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dissertação sobre educação dos surdos

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  • ,

    Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa

    Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Educao

    HISTRIA DE VIDA E CONCEPO DE DOCENTES SURDOS

    ACERCA DAS POLTICAS DE INCLUSO NA EDUCAO

    SUPERIOR NO DF

    Braslia - DF

    2014

    Autor: Falk Soares Ramos Moreira

    Orientadora: Dr. Ranilce Mascarenhas Guimares-Iosif

  • FALK SOARES RAMOS MOREIRA

    HISTRIA DE VIDA E CONCEPO DE DOCENTES SURDOS ACERCA DAS

    POLTICAS DE INCLUSO NA EDUCAO SUPERIOR NO DF

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao Stricto Sensu em Educao da

    Universidade Catlica de Braslia, como

    requisito parcial para obteno do Ttulo de

    Mestre em Educao.

    Orientadora: Prof. Dr. Ranilce Mascarenhas

    Guimares-Iosif

    Coorientadora: Prof. Dr. Erenice Natalia

    Soares de Carvalho

    Braslia-DF

    2014

  • 7,5cm

    Ficha elaborada pela Biblioteca Ps-Graduao da UCB

    M838h Moreira, Falk Soares Ramos. Histria de vida e concepo de docentes surdos acerca das polticas de

    incluso na educao superior no DF. / Falk Soares Ramos Moreira 2014. 136 f.; il.: 30 cm

    Dissertao (mestrado) Universidade Catlica de Braslia, 2014. Orientao: Profa. Dra. Ranilce Mascarenhas Guimares-Iosif Coorientao: Profa. Dra. Erenice Natalia Soares de Carvalho

    1. Educao. 2. Docncia surdos. 3. Educao superior. 4. Professores formao. 5. Polticas de incluso. 6. Experincia. I. Guimares-Iosif, Ranilce Mascarenhas, orient. II. Carvalho, Erenice Natalia Soares de, coorient. III. Ttulo.

    CDU 371.13

  • Dissertao de autoria de Falk Soares Ramos Moreira, intitulada HISTRIA DE VIDA E CONCEPO DE DOCENTES SURDOS ACERCA DAS POLTICAS DE

    INCLUSO NA EDUCAO SUPERIOR NO DF, apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Educao da Universidade Catlica de Braslia, em 15 de

    agosto de 2014, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

    _____________________________________________________________

    Prof. Dr. Ranilce Mascarenhas Guimares-Iosif

    Orientadora

    Universidade Catlica de Braslia

    _____________________________________________________________

    Prof. Dr. Erenice Natalia Soares de Carvalho

    Coorientadora

    Universidade Catlica de Braslia

    _____________________________________________________________

    Prof. Dr. Ftima Luclia Vidal Rodrigues

    Universidade de Braslia

    _____________________________________________________________

    Prof. Dr. Wellington Ferreira de Jesus

    Universidade Catlica de Braslia

    Braslia

    2014

  • AGRADECIMENTO

    Agradeo primeiramente e especialmente a Deus, por me dar a coragem e a fora

    necessrias para minha superao, e, atravs delas, toda a minha experincia.

    A meus pais e irmos, pelo apoio e todo bom exemplo que ajudaram a estruturar e

    forjar meu carter.

    Agradeo minha esposa amada, Luciana Marques, por me apoiar e me incentivar a

    seguir sempre em frente; aos meus filhos, Hugo e Samuel, pelo amor e por me inspirarem a

    sempre crescer mais.

    Minha melhor amiga e amada, Patrcia Tuxi, irm de todas as horas, sempre a meu

    lado, incentivando-me; obrigado por todo o carinho e pacincia.

    Obrigado minha orientadora, Dr. Ranilce, por aceitar comigo esse desafio e por

    compartilhar sua experincia e me guiar por esse caminho e tudo o que aprendi nesta fase da

    minha vida.

    Agradeo minha coorientadora Dr. Erenice, que assumiu o desafio, em conjunto,

    deste projeto comigo e incentivou esta perspectiva.

    Agradeo tambm aos professores, Dr. Wellington e Dr. Ftima Vidal, pelo apoio e

    interesse em meu projeto, bem como a emoo que tiveram pela minha histria de vida.

    Aos meus amigos surdos e ouvintes, no apoio, principalmente nas tradues, obrigado!

  • RESUMO

    MOREIRA, Falk Soares Ramos. Histria de vida e concepo de docentes surdos acerca das

    polticas de incluso na educao superior no DF. 2014. 136 folhas. Dissertao de Mestrado

    em Educao. UCB, Braslia, 2014.

    Esta pesquisa tem como foco principal investigar as percepes de docentes surdos que atuam

    na educao superior em relao s polticas de educao inclusiva voltadas para os surdos no

    Brasil desde a Lei 10.436/2002. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com base na

    metodologia da Histria de Vida, que procura dar voz e viso a um determinado grupo ou

    minoria social. Os dados foram coletados por meio da entrevista semiestruturada e analisados

    por meio da anlise de contedo de Bardin. A pesquisa contou com a participao de cinco

    professores surdos que atuam em Instituies de Educao Superior do Distrito Federal e

    ministram a disciplina de Lngua Brasileira de Sinais LIBRAS. Os resultados indicaram que os docentes surdos que atuam na docncia da educao superior trazem uma Histria de Vida

    marcada por obstculos, mas tambm por luta, organizao coletiva e superao. O estudo

    evidencia o engajamento dos surdos na reivindicao para que a lngua de sinais passasse a

    ser aceita como a forma de instruo e comunicao dos surdos em todos os nveis e

    modalidades de ensino no Brasil. Os dados apontam as dificuldades nas condies de trabalho

    dos docentes surdos da educao superior uma vez que as polticas de incluso, tanto das

    instituies da qual fazem parte como do Estado brasileiro, ainda so limitadas e incipientes

    para esse grupo de profissionais. Por outro lado, o estudo tambm destaca a histria de

    cidados surdos que superaram preconceitos e desafios educacionais e sociais e que hoje usam

    seu conhecimento e sua posio como docentes para influenciar as polticas de incluso para

    os surdos. As constataes apontam para a necessidade de tanto a academia como as agncias

    de fomento do Estado e as associaes nacionais de pesquisa inclurem os docentes surdos em

    suas agendas de discusso e ncleos de tomadas de deciso.

    Palavraschave: Docentes surdos. Polticas de incluso. Educao superior. Histria de vida.

  • ABSTRACT

    MOREIRA, Falk Soares Ramos. Life history and perceptions of teachers on deaf inclusion

    policies in higher education of DF. 2014. 136 pages. Dissertation in Education. UCB,

    Brasilia, 2014.

    This research is mainly focused to investigate the perceptions of deaf professors who work in

    higher education in relation to inclusive education policies aimed at deaf Brazilian students

    starting with the adoption of Law 10.436/2002. This is a qualitative research based on the

    History-of-Life methodology, which seeks to give voice and vision to a particular social

    group or minority. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed using

    Bardin's content analysis. The research involved the participation of five deaf professors who

    work in Institutions of Higher Education of the Federal District and teach Brazilian Sign

    Language (LIBRAS). The results indicated that deaf professors who work in higher education

    teaching have a Life Story marked by obstacles, struggles, collective organization, and

    overcoming challenges. The study highlights the commitment of deaf professors in the fight

    for making sign language become accepted as a form of instruction and communication for

    the deaf at all levels and types of education in Brazil. The data shows the difficult working

    conditions facing deaf professors in higher education since the inclusion policies of both the

    institutions they are part of and of the Brazilian government are still limited and incipient to

    this group of professionals. Moreover, the study also highlights stories of deaf people who

    overcame prejudice, educational, and social challenges and today use their knowledge and

    position as professors to influence the inclusion policies for deaf people. The findings point to

    the need for both the academia, state development agencies, and national research

    associations to include deaf professors in their discussions agendas and decision-making

    centers.

    Keywords: Deaf professors. Inclusion policies. Higher education. Life history.

  • LISTA DE SIGLAS

    AEE- Atendimento Educacional Especial

    APADA- Associao de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos

    BM- Banco Mundial

    CEPAL- Comisso Econmica das Naes Unidas

    CEAL- Centro Educacional de Audio e Linguagem

    CIEE- Centro Integrado de Ensino Especial

    FENEIS- Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos

    FMI- Fundo Monetrio Internacional

    IES- Instituio de Educao Superior

    INES- Instituto Nacional de Educao de Surdos

    LDB- Lei de Diretrizes e Bases

    LIBRAS- Lngua Brasileira de Sinais

    MEC- Ministrio da Educao

    ONU- Organizao das Naes Unidas

    PIB- Produto Interno Bruto

    PNE- Plano Nacional de Educao

    PNEE- Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais

    PNUD- Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina

    UnB- Universidade de Braslia

    UNESCO- Organizao para a Educao, a Cincia e a Cultura das Naes Unidas

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................................... 10

    CAPITULO I- CARACTERIZANDO O OBJETO DE ESTUDO ................................................. 13

    1.1 O PESQUISADOR E O TEMA: SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA ...................... 13

    1.1.1 Problema ............................................................................................................................. 17

    1.1.2 Objetivos ............................................................................................................................. 19

    1.2 DELINEAMENTO METODOLGICO .................................................................................... 19

    1.2.1 Abordagem .......................................................................................................................... 19

    1.2.2 Procedimento metodolgico............................................................................................... 21

    1.2.3 Participantes ....................................................................................................................... 24

    1.2.4 Local .................................................................................................................................... 25

    1.2.5 Estrutura das Instituies de Educao Superior - IES ................................................. 25

    1.2.6 Tcnicas para gerao de dados ........................................................................................ 29

    1.2.7 Procedimentos..................................................................................................................... 30

    CAPTULO II- POLTICAS DE EDUCAO INCLUSIVA ....................................................... 32

    2.1 O NEOLIBERALISMO E A INFLUNCIA NA EDUCAO BRASILEIRA ....................... 32

    2.2 POLTICA PBLICA DE EDUCAO INCLUSIVA NO CONTEXTO DA

    GLOBALIZAO NEOLIBERAL ................................................................................................. 35

    2.3 REPERCUSSES DO NEOLIBERALISMO NA EDUCAO INCLUSIVA ........................ 40

    CAPTULO III EDUCAO E CIDADANIA DOS SURDOS ...................................................... 50

    3.1 HISTRIA DA EDUCAO DOS SURDOS NO BRASIL ..................................................... 50

    3.2 O ACESSO DOS SURDOS NA EDUCAO BSICA E SUPERIOR ................................... 56

    3.3 FORMAO, CIDADANIA E APRENDIZAGEM DO PROFESSOR SURDO ..................... 60

    CAPITULO IV- O TRABALHO DOCENTE DO SURDO NA EDUCAO SUPERIOR ........ 65

    4.1 EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL .................................................................................... 65

