Direito de Empresa – Visão Panorâmica - CORE ·...

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 11 Direito de Empresa – Visão Panorâmica

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Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 11

Palestra proferida no Seminário  realizado em 12/07/2002

A preocupação dos Expositores, quediscorrem hoje  sobre  o Direito Empresa-rial no Novo Código Civil, é a de abordaras  questões  que  em  curto  prazo  serãotrazidas  a  debate  no  Judiciário.  Desteângulo,  três  pontos  se  destacam:  (a)  ostítulos de  créditos,  regulados nos artigos887 a 926, cuja importância é óbvia, ten-do  em vista que  eles  instruem a maioriadas  execuções  por  títulos  extrajudiciais;(b) o  conceito de empresário, de socieda-de  simples  e  a  tormentosa  definição  deelemento  de  empresa;  (c)  o  novo  trata-mento  dispensado  à  sociedade  limitada.O primeiro  tema  será  objeto  da palestrado Desembargador  Penalva  Santos,  e  oProfessor  Luiz Alberto Rosman discorre-rá sobre a sociedade limitada, cabendo amim, além de uma visão panorâmica des-se  novo  sistema,  enfrentar  as  questõesligadas ao empresário, à empresa e à so-ciedade  simples.

Visão panorâmicaO Novo Código Civil deve ser com-

preendido como uma lei básica, mas nãoglobal do Direito Privado, pois não repre-senta  a  unificação  completa  do DireitoCivil  com o Direito Comercial. A unifica-ção ocorreu apenas no âmbito do Direitodas Obrigações,  agora  sem distinção  en-tre  obrigações  civis  e mercantis.

A  parte  do  Novo Código,  concer-nente às atividades negociais ou empre-sárias,  é  um desdobramento natural  doDireito das Obrigações que  trata da ati-vidade  enquanto  esta  se  estrutura  parao exercício habitual de negócios. E a ati-vidade  empresarial  é  uma  das manei-ras  dessa  organização,  quando  tem porfinalidade a produção ou a circulação debens ou de  serviços.

A razão pela qual se afirma que aunificação do Direito Civil  com o DireitoComercial não foi completa é que não se

uniu  o  sistema  da  insolvência.  A  insol-vência  civil,  prevista  no Código  de  Pro-cesso Civil, permanece em vigor para associedades  simples  e,  de  outro  lado,  aLei  de  Falências  se  aplicará  ao  empre-sário  e  à  sociedade  empresária,  confor-me  se  depreende  da  leitura  dos  artigos1.044 e 2.037 do Novo Código Civil. Esseponto talvez seja o mais importante, poiso  novo  conceito  de  sociedade  empresá-ria  �  que  é  bem mais  amplo  do  que  aantiga  sociedade  comercial  �    abrange-rá  atividades  como  a  de  colégios,  clíni-cas,  hospitais,  que  estarão  sujeitas  aorigor da  impontualidade, prevista no ar-tigo  1º  da  Lei  de  Falências.

O Código Comercial continuará emvigor apenas na Parte Segunda, que regeo Comércio Marítimo  (artigos  457  e  se-guintes). A unificação, assim, ocorreu: (a)em  relação  ao  conceito  de  comerciante,que  não  existe mais,  substituído  agorapelo conceito de empresário;  (b) as socie-dades previstas no Código Comercial sãoincorporadas ao Novo Código Civil,  salvoa  sociedade  anônima,  expressamenteressalvada no artigo 1.089;  (c) e  tambémhaverá a união dos contratos.

Os contratos mercantis, por exem-plo,  têm  regras  próprias,  consagradaspela  sua  informalidade,  pela  particula-ridade  de  dispensar  solenidades  queexistiam na atividade civil. A rapidez dasrelações  comerciais  tem  claros  reflexoscontratuais,  como  é  o  caso  da  tradiçãosimbólica  que  está  presente  em  várioscontratos, como, por exemplo, no penhormercantil (arts. 200 e 274 do Código Co-mercial).  Além disso,  existem  outras  re-gras  próprias,  como  a  da mora  (artigo138), lembrando que o conceito de paga-mento não significa apenas obrigação emdinheiro, pois em alguns casos o CódigoComercial  equipara o pagamento  em di-nheiro ao pagamento com efeitos comer-ciais,  que  são  os  títulos de  crédito.

Direito de Empresa – Visão Panorâmica

PAULO DE MORAES PENALVA SANTOSProcurador do Estado/RJ

12 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

Essas regras do Código Comercial serãoderrogadas, mas o que não significa dizer que todaa matéria comercial vai desaparecer, principalmenteem sede falimentar.

Veja-se,  por  exemplo,  o  artigo2.037 do Código Civil, na parte das Dis-posições  Finais  e  Transitórias,  queestatui  o  seguinte:

�Art. 2.037. Salvo disposição em con-trário, aplicam-se aos empresários esociedades empresárias as disposi-ções de lei não revogadas por este

Código, referentes a comerciantes, oua sociedades comerciais, bem comoa atividades mercantis.�

Da mesma forma, o artigo 1.044 re-fere-se  expressamente  à  falência:

�Art. 1.044. A sociedade se dissolvede pleno direito por qualquer das cau-sas enumeradas no art. 1.033, e, seempresária, também pela decla-ração da falência.�

Esses dispositivos, de uma impor-tância  extraordinária,  indicam  as  pes-soas  que  se  submetem  ao  processofalimentar,  que  são  o  empresário  e  asociedade  empresária.

Em  síntese, matérias  que  recla-mam  disciplina  especial,  tais  como  ocheque,  a  nota  promissória  e  todos  ostítulos  de  crédito  (art.903),  a  falência  ea concordata (arts. 1.044 e 1.102, VII), oDireito Marítimo,  o Direito  Aeronáuticoexigem  tratamento  autônomo.

De  outro  lado,  cumpre  frisar  queo  conceito  de Direito Empresarial  já  erauma realidade no Brasil, e não foi intro-duzido pelo Novo Código Civil,  pois  vemse  desenvolvendo  há muitos  anos.  E  aprincipal  característica  do Direito  Em-presarial  em  relação  ao Direito  Comer-cial está no fato de que o Direito Empre-sarial  é  por  essência multidisciplinar.Há, no sistema brasileiro, normas sobreempresa  na Constituição  da República,no  Direito  Administrativo  e  no  DireitoPenal Econômico, todas enfatizando essecaráter  interdisciplinar.  Essa  caracte-rística  do Direito Empresarial  tornou-se

ainda mais marcante  com a nova  lei.Voltando  ao  Novo  Código,  cabe

destacar  os  tópicos mais  importantes:O  primeiro,  e  o mais  relevante,

trata  do  empresário  e  da  sociedade  em-presária,  conceitos  que  vão  substituir  ode  comerciante  e  de  sociedade mercan-til. Esse será o principal tema a ser abor-dado nessa  visão  panorâmica  dos  insti-tutos empresariais no Novo Código Civil.

Em seguida, o Código faz uma re-visão  completa dos  tipos  tradicionais  desociedade,  ou  seja,  salvo  a  sociedadeanônima,  todas  as  demais  serão  trata-das no novo Código Civil,    que    fixa    osprincípios  que  vão  governar  as  socieda-des. Há  um  capítulo  geral  sobre  socie-dades  e  há  a  criação  da  sociedade  sim-ples,  que  também  terá    aqui  um desta-que  especial.

Sociedade Limitada

Outro ponto de relevo é o minuci-oso  tratamento  dispensado  à  sociedadelimitada.  No  dia-a-dia  do  advogado,  aquestão  ligada  à  sociedade  limitada  esuas  alterações  constituem  problemaimportante  a  ser  enfrentado.  Isso  por-que mais de 98% das sociedades consti-tuídas  no Brasil  têm  a  forma  de  socie-dade  por  cotas  de  responsabilidade  li-mitada.  A  preocupação  imediata  é,  por-tanto, a necessidade de adaptar os con-tratos  sociais  das  sociedades  por  cotasao novo Código Civil.

A maioria  absoluta  das  socieda-des  adota  a  forma  de  sociedade  limita-da, por uma vantagem extraordinária queé  a  ampla  liberdade  contratual.  A  liber-dade  contratual  da  sociedade  limitadajustifica que todos, desde o pequeno co-merciante,  até  as maiores  empresas  decapital  estrangeiro,  adotem  a  forma  desociedade limitada. Tome-se como exem-plo a IBM do Brasil, a Gillette do Brasil,a Gessy Lever,  a Kolynos,  a Ford,  todasessas  grandes  empresas  de  capital  es-trangeiro  utilizam  a mesma  sociedadeque  interessa  ao  pequeno  comerciante.

A  vantagem,  como  já  dissemos,  éa  autonomia  da  vontade  das  partes  naelaboração do contrato social. E a análi-

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se  de um  contrato  social  dessas  empre-sas multinacionais  revela  que,  por  von-tade  dos  sócios,  a  sociedade  se  aproxi-ma mais  de uma S.A  do  que  das  socie-dades  tradicionais  do Código Comercial.

No  novo  sistema  que  vigorará  apartir de  janeiro de 2003, nota-se que alei  aproximou  a  sociedade  limitada  daS.A.  fechada, mas com uma contradiçãoflagrante:  determinou  que,  salvo  dispo-sição  contratual  em  contrário,  aplica-sesupletivamente  a  regra  geral  das  socie-dades  simples  (art.  1.053).

Conforme veremos a seguir, o ca-pítulo  referente  à  sociedade  simples(arts.  997  a  1.038)  é  confuso,  pois  con-tém  normas  típicas  das  sociedades  depessoas  do  Código  Comercial,  como  aresponsabilidade  solidária  dos  sócios  ea  possibilidade  de  o  sócio  ingressar  nasociedade  sem  capital  (sócio  de  indús-tria), mas que não se aplicam à socieda-de  limitada.

Por isso, para uma correta aplica-ção  das normas da  sociedade  simples  àsociedade  limitada  é  preciso  que  o  in-térprete  saiba  quais  as  regras  especiaisda limitada que afastam a aplicação dasnormas  gerais  referentes  às  sociedadessimples.

Ainda sobre a limitada, outra des-vantagem  evidente  foi  a  criação  de  inú-meras  formalidades  que  são  desneces-sárias,  tais  como  quorum  elevado  paracertas  deliberações  sociais,  e  necessi-dade  de  decisão  judicial  para  excluir  osócio da    sociedade.   Este último  exem-plo  foi  uma  solução  para  um problemaque não existia, pois na vigência do De-creto  nº  3.708/19  a  jurisprudência  jáadmitia  a  demissão  do  sócio  pela  sim-ples  alteração  do  contrato  social,  semque  isso  representasse  qualquer  incon-veniente.

No  final  deste  ano,  a  Escola  daMagistratura  realizará  um  CongressoInternacional Sobre o Novo Código Civil,no qual o Professor Vittorio Santoro, Ti-tular  de Direito  Comercial  da Universi-dade  de Siena,  discorrerá  sobre  a  refor-ma da  sociedade de  responsabilidade  li-mitada  na  Itália.  Certamente,  uma  das

questões mais  importantes  será  a  auto-nomia  das  vontades  dos  sócios  na  limi-tada,  que  passará  a  ter  enorme  impor-tância  na  nova  lei  italiana.

Pelo  que  se  percebe  da  reformaitaliana,  a  nova  lei  deverá  abandonar  arigidez do Código Civil de 1942, para in-centivar  a  autonomia  concedida  aos  só-cios,  com o  objetivo  de moldar  a  limita-da  aos  interesses  privados  dos  sócios.Nesse  ponto,  o Novo Código Civil Brasi-leiro está copiando um modelo obsoleto,do qual o  legislador  italiano pretende seafastar.

