Direito Bancário - Juros abusivos no cartão de crédito | Alberto Bezerra
Direito Bancário (2015)
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E-BOOK FEVEREIRO 2015
DIREITO BANCÁRIO
Coleção de Formação Contínua
PLANO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA 2013-2014
As matérias de Direito Bancário têm vindo a ocupar
terreno de forma crescente na atividade dos Tribunais
portugueses, sendo premente a perceção dos
problemas jurídicos levantados pela atual crise
económico-financeira e a divulgação e análise de
recentes alterações legislativas.
Nos dias 20 e 21 de fevereiro de 2014, realizou-se nas
instalações do Centro de Estudos Judiciários, uma ação
de formação sobre Direito Bancário.
A ação foi organizada pela Jurisdição Cível do Centro
de Estudos Judiciários.
Os textos agora reunidos (e os restantes elementos que
fazem parte do dossier de formação da ação)
correspondem às comunicações apresentadas, cujas
matérias, pela sua atualidade e qualidade, justificam
plenamente a sua edição em formato digital, a qual é
disponibilizada a toda a comunidade jurídica na
Coleção Formação Contínua.
Nota Introdutória
Introdução. Direito Bancário
I. É conhecida a interpretação do movimento da história segundo a qual, com a queda
do muro de Berlim, em 1989, se teria entrado numa nova época, que alguns baptizaram como
pós-moderna e outros simplesmente como de fim da história. O ocaso do comunismo, na
Europa e no mundo, marcaria o triunfo da economia de mercado e do capitalismo, no plano
económico, e do constitucionalismo e dos direitos do homem, no plano político e social. Os
ciclos históricos do passado ganhariam assim o seu sentido último, na conjugação entre
democracia, direitos do homem e capitalismo.
O advento do que se tem designado como globalização ou mundialização seria assim um
fenómeno de grande alcance – não apenas no plano económico, mas também no plano
político e jurídico. A luta por um constitucionalismo global, pela integração das ordens jurídicas
– quer no plano dos direitos humanos quer no plano do funcionamento das empresas – seria
assim um fenómeno paralelo do movimento da globalização do capitalismo.
Foi neste ambiente de grande optimismo nas potencialidades do progresso económico e
social que instituições internacionais, no âmbito das Nações Unidas, como o Banco Mundial e a
Organização Mundial de Comércio, ou regionais, como a União Europeia e o Banco Central
Europeu, definiram os critérios normativos de aplicação de princípios cujo âmbito de aplicação
é cada vez mais alargado.
Falo da livre circulação de pessoas, empresas e capitais.
II. Esta globalização significa, de outro lado, uma crescente interdependência dos
Estados e das respectivas economias.
Posso aqui recordar a velha fórmula de Raymond Aron acerca da guerra fria: paz
impossível; guerra improvável. Então, era o peso dos arsenais nucleares das hiperpotências o
principal factor de dissuasão da guerra nuclear – para usar uma expressão desse tempo.
Agora, o risco de uma guerra global é menor, mas o risco de conflitos locais aumentou,
exactamente devido à ausência de um equilíbrio global das potências.
Também na era da interdependência dos Estados, as guerras económicas para favorecer
a decadência de uns e o benefício de outros, deixaram de ter lugar ou, pelo menos, mudaram
de estratégia. De um lado, essa interdependência tem sido desejada e incentivada pelos
Estados e pelas pessoas, porque beneficia os cidadãos, os consumidores, a inventividade dos
produtores e dos criadores, e porque permitiu, pelo menos para grande parte do mundo, um
Nota Introdutória
aumento muito grande da riqueza produzida, embora não, ao mesmo nível, da riqueza
distribuída.
A livre circulação de pessoas, empresas e capitais vem mesmo sendo configurada como
um direito humano.
Por causa deste alargamento, os riscos que incidem sobre os sistemas económicos são
hoje, também eles, globais. Mas não são globais como no tempo da guerra fria, período em
que os riscos advinham primacialmente da conduta dos Estados – e, em segundo lugar, de
factores naturais.
Os riscos actuais são de outra natureza.
Esta mudança na estrutura da ordem mundial não escapou às instituições que procuram
captar os sinais dos riscos que podem ditar o colapso da economia mundial – dada a existência
desta rede global de dependências. Desde, pelo menos, 2006 que o Fórum Económico Mundial
adverte para os riscos globais do capitalismo. O risco é global, precisamente porque as
economias são abertas e, por isso, expostas a problemas gerados noutros países e contextos.
Como se constatou, problemas localizados em certos países geraram – e o vocábulo não é
neutro – o contágio a outros países e instituições.
A interdependência dos Estados está, na realidade, também cada vez mais assente em
mecanismos e em empresas que não estão debaixo da tutela de um Estado em concreto, quer
pela sua natureza europeia ou multinacional, quer pela globalização do que se tem vindo a
chamar de mercados.
A globalização gera potenciais fenómenos de desregulação, porque os fluxos de capitais
não estão directamente ligados a um único Estado e legislação.
Os bancos são destas entidades essenciais ao funcionamento da economia global.
O crédito é fundamental ao desenvolvimento da economia. A facilidade no acesso ao
crédito, para pessoas e para empresas, gerou a ilusão de um processo de progresso sem
limites.
O optimismo económico e civilizacional pós-1989 seria duramente abalado, de um lado
pelo advento do terrorismo global, de que os atentados das Torres Gémeas em Nova Iorque
são o mais cruel exemplo e, do outro, pela crise financeira iniciada em 2007.
III. De facto, a crise bancária iniciada em 2007 marcou a emergência de um novo tipo de
fenómenos de repercussão mundial.
Obrigou, em primeiro lugar, a repensar os quadros normativos em que os bancos são
autorizados a funcionar. A publicização destas regras resulta, cada vez mais, de compromissos
Nota Introdutória
internacionais e as leis internas são, também e cada vez mais, a transposição para o direito dos
Estados destes acordos internacionais dos Estados e das entidades de regulação e de
supervisão.
A própria regulação e a supervisão foram objecto de novas regras, dos Estados Unidos à
União Europeia. Ao contrário do inicialmente esperado, a mão invisível do mercado não
impediu, não apenas falências, como, em especial, a manipulação do mercado financeiro e,
frequentemente, a sua captura por grupos criminosos.
De outro lado, a crise obrigou a repensar os quadros contratuais utilizados por muitos
bancos e que, frequentemente, pelo risco assumido, tinham estado na origem da crise
bancária internacional.
A sofisticação jurídica e económica de muitos destes produtos ultrapassou, por vezes de
forma chocante, os limites éticos, fazendo ecoar a célebre máxima de Santo Agostinho: lucro
na bolsa, dano na consciência.
Os chamados derivados financeiros, produto da autonomia privada, chegarão à barra
dos tribunais.
Os tribunais vão ser assim chamados, no quadro da crise financeira e desde 2007, a
resolver litígios de um novo tipo, que nunca anteriormente lhe tinham sido levados,
exactamente porque eram eles próprios uma novidade do sistema financeiro.
A autonomia privada gerou novos tipos contratuais, nascidos no direito anglo-saxónico e
frequentemente expressos em contratos redigidos em língua inglesa, com cláusulas que, além
do mais, utilizam uma linguagem económico-financeira completamente desajustada da
dogmática jurídica portuguesa.
Estamos, assim, perante uma nova vaga de judicialização da vida social e económica,
agora em torno dos conflitos financeiros.
Não falamos aqui dos tribunais arbitrais, que dariam uma outra história.
Grande parte destes litígios sobre derivados financeiros atinge valores dificilmente
imagináveis: apenas num destes contratos discute-se um montante superior a 4 mil milhões de
Euros.
Contratos com instituições bancárias e parabancárias têm-se revelado um dos motivos
de insolvência de famílias e de empresas, sempre em prejuízo de outros credores.
Também a alteração objectiva de circunstâncias resultantes da situação de insolvência
do Estado e da intervenção externa de 2011 gerou inúmeros litígios.
Nota Introdutória
Finalmente, assistimos à falência de instituições bancárias, cenário improvável há anos
atrás.
IV. O papel que os tribunais são chamados a exercer no quadro da actual situação
financeira são, assim, também a demonstração de um fenómeno mais amplo, a que acima já
designei como de judicialização dos conflitos.
Expressão do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva, no plano estritamente
jurisdicional estas questões implicam a especialização de tribunais e de juízes. Os melhores
exemplos, neste plano, são constituídos pela nova configuração mais especializada das secções
do Supremo Tribunal de Justiça ou da criação do Tribunal da Concorrência e da Regulação.
Mas aos tribunais chegam novas questões dogmáticas. Frequentemente e apesar de um
direito bancário hiper-regulador, estes conflitos exigem a decisão segundo princípios, porque
não existem normas legais ou contratuais que expressamente resolvam as situações objecto
desses litígios. Para além dos clássicos princípios do direito privado – autonomia privada e boa
fé - e do instituto da alteração das circunstâncias, formulam-se princípios de ponderação e de
justiça que só os tribunais podem aplicar.
De outro lado, os tribunais são crescentemente chamados a aplicar normas de direito
internacional, cuja interpretação não pode ser feita segundo a metodologia fixada no Código
Civil.
Assistimos assim, num domínio natural da autonomia privada, a alterações estruturais:
de um lado, intensificação da regulação e da supervisão, nomeadamente expressas na inflação
de leis e regulamentos aplicáveis; de outro lado, intensificação da intervenção dos tribunais –
como que exprimindo, também em relação a estas matérias, que a cada intervenção do Estado
legislador se segue um acréscimo de competências de outra função do Estado, a jurisdicional.
V. O CEJ não foi alheio a estas preocupações.
A realização de sucessivas formações incidentes sobre questões do direito bancário
culminou com a organização, nos dias 20 e 21 de Fevereiro de 2014, de um colóquio de dois
dias.
A excelência dos conferencistas dispensa apresentações. Não posso deixar de assinalar,
com muito gosto, o profícuo diálogo entre juízes, professores e advogados.
São as comunicações então apresentadas que agora se publicam.
Nota Introdutória
As matérias abordadas incluem: cláusulas contratuais gerais; derivados financeiros,
especialmente swaps; segredo bancário; cartas de conforto; contratos bancários; garantias
bancárias.
Esta edição é ainda enriquecida com os sumários da jurisprudência mais recente do
Supremo Tribunal de Justiça, incluindo os acórdãos proferidos em 2014, num volume que
ficará certamente como uma referência para o estudo do direito bancário.
António Pedro Barbas Homem
* À data da ação de formação.
Ficha Técnica
Conceção e organização:
Gabriela Cunha Rodrigues (Juíza de Direito e Docente do CEJ)
Margarida Paz (Procuradora da República e Docente do CEJ)
Pedro Caetano Nunes (Juiz de Direito e Docente do CEJ)*
Nome:
Direito Bancário
Categoria:
Formação Contínua
Colaboração:
Gabinete dos Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça – Assessoria Cível
Intervenientes:
Carlos Ferreira de Almeida (Professor Jubilado da Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa)
Elsa Dias Oliveira (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)
Amadeu Ferreira (Vice-Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários)
Pedro Fuzeta da Ponte (Advogado, Diretor da Provedoria do Cliente do Millennium BCP)
Joana Amaral Rodrigues (Jurista do Banco de Portugal)
Manuel Fernando Granja da Fonseca (Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça)
Maria Clara Calheiros (Professora da Escola de Direito da Universidade do Minho)
Pedro Pais de Vasconcelos (Professor Catedrático da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa)
João Calvão da Silva (Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra)
Manuel Carneiro da Frada (Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto)
Margarida Lima Rego (Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de
Lisboa)
Forma de citação de um livro eletrónico (NP405‐4):
Exemplo:
Direito Bancário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponível na
internet:<URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.
Revisão final:
Edgar Taborda Lopes (Coordenador do Departamento da Formação do CEJ, Juiz de
Direito)
Joana Caldeira (Técnica Superior do Departamento da Formação do CEJ)
AUTOR(ES) – Título [Em linha]. a ed. Edição. Local de edição: Editor, ano de edição. [Consult. Data de consulta]. Disponível na internet:<URL:>. ISBN.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO. DIREITO BANCÁRIO – António Pedro Barbas Homem ....................................... 5
PARTE I ....................................................................................................................................... 17
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário – Carlos Ferreira de Almeida .............................. 19
Sumário .................................................................................................................................. 21
Bibliografia ............................................................................................................................. 21
Texto da intervenção ............................................................................................................. 23
Videogravação da comunicação ............................................................................................ 29
Cláusulas Contratuais Gerais e Operações Bancárias – Elsa Dias de Oliveira ............................. 31
Sumário .................................................................................................................................. 33
Bibliografia ............................................................................................................................. 33
Videogravação da comunicação ............................................................................................ 35
Instrumentos Financeiros Derivados. Notas Mínimas sobre o seu Regime Jurídico – Amadeu
Ferreira ........................................................................................................................................ 37
Texto da intervenção ............................................................................................................. 39
Videogravação da comunicação ............................................................................................ 43
Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os
seus Clientes – Pedro Fuzeta da Ponte........................................................................................ 45
Prolegómenos................................................................................................................... 47
A responsabilidade civil dos bancos decorrente do pagamento de cheques com
assinatura falsificada. Deveres de guarda desses títulos por parte da clientela ........................ 48
Negligência dos clientes no manuseamento por terceiros de cartões bancários ............ 51
Videogravação da comunicação ............................................................................................ 53
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão – Joana Rodrigues .................................................. 55
Sumário .................................................................................................................................. 57
Bibliografia ............................................................................................................................. 58
Jurisprudência ........................................................................................................................ 59
Texto da intervenção ............................................................................................................. 61
Videogravação da comunicação ............................................................................................79
Contratos de Swap – Manuel Fernando Granja da Fonseca..................................................... 81
Sumário ................................................................................................................................. 83
Texto da intervenção ............................................................................................................ 85
Videogravação da comunicação ........................................................................................... 99
O contrato de Swap de Taxa de Juro – Maria Clara Calheiros .................................................. 101
Sumário ................................................................................................................................ 103
Bibliografia ........................................................................................................................... 103
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 103
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais – Pedro Pais de Vasconcelos .............. 149
Sumário ................................................................................................................................ 151
Texto da intervenção ........................................................................................................... 153
Anexos .................................................................................................................................. 169
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 177
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias – João Calvão da Silva ............................ 179
Texto da intervenção ........................................................................................................... 181
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 203
Cartas de Conforto – Manuel Carneiro da Frada ...................................................................... 205
Sumário ................................................................................................................................ 207
Bibliografia ........................................................................................................................... 207
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 208
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução – Margarida Lima Rego .......................... 209
Sumário ................................................................................................................................ 211
Bibliografia ........................................................................................................................... 211
Legislação ............................................................................................................................. 211
Texto da intervenção................................................................................................................. 213
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 221
PARTE II – JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA ............................................................................ 223
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Sumários de Acórdãos de 2000 a
dezembro de 2014 .................................................................................................................... 225
NOTA:
Pode “clicar” nos itens do índice de modo a ser redirecionado automaticamente para o tema em
questão.
Clicando no símbolo existente no final de cada página, será redirecionado para o índice.
Apresentação em powerpoint .............................................................................................. 105
Nota:
Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico
Para a visualização correcta dos e-books recomenda-se a utilização do programa Adobe Acrobat Reader.
Registo das revisões efetuadas ao e-book
Identificação da versão Data de atualização
Versão inicial – 20/02/2015
Versão1 – 19/03/2015
PARTE I
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
[Carlos Ferreira de Almeida]
21
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
Sumário:
I – Equívocos subjacentes ao “depósito” bancário
II – O contrato bancário geral
Formação e forma
Estrutura; cláusulas contratuais gerais
Qualificação: contrato socialmente típico, contrato-quadro normativo e contrato de
conta corrente
III – “Depósito” bancário
Modalidades
Estrutura
Qualificação
Bibliografia:
FERREIRA, ANTÓNIO PEDRO, A relação negocial bancária. Conceito e estrutura, Lisboa,
2005
FERREIRA DE ALMEIDA, C., Contratos II. Conteúdo. Contratos de troca, 3ª ed., Coimbra,
2012, p. 139 ss
FERREIRA DE ALMEIDA, C., “O contrato de conta corrente e a conta corrente bancária”,
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra, 2013, vol. II, p.
25 ss
MENEZES CORDEIRO, A., Manual de Direito Bancário, 3ª ed., Coimbra, 2008, p. 411 ss
PESTANA DE VASCONCELOS, L., “Dos contratos de depósito bancário”, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2011, p. 141 ss
SIMÕES PATRÍCIO, J., A operação bancária de depósito, Porto, 1994
23
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
Contrato bancário geral e depósito bancário1
Carlos Ferreira de Almeida
I. Equívocos subjacentes ao chamado depósito bancário
1º equívoco: sobre a palavra depósito.
O uso atual da palavra “depósito” em expressões como “contrato de depósito bancário” e
“conta de depósito à ordem” apenas se explica como resquício do tempo em que os bancos
recebiam dos seus clientes para depósito bens corpóreos valiosos, fungíveis ou infungíveis.
Ora, em minha opinião, o tipo legal do contrato de depósito não prescinde, em nenhuma das
suas modalidades de um elemento de guarda, que só é compatível com as coisas corpóreas.
Este requisito não deixa de ser necessário no depósito irregular que foi concebido para
coisas fungíveis, mas corpóreas, como cereais, café e barras de ouro (cfr. Código Civil, artigos
1185º e 1189º). Os únicos contratos de depósito bancário que subsistem são pois os depósitos
com obrigação de gestão dos bens depositados e (alguns) contratos de depósitos em cofre
forte. Os “depósitos” em dinheiro (meramente escritural) em conta bancária não satisfazem o
requisito da obrigação de guarda, razão pela qual não podem ser qualificados como contratos
de depósito.
2º equívoco: sobre a noção de entrega.
Segundo o artigo 1185º do Código Civil, “depósito é o contrato pelo qual uma das partes
entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for
exigida”. Ora, nos contratos ditos de depósito à ordem, além de não haver guarda, pode não
haver entrega.
A prática atual está muito distante do paradigma das relações bancárias na 1ª metade do
século XX – escassa bancarização, contas à ordem destinadas à poupança (“cadernetas”),
movimentação por depósitos e levantamentos com predomínio de numerário e cheques, raras
transferências, crédito ao consumo incipiente, ausência de pagamentos eletrónicos e de
cláusulas contratuais gerais.
Nas contas que continuam a chamar-se de depósito há lançamentos a crédito que não
derivam de entregas ao banco2, mas antes da disponibilidade de dinheiro a favor do cliente por
1 Este tema foi tratado pelo autor, com mais desenvolvimento, nas seguintes obras: Contratos II. Conteúdo.
Contratos de troca, 3ª ed., Coimbra, 2012, p. 138 ss; Contratos IV. Funções. Circunstâncias. Interpretação,
Coimbra, 2014, p. 39 ss; O contrato de conta corrente e a conta corrente bancária, Estudos em Homenagem ao
Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra, 2013, vol. II, p. 25 ss.
24
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
efeito de operações de crédito bancário. Há também lançamentos, a débito e a crédito, por
dívidas de juros e de prestações de serviços.
O saldo nas contas ditas de depósito à ordem não é saldo de depósitos, mas saldo de um
conjunto complexo de operações. É assim há mais de um século em relação a empresas, mas
também é agora assim, há várias décadas, para outros clientes.
3º equívoco: confusão entre contrato de depósito e realidades distintas, tais como a conta
bancária à ordem e o contrato bancário geral.
Por exemplo: no sítio na internet da CGD referem-se os “documentos necessários à
abertura de uma conta de depósito”, enquanto nos sítios de outros bancos se faz menção a
“abrir uma conta à ordem” ou à “abertura da conta”. O aviso do Banco de Portugal nº 11/2005,
de 13 de julho, regula a “abertura de conta de depósito bancário” (reconhecendo embora que,
com ela, se inicia, com frequência, uma relação de negócio duradoura entre o cliente e a
instituição de crédito).
Que a confusão persiste confirma-se claramente num texto oficioso do Banco de Portugal:
“A realização de um contrato de depósito bancário pressupõe a existência de um contrato de
depósito, contrato que é celebrado com as instituições de crédito através da abertura de conta
de depósito bancário”3.
Todos estes equívocos se desvanecem perante a integração do chamado depósito
bancário nas categorias jurídicas apropriadas para a prática atual: o contrato bancário geral, o
contrato de conta corrente e o contrato de mútuo.
II. O contrato bancário geral
A doutrina mais atenta às mudanças entretanto ocorridas e aos deveres gerais dos bancos
para com os clientes converge na verificação da existência de uma relação geral de negócios
entre o banco e cada um dos seus clientes, com autonomia em relação a cada uma das
operações que entre eles se realizam.
Na doutrina inglesa4, configura-se, há muito, uma relação banco-cliente com base
contratual. Na doutrina alemã, as teses explicativas variam em torno de dois polos:
2 Como se continua a dizer na definição de depósito bancário constante do nº 1 Caderno nº 9 do Banco de
Portugal, sobre abertura e movimentação de Contas de Depósitos, publicado em 23.02.2012
(http://www.bportugal.pt/pt-PT/PublicacoeseIntervencoes/Banco/CadernosdoBanco/
Paginas/CadernosdoBanco.aspx).
3 Caderno nº 9 do Banco de Portugal, nº 1, cit.
4 R. CRANSTON, Principles of Banking Law, Oxford, 1997, p. 137 ss; ELLINGER’s Modern Banking Law, 4ª ed.,
Oxford, 2006, p. 117 ss.
25
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
a teoria da relação obrigacional legal, sem dever primário de prestação, em que se
fundam os deveres gerais de proteção associados aos contratos que sejam
efetivamente celebrados5:
a teoria do contrato bancário geral6, segundo a qual a relação geral bancária, de fonte
contratual, tem a natureza de contrato-quadro, que se projeta na conta corrente onde
se registam os créditos e os débitos originados pelas diferentes operações.
Esta segunda tese adapta-se bem à realidade portuguesa atual7 e responde de modo
convincente às objeções da tese concorrente anti-contratualista:
O contrato bancário geral forma-se em consonância com os princípios gerais sobre a
formação dos contratos, seja por via de declarações tácitas, seja, como agora é mais frequente,
pela assinatura de documentos que contêm as cláusulas contratuais gerais e particulares
acordadas no ato (chamado) de abertura de conta8.
Do contrato geral não resulta tipicamente qualquer dever de contratar (embora nalgum
caso concreto tal possa suceder); resulta geralmente apenas a obrigação de contratar em
certos termos, se outros contratos se vierem a celebrar. Os deveres legais (informação, de
diligência, de sigilo) não precludem a existência de contrato; são deveres acessórios que, como
sucede em relação a outros contratos, se aplicam a comportamentos pré-contratuais,
contratuais e pós-contratuais.
A forma do contrato é livre, mas geralmente escrita. A formação pode seguir qualquer dos
modelos básicos: aceitação de proposta ou declarações contratuais conjuntas. O contrato é
normalmente real quoad constitutionem, sempre que a sua celebração coincida com a
transmissão de dinheiro pelo cliente ao banco.
5 Desde C.-W. CANARIS, Bankvertragsrecht, I, 3ª ed., Berlin, New York, 1988.
6 Por exemplo, K. J. HOPT, Geschäftsverbindungen zwischen Bank und Kunden, allgemeiner Bankvertrag,
Bankrechts-Handbuch (org. Schimansky, Bunte & Lwowski), 3ª ed., München, 2007, I, p. 1 ss; Bank-und
Börsenrecht (org. C. P. Claussen), 4ª ed., München, 2008, p. 77 ss. Na doutrina espanhola, E. M. VALPUESTA
GASTAMINZA, El contrato de cuenta corriente, Contratos Mercantiles (org. Cuesta Rute & Valpuesta
Gastaminza), III, Barcelona, 2007, p. 126 ss.
7 Com crescente reconhecimento desde J. SIMÕES PATRÍCIO, A operação bancária de depósito, Porto, 1994;
ver desenvolvimentos em A. MENEZES CORDEIRO, O “contrato bancário geral”, Estudos de Direito Bancário,
Coimbra, 1999, p. 11 ss; e ANTÓNIO PEDRO FERREIRA, A relação negocial bancária. Conceito e estrutura,
Lisboa, 2005.
8 A designação “contrato de abertura de conta” é inadequada, porque a “abertura” se refere ao modo e ao
momento de formação de um contrato, não ao seu conteúdo, que essencialmente incide na relação
duradoura entre o banco e o cliente no que respeita não só à movimentação da conta mas também aos atos
legitimadores dos respetivos lançamentos.
26
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
A estrutura e o conteúdo típicos do contrato bancário geral compreendem os seguintes
elementos:
As pessoas são um banco e qualquer outra pessoa (o cliente). O objeto refere-se a
dinheiro e, eventualmente, a instrumentos financeiros. Tem usualmente vigência inicial
imediata e final indeterminada. A conta corrente é meio indispensável para a sua execução.
Algumas cláusulas contratuais gerais ou particulares têm aplicação imediata (por exemplo,
sobre o modo de movimentação de contas plurais, utilização de dados pessoais, segredo,
reclamações, denúncia e resolução, foro e prova); outras são de aplicação eventual a contratos
a celebrar (por exemplo, emissão de cartões de crédito, depósitos a prazo, registo, gestão,
compra e venda de instrumentos financeiros).
O contrato bancário geral é um contrato socialmente típico, com a natureza de contrato-
quadro, com uma componente dominante de contrato normativo, porque por ele se estipula
uma parte substancial do conteúdo de uma pluralidade de contratos contemporâneos ou
futuros, entre os quais, o contrato de “depósito” à ordem, mas também outros contratos, de
“depósito” a prazo, de prestação de serviço de caixa, de gestão de valores mobiliários e de
crédito (ao cliente).
III. O contrato bancário geral como contrato de conta corrente
O contrato bancário geral é contrato em conta corrente, isto é, executado através de um
registo contabilístico, onde se inscrevem cronologicamente créditos e débitos e que revela o
saldo da posição do cliente.
O contrato bancário geral é também um contrato de conta corrente regulado pelo Código
Comercial, embora as opiniões se dividam a este respeito. Há quem entenda que a conta
corrente bancária é uma modalidade ou espécie atípica com regime próprio9. Opinião contrária
na doutrina10 e jurisprudência11 têm aqueles que, assinalando as semelhanças, valorizam mais
as diferenças da conta corrente bancária em comparação com a conta corrente mercantil, em
especial, a exigibilidade permanente do saldo, sem aguardar (dizem) o encerramento da conta.
Para justificar a minha posição, revejo os elementos comuns aos dois tipos contratuais.
O contrato bancário geral inclui sempre uma cláusula, expressa ou implícita por força dos
usos, segundo a qual uma das partes (o banco) se obriga a inscrever em conta corrente os
9 J. CALVÃO DA SILVA, Direito bancário, Coimbra, 2001, p. 341.
10 ANTÓNIO PEDRO FERREIRA, A relação negocial bancária, cit., p. 601 ss = Direito bancário, 2ª ed., Lisboa,
2009, p. 632 ss; J. ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, 2009, p. 492.
11 Acórdão do STJ de 10.11.1992 (relator Miguel Montenegro).
27
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
créditos e os débitos provenientes dos futuros negócios que venha a realiza com o cliente, de
tal modo que só o saldo é exigível (cfr. artigo 346º, nº 4, do Código Comercial).
Em ambos os contratos, se verifica a compensação das obrigações com créditos
provenientes dos atos efetuados no âmbito do contrato. Em ambos, cada um dos lançamentos
tem como efeito a transferência da propriedade para o património da pessoa debitada, como se
prescreve no artigo 346º, nº 1, do Código Comercial.
O pagamento de juros pelos saldos devedores varia, na conta bancária, conforme o tempo
e os lugares, mas não contraria a norma do artigo 346º, nº 5, do Código Comercial, que é
supletiva.
Assim, o único argumento que, numa primeira análise, pode parecer perturbador decorre
da exigibilidade permanente do saldo da conta corrente bancária, enquanto no contrato de
conta corrente legalmente tipificado a compensação e a exigibilidade do saldo se verificam
apenas no encerramento da conta (artigo 350º).
Diz porém o referido Código que o saldo final se verifica no prazo fixado no contrato ou, na
sua falta, no final de cada ano civil (artigos 344º e 348º, que são norma supletivas).
A diferença que vem sendo assinalada sobrevaloriza o ritmo da exigibilidade: periódica, no
regime legal, contínua, na prática das contas bancárias associadas ao contrato bancário geral.
Mas, a meu ver, sem razão.
Em tempos idos, mas não muito distantes, o fecho da conta corrente bancária era diário e
portanto periódico. Como a lei não preceitua um tempo mínimo, a correspondência da conta
corrente bancária com a conta corrente mercantil era também perfeita sob este aspeto. Foi a
técnica informática que aqui, como também, por exemplo, nas cotações em bolsa, permitiu o
apuramento contínuo. Não é certamente por efeito deste avanço tecnológico que se altera a
natureza do contrato que usa a conta corrente como instrumento. Não me parece que a letra
da norma do velho Código Comercial inviabilize a qualificação de um contrato como de conta
corrente só porque o apuramento do saldo se faz de modo contínuo, quando tal não era
humanamente possível há um século.
Essencial é que só o saldo seja exigível. Como a regra sobre o momento da exigibilidade do
saldo é supletiva, basta considerar que o acordo das partes, expresso, tácito ou integrado pelos
usos, vai no sentido de que, na conta corrente do contrato bancário geral, o encerramento e a
liquidação da conta corrente se verificam de modo contínuo após cada operação, com a
consequente exigibilidade do saldo a todo o tempo.
Este elemento (agora) usual não descarateriza portanto o contrato bancário geral como
modalidade socialmente típica do contrato de conta corrente, aplicando-lhe o respetivo regime
legal (supletivo) dos artigos 344º e seguintes do Código Comercial, Entre estes efeitos,
28
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
sobressai a novação objetiva emergente do saldo apurado após cada lançamento em conta,
que, no direito português, não exige prévio reconhecimento do saldo.
Em consequência, o credor do saldo pode exigir o seu pagamento, em juízo ou fora dele,
com a mera alegação e prova da sua existência, sem necessidade de demonstração de cada um
dos atos justificativos de cada movimento contabilístico. A parte contrária só pode contestar
substancialmente o pedido alegando falsidade da conta corrente, extinção ou invalidade de
obrigações antigas ou enriquecimento sem causa, cabendo-lhe, em qualquer caso, alegar e
provar os factos em que assenta a incorreção de lançamento anteriores.
IV. O “depósito” bancário em sentido estrito e próprio como contrato de mútuo
A natureza jurídica dos contratos de “depósito” bancário continua a ser controversa,
distribuindo-se as opiniões no direito português por várias orientações, umas monistas
(depósito irregular – opinião dominante na jurisprudência12 –, mútuo, contrato sui generis),
outras dualistas (depósito irregular, para os depósitos à ordem e com pré-aviso; mútuo, para os
contrato de depósito a prazo).
Algumas destas formulações continuam a ignorar a distinção preliminar e essencial, antes
referida, entre contrato bancário geral em conta corrente e cada um dos atos que justificam
tais movimentos, entre os quais se inclui, geralmente, um contrato de “depósito” à ordem,
Ora, como resulta do que disse, o chamado depósito bancário à ordem está quase sempre
funcionalmente ligado ao (e dependente do) contrato bancário geral, mas distingue-se deste
por ser um contrato autónomo.
Tomando posição: Em sentido estrito, isto é, considerado com autonomia em relação ao
contrato bancário geral, o (denominado) “depósito” bancário é o contrato pelo qual uma
pessoa põe uma quantia em dinheiro à disposição de um banco, obrigando-se este a restituí-la.
Consoante a obrigação de restituição seja a todo o tempo (à vista), decorrido o número de dias
após a interpelação, que seja acordado ou no prazo fixo estipulado, assim assume a designação
(e o subtipo) de “depósito” à ordem, com pré-aviso ou a prazo13.
Na prática atual, os contratos de “depósito” bancário preenchem, sim, todos os elementos
do tipo contratual do mútuo (usualmente, real quoad constitutionem), porquanto, em todas as
12 Assim, por exemplo, o acórdão do STJ de 08.05.2012: “Trata-se de um depósito irregular a que são
aplicáveis, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo”.
13 O regime básico continua a ser o Decreto-Lei nº 430/91, de 2 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº
88/2008, de 29 de maio. Mas são muito relevantes vários avisos do Banco de Portugal, em especial os Avisos
nºs 4, 5 e 6/2009, de 11 de agosto, que, além do mais, admitem depósitos indexados e depósitos duais,
enquanto produtos financeiros complexos.
29
Contrato Bancário Geral e Depósito Bancário
suas modalidades, o mutuante (cliente) põe à disposição do mutuário (banco) uma
determinada quantia em dinheiro que este se obriga a reembolsar.
Os contratos de “depósito” a prazo e com pré-aviso, que sempre vencem juros, merecem
a qualificação de contratos de mútuo oneroso. O contrato de “depósito” à ordem (quando
possa, em concreto, ser considerado per se, o que na prática atual será raro) tem a natureza de
contrato de mútuo, oneroso ou gratuito, ou, melhor, de contrato misto de mútuo e de
prestação de serviço, se, como é frequente, lhe estiver intrinsecamente associada a prestação
do serviço de caixa.
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Cláusulas Contratuais Gerais e Operações Bancárias
[Elsa Dias Oliveira]
33
Cláusulas Contratuais Gerais e Operações Bancárias
Sumário:
Razão de ordem
I - As operações bancárias
II - As cláusulas contratuais gerais
A. Considerações gerais
1. Características
2. Vantagens
3. Desvantagens
B. Distinção entre cláusulas contratuais gerais e contratos pré-formulados
C. Dever de comunicar e dever de informar
D. Interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais
E. Cláusulas contratuais gerais proibidas
Conclusão
Bibliografia:
ALMEIDA, CARLOS FERREIRA DE
Contratos I - Conceito. Fontes. Formação, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013.
Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra, 1992.
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“Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa fé”, Revista da Ordem dos
Advogados, 2000, págs. 573 ss.
Direito Civil - Teoria Geral, Acções e factos jurídicos, vol. II, 2.ª Edição, Coimbra
Editora, 2003.
CORDEIRO, ANTÓNIO MENEZES
Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de
Outubro, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1991 (em co-autoria com MÁRIO
JÚLIO DE ALMEIDA COSTA)
Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, tomo I, 3.ª Edição, Livraria
Almedina, Coimbra, 2005.
Manual de Direito Bancário, 4.ª Edição, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2012
34
Cláusulas Contratuais Gerais e Operações Bancárias
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“O poder de alteração unilateral nos contratos bancários celebrados com
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GOMES, MANUEL JANUÁRIO DA COSTA
Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2012
GUIMARÃES, MARIA RAQUEL
As transferências electrónicas de fundos e os cartões de débito, Almedina, Coimbra,
1999
LEITÃO, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES
Direito das Obrigações, vol. I, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013
MACHADO, MIGUEL NUNO PEDROSA
Sobre cláusulas contratuais gerais e conceito de risco, Separata da Revista da
Faculdade de Direito, Lisboa, 1988
MONTEIRO, ANTÓNIO PINTO
“O novo regime jurídico dos contratos de adesão / cláusulas contratuais gerais”,
Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, janeiro 2002, pág. 111-142
NUNES, PEDRO CAETANO
“Comunicação de cláusulas contratuais gerais”, Estudos em Homenagem ao
Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, 2011, págs. 507-534
OLIVEIRA, NUNO MANUEL PINTO
“Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e a Directiva n.º 93/13/CEE, de 5 de Abril de
1993”, Scientia Iuridica, Tomo LIV, n.º 303, julho/setembro 2005, págs. 527-558
PINTO, CARLOS ALBERTO DA MOTA
Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota
Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005
PRATA, ANA
Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, Almedina, Coimbra, 2010.
RIBEIRO, JOAQUIM DE SOUSA
O problema do contrato - As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade
contratual, Almedina, Coimbra, 1999
35
Cláusulas Contratuais Gerais e Operações Bancárias
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“O poder de alteração unilateral nos contratos bancários celebrados com
consumidores”, Sub judice, Cláusulas contratuais gerais abusivas, abril-junho 2007,
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SÁ, ALMENO DE
Cláusulas contratuais gerais e Directiva sobre cláusulas abusivas, 2.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2001
TELLES, INOCÊNCIO GALVÃO
“Das condições gerais dos contratos e da Directiva Europeia sobre as cláusulas
abusivas”, O Direito, 127, 1995, pág. 297-314
VASCONCELOS, PEDRO PAIS DE
Teoria Geral do Direito Civil, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012
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Instrumentos Financeiros Derivados. Notas Mínimas sobre o seu Regime Jurídico
[Amadeu Ferreira]
39
Instrumentos Financeiros Derivados. Notas Mínimas sobre o seu Regime Jurídico
Instrumentos financeiros derivados. Notas mínimas sobre o seu regime jurídico
Amadeu Ferreira
CEJ, 20.02.2014
1. Nota histórica
I. De funções relativas à circulação célere e segura de créditos individuais documentados
[título de crédito] as posições, sobretudo corporativas [valores mobiliários], a funções exclusiva
ou predominantemente financeiras, em particular de cobertura de risco [instrumento
financeiro].
II. Uma realidade jurídica que se impõe a partir dos anos 70 do séc. XX: o primeiro choque
petrolífero, o crescimento do risco financeiro e a emergência do risco sistémico com o seu
efeito dominó.
III. Da ‘firmeza’ dos contratos a prazo de compra e venda à ‘maleabilidade’ dos modernos
contratos de derivados, já desprendidos da rigidez dos contratos de compra e venda a prazo,
através da criação de uma contraparte central e da institucionalização das câmaras de
compensação/clearing, o que permitiu um novo tipo de gestão das posições em aberto e
encontrou uma solução para a falência de contrapartes desconhecidas.
IV. O Surgimento dos futuros financeiros [Chicago, início dos anos 70 do séc. XX], das
opções financeiras [Amsterdão, meados dos anos 70 do séc. XX] e dos swaps financeiros [início
dos anos 80 do séc. XX, como contrato OTC].
V. Estas são matérias da tradição jurídica, construídas ao longo de muitos anos. Tem sido
pernicioso que os juristas delas se tenham afastado, dando a entender que esses são assuntos
de economistas, como se tal fora possível. Estas são realidades em que não vale tudo, mas
estão sujeitas a um regime jurídico. Têm-nos querido fazer crer que o rei não vai nu, mas vai.
Uma parte importante da minha tarefa será tentar simplificar algo que, embora não seja
complexo, tudo tem sido feito para o complexificar. O método também é simples, reconduzir
essa realidade e a sua terminologia a realidades que os juristas conhecem bem e o seu regime
jurídico. Situações jurídicas, contratos, etc.
2. Conceito e características gerais
I. Os derivados são instrumentos financeiros a prazo, com natureza contratual, tendo por
referência um activo subjacente e visando a cobertura do risco desse activo pelo prazo
contratado.
40
Instrumentos Financeiros Derivados. Notas Mínimas sobre o seu Regime Jurídico
II. São instrumentos financeiros, pelo que lhe é inerente uma função financeira,
partilhando das características gerais dos instrumentos financeiros. Temos definido assim os
instrumentos financeiros: uma posição jurídica de natureza patrimonial, de carácter oneroso,
que pode advir de um contrato, comporta uma álea signigicativa ou mesmo total, e
desempenha uma função financeira de investimento/cobertura de risco.
III. Têm natureza contratual, aspecto acentuado na lei [CVM, art. 2], sendo-lhes aplicáveis
as regras gerais dos contratos.
IV. Em regra são contratos intermediados, o que coloca particulares exigências ao
intermediário financeiro contratante, nomeadamente:
i. quanto à regularidade do produto disponibilizado;
ii. quanto à validade das cláusulas contratuais gerais em que assenta;
iii. quanto à informação a prestar às sua contraparte
iv. quanto à adequação do produto ao investidor com quem é negociado
V. São contratos a prazo [por oposição a contratos a contado/à vista], em que o tempo é
elemento essencial do negócio, e determinante pelo menos quanto:
i. à determinação do preço dos bens objecto do contrato;
ii. ao tempo do cumprimento das prestações principais;
iii. à transmissão da titularidade dos bens/activos, se for o caso, que apenas ocorrerá no
fim do prazo e não no momento da celebração do contrato, o mesmo se passando quanto à
produção de outros efeitos.
VI. Têm por referência um activo subjacente, estabelecendo-se a chamada relação de
derivação. O activo subjacente e a relação com ele estabelecida têm uma função de
materialidade, essencial para determinar a validade do contrato. Essa relação pode assentar
num activo real ou teórico, ser um determinado activo ou o seu mercado, ser um contrato
individual ou um conjunto de contratos relativos a uma ou mais pessoas, variáveis climáticas,
mercadorias, etc. O activo subjacente deve obedecer a todas as características legais relativas
ao objecto da situação jurídica. Caso não exista esse respeito o contrato será inválido.
A lei estabelece uma enumeração não fechada de activos subjacentes.
VII. Neles se verifica uma alavancagem do preço [o investimento inicial é apenas uma
pequena parte do investimento a prazo, sendo a exposição ao risco muito superior ao capital
inicialmente investido, o que pode traduzir-se em variações enormes de responsabilidade no
fim do prazo.
VIII. Quando estamos a falar da função da cobertura de risco [risco de taxa, risco de preço,
risco de mercado], pretendemos deixar claro que deve tratar-se de um risco efectivo, isto é,
ligado a um qualquer aspecto financeiro ou económico e não um risco meramente forjado para
41
Instrumentos Financeiros Derivados. Notas Mínimas sobre o seu Regime Jurídico
efeitos de obtenção de algum resultado financeiro. É este um limite à construção de
instrumentos financeiros derivados.
A função social e financeira dos derivados assume central relevância jurídica, essencial na
análise da sua licitude. Essa função social visa quase exclusivamente a cobertura de risco, no
entanto podem comportar especulação. Esta, porém, não é uma característica intrínseca do
instrumento financeiro/contrato, mas sobretudo uma técnica de negociação desses
instrumentos financeiros, utilizada por quem não quer realizar a cobertura do risco de
qualquer subjacente por si detido, mas apenas tentar obter ganhos com a diferença de preços
dos instrumentos financeiros em mercado. Pode mesmo haver situações em que o contrato
efectua uma cobertura que vai além do risco efectivo e, nessa medida, podemos falar de
intuitos especulativos mesmo na construção do instrumento financeiro, embora esta realidade
seja mais característica dos derivados.
IX. A cobertura de risco pode ser efectuada por qualquer técnica a tal orientada, seja
através da transferência do risco, seja através da sua dispersão por vários agentes.
X. Nos contratos bilaterais a cobertura de risco estabelecida em relação a cada uma das
partes deve ser equilibrada, sob pena de invalidade do produto. Não é válido que um produto
derivado destinado a cobrir riscos de uma das partes, acabe por apenas ou em larga medida e
de modo desequilibrado cobrir apenas os riscos da outra parte. Nestes casos, esse
desequilíbrio ou excesso de cobertura pode corresponder a uma efectiva situação de
especulação na construção do contrato, não querida por uma das partes ou por ambas.
XI. Derivação, causalidade e abstracção.
XII. Contratos de jogo e aposta? Não, apesar de algumas vozes, numa postura superficial,
o defenderem entre nós. Por duas razões fundamentais:
i. a relevância da materialidade do activo subjacente/relação de derivação;
ii. a consagração legal, interna, e na legislação comunitária.
XIII. O risco como inerente a toda a actividade humana.
3. Enumeração legal
Vd. o CVM art. 2.
Remissão para o artigo de Paula Redondo, citado na bibliografia.
4. Tipologias
I. As tipologias/classificações de instrumentos financeiros derivados são abertas, quer em
termos contratuais quer em termos de activos subjacentes
42
Instrumentos Financeiros Derivados. Notas Mínimas sobre o seu Regime Jurídico
II. Derivados de bolsa/mercado [cláusulas gerais harmonizadas e fungíveis, sujeitos
obrigatoriamente a contraparte central e clearing] e derivados OTC [individuais]
III. Forward/futuros [negociados em mercado]: assentes no modelo da compra e venda a
prazo. Porém nem sempre se trata de verdadeiras compras e vendas, funcionando o contrato
de compra e venda como uma referência jurídica, uma espécie de ‘casa alugada’.
IV. Opções financeiras
i. o contrato de opção
ii. o prémio como preço da opção
iii o direito de opção como direito potestativo [que conhecemos há centenas de anos]
iv. opção de compra [call]
v. opção de venda [put]
vi. o preço de exercício
vii. estilo das opções: europeu, americano e misto
viii. opções in te money, opções at the money, opções out of the money
V. Swaps financeiros: a permuta financeira [remissão para a intervenção da Sra. Drª Maria
Clara Calheiros.
VI. Derivados com liquidação física: em que há efectiva entrega de bens que constituem o
activo subjacente ou de bens equivalentes
VII. Derivados com liquidação financeira [contratos diferenciais - CFD]: há lugar à entrega
de uma diferença entre o preço contratado e o preço do activo subjacente.
VIII. Derivados que são valores mobiliários [ex. warrants autónomos] e derivados que não
são valores mobiliários.
IX. Classificações quanto ao activo subjacente: de acções, de taxa de juro, de índices, de
mercadorias, etc.
Referências bibliográficas mínimas
ALMEIDA, António Pereira de, “Instrumentos Financeiros: os Swaps”, in Estudos em
Homenagem ao Professor Carlos Ferreira de Almeida, vol. II, Almedina, Coimbra, 2011.
ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Contratos II. Conteúdo. Contratos de Troca, Almedina,
2007, pp. 134-136, 151-155.
ALMEIDA, Carlos Ferreira de, “Contratos Diferenciais”, Estudos Comemorativos dos 10
anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, vol. II, 2008, pp. 81-116.
ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Contratos III. Contratos de Liberalidade, de Cooperação e
de Risco, Almedina, Coimbra, 2012 [em especial as pp. 260-263 e 269-273].
43
Instrumentos Financeiros Derivados. Notas Mínimas sobre o seu Regime Jurídico
ANTUNES, José Engrácia Antunes, “Os Derivados”, Cadernos do Mercado de Valores
Mobiliários, n.º 30, 2008, pp. 91-136.
ANTUNES, José Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, Almedina, 2009.
CALHEIROS, Maria Clara, O Contrato de Swap, Coimbra Editora, 2000.
CÂMARA, Paulo, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2009.
ESTEVES, Paulo Sena, «Derivados sobre mercadorias e o mercado ibérico de
electricidade», Direito dos Valores Mobiliários, vol. VII, 2007, pp. 41-56.
FERREIRA, Amadeu, “Operações de Futuros e Opções”, Direito dos Valores Mobiliários,
Lex, 1997, pp. 121-188.