    4.2 A POLTICA DE INCLUSO NA EDUCAO SUPERIOR ................................................. 69

    4.3 O DOCENTE SURDO E O ESPAO NA EDUCAO SUPERIOR ...................................... 73

  • CAPTULO V- OS SABERES DOS DOCENTES SURDOS ACERCA DAS POLTICAS DE

    INCLUSO E DO TRABALHO NA EDUCAO SUPERIOR ................................................... 80

    5.1 ANLISE DE CONTEDO ...................................................................................................... 80

    5.1.1 O perfil dos docentes surdos entrevistados ...................................................................... 80

    5.1.2 Os docentes surdos e sua histria de vida ........................................................................ 84

    5.1.2.1 Ser surdo em uma sociedade ouvinte. ............................................................................... 84

    5.1.2.2 O professor surdo e sua aprendizagem da LIBRAS .......................................................... 90

    5.1.3 As polticas de incluso na percepo dos docentes surdos: a educao bsica ........... 95

    5.1.4. As polticas de incluso na percepo dos docentes surdos: a educao superior ..... 102

    5.1.5 As condies de trabalho dos docentes surdos na educao superior ......................... 106

    5.1.6 Cidadania e engajamento poltico dos docentes: reivindicaes, mudanas e desafios

    ..................................................................................................................................................... 111

    CONCLUSO ................................................................................................................................... 117

    REFERNCIAS ................................................................................................................................ 121

    APNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ....................... 133

    APNDICE B - ROTEIRO DA ENTREVISTA-PROFESSOR ................................................... 134

    APNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO ...................................................................... 135

    APNDICE D - TERMO DE CONSENTIMENTO ...................................................................... 136

  • 10

    INTRODUO

    A busca pelo reconhecimento de direitos por parte de grupos considerados

    marginalizados ou discriminados marcou a necessidade de uma mudana de paradigma social

    com grande influncia na arena poltica. Vrios grupos minoritrios como os deficientes, os

    trabalhadores, as mulheres, os negros e os homossexuais, dentre outros, reivindicaram espaos

    de participao e direitos na busca de cada vez mais se firmarem e ampliarem seus direitos

    polticos no intuito de que as polticas pblicas passassem a abarc-los (BRASIL, 2010).

    Na histria do Brasil, o movimento de excluso contra as pessoas com deficincia

    tanto se manifestava em relao restrio de seus direitos civis quanto na tutela imposta pela

    famlia e instituies que atuavam na rea. Havia pouco ou nenhum espao para que esses

    indivduos participassem das decises em assuntos que lhes diziam respeito. Em relao ao

    sujeito surdo, a participao era quase inexistente, pois a ausncia de meios de comunicao

    feita em sua lngua, no proporcionava o mnimo da acessibilidade no processo de uma

    verdadeira participao, impedindo-o de reivindicar seus direitos e de se fazer presente.

    Talvez por esse motivo, somente a partir dos anos 2000, com os avanos tecnolgicos e o

    reconhecimento da Lngua de Sinais como uma lngua de uso e de direito do sujeito surdo, as

    lutas tenham se intensificado tanto no Brasil. Um novo mundo se abre; a Lngua de Sinais

    reconhecida e permite uma maior interao entre os surdos (STROBEL, 2008).

    Anteriormente dcada de 1970, as aes voltadas para as pessoas com deficincia

    concentraram-se na educao e em obras de caridade e assistencialismo. Durante o sculo

    XIX, o Estado brasileiro criou duas escolas para pessoas com deficincia: o Imperial Instituto

    dos Meninos Cegos, em 12 de setembro de 1854, atual Instituto Benjamin Constant, e o

    Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, em 26 de setembro de 1857, atual Instituto Nacional de

    Educao dos Surdos (INES), especializado na rea da deficincia auditiva. O INES teve um

    papel crucial para a implantao da Lngua de Sinais e, seguramente, para sua difuso. Por

    muito tempo, foi a primeira escola que tinha como objetivo a instruo literria dos surdos e

    sua profissionalizao. At hoje um palco de muitas lutas e mudanas no processo

    educacional do surdo e responde pela educao superior por meio do Curso Bilngue de

    Pedagogia, nico no Brasil e modelo na Amrica Latina (BRASIL, 2010).

    No final do sculo XIX, a Lngua de Sinais sofreu grande revs, em 1880, no

    Congresso Internacional de Milo, Itlia, quando o mtodo oral foi escolhido como o melhor

    para a educao dos surdos. A Lngua de Sinais foi proibida oficialmente em diversos pases,

    sob a alegao de que destrua a habilidade de oralizao dos surdos (STROBEL, 2006). Tal

  • 11

    proibio gerou o que Skliar (1998, p. 15) chama de isolamento cultural do povo

    surdo; esse termo se refere s representaes dos ouvintes sobre a surdez e sobre os surdos a

    partir do qual o surdo est obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte. Com esse

    termo, faz-se uma analogia ao colonialismo/colonialista;1 no caso da surdez, pode ser

    representado pela lngua portuguesa, lngua majoritria de difcil compreenso e acesso ao

    surdo, e colonialista como o ser ouvinte que no percebe a Lngua de Sinais como uma lngua

    que constitui identidade e cultura do surdo.

    Todavia, os surdos passaram a promover movimentos que tinham como base uma

    resistncia s prticas ouvintistas. Essas discusses ocorriam em espaos isolados como as

    associaes, as cooperativas e os clubes, locais livres do controle ouvinte, no qual os surdos

    estabeleciam intercmbio cultural e lingustico e faziam uso da Lngua de Sinais (SKLIAR,

    1998).

    Nas ltimas dcadas, por meio da luta dos surdos em busca do seu reconhecimento, a

    educao de surdos vem sendo demarcada, paulatinamente, por uma nova forma de

    compreender as diferenas humanas e passa a reconhecer os sujeitos surdos como social e

    historicamente construdos, sendo considerados pertencentes a [...] uma comunidade

    lingustica minoritria caracterizada por compartilhar de uma lngua de sinais e valores

    culturais, hbitos e modos de socializao prprios (SKLIAR, 2004, p.102).

    Em face disso, observa-se atualmente um momento de transio significativa,

    deixando-se para trs o paradigma clnico-teraputico e passando a representar os surdos e a

    surdez num outro campo paradigmtico, conhecido como socioantropolgico (STROBEL,

    2008). Sob esse olhar emergente, portanto, a surdez passa a ser concebida no mais como uma

    limitao e/ou um defeito, mas como um trao cultural demarcado pela diferena, que, alm

    de implicaes nos campos lingustico e cultural, passa a ter consequncias nos mbitos

    social, poltico e educacional.

    Nesse contexto de lutas e afirmaes perante uma sociedade dominante ouvinte, vem a

    necessidade de afirmao do sujeito surdo enquanto cidado capaz, que deseja ter seus

    direitos respeitados. Esse respeito e reconhecimento passam essencialmente pela lngua. por

    meio da lngua que se d o acesso comunicao que essencial ao ser humano. Pode-se

    dizer que a base para a educao e para a liberdade. Com o conhecimento, torna-se possvel

    participar de decises referentes vida nos diversos aspectos sociais.

    1Segundo Skliar (1998, p. 15), esse termo se refere [...] s representaes dos ouvintes sobre a surdez e sobre os

    surdos [...] a partir do qual o surdo est obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte. Com esse termo, faz-se uma analogia ao colonialismo/colonialista.

  • 12

    Portanto, tendo em vista essa perspectiva, faz-se de suma importncia averiguar as

    experincias escolares que foram e que continuam sendo propiciadas aos sujeitos surdos,

    oportunizando-lhes narrar suas trajetrias escolares a partir dos seus prprios pontos de vista,

    de modo a ser possvel explorar suas representaes acerca de suas vivncias em educao de

    surdos.

    Dessa forma, o objetivo principal deste estudo investigar a histria de vida e as

    percepes de docentes surdos que atuam na educao superior em relao s polticas de

    educao inclusiva voltadas para os surdos no Brasil desde a Lei 10.436/2002 (BRASIL

    2002) at os dias atuais pertencentes. Pretende-se compreender o caminho percorrido pelos

    docentes ante a influncia do neoliberalismo e a incluso das pessoas com deficincia em

    todos os nveis do sistema educacional formal.

    Ao optar-se pela tcnica da Histria de Vida, acredita-se que este trabalho se justifica

    ao dar espao para os prprios surdos narrarem a si mesmos, uma vez que se d tambm a

    oportunidade de eles mostrarem e afirmarem sua identidade, lngua e cultura, pressionando

    uma mudana de representao da surdez atrelada ao paradigma clnico-teraputico, o qual

    narra o sujeito surdo a partir do enfoque da deficincia, em contraposio ideia de reforar a

    percepo e a representao do sujeito surdo como um ser construdo social e historicamente,

    que apresenta uma diferena, e a conquista do ambiente acadmico.

    O presente trabalho est estruturado em cinco captulos. No primeiro, Caracterizando

    o objeto de estudo, apresentamos a relevncia do estudo e os objetivos, e delineamos a

    metodologia de pesquisa. No segundo captulo, Polticas de educao inclusiva, fazemos

    uma anlise do contexto histrico da educao inclusiva e a influncia do neoliberalismo. Na

    discusso do terceiro captulo, Educao e cidadania dos surdos, apresentamos o histrico

    da educao do surdo, as metodologias de educao, at chegarmos incluso deles no

    ambiente escolar. No quarto captulo, Trabalho docente na educao superior, fazemos uma

    anlise do contexto histrico e social da educao superior no Brasil, do surgimento das

    primeiras instituies de ensino s polticas direcionadas a esse setor, com nfase no

    surgimento da incluso de pessoas com necessidades especiais, e, em seguida, apresentamos o

    docente surdo na Academia. No quinto e ltimo captulo, Os saberes dos docentes surdos

    acerca da incluso na educao superior, analisamos os dados e discutimos os resultados.

  • 13

    CAPITULO I- CARACTERIZANDO O OBJETO DE ESTUDO

    Este primeiro captulo descreve o objeto de estudo investigado, apresentando o

    problema de pesquisa, os objetivos e a justificativa.

    1.1 O PESQUISADOR E O TEMA: SITUANDO O PROBLEMA DE PESQUISA

    Este trabalho de investigao se inscreve na linha de pesquisa Poltica, Gesto e

    Economia da Educao, do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade

    Catlica de Braslia (UCB). O cerne do presente trabalho foi escolhido em razo do fato de,

    assim como os sujeitos investigados no presente estudo, o pesquisador tambm surdo e

    percebe a necessidade de uma pesquisa na qual o sujeito surdo seja o detentor de sua prpria

    histria. Em razo disso, cumpre destacar um pouco da trajetria de vida do pesquisador em

    questo.

