DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS – A CONSTITUIÇÃO...
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
E A TUTELA DO SER HUMANO (OU DAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO)
Adriano Guia Ferraro
Bacharel em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES),
Especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura (EPM/SP),
Professor no “Meta Concursos” (disciplinas: Direito Constitucional, Direito Penal,
Processual Penal, Tributário e Administrativo).
INTRODUÇÃO
O intento desta doutrina, ou simplesmente um pequeno preâmbulo
que entendemos importante, é fazer com que o público presente sinta-se confortável ao
entrar no terreno da Filosofia. E quando falamos acerca do Direito Constitucional,
temos que ter em mente que o alicerce que a Mãe das Ciências nos oferece é deveras
forte, praticamente de titânio. Queremos dizer com isso que as tentativas de salvar o
Direito Constitucional passam, necessariamente, por aquele terreno. E ignorá-lo seria,
sem sombra de dúvida, deixar com que a Magna Carta produzisse o seu último dos
estertores. A Constituição Federal precisa, mais do nunca, de um sopro de vida novo –
aquele que trará, definitivamente, sossego àqueles que operam o Direito.
O sopro de vida, novo, ao qual nos referimos deve ser aquele
autêntico, isto é, aquele capaz de tocar a essência dos mais intensos projetos que o
Estado Democrático (e Social) de Direito compreende. A ação, portanto, é mais ampla,
direcionada, assim podemos revelar, ao mundo. O Século XXI é o século das
transformações sociais. E quanto a isto não paira a menor dúvida. Basta, para tanto,
observarmos que em nenhum outro momento da história as ONG’S apareceram com
tanta força como agora. Elas, inclusive, têm o condão de produzir caminhos alternativos
e influenciar nas decisões que o Estado venha a tomar. A consciência do povo, portanto,
está mais aberta, mais receptiva às mudanças que se iniciam.
E enxergar com profundidade, deixando de lado nossas mais
restritas miopias, deve fazer parte do discurso de cada um de nós, operadores do Direito.
Sejamos, portanto, melhores. E revelar o que de mais belo existe quando diante das
mais diversas constatações, revela um impulso maior, qual seja, o impulso para o social.
Compreender a dimensão da sociedade, portanto, é o trabalho do hermeneuta.
Quando nos propusemos a organizar esta doutrina, o fizemos por
uma questão de método, isto é, um caminho. Um caminho duvidoso porquanto há,
aparentemente, desconexão. E a nossa pretensão é justamente fazer com que todos
aqui passem a entender que o Direito precisa ser revisto. Principalmente o Direito
Constitucional, núcleo mais que especial e condutor de todos os demais ramos do
Direito.
Vamos entrar, portanto, em um mundo maravilhoso, repleto de,
segundo ousamos considerar, dúvidas (tão importantes quanto as certezas – à luz dos
conceitos de René Descartes, filósofo).
Passemos, então, a examinar o tema em xeque, a saber,
interpretação e como a Teoria da Linguagem toca toda a estrutura jurídica
(principalmente, frisamos, o Direito Constitucional).
A Teoria da Linguagem sempre nos fascinou. E este entusiasmo
vem antes mesmo do início da faculdade de Direito. Comunicar-se bem é,
definitivamente, o grande sucesso dos profissionais das mais diversas áreas. Frise-se,
por oportuno, que a comunicação é inerente ao ser humano. Por si só esta afirmação já
seria um truísmo. Contudo, é importante colocar algo nesse sentido para que possamos
compreender aonde queremos chegar.
A dogmática jurídica, que passou a imperar por séculos, vamos
assim entender, ainda atrofia a evolução do Direito. Ele, inclusive, desenvolve o seu
último dos estertores – o que compromete, pensamos, a sua estrutura nuclear, qual seja,
os princípios. O Direito dorme ainda na Idade Média. A tentativa da dogmática é
interessante: visa, de uma forma deveras sofisticada (mas sem aplicação imediata em
virtude da estéril tentativa de justificar o injustificável), a enrijecer os princípios,
tornando-os, por assim dizer, normas. Segundo entendemos, este seria, em sua mais
absurda essência, o mote do (neo)positivismo.
Isso é perigoso. Perigoso porque estes programadores jurídicos,
vamos assim denominá-los, voltam-se para o passado e tendem a construir, no presente,
elementos deveras rijos para moldar um futuro jurídico inócuo – o que traduz o total
desapego as mais edificantes doutrinas humanistas (que tendem, em um esforço
hercúleo, a reformular a estrutura essencial do Direito). Humanistas e positivistas
travam uma guerra sem par. E felizmente, apontamos, deste descontentamento
passamos a discutir para uma melhora da sociedade, o que é saudabilíssimo. É a eterna
guerra entre os positivistas e os naturalistas. Ou melhor: é a eterna guerra entre os
(neo)positivistas e os modernos humanistas, à luz dos mais hodiernos conceitos.
Como se pode perceber lançamos, é evidente, uma crítica
contundente à dogmática jurídica porquanto entendemos que suas ações corroboram
apenas para desenvolver um Direito estéril, como já nos posicionamos. A linguagem,
para estes técnicos, é a positiva, ou seja, aquela que está dentro da norma – excetuando-
se, como conseqüência lógica, toda e qualquer doutrina que tenha o condão de melhorar
o núcleo do Direito, a saber, os seus princípios.
Frise-se, inclusive, que isto toca o cerne da Carta Política do País,
promulgada a 05 de Outubro de 1988.
É uma tentativa insana de se cristalizar o Direito, como se
observa. Esse apego ao positivismo kelseniano nada traduz. Ou melhor: traduz a
possibilidade, caso não se pense em melhorar o Direito, de criarmos algo mecânico,
alheio, portanto, aos pensamentos que, direta ou indiretamente, tocam o seu solo. Por
isso que a Filosofia e a Sociologia vêm desenvolvendo uma gama de esforços para que
possamos, através destas áreas do conhecimento, melhorar o que vem padecendo. É
deveras triste que uma sociedade passe a depender da norma para a produção de efeitos
positivos que, às vezes, não atingem a virtude por excelência, qual seja, a Justiça – à luz
do que preconizou o estagirita, a saber, Aristóteles.
Anote-se que o positivismo, a título de latente curiosidade,
começa a cair em franca desgraça com o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, a
pérfida hecatombe nazista (como passamos denominá-la). Os acusados de Nuremberg,
por exemplo, para escapar da barbárie que cometeram, sustentam as mortes à luz da lei
e da ordem do superior hierárquico. O mundo começava a perceber, então, que o
positivismo a tudo não respondia. Era preciso mudar...
É fundamental a compreensão dos textos jurídicos. E para
compreendê-los, observamos, lançamos mão da Teoria da Linguagem, especificamente
hermenêutica e interpretação. O hermeneuta, portanto, revela o conteúdo da norma,
melhorando-a, é evidente. Para desenvolver tal trabalho, que é deveras complexo, lança
mão da interpretação, ela que dá a operabilidade para que a hermenêutica atue. Portanto,
hermenêutica é a teoria onde interpretação é a prática, grosso modo.
Apoiar-nos-emos em três pensadores de suma importância. O
primeiro, criador da desconstrução, e bastante controverso, a saber, Jacques-Derrida; o
segundo, Michel Foucault; e o último, e não menos importante, Jürgen Habermas.
Entendemos que é na compreensão destes filósofos que encontraremos a forma de
melhorar o Direito afastando-se, de vez, a nefasta inspiração do (neo)positivsimo.
O Direito repousa em uma linguagem hermética, isto é, fechada.