Em seguida, o Código Civil cuida,em  capítulo  próprio,  das  sociedades  co-ligadas,  estabelecendo  também normassobre a liquidação, transformação, incor-poração  e  fusão. Disciplina  também  associedades  dependentes  de  autorização,bem como o estabelecimento, que repre-senta o instrumento ou meio de ação daempresa.  E,  finalmente,  os  denomina-dos  institutos  complementares,  que  sãoo registro, o nome e a preposição.

Sociedade Dependente de Autorização

O Código Civil  trata  das  socieda-des  dependentes  de  autorização,  o  queé  de  pouca  relevância  prática,  porqueessa matéria  era  tratada  no  artigo  59na Lei de Sociedades por Ações anteriore,  por  força  da  atual  lei  (Lei  6.404/76),continua em vigor. Essa matéria chegou,num  determinado momento,  a  ser  tra-tada  pela  Constituição  da  República.Depois, foi modificada. Parece que a úni-ca  diferença  é  que  voltou  a  ter  a  sedena  lei  ordinária  e  não na Constituição.

EstabelecimentoÉ sabido que a  estrutura  jurídica

do  estabelecimento  varia  de  acordo  como  ramo  da  atividade  a  que  se  dedica  oempresário. O  vínculo  que une  entre  sios  elementos  do  estabelecimento  é  fun-cional,  ou  seja,  depende  da  utilizaçãoque lhes é dada pelo empresário. O titu-lar  pode  explorar  um  estabelecimentosem que  os  bens  sejam de  sua proprie-dade,  como  ocorre  nos  contratos  de  lo-cação  ou  licença  de  exploração  de  in-

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vento. Em casos como este, a existênciado  estabelecimento  dependerá  da ma-nutenção desses contratos, os quais de-vem  ser  protegidos  como  integrantes  dofundo  de  empresa.

Nos  artigos  1.142  a  1.149  é  defi-nido  o  estabelecimento,    pela  primeiravez  em  lei:

�Art. 1.142. Considera-se estabele-cimento todo complexo de bens orga-nizado, para exercício da empresa,

por empresário, ou por sociedadeempresária.�

A lei protegia sempre de  forma in-direta o  fundo de  comércio ou    estabele-cimento comercial, proibindo a concorrên-cia  desleal,  ou  preservando  o  seu  valoratravés da venda englobada prevista, porexemplo,  na  lei  falimentar. Mas não ha-via uma definição de  fundo de  comércio,que  já  há muitos  anos  vinha  evoluindopara  o    conceito  de  fundo  de  empresa.Antes  da  vigência  da  atual  Lei  de  Loca-ções,  a  jurisprudência  já  admitia,  porexemplo, a utilização da ação renovatóriapelas  sociedades  que não  eram mercan-tis, como os colégios, hospitais, etc.  Issonada mais era do que o próprio reconhe-cimento  desse  instituto  ampliado,  queseria  o  fundo de  empresa.

Adiante,  o Novo Código Civil  defi-ne  os  efeitos  da  alienação,  do  usufrutoou  do  arrendamento  do  estabelecimen-to,  dando  grande  importância  ao  regis-tro. É o que estatui o artigo 1.144:

�Art. 1.144. O contrato que tenha porobjeto a alienação, o usufruto ou ar-rendamento do estabelecimento, sóproduzirá efeitos quanto a ter-ceiros depois de averbado à mar-gem da inscrição do empresário,ou da sociedade empresária, noRegistro Público de EmpresasMercantis, e de publicado naimprensa oficial.�

Então,  qualquer  negócio  jurídicoque  tenha por  objeto  o  estabelecimento,deve  obrigatoriamente  ser  registrado. E,também,  cabe  frisar  que  o  artigo  1.147

trata  expressamente  da  concorrência,que  agora  depende de  previsão  explícitapara  que  o  cedente  continue  naquelaatividade,  senão  vejamos:

�Art. 1.147. Não havendo autorizaçãoexpressa, o alienante do estabeleci-

mento não pode fazer concorrência aoadquirente, nos cinco anos subse-qüentes à transferência.Parágrafo único. No caso de arrenda-mento ou usufruto do estabelecimen-

to, a proibição prevista neste artigo per-sistirá durante o prazo do contrato.�

Assim, se por acaso o cedente qui-ser  continuar  na mesma  atividade,  hánecessidade  de  concordância  expressado  adquirente.

Nome EmpresarialEm  seguida,  há  um  tratamento

novo  em  relação  ao  nome. O nome  tempor  finalidade  identificar  a  firma  ou  adenominação;  a  firma  serve  para  desig-nar o nome pelo qual o empresário exer-ce  a  sua  atividade,  representando  tam-bém a  sua  assinatura.

O  sistema  já  existia  e  continuaem  vigor.  Algumas  atividades  só  podemser  representadas  por  firma,  como  é  ocaso do  empresário  individual. E  outrassó por denominação, que é o exemplo dasociedade por ações. É até razoável con-cluir que a sociedade anônima não pos-sa  ter  firma  por  uma  razão muito  sim-ples,  por  causa  do  anonimato,  quer  di-zer, não deve constar do estatuto os no-mes dos  sócios.

Gerou uma certa polêmica o arti-go  1.164,  ao  estabelecer  que  o  nomeempresarial não pode ser objeto de alie-nação. Mas  essa  interpretação  deve  serfeita  em  relação  ao  empresário  e  não  àsociedade  empresária,  porque  o  nomeempresarial  tem  um  valor  patrimonialconsiderável e, muitas vezes, é uma par-cela substancial do próprio ativo. Não fazsentido que a lei possa impedir que umasociedade  empresária  aliene  o  seunome.   Aplica-se,    ainda,  em  relação  aonome,  a  Lei  8.934/94,  que  trata  do  re-

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gistro  da  atividade  empresarial,  na  qualhá uma  referência  expressa aos princípi-os da veracidade, que proíbe a adoção deum nome que vincule uma informação fal-sa,  e também  ao princípio da novidade.

Registro

Ainda  nos  denominados  institutoscomplementares,  a  lei  trata  do  registrode  empresa,  salientando,  basicamente,que a sociedade simples  tem que ser  le-vada a registro no Cartório Civil de Pes-soas  Jurídicas  e  as  sociedades  empre-sárias  na  Junta Comercial.

Em  relação  à  sociedade  empresa-rial,  aplica-se  também  a  Lei  nº  8.934/94, que trata de todo o sistema de regu-laridade  do  registro,  das  formalidades  eda  forma de  controle.  Esse  sistema  querege  as  formalidades  encontra-se na  Leide  Registro  de  Atividades  Empresariaise não no Novo Código Civil.

Preposição

Adiante,  o  Novo Código Civil  rege,nos artigos 1.169 a 1.178,  a atividade dopreposto, matéria  de pouca  relevância.

O  preposto,  de  fato,  era  uma  pes-soa  que  tinha muita  importância  na  vi-gência  do  Código  Comercial  no  séculoretrasado,  sob  a  conceituação  de  ummero  auxiliar  no  exercício  da  atividadedo  comerciante.  Ele  atuava  sob  as  or-dens e orientação do comerciante, e ago-ra  sob  as  ordens  do  empresário  ou  dasociedade  empresária.

No capítulo  referente ao preposto,  alei  define  o  conceito  de  gerente. E  o  ge-rente, a partir de então, não é mais o re-presentante na qualidade de órgão da so-ciedade por  cotas de  responsabilidade  li-mitada. O  gerente  passa  a  ter  apenas  aqualificação do preposto mais especializa-do,  ou  seja,  é  o preposto mais  graduadodentro  do  estabelecimento.   Não há  im-portância  alguma  essa  alteração  que  in-clui no Código Civil o conceito de preposto:o que se considerava gerente, passa a seradministrador,  e  o  gerente,  agora,  nadamais é do que um preposto especializado.

Sociedade CooperativaA  lei  trata,  no  artigos  1.093  a

1.096,  da  sociedade  cooperativa.A  partir  da Constituição  de  1988

houve um avanço muito grande com re-lação às sociedades cooperativas, que selibertaram  da  tutela  estatal,  que  atéentão  era  a  principal  característica  des-sa  atividade.

Surgem,  agora  com  o Novo CódigoCivil, normas gerais  em  relação às  soci-edades  cooperativas,  cujas  principaiscaracterísticas  são  as  seguintes:1º)  adesão  voluntária;2º)  número  ilimitado  de  sócios;3º)    variabilidade  do  capital  social  ou  asua  dispensa;4º)  cotas  transferíveis  a  terceiros;5º)  cada  sócio  tem  apenas um  voto,  ouseja, na sociedade cooperativa o voto nãoé  proporcional  à  participação no  capitalsocial;6º) a responsabilidade pode, ou não, serlimitada  em  relação  ao  sócio.

E a lei definiu como objeto o exer-cício de atividade econômica de proveitocomum,  sem  fins  lucrativos,  prevendoainda,  expressamente,  que  a  contribui-ção dos sócios pode ser  feita através debens ou de  serviços.

Empresário e empresaChegamos  ao  ponto  central. Dis-

cutiremos os  conceitos de  empresa,  em-presário  e  sociedade  simples.

Como  já  dissemos  anteriormente,apesar de o Livro II do Código Civil ter adenominação de Direito de Empresa, nãohá na lei definição de empresa, mas ape-nas  de  empresário.  Aliás,  da  leitura  daExposição  de Motivos  percebe-se  que  alei  cuida  da  atividade  negocial  que  semanifesta  economicamente  na  ativida-de  empresarial,  de  titularidade  do  em-presário  e  na  forma  como  exerce  suaatividade.

Seguindo  a  linha  do Código CivilItaliano,  a  nova  lei  brasileira  preferiunão dar um  conceito  jurídico  de  empre-sa,  pois  é um  fenômeno preponderante-mente econômico, conforme a lição clás-sica  de  Alberto  Asquini  (�Profili

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dell�impresa�, in Rivista Del Diritto Com-merciale, 1943, v. 41, I).

Empresa  seria  então  o  exercíciode  atividade  economicamente  organiza-da para a produção de bens ou serviçospara  o mercado,  e  sociedade  empresá-ria é a que tem por escopo a empresa.

A melhor  definição  econômica  deempresa  nos  é  dada  pelo  ProfessorBulhões  Pedreira,  ao  afirmar  que  �em-presa  é  espécie  do  gênero  �unidade  deprodução  coletiva�,  que  se  distingue  portrês características: (a) produz bens eco-nômicos  destinados  à  venda  no merca-do;  (b)  seu  grupo  social  é  formado  porempresário  e  empregado;  e  (c)  os  riscosda  sua  atividade  são  assumidos  peloempresário�  (in Finanças  e Demonstra-ções Financeiras da Companhia, Foren-se, 1989, p. 269/270).

A dificuldade que se percebe é queo  fenômeno econômico da atividade  em-presarial  tem  diversos  enfoques  jurídi-cos,  destacando-se  os  seguintes:  subje-tivo, quando a lei trata a empresa a par-tir  da  figura  do  empresário;  objetivo,quando  a  empresa  é  sinônimo  de  coisaou de patrimônio; e,  finalmente, quandoé  referida  nem  como  sujeito  nem  comoobjeto, mas  como um perfil  corporativoou  institucional.

Feita  essa  distinção,  conclui-seque o Novo Código Civil cuida da empresaapenas do ponto de vista do empresário,identificando-a pelo  exercício  da  ativida-de definida no artigo 966, senão vejamos:

�Art. 966. Considera-se empresárioquem exerce profissionalmente ativida-de econômica organizada para a pro-dução ou a circulação de bens ou deserviços.