    Nasci ouvinte; todavia, em razo de surto de meningite em Braslia, em 1977, assim

    como muitos, fui infectado e, por isso, fiquei surdo. Em razo disso e por orientao dos

    mdicos, to logo tive alta, fui matriculado no Centro Educacional de Audio e Linguagem

    Ludovico Pavoni (CEAL/DF). Esta escola foi indicada para minha me como a nica que

    atendia crianas surdas e trabalhava com a estimulao precoce e atendimento com

    fonoaudilogo para que se pudesse aprender a falar e fazer leitura labial. Foi no CEAL, de

    1978 a 1979, que tive que me acostumar com o aparelho auditivo; no incio, era bem difcil,

    mas no tinha opo, usar o aparelho era obrigatrio se quisesse continuar a ser atendido l.

    Em 1982, comecei a estudar no Centro Integrado de Ensino Especial (CIEE/DF), em

    razo de no ter me habituado no CEAL, pois a metodologia era muito rgida e, muitas vezes,

    era castigado se, por ventura, utilizasse gestos, lembrando que, a essa poca, no possua uma

    comunicao perfeita, ento tentava de qualquer forma me comunicar por gestos, ou seja,

    estabelecer um mnimo de comunicao, em sala de aula ou mesmo no recreio. Fui para a pr-

    escola (educao infantil). Naquela poca no havia a incluso escolar, e, por isso, as crianas

    que apresentavam alguma deficincia eram encaminhadas para essa escola. O atendimento

    no era exclusivo aos surdos, atendia-se a todas as deficincias, mas os alunos surdos

    estudavam separados dos demais.

    Nas salas de aula onde os alunos surdos estudavam, os professores no utilizavam a

    Lngua de Sinais. Sou de uma poca em que o oralismo e o tradicionalismo eram as

    metodologias de ensino mais utilizadas. Buscavam-se sempre mtodos e tcnicas de ensino

  • 14

    em que o resduo auditivo e tcnicas da fala eram as nicas formas de ensino. Nessa poca, o

    uso de gestos era apenas uma forma alternativa de comunicao.

    Havia uma brincadeira na qual a professora batia palma e tnhamos que virar para o

    lado onde ela havia batido a palma. Apesar de ser uma prtica recorrente, hoje percebo que a

    brincadeira no fundo era s um treinamento auditivo. Novamente no ramos vistos como

    crianas brincando, mas sim, como crianas deficientes sendo treinadas. Os brinquedos, quase

    todos, eram pedaggicos e objetivavam a memorizao das palavras e do alfabeto, e, em sua

    maioria, eram confeccionados pelos prprios professores. Nesse espao, ao contrrio da

    escola anterior, no ramos punidos se gesticulssemos uns com os outros. Porm, ainda no

    utilizvamos a LIBRAS.

    Em 1984, troquei de escola; fui estudar na Escola Classe 316 Sul (DF), uma escola

    regular. Passei para a 1 srie,2 estudava separado em salas especiais s para surdos; nessa

    poca no havia incluso, mas sim a integrao.3 A ideia era nos socializar com as demais

    crianas. Entretanto, somente nas horas de lazer e recreio era possvel ver um pouco dessa

    integrao. Os alunos e profissionais que atuavam nesse estabelecimento de ensino no eram

    preparados para lidar com o surdo. Ainda ramos vistos como diferentes e objetos de

    curiosidade.

    Em 1985, mudei novamente de escola, pois era mais prximo do trabalho da minha

    me; fui para a Escola Classe 114 Sul, que tambm seguia a proposta da integrao, e assim,

    como na escola anterior, os professores eram despreparados para atender os surdos. Um ano

    depois, na 3 srie, passei a estudar na sala regular, com os alunos ouvintes, como uma forma

    de experimentar a possibilidade de colocar os alunos surdos com os demais. Tal fato se deu,

    pois, de acordo com os professores responsveis, meu desenvolvimento era melhor que o dos

    outros alunos surdos, dada a minha desenvoltura para a leitura labial e adaptao na escola.

    No perodo contrrio ao das aulas regulares, ou seja, no perodo vespertino, fazia

    reforo na sala de recursos,4 com atendimento especial para o portugus. Ao mesmo tempo

    2 Hoje equivaleria ao 2 ano, atualmente, conforme Lei 11.274/2006 (BRASIL, 2006) altera a LDB e amplia o Ensino Fundamental para nove anos de durao, com a matrcula de crianas de seis anos de idade e estabelece

    prazo de implantao, pelos sistemas, at 2010.

    3 A Integrao requer a promoo das qualidades prprias do indivduo, sem estigmatizao e sem segregao. Realizar pedagogicamente a integrao significa, seja no jardim de infncia, na escola ou no trabalho, que todas

    as crianas e adultos (deficientes ou no) brinquem / aprendam / trabalhem de acordo com o seu prprio nvel de

    desenvolvimento em cooperao com os outros (STEINEMANN, 1994, p.7). 4 Locus de atendimento especializado, onde se oferece a complementao e enriquecimento curricular, utilizando-se equipamentos e materiais especficos. (SECRETARIA DE EDUCAO DO DISTRITO

    FEDERAL- SEDF, 2006).

  • 15

    em que sentia orgulho pela conquista, sentia insegurana e receio do que vinha pela frente. No

    comeo foi tudo muito estranho e diferente, pois, at ento, s havia estudado em turmas

    especiais com surdos.

    Essa mudana fez com que eu aprendesse a fazer leitura labial com mais rapidez e

    preciso e todos os professores ficaram satisfeitos com meu desempenho. Fiquei na Escola

    Classe 114 Sul at a 4 srie. Depois disso, fui para a Escola Classe 113 Sul, onde cursei a 5

    srie. Na 6 srie, mudei para o Centro Educacional do Guar, onde s eu era surdo. Esse fato

    causou-me embarao. Nessa escola tambm havia reforo no turno contrrio. Nesse horrio,

    tentava recuperar e compensar minhas dificuldades, principalmente com o portugus.

    Mudei radicalmente na 7 e 8 sries, quando passei a cursar o Supletivo, atual

    Educao de Jovens e Adultos (EJA). Nessa escola, a nova modalidade de ensino me trouxe

    certa vantagem, pois as matrias eram separadas e, assim, pude estud-las uma por uma e no

    tudo ao mesmo tempo, como era no ensino regular. No frequentava mais a sala de recurso

    dada falta de tempo, pois comecei a trabalhar durante o dia. As dificuldades de compreenso

    e abstrao permaneciam, mas fui vencendo-as aos poucos. Acredito que, se houvesse um

    professor intrprete, como atualmente no ensino pblico, no teria tido tantos problemas na

    aprendizagem.

    Iniciei o ensino mdio no Centro de Ensino Mdio n 01 do Guar, fazendo o curso de

    Tcnico em Contabilidade dado a facilidade com Matemtica e por j estar trabalhando em

    um escritrio de contabilidade. Na minha turma no tinha outro surdo. Eu era o nico no meio

    de outros 35 ouvintes. Achava fcil a disciplina de Contabilidade e o professor usava o quadro

    para ensinar como fazer as operaes matemticas e isso ajudava na minha compreenso.

    Como surdo, o aprendizado se torna mais claro quando se utiliza o recurso visual para ensinar.

    Assim como nas demais escolas, no havia intrpretes ou professores preparados para

    trabalhar com alunos surdos. Muitas vezes, os professores esqueciam que havia surdo em sala

    e comeavam a falar e viravam as costas. Todavia, assim como as demais escolas, havia a sala

    de recursos, espao onde os alunos frequentam no contraturno para tirar as dvidas das aulas.

    E foi uma professora da sala de recursos que me orientou para mudar de escola e ir para o

    Centro Educacional n 1 do Ncleo Bandeirante, onde havia mais surdos tambm fazendo o

    curso de Contabilidade e eu no seria o nico. A partir de ento, passei a ter um atendimento

    melhor, pois havia dois professores nessa escola que atuavam em sala de aula como

    mediadores entre alunos e professores.

    Formei-me nessa escola com louvor, tendo sido eleito o melhor aluno do curso,

    obtendo notas do curso de Contabilidade maiores do que de muitos alunos ouvintes. O tempo

  • 16

    foi passando e nenhuma proposta de emprego surgia. As portas vo se fechando quando se

    surdo e/ ou se apresenta qualquer outro tipo de deficincia aparente. As pessoas nos olham

    com indiferena e demonstram, nas atitudes, que no acreditam na nossa capacidade de

    produo.

    Todavia, fui contratado pelo Hospital Braslia em 1995, exercendo o cargo de

    digitador na seo de faturas. O baixo salrio e a distncia do trabalho para minha residncia

    desestimulavam a continuidade dos meus estudas, tendo em vista os valores expressivos das

    mensalidades de qualquer curso que optasse fazer e a falta de intrprete de LIBRAS.

    Em 1998, comecei a ser instrutor na Associao de Pais e Amigos de Deficientes

    Auditivos APADA. Passei a ministrar aulas de LIBRAS e comecei a me sentir realizado,

    pois trabalhava em algo que realmente gostava; ministrava aula para ouvintes, ensinando-os

    LIBRAS, principalmente para professores da Secretaria de Educao do Distrito Federal.

    Em 2004, tive condies para voltar a estudar e optei pelo curso de Pedagogia,

    concluindo o curso sem qualquer reprovao no ano de 2006. Durante todo o meu curso, tive

    o apoio do profissional Intrprete de LIBRAS, sem o qual no teria me formado com o

    mesmo tempo dos demais colegas de sala.

    Essa graduao contribuiu para que me tornasse o primeiro professor surdo de

    LIBRAS de uma Instituio de Educao Superior do DF em 2006, tendo em vista a

    obrigatoriedade do Decreto 5.626/2005 (BRASIL 2005), o qual impe a necessidade da

    disciplina de LIBRAS para os cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia, obrigatoriamente.

    A busca pelo mestrado ocorreu no incio no ano de 2010, aps a concluso do curso de

    licenciatura em Letras/LIBRAS, quando foi possvel perceber a importncia da academia no

    desenvolvimento do surdo e da lngua de sinais. Assim como nas duas graduaes cursadas, o

    mestrado tambm foi permeado de desafios, tendo em vista o processo e a dinmica curricular

    do programa de ps-graduao Stricto Sensu ainda no estarem adaptados ao estudante surdo.

