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10572 DIREITO DOS REFUGIADOS AO TRABALHO NO BRASIL * DERECHO DE LOS REFUGIADOS AL TRABAJO EN EL BRASIL Gustavo Henrique Paschoal RESUMO O tema central do presente artigo é o direito dos refugiados ao trabalho em território brasileiro. Primeiramente, apresentam-se os conceitos de refúgio e refugiado na legislação e na doutrina brasileiras. A seguir, fala-se sobre o Conselho Nacional do Refugiado (CONARE), criado pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, o qual é responsável pela análise e deferimento dos pedidos de refúgio em território brasileiro. Em continuidade, o texto passa a discutir o procedimento necessário para a obtenção da condição de refugiado no Brasil, em conformidade com as disposições da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Na sequência, o artigo passa a falar sobre a fundamentalidade do direito do trabalho perante o Texto Constitucional, apresentando o conceito de direito fundamental, bem como as suas dimensões, introduzindo o tem central do artigo que é o direito do trabalho enquanto direito fundamental, explicitando que os refugiados têm o direito de trabalhar em território brasileiro, tendo direito, também, às garantias laborais previstas na Constituição Federal e Consolidação das Leis do Trabalho. PALAVRAS-CHAVES: REFUGIADOS. TRABALHO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. RESUMEN El objetivo de este artículo es el derecho de los refugiados a trabajar en Brasil. En primer lugar, se presentan los conceptos de refugio y de refugiado en la legislación y en la doctrina de Brasil. Luego se habla sobre el Consejo Nacional para los Refugiados (CONARE), creada por la Ley N º 9474 de 22 de julio de 1997, que se encarga de examinar y aprobar las solicitudes de refugio en el territorio brasileño. A continuación, el texto pasa a examinar el procedimiento necesario para obtener la condición de refugiado en Brasil, de conformidad con las disposiciones de la Ley N º 9474 de 22 de julio de 1997. Además, el artículo va a hablar acerca de la fundamentalidad del derecho del trabajo en el Texto Constitucional, introduciendo el concepto de derecho fundamental, y sus dimensiones, presentando el tema de este artículo que es la legislación laboral como un derecho fundamental, explicando de que los refugiados tienen el derecho a trabajar en territorio brasileño, y también a las garantias laborales previstas en la Constitución y la Consolidación de Leyes Laborales. PALAVRAS-CLAVE: REFUGIADOS. TRABAJO. DERECHOS FUNDAMENTALES. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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DIREITO DOS REFUGIADOS AO TRABALHO NO BRASIL*

DERECHO DE LOS REFUGIADOS AL TRABAJO EN EL BRASIL

Gustavo Henrique Paschoal

RESUMO

O tema central do presente artigo é o direito dos refugiados ao trabalho em território brasileiro. Primeiramente, apresentam-se os conceitos de refúgio e refugiado na legislação e na doutrina brasileiras. A seguir, fala-se sobre o Conselho Nacional do Refugiado (CONARE), criado pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, o qual é responsável pela análise e deferimento dos pedidos de refúgio em território brasileiro. Em continuidade, o texto passa a discutir o procedimento necessário para a obtenção da condição de refugiado no Brasil, em conformidade com as disposições da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Na sequência, o artigo passa a falar sobre a fundamentalidade do direito do trabalho perante o Texto Constitucional, apresentando o conceito de direito fundamental, bem como as suas dimensões, introduzindo o tem central do artigo que é o direito do trabalho enquanto direito fundamental, explicitando que os refugiados têm o direito de trabalhar em território brasileiro, tendo direito, também, às garantias laborais previstas na Constituição Federal e Consolidação das Leis do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVES: REFUGIADOS. TRABALHO. DIREITOS FUNDAMENTAIS.

RESUMEN

El objetivo de este artículo es el derecho de los refugiados a trabajar en Brasil. En primer lugar, se presentan los conceptos de refugio y de refugiado en la legislación y en la doctrina de Brasil. Luego se habla sobre el Consejo Nacional para los Refugiados (CONARE), creada por la Ley N º 9474 de 22 de julio de 1997, que se encarga de examinar y aprobar las solicitudes de refugio en el territorio brasileño. A continuación, el texto pasa a examinar el procedimiento necesario para obtener la condición de refugiado en Brasil, de conformidad con las disposiciones de la Ley N º 9474 de 22 de julio de 1997. Además, el artículo va a hablar acerca de la fundamentalidad del derecho del trabajo en el Texto Constitucional, introduciendo el concepto de derecho fundamental, y sus dimensiones, presentando el tema de este artículo que es la legislación laboral como un derecho fundamental, explicando de que los refugiados tienen el derecho a trabajar en territorio brasileño, y también a las garantias laborales previstas en la Constitución y la Consolidación de Leyes Laborales.

PALAVRAS-CLAVE: REFUGIADOS. TRABAJO. DERECHOS FUNDAMENTALES.

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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1. INTRODUÇÃO

A questão atinente aos refugiados é pouco explorada pela doutrina jurídica

brasileira, a despeito de ser um problema de proporções mundiais, e que tem crescido

assustadoramente nos últimos anos.

Segundo relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os

Refugiados (ACNUR), de julho de 2008, havia, até o final de 2007, sob competência do

mencionado organismo internacional, cerca de 31,6 milhões de pessoas nas condições

de refugiados e solicitantes de asilo320.

No que se refere ao Brasil, em conformidade com dados obtidos junto ao site

do Ministério da Justiça, vivem, hoje, 3.918 refugiados, de 71 nacionalidades diferentes,

sendo 3.541 reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade (Lei nº 9.474/97), e 377

reconhecidos pelo Programa de Reassentamento321.

O tema a ser debatido no presente artigo é o direito dos refugiados à inclusão

no mercado de trabalho brasileiro. Para o desenvolvimento do mencionado tema, os

problemas levantados serão, primeiramente, verificar o conceito de refugiado, bem

como as regras que a ele se aplicam, quer nacionais, quer internacionais; em segundo

lugar, conhecer os refugiados que vivem no Brasil, ou seja, quantos são, e de onde vêm;

e, em terceiro lugar, saber quais são as condições sociais dos refugiados no Brasil,

essencialmente no que se refere a trabalho, perscrutando se o direito constitucional ao

trabalho, bem como os direitos laborais garantidos pela Constituição Federal de 1988,

também se aplicam aos refugiados.

320 Fonte: http://www.acnur.org/t3/portugues/estatisticas/. Acesso em 20 de janeiro de 2009. 321 "O reassentamento é uma das soluções duradouras para aqueles refugiados que, por questões de segurança ou integração, não podem permanecer no primeiro país de acolhida nem retornar ao de origem. O Brasil, assim, recebe refugiados espontâneos e outros que são reassentados, vindos de outros países" (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2009).

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Por fim, o objetivo do presente trabalho é demonstrar que os refugiados têm,

sim, direito ao trabalho, e que devem ter respeitados todos os direitos que a Constituição

Federal, no art. 7º, garante a todos os trabalhadores, sem qualquer espécie de distinção.

2. DOS REFUGIADOS NO BRASIL

Para PAULO BORBA CASELLA322, o ponto fundamental para conceituar um

refugiado é a existência de "fundado medo de perseguição em virtude de motivos

étnicos, religiosos ou políticos".

A Convenção de Genebra, de 1951, entende como refugiada a pessoa:

Que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

Em linhas gerais, refugiado é aquele que, tendo seus direitos fundamentais

violados323, e temendo por sua própria vida ou de outrem (família, amigos), em razão de

sua crença, sua ideologia ou de sua origem, vê-se obrigado a fugir de seu país, a fim de

buscar, em outro país, a segurança necessária para viver em paz. Procura, nas palavras

de ZYGMUNT BAUMAN324, um lugar "cálido [...], confortável e aconchegante".