Parágrafo único. Não se considera em-presário quem exerce profissão intelec-tual, de natureza científica, literária ouartística, ainda com o concurso de au-xiliares ou colaboradores, salvo se o

exercício da profissão constituir ele-mento de empresa.�

Adiante,  o  art.  982  define  a  soci-edade  empresária:

�Art. 982. Salvo as exceções expres-sas, considera-se empresária a soci-

edade que tem por objeto o exercíciode atividade própria de empresáriosujeito a registro (art. 967); e, simples,as demais.�

O  conceito  de  empresário  é  for-mado por  três elementos: o de atividadeeconômica  referente  à  circulação  de  ri-quezas, bens ou serviços; pela organiza-ção  dessa  atividade  econômica;  e,  final-mente,  pela  profissionalidade  do  seu  ti-tular,  que  exerce  essa  atividade habitu-almente  e  com  o  intuito  de  obter  lucroou  resultado  econômico.

No absoluto  rigor  técnico,  a pala-vra empresa é ligada à atividade e não àsociedade  ou  ao  seu  sócio. O  empresá-rio não é o sócio, mas a própria socieda-de. A atividade empresarial pode ser ex-plorada  pelo  empresário  individual  oupela  sociedade  empresária.

Elemento de empresaA  identificação  do  elemento  de

empresa  depende  do  perfil  da  unidadede produção. Um dos critérios de classi-ficação  das  unidades  de  produção  dizrespeito  aos  recursos  humanos  nelasutilizados.  Segundo  essa  classificação,a unidade  de  produção  pode  ser  indivi-dual  ou  coletiva.  A  unidade  individualde  produção  caracteriza-se  pela  ativida-de  organizada  preponderante  pelo  tra-balho, recursos de capital e naturais pró-prios. Na unidade de produção individu-al  pode  haver  colaboradores  ou  empre-gados,  mas  desde  que  essa  atividadeauxiliar  seja  sempre  secundária.

Já  a  unidade  coletiva  de  produ-ção  é  caracterizada  pela  existência  deum grupo social que organiza  fatores deprodução,  utilizando  capital  e  trabalhode  outras  pessoas  para  a  produção  debens ou serviços para o mercado.

Somente  através  do  exame  decada  caso  é  que  se  pode  saber  se  umapessoa  que  exerce  profissionalmenteuma  atividade  econômica,  de  produçãode bens e serviços, pode ou não ser con-siderada  empresária,  especialmente

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 17

aquelas  referidas no Parágrafo Único doart.  966.

Os  elementos  que  diferenciam  aunidade  individual  de  produção da uni-dade coletiva seriam a existência de umgrupo social que exatamente  identificas-se  o  elemento  de  organização  dos  fato-res da produção. Enquanto que na ativi-dade meramente  intelectual  de um pro-fissional  autônomo  o  elemento  de  orga-nização  dos  fatores  é meramente  aci-dental,  na  atividade  do  empresário  essaorganização  deve  ser  preponderante  epermanente.

O  exemplo  clássico  é  do  dentistaque  tem  consultório  próprio,  no  qualpresta serviços de odontologia, ainda quecom  o  concurso  de  auxiliares.  Nessascondições,  essa  atividade  não  é  consi-derada  empresarial,  pois  a  organizaçãodos  fatores  da  produção  é  apenas  aces-sória. Mas,  se  esse mesmo  dentista  seorganiza,  unindo  capital  e  trabalho  deoutros  dentistas,  utilizando  imóvel  eequipamentos  com  recursos  oriundosdesse grupo social, aí estará identificadaa  atividade  empresarial.  Nesse  segundoexemplo,  o  elemento  organização  é  pri-mordial.

E o  registro passa a ser elementoconstitutivo para a caracterização da ati-vidade  empresarial,  salvo  quando  a  leiexpressamente o dispensar. Enquanto nodireito  anterior  (na  vigência  do  C.  Co-mercial  de 1850)  o  conceito de  comerci-ante não dependia de qualquer  registro,pois  se  caracterizava  pelo  exercício  ha-bitual  da mercancia,  agora  só  será  em-presário quem estiver  regularmente ins-crito  no Registro  de Empresas.

Empresário  rural

Aqui, o Novo Código Civil cria umaclasse  especial  de  empresário  facultati-vo.  O  empresário  ruralista  pode  optarpela  inscrição  no  registro  de Empresas,caso  em  que  terá  o  tratamento  do  em-presário  definido  no  artigo  966.  Salvohipótese  de  uma  vantagem  tributária,considero  pouco  provável  que  o  empre-sário  rural  queira  se  submeter  ao  regi-me  da  sociedade  empresária,  por  uma

razão muito  simples:  ele  estará  se  su-jeitando ao rigor da impontualidade pre-visto  na  lei  falimentar.

Cumpre salientar que a vantagemde  se  obter  o  benefício  da  concordatapreventiva não é suficiente para atrair oempresário  rural  para  o  regime da  soci-edade  empresária,  pois  quem  tem  o  di-reito  ao  favor  legal  de  impetrarconcordata  preventiva  é  quem  está  su-jeito ao rigor da impontualidade e ao sis-tema  do  crime  falimentar.

Essa distinção cria uma certa con-fusão, pois o Novo Código Civil  estabeleceduas classes de empresários: aqueles  su-jeitos a registro (arts. 966 e  967) e os em-presários  ruralistas,  cujo  registro  empre-sarial  (art. 967) passa a ser  facultativo.

O  Anteprojeto  de  1972,  no  art.1.031,  definia  o  empresário  rural  como�o que exerce atividade destinada à produ-ção agrícola, silvícola, pecuária e outras

conexas, como a transformação ou alienaçãodos respectivos produtos, quando pertinen-tes aos serviços rurais.� Apesar dessa de-finição  ter  sido  suprimida,  a  atividadenela  contida  serve  para  identificar  oempresário  ruralista.

Pelo  fato  de  a  lei  não  definir  em-presário  rural,  alguns autores,  adotandoum critério meramente geográfico,  enten-dem que o minerador é empresário  rural.

Com  a  devida  vênia,  trata-se  deequívoco grave, provavelmente decorren-te  da  confusão  entre minerador  e  ga-rimpeiro.  O  ato  da  lavra,  que  é  da  es-sência  da  atividade  do  minerador,  émercantil, sendo que o art. 2.037 do NovoCódigo Civil  determina  que  se  apliquemaos empresários e às sociedades empre-sárias  as  disposições  referentes  aos  co-merciantes.  De  outro  lado,  a  atividadede garimpagem, regida pela Lei nº 7.805/89 define  a  garimpagem  como  atividadeindividual  ou  cooperativada,  que  tem  otratamento  de  atividade  rural.  Portan-to,  apenas  o  garimpeiro  pode  ser  equi-parado  ao  ruralista.

Conceito de Atividade EmpresarialNa realidade, a utilização do con-

ceito  de  atividade  empresária  já  vinha

18 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

desde a  vigência da Lei 8.934/94,  regu-lamentada  pelo Decreto  1.800/96,  quetrata  do  registro  dessa  atividade.  Logo,o  conceito  de  atividade  empresarial,  emtermos de  legislação  ordinária,  não  sur-giu agora no Novo Código Civil. A Lei nº8.934/94  é muito  importante,  porque,para  efeito  de  registro,  já havia  adotadoo  conceito  de  sociedade  empresarial,superando  aquela  idéia  tradicional  desociedade mercantil.

Na  vigência do Novo Código Civil,não  haverá  dúvida  de  que  atividadescomo  as  exercidas  pelas  sociedadesprestadoras de  serviços,  ou aquelas quetêm por objeto a compra e venda de imó-vel,  estabelecimentos  de  ensino  e  hos-pitais  serão  todas  empresariais. E,  umavez  que  a  sociedade  se  enquadre  comoempresarial,  a  conseqüência  séria  é  aaplicação    da  Lei  de  Falências.

Sociedade Simples e Insolvência CivilDe  outro  lado,  se  a  sociedade  for

simples  (art.  997)  não  se  aplicará  a  Leide  Falências, mas  a  insolvência  civil. Oartigo 955 do Novo Código Civil trata dainsolvência  civil  e  estabelece,  repetindoa norma do  artigo 748 do CPC,    que  �asociedade é considerada insolvente quan-do as dívidas excedam a importância dosbens do devedor.� Em seguida, os artigos956 a 965 tratam da classificação de cré-ditos  na  insolvência  civil.  É  claro  queesse sistema do Código Civil novo já nas-ceu  velho,  porque,  por  força  da Consti-tuição,  as  normas  gerais  do Direito  Tri-butário  são  de natureza  de  Lei Comple-mentar, portanto, o Código Tributário Na-cional  trata da prioridade do crédito  tri-butário,  reconhecendo,  apenas,  supre-macia  absoluta  do  crédito  trabalhista,nos termos do artigo 186 do CTN. E essesistema  de  classificação  de  créditos  doCódigo  Civil  deve  ser  interpretado  deacordo  com  essas  leis  que  tratam  daspreferências    e  privilégios  dos  créditostrabalhistas  e  tributários.

Formas  SocietáriasQuanto  às  formas  societárias,  o

Novo Código Civil suprimiu apenas a so-ciedade  de  capital  e  indústria, manten-

do as demais, que são sociedade em con-ta  de  participação,  em  nome  coletivo,comandita simples, por cotas de respon-sabilidade  limitada  e  a  comandita  porações.  Porém,  salvo  a  limitada,  as  de-mais  formas  societárias  caíram  em  de-suso a partir do Decreto nº 3.708/19 e,provavelmente,  serão  de  pouca  valia.  Epor uma razão muito simples, porque nãofaz  sentido  alguém  constituir  uma  soci-edade em nome coletivo, comandita sim-ples ou comandita por ações na qual pelomenos um dos sócios terá sempre a res-ponsabilidade  solidária  em  relação  àsobrigações  sociais.

Sociedade Simples  O  Novo  Código  Civil  dedica  um

Capítulo inteiro (arts. 997 a 1038) à soci-edade  simples,  reproduzindo,  em grandeparte,  o  sistema  italiano de 1942,  justa-mente  criticado  pelos  juristas  italianos,por ter sido uma sociedade sem história.Segundo Brunetti (in Trattato Del Dirittodelle  Società),  a  sociedade  simples nãorepresentava  as necessidades  do  comér-cio no campo das sociedades, pois foi ape-nas a adoção do caráter meramente dou-trinário do Código de Obrigações suíço.

A  dificuldade  inicial  decorre  dofato  de  que  o  Novo  Código  Civil  defineapenas a sociedade empresária,  e não asimples. Vejamos  o  art.  982:

�Art. 982. Salvo as exceções expres-sas, considera-se empresária a soci-edade que tem por objeto o exercíciode atividade própria de empresáriosujeito a registro (art. 967); e, simplesas demais.�Como a  lei diz somente que a so-

ciedade simples é aquela que não é em-presária, alguns autores consideram queessas  sociedades  são  as  que  exercemas  atividades  listadas no  parágrafo úni-co  do  artigo  966,  e,  outros,  entendemque  são  aquelas  que  exploram  ativida-des  previstas  em  leis  especiais,  como  éo  caso  da  Lei  nº  8.906/94  que  rege  oexercício  da  advocacia.

