Disser Sislene
-
Upload
sislene-costa-silva -
Category
Documents
-
view
264 -
download
0
Transcript of Disser Sislene
-
7/21/2019 Disser Sislene
1/124
0
SISLENE COSTA DA SILVA
FILHOS DO TAIM:
estratgias para defesa e uso de um territrio
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduaoem Cincias Sociais da Universidade Federal doMaranho para a obteno do ttulo de Mestre emCincias Sociais.Orientador: Prof. Dr. Horcio Antunes de SantAna
Jnior
So Lus2009
-
7/21/2019 Disser Sislene
2/124
1
Silva, Sislene Costa da
Filhos do Taim: estratgias para defesa e uso de um territrio /Sislene Costa da Silva So Lus, 2009.
123f.Impresso por computador (Fotocpia).Orientador: Horcio Antunes de SantAna Jr.Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Maranho,
Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais, 2009.
1. Povoado Taim Conflitos sociais 2. Projetos Maranho 3.Reservas extrativistas Maranho 4. Territrio Maranho Conflitos scio-ambientais I. Ttulo
CDU 316.48:911.3 (812.1)
-
7/21/2019 Disser Sislene
3/124
2
SISLENE COSTA DA SILVA
FILHOS DO TAIM:
estratgias para defesa e uso de um territrio
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduaoem Cincias Sociais da Universidade Federal doMaranho para a obteno do ttulo de Mestre emCincias Sociais.
Aprovada em: / /
Banca Examinadora
________________________________________________Prof. Horcio Antunes de SantAna Jnior(Orientador)
Doutor em Cincias HumanasUniversidade Federal do Rio de Janeiro
________________________________________________
Prof. Carla Regina Assuno PereiraDoutora em Sociologia e AntropologiaUniversidade Federal do Rio de Janeiro
_______________________________________________Prof. Madian de Jesus Frazo Pereira
Doutora em Sociologia
Universidade Federal da Paraba
-
7/21/2019 Disser Sislene
4/124
3
AGRADECIMENTOS
A finalizao deste trabalho representa o fechamento de um ciclo e o comeo de
outro. Retornar vida acadmica depois de quatro anos longe da universidade foi um grande
presente e deu minha vida um novo sopro. Todavia, esse retorno no seria possvel, muito
menos a concluso deste trabalho, se eu no pudesse contar com o incentivo, colaborao,
compreenso, solidariedade e amizade de uma srie de pessoas que sempre estiveram
presentes em minha vida e com aquelas que conheci no decorrer do Mestrado em Cincias
Sociais e na pesquisa de campo. Espero no esquecer ningum.
Agradeo a Deus, refgio de paz e esperana. A meus pais que me possibilitaram
ter acesso aos estudos e com quem sei que sempre posso contar. A samia, irm e amiga,
obrigada por existir. A Renato, meu querido amigo e companheiro, obrigada por tudo. s
amigas Marli e Renata a quem recorri na ora do sufoco, sempre serei grata. A Valderiza
querida, exemplo de fora e persistncia. A Valdenira e Edgar por dividirem comigo
momentos agradveis nas primeiras idas ao Taim. A Andr, sempre prestativo comigo,
desculpe qualquer coisa. A Eva e Michel, amigos que admiro. A Wil e Axel, obrigada pela
ajuda com o rsum. A Cida e Wheriston, amigos que fiz nesse mestrado e que me ajudaram
nos momentos de desespero dos trabalhos finais.
Agradeo especialmente e com muito carinho ao professor Dr. Horcio Antunes
pela pacincia, dedicao e ateno com que me orientou. Tambm pela generosidade com
que dividiu trabalhos acadmicos. Obrigada de corao!
Agradeo tambm ao pessoal do GEDMMA (Grupo de Estudos
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente), professores e alunos, pela possibilidade
de troca de conhecimento, pelas orientaes e acesso aos dados de pesquisa de pessoas das
vrias reas. Agradeo em especial a Rafael Gaspar que me cedeu documentao sobre o
povoado Taim.Sou grata aos professores Dr. Sgio Figueiredo Ferretti pelos livros emprestados,
os quais muito me ajudaram a escrever o captulo 2; Dr. Gian Mrio, do IFCS (Instituto de
Filosofia e Cincias Sociais UFRJ) e Dra. Neide Esterci, da mesma instituio, que
gentilmente receberam a mim e a minha colega em suas aulas. Aproveito para agradecer ao
convnio Procad - UFMA/UFRJ pela experincia de intercmbio no IFCS, em 2008.
Agradeo tambm a Lenir por ter dividido essa experincia comigo no Rio.
Agradeo a gentileza das professoras Dra. Carla Regina e Dra. Madian de Jesuspor aceitarem compor a banca examinadora dessa dissertao.
-
7/21/2019 Disser Sislene
5/124
4
Finalmente, agradeo e dedico este trabalho aos interlocutores que me receberam
em suas casas nas mais diversas ocasies e compartilharam um pouco suas vidas comigo,
obrigada pela confiana. Agradeo em especial Rosana, Beto e Sr. Z Reinaldo, que me
acolheram e acompanharam nas idas a campo. Obrigada, Rosana, pelas longas conversas, pelo
afilhado, por ter compartilhado tua famlia comigo, obrigada pela amizade.
-
7/21/2019 Disser Sislene
6/124
5
RESUMO
A dissertao tem como objetivo estudar as estratgias construdas e atualizadas pelos
moradores do povoado Taim para se manterem em um territrio e manterem modos de vida
especficos. O territrio localiza-se em rea definida pelas instncias municipais, estaduais e
federal e grandes empreendedores como propcia para a expanso industrial e desde a sua
insero no Programa Grande Carajs tm passado por uma srie de transformaes queimplicaram em danos sociais e ambientais aos povoados ali localizados. Nesse cenrio,
abordo como os moradores do Taim acionam uma memria coletiva referente longevidade
da ocupao territorial. Descrevo as formas com que se apropriam material e simbolicamente
dos espaos que o compem. Retrato as ocasies em que os moradores do povoado
perceberam que a permanncia no territrio estava ameaada e como reagiram a essas
ameaas, as quais esto relacionadas tentativa de apropriao territorial por morador de
fora e tentativa de implantao de um plo siderrgico que resultaria no deslocamento
compulsrio de diversos povoados, dentre eles, o Taim. Apresento as motivaes para
resistirem a esse empreendimento e tento recuperar os elementos que contriburam para ter
partido desse povoado a demanda pela instalao de uma Reserva Extrativista.
Palavras-Chaves: Grandes projetos no Maranho, territrio, territorialidade, territorializao,
Reservas Extrativistas, ambientalizao dos conflitos sociais.
-
7/21/2019 Disser Sislene
7/124
6
RSUM
La dissertation a pour objectif dtudier les stratgies construites et actualises par les
habitants du village de Taim pour quils puissent rester sur un territoire dfini et y maintenir
leurs formes de vie propres. Le territoire est situ dans une zone dfinie par les organismes
municipaux, de ltat et du gouvernement Fdral ainsi que par de grands entrepreneurscomme propice une expansion industrielle et, depuis son insertion au Programme Grande
Carajs la zone a souffert une srie de transformations qui ont impliqu des risques et des
dommages l'environnement pour les villages qui s'y trouvent. Dans ce contexte, jaborde la
faon dont les rsidents de Taim dclenchent une mmoire collective sur lanciennet de
loccupation du territoire. Je dcris les faons dont les rsidents de Taim sapproprient
matriellement et symboliquement des espaces qui constituent le territoire. Je dcris aussi les
moments o les rsidents du village ont ralis que leur permanence dans le territoire taitmenace et la faon dont ils ont ragi ces menaces, qui sont lies la tentative
dappropriation du territoire par les personnes de lextrieur qui essaient de mettre en uvre
limplantation dun Complexe Sidrurgique implantation qui aurait comme consquences le
dplacement forc de plusieurs villages, parmi eux Taim. Je prsente les motivations des
habitants de Taim pour rsister cette entreprise et essaie de rcuprer les lments qui ont
contribu faire partir de ce village la demande de constitution d'une Rserve Extractive.
Mots-Cls: Grands projets dans le Maranho, territoire, territorialidade,territorializao, Reserve Extractive, ambientalizao des conflits sociaux
-
7/21/2019 Disser Sislene
8/124
7
LISTA DE ILUSTRAES
p.
Foto 1 Limites povoado Taim (fonte: IBAMA, 2006).......................................... 17
Foto 2 Jogo de futebol em campo Taim................................................................ 19
Foto 3 Crianas em mutiro capinando em frente da antiga capela de SoBenedito...................................................................................................... 25
Foto 4 Quintal........................................................................................................ 47
Foto 5 Troca de dirias- plantio da maniva roa de inverno.............................. 50
Foto 6 Momento de sociabilidade final plantio da roa..................................... 51
Foto 7 Extrao de pedras em quintal.................................................................... 54
Foto 8 Pesca artesanal no rio dos Cachorros......................................................... 55
Foto 9 Poo utilizado para banho e lavagem de Roupa........................................ 58
Foto 10 Runas do igarap Tanque.......................................................................... 59
Foto 11 Caminho de rio que teria se formado aps tentativa de secar o poo do
igarap Tanque........................................................................................... 61Foto 12 Porto do povoado........................................................................................ 62
Foto 13 Brincadeiras durante percurso com o mastro pelo povoado....................... 66
Foto 14 Entrada de mastro em residncia................................................................ 67
Foto 15 Imagem de So Benedito que pertenceu dona Josefa.............................. 68
Foto 16 Parada do mastro na capela de So Raimundo Nonato dos Mulundus...... 68
Foto 17 Tambor de crioula dentro da capela de So Benedito................................ 70
Foto 18 Rezador entoando ladainhas para o Santo.................................................. 71
Foto 19 Ao fundo instalaes da Alumar vistas do povoado Taim......................... 88
Foto 20 Momento de sociabilidade- jogo de domin ao entardecer........................ 88
Foto 21 Cratera causada por mineradora de areia na entrada do povoado.............. 101
Foto 22 Usina de asfalto poluio atinge povoadosTaim e Limoeiro................. 101
-
7/21/2019 Disser Sislene
9/124
8
LISTA DE QUADROS
p.
