5.1.2.1 Ser surdo em uma sociedade ouvinte. ............................................................................... 84
5.1.2.2 O professor surdo e sua aprendizagem da LIBRAS .......................................................... 90
5.1.3 As polticas de incluso na percepo dos docentes surdos: a educao bsica ........... 95
5.1.4. As polticas de incluso na percepo dos docentes surdos: a educao superior ..... 102
5.1.5 As condies de trabalho dos docentes surdos na educao superior ......................... 106
5.1.6 Cidadania e engajamento poltico dos docentes: reivindicaes, mudanas e desafios
..................................................................................................................................................... 111
CONCLUSO ................................................................................................................................... 117
REFERNCIAS ................................................................................................................................ 121
APNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ....................... 133
APNDICE B - ROTEIRO DA ENTREVISTA-PROFESSOR ................................................... 134
APNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO ...................................................................... 135
APNDICE D - TERMO DE CONSENTIMENTO ...................................................................... 136
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10
INTRODUO
A busca pelo reconhecimento de direitos por parte de grupos considerados
marginalizados ou discriminados marcou a necessidade de uma mudana de paradigma social
com grande influncia na arena poltica. Vrios grupos minoritrios como os deficientes, os
trabalhadores, as mulheres, os negros e os homossexuais, dentre outros, reivindicaram espaos
de participao e direitos na busca de cada vez mais se firmarem e ampliarem seus direitos
polticos no intuito de que as polticas pblicas passassem a abarc-los (BRASIL, 2010).
Na histria do Brasil, o movimento de excluso contra as pessoas com deficincia
tanto se manifestava em relao restrio de seus direitos civis quanto na tutela imposta pela
famlia e instituies que atuavam na rea. Havia pouco ou nenhum espao para que esses
indivduos participassem das decises em assuntos que lhes diziam respeito. Em relao ao
sujeito surdo, a participao era quase inexistente, pois a ausncia de meios de comunicao
feita em sua lngua, no proporcionava o mnimo da acessibilidade no processo de uma
verdadeira participao, impedindo-o de reivindicar seus direitos e de se fazer presente.
Talvez por esse motivo, somente a partir dos anos 2000, com os avanos tecnolgicos e o
reconhecimento da Lngua de Sinais como uma lngua de uso e de direito do sujeito surdo, as
lutas tenham se intensificado tanto no Brasil. Um novo mundo se abre; a Lngua de Sinais
reconhecida e permite uma maior interao entre os surdos (STROBEL, 2008).
Anteriormente dcada de 1970, as aes voltadas para as pessoas com deficincia
concentraram-se na educao e em obras de caridade e assistencialismo. Durante o sculo
XIX, o Estado brasileiro criou duas escolas para pessoas com deficincia: o Imperial Instituto
dos Meninos Cegos, em 12 de setembro de 1854, atual Instituto Benjamin Constant, e o
Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, em 26 de setembro de 1857, atual Instituto Nacional de
Educao dos Surdos (INES), especializado na rea da deficincia auditiva. O INES teve um
papel crucial para a implantao da Lngua de Sinais e, seguramente, para sua difuso. Por
muito tempo, foi a primeira escola que tinha como objetivo a instruo literria dos surdos e
sua profissionalizao. At hoje um palco de muitas lutas e mudanas no processo
educacional do surdo e responde pela educao superior por meio do Curso Bilngue de
Pedagogia, nico no Brasil e modelo na Amrica Latina (BRASIL, 2010).
No final do sculo XIX, a Lngua de Sinais sofreu grande revs, em 1880, no
Congresso Internacional de Milo, Itlia, quando o mtodo oral foi escolhido como o melhor
para a educao dos surdos. A Lngua de Sinais foi proibida oficialmente em diversos pases,
sob a alegao de que destrua a habilidade de oralizao dos surdos (STROBEL, 2006). Tal
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11
proibio gerou o que Skliar (1998, p. 15) chama de isolamento cultural do povo
surdo; esse termo se refere s representaes dos ouvintes sobre a surdez e sobre os surdos a
partir do qual o surdo est obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte. Com esse
termo, faz-se uma analogia ao colonialismo/colonialista;1 no caso da surdez, pode ser
representado pela lngua portuguesa, lngua majoritria de difcil compreenso e acesso ao
surdo, e colonialista como o ser ouvinte que no percebe a Lngua de Sinais como uma lngua
que constitui identidade e cultura do surdo.
Todavia, os surdos passaram a promover movimentos que tinham como base uma
resistncia s prticas ouvintistas. Essas discusses ocorriam em espaos isolados como as
associaes, as cooperativas e os clubes, locais livres do controle ouvinte, no qual os surdos
estabeleciam intercmbio cultural e lingustico e faziam uso da Lngua de Sinais (SKLIAR,
1998).
Nas ltimas dcadas, por meio da luta dos surdos em busca do seu reconhecimento, a
educao de surdos vem sendo demarcada, paulatinamente, por uma nova forma de
compreender as diferenas humanas e passa a reconhecer os sujeitos surdos como social e
historicamente construdos, sendo considerados pertencentes a [...] uma comunidade
lingustica minoritria caracterizada por compartilhar de uma lngua de sinais e valores
culturais, hbitos e modos de socializao prprios (SKLIAR, 2004, p.102).
Em face disso, observa-se atualmente um momento de transio significativa,
deixando-se para trs o paradigma clnico-teraputico e passando a representar os surdos e a
surdez num outro campo paradigmtico, conhecido como socioantropolgico (STROBEL,
2008). Sob esse olhar emergente, portanto, a surdez passa a ser concebida no mais como uma
limitao e/ou um defeito, mas como um trao cultural demarcado pela diferena, que, alm
de implicaes nos campos lingustico e cultural, passa a ter consequncias nos mbitos
social, poltico e educacional.
Nesse contexto de lutas e afirmaes perante uma sociedade dominante ouvinte, vem a
necessidade de afirmao do sujeito surdo enquanto cidado capaz, que deseja ter seus
direitos respeitados. Esse respeito e reconhecimento passam essencialmente pela lngua. por
meio da lngua que se d o acesso comunicao que essencial ao ser humano. Pode-se
dizer que a base para a educao e para a liberdade. Com o conhecimento, torna-se possvel
participar de decises referentes vida nos diversos aspectos sociais.
1Segundo Skliar (1998, p. 15), esse termo se refere [...] s representaes dos ouvintes sobre a surdez e sobre os
surdos [...] a partir do qual o surdo est obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte. Com esse termo, faz-se uma analogia ao colonialismo/colonialista.
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12
Portanto, tendo em vista essa perspectiva, faz-se de suma importncia averiguar as
experincias escolares que foram e que continuam sendo propiciadas aos sujeitos surdos,
oportunizando-lhes narrar suas trajetrias escolares a partir dos seus prprios pontos de vista,
de modo a ser possvel explorar suas representaes acerca de suas vivncias em educao de
surdos.
Dessa forma, o objetivo principal deste estudo investigar a histria de vida e as
percepes de docentes surdos que atuam na educao superior em relao s polticas de
educao inclusiva voltadas para os surdos no Brasil desde a Lei 10.436/2002 (BRASIL
2002) at os dias atuais pertencentes. Pretende-se compreender o caminho percorrido pelos
docentes ante a influncia do neoliberalismo e a incluso das pessoas com deficincia em
todos os nveis do sistema educacional formal.
Ao optar-se pela tcnica da Histria de Vida, acredita-se que este trabalho se justifica
ao dar espao para os prprios surdos narrarem a si mesmos, uma vez que se d tambm a
oportunidade de eles mostrarem e afirmarem sua identidade, lngua e cultura, pressionando
uma mudana de representao da surdez atrelada ao paradigma clnico-teraputico, o qual
narra o sujeito surdo a partir do enfoque da deficincia, em contraposio ideia de reforar a
percepo e a representao do sujeito surdo como um ser construdo social e historicamente,
que apresenta uma diferena, e a conquista do ambiente acadmico.
O presente trabalho est estruturado em cinco captulos. No primeiro, Caracterizando
o objeto de estudo, apresentamos a relevncia do estudo e os objetivos, e delineamos a
metodologia de pesquisa. No segundo captulo, Polticas de educao inclusiva, fazemos
uma anlise do contexto histrico da educao inclusiva e a influncia do neoliberalismo. Na
discusso do terceiro captulo, Educao e cidadania dos surdos, apresentamos o histrico
da educao do surdo, as metodologias de educao, at chegarmos incluso deles no
ambiente escolar. No quarto captulo, Trabalho docente na educao superior, fazemos uma
anlise do contexto histrico e social da educao superior no Brasil, do surgimento das
primeiras instituies de ensino s polticas direcionadas a esse setor, com nfase no
surgimento da incluso de pessoas com necessidades especiais, e, em seguida, apresentamos o
docente surdo na Academia. No quinto e ltimo captulo, Os saberes dos docentes surdos
acerca da incluso na educao superior, analisamos os dados e discutimos os resultados.