Sabemos que o Estatuto da Ordem(Lei  8.906/94)  impede  expressamenteque a sociedade de advogados possa  terforma  ou  característica mercantil.  Ve-jamos o artigo 16 e seu parágrafo 3º:

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 19

�Art.16. Não são admitidas a regis-tro, nem podem funcionar, as socie-

dades de advogados que apresentemforma ou características mer-cantis, que adotem denominação defantasia, que realizem atividades es-tranhas à advocacia, que incluam só-

cio não inscrito como advogado outotalmente proibido de advogar.�§ 3o. É proibido o registro, noscartórios de registro civil depessoas jurídicas e nas juntascomerciais, de sociedade que in-clua, entre outras finalidades, a ati-vidade de advocacia.�

Quanto ao objeto, é claro que tan-to  o  exemplo  das  atividades  indicadasno parágrafo único do art. 966, quanto oda  sociedade  de  advogados  são  hipóte-ses de sociedades simples, mas não sãosuficientes  para  conceituar  esse  novomodelo. Aliás, a sociedade de advogadosassemelha-se  à  sociedade  simples  so-mente  quanto  ao  objeto,  pois  quanto  àformalidade  do  registro  haveria  umdescompasso  entre  a  exigência  do  arti-go 1.150 e o Estatuto da Ordem dos Ad-vogados  que não  permite  o  seu  registrono Cartório  de Registro Civil  das  Pesso-as  Jurídicas.

O que se percebe, de uma  leituraatenta do Novo Código Civil, é que a so-ciedade  simples  pode  ter  dois  significa-dos: 1) seria um modelo básico, que po-deria ser aplicado a todas as sociedadesno  caso  de  lacuna da  lei,  salvo  a  socie-dade  anônima;  2)  é  um Capítulo  desti-nado a  regular um modelo de sociedadede  pessoas,  porque  existem  várias  nor-mas  de  responsabilidade  solidária  (art.1.024),  e até mesmo hipóteses de   sóciode    indústria  (inciso V do art. 997).

Da  forma  como  está  disciplinadaa  sociedade  simples,  os  intérpretes  se-rão  chamados,  a  todo momento,  paraesclarecer  quais  as  regras  das  socieda-des  simples  que  lhe  são  específicas  equais  as  normas  gerais  que  podem  seraplicadas  às  demais  formas  societárias.E,  sem dúvida, a maior dificuldade sur-

girá  quando  a  sociedade  simples  adotara forma da limitada, que não admite só-cio prestador de serviço, como o inciso Vdo  art.  997  permite,  nem  pode  o  sócioresponder  com  seus  bens  pessoais  naforma do art. 1.024.

Portanto,  caberá  à  jurisprudênciae  à  doutrina  resolver  esses  evidentesconflitos  entre  as  normas  gerais  previs-tas  na  sociedade  simples  e  as  normasespeciais  das  várias  formas  societárias,tarefa  esta  que  será mais  difícil  quandoa  própria  sociedade  simples  for  uma  li-mitada.

Observado  o  critério  de  que  a  re-gra  especial  afasta  a  aplicação  da  regrageral,  desaparecerá  a  aparente  contra-dição entre vários dispositivos dessa par-te  geral  das  sociedades  simples  e  asnormas  especiais  dos  artigos  1.052  a1.087.

Finalmente,  em  relação  à  socie-dade  simples,  destacam-se  outras  duasquestões  relevantes.

Dissolução  ParcialA primeira  diz  respeito  ao  direito

de retirada. Sabemos que a jurisprudên-cia mansa e pacífica do Supremo Tribu-nal  Federal  admite  a  denominada  dis-solução  parcial  de  sociedades,  que  sig-nifica  o  direito  de  o  sócio minoritárioromper  o  vínculo  societário  e  apurar  osseus haveres  pelo  critério  da  dissoluçãoda  sociedade.  Essa  avaliação  das  cotasera  feita  com base  em balanço  de  liqui-dação,  avaliando-se  os  bens  pelo  valorde mercado. Note-se  que  a  jurisprudên-cia  aplicava  esse  sistema  fundamenta-do  no  art.  335,  inciso  V  do Código Co-mercial,  o  qual  permite  que  qualquersócio possa pedir a dissolução da socie-dade  por  prazo  indeterminado.

Acontece  que  o Novo Código Civilnão  reproduziu  essa norma do  art.  335do Código  de Comércio,  deixando  a  cri-tério  das  partes  estipular  a  forma  deapuração  dos  haveres  do  sócio  que  seafasta da sociedade. Ao contrário, o art.1.031  deixa  claro  que  o  contrato  socialpode  discriminar  o  critério  de  avaliaçãodas  cotas,  inclusive  quanto  a  forma  depagamento  dos  haveres.

20 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

Cláusula Restritiva de GerênciaA  outra  mudança  relevante  diz

respeito  aos  atos  de  administração,  es-pecialmente no  que  diz  respeito  aos  de-nominados  atos  restritivos  de  gerência.

A  jurisprudência,  principalmentedo  Supremo  Tribunal  Federal,  já  vinhaadotando  há  muitos  anos  o  sistemagermano-suíço,  entendendo que as  limi-tações aos poderes de gerência não pro-duzem  efeitos  em  relação  ao  terceiro  deboa-fé,  desde  que  o  ato  seja  praticadode acordo com o objeto social, e no inte-resse  da  sociedade.

Agora,  o Código Civil  adotou  lite-ralmente  a  regra do  artigo 2.298 do Có-digo Civil  Italiano,  admitindo  a  validadeda  cláusula  restritiva  de  gerência  emrelação ao  terceiro de boa-fé, pois o arti-go 1.015 do novo Código Civil dispõe queo  excesso  de  poder  dos  administradorespode ser oposto a  terceiros quando ocor-rer uma das seguintes hipóteses: 1) se alimitação  de  poderes  estiver  inscrita  noRegistro Empresarial; 2) provando-se queo  terceiro  tinha  ciência  dessa  limitação;3)  operação  evidentemente  estranha  aoobjeto  social.  Além da  oponibilidade  aosterceiros  dos  atos  restritivos  de  gerên-cia,  o Novo Código Civil  adota  expressa-mente a  teoria do ato ultra vires, pois osatos praticados  em desacordo  com o  ob-jeto social não obrigam a sociedade, combase no inciso III  do art. 1.015.

A partir da vigência do Novo Códi-go Civil,  é  fundamental  verificar  os  po-deres  dos  administradores,  pois  essasrestrições  serão  oponíveis  aos  terceirosde boa-fé, como são exemplos os contra-tos sociais que proíbem o aval e a fiançaem nome  da  sociedade.

ConclusãoEm  síntese,  creio  que  a  interpre-

tação das regras das sociedades simplese  a  ampliação  do  conceito  de  sociedadecomercial  para  sociedade  empresáriaserão  as  questões  que  em  curto  prazovirão  a  debate  no  Judiciário. Na  segun-da hipótese, preocupa-nos bastante o fatode que atividades como as exercidas porcolégios,  hospitais,  estarão  agora  sub-metidas  ao  rigor  da  Lei  Falimentar,  não

só pelo sistema da  impontualidade, mastambém  pelo  crime  falimentar.  Impõe-se,  portanto,  uma  reflexão  sobre  essasquestões,  que  passam  a  ter  caracterís-ticas  peculiares  que  não  existiam  até  oadvento do Novo Código Civil.

DEBATESDr. Antonio Carlos Esteves Torres

As  perplexidades  exibidas  pelo Dr.Paulo Penalva Santos a rigor são as nos-sas perplexidades. Estamos diante de ummomento  ímpar na  evolução  social  bra-sileira,  porque  introduzir  alterações  ouadaptar um monstro  sagrado,  como  é  oCódigo Civil  de  1916,  é  tarefa  hercúlea.Tanto  é  assim  que  não  foi  uma  nemduas as comissões que estiveram encar-regadas  de  adaptar  as  circunstânciasmodernas ao novo Código Civil. Estamosdiante  dele,  aqui  estamos  diante  dosoperadores  do Direito  e  é  obra  para  to-dos nós. O Dr. Penalva Santos ressaltoualguns  pontos  que  realmente merecemnossa  reflexão.

Em primeiro lugar, esta dicotomiaentre  sociedades  simples  e  empresarialnos  deixa,  para  dizer  no mínimo,  curio-sos,  porque,  em  termo  vernacular,  sim-ples é o que não é complexo, o que não éluxuoso,  por  exemplo,  e  como  é  que  euvou  classificar  uma  sociedade  empresa-rial  dentro  dessa  gama  de  conceitos  deantinomia que se opõe ao termo simples?Tenho a  impressão de que a dificuldadedo  intérprete  começa  pela  literalidadeporque  o  que  é  a  sociedade  simples  emcontraposição  à  empresarial?

O professor deixou bem claro  quenão  entendeu,  e parece-me que nenhumde nós  também  terá  entendido,  o  que  éelemento  da  empresa.  Essa  parte  é  im-portante,  porque  isso  vai  definir  seestamos diante de uma  entidade  empre-sarial ou não. Veio-me à cabeça que a leilançou aos  escaninhos  subjetivos  a defi-nição  de  empresa.  Temos  que  tirar  danoção de  empresário  o  que  é  empresa.

Para mim,  elemento  de  empresaé  qualquer  ato  ou  qualquer  circunstân-cia que se introduza na cadeia entre pro-dução e circulação de bens. Não sei, pos-

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 21

so  estar  errado, mas nesse momento,  eaí vem talvez a dúvida maior, quero res-saltar  é  que  estamos  diante  de  dificul-dades  interpretativas  e  a  interpretaçãoda lei no espaço e no tempo. Note que seformos  avaliar  um  trabalho  de mais  detrinta anos, pois esse Código Civil é mes-mo  difícil  de  ser  alterado,  porque  é  ummonumento  legislativo,  não  é  simples.Agora estamos nos momentos finais, quepara nós serão os momentos iniciais. Aí,professor,  vem  a  grande  questão:  ondeestá  a  Lei  de  Introdução  que  ninguémdiz nada sobre ela? O que aconteceu quenão comparece aos debates e não é men-cionada?

Quando,  a  meu  ver,  neste  mo-mento,  e  para nós  que  somos  operáriosdo direito, a Lei de Introdução se tornoua  lei mais  importante do nosso sistema.Por  que  a  Lei  de  Introdução não  vem alume? Certamente  ou  estarei  em  algumerro  de  avaliação  ou  o  legislador  estáalterando o Código Civil (permita-me daresse tempo de verbo à vacatio legis). �Estáalterando� porque pelo menos tenho aquicomigo a notícia de que mais de  trezen-tas emendas estão sendo observadas noCongresso. Mas  o  legislador  achou  quenão  precisaria  de  regras  de  interpreta-ção  da  lei,  ou  então  os  debates,  ossimpósios  e  os  comentários  estão  a  es-quecer da Lei de Introdução. Essa é umacuriosidade minha que certamente o Dr.Paulo  Moraes  Penalva  Santos  há  deescoimar.

O novo Código, além dessa perple-xidade  quanto  à  entidade  empresarial  eà simples, traz outras perplexidades maisgraves no meu  entender.  Por  exemplo,  oartigo que revoga as disposições em con-trário,  artigo  2.045 dispõe:  �Revogam-sea Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 �Código Civil e a Parte Primeira do CódigoComercial, Lei nº 556, de 25 de junho de1850�.  Quando o Código Civil entrou emvigor,  o  seu  artigo  1.807  dizia  que  fica-vam  revogados  as  ordenações,  alvarás,leis,  decretos,  resoluções,  usos  e  costu-mes. Os usos  e  costumes  estão  tratadosna Parte Geral do Código Comercial, queacabou de ser revogada. Confesso, senho-

res  que,  até por  alguma deficiência  inte-lectual, não  sei  como se  revogam usos  ecostumes  a não  ser  por uso  e  costume.Ou é uso  e  costume ou não o  é. Por  lei,por decreto, jamais se revoga, porque issoé um fato social, é uma circunstância daevolução da  sociedade  que não dependede  lei, depende da atitude, do comporta-mento, das reações humanas. Então, pro-fessor,  fica  aí uma questão difícil  de  serrespondida: como se revogam usos e cos-tumes?  Além  do  mais,  como  umcomplicador,  temos  que  a  lei  que  cuidade  registro,  a  Lei  das Juntas Comerciais� e o Decreto 1.800 em seu artigo 87 dizisso  claramente  �  continua  prevendo  oregistro  de  usos  e  práticas  e  não  estárevogada. Como então vou considerar usoe prática, uso  e  costume perante a novadisposição do Código Civil que não é novo,é  apenas  adaptado? Evidentemente,  quese  voltarmos  os nossos  olhos para  a  Leide Introdução, tenho a impressão de queo  trabalho  estará  reduzido  em pelo me-nos 50%,  pois  sempre haverá  dúvidas  eproblemas. Mas, a Lei de Introdução pre-cisa  ser  lembrada,  precisa  ser utilizada.