FERREIRA, Amadeu, Direito dos Valores Mobiliários, AAFDL, 1997, pp. 438-447.
FONSECA, Tiago Soares da, Do Contrato de Opção. Esboço de uma Teoria Geral, Lex,
2001. [ponto de vista civilístico].
MOURATO, Helder M, O Contrato de SWAP de taxa de juro e um caso de desequilíbrio
contratual. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direitoda Universidade Nova de
Lisboa, 2012.
REDONDO, Paula Pereira, “Futuros financeiros sobre acções: Estudo de Direito
Comparado”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 41, Agosto de 2012,
edição on-line in cmvm.pt.
Vídeo 1 Vídeo 2
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Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os
seus Clientes
[Pedro Fuzeta da Ponte]
47
Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os seus Clientes
Prolegómenos
Estamos no âmbito da responsabilidade contratual, usual e originalmente através do
contrato de abertura de conta bancária, e, sequentemente, mediante a outorga dos contratos
de utilização de cartões de débito ou de crédito e a celebração da convenção de cheque.
A via contratual significa um melhoramento da situação jurídica do consumidor
comparando com uma hipotética e distinta situação de responsabilidade extracontratual, pois,
em termos práticos aquela significa que o Cliente vai passar a ver o seu dano ressarcido numa
acção contratual que arrasta consigo a aplicação do art. 800.º do Código Civil, a inversão do
ónus da prova concernente à culpa do art. 799.º do Código Civil, a indemnização de danos
patrimoniais puros e a aplicação de regras de prescrição mais favoráveis.
A aplicação do regime do art. 800.º do Código Civil merece uma pequena reflexão na
medida em que em casos de responsabilização da banca é esta norma que intervêm
necessariamente, na medida em que as instituições de crédito actuam profissionalmente –
como é evidente - através dos seus quadros de colaboradores, tirando daí benefícios pelo que
devem suportar os prejuízos inerentes à conduta negligente daqueles.
Não existem dúvidas que os funcionários bancários estão a cumprir as obrigações do
respectivo banco (o devedor) e que este deve responder pelo alargamento dos intervenientes
no cumprimento desde que haja culpa por parte de tais auxiliares; este é um requisito básico.
Os dados do direito positivo apontam para a teoria da ficção de acordo com a qual se deve
supor que o facto gerador de incumprimento foi praticado pelo próprio devedor.
48
Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os seus Clientes
A responsabilidade civil dos bancos decorrente do pagamento de cheques com assinatura
falsificada v. Deveres de guarda desses títulos por parte da clientela
1 – Independentemente dos efectivos controlos da veracidade das assinaturas dos seus
clientes nos cheques por parte das instituições de crédito e que obedecem a regras internas
próprias – dispensando aquelas normalmente a aferição dos autógrafos até determinados
montantes específicos e assumindo os respectivos riscos – há uma questão prática essencial e
subjacente a toda esta matéria: saber-se se existe a devida semelhança gráfica entre as
assinaturas lançadas nos títulos e as existentes nos arquivos do Banco.
2 – A partir deste ponto específico pode-se aferir se agiu um banco com a diligência
devida e exigível face aos padrões de actuação média de um profissional bancário no tocante
ao controlo da veracidade dos autógrafos.
3 – É facto notório, porém, que existe praxis consagrada e autorizada nos bancos de que
os cheques até determinadas verbas não são objecto de aferição de assinaturas, por razões de
alternativa aos custos da operativa global de tal conferência.
4 – A outra face da mesma moeda consiste – como é evidente – em que os bancos em
questão assumem o risco decorrente de tal conduta propositadamente omissiva, devendo
indemnizar a clientela em todos os casos em que, não obstante se tratar de um saque irregular,
o cheque é pago.
5 – No tocante a cheques em que existem dois Bancos envolvidos – o tomador e o
sacado, o SICOI – Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária, Instrução n.º
3/2009 do Banco de Portugal (art. 2.1, alínea a, do pertinente anexo), e sendo um cheque
truncado (o montante de truncagem dos cheques, para efeitos do SICOI, é um valor confidencial
para as entidades bancárias que não revelam aos seus clientes, e que é comunicado àquelas
através de carta-circular reservada do Banco de Portugal) não se prevê o envio da sua imagem
ao banco antes de lhe ser dado pagamento.
6 – Ou seja, todos os cheques cujos montantes inscritos sejam iguais ou inferiores a tal
verba não são aferidos pela entidade sacada se colocados na rede interbancária, isto, em regra.
Os títulos sujeitos, pois, a truncagem, não circulam entre instituições bancárias, nem sequer
em imagem, e não são sujeitos – pelo seu valor – a qualquer exame no que concerne à
regularidade da sua emissão face, p.e., ao que consta da respectiva ficha de assinaturas
actualizada para aferição da assinatura do sacador.
7 – Não se pode esquecer igualmente que diariamente se movimentam milhares de
cheques sujeitos a truncagem, isto é, que não circulam, repete-se, entre instituições bancárias,
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Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os seus Clientes
nem sequer em imagem, e em que não são verificados em termos da autenticidade dos seus
respectivos elementos.
8 – Por outro lado, as acima citadas práticas bancárias de não aferição das assinaturas
dos cheques até determinados montantes não são obviamente, oponíveis à clientela como já foi
confirmado jurisprudencialmente, pelo menos relativamente ao SICOI – Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 23.02.2010, Proc. 3404/07.4TVSLB.L1.S1, Relator Alves Velho, in
www.dgsi.pt - em que se julgou que o referido SICOI regulamenta o Sistema de Compensação
Interbancária tendo como destinatárias as entidades bancárias participantes nesse Sistema,
não sendo fonte directa de Direito; e por isso, não sendo oponível a quaisquer terceiros não
afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável em resultado de violação de normas
de direito comum.
9 – Sendo que o banco que abdica – por efeito do sistema bancário da truncagem - de
proceder à conferência de assinatura do sacador a que se encontrava contratualmente
obrigado, não procede diligentemente e deverá assumir os resultados dessa omissão, ainda
que, em concreto, não lhe fosse exigível que detectasse essa vicissitude, por a mesma
corresponder a uma falsificação perfeita - expressamente, Paulo Olavo Cunha, Cheque e
Convenção de Cheque, Coimbra, 2009, pág. 675.
10 – Não se esqueça que a clientela tem a consciência de impender sobre os bancos um
dever de actuação segundo padrões de elevada competência técnica – art. 73.º do RGICSF -
vide António Pedro de Azevedo Ferreira, A Relação Negocial Bancária, Lisboa, 2005, pág. 690.
Ideia que os Tribunais têm reforçado a propósito do controlo da semelhança das assinaturas
nos cheques, pelo que o banco tem o dever de fiscalizar a autenticidade delas, sendo
insuficiente a mera inspecção por semelhança, vulgo,“a olho nu”, incumbindo à instituição de
crédito, no âmbito da convenção de cheque, o ónus de provar ter agido com um grau de
diligência idóneo, à luz das regras da experiência comum, dos usos bancários e dos progressos
da técnica, visando a detecção de qualquer falsificação – Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 31-03-2009, Proc. n.º 09A197, Relator Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt .
11 – A Lei Uniforme sobre cheques não tomou posição no tocante à emissão de cheques
falsos, pelo que, a determinação de quem responde pelos prejuízos derivados do pagamento
destes cheques no âmbito relações entre o emitente e o banco sacado, deve fazer-se segundo
os princípios da responsabilidade civil contratual. Na verdade, não se vislumbra a existência de
responsabilidade objectiva ou pelo risco, designadamente do banco sacado, por força do
carácter excepcional de tal responsabilidade, que não está prevista na lei para estes casos (cfr.
art. 483.º, n.º 2 do Código Civil) – Acórdão da Relação de Guimarães de 15.12.2008, Proc.
1691/08-1, Relatora Isabel Rocha, in www.dgsi.pt.
50
Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os seus Clientes
12 – A culpa, na responsabilidade contratual, presume-se do devedor (n.º 1 do artigo
799.º do Código Civil), aqui, dos bancos. Para ilidir tal presunção, deve pois o banco que paga,
p.e., um cheque falsificado em termos de assinatura, provar que agiu com toda a diligência
exigível no caso, e que, mesmo assim, não foi possível detectar a falsificação.
13 – Sendo, porém, o facto ilícito que fundamenta a responsabilidade como a falsidade,
matéria que cabe provar à parte que invoca essa falsidade – Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 10.10.2002, Proc. 02B2746, Relator Simões Freire, in www.dgsi.pt.
14 – Da convenção de cheque deriva, entre outras coisas, um específico dever de
diligência e de protecção do uso do cheque, para o cliente, como seja a obrigação de verificar
regularmente o estado da sua conta e de guardar cuidadosamente os cheques pondo-os a
salvo de apropriações ilegítimas e a coberto de falsificações, dando imediatamente notícia de
uma destas ocorrências – Acórdão do STJ de 08.05.2012, Colectânea de Jurisprudência, Ano XX,
Tomo II, pág. 78.
15 – No caso de pagamento de cheque falsificado, o banco só se liberta da
responsabilidade provando que não teve culpa e que o pagamento foi devido a
comportamento culposo do cliente, sendo necessário que a culpa do cliente se sobreponha ou
anule a responsabilidade do banco – Acórdão do STJ de 08.05.2012, Proc. 96/1999.G1.S1,
Relator Gregório Silva Jesus, in www.dgsi.pt.
16 – O tema globalmente ora em exame foi já – há muito – abordado na perspectiva da
responsabilização civil, e em que chegou a surgir, então, uma proposta de assento (parecer do
M.ºP.º de 19-02-1970, BMJ 205, pág. 205 e segs.) o qual acabou por não ser tirado, por mera
inexistência de oposição entre acórdãos segundo se considerou, mas que propugnava que «a
responsabilidade pelos danos resultantes do pagamento pelo sacado, de um cheque em que foi
falsificada a assinatura do sacador, determina-se segundo os princípios gerais da
responsabilidade civil, sendo, assim, responsáveis por esse pagamento o sacador, o sacado, ou
mesmo os dois, consoante a culpa tenha sido daquele, deste ou de ambos.» (in Pedro Fuzeta
da Ponte, Da Problemática da Responsabilidade Civil dos Bancos Decorrente do Pagamento de
Cheques com Assinaturas Falsificadas, separata da Revista da Banca, n.º 31, Julho/Setembro
1994).
51
Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os seus Clientes
Negligência dos clientes no manuseamento por terceiros de cartões bancários
O problema real que flui na presente análise diz respeito ao manuseamento ilegítimo –
por terceiros – de cartão bancário (de débito ou de crédito) nas situações em que
aquele foi sempre utilizado através da digitalização correta do respetivo PIN, não se
tendo verificado sequer, na maioria das ocorrências, qualquer tentativa de introdução
errada.
Tratando-se de operações comprovadamente realizadas em máquinas automáticas
cuja utilização apenas é possível mediante a apresentação física do cartão e introdução
do respetivo código pessoal, consta-se, geralmente, que o cartão realizou de facto as
operações nos momentos referidos, não tendo sido registadas quaisquer anomalias
técnicas. Aliás, os movimentos são eletronicamente autorizados no óbvio pressuposto
que os mesmos estavam a ser efetuados pelo titular do cartão, uma vez que, naquela
data e horas, não detém o banco qualquer comunicação que inviabilize a aceitação
automática de tais transacções.
Acontece que sem o conhecimento efetivo do PIN que permitiu todas as transações,
estas não teriam acontecido. E a utilização fraudulenta por terceiros do cartão em
questão, acompanhada pelo conhecimento por aqueles do competente PIN indicia
suficientemente uma conduta negligente do cliente envolvido.
Como é consabido, existem deveres dos clientes relativamente aos cartões – o cartão
deverá ser utilizado exclusivamente pelo titular não tendo o Banco qualquer obrigação
de verificar ou controlar quem usa electronicamente o cartão; devendo o titular
memorizar o PIN, e em caso algum anotá-lo junto ao cartão de modo a evitar a sua
utilização por terceiros – que são consagrados nas pertinentes cláusulas contratuais
gerais e que procuram potenciar uma conduta diligente dos clientes na guarda e
utilização (impedindo sempre a visualização do PIN) dos cartões e na celeridade na
participação dos furtos.
A não ser o cliente a proceder às assinaladas transações a utilização do cartão por
terceiros é facto bastante e demonstrativo da negligência daquele; ao que acresce o
conhecimento também por esses terceiros do PIN – pressuposto determinante que
possibilita as operações em questão – faz agravar, evidentemente, o grau de culpa
envolvido, passando a existir uma situação óbvia de negligência grosseira por parte do
cliente visado quando permite ou possibilita a acessibilidade desses dados secretos a
outrem, quando bem conhecia que não o podia ou devia fazer.
52
Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os seus Clientes
Não ocorre, pois, nas hipóteses em análise o paradigma de conduta do cliente bancário
medianamente cuidadoso que sabe que deve guardar, de modo zeloso, o seu cartão de
crédito e não divulgar – seja de que modo – o respectivo PIN.
Havendo negligência grave do titular do cartão este suporta as perdas resultantes de
operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível – ainda que
superiores a 150,00 euros – dependendo da natureza dos dispositivos de segurança
personalizados do instrumento de pagamento e das circunstâncias da sua perda,
extravio, roubo, furto ou apropriação abusiva – n.º 3 do art. 72.º do Dec. Lei n.º
317/2009, de 30 de Outubro (diploma que consagra o enquadramento jurídico em
matéria de serviços de pagamento). As cláusulas contratuais gerais dos vários bancos
costumam consagrar solução similar.
As apontadas regras concernentes ao regime da utilização fraudulenta do cartão por
terceiro, traduzem uma solução equitativa na medida em que se inserem no âmbito da
repartição da responsabilidade por essa utilização fraudulenta entre os bancos e a sua
clientela, no fundo mais propriamente uma repartição lícita do risco.
O risco não tem que ser suportado apenas pelo banco, assim como não tem de o ser
unicamente pelo titular do cartão. Se alguém tira proveito de uma coisa, sob tutela
jurídica, justifica-se, por equitativo, que suporte os prejuízos que a sua utilização
acarreta. Se é certo que só o banco está em condições de impedir o uso indevido do
cartão após comunicação do seu titular, também é verdade que este até pode não ter
tomado prévio conhecimento da sua utilização abusiva e nem ter qualquer
responsabilidade nessa indevida utilização (apud, Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 15-10-2009, Proc. n.º 29368/03.5TJLSB.S1, Relator Alberto Sobrinho, in
www.dgsi.pt).
O titular do cartão será responsável na medida do incumprimento das suas obrigações
relativas à segurança desse cartão, responsabilidade essa que se estenderá até ao
momento em que comunicar ao Banco o cancelamento do cartão; responde a
instituição de crédito pelos prejuízos causados posteriormente, quando já podia e
devia ter acionado todos os mecanismos necessários de modo a evitar novas
utilizações (vide, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de
Março de 2004, Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, Tomo I, pág. 127 e segs.).
O uso do PIN é pessoal, só o próprio o deve saber, fazendo todo o sentido que se
pressuponha que tenha havido negligência do possuidor/utente quando o uso do
cartão tenha sido levado a cabo com recurso ao PIN, pois se só aquele deverá ser o
depositário de tal número secreto não vemos como se possa deixar de considerar
53
como sendo sua – e apenas sua – a responsabilidade pelo uso do cartão precisamente
através do conhecimento do PIN (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
02.03.2010, Proc. n.º 29371/03.5TJLSB.S1, Relator Urbano Dias, pág. 43, in
www.dgsi.pt).
E, se tal uso se verifica, nessas condições, temos como verificada uma violação do
programa contratual estabelecido entre o Banco emissor e o utente, e, como
consequência, a vir à tona a culpa presumida do possuidor/utente por mor do
preceituado no art. 799.º do Código Civil, e, neste caso, compreende-se que seja sobre
o próprio utente que recaia o ónus de provar que, apesar do furto, não houve da sua
parte negligência, o que significa que é ele que tem o encargo de ilidir a presunção
natural de culpa (apud mesmo Acórdão, mesma pág., com citação de demais
jurisprudência).
Nesta conformidade tem plena aplicação a estatuição do já citado n.º 3 do art. 72.º do
Dec. Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, devendo o cliente suportar a verba total
decorrente das transações sobrevindas, levando-se aqui em conta, evidentemente,
como determina a parte final da disposição em questão, as circunstâncias acabadas de
mencionar relacionadas com o manuseamento desse cartão, onde está evidenciado,
nomeadamente, a quebra de sigilo no tocante ao PIN do cartão e utilização deste por
estranhos, factos estes da inteira responsabilidade do cliente.
Problemas de visualização
Algumas Vicissitudes Jurídicas Decorrentes do Relacionamento Quotidiano entre a Banca e os seus Clientes
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
[Joana Amaral Rodrigues]
57
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
Sumário:
I. Introdução
II. Segredo bancário
1. Enquadramento (artigo 78.º do RGICSF)
2. Bem jurídico tutelado (artigo 26.º da CRP)
3. Exceções ao dever de segredo bancário (artigo 79.º do RGICSF)
4. Em especial: as exceções previstas no n.º 1 e nas alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 79.º
5. O incidente jurisdicional de quebra ou levantamento do dever de segredo no processo
civil (remissão – cfr. III. 4.)
III. Segredo da autoridade de supervisão
1. Enquadramento (artigo 80.º do RGICSF)
2. Bem jurídico tutelado (artigo 101.º da CRP; artigo 26.º da CRP)
3. Exceções ao dever de segredo das autoridades de supervisão (artigo 80.º, n.º 2, do
RGICSF)
4. O incidente jurisdicional de quebra ou levantamento do dever de segredo
5. O regime de segredo aplicável às bases de dados do BdP; em especial, a base de contas
bancárias (artigo 79.º, n.º 3, do RGICSF; artigo 749.º, n.º 6, do CPC)
IV. Responsabilidade por violação de segredo profissional
V. Bibliografia e lista de jurisprudência
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
Joana Amaral Rodrigues1
1 Jurista no Banco de Portugal, Advogada. As opiniões expressas neste texto, assim como as expressas na sua
apresentação pública, são da responsabilidade exclusiva da autora e não coincidem necessariamente com as
do Banco de Portugal, não o vinculando de forma alguma.
58
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
Bibliografia:
ANDRADE, Manuel da Costa, “Artigo 195.º”, in DIAS, Jorge de Figueiredo (dir.),
Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999,
pp. 771 a 802.
CAMPOS, Diogo Leite de; VIDIGAL, Geraldo de Camargo; CALDAS, Júlio de Castro;
RODRIGUES, Anselmo; NETO, Francisco Amaral; MACHADO, Miguel Pedrosa;
RODRIGUES, Benjamim; RAMOS, Maria Célia, Sigilo Bancário, Instituto de Direito
Bancário, Edições Cosmos, Lisboa, 1997.
CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, Almedina,
Coimbra, 2008, pp. 253 a 283.
DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa; PINTO, Frederico de Lacerda
da Costa, Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, Almedina, Coimbra,
2009.
FERREIRA, Eduardo Paz, “Artigo 101.º”, in MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui,
Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2006.
LUÍS, Alberto, “O segredo bancário em Portugal”, Revista da Ordem dos Advogados,
ano 41, Vol. II, maio-agosto, 1981, pp. 451 a 474.
MALAFIA, Joaquim, “O segredo bancário como limite à investigação criminal”, Revista
da Ordem dos Advogados, ano 59, Vol. I, janeiro, 1999, pp. 413 a 445.
NUNES, Fernando Conceição, “Os deveres de segredo profissional no Regime Geral
das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras”, Revista da Banca, número 29,
janeiro–março, 1994, pp. 39 a 63.
PAÚL, Jorge Patrício, “O sigilo bancário. Sua extensão e limites no direito português”,
Revista da Banca, número 12, outubro-dezembro, 1989, pp. 71 a 96.
PEDRO, António de Jesus, Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Regime
Geral – Anotado, Ediforum, Lisboa, 1994, pp. 122 a 136.
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, Parecer n.º 25/2009, publicado in Diário da
República, 2.ª série, n.º 223, de 17.11.2009.
SANTIAGO, Rodrigo, “Sobre o segredo bancário – uma perspectiva jurídico-criminal e
processual penal”, Revista da Banca, número 42, abril-junho, 1997, pp. 23 a 76.
SILVA, Germano Marques da, “Segredo bancário: da tutela penal na legislação
portuguesa”, Direito e Justiça, Vol. XII, Tomo 2, 1998, pp. 31 a 58.
59
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
SOUSA, Rabindranath Capelo de, “O segredo bancário. Em especial, face às alterações
fiscais da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro”, in CORDEIRO, António Menezes,
LEITÃO, Luís Menezes, GOMES, Januário da Costa (org.), Estudos em Homenagem ao
Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 157 a
223.
Jurisprudência:
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/95, de 31.5.1995 (Proc. n.º 510/91),
disponível in www.tribunalconstitucional.pt (bem jurídico protegido pelo segredo
bancário).
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2007, de 14.8.2007 (Proc. n.º 815/07),
disponível in www.tribunalconstitucional.pt (bem jurídico protegido pelo segredo
bancário).
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2008, de Fixação de Jurisprudência, de
13.2.2008 (Proc. n.º 894/07-3), disponível in www.dgsi.pt (artigo 135.º do CPP).
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15.2.2006 (Proc. n.º 4359/05),
disponível in www.dsgi.pt (artigo 182.º do CPP; artigo 135.º do CPP).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.10.2008 (Proc. n.º 2140/08-9) (tutela
constitucional do sistema financeiro; deveres de informação a cargo das autoridades
supervisionadas; artigo 79.º, n.º 2, alíneas a) e b)).
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.3.2011 (Proc. n.º
85/09.4GAMLGA. G1), disponível in www.dgsi.pt (artigo 79.º, n.º 2, alínea d), do
RGICSF).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.9.2011 (Proc. n.º 1214/10.0PBSNT-
A.L1), disponível in www.pgdlisboa.pt (sumário) (artigo 79.º, n.º 2, alínea d), do
RGICSF).
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14.11.2011 (Proc. n.º
344/10.3GAVNCB. G1), disponível in www.dgsi.pt (sobre artigo 79.º, n.º 2, alínea d), do
RGICSF).
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.6.2012 (Proc. n.º 394/10.0TTTVD-
A.L1-4), disponível in www.dgsi.pt (artigo 80.º, n.º 2, do RGICSF; artigo 519.º, n.º 4, do
CPC, artigo 135.º do CPP).
61
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
Abreviaturas
BdP – Banco de Portugal
CC – Código Civil
CPC – Código de Processo Civil
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
RGICSF – Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TC – Tribunal Constitucional
TRC – Tribunal da Relação de Coimbra
TRG – Tribunal da Relação de Guimarães
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
62
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
I. Introdução
A vasta jurisprudência proferida no âmbito do incidente jurisdicional de quebra ou
levantamento do segredo previsto no artigo 135.º do CPP demonstra, no que ao segredo
bancário respeita, que as instituições de crédito são detentoras de informação bancária
relevante, cuja transmissão aos autos de processos judiciais é frequentemente requerida pelas
autoridades judiciárias.
Tal jurisprudência demonstra igualmente, no que concerne ao segredo de supervisão que
vincula o Banco de Portugal, que esta entidade é frequentemente confrontada com pedidos,
provenientes dos tribunais e do Ministério Público, de acesso às bases de dados por si geridas,
bem como à informação coligida no exercício das suas funções de supervisão do sistema
bancário e financeiro (vg. relatórios de inspeção).
Com efeito, compreende-se que a documentação bancária e de supervisão possa afigurar-
se útil, por vezes mesmo indispensável, aos interesses investigatórios e/ou probatórios de
vários tipos de processo, quer no âmbito do processo penal, quer no âmbito do processo civil.
No entanto, a violação do dever de segredo, sempre que este esteja legalmente previsto e
abranja a informação requerida in casu, pode fazer incorrer os seus sujeitos passivos em
responsabilidade penal, contraordenacional, civil e disciplinar.
A pergunta que se impõe é, por conseguinte: como articular os regimes legais do segredo
bancário e do segredo de supervisão – dois tipos de segredo profissional distintos e com regime
legal diverso – com o dever de colaboração com os tribunais e a justiça?
A resposta à questão enunciada depende necessariamente da análise do sentido e limites
dos referidos deveres legais. Assim, o presente texto centra-se numa perspetiva sistemática e
interpretativa do direito constituído.
II. Segredo bancário
1. Enquadramento (artigo 78.º do RGICSF)
O dever de segredo bancário encontra-se previsto no artigo 78.º do Regime Geral das
Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. O artigo 79.º do mesmo Regime Geral
contempla as exceções a tal dever. Trata-se de um tipo de segredo profissional.
São sujeitos passivos do dever, ou seus destinatários, os membros dos órgãos de
administração ou de fiscalização das instituições de crédito2, os seus empregados,
2 Referimo-nos às instituições de crédito. No entanto, nos termos do artigo 195.º do RGICSF, “*S]alvo o
disposto em lei especial, as sociedades financeiras estão sujeitas, com as necessárias adaptações, às normas
contidas nos artigos 73.º a 90.º”. Note-se que o regime de segredo profissional previsto nos artigos 78.º e
79.º do RGICSF é ainda aplicável às instituições de pagamento e às instituições de moeda eletrónica, com as
devidas adaptações, nos termos do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro.
63
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou
ocasional.
Relativamente aos sujeitos ativos do dever, ou titulares do direito ao sigilo, identificam-se
os clientes bancários e a própria instituição de crédito.
O âmbito subjetivo descrito relaciona-se, naturalmente, com o objeto de tutela do
segredo bancário. Estão em causa informações sobre factos ou elementos respeitantes à (i)
vida da instituição ou (ii) às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento advenha,
aos sujeitos passivos do dever, exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação
dos seus serviços.
Assim, tais informações “só estão *sujeitas+ a segredo se o seu conhecimento estiver
intimamente ligado ao exercício da profissão”3, o que significa que não relevará, para efeitos
da tutela conferida por este segredo profissional, o segredo cujo conhecimento tenha sido
obtido fora desse exercício4 – haverá, pois, que estar identificado um nexo de causalidade
entre o conhecimento e o exercício da função ou serviço. Por outro lado, factos do
conhecimento público, mesmo que ligados ao exercício da profissão, não se encontram
abrangidos pelo dever de segredo, já que não são suscetíveis de ser considerados conhecidos
exclusivamente por decorrência da função ou serviço exercidos.
A lei designa, no n.º 2 do artigo 78.º do RGICSF, alguns desses “factos ou elementos”
abrangidos pela obrigação de sigilo: os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus
movimentos e outras operações bancárias. O referido preceito tem natureza tão só
exemplificativa (“designadamente”).
O segredo relaciona-se com um dever de non facere5: a conduta proibida é a de revelar ou
utilizar a informação por aquele abrangida. Se revelar se identifica com o ato de transmitir ou
divulgar a terceiro, utilizar parece pressupor um proveito próprio do sujeito passivo do dever,
contraposto à vontade e interesse do titular do segredo6. Note-se que, nos termos do n.º 3 do
preceito, o dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
3 ALBERTO LUÍS, “O segredo bancário em Portugal”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 41, Vol. II, maio-
agosto, 1981, p. 464. 4 FERNANDO CONCEIÇÃO NUNES, “Os deveres de segredo profissional no Regime Geral das Instituições de Crédito
e Sociedades Financeiras”, Revista da Banca, número 29, janeiro-março, 1994, p. 41. 5 MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2008, p. 253. 6 FERNANDO CONCEIÇÃO NUNES, “Os deveres de segredo profissional…”, ob. cit., p. 49. Também para CAPELO DE
SOUSA, “O segredo bancário. Em especial, face às alterações fiscais da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro”
in CORDEIRO, António Menezes, LEITÃO, Luís Menezes, GOMES, Januário da Costa (org.), Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Coimbra, Almedina, 2002, p. 189, “a
utilização das informações implica um aproveitamento pela pessoa que o viola”. Note-se que nem sempre a
64
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
Sem prejuízo do exposto, a doutrina refere-se a determinadas pessoas que têm o “direito
de partilhar o segredo” ou que estão numa “esfera de descrição”7, traduzindo a
insusceptibilidade, dentro de certos pressupostos, de a elas ser oposto o segredo; de uma
outra perspetiva, o ato de revelação do segredo não será, em relação a tais pessoas, ilícito.
Sem preocupação de exaustão ou detalhe do regime jus-civilista a considerar necessariamente
no caso concreto, diremos que se encontram referências na doutrina e na jurisprudência aos
casos, designadamente, dos representantes legais do cliente incapaz, tutores e curadores, dos
herdeiros e sucessores, dos representantes convencionais, dos mandatários qualificados das
sociedades comerciais e das pessoas coletivas em geral, dos cotitulares de contas ou dos
cônjuges sempre que lhes caiba a administração dos bens comuns ou próprios do outro
cônjuge8.
2. Bem jurídico tutelado (artigo 26.º da CRP)
A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido, como imanente à tutela do segredo
bancário, o direito à reserva da intimidade da vida privada9. Com efeito, a reserva da
intimidade da vida privada surge tradicionalmente identificada como primeiro e fundamental
bem jurídico protegido, o que justifica até a integração do crime de violação de segredo (artigo
195.º do CP) nos “crimes contra a reserva da vida privada”. Considera-se, pois, que o segredo
bancário está relacionado com direitos fundamentais com a inerente tutela constitucional10
(cfr. o artigo 26.º, n.º 1, da CRP).
Refere MENEZES CORDEIRO, a este propósito, o seguinte11: “O Direito bancário acompanha,
hoje, quase todas as operações patrimoniais praticadas pelas pessoas. O banqueiro pode,
através da análise dos movimentos das contas de depósito ou dos movimentos com cartões,
“utilização” pressupõe uma “revelação” – cfr. JOSÉ MARIA PIRES, O dever de segredo na actividade bancária,
Lisboa, Rei dos Livros, 1998, p. 52. 7 ALBERTO LUÍS, “O segredo bancário em Portugal”, ob. cit., p. 466; JOSÉ MARIA PIRES, ibidem, pp. 53 e ss. 8 Para maior concretização e desenvolvimento, ALBERTO LUÍS e JOSÉ MARIA PIRES, ibidem; CAPELO DE SOUSA, “O
segredo bancário…”, ob. cit., pp. 182 a 187. 9 Cfr., entre outros, COSTA ANDRADE, “Artigo 195.º”, in DIAS, Jorge de Figueiredo (dir.), Comentário
Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 773 a 778; FERNANDO CONCEIÇÃO
NUNES, “Os deveres de segredo…”, ob. cit., pp. 43 e 44; GERMANO MARQUES DA SILVA, “Segredo bancário: da
tutela penal na legislação portuguesa”, Direito e Justiça, Vol. XII, Tomo 2, 1998, pp. 36 a 43; ALBERTO LUÍS, “O
segredo bancário em Portugal”, ob. cit., pp. 454 e ss.; JOSÉ MARIA PIRES, O dever de segredo..., ob. cit., pp. 19 a
21; MARIA CÉLIA RAMOS, “O sigilo bancário em Portugal – Origens, evolução e fundamentos” in AAVV, Sigilo
Bancário, Instituto de Direito Bancário, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, pp. 131 a 137; CAPELO DE SOUSA, “O
segredo bancário…”, ob. cit., pp. 176 a 180 e 192 e 193. 10 MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, ob. cit., p. 258. 11 Ibidem.
65
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
seguir a vida dos cidadãos. O banqueiro – até por ter muitos milhares de clientes – não o fará;
não o deve fazer. Mas facultar tais elementos a terceiros é pôr a cobro à intimidade das
pessoas”.
O TC afirmou, muito expressivamente, no Acórdão n.º 278/9512, a dimensão da reserva da
intimidade da vida privada como subjacente ao segredo bancário. Fê-lo nos seguintes e
interessantes termos: “Aqui chegados, está este Tribunal em condições de afirmar que a
situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações
activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da
intimidade da vida privada, condensado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, surgindo o
segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito. De facto, numa época
histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que grande parte dos
cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos
bancários, respeitantes designadamente às contas de depósito e seus movimentos e às
operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à
reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido”. A jurisprudência
menciona frequentemente a ideia da “biografia em números”.
Ainda na perspetiva do interesse eminentemente pessoal, MENEZES CORDEIRO identifica,
como bem jurídico protegido pelo segredo bancário, a própria integridade moral das pessoas,
por referência ao artigo 25.º da CRP13, afirmando que “*A+lém do problema da intimidade
privada, o desrespeito pelo segredo bancário põe ainda em causa a integridade moral das
pessoas atingidas”, já que “a revelação de depósitos, movimentos e despesas pode ser fonte de
pressão, de troça ou de suspeição”.
Para além da proteção de interesses de ordem individual, como os identificados, a
instituição do segredo bancário visa igualmente a salvaguarda do interesse público do correto e
regular funcionamento da atividade bancária14. Com efeito, e como se afirma no já referido
Acórdão do TC n.º 278/95, “a instituição do segredo bancário contribui, assim, juntamente com
outros factores, para a criação de um clima de confiança, que se revela de importância
12Acórdão do TC n.º 278/95, de 31 de maio de 1995 (Proc. n.º 510/91), disponível in
www.tribunalconstitucional.pt. 13 MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, ob. cit., p. 264. 14 Assinalam-no, designadamente, os seguintes Autores, que contudo reconhecem uma dupla ordem de
valores através da identificação da salvaguarda da reserva da intimidade da vida privada como igualmente
subjacente ao segredo: COSTA ANDRADE, “Artigo 195.º”, ob. cit., pp. 773 a 778; FERNANDO CONCEIÇÃO NUNES, “Os
deveres de segredo…”, ob. cit., pp. 43 e 44; GERMANO MARQUES DA SILVA, “Segredo bancário…”, ob. cit., pp. 36 a
43; ALBERTO LUÍS, “O segredo bancário em Portugal”, ob. cit., pp. 463 e 464; JOSÉ MARIA PIRES, O dever de
segredo..., ob. cit., pp. 19 a 21; MARIA CÉLIA RAMOS, “O sigilo bancário em Portugal”, ob. cit., pp. 131 a 137;
CAPELO DE SOUSA, “O segredo bancário…”, ob. cit., pp. 176 a 180 e 192 e 193.
66
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
fundamental para o correcto e regular funcionamento da actividade creditícia e, em especial,
no domínio do incentivo ao aforro”.
Também no Acórdão do TC n.º 442/200715 se identifica esta “dupla ordem de interesses”:
o segredo bancário “desde sempre esteve institucionalmente presente na actividade deste
sector económico, como factor e garantia do funcionamento eficiente do sistema”. Mais
sublinha o TC a dimensão pessoal, referindo-se à “recondução *da fundamentação jurídica do
regime], por largos sectores doutrinais e jurisprudenciais, à tutela da privacidade”, com o que
“o instituto rompeu as fronteiras da relação contratual banqueiro-cliente, para assumir uma
dimensão e implicações jurídico-constitucionais” 16.
Não obstante o exposto, o “direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é
um direito absoluto” e pode “ter de ceder perante outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos” (assim o Acórdão do STJ n.º 2/200817, que também reconhece
a “dupla ordem de interesses” supra referida).
3. Exceções ao dever de segredo bancário (artigo 79.º do RGICSF)
As exceções ao dever de segredo bancário encontram-se previstas no artigo 79.º do
RGICSF, com a epígrafe “Exceções ao dever de segredo”18. O segredo cujo regime de exceção
15 Acórdão do TC n.º 442/2007, de 14 de agosto de 2007 (Proc. n.º 815/07). 16 Em sentido diverso, considerando “que a Constituição da República Portuguesa não consagra um direito
fundamental ao sigilo bancário para os clientes das instituições financeiras sujeitas ao dever de segredo”, cfr.
a declaração de voto do Conselheiro Gil Galvão. Cfr. ainda a declaração de voto do Conselheiro Vítor Gomes:
“Considero que a inclusão do sigilo bancário de que sejam titulares pessoas colectivas no âmbito de
protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da
Constituição, não será apenas problemática, como o acórdão concede (n.º 16.2, último parágrafo), mas é,
mais radicalmente, de afastar. E, como só na medida em que constitui refracção deste direito à reserva da
privacidade se me afigura possível dar guarida ao sigilo bancário no elenco dos direitos fundamentais,
entendo que o legislador não está subordinado, no reconhecimento e conformação do sigilo bancário
relativamente a pessoas colectivas (e entes equiparados), ao regime constitucional dos direitos, liberdades e
garantias”. Em sentido diverso, ALBERTO LUÍS, “O segredo bancário...”, ob. cit., p. 455, referindo uma “esfera
privada de ordem económica”, merecedora de tutela e aplicável a pessoas singulares e coletivas. 17 Acórdão do STJ n.º 2/2008, de Fixação de Jurisprudência, de 13 de fevereiro de 2008 (Proc. n.º 894/07-3),
disponível in www.dgsi.pt. 18 Tratamos no texto das exceções especificamente previstas no artigo 79.º do RGICSF. No entanto, refere
CAPELO DE SOUSA, “O segredo bancário…”, ob. cit., pp. 199 e 200, a este propósito, o seguinte: “O segredo
bancário não é reconhecido pelo art. 78.º do Regime Geral referido abrupta e separadamente e não
funciona isoladamente. As restrições taxativas previstas no art. 79.º do mesmo regime dizem respeito ao
conteúdo normativo-axiológico, específico, do dever de segredo (…). Mas estas interconexionam-se,
solidariamente, com outras proposições jurídicas, de carácter geral” (v.g. causas de exclusão da ilicitude)
(cfr., para maiores desenvolvimentos, o Autor, ibidem, pp. 199 e ss.). Também FERNANDO CONCEIÇÃO NUNES, “Os
67
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
está consagrado no referido preceito é o bancário, o que significa que o artigo 79.º não poderá
ser considerado como regime de exceção do (diverso) segredo previsto no artigo 80.º,
conforme se desenvolverá infra.
Trata-se de uma matéria relevante, esta das exceções legais, já que nos casos em que
exista uma circunstância que excecione nos termos legais o dever de segredo, a revelação dos
factos por ele abrangidos não constituirá ato ilícito. Donde, de uma diferente perspetiva, a
recusa em colaborar com a justiça será em princípio ilegítima.
Nos termos do referido artigo 79.º, a revelação de factos ou elementos abrangidos pelo
dever do segredo é legítima nos seguintes casos:
i. mediante autorização do cliente, transmitida à instituição, quando estejam em causa
“factos ou elementos da relação do cliente com a instituição” – n.º 1;
ii. ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições (as instituições de crédito não
podem opor o dever de segredo ao Banco de Portugal, estando sujeitas, conforme resulta
do artigo 120.º do RGICSF, a estritos deveres de informação perante o Supervisor, também
por sua vez sujeito a segredo profissional revelante, conforme analisaremos infra)19 –
alínea a);
iii. à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições – alínea
b);
iv. ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no
âmbito das respetivas atribuições – alínea c);
v. às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal – alínea d);
vi. à administração tributária, no âmbito das suas atribuições – alínea e);
vii. quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo –
alínea f).
4. Em especial: as exceções previstas no n.º 1 e nas alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 79.º
Analisam-se seguidamente as exceções que nos parecem mais relevantes desde a
perspetiva da articulação do dever de segredo bancário com o dever de colaboração com os
deveres de segredo profissional…”, ob. cit., p. 60, refere que não há razão “para não aplicar, em sede de
sigilo bancário, normas que limitem, genericamente, o exercício de direitos ou o cumprimento de deveres”.
Cfr. ainda GERMANO MARQUES DA SILVA, “Segredo bancário…”, ob. cit., p. 55. 19 Segundo JOSÉ MARIA PIRES, O dever de segredo..., ob. cit., p. 55, “o Banco de Portugal, a Comissão de
Mercado de Valores Mobiliários e o Fundo de Garantia de Depósitos, cada um deles no âmbito das suas
atribuições (e só nesse âmbito) participam, por direito legalmente atribuído, do segredo, não constituindo a
revelação dos factos concernentes a essas atribuições verdadeira excepção e, muito menos, restrição ao
dever de segredo”.
68
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
tribunais – matéria que aqui nos ocupa –, ou seja, as previstas no n.º 1 e nas alíneas d) e f) do
n.º 2 do artigo 79.º.
a. “autorização do cliente, transmitida à instituição”
Nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do RGICSF, “os factos ou elementos das relações do
cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente [bancário],
transmitida à instituição”. O que demonstra que o legislador concebe o segredo bancário,
preponderantemente, como proteção do direito fundamental à reserva da vida privada20: “o
cliente é senhor do segredo e a ele pode livremente renunciar”21.
Em nossa opinião, e de acordo com uma interpretação literal da norma, o consentimento
há de ser expresso de tal forma que se considere “transmitido”, veiculado, à instituição. Ou
seja, a autorização “deve consistir num acto do cliente”, sendo que “a vontade hipotética ou
conjectural ou o interesse objectivamente avaliado não chegam para que haja uma
autorização”22. Nesta perspetiva, não poderá extrair-se o consentimento de um presumido
interesse probatório do cliente bancário em determinado processo23.
A lei, quando prevê o consentimento do cliente bancário, está a contemplar um regime
excecional atinente à informação que diga respeito a esse mesmo cliente bancário – “factos ou
elementos das relações do cliente com a instituição” (artigo 79.º, n.º 1). No entanto, o segredo
bancário pode também abranger factos relativos à vida da própria instituição. Embora a lei não
o afirme expressamente, relevará, para efeitos de exceção ao segredo, e assim para efeitos de
exclusão da ilicitude da conduta de revelação por um sujeito passivo do dever, o
consentimento da mesma.
b. “às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal” (Lei n.º 36/2010, de 2
de setembro)
A Lei n.º 36/2010, de 2 de setembro, alterou o artigo 79.º do RGICSF, fazendo dele constar
uma derrogação geral do segredo bancário no âmbito do processo penal. Deixaram de ter
aplicação, por essa via, as normas especiais que limitavam o segredo bancário relativamente à
investigação e julgamento de determinados crimes (a mencionar infra).
20 Assim o Acórdão do STJ n.º 2/2008, de Fixação de Jurisprudência, de 13 de fevereiro de 2008 (Proc. n.º
894/07-3), disponível in www.dgsi.pt. 21 ALBERTO LUÍS, “O segredo bancário...”, ob. cit., p. 486. 22 FERNANDO CONCEIÇÃO NUNES, “Os deveres de segredo profissional…”, ob. cit., p. 52. 23 O consentimento presumido poderá relevar jus-criminalmente (cfr. o artigo 39.º do CP). No entanto,
segundo COSTA ANDRADE, “Artigo 195.º”, ob. cit., p. 792, “só pode invocar-se o acordo presumido quando não
for possível conhecer a vontade real do titular do segredo”.
69
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
Com efeito, a nova alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º prevê a admissibilidade da revelação
de factos e elementos cobertos pelo dever de segredo “às autoridades judiciárias, no âmbito
de um processo penal”. Autoridades judiciárias, há que entendê-lo, as previstas no artigo 1.º
do CPP – juiz, juiz de instrução e Ministério Público, cada um relativamente aos atos
processuais que cabem na sua competência (nestes termos, um pedido proveniente de um
órgão de polícia criminal deverá ser acompanhado de despacho de uma das referidas
autoridades judiciárias).
Assim sendo, no âmbito do processo penal, e no que se refere apenas ao segredo
bancário, deixa de ser necessário recorrer ao incidente de quebra ou levantamento do dever
de segredo previsto no artigo 135.º do CPP. Deixa de ser necessária, portanto, a ponderação
em concreto dos interesses em conflito, por um tribunal superior, para efeitos da
determinação daquela quebra ou levantamento. O legislador entendeu plasmar, em abstrato, a
preponderância do interesse público da investigação criminal sobre os interesses protegidos
pelo dever de segredo bancário24.
Veja-se, sobre esta exceção, o Acórdão do TRL, de 14 de setembro de 2011, bem como os
Acórdãos do TRG, de 10 de março de 2011 e de 14 de novembro de 201125.
c. “quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”
O legislador entendeu, dentro de certos limites, introduzir limitações pontuais ao dever de
segredo bancário, com repercussão na relação entre as entidades bancárias e os tribunais. Fê-
lo em especial no âmbito penal, designadamente na Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, em matéria
de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (artigos 18.º a 20.º), na Lei n.º
5/2002, de 11 de janeiro, em matéria de criminalidade organizada e económico-financeira
(artigos 2.º e 5.º) e no Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de dezembro, em matéria de crime de
emissão de cheque sem provisão (artigo 13.º-A), prevendo normas especiais limitadoras do
dever de segredo relativamente à investigação e julgamento de determinados crimes. Todavia,
por força da derrogação geral contemplada na alínea d) do artigo 79.º do RGICSF, e conforme
referido supra, tais normas deixaram de ter relevância para efeitos de exceção do dever de
segredo bancário. 24 O legislador já o havia determiado em relação à administração tributária (dentro de certas condições), já
que a limitação ao dever de segredo bancário perante as autoridades tributárias é anterior. Em sentido
crítico, RODRIGO SANTIAGO, “Sobre o segredo bancário – uma perspectiva jurídico-criminal e processual penal”,
Revista da Banca, número 42, abril-junho, 1997, p. 58. 25 Acórdão do TRL, de 14 de setembro de 2011 (Proc. n.º 1214/10.0PBSNT-A.L1), disponível in
www.pgdlisboa.pt (sumário), Acórdão do TRG, de 10 de março de 2011 (Proc. n.º 85/09.4GAMLG-A.G1),
disponível in www.dgsi.pt, Acórdão do TRG, de 14 de novembro de 2011 (Proc. n.º 344/10.3GAVNC-B.G1),
disponível in www.dgsi.pt.
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Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
No domínio das disposições legais que expressamente limitam o dever de segredo ainda
vigentes e com relevo na relação com os tribunais, pode referir-se o artigo 780.º do CPC. Trata-
se da possibilidade, nele prevista quanto à penhora de depósitos bancários, com os limites e
alcance aí definidos, de comunicação do montante de saldos bancários.
5. O incidente jurisdicional de quebra ou levantamento do dever de segredo no
processo civil (remissão – cfr. III. 4.)
A derrogação prevista na alínea d) do artigo 79.º do RGICSF não contempla outros
processos que não o processo penal. Assim sendo, no âmbito do dever segredo bancário que
ora nos ocupa, sempre que esse dever subsista nos termos da lei e seja consequentemente
invocado pelo respetivo sujeito passivo perante um pedido de informação sigilosa no contexto
do processo civil, deverá ser promovido o incidente jurisdicional de quebra ou levantamento
do segredo previsto no artigo 135.º do CPP, aplicável ex vi artigo 417.º (ex-artigo 519.º), n.º 4,
do CPC.