Por isso que a tentativa de se decodificar a sua estrutura nuclear é deveras árida. E
cumpre ao hermeneuta esta tarefa denominada ingrata. Não pensemos assim. A Teoria
da Linguagem é deveras rica porque dá todos os subsídios necessários para que a norma
passe de rígida a mais humana possível. É evidente que ela não vai ganhar vida no
sentido mais humano que se possa conceber. Contudo, a tarefa de tornar algo árido em
algo palatável é edificante, o que confere ao hermeneuta1 um grau de privilégio. Mas é
bom que haja, sempre, um elevado grau de humildade para que ele possa trabalhar.
Anotamos, também, que é necessário que ele jamais desenvolva atitudes mercantilistas,
quando for chamado à discussão.
1 Quando falamos “o hermeneuta”, devemos ler também a hermeneuta, é evidente. Não se trata de concepção machista e que coloca, portanto, a mulher à margem do pensamento humano. Foi preciso registrar esta passagem.
À luz do que colocamos no parágrafo acima, vejamos como tudo
está interligado. Durante séculos, especificamente no que diz respeito à Idade Média, a
Filosofia foi culpada porque nos momentos mais importantes ela recuou, permanecendo
nas sombras. Sua atitude, ou melhor, a atitude dos filósofos da época (e de alguns
filósofos do presente que ainda se encontram naquele tempo!), foi omissa – o que
causou, na Filosofia, uma chaga que ainda está por cicatrizar. Os debates filosóficos,
portanto, foram pacificados. A dogmática jurídica, portanto, inspirou até os filósofos
mais renomados, desenvolvendo, na Mãe de todas as Ciências, um comportamento
típico, a saber, pacificar a discussão.
O hermeneuta é um ser humano curioso. Ele constrói, investiga,
desenvolve, aperfeiçoa e traduz, com simplicidade (como deve ser a sua essência), o
significado de um texto (seja jurídico ou não). Porém, poucos lhe dão o devido valor. È
ele quem caminha na completa penumbra e carrega consigo o seu toco de vela. No
entanto, quando esta finda, saca do bolso uma caixa de fósforos e tenta riscá-los
insistentemente para que a escuridão não o devore. O labor do hermeneuta é, portanto,
comparado ao das formigas ou ao das abelhas.
Sua organização é sistemática e, por isso, enxerga mais – mesmo
que, como ser humano, seja míope, astigmático ou hipermetrope. Chega a ser paradoxal
uma afirmação deste porte. Mesmo possuindo a falibilidade (porquanto é humano)
como algo intrínseco consegue, mesmo assim, mudar as coisas que estão inseridas no
mundo. Muda, principalmente, e o mais importante, a postura que, antes, estava
enraizada em argumentações positivistas. É uma vitória para a sociedade e não sua,
argumenta. É deste hermeneuta que precisamos.
Conscientes desta mudança de postura, magistrados passam a
adotar a mesma técnica quando da prolação de uma sentença, por assim dizer. Não seria
propriamente uma técnica, argumentamos. Mas a criação de algo teórico que ganhou
contornos críveis na prática. E, portanto, deu resultado. Ao nosso ver, é uma forma de
arte.
É inegável que as sentenças não mais se baseiam tão-somente na
leitura fria da lei. A lei é inativa. Cumpre, pois, ao magistrado, moldar o seu conteúdo e
aplicá-la da melhor forma possível. Isto é, em verdade, responsabilidade social – além
do que, quando deste comportamento, toca o cerne da Justiça, a virtude por excelência,
segundo Aristóteles.
Percebemos que este tipo de atuação do magistrado, quando se
posiciona como hermeneuta, minora os problemas sociais. Passa, então, a aplicar a
Justiça em essência – ao invés de ser mero burocrata e pacificador de decisões. Isto
representa um princípio absoluto e que está inserto no inciso III, do art. 1º, da Magna
Carta de 1988, qual seja, dignidade da pessoa humana. E qualquer juiz ou juíza que se
portar como mero pacificador estará por desenvolver uma postura eivada de vícios, ou
seja, sua atuação será definitivamente inconstitucional. E sanar esta postura, frisamos, é
tutelar a sociedade e o Direito.
Desconstruir a dogmática-jurídica, portanto, é o nosso principal
intento. Para isso, frisamos, socorrer-nos-emos aos filósofos já mencionados além de
(jus)filósofos contemporâneos, o que, sem dúvida, trará maior sustentação às nossas
alegações. Além disso, é imperioso fazer um retrospecto histórico e observar as lições
que a História do Direito nos fornece. A utilização da Sociologia também será deveras
importante para compreendermos como esta estrutura foi montada.
O (neo)positivsmo, é interessante frisar, vem ganhando espaço
com a idealização da chamada constitucionalização dos princípios. Isto nos soa como
uma inspiração positivista em essência, observamos. Constitucionalizar algo revela
reduzir os princípios à norma, lato sensu. E como já nos posicionamos, observe-se, isto
é perigoso. O mote deste (neo)positivsmo é engenhoso mas sem a devida aplicação
prática. Trata-se, portanto, de um discurso híbrido, é preciso alertar. Mas a comunidade
jurídica, que passou a tomar a nuvem por Juno, não sabemos o porquê, isto é, passou a
enaltecer esta tentativa sem fundamento, não percebeu que constitucionalizar, à luz de
toda e qualquer interpretação meramente gramatical, revela, como falamos, aprisionar
os princípios e transmutar a sua essência. Vejamos. Quando a Lei Maior, a Constituição
Federal, afirma que o princípio da isonomia está capitulado em seu art. 5º caput,
passamos a perceber algo curioso. É um princípio que está dentro da norma. Ou melhor:
um princípio que se transformou em norma, à luz do que nos fornece a LEI MAIOR,
que é a Constituição Federal.
Segundo o que a Filosofia nos fornece, este mote criado pelo
(neo)positivismo, que continua a ser a velha e desgastada escola do positivismo, tenta
cristalizar os princípios, tornando-os parte do passado. Sendo assim, fica mais fácil para
os (neo)positivistas transformar os princípios em normas, o que vale dizer: há uma
tentativa de criar um artigo para cada princípio, por assim dizer. Sendo assim, domar a
essência principiológica é pressuposto para controlar a sua estrutura. Nesse sentido, o
que agora passou a ser norma permanece parado. E aquilo que permanece parado fica
no passado. E se fica no passado é mais fácil de se domar. Logo, se podemos domar,
passamos a controlar. E se controlamos, finalmente pode ser aplicado no mundo
jurídico. A impressão que se tem, portanto, é que o princípio já é, sim, norma. Falsa
impressão, sustentamos. Isto é um discurso repleto de sofismas, argumentam os
hermeneutas. Contudo, se não tomarmos a devida cautela, a falsa afirmação tornar-se-á
verídica.
Isto acontece porque lamentavelmente não se estuda a norma
como um todo. Anote-se que os princípios são catalisadores. E por catalisador podemos
entender como todo e qualquer acelerador de uma reação química. É dessa aceleração
que precisamos para que o Direito passe a sobreviver. É preciso, pois, transpassar a
norma e vislumbrar o que está inserido dentro do próprio Direito para que, finalmente,
encontremos o devido sustentáculo no século XXI.
Segundo se nota, estes técnicos2 nada têm de responsabilidade
social. Algo deveras interessante vez que a Faculdade de Direito que freqüentaram
outorgou-lhes o título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Jovens que se (de)
formaram e que foram seduzidos pela norma e que, hoje, renegam aquilo que
aprenderam, ou seja, que o Direito é fonte de transformação social.