O Código  está montado  em prin-cípios  genéricos  que  o  próprio  ProfessorMiguel Reale nos lembrava, que são prin-cípios  dessa  qualidade:  a  eticidade,  asocialidade e a operabilidade. Vejam bemquanto  de  subjetividade  temos  aqui.Quando a lei era  lacunar, o artigo 4º daLei de  Introdução dizia  que o  juiz podiausar os usos e costumes, a analogia, osprincípios  gerais  do Direito.  Parecia  quese engessava ali a  figura do magistrado.A  eqüidade,  a  cujo  conceito  dificilmenteé  dado  uma  definição  precisa,  só  eraaplicável também na lacuna da lei. Hoje,os  legisladores  em geral,  assim como oslegisladores  da  nova  Lei  de  SociedadesAnônimas,  também usam a boa-fé  obje-tiva  como um dos  princípios  que  regemas relações contratuais. Então, o juiz nãotem mais  a  lacuna para  aplicar  a  gene-ralidade  do  artigo  4º  da  Lei  de  Introdu-ção  ao  Código  Civil,  que  aliás  curiosa-mente veio depois do Código, porque elafoi  alterada  (agora  sim,  ela  pode  voltarao seu lugar, ao seu tópico natural, que

22 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

é  anteceder  o Código Civil).  Agora,  o  le-gislador  resolveu  assumir  a  existênciadesses princípios intangíveis e eles cons-tam da própria letra da lei, não há maislacuna.  Parece  simples, mas  não  o  é.Isso aumenta, no meu entender, a  tare-fa do magistrado, porque ele vai ter maisdo  que nunca  que  se  ligar  aos  aspectossociais,  aos  usos  e  costumes  da  socie-dade para poder ser  justo, reto e bom.

Às  vezes  há  uma  alteração  sim-ples, mas o vocábulo que se introduz emum monumento como o Código Civil Bra-sileiro  transforma a nossa  vida de  intér-prete  em um  verdadeiro  inferno.  Vejambem que a simulação com a qual estáva-mos  tão habituados  a  tratar  como  fatorde  anulabilidade,  hoje  o Código  diz  quese  trata  de  nulidade. Mas  a  teoria  dizque há a simulação absoluta e a relativa.Será  que  a  simulação  relativa  tambéminduz  à  nulidade?  Tenho  dúvida  e meparece  que a  lei  não  fez  essa distinção.

Temos  problemas  de  ordem  pro-cessual que realmente vai aguçar a cu-riosidade: o caso da  liqüidação das so-ciedades.  O  novo  Código  discorre  lar-gamente,  especificadamente  sobreliqüidação de sociedade e, no  final, dizque vai se aplicar o Código de ProcessoCivil  no  caso  de  liqüidação.  Ele  é  bemclaro. E a dissolução, não poderá maisser  judicial?  O  artigo  quando  fala  emdissolução  começa  dizendo  �dissolvidaa  sociedade�,  ou  seja,  já  é  ponto  pací-fico. Ao final diz que a liqüidação pode-rá  ser  judicial.  Evidentemente,estamos diante de um belo exemplo deconflito  aparente  de  normas  porqueninguém  pode  subtrair  do  Judiciárioqualquer  tipo  de  conflito  e  para  que  adissolução  seja  definida,  também  podeser  matéria  judiciária.  Evidentemen-te,  temos  que  adotar  aí  os  nossos  cri-térios  de  interpretação  e  volto  à  mi-nha  indagação:  e  a  Lei  de  Introduçãoonde  está?  É  ela  que  diz  como  é  quevamos  tratar  as  leis  que  vigem parale-lamente.  Lamentavelmente,  não  estouvendo  a  devida  importância.

Lord Denin, que foi talvez o maiorjuiz da História da Judicatura na  Ingla-

terra,  aos  oitenta  anos  de  idade  escre-via um livro em que dizia que um irmãoera  almirante,  outro  era  parlamentar,e,  de  repente,  pára  de  descrever  a  suafamília e diz o seguinte:  �Sobre a minhafamília,  falo  depois,  porque  agora  preci-so voltar aos meus processos. Nada quetiver  que  ser  feito  ficará  sem  ser  feito�.Vejam bem que aos oitenta anos de ida-de, ele inaugura com um livro uma pas-sagem que  seria mais  ou menos  assim:�Qual é o argumento do  lado contrário -Apenas que não existe ação em que issotenha sido  tratado antes  - O argumentonão me  seduz  nem  um  pouco.  Se  nósnunca  fizermos  alguma  coisa  que  nun-ca  foi  feita, não vamos a  lugar nenhum.A  lei  permanece  impassível,  enquanto  oresto do mundo progride e isto não é bompara  ninguém�.

Dr. Paulo Penalva Santos

Classifiquei aqui as três principaisindagações que vou  tentar  responder daseguinte  forma:  em  relação  à  Lei  de  In-trodução  ao Código Civil,  sabemos  quenão  é  um Diploma  apenas  aplicável  aoCódigo Civil, é uma lei que trata da apli-cação  da norma no  tempo  e  no  espaço,coordena  as  outras  normas  de  direito,trata da vigência, da eficácia da lei. Por-tanto,  todas  essas  dificuldades  que  ti-vemos  desde  o  início,  parece-me  queseriam  objeto  específico  de  um  sistemaque  pudesse  ter  essa  característica  denorma coordenadora das demais. Então,tenha  ou  não  essa  denominação  de  Leide  Introdução  ao Código Civil,  já  sabe-mos  que  não  cuida  apenas  dele,  é  deuma  importância  extraordinária. Outrasleis,  como  a  Lei  Complementar  nº  95/1998,  que  trata  do  processo  legislativo,têm normas  sobre  hermenêutica,  sobreinterpretação  que  também  são  de  umaimportância  extraordinária.  Ali,  há  umsistema  que  resolve  uma  série  de  con-flitos  que  é  a  questão  da  lei  básica,  ouseja,  quando mais  de  uma  lei  trata  domesmo  assunto,  qual  o  critério  que  setem  que  identificar  para  a  interpreta-ção? É  o  critério  da  lei  básica,  ou  seja,aquela lei seria própria para prever aque-

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 23

le  instituto.  Então,  todo  esse  sistemasempre  foi  objeto  do  que  se  denominoude Lei de Introdução ao Código Civil. Semdúvida, mais do que nunca, em um mo-mento  como  esse  em  que  teremos umalegislação  com mais  de  dois mil  e  qua-renta  artigos,  um  sistema  eficiente  quepudesse  coordenar  a  aplicação,  a  inter-pretação  e  a  vigência  de  todas  as  nor-mas  é mais  do  que  nunca  um  sistemamuito  importante.

Quanto aos usos e costumes, issofoi origem do Direito Comercial que nas-ceu  dos  usos  e  costumes  dos  comerci-antes.  Apesar  de  a  lei  tratar  de  formabásica  e  de  serem  poucos  os  sistemasem que encontramos a vigência de usose  costumes,  mesmo  assim  continuasendo importante. Sabemos que o Códi-go Comercial,  que  está  em vigor até  ja-neiro do ano que vem,  tem uma norma�  artigo  291  �  que  diz  que  no  caso  desociedades,  na  omissão  da  lei  comerci-al,  antes  de  ir  à  lei  civil,  aplicam-se  osusos  e  costumes.  Então,  para  o  siste-ma  comercial,  que  é  origem  e  será  emseguida  evolução  do  sistema  do DireitoEmpresarial,  na  parte  societária,  osusos  e  costumes  são  tão  importantesque  eles  afastam,  em um primeiro mo-mento, a própria aplicação supletiva doCódigo  Civil  em  relação  ao  Código  Co-mercial.  Encontramos,  também,  em  re-lação  aos  contratos,  regras  importan-tes  em  relação  aos  usos  e  costumes.Durante muitos anos, o conceito de pa-gamento à vista era um conceito de usose  costumes.  No  Rio  de  Janeiro,  princi-palmente nos portos, até cinco dias eraconsiderado um pagamento à vista. En-tão  são  critérios,  sistemas  que  sempresurgiram  e  foram,  de  certa  forma,  de-senvolvidos com os usos e costumes. Aotratar  do  contrato  de  comissão  o  NovoCódigo Civil dá enorme destaque a essafonte  de  direito,  pois  as  principais  clá-usulas  contratuais,  e  até mesmo  a  re-muneração  do  comissário,  devem  serfixadas  segundo  os  usos  correntes  nolugar  (arts. 695, 699 e 701).

Apesar  dessa  revogação  expressado  artigo  final  do Código Civil,  vejamos,

por  exemplo,  o  artigo  113,  que  trata  donegócio  jurídico,  o novo Código Civil  dizo  seguinte:  �Os  negócios  jurídicos  de-vem  ser  interpretados  conforme  a  boa-fé  e  os  usos  do  lugar  de  sua  celebra-ção�.  Então,  os  usos  e  costumes  conti-nuam ainda em vigor por vários disposi-tivos do novo Código Civil, é uma normaexpressa  do  referido  artigo.

Sabemos que com a unificação dodireito  das  obrigações  não  haverá maisa  distinção  entre  contratos  civis  e  con-tratos mercantis,  serão  todos  contratosregidos pelo Código Civil. Essa regra im-põe,  de  forma  clara,  o  critério da boa-fée  do  lugar  como  critério  de  interpreta-ção  dos  contratos  do novo Código Civil.Portanto, apesar da revogação, creio queainda  serão  de muita  importância  osusos  e  costumes, principalmente para  onosso Direito  Empresarial.

Há uma questão referente à liqui-dação das  sociedades. É  certo  que  exis-te  uma  certa  contradição,  pelo menosaparente,  no Código Civil  em  relação  auma  série  de  aspectos. Um  é  esse.  Sa-bemos  que  a  liquidação  sempre  se  ini-cia  com um processo de dissolução;  en-tão,  necessariamente,  para  liquidar  temque dissolver. Em um primeiro momen-to, em uma conclusão apressada, eu di-ria  que  se  for  uma  dissolução  ou  umaliquidação  judicial,  o  sistema  ainda  é  odo Código de Processo Civil de 1939. Sefor  uma  dissolução  ou  uma  liquidaçãoextrajudicial,  o  sistema a  ser  aplicado  éo do novo Código Civil.