Quadro 1 Descententes de Lunardo e Virgnia.................................................... 41
Quadro 2 Descendentes de Lunardo e Josefa....................................................... 42
Quadro 3 Descendentes de Lisano....................................................................... 42
Quadro 4 Descendentes de Lisano e Josefa......................................................... 43
Quadro 5 Continuao do quadro 4...................................................................... 44
-
7/21/2019 Disser Sislene
10/124
9
LISTA DE SIGLAS
CAPPAM Centro de Apoio e Pesquisa ao Pescador Artesanal do Maranho
COIABE Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira
COPAMA Cooperativa de Pescadores Artesanais do Maranho
DISAL Distrito Industrial de So Lus
GEDMMA Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
GTA Grupo de Trabalho AmaznicoIBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
INRC Inventrio Nacional de Referncias Culturais
ITERMA Instituto de Terras do Maranho
PDA Plano de Desenvolvimento do Assentamento
PETI Programa de Erradicao do Trabalho Infantil
PFC Projeto Ferro Carajs
PGC Programa Grande CarajsRESEX Reserva Extrativista
UC Unidade de Conservao
-
7/21/2019 Disser Sislene
11/124
10
SUMRIO
p.
1 INTRODUO................................................................................................. 11
1.1 Contextualizao............................................................................................... 11
1.2 Construo do Objeto....................................................................................... 14
1.2.1 O Contato com o Povoado.................................................................................. 14
1.2.2 Localizao e Organizao Social....................................................................... 17
1.2.3 Sobre o Uso da Categoria Territrio................................................................... 21
1.3 Procedimentos de Pesquisa............................................................................... 241.4 Organizao do trabalho.................................................................................. 29
2 A MATERIALIDADE E IMATERIALIDADE DE UM TERRIT RIO.... 31
2.1 A Fundao do Povoado Segundo os Interlocutores...................................... 31
2.1.1 Descrio da Genealogia..................................................................................... 39
2.2 Formas de Apropriao dos Espaos e Recursos Naturais........................... 45
2.2.1 Os Quintais......................................................................................................... 46
2.2.2 A Mata e as Roas.............................................................................................. 482.2.3 Os Rios, os Igaraps, a Pesca.............................................................................. 55
2.3 Runas, Memrias, Histrias........................................................................... 59
2.4 Festejo de So Benedito: manuteno de uma tradio................................... 62
2.4.1 A Retirada do Mastro.......................................................................................... 66
2.4.2 A Festa................................................................................................................. 69
3 FILHOS DO TAIM: disputa por terra, mecanismos de acesso ao
territrio, formao da Unio de Moradores................................................. 723.1 Disputa pela Terra e Reconfigurao Territorial.......................................... 72
3.2 A Unio de Moradores do Taim....................................................................... 78
4 AMEAAS EXTERNAS: COES O INTERNA........................................... 82
4.1 O plo siderrgico............................................................................................ 82
4.2 Resex do Taim: ambientalizao do conflito social...................................... 90
5 CONSIDERA ES FINAIS........................................................................... 104
REFERNCIAS.................................................................................................. 106
ANEXOS............................................................................................................. 114
-
7/21/2019 Disser Sislene
12/124
11
1 INTRODUO
1.1 Contextualizao
O presente trabalho1tem como pano de fundo a relao entre povoados locais e
grandes projetos de desenvolvimento implantados na Amaznia brasileira desde o final da
dcada de 1970 com o objetivo de integr-la ao mercado nacional e internacional (HBETTE,
2004). Projetos elaborados a partir de uma viso externa regio; desconectados da realidade
social local e dos interesses regionais; idealizados em funo dos recursos existentes; alheios
s necessidades da populao residente e voltados basicamente para atender aos recursos do
capital, que nem basicamente, o capital brasileiro; com alguns reflexos secundriosfavorveis populao, mas sem grandes impactos positivos sobre esta, pois no foram
concebidos para tal fim (HBETTE, 2004).
Nesse contexto, volto-me para alguns impactos desses projetos sobre a parte
maranhense da Amaznia, atravs do enfoque s formas de resistncias construdas por
certos povoados locais para se manterem em seus territrios e manterem modos de vida
especficos. A rea delimitada para estudo localiza-se ao Sudoeste da Ilha do Maranho e
desde a sua insero no Programa Grande Carajs (PGC)2
passou por diversas modificaesdevido a construo de infra-estrutura voltada para a industrializao. Em 1974, o Governo do
Estado do Maranho entregou uma rea localizada nessa regio de mais 3.000 ha, incluindo
uma praia bastante utilizada pelos pescadores locais a praia do Boqueiro, para a Vale. Em
1979, entregou 10.000 ha, entre Maracan e Estiva para a construo de instalaes da
Alumar. Nessas aes, foram deslocadas em torno de 4.000 famlias (GISTELINCK, 1988).
Conforme aponta Gistelinck (1988:103),
na Ilha de So Lus, com uma superfcie 504Km2, 190Km2 so reservados paraindustrializao. Desses 190Km2, 100Km2 so da ALUMAR, 22Km2 da CVRD,35Km2reservados para a implantao da siderurgia e o resto para outras indstrias.
1Vinculado ao projeto Modernidade, Desenvolvimento e Conseqncias Scio-Ambientais: a implantao doplo siderrgico na Ilha de So Lus-MA, executado pelo Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade eMeio Ambiente (GEDMMA), vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e aoPrograma de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal do Maranho (PPGCS/UFMA).2Programa implantado autoritariamente pelos governos ditatoriais que governaram o Brasil a partir da dcada de1964, que objetivava a industrializao e consequente modernizao do pas, atravs da integrao da Amaznia dinmica econmica brasileira (BUNKER, 1988; CARDOSO e MULLER, 1977; SANTANA JNIOR,2004).
-
7/21/2019 Disser Sislene
13/124
12
A instalao do consrcio de alumnio Alcoa/Billiton3 (no Maranho recebeu a
denominao de Alumar) e da Companhia Vale do Rio Doce - CVRD4(atualmente chamada
de Vale) resultou em aes de reordenamento territorial, com deslocamento compulsrio5de
diversos povoados, atrao de um contingente populacional vindo do interior do Maranho
para trabalhar na construo dessa infra-estrutura e das indstrias que ali se localizaram,
desmatamento de grande rea de mata e manguezais e cercamento de outras, assoreamento de
fontes hdricas, presso na utilizao de recursos naturais de certos territrios etc. Os
povoados que no foram deslocados passaram desde ento a ter que conviver com os
impactos sociais e ambientais decorrentes dessas aes e com a ameaa constante de novos
deslocamentos.
O PGC6foi implantado na poro Oriental da Amaznia brasileira em uma reaequivalente a 10% do territrio nacional (840.000 km) e foi previsto para ter quatro
segmentos: mnero-metalrgico, reflorestamento, agricultura e pecuria (BENATTI, 1997).
Constitui-se em espinha dorsal desse Programa, o Projeto Ferro Carajs (PFC) que
compreende um sistema integrado ligando a minerao em Carajs, o transporte pela ferrovia
de Carajs a So Lus numa distncia de 890 km e as instalaes porturias, administrativas,
operacionais e de manuteno em So Lus (GISTELINCK, 1988).
Apresentam-se como empreendimentos relacionados ao Programa Grande Carajsas indstrias a Vale e Alumar que se instalaram no Sudoeste da Ilha do Maranho na dcada
de 1980 e colaboraram para o processo de modificao dessa rea e para os danos sociais e
ambientais mencionados acima.
A instalao dessas indstrias; a infra-estrutura citada, com destaque para a
situao porturia apresentada como altamente vantajosa, devido a sua posio privilegiada na
costa Norte brasileira, prxima aos grandes centros de comrcio mundial (Estados Unidos e
Europa) e devido ao Complexo Porturio de So Lus (formado pelos portos da Ponta daMadeira pertencente Vale; porto da Alumar e pelo porto do Itaqui, administrado pela
Empresa Maranhense de Administrao Porturia, do governo do Maranho) fazem da rea
um local economicamente vivel para empreendimentos de grande porte. O terminal porturio
3Encarregada de transformar o minrio extrado na serra de Carajs, no Par, em alumina ou alumnio.4Responsvel pela estocagem e transporte do minrio de ferro.5 Conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domsticos, segmentos sociais e/ou etnias soobrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares histricos de ocupao imemorial ou datada, medianteconstrangimentos, inclusive fsicos, sem qualquer opo de se contrapor e reverter os efeitos de tal deciso,
ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos (ALMEIDA, 1996, p. 30).6O ponto de partida para a elaborao desse Programa foi a descoberta de minrios de ferro na Serra de Carajs,no Par, na qual o governo brasileiro viu a possibilidade de gerar divisas para o pas, de assumir a posio dedesenvolvimentista, o que seria bom para a sua imagem no exterior (BENATTI, 1997).
-
7/21/2019 Disser Sislene
14/124
13
da Ponta da Madeira, situado a 1,5 km ao Norte do Porto do Itaqui, possui um cais com
capacidade para receber normalmente navios de at 280.000 dwt e, sob consulta prvia, acima
de 350.000 dwt. A estrutura voltada para a ferrovia contm cais, ptios de estocagem,
estaes de descarregamento com virador de vages, pesagem e mostragem, estaes de
rebritagem e repeneiramento. Tambm se encontram na rea instalaes de manuteno do
porto, da ferrovia, dos trens e vages, o setor administrativo e operacional da ferrovia
(GISTELINCK, 1988).
As caractersticas mencionadas acima so apresentadas aos investidores
financeiros pelo Governo do Estado do Maranho como vantajosas para a instalao de
empreendimentos industriais. Partindo dessa premissa e como desdobramento do Programa
Grande Carajs, no comeo de 2001, o governo estadual assinou um protocolo de intenescom a Vale para construir um plo siderrgico que se localizaria no Sudoeste da Ilha do
Maranho, em uma rea de 2.471,71 hectares, entre o Porto do Itaqui e o Povoado Rio dos
Cachorros, na regio administrativa municipal do Itaqui/Bacanga. Para viabilizar a instalao
do empreendimento, em 2004, o Governo do Estado do Maranho declarou essa rea como de
utilidade pblica para fins de desapropriao atravs dos Decretos n 20.727-DO, de 30-08-
2004, e n 20.781-DO, de 29-09-2004. Para possibilitar a implantao do Plo, doze povoado
teriam que ser deslocados, a saber: Vila Maranho, Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, PortoGrande, Limoeiro, So Benedito, Vila Conceio, Anandiba, Parnuau, Camboa dos Frades e
Vila Madureira, que juntos possuem uma populao estimada em mais 14.400 pessoas
(ALVES; MENDONA; SANTANA JNIOR, 2007).
O plo siderrgico compreenderia a instalao de 3 usinas siderrgicas e 2
unidades para a fabricao de ferro-gusa, para processar e produzir em torno de 22,5 milhes
de toneladas de ao por ano, as quais seriam exportadas para os mercados norte-americano e
europeu (AUGUSTO; SILVESTRE, 2006).Para viabilizar a instalao do empreendimento na Ilha, as esferas governamentais
(municipal, estadual e federal) se articularam para promover reformas legais e apressar
procedimentos administrativos. Dentre as reformas necessrias para a implantao do Plo,
havia a necessidade de adequao da zona residencial/rural da rea Itaqui-Bacanga em
industrial (AUGUSTO; SILVESTRE, 2006).
