Direito Penal Atual (Aula Do Saber Direito)

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DIREITO PENAL ATUAL Prof. Alexandre Salim. - Vamos tratar: 1. Teoria do garantismo penal do professor Luigi Ferrajioli; 2. Inconstitucionalidade ou não das normas penais cegas; 3. Direito Penal do Inimigo (funcionalismo normativista ou sistêmico de Günter Jacobs); 4. Velocidades do Direito Penal; 5. Tese do mestre argentino Eugênio Raul Zaffaroni (Tipicidade Conglobante). 1ª Aula: Teoria do Garantismo Penal Luigi Ferrajioli Ferrajioli não é um penalista, mas um jurisfilósofo. Ganha fama no mundo quando lança uma obra em 1989, chamada “Direito e Razão”. Este livro tem mais de 20 anos, e escreveu tantos outros livros aprimorando a teoria do garantismo penal. A pergunta é: o que são garantias? Resposta: são direitos, privilégio, isenções e imunidades que a constituição de um país confere a seus cidadãos. Ferrajioli para fundamentar o garantismo penal parte de uma antítese: de um lado o poder punitivo do Estado e de outro a liberdade do cidadão. Para Ferrajioli, o poder punitivo do Estado tem de ser limitado ao máximo, enquanto que a liberdade do cidadão tem que ser ampliada ao máximo.

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DIREITO PENAL ATUAL

Prof. Alexandre Salim.

- Vamos tratar:

1. Teoria do garantismo penal do professor Luigi Ferrajioli;

2. Inconstitucionalidade ou não das normas penais cegas;

3. Direito Penal do Inimigo (funcionalismo normativista ou sistêmico de Günter Jacobs);

4. Velocidades do Direito Penal;

5. Tese do mestre argentino Eugênio Raul Zaffaroni (Tipicidade Conglobante).

1ª Aula:

Teoria do Garantismo Penal

Luigi Ferrajioli

Ferrajioli não é um penalista, mas um jurisfilósofo. Ganha fama no mundo quando lança uma obra em 1989, chamada “Direito e Razão”.

Este livro tem mais de 20 anos, e escreveu tantos outros livros aprimorando a teoria do garantismo penal.

A pergunta é: o que são garantias?Resposta: são direitos, privilégio, isenções e imunidades que a

constituição de um país confere a seus cidadãos. Ferrajioli para fundamentar o garantismo penal parte de uma antítese: de um lado o poder punitivo do Estado e de outro a liberdade do cidadão.

Para Ferrajioli, o poder punitivo do Estado tem de ser limitado ao máximo, enquanto que a liberdade do cidadão tem que ser ampliada ao máximo.

O garantismo é o meio termo; afasta um Estado antiliberal com as suas teses maximalistas que chegam ao seu máxime com o direito penal do inimigo mas também não se quer uma tese selvagem comas idéias abolicionistas.

O garantismo nada mais é do que uma política criminal; um modelo de direito ligada a uma política criminal minimalista. Temos que compreender antes de mais nada a criminogênese: As escolas positivas, seja a italiana ou a francesa. A italiana com Lombroso, Ferri e Rafaele Garófalo, que dizia que o crime é um fator endógeno.

Alias fica a pergunta: o homem nasce mal ou a sociedade o torna mal? O crime é um fator endógeno ou exógeno (nasce bom por natureza mas a sociedade por fatores externos o tornam mau)?. A escola italiana diz que o homem nasce mal, ou seja, um fator exógeno. Para isso, Lombroso dizia que, a partir de certas características humanas poder-se-ia verificar a ocorrência de

um criminoso nato. A grande característica da escola positiva italiana é o processo atávico ao homem primitivo, ou seja, há certos genes que herdamos de nossos antepassados, ou seja, o crime está no gene, e leva o sujeito inevitavelmente à criminalidade. O crime é uma doença e como tal deve ser tratada.

A escola positiva francesa de Lion, com Lacassaine, Durkein (pai da sociologia moderna) vai além, pois diz que são fatores endógenos e exógenos que contribuem para a criminalidade. Diz que o criminoso é um vírus, um micróbio encubado, que estão esperando o meio ambiente ideal para eclodir. Pode ser que o sujeito não obstante tenha a tendência por um fator endógeno tenha a tendência, mas pode ser que nunca cometa o crime porque não encontrou o meio ambiente adequado. Meio ambiente mais o fator endógeno, dá ensejo à criminalidade.

Esta é a primeira fase. E essa primeira fase dá ensejo à segunda fase, com as teorias macro-sociológicas da criminalidade (teorias americanas).

Começa na década de 20 com a Escola de Chicago, que vê o crime como um evento natural. Não é a toa que se fala em “teoria ecológica da criminalidade”, onde a cidade grande produz a delinqüência. É o tempo das grandes imigrações, da formação de grandes cidades e também dos guetos. E nesses lugares é que se produz, geralmente, a criminalidade, ligados à grandes parques industriais.

A escola de Chicago dá lugar à “teoria da associação diferencial”, de Sutherland. O crime antes era vinculado a algo das classes menos favorecidas. Com a teoria da associação diferencial diz-se que o crime pode estar ligado às classes mais abastadas. É nesse contexto que surgem os famosos “crimes do colarinho branco”.

A teoria da associação diferencial, dá lugar à “Teoria da Anomia”, significando que, são contextos sociais faltam coesão e ordem (sem norma) em especial a valores e normas. Quando surgem esses espaços anômicos no contexto social, o sujeito se sente isolado dentro dessa sociedade, e assim ele começa a desenvolver condutas autodestrutivas, como o suicídio.

A teoria da anomia dá lugar à “teoria da sub-cultura delinqüente”. Diz que há uma subcultura dentro de um contexto cultural maior. Explica a existência das “gangs”. Muitas vezes, o sujeito para ser aceito numa gangue precisa cometer delitos. Esses valores da gangue, para o sujeito passa a ser maior do que os valores sociais. Isso vale não só para a gangue, mas para estudantes, polícia, exército etc (modo de vestir, interrogar agir etc)

Chegamos à “teoria do ‘lembling aproud’” - etiquetamento ou rotulação – onde o sujeito acaba assumindo um papel social que os outros enxergam nele. Ex: ele é egresso do sistema carcerário. Ele quer um emprego, uma oportunidade. Ele tenta, mas não consegue, porque é ex-presidiário. Ele se cansa de tentar e pensa que, como é ex-presidiário, acaba cometendo crimes para voltar ao sistema. O que os criminosos tem em comum nessa teoria é a resposta das agências de controle.

Depois dessa teoria, estamos por volta da década de 70, onde surge a “teoria crítica” ou a “nova criminologia”. É uma criminologia da criminologia, onde tenta investigar a própria criminologia. É com essa teoria que surgem 3 propostas de política criminal:

1. o abolicionismo penal;

2. o neo realismo de esquerda;3. o minimalismo penal.

O abolicionismo penal vem com uma tese defendida por News Kristen e o professor holandês Luke Ullsman. Pregam a extinção o direito penal, sua substituição por um direito administrativo sancionador. Sempre haverá um controle social, e o direito penal é mais um desses controles. O controle social começa em casa, nas escolas, nas igrejas e chega até as grandes mídias. E o direito penal é um desses controles sociais, mais uma manifestação do controle social. É impensável uma sociedade hoje que se guie sem um direito penal. Se essa teoria vingasse no Brasil, voltaríamos à época do “talião”, onde as pessoas fariam justiça pelas próprias mãos. Um caos.

O neo-realismo de esquerda, com suas teses rigoristas e maximalistas. Estamos na década de 70, na falência do “wellfare estate” (bem estar social), o que dá ensejo a que teses políticas ultra radicais de direita aflorem, como a “tolerância zero”, a “teoria das janelas quebradas” (broquen windows) a “teoria das 3 faltas e você está fora” (three strikes and you out) e chegamos a última, o ápice das teorias, a do “direito penal do inimigo”.

Rudolf Giuliani, egresso do Ministério Público, se torna prefeito de Nova York, e acaba instituindo a tese radical “tolerância zero”, dizendo que todas as infrações deveriam ser tratadas com o mesmo rigor, fosse de qual gravidade fosse. Nesse mesmo contexto histórico, surge a “teoria das janelas quebradas”, que quer dizer a mesma coisa que a teoria da tolerância zero. Por essa teoria, temos o exemplo de uma fábrica abandonada. Um grupo de jovens, percebendo que a fábrica está abandonada, quebra uma janela. Eles gostam do que fazem, e no outro dia picham o muro da fábrica. O Estado nada faz, e assim, os jovens evoluem com os atos de vandalismo, e isso acaba contaminando todo o bairro e a sociedade. A idéia dessa teoria é o seguinte: preciso combater os pequenos crimes para se evitar que se tornem crimes maiores e contaminem todo um grupo social.