Desde o início dos tempos há registro de pessoas, às vezes, populações inteiras, que, movidas por perseguição política, racial ou étnica, ou tocadas pela guerra, se viram obrigadas a deixar a sua terra natal e a procurar refúgio em outras paragens,

322 Refugiados: conceito e extensão, 2001, p. 20. 323 THELMA THAÍS CAVARZERE, Direito Internacional da Pessoa Humana: a circulação internacional de pessoas, 2001. 324 Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, 2003, p. 07.

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em busca de proteção e de um recomeço de vida, a salvo dos perigos que as ameaçavam. O refúgio é, pois, uma instituição tão antiga quanto a própria humanidade e persiste até os nossos dias, pois os homens permanecem feitos da mesma matéria. Perseguições e guerras continuam ocorrendo e até hoje não se inventou uma maneira de evitá-las, apesar do formidável nível de progresso que o mundo alcançou325.

Como já se disse anteriormente, vivem no Brasil 3.918 refugiados, de 71

nacionalidades diferentes, distribuídos conforme os números abaixo:

Nacionalidades com maior representatividade de refugiados

Nacionalidade Refugiados

%

Angola 1687 43,0

Colômbia 531 13,6

República Democrática do Congo

310 7,8

Libéria 259 6,6

Iraque 174 4,4

Refugiados por continente

População de refugiados por sexo

325 Site do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2009.

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Fonte: Ministério da Justiça -

http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ7605B707ITEMIDE5FFE0F98F5B4D22AFE

703E02B E2D8EAPTBRIE.htm. Acesso em 20 de janeiro de 2009.

O legislador brasileiro, conforme restou claro do art. 1º da Lei 9.474, de 22 de

julho de 1997, entendeu como refugiado todo indivíduo que:

a) se encontra fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se

à proteção de tal país por força de perseguição étnica, política ou religiosa;

b) também por motivos de intolerância, não tendo nacionalidade e estando fora do país

onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele;

c) se viu obrigado a fugir de seu país devido a grave e generalizada violação de

direitos humanos.

GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA326 entende que a lei brasileira que trata dos

refugiados é uma das mais avançadas do continente americano, pois ela ampliou o

conceito de refugiado trazido pela Convenção de 1951, a exemplo do que já havia feito

a Organização da Unidade Africana, em 1969.

Assim, ao contrário da Convenção de 1951, que considera como refugiados

apenas os indivíduos perseguidos por motivos de intolerância étnica, política ou

religiosa, sejam nacionais de um país, ou apenas nele residentes, a lei brasileira de 1997

326 A Lei 9.474/97 e a definição ampliada de refugiado: breves considerações, 2001, p. 165.

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entende como refugiados também aqueles que se vêm forçados a deixar o país em que

vivem por motivo de "grave e generalizada violação de direitos humanos".

Além disso, a Lei 9.474/97 estende os direitos de refugiado "ao cônjuge, aos

ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do

refugiado dependerem economicamente, desde que se encontrem em território

nacional".

2.1. do CONARE

A Lei 9.474/97, no art.11, cria o Conselho Nacional do Refugiado (CONARE),

dando a ele as seguintes competências (art. 12):

I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado; II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado; III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de

refugiado; IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados; V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução

desta Lei. Desta forma, qualquer estrangeiro que ingressar no Brasil, ainda que

irregularmente (art. 8º), poderá requerer seu reconhecimento como refugiado a qualquer

"autoridade migratória que se encontre na fronteira" (art. 7º). Das decisões do CONARE

caberá recurso para o Ministro da Justiça (art. 29).

O CONARE é constituído, de acordo com o art. 14 da Lei 9474.97, por um

representante do Ministério da Justiça, que o presidirá; um representante do Ministério

das Relações Exteriores; um representante do Ministério do Trabalho; um representante

do Ministério da Saúde; um representante do Ministério da Educação e do Desporto; um

representante do Departamento de Polícia Federal; e um representante de organização

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não-governamental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados

no País. Tais pessoas não recebem qualquer espécie de remuneração (art. 15).

2.2. do processo de refúgio

O processo de refúgio, no Brasil, regulado pela Lei 9.474/97, tem início com a

apresentação do estrangeiro diante da autoridade competente e solicita seu

reconhecimento como refugiado (art. 17), de maneira que o postulante será notificado a

prestar as informações necessárias para processamento do pedido (art. 18), quais sejam,

"identificação completa, qualificação profissional, grau de escolaridade do solicitante e

membros do seu grupo familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos que

fundamentem o pedido de refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes" (art.

19).

Após a entrega da solicitação, o estrangeiro receberá do Departamento da

Polícia Federal um protocolo, bem como uma autorização para residência provisória

no país (art. 21), o que permite a obtenção de Carteira de Trabalho e Previdência

Social (CTPS) junto ao Ministério do Trabalho, possibilitando ao estrangeiro o

exercício de atividade remunerada (art. 21, §1º).

A autoridade competente instruirá o pedido como todos os documentos que se

fizerem necessários e o enviará ao CONARE, a fim de seja incluído da pauta de

julgamentos (art. 24).

No caso de decisão positiva, o refugiado será registrado junto ao Departamento

de Polícia Federal, devendo assinar termo de responsabilidade e solicitar cédula de

identidade pertinente (art. 28).

Caso o pedido seja negado pelo CONARE, como já esclarecido em linhas

anteriores, caberá recurso ao Ministro da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do

recebimento da notificação (art. 29), sendo que, durante a pendência do recurso, o

solicitante poderá permanecer no país (art. 30).

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A decisão do Ministro da Justiça não será passível de recurso, devendo ser

notificada ao CONARE, para ciência do solicitante, e ao Departamento de Polícia

Federal, para as providências devidas (art. 31).

A condição de refugiado cessará nas seguintes hipóteses (art. 38)

I - voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional; II - recuperar voluntariamente a nacionalidade outrora perdida; III - adquirir nova nacionalidade e gozar da proteção do país cuja nacionalidade adquiriu; IV - estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, no país que abandonou ou fora do qual permaneceu por medo de ser perseguido; V - não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional por terem deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado; VI - sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua residência habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado.

De outro lado, a renúncia; a prova da falsidade dos documentos utilizados no

processo de reconhecimento do direito de refúgio; o exercício de atividades contrárias à

segurança nacional ou à ordem pública; ou a saída do território nacional sem

autorização prévia do governo brasileiro, implicarão para o refugiado na perda desta

condição, nos precisos termos do art. 39.

Cabe ainda ressaltar que a decisão quanto à cassação ou à perda da condição de

refugiado cabe ao CONARE; das decisões do mencionado órgão, possível recurso ao

Ministro da Justiça, no prazo de quinze dias, a partir do recebimento da notificação da

decisão por parte do refugiado (art. 40).

Por fim, conforme as disposições do art. 47 da Lei 9.474/97, o processo de

concessão de direito de refúgio será gratuito, e terá, sempre, caráter de urgência.

3. DO DIREITO DOS REFUGIADOS AO TRABALHO

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A Convenção de Genebra, de 1951, em seus artigos 17, 18 e 19, impõe aos

seus signatários o dever de tratamento igualitário aos refugiados no que se refere ao

trabalho. De acordo com o instrumento internacional — do qual, recorde-se, o Brasil é

parte-contratante —, os refugiados têm direito ao exercício de profissões assalariadas,

não-assalariadas ou liberais, devendo receber tratamento tão favorável quanto possível

ao dado aos nacionais de outros países, levando-se sempre em conta a especial condição

em que aquelas pessoas se encontram em território brasileiro.