Dr. Antonio Carlos Esteves TorresSem dúvida,  professor,  apenas  o

artigo  1.102 dispõe:  �Dissolvida  a  socie-dade  e  nomeado  o  liquidante  na  formado disposto neste Livro, procede-se à sualiquidação, de conformidade com os pre-ceitos  deste Capítulo,  ressalvado  o  dis-posto  no  ato  constitutivo  ou  no  instru-mento da dissolução�. Vejam bem que oartigo  1.103  dispõe:  �Constituem  deve-res do liquidante: ...�. Ele repete e acres-centa  as  regras  da  liquidação  judicialdo artigo 655 do Código de 1939. Diz se-rem deveres do  liquidante averbar e pu-

24 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

blicar  a  ata  e  aí  traz  também a  senten-ça. Mas é sentença de quê? No meu en-tender, só pode ser a de dissolução. E oCapítulo do Código de 1939 fala em dis-solução  e  liquidação.  Talvez  a  impropri-edade  da  construção  retórica,  aqui,  pu-desse ocasionar algum problema. O  fatoé  que  ela  existe,  há uma dicotomia  quenão está de acordo com o melhor verná-culo. Não sei  se o  senhor concorda.

Dr. Paulo Penalva Santos

Concordo  e  acho  que  existe  aquiuma  contradição  porque,  na  realidade,começa falando sobre liquidação e fala desentença,  o pressuposto  seria uma  liqui-dação judicial, e nesse caso se aplicaria oCódigo de Processo Civil. O artigo 1.111diz  expressamente:  �No  caso  de  liquida-ção judicial, será observado o disposto nalei  processual�. Considerando que a pre-missa da liquidação, que é a fase final deum processo de dissolução, apesar da im-perfeição  dessa norma,  concordo  com  osenhor,  ou  seja,  se  for  judicial,  tanto  aliquidação quanto à dissolução, necessa-riamente  se aplicaria a norma do Códigode Processo Civil de 1939. A meu ver, se-ria  essa  a melhor  interpretação dada  aoartigo 1.111 do novo Código Civil.

Dr. Antonio Carlos Esteves Torres

Vejam os senhores que sorte a nos-sa. Já  temos aqui uma  interpretação quenão vai nos deixar perdidos nos mares dasdúvidas.  Também penso  isso,  apenas  ainterpretação  literária  �  e  já  temos  emdesfavor da  interpretação  literária os pró-prios  vocábulos mal  empregados,  está  aíessa dicotomia  entre  simples  e  empresa-rial,  que  não  consegue  descer  de  formatranqüila. Então cria uma perplexidade eé bom que  saibamos. Não  se  iluda, meugrande professor,  algum advogado  inteli-gente há de trabalhar nesse vácuo, há dedizer que a dissolução não pode mais serjudicial. É claro, e devemos estar prontospara isso, que é apenas um exemplo.

Des. Sergio Cavalieri FilhoEu chamaria a atenção para o ar-

tigo  1.111  que  estabelece  claramente

que: �No caso de liquidação judicial, seráobservado o disposto na  lei  processual�.Então não há dúvida de que há uma  li-quidação  extrajudicial  e uma  judicial. Eo  artigo  1.112  que  ainda  diz:  �No  cursode  liquidação  judicial,  o  juiz  convocará,se  necessário,  reunião  ou  assembléiapara deliberar  sobre  os  interesses da  li-quidação,  e  as  presidirá,  resolvendo  su-mariamente  as  questões  suscitadas�.Então não há dúvida que há uma  liqui-dação judicial comandada pelo juiz e aquise  está  estabelecendo  algo  que  o  juizpoderá  fazer  para  conduzir melhor  estaliquidação. O que pensa o Professor?

Dr. Paulo Penalva Santos

Tenho  a  impressão de  que  é  exa-tamente  isso. Existe  aqui uma  imperfei-ção  técnica  em  relação  ao  novo CódigoCivil, mas a premissa aqui dessa assem-bléia  �  e  deve  ser  a  isso  que  a  lei  serefere  �  é  que  seja  uma  dissolução  ouuma  liquidação  judicial.  Eu  gostaria  deouvir  o Professor Luiz Alberto Rossman,porque ele vai tratar dessa matéria quan-do  abordar  a  sociedade  limitada.

Prof. Luiz Alberto RosmanSão duas coisas distintas, sabidas

por  todos:  a  liquidação  e  dissolução.  Adissolução é uma forma de se resolver ocontrato  de  sociedade;  liquidar  é  �  ces-sada  a  sociedade,  permanecendo  a  per-sonalidade  jurídica  até  o  término  da  li-quidação � a apuração dos ativos, a suaavaliação,  a  sua  venda  ou  então  a  suadivisão  entre  os  sócios,  depois  de pagasas dívidas sociais. Para que haja a liqui-dação, primeiro é preciso que haja a dis-solução,  e  o Código Civil,  em  seu  artigo1.033, trata das hipóteses de dissoluçãopor  deliberação  dos  sócios,  e  o  artigo1.034, dispõe: �A sociedade pode ser dis-solvida judicialmente, a requerimento dequalquer dos  sócios,  quando:  I  �  anula-da  a  sua  constituição;  II  �  exaurido  ofim  social,  ou  verificada  a  suainexeqüibilidade�.  Além  de  outras  cau-sas  que  o  contrato  social  pode  prever.Creio  que  interpretaria  esse  dispositivo(que Dr. Antonio Carlos abordou no Ca-

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 25

pítulo da liquidação, quando fala em sen-tença)  como uma situação  em que hou-ve  um  processo  judicial  para  determi-nar  a  dissolução  judicial  em uma  des-sas  duas  causas:  exaurimento  do  fimsocial  ou anular a  sua constituição; po-rém  a  liquidação,  ou  seja,  a  apuraçãodos ativos, a sua venda, pagamento dasdívidas e distribuição do saldo remanes-cente  para  os  sócios  far-se-ia  por  formanão  judicial. Então, aqui coloco essa  in-terpretação  para  harmonizar  os  textos.

Des. Sergio Cavalieri FilhoNecessariamente,  a  liquidação não

precisa ser  judicial, ainda que a dissoluçãotenha sido, se os sócios se entenderem.

Dr. Antonio Carlos Esteves TorresSe  bem  que  se  houver  qualquer

movimento  judicial,  pela  letra  da  lei,  doCódigo  de  1939,  como  é  que  vai  se  ex-trair  da  decisão  judicial  a  devoluçãovoluntarial dos sócios para  liquidarem asociedade,  fora  daquela  ambiência?  OCódigo de 1939 é impositivo, ele junta adissolução  com  a  liquidação  de  formaindissociável. Há um ponto que o segun-do grau corrige com muita perfeição por-que  são  duas  etapas.  A  etapadissolutória,  em que  o  juiz  define  que asociedade  está  dissolvida,  e  a  segunda,logo  em seguida que  é  a  liquidação.  Te-nho  a  impressão  de  que  é  evidente  quea provocação foi feita para que se desta-casse  a  importância  da  Lei  de  Introdu-ção, porque há conflito aparente de nor-mas  e  estaremos  resolvidos. Mas  preci-samos  resolver  o  conflito  com  técnica,com disposição vocabular apropriada.

Des. Sergio Cavalieri Filho

Prof.  Penalva  Santos,  nos meusparcos conhecimentos de Direito Comer-cial,  faço,  hoje,  essa  distinção:  socieda-de  civil  e  sociedade  comercial.  Na  reali-dade,  a  rigor,  não  há muita  distinçãoentre  a  atividade  de  uma  e  de  outra.  Asociedade  comercial  está  registrada  naJunta Comercial e a sociedade civil estáregistrada  no Registro  de  Pessoas  Jurí-dicas, mas muitas  vezes  a  atividade  de

ambas praticamente é a mesma. Pelo queestou percebendo, o novo Código vai es-tabelecer  outra  distinção:  agora  é  soci-edade  simples  e  sociedade  empresarial.A sociedade empresarial, tirando do con-ceito  do  artigo  966,  será  aquela  queexerce  atividade  econômica,  organizadapara a produção ou a circulação de bensou  serviços.

Como ficam as sociedades civis re-gistradas no Registro  de Pessoas  Jurídi-cas  e  que  exercem,  inquestionavelmen-te, atividade econômica? Como elas serãotratadas a partir  de  então? Juízes,  comonós iremos enfrentar essa distinção? Seráuma sociedade empresarial  ou uma soci-edade  civil? Há  inúmeras  conseqüências.Então, gostaria de ouvir a opinião de Vos-sa Excelência  a  esse  respeito.

Dr. Paulo Penalva SantosEsse é outro grande problema que

todos  teremos  que  enfrentar.  A  diferen-ça  que havia  entre  a  sociedade  civil  e  acomercial,  salvo  a  anônima,  era  apenasquanto  ao  objeto  social.  Por  exemplo,  asociedade  limitada  poderia  ser  uma  so-ciedade  civil  ou  ser  uma  sociedade  co-mercial. O objeto  social,  para  essa novadiferença  entre  sociedade  simples  eempresarial,  continua  sendo muito  im-portante  porque  se  o  objeto  da  socieda-de  for  aquele  sistema  do  artigo  966  doCódigo  Civil,  que  trata  da  atividade  doempresário,  agregado  ao  elemento  re-gistro,  caracterizará  a  sociedade  comosendo empresária. A dificuldade que vejoé  na  prática,  depois  da  vigência  da  Lei8.934/94, que trata do registro de ativi-dades mercantis  e  outras  consideradasempresariais.  Vários  autores  já  vinhamdefendendo  que  o  artigo  2º  dessa  Lei8.934 que dispunha que os atos das fir-mas mercantis  individuais  e  das  socie-dades mercantis  são  levados  a  registrona  Junta Comercial,  independentemen-te  (essa  expressão  seria  vista  como pro-blemática)  do  seu  objeto,  e  especifica-vam-se  as  atividades  consideradas  em-presariais.

Então,  desde  1994,  com base  noartigo  2º  da  Lei  8.934,  vários  autores

26 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

defendiam que já não havia mais a dife-rença  entre  a  sociedade  civil  e  a  socie-dade  comercial,  para  adotar  o  sistemade atividade empresarial,  com o que eu,particularmente,  não  concordo.  Achoque,  naquele momento  específico,  umalei  que  tratava  de  registros  empresari-ais  não  poderia  revogar  todo  o  sistema,não poderia revogar o Código Civil, o Có-digo Comercial, a Lei de Falências. Creioque a  finalidade daquela norma do arti-go  2º  da  Lei  8.934  foi  apenas  alargar,ampliar  as  sociedades  que  eram  leva-das a registro na Junta Comercial. Mas,agora,  criou-se  um  problema:  podemoster,  e  provavelmente  temos,  uma  sériede  atividades  que  não  eram  típicas  dasociedade mercantil  levada a registro naJunta  Comercial,  e  agora  podem  estardentro  desse  conceito  de  atividade  em-presária. O grande perigo,  sabemos,  é  oproblema do requerimento da Lei de Fa-lências.

Essa dificuldade surgida com a Lei8.934,  que  ampliou  a  competência  daJunta Comercial,  na  prática  vai  levar  aesse  problema,  ou  seja,  temos uma  sé-rie  de  atividades  que não  eram de  soci-edades tipicamente mercantis, mas, ago-ra,  cabendo  dentro  desse  conceito maislargo  de  sociedade  empresarial  e  carac-terizado  o  registro,  acho  elas  podem  teresse  tratamento  de  sociedade  empresá-ria.    Na  prática,  há  aquela  dúvida:  e  asociedade de prestação de serviços? Ago-ra  é  empresária. Então  aqueles  grandesproblemas  existentes  sobre  a  sociedadede  prestação  de  serviços,  se  ela  poderiaou não ir à falência, agora considero quepodem.