As diversas aes desencadeadas pela possibilidade de implantao do
empreendimento geraram manifestaes contrrias e outras a favor na opinio pblica
maranhense, assim como entre os povoados que seriam deslocados. Esse cenrio apontou para
a existncia dos diversos povoados que se encontram na rea demandada para a instalao do
-
7/21/2019 Disser Sislene
15/124
14
plo siderrgico e mostrou o quanto conflituosa a relao entre aqueles e os
empreendimentos industriais ali localizados desde a dcada de 1980.
Na tentativa de viabilizar a instalao do plo siderrgico, o Governo do Estado
do Maranho tentou, a priori, fazer crer que no existia um nmero considervel de pessoas
naquela rea, recorrendo, assim, ao discurso do vazio demogrfico (GONALVES, 2005) e,
por ltimo, recorreu desqualificao atravs de um discurso que homogeneza os povoados
ao classific-los como ocupaes irregulares dos ltimos quarenta anos. Dessa forma,
ignora as especificidades de cada povoado, tratando-os como despossudos de histria, de
memria, de organizaes sociais vrias, de religio, de formas prprias de se relacionar com
o territrio, etc.
Contrapondo-se aos planos econmicos delineados para a rea pelas instnciasgovernamentais e investidores, diversos povoados, capitaneados pela Unio de Moradores do
Povoado Taim, solicitaram ao CNPT/IBAMA7, em 2003, a criao de uma Unidade de
Conservao (UC), na modalidade Reserva Extrativista (Resex)8. A demanda pela Reserva
Extrativista constitui-se em tentativa de proteo territorial (em meio ao processo de expanso
industrial pretendido para a rea) e de garantia de modos de vida especficos.
1.2 Construo do Objeto
1.2.1 Contato com o Povoado
Meu interesse pelo Taim iniciou-se em julho de 2006, ocasio em que tive a
oportunidade de me deslocar at esse povoado para conversar com alguns moradores9sobre o
7O Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentvel das Populaes Tradicionais (CNPT) constitui-se em umrgo integrado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA), criadoatravs da portaria n 22 de 10/02/1992 e tem a finalidade de promover a elaborao, implantao eimplementao de planos, programas, projetos e aes demandadas por grupos sociais classificados comopopulaes tradicionais, atravs de suas entidades representativas, e/ou indiretamente, atravs dos rgosgovernamentais constitudos para este fim, ou ainda, por meio de organizaes no-governamentais. Na pginaeletrnica do IBAMA, figura um histrico do CNPT que apresenta dentre suas atribuies: criar, implantar,consolidar, gerenciar e desenvolver as Reservas Extrativistas em conjunto com as populaes tradicionais que asocupam. Com a criao do Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade, atravs da lei n 11.516,de 28 de agosto de 2007, o CNPT est, atualmente, integrado a este novo rgo federal. www.icmbio.gov.bre
www.ibama.gov.br(Consultados em 12 de outubro de 2008).8 Conforme Chamy (2000), modalidade de Unidade de Conservao que visa unir apreservao ambiental ao modo de vida tradicional das comunidades extrativistas.9 Sr. Jos Reinaldo Moraes e Jaldemir Ramos Mesquita responsveis pelo tambor de crioula.
-
7/21/2019 Disser Sislene
16/124
15
tambor de crioula10 que organizavam. Naquela poca, eu integrava uma equipe de
pesquisadores que estava levantando dados para compor o Inventrio Nacional de Referncias
Culturais (INRC) do tambor de crioula na Ilha do Maranho. Esta pesquisa fazia parte do
Programa Nacional do Patrimnio Imaterial, fomentado pelo Ministrio da Cultura e
implementado no Maranho pela 3 Superintendncia Regional do Instituto do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional11.
A metodologia para obteno de dados sobre o tambor de crioula, naquela etapa
do INRC, consistia em entrevistas dirigidas, realizadas, na sua maioria, com os responsveis12
pelos grupos de tambor de crioula selecionados, muitas das quais suscitaram narrativas em
que os interlocutores no separavam as histrias da origem dessa manifestao de suas
histrias pessoais ou da histria de um grupo ou, at mesmo, da histria de uma localidade.No Taim, as narrativas sobre o tambor de crioula apresentaram-se intercaladas s histrias do
prprio povoado.
Assim, fiquei conhecendo um pouco sobre o povoado, ou melhor, sobre as
representaes em torno do mesmo, atravs dos discursos de alguns dos seus moradores. Mais
tarde, ao retornar ao campo, na tentativa de entender um pouco melhor as narrativas dos
entrevistados, tentando situar quem falava e de que posio, fiquei sabendo que os mesmos
eram reconhecidos perante o grupo como descendentes da famlia que teria iniciado oprocesso de repovoamento do Taim.
O que, inicialmente, chamou a minha ateno para o povoado, quando da releitura
das narrativas dos entrevistados, foi o quanto elas enfatizavam uma coeso grupal. As falas
destacavam atos que remetiam a uma existncia coletiva, construda atravs da organizao
do grupo que se mobilizava para resolver problemas referentes ao povoado. Fato que, na viso
dos informantes, distinguia o povoado do Taim dos demais povoados da zona rural. Tambm
havia muitas referncias a uma identidade tnica baseada em uma memria, repassada pelosmais velhos, que evocava uma ascendncia africana e indgena. Outro elemento que incitou a
minha curiosidade para com o Taim foi a preocupao, demonstrada atravs das falas, com a
preservao da memria, que queriam registrar atravs da escrita, e uma aparente politizao
10Forma de expresso de origem afro-brasileira que envolve dana circular, canto e percusso de tambores. Feitapor motivo de pagamento de promessa, principalmente para So Benedito ou por diverso, em qualquer poca doano.11 Estvamos na segunda etapa do INRC que consistia na identificao dos grupos de tambores da Ilha eaprofundamento sobre os mesmos.12 Cada grupo de tambor tem uma pessoa que a responsvel pela organizao dessa forma de expresso,geralmente a pessoa que fundou o grupo ou recebeu o tambor de crioula como herana.
-
7/21/2019 Disser Sislene
17/124
16
de seus moradores que mostravam averso ao apadrinhamento poltico, motivo pelo qual
acreditavam no ter sido o tambor de crioula ainda registrado13nos rgos oficiais.
A percepo das questes citadas me levou s seguintes indagaes: O que estaria
por trs de um discurso que apresentava um grupo em perfeita comunho? Por que a
preocupao em preservar a memria do grupo a ponto de seus membros desejarem registrar e
ensinar na escola a histria, transmitida pelos mais velhos, da fundao do Taim? Por que a
nfase em uma identidade tnica que remete a grupos sociais (indgenas e africanos) marcados
por uma histria de invisibilidade social? Enfim, que tipo de relaes de foras estabelecidas
no presente estariam motivando a defesa de uma coeso grupal e o relevo de atributos que
para o grupo eram-lhe peculiares?
Estas questes s poderiam ser respondidas a partir de um contato maior com ogrupo, que possibilitasse o estudo dos enunciadores do discurso e das instncias nas quais ele
foi produzido (LENOIR, 1998). Logo, eu no poderia entender tal situao unicamente a
partir do discurso daqueles que o suscitaram, sem levar em conta o contexto social em que o
mesmo foi produzido. Ou seja, eu no poderia ver os discursos como a explicao do
comportamento dos atores, mas como um aspecto desse comportamento a ser explicado
(BOURDIEU, 2004), fato que me parecia pertinente de ser investigado. A histria de
ocupao do Taim, recuperada por meio de fragmentos de memria dos mais antigos, repassada aos jovens. A importncia dada aos festejos14demonstra o esforo para transmitir
as tradies aos mais jovens. O mecanismo de regulao do acesso a terra tenta impedir o
inchamento do territrio e a entrada de pessoas de fora15. H um discurso que remete a uma
preocupao e um cuidado com os recursos naturais, cujo manejo regulado por regras
consensuais. Todas essas caractersticas remetem a um grupo que, diante de ameaas externas,
procura reforar os laos de coeso interna atravs da construo de uma identificao com o
lugar e mediante o relevo de atributos que remetem a uma uniformidade grupal.O acesso aos dados mencionados ajudou no processo de construo do objeto, na
medida em que possibilitou conhecer um pouco mais a realidade da qual eu extrara um
fragmento para estudo e, assim, desenhar as grandes linhas de fora do espao
(BOURDIEU, 1989, p. 32) que, de alguma maneira, exercem presso sobre o objeto.
13O registro do tambor de crioula significa o reconhecimento oficial da manifestao pelos rgos de cultura doEstado, o que possibilita ao grupo a obteno de recursos financeiros, no caso de serem contratados para se
apresentarem em ocasies como carnaval e festa junina.14 No Taim o maior festejo realizado o festejo de So Benedito, santo preto, considerado o padroeiro dopovoado.15No nascidos no povoado.
-
7/21/2019 Disser Sislene
18/124
17
Dessa forma, a realidade que se configurava diante de mim era de um grupo que
vivia um momento de tenso motivado pela possibilidade de ser deslocado de suas terras e,
assim, ter seu processo de reproduo social afetado. As observaes provenientes das idas a
campo e as conversas com os moradores, mostraram um povoado marcado por uma dinmica
construda em associao com o meio ambiente. Nessa relao, a maioria dos moradores do
Taim faz uso de algum recurso natural no seu dia-a-dia, seja na alimentao atravs do
extrativismo ou da agricultura; seja atravs da retirada de pedra, madeira, areia, barro ou palha
para a construo das casas e/ou venda.
Apesar de retirarem recursos da natureza para os usos mencionados, tal manejo
no parece ter gerado grandes alteraes no ecossistema (IBAMA, 2006; 2007), sendo esse
um dos argumentos utilizados para justificar o pedido de criao da Reserva Extrativista,tendo partido do povoado Taim a iniciativa do mesmo.
1.2.2 Localizao e Organizao Social
Destacadas algumas informaes que so levadas em considerao na construo
do objeto de estudo, necessrio se faz descrever a conformao do povoado Taim.
Geograficamente falando, o Taim est localizado na poro Sudoeste da Ilha do Maranho,voltado para a Baa de So Marcos, pertence regio do Golfo Maranhense. Seus limites so
os seguintes: ao Norte com os manguezais; ao Sul com o povoado Rio dos Cachorros; a Leste
com o povoado Limoeiro e a Oeste com os manguezais. Tem uma rea de 86,73 hectares
(PDA Taim, 2002).