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CAPITULO I- CARACTERIZANDO O OBJETO DE ESTUDO
Este primeiro captulo descreve o objeto de estudo investigado, apresentando o
problema de pesquisa, os objetivos e a justificativa.
1.1 O PESQUISADOR E O TEMA: SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA
Este trabalho de investigao se inscreve na linha de pesquisa Poltica, Gesto e
Economia da Educao, do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade
Catlica de Braslia (UCB). O cerne do presente trabalho foi escolhido em razo do fato de,
assim como os sujeitos investigados no presente estudo, o pesquisador tambm surdo e
percebe a necessidade de uma pesquisa na qual o sujeito surdo seja o detentor de sua prpria
histria. Em razo disso, cumpre destacar um pouco da trajetria de vida do pesquisador em
questo.
Nasci ouvinte; todavia, em razo de surto de meningite em Braslia, em 1977, assim
como muitos, fui infectado e, por isso, fiquei surdo. Em razo disso e por orientao dos
mdicos, to logo tive alta, fui matriculado no Centro Educacional de Audio e Linguagem
Ludovico Pavoni (CEAL/DF). Esta escola foi indicada para minha me como a nica que
atendia crianas surdas e trabalhava com a estimulao precoce e atendimento com
fonoaudilogo para que se pudesse aprender a falar e fazer leitura labial. Foi no CEAL, de
1978 a 1979, que tive que me acostumar com o aparelho auditivo; no incio, era bem difcil,
mas no tinha opo, usar o aparelho era obrigatrio se quisesse continuar a ser atendido l.
Em 1982, comecei a estudar no Centro Integrado de Ensino Especial (CIEE/DF), em
razo de no ter me habituado no CEAL, pois a metodologia era muito rgida e, muitas vezes,
era castigado se, por ventura, utilizasse gestos, lembrando que, a essa poca, no possua uma
comunicao perfeita, ento tentava de qualquer forma me comunicar por gestos, ou seja,
estabelecer um mnimo de comunicao, em sala de aula ou mesmo no recreio. Fui para a pr-
escola (educao infantil). Naquela poca no havia a incluso escolar, e, por isso, as crianas
que apresentavam alguma deficincia eram encaminhadas para essa escola. O atendimento
no era exclusivo aos surdos, atendia-se a todas as deficincias, mas os alunos surdos
estudavam separados dos demais.
Nas salas de aula onde os alunos surdos estudavam, os professores no utilizavam a
Lngua de Sinais. Sou de uma poca em que o oralismo e o tradicionalismo eram as
metodologias de ensino mais utilizadas. Buscavam-se sempre mtodos e tcnicas de ensino
-
14
em que o resduo auditivo e tcnicas da fala eram as nicas formas de ensino. Nessa poca, o
uso de gestos era apenas uma forma alternativa de comunicao.
Havia uma brincadeira na qual a professora batia palma e tnhamos que virar para o
lado onde ela havia batido a palma. Apesar de ser uma prtica recorrente, hoje percebo que a
brincadeira no fundo era s um treinamento auditivo. Novamente no ramos vistos como
crianas brincando, mas sim, como crianas deficientes sendo treinadas. Os brinquedos, quase
todos, eram pedaggicos e objetivavam a memorizao das palavras e do alfabeto, e, em sua
maioria, eram confeccionados pelos prprios professores. Nesse espao, ao contrrio da
escola anterior, no ramos punidos se gesticulssemos uns com os outros. Porm, ainda no
utilizvamos a LIBRAS.
Em 1984, troquei de escola; fui estudar na Escola Classe 316 Sul (DF), uma escola
regular. Passei para a 1 srie,2 estudava separado em salas especiais s para surdos; nessa
poca no havia incluso, mas sim a integrao.3 A ideia era nos socializar com as demais
crianas. Entretanto, somente nas horas de lazer e recreio era possvel ver um pouco dessa
integrao. Os alunos e profissionais que atuavam nesse estabelecimento de ensino no eram
preparados para lidar com o surdo. Ainda ramos vistos como diferentes e objetos de
curiosidade.
Em 1985, mudei novamente de escola, pois era mais prximo do trabalho da minha
me; fui para a Escola Classe 114 Sul, que tambm seguia a proposta da integrao, e assim,
como na escola anterior, os professores eram despreparados para atender os surdos. Um ano
depois, na 3 srie, passei a estudar na sala regular, com os alunos ouvintes, como uma forma
de experimentar a possibilidade de colocar os alunos surdos com os demais. Tal fato se deu,
pois, de acordo com os professores responsveis, meu desenvolvimento era melhor que o dos
outros alunos surdos, dada a minha desenvoltura para a leitura labial e adaptao na escola.
No perodo contrrio ao das aulas regulares, ou seja, no perodo vespertino, fazia
reforo na sala de recursos,4 com atendimento especial para o portugus. Ao mesmo tempo
2 Hoje equivaleria ao 2 ano, atualmente, conforme Lei 11.274/2006 (BRASIL, 2006) altera a LDB e amplia o Ensino Fundamental para nove anos de durao, com a matrcula de crianas de seis anos de idade e estabelece
prazo de implantao, pelos sistemas, at 2010.
3 A Integrao requer a promoo das qualidades prprias do indivduo, sem estigmatizao e sem segregao. Realizar pedagogicamente a integrao significa, seja no jardim de infncia, na escola ou no trabalho, que todas
as crianas e adultos (deficientes ou no) brinquem / aprendam / trabalhem de acordo com o seu prprio nvel de
desenvolvimento em cooperao com os outros (STEINEMANN, 1994, p.7). 4 Locus de atendimento especializado, onde se oferece a complementao e enriquecimento curricular, utilizando-se equipamentos e materiais especficos. (SECRETARIA DE EDUCAO DO DISTRITO
FEDERAL- SEDF, 2006).
-
15
em que sentia orgulho pela conquista, sentia insegurana e receio do que vinha pela frente. No
comeo foi tudo muito estranho e diferente, pois, at ento, s havia estudado em turmas
especiais com surdos.
Essa mudana fez com que eu aprendesse a fazer leitura labial com mais rapidez e
preciso e todos os professores ficaram satisfeitos com meu desempenho. Fiquei na Escola
Classe 114 Sul at a 4 srie. Depois disso, fui para a Escola Classe 113 Sul, onde cursei a 5
srie. Na 6 srie, mudei para o Centro Educacional do Guar, onde s eu era surdo. Esse fato
causou-me embarao. Nessa escola tambm havia reforo no turno contrrio. Nesse horrio,
tentava recuperar e compensar minhas dificuldades, principalmente com o portugus.
Mudei radicalmente na 7 e 8 sries, quando passei a cursar o Supletivo, atual
Educao de Jovens e Adultos (EJA). Nessa escola, a nova modalidade de ensino me trouxe
certa vantagem, pois as matrias eram separadas e, assim, pude estud-las uma por uma e no
tudo ao mesmo tempo, como era no ensino regular. No frequentava mais a sala de recurso
dada falta de tempo, pois comecei a trabalhar durante o dia. As dificuldades de compreenso
e abstrao permaneciam, mas fui vencendo-as aos poucos. Acredito que, se houvesse um
professor intrprete, como atualmente no ensino pblico, no teria tido tantos problemas na
aprendizagem.
Iniciei o ensino mdio no Centro de Ensino Mdio n 01 do Guar, fazendo o curso de
Tcnico em Contabilidade dado a facilidade com Matemtica e por j estar trabalhando em
um escritrio de contabilidade. Na minha turma no tinha outro surdo. Eu era o nico no meio
de outros 35 ouvintes. Achava fcil a disciplina de Contabilidade e o professor usava o quadro
para ensinar como fazer as operaes matemticas e isso ajudava na minha compreenso.
Como surdo, o aprendizado se torna mais claro quando se utiliza o recurso visual para ensinar.
Assim como nas demais escolas, no havia intrpretes ou professores preparados para
trabalhar com alunos surdos. Muitas vezes, os professores esqueciam que havia surdo em sala
e comeavam a falar e viravam as costas. Todavia, assim como as demais escolas, havia a sala
de recursos, espao onde os alunos frequentam no contraturno para tirar as dvidas das aulas.
E foi uma professora da sala de recursos que me orientou para mudar de escola e ir para o
Centro Educacional n 1 do Ncleo Bandeirante, onde havia mais surdos tambm fazendo o
curso de Contabilidade e eu no seria o nico. A partir de ento, passei a ter um atendimento
melhor, pois havia dois professores nessa escola que atuavam em sala de aula como
mediadores entre alunos e professores.
Formei-me nessa escola com louvor, tendo sido eleito o melhor aluno do curso,
obtendo notas do curso de Contabilidade maiores do que de muitos alunos ouvintes. O tempo
-
16
foi passando e nenhuma proposta de emprego surgia. As portas vo se fechando quando se
surdo e/ ou se apresenta qualquer outro tipo de deficincia aparente. As pessoas nos olham
com indiferena e demonstram, nas atitudes, que no acreditam na nossa capacidade de
produo.