    O incio no foi fcil; alguns professores no entendiam a presena do intrprete de

    Lngua de Sinais, assim como conseguir um intrprete para as aulas da ps-graduao. Mas

    como em muitos dos meus caminhos fui um pioneiro, essa pesquisa pode abrir caminhos para

    os futuros colegas acadmicos surdos que venham a participar desse processo.

    A escolha pela presente pesquisa consiste exatamente em dar voz a um grupo antes

    ignorado, justamente por sua caracterstica principal, sua lngua ser a Lngua de Sinais, e

    possibilitar a esses sujeitos, que eles mesmos contem suas histrias a partir de suas vivncias,

    como atores principais e no mais como meros coadjuvantes.

  • 17

    Ante o exposto, o presente trabalho se mostra necessrio tendo em vista a existncia

    de poucas pesquisas na rea, e inova no sentido de possibilitar que o sujeito surdo, em

    especfico o docente universitrio surdo, seja ouvido, que sua histria de vida seja

    compreendida e que o reflexo na educao superior possa contribuir para uma anlise das

    polticas de incluso nas ltimas dcadas. Se ainda pouco o nmero de alunos surdos que

    chegam educao superior no Brasil, o de surdos que se tornam professores nesse nvel de

    ensino ainda mais reduzido. Assim, importante saber como foi o caminho trilhado e que

    exemplos suas histrias podem trazer para outros surdos e tambm para os ouvintes.

    1.1.1 Problema

    O fomento das Polticas Pblicas Educacionais vem influenciando o sistema nacional

    de ensino e mudando o panorama de desenvolvimento, a capacitao e a formao dos novos

    professores. Dentre essas, merece destaque a Declarao de Salamanca (1994), na qual o

    Brasil signatrio. Nessa, o indivduo reconhecido como um ser pleno de direitos,

    independentemente das suas limitaes e tem como objetivo principal incluir alunos com

    necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Porm, para o surdo,

    a grande mudana ocorre a partir do artigo 21, onde destacado que, devido s dificuldades

    de comunicao, os surdos deveriam estudar em escolas especiais ou classes especiais dentro

    de escolas regulares.

    Outras polticas de incluso tambm foram desenvolvidas, tais como: a incluso dos

    alunos com necessidades educacionais especiais em salas regulares e a criao de salas de

    recursos com a finalidade de Atendimento Educacional Especializado (AEE) (TUXI, 2009).

    No entanto, uma mudana significativa ocorre no reconhecimento da Lngua Brasileira de

    Sinais como uma lngua prpria da Comunidade Surda por meio da Lei 10.436/ 2002

    (BRASIL 2002).

    Vrias foram as mudanas que ocorreram no meio educacional. No ensino

    fundamental e mdio, foi garantido o direito do sujeito surdo usar a Lngua de Sinais como

    uma forma de acessibilidade lingustica dentro da sala de aula por meio de um intrprete. Na

    educao superior, a incluso da disciplina de Lngua de Sinais nas licenciaturas, e optativa

    nas demais reas, conforme o Decreto 5.626/2005 (BRASIL, 2005), leva a Lngua Brasileira

    de Sinais a ser conhecida por uma comunidade acadmica nunca antes atingida, futuros

    profissionais que passam a ter um olhar para a lngua e para o surdo de forma diferenciada.

  • 18

    Apesar de as leis terem um impacto profundo e modificador sobre o processo

    educacional do sujeito surdo, tem se a seguinte questo: qual a influncia do processo

    educacional nas histrias de vida e as percepes de docentes surdos que atuam na educao

    superior em relao s polticas de educao inclusiva?

    Tal questionamento pode ser feito, pois, apesar de a legislao reconhecer a Lngua

    Brasileira de Sinais como a lngua do surdo, muitas lacunas foram deixadas na rea de

    atendimento educacional e de acessibilidade lingustica. Hoje, no Brasil, h um grande

    movimento a favor da criao da Escola Bilngue, um espao educacional onde a Lngua de

    Sinais seja a lngua de instruo educacional e a lngua oral majoritria do pas na modalidade

    escrita ser a segunda lngua a ser ensinada. Apesar de ser um espao de grande importncia

    para o surdo, a Escola Bilngue, instituda pelo Projeto de Lei 725/2012 (DISTRITO

    FEDERAL, 2012) que autoriza o governo distrital criao de tal escola para surdos, com a

    Lngua Brasileira de Sinais como primeira lngua, e a Lngua Portuguesa em sua modalidade

    escrita como segunda lngua, ainda est em processo de conquista para ser reconhecida e

    aceita como uma opo alm do sistema escolar inclusivo.

    Atualmente, obrigatrio, com base no Decreto 5.626/2005 (BRASIL, 2005), que

    todos os cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia tenham a disciplina de Lngua Brasileira de

    Sinais (LIBRAS) no seu contedo programtico. Porm, poucos desses profissionais que

    ministram a matria so surdos, apesar de estar explcito no Decreto que a prioridade de

    ensino deve ser dada ao profissional surdo, conforme se verifica da transcrio do referido

    Decreto:

    Art. 5 A formao de docentes para o ensino de LIBRAS na educao infantil e nos

    anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou

    curso normal superior, em que LIBRAS e Lngua Portuguesa escrita tenham

    constitudo lnguas de instruo, viabilizando a formao bilngue.

    1 Admite-se como formao mnima de docentes para o ensino de LIBRAS na

    educao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formao ofertada em

    nvel mdio na modalidade normal, que viabilizar a formao bilngue, referida

    no caput.

    2 As pessoas surdas tero prioridade nos cursos de formao previstos no caput.

    Em virtude dos aspectos acima mencionados, possvel entender a necessidade de se

    desenvolver um trabalho de pesquisa que tenha como foco investigar as percepes dos

    docentes surdos que atuam na educao superior em relao s polticas de educao criadas

    no Brasil desde a Lei 10.436/2002 (BRASIL, 2002) at os dias atuais e at que ponto tais

    polticas evoluram ou regrediram em relao promoo da cidadania emancipada dos

    alunos surdos, alm de verificar como os docentes percebem a participao de lideranas

  • 19

    surdas tanto na parte poltica como na educacional, na elaborao da legislao atual

    existente.

    Para se atingir os objetivos propostos, ser realizada uma pesquisa qualitativa, com

    base na metodologia da Histria Oral que tem por finalidade dar voz e viso a um

    determinado grupo social que, por muitas vezes, no fora ouvido, permitindo registrar sua

    opinio acerca dos fatos que o cercaram (CASSAB & RUSCHEINSKY, 2004). A tcnica de

    investigao ocorrer por meio da entrevista semiestruturada.

    1.1.2 Objetivos

    O objetivo principal deste estudo investigar a histria de vida e as percepes de

    docentes surdos que atuam na educao superior em relao s polticas de educao

    inclusivas voltadas para os surdos, criadas no Brasil desde a Lei 10.436/2002 (BRASIL,

    2002) at os dias atuais. Para atingir o objetivo geral, foram constitudos os seguintes

    objetivos especficos:

    a) Identificar o perfil do docente surdo e sua histria de vida at chegar docncia na

    educao superior;

    b) Analisar como os professores surdos percebem as polticas de incluso na

    educao superior adotadas pelo Estado e pelas Instituies onde atuam;

    c) Identificar o nvel de participao dos professores surdos nos movimentos ou

    associaes que reivindicam direitos educacionais para os surdos;

    d) Analisar as representaes sobre educao de surdos presentes nas narrativas do

    sujeito surdo;

    e) Averiguar o conhecimento dos professores surdos em relao s polticas pblicas

    educacionais voltadas para os surdos em vigor no Brasil;

    1.2 DELINEAMENTO METODOLGICO

    1.2.1 Abordagem

    Para alcanar os objetivos propostos, esta pesquisa utilizou a abordagem qualitativa. A

    escolha de tal abordagem ocorreu em virtude de se buscar entender os processos e as trocas

    feitas no contexto social interativo no qual os grupos que so afetados pelas polticas atuais

    inclusivas esto presentes. Enfim, uma busca da compreenso do ser como produto da ao

  • 20

    histrico-cultural. A abordagem qualitativa adotada tem como princpio a viso qualitativa

    baseada no dilogo, na construo e na interpretao da realidade (GONZLEZ REY, 2002).

    Para Gonzlez Rey, a abordagem qualitativa:

    [...] deve ser entendida como um esforo na busca de formas diferentes de produo

    de conhecimento em psicologia que permitam a criao terica acerca da realidade

    plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histrica, que representa a

    subjetividade humana (GONZLEZ REY 2002, p.29).

    Nesse mesmo sentido, Ludke e Andr (2012, p. 12) afirmam que a pesquisa qualitativa

    tem sua preocupao muito mais com o processo e [...] o interesse do pesquisador ao estudar

    um determinado problema verificar como ele se manifesta nas atividades, nos

    procedimentos e nas interaes cotidianas.

    Segundo Flick (2004), a pesquisa qualitativa tem uma longa tradio na Psicologia e

    nas Cincias Sociais. Como os mtodos em Psicologia influenciam as orientaes na rea

    educacional, importante considerar a histria dessa metodologia.

    No final do sculo XIX, j ocorriam aes isoladas de trabalhos que utilizavam a

    pesquisa qualitativa. No entanto, a partir do sculo XX que a pesquisa qualitativa se

    sistematizou com trabalhos de Malinowski, Bateson, Mead, Benedict e outros (GONZLEZ

    REY, 2002).

    Para Paulilo (1999), por meio da pesquisa qualitativa, possvel penetrar nas intenes

    e motivos que levam a compreender as aes e as relaes que permeiam o objeto de estudo.

    A autora aponta que seu uso indispensvel quando os temas pesquisados demandam um

    estudo fundamentalmente interpretativo.

    Spindola e Santos (2003) apontam que a pesquisa qualitativa tem como foco uma

    realidade que no pode ser quantificada. As questes que norteiam o objeto estudado so

    muito particulares, trabalhando um universo de significados, de crenas e de valores, e que

    correspondem a um espao onde as relaes so mais profundas. Com isso, os fenmenos no

    podem ser operacionalizados a meras variveis. Para as autoras, essa abordagem tem no

    ambiente a fonte direta dos dados.

    [...] caracterizada pela obteno de dados descritivos, no contato direto do

    pesquisador com a situao estudada, valorizando-se mais o processo que o produto,

    preocupados em retratar a perspectiva dos participantes, isto o significado que eles

    atribuem s coisas e a vida. Dessa forma s apercebidos como as pessoas mais

    importantes do processo (SPINDOLA; SANTOS, 2003, p. 2).