CajueiroCajueiro
VilaLimoeiro
VilaLimoeiro
VilaMaranho
VilaMaranho
CajueiroCajueiro
Rio dosCachorros
Rio dosCachorros
Porto
Grande
Porto
Grande
TaimTaim
VilaConceio
VilaConceio
SoBenedito
SoBenedito
Camboados
Frades
Camboa dos
Frades
VilaMadureira
VilaMadureira
IlhinhaIlhinhaIilhado
Chic
Iilhado
Chic
Foto 1: limites povoado Taim
(fonte: IBAMA, 2006)
-
7/21/2019 Disser Sislene
19/124
18
Atualmente tem em torno de cem famlias residentes. Espacialmente, o povoado
est organizado em quatro ruas: rua Principal, rua Vai-Quem-Quer, rua Nova e travessa da rua
Nova. Os moradores mais antigos, em sua maioria, residem na rua Principal, na parte baixa do
povoado, prximo ao porto. A organizao dos imveis residenciais obedece a uma
localizao que privilegia a proximidade de residncias de pessoas da mesma famlia: irmos
(s), pais e filhos(as), de forma que h a formao de ncleos de casas pertencente a um
conjunto de irmos(s) e/ou outros parentes.
Croqui Povoado Taim (fonte: PDA Taim, 2002 com algumas alteraes feitas por mim).
O povoado possui um campo de futebol, onde realizam partidas aos finais de
semana e/ou feriados, reunindo tanto times de futebol do povoado como times de povoados
vizinhos. Organizam torneios de futebol voltados para a interao comunitria com disputas
entre: time de homens ou mulheres casados (as) versus solteiros (as), times de moradores (as)
da parte baixa versus parte alta do povoado. Tambm realizam torneios de futebolbeneficente. Nesse caso, recorrem muitas vezes solidariedade de times de povoados
vizinhos, cujo convite para participar de torneio entre povoados pode vir acompanhado do
pedido de alimentos para a doao a algum morador com dificuldades financeiras ou com
problema de sade (impossibilitado, portanto, de trabalhar). Esses torneios de futebol so
marcados por dinmicas de entre-ajuda que reforam as relaes de solidariedade e
sociabilidade entre moradores e entre certos povoados, as quais apontam para povoados
-
7/21/2019 Disser Sislene
20/124
19
organizados em rede16, que sabem que podem mobilizar um ao outro consoante as
necessidades de cada um.
Foto 2: Jogo de futebol em campo Taim
Compem o conjunto de imveis do povoado uma casa de farinha, utilizada pelos
moradores para beneficiar a mandioca; uma capela (capela de So Benedito) 17, onde ocorrem
as celebraes catlicas e rituais do festejo de So Benedito e Santa Maria; uma escola de
ensino fundamental menor (1 4 srie), chamada Unidade Integrada So Benedito18, que
um anexo da escola Gomes de Souza, que fica na Vila Maranho (povoado prximo); umprdio de alvenaria que chamam de barraco do PETI onde desenvolvem diversas atividades e
reunies da Unio de Moradores. Dois comrcios pequenos que abastecem o povoado, uma
capela particular erigida em homenagem a So Raimundo Nonato dos Mulundus e um terreiro
de Mina tambm se encontram no povoado.
As residncias no possuem rede de esgotos, nem so atendidas pelo sistema de
coleta de lixo. A maioria das famlias joga o lixo em buracos cavados no quintal que,
posteriormente, queimado. A gua para consumo provm de alguns poos(do tipo cacimba)
e de dois poos artesianos (um que abastece a escola e algumas famlias e outro que se
localiza prximo s residncias da parte alta do povoado, chamado de Chafariz) (PDA, Taim,
2002).
16Segundo Caill (2002, p.65) conjunto de pessoas com quem o ato de manter relaes de pessoa a pessoa, deamizade ou de camaradagem, permite conservar e esperar confiana e fidelidade.17Durante a pesquisa de campo, a capela de So Benedito, que era de taipa, foi derrubada pelos moradores queplanejam construir em seu lugar uma outra, de alvenaria. Enquanto esta no fica pronta, realizam as celebraescatlicas em um imvel que chamam de barraco do PETI (Programa de Erradicao do Trabalho Infantil), uma
vez que l tambm so realizadas as atividades desse programa.18Sobre esse imvel, os moradores mencionam em tom queixoso que pertence Unio de Moradores e que oemprestaram para a prefeitura para funcionar a escola somente durante o tempo em que um prdio prprio daescola era construdo, todavia, essa situao se prolonga desde 1999.
-
7/21/2019 Disser Sislene
21/124
20
Como organizaes formalizadas o povoado possui a Unio de Moradores do
Taim e uma Cooperativa de Beneficiamento de Pescado.
Quanto localizao do povoado, oficialmente, o Taim encontra-se no que o
Governo do Estado do Maranho designa de gleba (Itaqui-Bacanga e Tibiri-Pedrinhas) e que
corresponde a uma rea de 8.457,3534 ha. reas que teriam sido cedidas pelo Governo
Federal ao Governo do Estado do Maranho, sob o regime de aforamento, pelos decretos n.
66.227, de 18/02/1970 e 78.129, de 29/07/1976 (ANEXO A) para, conforme decretos,
realizao de obras de infra-estrutura e execuo de projeto de urbanizao da regio.
Concesso que fazia parte das aes empreendidas no mbito do Programa Grande Carajs
(PGC) (ALVES; MENDONA; SANTANA JNIOR, 2007). Segundo documento da
Gerncia de Estado de Desenvolvimento Econmico Subgerncia de Indstria e Comrcio(ANEXO B), o governo do Estado do Maranho recebeu as supracitadas glebas com o
objetivo de criar na rea o Distrito Industrial de So Lus (DISAL).
No ano de 1999, entretanto, essas reas teriam voltado para domnio do Governo
Federal que alegava evaso de receita dos cofres da Unio decorrente da no regularizao da
maioria da rea (ANEXO C) pelo Governo do Estado do Maranho. O que fez com que o
Governo Estadual, no ano de 2001, abrisse novo processo requerendo o domnio das terras, as
quais nesse documento chama de Gleba Sul da Ilha de So Lus (somatria da reas Itaqui-Bacanga e Tibiri-Pedrinhas) (ANEXO D). Nos documentos encaminhados Secretaria de
Patrimnio da Unio, pelo Governo Estadual, so recorrentes a meno funcionalizao
da rea para a industrializao (com destaque para um plo siderrgico) (vide ANEXO B).
Enquanto rea destinada para a indstria, destacam-se no documento as obras de infra-
estrutura realizadas para atender a empreendimentos industriais: os portos, a malha ferroviria
e rodoviria e as reas de retroporto. Quanto aos povoados, h meno apenas aos mdulos 19
em que esto localizados, o tamanho de cada um e a populao. Alguns povoados que seriamdeslocados com a implantao do plo siderrgico encontram-se no mdulo F, na relao de
ocupantes do Disal (Distrito Industrial de So Lus), entre eles o Povoado Taim (ANEXO E).
Corroborou a idia de povoado ocupante, a regularizao do Taim como
assentamento, em 1996, atravs do Instituto de Terras do Maranho ITERMA. Este
processo, em certa medida, garantiu as terras a quem nela morava e protegeu de grileiros20,
mas de acordo com os moradores, contraria a verso de ocupao guardada na memria dos
19O que o Governo Estadual passa a chamar de Gleba Sul da Ilha de So Lus corresponde rea a qual definiude Distrito Industrial, que se subdivide em Mdulos.20 Segundo Dicionrio Aurlio (2000), indivduo que procura apossar-se de terras alheias mediante falsasescrituras de propriedade.
-
7/21/2019 Disser Sislene
22/124
21
mais antigos. Pois, devido a esse processo o governo do Estado do Maranho classifica essas
terras como ocupaes irregulares dos ltimos quarenta anos. Enquanto seus moradores
afirmam que o povoado habitado a mais de cem anos, possuindo ainda hoje descendentes de
seus fundadores.
Essa divergncia na classificao dos povoados coloca em evidncia uma disputa
entre o Estado que, a partir do momento que confere a diversos povoados o ttulo de
assentados outorga a si o direito de dizer quem so aqueles que ocupam a rea e desde quando
a ocupam, de acordo com seus interesses, e os moradores desta que contestam a classificao
oficial e demandam o direito autodenominao.
Diferentemente da verso oficial, no Taim, de acordo com a memria dos antigos,
o processo de ocupao do povoado remontaria ao sculo XIX e estaria vinculado habitaona rea de negros africanos, indgenas e at ordens religiosas. Posteriormente ocupao dos
grupos citados, o povoado teria sido repovoado por famlias vindas do interior do Maranho,
com destaque para a famlia Moraes.
Quanto organizao social do Taim, o que se sobressai um sistema de
parentesco que define quem tem direito terra. Este sistema funciona como um mecanismo
regulador do acesso terra a estranho e incentiva a manuteno desse recurso nas mos dos
chamados Filhos do Taim, pessoas nascidas no povoado, e foi criado num contexto deconflito territorial.21
1.2.3 Sobre o Uso da Categoria Territrio
Nesta seo discorro sobre o uso da categoria territrio que subjaz as discusses
realizadas no desenvolver do trabalho. O emprego dessa categoria deve-se percepo de
estar diante de situao de conflito em algum momento latente, mas em outro, como no casoda tentativa de instalao do plo siderrgico, bem visvel, produzida por confrontos de
interesses, que resultam em formas desiguais de apropriao material e simblica do
ambiente, entre o Estado, a iniciativa privada e os povoados que reclamam a criao de uma
Reserva Extrativista (RESEX). A controvrsia gira em torno da apropriao, uso e controle de
rea(acima explicitada) considerada pelo Governo do Estado do Maranho estratgica para o
desenvolvimento econmico estadual, enquanto que para os povoados que a requerem
importante para a sua reproduo social. O interesse pela rea no se restringe apenas ao
21Este conflito ser explicado mais adiante porque ele teve grande importncia para o grupo, na medida em quemotivou a organizao associativa do mesmo.
-
7/21/2019 Disser Sislene
23/124
22
recurso bsico que a terra, mas envolve o controle de recursos naturais como o rio, que
possibilita aos grupos o acesso mais imediato alimentao ou gerao de renda, enquanto
para o Estado consiste em um recurso estratgico, por viabilizar o transporte de mercadorias
de empreendimentos que j se encontram na localidade ou de possveis empreendimentos que
almejem se instalar.