Todavia, fui contratado pelo Hospital Braslia em 1995, exercendo o cargo de
digitador na seo de faturas. O baixo salrio e a distncia do trabalho para minha residncia
desestimulavam a continuidade dos meus estudas, tendo em vista os valores expressivos das
mensalidades de qualquer curso que optasse fazer e a falta de intrprete de LIBRAS.
Em 1998, comecei a ser instrutor na Associao de Pais e Amigos de Deficientes
Auditivos APADA. Passei a ministrar aulas de LIBRAS e comecei a me sentir realizado,
pois trabalhava em algo que realmente gostava; ministrava aula para ouvintes, ensinando-os
LIBRAS, principalmente para professores da Secretaria de Educao do Distrito Federal.
Em 2004, tive condies para voltar a estudar e optei pelo curso de Pedagogia,
concluindo o curso sem qualquer reprovao no ano de 2006. Durante todo o meu curso, tive
o apoio do profissional Intrprete de LIBRAS, sem o qual no teria me formado com o
mesmo tempo dos demais colegas de sala.
Essa graduao contribuiu para que me tornasse o primeiro professor surdo de
LIBRAS de uma Instituio de Educao Superior do DF em 2006, tendo em vista a
obrigatoriedade do Decreto 5.626/2005 (BRASIL 2005), o qual impe a necessidade da
disciplina de LIBRAS para os cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia, obrigatoriamente.
A busca pelo mestrado ocorreu no incio no ano de 2010, aps a concluso do curso de
licenciatura em Letras/LIBRAS, quando foi possvel perceber a importncia da academia no
desenvolvimento do surdo e da lngua de sinais. Assim como nas duas graduaes cursadas, o
mestrado tambm foi permeado de desafios, tendo em vista o processo e a dinmica curricular
do programa de ps-graduao Stricto Sensu ainda no estarem adaptados ao estudante surdo.
O incio no foi fcil; alguns professores no entendiam a presena do intrprete de
Lngua de Sinais, assim como conseguir um intrprete para as aulas da ps-graduao. Mas
como em muitos dos meus caminhos fui um pioneiro, essa pesquisa pode abrir caminhos para
os futuros colegas acadmicos surdos que venham a participar desse processo.
A escolha pela presente pesquisa consiste exatamente em dar voz a um grupo antes
ignorado, justamente por sua caracterstica principal, sua lngua ser a Lngua de Sinais, e
possibilitar a esses sujeitos, que eles mesmos contem suas histrias a partir de suas vivncias,
como atores principais e no mais como meros coadjuvantes.
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17
Ante o exposto, o presente trabalho se mostra necessrio tendo em vista a existncia
de poucas pesquisas na rea, e inova no sentido de possibilitar que o sujeito surdo, em
especfico o docente universitrio surdo, seja ouvido, que sua histria de vida seja
compreendida e que o reflexo na educao superior possa contribuir para uma anlise das
polticas de incluso nas ltimas dcadas. Se ainda pouco o nmero de alunos surdos que
chegam educao superior no Brasil, o de surdos que se tornam professores nesse nvel de
ensino ainda mais reduzido. Assim, importante saber como foi o caminho trilhado e que
exemplos suas histrias podem trazer para outros surdos e tambm para os ouvintes.
1.1.1 Problema
O fomento das Polticas Pblicas Educacionais vem influenciando o sistema nacional
de ensino e mudando o panorama de desenvolvimento, a capacitao e a formao dos novos
professores. Dentre essas, merece destaque a Declarao de Salamanca (1994), na qual o
Brasil signatrio. Nessa, o indivduo reconhecido como um ser pleno de direitos,
independentemente das suas limitaes e tem como objetivo principal incluir alunos com
necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Porm, para o surdo,
a grande mudana ocorre a partir do artigo 21, onde destacado que, devido s dificuldades
de comunicao, os surdos deveriam estudar em escolas especiais ou classes especiais dentro
de escolas regulares.
Outras polticas de incluso tambm foram desenvolvidas, tais como: a incluso dos
alunos com necessidades educacionais especiais em salas regulares e a criao de salas de
recursos com a finalidade de Atendimento Educacional Especializado (AEE) (TUXI, 2009).
No entanto, uma mudana significativa ocorre no reconhecimento da Lngua Brasileira de
Sinais como uma lngua prpria da Comunidade Surda por meio da Lei 10.436/ 2002
(BRASIL 2002).
Vrias foram as mudanas que ocorreram no meio educacional. No ensino
fundamental e mdio, foi garantido o direito do sujeito surdo usar a Lngua de Sinais como
uma forma de acessibilidade lingustica dentro da sala de aula por meio de um intrprete. Na
educao superior, a incluso da disciplina de Lngua de Sinais nas licenciaturas, e optativa
nas demais reas, conforme o Decreto 5.626/2005 (BRASIL, 2005), leva a Lngua Brasileira
de Sinais a ser conhecida por uma comunidade acadmica nunca antes atingida, futuros
profissionais que passam a ter um olhar para a lngua e para o surdo de forma diferenciada.
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18
Apesar de as leis terem um impacto profundo e modificador sobre o processo
educacional do sujeito surdo, tem se a seguinte questo: qual a influncia do processo
educacional nas histrias de vida e as percepes de docentes surdos que atuam na educao
superior em relao s polticas de educao inclusiva?
Tal questionamento pode ser feito, pois, apesar de a legislao reconhecer a Lngua
Brasileira de Sinais como a lngua do surdo, muitas lacunas foram deixadas na rea de
atendimento educacional e de acessibilidade lingustica. Hoje, no Brasil, h um grande
movimento a favor da criao da Escola Bilngue, um espao educacional onde a Lngua de
Sinais seja a lngua de instruo educacional e a lngua oral majoritria do pas na modalidade
escrita ser a segunda lngua a ser ensinada. Apesar de ser um espao de grande importncia
para o surdo, a Escola Bilngue, instituda pelo Projeto de Lei 725/2012 (DISTRITO
FEDERAL, 2012) que autoriza o governo distrital criao de tal escola para surdos, com a
Lngua Brasileira de Sinais como primeira lngua, e a Lngua Portuguesa em sua modalidade
escrita como segunda lngua, ainda est em processo de conquista para ser reconhecida e
aceita como uma opo alm do sistema escolar inclusivo.
Atualmente, obrigatrio, com base no Decreto 5.626/2005 (BRASIL, 2005), que
todos os cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia tenham a disciplina de Lngua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) no seu contedo programtico. Porm, poucos desses profissionais que
ministram a matria so surdos, apesar de estar explcito no Decreto que a prioridade de
ensino deve ser dada ao profissional surdo, conforme se verifica da transcrio do referido
Decreto:
Art. 5 A formao de docentes para o ensino de LIBRAS na educao infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou
curso normal superior, em que LIBRAS e Lngua Portuguesa escrita tenham
constitudo lnguas de instruo, viabilizando a formao bilngue.
1 Admite-se como formao mnima de docentes para o ensino de LIBRAS na
educao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formao ofertada em
nvel mdio na modalidade normal, que viabilizar a formao bilngue, referida
no caput.
2 As pessoas surdas tero prioridade nos cursos de formao previstos no caput.
Em virtude dos aspectos acima mencionados, possvel entender a necessidade de se
desenvolver um trabalho de pesquisa que tenha como foco investigar as percepes dos
docentes surdos que atuam na educao superior em relao s polticas de educao criadas
no Brasil desde a Lei 10.436/2002 (BRASIL, 2002) at os dias atuais e at que ponto tais
polticas evoluram ou regrediram em relao promoo da cidadania emancipada dos
alunos surdos, alm de verificar como os docentes percebem a participao de lideranas
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surdas tanto na parte poltica como na educacional, na elaborao da legislao atual
existente.
Para se atingir os objetivos propostos, ser realizada uma pesquisa qualitativa, com
base na metodologia da Histria Oral que tem por finalidade dar voz e viso a um
determinado grupo social que, por muitas vezes, no fora ouvido, permitindo registrar sua
opinio acerca dos fatos que o cercaram (CASSAB & RUSCHEINSKY, 2004). A tcnica de
investigao ocorrer por meio da entrevista semiestruturada.
