Direito das Sucessões - Apontamentos sobre a Sucessão em Geral
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DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 1
INTRODUÇÃO
Remete-se para o Lições de Direito das Sucessões, do Prof. Luís Carvalho Fernandes –
página 15 a 51.
DA SUCESSÃO EM GERAL
I – NOÇÃO E ÂMBITO DE SUCESSÃO
1. NOÇÃO DE SUCESSÃO
DIVERSOS SENTIDOS DE SUCESSÃO
É necessário distinguir entre:
Sucessão Lato Sensu: significa o mesmo que transmissão, qualquer que seja a
sua modalidade
Sucessão Stricto Sensu: sucessão identifica a transmissão/aquisição mortis
causa
Ou seja, em sentido amplo, pode definir-se sucessão enquanto fenómeno pelo qual
uma pessoa se substitui a outra, ou toma o seu lugar, ficando investida num direito ou
numa vinculação, ou num conjunto de direitos e vinculações, que antes existiam na
esfera jurídica do substituído, sendo que as situações jurídicas adquiridas pelo novo
titular são consideradas as mesmas, antes existentes, e tratadas como tais. Esta noção
permite distinguir, no fenómeno, três modalidades: (1) sucessão activa; (2) sucessão
passiva; (3) conjunto, consoante a situação ou situações jurídicas transmitidas. Tais
modalidades podem reduzir-se a duas:
Sucessão Singular ou a Título Singular
Activa
Passiva
Sucessão Universal ou a Título Universal: a sucessão verifica-se a título global e
respeita a vários direitos e vinculações, enquanto conjunto. Adquire-se um
património ou, pelo menos, uma quota ideal dele, ou várias situações jurídicas
activas e passivas, em qualquer dos casos como conjunto.
LIÇÕES DE DIREITO DAS SUCESSÕES - PROF. LUÍS CARVALHO FERNANDES
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 2
Sucessão Inter Vivos Sucessão Mortis Causa
A sucessão consiste num acto jurídico
voluntário ou não (exemplo: sub-rogação
legal, art. 592º)
A causa de aquisição é a morte, por si só,
ou em articulação com um acto jurídico
praticado pelo autor da sucessão.
A sucessão a título singular é, em geral, a
título singular. Mas existem desvios: por
exemplo, certos casos de transmissão
global do património de uma pessoa
colectiva ou nos actos que têm por
objecto o estabelecimento comercial
A sucessão a título universal é típica da
sucessão mortis causa. Mas existem
desvios: por exemplo, o legado na
sucessão é a título singular.
A IDENTIDADE DA SITUAÇÃO JURÍDICA COMO ELEMENTO ESSENCIAL DO CONCEITO DE
TRANSMISSÃO
O fenómeno da sucessão/transmissão implica a manutenção do direito, em relação
ao qual se verifica a referida substituição da pessoa do seu titular. Ao transmitir-se, o
direito não se extingue; mantém-se o mesmo.
SUCESSÃO, TRANSMISSÃO E AQUISIÇÃO SUCESSÓRIA
Na sucessão como na transmissão ocorre, do ponto de vista do novo sujeito, uma
aquisição derivada translativa. Contudo a doutrina nem sempre segue esta posição
podendo identificar-se duas concepções:
Uma dela transforma o critério distintivo o que não passa de uma coincidência
normal. Assim, a sucessão implicaria uma aquisição a título universal, o que
faria da sucessão mortis causa o seu domínio característico. Em contrapartida,
na transmissão, a aquisição seria a titulo singular e dai, a sua aplicação
dominante, verificar-se-ia na aquisição inter vivos. Como consequência desta
concepção excluíam-se os legatários da qualidade de sucessores – art. 2030º/1
consagra que são sucessores tantos os herdeiros como os legatários
Outra delas liga a sucessão à aquisição mortis causa (independentemente de
ser universal ou não) e a transmissão à aquisição inter vivos – o CC vigente
também não adopta tal concepção em diversas normas.
PROF. PEREIRA COELHO: a sucessão e a aquisição derivada translativa exprimem a
mesma realidade, mas segundo perspectivas diferentes
Transmissão ou Aquisição Derivada Translativa: é vista como se o direito se
deslocasse de um sujeito para o outro, que se manteriam estáticos, sendo
dinâmico o direito.
Sucessão Stricto Sensu: considera-se o direito estático e tratam-se como
dinâmicos os sujeitos; é o novo sujeito que se desloca e subingressa no direito
do antigo sujeito.
PROF. LUÍS CARVALHO FERNANDES: a posição anterior hoje não pode ser tomada em
termos absolutos.
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NOÇAO LEGAL DE SUCESSÃO E SUA CRÍTICA
Nos termos do art. 2024º define-se sucessão sendo ‘’o chamamento de uma ou mais
pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a
consequente devolução dos bens que a esta pertenciam’’ notas:
Intenção de afastar a ideia de sucessão em vida ou de transmissão por morte
para além de discutível em si mesma, por estar ligada a uma construção
jurídica controvertida, esta ideia não tem sequer correspondência no CC que
em mais de um local fala em sucessão em vida (art. 1057º, 1058º, 1256º e 2128º)
e em transmissão por morte (art. 412º, 420º, 976º/2, 1059º/1 e 2058º)
Não pode aceitar-se a identificação da sucessão com o chamamento à
titularidade das relações jurídicas e a consequente devolução dos bens
Para haver aquisição sucessórias é pelo menos necessária a aceitação
do chamado
Não se refere quanto à abertura da sucessão e a sua aquisição.
2. ÂMBITO DA SUCESSÃO
NOÇÃO E ÂMBITO DE SUCESSÃO
Âmbito de Sucessão: direitos e vinculações que podem ser adquiridos pelos
sucessores. Está em causa apurar se esses direitos e vinculações se extinguem com a
morte de quem deles era titular ou de quem a eles estava adstrito ou se subsistem,
para além dela, podendo ser adquiridos pelos seus sucessores.
DIREITOS PATRIMONIAIS INTRANSMISSÍVEIS
A regra da transmissibilidade das situações jurídicas patrimoniais pode ser
complementada com a regra de que em geral quando transmissíveis as situações
patrimoniais são no tanto por acto inter vivos como por acto mortis causa. Daqui
resulta que a sua intransmissibilidade excepção se pode dirigir a essas duas
modalidades ou apenas a uma delas:
Absoluta (intransmissibilidade excepcional dirige-se a ambas as modalidades):
direitos reais de uso e habitação – art. 1485º e 1488º.
Relativa (intransmissibilidade excepcional dirige-se a apenas uma das
modalidades):
Há direitos patrimoniais que admitem a transmissão por acto inter vivos
mas não mortis causa: usufruto – art. 1444º, 1443º, 1476º/1 al. a)
Há direitos cuja transmissão por negócio inter vivos é significativamente
restringida: arrendamento para habitação – art. 1038º al. f) e art.
1105º/1 – mas admitem transmissão por morte embora sujeita a regime
especial – art. 1106º.
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Exemplos mais significativos de situações jurídicas patrimoniais não transmissíveis mortis
causa (para além dos referidos anteriormente):
O direito e a obrigação de preferência convencional – art. 420º
O direito de dispor de bens doados, quando o doador tenha reservado para si
esta faculdade – art. 959º/2
O direito do beneficiário da renda vitalícia – art. 1238º
O direito e alimentos e correspondente obrigação – art. 2013º/1 al. a)
DIREITOS NÃO PATRIMONIAS TRANSMISSÍVEIS
A regra da intransmissibilidade dos direitos não patrimoniais, pessoais, à semelhança
da transmissibilidade dos patrimoniais, assume, normalmente, caracter absoluto: não
é, consequentemente, admitida a sua transmissão, quer por acto inter vivos, quer
mortis causa.
Excepções – casos de transmissibilidade relativa, por morte:
O direito potestativo de invalidação de um negócio jurídico (seja por nulidade
seja por anulabilidade), que, em si mesmo, não tem conteúdo patrimonial, não
admite transmissão por acto ente vivos, mas é transmissível mortis causa – art.
125º/1 al. c)
Direitos morais de autor e direito de revogar a doação por ingratidão, que em
certos casos são transmissível por morte – art. 976º/3
Direitos de investigar a maternidade e a paternidade é apenas transmissível por
morte – art. 1818º e 1873º
Transmissão de direitos de personalidade em geral (?)
Alguma doutrina defende tal com fundamento no art. 71º/1
PROF. CARVALHO FERNANDES: não entende que tal seja possível. O
entendimento correcto do art. 71º/1 consiste na atribuição e protecção
jurídica ao interesse que certas pessoas vivas têm na integridade mora
da pessoa falecida. Contudo, tal não significa que em certos casos não
se verifique a transmissão de certas faculdades ligadas à tutela dos
direitos da personalidade – art. 73º, 75º/2, 76º/2 e 79º/1 – mas não dos
direitos da personalidade em si mesmos.
Note-se que em geral a atribuição do direito não patrimonial por morte dá-se ex lege,
o que em primeiro lugar traduz o regime definido, em segundo lugar significa que a
aquisição não depende de aceitação, correspondentemente, não é também
admitido o repúdio.
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TRANSMISSIBILIDADE DAS OBRIGAÇÕES
A transmissibilidade das vinculações patrimoniais pode fundar-se na noção do art.
2024º uma vez que tais integram o conteúdo das relações jurídicas patrimoniais. deste
modo, dir-se-á que as obrigações do de cuius se transmitem enquanto elementos do
património global e como tal integram a herança. Daqui resulta que em regra são os
herdeiros quem por elas responde, embora tal responsabilidade caiba por vezes aos
legatários.
É preciso analisar alguns aspectos quanto à transmissibilidade mortis causa das
situações jurídicas passivas:
As situações jurídicas passivas não se reconduzem apenas às obrigações em
sentido técnico; ora se mesmo estas não têm, necessariamente, conteúdo
patrimonial, ainda que devam corresponder a um interesse serio do credor,
que merece protecção jurídica (art. 398º/2) muitas situações jurídicas passivas
de outra natureza não são patrimoniais
Nem todas as situações jurídicas passivas patrimoniais se transmitem mortis
causa (casos da obrigação emergente do pacto de preferência, da
obrigação de alimentos e situações jurídicas patrimoniais que se constituem
intuito personae e cuja prestação seja infungível – art. 767º/2)
Na situação dos sucessores relativamente a situações jurídicas passivas existe uma
verdadeira transmissão ou mera responsabilidade?
É manifesto que em certos casos é de verdadeira transmissão da obrigação a
que estava adstrito o autor da sucessão (relação jurídica complexa
correspondente à posição contratual que se transmite mortis causa). O
sucessor do promitente comprador ou do arrendatário sucede próprio sensu
nas obrigações emergentes do contrato promessa ou do contrato de
arrendamento
Contudo, não é assim nos casos de encargos da herança nomeadamente nas
suas dividas, ou seja, créditos autónomos de que o autor da sucessão era
devedor.
TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO EM GERAL
Quando estejam em causa danos patrimoniais, mesmo que o bem vilado seja não
patrimonial, não pode haver duvidas quanto à natureza patrimonial daquele direito.
Como funciona a transmissibilidade mortis causa do direito de indemnização de danos
não patrimoniais?
A questão coloca-se quando o credor do direito de indemnização morra sem ter
exercido o seu direito.
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Se já o exerceu e o direito à indemnização está reconhecido pelo devedor ou por
decisão judicial transitada em julgado, das duas uma:
Ou a indemnização já foi paga e os valores pecuniários correspondentes
entraram no seu património e nele subsistem, transmitindo-se aos seus
sucessores
Ou a indemnização ainda não foi paga e é o correspondente crédito de que o
de cuius era titular a transmitir-se.
Se à data da morte está em causa a acção em que o direito de indemnização é
exercido, a posição de parte na correspondente acção transmite-se aos seus
herdeiros.
As objecções levantadas à transmissão do direito de indemnização do dano não
patrimonial funda-se em considerações de duas ordens:
Caracter não patrimonial (pessoal) do dano
É o lesado quem está em melhores condições para determinar se os
sentiu e em que medida os sentiu
Deixar aos seus sucessores o direito de exigir a sua reparação e de
decidir sobre o critério da sua fixação seria inadequado.
PROF. PEREIRA COELHO: critica tal argumento afirmando que o regime
do art. 496º/3 primeira parte afasta tais riscos uma vez que por remissão
para o art. 494º manda fixar o dano equitativamente segundo as
circunstancias do caso.
A acção não deve ser proposta pelo legado, mas pelos seus
herdeiros
Os poderes aqui reconhecidos ao tribunal revelam que o critério
dos sucessores na determinação dos danos e da sua avaliação
não é muito significativo
O direito de indemnizar, ainda quando estão em causa danos
não patrimoniais, não deixa em si mesmo de ter natureza
patrimonial – art. 2024º
Não existe em direito português qualquer norma que em geral
reserve ao lesado a faculdade de demandar a indemnização
por danos dessa natureza.
Em suma, não se pode entender que não estando eles ainda
reparados, à data da sua morte, o correspondente direito à
indemnização existe na sua esfera jurídica e transmite. Quando
esse direito exista no momento da morte do seu titular ele segue
o regime geral dos direitos patrimoniais.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Valoração do comportamento abstencionista do credor várias críticas a
este argumento:
O art. 863º/1 configura a remissão como um contrato
A razão mais significativa que determinada a rejeição da hipótese de
ver no caso aquela forma de extinção do direito de indemnização
assenta no não preenchimento dos requisitos de que depende a
declaração tácita – art. 217º
Se à data da morte do credor não se mostrava esgotado o
prazo de caducidade da propositura da correspondente
acção, o simples facto de ela ainda não ter sido proposta não
permite deduzir com o grau de probabilidade que o art. 217º/1
in fine exige a vontade de remitir o credito.
TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO DO DANO DE MORTE
Exemplo: no caso de atropelamento, a vítima vem a morrer algum tempo depois de
ele ter ocorrido, por causa das lesões sofridas, ou tem morte imediata
A morte da vítima causa também danos autónomos – patrimoniais e não
patrimoniais – em relação a certas pessoas que com o lesado mantem uma
relação especial – art. 495º/3 e 496º/2 não se configura nenhuma questão
sucessória, uma vez que esses direitos são adquiridos autonoma e
originariamente. Questão de Direito das Obrigações – Responsabilidade Civil
Têm de ser considerados os danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao
lesado, ou seja as despesas feitas com o seu tratamento ou as retribuições que
deixou de receber e a dor, sofrimento e angustia por ele suportadas por efeito
do acto violador da sua integridade física. Direito à indemnização, que nasce
da lesão, e transmite-se com a morte deste aos seus herdeiros
O próprio dano de morte do lesado é indemnizável e sendo-o ele constitui-se
ainda na sua esfera jurídica, transmitindo-se de imediato aos seus herdeiros?
Art. 496º/3: a letra da lei parece demarcar dois tipos de danos não
patrimoniais indemnizáveis – os do lesado e os das pessoas
mencionadas no nº2. O direito de indemnização dos primeiros danos
constitui-se na esfera jurídica do lesado e é transmissível mortis causa.
Contudo não é razoável atribuir este direito aos sucessores segundo as
regras normais da sucessão e além disso nos termos do art. 496º/2 e 3
existem elementos suficientes para afirmar que é intenção do legislador
atender à posição particular de certos familiares do lesado. O direito à
indemnização do lesado por dano de morte, que sobrevenha à lesão
transmite-se às pessoas indicadas no art. 496º/2.
Para mais desenvolvimentos: página 75º e ss. de Lições de Direito das Sucessões.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 8
FUNDAMENTOS E CAUSAS DA INSTRANSMISSIBILIDADE; ANÁLISE CRÍTICA DO ART. 2025º
Remete-se para a página 76º e ss de Lições de Direito das Sucessões.
SITUAÇÕES JURÍDICAS NÃO HEREDITÁRIAS ABRANGIDAS PELA SUCESSÃO
A sucessão envolve um fenómeno se aquisição derivada cuja legitimidade funda-se
em situações jurídicas existentes na esfera jurídica do falecido no momento da sua
morte e que não se extinguem por efeito dela. Ou seja, estão em causa situações
jurídicas que existiam no momento da morte do de cuius e podem perdurar para além
dela.
Contudo, a sucessão acaba por alargar o seu campo de aplicação a situações
jurídicas, activas e passivas, de que o de cuius não era titular ou a que não estava
adstrito no momento da sua morte:
Situações Activas
Abrangem-se na sucessão os frutos dos bens hereditários percebidos
até à partilha – art. 2069º al. d)
Na sucessão situam-se os bens doados, quando, por estarem sujeitos à
colação, são restituídos em espécie à herança – art. 1108º/1
Por força da redução por inoficiosidade, de doações feitas em vida ou
de despesas a favor do herdeiro legitimário, podem integrar a herança
bens que não pertenciam ao autor da sucessão no momento da sua
morte – art. 2174º
Situações Passivas
Dívidas do falecido e em certos casos dos legados
Todos os encargos enumerados no art. 2068º, constituem-se ou com a
morte do de cuius ou por efeito do próprio fenómeno sucessório, logo
após a abertura da sucessão
II – MODALIDADES DA SUCESSÃO
1. QUANTO À FONTE E À VOCAÇÃO
ENUMERAÇÃO DAS MODALIDADES DA SUCESSÃO
Existem duas fontes de vocação – art. 2026º:
Lei: ocorrida a morte do de cuius, a identificação das pessoas chamadas a
suceder resulta directamente de certas normas jurídicas, independentemente
da vontade do falecido, ou até contra ela Sucessão Legal
Legítima
Legitimária
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Vontade do Autor da Sucessão: a eficácia jurídica da morte, como causa da
sucessão, é conformada mediante um acto jurídico (secundário) da autorida
do de cuius, que é um verdadeiro negócio jurídico Sucessão Voluntária
Testamentária (Unilateral)
Contratual/Pactícia (bilateral)
A SUCESSÃO LEGAL E SUAS MODALIDADES
SUCESSÃO LEGÍTIMA SUCESSÃO LEGITIMÁRIA
Pode ser afastada pela vontade do autor
da sucessão (através de testamento ou
de pacto sucessório)
Normas de natureza supletiva
É afastada pela existência de sucessores
legitimários quanto a uma parte da
herança
Não pode ser afastada pela vontade do
autor da sucessão.
Normas de natureza injuntiva – sucessão
necessária ou forçada para o de cuius no
sentido de ele não poder, em principio –
salvo deserdação – afastar os sucessores
que dela beneficiam.
Respeita à quota
indisponível/legítima/legitimária:
Legítima Objectiva: valor da
quota indisponível
Legítima Subjectiva: parte aque
na quota indisponível é atribuída
a cada herdeiro legitimário
A SUCESSÃO VOLUNTÁRIA E SUAS MODALIDADES
Remete-se para a Parte II – Da Sucessão em Particular, página 39 e ss.
POSSIBILIDADE DE COEXISTÊNCIA DAS VÁRIAS MODALIDADES DA SUCESSÃO
Remete-se para Lições de Direito das Sucessões, página 87 e ss.
2. QUANTO AO OBJECTO
NOÇÃO DE HERDEIRO E DE LEGATÁRIO
Nos termos do art. 2030º/2 estabelece-se a diferença entre herdeiro e legatário. A
referida norma deve ser contudo complementada com o nº3 e 4.
Podem identificar-se três situações típicas da disposição a titulo de herança, ou seja
da instituição de um herdeiro:
Sucessão na totalidade do património do falecido
Sucessão em quota desse património
Sucessão no remanescente dos bens do falecido, sem especificação dos
mesmos.
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Na instituição de herdeiro verifica-se sempre a atribuição de bens indeterminados,
como um conjunto, constituindo uma unidade existe uma universalidade de direito.
Prof. Galvão Telles: quando no artigo 2030º/2 se diz ‘’totalidade’’ do património devia
antes dizer-se universalidade.
Interpretação da expressão ‘’quota do património’’: a ideia que domina é a de uma
relaçao algébrica entre a parte da universalidade que se deixa e essa mesma
universalidade (pode ser um numero certo, uma fracção ou mesmo uma
percentagem). Não é necessário que a quota seja expressamente estabelecida – ou
pré-estabelecida – pelo autor da sucessão, bastando que da interpretação do
testamento se apure que a atribuição é feita a título de quota.
Há regras que presidem ao valor das quotas?
Sucessão Legal: a relação entre os herdeiros da mesma classe de sucessíveis
(filhos ou irmãos do de cuius) é em regra de igualdade. Contudo, há casos em
que as quotas são desiguais (relações entre o cônjuge sobrevivo e os
ascendentes ou entre o cônjuge e os descendentes; sucessão dos irmãos do
falecido quando alguns sejam germanos e outros consanguíneos ou uterinos)
Sucessão Voluntária: o valor das quotas hereditárias é uma das matérias
deixadas na livre disponibilidade do testador.
Legatário (art. 2030º/2, 2ªparte): a este são atribuídos bens determinados e não um
conjunto indeterminado de bens a título de quota. É um sucessor particular ou singular
devido à manifesta ligação à chamada transmissão singular ou a título singular.
Nos termos do art. 2030º/4, atribui-se sempre ao usufrutuário, independentemente dos
bens que o seu direito tenha por objecto, a qualidade de legatário.
Nota: o regime sucessório do usufrutuário não se identifica plenamente com o de um
legatário havendo neste um tratamento jurídico próprio do herdeiro.
Interpretação da expressão ‘’bens ou valores determinados’’ (chave da distinção
entre herdeiro e legatário):
Bem Determinado: Basta que a coisa atribuída seja determinável, pelo que não
significa o mesmo que bem especificado, designado ou individualizado. Por
isso há:
Legado de coisa genérica quando o testador deixa a certa pessoa um
dos seus cavalos – art. 2253º
Legado Alternativo quando o testador deixa a certa pessoa o seu carro
ou o seu cavalo – art. 2267º
A coisa determinada não significa uma só coisa. O essencial é que se trate de
atribuir apenas esses bens (ou seja, certos bens) com exclusão dos demais que
compõem a herança.
Podem ser várias coisas (móveis de sua casa)
Pode ser uma coisa composta de vários elementos (universalidade de
facto)
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 11
Até onde vai a exigência de determinação dos bens?
Essencial, em todo o caso, é que o bem ou os bens não integrem uma quota, ou seja
que não haja uma atribuição a titulo universal.
A hipótese limite de determinação verifica-se quando estão em causa uma ou mais
coisas especificamente indicadas, pertencentes ao falecido, como o prédio tal, o
rebanho que existe no prédio rustico X, a herança ou a quota hereditária, em
qualquer dos casos não partilhada, que ao falecido caiba na herança de outra
pessoa, os moveis da casa Y, todos os prédios urbanos localizados na localidade Z
há um conjunto de bens, mas, por definição, não referidos a certa quota da herança,
antes tratados como um só bem determinado.
É importante não esquecer que ao legado pode ser de coisa genérica ou alternativa,
havendo apenas que proceder à especificação ou escolha da coisa concreta que o
legatário vai receber.
Instituição Ex Re Certa: pode o testador atribuir a um sucessor bens cetos e
determinados e fazê-lo, todavia, a título de herança, ou seja instituindo-o como
herdeiro? Exemplo: A, no seu testamento, atribui todos os seus móveis a B e todos os
seus imóveis a C. Devem B e C ser tidos como legatários ou herdeiros? esta questão
será analisada mais à frente.
DIFERENÇAS DE REGIME JURÍDICO DO HERDEIRO E DO LEGATÁRIO
O autor da sucessão goza de alguma autonomia, podendo afastar o regime que, a
título supletivo, a lei estabelece. Deste modo, as diferenças que serão enumeradas e
analisadas devem ser vistas como aspectos normais do regime da herança e do
legado.
As notas mais significativas que demarcam o regime dos herdeiros e dos legatários
respeitam:
Responsabilidade pelos encargos da herança
Direito à partilha
Direito de acrescer
Admissão de cláusulas acidentais no acto jurídico de instituição de herdeiro ou
de nomeação do legatário
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 12
RESPONSABILIDADE PELOS ENCARGOS DA HERANÇA (art. 2068º)
A herança, enquanto conjunto de bens deixados pelo autor da sucessão, constitui
uma universalidade de direito que compreende elementos activos e passivos. Da
morte do de cuius e do próprio desenvolvimento do fenómeno sucessório resultam
encargos que, no seu conjunto, constituem encargos da herança.
HERDEIROS LEGATÁRIOS
Regra Geral: os herdeiros respondem
pelos encargos da herança, não os
legatários (art. 268º e 2097º)
Enquanto os bens não são partilhados
entre os herdeiros, existe a
responsabilidade colectiva dos bens da
herança pelos repectivos encargos.
Após a partilha atribui-se a cada herdeiro
responsabilidade pelos encargos da
herança na porção da sua quota – art.
2098º.
À responsabilidade dos herdeiros pelos
encargos da herança esta é limitada aos
bens hereditários, embora na
determinação destes se projecte a
modalidade de aceitação da herança,
pura e simples ou a benefício de
inventário – art. 2071º.
Entre os encargos da herança contam-se
os próprios legados, sendo regra, imposta
aos herdeiros, o seu cumprimento – art.
2265º. Contudo, a lei reconhece alguma
relevância à vontade do testador: o
testador pode indicar para o efeito um
ou mais herdeiros ou mais legatários
corre a derrogação da regra supletiva
que os poe a cargo dos herdeiros (art.
2265º/1) – art. 2265º/2
Só respondem, em regra, pelos encargos
do próprio legado – art. 2276º
Caso em que a responsabilidade da
herança é atribuída aos legatários é
aquele que sucede quando toda a
herança é distribuída em legados – art.
2277º
PARTILHA
Constitui o acto através do qual são atribuídos, a cada um dos herdeiros, os bens
(concretos) que hão-de integrar a sua quota. Mantém uma relação intima com a
natureza da herança ou da quota (indivisa) atribuída ao herdeiro como uma
universalidade.
Art. 2101º - o direito à partilha tem caracter irrenunciável, sendo que o máximo que os
herdeiros podem fazer é convencionar a indivisibilidade da herança em termos
limitados (a herança indivisa configura não uma situação de compropriedade mas
de património colectivo, contudo o regime da indivisibilidade convencional referido
na noma mantém manifesta proximidade do homólogo da divisão da
compropriedade (art. 1412º/1 e 2)
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 13
HERDEIROS LEGATÁRIOS
A partilha justifica-se sempre que vários
herdeiros concorram a toda a herança
ou a uma quota dela. Se houver um só
interessado não tem de haver partilha,
mas pode proceder-se a inventário – art.
2103º.
A instituição do legatário, respeitando
sempre a bens determinados, dispensa
partilha. Pode contudo haver
necessidade de proceder a operações
de especificação ou escolha dos bens
específicos a ser adquiridos pelo
legatário.
Quando uma mesma coisa é atribuída
conjuntamente a vários legatários
constitui-se uma situação de
contitularidade que os legatários podem
fazer cessar, através da divisão da coisa
comum, meio que a lei prevê para a
compropriedade (art. 1412º e 1413º)
DIREITO DE ACRESCER
Art. 2301º: no direito de acrescer está em causa a instituição de vários herdeiros na
universalidade da herança ou numa quota dela. Existe uma situação e vocação
plural. Se um dos instituídos, por qualquer razão não quer ou não poder aceitar a
herança, a parte do não aceitante acresce em geral à dos demais na proporção das
quotas destes.
HERDEIROS LEGATÁRIOS
Regra Geral: direito de acrescer é um
direito reconhecido aos herdeiros,
qualquer que seja a fonte da sua
vocação, legal ou testamentária,
bastando portanto que exista vocação
plural.
Direito de Acrescer Para os Herdeiros: o
acrescer permite a expansão da sua
posição hereditária em relação a bens
que, não lhe estando em princípio
atribuídos, potencialmente lhe podiam
caber, pis a sua posição não é limitada a
bens determinados.
Art. 2302º/1: confere um direito
correspondente aos legatários, desde
que vários tenham sido nomeados em
relação ao mesmo objecto.
Direito de Acrescer para os Legatários: o
acrescer não significa a atribuição de
outros bens, pois respeita apenas a bens
determinados que, juntamento com
outros legatários, lhe estava reservado.
APONIBILIDADE DE CLÁUSULAS NEGOCIAIS ACESSÓRIAS À INSTITUIÇÃO DE HERDEIRO E
À NOMEAÇÃO DE LEGATÁRIO
Art. 2229º: tanto a instituição de herdeiro como a nomeação de legatário podem ser
sujeitas a condição.
HERDEIROS LEGATÁRIOS
O termo inicial é aponível à nomeação
de legatário – art. 2243º.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 14
O termo inicial não é aponível à
instituição de herdeiro, sendo que sendo
aposto à instituição de tal é nulo mas não
afecta a instituição em si mesma – art.
2243º.
O termo final não é aponível à instituição
de herdeiro, sendo que se for aposto o
termo é nulo, mas a sua invalidade não
afecta a instituiçao – art. 2243º/2, 2ª parte
O termo inicial aposto à nomeação de
legatário não segue o regime comum
dessa cláusula acessória, apenas a
execução da disposição é suspensa pelo
que o direito ao legado é desde logo
adquirido pelo legatário.
O termo final não é aponível à
nomeação de legatário, sendo que se for
aposto o termo é nulo mas a sua
invalidade não afecta a instituição – art.
2243º/2, 2ª parte. Excepção: quando o
direito atribuído tenha caracter
temporário, a aposição de termo final é
válida.
Outras diferenças, menos significativas, entre o estatuto de herdeiro e de legatário:
Alienação do Quinhão Hereditário (art. 2124º): se revestir a modalidade de
venda ou dação em cumprimento e o adquirente seja um estranho (art.
2130º/1) existe um direito de preferência aos co-herdeiros (não inclui os
legatários).
Funções de cabeça-de-casal, para cujo exercício os herdeiros são, em certos
casos, qualificados, só cabem aos legatários quando toda a herança for
distribuída em legados (art. 2080º e 2081º).
SENTIDO DA DISTINÇÃO ENTRE HERDEITO E LEGATÁRIO
Nos termos do art. 2030º/5, a qualificação dada pelo testador aos sucessores por ele
instituídos, como herdeiro ou legatário, não é atendível, se for estabelecida ‘’em
contravenção do disposto nos números anteriores’’. Esta norma tem sentido
imperativo.