Para Little (2002) a existncia de todo territrio est relacionada s condutas de
territorialidade de um grupo social, ou seja, esse autor destaca como fundamental pensar a
constituio de territrios a partir das aes histricas e polticas dos atores que os ocupam, j
que so as aes desses atores que definem as especificidades de cada territrio. Por
territorialidade, Little (2002, p.3) compreende o esforo coletivo de um grupo social para
ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela especfica de seu ambiente biofsico,convertendo-a assim em seu territrio ou homeland22. As condutas territoriais seriam
construes acionadas em funo de conflitos que ameaam a permanncia do grupo em
determinado territrio (ALMEIDA, 2006; LITTLE, 2002). Esse choque de territorialidades
entre grupos sociais diferentes e com projetos territoriais igualmente diferenciados tambm
remete ao que Oliveira (1998, p. 56) chama de processos de territorializao:
movimento pelo qual um objeto poltico-administrativo vem a se transformar emuma coletividade organizada, formulando uma identidade prpria, instituindo
mecanismos de tomada de deciso e de representao, e reestruturando as suasformas culturais (inclusive as que o relacionam com o meio ambiente e com ouniverso religioso).
a partir dessa concepo que compreendo o povoado Taim como um territrio,
cuja formao est relacionada a contextos de conflitos baseados na percepo de que o grupo
pode perder suas terras, numa dinmica em que, internamente, a defesa do territrio torna-se
um elemento unificador do grupo e, externamente, as presses exercidas, no caso especfico
do povoado Taim, pelas instncias governamentais (estadual, municipal e federal) e iniciativa
privada (empresas instaladas nas adjacncias do povoado) e/ou por indivduo que fixa
residncia no povoado moldam e s vezes impem outras formas territoriais (LITTLE, 2002).
Esse territrio se localiza em uma rea composta por um mosaico de outros territrios que
esto interligados em funo de vrios aspectos, alguns dos quais so explicitados no
desenvolver do trabalho.
Ainda conforme Little (2002), a anlise do territrio de qualquer grupo, deve ser
subentendida por uma abordagem histrica que retrate o contexto especfico em que o
22Segundo esse mesmo autor, homeland palavra inglesa que tende a ser traduzida em portugus como ptria.Significado que a desvia de seus outros sentidos possveis referentes s territorialidades de distintos grupossociais dentro de um Estado-nao.
-
7/21/2019 Disser Sislene
24/124
23
territrio surgiu e em que foi defendido e/ou reafirmado e uma abordagem que consiga dar
conta da relao particular que o grupo mantm com o mesmo. Para que se consiga analisar o
grupo levando em considerao esse ltimo aspecto, preciso que se analise o regime de
propriedade, os vnculos afetivos que o grupo mantm com o territrio especfico, a histria
de ocupao guardada na memria coletiva e o uso social que d ao mesmo.
Por elaborar uma anlise centrada na relao condutas humanas versus territrios,
Little (2002) denomina de territrios sociais os diversos territrios existentes no interior do
territrio maior do Estado brasileiro. Dessa forma, o autor enfatiza que sua anlise no enfoca
a questo territorial vinculada idia de Estado-Nao, que est relacionada a nacionalismo e
soberania. Todavia, no deixa de problematizar sobre como a imposio de uma entidade
denominada de Estado-Nao sobre uma imensa parcela do que hoje o Brasil obrigou asdemais territorialidades a confront-la.
Em um dilogo com Little, Chvez (2002) enfatiza que, no contexto do Estado-
Nao sucederam-se processos de integrao que impuseram novas territorialidades, novas
demarcaes territoriais e novos regimes de propriedade e acesso aos recursos naturais e
novas relaes de produo, que levaram decadncia e at extino de sistemas culturais
nativos, locais. Mas tambm conduziram a processos de resistncia, transformao,
refuncionalizao de identidades e atribuio de novos sentidos ao territrio, sem quehouvesse a perda de elos bsicos com o mesmo.
Discusses envolvendo a questo territorial no so recentes, o territrio sempre
foi matria investigativa de interesse poltico, econmico e cultural desde as polticas de
planificao territorial e econmica ligadas geografia fsica e econmica desenvolvidas na
primeira metade do sculo XIX por Le Play e outros, at as investigaes antropolgicas
colonialistas dirigidas por interesses das grandes potncias mundiais durante o sculo XIX e
incio do XX. Antroplogos como Durkheim, Malinowiski, Radcliffe-Brown, Edmund Leach,Evans-Pritchard j tentavam desenvolver uma anlise que considerasse o meio ambiente para
a compreenso de uma dada sociedade (THER ROS, 2006).
Uma das dificuldades atuais dos estudos que enfocam o territrio deve-se s
trocas que a sociedade experimenta no contexto da globalizao, propiciadas, principalmente,
por causa dos avanos na cincia e tecnologia, o que interfere no prprio fazer antropolgico
que tenta dar conta do territrio. Destarte, um dos maiores desafios atuais da Antropologia em
particular e das Cincias Sociais em geral , portanto, repensar as relaes entre o local e o
global, sem deixar de considerar o marcosocial e histrico que lhe do significado e sentido.
Situao que deixa claro a necessidade de conhecimento, mas tambm de um maior nvel
-
7/21/2019 Disser Sislene
25/124
24
interpretativo relacional, compreensivo, que permita reconhecer os territrios locais em um
contexto de inter-relaes (THER ROS, 2006).
A necessidade de um conhecimento relacional sobre o territrio leva questo da
realizao de um estudo interdisciplinar, em que sempre que necessrio se recorra s
contribuies de disciplinas vrias.
Por isso, sem querer cair na iluso de realizar um trabalho que consiga abarcar por
inteiro as questes referentes ao objeto de estudo, em determinado momento busco o auxlio
de estudiosos da geografia ou da ecologia para tentar entender a relao entre sociedade e
ambiente.
1.3
Procedimentos de Pesquisa
A coleta das informaes que fundamentam este trabalho foi realizada em vrios
momentos e com uso de tcnicas diversas, como: levantamento bibliogrfico, consulta a
documentos oficiais, participao em audincias pblicas referentes instalao da UTE
(Usina Termeltrica) Porto do Itaqui, entrevistas semi-estruturadas com representantes
comunitrios, participao em assemblia e reunio na Unio de Moradores do Taim,
conversas informais, participao em festejos, passeio pelo rio dos Cachorros parareconhecimento da rea de implantao da Resex do Taim e de seus recursos hdricos etc.
No que concerne insero no campo, a primeira ida ao Taim, aps o primeiro
contato com o povoado, deu-se em maro de 2007. Retornei ao Taim com dois amigos que
queriam fotografar o festejo de So Benedito, ocasio que tambm tirei algumas fotos e
observei o povoado em um momento festivo.
Um final de semana antes do incio do festejo fomos at o povoado, confirmar a
data do mesmo. L chegando, nos deparamos com um grupo de mulheres estudandocatecismo em frente da casa de Sr. Jos Reinaldo (o qual, posteriormente viria a ser um dos
meus principais interlocutores) e diante da capela do santo, que estava sendo tomada pelo
matagal, um grupo de crianas, coordenadas por Jaldenilson (sobrinho de Sr. Jos Reinaldo),
capinava o terreno.
-
7/21/2019 Disser Sislene
26/124
25
Foto 3: Crianas em mutiro capinando em frente da antiga capela de So Benedito
Esse contato, aps meses sem aparecer em um povoado que eu frequentara apenas
uma vez, gerou ansiedade e dvidas sobre a receptividade dos moradores, pois eu sabia que a
possibilidade de prosseguir com a pesquisa dependeria de um bom relacionamento
estabelecido naquele momento. Porm, alm dos moradores terem sido bastante receptivos
conosco, o estabelecimento de uma boa relao com Sr. Jos Reinaldo facilitou meu contato
com muitas pessoas depois. Ele era um dos indivduos-chave (FOOTE-WHYTE, 1976), uma
espcie de porta-voz, detentor da autoridade de reconstituir a histria da localidade.Reconhecido e respeitado pelos outros membros do povoado por ser um elo de ligao com o
passado, que constantemente evocado para legitimar o direito ao territrio.
Depois do dia citado, retornei ao povoado em outros dois finais de semana
(01/04/2007 e 08/04/2007) para observar as respectivas etapas do festejo, a retirada e
levantamento do mastro e o baile danante. Conheci mais pessoas e fiquei sabendo quem
eram os envolvidos nas lutas pelo territrio. Percebi que o festejo marcado por relaes de
reciprocidade entre os moradores do Taim e outros povoados. Escutei tambm histrias sobreSo Benedito, relatadas pelos devotos, como para exaltar o poder milagreiro do santo.
O fato de eu estar fotografando durante o festejo, possibilitou conhecer vrias
pessoas, dos velhos s crianas, e perceber algumas relaes e valores atravs das fotos que,
ultrapassada a timidez, eles me pediam para tirar. Primeiro as crianas: tira uma foto da
gente, deixa eu ver; depois os jovens e adultos: tira uma foto do meu barquinho, tira uma
foto de... que ela est doente, tira uma foto com o pai do lado de So Raimundo, que eu
vou herdar o festejo quando ele faltar, tira uma foto ao lado de So Benedito. Logo, a
fotografia se mostrou como uma forma de firmar contatos, estabelecer relaes de confiana,
ganhar direito de entrada (no povoado) (WACQUANT, 2006, p.25).
-
7/21/2019 Disser Sislene
27/124
26
Sobre essa tcnica Castro e Marin (2004, p.24-25) falam o seguinte:
A fotografia representa de imediato um contato com crianas, com os jovens eidosos. Sempre fica a dvida sobre o que eles falam por detrs do registro de seusgestos ou justamente dos prprios gestos, de seus momentos, de suas atitudes. ... O
desafio de entender o discurso da fotografia. As fotos so registros do tempo, docotidiano, das prticas sociais dos grupos, de famlias e da comunidade; so registrodos velhos, dos lugares que vo sendo descobertos, dos valores cujo sentido nemsempre expresso verbalmente.
A fotografia possibilitou o contato com algumas famlias do Taim, assim como se
tornou uma desculpa para eu estar em determinados espaos da famlia e do grupo, de
festinhas na escola at projetos de capacitao comunitrios. Nessas ocasies, conheci pessoas
que posteriormente se tornaram meus interlocutores. A minha aproximao com membros do
grupo que no fossem representantes comunitrios, uma vez que com essas pessoas eu jhavia estabelecido contato e precisava ouvir outras vozes, deu-se a partir das mulheres que,
nas ocasies citadas, pediam para eu fotografar seus filhos. Assim, pude adentrar em alguns
ambientes familiares sem causar tanto estranhamento e estabelecer uma relao que, no
mnimo, resultou em empatia.