A Declaração de São José Sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas, de

dezembro de 1994, em sua décima segunda conclusão, expõe:

Sublinhar a importância de ter em consideração as necessidades das mulheres e raparigas refugiadas e deslocadas, particularmente as que se encontram em situação vulnerável nos aspectos de saúde, segurança, trabalho e educação; deste modo, encorajar a inclusão de critérios baseados no género ao analisar as necessidades da condição de refugiado (sem grifos no original).

A Constituição Federal brasileira, de 1988, tem como fundamento da

República "os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (art. 1º, inc. IV); tem por

objetivos da República "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais" e "promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, inc.

III e inc. IV); como princípios gerais da atividade econômica a "redução das

desigualdades regionais e sociais" e "busca do pleno emprego" (art. 170, inc. VII e inc.

VIII); e como base da ordem social "o primado do trabalho" (art. 193).

Veja-se, pois, que o Diploma Constitucional brasileiro elegeu o trabalho como

uma das formas de resolução das mazelas sociais, trazendo em seu texto várias normas

programáticas327, na clássica distinção de JOSÉ AFONSO DA SILVA328, as quais impõem

327 "Na esteira do Estado intervencionista, surtido do primeiro pós-guerra, incorporam-se à parte dogmática das Constituições modernas, ao lado dos direitos políticos e individuais, regras destinadas a conformar a ordem econômica e social a determinados postulados de justiça social e realização espiritual, levando em conta o indivíduo em sua dimensão comunitária, para protegê-lo das desigualdades econômicas e elevar-lhe as condições de vida, em sentido mais amplo. Algumas dessas normas definem direitos, para o presente, que são os direitos sociais; outras contemplam certos interesses, de caráter

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ao Estado brasileiro o dever de buscar, a todo custo, dar a todos os que vivem no

Brasil condições de exercer atividade remunerada, almejando, assim, o sustento próprio

e de seus dependentes. Inclusive os refugiados, tendo em vista os dizeres do art. 3º, inc.

III, já transcrito, e do art. 5º, caput e inc. XIII.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (sem grifos no original);

Da análise do texto constitucional, verifica-se que o direito "ao" trabalho, bem

como o direito "do" trabalho (art. 7º) — distinção feita por FÁBIO RODRIGUES GOMES329

— foram consagrados como direitos fundamentais da pessoa humana, pois são fatores

essenciais para a construção de uma vida digna daqueles que vivem em território

brasileiro. Mais uma vez trazendo à baila os dizeres do art. 3º, inc. IV, e do art. 5º,

caput, que carregam em seu ventre o princípio da igualdade, o direito fundamental de

ter trabalho e de ter direitos decorrentes deste trabalho, forçosamente, estendem-se aos

refugiados. É o que diz, também, o art. 3º da Convenção de Genebra, de 1951: "os

Estados Membros aplicarão as disposições desta Convenção aos refugiados sem

discriminação quanto à raça, à religião ou ao país de origem".

3.1. dos direitos fundamentais

prospectivo, firmando determinadas proposições diretivas, desde logo observáveis, e algumas projeções de comportamentos, a serem efetivados progressivamente, dentro do quadro de possibilidades do Estado e da sociedade. Surgem, assim, disposições indicadoras de fins sociais a serem alcançados. Estas normas têm por objeto estabelecer determinados princípios ou fixar programas de ação para o Poder Público" (LUIZ ROBERTO BARROSO, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: limites e possibilidades da constituição brasileira, 2009, p. 114). 328 Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 2008, p. 156. 329 O Direito Fundamental ao Trabalho: perspectiva histórica, filosófica e dogmático-analítica, 2008, p. 164.

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Antes, porém, de prosseguirmos discorrendo sobre o direito ao trabalho como

direito fundamental, necessário falar sobre o conceito de direito fundamental.

Para LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, os

direitos fundamentais "constituem uma categoria jurídica, constitucionalmente erigida e

vocacionada à proteção da dignidade humana em todas as dimensões". Segundo os

mencionados autores, os direitos fundamentais possuem natureza "poliédrica", pois

pretendem resguardar a liberdade, as necessidades e a preservação do ser humano330.

GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO

GONET BRANCO relembram que o cristianismo é importante marco histórico na

formatação do que chamamos, hoje, de direitos fundamentais, pois "o ensinamento de

que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a ideia de que Deus assumiu a

condição humana para redimi-la imprimem à natureza humana alto valor intrínseco, que

deve nortear a elaboração do próprio direito positivo"331.

JACQUES MARITAIN ressalta que "a consciência dos direitos humanos tem, na

realidade, sua origem na concepção do homem e do direito natural estabelecida por

séculos de filosofia cristã"332.

ROBERT ALEXY também entende que o cristianismo serviu de base para a

formação dos direitos fundamentais da pessoa humana, trazendo a colação as palavras

do apóstolo Paulo, contidas na carta escrita por ele aos Gálatas (3,28): "não há judeu

nem grego, nem varão nem mulher, pois todos vós sois em Cristo Jesus"333.

Tomando por base as classificações propostas por GILMAR FERREIRA MENDES,

INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO334 e LUIZ ALBERTO

330 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 110-111. 331 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 232. 332 GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, op. cit., p. 232. 333 Apud GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET

BRANCO, op. cit., p. 232. 334 Op. cit., p. 239-253.

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DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR335, elencam-se, aqui, as principais

características dos direitos fundamentais.

a) universalidade: os direitos fundamentais são universais enquanto destinados aos

seres humanos enquanto gênero, sendo incompatíveis com qualquer espécie de

restrições a grupos ou categorias336;

b) historicidade: "são um conjunto de faculdades e instituições que somente faz sentido

num determinado contexto histórico"337. Lembram PEDRO LENZA338 e LUIZ ALBERTO

DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR339 que o cristianismo foi o movimento

histórico que deu vazão aos primeiros ideais de proteção dos direitos fundamentais da

pessoa humana;

c) inalienabilidade/indisponibilidade: os direitos fundamentais, enquanto requisitos

mínimos para que se garantam à pessoa humana condições dignas de vida, não podem

estar sujeitos a qualquer espécie de ato de disposição, quer oneroso, quer gratuito.

GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET

BRANCO340 ponderam sobre a possibilidade de não exercício de alguns direitos

fundamentais, o que não implica em renúncia;

d) limitabilidade: os direitos fundamentais, apesar de irrenunciáveis, não são absolutos,

ou seja, podem ser limitados. Tal limitação não pode ser feita, contudo, numa esfera

normativa, mas, sim, diante do fato concreto, naquilo que LUIZ ALBERTO DAVID

ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR341 chamam de colisão de dois direitos

concretamente exercidos. Assim, chocando-se dois direitos considerados fundamentais,

analisar-se-á, diante do meritum causæ, qual deles deve prevalecer;

e) aplicabilidade imediata: os direitos fundamentais, posto que baseados na

Constituição e não na lei, devem ser aplicados de plano, não necessitando de qualquer 335 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 119-126. 336 LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, op. cit. 337 GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, op. cit., p. 241. 338 Direito Constitucional Esquematizado, 2007, p. 696. 339 Op. cit., p. 119. 340 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 243-244. 341 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 125.

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espécie de regulamentação, não se tratando, pois, de normas meramente programáticas.