Essas políticas radicais querem dizer a mesma coisa. Há uma política que vigora até hoje, vindo do “baseball”, que diz que “três faltas e vocês está fora”. O sujeito que erra três vezes está fora da rodada. Ou seja: praticou uma infração leve, cuidado! Praticou outra, fique esperto, pois se você praticar outra estará fora do sistema. Ou seja, o Estado acaba dando chances de o agente perceber que está cometendo erros na sociedade e dá uma chance para se recuperar sozinho, mas se persistir em suas condutas, será tirado do sistema.

O ápice das teses maximalistas chega com a tese do “direito penal do inimigo”.

Explicamos as teses maximalistas.

- Dentro do minimalismo penal, temos Ferrajioli. O garantismo é um dos reflexos do minimalismo. Surge na década de 80, como já explicado.

Ferrajioli sugere um meio termo, um modelo de direito que afasta teses radicais e não quer também uma liberdade selvagem.

Mas como ele coloca em prática esse tese de minimização do poder punitivo do Estado e aumentar a liberdade do homem?

Ele usa o “sistema garantista SG” (conhecido como sistema “SG”,de Ferrajioli). São 10 princípios fundamentais básicos ligados à pena, ao delito e ao processo.

a) Ligados à pena:

Nulla pena sine crimine – não há pena sem crime. Princípio da retributividade. Diz respeito basicamente às teorias e as finalidades da pena. Existem, de regra duas teorias, cada uma com uma finalidade relativa à pena. De um lado a teoria absoluta com a sua finalidade retributiva; de outra a teoria relativa, com a finalidade preventiva. No Brasil existe uma terceira teoria, a unificadora, eclética ou mista, que traz tanto finalidade retributiva e a preventiva. A teoria absoluta diz que o crime é um mal, e ao mal praticado pelo indivíduo a resposta que o Estado dá é a pena. São defensores dessa teoria Hegel e Kant. A Teoria relativa diz que não há retribuição, mas caráter de prevenção à pena, sendo positiva ou negativa. A negativa pode ser uma negativa geral (podendo ser aplicada a todos na sociedade, que diz que, não deve delinqüir, pois se praticar o crime receberá pena tal, como o sujeito ali. Serve como um exemplo) e uma negativa especial (cai especialmente à figura do condenado. Serve para evitar a reincidência do cidadão). Pode ser positiva. A positiva geral (significa levar as pessoas à confiança dentro do direito penal.O direito penal é bom e necessário). Finalidade Positiva especial (leva à ressocialização do acusado).

Nulla poena sine crimine – nullum crimen sine legem – princípio da legalidade. Dois preceitos básicos: 1) art. 1º do CP e; 2) art. 5º inciso XXXIX, CF. Não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal.

Nulla lex (poenalis) sine necessitate – princípio da necessidade. O que Ferrajioli chama de princípio de necessidade, chamaremos de princípio da intervenção mínima, que é uma realidade nas Cortes Superiores. O princípio da intervenção mínima acaba sendo expressão genérica para dois princípios específicos: a) fragmentariedade; b) subsidiariedade. A fragmentariedade diz que, somente bens jurídicos relevantes é que merecem a tutela penal e somente ataques intoleráveis é que podem sofrer a reprimenda penal. Já a subsidiariedade, significa a ultima ratio do direito penal. O direito penal somente pode intervir quando outros ramos do direito, principalmente o direito civil e o administrativo não conseguirem resolver o problema.

b) Ligados ao delito:

Nulla necessitas sine injuria – princípio da ofensividade. Nos diz que não há crime sem lesão ou exposição a perigo concreto do bem jurídico. Alguns o chamam de princípio de lesividade. Surge uma discussão quanto ao que diz respeito aos crimes de perigo abstrato. Existe uma classificação no direito penal que divide os crimes de dano, de um lado, e crimes de perigo, de outro. Os crimes de dano pressupõem a perda do bem jurídico para a sua consumação. Os crimes de perigo, se consumam com a probabilidade de lesão, não há necessidade de efetivação de dano. O crime de perigo pode ser de perigo concreto ou abstrato. No crime de perigo concreto, essa situação de perigo tem que ser inegavelmente demonstrado no processo para que se

consume. Pense no art. 250, CP, incêndio. Não basta causar incêndio, tem que expor em perigo a vida, o corpo do sujeito. Mas a questão de fundo diz com o perigo abstrato. O crime de perigo abstrato traz uma presunção “jure et de jure” (absoluta), no sentido de que de uma determinada conduta advém o perigo. Basta que eu, como Promotor, descreva na denúncia um crime de perigo abstrato, que se presume absolutamente que daquela conduta advém perigo. A discussão parte do lado do acusado, pois se da descrição da conduta já advém perigo, você defendê-lo de que? Desrespeito ao princípio da ampla defesa. E também há ofensa ao princípio da ofensividade, já que a situação ao perigo não precisa ser demonstrada. A crítica diz que é inconstitucional porque ofende a taxatividade do direito penal. Há vários crimes de perigo abstrato, sendo que uns pendem da taxação de inconstitucionalidade, outros não. O tráfico de drogas, por exemplo, é um crime abstrato, e nem assim é considerado inconstitucional . O maior problema vem ao porte de arma desmuniciada. Se ela está desmuniciada, não traz perigo e assim, não se destina ao fim para o qual foi criada, que é proferir disparos. Mas temos que resolver um problema de interpretação sistemática: não é crime portar arma sem munição, mas é crime portar munição sem arma? Como sair disso? A corrente que defende a inconstitucionalidade vai além e diz que não é crime portar munição sem arma, sob pena de ofender o princípio da ofensividade. No STJ, diz que é típico o crime de portar arma sem munição, pois se trata de crime de perigo abstrato e traz perigo á toda a sociedade, que é ente desprovido de personalidade jurídica. No STF, precisamos enfrentar a questão da do princípio da disponibilidade imediata: se o sujeito não obstante porta arma de fogo sem munição pode ter acesso imediato a essa munição, o crime ato é típico, caso contrário, não. Ex: sujeito traz arma no banco do carro, e a munição está no porta luvas, para o STF é típico, uma vez que o sujeito a qualquer instante pode pagar a munição e armar.

Nulla injuria sine actio – da materialização do fato, princípio da exteriorização do fato. O direito penal não se presta a punir pensamento, modo de vida, estilo do agente. Não pude porque o agente é branco ou negro, homossexual ou heterossexual. O direito penal tem que punir conduta que concretamente se exterioriza no mundo concreto. Ferrajioli aqui, acaba distinguindo o direito penal do autor e o direito penal do fato. O direito penal do autor pune o sujeito pelo que ele é; o direito penal do fato pune o sujeito pelo que ele fez. O direito penal do inimigo, acaba sendo um retrocesso, pois acaba trazendo de volta tudo o que não se quer mais no direito penal do autor, ou seja, aquilo que ele é. O art. 59 da Lei de Contravenções Penais não foi revogada pelo legislador. Ele traz a vadiagem. Ele vige. O legislador perdeu a oportunidade de revogar esse dispositivo. Revogou o art. 60, mas o 59 não. Ela representa o direito penal do autor. Essa contravenção, na visão do professor não foi recepcionada pela CF. Precisamos hoje trabalhar com o direito penal do fato, e não do autor. Trabalhar com o direito penal do autor é voltar ao 3º Reicht, Hitler, que punia o sujeito porque era judeu, negro, fracassado intelectualmente. É um absurdo. Não há mais espaço para o direito penal do autor.

Nulla actio sine culpa – princípio da culpabilidade. Culpabilidade é o

limite para a imposição de qualquer tipo de pena. A pena tanto mais será

severa quanto maior for o grau de censura do agente. Não falamos de culpabilidade como elemento do crime, mas como censura, como reprovação. A culpabilidade que está no art. 29, do CP. Quem de qualquer forma concorrer para o crime, ensejará nas penas a este cominada, na medida de sua culpabilidade.

c) Ligados ao processo

Nulla culpa sine judicium – princípio da jurisdicionariedade. Quem diz se há ou não culpa é o juiz no caso concreto, um terceiro imparcial que tem um múnus constitucional.

Nullum judicium sine accusatione – princípio acusatório. Pergunta: no Brasil, vige o sistema acusatório ou inquisitivo? Resposta: depende. Porque depende se estamos falamos da seara policial ou jurisdicional. Na policial vige o inquisitório, que significa que os poderes de persecução penal se concentram na mesma autoridade. O delegado de polícia valora a prova que ele mesmo colhe. Na fase judicial, os poderes de persecução penal estão divididos entre várias autoridades: MP, advogado, juiz. No Brasil, o sistema acusatório é puro? Resposta: é puramente acusatório quando o juiz se comporta como juiz e não como parte. Mas no Brasil, note, o juiz pode deferir escuta telefônica de ofício, pode prender de ofício, ou seja, pode produzir prova. Num sistema puramente acusatório, em caso de duvida ele absolve. No Brasil, não há dúvida de que vige um sistema acusatório, mas com um ranço inquisitorial tremendo.