Houve,  sensivelmente,  um  alar-gamento  do  conceito  de  sociedade  co-mercial,  agora  para  a  sociedade  empre-sária. Então atividades como as de colé-gios,  de  hospitais  �  esse  exemplo  quedemos  sobre  o  conceito  de  elemento  deempresa,  sem  dúvida  ele  está  presentenos  colégios,  nos  hospitais,  por  exem-plo,  em  determinadas  clínicas  de  den-tistas,  universidades  �  agora,  qual  é  oreceio? É  o  problema da  lei  de  falência.O  colégio  tem um problema  seriíssimo,

que há  sempre um descompasso na  re-ceita  registrada  na  contabilidade,  por-que ele não pode impedir o aluno de fre-qüentar  o  estabelecimento,  ainda  queesteja  com a mensalidade atrasada. Umdescompasso,  um  requerimento  combase  na  impontualidade,  caracterizadoo  atraso  da  escrituração,  é  crimefalimentar. A dificuldade que vejo é sub-meter,  sem muita  reflexão,  uma  sériede  atividades  que  agora  vão  estar  sujei-tas ao rigor da impontualidade e que nãoestavam anteriormente. Esse  é  o  grandeproblema que acho que deve ser verifica-do com muita cautela. Temo que a partirde janeiro do ano que vem, quando entraem vigor o Código Civil, provavelmente, ogrande  número  de  credores  se  anteci-pando  e  requerendo a  falência de  certassociedades  (que  não  eram mercantis  eque  agora  poderão  ter  essa  característi-ca de sociedade empresária) será o gran-de  problema  que  o Dr.  Antonio Carlos,como eminente Juiz da Vara de Falênci-as  e Concordatas,  enfrentará.

Finalmente,  quanto  ao  registro,  asociedade  que  era  civil  e  agora  passa  aser empresarial deve no prazo de um ano(art.  2.031)  se  adaptar  ao  nosso  siste-ma, mudando  o  registro  do Cartório  dePessoas  Jurídicas  para  a  Junta Comer-cial.  Se  não  o  fizer,  será  consideradasociedade  irregular,  com  as  conseqüên-cias daí decorrentes. Mas enquanto  issonão ocorrer, não creio que, por exemplo,seja  possível  pedir  a  falência  dessa  so-ciedade,  cujo  registro  não  está  correta-mente  feito.

Des. Sergio Cavalieri FilhoEntão,  o  principal  critério  distin-

tivo então não será mais o registro lá oucá, mas  sim  o  conteúdo.  As  sociedadescivis,  hoje,  que  exercem  atividade  em-presarial  terão  que  fazer  novo  registroou  permanecerão  como  estão?

Dr. Paulo Penalva SantosA  nova  sociedade  empresária  é

identificada pelo  binômio  objeto  e  regis-tro.  Caracterizando-se  a  atividade  em-presária,  ela  teria  que  ser  levada  a  re-gistro  na  Junta Comercial,  como  deter-mina o art. 2.031.

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 27

Des. Sergio Cavalieri FilhoE a Lei de Introdução? Já não tem

uma  existência  anterior  à  nova  lei?

Dr. Paulo Penalva SantosVoltando  ao  enfoque  falimentar,

imagino o seguinte: a uma sociedade quecaiba dentro desse  conceito de  sociedadeempresária, mas o registro é ainda no Car-tório  de Registro  de  Pessoas  Jurídicas  enão na Junta Comercial,  faltaria um ele-mento  caracterizador  para  a  sociedadeempresária,  ou  seja,  a  grande  diferençapara o comerciante é que o  registro nun-ca  foi  essencial,  o  comerciante  poderia,descaracterizada a mercancia  como ativi-dade profissional  e  regular,  caber naque-le conceito. Agora não. Acho que além daatividade do empresário,  tem que haver oregistro. Essa  é a dificuldade.

Des. Sergio Cavalieri Filho

Elas  serão  obrigadas  a  ter  o  re-gistro no  seu  entender  ou não?

Dr. Paulo Penalva SantosEssa  é  a  questão,    pois  deveriam

ser, por força do disposto no artigo 2.031,que obriga  todas as sociedades a regula-rizar o registro no prazo de um  ano. Naprática, não sei  se os advogados aconse-lharão  que  sociedades,  que  cabem den-tro desse  conceito de  atividade  empresa-rial,  como  colégios  e  faculdades,  passemimediatamente  o  registro  para  a  JuntaComercial,  por  causa da  falência.

Des. Sergio Cavalieri FilhoComo é que nós,  juízes,  vamos  re-

solver essa pendenga depois? Temos, hoje,quase  quatrocentos  juízes  aqui  e  todosmuito  interessados em saber  como é queterão que decidir. Quer dar um palpite?

Dr. Antonio Carlos Esteves TorresSalvo  equívoco,  a  Lei  8.934  fala

em empresa mercantil,  isso é muito  im-portante, o vocábulo  já está aí.

Dr. Paulo Penalva SantosÉ,  essa  questão  já  havia  surgido

na  vigência  da  Lei  n.  8.934,  que  deu

margem a essa discussão. Como já disse,embora essas sociedades devessem trans-ferir o registro para Junta Comercial, nãocreio  que  isso  vá  ocorrer  imediatamente.O colégio,  a  faculdade,  as  clínicas, natu-ralmente  vão  tentar  protelar  a  transfe-rência do  registro para a Junta Comerci-al,  pois  com  isso  faltaria  o  segundo  ele-mento  (registro)  que  caracteriza  a  socie-dade  empresária.    Insisto  que  o  grandereceio  é  a possibilidade de  falência.

Professor Luiz Alberto RosmanNão mexo muito  com  Lei  de  Fa-

lências,  tenho  alguns  conhecimentos,mas  fiquei  pensando  enquanto  estavaouvindo  esse  debate  interessantíssimoe  realmente  de  repercussões  seriíssi-mas.  A  Lei  de  Falência,  que  é  de  qua-renta e poucos,  foi  toda criada em cimado  sistema  anterior,  que  tinha uma  di-cotomia  entre  comerciantes  e  os  nãocomerciantes,  submetendo  os  comerci-antes  ao  regime  do  concurso  de  credo-res  da  Lei  de  Falências.

Agora houve uma mudança de re-gime que não  é mais  entre  comerciantese não  comerciantes  e  sim  entre  socieda-des  empresárias  e  aquelas  que não  sãoempresárias,  são  sociedades  simples.Todos que são comerciantes, em um cer-to  sentido,  seriam  inseríveis no  conceitode  sociedade  empresária, mas nem  todaa  sociedade  empresária,  segundo  a defi-nição  do Código Civil,  seria  qualificávelcomo  comerciante  à  luz do  regime ante-rior. Acho que como tenho uma lei poste-rior  ao Código Civil,  que  estabeleceu umregime diferente  do  anterior  àquele  combase no qual a Lei de Falências  foi  feita,que na aplicação da Lei de Falências, eunão  deveria  entender  como  igual  a  co-merciante,  portanto  submetido  à  Lei  deFalência  todo  e  qualquer  sociedade  em-presária. Mas,  teria  que  buscar,  dentreaquelas  sociedades  empresárias,  quaisas que  teriam a  característica de  comer-ciante. É só uma complicação maior.

Des. Sergio Cavalieri FilhoO artigo  1.015  dispõe:  �No  silên-

cio  do  contrato,  os  administradores  po-

28 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

dem  praticar  todos  os  atos  pertinentesà  gestão da  sociedade; não  constituindoobjeto  social,  a  oneração  ou  a  venda debens  imóveis  depende  do  que  a maioriados  sócios  decidir.  Parágrafo  único:  Oexcesso  por  parte  dos  administradoressomente  pode  ser  oposto  a  terceiros  seocorrer  pelo menos  uma  das  seguinteshipóteses:  I  �  se  a  limitação  de  poderesestiver  inscrita  ou  averbada  no  registropróprio da sociedade; II � provando-se queera  conhecida  do  terceiro;  III  �  tratan-do-se  de  operação  evidentemente  estra-nha  aos  negócios  da  sociedade�.  Estousempre  tentado  a    intrometer  em  todosos lugares o Código do Consumidor.

Então,  faz-se  um  contrato  sociale  há  uma  série  de  restrições  ao  admi-nistrador,  inscreve-se  aquele  contratoem um lugar em que nenhum consumi-dor tenha acesso e quando há o dano, oprejuízo, argumenta-se que o Código Ci-vil  permite  essas  restrições,  e,  ergaomnes,  valendo  contra  terceiros,  desdeque  esteja  devidamente  registrado.  Oconsumidor  é  que  deve  buscar  isso,  fa-zer  a  pesquisa  que  bem  entender.  Nãohaverá  aí um confronto, uma  colidênciaentre  os  princípios  que  estão no Códigodo Consumidor como a  transparência e,principalmente, toda confiança com essadisposição? Como  é  que Vossa Excelên-cia  ajustaria  os dois Diplomas?

Dr. Paulo Penalva Santos

A  oponibilidade  aos  terceiros  dasdenominadas  restrições  aos  atos    deadministração  não  se  aplica  nos  casosde  relação  de  consumo.  Tratando-se  dehipótese  de  aplicação  do CDC,  natural-mente  essa  regra do  art.  1.015 do NovoCódigo  Civil  não  se  aplica.    É  absurdoafirmar que o Novo Código Civil revogaráo CDC. No  exemplo  do  consumidor,  pa-rece claro que ele não é obrigado a veri-ficar o contrato social da outra parte paraconstatar  os  poderes  de  cada  adminis-tradores. Mas  , de outro  lado,  tratando-se  de  negócio  jurídico  entre  empresas,a regra do art. 1.015 do Código Civil de-verá  ser  respeitada.  Algumas  pessoasdisseram, no  início da vigência do Códi-

go  de Defesa  do  Consumidor,  que  nãose  aplicava  ao  contrato  comercial  por-que  aquela  compra não  era  feita  com  ointuito  de  revenda.  Isso  não  é  verdade,pois  sempre  ficou muito  claro  que,  comrelação  aos  contratos mercantis,  o  Có-digo  do Consumidor  poderia  ou não  seraplicado, dependendo da atividade. Sen-do uma atividade  típica,  regida pelo Có-digo  de Defesa  do Consumidor,  não  te-ria  nenhuma  dúvida  em  afirmar  queessa regra aqui, por  força de uma outranorma  do Código  de Defesa  do Consu-midor, não  se aplicaria. Mas, por  exem-plo,  a  um  contrato  de  fornecimento  decombustível entre uma determinada dis-tribuidora  e  uma  empresa  de  transpor-tes,  acho  que não  se  aplicaria  o Códigode Defesa  do Consumidor.  Aí  se  aplicaessa  regra do  artigo 1.015.

Drª Maria Cristina de Brito LimaDr.  Penalva,  tenho  dois

questionamentos:  o  primeiro  seria  comrelação  aos  artigos  2.031  e  2.032  quefazem  a  previsão  para  a  alteração  dassociedades  empresárias.  Caso  a  socie-dade empresária não  respeite a adequa-ção  no  prazo  estabelecido,  eu  poderiaconsiderá-la como sociedade em comum,irregular?

Dr. Paulo Penalva SantosÉ  uma  questão  complexa,  que

pode  ser  dividida  em  duas  hipótesesdistintas. O primeiro caso, por exemplo,e  o  da  sociedade  que  era  civil  e  agorapassa  a  ser  empresária.  Aqui,  não  te-nho  dúvida  de  que  a  sociedade  tem  aobrigação  de  regularizar  o  registro,transferindo-o  para  a  Junta Comercial.Outra  hipótese  e  a  da  necessidade  deadaptar  os  contratos  sociais  às  exigên-cias  dos  artigos  referentes  à  limitada.Tenho dúvida  em  relação  a  esse  segun-do exemplo, sob o qual já conversei como Prof.  Luiz Alberto,  que  vai  se  encarre-gar  disso.  Temos  uma  série  de  dificul-dades.  Será  que  não  haveria  aí  um  atojurídico  perfeito,  a  ser  regido  pela  leianterior? Confesso  que  tenho uma  difi-culdade  gigantesca.  Por  exemplo,  umcritério  de  quorum de  deliberação,  que

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 29

foi  válido  naquele momento,  regido  na-quela lei, será que não haveria algo pró-ximo do que conhecemos como ato  jurí-dico  perfeito? Sinceramente,  gostaria  deouvir a opinião do Prof. Luiz Alberto, masé  um  problema  sério.  A  grande  dúvidaque  está  ocorrendo  na  prática  é  o  se-guinte:  será  que  todo mundo  precisaalterar  os  contratos  sociais?  Esse  é  oproblema.  E  quem não  alterar,  em  quecondições  será  tratada  essa  sociedade?