A participao nos eventos comunitrios, alm de mediar o contato com pessoas
do grupo tambm se constituiu em um campo de observao em que a violncia inerente ao
ato de transformar algum ou algo em objeto de curiosidade parece menor. Muitasinformaes prvias foram coletadas nessas ocasies, as quais me ajudaram a perceber que eu
poderia reconstituir a histria do grupo a partir das memrias pessoais e coletivas. Uma vez
que as histrias podem ser lembradas ou reconstrudas de maneira pessoal, o indivduo tende a
enfatizar ou obscurecer fatos ao rememor-los. Todavia, os fatos no so lembrados em um
vcuo, a substncia social que lhes d sentido, as datas festivas, os eventos polticos,
religiosos, familiares e at os fatos inslitos, como exemplificou Chau (1994) em um dilogo
com Bosi (1994).
Ao citar Bosi (1994), evidencio que trabalho com a matria da memria entendida
enquanto fenmeno social ou como definiu Halbwachs (1990) quadros sociais da memria.
Nessa linha de pesquisa, as relaes a serem determinadas j no ficaro adstritas ao mundo
da pessoa (relaes entre o corpo e o esprito, por exemplo), mas perseguiro a realidade
interpessoal das instituies sociais (BOSI, p. 54). A lembrana vista enquanto
reconstruo do passado com a ajuda de dados do presente, cujos relatos, confidncias,
depoimentos dos outros corroboram essa construo (HALBWACHS, 1990).
A partir da utilizao da histria oral, como alguns denominam essa tcnica,
objetivei reunir informaes sobre a memria do grupo. Partindo dessa compreenso, recorri
-
7/21/2019 Disser Sislene
28/124
27
mais uma vez a Halbwachs (1990) no seu entendimento de que, ao forjar a sua memria
pessoal com a ajuda de outros membros do grupo, o indivduo ajuda a estruturar a memria
grupal.
Alm disso, segundo Michael Pollak (1989), a memria para Halbwachs teria a
mesma funo que para Durkheim, o reforo da coeso social. No entanto, ao contrrio deste
que fundamenta a coeso na coero, aquele acentua que as bases da coeso social estariam
aliceradas na adeso afetiva ao grupo, no que utiliza o termo comunidade afetiva.
Alguns estudiosos criticam a utilizao da histria oral como fonte histrica por
entenderem que esta sofre diversas distores, dentre outras, causadas por fatores como a
tendenciosidade e fabulao da memria e a influncia do entrevistador (FRISCH;
HAMILTON; THOMSON, 1998). Acreditam, portanto, que o trabalho com a histria oral aosofrer influncia de dados subjetivos, foge neutralidade e objetividade exigidas pela cincia.
Os defensores dos argumentos citados esquecem que a histria oficial est repleta,
em toda fonte escrita, de documentos comprometidos com os valores de outros, de dominao
e poder (SOUZA, 2007). Tambm abstraem de suas consideraes a preocupao com a
precauo metodolgica que perpassa o tratamento da informao oral, assim como reflexes
que subjazem a relao estabelecida entre o informante e o entrevistador (LOZANO, !998).
Assim como as informaes obtidas com a utilizao de outras tcnicas passam por umprocesso de refinamento, reflexo, anlise, o mesmo acontece com aquelas obtidas atravs da
histria oral.
Outra crtica a esse mtodo deve-se aos estudiosos que, ao utilizarem a histria
oral, buscavam descobrir o que realmente aconteceu, desconsiderando aspectos como a
multiplicidade de verses e as razes que levam os indivduos a construir suas memrias de
determinada maneira. Atualmente, diversos pesquisadores trabalham com a concepo de que
o importante no a busca de uma verso nica, fixa e recupervel da histria, mas descobrirporque os interlocutores enfatizam ou omitem determinados acontecimentos (FRISCH;
HAMILTON; THOMSON, 1998).
Para dar conta da realidade social que me propus analisar somente a coleta de
memrias no bastaria. Por isso, mobilizei outras tcnicas que, no decorrer da construo do
objeto, apresentaram-se pertinentes. Para obter dados referentes ao ponto de vista e interesses
do Governo do Estado do Maranho e das empresas privadas envolvidas na disputa pelo
territrio, recorri a documentos oficiais do Estado (instncias municipal, estadual e federal),
fontes que retratam a forma como essas instncias classificam e vem as populaes locais.
Tambm consultei sites de movimentos sociais e jornais virtuais.
-
7/21/2019 Disser Sislene
29/124
28
Basei-me ainda na observao da situao estudada, a qual se realizou em
momentos e ocasies diversas (algumas j mencionadas neste trabalho) atravs de visitas ao
povoado Taim e a aos povoados Limoeiro, Rio dos Cachorros e Porto Grande. Sendo que,
como o Taim configurou-se como o local de estudo propriamente dito, as visitas ali foram
mais prolongadas e intensas. Busquei, nessas ocasies, me envolver com as atividades
desenvolvidas no povoado para, assim, ir-me familiarizando com as teias de significado que
regem a vida do grupo, aprender a viver como eles sendo de outro lugar e tendo uma viso de
mundo prpria (GEERTZ, 2001).
No processo de coleta de informaes, apresentaram-se como meus interlocutores
os seguintes moradores do Taim: Alberto Cantanhede Lopes, 46 anos, na poca era presidente
da Unio de Moradores do Taim; Aurora Moraes Mendes, 53 anos, lavradora; ClaudiaBarbosa da Silva, 30 anos, lavradora; Flor de Maria Santana Baldez, 74 anos, lavradora;
Inaldo de Moraes, 46 anos, pescador; Jaldemir Ramos Mesquita, lavrador; Jaldenilson Ramos
Mesquita, 32 anos, lavrador; Jos Reinaldo Moraes, 48 anos, lavrador; Maria da Conceio
Moraes, 56 anos, lavradora; Maria Lcia Ramos Mesquita, 35 anos, lavradora; Maria da
Purificao Cruz, 68 anos, lavradora; Maria Paula, 55 anos, lavradora; Rodrigo das Chagas
Moreira, 65, pescador; Rosana Mesquita, 29 anos, lavradora; Waldemir Mesquita dos Santos,
56 anos, lavrador; Valdimiro Morais, 77 anos, lavrador. No povoado Limoeiro entrevisteiLeonel E. Mesquita, 81 anos, lavrador. Em relao s identificaes profissionais, aqui
mencionadas, registro a maneira como os interlocutores se autodenominam, no entanto, pude
constatar em campo que suas ocupaes no se restringem a apenas a atividade mencionada, a
qual o complemento de outras atividades extrativistas ou at de servios assalariados (nesse
ltimo caso bem poucos). Com exceo da entrevista realizada com Jaldemir Ramos que
ocorreu no Centro Histrico de So Lus, no ano de 2007; e a entrevista com Sr. Leonel que
foi realizada no povoado Limoeiro; as demais, foram realizadas no Taim, entre os anos de2007 a fevereiro de 2009. Tambm me apropriei de entrevista realizada com Sr. Z Reinaldo
no ano de 2006, durante pesquisa para o INRC.
A escolha dos interlocutores deu-se da seguinte forma: primeiro, tentei entrevistar
as pessoas mais velhas para reconstituir a histria do povoado a partir daqueles que
localmente eram reconhecidos como os portadores da memria coletiva: Jos Reinaldo
Moraes, Maria da Conceio, Maria da Purificao Cruz e Valdimiro Moraes. O primeiro
morador com quem conversei sobre o processo de ocupao do povoado foi Jos Reinaldo
Moraes (conhecido como Z Reinaldo) que me apresentou aos demais interlocutores, os quais
haviam sido apontados em conversas informais por outros moradores como pessoas com
-
7/21/2019 Disser Sislene
30/124
29
quem eu deveria conversar sobre esse assunto. Posteriormente, fiz contato com o presidente
da Unio de Moradores, na poca, Alberto Cantanhede para inform-lo sobre a pesquisa e
entrevist-lo, o qual me apresentou para outros moradores envolvidos com a diretoria da
Unio de Moradores como Rosana Mesquita, a qual me apresentou e acompanhou a casa de
vrios outros moradores do povoado. Quando percebi que havia entrevistado muitas pessoas
que estavam envolvidas direta ou indiretamente com a Unio de moradores, tentei entrevistar
outras pessoas que possuam um contato menor com essa instituio para ouvir outras vozes.
Este trabalho tambm foi tecido com o auxlio de outras vozes, cujos nomes das pessoas no
esto aqui, por terem sido ouvidas em situaes informais, sem a utilizao da tcnica da
gravao; todavia, suas informaes no foram desconsideradas.
1.4
Organizao do Trabalho
Alm dessa parte introdutria, o trabalho apresenta ainda mais quatro captulos.
No captulo 2, tento recuperar a histria da fundao do povoado a partir da memria dos
interlocutores apontados como os guardies dessa memria. Nesse discurso memorialstico,
os interlocutores tentam legitimar a longevidade da ocupao territorial. Para tanto, dividem o
processo de ocupao territorial em dois momentos: um anterior existncia de seusascendentes, cujos vestgios de habitao humana naquele territrio relacionam s runas do
igarap Tanque; e outro, a partir da chegada de trs famlias, com destaque para a famlia
Moraes, de quem os interlocutores descendem. Para legitimar a presena antiga no territrio
reconstroem a rvore genealgica da famlia, a qual possibilita perceber algumas formas de
diferenciao interna no povoado. Nesse captulo ainda apresento como se do as relaes
materiais e imateriais com o territrio. Descrevo as formas de apropriao dos espaos e
recursos naturais e esboo algo sobre as relaes de sociabilidade e entre-ajuda desse povoadocom povoados vizinhos. No que tange ao imaterial, destaco como as runas do igarap Tanque
so apropriadas simbolicamente atravs do imaginrio construdo a seu respeito. Fao
referncias ainda a algumas etapas do festejo de So Benedito para mostrar outros elementos
simblicos que ligam afetivamente os moradores do Taim ao territrio.
No captulo 3, descrevo como conflito interno que implicou na tentativa de
apropriao territorial acabou fortalecendo o grupo na medida em que suscitou reflexo
acerca das formas de acesso ao territrio por pessoas de fora e levou constituio de
entidade associativa de direito, a qual em outros momentos de defesa de direitos e na luta pelo
territrio apresenta-se como fundamental.
-
7/21/2019 Disser Sislene
31/124
30
No captulo 4, esboo uma anlise do processo de tentativa de implantao do
plo siderrgico em So Lus, com destaque para o processo de mudana na Lei de
Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupao do Solo de So Lus. Apresento os argumentos
oficiais para justificar a Lei, o que remete a como o Estado (instncias municipal, estadual e
federal) classifica pores do territrio nacional e nessa contramo fao referncia s
motivaes e aes dos moradores do Taim para resistir ao empreendimento do plo
siderrgico. Motivaes imbricadas por referncias s experincias vivenciadas no contato
com as indstrias vizinhas ou s experincias de deslocamentos compulsrios vividas por
terceiros decorrente da implantao das indstrias Alumar e Vale, na dcada de 1980. Tento
recuperar tambm como se deu o processo de pedido de construo da Reserva Extrativista do
Taim, os agentes envolvidos nesse processo e os elementos que colaboraram para que opovoado Taim despontasse nessa discusso e, consequentemente, se envolvesse em
discusses voltadas para a questo ambiental. Nesse percurso, aparecem referncias acerca da
construo da percepo sobre poluio, risco, alm de representaes sobre a Reserva
Extrativista.