O positivismo resta comprometido, não há a menor dúvida. Ele
serve apenas de referência histórica, tão-somente. É preciso esclarecer a comunidade
jurídica e fazê-la acordar deste tormento doutrinário que, ainda, insiste em propalar os
seus discursos. Para nós, o positivismo é imediato. E, sendo assim, comunicamos que o
imediato é falho. Premissa maior, menor e conclusão, que atende pelo nome de
2 Estes técnicos são os (neo)positivistas.
silogismo3, que fuja ao positivismo passa a ser indeferida – porquanto enxergar a norma
é a razão para se pacificar a sociedade. Os indivíduos, portanto, seriam adestrados a
conviver em seu seio, o que mutila concepções outras, isto é, alheias ao primeiro.
Certo é que o discurso traz uma grande oportunidade de comando
ao positivista, qual seja, o poder. É ele que confere certo grau de domínio – porquanto o
poder está intimamente atrelado àquele. Ordenar o discurso é, sem dúvida, construir
uma sensação ilimitada de poder, o que seduz um sem par número de platéias
(acostumadas, é evidente, com a adesão do espírito).
Se é possível aduzir, temos que é possível, de outro lado, deixar-
se seduzir – quando a platéia, acostumada com toda sorte de especialistas, atesta que
quem lá está a proferir um discurso conhece, em essência, o assunto a ser debatido. Mas
poucos sabem que quem diz conhecer o assunto na verdade o desconhece – vez que para
conhecer o assunto em tela é necessário um estudo de uma vida inteira, às vezes.
Certo é que os ditos especialistas de qualquer área não amam o
assunto. Porém, amam os lucros advindos. Forma-se, é evidente, e à luz dos estudos que
Arthur Schopenhauer realizara4, um sem par número de situações propícias para que se
possa comandar. Quem seduz, aduz. E quem aduz, necessariamente, comanda. Esta
ordem discursiva, portanto, é meramente superficial. Contudo, se elaborada de forma
deveras interessante pode, sim, lembrar os ensaios do pai da oratória, a saber, o grego
Demóstenes.
Devemos compreender que se todos os especialistas acerca de um
assunto não o amam, dizemos que, sem medo de errar, eles são, em essência, sofistas. É
clara a idéia que se vislumbra. É claro, também, que hodiernamente há uma gama de
“estudiosos” e que, curiosamente, aparecem nos momentos em que o mundo parece não
responder aos mais ordinários estímulos. É preciso explicar. Sabe-se que a dogmática
jurídica controla esta forma de discurso e que, de maneira absolutamente engenhosa,
constrói, através da norma, um discurso sucinto. Porém, frisamos, deveras hermético. 3 Segundo o aristotelismo, trata-se de um raciocínio dedutivo estruturado formalmente a partir de duas proposições, chamadas de premissas, das quais, por indução, se obtém necessariamente uma terceira, chamada conclusão. Quando passamos a desenvolver um mecanismo que rompa com a estrutura do verdadeiro silogismo, nasce o sofisma, segundo entendemos.4 A respeito do tema, compulsar A arte de ter razão, do pensador citado.
Quem passar a conhecer o código, insistimos, tem, nas mãos, um tesouro valioso. E se o
especialista se debruçar mais sobre o código passará a compreendê-lo. A estrutura
codificada, portanto, será decodificada. E o discurso, neste momento, poderá ser,
inclusive, alterado – à luz de todo e qualquer vício que o indivíduo carregue.
Falamos nas distorções, comuns, que tocam o solo da norma. Bem
sabemos que o Código de Processo Civil, justamente para evitar toda e qualquer
distorção, inseriu, em seu artigo 17 e incisos, o instrumento que combate a litigância de
má-fé. Porém, se definitivamente o especialista desenvolver um mecanismo que cause
dúvida, sua forma de pensamento, nesse sentido, mostrar-se-á correta, infelizmente. À
guisa de exemplo, citamos um magistrado que, sem perceber a litigância de má-fé que
se avizinha, em virtude da distorção de um texto legal, acolhe a petição do advogado,
deferindo o pedido. Isto é mais comum do que se imagina, frisamos.
Acerca deste assunto, especialmente no que diz respeito ao
discurso em si, que toca, fundamentalmente, a Teoria da Linguagem, Michel Foucault
pronuncia sua aula inaugural intitulada A Ordem do Discurso, no dia 02 de Dezembro
de 1970, especificamente no Collège de France, que lhe rendeu, mais tarde, uma
publicação5. Inicia dizendo:
“Gostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar aqui, talvez durante anos. Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível. Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, sem ser percebido, em seus interstícios, como se ela me houvesse dado um sinal, mantendo-se, por um instante, suspensa.” (FOUCAULT, A ordem do discurso, p. 2005)
Vamos observar o que nos traz o pensador. O discurso revela uma
grande capacidade de pensamento, organização de idéias e convencimento. Foucault
revela isso e se sente apreensivo em divulgar aquilo que sabe, aquilo que está dentro
dele, ou seja, que o discurso pode, dependendo da platéia, seduzir. Por isso que ele
afirma que ao tomar a palavra suas ações serão comedidas, absolutamente sóbrias,
observamos. E tem um motivo para fazê-lo. Ao assumir a cátedra, com a morte do
5 O título original é L’ordre du discours. Leçon inaugurale au Collège de France ponuncée lê 2 décembre 1970. Por uma tradução literal temos: “A ordem do discurso. Lição inaugural no Collège de France pronunciada a 2 de dezembro de 1970”.
professor Hyppolite, foi preciso desenvolver uma forma rara de dizer o que se pensa. E
isto está revelado na passagem de que quem toma a palavra, como ele o fez, tem, sim,
algo para dizer, algo para revelar... desde que seja absolutamente contido. Quem escreve
um discurso de setenta e nove páginas, como Michel Foucault fez, mostra, desde já, a
possibilidade de se dizer tudo e ao mesmo tempo nada – porquanto a palavra é deveras
contundente, se utilizada com maestria (vez que pode selar os lábios dos sábios e excitar
a platéia, acostumada, via de regra, com as mais pífias apresentações).
Diz que gostaria de ser envolvido pela palavra, no afã de, talvez,
não revelar o que sabe. Quando se é tomado pela palavra, deixamos transparecer nossa
ignorância. Contudo, se desenvolvemos um sem número de formas para que possamos
colocar em ordem o discurso, manifestamos um controle tamanho de toda e qualquer
palavra empregada. Construir o discurso, à luz de todo e qualquer elemento retórico,
indica técnica, decisão e, conseqüentemente, dominação. Não foi à toa que o livro de
Introdução ao Estudo do Direito, do professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, recebeu o
mesmo nome.
O Direito, apontamos, desenvolve-se desta maneira. E gerar a
linguagem fácil em terreno fértil representa uma ferramenta que o Direito ainda não
dispõem (ou finge não dispor!). O importante é gerar a linguagem, argumenta o jurista.
Cada qual para o seu tipo de comunidade. E se a linguagem, mesmo hermética, ainda
assim não consegue atingir o seu objetivo, na sua própria comunidade, aparece o
paradoxo6, que causa, infalivelmente, teratologias conceituais e que acabam por tocar,
definitivamente, os alicerces da Constituição Federal.
A técnica legislativa, ainda no campo do que estamos a
pronunciar, caminha no sentido de desenvolver, para a sua própria comunidade,
definições de comportamento herméticas. Esse hermetismo, que não guarda consigo
elementos pedagógicos, no intuito de ensinar os que ainda não são versados, destrói os
alicerces de uma sociedade, por exemplo. Coloca Jean-Jacques Rousseau, no Contrato
Social, que seriam necessários deuses para dar leis aos homens.
6 Por paradoxo entendemos como sendo toda a qualquer ruptura, implícita ou explícita, na seqüência lógica de uma frase causando distúrbio na comunidade em que se está inserido ou na própria sociedade. Para o professor Leonel Severo Rocha, por exemplo, é preciso criar mecanismos “desparadoxizantes”.