    Silva et all (2007) trazem um conceito de abordagem qualitativa muito importante para

    este estudo. Os autores apontam que uma caracterstica importante da metodologia qualitativa

    a relao entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado, pois constitui um momento de

  • 21

    trocas, de construes e de dilogos que trazem consigo um universo de experincias

    humanas. Afirmam que nessa possibilidade de dilogo que reside a principal diferena entre

    as abordagens quantitativa e qualitativa. Na qualitativa, trata-se o sujeito como um possuidor

    de seu prprio ponto de vista e suas interpretaes; j na quantitativa, est vinculada a

    descrio de relaes entre as variaes especificadas.

    Sendo assim, esta pesquisa tem como base metodolgica a abordagem qualitativa que

    trabalha com foco no indivduo e no ambiente em que ele vive. por meio da pesquisa

    qualitativa que o pesquisador tem a possibilidade de mergulhar profundamente nas nuances e

    particularidades que o tema pesquisado necessita.

    1.2.2 Procedimento metodolgico

    Um dos tipos de estudo que podem ser feitos na abordagem qualitativa o da Histria

    de Vida. Segundo Paulilo (1999), pela Histria de Vida, possvel captar como ocorre a

    interseco do individual com o social, ou seja, permite que elementos do passado possam ser

    restaurados e evocados no presente, [] podemos assim, dizer, que a vida olhada de forma

    retrospectiva faculta uma viso total de seu conjunto, e que o tempo presente que torna

    possvel uma compreenso mais aprofundada do momento passado (PAULILO, 1999, p. 3).

    Segundo Spndola e Santos (2003), a origem do termo Histria de Vida tem dois

    significados distintos. Se analisado pela traduo historie, original do francs, remete-se

    quela que designa a histria de vida contada pela pessoa que a vivenciou. No caso de story e

    history do ingls, compreende o estudo aprofundado da vida de um indivduo ou grupos de

    indivduos. A Histria de Vida trabalha com a estria ou o relato de vida, ou seja, a histria

    contada por quem a vivenciou; nesse caso, o pesquisador no busca analisar a autenticidade

    dos fatos, pois o importante o ponto de vista de quem est narrando. Segundo os autores

    [...] o objetivo desse tipo de estudo justamente apreender e compreender a vida conforme

    ela relatada e interpretada pelo prprio ator (SPNDOLA; SANTOS, 2003, p.3).

    A Histria de Vida busca apreender elementos gerais contidos nos relatos de prticas

    sociais, respeitando as formas como o indivduo percebeu determinado momento da sua

    histria. Nessa abordagem, o pesquisador respeita a opinio do sujeito e participa do seu

    discurso. Na verdade, segundo Glat (2004), o pesquisador e o sujeito se completam e

    modificam um ao outro, no momento do discurso, em uma relao dinmica e dialtica. O

    cotidiano das pessoas retratado por meio de suas histrias de vida e percebido como o

  • 22

    momento mais marcante e significativo, um formador de direo do aprendizado e das

    experincias.

    Atravs das narrativas de sua vida, o indivduo se preenche de si mesmo, se

    obrigando a organizar de modo coerente as lembranas desorganizadas e suas

    percepes imediatas: esta reflexo do si faz emergir em sua narrao todos os

    microeventos que pontuam a vida cotidiana, do mesmo modo que as duraes,

    provavelmente comuns aos grupos sociais, mas que dentro da experincia individual

    contribuem para a construo social da realidade (SPNDOLA; SANTOS, 2003,

    p.6).

    Para Queiroz (1988), a Histria de Vida uma ferramenta muito importante e valiosa

    que permite pesquisar o momento em que ocorreu a interseco entre a vida individual e o

    contexto social, e como um elemento afeta o outro. Em Silva et all (2007), a Histria de Vida

    um mtodo que tem como principal caracterstica sua preocupao com o vnculo entre o

    pesquisador e o sujeito.

    A Histria de Vida, para Closs e Antonelo (2012), um registro escrito da vida de

    uma determinada pessoa ou grupo, que, por meio de conversas e entrevistas, pode ser

    montada. O termo Histria de Vida, para os autores, pode ser utilizado para denominar

    relatos que registram a vivncia, a experincia de indivduos ou de uma coletividade,

    possibilitando, assim, reconstruir determinado evento ou questo, apontando o tempo ou

    local.

    No entanto, preciso destacar que a Histria de Vida no se apoia unicamente numa

    viso do indivduo com suas especificidades, mas tambm sob a perspectiva da sociedade na

    qual est inserido. Como afirma Queiroz (1988), a anlise de relatos representa uma rede

    elaborada a partir da vida individual e seu reflexo no social. O pesquisador percebe o

    informante como o representante de um grupo, da comunidade na qual ele est inserido,

    revelando, assim, os traos e aspectos mais significativos que constituram toda uma histria.

    De acordo com Silva et all (2007), a Histria de Vida foi utilizada como mtodo pela

    primeira vez na obra pioneira de W.I Thomas e F. Znanineck, em 1918. A obra The Polish

    Peasant in Europ in Amrica tem com tema central o projeto de organizao e de

    reorganizao dos poloneses ao se integrarem cultura americana. Na obra, todo o estudo

    desenvolvido foi feito por meio de trabalhos de campos e recolhimentos dos relatos da vida,

    bem como anlise de documentos.

    A utilizao da Histria de Vida como abordagem metodolgica foi introduzida no

    meio acadmico em 1920, pela Escola de Chicago, e desenvolvida por Znaniescki, na Polnia.

    A partir da dcada de 1960, esse mtodo de pesquisa procurou estabelecer as estratgias de

  • 23

    anlise do vivido, constituindo um mtodo de coleta de dados do homem no contexto das

    relaes sociais (BARROS, 2002).

    Na ltima dcada, diversos foram os trabalhos que utilizaram a metodologia da

    Histria de Vida na rea educacional. Mota (2005) desenvolveu uma pesquisa na qual a

    Histria de Vida a base para o processo de alterao e de reflexo acerca do processo de

    ensino e de socializao do ser humano na disciplina de Sociologia. Para a autora, a Histria

    de Vida foi pensada como possibilidade didtica para trabalhar a ideia de socializao, a fim

    de inteirar ativamente a percepo e a compreenso de como e onde ocorre o processo de

    construo de identidade social, ao longo de nossas vidas.

    Durante a pesquisa realizada, a autora pde perceber que na descrio do percurso e

    de elementos cotidianos de suas vidas que os estudantes detm-se sobre aspectos

    significativos da sua relao com o macrocosmo. A autora afirma ainda que uma implicao

    metodolgica e terica importante do uso da Histria de Vida o tratamento da vida cotidiana

    dos estudantes como objeto de estudo e relevante fonte do conhecimento (MOTA, 2005).

    Lopes e Lima (2005) tambm utilizaram a Histria de Vida em uma pesquisa que tinha

    como objetivo refletir sobre a formao de professores a partir das narrativas de professores

    aposentados. Os autores afirmam que utilizaram as histrias de vida de um grupo de

    professores aposentados no intuito de que cada um fosse o interlocutor do estudo, enfatizando

    a importncia da formao e da viso de prtica que se fez necessria no seu dia a dia.

    Os autores citados afirmam ainda que trabalhar com o mtodo de Histria de Vida

    com professores algo recente no campo da pesquisa educacional. A base de todo o trabalho

    a subjetividade, na qual o foco recai sobre a construo do olhar o outro sobre determinado

    fato vivido ou poca a ser lembrada.

    Para Sousa (2006), a Histria de Vida deve ser entendida com a arte de contar e trocar

    experincias entre sujeito e pesquisador, que d vida e credibilidade pesquisa educacional.

    Para o autor, a riqueza dessa troca se d nos laos que unem a vida desses dois elementos.

    As histrias de vida so, atualmente, utilizadas em diferentes reas das cincias

    humanas e de formao, atravs da adequao de seus princpios epistemolgicos e

    metodolgicos a outra lgica de formao do adulto, a partir dos saberes tcitos e

    experienciais e da revelao das aprendizagens construdas ao longo da vida como

    uma metacognio ou metareflexo do conhecimento de si (SOUSA, 2006, p. 25).

    O autor afirma ainda que, nas histrias de vida, quem decide o que deve ou no ser

    contado o prprio ator, a quem cabe o dizvel da sua histria, a subjetividade e os

    percursos de sua vida. Fica claro que dentro desse quadro que surge a proposta na pessoa do

    professor, na sua subjetividade, subjaz a noo e sociedade, de coletivo. Mesmo o professor,

  • 24

    sendo uma pessoa, com caractersticas prprias e individuais, as suas relaes sociais

    transformam a sua histria na histria dos outros e a histria dos outros dentro da sua prpria

    histria (LOPES; LIMA, 2005, p. 2).

    Para Goodson (2000), o estudo das histrias de vida dos professores, tanto para anlise

    do currculo como da escolaridade, essencialmente importante, pois confirma a necessidade

    de se garantir que a voz do professor seja ouvida. O autor afirma que deve ser ouvida em voz

    alta e de forma bem audvel e bem articulada; ela que criar uma nova perspectiva de

    atuao para geraes futuras.

    Aps a leitura dos autores acima apresentados, fica claro que, ao utilizar a

    metodologia da Histria de Vida, tem-se o objetivo maior de apreender os elementos gerais

    que esto presentes nas entrevistas das pessoas, desejando encontrar os elos do passado com o

    presente, no intuito de se pensar em um futuro melhor.

    Nessa concepo, e com base nesses conceitos, este trabalho, que tem como objetivo

    investigar a histria de vida e as percepes de docentes surdos que atuam na educao

    superior acerca das polticas pblicas existentes, utilizou a metodologia de Histria de Vida,

    valendo-se da entrevista semiestruturada como instrumento para coleta dos dados.

    1.2.3 Participantes

    A pesquisa contou com a participao de cinco professores surdos que atuam em

    Instituies de Educao Superior (IES) e ministram a disciplina de Lngua Brasileira de

    Sinais (LIBRAS).

    A princpio, o critrio estabelecido para a escolha dos docentes foi apenas o uso da

    LIBRAS como primeira lngua, ou seja, o professor deveria ter a Lngua de Sinais como

    lngua de comunicao e instruo. No entanto, no decorrer da pesquisa, outros dois critrios

    de incluso foram propostos. Era necessrio que os professores surdos participassem de

    movimentos sociais surdos atuais e possussem licenciatura no Curso de Letras LIBRAS.

    No intuito de preservar a identidade dos entrevistados, o pesquisador os identificou

    por ordem alfabtica, nomeando o primeiro de Docente I, o segundo de Docente II at o

    Docente V. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento (APNDICE C).

    As entrevistas foram gravadas em vdeo pelo pesquisador e feita a degravao

    mediante a traduo da LIBRAS para a Lngua Portuguesa por uma equipe de trs Tradutores

    Intrpretes de Lngua Brasileira de Sinais Portugus que tambm assinaram um Termo de

    Integridade e Sigilo (APNDICE D).