1.1.2 Objetivos
O objetivo principal deste estudo investigar a histria de vida e as percepes de
docentes surdos que atuam na educao superior em relao s polticas de educao
inclusivas voltadas para os surdos, criadas no Brasil desde a Lei 10.436/2002 (BRASIL,
2002) at os dias atuais. Para atingir o objetivo geral, foram constitudos os seguintes
objetivos especficos:
a) Identificar o perfil do docente surdo e sua histria de vida at chegar docncia na
educao superior;
b) Analisar como os professores surdos percebem as polticas de incluso na
educao superior adotadas pelo Estado e pelas Instituies onde atuam;
c) Identificar o nvel de participao dos professores surdos nos movimentos ou
associaes que reivindicam direitos educacionais para os surdos;
d) Analisar as representaes sobre educao de surdos presentes nas narrativas do
sujeito surdo;
e) Averiguar o conhecimento dos professores surdos em relao s polticas pblicas
educacionais voltadas para os surdos em vigor no Brasil;
1.2 DELINEAMENTO METODOLGICO
1.2.1 Abordagem
Para alcanar os objetivos propostos, esta pesquisa utilizou a abordagem qualitativa. A
escolha de tal abordagem ocorreu em virtude de se buscar entender os processos e as trocas
feitas no contexto social interativo no qual os grupos que so afetados pelas polticas atuais
inclusivas esto presentes. Enfim, uma busca da compreenso do ser como produto da ao
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histrico-cultural. A abordagem qualitativa adotada tem como princpio a viso qualitativa
baseada no dilogo, na construo e na interpretao da realidade (GONZLEZ REY, 2002).
Para Gonzlez Rey, a abordagem qualitativa:
[...] deve ser entendida como um esforo na busca de formas diferentes de produo
de conhecimento em psicologia que permitam a criao terica acerca da realidade
plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histrica, que representa a
subjetividade humana (GONZLEZ REY 2002, p.29).
Nesse mesmo sentido, Ludke e Andr (2012, p. 12) afirmam que a pesquisa qualitativa
tem sua preocupao muito mais com o processo e [...] o interesse do pesquisador ao estudar
um determinado problema verificar como ele se manifesta nas atividades, nos
procedimentos e nas interaes cotidianas.
Segundo Flick (2004), a pesquisa qualitativa tem uma longa tradio na Psicologia e
nas Cincias Sociais. Como os mtodos em Psicologia influenciam as orientaes na rea
educacional, importante considerar a histria dessa metodologia.
No final do sculo XIX, j ocorriam aes isoladas de trabalhos que utilizavam a
pesquisa qualitativa. No entanto, a partir do sculo XX que a pesquisa qualitativa se
sistematizou com trabalhos de Malinowski, Bateson, Mead, Benedict e outros (GONZLEZ
REY, 2002).
Para Paulilo (1999), por meio da pesquisa qualitativa, possvel penetrar nas intenes
e motivos que levam a compreender as aes e as relaes que permeiam o objeto de estudo.
A autora aponta que seu uso indispensvel quando os temas pesquisados demandam um
estudo fundamentalmente interpretativo.
Spindola e Santos (2003) apontam que a pesquisa qualitativa tem como foco uma
realidade que no pode ser quantificada. As questes que norteiam o objeto estudado so
muito particulares, trabalhando um universo de significados, de crenas e de valores, e que
correspondem a um espao onde as relaes so mais profundas. Com isso, os fenmenos no
podem ser operacionalizados a meras variveis. Para as autoras, essa abordagem tem no
ambiente a fonte direta dos dados.
[...] caracterizada pela obteno de dados descritivos, no contato direto do
pesquisador com a situao estudada, valorizando-se mais o processo que o produto,
preocupados em retratar a perspectiva dos participantes, isto o significado que eles
atribuem s coisas e a vida. Dessa forma s apercebidos como as pessoas mais
importantes do processo (SPINDOLA; SANTOS, 2003, p. 2).
Silva et all (2007) trazem um conceito de abordagem qualitativa muito importante para
este estudo. Os autores apontam que uma caracterstica importante da metodologia qualitativa
a relao entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado, pois constitui um momento de
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trocas, de construes e de dilogos que trazem consigo um universo de experincias
humanas. Afirmam que nessa possibilidade de dilogo que reside a principal diferena entre
as abordagens quantitativa e qualitativa. Na qualitativa, trata-se o sujeito como um possuidor
de seu prprio ponto de vista e suas interpretaes; j na quantitativa, est vinculada a
descrio de relaes entre as variaes especificadas.
Sendo assim, esta pesquisa tem como base metodolgica a abordagem qualitativa que
trabalha com foco no indivduo e no ambiente em que ele vive. por meio da pesquisa
qualitativa que o pesquisador tem a possibilidade de mergulhar profundamente nas nuances e
particularidades que o tema pesquisado necessita.
1.2.2 Procedimento metodolgico
Um dos tipos de estudo que podem ser feitos na abordagem qualitativa o da Histria
de Vida. Segundo Paulilo (1999), pela Histria de Vida, possvel captar como ocorre a
interseco do individual com o social, ou seja, permite que elementos do passado possam ser
restaurados e evocados no presente, [] podemos assim, dizer, que a vida olhada de forma
retrospectiva faculta uma viso total de seu conjunto, e que o tempo presente que torna
possvel uma compreenso mais aprofundada do momento passado (PAULILO, 1999, p. 3).
Segundo Spndola e Santos (2003), a origem do termo Histria de Vida tem dois
significados distintos. Se analisado pela traduo historie, original do francs, remete-se
quela que designa a histria de vida contada pela pessoa que a vivenciou. No caso de story e
history do ingls, compreende o estudo aprofundado da vida de um indivduo ou grupos de
indivduos. A Histria de Vida trabalha com a estria ou o relato de vida, ou seja, a histria
contada por quem a vivenciou; nesse caso, o pesquisador no busca analisar a autenticidade
dos fatos, pois o importante o ponto de vista de quem est narrando. Segundo os autores
[...] o objetivo desse tipo de estudo justamente apreender e compreender a vida conforme
ela relatada e interpretada pelo prprio ator (SPNDOLA; SANTOS, 2003, p.3).
A Histria de Vida busca apreender elementos gerais contidos nos relatos de prticas
sociais, respeitando as formas como o indivduo percebeu determinado momento da sua
histria. Nessa abordagem, o pesquisador respeita a opinio do sujeito e participa do seu
discurso. Na verdade, segundo Glat (2004), o pesquisador e o sujeito se completam e
modificam um ao outro, no momento do discurso, em uma relao dinmica e dialtica. O
cotidiano das pessoas retratado por meio de suas histrias de vida e percebido como o
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22
momento mais marcante e significativo, um formador de direo do aprendizado e das
experincias.
Atravs das narrativas de sua vida, o indivduo se preenche de si mesmo, se
obrigando a organizar de modo coerente as lembranas desorganizadas e suas
percepes imediatas: esta reflexo do si faz emergir em sua narrao todos os
microeventos que pontuam a vida cotidiana, do mesmo modo que as duraes,
provavelmente comuns aos grupos sociais, mas que dentro da experincia individual
contribuem para a construo social da realidade (SPNDOLA; SANTOS, 2003,
p.6).
Para Queiroz (1988), a Histria de Vida uma ferramenta muito importante e valiosa
que permite pesquisar o momento em que ocorreu a interseco entre a vida individual e o
contexto social, e como um elemento afeta o outro. Em Silva et all (2007), a Histria de Vida
um mtodo que tem como principal caracterstica sua preocupao com o vnculo entre o
pesquisador e o sujeito.
A Histria de Vida, para Closs e Antonelo (2012), um registro escrito da vida de
uma determinada pessoa ou grupo, que, por meio de conversas e entrevistas, pode ser
montada. O termo Histria de Vida, para os autores, pode ser utilizado para denominar
relatos que registram a vivncia, a experincia de indivduos ou de uma coletividade,
possibilitando, assim, reconstruir determinado evento ou questo, apontando o tempo ou
local.
No entanto, preciso destacar que a Histria de Vida no se apoia unicamente numa
viso do indivduo com suas especificidades, mas tambm sob a perspectiva da sociedade na
qual est inserido. Como afirma Queiroz (1988), a anlise de relatos representa uma rede
elaborada a partir da vida individual e seu reflexo no social. O pesquisador percebe o
informante como o representante de um grupo, da comunidade na qual ele est inserido,
revelando, assim, os traos e aspectos mais significativos que constituram toda uma histria.
De acordo com Silva et all (2007), a Histria de Vida foi utilizada como mtodo pela
primeira vez na obra pioneira de W.I Thomas e F. Znanineck, em 1918. A obra The Polish
Peasant in Europ in Amrica tem com tema central o projeto de organizao e de
reorganizao dos poloneses ao se integrarem cultura americana. Na obra, todo o estudo
desenvolvido foi feito por meio de trabalhos de campos e recolhimentos dos relatos da vida,
bem como anlise de documentos.
A utilizao da Histria de Vida como abordagem metodolgica foi introduzida no
meio acadmico em 1920, pela Escola de Chicago, e desenvolvida por Znaniescki, na Polnia.
A partir da dcada de 1960, esse mtodo de pesquisa procurou estabelecer as estratgias de
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anlise do vivido, constituindo um mtodo de coleta de dados do homem no contexto das
relaes sociais (BARROS, 2002).
Na ltima dcada, diversos foram os trabalhos que utilizaram a metodologia da
Histria de Vida na rea educacional. Mota (2005) desenvolveu uma pesquisa na qual a
Histria de Vida a base para o processo de alterao e de reflexo acerca do processo de
ensino e de socializao do ser humano na disciplina de Sociologia. Para a autora, a Histria
de Vida foi pensada como possibilidade didtica para trabalhar a ideia de socializao, a fim
de inteirar ativamente a percepo e a compreenso de como e onde ocorre o processo de
construo de identidade social, ao longo de nossas vidas.