Existe a possibilidade de instituição de herdeiro de ex re certa?
Nos termos do art. 2030º, herdeiro é o sucessor a quem sejam atribuídos bens
indeterminados, a título universal, ou seja, toda a herança ou uma quota ela. Por outro
lado, ao legatário são reservados bens certos e determinados e só esses.
Deste modo, quando o art. 2030º se refere ‘’a contravenção do disposto’’ está se a
referir aos casos em que por parte do testador, ele designa como legatário o sucessor
a quem deixa uma quota da herança ou como herdeiro aquele a quem beneficia
com o prédio X.
O testador é livre (salvo as limitações decorrentes da sucessão legitimária) de deixar os
seus bens a quem quiser e como quiser, existindo um significativo campo para
exercício da sua vontade: tanto pode fazer herdeiro como nomear legatário. A
limitação constante do nº5 do art. 2030º assente em que para instituir herdeiro, ter de
lhe atribuir bens a título de quota, e, para nomear um legatário, ter de lhe atribuir bens
determinados.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Exemplo1: A, falecido sem herdeiros legitimários, faz no seu testamento disposições de
bens nestes termos ‘’Deixo ao meu sobrinho B o prédio X; todos os meus restantes bens,
deixo-os, em partes iguais, aos meus sobrinhos C/D deixa em legado – B; deixa de
herança – C/D
Exemplo2: A, que à data da morte é dono e vários prédios urbanos, tendo, como
familiares mais próximos, dois sobrinhos, B/C, deixa ao primeiro todos os prédios
urbanos situados na localidade X, e ao segundo todos os prédios urbanos situados na
localidade Y; ou revelando agora no testamento a intenção de repartir todos os seus
bens em igualdade entre os dois sobrinhos deixa a um os bens móveis e a outro os
bens imóveis a determinação do conteúdo do testamento segundo os critérios que
presidem à interpretação do negocio jurídico (art. 2187º) permite afirmar que por via
indirecta o testador quis fixar para cada sucessor uma quota (1/2) e como tal quis
institui-lo herdeiro da sua herança preenchendo logo a quota hereditária com
determinados bens (legado por conta da quota).
Interpretação do art. 2030º/5: o autor da sucessão não pode qualificar como seu
herdeiro um sucessor a quem não atribua uma quota.
Questão diversa: saber se a intenção do testador foi a de dispor ou não de
uma quota dos seus bens, e consequentemente, de instituir ou não um
herdeiro. Esta quota não tem que estar prefixada no testamento podendo
apurar-se por via interpretativa em função do valor dos bens atribuídos em
relação ao conjunto da herança.
O testador não pode incluir no seu testamento uma disposição do seguinte
teor ‘’Deixo a B o meu prédio tal, mas quero que ele seja considerado meu
herdeiro’’
Colocado isto, pode ou não haver herdeiro ex re certa?
Em primeiro lugar é necessário ter em atenção que esta questão não veio a ser
especificamente regulada no Código Civil, ao contrário do que se previa no
respectivo Anteprojeto no qual se estabelecia nesta matéria resposta negativa.
Deve entender-se que, à luz da interpretação do art. 2030º/5, a resposta na pode
deixar de ser casuística, estando dependente do sentido a atribuir à vontade do
testador.
FUNDAMENTO E FUNÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE HERDEIRO E LEGATÁRIO
Remete-se para Lições do Direito das Sucessões, página 106 e ss.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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III – O FENÓMENO SUCESSÓRIO
1. GENERALIDADES
A SUCESSÃO COMO FACTO COMPLEXO
A aquisição sucessória depende de um conjunto de elementos que se verificam em
momentos diferentes. Ocorre um facto complexo de produção sucessiva. O conjunto
de elementos e de correspondentes efeitos designa-se como fenómeno sucessório.
DISTINÇÃO ENTRE VOCAÇÃO E DEVOLUÇÃO
Na opinião do PROF. CARVALHO FERNANDES é necessário distinguir, após a abertura
da sucessão, as seguintes fases:
Uma primeira fase que se poderá designar como chamamento ou vocação
em que está apenas em causa a selecção do sucessor ou sucessores
Uma segunda fase em que se dá a atribuição do direito de suceder, mediante
cujo exercício, se for no sentido de aceitação, se verifica a aquisição da
herança.
Com a atribuição do direito de suceder, os bens hereditários ficam
postos à disposição do chamado que os poderá adquirir mediante
aceitação poderia chamar-se devolução a este fenómeno de por os
bens à disposição do sucessível chamado, mas este não é mais do que
um efeito inerente à vocação, que acompanha a atribuição do direito
potestativo de suceder.
Deste modo, considera-se que a solução ideal seria não autonomizar a devolução
como uma fase do fenómeno sucessório.
FASES DO FENÓMENO SUCESSÓRIO, RAZÃO DE ORDEM
Fases do Fenómeno Sucessório
Momento Pré Sucessório (designação)
Abertura da Sucessão
Vocação
Aquisição
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2. PRESSUPOSTOS DA SUCESSÃO
A MORTE COMO PRESSUPOSTO TÍPICO DA SUCESSÃO
Nos termos do art. 68º, a morte, qualquer que seja a sua causa (natural ou voluntária)
constitui o pressuposto típico ou normal da sucessão. A morte precede o fenómeno
sucessório, tendo como efeito a abertura da sucessão.
É necessário atender a certas situações anómalas que por vezes acompanham a
morte, em particular, a justificação judicial do óbito e as presunções que
acompanham a morte conjunta de certas pessoas, traduzidas no regime da
comoriência – art. 68º/2.
EFEITOS PATRIMONIAIS NÃO SUCESSÓRIOS DA MORTE
Nos negócios onerosos, a morte pode interferir com a produção dos seus efeitos, seja a
título de condição, seja a t´tulo de termo, consoante as circunstâncias. Quando esteja
em causa a aquisição de um direito, a morte surge como facto secundário em
relação ao título dessa aquisição (o facto principal é o negócio a que a condição ou
o termo foi aposto), mas esta nada tem a ver com o fenómeno sucessório.
É necessário analisar os casos em que, verificando-se atribuições patrimoniais gratuitas,
não há, contudo, quanto a elas, aquisição sucessória.
Exemplo da aquisição por efeito da morte de certa pessoa fora do regime
sucessório: seguro de vida o beneficiário do seguro, que em regra (visa-se
prevenir o regime do seguro de sobrevivência – art. 198º/3 do Regime Jurídico
do Contrato de Seguro – DL 72/2008, de 16 de Abril) não é o autor do
respectivo contrato (tomador), recebe, por morte deste, o valor do seguro
pago pela companhia seguradora. A correspondente quantia nunca esteve
no património do segurado. A aquisição dá-se por morte mas fora do regime
sucessório – ainda que os beneficiários sejam herdeiros da pessoa segura e na
sua atribuição sejam aplicáveis regras do fenómeno sucessório – art. 198º/2 e
201º/1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
Prof. Oliveira Ascensão: devem ser considerados numa perspectiva diferente os
prémios de seguros pagos pelo segurado, sendo que estes configuram para o
beneficiário uma doação indirecta, pelo que, se este concorrer à sucessão, o seu valor
está sujeito à colação.
Há casos em que determinadas pessoas adquirem direitos que decorrem da morte de
outra, mas por direito próprio e não por sucessão.
Alheios ao fenómeno sucessório são os efeitos que, no usufruto simultâneo ou
sucessivo, a morte de um dos usufrutuários produz na esfera jurídica dos demais – art.
1441º e 1442º.
Usufruto Sucessivo: a aquisição dos usufrutuários subsequentes tem por causa
jurídica o seu titulo constitutivo e não a morte do usufrutuário precedente,
mesmo quando o usufruto reverta a favor do subsequente por morte do
anterior. Pode ser fiado um período de duração para o direito de cada
usufrutuário.
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Usufruto Simultâneo: a morte de cada usufrutuário determina, segundo o
fenómeno da expansibilidade dos direitos reais (direito de acrescer) o
alargamento da posição dos outros usufrutuários.
Nestes casos está-se perante direitos que não integravam a esfera jurídica da pessoa
que morreu, ou que se extinguem com a sua morte razão determinada da sua
natureza não sucessória
Contudo, podem identificar-se casos de transmissão, por morte do seu titular, de
direitos que não se acomodam plenamente às regras comuns da sucessão mortis
causa.
Exemplo: transmissão, por morte do arrendatário, do direito de arrendamento
urbano para habitação e do direito de arrendamento rural e florestal a
aquisição de tais direitos ocorre, por mero efeito da lei, em favor de pessoas
que não integram as classes de sucessíveis legítimos ou legitimários e segundo
regras não inteiramente coincidentes com as da sucessão legítima e
legitimária. O direito adquirido não é transmissível mortis causa.
EFEITOS SUCESSÓRIOS DA AUSÊNCIA INJUSTIFICADA
Nos termos do art. 99º, a justificação da ausência desencadeia vários efeitos, alguns
dos quais apresentam manifesta similitude com os produzidos na sucessão mortis
causa. Deste modo, nos termos do art. 101º, 103º e 109º consagra-se que:
O tribunal da ausência requisitará certidões dos testamentos públicos do
ausente
O mesmo tribunal mandará proceder à abertura dos testamentos cerrados do
ausente
Os bens do ausente serão entregues as seus legatários e herdeiros e ainda às
pessoas que por morte daquele tenham direito a bens determinados
Havendo herdeiros, procede-se à partilha e, enquanto esta não for feita, os
bens em causa ficam sujeitos à administração do cabeça-de-casal
Pode haver repúdio da sucessão do ausente e disposição dos respectivos
direitos sucessórios
Qual o verdadeiro sentido dos referidos efeitos da justificação da ausência?
Prof. Oliveira Ascensão: este autor acentua o facto de a aceitação e o repúdio
da sucessão do ausente pressuporem a sua abertura, a ausência justificada
determina a abertura da sucessão.
Prof. Pereira Coelho: refere efeitos para-sucessórios da morte presumida.
Prof. Luís Carvalho Fernandes: os referidos efeitos, pela sua proximidade dos
que ocorrem no fenómeno sucessório, não deixam de impressionar no sentido
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de se poder atribuir à justificação da ausência a eficácia de determinar a
abertura da sucessão e mesmo outros efeitos sucessórios. Contudo, os aspectos
que têm sido assinalados devem ser analisados no conjunto do regime da
curadoria definitiva do ausente. Deste modo vários argumentos conduzem a
afastar a justificação da ausência como causa de verdadeiros efeitos
sucessórios, nomeadamente quanto à abertura da sucessão.
Em qualquer caso a justificação da ausência produz efeitos
inteiramente alheios à matéria da sucessão mortis causa (art. 106º, 108º,
110º, 113º e 1913º/1 al. c)), neste caso se antes não tiver havido
declaração da ausência presumida.
Os vários efeitos aparentemente sucessórios da justificação da ausência
têm natureza meramente instrumental, ou seja são determinados por
razoes ligadas ao estabelecimento da curadoria definitiva e para
assegurar a aplicação do critério que o legislador entendeu que a ela
deve presidir.
A própria lei o determina quando a respeito dos actos previstos em
relação aos testamentos do ausente, afirma, na parte final do art. 101º,
que eles são determinados pelo ‘’fim de serem tomados em conta… no
deferimento da curadoria definitiva’’
O legislador entende que as pessoas mais aptas, por mais interessadas,
para tomar conta da administração dos bens do ausente, nesta fase
são aquelas a quem por sua morte caberiam os bens que lhe
pertencem razões ligadas à diferente ponderação dos interesses de
terceiro e do ausente nas diversas fases da ausência, segundo a menor
ou maior possibilidade da sua morte. Deste modo escolhidos pela lei
como curadores definitivos do ausente, não são apenas os seus
sucessíveis mas todos aquele que por morte dele teriam direito a certos
bens (art. 104º).
Deste modo os bens não são entregues a tais pessoas a título de
propriedade, mas para meros efeitos de administração e tem de se
entender que são por eles possuídos em nome do ausente. Os poderes
dos curadores definitivos são diferentes dos do curador provisório.
Por ser mero administrador, no caso de o curador definitivo não
prestar a caução que lhe seja exigida, ficará impedido de
receber os bens que lhe caberiam, sendo os mesmos entregues
a outro herdeiro, que actuará, quanto a eles, como curador
definitivo – art. 107º/2.
Conclusão: não há na justificação da ausência qualquer transmissão
mortis causa de bens, pelo que não cabe considerar a ausência
justificada como pressuposto da sucessão em sentido próprio.
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EFEITOS SUCESSÓRIOS DA DECLARAÇÃO DE MORTE PRESUMIDA
A favor do entendimento de que a declaração de morte presumida provoca a
abertura da sucessão e o desencadear do fenómeno sucessório pode invocar-se o
art. 115º consagra que a morte presumida produz ‘’os mesmos efeitos que a morte’’
física.
Prof. Oliveira Ascensão: a declaração de morte presumida determina a abertura da
sucessão verdadeira e própria conduzindo tal à atribuição do efeito de desencadear
um verdadeiro fenómeno sucessório. Contudo, reconhece a existência de
particularidades decorrentes dos efeitos da verificação ou não verificados da morte
natural do ausente direitos reconhecidos aos sucessores que tenham direito à
herança na data da morte física (art. 118º) ou os direitos do próprio ausente (art. 119º).
A sucessão aberta por efeito da declaração da morte presumida é resolúvel.
Prof. Pereira Coelho: a declaração de morte presumida opera, em princípio, a
abertura do fenómeno sucessório, mas a equiparação não é completa. Diferença: na
morte presumida, a vocação é resolúvel, dando-se, contudo, a resolução apenas ex
tunc e não ex nunc (regime do art. 118º e 119º).
Prof. Espinosa Gomes da Silva: com dúvidas, admite que se verifica, na morte
presumida ‘’uma sucessão de efeitos substancialmente idênticos aos da sucessão
mortis causa, mas não há em rigor uma sucessão mortis causa’’, argumentando que a
morte presumida não é a morte (art. 118º e 199º).
Prof. C. Pamplona Corte-Real: a lei aproxima a morte presumida da morte física,
originando aquela uma ‘’situação jurídica especifica de cariz sucessório’’. A
especificidade resulta da possibilidade de regresso do ausente.
Prof. R. Capelo de Sousa: vê na morte presumida uma situação diferente da que
ocorre na ausência justificada, sustentando que abre a sucessão, com consequente
vocação para a aceitação e repúdio.
Prof. Luís Carvalho Fernandes: tendo em consideração o conjunto de posições
doutrinais, e reconhecendo que a declaração da morte presumida, sobretudo no
plano patrimonial, tem efeitos muito próximos dos da morte física, não pode aqui falar-
se de sucessão por morte verdadeira e própria (solução próxima da do Prof. Espinosa
Gomes da Silva). O argumento do art. 115º não pode ser entendido em sentido literal,
mesmo quanto aos efeitos patrimoniais; fundamentalmente está em causa assinalar os
pontos de que resulta a prevalência da morte física, quanto à atribuição dos bens do
ausente, e a tutela do ausente, se, apesar da declaração da morte presumida, ele for
ainda vivo, regressar ou dele se souberem noticias.
Em suma, valora-se de modo diferente a circunstancia que o Prof. Oliveira Ascensão
não deixa de por em destaque, de, em qualquer destes casos, se a própria sucessão e
não apenas a posição dos sucessores que é resolúvel.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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No fundo releva a razão de ser do instituto da ausência nas suas várias fases. Na
declaração de morte presumida, por efeito do alongamento do período de ausência,
ou, em certos caso, da longevidade do ausente, considera a lei ser maior a
probabilidade de ele já não ser vido em detrimento dos interesses do ausente, a
maior atenção dada aos de quem, por morte dele, receberia os seus bens.
De qualquer modo, a ausência, em todo o tempo, assenta sempre na hipótese de o
ausente ser vivo: a declaração de morte presumida só tendencialmente produz os
mesmos efeitos que a morte.
A afirmação do art. 115º é manifestamente excessiva e desmentida logo no próprio
preceito quanto ao casamento do ausente os efeitos sucessórios da ausência estão
ao serviço do fim do instituto e por ele condicionados.
Para o regime dos efeitos patrimoniais da ausência se harmonizar com a maneira de
ser deste instituto, na morte presumida, do ponto de vista do património do ausente,
ocorre uma transmissão universal em vida.
Tal transmissão universal em vida segue o modelo da transmissão mortis causa, sendo
contudo resolúvel. A verdadeira transmissão mortis causa do património do ausente
dá-se por efeito da sua morte física e em função da data em que esta ocorrer.
Mesmo quanto, por morte do ausente, as pessoas a quem os bens foram atribuídos por
declaração da morte presumida sejam as pessoas que têm direito à herança só então
a sua atribuição ganha a consistência de uma aquisição mortis causa.
Próprio sensu, a declaração da morte presumida não tem, pois, mesmo no plano
patrimonial, os mesmos efeitos que a morte. No sentido primitivo da expressão, tais
efeitos são quase sucessórios (ou para sucessórios).
3. FASE PRÉ-SUCESSÓRIA: A DESIGNAÇÃO
NOÇÃO DE DESIGNAÇÃO
Designação: determinação ou fixação, em vida do autor da sucessão, das pessoas
que poem vir a suceder-lhe, por morte dele. As pessoas designadas são os sucessíveis.
Os sucessíveis têm apenas uma posição virtual que os qualifica para serem escolhidos
como sucessores, quando ocorrer a morte do autor da sucessão. A relevância de tal
posição virtual varia conforme os casos:
Nalguns casos beneficia de uma tutela mais ou menos consistente que permite
valer em verdadeira expectativa jurídica
Noutros casos não passa se mera esperança (situação mais frequente).
A qualidade de sucessível não é meramente abstracta, num sentido equivalente ao
da capacidade de gozo, sucessória e passiva, que afinal, cabe, em principio, a quem
tiver personalidade jurídica e mesmo a nascituros ou a pessoas colectivas a constituir
(art. 2033º) a qualidade do sucessível tem um alcance diferente que advém da
produção, em favor de determinada pessoa, de um facto designativo.
↳ Nota
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Designação Abstracta Designação Concreta
Significa a que opera na sucessão legal:
os sucessíveis são designados por
categorias (ascendentes, cônjuge,
descendentes, irmão)
É a normal na sucessão voluntária uma
vez que aí estão em causa pessoas
determinadas, individualizadas (ou pelo
menos determináveis)
FACTOS DESIGNATIVOS; REMISSÃO
Fontes ou Títulos da Sucessão: nos termos do art. 2026º, tais são a lei e a vontade do de
cuius. Quando se fala em fonte ou título de sucessão pretende-se significar que esta se
defere, a favor de uma ou mais pessoas determinadas, ou por mero efeito da lei, ou
por vontade do de cuius dentro dos limites da autonomia privada, limites esses fixados
pelo Direito e que variam consoante se trate de testamento ou de pacto sucessório.
Sucessão Legal (Legítima e Legitimária): a sucessão que decorre directamente
da lei
Sucessão Voluntária (Testamentária e Pactícia): sucessão que têm por fonte a
vontade do autor da sucessão
Factos Designativos: eventos de diversa natureza que têm a relevância jurídica de
atribuir a certa pessoa a qualidade de sucessível, segundo uma das referidas
modalidades de sucessão. Não se configuram nos mesmos terma na sucessão legal e
voluntária:
Sucessão Legal: surgem como factos designativos os eventos que geram as
situações jurídicas relevantes para deferimento da sucessão ex lege
Relação familiar – parentesco, vínculo matrimonial e adopção. Nesta
relação os factos designativos vêm a ser a filiação (uma ou mais), o
casamento e o acto de adopção Ou seja, os factos designativos na
Relação Familiar são das fontes desta consagradas no art. 1576º.
A única relação familiar não atendida no fenómeno sucessório é a
afinidade uma vez que tem uma fonte complexa (uma ou mais
filiações e casamento)
Relação com o Estado: os factos designativos são aqueles que,
segundo a Lei da Nacionalidade e o respectivo Regulamento, são
relevantes para a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Sucessão Voluntária: constituem factos designativos o testamento e o pacto
sucessório.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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PLURALIDADE DOS FACTOS DESIGNATIVOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
A multiplicidade dos factos designativos e o concurso entre eles assumem alguma
protecção jurídica, em particular quanto à sua relevância relativa e eventual
ordenação?
Ocorrida a morte do autor da sucessão e fixado, nesse momento, o elenco ou quadro
dos seus sucessíveis, quando, por força da lei o chamamento dos sucessores vem a
fazer-se é em função da relevância dos respectivos factos designativos que ele opera.
Nota: a vocação resulta sempre da lei, ou seja, ocorre segundo critérios nela
estabelecidos.
Mesmo em vida do de cuius, a circunstância de os efeitos dos factos designativos não
serem os mesmos, do ponto de vista da posição jurídica das várias categorias de
sucessíveis dá-se sentido ao regime estabelecido na sua ordenação. Estamos face à
hierarquia dos factos designativos, segundo os títulos de secessão.
Em que termos se estabelece a hierarquia dos factos designativos?
1. Sucessíveis Legitimários, quanto à porção da herança que lhes é reservada
(quota indisponível). Tal manifesta-se através da faculdade de redução (por
inoficiosidade) das disposições sucessórias voluntárias que ofendam a legítima
(art. 2168º sendo confirmada quanto aos pactos sucessórios pelo art. 1705º/3 e
art. 1759º)
2. Pacto sucessório, verdadeiro e próprio, nos casos em que é validamente
admitido, sendo irrevogável.
3. Testamento, as disposições testamentárias contidas em pactos sucessórios e os
pactos sucessórios revogáveis.
4. Factos designativos que ficam os sucessíveis legítimos
REGIME DA DESIGNAÇÃO
Efeito dos Factos Designativos: determinação de um ou mais sucessíveis.
Cada facto designativo cria os seus sucessíveis. Contudo, por efeito da experiencia de
uma hierarquia dos factos designativos ada um deles pode vir a projectar a sua
eficácia sobre sucessíveis oriundos de outra designação.
Em suma: o elenco dos sucessíveis, em vida do autor da sucessão, é instável, e altera-
se pela verificação de novos factos designativos, pela projecção reciproca dos seus
efeitos e até pela verificação de factos que, não sendo em si mesmos designativos,
interferem com a eficácia designativa de outros.
Exemplo:
A – solteiro e sem ascendentes faz um testamento nomeando como seu
herdeiros os sobrinhos B/C
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 24
A casa após a elaboração do testamento com D, mas manteve o testamento
feito.
Conclusão1: B/C não deixam de ser sucessíveis de A, somente por este se ter casado
com D, mas a sua posição sucessória alterou-se a superior hierarquia do novo facto
designativo (casamento de A) implica que B/C, de sucessíveis únicos de A, passaram
a sucessíveis de (futura) quota disponível da herança dele.
Conclusão2: se o matrimónio de A se extinguir por divórcio, ou se D morrer antes de A,
sem ter havido, em qualquer dos casos, descendentes nascidos do casamento, não só
este perde eficácia designativa, como a posição de B/C enquanto sucessíveis volta a
alterar-se ganhando o testamento – seu facto designativo – a eficácia que tinha
anteriormente ao casamento de A.
Exemplo2:
E/F casam-se
E/F têm três filhos: G/H/I
H têm 1filho: J
E morre
Conclusão1: Sucessíveis de E F/G/H/I/J
Conclusão2: hierarquia dos factos designativos da na sucessão legítima e legitimária:
Sucessíveis prioritários: F/G/H/I
J – posição menos relevante se H morrer antes de E, a posição de J altera-se
e através do direito de representação ele ocupa a posição que cabia a H.
Até se ficar com a morte do de cuius, o elenco dos sucessíveis pode sofrer
modificações muito diversas, podendo o numero de sucessíveis alterar-se:
Pela verificação de novos factos designativos
Pela perda de eficácia de designações anteriores, com a consequente
extinção da qualidade de sucessível da pessoa por elas designada. Pode ter
diversas causas:
Sucessão Voluntária: vicissitudes inerentes aos factos designativos,
enquanto negócios jurídicos
Sucessão Legal: a alteração pode ocorrer, sem a verificação de
qualquer facto novo, designativo ou não, por mero efeito de alteração
da lei.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 25
Exemplo: até à Reforma de 77, sendo A casado com B, mas sem
descendentes ou ascendentes vivos, o seu sucessível prioritário seria
C, sem único irmão, ainda que a B coubesse, a título de legado
legítimo o usufruto da herança. Após a Reforma de 77’, o cônjuge
subir na hierarquia dos sucessíveis, pelo que C, sem deixar de ser
sucessível, perdeu a qualidade de prioritário.
Além disso, a ocorrência de novos factos designativos sem por em
causa a qualidade dos sucessíveis já existentes pode alterar a sua
posição sucessória. Há ainda efeitos que decorrem de outros factos que
não são designativos: situação que ocorre no exemplo anterior quanto
ao divórcio de E e na morte de D e H Factos Extintivos de um facto
designativo anterior de que resulta a perda da correspondente
qualidade de sucessível da pessoa por ele designada. Ocorre ainda
uma modificação da posição de outros sucessíveis: os sobrinhos de A ou
J, neto de E a morte e H comporta-se como facto designativo em
relação a J.
É importante ter atenção às circunstâncias de as afirmações feitas anteriormente se
poderem generalizar a todos os factos extintivos de factos designativos:
Quanto à designação da fonte negocial, posteriormente surgem factos
supervenientes que se projectam na sua eficácia revogação do testamento
ou do pacto sucessório (quanto a este, por acordo ou unilateralmente,
consoante o regime). Mas é necessário analisar a possibilidade de provocarem
efeitos semelhantes os vícios de que decorra a sua invalidade.
Os factos verificados em vida do autor da sucessão que afectem a
designação por constituírem fonte de indignidade ou deserdação – art. 2034º e
2166º
A instabilidade do elenco dos sucessíveis só cessa com a morte do de cuius. Quando
este morre fixa-se a lista dos sucessíveis, de entre os quais se vai fazer a selecção dos
sucessores segundo a hierarquia que nesse mesmo momento entre eles existia (tal não
significa que factos ocorridos apos a abertura da sucessão não possam interferir com
o quadro dos sucessíveis: sentença que reconhece um filho do de cuius for proferida
apos a sua morte (art. 1819º) ou se, na indignidade, a condenação por crime que a
determina for posterior a esse momento (art. 2035º/1).
Com a abertura da sucessão e a consequente vocação dos sucessíveis prioritários
cessa a eficácia da designação quanto aos chamados, por terem adquirido a
qualidade de sucessores e quanto aos preteridos por efeito do seu afastamento?
Não, uma vez que podem ocorrer, após a morte do autor da sucessão, vários factos
que levem à vocação de sucessíveis primeiramente preteridos. Exemplo: o chamado
não quer aceitar, repudiando a herança nesse caso são chamados os sucessíveis
subsequentes até que um aceite – art. 2032º/2.
Ou seja, o entendimento correcto é o de afirmar que a relevância dos factos
designativos só cessa com a aquisição da herança pelo sucessor ou sucessores
chamados.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 26
O que acontece quando a existência do facto designativo só é apurada apos a
morte do autor da sucessão?
Exemplo: filiação não estiver estabelecida – B é efectivamente filho de A, mas:
A paternidade não esta estabelecida em vida do progenitor pelo que A só no
seu testamento perfilha B aberta a sucessão, a posição do filho perfilhado no
testamento será tomada em conta na vocação.
A paternidade só é estabelecida por sentença proferida, em acção de
investigação, apos a morte do pai nos termos do art. 1819º/2, para a
posição sucessória do filho poder ser invocado contra os herdeiros ou
legatários do pai que por ela sejam afectados, necessário é que estes tenham
sido também demandados na acção de investigação em que a paternidade
de A for estabelecida.
4. ABERTURA DA SUCESSÃO
FONTES DA ABERTURA DA SUCESSÃO
Em sentido próprio, o fenómeno sucessório inicia-se com a abertura da sucessão.
Abertura da Sucessão enquanto primeiro momento do fenómeno complexo que há-
de conduzir à atribuição do património do falecido a uma ou mais pessoas – art. 2031º.
Em si mesma, a abertura da sucessão é o efeito jurídico de um facto que constitui a
sua fonte ou causa jurídica. A verdadeira fonte da abertura da sucessão é a morte
física de certa pessoa.
MOMENTO DA ABERTURA DA SUCESSÃO
A abertura da sucessão ocorre ‘’no momento da morte do seu autor’’ – art. 2031º. É a
este o momento que, em geral, se reportam os efeitos da sucessão, ainda quando os
fenómenos que lhe correspondem se verifiquem apenas em momento ulterior; sendo
tal uma consequência normal que acompanha a realidade de o fenómeno sucessório
se analisar em vários elementos de produção temporal diferida.
Os malefícios decorrentes da inexistência do fenómeno sucessório não deixariam de
se manifestar se a generalidade dos seus efeitos se não considerassem produzidos
desde o momento da morte do autor da sucessão se assim não fosse, no período
que normalmente decorre entre a morte do titular dos bens e a efectiva atribuição
destes aos sucessores, ai estariam os bens ao abandono, a irresponsabilidade pelo
passivo…
É importante esclarecer que a aquisição dos bens hereditários não se dá no momento
da abertura da sucessão – art. 2050º/1. Contudo, do ponto de vista do Direito, por
virtude de uma ficção legal, tudo se passa como se os fenómenos que estão a ser
considerados tivessem ocorrido no momento da morte do de cuius alcance e
efeito principal da abertura da sucessão.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 27
A lei faz retroagir ao momento da abertura da sucessão os efeitos de factos que
integram o fenómeno sucessório e só ocorrem em tempo ulterior. Casos
exemplificativos em que se verifica a retroacção dos efeitos de factos ocorridos em
momento ulterior à morte do de cuius:
Vocação subsequente – art. 2032º/2
Aquisição da capacidade sucessória – art. 2033º
Aceitação e repúdio da sucessão – art. 2050º/2 e 2062º (herança) e art. 2249º
(legado)
Partilha – art. 2119º
Verificação da condição aposta à herança ou ao legado – art. 2242º/1
O momento da abertura da sucessão é ainda relevante para:
O apuramento do valor dos bens na colação – art. 2109º
Cálculo da legítima – art. 2162º/1
Redução da inoficiosidade (consequência do anterior)
É ainda ao momento da abertura da herança que se atende, em geral, em matéria
de aplicação da lei sucessória no tempo – art. 12º.