Com efeito, o artigo 417.º do CPC, depois de na alínea c) do seu n.º 3 estatuir que a recusa
em colaborar com a justiça é legítima se a obediência importar a violação do sigilo profissional,
expressamente remete, no seu n.º 4, para o “disposto no processo penal acerca da verificação
da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado” (com as “adaptações
impostas pela natureza dos interesses em causa”). Voltaremos a este tema, em concreto à
análise do regime jurídico deste incidente e à sua aplicação no processo civil, infra.
III. Segredo da autoridade de supervisão
1. Enquadramento (artigo 80.º do RGICSF)
O dever de segredo da autoridade de supervisão encontra-se previsto no artigo 80.º do
RGICSF, com o regime excecional constante do n.º 2 desse mesmo artigo.
Trata-se de um outro tipo de segredo profissional, que não se confunde com o segredo
bancário, designadamente ao nível dos sujeitos passivos, do objeto, do bem jurídico tutelado e,
sobretudo, das exceções legalmente previstas (cujo regime é assinalavelmente diverso).
São sujeitos passivos, ou destinatários, do dever de segredo de supervisão, nos termos do
artigo 80.º, as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem
como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional. São-
no ainda as autoridades, organismos e pessoas que participem na troca de informações
prevista no artigo 81.º do RGICSF (“Cooperação com outras entidades”) – cfr. o n.º 5.
Relativamente aos sujeitos ativos do dever, podem desde logo identificar-se as instituições
de crédito supervisionadas, com deveres de informação e reporte ao Supervisor; mas também,
71
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
indiretamente, os clientes bancários dessas instituições, na medida em que a informação
coligida pelo Supervisor possa respeitar-lhes.
Delimitando o âmbito objetivo, podemos considerar estarem em causa informações sobre
factos cujo conhecimento advenha, aos sujeitos passivos do dever, exclusivamente do exercício
das suas funções ou da prestação dos seus serviços no Banco de Portugal, no contexto do
exercício, por este Banco, das respetivas atribuições de Supervisor do sistema bancário e
financeiro. Assim, também neste caso, e como já referido a propósito do segredo bancário,
factos do conhecimento público não se encontram abrangidos pelo dever de segredo (v.g.
factos constantes de um Relatório e Contas de uma instituição supervisionada).
A lei não especifica, como o faz para o segredo bancário (em que inclusivamente designa),
que informação está abrangida pelo segredo de supervisão. Em nossa opinião, pode entender-
se que o dever de segredo de supervisão abrange informação já coberta pelo segredo bancário
– factos e elementos respeitantes às relações da instituição com os seus clientes e,
especialmente, factos e elementos atinentes à vida da instituição. Note-se que as instituições
de crédito não podem opor ao Banco de Portugal o dever de segredo (alínea a) do n.º 2 do
artigo 79.º) e estão vinculadas a estritos deveres de informação (artigo 120.º do RGICSF).
Assim, o segredo de supervisão abrange factos e elementos comunicados por instituições
de crédito, ou nelas recolhidos, respeitantes em especial à sua vida interna (mas também a
clientes). Há ainda que considerar, quanto a este ponto, que a autoridade de supervisão pode
transformar qualitativamente a informação transmitida ou recolhida, coligindo, tratando e
produzindo nova informação.
A lei delimita negativamente o âmbito objetivo do segredo de supervisão, nos n.os 3 e 4 do
artigo 80.º: i) “fica ressalvada a divulgação de” informações confidenciais relativas a instituições
de crédito no âmbito da aplicação de medidas de intervenção corretiva ou de resolução, da
nomeação de uma administração provisória ou de processos de liquidação, exceto (isto é,
mantêm-se abrangidas pelo dever de segredo) informações relativas a pessoas que tenham
participado na recuperação e na reestruturação financeira da instituição; b) “é lícita a
divulgação de” (não está abrangida pelo dever de segredo) informação em forma sumária ou
agregada e que não permita a identificação individualizada de pessoas ou instituições,
designadamente para efeitos estatísticos. Sublinhamos, no referido n.º 3 do artigo 80.º, a
especialidade do processo de liquidação.
Relativamente à conduta proibida, trata-se de um dever de non facere26, nos termos já
identificados quando ao segredo bancário. A conduta proibida é a de divulgar ou utilizar a
informação por aquele abrangida. Se divulgar se identifica com o ato de transmitir a terceiro
26 MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, ob. cit., p. 253.
72
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
(revelar na terminologia do segredo bancário), utilizar parece pressupor um proveito próprio
do sujeito passivo do dever, contraposto à vontade e interesse do titular do segredo27.
2. Bem jurídico tutelado (artigo 101.º da CRP; artigo 26.º da CRP)
O direito à reserva da intimidade da vida privada pode ser identificado como bem jurídico
protegido pelo dever de segredo de supervisão, em especial nas zonas de sobreposição, quanto
à informação abrangida, com o segredo bancário.
Não obstante, a tutela deste segredo relaciona-se em especial com o interesse público na
efetividade ou eficácia da supervisão, essencial à salvaguarda da estabilidade do sistema
financeiro, bem jurídico constitucionalmente previsto. Com efeito, nos termos do artigo 101.º
da CRP, “o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação
e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao
desenvolvimento económico e social” – sobre os “valores constitucionais ligados à estabilidade
financeira” é muito esclarecedor o Acórdão do TRL, de 30 de outubro de 200828.
O segredo de supervisão é uma condição necessária à confiança; é um dos seus
contrapontos. Ao poder do Supervisor de exigir a prestação de todas e quaisquer informações
necessárias ao exercício da supervisão há de corresponder o dever de manter sigilo sobre as
informações assim obtidas ou recolhidas. Apenas garantindo a salvaguarda do dever de
segredo do Supervisor se pode assegurar a confiança que nele detêm, designadamente, as
próprias instituições (note-se que a confiança está também subjacente a outros regimes de
segredo profissional, como o dos advogados ou o dos médicos). Visa-se, pois, a efetividade do
exercício de uma profissão/de uma função, que tem a confiança como pressuposto basilar,
relativamente à qual se reconhece um interesse público relevante. Trata-se, pois, de garantir
“o interesse comunitário da confiança na discrição e reserva de determinados grupos
profissionais, como condição do seu desempenho eficaz”29.
Em suma, a confiança assegurada pelo segredo (ainda que naturalmente não só pelo
segredo) é condição indispensável ao bom exercício da supervisão, que tem como fim último a
salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro, bem jurídico constitucionalmente tutelado.
Contudo, e não obstante a preponderância deste interesse público, o segredo em causa
também não é absoluto. E a lei previu certas exceções, justificadas pelo confronto com outros
valores ou interesses constitucionalmente relevantes30.
27 Cfr. nota 6.28 Acórdão do TRL, de 30 de outubro de 2008 (Proc. n.º 2140/08-9). 29 COSTA ANDRADE, “Artigo 195.º”, ob. cit., p. 775. 30 Trataremos no texto das exceções especificamente previstas no artigo 80.º, n.º 2, do RGICSF. No entanto,
e como refere CAPELO DE SOUSA, “O segredo bancário…”, ob. cit., p. 199, analisando o segredo bancário mas
73
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
3. Exceções ao dever de segredo das autoridades de supervisão (artigo 80.º, n.º 2, do
RGICSF)
As exceções ao dever de segredo de supervisão encontram-se previstas no artigo 80.º, n.º
2, do RGICSF, ou seja, no preceito especificamente referente a este segredo profissional. Há,
pois, que sublinhar que não se aplicam no contexto do segredo de supervisão as exceções
previstas no artigo 79.º, já que estas dizem exclusivamente respeito ao segredo bancário,
conforme comprova a sua inserção sistemática e respetivo teor literal (cfr. o n.º 1, referindo-se
à instituição [de crédito], e ainda o n.º 2, estatuindo que o segredo em causa não pode ser
oposto ao Banco de Portugal).
a. “mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal”
Nos termos do artigo 80.º, n.º 2, “*O+s factos e elementos cobertos pelo dever de segredo
só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de
Portugal”.
Note-se que a lei, no caso do segredo de supervisão, já não refere a autorização do cliente,
mas sim a do interessado. Em nosso entender, tal terminologia encontra justificação nas
especialidades do segredo de supervisão, já que o interessado pode ser o cliente bancário – e
sê-lo-á relativamente a informação a si respeitante que tenha sido recolhida pelo Banco de
Portugal –, mas, na maioria dos casos, identificar-se-á com a própria instituição supervisionada
(pense-se no caso, a título exemplificativo, de ser solicitado ao Banco de Portugal um relatório
de uma ação inspetiva). O consentimento relevante, para efeitos de verificação do pressuposto
desta alínea, variará conforme as circunstâncias do caso e em especial conforme a natureza da
informação sigilosa em causa – consentimento do cliente, da instituição ou mesmo de ambos.
Sobre o conceito de autorização transmitida, cfr. II. 4. (a.).
b. “nos termos previstos na lei penal e de processo penal” (artigos 135.º e 182.º do CPP;
artigo 242.º do CP; disposição legal expressa – v.g. Lei n.º 25/2008, de 5 de junho)
Como referido supra, a Lei n.º 36/2012 estabeleceu uma derrogação geral do segredo
bancário no âmbito do processo penal, prevista no artigo 79.º, n.º 2, alínea d), do RGICSF.
num entendimento aplicável ao segredo de supervisão,“*O+ segredo bancário não é reconhecido pelo art.
78.º do Regime Geral referido abrupta e separadamente e não funciona isoladamente. As restrições
taxativas previstas no art. 79.º do mesmo regime dizem respeito ao conteúdo normativo-axiológico,
específico, do dever de segredo (…). Mas estas interconexionam-se, solidariamente, com outras proposições
jurídicas, de carácter geral” (v.g. causas de exclusão da ilicitude).
74
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
No entanto, a referida Lei não excecionou nos mesmos termos o dever de segredo de
supervisão. Com efeito, não foi introduzida, nem em 2006 nem posteriormente, qualquer
alteração ao artigo 80.º, n.º 2, mantendo-se inalterada a sua formulação originária– cfr. o
Decreto-Lei n.º 298/92, de 2 de setembro – nos termos da qual o segredo de supervisão só
cede, fora dos casos em que exista consentimento do interessado, “nos termos previstos na lei
penal e de processo penal”.
A norma, ao referir-se aos termos previstos na lei penal e de processo penal, integra uma
remissão para o disposto no artigo 135.º do CPP, ou seja, para o incidente jurisdicional de
quebra ou levantamento do segredo nele previsto. A análise deste incidente, também
relevante no contexto do segredo bancário no processo civil, será feita no ponto seguinte.
Sem prejuízo do exposto, podem identificar-se limitações ao segredo de supervisão
impostas por lei especial. É o caso designadamente do artigo 40.º, conjugado com o artigo 20.º,
da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, nos termos dos quais sempre que, no exercício das suas
funções, as autoridades de supervisão das entidades financeiras tenham conhecimento ou
suspeitem de factos suscetíveis de poder configurar a prática do crime de branqueamento ou
de financiamento do terrorismo, devem participá-los, prontamente, ao Procurador-Geral da
República e à Unidade de Informação Financeira, não podendo o cumprimento desse dever
constituir violação de dever de segredo. É ainda o caso, a nosso ver, do artigo 242.º do CP, que
estabelece um dever geral de denúncia obrigatória a cargo dos funcionários públicos, em cuja
aceção se incluem funcionários e órgão de Administração do Banco de Portugal31.
4. O incidente jurisdicional de quebra ou levantamento do dever de segredo
O incidente de quebra ou levantamento do segredo profissional previsto no artigo 135.º
do CPP foi interpretado, em termos de fixação de jurisprudência, pelo Acórdão do STJ n.º
2/2008. A doutrina do Acórdão, na medida em que se refere aos pressupostos de verificação da
quebra ou levantamento do segredo, embora tenha como âmbito de análise o segredo
bancário, tem aplicação mutatis mutandis ao segredo de supervisão.
O referido Acórdão do STJ assinala duas fases distintas do incidente previsto no artigo
135.º do CPP, uma prevista no n.º 2, outra prevista no n.º 332.
31 No mesmo sentido, RODRIGO SANTIAGO, “Sobre o segredo bancário..”, ob. cit., p. 63. 32 Pode ler-se na decisão do Acórdão do STJ:
“5 - Com base no exposto, acordam os juízes que compõem o pleno das secções criminais deste Supremo
Tribunal de Justiça em: (...) b) Fixar jurisprudência com o seguinte teor:
1) Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de
depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em
segredo bancário;
75
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
A primeira fase, prevista no n.º 2 do referido artigo 135.º, é a da análise sobre a
legitimidade ou ilegitimidade da escusa, a cargo da autoridade judiciária perante a qual foi
suscitado o problema de segredo, juiz ou Ministério Público conforme o momento processual
em causa. Está em causa, tão somente, apreciar se existe ou não existe, por força da lei
aplicável, segredo profissional a obrigar o sujeito que deduziu a escusa33. Neste primeiro
momento, se a autoridade judiciária, após a necessária averiguação, concluir que não existe
dever de segredo relativamente à informação em causa (v.g. verifica-se o consentimento do
titular do segredo), considera a escusa ilegítima e ordena, ou requer ao tribunal que ordene no
caso em que a apreciação da legitimidade da escusa esteja a cargo do Ministério Público, a
prestação da informação.
Tendo a autoridade judiciária concluído pela ilegitimidade da escusa, e tendo sido
ordenada a prestação da informação, caberá ao sujeito visado dar cumprimento a tal
determinação judicial, prestando o depoimento ou entregando a documentação (cfr. o artigo
182.º do CPP). No entanto, se a autoridade judiciária em causa verificar que existe
efetivamente um dever de segredo a salvaguardar nos termos da lei, terá de concluir pela
legitimidade da escusa, não podendo determinar a quebra ou levantamento desse segredo.
Competir-lhe-á encaminhar o problema para o tribunal superior, com o que se dá por aberta a
segunda fase do incidente.
A segunda fase, prevista no n.º 3 do referido artigo 135.º, é a da quebra ou levantamento
do segredo propriamente dita, a cargo de um tribunal superior – trata-se, em regra, porque a
dedução da escusa ocorre normalmente em sede de primeira instância, do Tribunal da Relação
territorialmente competente. Esse tribunal superior fará a ponderação no caso concreto (e não
em abstrato) dos interesses em conflito, decidindo de acordo com o “princípio da prevalência
2) Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir
consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas
eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do n.º 2
do artigo 135.º do Código de Processo Penal;
3) Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver
suscitado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções
criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”. 33 O artigo 135.º do CPP estabelece que os sujeitos passivos do dever “podem escusar-se a depor”. No
entanto, como assinala JOSÉ MARIA PIRES, O dever de segredo..., ob. cit., p. 77, “não havendo causa de
justificação, a escusa, apesar do emprego da expressão ‘podem’, é um dever jurídico e não uma mera
disponibilidade”. No mesmo sentido, COSTA ANDRADE, “Artigo 195.º”, ob. cit., p. 796, e GERMANO MARQUES DA
SILVA, “Segredo bancário…”, ob. cit., pp. 43 e 44.
76
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
do interesse preponderante”34 in casu. Se o tribunal superior decidir pela quebra ou
levantamento do dever de segredo, caberá ao sujeito visado, desonerado, no todo ou em
parte, do dever de segredo a que estava obrigado, prestar a informação que tenha sido
abrangida pela quebra.
De assinalar que o incidente previsto no artigo 135.º tem lugar quer esteja em causa a
prestação de depoimento, quer a entrega de documentos que integrem factos cobertos pelo
segredo, tal como resulta do disposto no artigo 182.º do CPP e foi reiterado designadamente
pelo Acórdão do TRC, de 15 de fevereiro de 200635.
Finalmente, deverá referir-se que, nos termos do n.º 4 do artigo 135.º do CPP, a decisão
sobre a legitimidade da escusa e a eventual decisão sobre a quebra do segredo são tomadas
após pronúncia do “organismo representativo da profissão relacionada com o segredo
profissional em causa”. Se o organismo representativo da profissão é de fácil identificação em
certos casos (pense-se no caso dos médicos ou dos advogados e das suas ordens profissionais),
essa identificação parece-nos difícil no domínio do segredo de supervisão36, o que justifica que
nas decisões judiciais proferidas no âmbito do incidente de quebra deste segredo não se faça
referência à pronúncia prévia de qualquer organismo.
Em suma, no que se refere ao segredo de supervisão no âmbito do processo penal, e
contrariamente ao que ocorre relativamente ao segredo bancário, o legislador não plasmou
com força de lei, nem 2006 nem em momento posterior, a preponderância em abstrato dos
interesses da investigação criminal sobre os interesses protegidos por este segredo. A
ponderação continuará, pois, a ter de ser feita casuisticamente por um tribunal superior nos
termos do artigo 135.º, n.º 3, o que pressupõe a prévia dedução de escusa legítima.
Uma nota final: o disposto no artigo 135.º do CPP tem aplicação, quanto ao segredo de
supervisão, no âmbito do processo penal, sempre que seja solicitada a prestação de
informação sigilosa e invocada a correspondente escusa pelo sujeito obrigado ao segredo. E
tem igualmente aplicação no processo civil, por via do já referido artigo 417.º do CPC que
expressamente remete para os seus termos. Cfr., neste sentido, o Acórdão do TRL, de 20 de
junho de 201237.
34 CAPELO DE SOUSA, “O segredo bancário…”, ob. cit., pp. 206 e ss., identifica certos “critérios normativos de
identificação e ponderação dos interesses e dos valores jurídicos colidentes e de critérios normativos do
estabelecimento da hierarquia de tais interesses e valores”. 35 Acórdão do TRC, de 15 de fevereiro de 2006 (Proc. n.º 4359/05), disponível in www.dsgi.pt. 36 E, bem assim, no domínio do segredo bancário. JOSÉ MARIA PIRES, O dever de segredo..., ob. cit., p. 70, diz-
nos que “na actividade bancária não existem associações deste tipo”. 37 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de junho de 2006 (Proc. n.º 394/10.0TTTVD-A.L1-4),
disponível in www.dgsi.pt.
77
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
5. O regime de segredo aplicável às bases de dados do BdP: em especial, a base de
contas bancárias (artigo 79.º, n.º 3, do RGICSF; artigo 749.º, n.º 6, do CPC)
O Banco de Portugal centraliza três bases de dados: i) a Central de Responsabilidades de
Crédito38, que contém informação prestada pelas entidades participantes – instituições que
concedem crédito – sobre os créditos concedidos aos seus clientes e também sobre as
responsabilidades de crédito potenciais que representem compromissos irrevogáveis; ii) a
Listagem de Utilizadores de Cheque que Oferecem Risco39, que contém informação das
entidades, pessoas singulares e coletivas, com as quais os bancos tenham rescindido a
convenção de cheque por utilização indevida, e que opera por via das comunicações das
próprias instituições, difundindo o Banco de Portugal pelo sistema bancário a informação assim
coligida; iii) a Base de Dados de Contas do Sistema Bancário, a referir mais detalhadamente
infra.
No que se refere à Central de Responsabilidades de Crédito40 e à Listagem de Utilizadores
de Cheque que Oferecem Risco, não estando previsto regime especial relativamente ao acesso
à informação nelas contidas, e sendo centralizadas pela autoridade de supervisão, aplicar-se-á,
ao que nos parece, o regime do artigo 80.º com as exceções previstas no seu n.º 2. O caso da
recente Base de Dados de Contas do Sistema Bancário é distinto.
A base de contas bancárias está prevista no preceito que regula as exceções ao dever de
segredo bancário, ou seja, no artigo 79.º – cfr. o seu n.º 341. A base, criada no Banco de
Portugal, tem um âmbito de informação específico, tal como dispõe o artigo 79.º, n.º 3, alínea
c), nos termos do qual “a informação nela referida *é+ apenas respeitante a identificação do
número da conta, da respetiva entidade bancária, da data da sua abertura, dos respetivos
titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, e da data do seu
encerramento”. Nos termos da referida alínea c), “o Banco de Portugal adota as medidas
necessárias para assegurar o acesso reservado a esta base”, sendo que a informação “apenas
[pode] ser transmitida às entidades referidas na alínea d) do n.º 2 do presente artigo
*autoridades judiciárias+, no âmbito de um processo penal”.
38 Cfr. o Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de outubro, que aprova o regime jurídico relativo à Central de
Responsabilidades de Crédito. 39 O Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de dezembro (Regime Jurídico do Cheque sem Provisão) disciplina o
funcionamento desta Listagem. 40 Nos termos do artigo 2.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de outubro, “*E+m tudo o que se
relacionar com a informação recebida da Central de Responsabilidades de Crédito, as entidades referidas no
número anterior [Banco de Portugal e entidades participantes] ficam sujeitas às normas respeitantes a
segredo profissional contidas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro”. 41 Este enquadramento sistemático é, a nosso ver, pouco rigoroso.
78
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
A base de contas bancárias foi, pois, criada com uma finalidade muito específica: a do
suporte informativo, dentro das limitações da base, designadamente ao nível da informação
que nela está disponível, às autoridades judiciárias (juiz e Ministério Público) no âmbito de um
processo penal. Ou seja, quando esteja em causa a solicitação de informação constante da
base de contas bancárias, e essa solicitação provenha de uma autoridade judiciária no âmbito
de um processo penal, a transmissão da informação é legítima.
No que respeita ao processo civil, e porque não está prevista limitação ao segredo
equivalente àquela que está prevista para o processo penal, o acesso à base de contas
bancárias continuará dependente da verificação da exceção do consentimento prevista no
artigo 80.º, n.º 2, do RGICSF, ou de uma decisão de quebra do segredo nos termos do incidente
previsto no artigo 135.º do CPP, aplicável ex vi artigo 417.º do CPC. Mas isto com uma exceção
especialmente prevista no contexto das diligências prévias à penhora (processo executivo) –
cfr. o artigo 749.º, n.º 6, do CPC.
Com efeito, a base de contas bancárias, inicialmente pensada para servir exclusivamente o
processo penal, foi associada aos interesses ou finalidades do processo executivo com a revisão
do CPC de 2013. Nos termos do artigo 749.º, n.º 6, do CPC, no âmbito das diligências prévias à
penhora, “*P+ara efeitos da penhora de depósitos bancários, o Banco de Portugal disponibiliza
por via eletrónica ao agente de execução informação acerca das instituições legalmente
autorizadas a receber depósitos em que o executado detém contas ou depósitos bancários”.
Trata-se, segundo a letra da lei, da prestação de informação sobre a identificação das
instituições onde o executado detém contas bancárias para efeitos da subsequente penhora.
O artigo 749.º, n.º 6, do CPC, deverá ser compreendido como uma limitação do segredo
relativamente à informação constante da base de contas bancárias; mas isto dentro dos
pressupostos admitidos pelo preceito, quer quanto ao tipo de processo, quer quanto à
informação cuja transmissão é legitimada.
IV. Responsabilidade por violação de segredo profissional
Nos termos do artigo 84.º do RGICSF, “a violação do dever de segredo *bancário e de
supervisão+ é punível nos termos do Código Penal”, ou seja, nos termos do artigo 195.º do CP,
que tipifica o crime de violação de segredo: “Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio
de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou
arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias”42. O artigo
196.º do CP tipifica o crime de aproveitamento indevido de segredo.
42 Cfr. ainda o artigo 197.º (agravação). Sobre o tema, designadamente, COSTA ANDRADE, “Artigo 195.º”, ob.
cit, pp. 771 a 802, RODRIGO SANTIAGO, “Sobre o segredo bancário...”, ob. cit., pp. 23 a 76, GERMANO MARQUES DA
SILVA, “Segredo bancário...”, ob. cit., pp. 31 a 58, MIGUEL PEDROSA MACHADO, “Sigilo bancário e Direito Penal –
79
Segredo Bancário e Segredo de Supervisão
Acresce, no que ao segredo bancário respeita, a possível responsabilização
contraordenacional por violação do dever, considerando a infração prevista na alínea m) do
artigo 210.º do RGICSF.
De uma outra perspetiva, a violação da lei enquanto ato ilícito pode, causando dano, fazer
incorrer o sujeito passivo do dever em responsabilidade civil (cfr. o artigo 483.º do CC). Mais se
refira que da violação do dever de segredo pode resultar, para o trabalhador sujeito passivo do
dever de segredo, responsabilização disciplinar.
***
Em termos gerais, procurámos sistematizar e enquadrar o regime jurídico do segredo
bancário e do segredo da autoridade de supervisão, procurando interpretar algumas das
normas que os preveem, em especial no domínio das relações com os tribunais e a justiça. O
exercício, embora incompleto e naturalmente passível de mais aprofundada reflexão, pareceu-
nos útil, tendo em conta a dispersão das normas aplicáveis.
Não pretendemos, assim, nesta sede, abordar o problema a partir da crítica do sistema ou
do direito a constituir, pese embora a relevância de uma tal abordagem, considerando as
identificáveis incongruências dos regimes legais analisados.
Dois tópicos: caracterização de tipos legais de crimes e significado da extensão às contra-ordenações”, in
AAVV, Sigilo Bancário, Instituto de Direito Bancário, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, pp. 73 a 100.
Problemas de visualização
Contratos de Swap
[Manuel Fernando Granja da Fonseca]
83
Contratos Swap
Sumário:
I - Contrato de swap, ou de permuta financeira, é o contrato através do qual uma parte transfere
o risco económico inerente a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração;
concretamente as partes obrigam-se (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias
pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas
predeterminadas, (iv) calculadas por referência a fluxos financeiros associados a um activo
subjacente, geralmente, a uma determinada taxa de juro
II - São seus caracteres o serem contratos a prazo; consensuais (não estando sujeitos a forma
legal obrigatória, excepto nos casos em que se insiram em serviços de intermediação financeira
com o público investidor), não reais (cuja formação requer a mera declaração das partes
contratantes), sinalagmáticos (sendo fonte para ambas as partes de obrigações ligadas entre si
por um nexo de reciprocidade), patrimoniais (onde está, em regra, afastado qualquer “intuitu
personae”, sendo irrelevante a pessoa ou a qualidade dos contratantes), onerosos (envolvendo
atribuições patrimoniais para ambas as partes) e aleatórios (no sentido em que é o risco e
incerteza que fornece a própria causa e objecto contratuais)
III - Quanto ao seu objecto, dividem-se em duas modalidades fundamentais: os swaps de dívidas
(as partes acordam permutar ou trocar entre si quantias pecuniárias expressas em duas moedas
diferentes, calculadas mediante a aplicação de uma taxa de câmbio predeterminada) e os de
juros (as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa
mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético,
calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou variáveis)
IV - A resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias depende da
verificação dos seguintes requisitos: (i) que haja alteração relevante das circunstâncias em que as
partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que essas circunstâncias se hajam
modificado de forma anormal, e que (ii) a exigência da obrigação à parte lesada afecte
gravemente os princípios da boa-fé contratual, não estando coberta pelos riscos do negócio
V - Nos contratos, como os referidos em I em que as partes visam justamente negociar sobre a
incerteza, o risco fornece o próprio objecto contratual pelo que a alteração das circunstâncias
tem de ser de apreciável vulto ou proporções extraordinárias: o prejuízo só justifica a resolução
ou modificação do contrato quando se verifique um profundo desequilíbrio do contrato, sendo
intolerável com a boa-fé que o lesado o suporte
Contratos Swap
84
Contratos Swap
VI - Tal profundo desequilíbrio pode resultar da significativa descida das taxas de juro (que
chegou abaixo dos 3,95%), provocada por grave crise financeira, com grande divergência da taxa,
superior, que as partes representaram como possível e a que o contrato pretendia assegurar (in
casu, 5,15%)
VII - Os swaps, que conferem às partes posições jurídicas permutáveis relativas a
determinadas quantias pecuniárias em data ou datas futuras previamente fixadas, são
contratos de execução sucessiva ou periódica – a sua realização exige várias prestações, durante
o tempo de vigência do contrato – pelo que se lhes aplica o n.º 2 do artigo 434º do Código Civil
85
Contratos Swap
I – INTRODUÇÃO:
As distorções económicas geradas pela crise financeira que teve início em 2007/2008
têm-se feito sentir de forma notória na nossa sociedade, impulsionando uma acentuada
litigiosidade.
Alguns destes litígios opõem entidades públicas a intermediários financeiros, enquanto
outros respeitam a disputas envolvendo bancos e particulares.
É, neste segundo âmbito, que nos propomos tecer umas ligeiras considerações ao
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/10/2013, que apreciou e decidiu um litígio que
tinha por objecto a resolução de um contrato de swap de taxa de juros, com fundamento na
alteração anormal de circunstâncias, por força da crise financeira ocorrida a 15/09/2008, nos
EUA.
II – O CASO EM DISCUSSÃO:
Uma empresa industrial que fabricava peúgas para exportação (doravante autora)
celebrou com um determinado Banco (doravante réu) um contrato de locação financeira
imobiliária que tinha por objecto um pavilhão industrial, cujas rendas eram variáveis, porque
associadas à taxa EURIBOR.
O representante da autora era uma pessoa simples, que, no dia-a-dia, trabalhava na
produção de peúgas e nunca antes tinha contratado qualquer operação bancária complexa.
Depois de celebrado o aludido contrato de locação financeira, um responsável da
dependência de Braga do Banco, apareceu na sede da autora, incentivando-a a celebrar um
outro contrato, com vista a fixar a taxa de juro dentro de determinados limites/barreiras, dado
que a taxa de juros dos empréstimos bancários se encontrava, nessa altura, muito alta e temia-
se que continuasse a subir, o que determinaria a satisfação de rendas cada vez mais elevadas.
Realçando as vantagens deste novo contrato, o representante do Banco fazia saber à
autora que, em vez de esta correr o risco de ver as rendas do contrato de locação financeira
subirem sem limite, fixar-se-ia, por efeito deste novo contrato, um limite/barreira dentro do
qual a autora pagaria sempre a mesma taxa de juro base prevista nesse contrato, ainda que a
taxa de juro subisse para além desse limite/barreira, pelo que a prestação da autora referente
ao contrato de locação financeira manter-se-ia exactamente no mesmo valor.
Este contrato permitiria, pois, cobrir o risco inerente a potenciais aumentos da taxa
compensatória.
Nesse contexto, foi afirmado à autora que, nesse contrato que o réu lhe propunha, se
fixava um limite da taxa de juro dentro do qual a autora apenas pagava a taxa de juro prevista
86
Contratos Swap
no contrato, ou seja 4,55%, sendo que, se essa taxa de juro aumentasse até ao limite de 5,15%,
a autora pagaria sempre aquela taxa de juro inicial de 4,55%.
Caso a taxa de juro ultrapassasse aquele limite dos 5,15%, a autora teria que pagar a taxa
de juro correspondente, perdendo todo e qualquer benefício. Nesse caso, o réu poderia fazer
cessar o contrato.
Correspondentemente, caso a taxa de juro descesse até aos 3,95%, a autora continuaria
a pagar a taxa de juro de 4,55%. E, caso a taxa de juro descesse abaixo dos 3,95%, a autora
teria, por sua vez, o direito de fazer cessar o contrato, por forma a pagar a taxa de juro real e
efectiva.
Alegava a autora que, com esta explicação do Banco, ficou convencida que o réu podia
denunciar o contrato a partir da taxa de juro dos 5,15% e que a autora, por sua vez, também o
poderia fazer se a taxa descesse abaixo dos 3,95% e que só por isso aceitou celebrar com o réu
o referido contrato.
No âmbito dessas negociações, o réu apresentou à autora, em 8/08/2008, um
documento escrito denominado “contrato de swap de taxa de juro com barreira”,
antecipadamente redigido por ele e com todas as condições que o mesmo aí entendeu colocar,
tendo ficado provado que a autora nunca antes discutiu com o representante do Banco
quaisquer das condições específicas insertas nas cláusula desse contrato, a não ser a fixação da
taxa de juro e o limite/barreira a partir do qual o contrato podia ser denunciado.
A 8/08/2008, data da assinatura do referido contrato, a taxa de juro Euribor a três meses
encontrava-se no valor de 4,96% e no dia 30/09/2008 encontrava-se a 5,277%, tendo subido
até ao valor de 5,395%, em 9/10/2008.
De Agosto a Dezembro de 2008, a autora pagou sempre a taxa de juro a 4,55%.
Será legítimo que nos interroguemos, como é que, tendo a taxa de juro alcançado um
valor que ultrapassava os 5,15%, o Banco não denunciou o contrato, como lhe era permitido,
continuando a cobrar a taxa de 4,55%?
A resposta não será difícil se tivermos em conta que a crise económica e financeira, que
se instalou a partir de 15/09/2008, fazia prever uma acentuada descida das taxas de juro, o que
não terá passado desapercebido ao mundo financeiro, não sendo, além disso, curial denunciar
um contrato com um mês de vigência.
E, de facto, a partir do mês de Janeiro de 2009, a taxa de juro começou a descer a um
ritmo acelerado, descendo abaixo do limite dos 3,95%.
Neste circunstancialismo e perante os valores dos débitos lançados pelo Banco, a autora
questionou de imediato o réu sobre o débito desses valores, tendo-lhe este respondido que
esse débito tinha a ver com o facto de a taxa de juro ter descido abaixo do limite/barreira de
87
Contratos Swap
3,95%, estando, por isso, a autora obrigada a pagar-lhe a diferença entre a taxa de juro Euribor
que se foi verificando ao longo desses três meses e a taxa de 4,55%
Perante esta resposta, a autora comunicou ao réu que pretendia de imediato pôr fim ao
contrato, face ao incumprimento contratual, tendo o réu esclarecido a autora que, para o
fazer, teria de pagar um valor superior a € 50.000, tal como constava do contrato escrito, mas
ao contrário do que ela cogitava.
Nos meses subsequentes, o réu continuou a debitar à autora em cada mês a diferença
entre a taxa de juro fixada no contrato (4,55%), e a taxa de juro que então vigorava.
A autora pagou esses valores apenas para não incorrer numa situação formal de
incumprimento bancário, pois que, caso não pagasse, o réu comunicaria esse facto ao Banco de
Portugal, que, por sua vez, o difundiria por todos os Bancos, sendo certo que essa informação,
a ocorrer, poria de imediato em causa a credibilidade da autora junto de todos os Bancos e dos
seus clientes, o que seria absolutamente desastroso para a sua estabilidade económica.
III – A ACÇÃO PROPOSTA PELA AUTORA CONTRA O BANCO
Surgiu, assim, esta acção, em que a autora peticionava, a título principal, que fosse
declarado nulo e de nenhum efeito o contrato objecto da acção, condenando-se o réu a
restituir a quantia correspondente aos débitos lançados pelo réu, a partir de Janeiro de 2009,
acrescidos dos juros de mora, vencidos a partir da citação.
Pedia, subsidiariamente, que se anulasse o contrato por erro na transmissão da
declaração e erro sobre o objecto do negócio.
Ou, caso assim se não entendesse, pedia que se declarasse resolvido o contrato por
alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e, em
qualquer um dos casos, ordenando-se a restituição à autora dessa mencionada quantia,
acrescida de juros de mora.
A 1ª Instância julgou improcedente o pedido principal e o 1º dos pedidos subsidiários
mas procedente a acção com fundamento na alteração anormal das circunstâncias em que as
partes fundaram a decisão de contratar, condenando o réu, como, nesta parte, havia sido
peticionado.
A autora conformou-se com a decisão. Outro tanto não aconteceu com o réu que apelou
para o Tribunal da Relação de Guimarães, ficando o objecto do recurso circunscrito à resolução
do contrato por alteração anormal das circunstâncias.
Apesar de a Relação haver confirmado, por unanimidade, a sentença recorrida,
formando-se, consequentemente, a dupla conforme, impeditiva da revista normal, o réu
lançou mão do recurso de revista extraordinária, que a “Formação” admitiu, porquanto “a
88
Contratos Swap
realidade jurídica normativa revestia, no caso sub judicio, manifesta dificuldade e
complexidade”, reclamando “aturado estudo e reflexão, porque se trata de questão nova que à
partida se revela susceptível de provocar divergências, por força da sua novidade e
originalidade que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis
de conduzir a decisões contraditórias”.
IV - CARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO DE SWAP.
Uma vez que as decisões versaram sobre um contrato de swap de taxas de juro, será
certamente oportuno tecer umas ligeiras considerações prévias sobre este contrato.
São várias as modalidades de contratos de swap, em geral divididas quanto ao respectivo
objecto e finalidade, sendo os mais conhecidos os swaps de divisas e os swaps de taxa de juros.
Nos swaps de divisas, as partes acordam permutar ou trocar entre si quantias
pecuniárias expressas em duas moedas diferentes, calculadas mediante a aplicação de uma
taxa de câmbio predeterminada: estes contratos podem implicar meramente a troca do capital
ou envolver simultaneamente a troca de juros periódicos, a qual pode ser realizada a taxa fixa
para ambas as partes, a taxa fixa para uma das partes e taxa variável para outra, ou a taxas
variáveis, embora indexadas a diferentes referenciais, para ambas as partes.
Nos swaps de taxa de juros, as partes contratantes acordam trocar entre si quantias
pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um
determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas
e/ou variáveis: estes contratos podem também, por seu turno, revestir duas variantes
fundamentais, consoante o cálculo dos juros de uma das partes se realiza a taxa fixa e o da
outra a taxa variável ou mediante a aplicação a ambas de taxas variáveis definidas em base
distintas.
Aqui, interessa-nos essencialmente o contrato de swap de taxa de juro, porquanto foi
este o contrato objecto de análise no acórdão do STJ, ora em apreço.
O CMV não fornece uma definição legal do contrato de swap a qual é, no entanto,
consensual entre a doutrina.
Na definição de José Engrácia Antunes, “swap é o contrato pelo qual as partes se
obrigam ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, na mesma moeda ou
em moedas diferentes, numa ou várias datas predeterminadas, calculadas por referência a
fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente a uma dada taxa de câmbio
ou de juro1”.
1 Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, 2009, página 647 e seguintes.
89
Contratos Swap
No mesmo sentido, se vem pronunciando a jurisprudência, considerando que o swap de
taxa de juro é “o contrato pelo qual as partes acordam trocar entre si quantias pecuniárias
expressas numa mesma moeda, representativas dos juros vencidos sobre um determinado
capital hipotético, calculado por referência a determinadas taxas de juro”.
Trata-se de um contrato através do qual uma parte transfere o risco económico inerente
a um activo para outra parte, em troca de uma remuneração2, obrigando-se concretamente as
partes (i) ao pagamento recíproco e futuro de duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda
ou em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas predeterminadas, (iv) calculadas por
referência a fluxos financeiros associados a um activo subjacente, geralmente, e neste caso
específico, a uma determinada taxa de juro.
Anote-se que, nestes contratos, o montante de referência de capital é virtual ou
nocional. O contrato envolve apenas fluxos financeiros, ficando o apuramento da prestação
debitória dependente do valor, a dado momento, das taxas de juro que, aplicadas ao capital
nocional, permitirá determinar a quantia pecuniária devida.
Os swap de taxa de juro constituem, ainda, instrumentos financeiros derivados (artigo
2º, n.º 1, alínea e) do CVM), o que significa que, enquanto “derivados”, um dos seus elementos
mais característicos corresponde ao facto de se tratar de um produto negociado no mercado
de balcão.
Os contratos de swap são contratos nominados mas atípicos, isto é, têm um “nomen” na
lei mas, não obstante, não encontram aí um modelo regulativo típico.
Estes contratos revestem usualmente, além da sua característica fundamental de
contratos a prazo, uma natureza consensual, (não estando sujeitos a forma legal obrigatória,
revestem, todavia, usualmente forma escrita voluntária (artigo 222º do Código Civil), uma vez
que remetem frequentemente para modelos contratuais padronizados que contêm um
conjunto de condições gerais que virão a enquadrar e regular os diferentes contratos
individuais de permuta financeira celebrados entre as partes), não real, (cuja formação requer
a mera declaração das partes contratantes), sinalagmática (sendo fonte para ambas as partes
de obrigações ligadas entre si por um nexo de reciprocidade), patrimonial (onde está, em regra,
afastado qualquer “intuitu personae”, sendo irrelevante a pessoa ou a qualidade dos
contratantes), onerosa (envolvendo atribuições patrimoniais para ambas as partes) e aleatória.
2 Pode também ver-se do mesmo autor, Os Instrumentos Financeiros, página 167 e seguintes.
90
Contratos Swap
Dentro destas apontadas características, importará realçar o carácter aleatório deste
contrato3.
Na verdade, “na generalidade dos contratos de swap de taxa de juro, a prestação e a
contraprestação só se apuram e concretizam perante a determinação de dadas taxas de juro
em certo momento, circunstância esta fora do controlo das partes.
É de certa evolução das taxas de juro que resultará o apuramento das prestações e,
subsequentemente, de um saldo desfavorável a uma das partes, saldo esse que poderá ser
significativo, resultando numa desproporção ou desequilíbrio superveniente.
O valor da prestação debitória não é conhecido aquando da celebração do contrato e
depende de um facto futuro e incerto: a equação interna do contrato, a medida do ganho e da
perda das partes, depende de uma variável exógena.
É ainda incerto se a finalidade visada pelo cliente quanto à cobertura de um risco
externo ao contrato pode, ou não, materializar-se.
As partes, quando contratam, não sabem quem ficará onerado com o desequilíbrio, nem
em que medida, mas não ignoram que o mesmo existirá.
Quer dizer, ao contratar, ambas as partes sabem e assumem que existirá um
desequilíbrio contratual na pendência do contrato: as suas expectativas são, porém, inversas, o
que leva a que ambas estejam dispostas a correr o risco de uma desvantagem, por
considerarem mais provável que aufiram uma vantagem4”.
Importará ainda realçar que os contratos de swap, em particular os swap de taxa de juro,
são também contratos onerosos e com carácter sinalagmático.
“A prestação debitória é calculada pela diferença entre dois valores e apenas nesta
medida se pode dizer que do ponto de vista dos fluxos financeiros, uma das partes auferirá um
benefício, o qual implica, correlativamente, um custo ou desvantagem para a contraparte.
Contudo, há reciprocidade sinalagmática e podem, por isso, ser convocados os
mecanismos próprios deste contrato perante uma perturbação da prestação imputável a uma
das partes5”.
É comum que a função económica do swap se traduza na cobertura de um risco
associado a um outro contrato.
3Ac. TRL de 17/02/2011 (Correia Mendonça), Ac. TRL de 21/03/2013 (Azeredo Coelho), Ac. TRG de
31/01/2013 (Conceição Bucho) e Ac. STJ de 10/10/2013 (Granja da Fonseca).
4 Catarina Monteiro Pires, Obra citada, página 6.
5 Catarina Monteiro Pires, Obra citada, página 6.
91
Contratos Swap
Este aspecto prende-se, porém, com a causa do negócio.
Daqui não resulta que entre este acordo e o contrato de onde provém o risco se
estabeleça uma união de contratos ou, sequer, uma relação de acessoriedade. O swap é causal
mas independente do contrato base.
Em resumo, “o contrato de swap de taxa de juro consiste num acordo de pagamento
recíproco de juros baseados em diferentes índices, ou de taxa variável/taxa fixa, por certo
período de tempo. Os fluxos de pagamento são ambos efectuados na mesma moeda, sendo o
cálculo do montante dos juros realizado a partir de um dado valor de capital subjacente, que
não chega a ser trocado6”.
Na análise jurídica destes contratos deverá atender-se à finalidade das partes na
definição do objecto, na medida em que tal finalidade determinará as normas aplicáveis.
Assim, na forma simples das permutas de divisas e de taxas de juro é, em regra, finalidade do
cliente a cobertura do risco cambial e/ou do risco de flutuação das taxas de juro, enquanto será
finalidade do banco (intermediário ou não na permuta) a finalidade especulativa.
V – A RESOLUÇÃO DO CONTRATO E O PROBLEMA DA ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
EM CONTRATOS ALEATÓRIOS.
Defendiam as instâncias que, tendo ocorrido uma alteração anormal das circunstâncias
em que as partes fundaram a decisão de contratar, tal circunstância tornava o contrato muito
mais gravoso para a autora, permitindo-lhe o direito à resolução do contrato.
O réu discordava desta decisão, pois, segundo ele, “a principal consequência da
classificação do contrato de swap na categoria dos contratos aleatórios é a não aplicação do
regime do artigo 437º do Código Civil com base na alteração das circunstâncias”.
Em face das teses em confronto, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça procurou
verificar se, uma vez celebrado o aludido contrato de swap, teria ocorrido alteração anormal
das circunstâncias, existentes à data dessa celebração.
E se, tendo ocorrido essa alteração anormal das circunstâncias, existentes à data dessa
celebração, tal facto tornaria o contrato muito mais gravoso para uma das partes. E, nesse
caso, se devia esta, mesmo assim, cumpri-lo tal como foi ajustado ou poderia dá-lo sem
efeito ou, pelo menos, satisfazê-lo em termos menos onerosos.
6 Maria Clara Calheiros, O Contrato de Swap, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Juridica, n.º 51,
Coimbra Editora.
92
Contratos Swap
Não se desconhece que o Código Civil não contempla uma norma expressa sobre
alteração das circunstâncias em contratos aleatórios.
Porém, muito embora não tivesse vingado a proposta de Vaz Serra7 no sentido de
consagrar o caso especial dos contratos aleatórios na lei, a admissibilidade de uma modificação
ou resolução de um contrato aleatório em virtude da alteração das circunstâncias tem sido
admitida entre nós, ainda que em termos limitados8, ora reservando o artigo 437º do Código
Civil para casos manifestamente excepcionais, ora admitindo a intervenção daquele preceito
para hipóteses em que a variação exceda consideravelmente a margem de risco do próprio
contrato9.
Assim, considera Almeida e Costa10 que o lesado poderá valer-se de algum dos direitos
previstos no artigo 437º, contanto que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) – A alteração a ter por relevante deve dizer respeito a circunstâncias em que as
partes tenham fundado a decisão de contratar.
b) – É necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração
anormal.
c) – Torna-se indispensável, além disso, que a estabilidade do contrato envolva lesão
para uma das partes.
d) – Mostra-se ainda forçoso que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte
gravemente os princípios da boa-fé.
e) – Também é necessário que a situação não se encontre abrangida pelos riscos
próprios do contrato.
f) – Exige-se, por último, a inexistência de mora do lesado.
Face aos requisitos enunciados, por um lado, e aos riscos próprios do contrato, por
outro, sem esquecer a eventual afectação dos princípios da boa-fé com a manutenção do
contrato ou dos seus termos, perguntar-se-á se o contrato de swap que as partes celebraram
se poderá incluir no n.º 1 do artigo 437º.
7 Resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, BMJ, 68º,1957, páginas 293 e
seguintes e páginas 332 e seguintes.
8 Prof. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, página 343 e seguintes.
Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 265 a 271.