Nulla accusatio sine probatione – princípio do ônus da prova. Art. 156 do CPP. O ônus da prova incumbe a quem o alega. É dever institucional do MP comprovar tudo o que ele descreveu na denúncia. Em um dos últimos informativos do STJ, no caso do roubo majorado com a arma de fogo, a arma não foi apreendida, e por conseqüência, não periciada. Posso incidir a majorante? O STJ em um julgado diz: inverta o ônus da prova, não cabe ao MP provar, mas um dever do imputado comprovar a licitude do bem e a falta de potencial lesivo (Informativo 460 – STJ).

Nulla probatio sine defensione – princípio da ampla defesa. Alguns querem elevar as ultimas instâncias a tese de Ferrajioli para trazer o princípio da ampla defesa na fase policial. Não é essa a idéia de Ferrajioli.

2ª Aula: A inconstitucionalidade das normas cegas ou das normas penais em branco

O Professor Ferrajioli, vai além do seu livro “Direito e Razão”, ele traz a “teoria dos direitos fundamentais”, onde fala da esfera do “não decidível”. Fala de dois direitos, o de liberdade e o direito social. Os direitos de liberdade impõe um não fazer e um não intervir por parte do Estado. Os direitos sociais, impõe uma prestação, uma conduta positiva por parte do Estado (dar educação, alimentação etc). Os direitos fundamentais, para Ferrajioli, não são direitos da maioria, como a maioria dizem. São direitos de todos, num aspecto universal, Nenhuma maioria pode decidir fazer, no que diz respeito aos direitos da

liberdade. Nenhuma maioria pode decidir levar alguém à prisão sem o devido processo legal.

Pergunta: as normas cegas, leis cegas, são inconstitucionais, como muitos pregam?

Normas cegas ou leis penais em branco: são leis penais incompletas.

Começaremos com as fontes do direito penal:

a) Fonte material ou substancial: diz respeito ao órgão de produção do direito penal. O fundo é constitucional: art. 22, I, CF.

Qual é a fonte material do Direito Penal?

R: Poder Legislativo da União.

Os Estados podem legislar sobre direito penal?

R: Se observarmos o parágrafo único, art. 22, CF, em tese é possível, na medida em que Lei complementar pode autorizar os Estados a legislar sobre as matérias dispostas no art. 22.

No RS, houve uma lei estadual prevendo um tipo penal ambiental estadual, proibindo que se utilizassem animais em cultos religiosos. Em julgamento no STF, declarou-se a lei estadual inconstitucional, por vício formal, pois a lei complementar não existiu.

Estado legislar sobre matéria penal vai de encontro ao princípio federativo brasileiro.

b) Fontes formais:

b.1) mediatas, indiretas, secundárias: costumes, atos administrativos, princípios gerais de direito, teses de direito

b.2) imediata, direta, principal: a lei penal.

A fonte mais importante do direito penal, pois só ela pode criar crimes e cominar penas.

A lei penal está estruturada:

Preceito primário, acima: conduta incriminadora

Preceito secundário, abaixo: pena

Pergunta: quem são os destinatários da lei penal?

R: Depende. Você está falando do preceito primário ou secundário? Se for do preceito primário, os destinatários são todas as pessoas. Já no preceito secundário, o destinatário é o Estado-Juiz.

Nosso objetivo é falar sobre esta fonte formal imediata, que está incompleta.

Observe o art. 1º, CP e o art.5º, inciso XXXIX, CF. Os dois preceitos são idênticos. É o princípio da legalidade.

Quando se diz que não há crime sem lei anterior que o defina, está-se dizendo sobre a lei em sentido estrito ou em sentido amplo. Lei em sentido estrito é apenas a lei ordinária e a lei complementar. Lei em sentido amplo, meu fulcro não é mais o art. 5º XXXIX, CF, mas sim, o inciso II, art. 5º, CF, “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei”, lei em sentido amplo, o que engloba todas as espécies normativas do art. 59, CF.

Quando falamos em penal, em criar crime, estamos falando em lei em sentido estrito.

Leis ordinárias podem criar crimes. E leis complementares, podem criar tipos penais?

Qual a diferença básica entre elas?

1º) disposição constitucional;

2º) quórum qualificado das leis complementares.

Lei complementar pode sim dispor sobre crimes. Já existiu: LC 105/2001 – quebra do sigilo em determinadas situações - e no art. 5º traz um crime para quem quebrar sigilo em determinadas situações.

Medida provisória e leis delegadas não podem versar sobre matéria penal, porque a CF assim o diz.

Em relação à Medida provisória, o art, 52, CF veda expressamente. E em relação às leis delegadas, o art. 68, CF também veda.

Fuerbach, alemão, já no século XIX dá a conotação jurídico-penal do princípio da reserva legal. Traz uma garantia política (nullun crime nulla poena sine lege).

Lembre de seus quatro desdobramentos:

1º - “Lex previa” ou princípio da anterioridade – necessidade de lei anterior ao fato que se quer punir

2º - “Lex scripta – o costume não pode cominar pena

3º - “Lex estricta” – não cabe analogia em favor do réu, a não ser para beneficiá-lo

4º - “Lege certa” – princípio da taxatividade. O tipo penal tem que ser certo, determinado. Aí se encaixam as normas cegas. Os destinatários da lei penal do preceito primário são todas as pessoas, assim, não só os operadores do direito devem compreendê-las, mas todos.

Se o tipo penal está incompleto, ele está inconstitucional?

Norma cega é norma incompleta, é norma penal em branco.

Essa complementação pode advir de outra lei ou pode vir do ato administrativo.

Dizem respeito ao preceito primário da lei penal, onde está descrita a conduta incriminadora. Temos um tipo penal com conduta incriminadora incompleta, ela tem que ser complementada, e é justamente o caráter de complemento que trará o tipo de lei cega.

“Leis cegas” ou “normas penais em branco homogêneas”: são aquelas em que o complemento advém do mesmo órgão criador da lei penal. As normas penais homogêneas são também chamadas de impróprias ou em sentido amplo.

O órgão que cria a lei penal é o Poder Legislativo da União, assim, o complemento tem que advir dele.

A norma penal em branco homogênea pode ser de duas ordens:

1. “homovitelínea”: nos diz que norma penal vai complementar norma penal.

2. “heterovitelínea”: nos diz que a norma extrapenal complementa norma penal, mas ambas vindas do Poder Legislativo da União.

Exemplo: o crime de prevaricação, art. 319, CP. O sujeito deixa de fazer ato de ofício para satisfazer ato pessoal. A qualidade de funcionário público é imprescindível para o tipo. Temos que buscar o conceito de funcionário público, e isso está no art. 327, CP. É o CP completando o CP. Norma penal em branco homogênea homovitelínea.

Outro exemplo: pense no art. 237, CP. Contrair matrimônio ciente dos impedimentos matrimoniais que causem anulação. O conceito de impedimentos matrimoniais estão no art. 1521, CC. O art. 22, diz que compete a União legislar tanto sobre penal como civil. Assim, norma extrapenal, complementa o CP. É norma penal em branco homogênea heterovitelínea, na medida em que ambas são lês advindas do Poder Legislativo da União.

Mais um exemplo: Art. 178, CP – emitir “warrant”, sem as formalidades legais. O que é warrant? O CP não diz. O Código Comercial é quem diz. Art. 22, inciso I, CF.

Norma penal em branco heterogênea ou própria ou em sentido estrito: o complemento advém de órgão distinto daquele órgão produtor da lei penal. Vem do ato administrativo ou de lei de caráter estadual ou municipal.

Exemplo: porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Lei nº

10.826/2003, art. 14. Sujeito está em via pública portanto uma arma sem autorização. Trata-se de um tipo misto alternativo, pois são 13 condutas que o caracterizam. Pense que estou portando arma de fogo em via pública sem autorização. Se coloque no lugar do juiz: o que é arma? O que é arma de fogo? Pergunto: arma de pressão, é arma de fogo? O que é acessório? O que é munição? Esses problemas são enfrentados pelo juiz, pelo delegado. Precisamos de um instrumento normativo que nos dê essas respostas. Para que se faça uma leitura correta do estatuto do desarmamento, preciso de seu regulamento, Decreto 5.213/2003, mas ele não resolve. Busque na internet o “R-105”, que é um apelido a um Decreto de nº 3.665/2000. É nele que estão todas as definições: arma, arma de fogo, arma branca, acessório, munição, uso permitido etc. Se é um Decreto, vem expedido pelo Poder Executivo. É o Poder Executivo, por um ato administrativo complementando uma lei federal que é a lei de armas. Norma penal em branco heterogênea.