LUGAR DA ABERTURA DA SUCESSÃO
A abertura da sucessão considera-se verificada no lugar do último domicilio do de
cuius – art. 2031º. Na falta de indicação especial da lei deve atender-se para este
efeito ao domicilio voluntário geral – art. 82º.
O lugar da abertura da sucessão desempenha um papel na determinação do local
em que devem ser praticados vários actos relativos ao fenómeno sucessório:
Determinação da competência territorial do tribunal onde há-de ser proposto
o processo de inventário, quando o autor da sucessão tenha morrido em
Portugal
Art. 77º/1 CPC: esse tribunal é o do lugar da abertura da sucessão
(mesmo preceito para a habilitação judicial de uma pessoa por morte
de outra).
Art. 77º/2 CPC: se a morte for fora do País
Fixa-se a competência do tribunal no processo cominatório de aceitação e
repúdio – art. 2049º
Quanto a certos legados, o lugar da abertura da sucessão é determinante
para fixar o local onde deve ser feito o cumprimento – art. 2270º.
Fixação da competência de repartição de finanças onde corre o processo
fiscal de liquidação do imposto do selo que seja devido pelo beneficiário da
herança ou do legado – art. 25º/1 e 26º/3 CIS
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5. A VOCAÇÃO
I - REGIME COMUM - NOÇÃO E MODALIDADES DA VOCAÇÃO
NOÇÃO DE VOCAÇÃO
Vocação: chamamento dos sucessíveis à herança de uma pessoa falecida com a
consequente atribuição do direito de suceder.
Com o chamamento, os bens da herança ficam à disposição dos sucessíveis – que os
podem adquirir mediante uma manifestação de vontade nesse sentido (aceitação)
dando origem à devolução.
A atribuição do direito de suceder e a devolução dos bens comportam-se como
efeitos da vocação dela decorrendo em regra automaticamente.
MODALIDADES DE VOCAÇÃO
A vocação é feita, em geral, em função de factos designativos ocorridos antes da
morte do autor da sucessão.
As modalidades de factos designativos acabam por se projetar na vocação, sendo
possível transpor para o domínio desta as modalidades da sucessão quanto à sua
fonte dando assim origem a:
Vocação legítima
Vocação legitimária
Vocação testamentária
Vocação contratual
Contudo, há diferenças a ter em conta consoante a vocação seja feita a título de
herança ou de legado, ou seja em benefício de um herdeiro ou de um legatário.
VOCAÇÃO ORIGINÁRIA, SUBSEQUENTE E SUCESSIVA
Vocação Originária: coincide com a morte do de cuius Regra Geral: a vocação
ocorre no momento da abertura da sucessão – art. 2032º/1. São chamados, segundo
a hierarquia dos factos designativos, aqueles que têm melhor qualidade: os sucessíveis
prioritários (só se verificarem os pressupostos da vocação).
Vocação Subsequente: vocação ocorre em momento posterior à abertura da
sucessão
Vocação do sucessível prioritário não se mantém por causas diversas – art.
2032º/2, sob a fórmula genérica de os primeiros sucessíveis não quererem ou
não puderem aceitar. Nestes casos chamam-se os sucessíveis subsequentes
(segundo a ordem hierárquica do respectivo título designativo).
De todo o modo, o facto de a vocação ser subsequente não impede que os seus
efeitos se produzam, retroactivamente, desde a data da abertura da herança.
Contudo existem várias dúvidas quanto à delimitação rigorosa entre a vocação
originária e a subsequente, nomeadamente com o facto de na subsequente se
poderem englobar situações diversas.
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Vocação Múltipla: vocação originária respeita a vários sucessíveis.
A vocação subsequente depende do afastamento de todos os
originariamente chamados ou pode-se verificar se tal ocorre apenas em
relação a um deles? A resposta não pode ser universal, verificando-se
situações em que a falta de apenas um dos sucessíveis chamados
originariamente pode determinar uma vocação subsequente (direito de
representação).
Em função do requisito da personalidade (situação dos nascituros e das pessoas
colectivas a instituir) coloca-se a questão de saber se existe uma vocação sujeita a
uma conditio iuris ou uma vocação subsequente, por vezes dita sucessiva? A doutrina
dominante considera que se trata e uma vocação subsequente, por vezes dita
sucessiva.
Na vocação condicional, quando a condição é suspensiva..
No entendimento do Prof. Galvão Telles trata-se uma vocação subsequente
pois o chamamento só se dá no momento da verificação da condição.
Segundo a doutrina dominante trata-se de uma vocação originária uma vez
que assenta necessidade de os requisitos da vocação ocorrerem tanto no
momento da abertura da sucessão, como no da verificação da condição –
art. 2035º/2 e 2238º.
Um caso particular de vocação não originária ocorre na substituição fideicomissária,
em relação à do fideicomissário: tanto ele como o fiduciário são herdeiros do
instituidor de fideicomissário, mas o fideicomissário só é chamado após a morte do
fiduciário – art. 2293º/1 – se quanto àquele se verificarem os pressupostos da vocação.
Os bens estiveram atribuídos ao fiduciário segundo um determinado título – art. 2290º.
Deste modo, não faz sentido atribuir à vocação do fideicomissário efeitos retroactivos
em relação à data da abertura da sucessão; eles só podem produzir-se a partir do
momento da morte do fiduciário – art. 2294º. Neste caso, a vocação para além de ser
subsequente é também sucessiva uma vez que pressupõe uma vocação anterior que
efectivamente substituiu e produziu os seus efeitos.
VOCAÇÃP PURA, CONDICIONAL E A TERMO: REMISSÃO
A distinção entre vocação pura e condicional ou a termo interessa à vocação
testamentária e prende-se com o regime de aposição de tais cláusulas acessórias às
disposições testamentárias.
Critério de distinção: apreensão imediata, estando em causa a oponibilidade de
condição ou termo ao testamento e a determinação do seu regime.
Nota: matéria a tratar a respeito do conteúdo do testamento.
VOCAÇÃO UNA E MÚLTIPLA
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Em certos casos, um só sucessível é chamado seja por um só título seja por títulos
diferentes. Contudo, existem igualmente casos em que a vocação respeita a vários
sucessíveis, todos chamados simultaneamente, seja pelo mesmo título seja por títulos
diferentes.
Vocação una: situação de haver um só sucessível chamado por um só título
Vocação múltipla: todos os restantes casos
Consequências:
A vocação una, hoc sensu, só pode verificar-se quanto à sucessão do herdeiro,
vulgarmente dito único e universal, pis não pode haver um só legatário de toda
a massa hereditária. A vocação do legatário é sempre múltipla, pois pressupõe
pelo menos a existência de outro legatário ou de um herdeiro, ou o seu
chamamento por mais de um título: neste caso como herdeiro legítimo e como
legatário, por exemplo.
As vocações múltiplas podem revestir feições diversas:
Pode o mesmo sucessível ser chamado à sucessão por vários títulos:
como herdeiro legitimário e legítimo, como herdeiro legítimo e
testamentário, como herdeiro e legatário.
Podem vários sucessíveis ser chamados por vários títulos – vocação
múltipla mais complexa.
Podem várias pessoas ser chamadas por um só título. Exemplo: por
morte de A são seus sucessíveis os seus dois irmãos (B/C); A deixa o seu
prédio situado em Lisboa aos seus amigos (D/E); e o remanescente da
herança aos seus irmãos (B/C) em relação a B/C ou em relação a
D/E existe uma vocação plural.
Em suma:
Quando a sucessão é múltipla é plural, estando fundamentalmente em causa
situações de concurso entre sucessores, sejam eles da mesma qualidade ou de
qualidades diferentes. Com esta matéria prende-se o regime do direito de
acrescer; sendo chamados os co-herdeiros a vocação plural revela-se
também relativamente à partilha da herança.
na vocação múltipla, quando em relação a um mesmo sucessível ou a vários
sucessíveis concorram vários títulos ou qualidades diferentes, a sua relevância
manifesta-se sobretudo no regime da divisibilidade ou da indivisibilidade da
aceitação e do repúdio.
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VOCAÇÃO DIRECTA E INDIRECTA
Vocação Indirecta: quando um sucessível é chamado, atendendo, não apenas à
relação existente entre ele e o de cuius, mas também em função da sua posição
perante um terceiro, que não entra na sucessão mas serve de ponto de referencia
para a vocação. Molda-se relativamente a um sucessível prioritário que, em termos
gerais, não quer ou não pode aceitar a sucessão. Há o chamamento de um sucessível
subsequente, contudo a vocação deste, como que se molda sobre a do prioritário,
cuja posição o chamado subsequente vai ocupar. Modalidades:
Substituição directa
Direito de representação
Direito de acrescer
↳ em qualquer destes institutos o chamamento do sucessível a quem se dirige a
vocação depende de o prioritário não poder ou não querer aceitar a sucessão
– art. 2281º, 2039º e 2301º; além disso o chamado indirectamente, no essencial,
vai ocupar a posição do prioritário – art. 2284º, 2039º e 2307º.
Vocação Directa: por exclusão de partes, constitui a modalidade regra da vocação.
AS VOCAÇÕES ANÓMALADAS
Nas vocações anómalas ficam abrangidas as vocações indirectas (direito de
representação, substituição directa e direito de acrescer) e a vocação fideicomissária,
como vocação sucessiva.
Nota: tema desenvolvimento mais à frente
II - REGIME COMUM DA VOCAÇÃO
1. GENERALIDADES
O MOMENTO E O REGIME DA VOCAÇÃO
No regime normal, a vocação dá-se no momento da abertura da sucessão – art.
2032º/1. Contudo, este regime só vale plenamente para a vocação originária. As
vocações subsequentes ocorrem posteriormente, embora sejam juridicamente
referidas àquele mesmo momento.
Contudo, existem algumas questões divergentes na doutrina que importa analisar.
Nos termos do art. 2032º/1, o chamamento é dirigido aos sucessíveis ‘’que gozam de
prioridade na hierarquia dos sucessíveis’’ desde que preencham certos requisitos da
própria vocação. Este preceito refere-se especificamente à capacidade sucessória.
De acordo com esta norma, os demais sucessíveis (não prioritários) não são de
imediato chamados, mas apenas se os primeiros não quiserem ou não puderem
aceitar – art. 2032º/2 vocação subsequente?
Prof. Pereira Coelho, Luís Carvalho Fernandes: A favor dos sucessíveis
subsequentes não se verifica vocação de imediato, ou seja, no momento da
abertura da sucessão.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 32
Prof. Oliveira Ascensão (posição oposta à anterior): a vocação refere-se de
imediato a todos os sucessíveis, prioritários ou subsequentes, com excepção
daqueles em relação aos quais se verifica uma vocação suspensa (nascituros
lato sensu, pessoas colectivas a instituir, sucessível sob condição suspensiva,
fideicomissário). Em relação aos sucessíveis subsequentes há logo vocação,
mas sujeita na sua eficácia a um facto suspensivo: a resolução da vocação
(ou das vocações) prioritárias.
Prof. Galvão Telles (posição intermédia, mas mais próxima da primeira tese): em
relação aos sucessíveis subsequentes verifica-se uma vocação suspensa.
Posição adoptada pelo Prof. Luís Carvalho Fernandes:
é necessário ter atenção eu mesmo os defensores da teria do chamamento
simultâneo conjunto admitem que os sucessíveis subsequentes não têm uma
situação igual à do prioritário, embora lhes seja atribuído imediatamente o
direito de suceder.
Art. 2032º - aponta para um chamamento imediato limitado ao sucessível ou
sucessíveis prioritários.
Em matéria de sucessão legal, as normas relativas ao chamamento de
sucessíveis subsequentes vão declaradamente no mesmo sentido, ou seja, de a
sua vocação não ser imediata – art. 2141º, 2142º, 2145º, 2147º, 2152º sendo
normas que regem para sucessão legítima, mas são aplicáveis à legitimária por
força da remissão.
O Prof. Oliveira Ascensão assinalava a relevância das normas anteriores, dos
quais decorre, na opinião do Prof. Luís Carvalho Fernandes, que, se a tese por
ele defendida fosse aceite, dela não poderia deixar de ficar excluída a
sucessão legal.
O regime da caducidade do direito de suceder – art. 2059º/1 – não constitui
obstáculo à tese do chamamento conjunto. O nº2 da referida norma permite
resolver tal questão.
Tudo se resume a encontrar uma construção que explique a tutela que o
sucessível não prioritário recebe de certos preceitos, nomeadamente do art.
2048º, 2049º, 2236º/1, 2237º/2 e 2238º/3. Ou seja, trata-se de explicar o reforço
da posição ocupada pelos sucessíveis subsequentes, operado após a abertura
da sucessão.
Esse reforço recebe o devido enquadramento jurídico e as dúvidas que suscita
ficam resolvidas, a contento da letra da lei e da tutela assegura aos sucessíveis
subsequentes, vendo na sua situação, após a abertura da sucessão, uma
expectativa jurídica.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 33
Não faz obstáculo à construção defendida (expectativa jurídica) a
circunstância de o art. 2048º e 2049º consagrarem a legitimidade para
requerer as medidas nele previstas ser atribuída genericamente a
qualquer interessado.
Interessado: por um lado é o titular de um direito subjectivo (credor ou
sucessível chamado), como por outro lado é o de uma expectativa
jurídica, sendo que esta constitui também um meio de tutela de
interesses.
Concorrem no caso os elementos que qualificam esta situação jurídica activa:
um facto complexo, uma curso de produção, de que depende a aquisição de
um direito (o direito de suceder) e mediante o seu exercício (aceitação), a do
direito aos bens hereditários, mas em que se verifica já, medio tempore, a
tutela de interesses do futuro e eventual adquirente (o sucessível subsequente).
Nem se diga que esta construção é insatisfatória quanto aos sucessíveis
subsequentes que beneficiam já de uma expectativa jurídica (sucessíveis
legitimários e alguns pactícios). A expectativa que nesta tese lhes é atribuída
apos a abertura da sucessão é nova, em relação à que antes lhes cabia, a
qual, naquele momento perde alguma da sua eficácia. São diferentes os
interesses que nos casos se tutelam:
Em vida do autor da sucessão trata-se de acautelar os sucessíveis
contra actos que aquele pratique em detrimento do seu futuro direito
aos bens hereditários, em função destes direitos lhes é dada a tutela
que qualifica a expectativa jurídica.
Apos a abertura da herança, é em função do direito de suceder e
quanto a acções ou omissões dos sucessíveis prioritários que os
subsequentes carecem de tutela.
REQUISITOS DA VOCAÇÃO, ENUMERAÇÃO
A vocação pressupõe um facto designativo e dá-se a relação de sucessíveis, ou seja
pessoas que dele beneficiam em concreto, o chamamento só se dá em relação ao
sucessível se se verificarem certos requisitos/pressupostos.
A definição dos requisitos da vocação e do seu sentido não é isenta de dúvidas: se se
sustentar a tese segundo a qual o chamamento só ocorre em relação ao sucessível
prioritário o primeiro requisito da vocação é o da titularidade da posição
correspondente; este requisito deixa de ter sentido para quem defenda a tese do
chamamento simultâneo de todos os sucessíveis, sendo que só relevará, então, para
os efeitos que a vocação produz.
Requisitos Comuns da Vocação:
Personalidade
Sobrevivência
Capacidade
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 34
RESOLUÇÃO DA VOCAÇÃO
Os efeitos da vocação podem cessar mediante resolução por causas diversas:
Casos especificamente ligados a certos aspectos do regime do fenómeno
sucessório
Repúdio
Indignidade (posterior à abertura da sucessão)
Verificação da condição resolutiva
Caducidade do direito de suceder
Efeito Geral da Resolução da Vocação: considera-se a vocação como se não tivesse
sido feita, operando, então, a vocação dos sucessíveis subsequentes. A resolução da
vocação opera retroactivamente, dando-se os seus efeitos como produzidos à data
da abertura da sucessão – art. 2032º/2.
2. REQUISITOS COMUNS
I - PERSONALIDADE
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
A lei não se refere explicitamente à personalidade jurídica como requisito da
vocação. Da lei pode, quanto muito, deduzir-se que, dependendo a vocação da
capacidade do sucessível, tal implica a existência de personalidade, uma vez que
não faz sentido atribuir capacidade a quem não seja pessoa jurídica.
A personalidade jurídica não pode deixar de constituir requisito da vocação, uma vez
que desta resulta a atribuição, ao sucessível, de situações jurídicas: direito de suceder,
e se houver aceitação os direitos e vinculações que integram o património do autor
da sucessão.
Questões a analisar nos próximos pontos
1. Qualquer pessoa pode adquirir por via sucessória?
Quanto às pessoas singulares, nos termos do art. 2033º/1, atribui-se capacidade
sucessória, na sucessão legal, além do Estado, a todas as pessoas nascidas ou
concebidas. Nos termos do art. 2033º/2 al. a) reconhece-se capacidade sucessória, na
sucessão voluntária, aos concepturos, desde que filhos de pessoa determinada, viva
ao tempo da abertura da sucessão.
Quanto às pessoas colectivas, a capacidade jurídica sucessória é reconhecida na
sucessão testamentária ou contratual às pessoas colectivas e às sociedades – art.
2033º/2 al. b).
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 35
2. Quando deve verificar-se a personalidade jurídica, como requisito da
vocação?
Deve-se afirmar o princípio segundo o qual, para ser chamado, o sucessível tem de ter,
em regra, personalidade jurídica no momento da abertura da sucessão – art. 2032º/1.
A SITUAÇÃO JURÍDICA DOS NASCITUROS
No sistema jurídico português, com base no regime consagrado no art. 66º, as pessoas
singulares adquirem personalidade jurídica no momento do nascimento completo e
com vida. Deste modo, o nascituro, enquanto tal, não é pessoa jurídica, sendo que
por maioria de razão deste modo o mesmo sucede com os concepturos.
Quanto à existência da figura dos direitos sem sujeito é necessário partir da
concepção de direito subjectivo, segundo a qual este é um poder jurídico, ou seja, um
conjunto de meios de actuação jurídica que permitem a satisfação de interesses
individuais, legítimos, mediante o aproveitamento de utilidades de um bem a eles
afecto. Nesta construção, a vontade individual e a pessoa dela portadora perdem a
relevância que não podia deixar de lhes ser reconhecida pela tese voluntarista
clássica ou, mesmo segundo a teoria dos interesses juridicamente protegidos.
Perante a concepção perfilhada não se vê razão dogmática para não permitir que, a
titulo temporário, o direito subjectivo, subsista sem estar efectivamente atribuído a
qualquer pessoa. Nesse tempo intermedio é necessário que se mostrem aparelhados
meios de assegurar a consistência jurídica e pratica do direito e de conservação do
bem que tem por objecto, em termos de a posição do seu futuro titular não vir a ser
afectada.
Nos termos do art. 2240º, a herança ou o legado a favor do nascituto lato sensu
implica sempre um regime de administração dos bens correspondentes.
Se o beneficiário da disposição estiver já concebido a administração cabe a
quem a administraria se ele já tivesse nascido – art. 2240º/2 está em causa o
exercício do poder paternal, e o seu suprimento, segundo as diversas situações
que dele podem ocorrem.
Se se tratar de concepturo, o art. 2240º/1 remete para o art. 2237º a 2239º,
equiparando-se a situação à da herança sob condição.
A pessoa viva de quem o concepturo vier a ser filho tem a
representação deste em tudo o que não seja inerente à administração
da herança ou do legado.
Se tal pessoa for incapaz, caberá ao seu representante legal a
representação do concepturo.
Independentemente de se ser nascituro ou concepturo ficam sempre ressalvados os
poderes de administração do cabeça-de-casal – art. 2241º.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 36
Deste modo, a atribuição ao nascituro lato sensu de direitos sobre os bens hereditários
explica-se com recurso à figura dos direitos sem sujeitos. Na verdade com a morte do
de cuius deixou de existir o titular desses direitos e não se vê qualquer outra pessoa a
quem, imediatamente, possam ser, e facto, atribuídos. Contudo trata-se de uma
situação temporária, resolvendo-se num de dois sentidos possíveis:
Ou o nascituro vem a adquirir personalidade e se torna titular dos direitos sobre
esses direitos
Ou o nascituro não chega a ser pessoa jurídica e os bens serão atribuídos a
outra pessoa, aquela a quem, segundo as regras da sucessão, devam caber.
O entendimento que deve ser seguido é o de a vocação não acompanhar aqui a
abertura da sucessão, antes depender de facto posterior – o nascimento – que tem
como efeito a aquisição da personalidade.
Adquirida a personalidade, os efeitos da vocação que então ocorre retroagem à
data da abertura da sucessão construção mais ajustada ao regime do art. 66º/2
segundo o qual os direitos reconhecidos aos nascituros dependem do seu nascimento.
É algo equivalente uma condição suspensiva legal.
A PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA (PMA)
Lei nº32/2006, de 26 de Julho e Decreto Regulamentar nº5/2008, de 11 de Fevereiro
Quanto à lei nº32/2006, de 26 de Julho é necessário analisar o art. 2º que consagra a
aplicação da lei a diversas técnicas de procriação medicamente assistida.
De entre as varias limitações impostas à utilização das técnicas de PMA merecem ser
salientadas:
A proibição da finalidade de clonagem reprodutiva, dirigida à criação de
seres humanos geneticamente idênticos a outros – art. 7º/1
Nulidade de negócios jurídicos, tanto gratuitos como onerosos, da
maternidade de substituição – art. 8º/2 se apesar da nulidade essa situação
se verificar, a mulher que suporta a gravidez é considerada, para todos os
efeitos legais, mãe da criança que vier a nascer.
Apos a morte do marido ou do homem com quem vivia em união do facto
não é licito à mulher ser inseminada com sémen do falecido, ainda que este
haja consentido no acto de inseminação – art. 22º/1 (analisar art. 23º -
consequências de violação de tal proibição).
As situações que importam considerar são as de inseminação artificial e da fertilização
in vitro post mortem quando em qualquer dos casos a paternidade seja atribuída ao
falecido. Ambos representam analogia com os nascituros lacto sensu. A diferença
assenta no facto de, na PMA, o nascimento ocorrer em condições diferentes das leis
naturais que estão pressupostas no regime sucessório dos nascituros, por o nascimento
poder verificar-se mais de 300dias apos a abertura da sucessão.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 37
Na sucessão legal, a lei reconhece capacidade sucessória passiva a nascituros já
concebidos no momento da abertura da sucessão – art. 2033º/1.
O facto de, ao contrário do que ocorre com a sucessão testamentária, não terem
capacidade os concepturos, leva a excluir do campo de aplicação do art. 2033º/1 o
caso de na origem do nascimento estar algumas das situações post mortem
consagradas na lei – entendimento do Prof. Oliveira Ascensão.
A situação é diferente se na origem da pessoa nascida estiver um embrião, se est
existia já na data do autor da sucessão, uma vez que neste caso a fecundação e a
concepção já tinham ocorrido. A diferença em relação à situação prevista na lei
reside no facto de o nascimento poder ocorrer muito para além do período de 300
dias apos a sua morte.
O afastamento dos concepturos, na sucessão legal, dá ao período legal da
concepção, como limite da relevância do nascimento apos a morte do autor da
sucessão, um significado que leva a excluir da sucessão os que nasçam para alem
dele, com ressalva, do disposto no art. 1800º.
No entendimento do Prof. Oliveira Ascensão, a estrutura actual da sucessão legal
assenta na ideia de que o mapa dos sucessíveis e a correspondente situação se
estabilizam e esclarecem a curto prazo.
Na sucessão voluntária, a capacidade sucessória de nascituros e de concepturos está
expressamente prevista no art. 2033º/2 al. a), desde que no segundo caso descendam
de pessoa determinada viva ao tempo da abertura da sucessão. Não há razoes para
não alargar este regime à sucessão contratual nos casos em que ela é admitida.
A analogia com a situação em análise é menos evidente pois o art. 2033º/2 al. a)
refere-se a filhos de outros pessoas e no caso em questão interessam os filhos do autor
da sucessão. Existe contudo proximidade suficiente entre os dois casos para ser
legítimo recorrer ao regime legal na resposta a dar à situação sucessória de filhos do
autor da sucessão, na inseminação artificial como na fertilização in vitro post mortem.
Exemplo (base: sucessão testamentária): o de cuius estipula no seu testamento que,
no caso de vir a nascer um filho seu, por recurso a qualquer dessas técnicas, lhe atribui
a quota disponível.
Para esta disposição valer é necessário indicar quem é ou será a mãe do
beneficiário
Para se verificar analogia com a situação do art. 2033º/2 al. a) e a disposição
testamentária valer é necessário que a mãe indicada pelo autor da sucessão
seja pessoa viva ao tempo da abertura da sucessão.
No entendimento do Prof. Oliveira Ascensão quanto a filhos nascidos de embriões
biopreservados não se pode aplicar analogicamente o regime dos nascituros lato
sensu decorrentes da não fixação do limite de tempo em que o nascimento poderia
ocorrer. Deste modo, considera insatisfatória a aplicação do regime do art. 2033º/2 al.
a) e sustenta estar-se perante situação a reclamar a intervenção legal.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 38
Impõe-se, segundo o Direito vigente, a fixação de um limite de tempo para o
nascimento ser atendido. Todavia, a exigência adicional referida satisfaz este requisito
que no limite será a morte da pessoa – viva ao tempo da abertura da sucessão –
indicada como mãe pelo autor da sucessão.
SITUAÇÃO SUCESSÓRIA DAS PESSOAS COLECTIVAS
As pessoas colectivas, por definição dotadas de personalidade jurídica, satisfazem o
requisito da vocação relativo a essa qualidade jurídica.
Contudo, o art. 2033º/2 al. b) (não inclui a situação do Estado que é tratada no seu
nº1) só lhes reconhece capacidade na sucessão voluntária.
Nota: o art. 2033º em qualquer dos seus números refere-se à capacidade de gozo.
Estão apenas em causa limitações negativas do Princípio da Especialidade
consagradas no art. 160º/2.
Sendo a restrição à capacidade de gozo das pessoas colectivas, em geral, relativas
apenas à sucessão legal, em que, ressalvando o caso muito particular do Estado, só
familiares – e não todos – do de cuius são chamados, sempre poderia pensar-se que
se está perante um direito – o de suceder – que, nessas modalidades de vocação é
inseparável da personalidade singular.
Em todo o caso, podendo ele ser atribuído, noutras circunstancias, a pessoas
colectivas, há-de entender-se que o direito de suceder, abstractamente considerado,
se ajusta, afinal, à capacidade de gozo das pessoas colectivas, segundo o Princípio
da Especialidade do Fim; deste modo, a sua negação em matéria de sucessão legal
representa apenas um exemplo de direito vedado por lei – art. 160º/2.
Em suma, a situação sucessória das pessoas colectivas só coloca uma questão a
merecer referência especial quanto a sociedades não dotadas de personalidade
jurídica.
Sendo hoje incontroversa a personalidade jurídica das sociedades comerciais e das
sociedades civis sob forma comercial (art. 2º/1 e art. 4º/1 do Código das Sociedades
Comerciais) o que está em causa é a situação sucessória das sociedades civis simples
de regime geral.
O art. 2033º/2 al. b) parece reconhecer a capacidade jurídica a entidades não
dotadas de personalidade: à generalidade das sociedades civis simples ou a algumas
delas. Feita a extrapolação deste regime para o requisito da personalidade tal
significaria a vocação sucessória de entidades a quem falta tal requisito.
Em face do sistema jurídico português, o Prof. Oliveira Ascensão ao ocupar-se da
matéria em sede de capacidade sucessória, nega-a a ‘’meros contratos de
sociedade’’ em relação aos quais falhe o pressuposto da capacidade jurídica. Ou
seja, quanto a tais sociedades, faltando o requisito da personalidade, está também
excluída a vocação.
Segundo esta interpretação, o art. 2033º/2 al. b) excluía também a possibilidade de a
essas sociedades serem feitas atribuições patrimoniais mortis causa na sucessão
voluntária crítica à posição do Prof. Oliveira Ascensão
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 39
Prof. Luís Carvalho Fernandes: sem dúvida a sociedade, qua tale, não sendo dotada
de personalidade, não pode ser sujeito de direito. Mas, corresponde-lhe um património
colectivo que pertence ao conjunto dos sócios, à semelhança do que se verifica
quanto ao fundo comum das associações sem personalidade, em relação aos
associados. Deste modo não se vê razão para não aplicar às sociedades sem
personalidade um regime equivalente ao que consagra o art. 197º quanto às
liberalidades feitas a associações sem personalidade, que abrangem tanto os
resultantes de negócios inter vivos como mortis causa.
Extrai-se do art. 197º/2, por aplicação analógica, em sede de aquisição sucessória,
que as liberalidades feitas às sociedades sem personalidade nesta qualidade, se
consideram atribuídas ao conjunto dos sócios e acrescem ao património colectivo.
Assim e só com este alcance a vocação é dirigida à sociedade, cabendo o exercício
do direto de suceder a quem legalmente a represente nos termos do art. 996º.
PESSOAS COLECTIVAS A CONSTITUIR
É possível fazerem-se atribuições sucessórias, na sucessão voluntária, a pessoas
colectivas a constituir?
Resposta Afirmativa: implica, como é manifesto, a necessidade de tomar
partido quanto ao regime da sua vocação, uma vez que por definição, no
momento da morte do de cuius não se verifica quando a elas o requisito da
personalidade.
Não pode deixar de se admitir, no sistema jurídico português, a validade de
disposições testamentárias (ou pactícias) com atribuições patrimoniais, a título de
herança ou de legado, em favor de pessoas colectivas ainda não constituídas, mas a
constituir.
Quanto às fundações, nos termos do art. 185º/1, estas só podem ser constituídas por
testamento, o que implica a existência, neste negocio, de disposição que, a titulo d
herança ou de legado, afecte à realização de determinado fim os bens que vão
constituir o subtracto dessa pessoa colectiva.