9 M. Lima Rego/R. Carvalho da Silva, “Os seguros de riscos catastróficos”, em Direito das Catástrofes
Naturais, coordenação Carla Amado Gomes, Coimbra, 2012, páginas 270 e seguintes e páginas 287/288.
10 Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 265 a 271.
93
Contratos Swap
Apresenta-se melindroso o problema “quanto aos contratos aleatórios, em cuja essência
intervém a álea, pois os seus efeitos dependem de um facto futuro e incerto, pelo menos
temporariamente11”.
“Todavia, não parece contrariar a lei a aceitação de uma fórmula que admita poderem os
contratos aleatórios «ser resolvidos ou modificados quando a alteração das circunstâncias
exceder apreciavelmente todas as flutuações previsíveis na data do contrato», com a possível
ressalva de as partes não se haverem sujeitado a efeitos análogos resultantes de outras
causas”.
Especificamente, no caso particular do contrato de swap, Lebre de Freitas12 salienta não
estar excluída a aplicação do artigo 437º, pois, mesmo dentro da álea contratual, poderiam
verificar-se “variações de tal modo consideráveis que excedam a margem razoável de risco
próprio do contrato, em medida que as partes não representaram e ponha gravemente em
causa o equilíbrio contratual”.
No caso em apreço, o contrato de swap foi concretizado, numa altura em que as taxas de
juro dos empréstimos bancários se encontravam muito altas, temendo-se que continuassem a
subir, correndo a autora o risco de ver as rendas cada vez mais elevadas, porque associadas à
taxa Euribor.
O contrato apresentava-se vantajoso para a autora se a taxa de juro subisse acima dos
4,55% mas não ultrapassasse os 5,15%. O Banco precaveu-se para o caso dessa subida
ultrapassar a barreira dos 5,15%.
Porém, ao contrário do que as expectativas anunciavam, constatou-se que, a partir do
mês de Janeiro do ano de 2009, a taxa de juro começou a descer e a descer a um ritmo
acelerado, ultrapassando em queda o limite/barreira da taxa (3,95%) contratada.
Porém, no contrato escrito, nada se referia quanto a uma queda das taxas de juro abaixo
dos 3,95%.
Ora, se não era tolerável para o réu suportar uma taxa de juro que ultrapassasse a
barreira dos 5,15%, mantendo a taxa 4,55% fixada, também não era tolerável obrigar a autora
a suportar uma taxa de juro abaixo dos 3,95%, ultrapassando o limite/barreira contratado, e
manter a referida taxa de 4,55%. A boa-fé dos contratantes assim o exigia.
11 Direito das Obrigações, 5ª edição, páginas 271 a 273.
No mesmo sentido, Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ de 17/02/1980, Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 113º, página 311.
12 Contrato de swap, página 962.
94
Contratos Swap
Importará realçar que a descida da taxa de juros nos mercados internacionais, em
consequência da crise económica e financeira, que se instalou a partir de Setembro de 2008,
que não era de modo algum previsível, não foi uma qualquer descida. Foi uma descida
repentina e acentuada e reflectiu-se directa e intrinsecamente neste contrato de swap, que
tinha precisamente na sua essência e base a taxa de juro.
O referido contrato sofreu, por esse efeito, um grande e repentino desequilíbrio,
verificando-se que a autora, no curto espaço de três meses, passou a ter um encargo e um
prejuízo consideravelmente graves, decorrentes desse contrato.
VI – A CRISE FINANCEIRA
Conforme adverte Carneiro da Frada13, a propósito de saber se a actual crise financeira
representa uma grande alteração das circunstâncias, “a forma inopinada e profunda, como a
actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece
apontar nesse sentido. Entre os factores a ponderar, há que considerar a dimensão da sua
ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas
interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores
económicos singulares (por mais ponderosos que sejam) e se protejam mesmo, como crise
global, para além dos limites dos países e das várias zonas económicas do planeta)” (vide
páginas 682 do trabalho citado).
VII – RISCO PRÓPRIO DO CONTRATO DE SWAP
Ficando demonstrada, como ficou, que se verificou a alteração das circunstâncias,
havia que analisar se esta repentina e acentuada descida da taxa de juros cabia dentro do
risco próprio do contrato celebrado, para efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo
437º do Código Civil.
O contrato de swap tem subjacente o risco de variação da taxa de juro.
Tal como se infere dos ensinamentos da doutrina, não poderá, porém, deixar de se
considerar que o risco previsto é o risco tolerável, isto é, o risco razoável e de algum modo
previsível na conjuntura económica e financeira vigente à data da celebração do contrato,
altura em que a autora e também o réu podiam valorar, com conhecimento de causa, se a
proposta do banco satisfazia ou não os seus interesses.
13Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito versus Contratos de
Gestão de Carteiras, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, páginas 633 e seguintes.
95
Contratos Swap
No apontado contexto, parece-nos de aceitar que o réu, ao celebrar tal contrato, não
representou certamente a possibilidade de beneficiar de forma tão desproporcionada quando
em comparação com as vantagens que poderiam advir para a autora, em resultado de uma
crise que também não estava nas suas previsões.
Deste modo, atendendo à boa – fé que terá norteado o banco nos preliminares do
contrato, não será razoável, perante as actuais circunstâncias, que se queira fazer valer de
cláusulas que não foram equacionadas para um quadro de crise como o actual, em que as
consequências do cumprimento do contrato, no que à autora respeita, ultrapassam o grau de
risco nele previsto e com que as partes poderiam razoavelmente contar.
Assim, nas circunstâncias actuais, a exigência das obrigações que do contrato decorrem
para a autora não estão cobertas pelo risco próprio do contrato.
Aliás, perante este quadro de crise económica e financeira, como os factos provados
demonstram, seria contrário aos ditames da boa – fé pretender que apenas a autora fosse
onerada pelos seus efeitos nefastos.
VIII – TIPO DE DANOS
Discordava ainda o Banco do acórdão da Relação, porque, mesmo admitindo esse
desequilíbrio superveniente ocorrido e que a exigência do cumprimento do contrato se
revelaria manifestamente abusiva, tornar-se-ia indispensável, para que as instâncias se
pudessem servir do instituto da alteração das circunstâncias, que tivesse verificado um dano
grave, considerável, descomunal, o que, em seu entender, se não verificaria.
Seria assim?
Como atrás se referiu, para que ocorra a alteração anormal das circunstâncias, torna-se
necessário que a alteração deva ser significativa, assumindo apreciável vulto ou proporções
extraordinárias.
Isto significa que, se a existência de um prejuízo é condição necessária da aplicação dos
artigos 437º a 439º do Código Civil, não é suficiente, porquanto não é qualquer prejuízo que o
lesado pode invocar, tornando-se necessário que ele atinja certa dimensão.
O prejuízo só justifica a resolução ou modificação do contrato quando se verifique um
profundo desequilíbrio do contrato, sendo intolerável com a boa - fé que o lesado o suporte”14.
Ora, as instâncias demonstraram de forma categórica, como atrás se salientou, que,
perante o desequilíbrio supervenientemente ocorrido, a exigência do cumprimento contrato
revelar-se-ia manifestamente abusiva, pela desconsideração da alteração anormal entretanto
14 Vide Ac. TRL de 10/04/2008.
96
Contratos Swap
ocorrida, afectando o princípio da igualdade, imposto pela exigência da boa – fé, na execução
contratual.
Que nos contratos de swap de taxa de juros se possa verificar um desequilíbrio entre as
prestações das partes, em caso de flutuação da taxa de juros, faz parte da essência do próprio
contrato.
Na verdade, o motivo essencial que preside á celebração de contratos de swap é
precisamente a cobertura e gestão do risco associado à volatilidade das taxas de juro.
Só que, no caso concreto, esse desequilíbrio foi extremamente agravado pela crise
financeira, situação essa que não decorreu de um normal desenrolar da situação económica,
tratando-se, pelo contrário, de uma situação excepcional, completamente anormal no sistema
financeiro, verificando-se que, por esse efeito, o referido contrato sofreu um grande e
profundo desequilíbrio, passando a autora a suportar, por via disso, um assinalável encargo e
um enorme prejuízo, como o desequilíbrio das prestações comprova, de tal modo que, neste
contexto, a manutenção do contrato feriria os princípios da boa – fé que devem nortear a
celebração dos contratos e na qual as partes alicerçaram a decisão de contratar.
Neste circunstancialismo, parece-nos justificada a resolução do contrato de swap
celebrado.
IX – DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 434º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL À RESOLUÇÃO DO
CONTRATO DE SWAP.
Ao contrário do que havia sido decidido pela Relação, argumentava o Banco que o
contrato de swap é um contrato de execução periódica pelo que, sendo o n.º 2 do artigo 434º
do Código Civil aplicável à sua resolução por alteração das circunstâncias, as prestações
realizadas antes desse momento não deveriam considerar-se abrangidas pela eficácia
resolutiva.
E manifestamente com razão.
A resolução do contrato vem prevista nos artigos 432º e seguintes e consiste na extinção
da relação contratual por declaração unilateral de um dos contratantes, baseada num
fundamento ocorrido posteriormente à celebração do contrato.
Ao contrário da revogação, a resolução processa-se sempre através de um negócio
jurídico unilateral. Consequentemente, nesta situação a extinção do contrato ocorre por
decisão unilateral de uma das partes, não sujeita ao acordo da outra.
97
Contratos Swap
A resolução caracteriza-se ainda por ser normalmente de exercício vinculado, no sentido
de que só pode ocorrer se porventura se verificar um fundamento legal ou convencional que
autorize o seu exercício (artigo 432º, n.º 1). Assim, se ocorrer esse fundamento, o contrato
pode ser resolvido. Se não ocorrer, a sua resolução não é permitida (cfr. artigo 406º, n.º 1).
Deste modo, o direito de resolução dum contrato, enquanto meio de extinção do vínculo
contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um
fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo
vinculado (artigo 432º).
Fica, pois, a parte que invoca o direito à resolução obrigada a alegar e a demonstrar o
fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual (resolução fundamentada).
O artigo 433º determina que a resolução é equiparada, na falta de disposição especial,
à nulidade ou anulabilidade do contrato. Aplica-se, portanto, o artigo 289º que, ao
estabelecer uma ineficácia superveniente do contrato, com eficácia retroactiva, visa colocar as
partes na situação em que estariam se o contrato não tivesse sido celebrado.
“A equiparação com o regime da invalidade do negócio é, no entanto, quebrada em dois
aspectos: (i) possibilidade da resolução não ter eficácia retroactiva e (ii) tutela de terceiros15”.
“Quanto ao primeiro aspecto, a regra é que a resolução do contrato é de eficácia
retroactiva, o que implica que esta determine, não apenas a extinção para o futuro das
obrigações das partes, mas também o surgimento de obrigações de restituição, destinadas a
colocar as partes no mesmo estado em que se encontravam antes da celebração do contrato.
Admite-se, porém, que essa retroactividade possa não ocorrer se ela contrariar a
vontade das partes ou a finalidade da resolução (artigo 434º, n.º 1). (…).
Quanto à finalidade da resolução, ela parece dever referir genericamente á situação
prevista no n.º 2. Efectivamente, nos contratos de execução continuada ou periódica seria
contrário ao fim da resolução admitir a restituição de prestações já pagas, uma vez que estas
tinham como contrapartida uma troca com outras prestações, já definitivamente realizada.
Por isso, apenas no caso de essa troca ainda se não ter verificado é que se justifica
determinar a restituição das prestações já efectuadas16”.
O contrato de swap é, claramente, um contrato duradouro de execução sucessiva ou
periódica, pois o seu cumprimento não se esgota numa só prestação, antes exige a realização
de várias, durante todo o tempo de vigência do contrato17.
15 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, página103.
16 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, página 104.
17 Maria Clara Calheiros, obra citada, página 81 e doutrina por ela citada.
98
Contratos Swap
De facto, como salienta a Prof. Maria Clara Calheiros18, “o decurso do tempo exerce
influência sobre o swap, nomeadamente sobre o conteúdo e montante das prestações que
este envolve. Basta recordar que as partes se obrigam, por seu intermédio, a realizar uma série
de pagamentos, cujo montante exacto dependerá do cálculo a ser feito em cada momento,
segundo regras contratualmente determinadas19”.
“Por conseguinte, aplicar-se-ão ao swap, inevitavelmente, as regras específicas das
obrigações duradouras no que respeita a aspectos tão essenciais à execução do contrato como
sejam as consequências do incumprimento e os efeitos da resolução e da nulidade e
anulabilidade20”.
Deste modo, nos contratos de swap a resolução não terá efeitos retroactivos, à
semelhança das obrigações de execução continuada ou periódica.
Tinha, por isso, razão o Banco, quando afirmava que, sendo o n.º 2 do artigo 434º do
Código Civil aplicável à resolução do contrato de swap, em razão da alteração das
circunstâncias, não deveriam considerar-se abrangidas pela eficácia resolutiva as prestações
realizadas antes desse momento.
Ora, a crise económica e financeira instalou-se a partir de 15 de Setembro de 2008,
tendo-se repercutido no contrato de swap, pelo que, a partir do mês de Janeiro do ano de
2009, a taxa de juro começou a descer a um ritmo acelerado, ultrapassando mesmo o
limite/barreira dos 3,95% contratado, tendo a autora comunicado ao réu, em Janeiro de 2009,
que pretendia pôr termo ao contrato, com esse fundamento.
Assim sendo, dever-se-iam considerar abrangidas pela eficácia resolutiva as prestações
realizadas a partir dessa data, sendo aliás essas as prestações que a autora peticionava.
Deste modo, embora, ao contrário do acórdão da Relação, se considere o contrato de
swap como um contrato de execução periódica, essa circunstância não assumiu, no caso
concreto, relevância nas prestações peticionadas.
Minhas senhoras e meus senhores:
Foi este o encadeamento lógico seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
18 Maria Clara Calheiros, obra citada, página 81 e doutrina por ela citada.
19 Sobre a essencialidade no contrato de swap da periocidade das prestações a efectuar, diz COSTA RAN,
LUIS, El contrato de Permuta Financiera, in Revista Juridica de Catalunya, n.º 1, 1990, página 71: “O contrato
de swap estabelece uma cláusula específica, o detalhe do calendário correspondente ao vencimento dos
pagamentos a cumprir por ambas as partes. Tanto a vontade das partes como o interesse determinante do
fim negocial do swap induzem-nos a afirmar que o tempo de cumprimento das obrigações assumidas no
contrato de swap é essencial”.
20 Vide Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, página 627 a 629.
99
Contratos Swap
Trata-se de uma matéria complexa, nunca antes discutida, razão por que todas as
iniciativas como estas serão benvindas, contribuindo naturalmente para que os Tribunais
possam decidir e decidir melhor.
Ao CEJ, na pessoa do seu Exc.mo Director, o meu obrigado e certamente o obrigado de
todos aqueles que já hoje têm, ou amanhã terão, a difícil missão de aplicar (ou ajudar a aplicar)
o Direito, pelo manancial de preciosa informação que nos será oferecida, no final deste Curso.
Disse.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2014
Manuel Fernando Granja da Fonseca
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O Contrato de Swap de Taxa de Juro
[Maria Clara Calheiros]
103
O Contrato de Swap de Taxa de Juro
Sumário:
1. Génese dos contratos de swap: mecanismo económico de base e desenvolvimento
de um mercado de swaps.
2. As grandes finalidades dos contratos: coberturas de risco financeiro, arbitragem e
especulação.
3. A aleatoriedade do contrato: o problema da excepção de jogo.
4. A utilização de contratos-quadro no domínio da contratação de swaps.
5. Comentário ao aumento da litigiosidade emergente dos contratos de swap de taxa
de juro na actualidade.
Bibliografia:
CALHEIROS, Clara, O contrato de swap Coimbra: Coimbra Editora, 2000.
CALHEIROS, Clara, “O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global”, in
Cadernos de Direito Privado, n.º 42 (abril/junho), Braga, 2013.
No mais, remete-se para a bibliografia citada, em especial, no artigo acima mencionado.
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Apresentação em powerpoint
O contrato de Swap de Taxa de Juro Maria Clara Calheiros
O contrato de swap de taxa de juro
Centro de Estudos Judiciários Lisboa, 21 de Fevereiro de 2014
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Sumário
• 1. Génese dos contratos de swap: mecanismo económico de base e desenvolvimento de um mercado de swaps.
• 2. As grandes finalidades dos contratos: coberturas de risco financeiro, arbitragem e especulação.
• 3. A aleatoriedade do contrato: o problema da excepção de jogo.
• 4. A utilização de contratos-quadro no domínio da contratação de swaps.
• 5. Comentário ao aumento da litigiosidade emergente dos contratos de swap de taxa de juro na actualidade.
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1.Génese dos contratos de swap: mecanismo económico de base e desenvolvimento de um mercado de swaps.
Dos anos 80 à crise financeira actual
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O desenvolvimento dos primeiros contratos de swap • Um contexto internacional propício à inovação financeira:
• A) a necessidade de novos instrumentos derivada da crescente instabilidade dos mercados de câmbios e de taxas de juro
• B) nova atitude dos intervenientes nos mercados: particulares, mediadores (a banca) e dos reguladores (o Estado)
• C) novos meios: avanços tecnológicos que facilitaram as comunicações e o desenvolvimento de instrumentos de auxílio às decisões
• D) a grande liquidez disponível e a globalização.
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Um primeiro exemplo histórico
• Os contratos de swap de divisas celebrados entre empresas doReino Unido e dos EUA no final dos anos 70 do séculopassado:
• Troca de fluxos (capital e juros) em distintas divisas
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A partilha de vantagens comparativas
• Permite-se às partes explorar as vantagens comparativasrespectivas e partilhar entre si – com benefício recíproco –essas mesmas vantagens
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O swap - objectivos
• “swaps are a philantropic business”
What is a swap, in “Euromoney”, Nov. 1983, p. 67
Vantagens múltiplas para ambas as partes:
A ideia da “win-win situation”
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A crise financeira: primeiros alertas
• Warren Buffet afirma:
“I view derivatives as time bombs, both for the parties that deal with them and the economic system [… ] The derivatives genie is now well out of the bottle, and these instruments will almost certainly multiply in variety and number until some event makes their toxicity clear […] central banks and governments have so far no effective way to control, or even monitor, the risks posed by these contracts […] In my view, [….] derivatives are financial weapons of mass destruction, carrying dangers that, while now latent, are potentially letal”
BERKSHIRE HATHAWAY INC., 2002 REPORT 13, 15 (2003)
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Noção
• São uma família de contratos, pelos quais se estabelece entreas partes uma obrigação recíproca de pagar, de acordo commodalidades pré-estabelecidas, na mesma divisa ou emdiferentes divisas, certas quantias de dinheiro por referênciaaos fluxos financeiros ligados a activos e passivos monetáriosreais ou fictícios, ditos subjacentes.
• BOULAT e CHABERT
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Tipos de contrato de swap
Modalidades básicas (ou swap em sentido próprio):
• A) swap de divisas
• B) swap de taxa de juro
• C) swaps combinados de taxa de juro e divisas
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Swap de taxa de juro Exemplo retirado de FINNERTY e PATHAK, A review of recent derivatives litigation, in “Fordham J. Coporate and Fin. Law, 16, 73, 2011, p. 84
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A evolução do contrato de swap
•Plain vanilla
• Equity swaps
•Commodity swaps
•Credit Default Swaps
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Credit Default Swaps Exemplo retirado de FINNERTY e PATHAK, A review of recent derivatives litigation, in “Fordham J. Coporate and Fin. Law, 16, 73, 2011, p. 88
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Os CDS e a globalização da crise financeira
• O subprime norte-americano
• A actuação das agências norte-americanas Fannie Mae, GinnieMae e Freddie Mac
• Os CDS e uma velha história inglesa
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O contrato de swap como contrato de balcão
• Vantagens:
• Maior flexibilidade contratual
• Sigilo
• Desvantagens:
• Maior risco de incumprimento
• Menor transparência
• Maior risco de ineficiência no estabelecimento de preços
• Acção do regulador é dificultada pela opacidade do mercado
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As finalidades económicas do contrato
A cobertura de um risco financeiro (hedging)
A arbitragem
A especulação
Outras finalidades marginais
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Cobertura de risco: o que é?
• Falta de coincidência entre a linguagem jurídica e a linguagemeconomico-financeira
• A distorsão da informação
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O swap não é um seguro!
Sexta-feira, 31 de maio de 2013 Diário de Notícias (online) noticia:
Vários gestores públicos relacionados com os chamados contratos swap (seguros de crédito) foram hoje afastados pelo Governo, noticia a TSF e o Expresso. "Presidentes executivos, administradores e gestores financeiros das empresas públicas de transportes, Metro de Lisboa e do Porto, Carris, STCP, CP e EGREP - Entidade Gestora de Reservas de Produtos Petrolíferos", escreve o semanário. Aqueles media dizem também que o Executivo avançou com a decisão de "concluir a avaliação sobre o grau de toxicidade dos contratos de swaps que foram negociados pelas empresas públicas". Na lista encontrar-se-á o presidente conjunto da Carris e do Metro de Lisboa, Silva Rodrigues (na foto). De acordo com a notícia, "de fora ficou a equipa de gestão da Transtejo, que também realizou contratos de swaps mas que foram considerados não tóxicos".
Disponível em: http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=3251017
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Proximidade a outras figuras
Permuta
Contratos de mútuo cruzados
Contratos de depósito cruzados
Contratos de compra e venda
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O contrato de swap como figura atípica
Função económico-social própria e estrutura jurídica privativa.
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3. A aleatoriedade do contrato: oproblema da excepção de jogo.
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A aleatoriedade
“o principal elemento recorrente e caracterizante do contrato de swap é constituído pelo facto de que a obrigação de cada uma das partes de efectuar uma prestação devida à outra surge, ou pelo menos torna-se actual e exigível, somente pela verificação de certos acontecimentos”
INZITARI, La nature juridique des opérations de swap, in “Mémoire Banque de France”, 1984
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A especificidade do papel da alea
• Um aspecto central do contrato: o desejo de alteração danatureza da alea a que as partes estão submetidas.
• As distintas finalidades do contrato (cobertura de risco,arbitragem, especulação) reconduzem-se a uma gestão daalea própria do contrato
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A compensação
A importância da compensação como mecanismo de diminuição do risco de incumprimento.
O pagamento pela diferença, contratos diferenciais e jogo e aposta
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O caso Hammersmith & Fulham Council
“[Os swaps] não se distinguem de qualquer outra transacção que envolva a esperança de obter um ganho[…] Concluo, pois, que os contratos de swap são essencialmente métodos especulativos de obter dinheiro na esperança de reduzir o peso dos juros a pagar em virtude de um empréstimo já contraído.”
Lord Ackner
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O conceito de “ultra vires”
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Uma nova forma de risco: o risco legal
• A arbitragem como meio preferencial para a hetero-composição de conflitos
• O lobbying das Associações Profissionais junto doslegisladores nacionais (das questões fiscais à regulação dosmercados)
• Uma experiência americana: a constituição da ISDA como“Amicus Curiae” em litígios relevantes
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4. A utilização de contratos-quadro no domínio da contratação de swaps.
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O contrato-quadro
“O contrato quadro distingue-se pela sua especificidade técnica do contrato-tipo, das cláusulas gerais ou do contrato de adesão, mas ele realiza frequentemente uma junção dos três.”
Alain Sayag
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O contrato-quadro e os swaps
• O contrato de aplicação define habitualmente (para um swapde taxa de juro): capital nocional ou real, calendarização depagamentos e prazo do contrato (início e fim), taxas dereferência (incluindo barreiras eventuais)
• Princípio de unidade (globalização) entre todas as operações
• Remissão para as cláusulas do Contrato-Quadro em tudo omais
• Contrato-quadro: inexistência de uma obrigação de contratar
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Os códigos das Associações Profissionais
• ISDA Code
• Conditions Générales AFB
• BBAIRS
• Funções: uniformização de vocabulário e de práticas,facilitação da contratação a nível internacional O
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5. Comentário à litigiosidadeemergente dos contratos de swap na actualidade
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O aumento da litigiosidade
• A evolução das taxas de juro na zona euro e o desejo deprotecção do risco da subida da taxa de juro
• O contrato de swap como “produto”: clientes que nunca odeveriam ter sido…
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O caso dos EUA
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O caso dos EUA (cont)
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O caso dos EUA (cont)
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Todas as tabelas extraídas de FINNERTY e PATHAK, A review of recent derivatives litigation, in “Fordham J. Coporate and Fin. Law, 16, 73, 2011, p. 84
Um caso europeu paradigmático: Espanha
• O aumento exponencial da oferta do produto “swap” a partirde 2003
• Novos clientes: o público em geral, de modo indiscriminado
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A litigância sobre swaps em Espanha • A utilização dos swaps pelos detentores de empréstimos à
habitação: contratos de swap celebrados em massa
• As decisões dos tribunais espanhóis: fundamentação
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Evolução da litigância em n.º de decisões
2007-2010 1
2011 215
1.ºs 6 meses de 2012 200
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Indicadores relevantes na jurisprudência espanhola
• Subscritor do contrato é uma pessoa singular ou uma PYME
• Contrato de empréstimo subjacente tem uma cláusula de taxade juro mínima (floor)
• A entidade financeira apresentou o swap como 1 forma deseguro face à subida das taxas de juro
• No contrato swap omitem-se os riscos e consequências destasubscrição, em caso de brusca variação das taxas de juro dereferência
• A entidade financeira condicionou a aprovação do empréstimoà subscrição do swap
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O caso de Itália
• Decisão do Tribunal de Brindisi
• Decisão do Tribunal Civil de Orvieto sobre procedimentocautelar envolvendo a Comuna de Orvieto
• Decisão do Tribunal de Milão sobre swaps da Comuna deMilão
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Os critérios da Consob
• Utilização explícita para reduzir o risco emergente de outrasposições detidas pelo cliente;
• Elevada correlação entre as características técnico-financeirasde instrumento financeiro derivado e o objecto de cobertura(prazos, taxa de juro, tipologia)
• Medidas e controlos internos (da instituição financeira) queasseguram a existência das condições anteriores
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Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
[Pedro Pais de Vasconcelos]
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Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
Sumário:
I
A regulação legal das taxas de juro distingue as:
Taxas de juro civis, regidas pelos arts. 559º, 559º-A e 1146º CC
Taxas de juro comerciais, regidas pelos arts. 102º CCom e 559º-A e 1146º CC
Taxas de juro bancárias, regidas pelas sucessivas Leis Orgânicas do Banco de Portugal
Taxas de juro de crédito ao consumo, regidas pelo DL 359/91 (21.IX), revogado e
substituído pelo DL 133/2009 (2.VI)
II
Há dois regimes distintos de taxas de juro de operações bancárias: antes da adesão de
Portugal à UE e depois. No primeiro, as taxas de juro bancárias são fixadas
administrativamente por Aviso do Banco de Portugal; no segundo, o Banco de Portugal já
não tem esta competência
Há três Leis Orgânicas do Banco de Portugal:
LOBP75 – fixação administrativa das taxas de juro das operações bancárias, cuja última
foi por Aviso do BP 3/88 (5.V) que estabeleceu um limite máximo de 17%
Nesta lei, o art. 28/1/a) conferia ao BP competência para fixar o regime das taxas de
juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações
efetuadas pelas instituições de crédito ou quaisquer outras entidades que atuem nos
mercados monetário e financeiro. Este Aviso veio a ser suspenso (quanto ao crédito
em geral pelo Aviso 5/88 (15.IX) e quanto ao crédito à habitação pelo Aviso 65/89
(18.III)) e depois mesmo revogado na vigência da LOBP90 pelo Aviso 3/93 de (20/V)
LOBP90 – (DL 337/90 – 30.X) O art. 22/1/a) – preceito correspondente ao anterior art.
28/1/a) – já não permite a fixação das taxas de juro, mas antes apenas: regular o
funcionamento desses mercados, adotando providências genéricas ou intervindo,
sempre que necessário, para garantir o cumprimento dos objetivos de política
económica, em particular no que se refere ao comportamento das taxas de juro e de
câmbio
Na vigência desta lei orgânica, o Aviso 3/93 (20/5) revoga o Aviso 3/88 e, no seu art. 2º:
São livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as
taxas de juro das suas operações, salvo no caso em que sejam fixadas por diploma
legal
152
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
LOBP98 – (Lei nº 5/98, de 31.I) A LOBP90 veio a ser revogada pela LOBP 98, na qual o
anterior art. 22/1/a) passou a ser o art. 16/1/a): adotar providências genéricas ou
intervir, sempre que necessário, para garantir os objetivos da política monetária e
cambial, em particular no que se refere ao comportamento das taxas de juro e de
câmbio
III
Há duas modalidades de usura:
Usura nominal – corresponde ao excesso da taxa de juro estipulada ou efetivamente
cobrada em relação a um limite nominal fixado por lei – está prevista no art. 1146º CC
Usura incremental – corresponde ao excesso de taxa de juro estipulada ou efetivamente
cobrada em relação à taxa de mercado num período anterior – está prevista no art. 28º
do DL 133/2009 (2.VI) – e corresponde, grosso modo, em a taxa, no momento da
celebração do contrato exceder em 1/3 a TAEG média praticada pelo mercado pelas
instituições de crédito ou sociedades financeiras no trimestre anterior, para cada tipo de
contrato de crédito ao consumo. Tem como consequência a redução ao limite máximo
permitido, sem prejuízo das sanções criminais a que houver lugar
IV
O problema
Segundo uma orientação geralmente seguida, embora não demonstrada, o Aviso 3/93 é
interpretado e concretizado como tendo operado a liberalização das taxas de juro
bancárias aplicáveis também às sociedades financeiras de crédito ao consumo que aplica
taxas TAEG. Nesta construção, a «liberalização» dispensaria as operações ativas de bancos e
sociedade financeiras dos limites de taxas de juro estabelecidos nos arts. 201º Ccom e 559º,
559º-A e 1146º do CC, permitindo que o limite da usura incremental subisse
indefinidamente «ad infinitum»
Segundo a interpretação proposta, o Aviso 3/93, já sem o apoio da norma habilitante do
art. 28/1/a) da LOBP75, não afasta a aplicação daqueles artigos do Código Civil e Comercial
e apenas dispensa da fixação administrativa pelo Banco de Portugal
153
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
I. Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites legais
1. A maldição do juro
O juro foi sempre um tema maldito na civilização greco-latina. Principalmente o juro no
crédito ao consumo.
Desde o século I, uma das principais divergências morais entre o judaísmo e o
cristianismo centrava-se sobre a licitude moral da cobrança de juros. Os judeus admitiam-no,
mas apenas sobre infiéis; os cristãos não o admitiam.1 A razão profunda desta divergência, e da
proibição canónica do juro, que durou séculos estava no entendimento do dinheiro como coisa
produtiva ou improdutiva. O dinheiro era tido como simples padrão de valor e meio de troca.
Não era ainda bem conhecido ou bem entendido o valor produtivo do capital.
Se numa compra e venda o preço é a contrapartida da coisa; se no arrendamento o
locador recebe de volta a coisa, a renda é a contrapartida do valor da sua produção; no mútuo,
restituído o capital, o juro só encontraria fundamento moral numa produtividade que o
dinheiro não tinha. Daqui a discussão sobre o valor economicamente produtivo do dinheiro.
Após uma longuíssima controvérsia, com muita guerra e muito sangue, acabou por ser
admitido, e hoje é consensual, que o dinheiro, além de ser improdutivo como padrão de valor e
de meio de troca, é também produtivo como instrumento de poupança e como capital.
Mas, se a reprodutividade do capital e da poupança justifica o juro no crédito ao
investimento e nas contas de poupança, continua a ser problemática a sua justificação
económica no crédito ao consumo. Na antiguidade, foi o crédito ao consumo, à subsistência,
que foi visto com maus olhos, como aproveitamento abusivo da pobreza e da fragilidade
económica. Como usura.
O crédito ao consumo resulta economicamente numa antecipação da poupança. O
consumidor, em vez de poupar para comprar, compra primeiro e depois poupa para pagar.
Acelera a circulação da moeda e intensifica as trocas. O juro no crédito ao consumo
corresponde ao valor económico da antecipação da disponibilidade dos bens (ou dos fundos
para os adquirir) pelo consumidor, e da sua privação ou do custo da sua mobilização pelo
mutuante. O crédito ao consumo, contrariamente ao que foi entendido durante séculos, não
constitui uma imoralidade.
Em Portugal, até à integração europeia, o crédito bancário, entre ele também o crédito
ao consumo foi muito controlado, tanto nas taxas de juro como no valor bruto da sua
concessão. Havia receio – justificado – da falta de razoabilidade do consumidor que se poderia
endividar excessivamente, e da falta de razoabilidade do banqueiro que poderia conceder
1 JACQUES ATTALI, Les Juifs, Le Monde et L'Argent, Fayard, Paris, 2002, págs. 118 e segs.
154
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
crédito excessivo, pondo em perigo o próprio banco2 e gerando tensões inflacionistas e o
desequilíbrio das contas externas.
Tudo isto veio a acontecer após a integração europeia e quando a concessão de crédito
veio a ser «liberalizada». As famílias caíram na ilusão do consumo fácil, compraram o que não
precisavam e não tinham capacidade de pagar, acabaram arruinadas e muitas vezes até sem
casa. As instituições de crédito que tinham concedido crédito irrecuperável e que o tinham
contabilizado como bom, acabaram por ter de reconhecer enormes «imparidades» e, por vezes
até, por falir. O País desequilibrou as contas externas e caiu numa grave e profunda crise
económico-financeira e foi intervencionado como se tivesse sido inabilitado por prodigalidade.
A maldição do juro feriu com dureza.
2. A «liberalização» das taxas de juro em 1986
A integração de Portugal na União Europeia mudou quase tudo em Portugal. Depois de
anos de desorientação o país adotou resolutamente os modelos comunitários. O sistema
bancário libertou-se do controlo dos limites governamentais de concessão de crédito (plafonds)
de taxas de juro. As taxas de juro das operações ativas e passivas tinham, até então, sido fixadas
por atos administrativos do Governo e Avisos do Banco de Portugal.3
Após a sua nacionalização a Lei Orgânica do Banco de Portugal de 1975 – LOBP75 4 –
conferia-lhe a competência para fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras
formas de remuneração para as operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por
quaisquer outras entidades que atuem nos mercados monetário e financeiro (art. 28º). Os
últimos atos de fixação de limites de taxas de juro neste regime foram o Aviso 3/88, que fixou a
taxa máxima das operações ativas em 17%, logo suspenso pelo Aviso 5/88 e pelo Aviso 65/89.
A adesão à UE e ao Euro implicou a entrada em vigor duma nova Lei Orgânica do Banco
de Portugal, em 1990 – LOBP/90.5 O Aviso 3/88, já suspenso desde 1988 e 1989, foi agora
formalmente revogado pelo Aviso 3/93.
A partir daqui generalizou-se um entendimento segundo o qual as taxas de juro de
operações ativas bancárias tinham sido “liberalizadas”.
2Refiro aqui banqueiro e banco em sentido amplo abrangendo as instituições especializadas no crédito ao
consumo.
3Decreto-Lei nº 47.912, de 7 de setembro de 1967, artigo 1º: "O Ministro das Finanças poderá, sobre parecer
do Banco de Portugal, ouvido o Conselho Nacional de Crédito, fixar, por Portaria, o regime das taxas de juro
para as operações efectuadas pelas instituições de crédito, pelas instituições parabancárias ou por quaisquer
outras entidades".
4Aprovada pelo Decreto-Lei nº 644/75, de 15 de Novembro.
5Aprovada pelo Decreto-Lei nº 337/90, de 30 de Outubro.
155
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
Este “processo de liberalização” a que se refere AUGUSTO ATHAYDE6 tem um sentido que
não é claro. Deixa uma dúvida de princípio sobre o seu alcance. É claro que as taxas de
operações ativas bancárias deixaram de estar sujeitas a fixação administrativa pelo Governo ou
pelo Banco de Portugal. Mas já não é claro que, como veio a ser muito amplamente entendido,
as taxas de juro das operações ativas bancárias, além de terem ficado livres de limites
administrativos, tenham ficado também livres de limites legais.
A questão que suscito neste texto é singela: as taxas de juro do crédito ao consumo estão
limitadas pelos artigos 1146º do Código Civil e 102º do Código Comercial?
3. A tese neo-liberal
É muito espalhado um entendimento da lei segundo o qual, o termo do controlo
administrativo dos limites de taxas de juro abrangeria a isenção do limite de taxa determinado
pelos artigos 506º e 1146º do Código Civil e pelo artigo 102º do Código Comercial.
O raciocínio que funda esta interpretação é o seguinte:
A Lei Orgânica do Banco de Portugal de 1975 conferia ao Banco o poder de fixar os
limites das taxas de juro. No artigo 28º, nº 1, alínea b), de entre as suas competências constava:
“fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as
operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por quaisquer outras entidades que atuem
nos mercados monetário e financeiro”. Está aqui consagrada e atribuída, por lei expressa, ao
Banco de Portugal a competência para fixar o regime das taxas de juro do crédito bancário.
No exercício desta sua competência o Banco de Portugal emitiu vários “avisos” em que
fixou diferentes taxas.
Os últimos Avisos emitidos pelo Banco de Portugal na vigência da sua Lei Orgânica de
1975 foram o Aviso nº 3/88, de 5 de maio, que fixou o máximo da taxa de juro em 17%, e os
Avisos nº 5/88, de 15 de setembro, e nº 65/89, de 18 de março, que o suspenderam. Mais
tarde, já na vigência da Lei Orgânica do Banco de Portugal de 1990, foi publicado o Aviso nº
3/93, que veio a revogar expressamente o Aviso nº 3/88 e ordenar:
2º São livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as
taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma
legal.
(...)
5º Fica revogado o aviso no 3/88, de 5-5, publicado em suplemento ao DR, 1.ª, de 5-5-88.
Além de revogar o Aviso nº 3/88, que se mantinha há anos suspenso, este Aviso veio
determinar que as instituições de crédito e sociedades financeiras podem fixar livremente as
6 AUGUSTO ATHAYDE, Curso de Direito Bancário, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, págs. 448 e segs.
156
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal.
A ressalva final, porém, é muito significativa e não tem merecido a devida atenção. Qual
o sentido e o valor jurídico da ressalva dos casos em que sejam fixadas por diploma legal”?
A doutrina e a jurisprudência não se têm sequer quase interrogado. Com uma exceção
apenas que eu conheça,7 as sentenças judiciais e os escritos dos autores, limitam-se a dizer
singelamente que as taxas de juro bancárias foram liberalizadas.
Do Supremo Tribunal de Justiça, são bem representativos dois acórdãos:
STJ 7.II.02:8
O Aviso 3/93, de 20/5, veio revogar esse Aviso nº 3/88, o qual já entretanto se encontrava
suspenso no que respeitava à fixação dos limites máximos para as operações ativas pelo Aviso
5/88 e pelo Aviso de 17-3-89, conforme atrás se deixou dito.
A entrada em vigor do Aviso 3/93, o último até à presente data, veio liberalizar a fixação das
taxas de juro, não estabelecendo qualquer limite para a sua fixação, «salvo nos casos em que
sejam fixadas por diploma legal» (sic).
STJ 27.V.03:9
Quanto à questão dos juros é sabido que o crédito bancário e para-bancário está
submetido a legislação especial, na qual se atribuem, no que respeita à fixação de juros,
elevados poderes ao Banco de Portugal que, qualquer que seja a natureza e forma de titulação
do respetivo crédito, não conhece limites nessa fixação, designadamente os próprios do direito
privado e do art. 1146 do C.C., como observa Simões Patrício, in R.T. - ano 95 – 341.
De resto, actualmente as taxas de juro bancárias estão praticamente liberalizadas como
resulta do disposto no nº. 2 do Aviso 3/93 de 20 de Maio de 1993, onde se lê "são livremente
estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas
operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal".
Na doutrina, é representativo:
AUGUSTO ATHAYDE, (em 1999):10
Entende-se, geralmente, que o processo de liberalização das taxas de juro nas operações
ativas foi iniciado pelo Aviso nº 5/88 de 15 de setembro, (DR, I Série, nº 214). Este aviso
7CARLOS GABRIEL DA SILVA LOUREIRO, Juros usurários no crédito ao consumo, Revista de Estudos Politécnicos, 2007,
Vol V, n.º 8, 265-280.
8www.dgsi.pt, doc. n.º SJ200202070044032
9www.dgsi.pt, doc. n.º SJ200305270010171
10AUGUSTO ATHAYDE, Curso de Direito Bancário, cit., págs. 448 e segs.
157
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
“suspendeu” a obrigatoriedade da observação da taxa máxima para as ditas operações. A
partir daí começou o desaparecimento das taxas administrativamente fixadas ou impostas por
ato unilateral.
A suspensão tornou-se generalizada e definitiva e, perante o desaparecimento dessas
taxas, o Dec.-Lei nº 32/89, de 25 de Janeiro, veio introduzir a possibilidade de, supletivamente,
serem utilizadas “taxas básicas” fixadas pelas próprias instituições de crédito. Mas, e esta foi a
diferença fundamental, essas taxas básicas só se aplicarão se as partes não “acordarem
diversamente”.
Ou seja: o desaparecimento brusco das taxas máximas fixadas administrativamente veio
abrir a hipótese de, quanto a muitas operações na quais as partes não tivessem convencionado
taxa alguma, se tornar imperioso o estabelecimento de taxas supletivas. Tal circunstância veio
tornar absolutamente necessário que a lei constituísse as instituições na obrigação de prestar
informação ao público sobre as suas “taxas básicas”.
Essa matéria foi inicialmente regulada pelo Aviso 3/93, nº 4, de 20 de Maio, publicado na
II Série do Diário da República, nº 117, e , logo de seguida, pelo Dec.-Lei nº 220/94, de 23 de
Agosto, que estabeleceu o regime de prestação de informações pelas instituições de crédito.
Note-se como a “liberalização” das taxas de juro bancárias é apresentada como um facto
consumado. Sem discussão, sem dúvidas, sem problemas, sem questionar o que quer que seja.
E, no entanto, havia algo de muito importante a problematizar.
4. O problema da derrogabilidade dos limites legais de taxa de juro por Aviso do
Banco de Portugal
A sede legal principal do regime jurídico das taxas de juro privadas são os artigos 559º a
561º e 1146º do Código Civil e o artigo 102º do Código Comercial. Com um sistema de
remissões não muito feliz, deste trio de preceitos, retira-se que as taxas de juro, quer civis quer
comerciais, não podem exceder a taxa legal em mais do que:
nos juros civis ou comerciais remuneratórios, em mais de 3%, com garantia real, ou
5%, sem garantia real;
nos juros civis ou comerciais moratórios, em mais de 7%, com garantia real, ou 9%,
sem garantia real.
A taxa de juro legal é fixada semestralmente e é diferente para os juros civis e
comerciais.11
Sempre que o juro estipulado for excessivo, o nº 3 do artigo 1146º determina a sua
11 Ver tabela anexa.
158
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
redução ope legis. Não é necessária a invocação, não há prazo de caducidade, a redução é
automática: considera-se reduzido.
O regime legal contido no Código Civil e no Código Comercial não prevê exceções. Daqui
se retira, por simples interpretação da lei, que todas as taxas de juro privadas, civis e
comerciais, estão sujeitas a este regime.
Como então justificar a derrogação dos limites de taxas de juro estabelecida no Código
Civil e no Código Comercial?
Os Avisos do Banco de Portugal, só por si, não têm força jurídica para tanto. Em primeiro
lugar, porque teriam de apoiar-se numa norma legal habilitante; em segundo lugar porque,
mesmo suportados por lei habilitante, os Avisos do Banco de Portugal não dispensariam, sem
mais, as taxas TAEG do regime do artigo 1146º do Código Civil. Na verdade, o próprio Aviso nº
3/93 limita a liberdade de fixação das taxas de juro de operações ativas aos limites legais, ao
referir que são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as
taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal. Esta
ressalva da fixação por diploma legal, segundo o sentido da lei, não deve limitar-se à fixação de
limites específicos e deve abranger também os limites gerais.
O tema merece mais atenção.
5. A Lei Orgânica do Banco de Portugal como norma habilitante
Os Avisos do Banco de Portugal sobre as taxas de juro TAEG invocam como norma
habilitante a Lei Orgânica do Banco de Portugal nas suas sucessivas versões. Importa, pois,
apreciar o teor dessas sucessivas leis orgânicas.
A Lei Orgânica do Banco de Portugal de 1975 (LOBP 75),12 enquanto esteve em vigor,
conteve efetivamente a norma habilitante do poder do Banco central de fixar os limites de
taxas de juro das operações ativas bancárias. No âmbito das suas competências em matéria de
política monetária e financeira, consta expressamente esse poder, na alínea b) do nº 1 do seu
artigo 28º:
Art. 28.º - 1. Com vista à orientação e contrôle das instituições de crédito, compete ao
Banco, nomeadamente:
a) Estabelecer directivas para a actuação dessas instituições;
b) Fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de
remuneração para as operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por
quaisquer outras entidades que atuem nos mercados monetário e financeiro;
c) Estabelecer os condicionalismos a que devem obedecer as operações ativas das
12Aprovada pelo Decreto-Lei nº 644/75, de 15 de novembro, com alterações posteriores.
159
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
instituições de crédito;
d) Assegurar os serviços de centralização de informações e de riscos de crédito.
A LOBP 75 veio a ser revogada pela Lei Orgânica do Banco de Portugal de 199013 (LOBP
90), na qual já não consta qualquer preceito correspondente ao artigo 28º, nº 1, alínea b) da
LOBP 75. Desta Lei Orgânica, sobre a competência do Banco Central, já só constam preceitos
genéricos correspondentes aos que estão contidos nos artigos 26º e 27º da LOBP 75. A LOBP 90
já não contém a norma habilitante que existia na LOBP 75. Os seus artigos 21º e 22º são do
seguinte teor:
Art. 21º - Para a execução da política monetária e cambial, compete ao Banco a
orientação e fiscalização dos mercados monetário, financeiro e cambial.
Art. 22º - 1. Para orientar e fiscalizar os mercados monetário, financeiro e cambial, cabe
ao Banco:
a) Regular o funcionamento desses mercados, adotando providências genéricas ou
intervindo, sempre que necessário, para garantir o cumprimento dos objetivos da
política económica, em particular no que se refere ao comportamento das taxas de
juro e de câmbio.
b) …
2. ...
A LOBP 90 veio a ser revogada pela LOBP 9814 que também não contém uma norma
habilitante correspondente à da LOBP 75. No seu artigo 17º, consta apenas o seguinte:
Compete ao Banco exercer a supervisão das instituições de crédito, sociedades
financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente
estabelecendo directivas para a sua actuação e para assegurar os serviços de centralização de
riscos de crédito, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira.