O mesmo exemplo se dá no caso das drogas. O sujeito está na rua vendendo cola de sapateiro. Isto pode ser considerado como traficância de drogas para enquadrá-lo na Lei nº 11.343/06? Ou a cola de sapateiro não vicia? Se formos para o art. 33, da Lei de Drogas, temos outro tipo penal misto alternativo, com 18 verbos nucleares. Houve uma mudança de paradigma, pois a revogada lei de drogas em seu art. 12, trazia em seu tipo a expressão “substância entorpecente”, e hoje é “droga”. Atualmente, a OMS, quando fala da classificação das drogas, diz que o gênero é a substância alucinógena, que são espécies a entorpecente, a estimulante a alucinógena. Entorpecente é o ópio, a morfina, é o THC; estimulante, é a cocaína; alucinógena é o LCD. Pense: lá atrás, quando vigia o art. 12, da Lei nº 6.368/73, tínhamos a expressão “substância entorpecente”, mas apreendíamos a “cocaína’, que não é entorpecente, mas estimulante. Hoje, o problema está resolvido, pois a lei diz “droga”. Mas o que é droga? Se eu colocar na denúncia que o sujeito foi surpreendido com 10 pedras de “crack”, ela pode ser considerada inepta? Porque? Porque “crack” é um apelido. Preciso de um instrumento normativo que me diga o que é tudo isso, e isso está na Portaria nº 344/98 da ANVISA. Traz quais são as drogas de uso proscrito no Brasil. Trata-se de ato administrativo produzido pelo Poder Executivo complementando lei federal. Norma penal em branco heterogênea.

Existe então inconstitucionalidade nessas normas?

Pense na possibilidade de retroatividade dessa portaria da ANVISA. É possível, sendo ato administrativo? Lei pode. E essa?

A resolução 104, ANVISA, de 6 de dezembro de 2000, é baixada pelo Diretor Presidente de ANVISA e revisa as substâncias entorpecentes. Lá, diz

que o cloreto de etila (“lança perfume”) foi reclassificado, indo para os insumos químicos, deixando de ser droga.

Pensaram: opa, essa portaria tem que retroagir para beneficiar quem foi apenado como traficante de ‘lança perfume”.

A resolução, em uma semana, foi republicada, e o “cloreto de etila” foi recolocado no rol das substâncias entorpecentes. Mas ela vigeu por um tempo. Durante uma década, o STJ vinha decidindo sempre no mesmo sentido. Ele foi no regimento interno da ANVISA, e o ato administrativo isolado tomado pelo diretor da ANVISA, deveria ter passado pelo colegiado da ANVISA. Ou seja, ele não podia expedir esse ato sem passar pelo colegiado do órgão. Houve um vício formal na origem. Afastou a possibilidade de retroatividade. Essa decisão foi utilizada do ano 2000 à março de 2010. Em março desse ano, uma das Turmas decidiu de modo contrário, dizendo que, durante 8 dias, o ato administrativo vigeu, e assim, quem traficou durante esses oito dias de vigência, o ato administrativo deveria retroagir sim.

Decisão está no HC nº 94397, da 2º Turma do STF, de 09 de março de

2010.

O título do nosso encontro é: “leis penais cegas são inconstitucionais?”

Duas posições:

1. Sim, porque ferem o princípio da reserva legal ou da taxatividade. Seria um vício invencível.

2. Majoritária, as normas penais em branco não são inconstitucionais, são válidas, legítimas, devem ser incentivadas a existirem, pois o direito penal tem de ser dinâmico e acompanhar a evolução dos tempos modernos e a própria delinquência moderna.

A norma penal em branco está relacionado apenas ao preceito primário da lei?

Não. Falamos até agora da incompletude do preceito primário. No caso, se a incompletude for no preceito secundário, que diz respeito à pena, é possível.

“Norma penal em branco ao revés, invertida ou ao avesso”: Doutrina do professor espanhol Mir Puig. Se o complemento diz respeito ao preceito secundário, temos outro tipo de classificação.

Por exemplo: o tipo “votar ou tentar votar duas vezes”, art. 309, CP, pune da mesma maneira a forma consumada ou tentada. A pena é até tantos anos. Não parte do mínimo. Fere a aplicação trifásica da pena.

Outro exemplo: a Lei do Genocídio. Temos condutas atinentes ao genocídio, mas as penas são aplicadas com a remissão feita ao Código Penal. Não temos penas especificas para o tipo. São feitas remissões.

Obs: norma penal em branco não é sinônimo de tipo penal aberto.

A norma penal em branco é complementada por lei ou por ato administrativo. O tipo penal aberto é complementado pelo Juiz.

Aula 3: Tese polêmica - Direito penal do inimigo

Estamos em um momento pós-finalista. Até meados de década de 70, no Brasil, imperou a tese causalista (Aníbal Bruno, Fragoso etc), onde viam a conduta humana como um comportamento voluntário, dolo e culpa estavam dentro da culpabilidade e não na tipicidade. Na década de 80, chega o pensamento finalista de Hans Welzel, que desloca o dolo e a culpa para a tipicidade.

O Código Penal é finalista, e a prova está no art. 20, “caput”, na parte que diz sobre o erro de tipo acidental. Se o erro incide sobre o tipo, e exclui o dolo, o dolo está no tipo. E o dolo está no tipo para os finalistas.

O finalismo hoje é muito pouco para resolver todas as questões do

direito penal. Ele é o ponto de partida. A teoria pós-finalista ou funcionalista, rompe o paradigma. Não nos preocupamos mais em definir o que é o direito. Isso é coisa do passado. A preocupação do funcionalismo é saber pra que serve o direito, e qual a função do direito penal, no caso.

Há várias vertentes do funcionalismo moderado, radical (onde está o direito penal do inimigo) e contencionista ou reducionista (tese da tipicidade conglobante).

Funcionalismo moderado ou teleológico (Claus Roxin). Ele é um minimalista, como Ferrajioli. Aplicação de um direito penal mínimo.

Roxin diz que o direito penal serve para administrar a vida social, para regrar a vida em sociedade. O direito penal nada mais é do que um controlador social formalizado. Há várias instâncias de controle social: informalizado ou formalizado. O informalizado pode ser a igreja, a família, a imprensa. O formalizado está com o Ministério Público, com as penitenciárias, e o Direito Penal aí está inserido. O Direito Penal é mais um órgão de controle social; sustenta o funcionalismo moderado; não serve para punir ninguém; não serve para dizer o que é crime ou criar o crime, pois é sociedade é que se regra, e querendo, usa como um dos controladores do direito penal

Roxin está ligado à política criminal, às teses minimalistas, como princípio da insignificância (sua criação), à teoria da imputação objetiva (no

Brasil é novo às decisões judiciais). Sustenta que a função última do direito penal é administrar a vida social.

A polêmica não está em Roxin ou no funcionalismo moderado. Está no funcionalismo radical, sistêmico ou normativista do professor alemão Günter Jacobs. Ele formulou o funcionalismo radical, normativista ou sistêmica.

Funcionalismo radical, normativista ou sistêmica: teoria sistêmica ou da autopoiese de Niklas Luman.

Jacobs traz uma fundamentação filosófica para o direito penal do inimigo.

Se lembre dos famosos filósofos contratualistas, que pensam o Estado como um contrato social (Russeal, Locke, Robbes), que tratam da passagem do Estado da Natureza para o Estado de Cultura.

Estamos em um Estado de Natureza onde o mais forte se sobrepõe ao mais fraco, e passamos a um estado civil com normas e regras. Pois bem, nos reunimos em assembléia e firmamos um pacto social. Esta metáfora da criação do Estado com pacto social, parte de Günter Jacobs.

Não só em Locke, Russeal ou Robbes, Jacobs se baseia, mas também, em Kant.

Desde 1985, quando houve um famoso congresso mundial de direito penal na Alemanha, já se falava nessa nomenclatura “Direito penal do inimigo”. Jacobs lança essa idéia, fazendo um discurso onde fala que estamos nos aproximando de um direito penal contra o inimigo, está se elegendo o inimigo e que há um terrorismo de Estado ao lado do terrorismo delinqüente.

Em 2003, escreve um livro intitulado “direito penal do inimigo”, onde, ao contrário de 1985, traz um discurso afirmativo e legitimador defendendo a tese radical do direito penal do inimigo.

Jacobs começa sustentando que há dois tipos de direito penal:

1. Direito penal do cidadão: com regras, garantias, com advogado, aplicado em atos executórios e não preparatórios, ou seja, respeita a legalidade estrita. O delinqüente traça o cidadão, comete seu delito e será processado pelo órgão que representa o Estado, só que com observância de todas as suas garantias constitucionais. Tem ampla defesa, contraditório, ou seja, para nós aqui no Brasil, é o nosso direito penal;

2. Direito penal do inimigo: radical, onde eu posso punir a partir de atos meramente preparatórios. Um direito penal que usa e abusa de normas penais em branco e tipos penais abertos. Um direito penal onde não há ou estão absolutamente diluídas garantias penais e processuais penais constitucionais. O princípio é o da periculosidade e não da culpabilidade.