Durante a pesquisa realizada, a autora pde perceber que na descrio do percurso e
de elementos cotidianos de suas vidas que os estudantes detm-se sobre aspectos
significativos da sua relao com o macrocosmo. A autora afirma ainda que uma implicao
metodolgica e terica importante do uso da Histria de Vida o tratamento da vida cotidiana
dos estudantes como objeto de estudo e relevante fonte do conhecimento (MOTA, 2005).
Lopes e Lima (2005) tambm utilizaram a Histria de Vida em uma pesquisa que tinha
como objetivo refletir sobre a formao de professores a partir das narrativas de professores
aposentados. Os autores afirmam que utilizaram as histrias de vida de um grupo de
professores aposentados no intuito de que cada um fosse o interlocutor do estudo, enfatizando
a importncia da formao e da viso de prtica que se fez necessria no seu dia a dia.
Os autores citados afirmam ainda que trabalhar com o mtodo de Histria de Vida
com professores algo recente no campo da pesquisa educacional. A base de todo o trabalho
a subjetividade, na qual o foco recai sobre a construo do olhar o outro sobre determinado
fato vivido ou poca a ser lembrada.
Para Sousa (2006), a Histria de Vida deve ser entendida com a arte de contar e trocar
experincias entre sujeito e pesquisador, que d vida e credibilidade pesquisa educacional.
Para o autor, a riqueza dessa troca se d nos laos que unem a vida desses dois elementos.
As histrias de vida so, atualmente, utilizadas em diferentes reas das cincias
humanas e de formao, atravs da adequao de seus princpios epistemolgicos e
metodolgicos a outra lgica de formao do adulto, a partir dos saberes tcitos e
experienciais e da revelao das aprendizagens construdas ao longo da vida como
uma metacognio ou metareflexo do conhecimento de si (SOUSA, 2006, p. 25).
O autor afirma ainda que, nas histrias de vida, quem decide o que deve ou no ser
contado o prprio ator, a quem cabe o dizvel da sua histria, a subjetividade e os
percursos de sua vida. Fica claro que dentro desse quadro que surge a proposta na pessoa do
professor, na sua subjetividade, subjaz a noo e sociedade, de coletivo. Mesmo o professor,
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sendo uma pessoa, com caractersticas prprias e individuais, as suas relaes sociais
transformam a sua histria na histria dos outros e a histria dos outros dentro da sua prpria
histria (LOPES; LIMA, 2005, p. 2).
Para Goodson (2000), o estudo das histrias de vida dos professores, tanto para anlise
do currculo como da escolaridade, essencialmente importante, pois confirma a necessidade
de se garantir que a voz do professor seja ouvida. O autor afirma que deve ser ouvida em voz
alta e de forma bem audvel e bem articulada; ela que criar uma nova perspectiva de
atuao para geraes futuras.
Aps a leitura dos autores acima apresentados, fica claro que, ao utilizar a
metodologia da Histria de Vida, tem-se o objetivo maior de apreender os elementos gerais
que esto presentes nas entrevistas das pessoas, desejando encontrar os elos do passado com o
presente, no intuito de se pensar em um futuro melhor.
Nessa concepo, e com base nesses conceitos, este trabalho, que tem como objetivo
investigar a histria de vida e as percepes de docentes surdos que atuam na educao
superior acerca das polticas pblicas existentes, utilizou a metodologia de Histria de Vida,
valendo-se da entrevista semiestruturada como instrumento para coleta dos dados.
1.2.3 Participantes
A pesquisa contou com a participao de cinco professores surdos que atuam em
Instituies de Educao Superior (IES) e ministram a disciplina de Lngua Brasileira de
Sinais (LIBRAS).
A princpio, o critrio estabelecido para a escolha dos docentes foi apenas o uso da
LIBRAS como primeira lngua, ou seja, o professor deveria ter a Lngua de Sinais como
lngua de comunicao e instruo. No entanto, no decorrer da pesquisa, outros dois critrios
de incluso foram propostos. Era necessrio que os professores surdos participassem de
movimentos sociais surdos atuais e possussem licenciatura no Curso de Letras LIBRAS.
No intuito de preservar a identidade dos entrevistados, o pesquisador os identificou
por ordem alfabtica, nomeando o primeiro de Docente I, o segundo de Docente II at o
Docente V. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento (APNDICE C).
As entrevistas foram gravadas em vdeo pelo pesquisador e feita a degravao
mediante a traduo da LIBRAS para a Lngua Portuguesa por uma equipe de trs Tradutores
Intrpretes de Lngua Brasileira de Sinais Portugus que tambm assinaram um Termo de
Integridade e Sigilo (APNDICE D).
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1.2.4 Local
A coleta de dados foi realizada no segundo semestre do ano 2013 e no primeiro ms
do ano de 2014. As trs primeiras entrevistas foram realizadas na Universidade de Braslia
UnB. O local foi uma solicitao feita pelos participantes, pois so alunos da psgraduao
da referida universidade e acharam que seria mais fcil e tranquilo para eles. As entrevistas
foram feitas no Laboratrio de Lingustica de Lngua de Sinais. As primeiras entrevistas
ocorreram no decorrer de dez dias, pois havia um Congresso de Portugus no Brasil como
Segunda Lngua, rea que contempla todos os participantes. A segunda fase de entrevista
tambm foi feita na UnB com alguns participantes (I, II e III). A entrevista com o participante
IV foi feita no local em que leciona, pois era mais fcil para dispor de tempo e tranquilidade.
O participante V foi entrevistado na sua residncia, tendo em vista a facilidade de obteno
das respostas por dispor de mais tempo visto que gozava, no perodo, de licena paternidade.
1.2.5 Estrutura das Instituies de Educao Superior - IES
Os professores acima citados atuam em Instituies de Educao Superior IES. Com
a obrigatoriedade da disciplina de Lngua de Sinais nos currculos de educao superior,
preferencialmente nas licenciaturas e, posteriormente, nos demais cursos de formao. Cada
instituio adotou uma forma para cumprir a determinao do Estado. Abaixo, segue um
pouco do histrico de cada instituio onde os participantes ministram a disciplina de
LIBRAS e fazem parte do quadro de funcionrios/servidores.
Instituio A
A instituio a qual pertencem os docentes I e II uma universidade pblica
inaugurada no ano de 1962. Possui 2.445 professores, 2.630 tcnicos administrativos e 28.570
alunos regulares e 6.304 de ps-graduao. constituda por 26 institutos e faculdades e 21
centros de pesquisa especializados. Atualmente oferece 109 cursos de graduao, sendo 31
noturnos e 10 a distncia. H ainda 147 cursos de ps-graduao stricto sensu e 22
especializaes lato sensu. Os cursos esto divididos em quatro campi espalhados pelo
Distrito Federal.
Na instituio, h um programa de apoio s pessoas com necessidades especiais que
foi criado em 1999, aps diversas discusses sobre o ingresso e as condies de permanncia
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e diplomao dos estudantes com necessidades especiais na universidade. A implantao foi
orientada pelo marco legal da Constituio Federal, a Poltica Nacional de Integrao da
Pessoa Portadora de Deficincia por meio do Decreto 3258/1999 (BRASIL/1999), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educao (BRASIL, 1996), e demais legislaes, com o objetivo de
proporcionar condies de acesso e permanncia desses estudantes na educao
superior. Consiste em estabelecer uma poltica permanente de ateno s pessoas com
necessidades especiais e assegurar sua incluso na vida acadmica, por meio da garantia de
igualdade de oportunidades e de condies adequadas para o seu desenvolvimento na
universidade. O programa auxilia na mediao e no relacionamento entre o professor, o
funcionrio e o estudante portador de necessidades especiais. Possui uma srie de aes que
visam proporcionar um livre exerccio da cidadania para todos que integram a comunidade
acadmica da instituio.
A primeira turma de Lngua Brasileira de Sinais teve incio no ano de 2007, por meio
de professores substitutos. Essa atuao durou 5 anos at que houve concurso para professor
efetivo no ano de 2011. Ingressaram dois professores de Lngua de Sinais no cargo de
professor assistente. Os professores no ano de 2013 atingiram a estabilidade e hoje so alunos
do curso de doutorado. Os professores citados so os participantes I e II desta pesquisa.
Semestralmente, uma mdia de duzentos e quarenta alunos participa das aulas de LIBRAS.
Instituio B
A instituio B um instituto federal de ensino. Foi criado em Braslia no ano de 2005
inicialmente em Planaltina. A partir de 2010, novos campi foram criados e atualmente em
Braslia existem sete. Cada um tem um eixo de atuao que foi definido por meio de consultas
sociedade, tendo como base dados socioeconmicos da regio.5 Os eixos tecnolgicos so
quatro: Gesto e Negcios, Tecnologia da Informao, Hospitalidade e Lazer e Artes na rea
de Dana. Nos institutos so oferecidos cursos tcnicos, superiores, de Formao Inicial e
Continuada (FIC), Projetos de Extenso, Programa Certific, cursos de idiomas e do Pronatec.