"Os direitos fundamentais não são meramente normas matrizes de outras normas, mas

são também, e, sobretudo, normas diretamente reguladoras de relações jurídicas"342.

À guisa da evolução histórica dos direitos fundamentais, a doutrina costuma

classificá-los nas chamadas gerações343, que, em regra, são três344: os direitos de

liberdade; direitos de igualdade; e direitos de fraternidade ou de solidariedade. Para

PEDRO LENZA345, a existência de três gerações de direitos fundamentais está baseada no

lema da Revolução Francesa - liberté, egalité et fraternité -, que pregava ideais de

liberdade, igualdade e fraternidade, quais sejam:

3.1.1. direitos fundamentais de primeira geração

Guardam relação com os direitos civis e políticos, traduzindo o valor de

liberdade. Segundo LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR346,

"foi o primeiro patamar de alforria do ser humano reconhecido por uma Constituição.

São direitos que surgiram com a idéia de Estado de Direito, submisso a uma

constituição".

342 GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 243-244. 343 Mais correta, na esteira de LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR (op. cit., 2008, p. 116), a utilização da expressão "dimensões" de direitos fundamentais, posto que a expressão "gerações" contém em si uma ideia de passado, de algo que surgiu num momento remoto e lá permaneceu; dá a ideia de sucessão de direitos, ou seja, de que os direitos de primeira geração foram suplantados pelos de segunda e, estes, pelos de terceira geração, o que não corresponde com a realidade, pois, no ideário dos direitos humanos, todas as gerações de direitos convivem — e devem conviver — de forma harmônica. "Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos previstos num determinado momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influxo das concepções jurídicas e sociais prevalentes nos novos momentos" (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO

GONET BRANCO, op. cit., p. 234). 344 PAULO BONAVIDES (Curso de Direito Constitucional, 2008) e JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2008) mencionam, ainda, os direitos de quarta geração (direitos de tecnologia) e de quinta geração (direitos de paz). 345 Direito Constitucional Esquematizado, 2007, p. 694-695 346 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 116.

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Os direitos fundamentais de primeira geração surgem da necessidade de

promover a defesa do indivíduo em relação ao Estado Absolutista, uma vez que o rei

tinha poder de vida e de morte sobre seus súditos. Seu principal marco histórico foi a

Revolução Francesa (1789), que, pela primeira vez, mostrou ao mundo os ideais de

liberdade, igualdade e fraternidade, numa clara tentativa de retirar do Estado a condição

de fim em si mesmo, transferindo ao ser humano a posição de objetivo da atividade

estatal347. "O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente

considerado"348.

Escreve PAULO BONAVIDES349:

Os direitos de primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na codificação política, em verdade se moveram em cada país constitucional num processo dinâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória que parte com freqüência do mero reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais de efetivação democrática do poder.

Outro passo importante nesta geração de direitos foi a chamada

constitucionalização dos direitos fundamentais, o que os elevou ao status de normais

fundamentais, permitindo, nas palavras de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, "mais

notória protecção dos direitos fundamentais mediante o controlo jurisdicional da

constitucionalidade dos actos normativos reguladores destes direitos"350.

347 PEDRO LENZA, Direito Constitucional Esquematizado, 2007, p. 694; PAULO BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 562. 348 GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 233. 349 Op. cit., p. 563. 350 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2008, p. 378.

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Como exemplos desses direitos na Constituição Federal brasileira de 1988,

podem-se citar o direito à vida (art. 5º, caput), à liberdade de ir e vir (art. 5º, inciso

LXVIII), liberdade de expressão (art. 5º, inciso IV), direitos políticos (art. 14).

3.1.2. direitos fundamentais de segunda geração

Impulsionados pela Revolução Industrial do século XIX, iniciada na Inglaterra,

referem-se os direitos fundamentais de segunda geração à fixação de direitos sociais,

culturais e econômicos, prevalecendo a idéia de igualdade351.

Se, no momento histórico em que se desenvolveram os direitos de primeira

geração, o ser humano lutava pelo afastamento do Estado das relações privadas,

concedendo às pessoas maior liberdade, os direitos de segunda geração exigem uma

atividade prestacional do Estado, exigindo que este garantisse "a satisfação das

necessidades mínimas para que se tenha dignidade e sentido na vida humana"352.

Sobre o tema, lecionam GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES

COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO353:

O princípio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geração dos direitos fundamentais, a ser atendido por direitos a prestação e pelo reconhecimento de liberdades sociais ― como a de sindicalização e o direito de greve. Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social ― na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados.

A Constituição Federal brasileira trata dos direitos sociais no art. 6º, quais

sejam, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à

maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

351 PEDRO LENZA, Direito Constitucional Esquematizado, 2007, p. 694. 352 LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 117. 353 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 234.

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3.1.3. direitos fundamentais de terceira geração

Os direitos fundamentais de terceira geração referem-se à inclusão do ser

humano em ambiente de coletividade. Nesta esteira, surgem os ideais de preservação

ambiental e de defesa do consumidor, entre outros, surgindo os chamados direitos de

fraternidade ou de solidariedade354. Leciona PAULO BONAVIDES355:

Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos de liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção de interesses de um indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

KAREL VASAK

356, em rol exemplificativo, identifica como direitos de

solidariedade: ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, de propriedade sobre o

patrimônio comum da humanidade e de comunicação.

LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR entendem os

direitos de solidariedade enfocando o ser humano em suas relações com seus próximos.

"Se a tecnologia e as novas formas de relacionamento social e econômico criaram outras

formas de submissão do ser humano, cabe ao direito construir meios para sua

alforria"357.

354 PEDRO LENZA, op. cit., p. 694-695. 355 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 569. 356 PAULO BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 569. 357 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 118.

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JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO358 acrescenta que os direitos de

solidariedade, desenhados a partir da década de 1960, pressupõem um abandono da

individualidade em prol de um ideal maior, da coletividade, o que chama de direito dos

povos.

3.2. do direito fundamental ao trabalho

O direito ao trabalho, bem como o direito do trabalho, como se pode verificar

da explanação trazida nas linhas anteriores, enquadram-se nos direitos fundamentais de

segunda geração, esta que tratou dos direitos sociais, tendo previsão na Constituição

Federal brasileira, de forma genérica, no art. 6º. Escreve PAULO BONAVIDES359:

Os direitos de segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula.

SERGIO PINTO MARTINS critica a expressão "direitos sociais", dizendo ser

pleonástica, haja vista que todos os direitos são sociais. "Não há um direito mais social

que o outro" — diz o autor — "pois o direito é feito para regular a vida na sociedade".

Segundo ele, os direitos sociais exigem do Estado atividades prestacionais, objetivando

proteger o "economicamente fraco, o trabalhador"360.

A Constituição Federal de 1988 traz os direitos fundamentais361 previstos no

art. 6º, dispositivo este que se encontra inserido no Título II, que trata "dos direitos e

358 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2008, p. 386. 359 Op. cit., p. 564. 360 Direitos Fundamentais Trabalhistas, 2008, p. 63. 361 CARLOS HENRIQUE DA SILVA ZANGRANDO (Curso de Direito do Trabalho, 2008, p. 63-64), escrevendo sobre a constitucionalização do direito do trabalho, coloca como marco principal da

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garantias fundamentais". Desta forma, embora possa parecer óbvia, a conclusão

seguinte é bastante pertinente neste momento do estudo: o direito ao trabalho, previsto

no art. 6º da Constituição, sem sombra de dúvida, é um direito fundamental da pessoa

humana362.