Como a fundação só adquire personalidade pelo acto de reconhecimento – art.
158º/2 – que vale como aceitação da atribuição patrimonial feita, no momento da
abertura da sucessão ela não tem, necessariamente, tal qualidade.
E pode nem vir, sequer, a adquiri-la, se:
se verificar uma insuficiência definitiva do património que lhe foi afectado para
a realização do seu fim na hipótese de a fundação ser constituída por
testamento, ela não chega a adquirir os bens que lhe foram atribuídos,
passando os mesmos, se o testador não tiver disposto de maneira diferente, a
uma associação ou fundação de fins análogos, designada pela entidade
competente para o reconhecimento.
ou por este não ser considerado de interesse social – art. 188º/1 e 2.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 40
Da conjugação deste regime com o da aceitação, que é inerente ao
reconhecimento (art. 185º/1) resulta que ele só pode compreender-se integralmente
se se admitir que a vocação só se verifica no momento do reconhecimento.
Se a fundação não for reconhecida, não chega a ser chamada. Mas a disposição dos
bens não caduca, salvo, deve acrescentar-se, se o testador assim o dispuser. No
silencio do testador é chamada uma associação ou fundação já instituída, segundo
um mecanismo sucessório designado como substituição directa legal.
A atribuição dos bens, a titulo sucessório, a uma associação a instituir levanta algumas
dúvidas. Além de a ele proceder, fica claro que se passam a referir as associações em
sentido amplo, ou seja, a pessoas colectivas de substracto pessoal, compreendo,
portanto as sociedades.
Está fora de causa a possibilidade de o testador impor aos seus sucessores, seja a título
de condição, seja a título de modo, a constituição da associação, seja a título de
modo, a constituição da associação, ainda que destine, para o efeito a alguns bens.
Uma cláusula acessória do testamento com esse conteúdo seria inidónea e como tal
nula por contraria à lei, sendo que violava o princípio da livre associação, numa das
suas manifestações, que consagra a Liberdade de se associais – art. 46º/1 e 3 CRP.
Deste modo compreende-se que a lei não preveja a constituição e associações por
testamento, mas só por contrato.
Prof. Antunes Varela e Pires de Lima: admitindo a atribuições sucessórias a
associações a constituir, configuravam a deixa que tenha por objecto a
criação da pessoa colectiva como um encargo imposto aos sucessores, para
todos os efeitos legais, mas não se pronunciavam expressamente sobre o seu
valor jurídico.
Diferente é o caso se o testador atribuir bens a uma associação cuja constituição se
prevê, que já está em curso, ou que existe mesmo, mas sem personalidade. Não
ocorre aqui o vício acima identificado, restando apenas averiguar se alguma razão
jurídica de outra maneira se opõe a uma tal liberalidade.
A resposta a tal questão vai no sentido da admissibilidade e da validade de
disposições feitas a associações a constituir, nos termos acabados de referir, mais uma
vez o regime das associações sem personalidade fornece elementos que permitem
encontrar suporte legal para tal entendimento.
Nos termos do art. 197º/1 admite-se as deixas feitas a associações sem personalidade.
Mas o regime estatuído nessa norma vai mais longe ao prever a possibilidade de o
autor da liberalidade ter condicionado a deixa ou a doação à aquisição da
personalidade jurídica. Se assim acontecer, e a aquisição da personalidade não se
der no prazo de um ano, nos termos do art. 197º/1, 2ªparte, fica a disposição sem
efeito.
Não existe razão para não se aplicar este regime a atribuições sucessórias feitas a
pessoas colectivas a instituir, em geral.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 41
Dele resulta que a deixa é válida e subsiste, se vier a verificar-se a aquisição da
personalidade. Adquirida esta, a vocação é feita. Se não vier a dar-se a aquisição da
personalidade dentro do prazo fixado que se compreende por razões da
personalidade dentro do prazo fixado, que se compreende por razões de certeza e de
celeridade do fenómeno sucessório, a deixa fica sem efeito e a pessoa colectiva a
constituir não é chamada, será então nos termos do art. 2032º/2 chamado o sucessível
subsequente.
No período de pendência, que vai da abertura da sucessão à vocação da nova
pessoa colectiva, deve entender-se que os bens ficam sujeitos a administração
aplicando-se directamente ou por analogia (quanto à sucessão contratual, quando
seja o caso) o regime dos art. 2237º e 2239º.
CONFIGURAÇÃO GERAL DA PERSONALIDADE COMO REQUISITO DA VOCAÇÃO
Só aparentemente a referência genérica a sociedades, mesmo englobando as não
dotadas de personalidade, poe em causa a exigência da personalidade como
requisito da vocação. Os verdadeiros chamados, nas sociedades não personificadas,
são os sócios, no seu conjunto enquanto titulares do património colectivo, à
semelhança das associações sem personalidade.
Quanto aos nascituros lato sensu e às pessoas colectivas a constituir, as atribuições
são-lhes feitas em vista da futura aquisição da personalidade, sendo deste modo que
a sua situação se desmarca da das sociedades sem personalidade, as quais são
consideradas, na sucessão, enquanto tais, isto é, como não pessoas a título definitivo.
Não se dispensa quanto aos nascituros e às pessoas colectivas a constituir o requisito
da personalidade, apenas se admitindo a relevância da sua verificação num
momento posterior à abertura da sucessão. Contudo como não pode ser chamado
quem não tenha personalidade, tem de se admitir que é então a vocação que se
não verifica imediatamente. O mesmo vale, na procriação medicamente assistida, na
sucessão voluntária.
Excepção à regra básica do fenómeno sucessório (a vocação acompanha a
abertura da sucessão) é que nos casos referidos a vocação ocorre posteriormente ao
momento de abertura da sucessão – é diferida.
II - A SOBREVIVÊNCIA
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Exige-se, como requisito da vocação, a sobrevivência do autor da sucessão, uma vez
que uma pessoa já falecida não pode ser chamada à titularidade dos bens deixados
por morte de outra. Este requisito encontra-se implícito no art. 2032º/1 e no art. 2317º al.
a) quanto à sucessão testamentária.
Se o sucessível prioritário está vivo no momento da abertura da sucessão tal manifesta-
se por si mesmo, e como tal não se suscita, dúvidas nesta matéria.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 42
Mesmo quando o problema da vocação só ganha consciência jurídica algum tempo
após a morte do de cuius e a evidência anteriormente referida se perca com o tempo
entretanto decorrido a questão não se altera substancialmente. Exemplo: A sem bens
patrimoniais significativos conhecidos, falece. Nenhum interessado aceitou a sua
sucessão. Vem a apurar-se, anos mais tarde, que ele era herdeiro de uma grande
fortuna e aparecem agora familiares de pessoas que ao tempo eram herdeiros de A,
mas já faleceram, para se habilitarem à sucessão de A. Há que provar que estes
herdeiros eram vivos quando A morreu.
Em regra, nas sociedades modernas, como sucede em Portugal, existem meios
expeditos de prova do nascimento e da morte. No sistema jurídico português esta faz-
se através de elementos inscritos no registo civil (art. 1º e 3º CRCivil) pelo que a
demonstração da factualidade corresponde se alcança sem dificuldade. A prova dos
factos sujeitos a registo civil é feita por recurso aos meios determinados no Código (art.
4º e 211º ss).
Nem por a matéria ser em regra pacífica e a prova correspondente se encontrar
facilitada, se deve, todavia, deixar de evidenciar, que segundo o regime comum do
art. 342º/1, a prova de sobrevivência cabe a quem se quer valer da qualidade de
sucessível de certa pessoa e da titularidade do correspondente direito de suceder.
Nesta base resolvem-se os problemas os problemas decorrentes de casos em que não
seja possível apurar quem morreu primeiro: se o autor da sucessão se o pretenso
sucessível. Constituindo a sobrevivência do sucessível ao de cuius um facto constitutivo
do direito de suceder, não sendo feita a sua prova, da aplicação das regras de
repartição do correspondente ónus resulta que se deve considerar o facto não
provado e inexistente o direito invocado.
A COMORIÊNCIA
Nos termos do art. 68º/2 estabelece-se uma presunção de comoriência (morte
simultânea). Ou seja, se ocorrer dúvida quando ao momento da morte de certas
pessoas, estando em causa, na sua relação recíproca, um efeito jurídico que
dependa da sobrevivência de uma à outra, estende-se que elas faleceram ao mesmo
tempo. Este regime aplica-se a casos em que não seja possível determinar a ordem
cronológica da morte de determinadas pessoas sem que se verifiquem os elementos
próprios da chamada morte conjunta.
Exemplo (morte conjunta de várias pessoas): A e B, pai e filho, morrem num mesmo
acidente de viação sem ser possível provar quem morreu primeiro. Presume-se que
morreram ao mesmo tempo.
DIREITOS EVENTUAIS DO AUSENTE
Que regime se aplica aos bens que, estando instaurado um regime de ausência,
sobrevierem ao ausente?
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 43
Enquanto, na destinação do património do ausente, tal como ele existia na data da
sua ausência, só quanto ao regime da curadoria definitiva, correspondente à
ausência declarada ou justificada, e à declaração de morte presumida, a possível
identificação de um fenómeno sucessório se colocava, em relação aos direitos
eventuais do ausente o problema existe mesmo quanto à ausência presumida e ao
respectivo regime da curadoria provisória.
Às diferentes fases da ausência anda ligada uma diversa avaliação, por parte do
legislador, da probabilidade de o ausente ser vivo ou morte.
Nos termos do art. 120º, se, após o início da ausência qualificada, sobrevierem ao
ausente direitos que dependam da sua existência (caso dos adquiridos mortis causa)
eles passam às pessoas que seriam chamadas à titularidade deles se o ausente fosse
falecido.
Exemplo: se o ausente A for o sucessível prioritário na sucessão de B, tudo se passa
como se ele não sobrevivesse ao autor da sucessão. São chamados os sucessíveis
subsequentes de B, segundo as regras comuns ou anómalas da vocação.
A que título são esses bens atribuídos a tais pessoas?
A doutrina dominante partilha do entendimento de haver chamamento do ausente
quando ocorram as fases de curadoria provisória ou definitiva. Por outro lado, o Prof.
Oliveira Ascensão defende que não há vocação do ausente desde a fase da
curadoria definitiva.
Se estiver instaurada a curadoria provisória, os bens ficam sujeitos à administração do
curador. Se já estiver instaurada a curadoria definitiva, ou quando o for, as pessoas a
quem sejam deferidos os bens recebê-los-ão a titulo de curadores definitivos, tal como
aqueles que recebem os bens que pertenciam ao ausente.
O art. 121º não se ocupa do regime dos direitos que advenham ao ausente apos a
declaração de morte presumida. Neste caso, as pessoas que a eles teriam direito, se o
ausente fosse falecido, os recebem a título equivalente àquele por que são atribuídos
os bens aos herdeiros do ausente. Não há chamamento do ausente (entendimento da
generalidade da doutrina).
Qual o regime aplicável se o ausente regressar ou dele houver notícias?
Nestes casos aplica-se o regime consagrado no art. 119º.
O Prof. Antunes Varela e o Prof. Pires de Lima defendiam contudo que o art.
119º regia apenas para os bens existentes no momento da ausência.
Como se resolve a situação de estando declarada a morte presumida e verificando-se
de facto a morte do ausente esta ser em data diferente da que foi fixada na
sentença?
Não pode aqui aplicar-se o regime do art. 118º uma vez que tal se refere à sucessão
do próprio ausente e não à do terceiro de quem ele seria sucessível.
Exemplo:
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 44
A está ausente e foi declarada a sua morte presumida com efeitos desde 20
de Janeiro de 2008
Em 15 de Março de 2008 morre B, de quem A era sucessível prioritário
Dá-se a vocação subsequente de B, que por hipótese é C
Apura-se posteriormente que A morrer, efectivamente, em Setembro de
2007 o que não altera em nada a situação do exemplo
Se se vier a saber que A morreu em Junho de 2008 verifica-se quanto a
A, à data da abertura da sucessão de B, o requisito da sobrevivência.
Aplica-se analogicamente o regime do art. 119º: a herança de B é
atribuída a A, cabendo os bens que a integram, por morte deste, aos
seus herdeiros.
III - CAPACIDADE
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
A capacidade para suceder conforma-se como uma qualidade das pessoas para
adquirirem, mortis causa, direitos e vinculações. Está perante uma capacidade de
gozo.
Capacidade Sucessória (de gozo) passiva: trata-se manifestamente da capacidade
para receber atribuições patrimoniais sucessórias e não para as fazer (≠ activa – releva
na sucessão voluntária, como capacidade para testar ou para celebrar contratos
sucessórios).
A CAPACIDADE SUCESSÓRIA PASSIVA COMO REQUISITO DA VOCAÇÃO
Nos termos do art. 2032º/1 ao fazer depender-se a vocação da ‘’necessária
capacidade’’ tal envolve em si mesma várias consequências:
Capacidade enquanto requisito da vocação, uma vez que a sua falta exclui o
chamamento
A capacidade passiva é requisito da vocação.
A de a capacidade ter de existir no momento da abertura da sucessão
A grande regra vai no sentido de o apuramento da existência da
capacidade coincidir com o momento da abertura da sucessão, logo
e normalmente com a vocação.
Em determinadas situações (nascituros lato sensu, pessoas colectivas a
constituir) a verificação da capacidade ocorre em momento posterior
à abertura da sucessão, sendo que nestes casos a própria vocação é
deferida, deixando de coincidir com a data da morte do de cuius.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 45
É suficiente, em geral, que a capacidade exista no momento da
abertura da sucessão. Contudo, tal princípio não é absoluto: no caso
de a disposição testamentária ser sujeita a condição suspensiva, a
solução é adequada, visto que o regime do art. 2035º/2 e do art. 2317º
al. b) vai no sentido de exigir a existência da capacidade no momento
da abertura da sucessão e no da verificação da condição.
A doutrina assinala ainda casos de perda da capacidade sucessória
posteriormente à abertura da sucessão, estando nesta base a
qualificação da indignidade sucessória como incapacidade – art. 2317º
al. b).
Os sucessores poderem não ser dotados de capacidade haverá
personalidade jurídica sem capacidade sucessória passiva?
Nos termos do art. 2033º/1 afirma-se a regra da coincidência entre a
personalidade jurídica e a capacidade sucessória passiva, no campo
da personalidade singular, ou seja das pessoas físicas. Há contudo uma
ressalva consagrada no art. 1650º/2, que consagra que para certos
casos de violação do impedimento impediente de casamento (art.
1604º al. c) a e) estabelece-se em relação a determinadas pessoas
uma incapacidade de aquisição, por testamento, do outro consorte.
Quanto às pessoas colectivas – ressalvando o Estado – a sua
capacidade esta limitada à sucessão voluntária. Está se face a uma
delimitação da sua capacidade de gozo ajustada ao critério comum
fixado no art. 160º. De qualquer modo, não pode deixar de se
reconhecer, quanto às pessoas colectivas em geral, que tendo
capacidade de gozo sucessória, esta surge, como nelas é próprio,
limitada pelos critérios ajustados à conformação de tal instituto nesta
categorias de pessoas. Em suma, não ocorre nada que adequada
construção dogmática da personalidade colectiva segundo a teoria
da realidade jurídica não possa explicar.
Deste modo o art. 2032º e 2033º ocupam-se da capacidade de gozo sucessória
passiva ajustada à natureza das pessoas jurídicas.
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A INDIGNIDADE SUCESSÓRIA, CAUSAS
Nos termos do art. 2034º carece de capacidade sucessória quem for autor de uma
série de actos criminosos ou ilícitos identificados nas várias alíneas do preceito.
Enumeração constante do art. 2034º é enunciativa ou taxativa?
Doutrina Corrente: tipicidade das caudas de indignidade
Prof. Oliveira Ascensão: tipicidade delimitativa – as tipicidades normativas não
devem ser consideradas taxativas, mas atende-se às graves consequências
decorrentes da indignidade, que afasta a sucessão do autor dos actos
referidos no preceito. Deste modo exclui-se o recurso
à analogia iuris para atribuir relevância, como causa de indignidade, a actos
não referidos no art. 2034º mas admite-se o recurso à analogia legis.
Categorias dos casos de indignidade consagrados no art. 2034º:
Prática de certos actos criminosos contra a vida, a honra ou os bens do autor
da sucessão ou dos seus familiares próximos (cônjuge, ascendentes,
descendentes, adoptante ou adoptado) – al. a) b)
Actos ilícitos em que estão em causa a liberdade de testar ou o próprio
testamento já feito – al. c) d)
Os actos que geram indignidade não têm necessariamente de ser anteriores à
abertura da sucessão, salvo em casos particulares. Exemplo:
Actos anteriores pela sua natureza anteriores à abertura da sucessão são o
homicídio consumado, de que seja vítima o autor da sucessão e os ilícitos
contra a liberdade de testar referidas nas al. c)
Quanto a actos contra o testamento (al. d)) alguns são anteriores, mas outros
podem ser posteriores à abertura da sucessão.
Podendo os actos ser anteriores ou posteriores à morte do de cuius, eles relevam
igualmente como causa de indignidade ou só os anteriores é que são atendíveis?
Nos termos do art. 2035º/1, consagra-se como regra básica, que os crimes enumerados
nas al. b) e c) mesmo quando possam ser posteriores à abertura da sucessão, só
relevam quando sejam praticados antes desse momento. Tal sofre um desvio quanto à
disposição sucessória relativa à herança ou ao legado quando tal se encontra sujeia a
condição suspensiva podendo o crime ser posterior à morte do de cuius, ele releva
desde que ocorra até à verificação da condição – art. 2035º/2.
Deste modo, resulta do regime exposto, que as demais causas de indignidade,
quando possam ser anteriores ou posteriores à abertura da sucessão, tanto relevam
num caso como noutro.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Problema diferente que se prende com o modo por que a indignidade opera, é o do
momento em que deve verificar a condenação pelos crimes enumerados na al. a) b)
sem prejuízo da relevância destes actos estar, em geral, condicionada pela sua
pratica antes da abertura da sucessão, a condenação, em si mesma, é atendida
ainda quando ocorra posteriormente a ela.
DECLARAÇÃO DA INDIGNIDADE E SEUS FEITOS
Nos termos do art. 2036º consagra-se a necessidade de uma acção destinada a obter
a declaração de indignidade. Esta acção é diferente da de condenação pelos
crimes previstos na al. a) e b) do art. 2034º.
No entendimento do Prof. Oliveira Ascensão é necessário distinguir se:
o indigno tenha a posse de bens hereditários só neste caso a declaração
judicial seria necessária.
Prof. Luís Carvalho Fernandes: a existência de posse de bens
hereditários apenas releva para o prazo de propositura da acção de
declaração de indignidade, não servindo para a dispensar.
O indigno não a posse de bens hereditários.
A acção de declaração de indignidade pode ser proposta em vida do autor da
sucessão ou após a sua morte – regime do art. 2036º e 2038º.
Uma vez que a lei não estabelece um regime particular quanto à legitimidade para
requerer a acção de declaração de indignidade, o Prof. Pereira Coelho, Pires de Lima
e Antunes Varela consideram que se deve aplicar as regras processuais gerais.
É necessário ter em consideração que a acção, sempre que as causas de indignidade
sejam anteriores à abertura da sucessão, pode ser proposta pelo autor da sucessão.
Uma vez que os efeitos se projectam também, no domínio da sucessão legitimária, e
gozando os respectivos sucessores em vida do autor da sucessão de uma expectativa
jurídica, entende-se que também estes a podem intentar.
Ocorrendo os factos após a morte do autor da sucessão e sendo tais relevantes como
causa de indignidade a legitimidade para a acção cabe aos interessados –
genericamente têm esta qualidade os sucessíveis (chamados ou não) que possam
beneficiar das consequências da indignidade. Podem também ter tal qualidade os
credores dos sucessíveis beneficiários da sucessão, por efeito da indignidade.
Prazo de Propositura da Acção
se a condenação pelos crimes das al. a) b) do art. 2034º ou a pratica dos
ilícitos previstos na al. c) d) ocorrerem antes da abertura da sucessão, a acção
pode ser proposta no prazo de dois anos a contar da morte do autor da
sucessão.
A acção pode também ser proposta dentro de um ano a contar, ou da
condenação pelos ditos crimes, ou do conhecimento dos ilícitos das al. c) e d)
do art. 2034º.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Justificação dos prazos serem tão curtos: justifica-se pelas graves consequências da
indignidade e pela correspondente necessidade de, com brevidade, se estabelecer,
com certeza e segurança, o curso do fenómeno sucessório.
Quais as consequências decorrentes do preenchimento do prazo fixado no art. 2036º
sem ser proposta a acção declarativa de indignidade?
Segundo o regime próprio da caducidade, a resposta imediata vai no sentido de
extinguir o correspondente direito, que não mais pode ser invocado. Contudo é
chocante que o sucessível, tenha matado o autor da sucessão (eventualmente com o
propósito de beneficiar da sua sucessão) possa vir a herdar só por ter passado o prazo
de propositura da acção.
Prof. Oliveira Ascensão: defende uma solução que limita os efeitos da
caducidade da acção de indignidade aos casos em que o indigno tem em
seu poder bens hereditários. Partindo da relevância que a lei dá ao regime dos
bens quando regula os efeitos da indignidade, que quando os situa no domínio
da devolução quer quando faz a qualificação da posse – é a posse dos bens
pelo indigno que está em causa. Entende, deste modo, ser lícito recorrer, por
analogia, ao regime do prazo de invocação da anulabilidade, o qual
depende de o negócio anulável estar ou não cumprido nos termos do art.
287º/1 e 2.
Reserva quanto a esta tese: atribuição de caracter automático à
indignidade, não havendo posse do herdeiro. A analogia com o
regime da anulabilidade só justifica a dispensa de prazo da sua
invocação. Se o indigno não é possuidor de bens da herança, não se
impõe a propositura da acção declarativa da indignidade nos prazos
fixados no art. 20036º. A todo o tempo em que ele entenda valer-se da
sua qualidade de sucessível prioritário, podem os interessados opor-lhe,
consoante os casos, por via da acção ou de excepção, o facto de
que a indignidade deriva.
Qual o valor da sentença proferida na acção de indignidade: será declarativo ou
constitutivo?
Argumentos a favor de ser uma acção declarativa:
A lei usa a palavra ‘declaração’ no art. 2036º e no art. 2037º/1
Quando, ao fixar os efeitos da indignidade, a lei considera a devolução da
sucessão ao indigno como inexistente, e não como resolvida (art. 2037º/1)
estabelecendo um regime que se harmoniza cm o de uma acção declarativa.
O indigno é considerado como possuidor de má fé dos bens hereditários que
tenha na sua posse.
A indignidade uma vez declarada produz os seus efeitos com relevo no
desenvolvimento do fenómeno sucessório.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 49
Nos termos do art. 2037º/1, a vocação do indigno é tida por inexistente, havendo lugar
ao chamamento dos sucessíveis subsequentes. Contudo é necessário ter atenção ao
nº2 da referida norma que consagra que a indignidade não prejudica, na sucessão
legal, o direito de representação dos descendentes do indigno. Ou seja, na sucessão
testamentária a indignidade afasta o chamamento dos sucessíveis por direito de
representação.
Como segundo efeito da declaração de indignidade consagra-se que a posse de
vens hereditários que o sucessível declarado indigno tiver é considerada de má fé,
com todas as consequências que tal implicar.
REABILITAÇÃO DO INDIGNO
A eficácia dos actos constantes no art. 2034º, como causa da indignidade, não é
irremediável, podendo o autor da sucessão perdoar ao indigno reabilitando-o nos
termos do art. 2038º.
A reabilitação pode verificar-se mesmo apos a indignidade já ter sido judicialmente
declarada, mas tem de ser feita mediante declaração expressa. Além disso, o acto de
reabilitação é um negócio jurídico formal devendo ser feita em testamento ou por
escritura pública nos termos do art. 2038º/1.
Embora a lei imponha a modalidade expressa da declaração, nos termos do art.
2038º/2, reconhece-se alguma relevância à reabilitação tácita. Contudo tal regime
não isenta de dúvidas.
Exemplo: o autor da sucessão, tendo já conhecimento da causa de indignidade, faz
testamento em que, em reabilitar expressamente o indigno, o contempla com alguma
disposição o indigno é admitido a suceder ‘’dentro dos limites da disposição’’
testamentária, mas não a qualquer outro titulo sucessório. Em suma, a indignidade só
não opera quanto às disposições contidas no testamento.
Nestes casos está se face a uma declaração tácita em que o nexo lógico de
concludência é estabelecido por lei (declaração ficta). O sentido da declaração vem
a ser determinado pelo próprio facto concludente, mas também pela norma que lhe
dá valor declarativo. Ou seja, a delimitação decorrente do art. 2038º/2 não respeita
apenas ao título, afastando o direito de não decrescer:
O testador se pretendesse uma reabilitação plena teria meios para o fazer
Deve-se considerar se este mesmo pensamento que domina o art. 2038º/2
quando ressalva a inexistência de reabilitação expressa
Ou seja, a lei considera o indignado reabilitado para poder beneficiar da disposição
testamentária, mas s+ dela e nos precisos termos nela estipulados.
A DESERDAÇÃO: NOÇÃO E REGIME
Deserdação (art. 2166º e 2167º): o seu regime encontra-se regulado em sede de
sucessão legitimária uma vez que é nesta modalidade que os seus efeitos se
produzem. Constitui o meio jurídico específico através do qual o autor da sucessão
poe, por acto da sua vontade, privar um sucessível legitimário da sua legítima.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 50
Identificação das causas que deserdação (art. 2166º/1):
Na pratica de certos crimes dolosos contra a pessoa, honra ou bens do autor
da sucessão e de certos familiares seus (cônjuge, descendentes, ascendente,
adoptante ou adoptado) – a)
Na denúncia caluniosa ou no falso testemunho contra as mesmas pessoas – b)
Na recusa injustificada de alimentos ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge –
c)
Qual o sentido, na deserdação, da enumeração contida no art. 2166º/1?
Em matéria de deserdação não se pode fazer recurso à analogia, mesmos nos termos
limitados em que, por vezes, é admitida a indignidade devido ao facto de o papel
que a deserdação desempenha em sede de sucessão legitimária ir além das
consequências típicas da indignidade. Trata-se de privar sucessíveis de direitos
especiais que lhe são atribuídos.
Verificadas estas causas, se, nas duas primeiras o sucessível tiver sido condenado pelos
crimes cometidos, a deserdação não opera automaticamente, pois depende de uma
manifestação de vontade do autor da sucessão contida em testamento. Deve o de
cuius indicar expressamente a causa que determina a deserdação (art. 2166º/1).
A deserdação priva o sucessível legitimário da sua legítima, na sua totalidade, não
sendo de admitir uma deserdação apenas parcial, por a tal se opor o princípio da
intangibilidade consagrado no art. 2163º.
Havendo deserdação, só a legítima é afectada ou aquela estende também os seus
efeitos à porção que ao legitimário caiba na quota disponível?
Não se trata de saber se o testador pode privar o sucessível da quota disponível. O
que esta em causa é apenas apurar-se se limitando-se o autor da sucessão a deserdar
o sucessível legitimário (exemplo: o falecido faz constar do seu testamento o seguinte
‘’deserdo o meu filho A por ter cometido o crime X’’) ele fica também impedido de ser
chamado como sucessível legítimo.
Embora a questão não seja isenta de dúvidas, entende-se que a deserdação implica
o afastamento do sucessível quanto à sucessão legítima por se afigurar ser essa a
solução mais ajustada à vontade normal do testador.
A deserdação produz os mesmos efeitos que a indignidade, sendo que o art. 2166º/2
equipara o deserdado ao indigno. Entende-se que é admitida a reabilitação do
deserdado em termos equivalentes aos expostos para a indignidade.
Claro que, por virtude do modo com a deserdação opera, a primeira manifestação
de vontade do de cuius perdoar o sucessível, reabilitando-o encontra-se no simples
facto de não o deserdar.
A particular gravidade dos efeitos da deserdação justificam a atribuição ao
deserdado de meios de contra ela reagir:
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 51
O deserdado pode impugnar a deserdação nos termos do art. 2167º,
ocorrendo a invocação como fundamento da impugnação a inexistência de
causa nos termos do art. 2166º.
Por razões de certeza e de segurança no desenvolvimento do
fenómeno sucessório, o prazo de impugnação da deserdação é muito
curto. Nos termos do art. 2167º, o prazo assenta em dois anos, contados
da abertura do testamento.
Prof. Oliveira Ascensão: invocando a analogia com a situação
descrita no art. 2059º/1, adita ao prazo o conhecimento da
existência do testamento e da deserdação.
RELAÇÕES ENTRE A INDIGNIDADE E A DESARDAÇÃO
Na enumeração do art. 2166º (causas de deserdação) não constam os actos. Por
outro lado, é causa privativa de deserdação a
Causas de Indignidade – art. 2034º Causas de Deserdação – art. 2166º
Actos atentatórios da liberdade de testar
ou do próprio testamento -
- Recusa, por parte do sucessível, de
alimentos do autor da sucessão ou ao
seu cônjuge quando para tanto não
exista justa causa
Semelhança entre as causas consagradas no art. 2034º a) e b) e as causas
consagradas no art. 2166º/1 al. a) e b)
Podem ser atendidos, como causas de deserdação, actos relevantes para efeitos de
declaração da indignidade não contemplados no art. 2166º?
O alargamento dos efeitos da indignidade à sucessão legitimária depara-se com a
dificuldade emergente dos termos em que a deserdação opera. A deserdação exige
uma manifestação expressa da vontade do autor da sucessão, sujeita, além disso à
observância de certas formalidades.
Em contrapartida, a negação de relevância à indignidade na sucessão legitimaria
não deixa de conduzir a resultados inadmissíveis. Exemplo: o assassino do autor da
sucessão só tinha a ganhar com a eficácia do seu crime, ao eliminar qualquer
possibilidade de a vitima o deserdar.
Sempre que da causa da indignidade decorra a impossibilidade de, em
testamento, se fazer operar a deserdação, não pode deixar de se lhe atribuir
relevância na sucessão legitimaria, sob pena de beneficiar o infractor.