A reitoria atualmente est instalada em prdio prprio, localizado no Plano Piloto. O prdio
conta com dois blocos entregues e em funcionamento, com salas de aulas, salas de apoio
estudantil e administrativo e rea para instalao da lanchonete. Ainda esto em construo
mais dois blocos que tero laboratrios especficos dos cursos tcnicos e superiores, alm da
5 Disponvel em: . Acesso em: 20 fev. 2014.
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biblioteca, teatro e ginsio poliesportivo. A previso que a ltima etapa seja entregue
comunidade acadmica neste ano de 2014.
O ingresso do professor de LIBRAS nos quadros do instituto ocorreu no ano de 2010
por meio de concurso pblico, sendo este destinado ao campus de Taguatinga, criado em 2008
por meio da Lei 11.892. A unidade atua nas reas de Vesturio, Eletromecnica, Informtica e
Licenciatura em Fsica. So oferecidos cursos Tcnicos, Formao Inicial e Continuada (FIC)
que so cursos 'profissionalizantes' de curta durao projetos de extenso e cursos de
idiomas. O campus conta com professores especialistas, mestres e doutores e possui
Laboratrios de Software, Hardware, Eletrnica, Eltrica, Mecnica, Usinagem, Solda,
Informtica, Modelagem e Corte, alm de Costura. O campus oferece dois cursos FICs de
Lngua de Sinais: um bsico e outro avanado, contando com a participao de 100 alunos.
Hoje, o campus oferece LIBRAS como disciplina obrigatria para os alunos da
Licenciatura de Dana. Semestralmente, uma mdia de quarenta alunos tem aula de Lngua de
Sinais. O participante III o professor que atua nesta instituio.
A Instituio B conta com um ncleo de atendimento s pessoas com necessidades
educativas especiais, que tem por finalidade promover a cultura da educao para a
convivncia, aceitao da diversidade e, principalmente, buscar a quebra de barreiras
arquitetnicas, educacionais e de comunicao e, na medida do possvel, as atitudinais, de
forma a promover incluso de todos (as) na educao profissional e tecnolgica. O ncleo
ainda est em constituio e no teve seu regulamento ainda aceito pela Reitoria. O
participante III desta pesquisa j atuou como um dos coordenadores do ncleo.
Instituio C
A Instituio C uma universidade particular. Foi uma das pioneiras de ensino na
capital do pas, inaugurado em 1968. Tornou-se o primeiro centro universitrio da regio na
dcada de 1990. Tem como filosofia um ensino de excelncia e poltica de renovao
permanente, acompanhando as evolues tecnolgicas e pedaggicas. Oferece cursos nas
reas de Cincias Jurdicas, Cincias Sociais, Cincias Exatas, Cincias da Sade, Cincias da
Educao e Tecnologia, alm dos cursos de ps-graduao lato e stricto sensu. Dispe de uma
estrutura com 61.829 m2, necessria ao melhor ambiente acadmico. So salas de aula
confortveis, laboratrios das diversas reas, a mais moderna biblioteca do Distrito Federal,
alm do parque esportivo. O ambiente oferece comunidade acadmica todos os recursos
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boa convivncia e ao aprendizado de qualidade. Possui trs campi sendo dois no Plano Piloto
e um em Taguatinga.
A disciplina de Lngua Brasileira de Sinais foi inserida no currculo no ano de 2008.
Inicialmente foi inserido nos cursos de licenciaturas. Conta com 04 professores de LIBRAS
1 ouvinte e 3 surdos. Todos passaram por um processo de seleo rigoroso. O participante IV
atua como professor nesta instituio.
Instituio D
A Instituio D uma instituio de ensino particular. Iniciou suas atividades em 1972
destinando seus servios aos estudantes do antigo ensino supletivo, preparando-os tambm
para o acesso educao superior por meio de cursos pr-vestibulares. Estendeu seus servios
para outras comunidades, acompanhando o desenvolvimento do Distrito Federal. Inaugurou
uma unidade no Guar, ampliando seus servios com a implantao do ensino regular seriado
e com o atendimento educao infantil. Para solidificar sua misso, abriu duas unidades de
ensino em Valparaso, atendendo do maternal ao 3 ano do ensino mdio.
Em 1996, com 24 anos de funcionamento, a IES instala no Pisto Sul de Taguatinga,
um Centro de Formao Profissional, completando a oferta do ensino regular em trs cidades
do Distrito Federal e Entorno. Como resultado, em 1999, inicia a educao superior com os
cursos de Administrao, Cincias Contbeis, Enfermagem, Nutrio, Pedagogia, Publicidade
e Propaganda e Relaes Pblicas. Em conjunto com as Unidades de Taguatinga, Guar,
Valparaso I e Valparaso II, passou a desenvolver um processo de educao contnua,
atendendo do maternal educao superior. Em 2002, inaugura mais dois cursos:
Administrao e Letras. Com oito anos de funcionamento, a faculdade ganha mais quatro
cursos: Biomedicina, Farmcia, Jornalismo e Direito. Em 2003, teve incio o primeiro curso
de ps-graduao: Gesto, Superviso e Orientao Educacional. Em 2008, dando
continuidade ao seu empreendedorismo, inicia os cursos de Geografia, Histria,
Administrao, Publicidade e Propaganda e Turismo. Em agosto de 2009, passa a oferecer os
cursos de Administrao Geral e os tecnlogos em Gesto em Logstica, Gesto em
Marketing e Gesto em Recursos Humanos. Em dezembro de 2010, com uma nova unidade
no Plano Piloto, abre os cursos de nvel superior em Enfermagem e Radiologia e os cursos
Tcnico em Enfermagem e Tcnico em Radiologia. O participante V professor desta
instituio desde 2012.
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Alm dos participantes formais, esta pesquisa contou com o apoio de uma equipe de
trs profissionais Tradutores/Intrpretes de Lngua de Sinais, sendo todos reconhecidos por
meio do certificado de Proficincia em Traduo e Interpretao Lngua Portuguesa
LIBRAS e LIBRAS Lngua Portuguesa, expedido pelo Ministrio da Educao (MEC).
1.2.6 Tcnicas para gerao de dados
Esta pesquisa utilizou inicialmente, como instrumento da coleta de dados, o roteiro
para a entrevista semiestruturada. Porm, no decorrer do contato junto aos profissionais, foi
possvel perceber a riqueza dos dados obtidos tambm pela dinmica da conversao. Nesse
sentido, tambm as conversas informais foram consideradas como um instrumento de
construo de dados.
De acordo com Aguiar (2006), a entrevista deve manter estreita relao com a
afetividade, com a busca de identificao com o sujeito entrevistado, em uma forma de
reconhecimento e de admirao no caminho que ele define.
Queiroz (2008) aponta que as entrevistas so partes em que no s a fala, mas todas as
expresses, inclusive os movimentos, demonstram pontos importantes para o pesquisador.
[...] torna-se importante, pois por meio delas que se torna possvel ouvir as
pessoas, deix-las vontade para se expressarem e prestar ateno no s as
colocaes verbais, mas tambm aos gestos, expresses no verbais e at mesmo ao
silncio dos informantes no momento das entrevistas, e, sobretudo, respeitar sua
opinio (QUEIROZ, 2008, p. 73).
De acordo com Ludke e Andre (2012, p. 36), [...] a grande vantagem da entrevista
sobre outras tcnicas que ela permite a captao imediata e corrente da informao
desejada, podendo permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras tcnicas de
alcance mais superficial, e esta se coaduna com a metodologia escolhida, qual seja a da
Histria de Vida. A entrevista semiestruturada, segundo Flick (2004), amplamente utilizada
em virtude da provvel manifestao do ponto de vista dos sujeitos entrevistados.
A entrevista de Histria de Vida trabalha com memria e por isso faz seletividade de
eventos e momentos importantes da vida do entrevistado. Para Bosi (1994), o que interessa,
quando se trabalha com a Histria de Vida, a narrativa da vida de cada um, a maneira como
ele pretende que sua vida seja narrada.
Para Thiollent (1982), a Histria de Vida normalmente extrada em uma ou mais
entrevistas denominadas entrevistas prolongadas, que tm como foco a interao entre
pesquisador e pesquisado. O autor completa ainda que o entrevistador se mantm em uma
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situao flutuante que permite estimular o entrevistado a explorar o seu universo cultural, sem
questionamentos forados. Uma entrevista prolongada, sem momentos definidos para
terminar.
A entrevista prolongada, nesta pesquisa, teve como objetivo ouvir profissionais surdos
que atuam em Instituies de Educao Superior - IES e Institutos Federais de Educao
como docentes surdos. A lngua utilizada durante todo o processo foi a LIBRAS, e teve a
durao, em mdia, de 2 horas para cada entrevista.