Ora, sendo o trabalho direito fundamental da pessoa humana, e tendo os

direitos fundamentais a característica da universalidade363, descrito anteriormente,

chega-se a uma segunda conclusão, esta, sim, o cerne do presente ensaio: todos os que

vivem em território brasileiro têm direito ao trabalho, quer nacionais, quer

estrangeiros e, dentre estes últimos, incluem-se os refugiados.

Para ARNALDO SÜSSEKIND364, a constitucionalização do trabalho importa na

constituição de suas regras em normas de "caráter público, de modo que não podem ser

alteradas sob nenhum ponto de vista, nem pelas partes interessadas em soluções

especiais, nem pelos órgãos de Estado".

MAURICIO GODINHO DELGADO, complementando a idéia exposta por

SÜSSEKIND, escreve que "neste período de crise e transição da área juslaborativa", é

essencial que o operador do direito do trabalho tenha, sempre, ao seu lado, o texto

constitucional, bem como os princípios norteadores do direito constitucional365.

JEAN-CLAUDE COLLIARD ensina que o trabalho "é o direito que todo homem

tem de viver, proporcionando-se, pelo próprio trabalho, os recursos necessários"366.

inclusão do trabalho como matéria de proteção constitucional as ocorrências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, pelo Tratado de Versailles. "No campo das relações de trabalho, o período foi conturbado por influência dos ideais anarquista e socialista. Os movimentos reivindicatórios e as greves sucediam-se, bem como as crises econômicas causadas pelas políticas financeiras temerárias e sem escrúpulos, as quais culminaram com o crack da Bolsa de Nova York em 1929. Não é de se estranhar que algumas constituições já nas primeiras décadas do século XX trariam em si preceitos de Direito do Trabalho. A primazia coube à Constituição do México, em 1917, ao estabelecer todo um título ao Trabalho e à Previdência Social, limitando a duração da jornada, regulamentando o trabalho de mulheres e menores e o salário mínimo, dentre outras normas. Segue-se a Constituição Alemã de 1919, no período da República de Weimar, que durou de fato até 1933, com a ascensão do Nazismo. [...] Seguindo esses exemplos, temos as Constituições do Chile (1925), Peru (1933), Áustria (1925), Rússia (1918), Brasil (1934), Espanha (1931), Uruguai (1934), Honduras (1936), República Federal Alemã (1949), Turquia (1961), Guatemala (1965), entre outras". 362 SERGIO PINTO MARTINS, op. cit., p. 65. 363 LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 122. 364 et. al., Instituições de Direito do Trabalho, 2003, p. 136. 365 Curso de Direito do Trabalho, 2008, p. 76. 366 Apud SERGIO PINTO MARTINS, Direitos Fundamentais Trabalhistas, 2008, p. 65.

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SERGIO PINTO MARTINS367 entende que o direito ao trabalho compreende "o

direito à existência". Ele — o trabalho — permite que o indivíduo "valorize-se perante a

sociedade", mantendo a mente ocupada, sentindo-se útil, além de poder adquirir bens de

consumo. Em síntese, o trabalho permite que o cidadão viva e conviva em sociedade.

3.2.1. Do direito do trabalho

Importante, neste momento, antes de continuar a discussão sobre a

fundamentalidade do direito "ao" trabalho, falarmos sobre o direito "do" trabalho, este

que nada mais é do que uma decorrência do primeiro, pois não há como se falar na

existência de um direito fundamental subjetivo, sem se mencionar a base positivada que

lhe dá sustentação e exigibilidade.

Para OCTÁVIO BUENO MAGANO368, o direito do trabalho é "o conjunto de

princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e situações

equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de

medidas protetoras e da modificação das estruturas sociais".

MAURICIO GODINHO DELGADO369 enxerga o direito do trabalho como um

"complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam, no tocante às pessoas

e matérias envolvidas, a relação empregatícia de trabalho, além de outras relações

laborais normativamente especificadas".

A respeito do tema, escrevem ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK 370:

Determinar o conteúdo do Direito do Trabalho é obra de síntese sistemática, que representa o coordenamento lógico dos institutos jurídicos que pressupõem o conceito fundamental do

367 Op. cit., p. 65. 368 Apud MAURÍCIO GODINHO DELGADO, op. cit., p. 50. 369 Curso de Direito do Trabalho, 2008, p. 51. 370 Curso de Direito do Trabalho, 2007, p. 09.

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Trabalho (Barassi). O trabalho humano como nobilíssima expressão da personalidade, e que modernamente é tutelado, esteja ou não o indivíduo em contato direto com ele. Este trabalho humano indiretamente, pelo Estado, quando este firma regras atinentes à organização coletiva do trabalho, em todos os seus matizes; o é, também, indiretamente, quando são baixadas leis reguladoras do seguro social obrigatório. Fora do trabalho, mas em razão dele, é tutelado o trabalhador que foi acidentado no trabalho. Portanto, o instituto fundamental que há de firmar o conceito da nova disciplina é mesmo o trabalho humano. Se acrescentarmos que este trabalho humano é o que se desenvolve sob a dependência de outrem, já nos aproximaremos muito do verdadeiro conceito da nova disciplina. A tutela do trabalho humano nem sempre implica ou pressupõe a existência de um contrato de trabalho. Este pode inexistir, como nos casos do trabalho executado sem o consentimento do empregador (all'insaputa del datore di lavoro), como se expressa Barassi; pode inexistir, como ocorre nas limitadas hipóteses de imposição legal, trabalho de aprendizes e menores imponibile de mano d'opera, requis civiles; pode ser nulo o contrato, como ocorre com o trabalho do menor de 16 anos, ou suscetível de anulação, quando é convolado em virtude de algum dos vícios do consentimento. Em qualquer hipótese, porém, o trabalho prestado a outrem é tutelado, malgrado a inexistência ou a anulabilidade do contrato. Com essas noções parciais vamos nos aproximando do verdadeiro conceito do Direito do Trabalho.

3.2.2. Do direito do trabalho no Brasil

O direito do trabalho no Brasil, ao contrário do que se passou na Europa e

outros países da América, não surgiu de movimentos operários, de lutas de classes: foi

um movimento sui generis, chamado por JOSÉ DE SEGADAS VIANNA371 de

"descendente", o que significa que foi "imposto" de cima para baixo, ou seja, os direitos

laborais foram "dados" pelo Estado brasileiro aos trabalhadores. Para o autor, os

movimentos descendentes têm as seguintes características: "a) inexistência de luta, sem

que isso indique a ausência de uma questão social, embora latente; b) falta de

associações profissionais de expressiva representatividade; c) os grupos sociais são

ainda inorgânicos; d) não há atividades econômicas que exijam massas proletárias

densas".

371 et. al., Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1, 2003, p. 50.

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CARLOS HENRIQUE DA SILVA ZANGRANDO372 menciona que até o século XVIII

não há como se falar em relação de trabalho no Brasil, pois ainda se vivia sob a égide

das Ordenações do Reino de Portugal, e a economia era essencialmente agrícola,

baseada em tradições medievais, modelada pela servidão e pela escravidão . Segundo o

mencionado autor, categorias diferentes de trabalhadores, assalariados inclusive,

começaram a surgir a partir do século XVIII, com o crescimento das cidades e do

comércio urbano.

Além disso, contribuíram para a evolução do direito do trabalho brasileiro o

fim da escravidão , em 1888, que trouxe milhares de ex-escravos dos campos para a

cidade; o fim de Império, em 1889; e o início da República.