  • 25

    1.2.4 Local

    A coleta de dados foi realizada no segundo semestre do ano 2013 e no primeiro ms

    do ano de 2014. As trs primeiras entrevistas foram realizadas na Universidade de Braslia

    UnB. O local foi uma solicitao feita pelos participantes, pois so alunos da psgraduao

    da referida universidade e acharam que seria mais fcil e tranquilo para eles. As entrevistas

    foram feitas no Laboratrio de Lingustica de Lngua de Sinais. As primeiras entrevistas

    ocorreram no decorrer de dez dias, pois havia um Congresso de Portugus no Brasil como

    Segunda Lngua, rea que contempla todos os participantes. A segunda fase de entrevista

    tambm foi feita na UnB com alguns participantes (I, II e III). A entrevista com o participante

    IV foi feita no local em que leciona, pois era mais fcil para dispor de tempo e tranquilidade.

    O participante V foi entrevistado na sua residncia, tendo em vista a facilidade de obteno

    das respostas por dispor de mais tempo visto que gozava, no perodo, de licena paternidade.

    1.2.5 Estrutura das Instituies de Educao Superior - IES

    Os professores acima citados atuam em Instituies de Educao Superior IES. Com

    a obrigatoriedade da disciplina de Lngua de Sinais nos currculos de educao superior,

    preferencialmente nas licenciaturas e, posteriormente, nos demais cursos de formao. Cada

    instituio adotou uma forma para cumprir a determinao do Estado. Abaixo, segue um

    pouco do histrico de cada instituio onde os participantes ministram a disciplina de

    LIBRAS e fazem parte do quadro de funcionrios/servidores.

    Instituio A

    A instituio a qual pertencem os docentes I e II uma universidade pblica

    inaugurada no ano de 1962. Possui 2.445 professores, 2.630 tcnicos administrativos e 28.570

    alunos regulares e 6.304 de ps-graduao. constituda por 26 institutos e faculdades e 21

    centros de pesquisa especializados. Atualmente oferece 109 cursos de graduao, sendo 31

    noturnos e 10 a distncia. H ainda 147 cursos de ps-graduao stricto sensu e 22

    especializaes lato sensu. Os cursos esto divididos em quatro campi espalhados pelo

    Distrito Federal.

    Na instituio, h um programa de apoio s pessoas com necessidades especiais que

    foi criado em 1999, aps diversas discusses sobre o ingresso e as condies de permanncia

  • 26

    e diplomao dos estudantes com necessidades especiais na universidade. A implantao foi

    orientada pelo marco legal da Constituio Federal, a Poltica Nacional de Integrao da

    Pessoa Portadora de Deficincia por meio do Decreto 3258/1999 (BRASIL/1999), a Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao (BRASIL, 1996), e demais legislaes, com o objetivo de

    proporcionar condies de acesso e permanncia desses estudantes na educao

    superior. Consiste em estabelecer uma poltica permanente de ateno s pessoas com

    necessidades especiais e assegurar sua incluso na vida acadmica, por meio da garantia de

    igualdade de oportunidades e de condies adequadas para o seu desenvolvimento na

    universidade. O programa auxilia na mediao e no relacionamento entre o professor, o

    funcionrio e o estudante portador de necessidades especiais. Possui uma srie de aes que

    visam proporcionar um livre exerccio da cidadania para todos que integram a comunidade

    acadmica da instituio.

    A primeira turma de Lngua Brasileira de Sinais teve incio no ano de 2007, por meio

    de professores substitutos. Essa atuao durou 5 anos at que houve concurso para professor

    efetivo no ano de 2011. Ingressaram dois professores de Lngua de Sinais no cargo de

    professor assistente. Os professores no ano de 2013 atingiram a estabilidade e hoje so alunos

    do curso de doutorado. Os professores citados so os participantes I e II desta pesquisa.

    Semestralmente, uma mdia de duzentos e quarenta alunos participa das aulas de LIBRAS.

    Instituio B

    A instituio B um instituto federal de ensino. Foi criado em Braslia no ano de 2005

    inicialmente em Planaltina. A partir de 2010, novos campi foram criados e atualmente em

    Braslia existem sete. Cada um tem um eixo de atuao que foi definido por meio de consultas

    sociedade, tendo como base dados socioeconmicos da regio.5 Os eixos tecnolgicos so

    quatro: Gesto e Negcios, Tecnologia da Informao, Hospitalidade e Lazer e Artes na rea

    de Dana. Nos institutos so oferecidos cursos tcnicos, superiores, de Formao Inicial e

    Continuada (FIC), Projetos de Extenso, Programa Certific, cursos de idiomas e do Pronatec.

    A reitoria atualmente est instalada em prdio prprio, localizado no Plano Piloto. O prdio

    conta com dois blocos entregues e em funcionamento, com salas de aulas, salas de apoio

    estudantil e administrativo e rea para instalao da lanchonete. Ainda esto em construo

    mais dois blocos que tero laboratrios especficos dos cursos tcnicos e superiores, alm da

    5 Disponvel em: . Acesso em: 20 fev. 2014.

  • 27

    biblioteca, teatro e ginsio poliesportivo. A previso que a ltima etapa seja entregue

    comunidade acadmica neste ano de 2014.

    O ingresso do professor de LIBRAS nos quadros do instituto ocorreu no ano de 2010

    por meio de concurso pblico, sendo este destinado ao campus de Taguatinga, criado em 2008

    por meio da Lei 11.892. A unidade atua nas reas de Vesturio, Eletromecnica, Informtica e

    Licenciatura em Fsica. So oferecidos cursos Tcnicos, Formao Inicial e Continuada (FIC)

    que so cursos 'profissionalizantes' de curta durao projetos de extenso e cursos de

    idiomas. O campus conta com professores especialistas, mestres e doutores e possui

    Laboratrios de Software, Hardware, Eletrnica, Eltrica, Mecnica, Usinagem, Solda,

    Informtica, Modelagem e Corte, alm de Costura. O campus oferece dois cursos FICs de

    Lngua de Sinais: um bsico e outro avanado, contando com a participao de 100 alunos.

    Hoje, o campus oferece LIBRAS como disciplina obrigatria para os alunos da

    Licenciatura de Dana. Semestralmente, uma mdia de quarenta alunos tem aula de Lngua de

    Sinais. O participante III o professor que atua nesta instituio.

    A Instituio B conta com um ncleo de atendimento s pessoas com necessidades

    educativas especiais, que tem por finalidade promover a cultura da educao para a

    convivncia, aceitao da diversidade e, principalmente, buscar a quebra de barreiras

    arquitetnicas, educacionais e de comunicao e, na medida do possvel, as atitudinais, de

    forma a promover incluso de todos (as) na educao profissional e tecnolgica. O ncleo

    ainda est em constituio e no teve seu regulamento ainda aceito pela Reitoria. O

    participante III desta pesquisa j atuou como um dos coordenadores do ncleo.

    Instituio C

    A Instituio C uma universidade particular. Foi uma das pioneiras de ensino na

    capital do pas, inaugurado em 1968. Tornou-se o primeiro centro universitrio da regio na

    dcada de 1990. Tem como filosofia um ensino de excelncia e poltica de renovao

    permanente, acompanhando as evolues tecnolgicas e pedaggicas. Oferece cursos nas

    reas de Cincias Jurdicas, Cincias Sociais, Cincias Exatas, Cincias da Sade, Cincias da

    Educao e Tecnologia, alm dos cursos de ps-graduao lato e stricto sensu. Dispe de uma

    estrutura com 61.829 m2, necessria ao melhor ambiente acadmico. So salas de aula

    confortveis, laboratrios das diversas reas, a mais moderna biblioteca do Distrito Federal,

    alm do parque esportivo. O ambiente oferece comunidade acadmica todos os recursos

  • 28

    boa convivncia e ao aprendizado de qualidade. Possui trs campi sendo dois no Plano Piloto

    e um em Taguatinga.

    A disciplina de Lngua Brasileira de Sinais foi inserida no currculo no ano de 2008.

    Inicialmente foi inserido nos cursos de licenciaturas. Conta com 04 professores de LIBRAS

    1 ouvinte e 3 surdos. Todos passaram por um processo de seleo rigoroso. O participante IV

    atua como professor nesta instituio.

    Instituio D

    A Instituio D uma instituio de ensino particular. Iniciou suas atividades em 1972

    destinando seus servios aos estudantes do antigo ensino supletivo, preparando-os tambm

    para o acesso educao superior por meio de cursos pr-vestibulares. Estendeu seus servios

    para outras comunidades, acompanhando o desenvolvimento do Distrito Federal. Inaugurou

    uma unidade no Guar, ampliando seus servios com a implantao do ensino regular seriado

    e com o atendimento educao infantil. Para solidificar sua misso, abriu duas unidades de

    ensino em Valparaso, atendendo do maternal ao 3 ano do ensino mdio.

    Em 1996, com 24 anos de funcionamento, a IES instala no Pisto Sul de Taguatinga,

    um Centro de Formao Profissional, completando a oferta do ensino regular em trs cidades

    do Distrito Federal e Entorno. Como resultado, em 1999, inicia a educao superior com os

    cursos de Administrao, Cincias Contbeis, Enfermagem, Nutrio, Pedagogia, Publicidade

    e Propaganda e Relaes Pblicas. Em conjunto com as Unidades de Taguatinga, Guar,

    Valparaso I e Valparaso II, passou a desenvolver um processo de educao contnua,

    atendendo do maternal educao superior. Em 2002, inaugura mais dois cursos:

    Administrao e Letras. Com oito anos de funcionamento, a faculdade ganha mais quatro

    cursos: Biomedicina, Farmcia, Jornalismo e Direito. Em 2003, teve incio o primeiro curso

    de ps-graduao: Gesto, Superviso e Orientao Educacional. Em 2008, dando

    continuidade ao seu empreendedorismo, inicia os cursos de Geografia, Histria,

    Administrao, Publicidade e Propaganda e Turismo. Em agosto de 2009, passa a oferecer os

    cursos de Administrao Geral e os tecnlogos em Gesto em Logstica, Gesto em

    Marketing e Gesto em Recursos Humanos. Em dezembro de 2010, com uma nova unidade

    no Plano Piloto, abre os cursos de nvel superior em Enfermagem e Radiologia e os cursos

    Tcnico em Enfermagem e Tcnico em Radiologia. O participante V professor desta

    instituio desde 2012.

  • 29

    Alm dos participantes formais, esta pesquisa contou com o apoio de uma equipe de

    trs profissionais Tradutores/Intrpretes de Lngua de Sinais, sendo todos reconhecidos por

    meio do certificado de Proficincia em Traduo e Interpretao Lngua Portuguesa

    LIBRAS e LIBRAS Lngua Portuguesa, expedido pelo Ministrio da Educao (MEC).