Temos o imputável e o inimputável. Ambos podem cometer ilícitos penais.

É da técnica do nosso direito penal que sobre o comportamento do imputável recai um juízo de culpabilidade, ou seja, um juízo para o passado; puno o imputável pelo que ele fez. Por isso que a pena tem um prazo mínimo e máximo.

Quanto ao inimputável, aquele que embora pratique fato típico e ilícito , ele não é são mentalmente, não há um juízo de culpabilidade sobre seu comportamento, mas um juízo de periculosidade. É um juízo para frente, para o futuro, ou seja, porque é inimputável, ele pode tornar a fazer. Por isso, a medida de segurança no Brasil só tem prazo mínimo de 1 a 3 anos.

Jacobs junta os dois conceitos: diz que o inimigo é um “imputável perigoso”. Veja, deu um nó, pois o conceito de imputabilidade está ligado à culpabilidade e o de inimputabilidade ao de periculosidade. Jacobs fala no imputável perigoso (culpabilidade + periculosidade)

Porque imputável perigoso?

Para que o inimigo não receba pena, mas medida de segurança. É o pensamento de Lombroso, onde o inimigo deva ser tratado como alguém que deva ser tratado e o crime como uma doença. Em conseqüência, não haverá pena, mas medida de segurança, não obstante o sujeito seja são mentalmente. Por que? Porque só há prazo mínimo. Assim, o delinqüente poderia ser segregado permanentemente, sem prazo.

É radical a tese. É um procedimento de guerra para o inimigo. O criminoso é uma “não-pessoa”, não detentor de garantias penais e processuais. Por conseqüência, é um “não sujeito processual”, e posso jogar com as garantias penais e processuais a meu bel prazer (Estado).

É um procedimento de guerra, onde o inimigo não é preso, e tem de ser abatido. Esse é o pensamento radical utilizado no direito penal do inimigo.

Mas quem é este inimigo?

É questão de política criminal. O inimigo é quem o Estado quer que seja, ou seja, quem está no comando disser que o é. O inimigo já foi Jesus cristo, foram os hereges, os comunistas na guerra fria, vem sendo escolhido pelo governante.

Isso é o direito penal do autor. Estou punindo o sujeito pelo o que ele é, e não pelo que ele fez. O direito penal do inimigo aceita a punição do agente em tese de atos preparatórios.

No Brasil, o iter criminis pressupõe cogitação (impunível), a preparação (em regra impunível, salvo quando por política criminal o legislador tratar como tipo penal autônomo, ex: apetrechos para falsificar moeda) e execução. Na

terceira fase, na execução, o bem jurídico começa a ser agredido e o sujeito passa a ser passível de punição. A quarta fase é a consumação. Temos todos os elementos do tipo penal.

Só há possibilidade no Brasil de punição a partir da 3ª fase do “iter criminis”. Na tese do direito penal do inimigo, já puno a preparação e a cogitação, e se usa e abusa da norma penal em branco.

Se defende tanto aqui a norma penal em branco, porque é o Executivo legislando. As comissões militares que foram instituídas nos EUA, após o atentado de 11 de setembro de 2001, temos um julgador, MP e defensor militar, que julga tudo com base nas leis militares.

A crítica tem que ser feita. A tese de Jacobs, veio para o terrorista. Ele é o inimigo.

Qual a diferença entre o direito penal do cidadão e do inimigo?

R: A finalidade do agente.

O delinqüente cidadão também pratica crimes, mas não tem o condão de desconstituir o pacto social. Por isso que a tese de Jacobs começa lá atrás com Russeal, Locke e Robbes, no pacto social.

Se no entanto, além de praticar os delitos, tenho a intenção de destruir com o pacto social, sou um inimigo do Estado. A pessoa que seqüestra um avião e tenta jogá-lo contra uma torre onde há milhares de pessoas, ele não está preocupado com o fulano ou o cicrano que irá morrer, mas sim, pensa em destruir a ideologia política americana, ou seja, quebrando o pacto social. As mortes são conseqüentes. Incide o direito penal do inimigo, sem garantias, radical, sem defesa.

É o mesmo pensamento do Fuhrer, do 3º Richt. O nazismo cumpria com a legalidade (Teoria Pura do Direito, de Kelsen). Crime é o que está na lei e o que assim entende o são sentimento do povo. Lógico que o são sentimento do povo era o que Hitler dizia, mas não importa. Eu puno o sujeito porque é inimigo. Não puno pelo que ele fez, mas porque é judeu, negro, cigano, homossexual, deficiente físico etc. Puno pela perspectiva do direito penal do autor.

Hoje, não só na Europa, mas também nos EUA, o inimigo hoje é o imigrante clandestino. É o “novo inimigo”. Sarcosi, na França está deportando Búlgaros e Ciganos. Na Itália é o que está acontecendo de pior. Lá, a direita fascista que ascende ao poder com a Liga Norte (Berluscone), cria em 2008 um agravante da clandestinidade. Se temos um italiano que pratica um furto, aplica-se pena X. Se for um clandestino, recebe a pena X agravada de Y, simplesmente pelo fato de ser clandestino. Chega ao ápice em 2009, com a aprovação do crime de clandestinidade, que é permanente, e admite o flagrante a qualquer tempo. Imagine que uma pessoa está vendendo suas bugigangas em uma praça e a polícia o pára e pede seus documentos. Não

tem, é clandestino, é preso. É o direito penal do inimigo, onde se pune não pelo que ele fez, mas pelo que é. Na Itália, temos medidas radicais até mesmo na esfera administrativa, onde se pune o italiano que aluga um imóvel a um clandestino, ou até mesmo o médico que atende pessoas que estão nessas situações.

O caso da base americana em Guantánamo, onde há 235 presos provisórios há mais de sete anos. Quando o Presidente Norte Americano Obama assumiu o poder, uma de suas propostas de campanha era que iria acabar com a base no prazo de um ano. Acabou? R: Não. Onde ele vai colocar os 235 presos? Ali temos presos terroristas, suspeitos, sem uma condenação definitiva. Temos todo um julgamento de exceção, que no Brasil é proibido. O que aconteceu em Nuremberg, não pode se repetir.

Com a “caixa preta” de Guantánamo sendo aberta, vieram as técnicas de interrogatório, onde admitia-se, para obter a confissão, técnicas de coerção pessoal. Positivaram a tortura. Ex: técnica de afogamento prevista em um artigo, e no parágrafo: desde que a água seja potável. Como se água potável amenizasse a crueldade da tortura.

São exemplos de direito penal do inimigo.

Devemos criticar o direito penal do inimigo. Trabalhar com o direito penal do inimigo é voltar ao 3º Richt.

E no Brasil, podemos falar em um direito penal do inimigo?

O professor sustenta que sim, em primeiro lugar na “Lei do Abate”, que é uma alteração ao Código Brasileiro da Aeronáutica. Diz que se a aeronave está em espaço aéreo brasileiro e recai suspeita de que está transportando droga, pode ser abatida em pleno vôo.

Você aprova essa idéia?

E se for um avião comum, comercial, onde há suspeita de estar transportando grande quantidade de drogas. E o piloto, sua família, os passageiros?

Portanto, há pena de morte no Brasil?

Comece pensando sempre na regra, depois na exceção. O art. 5º, inciso XLVII,CF, traz a regra de que, são vedadas entre elas, a pena de morte. A exceção está no caso de guerra declarada pelo Presidente da República (art. 84, XIX, CF). A Guerra significa a falência do direito.

Primeiro temos um descumprimento da CF em um período de paz. Quando o Presidente autoriza o abate de um avião em pleno vôo está autorizando a morte do piloto. Seria uma pena de morte à revelia do Judiciário, pois quem decreta é o Presidente da República. Isso é direito penal do inimigo.

Mas quando pensamos em direito penal do inimigo, pensamos em um lei penal incriminadora estrito senso, incriminadora. A lei do abate é uma lei administrativa, mas que reflete o espírito do que é o direito penal do inimigo.

Hoje, além do direito penal do inimigo, se fala também em um “processo penal do inimigo” e também em uma “execução penal do inimigo”. Isso ocorre em 2003, quando é alterada a LEP (Lei nº 7.210/84) e é criado o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado).

Quantos são os regimes de cumprimento de pena no Brasil?

Não são 3, são 4: aberto, semi-aberto, fechado e RDD, que é um regime fechadíssimo. Está no art. 52, LEP. Ele restringe o direito a visitas, lazer do preso, impõe um espécie de solitária, pode ser instituído no caso de “risco” à segurança, da sociedade, dos presos, se houver indícios de que o preso pertence a uma organização criminosa (cujo conceito é indefinido). Para os críticos, o RDD é uma direito penal do inimigo, uma execução penal do inimigo. A constitucionalidade do RDD vem sendo questionada pelo STJ.