3.2.3. Do trabalho nas Constituições brasileiras

Para este estudo, torna-se relevante acompanhar o desenvolvimento do direito

do trabalho em conjunto com a evolução constitucional brasileira. Assim, nos tópicos

seguintes, analisaremos como as Constituições brasileiras trataram do tema "trabalho"

em seus textos.

A Constituição Imperial, de 1824, não tratou das relações de trabalho. Cuidou,

tão-somente, de colocar fim às corporações de ofício . Deu, no entanto, os primeiros

passos para a melhoria das condições sociais dos brasileiros, tratando de temas como

educação, saúde e desemprego .

A Constituição Republicana de 1891, dominada por interesses liberais e por um

caráter individualista, buscou proteger os interesses privados, não trazendo qualquer

proteção ao trabalhador; garantia apenas — art. 72, nº 24 — o livre exercício de

atividade profissional .

372 Curso de Direito do Trabalho, tomo I, 2008, passim.

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A Constituição Republicana de 1934, na linha do pensamento paternalista de

Getúlio Vargas (1882-1954), trouxe, em seu texto, vários direitos para os trabalhadores,

diferentemente do haviam feito as constituições anteriores. Escreve JOSÉ DE SEGADAS

VIANNA373:

A Constituição de 1934 assegurava autonomia sindical, dava a todos o direito de prover à própria subsistência e à de sua família mediante trabalho honesto; determinava que a lei promovesse o amparo à produção e estabelecesse as condições de trabalho tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País; estatuía a proibição de diferença de salário para trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil, determinava a fixação de salário mínimo; proibia o trabalho dos menores de 14 anos, o trabalho noturno dos menores de 16 e nas indústrias insalubres às mulheres e menores de 18 anos; assegurava a indenização ao trabalhador injustamente dispensado, a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, e também para esta, o descanso antes e depois do parto sem prejuízo do salário.

A Carta de 1937, de autoria de Francisco Campos374, Ministro da Justiça do

Governo Vargas, considerada uma Constituição nominal375 e autoritária, manteve as

inovações trazidas pela Constituição de 1934, acrescentando o repouso semanal, a

indenização por dispensa imotivada, férias remuneradas, salário mínimo, jornada

máxima de oito horas, seguro social, entre outros direitos. Tinha como norma que "o

trabalho é um dever social"376 .

373 et. al., Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1, 2003, p. 50 374 "Francisco Campos pertence a uma geração de intelectuais que receberam a qualificação de 'autoritários' (não sem razão), sendo a Constituição de 37 conhecida como 'a polaca' por assimilar muitos elementos da vaga autoritária que assolava a Europa na época. Ocorre que o próprio Francisco Campos foi um dos culpados pela queda de Getúlio e pelo descrédito generalizado pela Constituição. Em entrevista concedida em março de 1945, Francisco Campos afirma textualmente: 'A Constituição de 1937 não tem mais vigência constitucional'" (PAULO BONAVIDES; PAES DE ANDRADE, História Constitucional do Brasil, 2008, p. 337). 375 "Uma distinção clássica do direito constitucional classifica as Constituições ditas 'nominais' ou 'semânticas', textos meramente formais daquelas ditas 'normativas' em que se estabelece uma identidade entre as aspirações dos integrantes da nacionalidade e as leis expressas no texto, momento em que uma lei pode ser considerada legítima. E certo que os critérios e princípios que constituem essa legitimidade variam temporal e espacialmente, mas ainda assim permanece a idéia de que uma Constituição que seja apenas legal e não legítima não preenche os requisitos requeridos pelo próprio conceito de Constituição" (PAULO BONAVIDES; PAES DE ANDRADE, op. cit., p. 337). 376 JOSÉ DE SEGADAS VIANNA et. al., op. cit., p. 76.

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A Constituição de 1946377, que promoveu a reabertura do Brasil aos ideais

democráticos, no que concerne ao tema trabalho, manteve, apenas, os direitos que já

eram garantidos pelos textos constitucionais anteriores. JOSÉ DE SEGADAS VIANNA378

ressalva que os dispositivos da Constituição de 1946, pela redação que receberam do

constituinte, "eram, principalmente, recomendações", apesar de considerar que ela

"encerrava um conteúdo social que a colocava entre as mais completas do mundo".

A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, ambas surgidas

durante o governo militar (1964 – 1985) mantiveram os direitos já obtidos até então

quando da promulgação dos Textos Constitucionais anteriores. Porém, tendo em vista o

caráter anti-democrático dos governantes brasileiros do período, alguns direitos foram

subtraídos, outros reduzidos, como é o caso da greve no serviço público e nas atividades

essenciais, que foi determinantemente proibido, e a supressão da proteção à gestante379 .

3.2.4. A Constituição Democrática de 1988

A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 ampliou sensivelmente o rol

de direitos garantidos aos trabalhadores. Entre as inovações trazidas pelo texto

constitucional, relevante citar a nacionalização do salário mínimo; duração do trabalho

limitada a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; remuneração da hora

extraordinária de trabalho em, pelo menos, 50% a mais sobre o valor da hora normal;

férias remuneradas acrescidas de 1/3 sobre o seu valor; e, principalmente, a proteção do

trabalhador contra a despedida arbitrária, contra a automação, e a liberdade de

sindicalização e exercício do direito de greve.

Do que se vê, resta evidente a influência do ideal democrático do constituinte

de 1988, mormente no que se refere aos movimentos sindicais e paredistas, antes

proibidos pelo regime militar.

377 "Não resta dúvida que a singularidade por excelência da Constituinte de 1946, veio a ser a presença de uma bancada comunista na Assembléia suprema, fato que ocorreria pela primeira vez em toda a nossa história constitucional" (PAULO BONAVIDES; PAES DE ANDRADE, História Constitucional do Brasil, 2008, p. 387). 378 et. al., Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1, 2003, p. 77. 379 JOSÉ DE SEGADAS VIANNA et. al., op. cit., passim.

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Cumpre, no entanto, ressaltar que a principal inovação trazida pelo constituinte

de 1988 foi a introdução do trabalho como tema dos direitos fundamentais da pessoa

humana. Basta ver que o art. 6º, que trata dos direitos sociais, entre eles o trabalho,

encontra-se alocado no Título II, cujo título é "dos direitos e garantias fundamentais".

PAULO BONAVIDES380, ao mencionar a questão da proteção aos direitos sociais,

escreve:

Ocorre, porém que o avanço teria muito mais profundidade se abrangesse também o substrato social da Constituição, pelo menos os direitos sociais que, desde a Carta de 1934, compõem a base teórica e positiva de nossa modalidade de Estado social, os quais, sem retrocesso, têm sido consagrados pela evolução do constitucionalismo brasileiro durante os últimos cinqüenta anos. É óbvio, por conseguinte, que uma conquista dessa envergadura faria constitucionalmente irrevogáveis os grandes progressos já obtidos para a construção da Sociedade justa, livre e igualitária a que todos aspiram.

Há que se ressaltar, em primeiro lugar, que a própria Constituição Federal

admite a existência de direitos fundamentais fora do rol do art. 5º, bastando, para tanto,

observar a regra do §2º do art. 5º, que diz que os direitos elencados no mencionado

artigo "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios" adotados pela

Constituição.

Em voto proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 939-

7/DF, em 15 de dezembro de 1993 (em anexo), o Ministro Marco Aurélio, do STF,

entendeu pela existência dos chamados direitos implícitos, oriundos da própria

principiologia constitucional de proteção integral à pessoa humana. Escreveu o

Ministro:

Senhor Presidente, para mim as exceções a esses direitos, insertos na própria Carta, apenas os confirmam, e ninguém coloca em dúvida, por exemplo, que a propriedade é um direito do cidadão; no entanto, esse direito está mitigado pela regra

380 Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 577.