    1.2.6 Tcnicas para gerao de dados

    Esta pesquisa utilizou inicialmente, como instrumento da coleta de dados, o roteiro

    para a entrevista semiestruturada. Porm, no decorrer do contato junto aos profissionais, foi

    possvel perceber a riqueza dos dados obtidos tambm pela dinmica da conversao. Nesse

    sentido, tambm as conversas informais foram consideradas como um instrumento de

    construo de dados.

    De acordo com Aguiar (2006), a entrevista deve manter estreita relao com a

    afetividade, com a busca de identificao com o sujeito entrevistado, em uma forma de

    reconhecimento e de admirao no caminho que ele define.

    Queiroz (2008) aponta que as entrevistas so partes em que no s a fala, mas todas as

    expresses, inclusive os movimentos, demonstram pontos importantes para o pesquisador.

    [...] torna-se importante, pois por meio delas que se torna possvel ouvir as

    pessoas, deix-las vontade para se expressarem e prestar ateno no s as

    colocaes verbais, mas tambm aos gestos, expresses no verbais e at mesmo ao

    silncio dos informantes no momento das entrevistas, e, sobretudo, respeitar sua

    opinio (QUEIROZ, 2008, p. 73).

    De acordo com Ludke e Andre (2012, p. 36), [...] a grande vantagem da entrevista

    sobre outras tcnicas que ela permite a captao imediata e corrente da informao

    desejada, podendo permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras tcnicas de

    alcance mais superficial, e esta se coaduna com a metodologia escolhida, qual seja a da

    Histria de Vida. A entrevista semiestruturada, segundo Flick (2004), amplamente utilizada

    em virtude da provvel manifestao do ponto de vista dos sujeitos entrevistados.

    A entrevista de Histria de Vida trabalha com memria e por isso faz seletividade de

    eventos e momentos importantes da vida do entrevistado. Para Bosi (1994), o que interessa,

    quando se trabalha com a Histria de Vida, a narrativa da vida de cada um, a maneira como

    ele pretende que sua vida seja narrada.

    Para Thiollent (1982), a Histria de Vida normalmente extrada em uma ou mais

    entrevistas denominadas entrevistas prolongadas, que tm como foco a interao entre

    pesquisador e pesquisado. O autor completa ainda que o entrevistador se mantm em uma

  • 30

    situao flutuante que permite estimular o entrevistado a explorar o seu universo cultural, sem

    questionamentos forados. Uma entrevista prolongada, sem momentos definidos para

    terminar.

    A entrevista prolongada, nesta pesquisa, teve como objetivo ouvir profissionais surdos

    que atuam em Instituies de Educao Superior - IES e Institutos Federais de Educao

    como docentes surdos. A lngua utilizada durante todo o processo foi a LIBRAS, e teve a

    durao, em mdia, de 2 horas para cada entrevista.

    Foram utilizados os seguintes equipamentos: filmadora e gravador. preciso

    esclarecer que a filmadora foi utilizada com o devido consentimento e autorizao dos

    participantes e a escolha se deve ao fato de todos os participantes da pesquisa responderam

    em LIBRAS. Os entrevistados surdos foram filmados e, posteriormente, a informao obtida

    transcrita para a Lngua Portuguesa.

    1.2.7 Procedimentos

    Inicialmente foi feito um levantamento junto s Instituies de Educao Superior no

    Distrito Federal, que possuam professores surdos. Aps uma anlise, foi possvel constatar

    que 14 IES possuem profissionais surdos atuando como docentes, o que pode ser considerado

    uma conquista decorrente da legislao recente.

    Como segundo passo, foi feito um contato com as instituies, por meio de visitas

    informais e conversas com coordenadores de reas, com o objetivo de conhecer como a

    disciplina foi criada e o histrico do ingresso dos professores surdos na instituio.

    Aps a seleo das instituies em cada IES, foi feita uma reunio com os docentes,

    para explicar o objetivo da pesquisa, como ela seria desenvolvida e a importncia de

    participao do professor surdo com um elemento diferenciador das demais pesquisas.

    Os professores surdos aceitaram participar da pesquisa, em carter voluntrio. Foi

    preciso ento selecionar aqueles que cooperariam com o trabalho. Foram escolhidos cinco

    docentes surdos que atuam nas Instituies de Educao Superior. O primeiro critrio

    estabelecido era que os professores participassem ativamente de movimentos sociais surdos,

    ou seja, movimentos que defendem os interesses lingusticos e educacionais da Comunidade

    Surda; o segundo critrio foi a escolaridade, ou seja, que os docentes possussem licenciatura

    no curso de Letras LIBRAS. O curso tem como lngua de instruo a Lngua Brasileira de

    Sinais e nos seus contedos trabalha com os aspectos polticos e socioeducacionais do aluno

  • 31

    surdo. Aps esses dois pr-requisitos estabelecidos, os cinco professores escolhidos assinaram

    o Termo de Consentimento Livre e Informado (Anexo C).

    As entrevistas foram feitas de forma individualizada em um espao utilizado pela

    Comunidade Surda acadmica. Fica em um laboratrio prprio para o estudo da Lngua

    Brasileira de Sinais. Foi interessante, pois o ambiente est em construo e todos os docentes

    surdos e alunos de ps-graduao esto participando dessa construo. As primeiras

    entrevistas aconteceram nesse espao e, quase que seguidas, no perodo de dez dias. As

    entrevistas foram todas filmadas. O equipamento foi montado antes dos entrevistados

    chegarem, pois o desejo era de se criar um ambiente mais relaxado que os deixasse vontade.

    As entrevistas foram feitas inicialmente nesse espao. Em alguns casos, foram

    necessrios outros encontros. Para uma melhor visualizao, ser apresentada a Tabela 1,

    contendo os participantes, a quantidade de encontros e o total de tempo das entrevistas.

    Tabela 1. Distribuio da entrevista com os docentes

    PARTICIPANTE TEMPO TOTAL DE ENTREVISTA

    Docente I 56 minutos e 44 segundos

    Docente II 57 minutos e 01 segundo

    Docente III 1 hora, seis minutos e 38 segundos

    Docente IV 57 minutos e 18 segundos

    Docente V 56 minutos e 57 segundos

    Aps o levantamento dos dados, foram feitas as transcries das gravaes. Esse foi

    outro momento de muito cuidado e reflexo. Como pesquisador, vi a minha histria se

    repetindo e foi necessria muita ateno para no misturar a minha histria deles.

    Toda a transcrio/traduo foi feita por uma equipe com trs profissionais TILS. O

    pesquisador buscou TILS que so reconhecidos pelo MEC por possurem o Certificado de

    Proficincia de Traduo Interpretao LIBRAS Portugus LIBRAS.

  • 32

    CAPTULO II- POLTICAS DE EDUCAO INCLUSIVA

    Este captulo analisa as mudanas ocorridas no contexto da educao inclusiva e a

    influncia do neoliberalismo nas polticas educacionais a partir dos anos 1990.

    2.1 O NEOLIBERALISMO E A INFLUNCIA NA EDUCAO BRASILEIRA

    A educao brasileira sofreu influncias diretas oriundas da adoo de princpios e

    prticas neoliberais. De acordo com Oliveira (2002, p. 33), [...] o neoliberalismo

    organizado e fundamentado em uma perspectiva utilitarista que postula uma suposta

    neutralidade do Estado quanto defesa de alguns bens essenciais de interesse pblico, como a

    educao.

    no contexto dessa concepo neoliberal que se originam as orientaes formuladas

    por agncias internacionais como Fundo Monetrio Internacional (FMI), Banco Mundial

    (BM), Organizao para a Educao, a Cincia e a Cultura das Naes Unidas (UNESCO) e

    Comisso Econmica das Naes Unidas (CEPAL) para as reformas educacionais

    (GUIMARES-IOSIF, 2012). Elabora-se um discurso com intuito de reformar o ensino,

    colocando-o como meio para alcanar o desenvolvimento econmico, a transformao

    cultural e a incluso dos indivduos. Mas, ao mesmo tempo, esses mesmos organismos

    internacionais exercem presses para que os sistemas educacionais tambm estejam

    adequados aos propsitos de saneamento das finanas pblicas, de racionalizao dos

    investimentos e aos padres de qualidade do mercado (FIGUEIREDO, 2002).

    No Brasil, houve vrios movimentos distintos que tentavam com lemas diferentes dar

    um salto na educao, nos anos de 1980 e 1990, tais como: qualidade total, modernizao do

    trabalho, adequao ao mercado de trabalho, competitividade, eficincia e produtividade,

    todos frutos da ideologia neoliberal, na qual o Estado mnimo e, para tanto, atribui-se

    educao a responsabilidade de dar sustentao competitividade do pas (GIRON, 2008).

    A partir da Conferncia Mundial de Educao para Todos, realizada em Jontiem,

    Tailndia em 1990, financiada pela UNESCO, Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    (UNICEF), o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o BM, ficou

    acordado com os representantes de diversos pases, organizaes no governamentais,

    sociedade civil, associaes profissionais e educadores participantes do mundo inteiro, que

    eles se comprometeriam a garantir uma educao bsica de qualidade para todos (MELO,

    2004).

  • 33

    As reformas propostas consistiam em impor aos pases em desenvolvimento propostas

    liberais e diretrizes polticas de ajuste estrutural conveniente aos interesses do capital

    estrangeiro, deveriam se moldar do capital dominante, da uniformizao e da integrao dos

    pases pobres e do investimento mnimo da populao para aquisio dos valores e

    habilidades mnimos necessrios ao mercado, pensamento dominante pelos donos do grande

    capital desde o sculo XVIII, no havendo grande alterao nos dias de hoje (GIRON, 2008).

    No Brasil, em 20 de dezembro de 1996, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da

    Educao Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), Lei esta que objetiva a aquisio de novas

    competncias e habilidades pelos indivduos, no intuito de promover a uniformizao da

    integrao global do mercado.

    Dessa maneira, por muito tempo, a opo em priorizar a educao obrigatria somente

    ao ensino fundamental, acabou por deflagrar ainda mais a lgica capitalista, e, por

    conseguinte, aumentando ainda mais as desigualdades educacionais, tendo em vista que o

    percentual da sociedade que conclui a Educao Bsica limitado (GUIMARES-IOSIF,

    2007). O Plano Nacional de Educao (PNE), com a Lei n 10.172, de 9 de janeiro de 2001

    (BRASIL, 2001), com durao de dez anos, no alcanou as dimenses necessrias, e j est

    em discusso no Congresso Nacional um novo Plano por mais 10 anos, com o qual podemos

    ter ou no um salto de qualidade na educao, caso sejam efetivados e aprovados os 10% do

    Produto Interno Bruto (PIB).