Isso fere a isonomia, segundo entendemos. Analisemos. Se o
princípio da isonomia, também chamado de igualdade, aduz, segundo nos informa o
caput do artigo 5º, da Constituição Federal, que todos são iguais perante a lei, é certo
dizer que o conhecimento hermético deve ser partilhado com todos, vez que todos são
iguais. Não revelar o código a quem de direito, isto é, à sociedade, revela uma profunda
desobediência aos ditames constitucionais, segundo uma análise lato sensu. Saber dos
seus direitos é deveras saudável. Contudo, revelar o conteúdo, assim como pretende o
hermeneuta, é basilar. Enquanto a sociedade não tiver acesso aos códigos, e às suas
decodificações, não se poderá falar em isonomia. A isonomia que se observa é,
lamentavelmente, apenas formal (fruto de uma Constituição que ainda não saiu do papel
e que padece, a bem dizer da verdade, de muitos vícios formais, como a nossa).
Na obra A verdade e as formas jurídicas, de Michel Foucault, por
exemplo, o filósofo desenvolve um raciocínio bem interessante. Diz que o Direito é
instrumento de vingança porquanto não se busca a Justiça, ou seja, a suma virtude.
Ninguém neste mundo procura a Justiça. Procuramos, sim, a defesa dos nossos
interesses. E se se procura alguém, um advogado, para defender os nossos interesses,
diz-se que é possível comprar o direito que se alega possuir. Esbarramos, então, em uma
profunda questão de dignidade. Vejamos. Immanuel Kant, pensador, em sua obra
Crítica da razão prática, diz que se atribui valor às coisas através do preço. E se atribui
valor ao ser humano através da dignidade. Porém, quando ao homem for possível
atribuir preço, dir-se-á que ele perdeu a sua dignidade. E ousamos completar: se perdeu
a sua dignidade, porquanto lhe fora atribuído preço, diz-se que ele se coisificou. São
palavras áridas, reconhecemos. Contudo, merecem figurar aqui porque é importante
mostrar como o ser humano pode, segundo seu entendimento, vender-se. Quando ele,
ser humano, perde a sua dignidade, vez que se vendeu por alto ou baixo preço, causou,
em si, um paradoxo. Portanto, todo o seu discurso será com base na parcialidade. Ou
dito de outra forma: todo o seu discurso será indigno de nota. Porém, juridicamente
justificável – o que entendemos ser absolutamente condenável.
Como é possível de se perceber, existem dois tipos de discurso. O
primeiro, o crítico; o segundo, o clínico. Estes dois dão, segundo se pode observar,
sustentação à fala de quem, de maneira fluída, argumenta. Por exemplo, citamos a
poesia e a psicologia. A primeira, crítica; a segunda, clínica. Estes dois tipos de
discurso, segundo se percebe, são diferentes em essência. Contudo, relacionam-se de
uma forma bastante próxima. E dizemos, sem medo de errar, que dentro destes
discursos existe, sim, o estruturalismo7. Vamos exemplificar. Determinado indivíduo,
que pertence à comunidade jurídica, diz: “o Arcabouço Principiológico, em seu art. 5º
caput, define, em linhas abstratas, a concepção concreta da isonomia como
mandamento nuclear para que possamos conviver em sociedade.” Com o máximo
respeito, ninguém passaria a entender qual o verdadeiro significado destas palavras. O
tecido social, que é quem mais precisa de elucidações para o caso em tela, fica à
margem da Constituição Federal, que é de todos. O certo seria dizer que “a igualdade da
lei é aplicada a todos os seres humanos.” Ou mais sucintamente: “a igualdade é justa.”
Temos um exemplo de um discurso clínico, preso, portanto, a
algo absolutamente áspero e que, por isso, não pode ser decodificado. Frise-se que até
mesmo para quem pertence à comunidade jurídica fica bastante difícil compreender o
significado do que acima foi exposto.
A lei nos fornece um discurso problemático porquanto não
reconhecemos a sua identidade com o tecido social. A lei manifesta, conforme
dissemos, um discurso clínico-jurídico, isto é, um discurso preso à uma técnica sem
expressão, ou seja, inócua. O resultado que se espera mostra-se preso porque não
conseguimos decifrar (revelar o conteúdo) quando tocamos a estrutura principal da
norma. Ela, portanto, fica à mercê daqueles que, de maneira absolutamente técnica,
criam mecanismos para, inclusive, deturpar-lhe o teor. Algo que é condenável fica, à luz
do juridicamente sustentável, louvável. É a aplicação de algo eivado de vícios que se
torna legal.
Expressa Jacques Derrida:
“Ora sentimos bem hoje, de fato, se o comentário clínico e o comentário crítico reivindicam por toda a parte a sua autonomia, pretendem fazer-se reconhecer e respeitar um pelo outro, nem por isso deixam de ser cúmplices – por uma unidade que reenvia por
7 Inicialmente dentro do domínio da lingüística, o estruturalismo saiu deste domínio e migrou para outras áreas do saber, como por exemplo, a sociologia, a filosofia, a economia e a teoria literária. Vem a ser, portanto, toda e qualquer escola que se fundamenta em determinados métodos e concepções ligados à definição de estrutura, ou seja, é o método de análise e pesquisa que tem por objetivo buscar, em determinados ramos do conhecimento, estruturas significantes ou constitutivas, ou, em palavras outras, o conjunto das relações e inter-relações sociais de uma cultura, como família, costumes, ordem jurídica, etc.
mediações impensadas à que há pouco procurávamos – na mesma abstração, no mesmo desconhecimento e na mesma violência. A crítica (estética, literária, filosófica, etc), no instante em que pretende proteger o sentido de um pensamento ou valor de uma obra contra as reduções psicomédicas, chega por um caminho oposto ao mesmo resultado: faz um exemplo. Isto é, um caso. A obra ou aventura de pensamento vem testemunhar, por exemplo, em martírio, de uma estrutura cuja permanência essencial se procura em primeiro lugar decifrar. (DERRIDA, A escritura e a diferença, p. 109, 2002)
O filósofo ora em análise não poderia ter sido mais claro. Para
que possamos compreender a estrutura da lei devemos compreender os sentidos clínico
e crítico, isto é, aqueles que pertencem à comunidade jurídica devem fazer um esforço
para conjugar os dois sentidos. Assim, revelará o conteúdo, tornando-se um hermeneuta,
como conseqüência natural. Façamos um teste. Pergunte a qualquer indivíduo da
sociedade se ele prefere a leitura áspera, portanto, difícil de se compreender, ou se ele
prefere que lhe revelem o conteúdo, não afã de sanar eventuais dúvidas que possua.
Os sentidos clínico e crítico, portanto, estão atrelados ao
hermeneuta. Fazer relações, investigar, construir, desenvolver atividades poéticas e
psicológicas (sentidos clínico e crítico), e simplificar revelam atividade científica, isto é,
metodológica. A sociedade precisa destes decodificadores. Porém, assinalamos, é
preciso que aquele que enverede pela hermenêutica, quando for revelar todo e qualquer
conteúdo, expresse a realidade da norma, isto é, o seu sentido exato. Dissimular, neste
momento, seria deveras tentador. Mas para quem está atrelado à ciência, e tem
compromisso com a sociedade, a hipótese de sofismar não lhe toca a consciência.
É esta a cumplicidade que buscamos quando de uma
interpretação. Hermenêutica e interpretação, como mecanismos hábeis para se sanar o
discurso complexo que se percebe, deve ser pedra de toque, estando, inclusive, inserto
no discurso constitucional. Deixar de aplicar a cumplicidade à qual nos reportamos
revelaria uma postura diversa, ou seja, uma postura à margem da sociedade.