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insculpida no inciso XXIV do artigo 5º, que cuida da desapropriação. Ninguém duvida, também, que a exclusão da pena de morte é um direito, é um direito previsto no rol do artigo 5º e está excepcionado por regra insculpida na própria alínea "a" do inciso XLVII do art. 5º, admitindo-se-a em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, inciso XIX.

Na mesma ADIn, o Ministro Carlos Velloso (voto em anexo) também

mencionou a existência de direitos fundamentais fora do rol do art. 5º, mencionando,

inclusive, os direitos sociais.

Ora, a Constituição, no seu art. 60, §4º, inciso IV, estabelece que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais". Direitos e garantias individuais não são apenas aqueles que estão inscritos nos incisos do art. 5º. Não. Esses direitos e essas garantias se espalham pela Constituição. O próprio art. 5º, no seu §2º, estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte. É sabido, hoje, que a doutrina dos direitos fundamentais não compreende, apenas, direitos e garantias individuais, mas, também, direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos. Este quadro todo compõe a teoria dos direitos fundamentais. Hoje não falamos, apenas, em direitos individuais, assim direitos de primeira geração. Já falamos em direitos de primeira, segunda, de terceira e até de quarta geração (sem grifos no original).

Em outros julgados, o STF já entendeu que os direitos sociais são protegidos

pela regra do art. 60, §4º da Constituição, haja vista tratarem-se de direitos

fundamentais. Exemplificativamente, colaciona-se o julgado abaixo:

DIREITO CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LICENÇA-GESTANTE. SALÁRIO. LIMITAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 14 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15.12.1998, E DO ART. 6º DA PORTARIA Nº 4.883, DE 16.12.1998, BAIXADA A 16.12.1998, PELO MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 3º, IV, 5º, I, 7º, XVIII, E 60, § 4º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR..[...] 5. O Supremo Tribunal Federal já

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assentou o entendimento de que é admissível a Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional, quando se alega, na inicial, que esta contraria princípios imutáveis ou as chamadas cláusulas pétreas da Constituição originária (art. 60, § 4º, da C.F.). Precedente: A.D.I. nº 939 (RTJ 151/755). 6. No caso presente, o autor alega violação das normas contidas no art. 3º, inc. IV, no art. 5º, "caput", e inc. I, no art. 7º, inc. XVIII, e, por via de conseqüência, do art. 60, § 4º, inc. IV, da C.F./88. [...]. Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, inc. XXX, da C.F./88), proibição, que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal. (ADI-MC 1946 / DF - DISTRITO FEDERAL - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES - Julgamento: 29/04/1999 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - DJ 14-09-2001 PP-00048 - REQTE.: PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB - REQDAS.: MESAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO SENADO FEDERAL - REQDO.: MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL – adaptado e sem grifos no original).

Para FÁBIO RODRIGUES GOMES381, a Constituição de 1988 adota posição

personalista em relação à pessoa, de maneira que o Estado deixa de ser o centro, um fim

em si mesmo, para se tornar um meio de concretização dos direitos sociais, "vendo na

pessoa humana um ser situado, concreto, que desenvolve a sua personalidade em

sociedade, no convívio com seus semelhantes".

3.2.5. Do direito do refugiado ao trabalho

Apliquemos, agora, as ideias acima expostas ao refugiado.

Para este estrangeiro, que se encontra em país, não raras vezes desconhecido,

em condições especiais, ou seja, fugindo de sua pátria por temer a perda de sua própria

vida ou de seus familiares por razões as mais variadas possíveis, num ambiente 381 O Direito Fundamental ao Trabalho: perspectiva histórica, filosófica e dogmático-analítica, 2008, p. 50.

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estranho, cercado por pessoas estranhas, que sequer falam sua língua, o trabalho é de

suma importância para que este indivíduo possa adaptar-se, ainda que

temporariamente, ao local em que, forçadamente, passou a viver.

O trabalho, certamente, auxiliaria o refugiado a superar (ou tentar superar) as

dores da perseguição sofrida, bem como as saudades de casa, além de colaborar no

processo de adaptação ao ambiente, conhecendo novas pessoas e fazendo novos amigos.

Sobre o tema, FÁBIO RODRIGUES GOMES382 arremata que o trabalho deixou de

ser mera "atividade instrumental provedora das necessidades básicas à sobrevivência",

tornando-se um "valor em si", cooperando para a "melhoria da qualidade de vida de

todos os membros da sociedade" 383.

4. DOS DIREITOS TRABALHISTAS DOS REFUGIADOS

Neste momento, passaremos a falar do direito "do" trabalho, e não mais do

direito "ao" trabalho. Nas palavras de ANTONIO ENRIQUE PEREZ-LUÑO384:

Los derechos sociales em su acepción estricta — en la amplia esta denominación se utiliza como sinónimo de derechos económicos, sociales y culturales — se refieren a aquellos derechos fundamentales del homo faber, o sea, al ser humano en su condición de trabajador.

A Constituição Federal de 1988, no art. 7º, prevê os direitos básicos dos

trabalhadores urbanos e rurais, "além de outros que visem à melhoria de sua condição

social". Veja-se que o texto constitucional não se refere a "trabalhadores brasileiros",

mas a "trabalhadores", de forma genérica, atendendo, a priori, à universalidade dos 382 Op. cit., p. 62-63. 383 "Mas isso não é só. Pois, se de um lado, o trabalho aparece como elemento fundamental à conquista, pelo homem, de sua autonomia (labor ou trabalho como 'instrumento'), de outra parte, não podemos descurar da importância angariada pela ação humana 'per se' (o próprio trabalho como materialização do plano de vida), e nem tampouco da sua relevância a partir do conjunto social (trabalho como valor social)" (FÁBIO RODRIGUES GOMES, op. cit., p. 65). 384 Apud FÁBIO RODRIGUES GOMES, O Direito Fundamental ao Trabalho: perspectiva histórica, filosófica e dogmático-analítica, 2008, p. 341.

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direitos fundamentais e, em segundo lugar, ao princípio da não-discriminação, norteador

de toda a sistemática constitucional brasileira (art. 5º, caput).

A Convenção nº 111385, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de

1958, estabelece, em seu art. 1º, que nenhum trabalhador deve ser preterido ou

dispensado em razão de sua nacionalidade. Na mesma linha, a Convenção nº 118386, de

1962, e a Convenção nº 143387, de 1975388.

Desta forma, todos os direitos previstos no art. 7º da Constituição389, como

férias acrescidas de um terço, décimo terceiro salário, fundo de garantia por tempo de

serviço (FGTS), salário mínimo nacionalmente unificado, aposentadoria, proteção

contra dispensa arbitrária, entre tantos outros.

Além disso, estendem-se aos refugiados direito de associação e sindicalização

(art. 8º), e direito de greve (art. 9º). Importante relembrar que a participação em atos que

impliquem o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública

podem causar a cassação da condição de refugiado, na forma do art. 39 da Lei 9.474/97.

CRISTINA QUEIROZ390 entende que a proteção constitucional dos direitos

fundamentais sociais, nos quais se encaixa o direito fundamental ao trabalho, passa por

três critérios essenciais: garantia por meio de normas jurídicas vinculantes; configuração

como direitos subjetivos de seus titulares; e justiciabilidade.