Não defendam esse funcionalismo radical de Günter Jacobs. Critiquem.

No caso dos imigrantes clandestinos, não se deve tratá-lo com o direito penal do inimigo. Aperte-se as normas administrativas para evitar a proliferação, mas não usar o direito penal para combatê-lo. O direito penal deve ser utilizado como a “ultima ratio”.

As velocidades do direito penal e sua relação com o direito penal do inimigo:

Existe relação a depender do tipo de velocidade.

Quando se fala em velocidades do direito penal, temos de lembrar do professor espanhol Jesus Maria Silva Sanches. O professor escreve uma obra chamada “Expansão do Direito Penal” (RT traduziu). Fala que o direito penal do inimigo representa a 3ª velocidade.

A primeira velocidade: direito penal clássico;

A segunda velocidade: direito penal alternativo;

A terceira velocidade: um misto dos dois: aplico uma pena por excelência ao terrorista, mas uma relativização das garantias. Ele vai preso, mas não tem uma defesa efetiva. Temos uma flexibilização das garantias penais.

O direito penal do inimigo deve ser relacionado com a 3ª velocidade do direito penal.

Maximalismo penal:

É uma política criminal de ultra-direita. Surge no momento próprio de uma criminologia crítica. Temos a falência do “wellfare state” (bem estar social), e com ela o surgimento de políticas radicais de controle social. Temos a instituição em NY a política do “tolerância zero” por Rudolf Giuliani.

Mas será que Giulinai resolve mesmo o problema? Não, ele apenas afasta temporariamente a questão. Ele afasta os mendigos os furtadores, pichadores dos grandes centros urbanos e os leva para a periferia.

O direito penal hoje é a grande luta entre os minimalistas e os maximalistas, e isso se reflete em políticas de segurança pública.

Pense, temos um período de ditadura no País, onde se aperta demais o sistema. Precisamos soltar um pouco. Vem a CF/88, a “Constituição Cidadã”, e aí muitos dizem: opa! Soltou demais! Essas teses garantistas da CF foram pensadas para os presos políticos, legisladores em causa própria e são usadas pelas organizações criminosas.

Em 1990 vem a Lei dos Crimes Hediondos e aperta tudo outra vez. É a aplicação do direito penal do inimigo. O art. 1º da lei arrola o que são crimes hediondos de forma objetiva. Traz três crimes assemelhados a hediondos: (terrorismo, tráfico de drogas e tortura).

Todo fim de ano o Presidente da República expede o Decreto de indulto. Quem cometeu crime hediondo não faz jus ao benefício. O que acontece: se apertou demais em 1990. Em 1995, temos a lei dos juizados especiais, e se abre de novo tudo.

É a guerra dos rigoristas contra os laxistas.

O direito penal do inimigo é uma tese maximalista.

Aula 4: Velocidades do direito penal:

Existe hoje uma quarta velocidade do direito penal, que é o neopunitivismo.

É uma realidade nova no direito brasileiro. Os autores brasileiros apenas tratam das três velocidades do direito penal.

Porque falamos em velocidades? Poderiam falar em fases, momentos históricos, mas o certo, é que velocidades foi o tema escolhido por Jesus Maria Silva Sanches.

O livro se chama “A expansão do direito penal”. Lá também temos temas como o “direito penal do risco”, que nos ensina que hoje viver em sociedade é viver em constante risco, estar exposto a situações de risco, das construções, do trânsito, seja em relação a questões difusas como a questão ambiental. Essa expansão do direito penal é salutar?

No concurso MP/BA perguntou-se sobre a relação entre direito penal e “bem jurídico espiritualizado”.

O que é bem jurídico espiritualizado?

Significa o bem jurídico imaterial, incorpóreo, e o direito penal se destina a proteger esse tipo de bem jurídico difuso, sem vítima específica? Se o direito penal se presta a tutelar esse tipo de bem jurídico é o mesmo direito penal que se presta a tutelar o direito individual?

Como resolver essas questões novas? Que instrumentos uso para coibir esses tipos de infrações? Com o direito penal clássico de 1940?

Essas indagações vêm, mas essa expansão do direito penal ofende o princípio da reserva legal.

Poderíamos falar em fases, em etapas, mas surge a expressão velocidades.

OBS: cada velocidade do direito penal traz sempre duas características.

1ª Velocidade: pena de prisão por excelência.

1ª característica: é a pena privativa de liberdade ou pena corporal.

2ª característica: respeito às garantias constitucionais; respeito aos princípios iluministas, segundo Ferrajioli.

O sujeito vai praticar o crime, e sobre o comportamento dele vai incidir o direito penal clássico, que traz a sua resposta com a pena de prisão, mas com o devido processo legal, sendo garantido a ampla defesa, o contraditório, a entrevista particular com o advogado, ou seja, o direito penal como o conhecemos.

2ª velocidade: penas alternativas

1ª característica: substituição da pena prisional por uma pena alternativa à prisão. Uma pena restritiva de direitos. (art. 43, CP).

Obs: o recolhimento domiciliar, é previsto? Posso falar em recolhimento domiciliar como pena alternativa no Brasil?

A resposta deve ser “sim”, apesar do veto ao inciso III, ao art. 43. Em 1998, com a Lei 9.714, se alterou todo o capítulo das penas alternativas, e vem vetado o inciso III, que tratava da pena do recolhimento domiciliar. Muitos dizem que não cabe, em razão do veto. Mas, muitos desconhecem a Lei dos crimes ambientais (lei nº 9.605/98), que em seu artigo 8º, V, como no art. 13, há a pena alternativa de recolhimento domiciliar.

2ª característica: a relativização das garantias penais e processuais penais.

Não há uma efetiva defesa, um contraditório, uma efetiva entrevista com o advogado. Uma pena de prisão substituída por pena alternativa, mas com a relativização.

O exemplo de 2ª velocidade no direito brasileiro, é o art. 76, da Lei nº 9.099/95, que é a transação penal. Nessa audiência, onde o MP oferece a transação penal, precisa de advogado? R: não. Há denúncia oferecida? R: não. A transação penal é uma imposição de pena, pois eu mando o sujeito prestar serviços à comunidade; eu coloco pagamento de cestas básicas na proposta. È pena, mas não privativa de liberdade. Onde está o brocardo “sine poena sine judicio”? Não tem processo, nem denúncia e muitas vezes nem advogado. Por isso que falo em flexibilização dos direitos e garantias penais.

3ª velocidade:

1ª característica: o resgate da pena de prisão por excelência.

2ª característica: relativização das garantias penais e processuais penais.

A terceira velocidade está ligada ao direito penal do inimigo. A expressão “panpenalismo”, um direito penal total, que intervém em todo e qualquer segmento social, trata da questão financeira, econômica, ambiental, consumerista etc. Será que realmente há interesse na sociedade m ter um direito penal interventor como temos hoje?

Direito penal de emergência ou de urgência: porque vige em situações excepcionais, e para isso, um direito excepcional.

A novidade é a quarta velocidade.

4ª velocidade:

Surge na Itália, é comentada na Espanha. Fala daqueles que uma vez ostentaram no passado (remoto ou não) a posição de Chefes de Estado, e como tais, violaram gravemente tratados internacionais de tutela de direitos humanos.

Está ligada ao direito penal internacional.

Porque se fala em quarta velocidade?

Porque hoje ele está sendo julgado pelo TPI (Tribunal penal internacional) e está tendo suas garantias penais e processuais penais relativizadas. É importante porque as organizações não governamentais que estão ligadas aos direitos humanos, sempre bateram pelas garantias para os

réus, mas pela primeira vez estão gritando para que se restrinjam essas garantias para esses réus específicos. É um contra-senso.

É trabalhar com o direito penal do autor também.

Ela hoje vem representada principalmente pelo TPI.

O Tribunal Penal Internacional, vem criado por um Tratado Internacional chamado ‘Estatuto de Roma”, porque foi criado em Roma em 1998. Houve a convenção dos países da ONU plenipotenciários e decidiram pela deliberação, pela criação do TPI, para julgar os crimes de “lesa à humanidade”.

O estatuto de Roma acabou prevendo que só passaria a viger depois que 60 países ratificassem o tratado internacional, e isso, mesmo assim, a partir do primeiro dia útil passados 60 dias da assinatura de nº 60.

Depois da assinatura de nº 60, passaram-se 60 dias, e no primeiro dia útil seguinte, passou a viger.

Muito embora tenha sido instituído em 1998, passou a viger em 2002, quando completaram as 60 assinaturas. Passou a viger em 1º de julho de 2002. Temos que respeitar a irretroatividade.

No Brasil, o Decreto 4.388/2002, é de setembro. Temos que respeitar aqui também a irretroatividade. A partir de 2002, no Brasil, passamos a punir de acordo com os estatutos de Roma.

A sede do TPI é em Haia (Holanda), onde tem sua sede física, mas nada impede que possa funcionar em qualquer lugar do mundo.