Ainda neste diapasão, é imperioso demonstrar como o discurso
pode (de)formar a platéia. Seria deveras fácil construir, dentro do art. 5º caput, da
Constituição Federal de 1988, elementos que utilizem os sentidos clínico e crítico como
forma de se justificar, por exemplo, o nazismo. Vejamos. Se todos são iguais perante a
lei, e se homens e mulheres têm os mesmos direitos e garantias, é possível afirmar,
portanto, que um (neo)nazista tenha direito de expressar o seu ódio ao povo judeu. Seria
juridicamente justificável8. Porém, condenável.
Toda essa violência simbólica que se constrói através do discurso,
e que passa a ser questionada (além de ser visivelmente prejudicial), porquanto a platéia
parece entender que é juridicamente válido sustentar o ódio, sinaliza como a
interpretação de um texto legal pode ser deturpada. Os sentidos clínico e crítico estão
atrelados à hermenêutica. E ela, nesse sentido, deve sanar todo e qualquer equívoco que
possa aparecer, no afã de estabelecer o saudável convívio social.
A dogmática, ou seja, os programadores jurídicos, lançam mão
desta condenável técnica diariamente – porquanto tentam, de uma forma que vem
ganhando espaço cada vez maior, domar o tempo, cristalizando, portanto, o caso em
tela. Para isso, sustentam a comparação com o que já foi julgado. Logo, desse trânsito e
julgado nasce uma tentativa, por vezes aceita, de parar o Direito, impedindo, assim, sua
evolução. E não estamos a propalar nenhuma teratologia conceitual. Basta ver o que
pretende a súmula vinculante.
E é o filósofo Montaigne quem nos revela que interpretar as
informações é mais árido do que interpretar as coisas. A carga valorativa que
desenvolvemos ao interpretar diversas interpretações está enraizada em observações
pessoais. Estas, segundo entendemos, estão relacionadas às nossas vivências. Assim,
uma norma, para o (neo)positivista, estaria intimamente ligada à forma pela qual ele
enxerga o mundo, isto é, sua posição frente à realidade é normativa, o que, segundo
apontamos, não é saudável.
É preciso desenvolver inter-relações (bem como intra-relações)
com os outros ramos do conhecimento que embasam, definitivamente, uma melhor, e
mais acertada, interpretação. Por isso que o hermeneuta, por exemplo, é mais preciso
quando de uma interpretação. Ao revelar o conteúdo, sustentamos, ele se socorre à
Filosofia, à Sociologia, enfim, aos ramos que, direta ou indiretamente, estão enraizados
naquele momento. A norma, fruto de uma construção temporal, não revela toda a 8 Anote-se que esta afirmação demonstra tão-somente um exemplo, não revelando, por certo, o nosso entendimento. Somos radicalmente contra estabelecer o ódio como peça que ainda fomenta, infelizmente, as discórdias entre os seres humanos.
expressão que podemos buscar. Ela, por ser estática, não está inserida na dinâmica da
sociedade. Para que a produção dos seus efeitos venha à baila, é preciso, em primeiro
lugar, provocar o Poder Judiciário, por exemplo. A inércia está profundamente ligada à
norma. Por isso que os (neo)positivistas sustentam a necessidade de se buscar, no
passado, isto é, em dado momento histórico, a inércia da norma. Eis o porquê da
necessidade de se domar o tempo.
Para os (neo)positivstas, portanto, a sociedade mostra-se estática,
à luz do que preconiza a norma. A função do parar o tempo, para esta corrente do
pensamento jurídico, resta comprometida porquanto a sociedade é dinâmica, antípoda
do conceito que pretendem alegar. Não se pode desenvolver um mecanismo contrário
para uma melhor explicação do tecido social. Ele, como sempre se altera, em virtude
dos infindáveis comportamentos que diariamente se alteram, não pode tomar como
definitiva a expressão de que a norma é o povo. A norma, como dissemos, é o resultado
de um dado momento. Cumpre, pois, ao hermeneuta, expandir este conceito (que até
então mostrava-se cristalizado) e aplicá-lo da melhor forma possível no presente, sem,
no entanto, congelar o futuro. É, portanto, tarefa das mais nobres. Porém, sustentamos:
das mais desgastantes.
Estes conceitos que se encontram enraizados nas profundezas do
discurso revelam, sem dúvida, ruptura. E, nesse sentido, podemos conceber e interpretar
de uma forma mais sadia, isto é, de uma forma mais eficiente. O tecido social necessita
das mais edificantes formas de interpretação para que a norma não padeça. Os
arquétipos montados pelos (neo)positivistas podem, sim, dar a impressão de que os
mecanismos de interpretação baseiam-se apenas no sentido gramatical. É sabido que
existem fins outros, como, por exemplo, o sistemático. É ele que expande a norma,
melhorando-a. O alcance, portanto, mostra-se para além do imediatismo positivista.
Substituir a rigidez pela flexibilidade é importante – porquanto os
meios de se interpretar passam por características pessoais e tocam, a bem dizer da
verdade, elementos objetivamente considerados. A norma não pode congelar o presente,
fazendo-a retroceder (como bem pretende a corrente do positivismo). A sociedade
precisa saber que existem diversas formas de interpretação e que, sendo assim, podem
se socorrer às mais eficientes para dirimir a lide que se avizinha.
O Novo Código Civil parece que entendeu o significado da
interpretação sistemática e estendeu, de forma bastante coerente, o seu significado
quando diante do conceito de função social do contrato.
O sistema, anote-se, é o todo. Analisar parte da sociedade, através
da norma, não representa avanço. Trata-se, pois, de retrocesso. Quando passamos a
entender que a regra está dentro do tecido social, passamos a conferir-lhe uma melhor
dinamização. No entanto, isso soa deveras prejudicial para a corrente (neo)positivista.
Prejudicial porque não percebem a necessidade de fazer interagir diversos ramos do
conhecimento para melhorar a norma, no sentido de expandi-la.
É o próprio Derrida quem nos informa:
“O substituto não se substitui a nada que lhe tenha de certo modo preexistido. Desde então deve-se sem dúvida ter começado a pensar que não havia centro, que o centro não podia ser pensado na forma de um sendo-presente, que o centro não tinha lugar natural, que não era um lugar fixo mas uma função, uma espécie de não-lugar no qual se faziam indefinidamente substituições de signos. Foi então que a linguagem invadiu o campo problemático universal; foi então o momento em que, na ausência de centro ou de origem, tudo se torna discurso – com a condição de nos entendermos sobre esta palavra – isto e, sistema no qual o significado central, originário ou transcendental, nunca está absolutamente presente fora de um sistema de diferenças. A ausência de significado transcendental amplia indefinidamente o campo e o jogo da significação.” (DERRIDA, A escritura e a diferença, p.232, 2002.)
A norma seria, segundo entendemos, um micro-sistema dentro do
qual pretendem colocar a sociedade (macro-sistema). Esta atitude, à luz de toda e
qualquer percepção, não guarda relação com a lógica, além de ofender, é evidente, a
essência do indivíduo – porquanto o que é maior faz uma espécie de proteção onde o
menor passa a descansar. As observações que aqui são feitas tocam o solo do que pode,
ou não, ser abrigado pela norma. Ela, como integrante de um macro-sistema, parece
conflitar com a norma naturalmente definida. É absurda a concepção que se avizinha,
qual seja, não podemos, com base nos elementos normativos, encerrar toda e qualquer
atividade que tenha o condão de melhorar aquilo que está ao seu redor, isto é, seria
como se a norma extinguisse todas as outras ciências, no desejo de aplicar –
positivamente – sua supremacia.