No fundo trata-se de saber se o instituto da indignidade sucessória abrange a sucessão
legitimária, na generalidade dos casos: embora por razões nem sempre coincidentes,
a doutrina dá resposta afirmativa a esta questão.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 52
Argumentos ligados à situação sistemática do regime da indignidade na parte
geral do Livro V, comum a todas as modalidades de sucessão o legislador
tinha em mente todas as modalidades de sucessão
Art. 2037º/2 referência genérica desta norma sem distinguir à sucessão legal.
Não releva invocar contra este entendimento razoes ligadas à tutela do
legitimário, pois elas conduziriam à conclusão desrazoável de dela beneficiar
mesmo quem para tanto não é digno, sendo que o próprio instituto da
deserdação desmente tal solução.
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DA INDIGNIDADE E DA DESERDAÇÃO
Nos termos do art. 2034º, configura-se a indignidade como uma incapacidade
sucessória passiva. Esta qualificação legal não é utilizada em sede de deserdação,
mas a equiparação dos efeitos das suas situações não pode deixar de significar que,
para a lei, ela lhe é também aplicável.
Em geral, a doutrina não questiona a qualificação da indignidade e da deserdação
como incapacidade sucessória.
Prof. Pereira Coelho: a sua posição assenta na definição de capacidade sucessória
como ‘’idoneidade para ser chamado a suceder como herdeiro ou legatário’’ vendo
nela uma aplicação particular da noção genérica de capacidade jurídica. Deste
modo, as incapacidades de adquirir por sucessão não se filiam ‘’em qualquer
incapacidade natural, física ou psíquica, do herdeiro ou do legatário, mas numa ideia
de indignidade do sucessível’’.
Prof. Oliveira Ascensão/Prof. Luís Carvalho Fernandes: acentuando-se a maneira de ser
das incapacidades, que pressupõem uma deficiência natural da pessoa e se dirigem
à sua protecção. Não é esse o caso da indignidade sucessória, cujo caracter relativo
seria também inadequado e uma situação de incapacidade. A construção
dogmática concreta da indignidade é a de ilegitimidade.
Enquanto na capacidade a questão se coloca ‘’por referencia a qualidades da
pessoa’’, de que depende, segundo o Direito, a sua adequada e válida actuação
jurídica, na ilegitimidade o que está em causa é a inexistência de determinada
posição relativa entre uma pessoa e o direito, ou o bem sobre que esse direito incide
ou o interesse que por ele é tutelado.
Daqui decorre que a incapacidade de gozo, se esse fosse o caso, se referira à
possibilidade de ser titular de certo direito (o de suceder), em geral, não se
coadunando, em regra, com posições meramente relativas.
Se à indignidade e à deserdação correspondesse uma incapacidade, as suas
consequências, quanto às pessoas por ela atingidas, deviam referir-se à vocação em
geral, quanto a qualquer sucessão e não apenas à sucessão de quem é atingido ou
afectado pelo acto criminoso ou ilícito.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 53
É justamente este o regime da indignidade e da deserdação: o afastamento do
indigno ou do deserdado é claramente dirigido a certa sucessão. Nada na lei leva a
pensar que o sucessível declarado indigno ou deserdado não possa ser chamado à
herança de pessoas com as quais as causas de indignidade ou da deserdação não
tenham relação.
Em suma, a configuração adequada à indignidade e à deserdação não é a da
incapacidade mas sim a da ilegitimidade.
III - VOCAÇÕES ANÓMALAS
1. VOCAÇÕES INDIRECTAS
I - PONTOS COMUNS
A Vocação Indirecta pode ser:
Substituição Vulgar ou Directa
Direito de Representação
Direito de Acrescer
REQUISITOS
Todos os tipos de vocação indirecta derivam do facto de o sucessível não poder
(impossibilidade jurídica e não física) ou não querer aceitar (leia-se repúdio) a
sucessão.
Exemplo: sucessível chamado morrer após a vocação, sem chegar a ter
conhecimento dela ou sucessível, por qualquer razão física, como estar em coma, não
puder aceitar não existe uma vocação indirecta ocorrendo a transmissão do direito
de suceder.
Causas de Impossibilidade de Aceitação comuns às várias modalidades de vocação
indirecta dependem da posição do sucessível:
A não sobrevivência
A indignidade
A deserdação
A ausência, após a declaração da morte presumida
EFEITOS
Efeito Geral Comum: ao sucessível a quem é dirigida a vocação indirecta vão ser
atribuídos, em regra, os mesmos direitos e obrigações que caberiam ao sucessível que
não quer ou não pode aceitar.
Art. 2284º (substituição vulgar) e 2307º (acrescer): ‘’direitos e obrigações’’ que
seriam atribuídos ao sucessível afastado
Note-se que na substituição vulgar a assinalada identidade de direitos
e obrigações poderá ser afastada por disposição do autor da sucessão
(art. 2084º) – existe um reconhecimento da relevância da vontade do
testador
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 54
Por sua vez, no direito de acrescer, a mesma identidade só se verifica
quanto a direitos e obrigações ‘’de natureza não puramente pessoal
(art. 2304º)
Art. 2039º (direito de representação): ‘’ocupar a posição’’ do sucessível
afastado
II - DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
NOÇÃO (art. 2039º e 2045º)
A noção de direito de representação encontra-se consagrada no art. 2039º sendo de
salientar que aos descendentes são equiparados os adoptados plenamente (art.
1986º/1).
Encontrando-se o art. 2039º localizado nas disposições relativas à sucessão está se
face a um instituto que cale para todas as suas modalidades: legal e voluntária.
O Direito de Representação é atribuído por força da lei, não tendo, como fonte a
vontade do autor da sucessão, mas, vista a diferente natureza das normas que regem
a sucessão legitimária, por um lado, e a legítima e a voluntária, por outro, a vontade
do testador pode vir a desempenhar um papel de afastamento da representação
(art. 2131º e 2041º), que naquelas está excluído.
O chamado sucede por direito de representação, ou seja, em função da posição de
um sucessível afastado.
Direito de Representação Transmissão do Direito a Suceder
O Sucessível afastado não entra na
sucessão do de cuius.
O Direito de Representação só cabe a
descendentes do sucessível afastado
Existe uma só transmissão: o
representante não tem de aceitar a
sucessão de que o representado era
sucessível e é em relação àquele que
devem verificar-se os requisitos da
vocação.
Exemplo: A (avô/morre), B (pai/pré
morte) e C (filho)
C pode ter repudiado a herança de B e
mesmo assim ser chamado a suceder a A
– art. 2043º
Houve uma vocação efectiva e que
substitui, mas que não teve o seu
seguimento normal mediante o exercício
daquele direito, antes do falecimento do
chamado. Existindo o direito de suceder
na esfera jurídica deste sucessível no
momento da sua morte, ele transmite-se
aos seus sucessores – quaisquer que eles
sejam – e não apenas aos descendentes.
Existem duas transmissões:
(1) O transmissário, para receber o
direito de suceder, tem de
preencher os pressupostos da
vocação quanto ao transmitente
(2) O transmissário tem de aceitar a
sucessão deste
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 55
ÂMBITO DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
A representação sucessória, sem prejuízo de algumas diferenças, verifica-se em todas
as modalidades da sucessão.
Sucessão Legal e Testamentária – art 2040º
Sucessão Contratual – art. 1703º/2
Aplica-se tanto às heranças como aos legados
Na Sucessão Legal o direito de representação só se aplica na linha recta, em favor dos
descendentes dos filhos do autor da sucessão e, na linha colateral, em benefício dos
descendentes dos irmãos do falecido.
Ou seja, na falta de ascendentes ou do cônjuge sobrevivo, mesmo que estes tenham
descendentes, não há direito de representação, tal como não existe, na linha
colateral, para os descendentes dos demais parentes, além dos irmãos.
Deste modo os representantes tanto podem ser filhos, como netos ou bisnetos dos
filhos ou dos irmãos do falecido consoante a regra da Preferência do Grau de
Parentesco (art. 2135º)
Na Sucessão Testamentária, verificados certos requisitos, o direito de representação
funciona a favor dos descendentes do sucessível. Embora se esteja no domínio da
sucessão voluntária, a vocação por direito de representação é deferida ex lege, em
termos, portanto, análogos aos da sucessão legal (= regras quanto aos descendentes
que podem ser chamados e quanto à preferência de grau).
Note-se que no Código de Seabra, o Direito de Representação estava limitado à
sucessão legal e não se aplicava, por razoes de ordem histórica, ao repúdio.
Na versão original, embora segundo regime diferente do que vigorava no Código de
1867, o Código vigente dedicava ainda um tratamento diferenciado, e
consequentemente menos favorável, aos parentes ilegítimos. Em certos casos, o
direitos de representação estava excluído quanto a eles.
REQUISITOS DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
A admissibilidade da representação na sucessão testamentária não se verifica em
relação a todos os pressupostos comuns da vocação indirecta apenas abrange a
pré-morte do sucessível e o repúdio da sucessão, seja legado ou herança – art.
2041º/1.
Doutrina e Prof. Carvalho Fernandes: deve ainda estender-se a sua aplicação na
ausência do sucessível (entendimento que se harmoniza com o art. 120º,
nomeadamente quando nele se diz que são chamadas as pessoas a quem os direitos
caberiam se o ausente fosse falecido)
Importa ainda referir as restrições quanto ao direito de representação constantes do
art. 2041º/1, in fine e das várias alíneas do seu nº2:
Mesmo que exista pré-morte, repúdio ou ausência, o direito de representação
é afastado se, quanto à disposição sucessória a que ele respeita, se verificar
outra causa de caducidade (art. 2317º al. b) a d))
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 56
Afasta-se o direito de representação na sucessão testamentária em casos que
têm por fonte a vontade do testador – art. 2041º/2
a) Não há representação se o testador tiver designado substituto ao
herdeiro ou ao legatário previne-se o funcionamento da substituição
directa ou vulgar que, por respeito pela vontade do testador,
prevalece sobre o direito de representação
b) Não há representação quanto ao fideicomissário, sendo que o art.
2293º/2 consagra que se o fideicomissário não quiser ou não puder
aceitar os bens consideram-se adquiridos, definitivamente, pelo
fiduciário desde a morte do testador
c) Não há representação quanto ao legado de usufruto ou de outro
direito pessoal
Pessoal: o direito que mantenha uma ligação relevante à
pessoa do legatário, ou seja direitos em que domina o intuitos
personae (usufruto ou legado de alimentos)
DIREITO DE REPRESENTAÇÃO NA SUCESSÃO LEGAL
O campo de aplicação por excelência do direito de representação é na sucessão
legal, sendo admitido em todos os casos que constituem pressuposto comum da
vocação indirecta (art. 2042º e 2043º). A única restrição que se verifica assenta quanto
ao facto de não existir direito de representação quanto a todas as classes de
sucessíveis legais.
Importa salientar o regime particular da adopção restrita quanto aos seus efeitos
sucessórios: a representação sucessória é admitida quanto aos descendentes do
adoptado restritamente, quando esteja seja chamado a suceder na falta do cônjuge,
dos descendentes e dos ascendentes do adoptante – art. 1999º/2.
EFEITOS DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
Quanto às relações do Direito de Representação com outras modalidades de
vocação anómala:
Sucessão Legal e Testamentária: o direito de acrescer cede face ao direito de
representação – art. 2138º e 2304º
Sucessão Testamentária: o direito de representação cede perante a
substituição vulgar – art. 2041º/2 al. a) – e também não prevalece na
substituição fideicomissária
Os efeitos mais relevantes do Direito de Representação surgem na Sucessão Legal
uma vez que afasta duas das regras gerais que dominam a sucessão legítima e a
legitimária.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 57
Note-se que à sucessão legitimária é aqui aplicável o regime da sucessão legítima –
art. 2157º.
Nestas modalidades, domina, a regra da preferência de grau de parentesco (art.
2135º). Contudo, o direito de representação ao atribuir o direito de sucede a
descendentes de certos sucessíveis pode fazer o chamamento, ao mesmo tempo, de
parentes de graus diferentes, sucedendo os de grau mais afastado justamente com
parentes de grau mais próximos.
Teoria Tradicional Teoria Moderna
Concebia o direito de representação
como sendo uma ficção legal, ou seja a
lei tratava a situação como se o
representado sucedesse efectivamente
ao de cuius
Considera o direito de representação
como uma substituição legal e como tal
reconhece que ele implica,
efectivamente, a excepção à regra da
sucessão legítima
Exemplos
(1) A – autor da sucessão; B e C – filhos; C morre antes de A, D – filho de C
Aplicando a regra do direito de representação, B, parente em primeiro grau da linha
recta, devia preferir a D, cujo parentesco é o do segundo grau. Contudo, D representa
C pelo que concorre com B na sucessão de A
(2) F – autor da sucessão; E – pai de F G H; H – irmão de F; E e F – pré morte; I – filho
de H
O sucessor de F deveria ser G, parente no segundo grau na linha colateral do autor da
sucessão, afastando I (sobrinho de F), cujo parentesco é de terceiro grau na mesma
linha. Contudo, o direito de representação faz com que I concorra com G na sucessão
de F.
O direito de representação projecta também os seus efeitos sobre a regra que, na
sucessão legal, manda dividir a herança em partes iguais – por cabeça – entre os
sucessores – art. 2136º. A derrogação desta regra assenta em a divisão passar-se a
fazer por estirpes e subestirpes, funcionando como cabeça de estirpe o sucessível
representado.
(3) A – autor da sucessão; A – pai de B C D; E e F – filhos de D; G e H – filhos de E; D
e E – pré morte
Na sucessão de A, sendo D e E pré mortos, o funcionamento da representação implica
o chamamento simultâneo de B C F G H.
A regra da divisão por cabeça mandaria dividir entre eles a herança de A em partes
iguais. Contudo, o direito de representação conduz a um resultado diferente: com B C
concorre apenas para efeito primário da partilha a estirpe de D pelo que a herança
começa por se dividir em três partes.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 58
Fenómeno análogo irá ocorrer com a estirpe de E: a terça parte que cabia a D
reparte-se em partes iguais entre F e a subestirpe de E, cabendo a cada 1/6. A sexta
parte de E será partilhada entre G H, a cada um dos quais cabe ½ da herança de A.
(4) I – autor da sucessão; I – pai de J L M N; M – pai de O e P; P – pai de Q e R; R –
pai de S e T; J M P R – pré morte
Regras equivalentes (à do exemplo 3) se passa quanto a S T em relação à herança de
J, tendo I M P R falecido antes daquele.
O funcionamento do direito de representação sem limitações de grau, em
conjugação com o regime de divisão por estirpes, implica duas consequências:
Os descendentes de filhos ou de irmãos do de cuius são sempre chamados a
suceder a este por direito de representação e não por direito próprio
Na sucessão de colaterais, o fenómeno da representação pode determinar o
chamamento de parentes de um grau mais afastado que aquele que, em
geral, é atendido na relevância jurídica deste parentesco. A limitação passa
apenas a ser, neste domínio a resultante das leis naturais relativas à duração
da vida humana.
Exemplo: considerando a situação 4, admita-se que também R era pré falecido. Se M
for muito mais novo do que o seu irmão J e este falecer em idade avançada, pode
dar-se o caso de, quando se abre a sucessão deste, serem já vivos S T, bisnetos de M.
Ora, estes são parentes (sobrinhos) de J no quinto grau da linha colateral. Ainda assim,
S T são chamados a suceder a J, por virtude do funcionamento do direito de
representação em duas subestirpes de M.
Âmbito da Representação Por Estripes
Há direito de representação, nos termos do art. 2044º e 2045º, mesmo quando:
Todos os membros da estirpe se encontram no mesmo grau
Existência de várias estirpes, sendo simultaneamente chamados
alguns sucessíveis por direito próprio e outros por direito de
representação (solução mais comum)
Havendo várias estirpes, todos os sucessíveis efectivamente
chamados encontram-se todos no mesmo grau
Exemplo1: A – autor da sucessão; A pai de B C D; D – faleceu antes de A; D tem dois
filhos - E F
Sucedem a A, uma vez que D faleceu antes dele, B C E F – que são parentes em grau
diferente – cabendo a B C, chamados por direito próprio, 1/3 da herança e a E F,
chamados por direito de representação, 1/6 da herança.
Exemplo2: G – autor da sucessão; G pai de H, I J; H tem um filho L; I tem dois filhos M N;
J tem três filhos O P Q.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 59
Tendo H I J, filhos de A, morrido antes dele, serão chamados, por direito de
representação os seis netos de G que têm todos o mesmo grau de parentesco em
relação ao autor da sucessão.
Se não funcionasse o direito de representação a sucessão de G repartia-se entre os
seus netos em partes iguais cabendo a cada um a sexta parte dos bens hereditários.
Nos termos do art. 2045º primeira parte consagra-se que mesmo nesse caso a sucessão
é representativa.
Deste modo, a herança reparte-se primariamente por três estirpes, cabendo a cada
uma delas 1/3. Este valor é depois partilhado em cada estirpe por cabeça: L tem
direito a 1/3, M N a 1/6 cada; O P Q a 1/9 cada.
Note-se que o direito de acrescer irá funcionar dentro de cada estirpe, por exemplo, a
favor de M, caso N repudie, e não em relação em simultâneo a todos os netos.
Existe uma só estirpe
Exemplo1: A autor da sucessão; tem um filho B, que morre antes de A, e que tem dois
filhos C D.
Quando A morre, o seu único filho B já tinha falecido, pelo que havendo ou não
representação seriam sempre chamados C D cabendo em qualquer dos casos ½ a
cada um deles da herança de A. Contudo, a lei diz que C D são chamados por direito
de representação e não por direito próprio.
Apesar de tal não levantar diferenças em princípios a verdade é que esta em causa o
regime da colação, art. 2105º e 2106º: a posição de C D não seria a mesma, quanto à
obrigação de trazerem à colação bens doados por A a eles próprios ou a B, se
sucedessem por direito próprio.
Importa ainda salientar que existe outro fenómeno sucessório que é influenciado pelo
regime do chamamento de C D. O valor da quota indisponível varia em função do
numero de sucessíveis chamados: se os netos de A sucedessem por direito próprio a
quota indisponível seria de 2/3 enquanto que havendo representação, como há uma
só estirpe, ou seja um filho, é de ½.
Exemplo2: A casado com B morre; do casamento resulta um filho C que falece antes
de A, tendo C como filho D
Neste caso, a herança defere-se a B D. Neste caso, é indiferente de D sucede
representativamente e não por direito próprio, não interferindo com o valor da quota
indisponível, nem havendo doações a B ou a D com a colação. Contudo nos termos
da lei na situação de estirpe única com a composição unitária há chamamento por
direto de representação e não por direito próprio.
FUNDAMENTO DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
Nos domínios em que o direito de representação funciona tal permite que o
desenvolvimento do fenómeno sucessório opere como se o afastamento de certo
sucessível não tivesse ocorrido.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 60
PROF. PEREIRA COELHO: O fundamento do direito de representação traduz-se em
evitar que circunstâncias fortuitas e imprevistas venham a alterar a disciplina da
sucessão por não ser justo que tais circunstâncias resultem em beneficio ou prejuízo de
terceiros.
Deste modo, e por o direito de representação funcionar apenas em relação a
descendentes do sucessível afectado, pode dizer-se que, em particular na sucessão
legal, o direito de representação permite assegurar a tutela da família.
III - SUBSTITUIÇÃO DIRECTA
NOÇÃO E REQUISITOS
Substituição Directa/Substituição Vulgar ou Comum: nomeação, pelo testador, de
uma pessoa para suceder no lugar de outra (substituição) no caso de o sucessor
instituído não poder ou não querer aceitar a herança ou o legado.
Note-se que embora a noção legal deste fenómeno testamentário, consagrada no
art. 2281º/1, venha expressamente referida ao herdeiro, o alargamento genérico do
regime da substituição directa aos legatários encontra-se consagrado no art. 2285º/1
permite formular a noção ampla referida.
A substituição diz-se directa por o substituto suceder directamente ao autor da
sucessão, só existindo uma sucessão, e não ao substituído.
Exemplo: o testador A que institui B como seu herdeiro universal mas dispôs do bem X a
favor de C pode estipular no mesmo testamento que, se nenhum deles quiser ou
puder aceitar, sucederão no lugar deles respectivamente D E.
A substituição directa, ao contrario do que sucede na substituição fideicomissária, não
tem limite de grau pelo que o testador pode designar tantos substitutos
sucessivamente quantos entender.
Exemplo: para substituir A que não queira ou não possa suceder, pode designar B e se
também este não quiser ou não puder suceder indicar como substituto C, etc.
Note-se que nestes casos os sucessores serão chamados segundo a ordem fixada pelo
testador, ficando a designação de cada substituto sujeita a condição suspensiva de o
anterior não querer ou não poder aceitar.
Sendo que a substituição directa pode ocorrer no caso de o sucessor designado não
querer ou não puder aceitar, se o testador só ter, porém, previsto uma das duas
causas de afastamento do sucessível designado, a substituição abrange também a
outra – art. 2281º/2. Contudo, ressalva-se a hipótese de o testador afastando esta
presunção estabelecer que a substituição só irá ocorrer no caso por ele
expressamente previsto, por exemplo, no caso de repúdio. Consagra-se uma
presunção ilidível no art. 2281º/2.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO
A substituição directa encontra-se regulada no CC no dominio da sucessão
testamentária mas não existe razão para a excluir na sucessão pactícia. E quanto à
sucessão legal?
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 61
Na sucessão legitima, dado o caracter dispositivo das normas que a regem,
não existe razão para não admitir que o testador estipule, no caso de um
herdeiro legitimo, A, repudiar, a sucessão que a sua parte seja atribuída a B.
Afasta-se o direito de representação e o direito de acrescer.
A substituição directa não poderá valer na sucessão legitimária, tanto
relativamente ao direito de representação como ao direito de acrescer, uma
vez que tais participam nesta modalidade sucessória da tutela própria da
legitima e da imperatividade das normas que a consagram. Contudo,
ressalvada tal hipótese, ou seja, para os casos de aqueles direitos não
funcionarem por não haver sucessíveis a chamar por representação ou a
quem a parte do faltoso acresça, não se vê razão para excluir a possibilidade
de instituição de um substituto.
MODALIDADES DA SUBSTITUIÇÃO DIRECTA
SUBSTITUIÇÃO SINGULAR SUBSTITUIÇÃO PLURAL
Consoante o número de substitutos e independentemente do número de substituídos.
Pode substituir-se uma só pessoa a outra
pessoa ou a várias.
Podem ser vários os substitutos de uma só
pessoa ou de várias
SUBSTITUIÇÃO RECÍPROCA
São substituídos vários co-herdeiros ou quanto vários legatários são nomeados,
conjuntamente ou não em relação ao mesmo objecto.
A substituição diz-se recíproca por os co-herdeiros ou os colegatários se substituírem
uns aos outros (reciprocamente) – art. 2283/1 e 2285º/2
CO-HERDEIROS LEGATÁRIOS
Se os co-herdeiros tiverem sido instituídos
em partes desiguais, a proporção
existente entre as suas quotas será
respeitada na substituição, a menos que
o testador tenha estabelecido regra
diferente. Este regime só se aplica
quando a substituição respeite a todos os
co-herdeiros e só a eles – art. 2283º/2 e 3.
A substituição vulgar recíproca poderá
não respeitar a todos os co-herdeiros ou
haver alem deles outras pessoas
designadas como substitutos. Neste caso,
na falta de estipulação diversa do
testamento, o quinhão do substituído será
divido em partes iguais pelos substitutos.
Quanto à substituição recíproca de vários
legatários, não tendo o testador
estabelecido regras quanto à
substituição, a parte do legatário
substituído será repartida pelos substitutos
na proporção em que estes hajam sido
nomeados no legado
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 62
Note-se que em regra a substituição directa é expressa, nada impedindo, nos termos
do art. 217º, contudo, que ela seja tácita.
OS EFEITOS DA SUBSTITUIÇÃO DIRECTA
Os efeitos da substituição directa estão em larga medida dependentes da vontade
do testador que pode estabelecer regime diverso do que resulta a titulo supletivo da
lei. Efeitos Gerais resultantes da lei:
Afasta tanto o direito de acrescer como o direito de representação, na
sucessão testamentária e na sucessão legítima
No silêncio do testamento, os substitutos sucedem nos direitos e obrigações
que caberiam aos substituídos – art. 2284º
O substituto, que é sucessor directo do autor da sucessão, pois o substituído
não chega a suceder, recebe também os direitos que ao substituiítos foram
atribuídos intuitu personae?
Ao contrário do que sucede no direito de representação e no direito de
acrescer, onde tal questão recebe da lei resposta negativa, o legislador
não se ocupou de tal quanto à substituição directa.
Solução: os direitos e obrigações de natureza puramente pessoal não
são abrangidos pela substituição – art. 2284º
IV - DIREITO DE ACRESCER
NOÇÃO PRÉVIA
Sendo vários herdeiros instituídos em toda a herança ou numa quota dela, ou
nomeados vários legatários do mesmo bem, se se verificarem em relação a um deles,
certos requisitos comuns da vocação indirecta, a sua parte será devolvida aos demais.
Verificando-se a existência de situações de contitularidade de direitos, extinguindo-se
a situação jurídica de um dos contitulares, a sua parte acresce (ou pode acrescer) à
dos restantes.
REQUISITOS COMUNS DO DIREITO DE ACRESCER
A aplicação do direito de acrescer depende da designação, e consequente
vocação, múltipla, de dois ou mais sucessíveis
É necessário que os vários sucessíveis ocupem posições equivalentes, em
termos de hierarquia
Não se exige que a designação seja conjunta – art. 2301º/1 e 2302º.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 63
Exemplo: a designação pode resultar e dois testamentos sucessivos,
desde que ambos sejam eficazes, por o segundo não revogar o
primeiro. Será o caso de num testamento o autor da sucessão instituir A
herdeiro de ½ da sua herança e noutro testamento instituir B herdeiro
da outra metade.
Tem de existir um sucessível beneficiário do acrescer, ou seja, alguém com um
direito de suceder próprio
Note-se que o art. 2301º/1 quando estabelece o direito de acrescer entre herdeiros
refere-o a casos em que um deles não pode ou não quer aceitar a herança. A
remissão genérica contida no art. 2302º/2 torna esta disposição aplicável ao direito de
acrescer entre legatários.
Direito de Acrescer na Sucessão Testamentária e na Legal
Sucessão Testamentária: As dúvidas quanto aos requisitos do direito de
acrescer nesta sucessão decorrem de vicissitudes do testamento ou de
algumas das suas disposições e respeitam à configuração da impossibilidade
de aceitação. Ou seja estão em causa situações de ineficácia lato sensu,
decorrentes da invalidade, revogação ou caducidade.
Se o testamento for nulo ou anulado, a doutrina divide-se quanto aos
efeitos da invalidade em matéria de acrescer:
PROF. GALVÃO TELLES: o direito de acrescer funciona nestes
casos
PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO: ocorre o afastamento do direito de
acrescer nestes casos
Ocorrendo a revogação do testamento em que se instituía ou nomeava
um sucessível não se admite o direito de acrescer
Havendo revogação, quando ocorre a morte do de cuius tudo
se passa como se o testamento não tivesse existido. Salvo se
houver vontade do testador no sentido de manter o direito de
acrescer, deve ele ter-se por excluído, pois não pode deixar de
ser este o alcance normal da revogação.
Caducidade das Disposições Testamentárias
O art. 2317º nunca ressalva o direito de acrescer quando o faz
em relação ao direito de representação.
É certo que entre as causas de caducidade contam-se a não
sobrevivência, a incapacidade e o repúdio que constituem
pressupostos comuns da vocação indirecta.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 64
Os demais casos que preencham o não poder aceitar
constituem também causas de caducidade, quando se referem
à sucessão testamentária.
Sucessão Legal
A questão dos requisitos do direito de acrescer coloca-se quanto à não
sobrevivência.
Considera-se que no art. 2137º, que remete para o art. 2157º,
estabelece o regime comum do acrescer na sucessão legal
Note-se que o art. 2137º/2 ressalva o disposto no art. 2143º pelo que se
conclui que o legislador ve o regime desta norma como excepcional.
A relevância da não sobrevivência ultrapassa o campo dos requisitos
do direito de acrescer na sucessão legal, projectando-se em particular
na sucessão legítima e a título subsidiário na legitimária nomeadamente
na fixação do valor da quota indisponível.
ÂMBITO DO DIREITO DE ACRESCER
O Direito de Acrescer verifica-se tanto na sucessão testamentária como na legal, e
mesmo, a título excepcional, na contratual.
O Acrescer opera tanto entre herdeiros como legatários.
Nos termos do art. 2304º, não se verifica direito de acrescer se:
O testador tiver disposto outra coisa
O testador pode estipular que não querendo ou não podendo o
beneficiário da disposição aceitá-la ela fica sem efeito
Os bens em causa reverterão normalmente neste caso para os
herdeiros legais não por direito de acrescer mas por abertura da
sucessão legítima – art. 2131º
O testador pode prever uma substituição directa passando os bens
para o substituto.
Se o legado tiver natureza puramente pessoal
O que se deve entender por ‘’legado puramente pessoal’’?
A existência de intuitu personae é com certa necessária traduzindo-se
na verificação de um interesse individual ou particular do legatário, que
tanto pode ser patrimonial como não patrimonial.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 65
Exemplo: legado de meios financeiros para o beneficiário frequentar
um curso de pós-graduação ou do legado de originais de cartas
escritas pelo pai do legatário do autor da sucessão
Caso Particular do Usufruto que também é constituído instuitu personae
– regime especial do art. 2305º:
Nos termos do art. 2305º aplicam-se ao usufruto, em matéria de
acrescer, os art. 1442º e 2302º quando seja constituído por
testamento
O art. 1442º regula o acrescer entre usufrutuários constituídos
conjuntamente, qualquer que seja a fonte da sua constituição.
Aplica-se directamente aos usufrutuários por morte de cada um
deles a sua parte acresce à dos demais.