385 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 104, de 24 de novembro de 1965, e promulgada pelo Decreto nº 62.150, de 19 de janeiro de 1968. 386 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 31, de 20 de agosto de 1968, e promulgada pelo Decreto nº 66.497, de 27 de abril de 1970. 387 Em votação no Congresso Nacional. 388 Cf. SERGIO PINTO MARTINS, Direitos Fundamentais Trabalhistas, 2008, em especial p. 93 e p. 158. 389 "Preliminarmente, cabe considerar que a Carta de 1988, como marco jurídico da transição do regime democrático, alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais, colocando-se entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria. Desde o seu preâmbulo, a Carta de 1988 projeta a construção de um Estado Democrático de Direito, 'destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)'. se, no entender de José Joaquim Gomes Canotilho, a juridicidade, a constitucionalidade e os direitos fundamentais são as três dimensões fundamentais do princípio do Estado de Direito, perceber-se-á que o Texto consagra amplamente essas dimensões, ao afirmar, em seus primeiros artigos (arts. 1º e 3º), princípios que consagram os fundamentos e os objetivos do Estado Democrático de Direito brasileiro" (FLÁVIA PIOVESAN, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 2008, p. 25-26). 390 Direitos Fundamentais Sociais: funções, âmbito, conteúdo, questões interpretativas e problemas de justiciabilidade, 2006.

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Neste sentido, as normas constitucionais não se apresentam como "normas programáticas", ''tarefas constitucionais não justiciáveis'' no sentido de ''apelos'' a instâncias políticas. Nesta acepção, não se trataria de normas jurídicas válidas, já que sua base de validade seria de natureza moral, ética ou divina. Estas últimas correspondem aos três critérios de validade do direito: "legalidade conforme ao ordenamento", "efectividade social" e princípios de "justiça em sentido substantivo" (ou "conteúdo da justiça"). Assim, quando da violação de uma norma não se puder recorrer para um tribunal isso significa que à mesma não lhe corresponde uma sanção jurídica. Falta-lhe um critério essencial do conceito de validade jurídica. Este último pressupõe o sancionamento do respectivo cumprimento ou não cumprimento391.

Na tentativa de eliminação da discriminação em relação aos refugiados, o

Ministério do Trabalho e Emprego, por solicitação do CONARE, emitiu o Ofício-

Circular nº 103/2006, impondo novas regras para a anotação da CTPS dos refugiados.

De acordo com o documento, o empregador não constará mais, quando do registro, a

expressão "refugiado", mas, sim, a "estrangeiro com base na Lei nº 9.474, de

22/07/1997", ou "estrangeiro com base no art. 21, §1º da Lei nº 9.474, de 22/07/1997".

Na mesma esteira, todos os direitos laborais previstos na Consolidação das Leis

do Trabalho (CLT - Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) são extensíveis aos

refugiados, de sorte que os dispositivos que discriminem, de qualquer forma, os

trabalhadores estrangeiros, serão considerados como não-recepcionados pela

Constituição, v. g., art. 352 a 371392.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste breve estudo, importante colocar a importância do trabalho para

a adaptação do refugiado em território brasileiro. O trabalho, como já dito

anteriormente, possibilita que o refugiado conheça novos ambientes, novas pessoas, ou

seja, forme uma nova comunidade, nas palavras de ZYGMUNT BAUMAN393.

391 CRISTINA QUEIROZ, op. cit., p. 124-125. 392 SERGIO PINTO MARTINS, Direitos Fundamentais Trabalhistas, 2008, p. 93. 393 "Para começar, a comunidade é um lugar 'cálido', um lugar confortável e aconchegante. É como um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como uma lareira diante da qual esquentamos as mãos

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O refugiado, como pudemos verificar, é alguém que sai de sua terra por medo,

e não por desejo; é alguém que foge, e não que migra; é alguém que busca, apenas,

proteger a própria vida, ou de outrem, em um lugar distante e seguro, e não que corre

atrás de melhores condições de trabalho, a fim de enriquecer depressa.

Desta forma, o refugiado, por suas próprias condições, deve receber atenção

especial por parte do Poder Público do país que aceita recebê-lo. E essa atenção deve ter

início garantindo àquele indivíduo dignidade de vida, possibilidade de sustentar-se a si

próprio e à família: daí a fundamentalidade do direito ao trabalho394.

O trabalho permite a valorização do refugiado enquanto ser humano, e faz com

que se sinta útil, e não um "peso" para o país que o acolhe. Valendo-nos, mais uma vez,

as palavras de ZYGMUNT BAUMAN, o refugiado, sentindo-se valorizado como pessoa,

aprenderá a conviver, ainda que temporariamente, com as pessoas que o cercam, de

maneira que não se isolará nos chamados "guetos", os quais "combinam o confinamento

espacial com o fechamento social"395.

num dia gelado. Lá fora, na rua, toda sorte de perigo está à espreita; temos que estar alertas quando saímos, prestar atenção com quem falamos e a quem nos fala, estar de prontidão a cada minuto. Aqui, na comunidade, podemos relaxar — estamos seguros, não há perigos ocultos em cantos escuros (com certeza, dificilmente um 'canto' aqui é 'escuro'). Numa comunidade, todos nos estendemos bem, podemos confiar no que ouvimos, estamos seguros a maior parte do tempo e raramente ficamos desconcertados ou somos surpreendidos. Nunca somos estranhos entre nós" (ZYGMUNT BAUMAN, Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, 2003, p. 06). 394 "Em regra, a tolerância nos Estados-nações não contempla os grupos mas os participantes individuais, que geralmente são concebidos como estereótipos: primeiro como cidadãos, depois como membros desta ou daquela minoria. Como cidadãos, eles têm os mesmos direitos e obrigações que todos os demais e deles se espera que participem positivamente da cultura política da maioria; como membros, têm as características-padrão de sua 'espécie' e podem formar associações voluntárias, organizações de socorro mútuo, escolas particulares, sociedades culturais, editoras, e assim por diante. Não podem organizar-se de forma autônoma e exercer jurisdição legal sobre seus semelhantes. A religião, cultura e história da minoria são questões que se referem ao que se poderia chamar de coletivo privado — a cujo respeito o coletivo público, o Estado-nação, sempre mantém uma atitude suspeita. Qualquer reivindicação de se expressar a cultura de uma minoria em público tende a produzir ansiedade entre a maioria (daí a controvérsia na França sobre o hábito muçulmano de cobrir a cabeça nas escolas públicas). Em princípio, não há coerção de indivíduos, mas a pressão para que todos assimilem à nação dominante, pelo menos no que se refere a práticas públicas, tem sido muito comum e, até tempos recentes, muito bem sucedidas. Quando os judeus alemães do século XIX descreveram a si mesmos como 'alemães na rua, judeus em casa', estavam aspirando a uma norma do Estado-nação que faz da privacidade uma condição da tolerância" (MICHAEL WALZER, Da Tolerância, 1999, p. 35-36). 395 Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, 2003, p. 105.

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Para finalizar, interessantes as palavras de THOMAS CARLYLE396, ensaísta e

historiador escocês, que viveu entre os anos de 1795 e 1881, para quem "abençoado é

aquele que encontrou sua profissão; que não pleiteie nenhuma outra bênção. Ele tem um

ofício, um propósito na vida. Trabalho é vida"397.

6. REFERÊNCIAS

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396 Apud CARLOS HENRIQUE DA SILVA ZANGRANDO, Curso de Direito do Trabalho, tomo III, 2008, p. 1.125. 397 "Blessed is he who found his work; let him ask no other blessedness. He has a work, a life purpose. Labor is life".

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