Foram utilizados os seguintes equipamentos: filmadora e gravador. preciso
esclarecer que a filmadora foi utilizada com o devido consentimento e autorizao dos
participantes e a escolha se deve ao fato de todos os participantes da pesquisa responderam
em LIBRAS. Os entrevistados surdos foram filmados e, posteriormente, a informao obtida
transcrita para a Lngua Portuguesa.
1.2.7 Procedimentos
Inicialmente foi feito um levantamento junto s Instituies de Educao Superior no
Distrito Federal, que possuam professores surdos. Aps uma anlise, foi possvel constatar
que 14 IES possuem profissionais surdos atuando como docentes, o que pode ser considerado
uma conquista decorrente da legislao recente.
Como segundo passo, foi feito um contato com as instituies, por meio de visitas
informais e conversas com coordenadores de reas, com o objetivo de conhecer como a
disciplina foi criada e o histrico do ingresso dos professores surdos na instituio.
Aps a seleo das instituies em cada IES, foi feita uma reunio com os docentes,
para explicar o objetivo da pesquisa, como ela seria desenvolvida e a importncia de
participao do professor surdo com um elemento diferenciador das demais pesquisas.
Os professores surdos aceitaram participar da pesquisa, em carter voluntrio. Foi
preciso ento selecionar aqueles que cooperariam com o trabalho. Foram escolhidos cinco
docentes surdos que atuam nas Instituies de Educao Superior. O primeiro critrio
estabelecido era que os professores participassem ativamente de movimentos sociais surdos,
ou seja, movimentos que defendem os interesses lingusticos e educacionais da Comunidade
Surda; o segundo critrio foi a escolaridade, ou seja, que os docentes possussem licenciatura
no curso de Letras LIBRAS. O curso tem como lngua de instruo a Lngua Brasileira de
Sinais e nos seus contedos trabalha com os aspectos polticos e socioeducacionais do aluno
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surdo. Aps esses dois pr-requisitos estabelecidos, os cinco professores escolhidos assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Informado (Anexo C).
As entrevistas foram feitas de forma individualizada em um espao utilizado pela
Comunidade Surda acadmica. Fica em um laboratrio prprio para o estudo da Lngua
Brasileira de Sinais. Foi interessante, pois o ambiente est em construo e todos os docentes
surdos e alunos de ps-graduao esto participando dessa construo. As primeiras
entrevistas aconteceram nesse espao e, quase que seguidas, no perodo de dez dias. As
entrevistas foram todas filmadas. O equipamento foi montado antes dos entrevistados
chegarem, pois o desejo era de se criar um ambiente mais relaxado que os deixasse vontade.
As entrevistas foram feitas inicialmente nesse espao. Em alguns casos, foram
necessrios outros encontros. Para uma melhor visualizao, ser apresentada a Tabela 1,
contendo os participantes, a quantidade de encontros e o total de tempo das entrevistas.
Tabela 1. Distribuio da entrevista com os docentes
PARTICIPANTE TEMPO TOTAL DE ENTREVISTA
Docente I 56 minutos e 44 segundos
Docente II 57 minutos e 01 segundo
Docente III 1 hora, seis minutos e 38 segundos
Docente IV 57 minutos e 18 segundos
Docente V 56 minutos e 57 segundos
Aps o levantamento dos dados, foram feitas as transcries das gravaes. Esse foi
outro momento de muito cuidado e reflexo. Como pesquisador, vi a minha histria se
repetindo e foi necessria muita ateno para no misturar a minha histria deles.
Toda a transcrio/traduo foi feita por uma equipe com trs profissionais TILS. O
pesquisador buscou TILS que so reconhecidos pelo MEC por possurem o Certificado de
Proficincia de Traduo Interpretao LIBRAS Portugus LIBRAS.
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CAPTULO II- POLTICAS DE EDUCAO INCLUSIVA
Este captulo analisa as mudanas ocorridas no contexto da educao inclusiva e a
influncia do neoliberalismo nas polticas educacionais a partir dos anos 1990.
2.1 O NEOLIBERALISMO E A INFLUNCIA NA EDUCAO BRASILEIRA
A educao brasileira sofreu influncias diretas oriundas da adoo de princpios e
prticas neoliberais. De acordo com Oliveira (2002, p. 33), [...] o neoliberalismo
organizado e fundamentado em uma perspectiva utilitarista que postula uma suposta
neutralidade do Estado quanto defesa de alguns bens essenciais de interesse pblico, como a
educao.
no contexto dessa concepo neoliberal que se originam as orientaes formuladas
por agncias internacionais como Fundo Monetrio Internacional (FMI), Banco Mundial
(BM), Organizao para a Educao, a Cincia e a Cultura das Naes Unidas (UNESCO) e
Comisso Econmica das Naes Unidas (CEPAL) para as reformas educacionais
(GUIMARES-IOSIF, 2012). Elabora-se um discurso com intuito de reformar o ensino,
colocando-o como meio para alcanar o desenvolvimento econmico, a transformao
cultural e a incluso dos indivduos. Mas, ao mesmo tempo, esses mesmos organismos
internacionais exercem presses para que os sistemas educacionais tambm estejam
adequados aos propsitos de saneamento das finanas pblicas, de racionalizao dos
investimentos e aos padres de qualidade do mercado (FIGUEIREDO, 2002).
No Brasil, houve vrios movimentos distintos que tentavam com lemas diferentes dar
um salto na educao, nos anos de 1980 e 1990, tais como: qualidade total, modernizao do
trabalho, adequao ao mercado de trabalho, competitividade, eficincia e produtividade,
todos frutos da ideologia neoliberal, na qual o Estado mnimo e, para tanto, atribui-se
educao a responsabilidade de dar sustentao competitividade do pas (GIRON, 2008).
A partir da Conferncia Mundial de Educao para Todos, realizada em Jontiem,
Tailndia em 1990, financiada pela UNESCO, Fundo das Naes Unidas para a Infncia
(UNICEF), o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o BM, ficou
acordado com os representantes de diversos pases, organizaes no governamentais,
sociedade civil, associaes profissionais e educadores participantes do mundo inteiro, que
eles se comprometeriam a garantir uma educao bsica de qualidade para todos (MELO,
2004).
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As reformas propostas consistiam em impor aos pases em desenvolvimento propostas
liberais e diretrizes polticas de ajuste estrutural conveniente aos interesses do capital
estrangeiro, deveriam se moldar do capital dominante, da uniformizao e da integrao dos
pases pobres e do investimento mnimo da populao para aquisio dos valores e
habilidades mnimos necessrios ao mercado, pensamento dominante pelos donos do grande
capital desde o sculo XVIII, no havendo grande alterao nos dias de hoje (GIRON, 2008).
No Brasil, em 20 de dezembro de 1996, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), Lei esta que objetiva a aquisio de novas
competncias e habilidades pelos indivduos, no intuito de promover a uniformizao da
integrao global do mercado.
Dessa maneira, por muito tempo, a opo em priorizar a educao obrigatria somente
ao ensino fundamental, acabou por deflagrar ainda mais a lgica capitalista, e, por
conseguinte, aumentando ainda mais as desigualdades educacionais, tendo em vista que o
percentual da sociedade que conclui a Educao Bsica limitado (GUIMARES-IOSIF,
2007). O Plano Nacional de Educao (PNE), com a Lei n 10.172, de 9 de janeiro de 2001
(BRASIL, 2001), com durao de dez anos, no alcanou as dimenses necessrias, e j est
em discusso no Congresso Nacional um novo Plano por mais 10 anos, com o qual podemos
ter ou no um salto de qualidade na educao, caso sejam efetivados e aprovados os 10% do
Produto Interno Bruto (PIB).
Nesse sentido, Demo (1997, p. 95) destaca que a nova LDB possibilitou alguns
avanos, mas tambm alguns retrocessos educao nacional. Com relao aos avanos, o
autor ressalta:
[...] a integrao da educao infantil como parte do sistema educacional; a
obrigatoriedade da escolarizao no Ensino Fundamental, ligada a padres de
qualidade, muito embora tais padres no sejam efetivamente explicitados; nfase
na gesto democrtica; avano na concepo de educao bsica.
J com relao aos problemas ou entraves, Demo (1997) destaca que, apesar de
introduzir alguns componentes atualizados e interessantes, a Lei no inovadora,
predominando no seu corpo uma viso tradicional que impede a percepo de quanto as
oportunidades de desenvolvimento dependem da qualidade educativa da populao. Alm
disso, referenda a aquisio e no a construo do conhecimento, contrariando as modernas
teorias de educao. A formao docente no focada no ensino, pesquisa e extenso, mas na
aplicao prtica do conhecimento.
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Quanto atual LDB, [...] trata-se de um saber pensar que, de maneira alguma, basta-
se com o pensar, pois sua razo de ser a de intervir [...] (DEMO, 1997, p. 78),
estabelecendo uma relao muito prxima entre educao e qualificao profissional,
faltando-lhe a percepo da importncia da educao como processo de humanizao e de
reconstruo social.