O art. 2305º manda aplicar o art. 2302º que regula o acrescer
entre legatários: está em causa o regime aplicável a vários
legatários do usufruto sobre o mesmo bem, se um deles não
quiser ou não puder aceitar. Há acrescer entre os usufrutuários
enquanto legatários.
Se existir direito de representação
Nos termos do art. 2304º, o direito de acrescer é afastado na sucessão
testamentária se houver direito de representação. Igual regime vale
para a sucessão legal.
Existe contudo a ressalva de na sucessão testamentária como na
legítima o de cuius poder afastar o regime da representação e
estabelecer o direito de acrescer.
DIREITO DE ACRESCER ENTRE HERDEIROS
O funcionamento do direito de acrescer entre herdeiros deve ser atendido de duas
perspectivas: por um lado quanto à sucessão testamentária e por outro para a
sucessão legítima, sendo que quanto a esta última vale igualmente para a sucessão
legitimária por força do art. 2157º.
DIREITO DE ACRESCER ENTRE HERDEIROS NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
Nos termos do art. 2301º, havendo vários beneficiários da parte acrescida, se as quotas
forem iguais ela reparte-se entre eles em igualdade; se forem desiguais, a divisão far-
se-á atendendo à proporção das respectivas quotas.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 66
Note-se que não constitui requisito do acrescer a nomeação conjunta dos herdeiros.
Deste modo, há direito de acrescer mesmo que os herdeiros sejam instituídos em
testamentos diferentes, desde que todos sejam eficazes. Havendo vários herdeiros
testamentários se só um puder e quiser aceitar ele será chamado a receber a parte de
todos os demais.
DIREITO DE ACRESCER ENTRE HERDEIROS NA SUCESSÃO LEGAL
O Direito de Acrescer entre herdeiros legítimos encontra-se regulado no art. 2137º/2
que ressalva a regra especial aplicável à sucessão conjunta do cônjuge com
ascendentes – art. 2143º.
O problema do acrescer coloca-se em relação a sucessíveis chamados
conjuntamente na mesma classe sucessória. Estão em causa situações de concurso
entre descendentes, entre ascendentes, entre quaisquer destes e o cônjuge, entre
irmãos e entre outros colaterais até ao 4º grau.
A parte do sucessível que não puder ou não quiser aceitar acresce à dos outros – art.
2137º/2.
Se os sucessíveis chamados forem o cônjuge e os descendentes: ou seja, na falta de
algum descendente, a sua parte acresce à dos demais descendentes e à do cônjuge,
ou só aqueles sendo o cônjuge apenas beneficiado na falta de todos os
descendentes?
Está em causa a aplicação analógica do art. 2143º, sendo que o art. 2137º só ressalva
o caso particular da sucessão do cônjuge e dos ascendentes. Deste modo, não é
aceitável o alargamento do seu regime à sucessão conjunta do cônjuge e dos
descendentes. Da regra do art. 2137º afasta-se o regime do direito acrescer quando
ao cônjuge sobrevivo concorre com os ascendentes (art. 2143º). Nos termos desta
norma, se forem chamados o cônjuge sobrevivo e vários ascendentes e algum ou
alguns destes não puderem ou não quiserem aceitar, o direito de acrescer funciona
primariamente em relação a outros ascendentes do mesmo grau que concorram à
herança. Se não houver outros ascendentes a parte dos que sejam afastados acresce
à do cônjuge.
A lei não regula os termos concretos em que o direito de acrescer actua, não
havendo, na sucessão legal, nenhuma norma correspondente à que, no art. 2301º,
rege para a sucessão testamentária, consoante sejam iguais ou desiguais as quotas
dos herdeiros em presença. Contudo não há qualquer fundamento para não aplicar o
seu regime à sucessão legal, dada a paridade de razão que se verifica em ambos os
casos.
Exemplo1: A tem como herdeiros legais prioritários os seus filhos B C; em testamento
deixou toda a quota disponível (neste caso 1/3 da herança) em partes iguais, a D E.
Por seu turno, B C recebem cada um deles também 1/3 (metade de 2/3).
Se B C repudiarem a sua parte acresce a D E?
A solução correcta é no sentido que não, resultando claramente do art. 2137º. Se só
um dos herdeiros legais repudiasse, a sua parte acresceria ao outro (nº1). Sendo os
dois a repudiar chamam-se os herdeiros imediatos.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 67
Neste caso, não havendo cônjuge sobrevivo nem outros descendentes seriam
chamados os ascendentes o que afasta o acrescer dos herdeiros testamentários.
Exemplo2: imagine-se agora, que com base no exemplo anterior, quem repudia são os
herdeiros testamentários.
Se for só D a repudiar a sua parte acresce apenas a E e não a B C (art. 2301º).
Se o repúdio for dos dois herdeiros testamentários a questão resolve-se nos seguintes
termos:
Todos os herdeiros B C D E foram chamados em simultâneo, embora não
conjuntamente, pois na base da vocação são títulos diferentes. O titulo de
legítimos tem aptidão para se alargar à totalidade da herança
B C recebem, por acrescer, as partes de D E, com os correspondentes direitos e
encargos
E se só existirem herdeiros testamentários?
Exemplo3: F, deixando como sucessíveis prioritários os seus irmãos G H fez testamento
em que institui como beneficiários de toda a herança I J
Não importa se só um deles (I J) repudia, pois a sua parte acresce à do outro, mas se o
repudio for dos dois herdeiros testamentários, na falta de qualquer preceito que
imponha solução diversa, funciona plenamente a al. e) do art. 2137º e a disposição
testamentária caduca.
Consequência imediata deste regime é a abertura da sucessão legítima, sendo os
irmãos de F chamados a suceder nessa qualidade, por direito próprio e não por direito
de acrescer.
HIPOTESE PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO: Há um herdeiro testamentário universal L, a
quem o testador impos, como encargo, um legado a favor de M. O que sucede se L
repudiar?
Para este autor não existe direito de acrescer pois o chamamento dos herdeiros legais
vai-se fazer por efeito da abertura da sucessão legítima. Nem por isso o encargo deixa
de subsistir cabendo a esses herdeiros cumpri-lo.
Devem-se considerar duas disposições distintas:
A que institui o herdeiro universal
A que nomeia o legatário, ainda que aquela seja a disposição principal e esta
mera cláusula acessória – cláusula modal
O repúdio de L faz caducar a disposição que o institui como herdeiro, mas nenhum
efeito pode ter quanto à nomeação de M como legatário sob pena de se verificar a
consequência duplamente absurda de com o seu repudio L para alem de frustrar a
vontade do testador ao nomear um legatário, M, afecta sem ter titulo legitimo os
interesses deste.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 68
Em suma, o testamento subsiste quanto a uma das suas disposições – o legado – e o
seu cumprimento vem a caber nos termos gerais aos herdeiros legais.
DIREITO DE ACRESCER ENTRE LEGATÁRIOS
Nos termos do art. 2302º e 2303º consagra-se os termos concretos em que esta
modalidade de vocação indirecta funciona.
Nos termos do art. 2302º, regime comum, apura-se que a nomeação dos legatários
em relação ao mesmo objecto é o único requisito específico do direito de acrescer.
Exemplo: o testador deixou certo estabelecimento comercial a A B C; se um deles
repudiar a sua parte acresce à dos demais.
À semelhança do que ocorre no acrescer entre herdeiros testamentários não se exige
que a nomeação dos legatários seja conjunta – art. 2302º/1 in fine.
Nos termos do art. 2302º/2 remete-se para o regime de acrescer entre herdeiros
testamentários. Tal implica o mesmo modo de atribuição da parte acrescida aos
legatários não afastados, atendendo, à igualdade ou desigualdade dos seus legados.
Exemplo: se o legatário afastado for C, por repúdio, havendo igualdade quanto ao
valor deixado a cada um deles, a parte do repudiante acresce aos restantes,
dividindo-se igualmente entre eles. Contudo, sendo a A atribuído ½ do
estabelecimento e a outra metade a B C, cabendo a cada ¼, não querendo ou não
pudendo aceitar B, a parte dele acresce a A e C, na proporção das suas quotas. Ou
seja, para além da parte a que já tem direito, A receberá 2/12 do estabelecimento e
C 1/12.
CASO PARTICULAR DO ART. 2303º: imagine-se um legado a favor de B cujo
cumprimento onera A, a quem foi atribuído outro legado.
Se B repudiar e não houver acrescer entre os legatários, o objecto do segundo legado
é atribuído a A, ou seja ao legatário onerado com o encargo de cumprir. Só não será
assim se o objecto do legado estiver genericamente compreendido noutro legado,
sendo que nesse caso, é ao correspondente legatário que o objecto será atribuído.
Exemplo: A, toureiro afamado, deixa a B a sua quinta no Ribatejo, a C a sua manada
de cavalos e a D o seu cavalo de lide preferido, impondo a B o cumprimento destes
legados. Acontece porém que este cavalo faz parte daquela manada. Se D repudiar,
o cavalo de lide reverte para C e não para B.
Ocorre aqui um verdadeiro direito de acrescer ou outro fenómeno jurídico
correspondente à desoneração do encargo?
A favor de se tratar do direito de acrescer existe o facto de por efeito do
afastamento de um sucessível chamado os bens assim deixados vagos serem
atribuídos a outro sucessível já chamado a sucessão. Além disso, o beneficiário
do legado deixado vago não é quem estava onerado com o cumprimento,
mas quem é legatário (ou herdeiro) da coisa em que genericamente o objecto
do legado vago se compreende.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 69
Contudo, não há aqui uma segunda vocação do beneficiário: ele fica apenas
desonerado do cumprimento do encargo.
ACRESCER ENTRE HERDEIROS E LEGATÁRIOS
Constitui entendimento corrente a não existência, em geral, de acrescer a favor de
legatários, havendo afastamento dos herdeiros.
Contudo, é necessário atender à posição do legatário em relação à quota deixada
vaga por herdeiro, por força do regime especial consagrado no art. 2306º in fine.
O beneficiário do acrescer não pode repudiar separadamente essa parte a menos
que ela esteja onerada com encargos. Se nesse caso o repudio acontecer e por seu
turno o herdeiro beneficiário do acrescer também repudiar, a parte acrescida reverte
para o beneficiário dos encargos que a oneravam.
Da situação consagrada no art. 2303º resulta que se o onerado com o cumprimento
do legado for um herdeiro, e o legatário na puder aceitar, o objecto legado será
atribuído ao herdeiro.
REGIME DO DIREITO DE ACRESCER
EFEITOS DO ACRESCER – art. 2307º
O beneficiário do direito de acrescer seja herdeiro ou legatário sucede nos
mesmos direitos e obrigações, de natureza não puramente pessoal, que
caberiam àquele que não pôde ou não quis receber a deixa.
Estando o sucessor faltoso sujeito a colação, a obrigação de conferir passa
para o beneficiário do acrescer?
Se Sim: atribui-se à formula do art. 2307º sentido equivalente à usada
para o direito de representação no art. 2039º que coloca o
representante na posição do representado.
Contudo, a resposta correcta é não: os direitos e obrigações em que o
beneficiário do acrescer sucede são os direitos e obrigações que este
recebeu do de cuius e não as obrigações particulares do faltoso.
Nem em matéria de colação há qualquer indicio no sentido de impor
ao beneficiário do acrescer a obrigação de conferir que incidia sobre o
faltoso.
REGIME DE AQUISIÇÃO DA PARTE ACRESCIDA
Nos termos do art. 2036º, consagra-se como princípio fundamental, que a
aquisição da parte acrescida se dá por força da lei. Deste modo prescinde-se
da aceitação do beneficiário.
Não pode haver repúdio separado da parte acrescida
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 70
Desvio (art. 2036º segunda parte): se a parte acrescida estiver onerada com
encargos especiais impostos pelo testador é possível ao beneficiário repudia-la
e exercer em sentido oposto – aceitando – o direito de suceder que lhe é
atribuído pela sua própria e directa vocação.
DISTINÇÃO ENTRE DIREITO DE NÃO DECRESCER E DIREITO DE ACRESCER
Quando se trata de estabelecer a presente distinção podemos ter em consideração a
elasticidade, já estudada em direito reais. Quando um direito real mais amplo, a
propriedade por exemplo, é limitada por um direito menor, como o usufruto por
exemplo, a extinção deste não determina a sua aquisição autónoma pelo proprietário
de raiz, mas a natural expansão do seu direito de propriedade, que retoma à feição
anterior à limitação criada pelo usufruto – aquisição derivada restitutiva.
Analogicamente, existem certos títulos de vocação sucessória que tendem para um
conteúdo mais vasto (toda a herança ou só uma quota desta) e só o concurso de
outros títulos os impedem de abarcar todo o seu objecto potencial. Deste modo,
cessando a eficácia do titulo limitativo, aquele expande-se naturalmente.
O beneficiário da parte acrescida adquire por força das virtualidades do seu próprio
titulo e não por um titulo novo. Há uma só vocação e não duas. Existe afinal um direito
de não decrescer e não uma verdadeira vocação indirecta, que é própria do direito
de acrescer.
No direito de acrescer não gozando o titulo primitivo do beneficiário daquela
faculdade expansiva e da consequente elasticidade, aa aquisição da parte
acrescida pressupõe a existência de um novo titulo.
DIREITO DE NÃO DECRESCER DIREITO DE ACRESCER
O titulo primitivo com a potencialidade
de não decrescer é inerente a uma
relação (directa) entre o sucessível o
autor da sucessão
Havendo um novo titulo, atende-se a
certa relação do sucessível com terceiro.
Havendo um só título, a aquisição do
acrescido dá-se ipso facto, não fazendo
sentido o seu repúdio separado, nem
sendo necessária aceitação.
Havendo títulos diferentes e dois direitos
de suceder, não se justificava um regime
de aquisição autónoma, sendo
necessária a aceitação da parte
acrescida, em contrapartida é também
admitido o seu repudio.
A aquisição funda-se em título próprio do
beneficiário e não de terceiro.
A aquisição do acrescido funda-se na
posição do sucessor faltoso, pelo que se
recebem os direitos e as obrigações que
a este competiam.
Note-se que em face do regime de aquisição da parte acrescida consagrado no art.
2036º havia quem entendesse que a lei portuguesa apontava para a existência de um
direito de não decrescer uma vez que a primeira parte da norma em análise não se
refere a qualquer distinção, reconhece-se que tal argumento prova que só haveria
casos de direito de não decrescer. Dificilmente se poderá identificar, em certas
hipóteses, a ideia central de expansibilidade de um título sucessório, que preside à
distinção.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 71
Importa ainda salientar que o art. 2037º atribui ao beneficiário do acrescer os mesmos
direitos e obrigações que caberiam ao sucessível faltoso, sem fazer qualquer distinção.
Tal aponta para um regime próprio do direito de acrescer.
Da conjugação do art. 2036º e 2037º resulta que só havendo encargos não há
aquisição automática, sendo então necessária nova aceitação, com a consequente
atribuição directa da faculdade de repúdio separado da parte autónoma, ou seja,
acrescida.
Esta matéria não levanta qualquer problema quando se esteja face a uma sucessão
legal, uma vez que nela cada um dos herdeiros só não tem direito a toda a herança,
ou a uma quota dela, por virtude do concurso dos demais.
Contudo, o requisito do art. 2301º/1 e o art. 2032º/2 fazem depender o direito de
acrescer de algo semelhante ao que se verifica em relação aos herdeiros
testamentários e mesmo legatários salvaguardas as diferenças inerentes a cada um
destas modalidades de sucessão.
Quanto aos Herdeiros: para haver acrescer, é necessário que dois ou mais
sejam instituídos, em concurso, na totalidade da herança ou numa quota
destas.
Quanto aos Legatários: para haver acrescer, a situação de concurso também
é necessária mas agora quanto a um mesmo objecto, em relação ao qual
todos foram nomeados.
É licito afirmar que, na generalidade das situações em que a lei configura o direito de
acrescer, é um direito de não decrescer que se verifica.
Contudo, há verdadeiros casos de acrescer, em que ocorre uma vocação indirecta:
Em relação à deixa onerada com encargos – art. 2306º primeira parte
Em relação à deixa onerada com encargos, se o beneficiário do acrescer
repudiar a parte acrescida – art. 2306º segunda parte (para quem entenda
haver aqui direito de acrescer e não outro fenómeno jurídico)
2. VOCAÇÃO SUCESSIVA: SUBSTITUIÇÃO FIDEICOMISSÁRIA
NOÇÃO (ART. 2286º)
Substituição Fideicomissária /Fideicomisso: é a disposição através da qual o testador
impõe a um sucessor o encargo de conservar a herança ou o legado, para
reverterem, por morte do onerado, a favor de outra pessoa.
Apesar do art. 2286º consagrar apenas esta situação quando aos herdeiros por força
da aplicação do art. 2296º considera-se que também se aplica aos legatários.
Enquanto que na substituição vulgar existe um só sucessor, no fideicomisso existem dois
sucessores efectivos e sucessivos:
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 72
Fiduciário: aquele que primariamente recebe a herança ou o legado e é
onerado com o encargo de conservar os bens
Fideicomissário: beneficiário da substituição que é chamado por morte do
primeiro
Note-se que nos termos do art. 2287º, tanto o fiduciário como o fideicomissário podem
ser um ou vários, sendo respectivamente a substituição fideicomissária singular ou
plural.
A substituição fideicomissária é um instituto próprio da sucessão voluntária tendo o seu
campo de aplicação por excelência no testamento, contudo é também admitida na
sucessão contratual (art. 1700º/2).
Iremos só analisar a substituição fideicomissária no testamento: a maneira de ser do
instituto reserva à vontade do testador um papel relevante na fixação do regime do
fideicomissário; a vontade do testador pode mesmo afastar a conversão legal
consagrada no art. 2393º/3 (o regime consagrado na norma só opera no silêncio do
testamento).
Note-se que as substituições fideicomissárias não são privativas da sucessão mortis
causa, embora tenham no testamento o seu campo de aplicação mais relevante. São
também admitidas nas doações, sujeitando-as, a lei, neste negócio ao regime fixado
em sede de testamento – art. 962º.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO
A substituição fideicomissária implica um regime limitativo dos direitos do fiduciário
sobre os bens que lhe são atribuídos, por efeito do encargo da sua conservação, que
lhe é imposto:
Por um lado, a substituição fideicomissária permite ao testador assegurar uma
certa continuidade do destino dos bens que tem por objecto –
nomeadamente, mantendo-os numa mesma família;
Por outro lado, representa um factor anti económico no aproveitamento dos
bens onerados e pode converter-se mesmo num elemento de injustiça na
atribuição dos bens à família do de cuius.
Só são admitidas substituições fideicomissárias num grau, o que significa que o
fideicomissário não pode ser, por seu turno, fiduciário de outro fideicomissário.
Exemplo1: a lei admite que A institua B seu herdeiro, devendo por morte deste a
herança reverter para C. Contudo é nula a disposição fideicomissária, nos termos do
art. 2888º, se no testamento A tiver ainda estipulado que por morte de C os bens
passam para D.
Alcance da nulidade: nos termos do art. 2889º, as disposições a favor de B e C
não são afectadas, sendo só a disposição de D atingida pela nulidade, tendo-
se, quanto a ele, por não escrita a cláusula fideicomissária.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 73
Existe uma redução legal da disposição fideicomissária, tal como constava do
testamento
Contudo, o testador pode sempre estipular regime diverso – art. 2889º in fine
a relevância atribuída à vontade do testador não pode ser a de ele manter a
cláusula fideicomissária em dois grau, sob pena de esta parte do testamento
estar a reproduzir a instituição inválida de frustrar a proibição do art. 2888º.
O que o testador pode estipular é que a nulidade atinja toda a cláusula
ou seleccionar qual dos dois graus deve substituir. Assim pode estipular
que perante a nulidade da cláusula fideicomissária, prevaleça a
reversão a favor de D e se considere sem efeito a prevista para C.
No sentido de limitar fraudes, o art. 2288º proíbe também os casos em que a reversão
para o fideicomissário esteja subordinado a um acontecimento futuro e incerto
(condição).
Exemplo2: A institui B seu herdeiro fideicomissário, passando os bens por morte deste
para C, a título de fideicomissário. Suponha-se que no testamento se dispõe ainda
que, no caso de C morrer sem descendentes os bens passam para D.
A primeira questão que se coloca é quanto à interpretação do testamento a
fim de apurar a vontade do testador e de saber se existe pura instituição
condicional ou uma substituição fideicomissária condicional.
Caso seja uma substituição fideicomissária condicional, tal disposição
testamentária será nula nos termos do art. 2888º
Se a vontade A for a de D só ser chamado após a morte de C sem
descendentes, funcionando este facto como condição suspensiva de
reversão para D há dois graus de fideicomisso e a instituição é nula
Assentando a vontade A numa condição resolutiva do chamamento
de C, ou seja, morrendo sem descendentes, tal é considerado como se
nunca tivesse sido chamado. Como C não entra na sucessão de A, D
vem a comportar-se como primeiro fideicomissário, o fideicomisso é só
num grau e a disposição é válida.
REGIME DA CLÁUSULA FIDEICOMISSÁRIA
O funcionamento normal da cláusula fideicomissária implica a aceitação sucessiva da
herança por parte do fiduciário e do fideicomissário quando tal ocorre, o primeiro
recebe de imediato os bens da herança, revertendo os mesmos, por morte dele, para
o fideicomissário.
Note-se que este regime normal da disposição fiduciária sofre desvios quando o
fiduciário ou o fideicomissário não puderem ou não quiserem aceitar a sucessão.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 74
REGIME APLICÁVEL NO CASO E O FIDUCIÁRIO NÃO PODER OU NÃO QUISER ACEITAR A
HERANÇA
Tal situação ocorre quando se verifiquem requisitos comuns a respeito da vocação
indirecta: não sobrevivência, indignidade, deserdação e ausência, desde a
declaração de morte presumida ou repúdio.
Nos termos do art. 2293º/3 (norma com caracter dispositivo) ressalva-se a possibilidade
de o testador dispor coisa diversa.
Ocorre um caso de conversão legal de disposição fideicomissária, à qual é atribuída
ex lege a eficácia sucedânea de uma substituição directa a favor do fideicomissário.
O fideicomissário recebe em qualquer dos casos os bens, mas a título diferente, ou seja
como substituto.
O regime consagrado no art. 2293º deverá ser conjugado com o art. 2041º/2 al. a) que
afasta neste caso o direito de representação, uma vez que por efeito da conversão
legal, tudo se passa como se houvesse uma substituição directa.
Importa salientar que tal só sucede no silencio do testamento, uma vez que o autor da
sucessão pode prever solução diversa: nada impede que, pura e simplesmente,
ocorrendo o caso em análise, fica a disposição fideicomissária sem efeito.
Contudo não é este o comportamento mais conforme com a vontade que o levou a
instituir o fideicomissário: será mais razoável admitir que ele estabeleça estipulações
que visem tanto quanto possível a sua manutenção (possibilidade de determinar o
funcionamento do direito de representação ou de designar um substituto directo do
fiduciário, só revertendo a herança para o fideicomissário apos a morte do
representante ou do substituto).
REGIME APLICÁVEL NO CASO DE O FIDEICOMISSÁRIO NÃO PODER OU NÃO QUERER
ACEITAR A HERANÇA
Neste caso, nos termos do art. 2393º/2, fica sem efeito a substituição e os bens
hereditários são considerados como adquiridos, a título definitivo, pelo fiduciário desde
a morte do autor da sucessão.
SITUAÇÃO JURÍDICA DO FIDUCIÁRIO (art. 2290º a 2292º e 2293º)
Da conjugação do art. 2290º a 2292º e ainda do art. 2293º resulta que o fiduciário é
titular de um direito sobre os bens que são objecto do fideicomisso, que se aproxima
do usufruto, mas com ele não se identifica. Esse direito é limitado quanto às
faculdades de alienação e de oneração dos bens. Só assim se assegura a
efectivação do encargo de conservação dos bens e a sua subsequente reversão
para o fideicomissário.
Note-se que podem verificar-se situações jurídicas diferentes, em função da diversa
natureza dos bens que podem ser objecto do fideicomisso. Contudo, em qualquer dos
casos, a titularidade do direito que incide sobre esses bens a termo incerto mantém-se.
Quando esteja em causa o direito de propriedade ocorre, a título excepcional (art.
1307º/2), um caso valido de propriedade temporária.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 75
Nos termos do art. 2290º/1, o direito do fiduciário atribui-lhe o gozo e a administração
dos bens, segundo um regime moldado sobre o direito de usufruto, cujas disposições
aplicam-se ao fiduciário em tudo o que não seja incompatível com a natureza do
fideicomisso.
Deste modo, o fiduciário faz seus os frutos dos bens objecto do fideicomisso – art. 2292º
(nele limita-se aos frutos dos bens referidos o direito que os credores pessoa do
fiduciário têm para se pagar dos seus créditos).
A limitação quanto à disposição dos bens decorre do art. 2291º e é confirmada a
contrario pelo art. 2295º/3.
Em princípio o fiduciário não pode alienar ou onerar os bens que são objecto do
fideicomisso. Contudo, há casos especiais em que esta proibição em que esta
proibição é afastada, admitindo-se a alienação ou a oneração mediante a obtenção
de autorização judicial:
Quanto estão em causa interesses ligados ao próprios bens a que os actos a
autorizar se referem (art. 2291º/1): quanto a bens deterioráveis ou bens que
podem sofrer depreciação por efeito do simples decurso do tempo
Quando os interesses a considerar são do próprio fiduciário (art. 2292º/2): torna-
se necessário por razões de doença do fiduciário assegurar meios financeiros
para realizar certo tratamento de todo necessário para a preservação da sua
vida.
SITUAÇÃO JURÍDICA DO FIDEICOMISSÁRIO
Na substituição fideicomissária não existe vocação indirecta nem conjunta. O
fideicomissário é sucessor do autor do fideicomisso tal como o fiduciário – art. 2293º e
2294º.
Deste modo, em relação há vocação indirecta a substituição fideicomissária
autonomiza-se por o fideicomissário não suceder no lugar ou na posição do fiduciário-.
Este é o verdadeiro sucessor do de cuius, uma vez que recebeu os bens e exercer
sobre eles os direitos que se ajustam à sua qualidade de fiduciário.
Na sucessão fideicomissária não há vocação conjunta do fiduciário e do
fideicomissário pois a herança só reverte para este por morte daquele: art. 2293º/1 e
art. 2294º. Na verdade, o fideicomissário não pode aceitar ou repudiar a herança nem
dispor dos bens hereditários antes de ela lhe ser devolvida, fenómeno que só ocorre
com a morte do fiduciário.
Por morte do testador, o fiduciário é chamado imediatamente à herança, sendo a
vocação do fideicomissário diferida para o momento da morte do fiduciário. Deste
modo o fideicomissário não pode exercer o direito de suceder imediatamente, mas
apenas quando ocorrer a morte do fiduciário.
Deste modo, os requisitos da vocação, nomeadamente da capacidade sucessória do
fideicomissário coloca-se perante o autor da sucessão e não face ao fiduciário.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 76
Em vida do fiduciário, o fideicomissário não tem qualquer direito sobre os bens da
herança mas apenas um direito sucessório. Antes da devolução da herança em seu
favor, não poe o fideicomissário dispor dos bens do fideicomisso mesmo a titulo
oneroso – art. 2294º.
Em relação aos bens da herança em vida do fiduciário, a situação jurídica do
fideicomissário, que goza da tutela indirecta decorrente das limitações impostas aos
poderes do fiduciário configura-se como uma mera expectativa – art. 2291º.
Pode dar-se o caso de no momento da vocação não se verificarem os requisitos de
que ela depende, não podendo o fideicomissário aceitar a sucessão, mas não
podendo repudia-la também. A substituição fica sem efeito, caduca.
Por efeito do regime do art. 2293º/2, o fiduciário é tido como tendo adquirido a
titularidade dos bens, definitivamente, desde a morte do autor da sucessão. Embora a
lei não ressalve a vontade do testador como faz no art. 2293º/3, não se vê razão para
considerar o regime do nº2 como imperativo. Deve relevar a vontade do testador
tendo como limite a impossibilidade de ela implicar uma substituição em dois graus.
Deste modo, de acordo com o exposto anteriormente, não existe argumento que
afasta a possibilidade de o autor da sucessão, para a hipótese de ficar vago o lugar
do fideicomissário, estipular um regime de representação ou de substituição directa,
funcionando o representante ou o substituto como fideicomissários no lugar do que foi
afastado.
FIDEICOMISSOS IRREGULARES
Nos termos do art. 2295º, entende-se como fideicomissos irregulares certas disposições
de bens que participam de alguns dos elementos dos verdadeiros fideicomissos e que
deles se aproximam do aspecto estrutural e funcional mas que não preenchem
plenamente o tipo legal.
Tal qualificação implica em principio a sujeição dos fideicomissos irregulares ao
disposto sobre a substituição fideicomissária com os desvios consagrados no art. 2295ª:
a) Qualifica-se como sendo fideicomisso irregular a disposição sucessória pela
qual o testador proíba o herdeiro ou o legatário de dispor, em absoluto, aos
bens que lhe são atribuídos. A proibição tem de se referir tanto à disposição
por acto inter vivos como mortis causa.
O desvio em relação ao fideicomisso regular reside no facto de tal
disposição em rigor não conter uma substituição, uma vez que não
indica, por acto voluntario do autor da sucessão, o substituo. Deste
modo o nº2 do art. 2295º dispõe que ocorrendo esta hipótese a posição
do fideicomissário seja ocupada pelos herdeiros legítimos do
beneficiário da disposição, o qual se comporta como fiduciário.
Solução que mais se aproxima da vontade do testador.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 77
b) Consagra o chamado fideicomisso de resíduo: a disposição testamentária,
além de instituir um beneficiário de certos bens a título de herança ou de
legado – fiduciário – atribui a outrem – fideicomissário – o que por morte
daquele, restar desses bens.
A particularidade desta disposição, que dá caracter residual à
substituição, consiste no facto de o fiduciário poder dispor, por acto
inter vivos, dos bens que lhe são atribuídos, independentemente da
autorização judicial, desde que obtenha autorização do
fideicomissário. Falta em relação ao fideicomisso regular o encargo de
conservar. Continua a verificar-se a dupla instituição e ainda uma
limitação à disponibilidade dos bens. É certo que fica dispensada a
autorização judicial, mas tem de ser obtida a do fideicomissário.