Derrida, mostrando-se absolutamente certo, diz que nos
reduzimos ao mero discurso e, sendo assim, acabamos por nos prender a uma relação
cuja qual não podemos definir. O sentido que pretendem aplicar, portanto, violenta, e
muito, a concepção de algo maior, ou seja, algo que está para além do próprio Direito.
Enquanto não se pensar em mais hábeis mecanismos de interpretação, a norma ainda
demonstrará sua força normativa, ditando, portanto, comportamentos. É preciso também
que esta nova consciência toque toda a sociedade. Discutir, portanto, qual o papel da
norma frente ao mundo moderno é tarefa imperiosa. E fugir ao debate representa
omissão, o que deixa de se saudável.
Fato é que se substituirmos a norma pelos princípios cairemos em
franco desespero, porque nada poderá ser regulado. Os princípios, como são deveras
flexíveis, permitiriam até mesmo o que é proibido. Fazer, indefinidamente, substituições
representaria menoscabo, atitude que não combina com os mais renomados cientistas do
Direito.
A mera substituição traduz o discurso deficitário que, em um
primeiro momento, responde aos anseios sociais. Desta afirmação, podemos dizer: é a
norma como se apresenta hoje em dia. Se não está de acordo, revoga-se, ou, para
minorar o efeito drástico, completa-se (mesmo se passarmos a presenciar lacuna ou
imperfeição legislativa). Passa, portanto, a vigorar. E se tece os seus efeitos no mundo
jurídico, até não haver mais espaço, porquanto novamente tornou-se deficitária,
passamos a discutir, de maneira absolutamente infecunda, sua inconstitucionalidade. O
certo seria aplicar as ciências como um todo dentro da norma.
Certo é que o jurista, o técnico propriamente dito, isto é, os
programadores jurídicos, não gostam de alterar o que já está definido. Alterar algo
significa desgastar-se, movimentar a engrenagem que dificilmente é movimentada –
porquanto a desídia é amiga íntima dos juristas. Movimentar a engrenagem, conforme
colocamos, representaria avançar no assunto o que causaria, segundo entendemos,
transtorno, mudança de postura. Mudar a norma representa um esforço sem par para o
técnico. A técnica, insistimos, mutila o verdadeiro labor intelectual (ou como gostamos
de dizer, mutila o verdadeiro devaneio cognitivo).
Diante destas afirmações, observamos que a estrutura passa de
rígida a tênue, o que compromete o Estado Democrático (e Social) de Direito. Nossa
Constituição Federal, portanto, passa a desenvolver mecanismos não muito eficientes.
Nossa Magna Carta, registre-se, como não é norma, permite que elementos
inconstitucionais se infiltrem (tal como um vírus que destrói as células de defesa,
temporariamente).
É preciso possuir um discurso concreto, isto é, real, que toque –
saudavelmente – os alicerces constitucionais. A norma não pode ser mero joguete que
se constrói ao balanço do mar. A norma precisa ser testada à exaustão, no afã de
responder aos anseios sociais. Não se pode conceber uma sociedade sem a presença do
Direito. Isto não pode ser contestado. Porém, não podemos conceber uma sociedade
refém da norma. Sua aplicação deve possuir responsabilidade social. Os elementos que
passam a definir uma nova norma não devem ser tratados como se fossem uma mera
aventura jurídica. Aventurar-se em terreno desconhecido, mesmo possuindo a técnica
que se diz possuir, representa, também, risco. E ele, sem sombra de dúvida, pode, sim,
deformar a aplicação de algo que foi desenvolvido para o bem da comunidade.
É comum perceber que o grande erro em que repousam os
(neo)positivistas está em fundamentar como é importante a norma. A afirmação que
aqui se faz está intrinsecamente relacionada à defesa dos seus interesses, ou seja,
desenvolvem tal postura no intuito de preservar-se, isto é, levar consigo toda uma
geração que dependa de suas análises. O discurso, portanto, é frágil porque suas
alegações tocam uma estrutura nada convencional. Origem, objetivo e finalidade nada
representam para esta corrente.
O tempo do positivismo findou. Ele não tem o condão de ainda se
sustentar no solo do Direito. À guisa de exemplo, o professor Celso Campilongo9 diz
que os teóricos que nada dizem proclamam e sustentam os seus discursos enquanto
passam pelos mais diversos terrenos. Porém, como estão presos a um discurso, não
percebem que caminham em direção a um atoleiro. E será lá que ainda insistirão em
divulgar as suas palavras mesmo que, para isso, paguem com a vida. Tal atitude é
9 Primeiro dia de aula, aos 11/8/2004, no auditório do Gabinete Unificado dos Desembargadores, em São Paulo, quando cursávamos a Especialização em Direito Público, na Escola Paulista da Magistratura.
comparada àquele que prega no deserto. Se alguém pára para ouvi-lo será uma vitória.
Contudo, é possível que o ouvinte seja uma miragem.
A ausência de um mecanismo hábil e que forneça subsídios mais
adequados aos (neo)positivistas desestrutura-lhes a essência. O caminho pelo qual
enveredam é deveras árido – porquanto criar a norma não é tarefa das mais fáceis,
reconhecemos. O caminho ora apontado por nós passa por uma análise social,
fundamental para se conceber este novo modelo de sociedade que está em franca
evolução. Não há possibilidade física de se criar algo alheio ao próprio tecido social. É
necessário, pois, soluções que tendem a caminhar neste sentido. E buscá-las, pensamos,
requer método, isto é, um caminho. Pensar a sociedade como objeto é o que pretendem
os adeptos desta corrente. Isto é deplorável – além de ser incompleto. Vejamos. É
preciso pensar a sociedade como sujeito da relação política, no sentido que a expressão
nos revela, ou seja, de polis, a saber, cidade. Quando se passar a conceber a comunidade
como estrutura dinâmica, isto é, que se altera a todo o instante, teremos uma “norma”
melhor, apta, portanto, à compreensão do tecido social.
Possivelmente não interessa aos (neo)positivistas entender desta
forma. A estrutura já edificada ainda produz resultados tipicamente normativos e que,
nesse sentido, geram resultado. E por estar sedimentada, pensamos, requer um esforço
complexo para não se mexer em alicerces tradicionais.
Pensar o Direito não pode revelar uma postura parcial,
observamos. Pensá-lo representa, antes de mais nada, disciplina, organização e
desconstrução para que se aplique, em terreno fértil, o que se pretende, a saber, a
divulgação de um novo Direito à luz das transformações sociais que tocam o solo do
século XXI.
A postura cômoda dos juristas, isto é, dos técnicos, revela
arrogância. Seria necessário desenvolver um movimento dialético capaz de seduzir o
programador jurídico, revelando-lhe o óbvio, qual seja, que a norma puramente positiva
não traduz a essência das transformações sociais. Um exemplo típico e que tocou o solo
da Carta Política de 1988, é o art. 22710 caput. O Direito não pode produzir monstros
normativos. Ele não pode dormir enquanto a sociedade se transforma. Afinal, diz o
adágio jurídico que o Direito não socorre a quem adormece.
Esta corrente do pensamento jurídico pretende politizar o Direito
e jurisdicionalizar a política. É condenável esta postura, frisamos. Vamos explicar.
Quando se desenvolve tal método de aplicação, passamos a deixar o Direito um pouco
mais flexível. Isto não é saudável e não revela contradição quando assim nos
posicionamos11. O fato de se desenvolver a postura pretendida pelos (neo)positivistas
indica que a atividade legislativa, que é essencialmente técnica (e que agrada, portanto,
àqueles), passa a tutelar, quando desta postura, interesses de determinados grupos
econômicos, o que revela, nesse sentido, parcialidade. Quando houver a possibilidade
de um Poder Legislativo mais preparado para lidar com o trato social, politizar o Direito
e jurisdicionalizar a política será permitido, se se atender às transformações sociais que
se avizinham.