Da comparação dos três regimes legais, da LOBP 75, da LOBP 90 e da LOBP 98, resulta
com clareza a perda pelo Banco de Portugal da competência para fixar os limites de taxas de
juro das operações ativas bancárias. Logo na LOBP 90 deixou de haver qualquer preceito que
atribuísse ao Banco Central essa competência, e assim se manteve na LOBP 98. E, no entanto,
os Avisos emitidos pelo Banco de Portugal em que regeu sobre taxas de juro TAEG continuam a
referir como normas habilitantes o artigo 17º da LOBP 98, além do artigo 28º do Decreto-Lei nº
133/09, de 2 de junho (que rege atualmente o crédito ao consumo).14
13Aprovada pelo Decreto-Lei nº 337/90, de 30 de outubro, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei nº
231/95, de 12 de setembro, e pela Lei nº 5/98, de 31 de janeiro, que nada modificaram no que a este tema
respeita.
14Transpõe a Diretiva nº 2008/48/CEE, de 23 de abril e revoga expressamente o Decreto-Lei nº 359/91, de 21
160
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
O articulado do Decreto-Lei nº 133/09 contém um preceito especial sobre a usura, que
não existia no Decreto-Lei 359/91, que se transcreve:
Artigo 28.º Usura
1 - É havido como usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração
do contrato, exceda em um quarto a TAEG média praticada pelas instituições de crédito no
trimestre anterior, para cada tipo de contrato de crédito aos consumidores.
2 - É igualmente tido como usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da
celebração do contrato, embora não exceda o limite definido no número anterior, ultrapasse em
50% a TAEG média dos contratos de crédito aos consumidores celebrados no trimestre anterior.
3 - A identificação dos tipos de contrato de crédito aos consumidores relevantes e a
definição do valor máximo resultante da aplicação do disposto nos números anteriores são
determinados e divulgados ao público trimestralmente pelo Banco de Portugal, sendo válidos
para os contratos a celebrar no trimestre seguinte.
4 - Considera-se como usurário o contrato de crédito sob a forma de facilidade de
descoberto, que estabeleça a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês, cuja
TAEG, no momento da sua celebração, exceda o valor máximo de TAEG definido, nos termos dos
números anteriores, para os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que
estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito em prazo superior a um mês.
5 - É ainda havido como usurário o contrato de crédito na modalidade de ultrapassagem
de crédito cuja TAN, no momento da sua celebração, exceda o valor máximo de TAEG definido,
nos termos dos números anteriores, para os contratos de crédito sob a forma de facilidades de
descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito em prazo superior a um mês.
6 - Considera-se automaticamente reduzida a metade do limite máximo previsto nos n.os
1, 2, 4 e 5 a TAEG, ou, no caso de ultrapassagem de crédito, a TAN, que os ultrapasse, sem
prejuízo de eventual responsabilidade criminal.
7 - Os efeitos decorrentes deste artigo não afetam os contratos já celebrados ou em vigor.
Este preceito tem sido interpretado e aplicado como contendo o único limite de taxa
máxima de juro no crédito ao consumo. A taxa seria usurária se e só se excedesse em um
quarto a TAEG média praticada pelas instituições de crédito no trimestre anterior, para cada
tipo de contrato de crédito aos consumidores e se, embora não excedendo esse limite,
ultrapassasse em 50% a TAEG média dos contratos de crédito aos consumidores celebrados no
trimestre anterior. Esta regra, porém, não contém um limite máximo absoluto de taxa de juro,
de setembro, que tinha transposto as Diretivas nºs. 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986, e 90/88/CEE,
de 22 de fevereiro de 1990.
161
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
porque, como tenho ensinado,15 permite que a taxa se eleve ilimitadamente no tempo. Permite,
na verdade, que a taxa tenha um acréscimo, em cada trimestre, de 25% da taxa média do
trimestre anterior para aquele específico tipo de operação, ou de 50% da taxa média da
globalidade do contrato de crédito ao consumo celebrado no trimestre anterior. A subida
permitida, por apenas estes limites, não tem limite no tempo. Assim, partindo duma taxa
trimestral média de referência de 10% a subida permitida, segundo os dois limites seria a
seguinte:
Ao fim do terceiro ano, as taxas teriam atingido valores absurdos. O regime do artigo 28º
do Decreto-Lei 133/09, se interpretado como único limite de taxas de juro e de usura, permite
que as taxas de juro cresçam exponencialmente sem limite. Deve, pois, concluir-se que este
regime não dispensa o regime de limitação de taxas de juro e de usura contido nos artigos 559º
e 559º-A do Código Civil e no artigo 102º do Código Comercial.
A interpretação correta, na minha opinião é a de que os limites de usura do artigo 28º
do Decreto-Lei 133/09 funcionam dentro dos limites dos artigos 559º e 559º-A do Código Civil
e do artigo 102º do Código Comercial e não em sua substituição.
15Transpõe a Diretiva nº 2008/48/CE, de 23 de Abril e revoga expressamente o Decreto-Lei nº 359/91, de 21
de setembro, que tinha transposto as Diretivas nºs. 87/102/CE, de 22 de dezembro de 1986, e 90/88/CE, de
22 de fevereiro de 1990.
Trimestres Incremento de 25% Incremento de 50%
1º 12,5% 15%
2º 15,62% 22,5%
3º 19,53% 33,75%
4º 24,41% 50,62%
5º 30,51% 75,93%
6º 38,14% 113,90%
7º 47,68% 170,85%
8º 59,60% 256,28%
9º 74,50% 384,43%
10º 93,13% 576,75%
11º 116,41% 864,97%
12º 145,51% 1297,46%
162
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
Se, por um lado, o artigo 22º da LOBP 90 e o artigo 17º da LOBP 98 não contêm uma
norma que possa ser tida como habilitante da derrogação dos limites de taxas de juro dos
artigos 559º-A e 1146º do Código Civil e do artigo 102º do Código Comercial, também nada no
Decreto-Lei nº 133/09 impõe que os juros TAEG sejam isentos daqueles limites legais. Este
diploma rege sobre matérias várias do crédito ao consumo. Entre elas, o modo de formação da
taxa TAEG, o que a compõe, e regras próprias de usura. Não trata de regras únicas de usura.
Não se pode, em minha opinião, retirar da ratio legis que lhe é imanente, o abandono dos
consumidores a taxas de juro como aquelas que são permitidas pela sua limitação apenas ao
regime do artigo 28º do Decreto-Lei 133/09 com dispensa dos limites dos artigos 559º e 559º-A
do Código Civil e do artigo 102º do Código Comercial.
A ratio juris imanente ao regime jurídico do crédito ao consumo é de ordem pública de
proteção do consumidor, não é de proteção do seu financiador.
6. O contributo europeu
Na Europa, estão em vigor vários regimes de taxas de juro do crédito ao consumo.
Segundo um estudo oficial da Comissão Europeia – Study on interest rate restrictions in the
EU,16 – há uma certa dispersão de regimes. O sistema de limites fixos é adotado na Grécia,
Irlanda e Malta; o sistema de limites relativos, por referência a uma variável, como, por
exemplo, a média do mercado está em vigor na Alemanha, Bélgica, Eslováquia, Eslovénia,
Espanha, França, Estónia, Holanda, Itália, Polónia;17 e não há qualquer limite na Áustria, Bélgica,
Chipre, Dinamarca, Finlândia, Hungria, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Reino Unido, República
Checa, Roménia e Suécia.
As razões apresentadas como justificativas destes regimes são variadas. O estudo
concentra-se principalmente na vantagem ou desvantagem da limitação da taxa de juro em
função do acesso ao crédito ao consumo das classes economicamente mais débeis. O aumento
do risco do crédito aos consumidores menos possidentes poderia ser coberto pelo aumento da
taxa. A limitação da taxa resultaria na redução da concessão de crédito aos consumidores com
menos disponibilidades o que seria mau, induziria o crédito secundário por financiadores
informais e pelos fornecedores através do atraso no pagamento; por outro lado, a ausência de
limites induziria o aumento do endividamento. O estudo acabou por não ser muito
16 Study on interest rate restrictions in the EU – Final Report - Project No. ETD/2009/IM/H3/87, disponível em
http://ec.europa.eu/internal_market/finservices-retail/docs/credit/irr_report_en.pdf
17O estudo inclui nesta categoria Portugal, com apoio no regime emergente do artigo 28º do Decreto-Lei nº
133/09.
163
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
conclusivo.18
Embora não muito conclusivo, o estudo levado a cabo pela União Europeia, revela que
esta questão oscila entre o interesse do financiador e o interesse do consumidor, sem ter em
consideração sequer o interesse do fornecedor.
O financiador tem interesse manifesto na liberdade de fixação da taxa de juro de modo a
poder determiná-la em função do risco assumido em cada caso ou em cada classe de casos.
Pode, assim, assumir risco mais elevado financiando clientes menos solventes, mas recebendo
maior remuneração. Não lhe importa que todos e cada um paguem o que devem, desde que a
totalidade do valor pago por todos os que pagarem corresponda financeiramente ao capital
total financiado acrescido da sua remuneração. Neste modo original de mutualização, alguns
não irão pagar, mas os que pagarem pagarão a sua dívida e a dos outros. Se em cada três só um
pagar, esse pagará pelos três.
O fornecedor tem interesse no aumento do consumo. O crédito ao consumidor, para ele,
funciona indiretamente como financiamento à produção e distribuição. Além do financiamento,
para o fornecedor, o crédito ao consumo envolve a garantia do pagamento, já que acaba por ser
o financiador a assumir o risco económico do incumprimento.19 Pode, assim, aumentar o seu
volume de vendas.
O consumidor tem interesse subjetivo em ser financiado à mais baixa taxa possível e em
conseguir através do crédito antecipar o consumo em relação à poupança. Em vez de poupar
para comprar, transferir a poupança (forçada) para mais tarde. O consumidor tem também o
interesse objetivo20 em não se endividar demasiadamente. Mas muitas vezes o consumidor não
resiste à tentação do consumo e do crédito fácil e precipita-se no sobre-endividamento e, até,
na insolvência.
Mas o Decreto-Lei 133/09, que transpõe a Diretiva nº 2008/48/CE, de 23 de abril,
tem como ratio juris a ideia reitora da defesa do consumidor e não a do sistema financeiro. A
defesa do consumidor é um dos princípios dirigentes da constituição económica vigente, (art.
60º da CRP). A sua ratio juris não pode deixar de influenciar decisivamente a interpretação e
concretização da lei, designadamente no caso da transposição de diretivas europeias e da
interpretação conforme à Constituição. LARENZ21 é claro e expresso nesta matéria. Isto é muito
18Esta descrição é necessariamente muito reduzida e incompleta, pelo que recomendo a leitura completa do
relatório.
19Estranhamente, o estudo da UE não equacionou tanto como seria de esperar o interesse do fornecedor.
20Sobre o interesse subjetivo e o interesse objetivo, PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 7ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2012, pags. 214-215.
21KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª ed., Gulbenkian, Lisboa, 1983, pags. 410 e segs. Ver
também LUIS FILIPE SOUSA, Breve Itinerário pelo Direito Comunitário do Consumo, Sub Judice, 36, 2006, págs.
164
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
relevante, é mesmo determinante, na questão que me ocupa aqui. Em caso de dúvidas
interpretativas, deve prevalecer o sentido mais conforme com a ratio juris.
O artigo 28º do Decreto-Lei nº 133/09 quando rege sobre a usura não diz expressamente
se o faz dentro dos limites do regime geral dos artigos 599º-A e 1146º do Código Civil e 102º do
Código Comercial e também não diz expressamente que o faz em sua derrogação para além
deles. Por sua vez, o Aviso nº 3/93 do Banco de Portugal, ao determinar que são livremente
fixadas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas
operações, estabelece expressamente uma ressalva de crucial importância: salvo nos casos em
que sejam fixadas por diploma legal. Ora, as taxas das operações bancárias são objetivamente
mercantis, porque assim o são as operações de banco, segundo o artigo 362º do Código
Comercial. Como tais, estão sujeitas a limites legais pelo artigo 102º do Código Comercial
conjugado com os artigos 599º-A e 1146º do Código Civil.
O sentido jurídico da liberdade de fixação das taxas de juro das operações bancárias com
ressalva dos limites legais é o de que, as instituições financeiras deixam de ter de obedecer às
diretivas do Governo ou do Banco de Portugal na fixação das taxas mas não deixam de estar
limitadas nos termos gerais pelos limites legais das taxas de juro das dívidas comerciais.
Mesmo que se entenda que subsistem dúvidas entre as duas interpretações, aquela que
interpreta a chamada liberalização dentro ou além dos limites dos artigos 599º-A e 1146º do
Código Civil e 102º do Código Comercial, deve prevalecer a interpretação mais favorável aos
consumidores. A interpretação mais favorável aos consumidores é, sem margem para dúvidas,
aquela que sujeita as taxas de juro do crédito ao consumo aos limites legais fixados para as
dívidas comerciais.
Assim, sou de opinião que os limites da usura fixados no artigo 28º do Decreto-Lei nº
133/09, das taxas de juro do crédito ao consumo não permitem que essas taxas excedam os
limites legais fixados pela lei geral.
7. Mais recentemente
O legislador voltou ao tema, recentemente, com o Decreto-Lei nº 58/13, de 8 de maio.
Trata de várias matérias relevantes neste tema: classificação das operações bancárias
quanto ao prazo, juros remuneratórios e de mora, anatocismo, comissões e despesas.
No seu artigo 8º, estatui sobre o limite máximo da taxa de juro de mora, que fixa em 3%
57-66 e STJ 19.X.04 (Direito Comunitário – Princípio da interpretação conforme o direito comunitário: Esta
interpretação constitui uma obrigação que impende sobre os tribunais nacionais, cujo fundamento decorre
do princípio da cooperação vertido no art. 5º do TCE e só não deverá proceder-se à mesma quando tal
implique uma interpretação 'contra-legem'.
165
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
sobre a taxa de juro remuneratória da concreta dívida em que a mora se verifique. Ao fazê-lo
derroga expressamente o limite geral, mas apenas no que tange a operações bancárias.
Mas nada prevê quanto a limites de taxas remuneratórias.
A omissão legislativa no que respeita a limites máximos de taxa de juro remuneratório de
operações bancárias ativas (incluindo as de crédito ao consumo) é muito significativa em
termos de hermenêutica jurídica.
As omissões são tão significativas como as ações, embora o seu sentido seja por vezes
mais difícil de discernir.
É frequente a situação em que uma legislação má ou de interpretação duvidosa se
mantenha por inércia legislativa.
O processo legislativo é pesado e não se movimenta com facilidade.
A Doutrina e a Jurisprudência podem corrigir os erros e sanar as dúvidas da legislação
positivada. É a sua missão. Mas, a omissão de tratar legislativamente uma matéria, quando há a
oportunidade de o fazer não pode deixar de ter um sentido.
O Legislador poderia ter inserido no Decreto-Lei nº 58/13 um artigo (ou um número dum
artigo) em que estatuísse expressamente que os limites de taxas de juro contidos nos artigos
559º, 559º-A e 1146º do Código Civil e no artigo 102º do Código Comercial não se aplicam às
operações bancárias ativas, as quais são livres salvo no que respeita ao limite de usura regido
pelo artigo 28º do Decreto-Lei 133/09. Teria o mérito de clarificar.
Pode argumentar-se que não era necessário, porque aqueles limites máximos já teriam
sido removidos pelo Aviso nº 3/93 do Banco de Portugal, com suporte nos artigos 18º, 22º e
23º, alínea f) da LOBP 90. Já ficou, porém, claro que o suporte do Aviso nº 3/93 do Banco de
Portugal é mais que duvidoso, porque ressalva o limite legal, que aquele preceito da LOBP 90
não constitui norma habilitante para algo de tão relevante como o afastamento dos limites
legais de taxas de juro fixados no Código Civil e no Código Comercial, e que abandonar os
limites de taxas de juro do crédito ao consumo e do crédito bancário em geral é injusto e
insensato.
É injusto porque colide, no que respeita ao crédito ao consumo, com a ratio juris e o
sentido de ordem pública de proteção do consumidor consagrado nas Diretivas europeias sobre
a tutela do consumidor.22 É contrário ao sentido jurídico que rege o regime das taxas de juro
TAEG porque, em vez de o concretizar em favor do consumidor o faz contra ele.
É insensato e contrário à Natureza das Coisas porque tem consequências que, além de
serem gravemente danosas para o consumidor, acabam por ser também muito prejudiciais para
22Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Abril de 2008, relativa a contratos de
crédito ao consumo e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho.
166
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
o financiador. Como é sabido, por demais noticiado na imprensa, processado nos tribunais, e
sentido por toda a gente, os excessos de taxas de juro praticados no mercado, com apoio nos
sucessivos avisos e instruções do Banco de Portugal, têm levado demasiados consumidores a
insolveram e alguns bancos também. Porquê?
O crédito ao consumo foi concedido com facilidade excessiva, sem atender à capacidade
ou incapacidade de o consumidor vir a conseguir pagar, sem respeito pelo princípio know your
client, numa voragem concorrencial em que cada empresa de crédito ao consumo competia
com a outra pela maior concessão de crédito e em que as empresas de crédito ao consumo
ligadas aos fornecedores financiavam sem quase olhar nem perguntar. Os consumidores e as
suas famílias endividaram-se a níveis insustentáveis. Bastou que um dos membros da família
perdesse o emprego, ou que ocorresse uma doença ou um acidente, ou que as taxas de juro
subissem, ou que as pensões baixassem,ou que algo de inesperado acontecesse para que os
consumidores falhassem o pagamento ao fim do mês, da sua casa, do seu carro, ou duma
imensidade de inutilidades, até de viagens de férias. Sem dinheiro para pagarem, os
consumidores recorreram aos cartões de crédito ou aos descobertos em conta, com taxas
geralmente superiores a 20% ao ano. Quando não conseguiam pagar, por exemplo, 8%,
naturalmente também não conseguiam pagar mais de 20%. Insolveram, perderam casas e
carros, as próprias mobílias, foram recolhidas pelas famílias, as que puderam, e as outras
entraram na marginalidade.
Pelo seu lado, as instituições de crédito ao consumo recorreram demasiadamente ao
rolamento do crédito mal parado, através da concessão de crédito mais caro (cartão de crédito,
descoberto em conta) para o pagamento do crédito ao consumo propriamente dito. Com isto
lançaram nos seus livros os juros mais altos, sem provisionarem adequadamente o mal parado,
inflacionaram as suas contas com ativos que não existiam, e contabilizaram lucros enormes que
eram fictícios. Perante a insolvência dos seus devedores, tornaram-se indisfarçáveis as
imparidades que as obrigaram a admitir resultados muito negativos. Em cinco anos, em
Portugal, três bancos insolveram. A crise financeira europeia e mundial foi consequência de
práticas semelhantes de bad credit. Ruiu o mito de que taxas de juro sem limite podiam
permitir o crédito ao consumo às classes economicamente mais débeis desde que as taxas de
juro fossem aumentadas de modo a cobrirem o acréscimo de risco. O crédito sub-prime quase
destruíu as economias liberais-capitalistas avançadas e semeou a pobreza, o desemprego e a
crise social e económica.
O artifício de liberalizar as taxas de juro do crédito ao consumo para permitir o
financiamento dos consumidores economicamente mais débeis cobrindo o acréscimo de risco
de crédito com o acréscimo de taxas de juro, teve os efeitos perversos que se adivinhavam.
167
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
E, no entanto, a liberalização das taxas de juro do crédito ao consumo apoiou-se apenas
no Aviso nº 3/93 do Banco de Portugal que por sua vez se apoiou apenas, como norma
habilitante, nos artigos 18º, 22º e 23º, alínea f) da LOBP 90 e no artigo 17º da LOBP 98. Importa
agora recordar o teor destes preceitos em que se apoiou a liberalização:
Artigo 22º, nº 1, alínea a) da LOBP 90:
Para orientar e fiscalizar os mercados monetário financeiro e cambial, cabe ao Banco:
a) Regular o funcionamento desses mercados, adotando providências genéricas ou
intervindo, sempre que necessário, para garantir o cumprimento dos objetivos da
política económica, em particular no que se refere ao comportamento das taxas de
juro e de câmbio.
Artigo 17º da LOBP 98:
Compete ao Banco exercer a supervisão das instituições de crédito, sociedades
financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente
estabelecendo diretivas para a sua atuação e para assegurar os serviços de centralização de
riscos de crédito, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira.
Artigo 2º do Aviso nº 3/93 do Banco de Portugal:
São livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as
taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal.
Note-se que os artigos 18º, 22º e 23º, alínea f) da LOBP 90 e 17º da LOBP 98 deixaram de
conter a regra expressa que constava do artigo 28º, nº 1, alínea b), da LOBP 75:
Artigo 28º, nº 1: Com vista à orientação e contrôle das instituições de crédito, compete
ao Banco, nomeadamente:
a) Estabelecer diretivas para a atuação dessas instituições;
b) Fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de
remuneração para as operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por
quaisquer outras entidades que atuem nos mercados monetário e financeiro;
E note-se, também, que o artigo 2º do Aviso nº 3/93 do Banco de Portugal, na sua letra,
não deixou de ressalvar expressamente a fixação legal das taxas.
8. Concluindo
Em 1932, no tempo do Estado Novo,23 foram estabelecidos controlos administrativos dos
23A livre fixação das taxas de juro remonta ao Código Comercial de 1833 e manteve-se no CC de Seabra, até
ao Decreto nº 21.730 (14/10/1932) que limitou as taxas de juro no contrato de mútuo, embora este excluísse
a sua aplicação aos créditos bancários. É interessante recordar que o art. 5º deste Decreto determina que:
“Os contratos em que houver simulação de valor, quer no juro quer no capital, com o fim de ocultar as taxas
168
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
limites de crédito e das respetivas taxas de juro. O regime não era liberal, era intervencionista,
e atacou a crise económica e financeira de então controlando o crédito em volume e em custo.
Este controlo manteve-se, mesmo depois da instauração da Segunda República, até à
adesão de Portugal à União Europeia. Na sequência da adesão, a LOBP 90 deixou de conter
norma habilitante que suportasse juridicamente a intervenção direta do Banco de Portugal e
ficaram apenas os limites legais de taxas de juro remuneratórias e moratórias, civis e
comerciais, contidas no Código Civil (artigos 599º, 599º-A e 1146º) e no Código Comercial
(artigo 102º).
A introdução do Euro trouxe consigo uma nova Lei Orgânica do Banco de Portugal –
LOBP 98 – que, como a anterior, não contém uma norma habilitante que permita ao Banco
Central fixar limites de taxas de juro de operações bancárias (incluindo de crédito ao consumo)
superiores às contidas nas regras gerais do Código Civil e do Código Comercial.
Em 1993, com o Aviso nº 3/93 do Banco de Portugal, foi entendido, quase sem que
alguém levantasse uma dúvida, que as taxas de juro bancárias tinham sido “liberalizadas”. Era
verdade que tinham sido libertas da fixação administrativa pelo Banco de Portugal, mas não
que o tivessem sido dos limites legais do Código Civil e do Código Comercial.
Desde então, e já lá vão mais de vinte anos, as taxas TAEG do crédito ao consumo
excederam frequentemente os limites legais no que respeita, nomeada e principalmente, a
descobertos em conta e cartões de crédito, como se vê das tabelas anexas.
A consequência do juro excessivo é de origem civil e criminal.
No regime civil/comercial o excesso dá lugar à redução automática devendo ser
restituído tudo aquilo que tiver sido recebido para além do limite legal. Trata-se de uma
restituição por invalidade parcial e não de uma indemnização, pelo que o seu prazo de
prescrição é o comum.
Não nos ocupamos aqui da consequência criminal, deixando nota apenas de que, atenta
a convicção geral e as publicações do Banco de Portugal, não haverá em princípio usura dolosa,
o que afastará as consequências criminais para o credor.
estipuladas serão nulos, perdendo o credor o que houver emprestado em favor dos estabelecimentos de
beneficiência da comarca onde a acção for julgada e a quem o devedor entregará igualmente o juro em
dívida, calculado em harmonia com os artigos anteriores.”
169
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
ANEXOS
Nos últimos anos, a taxa legal de juros civis foi:
Nos últimos anos, a taxa legal de juros comerciais foi:
Até 4.8.80 5% Artigo 559º, nº 1, do Código Civil
5.8.80 – 22.5.1993 15% DL 200-C/80, de 24 de junho
Portaria 447/80, de 31 de julho
23.5.1983 – 28.4.1987 23% Portaria 581/83, de 18 de maio
29.41987 – 29.9.1995 15% Portaria 339/87, de 24 de abril
30.9.1995 – 16.41999 10% Portaria 1171/95, de 25 de setembro
17.4.1999 – 30.4.2003 7% Portaria 263/99, de 12 de abril
Desde 1.5.2003 4% Portaria 291/03, de 8 de abril
1833 – 31.12.1888 6% Código Comercial de 1833, artigo 3º
§281.
1.1.1889 – 1.1.1931 5% Código Comercial, artigo 102º, §2º
(versão original da Carta de Lei
26.06.1888)
1.1.1931 – 31.5.1967 6% Art. 720º do Código Civil de 1867
(redação do Decreto 19.126, de 16 de
dezembro de 1930)
5.8.1980 – 22.5.1983 15% Arts. 559º, n.º1 do Código Civil e
102º, §2 do Código Comercial
(redação do Decreto-Lei n.º200-C/80,
de 24 de junho).
Portaria n.º447/80, de 31 de julho
23.5.1983 – 14.4.1986 23% Art. 102º, §2 do Código Comercial
Portaria n.º581/83, de 6 de maio
14.4.1986 – 6.1.1987 24,5% Art. 102º, §3 do Código Comercial
(introduzido pelo Decreto-Lei
n.º262/83, de 16 de junho)
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso n.º3/86, 9 de abril
170
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
7.1.1987 – 19.3.1987 22% Art. 102º, §3 do Código Comercial
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso 1/87, Banco de Portugal, 7 de
janeiro
20.3.1987 – 15.10.1987 21,5% Art. 102º, §3 do Código Comercial
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso 3/87, Banco de Portugal, 20 de
março
16.10.1987 – 5.2.1988 20,5% Art. 102º, §3 do Código Comercial
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso 12/87, Banco de Portugal, 15 de
outubro
6.2.1988 – 05.05.1988 20% Art. 102º, §3 do Código Comercial
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso 1/88, Banco de Portugal, 05 de
fevereiro
06.05.1988 – 25.01.1989 19% Art. 102º, §3 do Código Comercial
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso 3/88, Banco de Portugal, de 5
de maio
19.9.1988 – 19.3.1989 20% Aviso n.º5/88, 19 de Setembro
Art. 102º, §3 do Código Comercial
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso 1/88, Banco de Portugal, 05 de
fevereiro
20.3.1989 – 20.5.1993 19,5% Art. 102º, §3 do Código Comercial
Portaria n.º807-U1/83, de 30 de julho
Aviso Banco de Portugal, 18 de
setembro de 1989
21.5.1993 – 27.9.1995 15% Aviso 3/93, Banco de Portugal, 20 de
maio
Art. 102º, §2 do Código Comercial
Artigo 559º, n.º1 do Código Civil
Portaria n.º339/87, 24 de abril
171
Taxas de Juro do Crédito ao Consumo – Limites Legais
28.9.1995 – 16.04.1999 15% Portaria n.º1167/95, de 23 de
setembro
17.04.1999 – 30.09.2004 12% Portaria 262/99, de 12 de abril
01/10/04 – 31/12/2004 9,01% Aviso 10.097/04, de 30 de outubro
01/01/2005 – 30/06/2005 9,09% Portaria n.º597/2005, de 19 de julho
Aviso 310/05, de 14 de janeiro
01/07/2005 – 31/12/2005 9,05% Aviso 6.923/04, de 25 de julho
01/01/2006 – 30/06/2006 9,25% Aviso 240/2006, de 11 de janeiro
01/07/2006 – 31/12/2006 9,83% Aviso 7706/2006, de 10 de julho
01/01/2007 – 30/06/2007 10,58% Aviso 191/2007, de 5 de janeiro
01/07/2007 – 31/12/2007 11,07% Aviso 13.665/2007, de 30 de julho
01/01/2009 – 30/06/2009 9,50% Aviso 1261/2009, de 14 de janeiro
01/07/2009 – 31/12/2009 8,00% Aviso 12.184/2009, de 10 de julho
01/01/2010 – 30/06/2010 8,00% Despacho n.º597/2010, de 4 de
janeiro
01/07/2010 – 31/12/2010 8,00% Aviso 13.746/2010, de 12 de julho
01/01/2011 – 30/06/2011 8,00% Aviso 2284/2011, de 21 de janeiro
01/07/2011 – 31/12/2011 8,25% Aviso 14190/2011, de 14 de julho
01/01/2012 – 30/06/2012 8,00% Aviso 692/2012, de 17 de janeiro
01/07/2012 – 31/12/2012 8,00% Aviso 9944/2012, de 24 de julho
01/01/2013 – 30/06/2013 7,75% Aviso 584/2013, de 11 de julho
01/07/2013 – 31/12/2013 7,50% Aviso 10478/2013, de 23 de agosto
01/01/2014 – 30/06/2014 7,25% Aviso 1019/2014, de 24 de janeiro
01/07/2014 – 31/12/2014 7,15% Aviso 8266/2014, 16 de julho
1.º Trimestre 2.º Trimestre 3.º TrimestreInstrução 26/2009 Instrução 7/2010 Instrução 15/2010
Crédito Pessoal ‐ Finalidade Educação, Saúde e Energias Renováveis 8,7% 6,7% ‐ Locação Financeira de Equipamentos 6,3% 7,3% ‐ Outros Créditos Pessoais 19,6% 18,9% 18,8%Crédito Automóvel ‐ Locação Financeira ou ALD: novos 8,0% 7,7% 7,4% ‐ Locação Financeira ou ALD: usados 10,3% 9,9% 9,2% ‐ Com reserva de propriedade e outros: novos 11,5% 11,1% 11,3% ‐ Com reserva de propriedade e outros: usados 16,1% 15,6% 15,2%Cartões de Crédito, Linhas de Crédito, Contas Correntes Bancárias e Facilidades de Descoberto 32,8% 31,6% 32,6%
Taxas máximas aplicáveis aos contratos de crédito aos consumidores
Tipo de contrato de crédito2010
6,0%
4.º Trimestre 1.º Trimestre 2.º Trimestre 3.º Trimestre 4.º Trimestre 1.º TrimestreInstrução 19/2010 Instrução 29/2010 Instrução 8/2011 Instrução 14/2011 Instrução 21/2011 Instrução 31/2011
19,1% 19,2% 19,1% 19,7% 20,2% 20,7%
7,3% 7,7% 8,0% 8,0% 8,5% 8,8%9,0% 9,1% 9,2% 9,4% 9,8% 10,1%
11,4% 11,4% 11,5% 11,8% 12,3% 12,6%15,1% 15,0% 15,2% 15,7% 16,1% 16,6%
32,9% 33,2% 34,3% 34,1% 34,1% 35,5%
6,8% 6,8%
2011
5,4% 5,8% 6,1% 6,2%
2.º Trimestre 3.º Trimestre 4.º TrimestreInstrução 13/2012 Instrução 21/2012 Instrução 31/2012
20,5% 20,9% 21,1%
9,0% 9,4% 9,1%10,4% 10,6% 10,5%12,9% 13,2% 13,2%17,0% 17,3% 17,3%
36,5% 37,2% 37,3%
7,8% 6,4% 7,2%
2012
1.º Trimestre 2.º TrimestreInstrução 52/2012 Instrução 4/2013
Crédito Pessoal: Finalidade Educação, Saúde, Energias Renováveis e Locação Financeira de Equipamentos
6,5% 6,4%
Outros Créditos Pessoais (Sem Fin. Específica, Lar, Consolidado e Outras Finalidades) eCrédito Revolving (Cartões de Crédito, Cartões de Débito Diferido, Linhas de Crédito, Contas Correntes Bancárias e Facilidades de Descoberto)
‐ Locação Financeira ou ALD: novos 9,2% 8,9%‐ Locação Financeira ou ALD: usados 10,8% 10,2% ‐ Com reserva de propriedade e outros: novos 12,6% 12,7% ‐ Com reserva de propriedade e outros: usados 17,1% 16,9%
20143.º Trimestre 4.º Trimestre 1.º Trimestre
Instrução 15/2013 Instrução 21/2013 Instrução 29/2013Crédito Pessoal
‐ Outros Créditos Pessoais 19,5% 18,1% 17,2%Crédito Automóvel ‐ Locação Financeira ou ALD: novos 8,0% 8,2% 8,0% ‐ Locação Financeira ou ALD: usados 9,3% 8,9% 9,1% ‐ Com reserva de propriedade e outros: novos 11,7% 11,5% 11,2% ‐ Com reserva de propriedade e outros: usados 15,7% 15,2% 15,3%
TAEG máxima2013
‐ Finalidade Educação, Saúde e Energias Renováveis e Locação Financeira de Equipamentos
6,0% 5,9% 5,7%
2013
27,5% 26,5%
Crédito automóvel
Cartões de Crédito, Linhas de Crédito, Contas Correntes Bancárias e Facilidades de Descoberto 25,4% 24,2% 23,1%
TAN máximaUltrapassagens de crédito 25,4% 24,2% 23,1%
177
Videogravação da comunicação
Problemas de visualização
Contratos Bancários e Alteraçãodas Circunstâncias
[João Calvão da Silva]
181
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
São muitos os contratos bancários em que se recorre a indexante, designadamente a
Euribor (sobretudo a três ou seis meses).
O problema tem ganho acuidade nos últimos tempos da grave crise financeira global que
avassalou o mundo, sobretudo com os swaps de taxa de juro, em que o cliente fica a pagar uma taxa
fixa por troca com taxa variável.
1. Autonomia do swap de taxa de juro
I- Considerando o crédito sangue da economia e o endividamento uma alavanca da actividade
empresarial, compreender-se-á facilmente o recurso tão frequente a swaps de taxa de juro como
instrumentos de cobertura, mitigação ou neutralização de risco da variação ou volatilidade dos
(valores nocionais a que se chama) juros, a determinar por referência a montantes fictícios ou
hipotéticos, montantes nocionais ou montantes nominais.
Não que a modalidade subjacente de endividamento não exista. De facto, via de regra esses
endividamentos são reais perante bancos terceiros ou o próprio banco sua contraparte no swap de
taxa de juro.
Mas não são dívidas estáticas: o crédito exige renovação contínua para garantir antecipada e
duradouramente o financiamento da actividade social de cada empresa, e assim lhe propiciar
previsibilidade e segurança.
II- Logo, mesmo quando via de regra os empréstimos existentes constituam causa ou motivo da
celebração de swaps de taxa de juro, aqueles não passam de mero quadro de referência do capital
hipotético, capital nominal ou capital nocional do contrato de swap – capital nocional que não é
permutado entre as partes do swap, mas tem o escopo (único) de permitir a contagem dos juros
trocados.
Por isso, esses empréstimos reais (mútuos, aberturas de crédito, leasings, etc.) não têm
influência no swap a que tenham servido de referência: este não é um contrato acessório daqueles
nem existe interdependência entre eles, nem no swap se assume dívida de terceiro ou obrigação de
pagar a terceiro credor; as vicissitudes (invalidade, inadimplemento, cumprimento, etc.) do activo
subjacente não se comunicam ao swap, um contrato novo (de per si) desligado ou abstraído daquele,
na floresta da nova e engenhosa economia financeirizada e circulação de riqueza virtual fiduciária1.
1 Sobre a autonomia ou abstracção do swap de taxas de juro, cfr. João Calvão da Silva, Swap taxa de juro: sua
legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta, in Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 142º (Março-Abril de 2013), p. 238 e segs, cit., n.º 2 (p. 261 a 264).
182
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
2. Negociação em massa e em cadeia de swaps de taxa de juro: intermediação financeira
sujeita a especiais deveres (legais e regulamentares) de informação
I- Precisamente porque autónomos dos empréstimos subjacentes (reais ou nocionais), os swaps
de taxa de juro podem ser celebrados em massa. E sendo independentes uns dos outros, os swaps de
taxas de juro podem ser celebrados em cadeia.
Para essa negociação (em massa e em cadeia) existem profissionais que prestam serviços e
desenvolvem actividades de investimento em instrumentos financeiros, também em swaps de taxa
de juro.
De resto, a financeirização da chamada “nova economia” ou “economia virtual” dá-se também e
(porventura) predominantemente através dos instrumentos derivados, instrumentos financeiros cujo
custo-rendibilidade deriva do custo-rendibilidade de instrumentos primitivos ou primários, ditos
activos subjacentes, como commodities, divisas, taxas de juro, índices de acções, valores mobiliários,
etc. De facto, da negociação dos derivados, de que o swap constitui apenas um dos muitos
inventados nos mercados financeiros, não decorre a circulação da riqueza da economia real, mas
apenas a transferência do risco da oscilação do seu valor de mercado ou mesmo do seu
incumprimento (pense-se na titularização de créditos e nos CDS-Credit Default Swaps)2. Mas o swap
acaba por propiciar riqueza própria da “economia virtual” ao contraente beneficiário, tão legítima
como o lucro e o juro de operações da economia real (do capitalismo produtivo, industrial, comercial
ou agrícola) desde que não demonizados ou vistos como pecaminosos…
II- Deste modo, a existência de intermediários financeiros a negociar swaps em massa e em
cadeia do sinal oposto, recebendo uma remuneração (comissão ou spread) pelo serviço prestado,
substitui a originária presença de dois agentes económicos com interesses simétricos mas opostos
(swap firmado por dois operadores) – interface esta de difícil verificação prática na global economia
de massas que caracteriza o contemporâneo mundo (capitalista financeiro) dos negócios, a justificar
por isso mesmo que os contraentes sejam um agente económico e um intermediário financeiro.
Ilustremos com um exemplo: A tem um mútuo a taxa de juro fixa e B tem um mútuo a taxa de
juro variável. Não sabendo um do outro, um dealer entre eles (e muitos mais) permite a A principiar a
pagar (ao swap dealer) o mútuo a taxa variável de B – swap entity que entrega o fluxo financeiro, não
directamente ao por si não conhecido Banco mutuante de B, mas ao cliente B, que pagará ao seu
2 Cfr. João Calvão da Silva, Titularização de créditos – Securitização. No Coração da Crise Financeira Global 3ª ed.,
2013.
183
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
mutuante – e em troca receber do dealer ou swap entity a taxa de juro fixa do seu mútuo, paga pelo
cliente B.
A swap entity fica com uma comissão. Existem, verdadeiramente, dois swaps independentes,
sendo independentes as obrigações nascidas de cada um deles — logo, a swap entity deve honrar as
suas obrigações pagando o seu swap celebrado com A, mesmo se B entra em incumprimento do seu
contrato. Ou seja, no caso sub iudice, se o Autor não paga o seu swap ao banco Réu, este não fica
liberado de cumprir o seu swap perante o dealer, dado o princípio da relatividade dos contratos,
independentemente de os activos subjacentes serem reais ou meramente nocionais3.
III- E assim, pela intermediação, se formou o mercado de swaps de taxa de juro, lugar de
encontro da oferta e procura deste derivado, seja em mercado regulamentado (ODE – Organized
Derivative Exchange), seja em mercado ao balcão (ITC-Over the Counter) crescentemente
estandardizado ou padronizado (recorde-se o já referido ISDA Master Agreement) em que os Bancos,
formalmente contrapartes, servem materialmente e funcionalmente de intermediários financeiros
(swap dealers) na anonimização de um dinâmico mercado internacional (sobretudo) através de um
“bid-ask-spread”, em que “bid” é a melhor oferta de compra e “ask” a melhor oferta de venda de um
swap publicadas em plataformas informáticas (Bloomberg, Reuters, etc) ou jornais da especialidade.
Deste modo, o swap dealer recebe do seu cliente uma taxa fixa que entrega (descontada do seu
spread ou comissão) a terceiro e recebe deste a taxa variável que entrega ao seu cliente – nada
impedindo, naturaliter, que o Banco (intermediário/contraparte) cobre à cabeça uma comissão e se
limite a pagar ao terceiro o que recebe do seu cliente e a este o que recebe daquele.
IV-A comprovar que, seja “spread” ou comissão paga à cabeça, a sua retribuição do serviço de
intermediação é de valor fixo, independentemente da variação da taxa de juro. E quanto maior for o
mercado, maior será o mercado maior é o número de casamentos anónimos concluídos por “swap
dealers” nos seus livros…com clientes finais (poucos) e com outros “swap dealers” (muitos) de países
diferentes. Distanciamento anonimizado (pela cadeia de distribuição) das verdadeiras contrapartes
económicas de cada swap (que se desconhecem mutuamente) contrabalançado pela exposição do
Banco (contraparte formal do cliente) ao risco do seu incumprimento – daí o valor da posição em
risco de um swap de taxa de juro ser determinado nos termos do risco de crédito da contraparte (art.
111º, n.º 2, do Regulamento (UE) n.º 575/2013), apesar de os fundos próprios para a sua cobertura
serem os do risco de mercado e, dentro destes, os fundos próprios para risco de posição (arts. 326º,
328º e 330º do Regulamento 575/2013). Afora a exposição ao risco do seu incumprimento, o Banco
3 Cfr. João Calvão da Silva, Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia, cit, p. 266 e 267.
184
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
(contraparte formal/intermediário material/ não ganha nem perde com a variação da taxa de
juro: recebe sempre e só a comissão à cabeça ou o spread convencionados e quem ganha é o cliente
que vir confirmadas as suas expectativas (de subida ou descida) da taxa de juros, com a
correspondente perda de outro (contraparte material ou económica anónima).
Por conseguinte, se, nos swaps plain vanilla, o cliente paga uma taxa de juro fixa em troca de
uma taxa variável, isso significa que o Banco encontrou no mercado quem aceitou vender (“ask”) o
swap comprado (bid) pelo seu cliente: os preços do bid (ofertas de compra) e do ask (ofertas de
venda) são preços de mercado, determinados pela lei da oferta e da procura e divulgados através de
contratos a prazo (forwards) de taxas de juro em plataformas informáticas (Bloomberg, Reuters),
com o swap a ser negociado por valor intermédio daqueles dois preços (bid-ask-spread) – não
escolhida, portanto, pelo banco intermediário – acrescida de comissão.
V- Sendo esta a realidade dos mercados de derivados financeiros, com negociação em massa de
swaps, também e predominantemente de swaps de taxa de juro, não surpreende ser fundamental
assegurar a negociação e formação dos contratos de modo normal e são, com grande transparência
e seriedade, sem qualquer processo enganatório.
Como?
Pelo exercício, a título profissional, da actividade de intermediação financeira apenas por
intermediários financeiros devidamente autorizados pela entidade competente (arts. 289º, n.º2, e
293º do CVM- Código dos Valores Mobiliários) e sua sujeição aos ditames da boa-fé, de acordo com
elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, nas suas relações com todos os
intervenientes no mercado, e ao dever de nortearem a sua actividade no sentido de protecção dos
legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (art. 304º do CVM; art. 19º da
DMIF).
Ao dever geral da boa-fé – estalão de comportamento próprio de pessoas de bem, que actuam
com correcção, lealdade, lisura, honestidade e probidade comercial, abstendo-se de prejudicar os
seus clientes e de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do
mercado (art. 311º do CVM) – acrescem, densificando a boa-fé objectiva, especiais deveres de
informação pré-contratual a prestar por escrito, necessários à tomada de decisão esclarecida e
fundamentada do cliente (arts. 312ºe 312-B e segs do CVM), em que sobressai a informação da
natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, incluindo uma explicação do impacto do efeito de
alavancagem e do risco da perda do total do investimento, a volatilidade do preço dos instrumentos
financeiros e eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado (art. 312-E
do CVM), sem esquecer o dever de conhecer o cliente (know your customer e suitability) por forma a
185
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
apurar se ele compreende os riscos envolvidos e assim avaliar do carácter adequado da operação
(art. 314º e segs do CVM).
Aos deveres de informação pré-contratual seguem-se os deveres de informação contratual
previstos nos arts. 323º e segs do CVM.
VI- Pode mesmo dizer-se que a organização e exercício profissional da actividade de
intermediação financeira e os deveres gerais e especiais de informação pré-contratual com vista a
uma sã e esclarecida formação da vontade do cliente constituem a pedra angular do mercado dos
valores mobiliários e demais instrumentos financeiros nele negociados, por isso mesmo tão
desenvolvidos na DMIF (hoje, Directiva 2014/65/UE — vejam-se os nutridos arts. 24º e 25º— e
Regulamento (UE) n.º 600/2014: requisitos de transparência pré-negociação e pós-negociação das
plataformas de negociação (art. 3º a 13º), transparência dos internalizadores sistemáticos e das
empresas de investimento que negoceiam em mercado de balcão (arts 14º a 21º e 32º),
compensação de derivados negociados em mercados regulamentados e prazos de aceitação para
compensação (arts. 28º a 30º e 35º a 37º).
Com as respectivas infracções a constituírem, umas crimes contra o mercado (abuso de
informação privilegiada – art. 378º do CVM; manipulação de mercado – art. 379º do CVM), outras
ilícitos de mera ordenação social, constituindo contra-ordenação muito grave a comunicação ou
divulgação de informação não completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, prestada aos
clientes por intermediário financeiro (art. 389ºº, n.ºˢ 1 e 2, do CVM) sancionada por coima entre
25.000 e 5.000.000 euros (art. 388º, n.º 1, al. a), do CVM), ou contra- ordenação grave punida por
coima entre 12.500 e 2.500.000 euros (art. 388º, n.º 1, al. b, do CVM) se essa comunicação ou
divulgação da informação respeitar a instrumentos financeiros não negociados em mercado
regulamentado e a operação tiver valor igual ou inferior ao limite máximo da coima prevista para as
contra-ordenações graves (art. 389º, n.º3, al. a), do CVM).
VII- A mais do ilícito de mera ordenação social e sua finalidade dissuasora, os intermediários
financeiros respondem civilmente pelos danos causados a qualquer pessoa em consequência da
violação dos deveres de organização e exercício da sua actividade, impostos por lei ou por
regulamento emanado da autoridade pública (art. 304-A, n.º1, do CVM), presumindo-se a sua (deles,
intermediários financeiros) culpa quando o dano resulte adequadamente da violação de deveres de
informação pré-contratuais ou contratuais (art. 304-A, n.º2, do CVM), em conformidade com a regra
geral do art. 799º do Código Civil.