Para a substituição ter sentido, o fiduciário não pode dispor dos bens do
fideicomisso de resíduo por negócio mortis causa – art. 2295º/3 a
contrario
c) O fiduciário é uma pessoa colectiva, verificando-se a substituição a favor de
quem o testador indicar, no caso de extinção do fiduciário.
Trata-se de um meio de assegurar a realização de fins que tenham
presidido, na intenção do testador, à atribuição dos bens à pessoa
colectiva e que ficariam frustrados com a sua extinção.
Nesta hipótese, não se coloca a questão da atribuição dos bens por
morte, mas deve entender-se que a existência do fideicomisso afasta as
disposições correspondentes à atribuição legal ou estatutária dos bens
por extinção da pessoa colectiva – art. 166º
Quanto a actos de disposições por negócios inter vivos, este
fideicomisso irregular segue o mesmo regime do que o consagrado na
al. b) – art. 2295º/3
IV - HERANÇA JACENTE
A vocação e o exercício do direito de suceder que dela emerge, em termos práticos,
só em casos não significativos ocorrem no mesmo momento ou até em momento
próximos um do outro. Na normalidade dos casos decorre um tempo mais ou menos
longo e relevante entre eles. Durante o espaço de tempo que separa a vocação do
exercício do direito de suceder o fenómeno sucessório com que se suspende designa-
se por herança jacente.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 78
NOÇÃO DE HERANÇA JACENTE
Herança Jacente (art. 2046º): herança que ainda não foi aceite nem declarada vaga
para o Estado.
O período em que a herança se encontra jacente envolve o risco de os bens, não
tendo quem se ocupe da sua administração, virem a sofrer danos, já que mais não
seja pela deterioração inerente ao decurso do tempo ou à sua imobilização. Para
evitar tal a lei permite a adopção de providências relativas à administração dos bens
hereditários (art. 2047º) e na nomeação de curador da herança jacente (art. 2048º).
MEDIDAS CAUTELARES DA HERANÇA JACENTE; A ADMINISTRAÇÃO
A adopção de medidas dirigidas à administração dos bens hereditários traduz-se no
acautelamento dos interesses dos sucessíveis chamados. Tal funda-se no facto de ser a
eles que a lei reconhece legitimidade para adoptarem medidas dirigidas à
administração da herança e do seu retardamento poder resultar danos.
Embora o art. 2047º/1 se refira ao sucessível chamado a doutrina tem entendido que a
medida cautelar prevista nesta norma só esta aberta aos herdeiros. Os legatários só
são por ela tutelados poe as medidas de administração se referirem à herança na sua
globalidade, ou seja, compreendendo legados.
A interpretação do art. 2047º/1 conduz ao entendimento de os herdeiros chamados
poderem adoptar e tomar as providências que caibam no conceito de actos de
administração. Tendo em consideração o fim visado com a medida deve entender-se
que apenas são permitidos actos de administração ordinária e não extraordinária, e
muito menos são admitidos actos de disposição.
Só são permitidos os actos de administração quando do retardamento da sua pratica
possam resultar prejuízos (exemplo: há um prédio urbano da herança onde se regista a
infiltração de água das chuvas em termos de haver riscos de o telhado ruir).
Tal limitação deve ser conjugada com o caracter de urgência que o art. 1047º/2 exige
para os actos de administração. Contudo, o caracter de urgência dos actos de
administração ordinário, que os herdeiros são admitidos a praticar, ajuda a resolver o
problema de articulação desta medida cautelar com outras destinadas a assegurar a
administração da herança. Ou seja, por serem actos urgentes, justificados como meio
de evitar prejuízos, não é de excluir a possibilidade de os herdeiros chamados, mas
ainda não aceitantes, os praticarem mesmo que esteja em funções de cabeça-de-
casal. O mesmo vale se estiver nomeado um curador da herança jacente.
Havendo um só herdeiro chamado, a ele cabe naturalmente legitimidade para
providencial quanto à administração da herança – art. 2047º/1.
Sendo vários os chamados, qualquer dos herdeiros tem legitimidade, por só, para
praticar actos urgentes de administração. Tal regime visa assegurar um
acautelamento eficaz dos bens hereditários, pressupondo a inércia ou a
concordância dos demais, não podendo ir ao ponto de ignorar a existência de
eventuais divergência, inerentes a uma situação de pluralidade de interessados.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Deste modo, nos termos do art. 2047º/2 segunda parte previne-se a hipótese de algum
dos interessados se opor à actuação de um deles. Neste caso prevalece a vontade
da maioria, apurada em função do numero de chamados.
MEDIDAS CAUTELARES DA HERANÇA JACENTE; O CURADOR DA HERANÇA
A adopção de medidas cautelares de administração dos bens hereditários pelos
sucessíveis não prejudica a possibilidade de nomeação de curados da herança – art.
2047º/3 e art. 2048º.
Uma vez que estão envolvidos interesses que não são apenas dos sucessíveis
chamados, a lei poderá reconhecer legitimidade para requerer a nomeação de
curador à herança ao Ministério Público e ainda a quaisquer interessados.
Deste modo, ao contrario da medida anterior, a nomeação do curador à herança
pode ser requerida pelos legatários, quando eles detenham um interesse próprio e
autónomo no acautelamento dos bens que lhes estão atribuídos.
REQUISITOS DA NOMEAÇÃO DE CURADOR À HERANÇA JACENTE (ART. 2048º/1)
Falta de pessoas que legalmente administre a herança
Há a administração legal que exclui a nomeação de curador à
herança jacente, se estiver instituído o cabeçalato. Tal não acontece
quando os herdeiros estejam a praticar actos urgentes de
administração.
Risco de perda ou deterioração dos bens
Quando aos poderes do curador da herança aplica-se o regime da curadoria
provisória dos bens do ausente – art. 2048º/2. Ou seja, ao curador da herança jacente
são atribuídos, em geral, poderes de administração ordinária – art. 94º.
A curadoria mantém-se enquanto subsistirem razões que a determinaram. Deste
modo, a superveniente cessação de qualquer dos requisitos implica o seu termo – art.
2048º/3.
NOTIFICAÇÃO DOS HERDEIROS
A causa determinante de a herança estar jacente reside no facto de o sucessível
chamado não aceitar nem repudiar. O art. 2049º estabelece a possibilidade de ele
(sucessível) ser notificado para, em determinado prazo, tomar uma decisão quanto ao
exercício do direito, sob pena de se entender que adopta das opções possíveis. Existe
um processo cominatório de aceitação ou repúdio: actio interrogatória
Nos termos do art. 2049º/1, limita-se o recurso ao meio judicial aos casos em que o
sucessível chamado seja conhecido. Deste modo, o primeiro requisito da chamada
notificação dos herdeiros respeita ao seu conhecimento.
Quando tal ocorra, a notificação cominatória dos herdeiros depende ainda de o
chamado não ser lesto a aceitar ou repudiar a herança, criando-se uma situação de
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 80
incerteza quanto à posição que ele vai adoptar. A notificação só se compreende se
tal situação se prolongar no tempo para além do razoável.
O legislador fixou um prazo para além do qual a inércia do titular do direito não se
considera razoável, fazendo-o em termos exigentes: prazo de 15 dias – art. 2049º/1 –
prazo que se conta a partir do momento em que o sucessível (sendo conhecido) é
chamado.
Conhecimento do Herdeiro: não existem quaisquer dúvidas os casos em que o
desconhecimento se refere à pessoa em si mesma, ou à qualidade de herdeiro. Mas o
que sucede se o herdeiro for conhecido mas não se souber a sua morada? Nos termos
do art. 1467º/2 CPC manda-se efectuar a notificação segundo o formalismo da
citação pessoal, limitando-se o recurso à actio interrogatória.
Preenchido o prazo de 15 dias sem que o direito de suceder seja exercido, permite ao
Ministério Público ou a qualquer interessado legitimidade para requerer ao tribunal que
o sucessível seja notificado para no prazo que o juiz fixar declare se aceita ou se
repudia a herança.
Integram a categoria dos interessados…
Outros sucessíveis chamados, sejam herdeiros ou legatários, mesmo que eles
próprios não tenham aceitado;
Os sucessíveis subsequentes;
Os credores sejam da herança, sejam os pessoais do sucessível.
O sucessível é livre de aceitar ou repudiar, mas para a sua vontade ser atendida tem
de a manifestar por meios adequados dentro do prazo que lhe for fixado pelo juiz, o
qual deve constar de notificação.
Da conjugação do art. 2049º/2 com o art. 1467º CPC consagra-se que a necessidade
de o sucessível adoptar um comportamento positivo só existe necessariamente se
pretende repudiar. O seu silêncio vale como aceitação (art. 218º). Para o repúdio ser
considerado válido o sucessível deve apresentar documento valido contendo a
correspondente declaração (art. 2063º e 2126º).
Havendo repúdio, segundo o princípio da economia processual, a notificação dos
sucessíveis subsequentes faz-se no processo de notificação do sucessível prioritário –
art. 2049º/3.
NATUREZA JURÍDICA DA HERANÇA JACENTE
Na opinião do PROF. CARVALHO FERNANDES no fenómeno jurídico que ocorre na
herança jacente existem direitos sem sujeito que, como é próprio destas situações, têm
caracter temporário – estando assegurada a resolução – e são acompanhadas de
meios técnicos de acautelamento dos bens em causa, em vista dos interesses dos
futuros adquirentes do direito: medidas de administração pelos herdeiros e curadoria
da herança.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 81
Para mais desenvolvimentos sobre esta questão remete-se para Lições de Direito das
Sucessões, página 264 e ss.
6. AQUISIÇÃO DA HERANÇA
I O DIREITO DE SUCEDER
GENERALIDADES
O Direito de Suceder é um direito potestativo instrumental, através de cujo exercício,
mediante a manifestação da sua vontade, o sucessível chamado à herança a pode
fazer sua ou afasta-la do seu património. Contém-se neste direito uma opção
conferida ao sucessível traduzida na escolha em alternativa de uma de duas
faculdade de sinal oposto, cujo exercício consubstancia um de dois actos jurídicos
que se designam por aceitação e repudio.
Note-se que no CC os dois capítulos que se ocupam da aceitação e do repudio só ao
direito dos herdeiros se referem, deixando de fora os legatários. Contudo, o direito dos
legatários não justifica nesta matéria tratamento substancialmente diverso do dos
herdeiros, pelo que nos termos do art. 2249º, a propósito dos legados, manda-se
aplicar aos legatários com as necessárias adaptações o regime de aceitação e do
repudio.
ASPECTOS COMUNS À ACEITAÇÃO E AO REPÚDIO
Tanto na aceitação como no repudio está se face a negócios jurídicos sucessórios –
características:
Por neles haver só uma parte, tanto a aceitação como repúdio são negócios
unilaterais
São negócios singulares, uma vez que se houver varias pessoas chamadas à
sucessão, cada uma delas aceita ou repudia o acto isolado
São negócios jurídicos pessoais, uma vez que não admitem exercício
representativo voluntário (ligação entre tais actos e o seu autor e garantia de
genuinidade da vontade neles manifestada)
Crítica: sendo o chamado à sucessão pessoa incapaz de exercício
(menor, interdito) funcionam as regras do respectivo suprimento
quanto ao exercício do direito de suceder. Já quanto aos inabilitados,
não sendo a aceitação acto de administração e constituindo o
repudio um acto que implica efeito análogo à disposição de bens
deve entender-se que eles estão sujeitos apenas à autorização do
curador, que actua, em qualquer dos casos, como assistente.
Quanto ao menor, os pais estão sempre dependentes da autorização
para o repúdio da sucessão; quanto à aceitação ela só é exigida se a
herança ou o legado estiverem sujeitos a encargos.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 82
Quanto o sucessível seja casado, a aceitação é livre mas o repudio
exige autorização do outro cônjuge, a menos que vigore o regime de
separação de bens – art. 1683º.
São negócios não recipiendo uma vez que a sua eficácia não depende de
serem levados ao conhecimento de terceiro ou de lhe serem comunicados.
São actos irrevogáveis – art. 2061º e 2066º - uma vez celebrados não pode o
seu autor por termo à sua eficácia por acto unilateral de sinal contrário (razões
de segurança e de celeridade)
Não se permite a aponibilidade, à aceitação e ao repúdio, de cláusulas
acessórias que afectem a sua eficácia. A sucessão não pode ser aceite ou
repudiada sob condição ou termo – art. 2054º/1 e art. 2064º/1.
Em princípio, tanto a aceitação como o repúdio, são actos indivisíveis – art.
2054º/2 e 2064º - a herança não pode ser aceite ou repudiada só em parte. A
mesma regra vale quanto aos legados – art. 2250º/1.
Excepção quanto à herança: art. 2055º
Nº1: casos em que o herdeiro é chamado à herança como
sucessível legitimo e testamentário, quer seja simultaneamente
quer seja sucessivamente. De acordo com esta norma, aplica-
se preliminarmente a regra da indivisibilidade ao consagrar-se
que se o sucessível aceitar ou repudiar a herança que lhe é
deferida por lei, aceita ou repudia também o que lhe é
deferido por testamento. Esta regra cede se o herdeiro ao
tempo em que aceitou ou repudiou a herança deferida por lei
ignorava a existência de testamento. Pode em relação ao
testamento praticar o acto de sinal contrario aquele por que
optou quanto à sucessão legítima. O facto de ter repudiado
como herdeiro legitimo não o impede de aceitar a herança
que lhe é deferida por testamento, e a inversa é igualmente
verdadeira.
Nº2: sendo o herdeiro chamado a titulo legitimário e
testamentário admite-se que ele repudie a quota disponível e
aceite a quota indisponível.
Excepção quanto aos legados: art. 2250º
Nº1: a regra da indivisibilidade não impede que o legatário
sendo beneficiário de mais de um legado aceite uns e repudie
outros. Contudo há uma limitação: não é admitido só o
repudio, no caso dos legados plurais, em relação aquele ou
aqueles que sejam onerados por encargos impostos pelo
testador. Havendo encargos tem de aceitar ou repudiar todos
os legados
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 83
Nº2: Casos em que o sucessível é a um tempo herdeiro e
legatário. Neste caso, o sucessível pode tomar atitudes opostas
quanto à herança e ao legado: aceitando ou repudiando uma
e repudiando ou aceitando outra. Contudo aqui funciona a
limitação em que não se admite só o repúdio da deixa onerada
com encargos, seja a titulo de herança seja de legado.
A aceitação e o repudio seguem o disposto para o comum dos negócios
jurídicos quanto à anulabilidade por erro qualificado por dolo e por medo
proveniente da coacção moral, não relevando como causa de anulabilidade
o simples erro – art. 2060º e 2065º.
ASPECTOS PARTICULARES DA ACEITAÇÃO E DO REPÚDIO
Nos termos do art. 2056º/1 a aceitação da sucessão pode ser expressa ou tácita. Uma
vez que não existe nenhuma norma semelhante quanto ao repudio considera-se que
terá de ser expresso. Contudo é necessário interpretar esta afirmação com cuidado.
Em matéria de aceitação, o CC não se limita a consagrar especificadamente a
admissibilidade das duas modalidades que em regra a declaração negocial poderá
revestir nos termos do art. 217º.
Em verdade, o art. 2056º/2 evidencia casos de aceitação expressa segundo o critério
geral do art. 217º/1 conjugado com um problema de interpretação da declaração.
Não pode deixar-se de entender-se como manifestação directa da sua vontade o
comportamento do sucessível que em algum documento escrito declara aceitá-la. O
mesmo se deve dizer quanto à assunção do titulo de herdeiro feita com a intenção de
adquirir a herança.
O problema coloca-se em sede de aceitação tácita sendo necessário atender ao
consagrado no art. 2056º/3 e art. 2057º:
Nos termos do art. 2056º/3, desconsidera-se para tal efeito esses mesmos
factos. Assim aos simples actos de administração da herança praticados pelo
sucessível em relação aos quais se podia discutir se tinham relevância como
manifestação indirecta da vontade de aceitar, retira o preceito em análise tal
significado.
Quanto aos actos de alienação gratuita da herança, é necessário distinguir
em função dos beneficiários da alienação – art. 2057º/1
Se esta for feita em beneficio de todos aqueles a quem a herança
caberia se o alienante a repudiasse, não há aceitação. Caso
contrario, a alienação gratuita da herança implica a sua aceitação.
O mesmo se deve dizer se a alienação for onerosa,
independentemente, e quem for o adquirente.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 84
Análise do art. 2057º/2: segundo a sua provisão o sucessível pratica efectivamente um
acto de repúdio, contudo ao repudiar esta a fazê-lo a favor apenas de algum ou
alguns dos sucessíveis que seriam chamados na sua falta. A lei desconsidera o acto
praticado pelo sucessível, qua tale, e atribui ao seu comportamento o duplo
significado de aceitação da herança e a sua subsequente alienação a favor dos
beneficiários do repudio. O entendimento correcto vai no sentido de não ser aqui
admitida, por parte do adquirente, prova de intenção contraria à declaração,
levando esta norma a ser uma declaração ficta. Note-se que o mesmo se deve dizer
quanto ao seu nº1 uma vez que tal envolve a verificação de um repudio tácito mas
apenas se se tomar esta qualificação em sentido amplo.
Note-se que quanto à aceitação da herança o silencio do sucessível tem valor
declarativo – art. 2049º/2 E art. 2165º/3.
Como já foi mencionado, uma vez que a lei não prevê expressamente a hipótese de o
repudio poder ser tácito pelo que não se admite em absoluto tal possibilidade.
Contudo, o legislador ao está impedido de em norma expressa consagrar situações de
repudio sob a modalidade de declaração presumia ou ficta.
FORMA
ACEITAÇÃO REPÚDIO
PROF. ANTUNES VARELA E PIRES DE
LIMA:Está sujeita a forma escrita, quando
expressa – interpretação do art. 2056º/2.
PROF. LUÍS CARVALHO FERNANDES E
OLIVEIRA ASCENSÃO: a aceitação
poderá ser verbal, não valendo nem
como expressa nem como tácita,
quando tal corresponda na pratica da
vida à conduta normal das pessoas.
O art. 2063º manda observar a forma que
é exigida para a alienação da herança
(art. 2126º).
O repúdio é sempre um negócio formal
embora a forma legal exigida dependa
da natureza dos bens que compõem a
herança: bens imóveis - repúdio por
escritura pública ou por documento
particular autenticado. Nos demais casos,
deve ser feito por documento particular.
ACEITAÇÃO PURA E SIMPLES E ACEITAÇÃO A BENEFICIO DE INVENTÁRIO
ACEITAÇÃO PURA E SIMPLES ACEITAÇÃO A BENEFÍCIO DE INVENTÁRIO
Determina-se por exclusão de partes.
Art. 2053º: pressupõe a existência de um
processo judicial de inventário. O
sucessível pode, para fazer a aceitação
segundo este regime, ou requerer ele
próprio o inventário ou intervir em
processo de inventário que esteja em
curso.
O recurso a uma destas duas modalidades de aceitação, fora dos casos em que a
aceitação a beneficio de inventário seja imposta por lei, é deixada na disponibilidade
do sucessível, não podendo o autor da sucessão determiná-la por forma directa ou
indirecta – art. 2052º/2 (considera não escritas as cláusulas testamentárias que
imponham uma ou outra das modalidades de aceitação).
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 85
Importa desde já salientar que a aceitação a benefício do inventário acarreta um
regime mais favorável em matéria de prova da solvabilidade ou insolvabilidade da
herança – art. 2071º. Deste modo, antigamente, para tutela de certas categorias de
sucessíveis, a lei impunham, em certos casos, que a aceitação se fizesse a benefício
de inventário – inventário obrigatório. Tal foi posteriormente modificado, devendo
então a partilha fazer-se judicialmente. Nos termos do art. 2102º/2 resulta que a
partilha é obrigatória quando:
Havendo interessado incapaz, o MP requeira inventário por entender que o
interesse daquele justifica a aceitação beneficiária;
Algum ou alguns dos herdeiros não possam intervir em partilha extrajudicial por
motivo de ausência em parte incerta ou incapacidade de facto permanente.
Note-se que este regime não opera no caso de estar declarada a morte
presumida do ausente, pois nele são chamados os sucessíveis subsequentes d
autor da sucessão.
CAUDICIDADE DO DIREITO DE ACEITAÇÃO
O Direito de Aceitação deve ser exercido dentro de certo prazo sob pena de
caducidade: art. 2059º (herança) e art. 2249º (legados)
O prazo para aceitar a sucessão é de 10anos contando-se, em geral, do
conhecimento que o sucessível tenha de haver sido chamado – art. 2059º/1.
Contudo, na vocação sob condição suspensiva e na substituição fideicomissária o
inicio do prazo, nos termos do art. 2059º/2, é diferente:
Vocação Sob Condição Suspensiva: o prazo de caducidade começa a
contar-se a partir do conhecimento da verificação da condição.
Substituição Fideicomissária: pelo que respeita ao direito de aceitar do
fideicomissário, o inicio da contagem do prazo de caducidade só se verifica
quando ele tem conhecimento da morte do fiduciário.
A SUB-ROGAÇÃO DE CREDORES
O repúdio da herança implica o afastamento de certos bens que, a ser aceite o
convite envolvido de vocação, viriam integrar o património do sucessível. Deste modo,
o repúdio pode implicar prejuízo para os credores do repudiante, que se vêem
impedidos de, à custa dos bens da herança, uma vez perdida a qualidade de
património autónomo que a caracteriza, realizar o seu crédito função externa do
património e garantia comum dos credores.
Nesta base, compreende-se a atribuição aos credores de meios de reação contra o
repúdio, uma vez que tal consubstancia ou pode consubstanciar uma afectação da
sua garantia.
Nos termos do art. 2067º consagra-se uma faculdade concedida aos credores pessoais
do sucessível, ou seja o fenómeno da sub-rogação.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 86
ANÁLISE DO ART. 2067º
Nos termos do nº1 resulta que a intervenção dos credores, aceitando a herança em
nome do sucessível, pressupõe o repúdio deste (‘’credores do repudiante’’). Note-se
que o repudiante pode ser um herdeiro legal ou testamentário ou ainda um legatário
(com base na remissão genérica para o art. 2249º). Os credores a quem o direito de
aceitação é reconhecido são os pessoais do repudiante. Pelo que respeita ao
repúdio, não é de admitir o recurso ao art. 2067º se ele for nulo, anulado ou ineficaz,
sendo que a lei não exige que o repudiante tenha agido com fraude, ou seja, com o
intuito de lesar os credores.
Nos termos do nº1, a aceitação deve fazer-se no prazo de seis meses, contados do
conhecimento do repúdio pelos credores. O meio judicial para os credores operarem
a faculdade que lhes é conferida é a acção em que deduzam o pedido de
pagamento dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles que receberam os
bens por efeito do repúdio – art. 1469º/1 CPC.
A sentença favorável que os credores obtenham na acção referida permite-lhes
executar a decisão contra a herança, ou seja pagar-se à custa dos bens que a
integram.
Um vez obtido o pagamento dos credores sub rogantes, o que restar da herança na
cabe ao repudiante mas aos sucessíveis a quem por efeito do repúdio a herança seja
deferida (nº3).
ANÁLISE DO ART. 606º E SS (remissão do art. 2067º/1 in fine)
Nos termos do nº2 do art. 606º limita-se a admissibilidade da acção sub rogatória aos
casos em que esta seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor. Tal
requisito projecta-se em dois sentidos diferentes:
Implica a Avaliação da Situação Patrimonial do Repudiante: pelo que respeita
ao património do devedor, o seu repúdio acarreta prejuízo para os credores
quando esteja insolvente, bastando a insolvência como situação de facto, não
se tornando necessária a sua verificação judicial, em processo de insolvência.
Ainda que ocorra uma situação de insuficiência patrimonial do devedor, o seu
repúdio só causa necessariamente prejuízo aos credores, se a herança, por seu
turno, for solvente. Note-se que o art. 2067º não envolve qualquer derrogação
do regime da satisfação dos encargos da herança, ou seja, os credores sub-
rogantes não adquirem melhor posição do que a que lhes conferiria o art.
2070º/1 não sendo pois prejudicada a preferência atribuída aos credores da
herança.
Implica a Avaliação da Situação Patrimonial da Própria Herança: se a herança
repudiada for insolvente nenhum prejuízo o repudio acarreta aos credores do
repudiante.
Há que ressalvar o benefício que a sub-rogação traz ao credor aceitante sobre os
credores pessoais do sucessor autor do repúdio.
A aceitação feita por certo credor só a este beneficia e não afasta os efeitos
decorrentes do repúdio do sucessível: art. 2067º/3 e art. 2049º/3.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 87
A aceitação feita pelos credores visa assegurar-lhes a satisfação dos seus créditos,
sendo que uma vez que estes sejam pagos, o remanescente não aproveita ao
repudiante, mas aos herdeiros imediatos a quem caiba o direito de suceder por efeito
do repúdio. Tal encontra-se em perfeita harmonia com o disposto no nº3 do art. 2049º,
sendo que tal dispõe que, se o sucessível, notificado para exercer o direito de suceder
e declarar se aceita ou repudia a herança, a repudiar, passam a notificar-se os
sucessíveis imediatos, segundo a ordem de preferência dos correspondentes factos
designativos. A aceitação que algum destes venha a fazer não prejudica o direito
atribuído pelo art. 2067º aos credores do repudiante.
EFEITOS DO EXERCÍCIO, PELOS CREDORES, DA FACULDADE CONSTANTE NO ART. 2067º
Quanto aos credores aceitantes eles podem executar os créditos sobre a
herança, logo, sobre os bens que não integram o património do seus devedor
nem nunca integraram – art. 1469º/3 CPC. São os bens da herança que
respondem, para além dos seus próprios encargos – art. 2068º. Os credores
aceitantes não adquirem, com a aceitação, a qualidade de herdeiros ou de
legatários.
Quanto ao repudiante, embora a lei não de uma resposta clara entende-se
que a aceitação dos seus credores não poe em causa o repúdio. Do art. 2067º
não resulta que o repúdio seja afectado nomeadamente por não configurar a
sua anulação ou impugnação. Além disso, o destino estabelecido para os bens
remanescentes da herança, ou seja a sua atribuição aos herdeiros imediatos,
só se concilia com uma solução de subsistência do repúdio, logo o repudiante
não será sucessor.
A aceitação da herança pelos credores do repudiante não afasta a vocação
dos sucessíveis subsequentes – art. 2067º/3. Contudo, tal produz um significativo
efeito na situação patrimonial do devedor e na dos herdeiros subsequentes:
O devedor, na medida da satisfação dos créditos pela herança, fica
liberto das correspondentes dívidas, sem que tal ocorra à custa do seu
património.
O sucessor imediato não recebe o património tal como em princípio o
repudio lho facultaria, mas sim desfalcado dos bens necessários para
pagar aos credores do repudiante.
A sub-rogação dos credores do repudiante faz surgir novos parceiros no
concurso de credores que podem obter a satisfação dos seus direitos à custa
dos bens da herança: os credores pessoais do sucessor subsequente. O art,
2067º não regula a articulação dos direitos destes credores com os dos do
repudiante, mas existem elementos relativos ao seu regime e ao fenómeno
sucessório em geral que habilitam a formular uma resposta com alguma
segurança:
O art. 2067º visa tutelar os credores pessoais do repudiante, afastando o
prejuízo de não poderem valer-se dos bens da herança para a
satisfação dos seus créditos. Deste modo, os credores do repudiante
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 88
suportam a preferência dos credores da herança, porquanto se
pudessem ser pagos antes deles ou em conjunto com eles, subvertia-se
a ratio legis da norma, ou seja não se evitava o prejuízo aos credores do
repudiante, concedia-se-lhes uma vantagens.
Na relação entre os credores do repudiante e os pessoais do herdeiro
subsequente, aqueles não podem ter pior posição do que estes, não
excluindo tal a hipótese de todos concorrem aos bens da herança em
paridade de situação. Todavia, o facto de a lei deixar claro que ao
herdeiro subsequente é apenas atribuído o remanescente da herança,
ou seja, o que resta depois de pagos os credores aceitantes, permite
afirmar que os seus diretos preferem aos dos credores pessoais do
herdeiro subsequente. São aqueles que chegam ao seu património e só
por eles os seus credores pessoais se podem pagar.
QUALIFICAÇÃO DO INSTITUTO DO ART. 2067º
ART. 2067º ART. 606º
O direito de suceder, em relação ao qual
a sub-rogação é admitida, já foi
exercido, mediante o repúdio.
A faculdade reconhecida aos credores
pressupõe a inércia do devedor no
exercício dos direitos de conteúdo
patrimonial que lhe sejam conferidos.
Tendo presente a distinção anterior, poder-se-ia pensar que o meio de conservação
da garantia patrimonial que se apresentaria mais adequado à intervenção dos
credores do repudiante seria a impugnação pauliana uma vez que tal configura um
ataque contra o acto praticado pelo devedor, o repúdio, de que a afectação da sua
garantia decorre.
Contudo, tal enquadramento não se ajusta ao instituto do art. 2067º. O credor do
herdeiro não vai propriamente atacar o repúdio, sendo apenas admitido a aceitar a
sucessão, em nome do repudiante, apesar de já ter havido o repúdio.
O repúdio não é afectado pois o repudiante não recebe o remanescente da herança
mantendo-se o chamamento do sucessível subsequente. Não se pode esquecer que
a remissão do art. 2067º para o art. 606º afasta a possibilidade de construir o instituto
consagrado naquela norma com base na impugnação pauliana.
Deste modo, a faculdade atribuída pelo art. 2067º aos credores do sucessível do
repudiante configura-se como uma figura a se, situada, se assim se pode dizer, a meio
caminho da sub-rogação e da impugnação pauliana. Razões:
No fundo o que legislador quis foi assegurar aos credores do repudiante um
meio de ver concretizada a sua razoável esperança de à custa do património
hereditário que ao devedor viesse a caber satisfazerem em tempo oportuno os
seus direitos.