Dr. Antonio Carlos Esteves TorresO artigo 2.031 dispõe: �As associ-

ações,  sociedades  e  fundações,  consti-tuídas  na  forma  das  leis  anteriores,  te-rão  o  prazo  de um ano para  se  adapta-rem às  disposições  deste Código,  a  par-tir de sua vigência;  igual prazo é conce-dido  aos  empresários�.

Prof. Luiz Alberto RosmanA  rigor,  os  tipos  societários  que

existiam antes continuam existindo ago-ra, então não mudaria. O que há é umasérie de novas regras, por exemplo, a so-ciedade  limitada que  era uma  lei  de de-zoito artigos, agora é uma lei de cinqüen-ta, setenta artigos. Então, o que aconte-cerá,  se  não  houver  adaptação,  é  queaqueles  dispositivos  cogentes  do CódigoCivil � tenha havido ou não a adaptaçãodos contratos sociais, dos diversos  tipossocietários � passarão a ser aplicados nãopela  forma  que  os  sócios  deliberaramdentre aquelas matérias em que eles têmuma autonomia  de  vontade. Basta  apli-car as disposições do Código.

A  senhora mencionou  a  socieda-de  simples,  que  não  existia  antes.  Amaioria  das  sociedades  existente  já  ti-nha  um  tipo  societário  definido  que  foimantido,  a  grande maioria  das  socieda-

des por quotas continua.Drª Maria Cristina de Brito Lima

Na verdade, a minha preocupaçãovai  além porque, hoje,  até mesmo o  ob-jeto  social  precisa  fazer  parte  do  nomeempresarial  pelo  novo Código.  Se  não  ofizer, certamente essa sociedade vai pas-sar  a  uma  posição  diferente.  Seria  tidacomo uma  sociedade  irregular  ou  não?

De  acordo  com  o  novo Código,  o  objetoprecisa  fazer  parte  do  nome  empresari-al,  portanto  a  alteração  se  impõe.

Prof. Luiz Alberto RosmanNão necessariamente. Na  socieda-

de limitada, por exemplo, a lei sugere que adenominação social pode conter qual o tipode atividade, mas não é uma exigência. Oque pode acontecer é haver uma irregulari-dade, mas não que a sociedade seja irregu-lar, quer dizer conseqüências sérias.

Drª Maria Cristina de Brito Lima

Certamente,  principalmente  naárea  falimentar.  O  meu  segundoquestionamento  e  bastante  objetivo  é  oseguinte:  sabemos  que,  hoje,  de  acordocom o novo Código,  as  cooperativas  sãotidas  como  sociedades  simples  e,  por-tanto,  seguindo  a  legislação  pertinente,a  lei  reitora da matéria que  trata de so-ciedade  cooperativa,  ela  não  pode  falir,ela está sujeita à liquidação extrajudicialou  judicial.  Seria  o  caso  de  pensarmos,em  passando  o  novo  projeto  de  leifalimentar,  que  ela  também poderia  es-tar  sujeita,  como  sociedade  simples,  àfalência? Hoje,  já  enfrento  alguns  pro-blemas  dessa  natureza,  requerimentosfalimentares  de  cooperativas,  que,  naverdade,  seriam  de  insolvência.  Volta  emeia  encontramos  discussões  abertascom a Curadoria de Massas.

Dr. Paulo Penalva Santos

Nada impede que a nova lei unifiqueo sistema da  insolvência,  incluindo a coo-perativa no sistema falimentar. Mas não seise isso funcionaria bem. As cooperativas têmcaracterísticas próprias que são  incompatí-veis com o rigor da lei falimentar, principal-mente em relação ao crime  falimentar.

Drª Maria Cristina de Brito LimaJá encontrei alguns posicionamen-

tos divergentes no Tribunal do Rio Grandedo Sul. Estou enfrentando esse problema.

Des. Sergio Cavalieri FilhoEssa  é  a  beleza  do direito  e  a  fa-

cilidade  do  advogado,  ele  pode  procurar

30 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

um acórdão que vai encontrar, nem queseja  do  Piauí.

Drª Maria Cristina de Brito Lima

Alguns julgados têm prestigiado afalência  de  sociedade  cooperativa  peloexercício  de  atividade mercantil.

Dr. Paulo Penalva Santos

Gostaria  de  fazer  uma  pequenaobservação:  a  Lei  8.934/94,  nos  artigos59 e 60, dispõe que se a sociedade mer-cantil não promover a alteração adequa-da, ou deixar de alterar alguma disposi-ção de seu contrato social no período de10  anos  consecutivos,  será  consideradauma  sociedade  em  extinção  e  perderá  onome  comercial.  Essas  são  disposiçõesde que poucos se  lembram.

Drª Elisabete Aguiar

A minha pergunta é para o Profes-sor  Paulo  Penalva  Santos,  que  quandofalou    em sociedade simples,  fez mençãoàquelas  sociedades de  advogados. Queropegar  o  gancho  do  Prof.  Antonio CarlosEsteves  e  do  Prof. Cavalieri. Em  relaçãoà sociedade de advogados, há norma ex-pressa,  a  Lei  8.906.  Na  Lei  de  Arbitra-gem  existem  aquelas  sociedades  de  ár-bitros  em que há  árbitros  contratados  eoutros  avulsos.  Poderia  essa  sociedadede  árbitros  requerer,  por  aplicaçãoanalógica, as normas da Lei 8.906? A essasociedade de  árbitros  se  aplicaria  o  ins-tituto da  falência ou o da  insolvência?

Prof. Paulo Penalva SantosConfesso que não me recordo bem

desse  dispositivo  que  trata  dessa maté-ria  de  arbitragem. Não  sei  se  essa  enti-dade  tem  a  característica  de  sociedade,e muito menos  de  sociedade  empresari-al.  Na  questão  da  sociedade  de  advoga-dos, a lei  impede expressamente que elatenha  o  tratamento  e  a  forma da  socie-dade mercantil. Então o problema é esse,uma  sociedade  de  advogados não  pode-ria  ser  constituída  sob  a  forma  de  S.A.No  sistema da  arbitragem, não me  lem-bro  se  haveria  ou  não  algo  semelhanteao  Estatuto  da  Ordem.  Agora,  em  um

primeiro momento,  estaria  inclinado  adizer  que  deveria  ser uma  entidade nãoempresarial, mais uma associação do quepropriamente  uma  atividade  típica  doempresário (como a Bolsa de Valores, porexemplo,  que  é uma  sociedade  civil).

Dr. Paulo Roberto FragosoProf.  Penalva,  veja  que  citamos

muito aqui o artigo 1.015 do novo CódigoCivil,  que  afasta,  então,  a  publicidadede que goza o  registro do  comércio,  queafastaria  então  a  teoria  da  aparência,para vincular a sociedade.  Então o arti-go  1.053  criou uma norma nova  no  to-cante  às  sociedades  por  quotas  porqueagora, pelo Código novo, os sócios podemoptar  entre  a  aplicação  supletiva  da  leidas  sociedades  simples  ou,  como  diz  oparágrafo  único  do  artigo  1.053,  a  Leidas Sociedades por Ações. O que me cau-sa  estranheza  é  exatamente  isso,  esseartigo  1.015  está  no  Capítulo  atinenteàs  sociedades  simples,  esse  artigo  queafasta  a  teoria  da  aparência,  que  temcomo condição a boa-fé. Os sócios pode-riam,  então,  optar,  na  estruturação  deuma  sociedade  limitada,  pela  adoçãodesse  regramento  ou  não.  Essa  situa-ção me causa tamanha perplexidade por-que  posso  dizer  que  se  aplica  a  Lei  dasSociedades  Anônimas  supletivamente,ou  então  dizer  que  se  aplica  a  Lei  deSociedade  Simples  incidindo  esse  arti-go  1.015.  Nesse  caso,  a  regra  poderiaser aplicada ou não, ao alvedrio dos só-cios, à escolha deles, porque esse artigo1.015  constitui  um  verdadeiro  retroces-so  pois  sempre,  em nosso  direito,  apli-ca-se a Teoria da Aparência para vincu-lar  a  sociedade.

Então, gostaria de ouvir a sua opi-nião, porque, a meu juízo, se tivesse queenfrentar  esse  tema,  continuaria  apli-cando  a mesma  regra  que  sempre  exis-tiu, de que a publicidade de que  goza oregistro de comércio não afastaria a boa-fé. Ao meu juízo, essa regra do artigo 1.015seria  inaplicável a uma relação de consu-mo porque  se uma atividade  empresarialimplica  em circulação de bens  e  serviçose o Código do Consumidor se limita a qua-

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 31

lificar  como  fornecedor  de  bens  e  servi-ços, o fornecedor vai ser sempre o empre-sário. E aqui essa regra é específica à so-ciedade  simples,  que  não  é  sociedadeempresária. Então penso  eu que não hárisco desse artigo 1.015 ser  invocado  emrelação de consumo. Gostaria de saber suaopinião, de poder excluir ou não a aplica-ção desse artigo 1.015.

Dr. Paulo Penalva SantosNesse  ponto  já  há  um  consenso.

Aplicaria  o Código  de Defesa  do Consu-midor, ainda que  fosse sociedade empre-sária ou simples. Esse artigo 1.053 é tãoproblemático,  que  o  próprio  relator  doCódigo Civil, Deputado Fiúza, já apresen-tou um projeto  que  entre  outras  coisasrevoga,  muda  essas  regras  do  artigo1.053. No caso de  sociedade empresária,acredito  que  o parágrafo único do  artigo1.053 permite a inversão dessa regra des-de  que haja  cláusula  expressa,  admitin-do a aplicação supletiva em um primeiromomento  da  lei  de  sociedade  por  ações(da Lei de Sociedade Anônima agora)  em

relação ao Código Civil. Mas creio que sefor sociedade simples, não. Acho que ne-cessariamente,  pelo  objeto  ser  de  umasociedade  simples,  não  seria  ao menoscoerente a aplicação supletiva de normasde atividades empresariais, que é a soci-edade  anônima,  em  relação  à  sociedadesimples. O Professor Antonio Carlos  estátrazendo  aqui  a  nova  redação  do  artigo1.053, que é exatamente  invertendo essaregra dispondo que, no caso de omissão,aplica-se,  no  que  for  compatível  com  ocontrato social  (que era a regra do artigo18 do  decreto  de  quotas)  a  lei  de  socie-dade por  ações. É  claro mesmo  esclare-cida  essa  questão,    vamos  ter um outroproblema:   Mesmo se aplicando a  lei dassociedades  anônimas,  surgirão  questõessérias,  pois  só  se  aplicariam as normasdo anonimato que forem compatíveis coma  sistemática  da  limitada.  Exemplo  denormas  incompatíveis,  são as quotas  es-criturais,  custódia  de  cotas  fungíveis,certificado  de  depósito  de  cotas,  partes

beneficiárias, bônus de subscrição etc..