No ltimo captulo, apresento algumas nuances referentes ao captulo anterior e
aponto elementos para discusses futuras.
-
7/21/2019 Disser Sislene
32/124
31
2 A MATERIALIDADE E IMATERIALIDADE DE UM TERRITRIO
2.1 A Fundao do Povoado Segundo os Interlocutores
Esta parte do trabalho se apia basicamente na histria oral, sobretudo nas
narrativas de membros da famlia Moraes. Destaco isso porque no decorrer do trabalho de
campo, indagao sobre a origem do povoado foram recorrentes as referncias famlia
Moraes, principalmente ao Sr. Jos Reinaldo Moraes (conhecido como Z Reinaldo), como a
pessoa mais capacitada para falar sobre esse assunto. Ouvi expresses como um desses
descendentes usada para se referir queles moradores ligados diretamente, por
consanginidade ou outra relao de parentesco, aos Moraes, assim como presenciei situaesem que determinado integrante da referida famlia era apontado como algum com quem eu
deveria conversar para saber sobre a histria do povoado.
Nos casos em que os interlocutores, mesmo no se considerando habilitados para
reconstituir a histria do lugar, tentaram relatar o que sabiam sobre a origem do povoado,
constantes foram as referncias s runas localizadas prximas ao igarap Tanque como um
lugar associado escravido, assombrao, mistrio. At os interlocutores que diziam no
saber sobre a origem do povoado no deixavam de aludir a uma corrente de ferro que saa deum dos quadrados das runas do igarap Tanque como a lembrana, ainda que herdada23, de
um smbolo associado aos primeiros moradores do povoado.
O fato de conseguirem citar smbolos que estariam, no imaginrio dos
interlocutores, ligados ao processo de ocupao do povoado remete a uma memria coletiva
que, apesar de suas flutuaes, apresenta marcos ou pontos invariantes, imutveis (POLLAK,
1992). O que por si s no deslegitimaria suas narrativas, no entanto, como h o
reconhecimento de haver no povoado pessoas que seriam descendentes dos fundadores doTaim, a elas que atribuem a competncia e a legitimidade para reconstituir a histria do
povoado.
Assim, vi-me conduzida aos membros da famlia Moraes, aos mais velhos, como
j dito, detentores da autoridade de falar em nome do grupo. Como Sr. Z Reinaldo havia sido
o mais indicado para conversar e eu j havia estabelecido uma boa relao com ele, resolvi
comear a coletar informaes sobre o processo de ocupao do povoado com esse senhor,
23Acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade qual a pessoa se sente pertencer, dos quais ela nonecessariamente participou, mas que, no imaginrio, tomaram uma grande dimenso a ponto de no fim dascontas ser quase impossvel saber se participou ou no (POLLAK, 1992).
-
7/21/2019 Disser Sislene
33/124
32
mas pensava em, posteriormente, conversar separadamente com outros membros da famlia,
como sua irm (D. Maria da Conceio), Sr. Valdimiro (primo do pai de Sr. Z Reinaldo e
mais velho do que ele) e D. Maria da Purificao (conhecida como Mariazinha, tambm
apontada como uma das descendentes habilitada para falar). Nas vezes em que a conversa
girou em torno do processo de ocupao do territrio, o que era para ser uma entrevista com
apenas uma pessoa se transformava em uma entrevista de grupo, j que Sr. Z Reinaldo
buscava apoio em D. Maria da Conceio para certificar-se ou completar a memria que,
antes de ser do povoado, era da famlia Moraes. Assim, houve ocasies em que comevamos
a conversa na casa de Sr. Z Reinaldo e terminvamos na casa de D. Maria, rodeados de
filhos, netos, parentes e vizinhos. Certa vez, por coincidncia, no momento da entrevista, Sr.
Valdimiro passava e logo foi chamado para confirmar ou refutar uma informao sobre a qualestavam em dvida. Outro que contribuiu tambm para reconstituir a histria da origem do
povoado foi Sr. Inaldo (primo de Sr. Z Reinaldo).
Situaes como a mencionada demonstram a importncia dos testemunhos para a
formao e permanncia da memria, cuja partilha das lembranas pode evitar a sua perda. E,
por conseguinte, sublinham que a memria (tanto a individual quanto a coletiva) alm de ser
um fenmeno construdo, forjada na confrontao com outras memrias (HALBWACHS,
1990).Dessa forma, na tentativa de valorizar a fala dos interlocutores sem, contudo,
deixar de lado o rigor cientfico, destaco os pontos imutveis das narrativas, aqueles que esto
solidificados na memria de tal forma que, por mais que a narrativa apresente elementos
novos, permanecem (POLLAK, 1992). Sob esse enfoque, tambm merecem destaque os
atores e processos que esto imbricados no trabalho de constituio e de formalizao das
memrias (POLLAK, 1989, p. 4).
O que se pode inferir dos relatos sobre o processo de ocupao do povoado Taim, que h destaque para dois momentos que reconhecem como de ocupao efetiva e que
nomeiam segundo a ordenao temporal em que se deram. Descrevem como povoamentoo
momento anterior presena de seus ancestrais no territrio e como repovoamentoa ocasio
em que se deu a instalao no povoado de pescadores, vindos do interior do Maranho. Esses
pescadores teriam dado origem linhagem da qual descendem.
O processo de povoamento narrado como a memria herdadados avs e refere-
se presena humana de negros de origem africana e de ndios Tupinamb. No h consenso
sobre quem habitou primeiro o territrio ou se houve uma coexistncia, mas associam o nome
-
7/21/2019 Disser Sislene
34/124
33
atual do povoado, Taim, a essa histria. Tambm destacam a existncia de religiosos da igreja
catlica:
Taim uma comunidade descendente de quilombolas e descendentes de indgenas.
A, quando ela foi repovoada, existia essas pessoas ao redor da comunidade quecontavam a histria de como nasceu Taim [...].Aqui ns temos vestgios. Ali, ondeexiste um brejo, teria uma senzala dos negros. Ento, os negros que vinham, queeram trazidos pra c, eram os tainos, escravos tainos, extintos na frica. J umpovo extinto na frica. Esses negros eram transportados pra c, pra trabalhar nasfbricas. Ana Jansen. Como aqui teria vestgios, segundo a lenda da comunidade,que tinha dinheiro aqui enterrado no brejo, deixado pelos brancos. Inclusive muitaspessoas vieram fazer pesquisa, pra ver se conseguiam arrancar dinheiro. Vinham noite, se arrancavam a gente no sabe... A, ficou um rio e tal. Conta-se que tinhamuitas pedras preciosas... Ita significa pedras preciosas e Taim os povos extintos[...].Mediante a histria que tinha sido aqui, com os que ainda se encontravam nessaredondeza descendentes ficou o nome Itaino. Ita pedra preciosa e taino. Era,seria Itainos, mas s Taim. Esta a origem do Taim (Sr.Jos Reinaldo Moraes,
entrevista realizada em 06/07/2006).Eu me lembro dessa histria. Vov contava assim: quando aqui morava os frades,que hoje os seminaristas e que trabalhavam com igreja, era os frades, que eracompanhia dos padres, era mais aqui era de padre e os frades. A quando teve aindependncia, que terminou os escravos a eles foram embora. A os frades, que alenda daqui dinheiro, ouro. Ouro e dinheiro que tem enterrado, que os fradesdeixaram enterrado. A que vm esses pescadores de Alcntara... (D. Maria daConceio, entrevista realizada em 18/06/2008).
Desses relatos possvel destacar alguns elementos para anlise e, inclusive,
coligi-los com outras informaes. Por exemplo, relatos referentes presena indgena noterritrio no so exclusividade dos moradores do Taim. Otoni (2006), em uma pesquisa
realizada na Vila Maranho24, povoado vizinho ao Taim, tambm recolheu informaes dos
moradores desse povoado que davam conta de que, no apenas a Vila Maranho, mas toda a
regio Itaqui-Bacanga fora, at o sculo XVII, composta por aldeamentos de ndios
Tupinamb. A etimologia da palavra Ita, citada como componente do nome do povoado Taim
de origem Tupinamb e consta no Dicionrio da Lngua Geral do Brasil25com o significado
de pedra, ferro. Logo, o nome do povoado tanto pode estar relacionado ao imaginrio que
envolve a histria da sua fundao, quanto prpria formao geolgica do relevo, que rico
em pedras.
Contudo, no se pode ignorar a contribuio de outros atores na organizao ou,
at mesmo reestruturao dessa memria, pois, nos relatos, tambm h aluso ida ao
territrio de pessoas que teriam investigado a origem do povoado. Entretanto, no sabem dizer
24A partir da percepo dos moradores da Vila Maranho, o citado autor investigou a relao entre os grandesprojetos econmicos e a qualidade de vida das comunidades impactadas, positivamente ou negativamente, por
esses projetos.25Segundo Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres (1891, p. 186), que copilou as palavras para compor oreferido dicionrio, a lngua da nao Tupinamb, antigamente, era cultivada pela maior parte das naesbraslicas, e por isso os portuguezeslhe deram o nome de lngua geral...
-
7/21/2019 Disser Sislene
35/124
-
7/21/2019 Disser Sislene
36/124
35
reestruturao da memria em funo de preocupaes recentes como a ameaa de perda
territorial.
Alm disso, no se pode deixar de registrar que os atuais moradores do povoado,
ao catalogarem e conservarem vestgios de um passado remoto, prestam um enorme servio
preservao do patrimnio arqueolgico e histrico da Ilha do Maranho pois garantem as
condies para que estudos sejam feitos e permitam recuperar os vrios momentos da
presena humana nessa regio.
O segundo momento de ocupao territorial, que denominam de repovoamento,
marcado pela vinda de trs famlias de pescadores para o povoado: os Ribeiro, os Cruz e os
Moraes. Somente as duas ltimas famlias teriam fixado residncia no Taim e a famlia
Moraes a que possui maior nmero de descendentes ainda residindo no povoado.Observando os relatos dos moradores, possvel inferir que a vinda para o territrio estaria
relacionada piscosidade do rio e a fixao na localidade, percepo desta apresentar uma
significativavariedade de recursos naturais:
O nome anterior daqui era Laranjal. A, cientificamente mudou de Laranjal paraTaim. A famlia de Moraes morava em Alcntara. A vieram pescar nesse rio daqui.Como deu sede, saltaram pra apanhar gua. Viram um brejo, aquele vestgio bonito,um grande laranjal e se arrancharam. Ento foram buscar famlia e da comeou orepovoamento de Taim. Como chegaram e encontraram muita laranja, puseram onome de Laranjal (Sr.Jos Reinaldo Moraes, entrevista realizada em 18/06/2008).