A evidenciar que a lei especial (o Código dos Valores Mobiliários) consagra o modelo de
protecção do investidor assimetricamente informado ou desinformado (vítima de decisão de
186
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
investimento decorrente da violação de especiais deveres de informação impostos por lei ou
regulamento ao intermediário financeiro) através do ressarcimento do seu prejuízo sobrevindo (em
termos de causalidade adequada) a essa infracção oi ilicitude presumidamente culposa da
informação devida. Deve ser este, por conseguinte, o “campo de jogo” natural em que a protecção
do investidor em swap da taxa de juro deve ser procurada: violação de dever(es) especiais de
informação e esclarecimento impostos por lei ou regulamento e correspondente perturbação da
prestação negocial.
3. Inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta ao swap de taxa de juro
I- Segue-se daqui que podendo revestir natureza real ou meramente nocional (virtual, hipotética
ou nominal) o activo subjacente, o contrato de permuta da taxa de juro é absolutamente legal e
lícito.
Com efeito, as duas partes assumem a recíproca obrigação de trocar pagamentos periódicos de
juros, calculados sobre um capital de referência – o chamado capital nominal ou nocional – por certo
tempo, período de duração do contrato de swap. Os juros a permutar são calculados com
modalidades diferentes, grosso modo uma parte paga a taxa variável, a oscilação de Euribor a três
meses, e recebe pagamentos a taxa fixa. Em causa sempre e só pagamento recíproco de juros: no
interest rate swap o capital é meramente nominal ou nocional, não sendo trocado entre as partes.
No contrato estarão, pois, presentes os elementos fundamentais do swap da taxa de juro: data
da celebração; capital nominal ou capital de referência, para permitir a contagem dos juros; dies a
quo dos juros; data de vencimento ou termo do contrato; resolução antecipada anualmente; datas
de pagamentos, em que são permutados os juros; o valor da taxa fixa; tecto máximo da taxa variável;
taxa de referência a utilizar como taxa variável – a Euribor a três ou seis meses.
II- Normalmente, as obrigações de pagamentos de juros trimestrais são recíprocas: o Banco
paga ao cliente no final de cada período trimestral; o cliente paga ao Banco, em contrapartida, no
final de cada período trimestral. A evidenciar tratar-se de contrato oneroso e sinalagmático. Mas
como o período de liquidação dos juros fixos e dos juros variáveis coincide, nada impede a
compensação entre as duas dívidas, “netting” prevista no Master Agreement da ISDA: o “saldo” será
pago pela parte que deva pagar a taxa mais elevada.
Naturalmente, estas prestações aleatórias e recíprocas do swap são determinadas por facto
exterior ao contrato e estranho à vontade das partes – a flutuação da Euribor a três ou seis meses no
mercado – , não se sabendo, no momento da conclusão do contrato, se acabará por verificar-se uma
vantagem e a parte que dela beneficiará por compensação.
187
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
É esta bilateralidade da álea que caracteriza o swap da taxa de juro: a distribuição entre as
partes das prestações principais e a determinação dos seus quantitativos dependem de
acontecimento futuro e incerto, não influenciável pelos contraentes. Sobre ambas as partescorre
potencialmente risco de cada uma dever realizar a prestação a favor da outra, embora por
compensação das obrigações recíprocas acabe por poder ser uma a receber o saldo líquido e a outra
a pagá-lo.
Mais: o swap é contrato aleatório (oneroso) de prestações correspectivas não só pela sua
natureza mas também pela vontade das partes: no racional do contrato exprime-se a vontade de o
contrato servir um objectivo de gestão de risco de taxa de juros, com o cliente a poder registar um
ganho ou uma perda, consoante as circunstâncias, ou a não registar um ganho nem perda noutras
circunstâncias, em ordem a reforçar a consciência do cliente acerca dos exógenos riscos conexos à
execução do swap.
III- Pelo exposto, o swap não pode ser equiparado ao jogo e aposta, justamente porque a sua
(dele, swap) causa ou função económico-social é a de gestão, cobertura ou controlo de riscos de
flutuação das taxas de juro, uma função de garantia ou segurança de (financiamento) da actividade
económico-empresarial, a corresponder ao real interesse dos contraentes, digno de protecção legal
(art. 398º, n.º2, do Código Civil) e reconhecimento de legitimidade como a do seguro e da renda
vitalícia ou perpétua, como a do lucro e a do juro. Não se trata, portanto, de procurar um
passatempo ou fim lúdico ou uma quantia pecuniária como efeito (cego) da sorte.
Consequentemente, não pode o cliente opor validamente ao Banco contraparte, que exige o
cumprimento da prestação a que tem direito em virtude das flutuações sucessivas dos juros no
mercado (risco exógeno real, e não artificialmente criado pelo contrato), a excepção do jogo e aposta
(art. 1245º do Código Civil): o swap é contrato válido, fonte de obrigações civis, exigíveis, portanto,
pela acção de cumprimento4, e não reveste a natureza de aposta mesmo que seja especulativa a
motivação de uma parte (ou de ambas) quando não exista uma real operação financeira subjacente,
contribuindo para o desenvolvimento adequado dos mercados financeiros (no contexto da liquidez e
da eficiente formação dos preços) erguido a valor legítimo da nova economia no juízo de mérito da
4 Neste sentido, cfr. Maria Clara Calheiros, O contrato de swap, Coimbra, 2000 p. 92 e segs., sobretudo p. 105 e 106;
Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 2ª ed., 2011, p. 214 e 215; Inzitari, il Controllo di swap: la
copertura dei rischi di variazioni dei cambi e dei tassi attraverso il gioco della distribuzione dell’allea, in “Scritti in
onore Angelo Falsea”, Vol. 2, t. I, 1991, p. 501. 503 e 504; Sergio Zamorano Roldán, El contrato de swap como
instrumento financiero derivato (traduzido por P. Martinez- GMachuca), 2003, p. 237 e segs.; sentença do Tribunal
de Milão de 20 de Fevereiro de 1997, in Gius, 1997, p. 1263.
188
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
coeva legislação especial referida, na “lex mercatoria” do Master Agreement da ISDA e no
Regulamento (UE) n.º 236/2012 do
Parlamento Europeu e do Conselho relativo às vendas a descoberto e a certos aspectos dos
swaps de risco de incumprimento (supra, n.º2). De acordo com o Banco Internacional de Pagamentos
(BIS), em Junho de 2002 havia $127.6 triliões em valores nocionais, 70.2% dos quais em swaps de
juros5.
IV- Como argumento último da inoponibilidade da excepção do jogo e aposta ao contrato de
permuta de juros deve invocar-se, decisivamente e irrespondivelmente, o disposto no art. 1247º do
Código Civil, que ressalva a legislação especial sobre a matéria.
Ou seja, quem insista em ver no swap de taxa de juros uma aposta terá de reconhecer ser muita
a legislação especial sobre esse contrato sinalagmático aleatório, cuja validade se deve ter por
indiscutível, seja o activo subjacente de que deriva real e efectivo (um mútuo, um leasing, etc) ou
meramente nocional e fictício, relativo a um capital de referência (capital nominal ou hipotético) que
não é objecto de escambo mas parametriza os juros a pagar e a receber pelos contraentes em função
da volatilidade do (indexante no) mercado, para cujo desenvolvimento concorre ao potenciar a
economia de mercado aberto e concorrencial como operação de fomento de mercado, criação de
liquidez e eficiente formação de preços.
V- Por fim, mesmo quem desvalorize ou apague a figura da compensação de dívidas recíprocas e
veja o swap da taxa de juro como contrato diferencial – o que não nos parece possível no concreto
contrato de swap em apreço, porque e na medida em que expressamente refere obrigações
recíprocas de pagamento de juros por ambos os contraentes –, a gerar só uma única obrigação de
pagamento do diferencial em dinheiro por uma das partes6, não pode igualmente deixar de
considerar o swap legal e válido, fonte de obrigações civis, pela mesmíssima razão de que “financial
contracts for defferences” estão legalizados pela legislação especial, designadamente no n.º 9 da
Secção C do Anexo I da DMIF (actualmente, Directiva n.º 2014/65/UE) e no art. 2º, n.º1, al. d), do
5 Cfr. BIS Quarterly Review (Março 2003), quadro 19.
Os swaps constituem atividade altamente concentrada: em Junho de 2000, os dois maiores dealers, J.P. Morgan
Chase e Deutsche Bank, controlavam 23% e 11% dos valores nocionais dos swaps de taxa de juro, respectivamente
(cfr. Swaps Monitor, Data on the Global Derivatives Market, 2000).
6 Cfr. Ferreira de Almeida, Contratos diferenciais, in,” Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa”, Vol. II, p. 81 e segs; Idem, Contratos, cit., p. 118.
189
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
Código dos Valores Mobiliários7. Sepultado ficou, pois, o entendimento de assimilar os contratos
diferenciais ao jogo e aposta, considerando-os inválidos ou apenas fonte de obrigações naturais8.
Isto mesmo sucede paradigmaticamente na Alemanha, com a revogação do § 764 do Código
Civil (BGB), que via como jogo o contrato diferencial (Differenzgeshӓft) sobre títulos e mercadorias9.
E em Itália, as incertezas da assimilação do swap ao jogo e aposta foram superadas logo com a
transposição da Directiva dos Serviços de Investimento (Directiva n.º 93/22/CEE, revogada pela
DMIF) pelo Decreto-lei n.º 415/96, de 23 de Julho, cujo o art. 18º, n.º4 (ora art. 23º, n.º5, do Testo
Unico della Intermediazione Finanziaria) excluiu expressamente a aplicação do art. 1933 do Codice
Civile (gioco e scommessa) aos contratos derivados, inter alia, os swaps, os futuros e as opções, no
âmbito da prestação de serviços de investimento.
VI- Diferentemente da aposta, no swap não só não há criação artificial do risco pelo contrato
como sobretudo a finalidade de imunização ou mesmo tomada (independente) do risco de flutuação
da taxa de juro é lícita e digna de tutela jurídica, por isso mesmo protegida por leis especiais: o risco
(flutuação do juro) é o mesmo, quer no swap para gerir esse risco associado a uma operação
financeira concreta, quer no swap firmado para tomar posição de risco independente.
Não admitir a autonomia do swap de taxa de juro e assimilá-lo ao jogo e aposta seria contra
legem e teria por consequência o definhamento do mercado deste instrumento financeiro, em que a
presença de um intermediário financeiro (market maker) que celebra swaps em massa de sinal
oposto, recebendo uma remuneração pelo serviço prestado, substitui a originária presença de dois
agentes económicos com interesses simétricos mas opostos (swap firmado por dois operadores) –
interface esta de difícil verificação prática na global economia de massas que caracteriza o
contemporâneo mundo (capitalista financeiro) dos negócios, a justificar por isso mesmo que os
contraentes sejam um agente económico e um intermediário financeiro.
4. A volatilidade dos juros como o risco próprio do swap de taxa de juro
I- A legítima função económica e social do swap de taxa juro – a função de cobertura de um
risco exógeno (flutuação da taxa de juro) através da celebração de um contrato aleatório, a merecer
7 Neste sentido, Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, 2009, p. 185; Maria Clara Calheiros, Ob. cit., p. 106
e segs.
8 Neste sentido, Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, Vol. II, p. 371.
9 Cfr. Kümpel, Bank-und Kapitalmarktrecht, 3ª ed, 2004, p. 1902 e segs.
190
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
tutela jurídica (art. 398º, n.º2, do Código Civil) – não justifica apenas a inaplicabilidade da excepção
do jogo e aposta10.
Justifica ainda e também a não aplicação do regime da alteração das circunstâncias (art. 437º do
Código Civil) ao contrato de swap de juros.
Na verdade, tendo as partes aceitado de modo inequívoco correr o risco de oscilação das taxas
de juro e a sua repartição nos termos concretos por elas acordados, não pode considerar-se o
contrato resolúvel por excessiva onerosidade decorrente da alteração superveniente das
circunstâncias. É que o risco da apreciação ou da depreciação futura (durante o prazo do contrato)
das taxas de juro, tendo por referência a Euribor (a três meses), constitui a medula do swap: a causa
ou função económico-jurídica da sua celebração é justamente a de gerir ou cobrir os riscos conexos às
oscilações das taxas de juro durante o período do contrato. O sentido e fim do contrato querido pelas
partes é o de racionalizar ou controlar as incertezas desta variável dos custos de financiamento e
refinanciamento contínuo empresarial. Sendo este o objecto e a causa (hoc sensu) do acordo das
partes – optimizar o custo do financiamento –, essa álea genética perdura como álea funcional
durante a pretendida vida do contrato.
II- Quer dizer, a diferenciada e não equivalente distribuição do risco genético na formação do
negócio — sinalagma genético reflectido, naturaliter, na maior ou menor taxa fixa, em troca da taxa
variável que recebe do Banco, consoante a lei das probabilidades (da verificação) do risco —
prolonga-se pela estipulada vida do contrato (sinalagma funcional) como a álea nuclear própria do
contrato de swap celebrado em concreto.
Pelo que se as partes, na negociação e conclusão do contrato, não procederam a uma repartição
simétrica (objectiva, de iguais probabilidades e inerentes ganhos ou perdas) do risco da variação das
taxas de juro, não pode invocar-se a superveniente onerosidade excessiva da prestação para através
da resolução a parte onerada (pela verificação da perda potencial) em consequência da consumação
da álea própria do contrato (do risco que é o seu sentido e fim, a sua real causa e objecto) se eximir
ao (objectivo) risco assimétrico determinado ab origine (com menor taxa fixa a pagar pelo cliente)
para perdurar na convencionada constância do contrato duradouro.
Se nem uma normal compra e venda (ou escambo, ex vi do art. 939º do Código Civil) comutativa
é necessariamente equilibrada do ponto de vista económico, com a equivalência subjectiva a poder
traduzir-se em preço desproporcionado ao valor do objecto transferido – quantas pessoas vendem
um objecto por 70, sabendo que vale 100, custo de oportunidade traduzido na perda de receber
10 Amplius, cfr.João Calvão da Silva, Swap taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção
do jogo e aposta, cit.
191
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
menos do que vale esse objecto (preço inferior ao valor) –, por maioria de razão a equivalência
económica das prestações não deve constituir exigência do swap, contrato aleatório por natureza: a
equivalência objectiva não pode sobrepor-se à equivalência subjectiva tanto no início como durante
o cumprimento do contrato de troca de fluxos de juros desproporcionada.
III- O preço acordado (taxa fixa a pagar pela cliente contra a taxa Euribor a pagar pelo Banco) é
esse e não outro, justamente em função da distribuição do risco querida em concreto pelas duas
partes genética e funcionalmente — logo, o desequilíbrio funcional (superveniente) não é mais do
que o prolongamento do desequilíbrio genético, querido e estipulado pelas partes ab initio para por
definição valer in futurum durante o prazo contratado no swap. É assim nos contratos aleatórios, em
que só finalmente se sabe quem ganha e quem perde e o “preço” é quantificado de antemão (na
formação do contrato) em função do risco coberto pela concreta vontade das partes.
Pense-se (também) num contrato de seguro, e facilmente se entenderá que o prémio será maior
ou menor consoante for mais ou menos extenso o risco incluído no âmbito de cobertura do contrato.
Sendo a probabilidade do risco (vg. tsunami) pequena, a grande probabilidade de a seguradora
ganhar (o prémio) é contrabalançada pela potencial perda enorme que aceita correr se,
contrariamente ao expectável, o tsunami vier a ocorrer.
O mesmo se passa no swap: na distribuição do risco da volatilidade da taxa de juro
concretamente acordada, a medalha do cliente tem numa face a elevada probabilidade de ganho
pequeno e na outra face a pequena probabilidade de perda grande. E assim como a seguradora não
tem o direito de não pagar a indemnização dos danos decorrentes do tsunami coberto pelo seguro,
invocando a alteração das circunstâncias provocada por acontecimento extraordinário, assim
também o cliente não tem o direito de não cumprir o swap (pagando a taxa fixa convencionada para
a duração do contrato) a pretexto de o indexante Euribor ter descido muito, vendo nessa descida
uma alteração anormal das circunstâncias (em que as partes fundaram a decisão de contratar) a
tornar inexigível a sua prestação da taxa fixada.
IV- Esta argumentação (pretextuosa) não é exacta: a prestação do cliente foi fixada num certo
montante, em ordem a reduzir seguramente os custos de financiamento aquando da conclusão do
swap (taxa fixa abaixo da Euribor) e provavelmente durante a vida do contrato, segundo o juízo de
prognose da evolução dos juros no mercado publicado ao tempo nos contratos a prazo (forwards da
taxa de juro – art. 2º, n.º1, al. e), do Código dos Valores Mobiliários).
Sendo assim, se em face dos forwards era elevada a expectativa ou probabilidade de o cliente
ganhar pagando a taxa fixa acordada, contrabalançada pela pequena expectativa ou probabilidade
de perder, não pode o cliente eximir-se a cumprir o contrato suportando a perda potencial prevista e
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Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
querida no reverso do ganho potencial tais quais delimitados pelas partes no swap de juros, por
natureza um contrato aleatório cujo risco próprio é a volatilidade dos juros, ratio essendi a explicar
que só no fim da sua duração se apure (por compensação das obrigações recíprocas) quem e quanto
ganha ou perde.
Tudo o que desce sobe, tudo o que sobe desce: assim também e sobretudo com os juros numa
economia de mercado concorrencial – não fixados administrativamente, portanto –, inerentes aos
ciclos de expansão e retracção ou recessão da economia. E o contrato é via de regra bem claro, e de
fácil compreensão: o cliente registará um ganho ou uma perda, nas circunstâncias nele descritas com
toda a minúcia e transparência, como nas demais circunstâncias não registará um ganho nem perda.
V- Se aceite e assumida explicitamente esta repartição assimétrica (não equivalente ou
proporcionada em termos objectivos de justiça comutativa própria dos contratos onerosos
comutativos mas não dos contratos aleatórios) do risco – tecto máximo (“cap”) da subida da Euribor
para o juro variável devido pelo banco; ausência de limite mínimo, valendo, pois, o “floor” natural de
0%, para a descida da Euribor no juro fixo devido pelo cliente –, sem tê-la posto em causa por vício do
consentimento, designadamente pelo não cumprimento dos especiais deveres de informação pré-
contratual que o Código dos Valores Mobiliários (e também o regime dos contratos de adesão – o
Decreto-lei n.º 446/8, de 25 de Outubro) fazem impender sobre a instituição financeira (sobretudo)
perante investidores não qualificados, não pode pedir-se a resolução do contrato por alteração das
circunstâncias, considerando excessivamente onerosa a prestação e a sua exigência atentatória da
boa-fé, justamente porque ela está coberta pelo risco próprio do contrato aleatório (leia-se, do
concreto contrato aleatório concluído pelas partes).
A apreciação ou depreciação da taxa de juro nos limites acordados, em que a troca
(objectivamente) proporcionada ou equivalente dos dois fluxos (variável e fixo) de pagamentos não
foi querida pelas partes com benefício de taxa fixa menor (abaixo da Euribor, seguramente na
formação do contrato, mas só expectavelmente na evolução provável da taxa de jurosegundo a
prognose feita) a pagar pela cliente, constitui mesmo o “coração” (core) do swap firmado pelos
contraentes, o risco que elas quiseram cobrir através de um contrato aleatório (por natureza e por
expressa e inequívoca vontade) duradouro e de execução periódica, trimestral ou semestralmente,
não tendo por isso a sua hipotética resolução efeitos para as prestações já realizadas (art. 434º, n.º2,
do Código Civil) – neste sentido, no sentido da aplicação do art. 434º, n.2, do Código Civil ao swap da
taxa de juro, decidiu bem o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 201311.
11 Publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 143 (Maio/Junho de 2014), págs. 348 e segs, e por
mim anotado.
193
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
VI - Sendo este o coração do contrato sinalagmático e aleatório que é o swap, deve ter-se por
não sujeito ao regime do art. 437º do Código Civil, sob pena de contradição nos termos e
desnaturação do swap: a flutuação dos juros por referência à evolução do Euribor é o objecto e a
causa deste swap concretamente celebrado, nos limites acordados, pelo que não pode deixar de
considerar-se coberta pelos riscos próprios deste contrato a prestação aleatória da parte onerada
com o pagamento do saldo líquido resultante da possível compensação das obrigações recíprocas
ligadas por uma relação de interdependência nos termos precisos e transparentes acordados para
uma curta duração.
A onerosidade dita excessiva e superveniente entra na normal álea do contrato concreto aqui em
causa, em que a distribuição da execução no tempo dos anos acordados caracteriza (e é elemento
essencial do contrato de) o swap, constituindo a causa (hoc sensu) deste contrato legalmente atípico.
Numa palavra: a volatilidade dos juros é o risco próprio do swap, a não permitir a sua resolução
pois as partes expuseram-se voluntariamente à alteração da Euribor e a descida verificada não
decorreu de outros eventos, causas ou circunstâncias (alteração legislativa, guerra, implosão do euro,
etc), diferentes e fora da oscilação do mercado como a álea do contrato de troca concretamente
firmado (repartição e assunção contratual do risco)12.
Neste sentido, expressamente, o art. 1467º, 2º parágrafo, do Código Civil italiano: “A resolução
não pode ser pedida se a superveniente onerosidade entra na álea normal do contrato”. E no mesmo
sentido na doutrina portuguesa, podem ver-se: Pires de Lima e Antunes Varela13, Mário Júlio Almeida
Costa14, António Menezes Cordeiro15; Pedro Paes de Vanconcelos16; Menezes leitão17; Maria Clara
Calheiros18.
12No Anteprojecto do Código Civil, Vaz Serra, Resolução ou modificação dos contratos por alteração das
circunstâncias, in BMJ n.º 68 (1957), p. 293 e segs, especial p. 380 e segs., propunha no art. 1º o seguinte n.º 5: “ Se
a alteração das circunstâncias estiver compreendida nas flutuações normais do contrato ou for abrangida pela
finalidade dele, não se admite a resolução ou modificação, de que trata o presente artigo. Os contratos aleatórios
podem ser resolvidos ou modificados quando a alteração das circunstâncias exceder apreciavelmente todas as
flutuações previsíveis na data do contrato; mas a resolução ou modificação não se admitem por uma causa quando
as partes se sujeitaram a efeitos análogos aos desta, resultantes de outras causas…”Orientação que o consagrado
autor mantém em face do art. 437º do Código Civil, com base na “exigência das obrigações por ela (parte lesada)
assumidas … não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato” (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano
111 (1978/79), pág. 356, em anotação ao acórdão do STJ de 6/04/1978)
Ora nenhuma dúvida séria e consistente pode subsistir quanto à abrangência da onerosidade verificada pela
finalidade e “ratio essendi “do swap de taxa de juro, a excluir a sua resolução.
13 Código Civil anotado, vol. I, 4ª ed., 1987 (com a colaboração de Henrique Mesquita), anot 1b) ao art. 437, p. 413.
14 Direito das Obrigações, 10ª ed, Almedina, Coimbra, 2006, p. 341: “Aos riscos inerentes ao tipo de contrato em
questão devem equiparar-se, como parecer óbvio, os riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo
194
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
VII- Swap que procura optimizar também o custo de (mais) financiamento às empresas por
períodos futuros, nisto antecipando ganhos de segurança financeira para a actividade social, e mais
liquidez nos mercados para o desenvolvimento da indústria, do comércio, da agricultura e dos
serviços.
Porventura, sem essa optimização de custo da antecipação de financiamento garantido por
swap de taxa de juro, no momento da rarefação de crédito em que (também) se tem traduzido a crise
financeira global iniciada em Agosto de 2007 com o “subprime” estadunidense, as empresas,
sobretudo as empresas muito endividadas, não obteriam (re)financiamento ou só o obteriam com
contratual celebrado. É possível aos contraentes afastar ou limitar a aplicação do art. 437º, assumindo riscos
maiores.”
15 Tratado de Direito Civil Português, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2010: “ A vontade das partes surge, assim, como
o meio mais indicado para enfrentar eventuais alterações das circunstâncias (…). Por um lado, o próprio artigo
437º/1 do Código Civil (…) tem natureza supletiva (…). Por outro (…), quando se tenha estipulado justamente em
mira de uma alteração das circunstâncias, é essa mesma boa-fé que requer o acatamento do ajustado. E por fim, o
próprio regime do risco pode ser definido, directa ou indirectamente, pelas partes; o risco delimita negativamente a
aplicação do artigo 437º/1 do Código Civil, como determina o final do preceito.” (p. 300).
“As alterações registadas dentro da álea dos contratos são normais e não contendem com a boa-fé (…) A ideia da lei
é conferir ao art. 437º/1 natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco” (p.325).
16 Teoria Geral do Direito Civil, 7ª ed, Almedina, Coimbra, 2012, p. 318: “Na concretização do regime jurídico da
alteração das circunstâncias, assume uma particular importância o discernimento do plano do risco do contrato (…).
Se o contrato contiver uma disciplina própria de distribuição do risco da realização será de acordo com ele que o
caso deve ser resolvido”.
17 Direito das obrigações, Vol. II, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 137: “ A alteração das circunstâncias
apresenta-se como subsidiária em relação às regras de distribuição do risco, cessando a sua aplicação sempre que
exista uma regra que atribua aquele risco a alguma das partes. Por isso, nos contratos aleatórios, em que não haja
limites aos riscos assumidos pelas partes, fica de todo excluída a aplicação do regime da alteração das
circunstâncias.”
18 O Contrato de swap, Coimbra Editora, Coimbra 2000: “A principal consequência da classificação do contrato de
swap na categoria dos contratos aleatórios é a não aplicação do regime do art. 437º, do Código Civil (…), em face de
uma inesperada e grave evolução, para uma ou outra das partes, das taxas ou das cotações das moedas adoptadas
como referentes do contrato de swap celebrado" (p.90).
“Já não deverá ser considerada como alteração de circunstâncias para efeitos do art. 437º do Código Civil uma
qualquer e inesperada reviravolta nas taxas de juro ou de câmbio de mercado, pois neste caso a alteração verificada
encontra-se abrangida pelo risco inerente e pela própria finalidade do negócio (p. 189).
E mais recentemente, no seu O Contrato de Swap no Contexto da Actual Crise Financeira Global, in “Cadernos de
Direito privado”, n.º 42 (Abril/Junho 2013), escreve M. Clara Calheiros na p. 12: “Não se vê como possa entender-se
que a descida acentuada das taxas de juro não configurava um risco próprio do contrato, pois se é justamente a
possibilidade que ocorra esta subida ou descida abrupta que leva à celebração do contrato de swap pelas partes.”
195
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
“spread” elevado (de 3 a 6%) que a banca passou a levar, numa onerosidade que porventura
excederia a taxa fixa a que estão vinculadas pelo swap.
5. Primazia do regime (legal ou contratual) do risco sobre a alteração das circunstâncias
I- É, de resto, entendimento comum na doutrina e na jurisprudência que o regime do risco
prevalece sobre a alteração das circunstâncias.
Assim, de acordo com o art. 796º, n.º1, do Código Civil, “nos contratos que importem a
transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre
ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do
adquirente”.
Consequentemente, se A vende a B uma casa, compra e venda formalizada às 12h, seguida da
sua ruína decorrente de um terramoto, não pode o comprador deixar de pagar o preço devido com
base na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de
contratar: obviamente, B é parte lesada no contrato, como lesado seria A se o terramoto ocorresse
pelas 11h. Mas não seria justo nem razoável que B pudesse deixar de pagar o preço da compra e
venda, a pretexto de que a exigência dessa obrigação por si assumida afecta gravemente os
princípios da boa fé e não está coberta pelos riscos próprios do contrato (art. 437º, n.º1, do Código
Civil).
II- Naturaliter, a regra do risco (“res perit domino”; “casum sentit dominus”) tem primazia sobre
a alteração das circunstâncias.
Não porque o art. 796º do Código Civil e a regra res perit domino nele consagrada sejam
imperativos: trata-se, de facto, de uma norma supletiva, que as partes podem derrogar, estipulando
em sentido diferente. É o que decorre do art. 809º do Código Civil: “é nula a cláusula contratual pela
qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões
anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo
800º — e essas divisões anteriores começam no art. 798º, deixando de fora o art. 796º do mesmo
Código Civil.
III- Por isso mesmo, porque o art. 796º do Código Civil não é norma imperativa, mesmo nos
contratos de adesão ou contratos celebrados pelo recurso a cláusulas negociais gerais (Decreto-lei
n.º 446/95, de 25 de Outubro) são válidas as cláusulas que alterem as regras respeitantes à
distribuição do risco nas relações entre empresários ou entidades equiparadas.
196
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
Já não assim nas relações com consumidores finais (pessoas singulares, fora do exercício da sua
actividade profissional): nestas são em absoluto proibidas as cláusulas contratuais gerais que alterem
as regras respeitantes à distribuição do risco (art. 21º, al. f), do Decreto-lei n.º 446/95).
Ora, se as regras legais, designadamente o art. 796º do Código Civil, respeitantes à distribuição
do risco fossem imperativas, não precisava o legislador de proibir a sua alteração. Mas precisamente
por a regra legal da distribuição do risco ser norma supletiva, o legislador veio dizer que, nas relações
de empresários com consumidores em sentido estrito — pessoas singulares que actuam fora do
exercício da sua profissão, para satisfação de interesse pessoal, familiar ou doméstico — concluídas
através da técnica dos contratos de adesão, não são permitidas as cláusulas que alterem a
distribuição legal do risco, em nome da protecção da parte fraca (consumidor – pessoa singular)
contra a parte forte (empresário), pois “entre o fraco e o forte é a lei que liberta e a liberdade que
oprime”(Lacordaire). Já nas relações entre empresários ou profissionais, o legislador continua a
respeitar a autonomia da vontade das partes, supostamente iguais para, querendo, procederem à
distribuição do risco próprio do contrato como lhes aprouver, alterando a regra legal do risco.
Tudo isto a significar que a regra (legal ou contratual) do risco goza de primado sobre o regime
da alteração das circunstâncias conforme é de resto reconhecido na jurisprudência19 e na doutrina20.
6. Inexistência de anormalidade da alteração das circunstâncias
I- A alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar para ser
relevante tem de ser anormal.
19 No sentido da prevalência do art. 796º sobre o art. 437º, ambos do Código Civil, vide, entre outros, o Acórdão do
Supremo Tribunal da Justiça de 10 de Dezembro de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 412, p. 460.
20 Cfr. Vasco Lobo Xavier, Alteração das circunstâncias e risco (arts. 437 e 796 do Código Civil), in Colectânea de
Jurisprudência”, Ano VIII (1983), p. 22; Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed. (com a colaboração de
A. Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra, 2005, p. 612; António Menezes Cordeiro, Tratado, ob cit.: “o
próprio art. 437/1 do Código Civil (…) tem natureza supletiva, intervindo, apenas, quando as partes não tenham
acordado num regime alternativo (…) E por fim, o próprio regime do risco pode ser definido, directa ou
indirectamente, pelas partes” (pág.300); “ a ideia da lei é outra: trata-se de conferir, ao dispositivo do art. 437/1,
natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco (p. 325); Almeida Costa, Direito das Obrigações,
cit, p. 341: “É possível aos contraentes afastar ou limitar a aplicação do art. 437º, assumindo riscos maiores”, Pedro
Paes Vasconcelos, Teoria Geral, cit, p. 318: “na concretização do regime jurídico da alteração das circunstâncias,
assume uma particular importância o discernimento do plano do risco do contrato (…). Se o contrato contiver uma
disciplina própria da distribuição do risco da realização, será de acordo com ele que o caso deve ser resolvido”;
Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit, p. 137: “A alteração das circunstâncias se apresenta como subsidiária
em relação às regras da distribuição do risco, cessando a sua aplicação sempre que exista uma regra que atribua
aquele risco a alguma das partes”.
197
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
Quer isto dizer que as circunstâncias basilares e essenciais para as partes contratarem são
objectivas e bilaterais, tidas como continuando no futuro durante a execução do contrato.
Pelo que, se na alteração das circunstâncias a base do negócio é bilateral ou comum às partes –
representação comum, ou representação unilateral notória ou conhecida da outra parte –, é
necessário que a cliente prove ter sido fundamento do swap a circunstância de a Euribor não descer
abaixo do limite mínimo nele convencionado, como veio a verificar-se.
II - Não feita esta prova da modificação da base negocial objectiva e bilateral, não se vê como
possa o cliente beneficiar do regime da alteração das circunstâncias. Tanto mais quanto do contrato
resulta expressamente o contrário: o cliente pagar a taxa fixa convencionada caso a Euribor desça
para níveis inferiores à barreira estabelecida, uma vez que, diferentemente do “cap” previsto, as
partes não estabeleceram nenhum “floor”, abaixo do qual não haveria cobertura, valendo, por isso, o
natural “floor” de 0%. Ou seja, mesmo que a Euribor baixe para 0,1%, não fica o cliente liberado do
dever de cumprir o contrato, pagando a taxa fixa convencionada: afinal, o cliente aceitou o cenário
de descida da Euribor para níveis inferiores ao limite mais baixo estipulado no swap.
Consequentemente, a base negocial objectiva terá sido mesmo e expressamente subjectivada:
acordado pelas duas partes que o swap valeria mesmo que a Euribor descesse abaixo do valor
mínimo nele estipulado, sem “floor”. Como tal, o cliente não pode deixar de pagar a taxa fixa, dada a
não estipulação de um “rate floor” – logo, as partes continuarão vinculadas a pagar as
correspondentes taxas, o banco a taxa variável e o cliente a taxa fixa, pois este sabia que, pelos
próprios termos do contrato, ficaria obrigado a pagar a taxa fixada no cenário de descida da Euribor
até 0% (floor natural), na falta de um “rate floor” convencionado. Foi, pois, um risco assumido
expressamente o da descida para níveis inferiores ao limite mais baixo previsto no contrato, numa
repartição convencionada do risco pela vontade das partes a afastar de per si a aplicação do art. 437º
do Código Civil, com influência natural numa mais baixa taxa fixa por elas acordada.
III- Onde está, por conseguinte, a alteração “das circunstâncias em que as partes fundaram a
decisão de contratar”, se a descida da Euribor foi expressamente representada no programa do
swap, numa acordada repartição do risco da oscilação desse indexante reflectida na taxa fixa
estipulada: se o cliente tivesse comprado um rate floor, por exemplo 1% ou 2%, certamente a taxa
fixa a que se obrigaria seria também mais elevada; ter aceitado correr esse risco de descida sem rate
floor teve como contrapartida uma taxa fixa mais moderada.
Já ao ter estipulado um “rate cap”, o cliente correu o risco de a sua dívida subjacente ficar sem
cobertura, e pagaria muito caro os juros dos empréstimos correspondentes. Se esse cenário tivesse
198
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
ocorrido, o cliente estaria a ser acusado de má gestão, por falta de cobertura do risco da subida da
Euribor acima do “cap”.
Diferentemente, mas simultaneamente, com a descida da Euribor, o cliente pagará taxas de juro
baixíssimas pelos empréstimos subjacentes contraídos a taxa de juro variável (Euribor mais um
“spread”, ao tempo um “spread” muito baixo), contrabalançando a taxa fixa que paga no contrato de
cobertura do risco da subida da Euribor e da qual beneficiou enquanto esse indexante se manteve
acima da taxa fixa estipulada.
E nem pode dar-se um salto, que seria um salto mortal: transformação num “rate floor” de uma
previsão negocial expressa da possibilidade de a Euribor descer abaixo do limite acordado.
IV- Acresce que numa economia de mercado – lugar de encontro da oferta e da procura –, como
é a economia capitalista, a subida e a descida da taxa de juros são o pão nosso de cada dia. E as crises
docapitalismo são sistemáticas e sistémicas, com ciclos económicos de contracção (stop) e expansão
(go).
Nos ciclos de contracção da economia, com destruição de riqueza e desemprego em massa, os
governos e os Bancos Centrais usam a política monetária em ordem a aumentar o investimento e o
consumo, baixando as taxas de juro para favorecer o crédito e relançar a economia; nos ciclos de
expansão e sobreaquecimento da economia, sobem as taxas de juro e dificultam o crédito, para
controlar a inflação e prevenir a hiperinflacção.
Não são, pois, de todo imprevisíveis as crises financeiras, dada a sua natureza cíclica na dinâmica
do capitalismo, sendo visível o encurtamento dos ciclos nos últimos anos, com recessões sucessivas:
nos EUA em Outubro de 1987 (a Ney York Stock Exchange caiu numa segunda feira negra cerca de
22%, mais do que em 1929); na Asia em 1997 (crise financeira asiática); na União Europeia em
2001/02; nos EUA em 2002/03.
V - Não sendo, pois, de todo imprevisível, poder-se-á dizer anormal a descida da taxa de juros
depois do sub-prime ocorrido em Agosto de 2007 nos EUA?
Cremos que não.
Recorde-se, em primeiro lugar, que o Banco Central (FED) dos EUA manteve durante anos a taxa
de referência a 0,5%. Equivale a dizer que a FED adoptou uma política expansionista, com um “boom
de crédito fácil e barato” que viria a gerar a “bolha imobiliária” (subida desenfreada do preço das
casas) rebentada no Verão de 2007. E nessa política expansionista de crédito fácil, em 23 de Junho de
2004 a taxa de juro Libor do Dólar norteamericano era de 1,01%. Libor que em 14 de Abril de 1989
era de 10,625% — uma variação de 951%!!! E a correspondente ao Euro (Euribor) – taxa
interbancária que só existe desde a criação do euro em 1999 – também tem sofrido oscilações
199
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
significativas: 5,202% em 31 de Outubro de 2000; 2,094% em 24 de Julho de 2003; 5,448% em 9 de
Outubro de 2008.
Repare-se bem: a oscilação da Euribor a 3 meses na sua pequena história de vida, apresenta
volatilidade significativa (cerca de 3,4% de 24 de Julho de 2003 para 9 de Outubro de 2008, um ano
depois da crise do subprime). Não pode, pois, ter-se por anormal e imprevisível a descida da Euribor
verificada desde 9 de Outubro de 2008, olhando à experiência da Libor – 1,01% em 24 de Junho de
2004, sem crise financeira global.
VI- Num juízo de prognose póstuma, não era de todo imprevisível a descida da Euribor
verificada, como não é imprevisível, agora numa prognose prévia, que os juros irão subir a começar
pelos EUA: a FED, com a saída da crise da economia norte-americana, já começou a retirar estímulos
que vinham sendo injectados na economia (quantitative easings), a par da taxa de referência de
juros mínima de 0%, sendo normal e previsível seguir-se uma outra fase de política monetária de
subida dos juros e da Libor. O Banco da Inglaterra veio já este mês (Setembro de 2014) admitir a
subida da taxa de juros no ano de 2015…
E se a já despontada crise dos países emergentes se acentuar nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul), com desvalorização acentuada das correspondentes moedas, o regresso dos
capitais aos EUA e à Europa acelerar-se-á.
Não se poderá também depois vir dizer que não era previsível a subida dos juros e dos
indexantes conhecidos como a Libor e a Euribor. Correr-se-á mesmo o risco de, nesse cenário
antecipável, poder vir a ser considerado um mau negócio a “resolução” de swaps com fundamento na
descida da Euribor. É que, sendo por natureza um contrato aleatório, só no fim da duração de um
swap contratado se apurará quem e quanto ganhou ou perdeu.
7. Ausência de lesão enorme, atentatória da boa-fé
I- Compreendido o swap de juros na sua essência e razão de ser – cobertura de risco da
oscilação da taxa de juro —, não se verificará um outro requisito ou pressuposto da alteração das
circunstâncias: a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada afectar gravemente os
princípios da boa-fé (art. 437º, n.º1, do Código Civil).
Não se vê, com efeito, onde esteja a lesão sofrida pelo cliente, muito menos uma lesão grave e
intolerável pelos ditames da boa-fé em sentido objectivo, em termos de desequilíbrio vultoso e
desrazoável de prestação e contraprestação.
Para demonstração fácil de falta de lesão, muito menos de lesão grave e atentatória da boa-fé,
na exigência de pagamento da taxa fixada, também é importante ter em conta a situação real em
200
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
que os clientes se encontravam aquando da conclusão dos swaps. Pense-se, por exemplo, na
situação real de empresas excessivamente endividadas, com falta gritante de capitais próprios.
Nesta envolvente, o recurso aos swaps de juros era o reverso da alavancagem excessiva a que as
empresas lançavam mão, enquanto instrumentos de cobertura de riscos da taxa de juro dos mútuos
subjacentes e correspondente optimização de custos de financiamento bancário: a taxa fixa a que se
vinculavam nos swaps por troca com a taxa variável era inferior à Euribor na conclusão desses
contratos aleatórios e inferior à expectável evolução futura dos juros no mercado. Obviamente, esse
objectivo de optimização dos custos do financiamento implicava a contrapartida de assunção de um
risco – o risco de, contrariamente às suas expectativas, a Euribor vir a baixar e pagarem a taxa fixa a
que se obrigavam.
Só que, a consumar-se esse risco de descida da Euribor, o prejuízo decorrente da obrigação de
pagar a taxa fixa no contrato de cobertura seria compensado por benefício idêntico no mútuo
subjacente de taxa variável coberto pelo swap. Com a Euribor que recebe do Banco a ser aplicada
pelo cliente no pagamento ao mutuante. A significar que o swap permitiu às empresas estabilizarem
os custos financeiros dos empréstimos a taxa variável por elas contraídos junto da banca, como se
esses investimentos tivessem sido obtidos ab initio a taxa fixa. Por conseguinte, a lesão que as
empresas alegam ter sofrido é igual à que teriam se os mútuos fossem a taxa fixa — taxa contratada
para protecção dos mutuários contra variações do indexante (Euribor/Libor).
II – Contraídos empréstimos a taxa variável, o swap de cobertura a taxa fixa desses subjacentes
permitiu às empresas estabilizarem os encargos financeiros desses mútuos, na medida em que em
circunstância alguma pagariam aos mutuantes mais do que a taxa fixada ne varietur e receberiam
juros à taxa Euribor do banco contraparte que empregariam no pagamento dos empréstimos
subjacentes.
Desta sorte, visto o swap como contrato de cobertura dos empréstimos subjacentes, não é
exacto que os clientes sofram um prejuízo grave atentatória da boa-fé, para efeitos da alteração
anormal das circunstâncias (art. 437º, n.º1, do Código Civil).
8. A árvore (swap) e a floresta (actividade bancária)
I- Os tribunais, ao apreciarem um swap, não podem deixar de ver a floresta: swap da cobertura
de empréstimos a taxa variável por taxa fixa; swaps de cobertura de empréstimos a taxa fixa por taxa
variável, etc, ganhando nuns e perdendo noutros.
Pelo que se, como sucede no caso de acórdão em apreço, ao cliente for reconhecido
judicialmente a resolução do contrato por alteração das circunstâncias, o mesmo direito há-de ser
201
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
reconhecido desta feita aos bancos nos swaps em que estão obrigados a pagar a taxa fixa por troca
com taxa variável.
E num swap entre o banco e o cliente que tenha subjacente um mútuo entre eles celebrado, a
mesma alteração das circunstâncias (descida acentuada da Euribor) atinge os dois contratos – logo,
se o cliente puder resolver o contrato swap (por nele estar a perder muito, pagando a taxa fixa), o
mesmo direito deveria ser reconhecido ao banco no mútuo por nele estar a perder, recebendo um
juro variável muito baixo, enquanto o mutuário sai significativamente beneficiado. A pôr a nu que o
cliente, com a mesma alteração das circunstâncias, ganha numa relação e perde na outra. Mas quer
(o cliente) agora, através do art. 437º do Código Civil, eliminar as perdas (no swap) mantendo os
ganhos (no mútuo), jogando em dois carrinhos… sem ética e sem estética, desnaturando o contrato
de swap no seu sentido e fim ou razão de ser, em ordem a globalmente obter vantagem injustificada.
Tanto mais inestético quanto do swap tenha (o cliente) tirado proveito durante algum tempo,
elogiando-se a sua celebração … como meio de optimizar o custo do financiamento…
II- É que a indústria financeira tem um lato âmbito de actividade, não podendo, pois, verse a
árvore fora da floresta imensa que é a economia financeira.
Basta pensar no seguinte: se os clientes conseguirem resolver os contratos de swap a pretexto
da alteração anormal das circunstâncias em que se consubstanciaria a descida da Euribor, a mesma
descida da Euribor haveria de valer desta vez em benefício dos bancos nos créditos à habitação a taxa
variável (Euribor com um spread reduzido) concedidos a 30/40 anos: depressa pululariam as acções a
intentar pelos bancos contra os milhares ou milhões de cidadãos, a pretexto de a descida da Euribor
constituir uma alteração anormal das circunstâncias. O mesmo se diga nos depósitos a longo prazo
(mais de cinco anos) a taxa de juro fixa a pagar pelos bancos, nos leasings a taxa de juro variável a
pagar pelo locatário, etc, etc.
É que, historicamente, os juros dos depósitos pagos pelos bancos eram abaixo da Euribor, a
permitir conceder crédito (designadamente à habitação) à taxa Euribor com um spread
relativamente pequeno, mas suficiente para pagarem o custo do seu financiamento via captação de
depósitos, o risco de incumprimento, custos administrativos e retorno do capital investido.
Com a crise financeira, rarefacção de liquidez e baixa apreciável da Euribor, houve uma subida
muito significativa dos juros dos depósitos captados pelos bancos – juros que chegaram a ser dez
vezes o valor da Euribor. Muito gostariam os bancos de compensar o encarecimento do custo dos
depósitos que estão a financiar os créditos à habitação a 30/40 anos, resolvendo os contratos por
alteração das circunstâncias ou modificando-os por forma que os mutuários pagassem spreads muito
superiores aos acordados. A que acresce a desvalorização das casas dadas em hipoteca e o aumento
202
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
significativo de fundos próprios para o risco de crédito e melhoramento do rácio de solvabilidade,
abrangendo todos os créditos no balanço ainda que concedidos no passado…
III- Tem, pois, de ser vista como normal e previsível – e não anormal e imprevisível – a
volatilidade dos juros no capitalismo, com a indústria do dinheiro a ganhar numas operações e a
perder noutras, conforme o acerto ou o desacerto das expectativas da evolução das taxas
interbancárias (Euribor; Libor), vale dizer, das taxas de juro praticadas pelos bancos nos
financiamentos que concedem entre eles.
Nem a subida nem a descida da Euribor representará, pois, uma alteração com que os
contraentes não tenham contado ou não pudessem contar. Tanto nos contratos de financiamento
(designadamente, crédito à habitação) a taxa fixa como nos swaps de taxa fixa a pagar pelo cliente,
ambas as partes estão conscientes e aceitam tal risco, da flutuação da Euribor, risco típico (normal)
desses contratos a que as duas se sujeitam e ao qual nenhuma delas poderá eximir-se.
De facto, não se entenderia como no swap poderia o cliente, pelo apelo à boa-fé, resolver o
contrato, e não o pudesse fazer no mútuo habitação. Com a consequência de, na situação inversa, ao
financiador dever ser reconhecido o mesmo direito.