Esta situação desconfortável que é gerada em virtude da produção
deste tipo de discurso, qual seja, o político-jurídico, indica que pouco avançamos no
tema. Foi-se o tempo em que a interpretação gramatical garantia o melhor dos
resultados. Isso causa um verdadeiro paradoxo. Os conceitos estabelecidos, ou a
tentativa de se criar o obsoleto com roupagem nova, traduz a completa despreocupação
com o social, que é deveras gratificante. Fomentar a produção das discussões em terra
fértil revela compromisso a curto prazo. Interessa saber se atitudes desta monta
traduziriam o efeito almejado.
É um ciclo histórico que se repete. O positivismo, ou melhor, o
(neo)positivismo, tenta sobreviver e construir a possibilidade de um mundo normativo
melhor. Cercar a sociedade representaria retrocesso, privação de direitos. E não faz
10 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (grifos nossos) Como se percebe, este artigo, além de outros igualmente importantes, revela o mero discurso, ou seja, o discurso que nada traduz – porquanto a prática, que é deveras importante para que possa ganhar o real significado do que em teoria fora descrito, é mutilada em essência.11 Queremos dizer que flexionar o Direito seria prejudicial à sociedade porquanto alguns direitos e garantias, quando da adoção de determinada conduta, poderiam ser vulneradas ou mesmo se perder no infinito.
muito tempo que o mundo sentiu os efeitos nefastos desta postura belicosa. Hitler,
Mussolini, e, no Brasil, a Ditadura Militar, apontaram que seria necessário desenvolver
uma saudável mudança. E se possível for, seria necessário transformar o próprio
Direito12.
Torna-se evidente que há muito não mais se fala em revelar o
conteúdo do Direito. Ele, qual seja, o Direito, mostra-se em descrédito – assim como
aconteceu com a Filosofia, por exemplo. Não se pode considerar, quando lançamos um
olhar mais detalhado sobre a norma jurídica, que as ações continuem a produzir os
mesmos efeitos que em outrora. Habermas, a bem dizer, nos traz a informação de que
algo aconteceu com os filósofos em geral. Hegel, Kant e Nietzsche passam a ser
desacreditados, informa-nos o pensador, a Junho de 1981, quando de uma conferência
em Stutgart, Alemanha.
Passa a dizer que se passarmos a olhar sobre o muro deixaremos
de lado nossas miopias e veremos, como decorrência lógica, que algo de funesto tocou o
solo da Filosofia, como anteriormente dissemos. E isso faz nascer em nós a impressão
de que daqui há um século o próprio filósofo, qual seja, Habermas, poderá ser
expurgado e, portanto, a ele não se atribuir nenhuma inovação conceitual.
O Direito passa pela mesma crise. Ou melhor: o Direito está em
crise de identidade e passa a ser entendido como um meio que não oferece a devida
segurança social. Suas ações, portanto, mostram-se desatualizadas, segundo passamos a
observar. O descrédito pelo qual passaram os pensadores tocou, infalivelmente, o solo
dos juristas.
Torna-se truísmo dizer que deram contribuição ao Direito. Isso é
inegável. Contudo, o Direito passou a comprar a idéia de que tudo estava explicado, à
luz das estruturas normativas. E a norma, como dita comportamentos, enfrenta, até
então com bravura, as sedições que tocam o solo da sociedade. Por um breve período,
observamos, tal aplicação surtiu o efeito almejado. Por um breve período...
12 A respeito do tema, compulsar nossa monografia de especialização em Direito Público intitulada “Da epistemologia e hermenêutica – um ensaio para a compreensão do Direito Constitucional (ou da Carta Magna: um resgate de sua pureza a partir da Teoria da Transformação Jurídica).”
A sociedade evoluiu. Isso também é inegável. Havia o Código
Civil de 1917 que produziu efeitos até então. Surgiu, para uma melhor resposta à
sociedade, o Novo Código Civil, qual seja, a Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.
Nasce desatualizado, frisamos. Portanto, resposta plenamente efetiva não houve.
Como a analogia é admitida no ordenamento jurídico brasileiro,
nos casos em que a lei for omissa13, cuidamos em desenvolver este vazio existencial que
perturba o Direito.
Esta análise sistemática deve ser feita porquanto é necessário
entender os porquês que insistem em tocar o Direito. Essas lacunas, por exemplo,
podem ser muito bem encontradas na Filosofia. Mas há algo de perigoso nisso tudo: a
Mãe de todas as Ciências vem desenvolvendo um certo receio de revelar o conteúdo,
que atende pelo nome de Verdade.
Habermas critica a posição de Immnuel Kant quando este nos
informa que a Filosofia vem a ser a última das instâncias. E, como tal, sua palavra é lei.
E, se lei, deve ser obedecida, independentemente dos vícios que tocam a sua estrutura14.
Ela representaria, portanto, a cúpula do Poder Judiciário brasileiro. E dessa decisão não
haveria a possibilidade de se impetrar mais nenhum recurso.
Os operadores do Direito enfrentam um grande dilema, a saber:
desconstruir a norma ou continuar a aplicá-la de forma obsoleta e desgastada? Segundo
observamos, face às grandes transformações sociais que se avizinham, não resta dúvida
que a melhor alternativa seria, como já dissemos, desconstruir a norma jurídica e
revelar-lhe o verdadeiro conteúdo. Portanto, pugnamos por uma norma sócio-filosófica
que, observando as diretrizes da transdisciplinariedade, passaria a criar um Direito mais
apto ao social rompendo, em definitivo, com a estrita legalidade.
13 Art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”14 À guisa de analogia, seria o mesmo fato que ocorreu com o IPMF que, para fugir da inconstitucionalidade, teve a sua estrutura transmutada em CPMF. É, mesmo assim, inconstitucional e que produz, lamentavelmente, efeitos no mundo jurídico. Sob a pecha da legalidade, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (nove, na verdade), declarou sua constitucionalidade. É mais um caso de algo juridicamente sustentável. Porém, moralmente condenável!
Torna-se evidente que a discussão ora apresentada, se bem
enxergamos, toca a questão fundamental, qual seja, os princípios. Estes estariam
desgastados (ou estariam a sofrer mutação, o que pode deformar-lhes o conteúdo).
Façamos a seguinte pergunta: esse desgaste – ou mutação – está intrinsecamente
relacionado aos mais profundos avanços culturais, artísticos, morais, filosóficos,
sociológicos, políticos e tecnológicos? Se a primeira resposta for não, devemos crer que
a sociedade ainda dorme na Idade Média, como assim pretende considerar o
(neo)positivsmo. No entanto, se a resposta for afirmativa diz-se que os modelos
culturais, artísticos, morais, filosóficos, sociológicos, políticos e tecnológicos há muito
sofreram, em suas raízes, alterações e, sendo assim, a questão principiológica restaria
prejudicada, o que vale dizer: como a sociedade avançou de uma maneira ímpar, ela
passou a esquecer que a norma faz, sim, parte da sua estrutura.
Trata-se de um movimento cultural interessante, se é que assim
podemos denominar. Um movimento que afasta a norma, tal como se apresenta, isto é,
em sua estrita legalidade, mas que necessita de um controle normativo, sociológico e
filosófico, mais preparado para lidar com os anseios do século XXI (ou século das
transformações sociais, como ousamos denominar).