Ah, Salom26 me contava tudinho. Contava quantas pessoas vieram de l, doMunim, que esse pessoal no eram daqui. [...] A primeira vez que eles vieram, elesvieram um pedao. Eles no andaram muito, eles vieram s pegar uma gua. A asegunda vez que eles... que eles olharam o mato. A que eles se engraaram. Notinha ningum. Uma era Moraes, a outra era Cruz, e a outra era Ribeiro... Dessaarrebatada vieram trs famlias, porque o rio daqui, eles souberam notcia de quetinha muito peixe. Imagine nessa poca que pra todo lado tinha muito peixe. Elesvieram pra c pescar... (Sr.Inaldo, entrevista realizada em 18/06/2008).
A que eles vieram pescar, viram o buritizeiro. No sei se existe algum ainda a, noera, meu padrinho, no existe mais, no ? Tinha o buritizeiro, a que eles vierampescar e viram. Aqui no tinha mais ningum, tinha s mesmo a estrutura deles (D.Maria da Conceio, entrevista realizada em 18/06/2008).
Entre os interlocutores, no h consenso quanto ao lugar de onde vieram as
famlias. Sr. Z Reinaldo refere-se a Alcntara, j Sr. Inaldo explica que vieram de Munim.
No entanto, todos os relatos destacam que se tratavam de pescadores e relacionam o nome
antigo do Povoado Laranjal incidncia de determinada vegetao. Nome que depois teria
sido modificado para Taim em funo dos fatos, acima referidos, relacionados aos supostos
primeiros moradores do povoado.
26Tia-av de Sr. Inaldo.
-
7/21/2019 Disser Sislene
37/124
36
Constitui-se ainda como elemento marcante nas falas referentes ocupao do
territrio, alm da nfase dada s runas do igarap Tanque, smbolo dos primeiros moradores,
que ser explorado em tpico especfico; a genealogia da famlia Moraes, emblema da
ancestralidade que marca, como j ressaltado, o repovoamento do Taim e registra a
longevidade da ocupao. Apesar de citarem a vinda de trs famlias para a localidade, s h o
registro na memria da permanncia no povoado da famlia Moraese Cruz, sendo a famlia
Moraes em maior quantidade,a qual se encarrega, via memria, de difundir a histria como
fundadora do Taim. A descrio oral recupera as relaes de parentesco e apresenta elementos
para se entender, inclusive, as relaes atuais no Taim e deste com outros povoados. Para
alm disso, ao descreverem a genealogia da famlia, no s reforam o argumento de antiga
ocupao e, portanto, sustentam o direito ao territrio baseado na longevidade da ocupao,como tentam deslegitimar o discurso do Governo do Estado do Maranho que no reconhece
a antiguidade da ocupao territorial.
As lembranas dos interlocutores registram que esto na sexta gerao de
descendentes dos Moraes (no levam em considerao nesse clculo os seus prprios filhos
que constituiriam uma stima gerao). A famlia Moraes, como j dito, se autodefine
fundadora do povoado, mas tambm apontada pelos outros como tal. A relao de
descendentes comea pela segunda gerao, j que no sabem os nomes daqueles que deramorigem primeira gerao, apesar de saberem as famlias as quais pertenciam, assim como
sabem muito poucoacerca da vida dos seus ancestrais antes de chegarem ao Taim.
A listagem dos ancestrais, apesar das falhas da memria e mesmo de algumas
lacunas, comea com o casamento trocado entre os pares de irmos Leonardo (chamado de
Lunardo) e Lisano com as tambm irms Josefa e Virgnia, sendo que os pares de irmos
eram primos das irms. H nesse caso relaes matrimoniais marcadas pela endogamia, isto ,
casamento dentro da famlia, com a particularidade de que as relaes entre os pares de casaisforam marcadas tambm pela troca de mulheres, de forma que Lisano teria tido filho(a)s tanto
com a sua esposa como com a sua cunhada e Leonardo idem, gerando assim descendentes
meio-irmo()s-primo(a)s (vide descrio da genealogia no final desta seo). Ressaltam
ainda a existncia de uma terceira mulher que residia no povoado Limoeiro que tambm teria
gerado filhos dos dois irmos. Enumeram os filhos que recordam descender de Lisano (vide
quadro 3) e um filho que seria descendente de Josefa com outro parceiro (vide quadro 4). Por
conseguinte, a descendncia dos Moraes tanto se deu por parte de pai quanto por parte de
me, ou pelos dois, o que leva a um grupo de filiao cogntica, pois todos so descendentes
-
7/21/2019 Disser Sislene
38/124
37
de um antepassado comum, seja pela descendncia passada pela linha masculina, seja pela
feminina.
Na genealogia da famlia Moraes h destaque para alguns membros da famlia
enquanto outros so obscurecidos27, por exemplo, os irmos Dionsio e Marciano (vide
quadro 4) so lembrados para fazer referncia ao que, no entender dos interlocutores,
constituram-se em relaes matrimoniais com membros de outra famlia que no a Moraes.
Os referidos irmos teriam contrado matrimnio com as irms Ilda e Pedrolina, pertencentes
famlia Cruz. Salom tambm teria contrado matrimnio com um Cruz. Portanto, na viso
do grupo, relaes exogmicas s teriam se dado a partir da terceira gerao, embora relaes
endogmicas continuassem nas geraes sucessivas.28
Um dos membros mais lembrados Dionsio Adrnico Moraes (chamado deDuduca), no somente por ser av dos interlocutores, mas, sobretudo, por ter assumido uma
posio social de mediador de conflitos e conselheiro, que opinava no s no mbito da vida
pblica do grupo, mas tambm na vida privada.
Ningum fazia nada sem vir pedir opinio pra ele [Dionsio]. Quando ele existia,aqui no nosso Taim brigavam, mas, se brigavam, no outro dia ele mandava chamaraquelas pessoas. A, eles vinham, vinham conversar, a ele ia dizer o certo pra eles.Quando eles saam da, j eram amigos (D. Maria da Conceio, entrevista realizadaem 18/06/2008).
Narrativas que denotam respeito aos mais velhos e que, no caso dos reconhecidos
descendentes, revelam certa hierarquia que conduz ao pedido de opinio sobre determinado
assunto ou comunicao quanto ao uso de certo recurso natural fazem parte das lembranas
do grupo. Assim como, se configura em demonstrao de considerao o pedido de bno
queles com quem se mantm uma relao de parentesco ou compadrio: pais, tio(a)s,
padrinhos, madrinhas, avs, avs. Ainda hoje, resulta em imediata repreenso dos pais, o
esquecimento de tal cumprimento pelos filhos.
Quando da construo do organograma referente s relaes de parentesco do
povoado, foi possvel perceber um pouco mais sobre a diferenciao interna que h entre
aqueles que nasceram no povoado, designados filhos do Taim, e aqueles que no nasceram
ali, denominados de fora. Esta diferenciao se torna bastante evidente quando se refere
queles que contraram matrimnio com um filho do Taim cuja condio de no ter nascido
no povoado ressaltada. Logo, a pessoa de fora, mesmo contraindo matrimnio com um
27Observar no organograma que nem todos os pares matrimoniais dos descendentes de Lunardo e Lisano e deVirgnia e Josefa so mencionados.28Por exemplo, relaes matrimoniais entre os primos Balbino e Guilhermina (vide quadro 1 e 4) e Jos RibamarRamos e Geralda (vide quadro 1 e 4).
-
7/21/2019 Disser Sislene
39/124
38
filho do Taim, ou melhor, com algum de dentro, vai carregar para sempre o estigma de
ser de fora, sinal que ser menos lembrado e, at mesmo, suavizado com expresses como
mas ele j vive aqui h muito tempo, se a pessoa for bem vista pelos moradores do
povoado, ou ser evidenciado no caso de a pessoa praticar alguma ao reprovada pelo grupo.
E, neste caso, tanto os nascidos quanto os no nascidos no Taim se apropriaro do argumento
que enfatiza o ser de fora para exprimir que reprovam a pessoa. Esta relao de
diferenciao fica mais tensa quando o que est em jogo so as terras adquiridas mediante o
casamento de uma pessoa j estabelecida (nascida ou no no povoado) com uma pessoa de
fora (assunto abordado no captulo 3).
Para ser bem visto no povoado, a pessoa dever se mostrar disposta a contribuir,
seja financeiramente, seja com seu trabalho, em atividades em prol do bem estar do grupo.Por exemplo, ajudar na organizao dos festejos, participar de mutires para arrecadar
alimentos para um morador em dificuldades, ou ajudar na construo de casa para recm-
casados, etc. Por outro lado, pessoas que costumam se envolver em brigas, que resultem em
agresso fsica a um outro morador no so bem vistas.
Em algumas situaes, a diferenciao da pessoa ser feita em relao a seus pais.
Por exemplo, no tocante memria do grupo, quando mencionei a Sr. Z Reinaldo que havia
conversado com outro interlocutor sobre a histria do povoado, ele de imediato destacou queaquela pessoa tinha um grande conhecimento sobre outros assuntos concernentes ao grupo,
entretanto, sobre a histria do povoado no podia saber muito porque seus pais no eram
filhos do Taim.
O parentesco tem uma grande importncia no povoado Taim no s porque
possibilita o direito terra, mas tambm porque as relaes matrimoniais asseguram a
construo de uma rede de reciprocidade entre as famlias dos noivos que se concretiza em
atividades conjuntas nas roas, nas pescarias, nos festejos etc. Estas relaes ultrapassam asfronteiras geogrficas do Taim, se estendendo para outros povoados vizinhos.
Na genealogia da famlia Moraes, reproduzida nos quadros 1, 2, 3, 4 e 5, tentei
reconstituir o quadro geracional dos interlocutores a partir da 2 gerao. Contrariamente
memria dopovoamentoque se apresenta como memria herdada de um tempo que nem os
ascendentes dos interlocutores viveram,as lembranas que dizem respeito ao repovoamento
so narradas com mais conhecimento de causa, uma vez que afirmam ter tido contato com
muitos dos membros citados na genealogia. Inclusive com ascendentes da terceira gerao,
caso dos avs de Sr. Z Reinaldo e D. Maria da Conceio.
-
7/21/2019 Disser Sislene