Ora, a variação da Euribor não só foi prevista pelas partes como é razoavelmente previsível para
ambas, entrando na álea normal do contrato (tanto do empréstimo como do swap), no sentido de
para ambas a maior ou menor vantagem (“lucro”) do contrato ficar dependente do sentido da
oscilação do indexante, risco típico que ambas conscientemente aceitaram correr.
Repara-se, por exemplo, que, logo no momento inicial da escolha de um financiamento a taxa
fixa, o mutuário aceita não beneficiar da eventual redução de juros na sequência da redução do
indexante, pelo que não se divisa como possa vir alegar falta de previsão dessa eventualidade para
efeitos do art. 437º do Código Civil.
Ou seja, o risco da flutuação da Euribor distribuído no contrato pela vontade das partes não
deve vir a ser redistribuído diferentemente e pesar (só ou principalmente) sobre o financiador
(mutuante) ou intermediário (no swap): numa análise dos riscos conexos ao exercício da actividade
bancária em mercado concorrencial, os lucros de umas operações permitem ao intermediário
financeiro compensar as perdas de outras e diversas operações, bem como de eventuais insolvências
de alguns (poucos? muitos?) dos seus contraentes.
E o mesmo se diga para os financiados, no paradigma do bonus paterfamilias, do agente
medianamente racional e sagaz: no momento em que escolhe um financiamento (ou um swap)
aceita também os riscos típicos ou normais dessa modalidade escolhida. Não pode é querer,
simultaneamente, sol na eira e chuva no nabal…
203
Contratos Bancários e Alteração das Circunstâncias
Racionalmente, o agente económico que contrai um financiamento a taxa variável sabe (deve
saber ou não pode deixar de saber) que a mesma vale para os dois lados, em benefício próprio se a
Euribor vier a descer, em benefício do financiador (ou “segurador” do risco no swap) se a Euribor vier
a aumentar.
Diferentemente, se o agente económico opta por um financiamento a taxa fixa, em que o
financiador assume o risco do aumento da taxa Euribor e o financiado o risco da sua redução.
Permitir alterar a distribuição do risco contratada, sujeitando o financiador ao risco de Euribor
ascendente sem poder aproveitar de Euribor descendente, teria ainda o efeito pernicioso de
desincentivar empréstimos plurianuais a taxa fixa — é este, por exemplo, o modelo predominante de
crédito à habitação nos EUA —, desejados por pessoas que dispõe de rendimentos fixos e que, por
terem réditos fixos, não querem correr o risco de um aumento de juros que, a consumar-se, se
revelaria para elas ruinoso.
Coimbra, Setembro de 2014
João Calvão da Silva
Problemas de visualização
Cartas de Conforto
[Manuel Carneiro da Frada]
207
Cartas de Conforto
Sumário:
1. Cartas de conforto; noção e funções.
2. Traços gerais da problemática jurídica das cartas de conforto.
3. A relevância jurídica das cartas de conforto; vinculações e informações.
4. Cartas de conforto e os limites da teoria do negócio.
5. A questão do tipo de negócio (contratualidade vs. unilateralidade, mandato de
crédito, garantias atípicas, promessa de facto de terceiro, etc.).
6. As informações na carta de conforto: a tutela anulatória (erro, dolo, falta de base
negocial).
7. (cont.) Parâmetros da responsabilidade por informações: o art. 485, os danos
patrimoniais puros e as insuficiências da tutela aquiliana.
8. A culpa in contrahendo de terceiro.
9. (cont.) Alargamento: deveres posteriores à celebração do contrato a cargo de
terceiro nas ligações especiais.
10. Os comprometimentos não negociais; a responsabilidade "pura" pela confiança, e,
em especial, o quadrante do venire.
Bibliografia:
Carneiro da Frada, Manuel - Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra,
2003.
Carneiro da Frada, Manuel – Uma «Terceira Via» no Direito da Responsabilidade
Civil?/O problema da imputação dos danos causados a terceiros por auditores de
sociedades, Coimbra, 1997.
Outras indicações:
Cordeiro, António Menezes – Das cartas de conforto no direito bancário, Lisboa, 1993.
Gomes, Manuel Januário da Costa – Assunção Fidejussória de Dívida/Sobre o sentido e o
alcance da vinculação como fiador, Coimbra, 2000, 405 ss.
Monteiro, António Pinto (com a col. Júlio Gomes) – Sobre as cartas de conforto na
concessão de crédito, in Ab Uno Ad Omnes/75 anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998,
413 ss.
Silva, João Calvão da – Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Coimbra, 1999, 369 ss.
208
Cartas de conforto
Problemas de visualização
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
[Margarida Lima Rego]
211
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
Sumário:
Garantias bancárias: acessoriedade e autonomia.
O direito dos seguros: limites à autonomia privada na configuração de seguros de
crédito e caução.
O seguro-caução com uma cláusula «à primeira solicitação»: uma garantia acessória
ou autónoma?
Bibliografia:
ALMEIDA, C. Ferreira de – Contratos III. Contratos de liberalidade, de cooperação
e de risco, 2.ª ed., Almedina, 2013.
CARAMELO, A. Sampaio – «A garantia bancária à primeira solicitação – sua
autonomia e instrumentalidade. Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 5 de Junho de 2003» em (2003) 54 RDES 87-137.
GOMES, M. Januário C. – «A fiança no quadro das garantias pessoais. Aspetos de
regime» e «A chamada “fiança ao primeiro pedido”» em Estudos de direito das
garantias, I, Almedina, 2004, pp. 8-48 e 139-184.
JARDIM, Mónica – A garantia autónoma, Almedina, 2002.
LEITÃO, L. Menezes, Garantias das obrigações, 4.ª ed., Almedina, 2012.
REGO, Margarida Lima – «Os seguros e o incumprimento dos contratos» em A
crise e o direito, Almedina, 2013, pp. 239-246.
SIMÃO, J. Carita – «O contrato de seguro-caução: contributo para um estudo do
seu regime legal e compreensão da sua natureza jurídica» (2013) 145 O Direito,
677-709.
VASCONCELOS, L. Pestana de – «O seguro financeiro na reforma do direito dos
seguros» (2009) 6 RFDUP, 361-389.
Legislação:
Código Civil
Lei do Contrato de Seguro (aprovada pelo DL n.º 72/2008);
Lei dos Seguros Financeiros (DL n.º 183/88, com alterações).
213
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
Garantias bancárias e seguros de crédito e caução
Margarida Lima Rego*
1. Garantias bancárias: acessoriedade e autonomia.
Venho aqui hoje falar de garantias bancárias, em especial da fiança bancária e da
garantia bancária autónoma, e da sua relação com os seguros de crédito e caução. Também os
seguros de crédito e os seguros-cauções são garantias pessoais: todas estas figuras se destinam
a garantir o cumprimento de obrigações, embora o façam de modo diferente.
A fiança é o paradigma das garantias pessoais acessórias. Por efeito da fiança, o fiador,
terceiro na relação entre o credor e o devedor de uma obrigação principal, vê constituir-se na
sua esfera uma outra obrigação, vinculando-se a responder total ou parcialmente pela
primeira, fazendo acrescer a sua responsabilidade patrimonial à responsabilidade patrimonial
do devedor principal. A fiança bancária é uma fiança que apenas tem de especial a
circunstância de o fiador ser um banco. Essa sua qualidade também confere à fiança bancária a
natureza de ato de comércio, sendo-lhe aplicável a regra supletiva da solidariedade entre o
devedor e o fiador, que afasta o benefício da excussão prévia.1
A fiança pode ser prestada sem o consentimento do devedor, ou sequer o seu
conhecimento.2 Contudo, uma fiança bancária costuma ter na génese um contrato entre o
banco e o devedor, seu cliente. Tipicamente, este contrato pode qualificar-se como um
contrato a favor de terceiro, adquirindo o credor a qualidade de beneficiário desta garantia
sem necessidade de aceitação.3 No entanto, a fiança propriamente dita só se completa
mediante uma declaração unilateral do banco fiador dirigida ao credor da obrigação principal,
que deve ser expressa.4 É em virtude desta declaração que este credor se torna também credor
da fiança bancária, embora possa afirmar-se que esta vai buscar a sua força à estrutural
contratual em que se integra, não gozando da autonomia de um negócio unilateral.
Característica absolutamente nuclear da fiança é a sua acessoriedade. Curiosamente,
esta é uma característica cujo alcance exato não se retira com facilidade do conjunto dos
* Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Advogada. Este texto corresponde à
versão escrita do essencial da minha comunicação na Ação de formação contínua em Direito Bancário, que
teve lugar em 21 de fevereiro de 2014 no Centro de Estudos Judiciários. Dirijo ao Doutor Pedro Caetano
Nunes o meu agradecimento pelo gentil convite que me dirigiu.
1 Art. 101.º CCom.
2 Art. 628.º/2 CC.
3 Art. 444.º/1 CC.
4 Art. 628.º/1 CC.
214
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
preceitos que o nosso Código Civil dedica à fiança.5 A fazer fé na letra da lei, a obrigação do
fiador teria «o conteúdo da obrigação principal».6 Contudo, se a sua é uma obrigação acessória
da obrigação principal, dir-se-á que nalguma medida essa qualidade afastá-la-á da obrigação
principal – ou seja, que as obrigações não poderão ter, em todos os aspetos, o mesmo
conteúdo, porque a obrigação do fiador não se vence em simultâneo com a obrigação principal.
Trata-se, com efeito, de uma obrigação eventual: o seu vencimento, i.e. o momento a partir do
qual a prestação pode ser exigida ao fiador, coincide com o incumprimento da obrigação
principal.7 Nesse momento, o fiador não só deve prestar como responde também pelas
consequências do incumprimento da obrigação principal, devendo indemnizar.8
O que determina o vencimento da obrigação do fiador é algo de eminentemente
jurídico: a conclusão de que a obrigação se venceu é uma questão de direito e já não uma
questão de facto, assentando inexoravelmente num juízo de verificação dos pressupostos do
incumprimento da obrigação principal. O critério para a distinção entre as garantias acessórias
e as garantias autónomas decorre da natureza do fator que desencadeia a obrigação do
garante: na fiança, é preciso que ocorram certos factos e que esses factos sejam qualificados
como incumprimento da obrigação principal; numa garantia autónoma, os factos relevantes
podem ser os mesmos, mas não é necessário formular um juízo, com base nesses factos, de
que houve incumprimento da obrigação principal. De resto, a acessoriedade, como a
autonomia, podem apresentar-se em diversos graus, não sendo esta uma classificação
dicotómica.
Com a acessoriedade não se confunde a subsidiariedade da fiança. Esta reconduz-se à
faculdade de o fiador invocar o benefício de excussão prévia9 – benefício que integra o regime
supletivo da fiança civil, mas não o da bancária, que resulta de um ato de comércio e, por isso,
tem o regime supletivo constante do Código Comercial.10 Como bem se vê, a existência do
benefício de excussão prévia não é essencial à fiança. O fiador pode a ele renunciar, mesmo na
fiança civil, aquando da sua constituição. Se além deste benefício o fiador renunciar também
ao benefício da divisão,11 usa dizer-se que assumiu a «obrigação de principal pagador».12 É a
5 Os arts. 627.º a 654.º CC. Há referência expressa à acessoriedade da obrigação do fiador no art. 627.º/2 CC.
6 Art. 634.º CC.
7 Di-lo com clareza C. FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III. Contratos de liberalidade, de cooperação e de risco, 2.ª
ed., Almedina, 2013, p. 197.
8 Art. 634.º CC.
9 Arts. 638.º a 640.º CC.
10 Art. 101.º CCom.
11 Art. 649.º CC.
12 Art. 640.º/a) CC.
215
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
chamada «fiança solidária», que se opõe à fiança simples. A solidariedade é aqui imperfeita,
pois só se revela depois do incumprimento da obrigação principal. Em qualquer dos casos,
mantém-se a acessoriedade da fiança.
A acessoriedade significa ainda que a obrigação do fiador se apresenta na dependência
estrutural e funcional da obrigação principal: a fiança segue a forma da obrigação principal;13 a
sua validade depende da validade da obrigação principal;14 o seu conteúdo molda-se no da
obrigação principal, não podendo excedê-lo, nem a fiança pode ser contraída em condições
mais onerosas, embora a obrigação acessória possa ser menos abrangente do que a obrigação
principal;15 o fiador pode opor ao beneficiário os meios de defesa do devedor principal – um
dos aspetos de regime mais distintivos das garantias acessórias, porque esta oponibilidade não
existe, por definição, nas garantias autónomas;16 e a extinção da obrigação principal acarreta a
extinção da fiança.17
Passemos à garantia bancária autónoma. Remontando a sua origem ao ordenamento
jurídico anglo-saxónico, esta figura ainda se conta, no nosso ordenamento jurídico, entre as
figuras socialmente típicas mas legalmente atípicas, embora já goze de sólida consagração na
doutrina e na jurisprudência. Em todo o caso, cumpre referir a relevância, mormente por força
dos usos, de alguns textos formalmente não vigentes em Portugal.18
O contrato de garantia autónoma pode definir-se como o contrato em que alguém – o
garante – assume perante outrem – o beneficiário – o risco de verificação de um determinado
resultado, positivo ou negativo, obrigando-se ao pagamento de uma prestação em caso,
respetivamente, de verificação ou não verificação desse resultado.19 O resultado pode ou não
relacionar-se com o cumprimento de uma obrigação de um terceiro perante o beneficiário.
Naturalmente, apenas nos casos em que assim seja estaremos perante uma garantia
especial das obrigações.
À semelhança do que sucede com a fiança bancária, o contrato de garantia bancária
autónoma é tipicamente celebrado entre um banco e um cliente, ordenador da garantia. A
13 Art. 631.º/2 CC.
14 Art. 632.º/1 CC (mas cfr. o n.º 2, de onde se retira que se o fiador conhecia a causa de anulabilidade a
fiança vale também como garantia de que o ato não será anulado, mantendo-se válida se o for).
15 Art. 631.º/1 CC.
16 Art. 637.º CC.
17 Art. 651.º CC.
18 Cfr. as Regras Uniformes Sobre Garantias a Pedido da Câmara do Comércio Internacional (n.º 758) e a
Convenção das Nações Unidas sobre Garantias Independentes e Cartas de Crédito (Nova Iorque, 11 de
dezembro de 1995).
19 Cfr. M. LIMA REGO, Contrato de seguro e terceiros, Estudo de direito civil, Coimbra, 2010, pp. 428-449.
216
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
prestação convencionada também reverte a favor de um terceiro – habitualmente, um credor
do ordenador. Após a celebração deste contrato, é usual o banco emitir uma declaração
unilateral dirigida ao beneficiário, num processo muito similar ao antes descrito a propósito da
fiança bancária. Uma vez mais, este não é um negócio unilateral, porquanto os seus efeitos
jurídicos advêm, tipicamente, do contrato anteriormente celebrado entre o banco e o devedor,
que deverá qualificar-se como um contrato a favor de terceiro. A declaração unilateral que o
banco dirige ao beneficiário, credor da obrigação principal, corresponde a um ato de
comunicação dos termos do seu benefício. Não serão oponíveis aos beneficiários estipulações
do contrato que não constem dessa comunicação.
Para melhor distinguir a garantia autónoma de uma fiança partirei do exemplo de um
contrato de compra e venda internacional de mercadorias. A obrigação a garantir é, neste
exemplo, a de pagamento do preço. Sendo o vendedor beneficiário de uma fiança, só o
incumprimento pelo comprador da obrigação de pagamento do preço dará azo ao vencimento
da obrigação do fiador. Assim, num litígio em tribunal, haverá que alegar e provar os factos de
que resulte a conclusão de que o incumprimento se deu, sendo ainda oponíveis pelo fiador ao
beneficiário da fiança todas as exceções decorrentes da relação entre comprador e vendedor.
A falta de agilidade desta garantia foi abrindo a porta à garantia autónoma.
Como funciona uma garantia autónoma? Existem várias modalidades de garantia
autónoma, com graus variados de autonomia. O que as une entre si e as separa das acessórias
é a desnecessidade de se concluir, juridicamente, que houve um incumprimento da obrigação
principal enquanto fundamento da exigibilidade da prestação do garante.
Os factos que, nas garantias autónomas, desencadeiam a exigibilidade da prestação do
garante podem inclusive ser os mesmos que, numa garantia acessória, o beneficiário teria de
alegar e provar para fundamentar a sua conclusão de que houve incumprimento. Mas o
essencial é a desnecessidade deste último passo: a conclusão jurídica de que tais factos se
reconduzem ao incumprimento da obrigação garantida. Regressando ao exemplo de há pouco,
se o vendedor beneficiar de uma garantia autónoma, as partes até podem ter feito recair sobre
si o ónus de alegar e provar, designadamente, que o dinheiro não entrou até certa data em
determinada conta bancária. Mas não lhe será pedido que daí retire a conclusão de que,
juridicamente, esse facto configura o incumprimento da obrigação de pagar o preço.
Nem todas as garantias autónomas serão automáticas: nem a automaticidade implica a
autonomia, nem esta exige automaticidade, podendo existir garantias autónomas não
217
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
automáticas e fianças automáticas.20 Também não se confunde autonomia com abstração, pois
a garantia, ainda que autónoma, não dispensa a causa, embora esta possa não ser aparente. Já
a automaticidade pode ou não existir, dependendo da modalidade de garantia em causa.
As garantias automáticas ou à primeira solicitação são aquelas em que ao beneficiário
basta interpelar o garante, solicitando o pagamento da quantia em dívida e eventualmente
alegando a verificação do facto ou factos que desencadearam a exigibilidade da obrigação, sem
necessidade de a demonstrar. Já nas garantias a pedido documentado impende ainda sobre o
beneficiário o ónus de apresentar um ou mais documentos demonstrativos de um ou mais
factos, que poderão ou não coincidir com os que desencadearam a exigibilidade da obrigação –
por exemplo, o desalfandegamento da mercadoria no porto de chegada, que nada nos diz
sobre o incumprimento da obrigação de pagamento do preço, antes respeitando à realização
da contraprestação. Temos assim diversos graus possíveis de autonomia, mas verdadeiramente
automática é somente aquela que se basta com o pedido. A garantia automática é
naturalmente a mais desejada pelos agentes económicos, por ser de todas a mais ágil.21
Uma vez traçado o perfil da fiança bancária e da garantia bancária autónoma, importa
dar conta de que também se encontram no mercado exemplos de fiança bancária à primeira
solicitação. Atendendo ao que acima se disse sobre a cláusula à primeira solicitação, importa
agora compreender o alcance que esta cláusula terá no contexto de uma garantia acessória –
visto que este será necessariamente distinto do seu alcance no contexto de uma garantia
bancária autónoma.
Na interpretação de uma cláusula à primeira solicitação deverá ter-se em conta a
modalidade de garantia em que esta se enquadra. Se esta cláusula integrar as estipulações de
uma garantia autónoma, poderá ter um alcance verdadeiramente substancial, o que já não
sucede se surgir no contexto de uma garantia acessória, caso em que essa cláusula apenas
poderá ter um alcance meramente procedimental, porque o seu exercício não extinguiria, mas
tão só suspenderia os efeitos da acessoriedade.22 Porque a acessoriedade pressupõe a
oponibilidade, pelo garante ao beneficiário da garantia, dos meios de defesa do devedor
principal, neste contexto esta cláusula apenas pode ter por efeito o adiamento, para um
momento posterior ao pagamento, a discussão sobre se estariam reunidos os pressupostos, i.e.
20 Cfr., por todos, Januário GOMES, «A fiança no quadro das garantias pessoais. Aspetos de regime» e «A
chamada “fiança ao primeiro pedido», em Estudos de direito das garantias, I, Almedina, 2004, pp. 8-48 e
139-184.
21 Naturalmente, é também a que mais se presta a abusos, perante os quais haverá que lançar mão de
institutos como o enriquecimento sem causa. Cfr., sobre o tema, Miguel BASTOS, «A garantia autónoma “on
first demand” e recusa lícita da prestação pelo garante (algumas questões)», Wolters Kluwer Portugal, 2008.
22 Neste sentido, M. JARDIM, A garantia autónoma, Almedina, 2002, pp. 194-195.
218
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
se o devedor principal teria ou não incumprido a sua obrigação. Ou seja, esta cláusula não
poderá ter outro alcance que não o de uma cláusula de solve et repete: paga primeiro e
reclame mais tarde. Uma fiança à primeira solicitação, na medida em que o seja
verdadeiramente, permite ao beneficiário exigir, sem mais, o pagamento da quantia garantida,
mas não veda uma posterior reclamação com fundamento na não verificação do
incumprimento da obrigação principal. O direito de repetição do indevido, no caso da fiança,
será, pois, do garante, ao contrário do que sucederia no caso de uma garantia autónoma, em
que quem terá o direito à repetição será, em regra, o ordenador, que primeiro terá
reembolsado o garante.23
2. O direito dos seguros: limites à autonomia privada na configuração de seguros de
crédito e caução.
O que distingue os seguros de crédito e caução, muito brevemente, é a posição ocupada
pela contraparte do segurador, que no primeiro caso é o credor da obrigação principal e no
segundo caso é o seu devedor. Pretendo refletir em especial sobre o seguro-caução, pela sua
maior proximidade às figuras da fiança bancária e da garantia bancária autónoma.
Ao contrário do que poderia supor-se, atendendo à localização sistemática do regime de
prestação de caução consagrado nos arts. 623.º a 626.º do Código Civil, esta não corresponde a
uma garantia especial das obrigações, antes consistindo num regime geral. Caução, em sentido
estrito, é toda a garantia imposta ou autorizada por lei, decisão judicial ou negócio jurídico,
para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada. É
«uma segurança para obrigações incertas – incertas quer quanto à sua existência quer quanto
ao seu âmbito».24
Quando haja um dever de prestar caução, ou quando se autorize ao credor a sua
exigência, o cumprimento do dever ou da exigência faz-se por via de uma garantia especial.
Note-se que em qualquer dos casos a caução é uma imposição, pois só na perspetiva do credor
existe uma simples autorização: a lei não impõe a caução, autoriza o credor a impô-la. Em
geral, as garantias idóneas à satisfação de um dever de prestar caução serão quaisquer
garantias pessoais ou reais, no caso das cauções negociais ou judiciais, havendo menor
abertura quando estejam em causa cauções legais.25
23 Idem. Arts. 476.º e 477.º CC.
24 Paulo CUNHA, Da garantia nas obrigações, II, Lisboa 1938-1939, p. 6.
25 Arts. 623.º/1 e 624.º/1 CC.
219
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
Não é esta a figura que temos presente quando falamos em seguro-caução. Atentemos
no disposto no art. 162.º da Lei do Contrato de Seguro («LCS»):26
Por efeito do seguro-caução, o segurador obriga-se a indemnizar o segurado pelos
danos patrimoniais sofridos, em caso de falta de cumprimento ou de mora do tomador
do seguro, em obrigações cujo cumprimento possa ser assegurado por garantia
pessoal.
Ao contrário do que sucede na fiança, o garante não assume aqui o dever de prestar,
mas apenas o dever de indemnizar. No entanto, e porque o fiador também assume o dever de
indemnizar, e não apenas o de prestar, quando as obrigações são de natureza pecuniária as
diferenças entre ambos esfumam-se.
Com a transposição da Diretiva 73/239/CE, a lei passou a distinguir entre o seguro de
caução direta e indireta.27 A caução indireta é aquela que é prestada a um garante, e não
diretamente ao credor. Mais interessante é, contudo, a equiparação legal deste seguro a
outras garantias especiais das obrigações, entre as quais as garantias bancárias e a fiança,
dispondo-se que quando a lei as exija as entidades públicas não podem recusar a prestação de
um seguro-caução, devendo o seu regime «salvaguardar os direitos dos segurados nos precisos
termos da garantia substituída».28 Retira-se desta redação que «seguro-caução» seria afinal
uma designação bastante ampla e flexível, significando tão-só «garantia pessoal prestada por
segurador», podendo moldar-se à imagem de qualquer da garantia substituída, qualquer que
ela seja, embora com a precisão acima referida, de o garante assumir apenas o dever de
indemnizar e não o de prestar.
Chegando a este ponto, debruço-me agora sobre a questão que me levou a percorrer
todo este caminho: poderá o seguro-caução, ao abrigo da autonomia privada, assumir
indistintamente as vestes de uma garantia acessória ou de uma garantia autónoma, indo do
zero aos cem por cento na escala da autonomia, com a mesma flexibilidade que atualmente se
reconhece aos bancos, ou estará essa liberdade, ainda que em parte, coartada?
26 Aprovada pelo DL n.º 72/2008, de 16 de abril.
27 Art. 1.º/5 da Lei dos Seguros Financeiros (DL n.º 183/88, de 24 de maio, na sua versão atual( («LSF»); e art.
123.º/15) do Regime Geral das Empresas Seguradoras (DL n.º 94-B/98, de 17 de abril, na sua versão atual)
(«RGES»).
28 Art. 6.º/2 e 3 LSF. Nos casos em que a lei especial já contempla a hipótese da substituição, deve entender-
se que o seguro-caução, nesses casos, deverá moldar-se a um dos demais tipos permitidos nessa lei especial.
Veja-se, por exemplo, o disposto no art. 90.º/2 do Código dos Contratos Públicos (cujo modelo a seguir será,
ao que parece, o da garantia bancária).
220
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
A conclusão a que cheguei, e que em seguida me proponho brevemente fundamentar, é
a de que neste domínio deverá reconhecer-se aos seguradores a mesma flexibilidade que se
reconhece aos bancos na prestação de garantias pessoais.
Todo o contrato de seguro, em sentido próprio, deve servir o propósito de cobrir um
risco exógeno do segurado, anterior e independente do contrato. Não pode ser o contrato a
criar artificialmente esse risco. Sem este interesse do segurado na cobertura do seguro, no
plano da qualificação o contrato poderá nem sequer corresponder a um seguro. No plano da
admissibilidade, a falta de interesse do segurado na cobertura do seguro determina a sua
invalidade.29 O mesmo é dizer que o móbil da contratação de um seguro não pode ser de
natureza especulativa. Assim sendo, seria inválido um seguro-caução que não tivesse por fim
garantir o cumprimento de uma obrigação principal.
No entanto, verificando-se a existência de uma obrigação a garantir, haverá ainda que
determinar se a sua existência é condição necessária e suficiente de validade do seguro ou se,
além dessa verificação, se impõe ainda a estipulação de que o vencimento da obrigação do
segurador fique dependente da verificação do incumprimento da obrigação garantida, ou se o
requisito do interesse de seguro se satisfaz com a sua existência, prescindindo dessa ulterior
verificação. Se a resposta a esta pergunta for a primeira, a acessoriedade seria característica
essencial a todo o seguro-caução. Se for a segunda, necessário será concluir que a figura do
seguro caução admite pelo menos algum grau de autonomia em relação à obrigação a garantir.
Ora, diz-nos o princípio indemnizatório, próprio dos seguros de danos – e estes são
seguros de danos – que a prestação devida pelo segurador está «limitada ao dano decorrente
do sinistro até ao montante do capital seguro».30 A aplicar-se este princípio aos seguros em
apreço, necessário seria verificar se o incumprimento teria realmente ocorrido, pois sem este
não haveria dano a indemnizar. E a indemnização do segurador teria como limite o do dano
sofrido pelo credor com o incumprimento do devedor. No entanto, dá-se a circunstância de «o
princípio indemnizatório assentar basicamente na liberdade contratual, de modo supletivo».31
Ou seja, no domínio dos seguros de danos o princípio não se impõe aos contraentes, aplicando-
se apenas se e quando as partes o não afastarem. Assim, a conclusão a que chego é a de que
não há na nossa lei dos seguros nenhuma disposição que impeça o seguro-caução de assumir
os contornos de uma qualquer garantia pessoal, seja ela acessória ou autónoma.
Esta conclusão é reforçada pela indicação legal, de resto pouco rigorosa, de que no seguro-
caução se compreendem «o seguro de caução direta e indireta e ainda o seguro de fiança e o
29 Art. 43.º/1 e 110.º/1 LCS.
30 Art. 128.º LCS. Cfr. ainda o art. 131.º LCS (sobre o cálculo da indemnização).
31 Preâmbulo da LCS (V). Cfr. ainda o art. 11.º LCS.
221
Garantias Bancárias e Seguros de Crédito e Caução
seguro de aval».32 A redação é pouco conseguida, na medida em que aparenta tomar a caução
por uma garantia especial, ao lado das outras que nela são nomeadas, mas dela se retira com
segurança a ideia de que o seguro-caução é uma figura ampla que comporta diversos
conteúdos possíveis.33
Em face do exposto, necessário será concluir que, quando temos entre mãos um seguro-
caução, haverá que interpretá-lo com cuidado para perceber exatamente que garantia pessoal
estará ali em causa, não bastando concluir que é um seguro-caução, pois daí não retiramos
grandes conclusões quanto aos direitos e deveres do segurador, do tomador e do segurado,
beneficiário da garantia.
3. O seguro-caução com uma cláusula «à primeira solicitação»: uma garantia acessória
ou autónoma?
Por fim, resta concluir que no seguro-caução a cláusula à primeira solicitação pode ter
um alcance substancial ou meramente procedimental, sendo esta uma questão de
interpretação. Se o seguro-caução em causa corresponde a uma garantia acessória, seguindo o
paradigma da fiança, essa cláusula terá o sentido de uma cláusula de solve et repete, ou seja,
de paga primeiro e reclama mais tarde, mas terá necessariamente de permitir uma reclamação
com fundamento na não verificação do incumprimento da obrigação principal, pois de
contrário haveria autonomia e não acessoriedade desta garantia pessoal em relação à
obrigação principal. Já no caso de um seguro-caução autónomo, a cláusula à primeira
solicitação terá, em regra, natureza substantiva, impedindo qualquer reclamação com base nos
meios de defesa do devedor principal, antes ou depois de feito o pagamento.
32 Art. 1.º/5 LSF.
33 No mesmo erro de base incorre a redação do art. 6.º/1 LSF (na referência às «obrigações que, por lei ou
convenção, sejam suscetíveis de caução, fiança ou aval»).
Problemas de visualização
1 O Centro de Estudos Judiciários agradece e sublinha a disponibilidade manifestada pelo Gabinete dos
Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça - Assessoria Cível na atualização destes Sumários até
Dezembro de 2014 (uma vez que o trabalho inicial havia sido feito até à data da realização da Ação de
Formação, em fevereiro de 2014).
PARTE II – JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA1
225
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Conta bancária Depósito bancário
Responsabilidade bancária Instituição bancária
Cheque
Apresentação a pagamento Dever de diligência
Dever de informação Inversão do ónus da prova
Estatui o art. 3.º, n.º 2, do DL n.º 313/93, de 15-09
(posteriormente revogado pela Lei n.º 11/2004,
de 27-02, e pela Lei n.º 25/2008, de 05-06), que
transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva
do Conselho n.º 91/308/CEE – relativa à
prevenção da utilização do sistema financeiro
para efeitos de branqueamento de capitais –, a
obrigação das entidades financeiras exigirem
identificação sempre que efectuem transacções
ocasionais cujo montante, isoladamente ou em
conjunto, atinja os 2 500 000$00.
Está abrangida neste dever de identificação, em
virtude de interpretação conforme à Directiva, a
apresentação de cheques a pagamento e o
subsequente débito das quantias respectivas;
com efeito, mal se compreenderia que, numa
instituição de crédito, se “perdesse o rasto” a dois
cheques, no montante de 25 000 0000$00 cada, e
que duma conta bancária, do emitente dos
mesmos, se levantassem as quantias por ele
tituladas, sem se saber que os apresentou a
pagamento e quem recebeu as mesmas.
Não tendo a ré – instituição bancária – elementos
sobre o destino do dinheiro, ficaram os autores
impossibilitados de fazer prova sobre o destino do
dinheiro dos cheques, razão pela qual se deve
considerar invertido o ónus da prova, nos termos
do disposto no art. 344.º, n.º 2, do CC, razão pela
qual caberia à ré prova os factos que integrassem
a licitude do levantamento do dinheiro,
justificando o débito que teve lugar na conta dos
autores.
13-11-2014
Revista n.º 653/04.0TBRMR.L1.S1 - 2.ª Secção João
Bernardo (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista
Título executivo
Legitimidade
Cheques
Assinatura
Conta solidária
I- Como decorre do art. 55.º, n.º 1, do CPC, a
legitimidade para a execução afere-se em função do
título, tendo esta de ser promovida por quem nele
figura como credor – o exequente – contra quem
naquele tenha a posição de devedor – o executado. II-
Assim, verifica-se ilegitimidade, quando inexista
coincidência entre as partes na execução e as que, no
título, sejam apresentadas como credor e devedor.
II- Tendo sido dados à execução cheques sacados
apenas pela executada, só a mesma (nos termos do
art. 12.º da LUCh) garante o seu pagamento, ainda
que aqueles hajam sido emitidos sobre uma conta
bancária solidária, pois, posto que a solidariedade se
restringe à relação com o banco, esta circunstância
não implica a responsabilização cambiária do titular
da conta que não haja subscrito o cheque.
III - Não figurando o opoente como subscritor, a
qualquer título, dos cheques em questão (o que
impede o exequente de o accionar, conforme decorre
do art. 44.º da LUCh) e não vindo invocada, quanto a
ele, a intervenção na relação fundamental subjacente
à emissão daqueles, há que concluir pela sua
ilegitimidade para a execução.
30-09-2014
Revista n.º 1487/08.9TBMGR-A.C1-S1 - 6.ª Secção
Silva Salazar (Relator)
Sousa Leite
Nuno Cameira
Banco
Transferência bancária
Negligência
Culpa
Mandante
Ónus da prova
I- Com a celebração do contrato de depósito
bancário, o banco obriga-se, designadamente, a
226
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
prestar ao cliente o serviço de caixa, efectuando os
pagamentos solicitados, efectuando a cobrança de
valores, as transferências e recepção de fundos por
conta do cliente, e lançando em conta-corrente as
várias operações que se forem sucedendo.
II- No contexto de transferências efectuadas,
aparentemente por ordem do depositante, do que se
trata é da movimentação de uma conta que (o banco)
tinha à sua guarda, da saída de valores da mesma, o
que implica para o depositário a responsabilidade de
tal saída, sendo que a mesma só será excluída, caso o
mesmo logre justificar essa mesma diminuição do
saldo do depositante.
III - Recai, pois, sobre o banco o ónus de prova de que
a movimentação da conta em causa só ocorreu por
motivo justificado, designadamente porque tinha
autorização para o fazer, prova essa que se não
verifica se, pelo contrário, se demonstra que as
transferências não foram ordenadas pelo depositante
e foram efectuadas pelo banco sem a diligência
exigível para a verificação da legitimidade da ordem e
da verificação da respectiva autoria aparente.
16-09-2014
Revista n.º 333/09.0TVLSB.L2.S1 - 1.ª Secção
Paulo Sá (Relator) *
Garcia Calejo
Helder Roque
Confissão
Falta de discriminação dos factos provados
Responsabilidade civil do gerente
I- No âmbito do recurso de apelação, a Relação,
confrontada com uma confissão que porventura não
tenha sido considerada, deve explicitar os factos que
considera provados por via da confissão.
II- A responsabilidade civil do gerente de sociedade
por quotas pressupõe a prova de todos os
pressupostos constantes do art. 72.º do CSC,
designadamente a ilicitude e o dano.
III- Para demonstrar a ilicitude ou o dano revela-se
insuficiente a prova de que o gerente, a quem é
imputada a responsabilidade, sacou um cheque da
sociedade que depois foi depositado na sua conta
bancária.
03-07-2014
Revista n.º 535/11.0TYVNG.P1.S1 - 2.ª Secção
Abrantes Geraldes (Relator) *
Bettencourt de Faria
João Bernardo
Responsabilidade bancária
Responsabilidade contratual
Culpa in contrahendo
Contrato de seguro
Omissão XE “Omissão”
I- A factualidade alegada na petição inicial parece
escassa para se poder chegar a uma responsabilização
da entidade bancária, nos termos do art. 227.º, n.º 1,
do CC.
II- Mas, mesmo que assim se não entenda, está
assente que somente a autora procedeu a diligências
no sentido da celebração do contrato de seguro. Ora,
sabendo-se que ambos (marido e mulher),
beneficiários do empréstimo bancário, deveriam
subscrever o contrato de seguro, seria normal que a
autora questionasse o funcionário sobre a razão do
seu marido não ser abrangido pelo processo
burocrático, designadamente pelos exames médicos
que a si haviam sido exigidos. Para qualquer pessoa,
normalmente diligente, colocada no lugar da autora,
imediatamente se perceberia, que o contrato de
seguro que estava a subscrever não abrangeria o seu
marido, razão por que a omissão na inclusão do
seguro de seu marido se poderá buscar na conduta
não empenhada da autora.
III- Face aos factos provados, não se vê qualquer
comportamento omissivo por parte dos funcionários
da ré que levasse a autora a formar uma ideia
distorcida sobre a realidade do objecto do contrato.
IV- Segundo a evidenciada cláusula contratual, o ónus
do cumprimento da obrigação de realizar o contrato
de seguro, recaía somente sobre os mutuários e já
não sobre a entidade bancária.
25-06-2014
227
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Revista n.º 415/07.3TBRMR.L2.S1 - 1.ª Secção
Garcia Calejo (Relator) *
Helder Roque
Gregório Silva Jesus
Responsabilidade bancária
Cheque
Dever de diligência
Responsabilidade solidária
Responsabilidade extracontratual
I- O banco que se encarrega da cobrança de um
cheque é garante da sua regularidade e deve usar da
diligência exigível ao profissional médio para
averiguar da legitimação do proprietário, devendo,
em caso de dúvida, recusar o mandato para cobrança
ou a aquisição do cheque.
II- Não tendo o banco sacado tido qualquer
intervenção nesse acto de pagamento perante o
portador do cheque – já que a sua participação foi
feita no âmbito do Regulamento do Sistema de
Compensação Bancária –, não pode o mesmo ser
responsabilizado, mesmo solidariamente, juntamente
com o banco tomador do cheque.
18-06-2014
Revista n.º 1251/05.7TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção
Tavares de Paiva (Relator)
Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria
Âmbito do recurso
Impugnação da matéria de facto Gravação da prova
Erro na apreciação das provas
Casamento
Separação de bens XE “Separação de bens”
Enriquecimento sem causa XE “Enriquecimento sem
causa”
I- Nos termos do art. 685.º-B, n.º 1, do CPC,
introduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24-08, quando
se impugne a decisão proferida sobre a matéria de
facto, deve o recorrente obrigatoriamente
especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos
pontos de facto que considera incorrectamente
julgados; b) os concretos meios probatórios,
constantes do processo ou de registo ou gravação
nele realizada, que impunham decisão sobre os
pontos da matéria de facto impugnados diversos da
recorrida.
II- No caso previsto na al. b) do número anterior,
quando os meios probatórios invocados como
fundamento do erro na apreciação das provas
tenham sido gravados e seja possível a identificação
precisa e separada dos depoimentos, nos termos do
disposto no n.º 2, do art. 522.º-C, incumbe ao
recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso
(no que se refere à matéria de facto), indicar, com
exactidão, as passagens da gravação em que se funda,
sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa,
proceder à respectiva transcrição – art. 685.º-B, n.º 2,
do CPC.
III- Nos termos do art. 722.º, n.º 3, do CPC, o STJ não
pode exercer censura sobre a materialidade que foi
considerada provada pela Relação, após a alteração
da matéria de facto a que procedeu, pois o erro na
apreciação das provas e na fixação dos factos
materiais da causa não pode ser objecto de recurso
de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição
expressa da lei que exija certa espécie de prova para
a existência do facto ou fixa a força de determinado
meio de prova.
IV- O regime da separação de bens (art. 1735.º e segs.
do CC) caracteriza-se por uma completa autonomia
do património encabeçado por cada um dos cônjuges,
não havendo comunhão conjugal e tendo todos os
bens a natureza de bens próprios, ainda que
pertençam a ambos os cônjuges, em
compropriedade. Em caso de compropriedade, serão
bens próprios as quotas que a cada um dos cônjuges
neles caibam.
V- O facto de ter sido declarado pelos ex-cônjuges, no
processo de divórcio por mútuo consentimento, que
não havia bens comuns a partilhar, não impede o
recurso a uma acção, suportada no instituto do
enriquecimento sem causa (art. 473.º do CC), e,
relativamente às quantias depositadas, na
228
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
compropriedade do dinheiro da conta bancária
titulada por ambos os cônjuges, à data da respectiva
separação.
17-06-2014
Revista n.º 1041/10.5TVPRT.P1.S1 - 6.ª Secção
Azevedo Ramos (Relator)
Nuno Cameira
Sousa Leite
Conta bancária
Transferência bancária
Responsabilidade bancária
Dever de diligência
Reapreciação da prova
Erro de julgamento
I- A transferência bancária inclui-se no número de
contratos de pagamento bancário que hoje assumem
especial relevância, pela sua função de intermediação
nas transacções económicas, garantido de forma
célere, segura e económica, a prestação de serviços
relativamente à movimentação de fundos.
II- É um contrato de giro, autónomo, em virtude do
qual o banco se obriga, em regra, implicitamente e
desde a abertura da conta, a executar, contra
remuneração, as ordens de pagamento que lhe são
dirigidas pelos seus clientes, de acordo com as suas
instruções.
III- Num quadro de incumprimento por parte da
entidade bancária, que a torne responsável face ao
cliente/ordenante, além do exame das obrigações
específicas, tem de levar-se em conta o dever geral de
diligência que impende sobre qualquer mandatário,
no cumprimento da missão que lhe foi confiada,
cabendo-lhe ainda especiais deveres de lealdade e
cooperação, que não resultando literalmente da
regulamentação do mandado, se retiram do conteúdo
do princípio da boa fé.
IV- A reapreciação da prova pela Relação, nos termos
do art. 712.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC [anterior ao
NCPC (2013)], tem a mesma amplitude de poderes
que tem a apreciação na 1.ª instância, no sentido que
não pode remeter para o juízo de valoração ali
efectuado, tendo de fazer, com autonomia, o seu
próprio juízo de valoração, que pode ser igual ao
primeiro ou diferente dele, não podendo traduzir-se
em meras considerações genéricas, sem qualquer
densidade ou individualidade que as referencie ao
caso concreto.
V- Não pode ser objecto de recurso de revista a
alteração da decisão adoptada pelas instâncias
quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na
apreciação das provas e na fixação dos factos
materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma
disposição expressa da lei que exija certa espécie de
prova para a existência do facto ou fixe a força de
determinado meio de prova, quando o STJ entenda
que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em
ordem a constituir base suficiente para a decisão de
direito, ou, finalmente, quando considere que
ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de
facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos
termos das disposições conjugadas dos arts. 729.º,
n.ºs, 1, 2 e 3, e 772.º, n.º 2, do CPC [anterior ao NCPC
(2013)].
17-06-2014
Revista n.º 401/06.0TBPVL.P1.S1 - 1.ª Secção
Martins de Sousa (Relator)
Gabriel Catarino
Maria Clara Sottomayor
Prestação de contas
Conta bancária
Pedido
Princípio dispositivo
Omissão de pronúncia
Abuso do direito
Boa-fé
I- A acção de prestação de contas tem por objecto o
apuramento e aprovação das receitas obtidas e das
despesas realizadas por quem administra bens
alheios e a eventual condenação no pagamento do
saldo que venha a apurar-se, pelo que, sendo alegado
pela autora que a partir de determinado momento
existiu uma conta bancária titulado pelo falecido
229
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
marido e pala ré, não viola o princípio do dispositivo
nem incorre em excesso de pronúncia a decisão que
considera que o dever de prestação de contas existe
independentemente do uso e natureza dessa conta
bancária.
II- O decurso do tempo, por si só, não integra abuso
de direito – o titular de um direito exerce-o no tempo
que acha adequado –, para que tal ocorra necessário
se torna que da factualidade provada resulte que essa
falta de exercício do direito atenta contra os ditames
da boa fé, a qual exige que esse lapso de tempo
provoque um convencimento de que o direito não
será exercido.
03-04-2014
Revista n.º 2040/07.0TJVNF.P1.S1 - 2.ª Secção
Bettencourt de Faria (Relator)
Pereira da Silva
João Bernardo
Contrato de mandato
Mandato com representação
Mandato sem representação
Procuração
Enriquecimento sem causa
Ónus de alegação
Ónus da prova
I- O mandato é um contrato de prestação de serviços,
mediante o qual o mandatário assume a obrigação de
praticar actos jurídicos – onde se incluem os negócios
jurídicos –, de acordo com as indicações e instruções
do mandante, quer quanto ao objecto, quer quanto à
própria execução, podendo ser com ou sem
representação (cf. arts. 1178.º e 1180.º e ss. do CC).
II- A procuração é, diversamente, um negócio jurídico
unilateral autónomo, pelo qual alguém atribui a
outrem, voluntariamente, poderes representativos
(cf. art. 262.º, n.º 1, do CC).
III- Se a finalidade da atribuição de poderes de
representação se atém à movimentação de contas
bancárias do representado – nomeadamente, com o
levantamento de capitais –, justificada na
circunstância de este – pai do representante – dois
anos antes da sua morte se encontrar acamado e
impossibilitado de se deslocar aos bancos, sem referir
qualquer obrigação de dar um específico destino aos
dinheiros movimentados, a relação de confiança
assim expressa permite concluir que estamos perante
uma mera procuração e não um mandato
representativo.
IV- A obrigação de restituir, fundada no injusto
locupletamento à custa alheia, exige que alguém
tenha obtido uma vantagem de carácter patrimonial
sem causa que a justifique e que esse enriquecimento
tenha sido obtido à custa de quem requer a
restituição.
V- A falta de causa da atribuição ou vantagem
patrimonial que integra o enriquecimento terá de ser
alegada e demonstrada por quem invoca o direito à
restituição dela decorrente – não é suficiente a mera
ausência de prova dessa falta –, em conformidade
com as regras gerais sobre os ónus de alegação e
prova (cf. art. 342.º do CC).
01-04-2014
Revista n.º 279/06.4TBOFR.S1 - 1.ª Secção
Paulo Sá (Relator)
Garcia Calejo
Helder Roque
Recurso para uniformização de jurisprudência
Requisitos
Oposição de julgados
Trânsito em julgado
Uniformização de jurisprudência
Responsabilidade bancária
Cheque
Revogação
Apresentação a pagamento
Recusa
Pagamento
I- A admissão do recurso de fixação de jurisprudência
depende dos seguintes vectores fundamentais: a)
oposição entre o acórdão recorrido e outro acórdão
do STJ relativamente à mesma questão de direito; b)
carácter essencial da questão em que se manifesta a
230
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
contradição; c) identidade substantiva do quadro
normativo (identidade normativa) em que se insere a
questão; d) trânsito em julgado de qualquer dos
acórdãos presumindo-se o trânsito quanto ao
acórdão fundamento.