Há duas grandes famílias no direito: a da “civil law” e a da “commow law”. A “civil Law”, de tradição romano-germânica, é a que temos no Brasil. Tem como base a lei escrita. A do “commow law”, tem como base o precedente e não a lei escrita. Se diz hoje, e é a crítica, que estamos chegando em um momento de uma fusão, de um único sistema, pois a “commow Law” está cada vez mais escrita, e no Brasil, temos a súmula vinculante.

No TPI, temos a junção de magistrados dos dois ramos do direito.

Além do Decreto, temos toda a força constitucional a respeito dessa matéria. Há tempos, o Brasil luta pela instituição no país de um Tribunal de cuidasse das questões de defesa humanitárias. Anote o art. 7º do ADCT. Depois temos a reforma do Judiciário, e emenda constitucional 45, que acrescentou um § 4º, ao art. 5º. Portanto, por força constitucional, o Brasil deve respeitar a jurisdição do TPI, em cuja adesão manifestou interesse.

O que julga o TPI?

Julga os crimes de “lesa à humanidade”.

São quatro.

OBS: há uma brecha no Estatuto de Roma, no art. 70. É uma pegadinha, porque geralmente se perguntam em provas quais são os crimes que o TPI julga. Você acaba dizendo que são os quatro que serão brevemente mencionados, mas existe mais um, os crimes contra a administração da sua justiça (do TPI). Ex: coação a um juiz, testemunha do TPI.

O TPI foi criado para julgar crimes de grande impacto para o mundo inteiro, mas, por exceção, se houver um crime contra a administração de sua justiça, também lá será julgado.

Os crimes de lesa á humanidade:

1. Genocídio;2. Crimes contra direitos humanos ou à humanidade;3. Crimes de Guerra;4. Crimes de agressão.

Em relação ao genocídio: as elementares típicas são “destruir no todo ou em parte grupo nacional ético, nacional ou religioso...” e os verbos vem depois em várias alíneas. Esta definição é muito semelhante à Lei nº 2.889/56, que define no Brasil o que é genocídio. Quando o legislador trata do genocídio no Brasil, não traz uma pena específica, fazendo uma remissão ao CP. Portanto temos uma “norma penal em branco”, “ao avesso”, “invertida” ou “ao revés”.

Crimes contra os direitos humanos ou à humanidade: a elementar é “é um ataque sistemático ou generalizado contra população civil”.

Crimes de Guerra: são violações graves á Convenção de Genebra de 1949, que trata da guerra.

Crimes de agressão: violação a convenção da ONU de 1974. Temos o a to de iniciar ação de índole militar ou política de um Estado contra outro.

Além de outros, dois princípios são de lembrança obrigatória.

1º Princípio da irretroatividade: até então as cortes penais internacionais eram todos de exceção, “ad hoc”. O exemplo é Nuremberg e Tóquio, onde foi montado e criou-se a tipificação criminosa após a prática do fato. Ofensa ao princípio da reserva legal e à anterioridade. Só podemos falar em julgar alguém pelo TPI após 1º de julho de 2002, e no Brasil, a partir de setembro de 2002.

2º Princípio da complementariedade: nos diz que a jurisdição do TPI é complementar à jurisdição nacional dos estados membros. Assim, se o Brasil disser que vai julgar, o TPI não julga. Só há uma exceção, ou seja, quando se produzir o processo no país para absolver alguém. É o exemplo no que aconteceu na Líbia durante muitos anos, onde Omar Kadaf, como dono do

Judiciário e de todos os demais órgãos do Poder, instaurava os processos e ordenava que os agentes fosse absolvidos. Nesse caso, o TPI age.

O TPI somente julga pessoas físicas e maiores de 18 anos. Não se julgam menores e nem pessoas jurídicas de direito público.

Como se compõe o Tribunal: são dezoito juízes. Não há concurso. É mandato, uma indicação política. É um mandato de nove anos, vedada a recondução. Seis juízes para investigação (fase preliminar); seis juízes para o processo; seis para o segundo grau, se houver recurso.

O TPI não admite aprovação com reserva. Os tratados internacionais, ao contrário, podem ser aprovados com reservas, mas no TPI não. Ou se aprova todo texto ou não se aprova. Art. 120.

Temos que compatibilizar vários institutos do TPI com nossa ordem interna. O TPI fala em imprescritibilidade. É próprio de crime internacional. Como resolvo isso na CF, que diz que só são imprescritíveis o racismo e a ação de grupos civis ou militares contra a ordem constitucional. E o ato de entrega? E o ergástulo (prisão perpétua)?

Quanto a extradição e o ato de entrega: a extradição se dá num plano horizontal, de Estado para Estado. Já o ato de entrega se dá no plano vertical, de tribunal para Estado (não fere a CF). Os demais institutos, como a imprescritibilidade e a prisão perpétua, temos que a o legislador constituinte não pode estabelecer limites para outros países. São possíveis exceções à ordem internacional, que está prevista em tratados internacionais. É o que vem sendo decidido hoje.

Aula 5: Insignificância e atipia conglobante:

Funcionalismo reducionista ou contencionista ou tipicidade conglobante.

Eugênio Raúl Zaffaroni.

O finalismo é a ponte de partida do direito penal. Precisamos tratar com as teses pós-finalistas, em especial o funcionalismo, ou seja, regrar a vida em sociedade.

A proposta é discutir o funcionalismo reducionista ou contencionista, ou melhor dizendo, a tipicidade conglobante, que hoje, é uma tese corrente nas decisões do STJ e STF, a atipia conglobante da descaracterização da tipicidade material quando há bagatela.

Houve uma ruptura de paradigma. A tipicidade penal para os clássicos era a mesma coisa que tipicidade formal. Quando falamos de clássicos, estamos falando de autores que tinham uma outra ótica. A tipicidade material era a mesma coisa que tipicidade formal. Ex: sujeito vai ao supermercado, retira uma barra de chocolate, sai de lá sem pagar. Pelo conceito tripartite de

crime, a posição majoritária é de que o crime é fato típico, ilícito e culpável. Pergunto: não se o fato é criminoso, mas se existe tipicidade somente?

Aquela menina que vai à farmácia e pega um shampoo que custa R$ 5,00 e sai de lá, praticou fato típico?

Se nós, como os penalistas clássicos, entenderem que tipicidade penal significa mesma coisa que tipicidade formal, o fato se amolda ao que está na lei. Assim, a menina cometeu fato típico. A partir disso passamos para a análise dos outros elementos, verificar se também é ilícito e também culpável.

O que se propõe Zaffaroni: a simples circunstância de um fato formalmente se encaixar, se subsumir ao que está na lei, é muito pouco para dizer que é típico. A tipicidade penal para ele não é a mesma coisa que tipicidade formal. A tipicidade formal faz parte de um conceito de tipicidade penal que é mais amplo que a tipicidade formal. Além da tipicidade formal, precisamos ver se há tipicidade conglobante.

Por isso o nome da teoria.

O mestre argentino quer analisar o fato de maneira global: ou o fato contraria o direito como um todo ou o fato não contraria o direito como um todo também. Não podemos trabalhar com uma contradição que leve a ilogicidade do sistema. Um mesmo fato não pode ser lícito para o civil e crime, é um absurdo. O mesmo fato não pode ser lícito para o administrativo e criminoso. Isto conduziria a uma ilogicidade do sistema, que é que Zaffaroni procura afastar.

Temos que pensar que o direito é uno e indivisível. Esta divisão é didática entre todos os ramos do direito. O fato no mundo real, do “ser”, é um só, e assim, no mundo jurídico do “dever ser” não pode ser diferente. Ex: um dos atributos do poder familiar é castigar moderadamente os filhos desde que para fins de educação e criação. É um direito do pai e da mãe. Chega uma denúncia ao conselho tutelar que o pai está batendo no filho. Assim, se o pai pode castigar o filho no civil, não pode no penal? Ex: o art. 301, CPP permite que qualquer do povo possa prender em flagrante quem esteja cometendo crime. Imagine que um dono de uma venda, ao ser assaltado, consiga desarmar o assaltante e o prende em seu banheiro, por meia hora até a chegada dos policiais. Esse fato chega ao Ministério Público, que resolve denunciar o dono da venda por cárcere privado. Note o absurdo: o CPP permite o agente agir, mas o CP não?

Assim, houve uma ruptura de paradigma. A tipicidade penal, que sempre foi sinônimo de tipicidade formal, não é mais. A tipicidade conglobante quebrou essa lógica. A tipicidade penal hoje significa “cuide agora”. Tipicidade penal hoje é: tipicidade formal + tipicidade conglobante.

Analisando:

Dentro da tipicidade formal, a primeira coisa a se analisar é, formalmente, o fato é criminoso?