O repúdio do devedor frusta tal esperança: os credores do repudiante através
deste meio que a lei qualifica de sub-rogação, são admitidos a pagar-se por
tais bens, como se eles tivessem entrado no património do seu devedor.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 89
Por força do art. 1469º/2 do CPC que resulta o meio processual através do qual
a sub-rogação opera, os credores aceitantes executam a sentença favorável
contra a herança. Deste modo, os seus créditos que comportam como se
fossem encargos da herança, para serem pagos após a satisfação daqueles
por que ela prioritariamente responde, mas antes dos dos credores pessoais do
sucessível subsequente que aceite a herança.
Em suma, o instituto funda-se em razões de Justiça, visando o desenvolvimento normal
do fenómeno sucessório em conexão com o princípio da garantia patrimonial das
obrigações, ou seja, domina nele uma preocupação análoga à que preside aos
meios de conservação da garantia patrimonial.
Tal como na acção sub-rogatória como na pauliana, a aceitação dos credores só é
admitida quando ocorra uma situação de deficit patrimonial do seu devedor e a
herança repudiada possa contribuir para a realização do crédito do aceitante.
Constitui um meio especifico, a se, concretização da garantia patrimonial, afim dos
meios de conservação.
TRANSMISSÃO DO DIREITO DE SUCEDER
A aquisição do direito de suceder mediante vocação significa que na titularidade do
sucessível passam a existir as faculdades alternativas de aceitar ou repudiar a
sucessão.
O exercício deste direito não se pode dar imediatamente após a vocação. Em geral
mesmo sendo o sucessível diligente decorre algum tempo entre a atribuição do direito
e o seu exercício sendo, de resto, longo o prazo legal de caducidade da faculdade
de aceitação da herança.
E se o sucessível, a quem o direito de suceder foi atribuído, falecer sem o ter exercido?
O conteúdo patrimonial do direito de suceder aponta na sua transmissibilidade mortis
causa – art. 2058º - ou seja, o direito de aceitar ou repudiar a sucessão, não exercida
antes da morte do sucessível a quem foi atribuído, transmite-se aos seus herdeiros.
Note-se que tal transmissão só se verifica se o herdeiro do sucessível, a quem foi
atribuído o direito de suceder, aceitar a sucessão do sucessível que faleceu sem ter
aceitado ou repudiado (nº2).
A aceitação da herança do titular do direito de suceder não exercido, comporta-se,
como um requisito da sua aquisição, mas confere, ao mesmo tempo, aos herdeiros do
falecido, o direito de suceder em todo o seu conteúdo; por isso adquirindo o direito
suceder eles tanto podem aceitar como repudiar a herança a que o falecido fora
chamado.
Exemplo: B, sucessível de A, morre sem ter exercido o direito de suceder e deixa, como
seu herdeiro C. Se C aceitar a herança de B, o direito de este suceder a A transmite-se
para C. Por seu turno, C é livre de em seguida aceitar ou repudiar a herança de A. Ou
seja, C é livre de aceitar ou repudiar a sucessão de B, mas se a repudiar não adquire o
direto de suceder a A, que integrava a herança de B.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 90
A transmissibilidade do direito de suceder tem como efeito imediato afastar o
chamamento de herdeiros subsequentes do autor da sucessão a que o direito de
suceder não exercido respeita.
Exemplo (anterior): Suponha-se que B (sem descendentes nem ascendentes) casado
com C era o único irmão de A e que o parente mais próximo deste, além de B, era o
seu tio avô D.
Se B tivesse repudiado a herança de A, seria chamado à sucessão de A, por vocação
subsequente F. Como B morreu sem aceitar ou repudiar a herança de A, o direito de
suceder a este transmite-se a C, cônjuge sobrevivo de B, seu sucessível prioritário,
desde que C aceite a sucessão de B. Mas ocorrendo esta aceitação C pode repudiar
a herança de A.
Será este um caso de afastamento do princípio que exclui a aceitação e o repúdio
parciais?
Não, uma vez que aqui estão em causa duas sucessões diferentes e o transmissário do
direito de suceder vem a ser sucessor de A.
Ou seja, no presente caso estamos perante as sucessões de A e B. O direito de
suceder de A é apenas um dos que C adquire por transmissão como qualquer outro
elemento da herança de B, por a ter aceite. De seguida C exerce livremente esse
direito. O que ele então aceita ou repudia é a sucessão de A e não a de B.
Em suma, em relação a cada uma dessas heranças, quando C aceita uma e repudia
outra estes actos envolvem uma aceitação e repúdio integrais e não parciais. Deste
modo, se C repudiar a herança de A, são os herdeiros imediatos deste – e não de B –
que vão ser chamados à herança de A, ou seja D seria chamado a suceder a A.
TRANSMISSÃO DO DIREITO DE SUCEDER DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
Na sucessão legal verifica-se qualquer
que seja o sucessível que não chega a
exercer o direito de suceder.
Ocorre a favor dos herdeiros, em geral.
Não há qualquer vocação indirecta
Verifica-se apenas na sucessão dos
descendentes e dos irmãos do falecido.
Ocorre a favor dos descendentes.
Vocação Indirecta
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 91
II REGIME DA AQUISIÇÃO SUCESSÓRIA
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Nos termos do art. 2050º/1 consagra-se que o domínio e posse dos bens da herança
adquirem-se pela aceitação independentemente da sua apreensão material, sendo
que os efeitos da aceitação retroagem ao momento da abertura da sucessão (nº2).
Exclui-se tanto o sistema de aquisição automática da herança como o de investidura.
Exclusão do Sistema de Aquisição Automática da Herança
Exige-se a aceitação constituindo tal um negócio jurídico através do
qual o sucessível manifesta a vontade de receber os bens que lhe são
deferidos.
A retroação dos efeitos da aceitação visando tal operar desde a
abertura da sucessão traduz uma aquisição que só mais tarde de
verifica
Exclusão do Sistema de Investidura
No sistema de investidura, a aquisição depende de acto de uma
autoridade, sem o qual não se dá. Ora o art. 2050º/1 ao dispensar como
requisito da aceitação a apreensão material dos bens também não é
adequado a este sistema.
Só na aquisição da herança pelo Estado é que se pode identificar uma
situação de investidura.
AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO. AQUSIÇÃO DA POSSE. AQUISIÇÃO DO ESTADO
Remete-se para Lições de Direito das Sucessões, página 292 e ss.
IV – REGIME DA HERANÇA ADQUIRIDA
1. GENERALIDADES
A SITUAÇÃO DA HERANÇA ADQUIRIDA
A aquisição da herança não significa que os sucessores entrem de imediato na posse
efectiva dos bens que a cada um deles foram atribuídos. Se se tratar de herdeiros o
que eles adquirem num primeiro momento é uma universalidade de bens ou uma
quota deles. O seu preenchimento com bens determinados implica uma nova
operação jurídica, operação essa que se designa como partilha. Quando aos
legatários, fora das hipóteses de terem já a detenção dos bens que lhes cabem, esta
em causa o cumprimento do legado.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 92
PROVA DA QUALIDADE DE SUCESSOR
A invocação pratica da qualidade de sucessor implica com frequência a sua
demonstração ou prova. A titulo ilustrativo invoca-se nesta campo a inscrição, em
nome do sucessor, de coisas registáveis que lhe foram atribuídas.
A ordem jurídica poe ao dispor do sucessor meios de diversa natureza:
Extrajudicial
Notarial
Procedimento simplificado de sucessão hereditária
Judicial
Inventário (processo especial)
Habilitação judicial (incidente de um processo em curso)
Administrativo
Para mais desenvolvimentos remete-se para Lições de Direito das Sucessões, página
306 e ss.
PETIÇÃO DA HERANÇA
A petição da herança encontra-se regulada no art. 2075º/1 e assenta num meio
judicial, que se aproxima da acção de reinvindicação mas que possui elementos
diferenciadores de tal.
O pedido, na acção de petição da herança é complexo, e visa:
Reconhecimento da qualidade de herdeiro do demandante
A restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, por quem
indevidamente os detenha
A petição da herança pressupõe logicamente a aceitação da sucessão no mínimo, se
ela não tiver já sido feita no momento da propositura da acção, este acto envolve
aceitação tacita: não faz sentido pedir o reconhecimento da qualidade de herdeiro
sem haver aceitação.
Note-se que o demandante tem de ser herdeiro.
Poder-se-ia levantar a duvida de saber se neste domínio havendo uma pluralidade de
herdeiro se tornava necessária a intervenção de todos. Mais concretamente saber se
sendo um só deles a agir, com legitimidade, pode ele pedir a restituição de toda a
herança ou só da sua parte?
Nos termos do art. 2078º/1 confere-se legitimidade a qualquer dos herdeiros para
pedir, só por si, a totalidade da herança. Afasta-se a possibilidade de o demandado
opor, na sua defesa, que ao demandante só pertence uma parte dos bens.
Nos termos do nº2 do art. 2078º consagra-se uma ressalva relacionada com o poder,
atribuído ao cabeça-de-casal, de pedir a entrega dos bens que lhe caiba administrar.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 93
Quanto à legitimidade passiva, nos termos do art. 2075º/1, ela cabe a quem
genericamente tenha os bens em seu poder (herdeiro aparente, detentor dos bens
por qualquer outro titulo ou quem não tenha qualquer titulo).
Quanto ao tempo em que a petição da herança pode ser proposta, é necessário
atender à relação que existe entre a petição da herança e a aceitação, uma vez que
na parte final do nº2 do art. 2075º é ressalvada a caducidade do direito de suceder
(remete-se para o art. 2059º). Deste modo, o facto de a acção de petição poder ser,
em princípio intentada a todo o tempo não implica que o direito de suceder não
caduque, se for excedido o prazo do art. 2059º. Ou seja:
Exercido, em devido tempo, o direito de suceder, mediante a aceitação da
herança, a acção de petição pode ser proposta dentro desse prazo. Neste
caso só o usucapião do direito relativo a cada uma das coisas possuídas por
terceiro impede a procedência dessa acção – art. 2075º/2.
Não havendo aceitação autónoma da herança, isto é, implicando a
propositura da acção de petição aceitação tácita, o prazo relativo à
aceitação acaba por se projectar no da acção de petição, que improcederá
se já tiver sido ultrapassado o período de tempo estipulado no art. 2059º.
O efeito da sentença que julgue procedente o pedido do herdeiro traduz-se quanto
aos bens da herança na obrigação de o demandado (e seu detentor) os entregar.
Este regime funciona plenamente se aquele que possuía os bens à data da abertura
da herança continuar a detê-los. Se, porém, ele os tiver alienado, surge de imediato a
questão de saber se o adquirente merece tutela e em que termos:
A regra é a de o direito de petição da herança ser oponível a terceiros
adquirentes dos bens hereditários - art. 2076º/1 – ou seja, consagra-se a
hipótese de a acção de petição ser dirigida contra o adquirente.
Todavia há casos em que a aquisição do terceiro é tutelada verificados certos
requisitos:
Para haver tutela é necessário que o possuidor e alienante dos bens
seja alguém que, por efeito de erro comum ou geral, seja reputado
como herdeiro: herdeiro aparente – art. 2076º/3
Se ocorrer uma situação de herdeiro aparente, se o terceiro tiver
adquirido a titulo oneroso bens determinados da herança ou quaisquer
direitos sobre eles e estiver de boa fé o seu direito prevalece sobre o do
herdeiro – art. 2076º/2
Independentemente das relações entre o herdeiro que intentou a acção de petição
da herança e o terceiro adquirente de bens que aquela acção tem por objecto é
necessário considerar a posição do possuidor que alienou os bens. Ou seja, está em
causa a sua responsabilidade pelo acto de alienação:
Em geral, ele responde pelo valor dos bens alienados – art. 2076º/1
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 94
Se o alienante for herdeiro aparente, e a aquisição do terceiro prevalecer
contra o direito do verdadeiro herdeiro, a responsabilidade do herdeiro
aparente é determinada segundo as regras do enriquecimento sem causa, se
também ele estiver de boa fé.
ANÁLISE DO ART. 2077º - EFEITOS DECORRENTES DA NULIDADE OU DE ANULAÇÃO DE UM
TESTAMENTO, HAVENDO NOMEAÇÃO DE LEGATÁRIO
Pode a invalidade do testamento ocorrer num momento em que o herdeiro afectado
pela anulação – herdeiro suposto – tenha cumprido legados. Havendo boa fé do
herdeiro suposto o cumprimento do legado subsiste e aquele tem apenas de entregar
ao verdadeiro herdeiro o remanescente da herança – art. 2077º/1
Se o direito do legatário tiver sido atingido pela invalidade do testamento e
consequentemente o legatário tiver direito ao legado cumprido, cabe ao verdadeiro
agir contra o legatário suposto para obter a restituição do que tenha sido prestador.
Se houver má fé do herdeiro suposto, ele tem de indemnizar o verdadeiro herdeiro dos
danos decorrentes do cumprimento indevido do legado.
Nos termos do art. 2077º/2 alarga-se o regime do nº1 ao legatário a quem caiba o
cumprimento de legado ou de encargos que lhe estejam impostos.
REIVINDICAÇÃO DO LEGADO
Os legatários gozam da acção de reinvindicação que consta do art. 2279º enquanto
meio jurídico de tutela.
2. ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
GENERALIDADES
A solução normal estabelecida pelo Código para a administração da herança é o
cabeçalto tendo como órgão o cabeça-de-casal – art. 2079º. Contudo o de cuius
tem a possibilidade de instituir, no seu testamento, um meio especifico da sucessão
mortis causa que consiste em definir um conjunto de tarefas – a testamentaria – a
desempenhar por uma ou mais pessoas – testamenteiros – por ele designados.
O CABEÇA-DE-CASAL; REGIME DE EXERCÍCIO E CESSAÇÃO DE FUNÇÕES
No art. 2080º e ss, a lei estabelece varias regras sobre a selecção da pessoa que vai
exercer as funções de cebeça de casal. Contudo, não tendo qualquer delas natureza
imperativa (art. 2084º) iremos começar por expor o regime da designação do cabeça
de casal por acordo dos interessados.
De facto, todos os interessados na administração da herança, incluindo o MP quando
tenha intervenção principal, podem escolher quem deles lhes aprouver para o
exercício do cargo, ainda que esta pessoa não seja nenhuma das indicadas no art.
2080º a 2082º.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 95
Na falta de acordo funcionam as regras supletivas, sendo que a ordem consagrada
no art. 2080º defere o cargo a certas pessoas:
a) Cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas ou bens, desde
que tenha a qualidade de herdeiro ou de meeiro dos bens do casal
b) Testamenteiro, se o testador não tiver disposto em contrario (art. 2325º e 2326º)
c) Parentes que sejam herdeiros legais, com preferência pelo grau mais próximo;
em igualdade de circunstancias preferem os que viviam com o autor da
sucessão há pelo menos um ano e de entre estes em igualdade o mais velho
d) Herdeiros testamentários, tendo preferência os que viviam com o autor da
sucessão há pelo menos uma ano; em caso de igualdade prefere entre estes o
mais velho
Prevenindo a hipótese de só existirem legatários, por quem tenha sido distribuída toda
a herança, o art. 2081º substitui-os no lugar dos herdeiros, dando a preferência ao mais
beneficiado, sendo que em igualdade de circunstancia a preferência cabe aos mais
velho.
Se a pessoa que nos termos do art. 2080º a 2081º tenha preferência na nomeação
para cabeça-de-casal for incapaz (menor, interdito ou inabilitado) de acordo com o
disposto no art. 2082º/1 e 2, as funções do cabeça-de-casal serão exercidas pelo seu
representante legal, tratando a lei, para este efeito, o curador do inabilitado como seu
representante ainda que não o seja (art. 153º).
Se as regras do art. 2080º a 2082º não puderem funcionar, por as pessoas que, nos
termos destas normas, são admitidas a exercer o cargo terem pedido exusa ou sido
removida, a nomeação cabe ao tribunal – art. 2083º.
O autor da sucessão pode, no testamento, afastar as regras do art. 2080º a 2084º?
PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO: Sim
PROF. ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA: Não
PROF. LUÍS CARVALHO FERNANDES: O autor da sucessão pode intervir nesta
matéria mas só através da nomeação de um testamenteiro e anda assim por
via indirecta, uma vez que aquele pode ser deferido o cabeçalato.
O exercício do cargo de cabeça-de-casal é obrigatório, de exercício pessoal, não
admitindo a substituição por representante, salvo o legal e quanto o exercício deva
ser judicial relativamente aos actos que tenham de ser praticados por mandatário
judicial. É intransmissível, tanto em vida como por morte – art. 2095º.
O cabeça-de-casal tem direito a ser reembolsado das despesas decorrentes do
exercício do cabeçalato e dos juros de quantias que, à sua custa, tenham adiantado
para o efeito – art. 2093º/2.
O cabeça-de-casal tem obrigação de prestar periodicamente contas, sendo tal anual
– art. 2093º/1 – e o respectivo prazo começa a correr no inicio do exercício do cargo.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 96
Se as contas apresentarem saldo positivo deve ser entregue aos interessados, segundo
o seu direito, a parte do saldo que não seja necessária, em termos previsionais, para as
despesas do ano seguinte – art. 2093º/3.
As funções do cabeça-de-casal têm o seu termo normal ligado à cessação da própria
administração da herança, com a sua liquidação e partilha – art. 2079º. Contudo
pode cessar antes disso manifestamente no caso de morte do seu titular, por escusa
ou remoção.
Escusa (art. 2085º): acto de iniciativa do cabeça-de-casal, mas não
discricionário, porquanto depende da ocorrência de factos que a lei considera
justificativos, enumerados nas diversas al. do nº1 do art. 2085º todos os factos
ai consagrados respeitam à pessoa do cabeça-de-casal, referindo-se à sua
idade, estado de saúde, residência ou ao exercício de funções publicas em
relação as quais o desempenho do cabeçalto seja incompatível.
Remoção (art. 2086º): é imposta ao cabeça-de-casal podendo se requerida
por qualquer interessado e pelo MP, quando tenha intervenção principal. A
remoção constitui uma sanção imposta ao cabeça-de-casal fundada em
comportamentos inadequados ocorridos no desempenho do seu cargo, como
por exemplo:
Actos dolosos de ocultação da existência de bens (sonegação) ou de
doações feitas pelo autor da sucessão, ou de denúncia de doações ou
encargos inexistentes
Falta de zelo e prucedência na administração dos bens
Incumprimento de deveres legais no processo de inventário
Incompetência no exercício do seu cargo
PODERES DO CABEÇA-DE-CASAL
A função especifica do cabeça-de-casal é a de administração dos bens hereditários –
art. 2079º.
Para tanto o cabeça-de-casal tem o direito de obter a entrega dos bens que os
herdeiros ou outras pessoas tenham em seu poder e que ele deva administrar – art.
2088º/1 primeira parte – sendo que tal poder prevalece mesmo sobre a petição da
herança pelos herdeiros – art. 2078º/2 – desde que a entrega seja necessária para a
administração dos bens.
No caso de ter sido perturbado no exercício do poder sobre os bens sujeitos à sua
administração ou dela privado, tem também o cabeça-de-casal a possibilidade de
recorrer a meios judiciais para manutenção ou restituição da sua posse.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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Da conjugação do art. 2079º com o art. 2089º e 2091º decorrer que os poderes do
cabeça-de-casal são em geral de administração ordinária.
Actos de cobrança de dividas activas da herança, se o pagamento for
espontaneamente feito pelo devedor ou quando o retardamento da
cobrança possa pôr esta em perigo – art. 2089º
Venda de frutos ou outros bens deterioráveis, cuja pratica, o nº1 do art. 2090º
faculte ao cabeça-de-casal.
Aplicação do produto das vendas referido no ponto anterior ao pagamento
de despesas de funeral e sufrágio ou de encargos da própria administração,
pois todos eles constituem encargos da herança, a reclamar pronta satisfação
– art. 2068º
Caso das vendas de frutos não deterioráveis – art. 2090º/2 fronteira que
separa os actos de administração ordinária dos actos de administração
extraordinária
Tais vendas só são admitidas para fins muito específicos: pagamento de
despesas de funeral, de sufrágio e de encargos de administração.
Tais vendas só se devem considerar admitidas quando o produto da
venda de bens deterioráveis seja insuficiente para suportes esses
encargos, e na medida da sua insuficiência.
Em suma, em tudo o que ultrapasse o limite dos actos acima identificados, o exercício
de direitos relativos a bens hereditários só pode ser feito pelos herdeiros
conjuntamente, sendo que o art. 2091º/1 apenas ressalva a acção de petição da
herança por um só herdeiro.
O exercício de direitos contra a herança, em tudo o que exceda os poderes do
cabeça-de-casal, tem também de ser feito pelo interessado contra todos os herdeiros.
OBJECTO DA ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
A administração do cabeça-de-casal tem por objecto todos os bens da herança – art.
2087º/1 (‘’bens próprios’’).
Contudo, se o autor da sucessão tiver sido casado em regime de comunhão, os
poderes do cabeça-de-casal estendem-se também aos bens comuns do casal.
Cabendo o desempenho do cargo de cabeça-de-casal, como é regra, ao cônjuge
sobrevivo, é naquela qualidade (no exercício de cabeçalto) e não na de conjugue
que administra a herança.
Não são considerados bens hereditários os que tenham sido doados em vida pelo
autor da sucessão, independentemente de as correspondentes doações estarem ou
não sujeitas a colação e mesmo que possam ser objecto de redução por
inoficiosidade – são sempre os donatários que os continuam a administrar (art.
2087º/2).
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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O TESTAMENTEIRO: NOMEAÇÃO, REGIME DE EXERCÍCIO E CESSAÇÃO DE FUNÇÕES
Remete-se para Lições de Direito das Sucessões, página 320 e ss.
PODERES DO TESTAMENTEIRO
O princípio da liberdade que domina o instituto da testamentaria explica que ao
testador seja reconhecida a faculdade de fixar as funções do testamenteiro, havendo
que ressalvar apenas os limites legais correspondentes – art. 2325º - que decorrem do
caracter pessoal do testamento.
Na falta de estipulação pelo de cuius e com caracter supletivo o art.2326º fixa as
atribuições do testamenteiro:
Funções que respeitam ao funeral e sufrágios do testador
Execução do testamento
Vigilância de execução do seu cumprimento
Complementarmente poderá ainda exercer funções de cabeça-de-casal
Nos termos do art. 2326º al. a), o testamenteiro tem poderes para:
Cuidar do funeral do testador e pagar as respectivas despesas
Cuidas dos sufrágios do testador
O testamenteiro deverá exercer estas funções de harmonia com o que no testamento
se estabeleça ou na falta de estipulação observando os usos da terra.
3. ALIENAÇÃO DA HERANÇA
A ALIENAÇÃO DA HERANÇA: NATUREZA E FORMA
A alienação da herança e da quota hereditária respeita sempre a um conjunto de
bens. Mas, para cair na previsão das normas que a partir do art. 2124º a regem, a
alienação da herança só pode ocorrer após a aceitação e antes da partilha.
Previamente àquele acto, só o direito de suceder pode estar em causa; após a
partilha, a alienação passa a referir-se aos bens determinados que tenham
preenchido a posição do herdeiro.
O art. 2124º ao consagrar a possibilidade de alienação da herança ou do quinhão
hereditário estatui que ela esta sujeita as disposições reguladoras do negocio jurídico
que lhe der causa. Existe então nesta matéria uma situação semelhante à que ocorre
na cessão de créditos. A cessão de créditos (art. 578º/1), tal como a alienação da
herança, admitem varias causas jurídicas, mas não são propriamente actos
abstractos. O seu regime depende da modalidade do acto que em cada caso a
cessão ou a alienação reveste.
Ou seja, a alienação da herança só pode fazer-se a título oneroso ou a título gratuito
sendo que no primeiro caso pode também revestir modalidades diferentes (compra e
venda, dação em cumprimento, troca, etc.).
A alienação, independentemente da modalidade do acto que lhe der causa, é
sempre um negócio formal, embora as formalidades a que está sujeita a sua validade
não sejam sempre as mesmas, dependendo da natureza dos bens que a integram.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 99
Conjugando o art. 2126º/1 e o art. 875º resulta que a alienação da herança ou do
quinhão hereditário deve ser feita por escritura pública ou por documento particular
autenticado se deles fizerem parte bens imóveis, ressalvando-se contudo a existência
de lei especial. Nos demais casos a alienação tem de constar de documento
particular (nº2).
OBJECTO DO ACTO DE ALIENAÇÃO
A alienação da herança ou do quinhão hereditário, em qualquer das suas
modalidades, respeita sempre a um conjunto de bens, que são tomados no negócio
como unidade. Deste modo, à primeira vista poder-se-ia pensar que a determinação
do objecto negocial estava automaticamente feita: por definição, ele seria a
universalidade logo como os seus elementos activos e passivos (encargos) – art. 2128º
primeira parte e art. 2129º.
O que foi dito anteriormente configura uma situação normal do negocio de alienação
da herança. Contudo é necessário apurar qual o objecto deste negocio. Tal importa
sobretudo aos casos em que a alienação é onerosa, uma vez que sendo gratuita, a
própria natureza do negocio retira sentido aquele pressuposto natural da alienação
da herança.
Nos termos do art. 2129º/1 prevê-se a hipótese de o alienante, antes da alienação, ter
disposto dos bens da herança: neste caso, fica obrigado a entregar ao adquirente o
seu valor. Nos termos do nº2 do artigo em análise se o alienante despendeu, de sua
conta, algo para satisfazer encargos da herança o adquirente, seja a título gratuito ou
oneroso deve reembolsar o alienante do que ele tenha despedido e pagar-lhe o que
a herança lhe dever.
ENCARGOS DA HERANÇA
A regra é a de o adquirente assumir os encargos independentemente de a alienação
ser a título gratuito ou oneroso – art. 2128º primeira parte.
Contudo esta regra poderia acarretar prejuízo para terceiros nomeadamente para os
credores da herança. Deste modo, da segunda parte do art. 2128º resulta que a
responsabilidade será solidária do alienante pelos encargos da herança. Ocorre uma
tutela da posição de terceiros. Nas relações internas entre o alienante e o adquirente,
aquele tem o direito de haver deste, a titulo de regresso, o valor total dos encargos por
ele satisfeitos.
ANÁLISE DO ART. 2125º
Importa ainda salientar o regime do art. 2125º que regula várias matérias que
constituem pontos de dúvida relacionados com a própria composição da herança ou
do quinhão alienados e com algumas vicissitudes do fenómeno sucessório que sobre o
objecto da alienação e reflectem.
Certos elementos integradores da universalidade só se consideram abrangidos
na alienação se nesse sentido for a vontade real dos outorgantes. Na falta de
tal vontade, nos termos do art. 2125º/3 consagra-se uma presunção que exclui
da alienação os diplomas e a correspondência do falecido e as suas
recordações de família de diminuto valor. Ou seja, sendo em geral coisas sem
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 100
especial significado económico, o mesmo já não se verifica quanto ao seu
valor extrapatrimonial, de natureza moral ou afectiva sendo que em regra terá
o herdeiro alienante particular interesse em as conservar.
Quanto às vicissitudes do fenómeno sucessório, nos termos do art. 2125º/1 e 2,
quanto ao objecto da alienação consagram-se presunções ilidíveis, ou seja,
que podem ser afastadas por estatuição das partes em sentido contrario:
Nº1: Quando ao benefícios que venham ao alienante, apos a
alienação, por efeito da caducidade de um legado, de certo encargo
ou de um fideicomisso a presunção vai no sentido de o beneficio
inerente à caducidade se considerar abrangido no objecto da
alienação. A razão fundamental deste regime reside no facto de se
tratar de benefícios adquiridos por efeito de uma circunstancia
acidental e em que a verificação da caducidade de algum modo faz
parte integrante da ale da posição do herdeiro. O adquirente, que
assume a posição do herdeiro, deve beneficiar dessa álea.
Nº2: existe um presunção que tem por excluída da alienação a parte
hereditária que ao alienante venha a caber, apos a alienação, por
virtude de fideicomisso ou do direito de acrescer. A razão desta
diferença de regime consiste em o beneficio, neste caso, ter a sua
origem assente na herança mas apesar disso não se fazer menção nele
no contrato de alienação, o que razoavelmente revela que as partes
podendo contar com esse beneficio o quiseram excluir do seu negocio.
ANÁLISE DO ART. 2127º
Pode dar-se o caso de havendo alienação da herança ou de quota hereditária, sem
especificação de bens, o alienante não vir a ser reconhecido como herdeiro. Se tal
ocorrer aquele responde pela alienação de coisa alheia, consoante a natureza
gratuita ou onerosa do negócio (art. 956º e 892º).
Se for reconhecido como herdeiro, mesmo que na herança não se reconheçam
certos bens que as partes, ou uma delas, supunham integrar a herança, nenhuma
responsabilidade cabe ao alienante. Como resulta, a contrario da norma, não se
aplica o regime da alienação de coisa alheia. Deste modo não fica excluída a
hipótese de, segundo os casos, haver erro sobre a base do negócio ou erro sobre os
motivos (art. 252º/2 e 1) e de ser intocável o seu regime.
DIREITO DE PREFERÊNCIA
A alienação de uma quota hereditária da herança indivisa apresenta alguma
proximidade com a situação que ocorre na compropriedade, na alienação do direito
dos comproprietários, sem prejuízo de no caso a situação jurídica dos co-herdeiros ser
diferente.
Se se tratar da venda ou da dação em pagamento de uma quota hereditária a
terceiros, aos demais co-herdeiros é atribuído o direito de preferência – art. 2130º/1
preferência legal e real.
DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM GERAL FDUCP
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A norma em análise submete este direito de preferência ao regime que é fixado em
situação correspondente para os comproprietários (art. 1409º). A única diferença
regulada no art. 2130º/2 respeita ao prazo de exercício do direito havendo
comunicação para a preferência o prazo para a exercer é de 2meses.
4. LIQUIDAÇÃO E PARTILHA DA HERANÇA
I – LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA
Remete-se para Lições de Direito das Sucessões, página 333 e ss.
II – PARTILHA DA HERANÇA
Remete-se para Lições de Direito das Sucessões, página 351 e ss.