Habermas diz:
“Há, portanto, uma conexão entre a teoria do conhecimento fundamentalista, que confere à filosofia o papel de um indicador de lugar para as ciências, e um sistema de conceitos ahistórico, sistema este que é enfiado sobre a cultura como um todo e ao qual a filosofia deve o papel não menos duvidoso de um juiz, a presidir um tribunal sobre as zonas de soberania da ciência, da mora e da arte.” (HABERMAS, Consciência moral e agir comunicativo, pg. 19, 1989.)
Se a Filosofia pudesse responder às questões jurídicas de uma
maneira absolutamente plena, e se declarássemos que somente ela pudesse administrar
os conflitos que estão insertos na sociedade, esbarraríamos na figura do rei-filósofo,
segundo nos informa Platão, em sua obra a “República”. Refutamos essa idéia
sobremaneira (porquanto a construção da figura do rei-filósofo mostra-se eivada de
vícios desde a sua concepção). Não estamos a expurgar a utilização da Filosofia no
Direito. Ela é, sim, deveras importante (e quanto a isso não temos a menor dúvida).
Estamos apenas a considerar que a norma é parte intrínseca da Ciência Jurídica. E como
tal, é objeto de estudo do próprio Direito. Quer-se dizer que o Direito estuda o próprio
Direito (o que faz surgir severas críticas sobre o seu método de atuação social). Estudar-
se revela parcialidade, o que faz ocultar, inclusive, os defeitos que existem na própria
norma. Talvez o coerente fosse estudar a norma não como objeto, mas como sujeito. Por
isso falamos em uma norma sócio-filosófica.
Kant dizia que a Filosofia ocupava o papel de juiz, ou seja, de um
ente supremo que administraria todos os desejos dos seres humanos. É evidente que o
filósofo deveria padecer de uma febre terçã quando desta alegação, segundo
entendemos. A moderna Filosofia questiona a si própria e refuta todo e qualquer ato
normativo que tenha o condão exclusivo de ditar comportamentos. É preciso que haja
entre as Ciências (Humanas, Exatas e Biológicas) expectativas, isto é, diálogo. O
Direito, à guisa de curiosidade, não cria expectativas em relação aos outros ramos da
Ciência. Sua estrutura é, evidentemente, impositiva, isto é, dita comportamentos. Logo,
cria-se a não-expectativa, o que corresponde à frustração, à luz dos conceitos de Niklas
Luhmann. Isso faz com que o conhecimento desenvolva uma postura linear, o que é
deveras prejudicial à sociedade. O certo seria desenvolver o conhecimento radical, isto
é, profundo, questionador da sua própria essência.
Trata-se do conceito de pós-modernidade. E segundo podemos
entender, a pós-modernidade vem a ser toda a gama de conhecimentos que sofreram
desconstrução em face dos efeitos culturais, artísticos, morais, filosóficos, sociológicos,
políticos e tecnológicos que tocam, fundamentalmente, os anseios do século XXI. Não é
à toa que a obra de Edgard Morin, intitulada Os desafios do século XXI – religar os
conhecimentos, buscou construir uma sociedade mais preparada para lidar com as
vicissitudes que se avizinham. A pós-modernidade, portanto, está intimamente
relacionada às transformações sociais.
O Direito é instrumento de controle social. Basta uma análise
simples para se verificar o que estamos a dizer. A norma, tal como hoje ainda se revela,
governa as ações humanas. A norma seria como Filosofia, à luz dos conceitos
kantianos: exerce a função de dominação. Kant nos traz a informação de que a Filosofia
dita os lugares das ciências. E quando deste comportamento impõe, isto é, delimita o
campo de atuação. Hodiernamente, observamos, o Direito inspira-se nas lições do
filósofo, o que é deveras prejudicial. A Mãe de todas as Ciências libertou-se da mácula
que a acompanhava. Contudo, esta mudança de postura não se aplicou ao Direito.
Essa técnica jurídica, portanto, atesta que a norma a tudo não
responde, como já havíamos colocado. O desespero dos diversos movimentos sociais15,
por exemplo, demonstra claramente o nosso raciocínio, qual seja, que se faz necessário
desconstruir a técnica jurídica e construir, em terreno mais fértil, a possibilidade de uma
nova norma, mais próxima, assim entendemos, do tecido social.
Todas as Ciências, hoje, passam por crises. E solucioná-las não é
tarefa das mais fáceis. Com o Direito não poderia ser diferente. Ele se encontra dentro
das linhas mais frágeis – porquanto sua linguagem, hermética em essência, remete-nos a
um passado deficitário, propriamente normativo. Esse passado-presente, como ousamos
chamar, traz à baila a velha discussão que será tema corrente em nossa dissertação:
como equilibrar o Direito e fazê-lo produzir a sadia norma? Dizemos que a resposta
encontra-se sustentada na Teoria da Linguagem, mais apta a construir valores reais e
que informam à sociedade.
A produção dos efeitos, portanto, está intrinsecamente ligada à
maneira como o tecido social reage, isto é, como as transformações jurídicas passam a
integrar o grande sistema social. E essa ruptura brusca que se avizinha, ou seja, essa
ruptura com o estritamente normativo, conduz o Direito a um atoleiro. E será lá que a
estrutura normativa decretará o fim das relações sociais. Ou o Direito muda ou as
relações sociais entrarão em franco declínio, desaparecendo gradativamente.
Por fim, apresentamos, pela ordem, os seguintes pontos fulcrais
que orientaram o nosso estudo:
a) aplicar a desconstrução de Derrida na dogmática jurídica,
apontando as falhas nesta estrutura tradicional;
15 Os movimentos sociais aqui estabelecidos não se encontram situados em nenhuma cor partidária. Significa apenas que a sociedade se movimenta, isto é, busca novas formas de interpretação, de construção de um novo Direito que toque, fundamentalmente, os anseios sociais, tão-somente.
b) socorrer-se ao pensamento de Foucault para desenvolver o
discurso da linguagem e os perigos que ela nos revela;
c) entender o consenso de Habermas e preencher as lacunas que
permeiam o Direito;
d) criar observações nas lições que a Sociologia do Direito
constrói fornecendo, é evidente, mecanismos eficazes para se melhorar a sociedade;
e) compreender a diversidade do tecido social utilizando a
Filosofia e a Sociologia para identificar os problemas estruturais que tocam a raiz do
Direito;
f) avaliar se as lições de Derrida, Foucault e Habermas conduzem
a sociedade para um caminho mais saudável;
g) afastar o raciocínio deficitário da dogmática jurídica que toca o
tecido social, impedindo-o de evoluir;
h) buscar uma possível solução para a imprecisão da linguagem
no Direito;
i) (re)estabelecer o elo de ligação, genuíno (apontamos), entre
sociedade e Direito;
j) introduzir a perspectiva histórica para melhor compreender a
involução do Direito;
k) compreender como a retórica está intrinsecamente ligada ao
Direito e, se dessa poderosa união, restou algum efeito nocivo para a sociedade;
l) estabelecer paralelos e demonstrar, com rigor científico, quais
os problemas mais comuns que tocam o solo do Direito;
m) revelar, através da Filosofia, especificamente na obra de
Werner Jager, a saber, Paidéia – a formação do homem grego, porque o uso de
sofismas faz surgir um Direito alheio à sociedade;
n) decodificar a estrutura da dogmática jurídica com base nas
principais obras do professor Leonel Severo Rocha;
o) buscar um possível entendimento para as novas perspectivas do
Direito no século XXI;
p) procurar a estrutura deficitária da norma e melhorá-la através
dos ensinamentos de Leibniz;
q) utilizar a hermenêutica como a principal ferramenta no
universo das pessoas e do próprio Direito;
r) entender os motivos que levam ao ruído, isto é, na falha de
comunicação em virtude da má construção da norma.