    Nesse sentido, Demo (1997, p. 95) destaca que a nova LDB possibilitou alguns

    avanos, mas tambm alguns retrocessos educao nacional. Com relao aos avanos, o

    autor ressalta:

    [...] a integrao da educao infantil como parte do sistema educacional; a

    obrigatoriedade da escolarizao no Ensino Fundamental, ligada a padres de

    qualidade, muito embora tais padres no sejam efetivamente explicitados; nfase

    na gesto democrtica; avano na concepo de educao bsica.

    J com relao aos problemas ou entraves, Demo (1997) destaca que, apesar de

    introduzir alguns componentes atualizados e interessantes, a Lei no inovadora,

    predominando no seu corpo uma viso tradicional que impede a percepo de quanto as

    oportunidades de desenvolvimento dependem da qualidade educativa da populao. Alm

    disso, referenda a aquisio e no a construo do conhecimento, contrariando as modernas

    teorias de educao. A formao docente no focada no ensino, pesquisa e extenso, mas na

    aplicao prtica do conhecimento.

  • 34

    Quanto atual LDB, [...] trata-se de um saber pensar que, de maneira alguma, basta-

    se com o pensar, pois sua razo de ser a de intervir [...] (DEMO, 1997, p. 78),

    estabelecendo uma relao muito prxima entre educao e qualificao profissional,

    faltando-lhe a percepo da importncia da educao como processo de humanizao e de

    reconstruo social.

    Nesse contexto, a LDB tem provocado, entre outras coisas, o desmonte da educao

    pblica e cada vez mais a desresponsabilizao da educao por parte do Estado, passando

    esta ao setor privado que a enxerga como mercadoria e, para tanto, estabelece metas de

    competio entre as escolas, no havendo, muitas vezes, uma preocupao com a educao.

    Assim, passamos a ter a educao bancria to criticada por Paulo Freire, a qual no permite

    que o aluno seja um ser questionador, mas to somente um reprodutor do conhecimento

    repassado. E mesmo sendo essa a educao muitas vezes ofertada pelos servios privados,

    esta ainda melhor do que a da educao pblica devido ao desmantelo gerado por anos de

    falta de investimento real na educao pblica de qualidade e no de nmeros (FREIRE,

    1987).

    Essa mesma limitao fez que com que se aumentassem ainda mais os distanciamentos

    da educao dada aos mais pobres, j que eles no tinham acesso educao formal sendo

    cada vez mais marginalizados e deixados de lado nas polticas educacionais. Esse fato

    contribuiu para que uma gama de pessoas ficasse margem da sociedade, principalmente no

    sentido de participao efetiva na busca por seus direitos fundamentais. Como aponta Demo

    (1996, p.25), [...] fato primordial que ainda no despertemos para a noo de nos

    organizarmos em defesa de nossos direitos. Achamos ao contrrio, que o Estado ou outra

    figura paternalista os deveriam garantir [...]; dessa maneira, a alienao poltica cresceu cada

    vez mais. Tal alienao se refletiu no acatamento das ideias dos governos, nas quais o povo

    no busca de fato uma forma de conscincia diversa daquela oferecida, pelo contrrio,

    continua a imergir cada vez mais naquilo a que est habituado, dando continuidade forma de

    dominao conhecida.

    Segundo Freire (1998, p. 28), a partir de um sistema ou de um modelo educacional

    adotado por um pas, pode-se contribuir para a reproduo de uma ideologia dominante ou

    trabalhar a favor da emancipao da sociedade, [...] quando se refora a capacidade crtica do

    educando, sua curiosidade, sua insubmisso. Na lgica capitalista do neoliberalismo, a

    prtica educacional aquela fundada na viso competitiva e de excluso; no aceita a

    criatividade tampouco a incluso dos menos favorecidos ao sistema dominante, pois teme que

    eles se tornem livres.

  • 35

    2.2 POLTICA PBLICA DE EDUCAO INCLUSIVA NO CONTEXTO DA

    GLOBALIZAO NEOLIBERAL

    O direito educao para todos foi conquistado com muita luta e dificuldade, haja

    vista que sempre houve um pensamento por parte dos grupos dominantes no qual o povo, ou

    seja, as massas no poderiam adquirir conhecimento, pois se assim o fosse, tornar-se-iam

    livres e comeariam a atuar em todas as reas, no sendo mais massa de manobra (FREIRE

    1987; DEMO, 2002).

    O perodo de expanso industrial no sculo XVIII foi a mola propulsora para que a

    populao iniciasse um processo de reivindicao por escolas para seus filhos, ou seja, os

    filhos do proletariado. Nessa poca, com o aumento cada vez mais voraz do capitalismo e do

    processo de industrializao, empregavam-se crianas e mulheres que muitas vezes perfaziam

    uma jornada de trabalho de mais de 14 horas dirias, pois deviam complementar a renda

    familiar (GUIMARES-IOSIF, 2007).

    Com uma jornada de trabalho to exaustiva, no havia tempo para que as crianas,

    filhas dos operrios, tivessem acesso educao. Alm disso, para o Estado, no era

    interessante que os pobres tivessem acesso educao, pois muito mais fcil controlar um

    povo que no sabe dos seus direitos (GUIMARES-IOSIF, 2007).

    Demo (2002, p. 20) ressalta que o [...] Estado no teme o pobre com fome, mas o

    pobre que sabe pensar". Apesar de todo o esforo e resistncia por parte do Estado, ele acaba

    sendo convencido pela burguesia e pelos ideais liberais que a escola para os pobres era algo

    necessrio, mesmo que o seu papel no fosse o de ensinar somente aquilo que era necessrio

    para a indstria e ao grande capital. No havia interesse real para que os pobres tivessem

    acesso ao conhecimento. Esse contexto no muito diferente dos dias atuais (GUIMARES-

    IOSIF, 2007).

    O homem visto no por sua essencialidade, mas to somente por sua fora de

    trabalho, perdia-se a dignidade e o estado de pobreza e de degradao social aumentava cada

    dia. nesse cenrio que comeam a surgir os movimentos e lutas em favor de melhores

    condies de vida e, com isso, por uma educao pblica para todos, ou seja, na verdade a

    luta pela educao perpassou pela luta e pelo direito cidadania (GIRON, 2008).

    Nesse contexto, a escola pblica surge para se ajustar ao sistema e luta dos

    trabalhadores em prol da educao para todos e para acalmar as classes sociais menos

    privilegiadas; porm tal educao no se d com qualidade, pois havia o interesse de uma

  • 36

    classe dominante que no desejava que o povo fosse livre de fato. Como consequncia, os

    espaos polticos continuariam no poder dos dominantes, tendo em vista que no espao

    poltico que as conquistas sociais so de fato implementadas (DEMO, 1996).

    nesse momento de lutas e reivindicaes que o povo comea a se organizar em

    busca de um mesmo ideal, qual seja, de melhores condies de vida, com reduo de jornada

    de trabalho, concepo de infncia e tempo escolar, o que afastaria as crianas das fbricas e

    com isso, no pensamento dos pais operrios, possibilitaria um futuro e condies melhores de

    vida. A partir da, surgem os sindicatos e eles tm um papel relevante na educao, pois

    lutavam por uma educao de qualidade e no dominadora de classes, iniciando um processo

    de luta poltica por melhorias na educao e por polticas pblicas que abarcassem a todos

    (GIRON, 2008).

    Importante destacar que, quando nos referimos a polticas pblicas, bom ter em

    mente que elas esto inseridas e permeadas pelas estruturas de poder e de dominao. Como

    bem ressalta Demo (1996, p. 16):

    Toda convivncia tambm disputa. Poder inevitvel no apenas por uma questo

    de organizao da comunidade, para se evitar a anarquia. A prpria convivncia se

    estrutura em linhas de poder, cuja graa a polarizao. No precisa ser guerra. Mas

    h vantagens, h preferncias, h manipulaes, h segregaes. um campo de

    fora, magnetizado.

    As estruturas polticas so reformuladas ou desativadas de acordo com o modelo

    poltico adotado em cada pas e de acordo com as diferentes formas, funes e opes

    ideolgicas assumidas pelo Estado. Para tanto, podemos ter em mente as diferentes formas de

    educao que determinados grupos sofreram, e nisso podemos citar a educao que fora

    dispensada aos negros e nativos pelos pases do continente norte-americano, e que, ainda hoje,

    motivo de preocupao dada a diferena na educao dos grupos nesses pases, inclusive

    sendo proibidos durante anos de frequentarem as mesmas classes que os alunos brancos,

    acreditando que negros eram inferiores a brancos (GUIMARES-IOSIF, 2007).

    Frise-se que tal fator se deu pelo fato de a maioria dos pases, infelizmente, por muito

    tempo se pautarem no Darwinismo Social para determinar qual povo deveria se beneficiar e

    que tipo de educao deveria ser ministrada, acreditando que alguns seriam superiores. [...]

    dentro desse ideal, negros, ndios e grande parte das mulheres acabaram sendo excludos ou

    limitados no seu acesso educao escolar por mais de quatro sculos [...] (GUIMARES-

    IOSIF, p.47). E isso acabou por gerar uma deficincia e diferena gritante com relao ao

    grupo favorecido pelo Estado, ou seja, pelo modelo de poltica educacional adotado, e,

    consequentemente, contribuiu para aumentar a pobreza e as desigualdades sociais no Brasil.

  • 37

    Cada modelo de Estado tambm corresponde a uma proposta de educao, uma vez

    que [...] todo projeto educativo, todo discurso educativo veicula uma imagem de homem,

    uma viso de homem [...] (GADOTTI, 1984, p.144) que se deseja formar, ou seja, a poltica

    educacional adotada por um determinado governo demonstra a forma como ele entende o

    mundo e as relaes com a sociedade.

    Aps a Segunda Grande Guerra, o Estado passa a exercer o poder sobre o povo ao

    determinar quais sero as formas de educao e para quem elas sero destinadas. O problema

    que o modelo neoliberal adotado pela maioria dos pases no privilegia a educao de

    qualidade, estando muito mais interessado nos nmeros, ou seja, quantos alunos so

    matriculados e quantos concluem o ensino fundamental, mdio e superior, no importando

    realmente a qualidade que repassada aos povos, o que gera cada vez mais um

    distanciamento das classes (OZGA, 2000).

    Saviani (1986, p. 89) nos ensina que educao e poltica so prticas distintas,

    entretanto, mantm um vnculo:

    [...] a educao depende da poltica no que diz respeito a determinadas condies

    objetivas como a definio d