Nesse contexto, a LDB tem provocado, entre outras coisas, o desmonte da educao
pblica e cada vez mais a desresponsabilizao da educao por parte do Estado, passando
esta ao setor privado que a enxerga como mercadoria e, para tanto, estabelece metas de
competio entre as escolas, no havendo, muitas vezes, uma preocupao com a educao.
Assim, passamos a ter a educao bancria to criticada por Paulo Freire, a qual no permite
que o aluno seja um ser questionador, mas to somente um reprodutor do conhecimento
repassado. E mesmo sendo essa a educao muitas vezes ofertada pelos servios privados,
esta ainda melhor do que a da educao pblica devido ao desmantelo gerado por anos de
falta de investimento real na educao pblica de qualidade e no de nmeros (FREIRE,
1987).
Essa mesma limitao fez que com que se aumentassem ainda mais os distanciamentos
da educao dada aos mais pobres, j que eles no tinham acesso educao formal sendo
cada vez mais marginalizados e deixados de lado nas polticas educacionais. Esse fato
contribuiu para que uma gama de pessoas ficasse margem da sociedade, principalmente no
sentido de participao efetiva na busca por seus direitos fundamentais. Como aponta Demo
(1996, p.25), [...] fato primordial que ainda no despertemos para a noo de nos
organizarmos em defesa de nossos direitos. Achamos ao contrrio, que o Estado ou outra
figura paternalista os deveriam garantir [...]; dessa maneira, a alienao poltica cresceu cada
vez mais. Tal alienao se refletiu no acatamento das ideias dos governos, nas quais o povo
no busca de fato uma forma de conscincia diversa daquela oferecida, pelo contrrio,
continua a imergir cada vez mais naquilo a que est habituado, dando continuidade forma de
dominao conhecida.
Segundo Freire (1998, p. 28), a partir de um sistema ou de um modelo educacional
adotado por um pas, pode-se contribuir para a reproduo de uma ideologia dominante ou
trabalhar a favor da emancipao da sociedade, [...] quando se refora a capacidade crtica do
educando, sua curiosidade, sua insubmisso. Na lgica capitalista do neoliberalismo, a
prtica educacional aquela fundada na viso competitiva e de excluso; no aceita a
criatividade tampouco a incluso dos menos favorecidos ao sistema dominante, pois teme que
eles se tornem livres.
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2.2 POLTICA PBLICA DE EDUCAO INCLUSIVA NO CONTEXTO DA
GLOBALIZAO NEOLIBERAL
O direito educao para todos foi conquistado com muita luta e dificuldade, haja
vista que sempre houve um pensamento por parte dos grupos dominantes no qual o povo, ou
seja, as massas no poderiam adquirir conhecimento, pois se assim o fosse, tornar-se-iam
livres e comeariam a atuar em todas as reas, no sendo mais massa de manobra (FREIRE
1987; DEMO, 2002).
O perodo de expanso industrial no sculo XVIII foi a mola propulsora para que a
populao iniciasse um processo de reivindicao por escolas para seus filhos, ou seja, os
filhos do proletariado. Nessa poca, com o aumento cada vez mais voraz do capitalismo e do
processo de industrializao, empregavam-se crianas e mulheres que muitas vezes perfaziam
uma jornada de trabalho de mais de 14 horas dirias, pois deviam complementar a renda
familiar (GUIMARES-IOSIF, 2007).
Com uma jornada de trabalho to exaustiva, no havia tempo para que as crianas,
filhas dos operrios, tivessem acesso educao. Alm disso, para o Estado, no era
interessante que os pobres tivessem acesso educao, pois muito mais fcil controlar um
povo que no sabe dos seus direitos (GUIMARES-IOSIF, 2007).
Demo (2002, p. 20) ressalta que o [...] Estado no teme o pobre com fome, mas o
pobre que sabe pensar". Apesar de todo o esforo e resistncia por parte do Estado, ele acaba
sendo convencido pela burguesia e pelos ideais liberais que a escola para os pobres era algo
necessrio, mesmo que o seu papel no fosse o de ensinar somente aquilo que era necessrio
para a indstria e ao grande capital. No havia interesse real para que os pobres tivessem
acesso ao conhecimento. Esse contexto no muito diferente dos dias atuais (GUIMARES-
IOSIF, 2007).
O homem visto no por sua essencialidade, mas to somente por sua fora de
trabalho, perdia-se a dignidade e o estado de pobreza e de degradao social aumentava cada
dia. nesse cenrio que comeam a surgir os movimentos e lutas em favor de melhores
condies de vida e, com isso, por uma educao pblica para todos, ou seja, na verdade a
luta pela educao perpassou pela luta e pelo direito cidadania (GIRON, 2008).
Nesse contexto, a escola pblica surge para se ajustar ao sistema e luta dos
trabalhadores em prol da educao para todos e para acalmar as classes sociais menos
privilegiadas; porm tal educao no se d com qualidade, pois havia o interesse de uma
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classe dominante que no desejava que o povo fosse livre de fato. Como consequncia, os
espaos polticos continuariam no poder dos dominantes, tendo em vista que no espao
poltico que as conquistas sociais so de fato implementadas (DEMO, 1996).
nesse momento de lutas e reivindicaes que o povo comea a se organizar em
busca de um mesmo ideal, qual seja, de melhores condies de vida, com reduo de jornada
de trabalho, concepo de infncia e tempo escolar, o que afastaria as crianas das fbricas e
com isso, no pensamento dos pais operrios, possibilitaria um futuro e condies melhores de
vida. A partir da, surgem os sindicatos e eles tm um papel relevante na educao, pois
lutavam por uma educao de qualidade e no dominadora de classes, iniciando um processo
de luta poltica por melhorias na educao e por polticas pblicas que abarcassem a todos
(GIRON, 2008).
Importante destacar que, quando nos referimos a polticas pblicas, bom ter em
mente que elas esto inseridas e permeadas pelas estruturas de poder e de dominao. Como
bem ressalta Demo (1996, p. 16):
Toda convivncia tambm disputa. Poder inevitvel no apenas por uma questo
de organizao da comunidade, para se evitar a anarquia. A prpria convivncia se
estrutura em linhas de poder, cuja graa a polarizao. No precisa ser guerra. Mas
h vantagens, h preferncias, h manipulaes, h segregaes. um campo de
fora, magnetizado.
As estruturas polticas so reformuladas ou desativadas de acordo com o modelo
poltico adotado em cada pas e de acordo com as diferentes formas, funes e opes
ideolgicas assumidas pelo Estado. Para tanto, podemos ter em mente as diferentes formas de
educao que determinados grupos sofreram, e nisso podemos citar a educao que fora
dispensada aos negros e nativos pelos pases do continente norte-americano, e que, ainda hoje,
motivo de preocupao dada a diferena na educao dos grupos nesses pases, inclusive
sendo proibidos durante anos de frequentarem as mesmas classes que os alunos brancos,
acreditando que negros eram inferiores a brancos (GUIMARES-IOSIF, 2007).
Frise-se que tal fator se deu pelo fato de a maioria dos pases, infelizmente, por muito
tempo se pautarem no Darwinismo Social para determinar qual povo deveria se beneficiar e
que tipo de educao deveria ser ministrada, acreditando que alguns seriam superiores. [...]
dentro desse ideal, negros, ndios e grande parte das mulheres acabaram sendo excludos ou
limitados no seu acesso educao escolar por mais de quatro sculos [...] (GUIMARES-
IOSIF, p.47). E isso acabou por gerar uma deficincia e diferena gritante com relao ao
grupo favorecido pelo Estado, ou seja, pelo modelo de poltica educacional adotado, e,
consequentemente, contribuiu para aumentar a pobreza e as desigualdades sociais no Brasil.
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Cada modelo de Estado tambm corresponde a uma proposta de educao, uma vez
que [...] todo projeto educativo, todo discurso educativo veicula uma imagem de homem,
uma viso de homem [...] (GADOTTI, 1984, p.144) que se deseja formar, ou seja, a poltica
educacional adotada por um determinado governo demonstra a forma como ele entende o
mundo e as relaes com a sociedade.
Aps a Segunda Grande Guerra, o Estado passa a exercer o poder sobre o povo ao
determinar quais sero as formas de educao e para quem elas sero destinadas. O problema
que o modelo neoliberal adotado pela maioria dos pases no privilegia a educao de
qualidade, estando muito mais interessado nos nmeros, ou seja, quantos alunos so
matriculados e quantos concluem o ensino fundamental, mdio e superior, no importando
realmente a qualidade que repassada aos povos, o que gera cada vez mais um
distanciamento das classes (OZGA, 2000).
Saviani (1986, p. 89) nos ensina que educao e poltica so prticas distintas,
entretanto, mantm um vnculo:
[...] a educao depende da poltica no que diz respeito a determinadas condies
objetivas como a definio d