Só porque está previsto na lei, não significa que seja crime. Isso seria impensável para os autores clássicos. Hoje não, a partir da tipicidade conglobante, há um indício que a conduta seja típica. Tipicidade formal significa que o fato é um indício, que há forma de crime. Tipicidade formal significa que o fato se subsume à norma, se amolda ao tipo penal. Só porque há esse encaixa, não diga que é típico. Existe a tipicidade formal. Só.

Na tipicidade conglobante, o primeiro aspecto a ser analisado é saber se a conduta do agente é antinormativa. Tipicidade conglobante: Antinormatividade + tipicidade material.

A antinormatividade:

Para Zaffaroni, conduta antinormativa é a que não pode ser imposta pelo Estado e nem fomentada por ele.

Conduta imposta pelo Estado: queremos uma interpretação sistemática ilógica. Não posso admitir que o Estado com uma mão diga: faça algo, que eu deixo; e em outra mão, diga: esse fato é crime.

Primeira pergunta: cabe pena de morte no Brasil?

R: A regra é que não cabe, porque a CF assim o diz no art. 5º XLVII. Exceção: salvo no caso de guerra declarada pelo Presidente da República, art. 84, XIX, CF. Cabe pena de morte nesse caso, no caso de traição à pátria, o inimigo. Está no Código Penal Militar. Se observarmos a parte geral do CPM, a morte se dá por fuzilamento.

Pense que o Brasil tenha entrado em guerra. Durante ela identificou um traidor à pátria. Ele é julgado e condenado com todos os direitos. Transitada em julgado, o processo vai para a VEC, onde o despacho é cumpra-se o que foi disposto pelo juízo de primeira instância. A pena: morte. E ele vai cumprir isso. Nós aqui, não temos dever de matar. Se matarmos, em tese é típico, mas a ocorrência da legítima defesa é excludente de ilicitude. No caso de guerra, o militar tem o dever de matar. Está em estrito cumprimento do dever legal em razão do cumprimento de uma ordem legal. Se se negar, pode responder administrativamente. O juiz é o Estado. Ele presentando o Estado e diz: vá e cumpra minha decisão. A conduta de atirar no agente condenado à morte não pode ser conduta ilícita.

Nesse sentido, a posição de Zaffaroni tem lógica: o Estado não pode dizer que uma mesma conduta seja ao mesmo tempo típica por um lado e lícita de outro.

Você pode pensar em várias hipóteses: o Oficial de Justiça, que cumpre o mandado, onde existe uma ordem de um juiz de direito para que penhore os bens de uma pessoa, mesmo que à força, mediante arrombamento devido à

negativa de entrada da parte, ele responde por algum crime de arrombamento, ou de furto? O penalista clássico diria que ele cometeu os fatos típicos de invasão de domicilio mais furto. Porém, há uma excludente de ilicitude, onde o fato seria típico, mas lícito.

Zaffaroni diz que os clássicos estão equivocados. Esse pensamento é ilógico e injusto. Nesse sentido, nos exemplos dados, o fato é atípico.

O estrito cumprimento do dever legal, pelo art. 23, CP. É uma causa legal de excludente de ilicitude. No momento em que trabalho com a teoria da tipicidade conglobante, o estrito cumprimento do dever legal acaba se tornando uma causa de atipia, ou seja, uma causa excludente da própria tipicidade.

Assim:

a) tipicidade penal para os clássicos: tipicidade formal;b) tipicidade formal para os modernos: tipicidade formal + conglobante.

Tipicidade formal é a mera forma de crime. Preciso saber se o fato se subsume à norma, mas isso só não é o bastante para saber se é típico, porque preciso enfrentar a tipicidade conglobante.

O primeiro passo na tipicidade conglobante é saber se a conduta do agente é ou não antinormativa, ou seja, se a atividade do agente foi ou não imposta ou fomentada pelo Estado. Se foi fomentada, se o Estádio incentiva a conduta, não há antinormatividade. Se lembre da atividade com fim terapêutico. Ora, pense no médico que abre a minha barriga com bisturi, ele está me operando visando a cura. Para o clássico, esse ato é típico de lesão corporal. Para ele, a tipicidade penal é a formal. Típico, mas lícito, em razão do exercício regular de direito. Indaga Zaffaroni: o Estado não fomenta a atividade médica? Sim. Assim, se ele incentiva, como esse mesmo Estado pode dizer: médico, muito embora eu pedi que praticasse a medicina, você cometeu um crime. Isso é ilógico ao estado democrático de direito. Para ele, o fato é atípico. É a famosa atipia conglobante. OBS: cuidado, pois a atipia só ocorrerá se a finalidade médica for curativa ou terapêutica. Uma cirurgia plástica para deixar o narizinho arrebitado, estética, regra gera: o cirurgião pratica fato típico, mas lícito, em razão do exercício regular de direito.

Há uma exceção em que a medicina estética pode ser considerada atípica: aquele com fim reparador. A criança que foi atacada pelo Pit-bull, e esfacelou o rosto. Precisa se submeter a várias cirurgias estéticas. Estado, em respeito à dignidade da pessoa humana tem que incentivar a atividade médica, mesmo com fim reparador. O médico que opera a criança, não pode ser considerado praticante de fato típico.

Pense agora no rapaz que entrou no supermercado e pegou a barra de chocolate escondido e saiu de lá, bem como a menina que entrou na farmácia e escondeu um shampoo no valor de R$ 5,00 em sua bolsa e saiu da farmácia. Esses fatos são típicos?

A resposta deve ser: depende. Se você trabalhar com a lógica clássica sim. Se usar a lógica moderna tipicidade conglobante, precisamos analisar.

Para a tipicidade conglobante é preciso: conduta antinormativa do agente +tipicidade material.

Enfrentamos até agora a conduta antinormativa.

Tipicidade material: conteúdo de crime.

Significa a lesão a bem jurídico ou pelo menos exposição a perigo concreto do bem jurídico.

A questão é: este rapaz que entrou no supermercado e pegou a barra de chocolate e saiu dali sem pagar, ele praticou fato típico de furto?

Pela teoria clássica sim.

Pelo Zaffaroni: Ele praticou tipicidade formal, porque seu ato se encaixa na lei penal, no art. 155.

Existe tipicidade conglobante?

A conduta do agente é antinormativa?

Vejamos: sim, pois o Estado não impõe e nem incentiva que pessoas pegue bens dos outros.

Agora, existe tipicidade material? Existe conteúdo de crime? Ofendeu um bem jurídico de tal monta e tal gravidade que justifica a atuação do direito penal?

O patrimônio ofendido foi o patrimônio de uma pessoa jurídica.

É razoável a movimentação da máquina policial pelo furto de um chocolate? Justifica o movimento do Ministério Público, do Judiciário para processar essa pessoa?

As perguntas são várias: É razoável, é justo, é proporcional?

O que é o caráter subsidiário do direito penal?

O direito penal só pode agir, depois de esgotadas as esferas civil e administrativa. É razoável que eu já trabalhe com o direito penal “prima ratio” no furto de chocolate? Não bastaria chamar essa pessoa na direção do estabelecimento e fazer um acordo com ele, pagando pelo chocolate?

Onde está o princípio da insignificância?

O princípio da insignificância é uma causa de descaracterização da tipicidade matéria. É uma causa de atipia para o STJ como para o STF. “Atipia material na teoria conglobante”, porque não há conteúdo de crime.

O princípio da insignificância é sempre causa supra legal de exclusão da tipicidade material?

Falta leitura. O Código Penal Militar, traz duas hipóteses expressas do princípio da insignificância. É causa legal. Primeiro, art. 209, § 6º (lesão levíssima) e 240, § 1º (furto insignificante). O juiz, nessas duas hipóteses pode deixar de aplicar o penal e aplica o direito administrativo.

Zaffaroni, pai da tipicidade conglobante, também é criador da “teoria da co-culpabilidade”. Significa uma co-divisão de responsabilidade. É como se a sociedade marginalizadora contribuísse para o crime. Existe fulcro legal para isso. Funciona da seguinte maneira: se lembre da “teoria do etiquetamento”, onde o ex-presidiário sai da cadeia e é rotulado como ex-presidiário, assumindo o papel social que os outros acredito que a pessoa tem, passando a agir de tal maneira. Se o Estado não recuperou dentro do presídio, aplicando a função ressocializadora, há uma co-divisão de responsabilidade, pois o Estado não me preparou para a volta em sociedade, e agora, o ex-preso é rotulado e passa a viver de acordo com esse rotulamento. Quem aceita a tese, trabalha com ele no art. 66, CP, que trata das atenuantes genéricas e inominadas.

Se estiver trabalhando com a lei de drogas, o art. 19, IV, da lei de drogas, trata de forma específica o princípio da co-culpabilidade. O professor substitui esse tese pelo da “vulnerabilidade”, que é muito mais ampla e correta. É o sujeito que por ser vulnerável está sujeito a uma incidência maior do penal, ou porque não tem uma boa situação econômica ou amparo familiar, educação etc.