II- Não há oposição relativamente à mesma questão
de direito se em ambos os acórdãos se discute a
responsabilidade extracontratual de uma instituição
bancária que recusa ilicitamente o pagamento de um
cheque ao tomador, entendendo-se ambos, quanto
ao ónus da prova dos pressupostos desta
responsabilidade, plasmados no art. 483.º do CC,
incumbem ao autor/demandante e, quanto ao nexo
de causalidade, no acórdão-fundamento a acção
improcede porque, como nele se consignou, ficou por
alegar e “demonstrar a existência de um prejuízo
patrimonial causalmente imputado ao
comportamento do banco réu e que correspondesse
ao valor dos cheques” e no acórdão recorrido a acção
procedeu porque ficou provado o dano,
correspondente ao “prejuízo patrimonial (…ou) à
obrigação subjacente relativamente à qual o cheque
constituía meio de pagamento, (…) já que autora,
portadora do cheque não recebeu a quantia por ele
titulada, destinada ao pagamento de uma dívida que
o sacador tinha para com ela (e seu marido)”.
20-03-2014
Recurso para Uniformização de Jurisprudência n.º
1937/08.4TBOAZ.P3.S1-A - 2.ª Secção
Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Fernando Bento
Conta bancária
Interpretação da declaração negocial
Titularidade
Assinatura
Falta de assinatura
Negócio formal
Forma do negócio
I- Tratando-se de contas bancárias abertas por um
dos titulares, mas que no acto de abertura também
indicou como titular e beneficiária da mesma a
pessoa com quem vivia há mais de 45 anos, a qual
não assinou a ficha de abertura por não saber assinar,
significa, à luz dos critérios do art. 236.º do CC, que o
titular, quando abriu a conta, pretendeu (quis) que a
mesma também fosse titular e beneficiária da
mesma, negócio este que também teve o
assentimento das entidades bancárias, tanto mais
que no relacionamento derivado dessas contas as
entidades bancárias sempre trataram a pessoa que
não havia assinado a ficha de abertura da conta,
também como titular, sendo certo também que, à
data da abertura das contas aqui em questão, não era
exigível a assinatura dos titulares na respectiva ficha,
mas tão só os elementos de identificação.
II- Neste particular, não repugna, tratar o contrato de
abertura de conta como um negócio convencional, no
sentido, que o contrato não está sujeito a forma legal,
o que, à partida, exclui a sua invalidade por
inobservância de forma (art. 220.º do CC) e, por isso,
a falta de assinatura da também indicada pelas
entidades bancárias como co-titular das contas, no
contexto de relacionamento do banco-cliente, não
pode significar que não tenha outorgado nesse
contrato.
27-02-2014
Revista n.º 244/1999.E1.S1 - 2.ª Secção
Tavares de Paiva (Relator) *
Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria
Casamento
Conta bancária
Conta solidária
Regime da comunhão de adquiridos
Dano
Não se revela a existência de qualquer dano para um
cônjuge casado no regime de comunhão de
adquiridos e titular de uma conta bancária em regime
de solidariedade com o outro cônjuge quanto este
procede à transferência de uma quantia dessa conta
para outra conta de que é titular único.
23-01-2014
231
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Revista n.º 262/06.0TBVRS.E1.S1 - 2.ª Secção
Oliveira Vasconcelos (Relator) *
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo
Acordo Ortográfico)
Contrato de conta bancária
Phishing
Pharming
Homebancking
Responsabilidade contratual
I- Designa-se por contrato de conta bancária (ou
abertura de conta) o acordo havido entre uma
instituição bancária e um cliente «através do qual se
constitui, disciplina e baliza a respectiva relação
jurídica bancária».
II- Enquadra-se neste complexo negocial a adesão da
autora ao serviço do réu, denominado BX Net, através
do qual aquela poderia aceder através de um
computador (ou telefonicamente) com acesso à
internet, 24 horas por dia, 365 dias por ano, tendo
aquele fornecido para o efeito as chaves de acesso
que permitiam a respectiva utilização pelas
respectivas sócias gerentes:
III- Entramos aqui no chamado «home bancking»,
Banco internético (do inglês Internet banking), e-
banking, banco online, online banking, às vezes
também banco virtual, banco electrónico),
concretizado pela possibilidade conferida pela
entidade bancária aos seus clientes, mediante a
aceitação de determinados condicionalismos, a
utilizar toda uma panóplia de operações bancárias,
online, relativamente às contas de que sejam
titulares, utilizando para o efeito canais telemáticos
que conjugam os meios informáticos com os meios de
comunicação à distância (canais de telecomunicação),
por meio de uma página segura do banco, reveste de
grande utilidade, especialmente para utilizar os
serviços do banco fora do horário de atendimento ou
de qualquer lugar onde haja acesso à Internet.
IV- O phishing (do inglês fishing «pesca») pressupõe
uma fraude electrónica caracterizada por tentativas
de adquirir dados pessoais, através do envio de e-
mails com uma pretensa proveniência da entidade
bancária do receptor, por exemplo, a pedir
determinados elementos confidenciais (número de
conta, número de contrato, número de cartão de
contribuinte ou qualquer outra informação pessoal),
por forma a que este ao abri-los e ao fornecer as
informações solicitadas e/ou ao clicar em links para
outras páginas ou imagens, ou ao descarregar
eventuais arquivos ali contidos, poderá estar a
proporcionar o furto de informações bancárias e a
sua utilização subsequente
V- A outra modalidade de fraude online é o pharming
a qual consiste em suplantar o sistema de resolução
dos nomes de domínio para conduzir o usuário a uma
pagina Web falsa, clonada da página real, baseando-
se o processo, sumariamente, em alterar o IP
numérico de uma direcção no próprio navegador,
através de programas que captam os códigos de
pulsação do teclado (os ditos keyloggers), o que pode
ser feito através da difusão de vírus via spam, o que
leva o usuário a pensar que está a aceder a um
determinado site – por exemplo o do seu banco – e
está a entrar no IP de uma página Web falsa, sendo
que ao indicar as suas chaves de acesso, estas serão
depois utilizadas pelos crackers, para acederem à
verdadeira página da instituição bancária e aí
poderem efectuar as operações que entenderem,
destinando-se ambas as técnicas (phishing e
pharming) à obtenção fraudulenta de fundos.
VI- Os riscos da falha do sistema informático utilizado,
bem como dos ataques cibernautas ao mesmo, têm
de correr por conta dos bancos, do aqui réu portanto,
por a tal conduzir o disposto no art. 796.º, n.º 1, do
CC, não se tendo provado, como não se provou, que
tivesse havido culpa da autora.
VII- A esse mesmo resultado se chega com a aplicação
do DL n.º 317/2009, de 30-10, que transpôs para a
nossa ordem jurídica o novo enquadramento
comunitário em matéria de serviços de pagamentos,
232
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
maxime a Directiva 2007/64/CE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 13-11, o qual, não
obstante seja posterior aos factos em causa nesta
acção, a eles é aplicável, ex vi do seu art. 101.º, n.º 1,
no qual se predispõe que «O regime constante do
presente diploma regime jurídico não prejudica a
validade dos contratos em vigor relativos aos serviços
de pagamento nele regulados, sendo-lhes desde logo
aplicáveis as disposições do presente regime jurídico
que se mostrem mais favoráveis aos utilizadores de
serviços de pagamentos».
18-12-2013
Revista n.º 6479/09.8TBBRG.G1.S1 - 6.ª Secção
Ana Paula Boularot (Relator) *
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Conta bancária
Contrato de depósito
Conta de depósito
Depósito bancário
Titularidade
Compensação
Renúncia
Extinção das obrigações
Bens impenhoráveis
Abuso do direito
Terceiro
I- A abertura de conta – negócio jurídico complexo e
duradouro – opera como acto nuclear comum dos
diversos actos bancários, sejam eventuais, como o
depósito bancário, ou necessários, como a conta
corrente.
II- O depósito bancário é o contrato pelo qual uma
pessoa (depositante) entrega certa quantia em
dinheiro a um banco o qual dela poderá dispor como
coisa própria, mediante retribuição (juros),
obrigando-se o depositário a restituí-la, mediante
solicitação e de acordo com as condições
estabelecidas.
III- Resultando provado que L celebrou com o banco
réu um contrato de abertura de conta bancária e um
contrato de depósito bancário, ficando aquela titular
exclusiva dessa conta, é inoponível ao banco a relação
da autora com a referida L, quanto à titularidade de
determinada verba depositada na conta, que
representava o seu saldo em determinada data.
IV- Não sendo o acordo fiduciário oponível ao
banqueiro, não viola qualquer um dos requisitos da
compensação a retenção, pelo banco, de tal saldo,
pelo valor de uma dívida que L tinha para com aquele.
V- O contrato de conta bancária não envolve renúncia
tácita à compensação.
VI- A compensação – forma de extinção de duas
obrigações, pela dispensa de ambas de realizar as
suas prestações ou pela dedução a uma das
prestações da prestação devida pela outra parte –
pode ser legal ou convencional.
VII- A compensação voluntária ou convencional
apenas está vedada quando se trate de créditos
impenhoráveis ou de créditos cuja compensação
envolva prejuízo para os direitos de outrem.
VIII- Configura uma compensação convencional a
declaração, assinada pela autora M, pela titular da
conta L e pelo banco na qual as primeiras declaram
«que, com a restituição do valor de € 27 894,80, nada
mais temos a receber ou a exigir do banco, seja a que
título for. A referida importância € 27 894,80 deverá
ser entregue a M (…). E declaramos ter recebido do
banco…a importância de € 27 894,80 em numerário,
nada mais tendo dele a haver ou exigir, seja a que
título for, relacionado com a compensação efectuada
na conta n.º x, em nome de L, conforme acordado».
IX- Não age em abuso do direito e contrariamente aos
ditames da boa fé o banco que procedeu à
compensação sem saber que a quantia depositada
era pertença de terceiro.
24-10-2013
Revista n.º 2/11.1TVPRT.P1.S1 - 7.ª Secção
Granja da Fonseca (Relator) *
Silva Gonçalves
Pires da Rosa (vencido)
233
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Contrato de swap
Contrato inominado
Alteração anormal das circunstâncias
Circunstâncias do contrato
Juros
Taxa de juro Crise financeira
Modificação
Boa-fé
Resolução do negócio
Contrato de execução continuada ou periódica
I- Contrato de swap, ou de permuta financeira, é o
contrato através do qual uma parte transfere o risco
económico inerente a um activo para outra parte, em
troca de uma remuneração; concretamente as partes
obrigam-se (i) ao pagamento recíproco e futuro de
duas quantias pecuniárias, (ii) na mesma moeda ou
em moedas diferentes, (iii) numa ou várias datas pré-
determinadas, (iv) calculadas por referência a fluxos
financeiros associados a um activo subjacente,
geralmente, a uma determinada taxa de juro.
II- São seus caracteres o serem contratos a prazo;
consensuais, (não estando sujeitos a forma legal
obrigatória, excepto nos casos em que se insiram em
serviços de intermediação financeira com o público
investidor), não reais (cuja formação requer a mera
declaração das partes contratantes), sinalagmáticos
(sendo fonte para ambas as partes de obrigações
ligadas entre si por um nexo de reciprocidade),
patrimoniais (onde está, em regra, afastado qualquer
intuitu personae, sendo irrelevante a pessoa ou a
qualidade dos contratantes), onerosos (envolvendo
atribuições patrimoniais para ambas as partes) e
aleatórios (no sentido em que é o risco e incerteza
que fornece a própria causa e objecto contratuais).
III- Quanto ao seu objecto, dividem-se em duas
modalidades fundamentais: os swaps de dívidas (as
partes acordam permutar ou trocar entre si quantias
pecuniárias expressas em duas moedas diferentes,
calculadas mediante a aplicação de uma taxa de
câmbio predeterminada) e os de juros (as partes
contratantes acordam trocar entre si quantias
pecuniárias expressas numa mesma moeda,
representativas de juros vencidos sobre um
determinado capital hipotético, calculados por
referência a determinadas taxas de juro fixas e/ou
variáveis).
IV- A resolução ou modificação do contrato por
alteração das circunstâncias depende da verificação
dos seguintes requisitos: (i) que haja alteração
relevante das circunstâncias em que as partes
tenham fundado a decisão de contratar, ou seja, que
essas circunstâncias se hajam modificado de forma
anormal, e que (ii) a exigência da obrigação à parte
lesada afecte gravemente os princípios da boa fé
contratual, não estando coberta pelos riscos do
negócio.
V- Nos contratos, como os referidos em I em que as
partes visam justamente negociar sobre a incerteza, o
risco fornece o próprio objecto contratual, pelo que a
alteração das circunstâncias tem de ser de apreciável
vulto ou proporções extraordinárias: o prejuízo só
justifica a resolução ou modificação do contrato
quando se verifique um profundo desequilíbrio do
contrato, sendo intolerável com a boa fé que o lesado
o suporte.
VI- Tal profundo desequilíbrio pode resultar da
significa descida das taxas de juro (que chegou abaixo
dos 3,95%), provocada por grave crise financeira, com
grande divergência da taxa, superior, que as partes
representaram como possível e a que o contrato
pretendia assegurar (in casu, 5,15%).
VII- Os swaps, que conferem às partes posições
jurídicas permutáveis relativas a determinadas
quantias pecuniárias em data ou datas futuras
previamente fixadas, são contratos de execução
sucessiva ou periódica – a sua realização exige várias
prestações, durante o tempo de vigência do contrato
–, pelo que se lhes aplica o n.º 2 do art. 434.º do CC.
10-10-2013
Revista n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1 - 7.ª Secção
Granja da Fonseca (Relator) *
Silva Gonçalves
Pires da Rosa
234
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Nulidade de acórdão
Omissão de pronúncia
Responsabilidade bancária
Contrato de depósito
Depósito bancário
Comissão
Negligência
I- A omissão de pronúncia – prevista no art. 668.º, n.º
1, al. d), do CPC – verifica-se quando o juiz deixa de
conhecer em absoluto, sem prejudicialidade, de todas
as questões que as partes tenham submetido à sua
apreciação, que não nos casos de deficiente
fundamentação.
II- Existe omissão de pronúncia se, tendo os autores
alegado negligência das funcionárias da ré -Banco no
pagamento irregular dos cheques, a Relação não
conheceu de tal questão.
III- A responsabilização da ré-banco tanto pode ser
alcançada com a demonstração da constituição válida
do depósito a prazo, como pelo mecanismo da
relação comitente/comissário, consignada no art.
500.º do CC, mesmo que esse depósito não tenha
sido efectivamente constituído.
26-09-2013
Revista n.º 653/04.0TBRMR.L1.S1 - 2.ª Secção
João Bernardo (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo
Acordo Ortográfico)
Responsabilidade bancária
Decisão penal condenatória
Direito à indemnização
Ónus da prova
Cheque
Convenção de cheque
Endosso
Assinatura
Falsificação
Banco
Dever de diligência
I- Do art. 674.º-A do CPC – oponibilidade a terceiros
da decisão penal condenatória – não resulta qualquer
inversão do ónus da prova, apenas a condenação no
processo penal por facto que constitua ilícito civil faz
com que “o titular do interesse ofendido não tenha o
ónus de provar na acção civil subsequente o acto
ilícito praticado nem a culpa de quem o praticou, sem
prejuízo de continuar onerado com a prova do dano
sofrido e do nexo de causalidade…”.
II- A presunção constante daquele normativo não
exonera o demandante na acção de responsabilidade
civil, implicando a apreciação da ilicitude dos factos
que conduziram à condenação no processo penal, de
provar o dano e o nexo de causalidade, requisitos da
obrigação de indemnizar.
III- Na base do contrato de depósito bancário está
uma recíproca relação de confiança entre o
depositante, a quem é garantida a restituição do
dinheiro depositado, e o banco que conta com os
depósitos dos seus clientes para financiar a suas
aplicações e investimentos.
IV- Superado o entendimento de que tal contrato
consubstanciava um mútuo, a doutrina e a
jurisprudência dominantes qualificam-no como um
depósito irregular a que são aplicáveis os arts. 1205.º
e 1206.º do CC e os arts. 363.º e 406.º do CCom, uma
vez que o dinheiro depositado é uma coisa fungível.
Por via da remissão do art. 1206.º do CC para o seu
art. 1144.º, o dinheiro torna-se propriedade do banco
que se constitui, ante o depositante, na obrigação de
restituição em género.
V- A relação de confiança estabelecida entre o
banqueiro depositário e o depositante evidencia-se
ainda no contrato de cheque, funcionalmente ligado
ao de depósito, pelo qual o banco permite ao seu
cliente a mobilização dos fundos disponíveis na sua
conta. A convenção de cheque constitui o banco na
obrigação, além de outras, de pagar os cheques
emitidos pelo depositante na veste de sacador.
VI- Nas relações ao abrigo do contrato de abertura de
conta bancária e da inerente convenção de cheque,
intercorrente entre o titular da conta e o banco onde
235
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
tal conta foi aberta, funciona a presunção de culpa
estabelecida no art. 799.º, n.º 1, do CC, sendo a culpa
apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade
civil, de harmonia com o n.º 2 do citado preceito.
VII- No que respeita às relações ente o
portador/tomador de um cheque e o banco onde o
sacador abriu conta, estando em causa o pagamento
indevido de cheque, existe responsabilidade civil
extracontratual do banco a dirimir entre este e o
portador do cheque. No caso da responsabilidade civil
extracontratual, está em causa a violação de deveres
de cuidado e deveres acessórios de conduta.
VIII- O comportamento exigido pelo padronizado
critério do “bonus pater familias” não pressupõe uma
visão imutável, mas antes, faz apelo às circunstâncias
do tempo histórico. Não parece compaginável com o
grau de diligência exigível actualmente, que um
banco prudente, zeloso e cauto, não disponha de
meios técnicos e funcionários especializados na
detecção de falsificações; mais que controlar a
aparência das assinaturas, o banco tem um dever de
“fiscalizar” a autenticidade das assinaturas.
IX- Se é assim quanto ao pagamento de cheques
falsificados, importa saber se, no caso de cheques
que são apresentados a pagamento na sequência de
endossos, quais as obrigações a cargo do banco
sacado. Da conjugação dos arts. 15.º e 35.º da LUCh
resulta para o banco sacado a obrigação de verificar a
legitimidade do portador endossatário, o que implica
que deva verificar se existe uma regular cadeia de
endossos, porque o portador só será considerado
portador legítimo se legitimar a posse do título
através de uma regular sucessão de endossos, mesmo
que o último seja em branco.
X- O banco sacado não tem que conferir a
autenticidade das assinaturas dos endossantes.
11-07-2013
Revista n.º 9966/02.5TVLSB.L1.S1 - 6.ª Secção
Fonseca Ramos (Relator) *
Fernandes do Vale
Marques Pereira
Depósito bancário
Conta solidária
Presunção de propriedade
Compropriedade
I- Apesar de qualquer dos contitulares duma conta de
depósitos à ordem ter, perante o banco, o direito de
dispor da totalidade do dinheiro que constitui o
objecto do depósito, na respectiva esfera patrimonial
só se radica um direito próprio sobre o numerário se,
efectivamente, lhe couber, como proprietário,
qualquer parte no saldo de depósito, e só dentro dos
limites dessa parte.
II- São inconfundíveis e independentes, a legitimidade
para movimentação da conta, inerente à qualidade de
contitular inscrito no contrato de depósito e dela
directamente decorrente, e a legitimidade para
dispor livremente das quantias que a integram, esta
indissociável do direito de “propriedade” sobre as
quantias depositadas (desconsiderando-se aqui a
natureza irregular do depósito bancário e o seu efeito
de transferência para o depositário da propriedade
do dinheiro).
III- Embora, ao menos genérica e directamente, não
encontre assento na lei civil e comercial, presunção
de contitularidade do dinheiro depositado nas contas
de depósitos à ordem, tem vindo a ser pacificamente
entendido como acolhida pelo regime dos arts. 512.º
e 516.º do CC e aparece expressamente consagrada
no n.º 2 do art. 861.º-A do CPC.
IV- Se os fundos da conta à ordem resultaram
exclusivamente do crédito dos rendimentos
provenientes de aplicações financeiras, do tipo
“banca-seguros”, terão, do ponto de vista da
propriedade, para efeito de ilisão da presunção de
compropriedade, a mesma titularidade que a da
“entrega/prémio” efectuada.
04-06-2013
Revista n.º 226/11.1TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção
Alves Velho (Relator)
Paulo Sá
Garcia Calejo
236
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Responsabilidade contratual
Responsabilidade bancária
Dever de comunicação
Dever de informação
Facto ilícito
Culpa
Ónus da prova
Presunção de culpa
I- O contrato de “Acordo de Adesão ao Serviço
Barclays Advisory”, celebrado entre autores e réu,
integra uma relação jurídica bancária que se traduz
num contacto comercial prolongado entre um banco
e o respectivo cliente que assenta em dois vectores:
(i) do lado deste último a susceptibilidade estrutural
de concretização de sucessivos negócios; (ii) quando
ao primeiro a intenção de fazer perdurar tal contacto
pelo tempo enquanto tal se considere possível e
conveniente.
II- Nesta veste de contrato duradouro a respectiva
regulamentação pauta-se por uma base negocial
constituída por um conjunto de cláusulas gerais que
regulamentam os termos em que decorre uma
prestação de serviços, sendo que esta deverá pautar-
se por deveres gerais de conduta e de protecção – em
especial dever de informação – que recaem
especialmente sobre a entidade bancária.
III- A responsabilidade civil em direito bancário
comunga dos princípios gerais, a saber: (i) facto ilícito;
(ii) culpa; (iii) dano; (iv) nexo de causalidade entre a
culpa e o facto ilícito.
IV- Assim, ao cliente cabe o ónus da prova, nos
termos do art. 342.º do CC; quanto à culpa, caberá ao
banco a prova do afastamento da presunção legal a
que alude o art. 798.º do CC.
V- Esta presunção justifica-se posto que se está
perante uma omissão de deveres específicos da
entidade bancária, intimamente ligados ao seu ofício,
pelo que a frustração do resultado que ao cliente era
razoável esperar indicia, por si, a culpa.
VI- O dever do banco tem como contra-polo
moderador o princípio da auto-responsabilidade do
cliente, no sentido de que aquele dever não se
imporá em relação a informações que o cliente do
banco deva possuir ou quando é o próprio que por si
só toma iniciativas que vão para além das
informações que lhe são prestadas.
VII- Tendo resultado provado nos autos que (i) o
índice de referência do produto financeiro era o
preço do barril de petróleo, apostando o produto na
queda do preço deste; (ii) o funcionamento do
produto era extremamente complexo e pouco claro
ou transparente à luz da informação conhecida; (iii) o
produto financeiro era extremamente volátil; (iv) não
obstante o conhecimento de tais factores e as
reservas do réu, que nunca aconselhou o autor a
avançar, este veio a adquirir 60 000 unidades do
produto financeiro, é de concluir que o autor assumiu
por si próprio um risco, para o qual o fracasso do qual
não contribuiu qualquer omissão de informação do
réu.
VIII- Mostrando-se assim ilidida a presunção de culpa,
a que alude o art. 799.º do CC, fica prejudicada a
análise dos restantes pressupostos da
responsabilidade civil.
30-05-2013
Revista n.º 534/10.9TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção
Távora Victor (Relator)
Sérgio Poças
Granja da Fonseca
Depósito bancário
Conta bancária
Morte
Compensação
Banco
Empréstimo bancário
Crédito bancário
Boa-fé
I- Após a morte do depositante e titular único de uma
conta bancária, que suportava o pagamento de
encargos com cinco empréstimos que se venceram
após a data da morte, tendo os herdeiros pedido o
cancelamento da conta, não constitui violação do
contrato ter o banco debitado os encargos com tais
237
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
empréstimos e com outras despesas ou encargos
devidos pelo depositante, que tinha autorizado a
debitá-la para esse efeito.
II- O contrato de depósito bancário, nada tendo sido
estabelecido em contrário, não caducou com a morte
do depositante, estando ligado à conta de depósito à
ordem com expressa autorização do depositante para
processar operações inerentes às obrigações
emergentes de empréstimos contraídos; pelo que,
não tendo sido cancelada a conta por iniciativa do
banco, as operações efectuadas após a morte do
depositante não exprimem violação do contrato.
III- Se a actuação do banco não primou pela
prontidão, na resposta aos pedidos de cancelamento
da conta efectuados pelos herdeiros do depositante
após a morte do seu familiar, sendo por isso
repreensível, importa ponderar que, após a morte do
depositante, os herdeiros seriam os co-titulares da
conta e o banco estava autorizado pelo depositante a
processar as operações de débito inerentes aos
compromissos assumidos.
IV- Não seria actuar conforme ao princípio da boa fé –
art. 762.º do CC – que os herdeiros do depositante,
sabendo à data da morte do seu familiar dos
movimentos realizados na conta bancária, bem como
dos empréstimos concedidos e respectivos juros,
pretendessem obter o levantamento dos fundos
existentes para frustrar o direito contratual do banco
a debitá-la para pagamento de quantias devidas por
força do estipulado no contrato.
V- O facto do banco, invocando os créditos que tinha
sobre o seu cliente, decorrentes de empréstimos que
lhe concedeu, os compensar com o saldo bancário
existente na conta, constitui o normal
desenvolvimento do contrato, movimentando-a a
débito com encargos, juros e despesas; apelando-se
ao instituto da compensação, mostra-se conforme ao
requisito previsto no art. 847.º, n.º 1, al. b), do CC.
23-04-2013
Revista n.º 194/04.6TBPSR-A.E1.S1 - 6.ª Secção
Fonseca Ramos (Relator)
Salazar Casanova
Fernandes do Vale
Ampliação da base instrutória
Aditamento de quesitos
Reclamação
Trânsito em julgado
Admissibilidade de recurso
Actividade bancária
Instituição de crédito
Dever de diligência
Boa-fé
Depósito bancário
Cheque
Falta de provisão
Recebimento indevido
Enriquecimento sem causa
Responsabilidade bancária
I- Tendo o juiz, a coberto do princípio do apuramento
da verdade material, determinado a ampliação da
base instrutória – mediante o aditamento de um
quesito – poderiam as partes reclamar e impugnar a
decisão de tal incidente no recurso que viessem a
interpor da sentença final.
II- Não tendo tal reclamação ocorrido há que
considerar tal despacho transitado em julgado, o que
constitui obstáculo à sua impugnação em sede de
recurso da decisão final.
III- Não obstante o dever de diligência, das
instituições de crédito na relação com os seus
clientes, de diligência na gestão dos interesses que
lhe estão confiados – art. 74.º do RGICSF (DL n.º
298/92, de 31-12) –, de tal imposição não decorre a
consagração da admissibilidade legal da não
restituição, pelo enriquecido, da vantagem
patrimonial com que indevidamente se locupletou.
IV- Estando em causa nos autos a contabilização, a
crédito, na conta de depósitos à ordem dos réus do
montante de um cheque não cobrado, tal operação
insere-se no âmbito da actividade bancária, em que a
confiança pessoal entre o banco e o seu cliente
assume factor primacial, pautada pela boa fé e pelas
regras da lealdade.
238
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
V- Mostrar-se-ia em frontal oposição à boa fé a
atribuição aos réus/recorrentes do direito de
integrarem no seu património um quantitativo
pecuniário que havia sido objecto de indevido
depósito em seu benefício.
VI- Ainda assim, não se encontra isenta do devido
ressarcimento uma qualquer actuação negligente da
autora, relativamente aos prejuízos que da mesma
hajam resultado para os respectivos depositantes
(réus), nomeadamente no que tange à não devolução
do cheque indevidamente creditado aos réus – depois
de constatada a impossibilidade da sua boa cobrança
– por forma a estes poderem accionar o sacador a fim
de obterem a cobrança do título.
18-12-2012
Revista n.º 56/07.5TBVGS.C1.S1 - 6.ª Secção
Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
João Camilo
Obrigação solidária
Pressupostos
Responsabilidade contratual
Responsabilidade extracontratual
Cumulação
Solidariedade
Contrato de compra e venda
Direito real de habitação periódica
Cláusula contratual geral
Dever de informação
Nulidade
Nulidade do contrato
Obrigação de restituição
Obrigação de indemnizar
Contrato de mediação
Responsabilidade bancária
Contrato de depósito
Depósito bancário
Responsabilidade pelo risco
I- A obrigação solidária – de que é requisito básico a
existência de uma pluralidade de devedores – tem
como notas típicas (i) o dever de prestação integral,
que recai sobre qualquer dos devedores, (ii) o efeito
extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer
deles ao direito do credor, (iii) a identidade da
prestação, (iv) a identidade da causa e (v) a
comunhão de fim.
II- A solidariedade passiva funciona como regra no
direito comercial (art. 100.º do CCom) e no âmbito da
responsabilidade civil por factos ilícitos e pelo risco
(arts. 497.º, n.º 1, e 507.º. n.ºs 1 e 2, do CC).
III- A sanção para a violação do dever de informação,
no regime das cláusulas contratuais gerais, afasta o
regime da responsabilidade civil, sendo seu
substituto.
IV- Se um contrato de aquisição de direito real de
habitação periódica é declarado inválido, a obrigação
de restituição do que foi prestado advém do regime
da nulidade (art. 289.º do CC), que apenas vincula as
partes contratantes.
V- A solidariedade passiva só existe quando a mesma
obrigação for encabeçada por uma pluralidade de
devedores, razão por que a obrigação de devolução
com base na nulidade de um contrato não é fonte de
responsabilidade dos outorgantes em contratos
distintos, como o de mediação ou depósito, ainda que
neles seja interveniente a instituição bancária que
promoveu o contrato referido em IV.
VI- No contrato de depósito bancário, o disposto no
art. 796.º, n.º 1, do CC – responsabilidade pelo risco
decorrente do perecimento ou deterioração da coisa
–, só se aplica em caso de pagamento feito a terceiro
sem o consentimento do depositante.
VII- Os conselhos, recomendações e informações
apenas geram a obrigação de indemnizar quando (i)
se tenha assumido a responsabilidade pelos danos,
(ii) haja o dever jurídico de os dar e se tenha agido
com culpa ou (iii) quando procedimento do agente
seja criminalmente punível.
15-11-2012
Revista n.º 246/10.3YRLSB.L1.S1 - 7.ª Secção
Granja da Fonseca (Relator) *
Silva Gonçalves
Ana Paula Boularot
239
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Avalista
Pacto de preenchimento
Contrato de abertura de crédito
Descoberto bancário
I- Não logrando os recorridos/avalistas fazer prova de
que tivesse havido qualquer violação do pacto de
preenchimento, como avalistas que foram e são, a
sua responsabilidade, independentemente da
cessação da qualidade de accionistas ou de qualquer
outra função na empresa, mantém-se incólume, e
tem como medida a responsabilidade da EE, a
sociedade avalizada (arts. 32.º e 77.º da LULL).
II- No que tange ao contrato de abertura de crédito,
importa ter presente as eloquentes e autorizadas
palavras do Prof. Doutor Menezes Cordeiro, quando
escreve: «a abertura de crédito dá azo a uma
disponibilidade de que o cliente pode mobilizar,
através de actos subsequentes. De acordo com o
combinado – a prática varia, de banco para banco – o
cliente poderá movimentar as importâncias ou
mediante pedido escrito, dirigido ao banqueiro por
fax ou por uma carta, ou automaticamente, sacando,
por exemplo, a descoberto sobre uma conta de
depósito à ordem, anexa à abertura de crédito. Na
hipótese de mobilização pode ainda pactuar-se que
as importâncias a mobilizar o seja por fatias de valor
pré-estabelecido: por exemplo, uma abertura de
crédito de 20.000 c, podendo o cliente mobilizar
2.000 c ou múltiplos dessa importância, de cada vez.
Os juros, bem como a comissão de imobilização,
quando exista, são debitados ora mensal ora
trimestralmente, de acordo com o que tenha sido
combinado» (M. Cordeiro, Manual de Direito
Bancário, 2.ª edição, Almedina, pág. 587). Aliás, como
bem previne o mesmo Professor, a abertura de
crédito é considerada como um «contrato-quadro»,
susceptível de dar azo a actos ulteriores (op. cit, pág
587, nota 1111).
III- Em matéria de descoberto em conta, Menezes
Cordeiro começa por defini-lo como sendo «a
situação que se gera quando, numa conta-corrente
subjacente a uma abertura de conta, o banqueiro
admita um saldo a seu favor isto é um saldo negativo
para o cliente» (Manual, cit. pág. 589). E acrescenta:
«Na sua forma mais típica, o descoberto é tolerado
pelo banqueiro, por curto período, como modo de
facilitar, momentaneamente a tesouraria de certos
clientes» (op. cit, pág 90). Ensina ainda que «o
descoberto ad nutum deve ser tomado como uma
tolerância do banqueiro, que não constitui direitos
para o cliente».
IV- Não é, assim, de considerar que a transferência de
saldos em causa se traduza in casu em abuso de pacto
de preenchimento por parte do Banco recorrente.
13-09-2012
Revista n.º 4771/09.0YYLSB-A.L1.S1 - 2.ª Secção
Álvaro Rodrigues (Relator) *
Fernando Bento
Tavares de Paiva
Responsabilidade bancária
Conta bancária
Conta solidária
Conta de depósito
Titularidade
Congelamento da conta
Obrigação de indemnizar
Danos patrimoniais
Danos não patrimoniais
Juros remuneratórios
I- No caso de conta colectiva solidária e no âmbito das
relações externas entre os titulares e o banco, a
natureza solidária da conta releva exclusivamente
para efeitos de gestão e movimentação da conta,
sendo irrelevante para o banco a questão da
titularidade jurídica relativa à propriedade das
quantias depositadas.
II- Tal significa que sempre que no quadro das
relações entre os co-titulares se discute a questão da
propriedade da quantia ou quantias depositadas – no
sentido de se afastar a presunção constante do art.
516.º do CC – seja, em princípio ou em circunstância
de normal relacionamento entre titulares, irrelevante
240
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
para o banco qualquer decisão que sobre a questão
venha a ser tomada.
III- A solidariedade que está presente na conta
bancária solidária sofre, pela sua natureza, desvios às
regras gerais da solidariedade, afastando-se
nomeadamente a aplicação do disposto no art. 528.º,
n.º 1, do CC (escolha do credor).
IV- O banco não pode deixar de executar as ordens
dadas por qualquer titular (preferindo sempre as que
primeiro – temporalmente – forem dadas), sendo
igualmente indiscutível que ao não executar essas
ordens dadas, procedendo ao “congelamento” da
conta para impedir a sua movimentação, o banco
assumiu um procedimento contrário às normas que
regem o depósito em regime de solidariedade,
violando o contrato de depósito bancário, cabendo ao
banco, nos termos do art. 799.º do CC, provar que
esse incumprimento ou cumprimento defeituoso foi
determinado pelo uso de um direito ou pelo
cumprimento de uma obrigação legal.
V- Com esta violação do contrato, não justificada por
qualquer razão legal ou contratual atendível, o banco
constitui-se na obrigação de indemnizar o
depositante, por todos os prejuízos resultantes
daquela sua actuação, nomeadamente os de índole
não patrimonial.
VI- Se os factos provados não demonstram que o
banco deixou de pagar juros remuneratórios durante
o período em que a conta esteve bloqueada, não se
justifica a condenação no pagamento dos juros sobre
a quantia que constitui o saldo da conta.
12-06-2012
Revista n.º 40110/2000.L1.S1 - 1.ª Secção
Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Depósito bancário
Convenção de cheque
Contrato de prestação de serviços
Mandato sem representação
Cheque
Pagamento
Dever de diligência
Dever de vigilância
Dever acessório
Falsificação
Obrigação de indemnizar
I- O depósito bancário pode caracterizar-se como o
contrato pelo qual uma pessoa entrega uma
determinada quantidade de dinheiro a um banco, que
adquire a respectiva propriedade e se obriga a
restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a
pedido do depositante. O banco adquire a
propriedade e a disponibilidade do dinheiro, e o
depositante um direito de crédito sobre o banco.
II- A convenção de cheque é um contrato de
prestação de serviços, mais concretamente um
contrato de mandato sem representação,
sinalagmático, que se caracteriza por o banco aceder
a que o seu cliente, titular de um direito de crédito
sobre a provisão, mobilize os fundos à sua disposição,
por meio da emissão de cheques, vinculando-se o
banco ao respectivo pagamento (art. 3.º da LUCH).
III- Da convenção de cheque deriva para os seus
celebrantes uma multiplicidade de direitos e deveres,
gerais e específicos, de conduta e de protecção.
IV- Para o cliente, sobressai a possibilidade de emitir
cheques sobre os fundos de que dispõe, sabendo que
o banco os pagará, recaindo paralelamente sobre si a
obrigação de verificar regularmente o estado da sua
conta e de guardar cuidadosamente os cheques,
pondo-os a salvo de apropriações ilegítimas e a
coberto de falsificações, e de dar imediatamente
notícia de uma eventual perda; traduz-se tal
obrigação no cumprimento de um dever de diligência,
de uma prestação de facto, que, em princípio, deve
ser pontualmente satisfeita pelo próprio devedor.
V- Para o banco, distingue-se como seu dever
principal o dever de pagamento, e como deveres
laterais o de rescindir o contrato de cheque em caso
de utilização indevida, de observar a revogação do
cheque, de esclarecer terceiros que reclamem
informações sobre essa revogação, de verificar
241
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
cuidadosamente os cheques que lhe são
apresentados, de não pagar em dinheiro o cheque
para levar em conta, de informar o cliente/sacador
sobre o destino e tratamento do cheque,
especialmente sobre a pessoa do apresentador.
VI- Se, por se entender estar-se perante um negócio
massificado, na determinação do conteúdo deste
dever, que recai sobre o banco, de fiscalização, de
verificar cuidadosamente os cheques que lhe são
apresentados para pagamento, as exigências não
podem ser exageradas, todavia o cliente não pode ser
prejudicado por um abrandamento do cumprimento
das obrigações do banco.
VII- No caso de pagamento de cheque falsificado, o
banco só se liberta da responsabilidade provando que
não teve culpa e que o pagamento foi devido a
comportamento culposo do depositante, sendo
necessário que a culpa do depositante se sobreponha
ou anule a responsabilidade do banco.
08-05-2012
Revista n.º 96/1999.G1.S1 - 1.ª Secção
Gregório Silva Jesus (Relator)
Martins de Sousa
Gabriel Catarino
Conta bancária
Contrato de depósito
Depósito bancário
Responsabilidade bancária
Assinatura
Culpa
Presunção de culpa
Levantamento de dinheiro depositado
I- A boa prática bancária prescreve que, na sua gestão
interna, os Bancos façam uso das hodiernas e
diversificadas ferramentas tecnológicas que a
moderna sociedade põe ao seu dispor.
II- Limitando-se a conferir a assinatura, aposta na
carta - nesta se pedindo o levantamento de dinheiro
depositado - com a assinatura constante dos seus
ficheiros, o Banco não elide a presunção de culpa que
sobe ele recai se essa assinatura se vier a comprovar
que não é do titular da conta.
19-04-2012
Revista n.º 376/2002.E1.S1 - 7.ª Secção
Silva Gonçalves (Relator) *
Ana Paula Boularot
Maria dos Prazeres Beleza
Contrato de depósito
Depósito bancário
Conta solidária
Propriedade
Compropriedade
Presunções legais
Obrigação solidária
I- A questão da propriedade de dinheiro depositado,
aquando da celebração de um contrato de depósito, é
distinta e independente do regime de movimentação
dos depósitos (solidária, conjunta ou mista,
consoante for acordado).
II- Para efeitos de propriedade desse dinheiro releva a
presunção de contitularidade em partes iguais do
dinheiro depositado, presunção essa que – embora
não se encontre genericamente afirmada na lei para
os casos de depósitos bancários com pluralidade de
titulares – aparece expressamente consagrada no n.º
2 do art. 861.º-A do CPC, a propósito da «penhora de
depósitos bancários», quando nele se refere que
«Sendo vários os titulares do depósito, a penhora
incide sobre a quota-parte do executado na conta
comum, presumindo-se que as quotas são iguais».
III- A mesma presunção se retira do regime
estabelecido nos arts. 512.º e 516.º do CC – relativos
às obrigações solidárias –, ao estabelecer (este último
preceito) que «Nas relações entre si, presume-se que
os (…) credores solidários comparticipam em partes
iguais (…) no crédito».
IV- Tendo resultado provado que ao celebrar o
contrato de depósito, a falecida pretendeu que a
sobrinha e seu marido fossem titulares da conta
bancária, podendo movimentá-la de acordo com as
suas instruções, tendo em conta a relação familiar e
242
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
de confiança, tudo aponta para uma relação de
mandato ou semelhante, revelando com segurança
que o dinheiro depositado sempre pertenceu à
falecida.
15-03-2012
Revista n.º 492/07.7TBTNV.C2.S1 - 7.ª Secção
Maria dos Prazeres Beleza (Relator)
Lopes do Rego
Orlando Afonso
Conta bancária
Contrato de depósito
Depósito bancário
Responsabilidade bancária
Culpa
A movimentação fraudulenta por terceiro de um
depósito bancário não é oponível ao depositante, que
a ela foi alheio, independentemente de culpa do
banco depositário nessa movimentação.
08-03-2012
Revista n.º 500/08.4TBESP.G1.S1 - 2.ª Secção
Bettencourt de Faria (Relator) *
Pereira da Silva
João Bernardo
Petição de herança
Depósito bancário
Conta bancária
Titularidade
Levantamento de dinheiro depositado
Contrato de mandato
Obrigação de restituição
Ónus da prova
I- A ação de petição de herança (art. 2075.º do CC)
visa o reconhecimento judicial da qualidade
sucessória e a consequente restituição de todos os
bens da herança ou de parte deles contra quem os
possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo
sem título.
II- Conferidos poderes para movimentação de
depósito bancário de modo a que o procurador só
deva proceder a levantamento a pedido ou em caso
de necessidade ou de impossibilidade do respetivo
titular, o facto de o procurador ter procedido, a
pedido do titular, ao levantamento de € 100 000,
alegando que o fez para, depois, os entregar ao titular
da conta que os iria aplicar em despesas de vária
ordem, tal levantamento não importa que essa
quantia tenha deixado de continuar a integrar o
património do titular da conta.
III- Por isso, não tendo sido a mesma restituída, ato
que importava a execução do mandato e
simultaneamente traduzia o cumprimento da
obrigação a que alude o art. 1161.º, al. e) do CC,
impõe-se a condenação do mandatário a restituir tal
quantia à herança entretanto aberta por óbito de um
dos titulares da conta.
IV- Ao autor cumpre o ónus de provar, para além da
sua qualidade de herdeiro, que a referida quantia foi
levantada pelo procurador que, por sua vez, tem o
ónus de provar que a restituiu ou que a despendeu
justificadamente (art. 342.º do CC).
06-03-2012
Revista n.º 6752/08.2TBLRA.C1.S1 - 6.ª Secção
Salazar Casanova (Relator) *
Fernandes do Vale
Marques Pereira
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo
Acordo Ortográfico)
Oposição à execução
Execução para pagamento de quantia certa
Compensação de créditos
Depósito bancário
Instituição de crédito
Exequente
I- Invocada a compensação (art. 847.º do CC) entre os
valores existentes em depósito à ordem e o crédito
exequendo, a questão a tratar é tão-somente a de
saber se, atento o momento em que o crédito
exequendo se venceu, dispunha a conta bancária de
fundos que permitissem a compensação.
II- Uma outra questão, não suscitada e, por isso, não
passível de conhecimento pelo Tribunal sob pena de
243
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
violação do disposto nos arts. 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º
1, al. d), in fine, do CPC, seria a de saber se deve ser
reconhecido à herança o crédito, a título de
responsabilidade civil, emergente das compensações
que a instituição de crédito efectuou, após o decesso
do depositante/mutuário, por débito da conta
bancária de que ele era titular nessa instituição de
crédito, agora exequente.
17-01-2012
Revista n.º 193/04.8TBPSR-A.E1.S1 - 6.ª Secção
Salazar Casanova (Relator) *
Fernandes do Vale
Marques Pereira
Contrato de mútuo
Nulidade do contrato
Enriquecimento sem causa
Abertura de conta
Depósito bancário
Conta solidária
Ónus da prova
I- Se o autor qualificou a relação jurídica estabelecida
entre ele e o réu como um contrato de mútuo, que
logo considerou nulo por falta de forma –
independentemente de tal qualificação não vincular o
tribunal (art. 664.º do CPC) –, seria ele a ter o ónus da
prova de que entre ambos foi celebrado o contrato
invocado como causa de pedir – arts. 342.º, n.º 1,
1142.º, 1143.º e 1145.º, n.º 1, do CC.
II- O enriquecimento sem causa, que visa evitar que
alguém avantaje o seu património à custa de outrem,
sem motivo que o justifique, integra, nos termos do
art. 473.º, n.º 2, do CC, três situações: a) o que foi
indevidamente recebido (condictio indebiti); b) o que
foi recebido em virtude de causa que deixou de existir
(condictio ob causam finitam); e, c) o que foi recebido
com base em efeito que não se verificou (condictio
causa data causa non secuta ou condictio ob rem).
III- A abertura de conta num Banco e os depósitos
pecuniários nela efectuados, exprimem a existência
de um contrato de depósito bancário que é um
contrato real, cuja perfeição só se objectiva através
da prática material da entrega de dinheiro, não sendo
suficiente o mero acordo entre os depositantes e o
banco depositário.
IV- Aquele que pretende afirmar a propriedade
exclusiva do dinheiro depositado em contas bancárias
solidárias, tem de ilidir a presunção constante do art.
516.º do CC, ou seja, que os valores pecuniários
pertencem em partes iguais aos contitulares.
10-01-2012
Revista n.º 467/2002.L1.S1 - 6.ª Secção
Fonseca Ramos (Relator)
Salazar Casanova
Fernandes do Vale
Contrato de depósito
Depósito bancário
Conta bancária
Operação bancária
Transferência bancária
Erro
Enriquecimento sem causa
I- Constituem elementos determinantes do contrato
de depósito bancário: 1) a transferência/depósito
pelo tradens de uma coisa fungível (determinada
quantia em dinheiro); 2) a radicação/inclusão da
quantia transferida/depositada na esfera de
dominialidade (propriedade) do accipens; 3) a
disponibilidade, uso e fruição da coisa
entregue/depositada por parte do depositário; 4) o
dever de restituir por parte do depositário, quando
solicitado pelo depositante, a quantia correspondente
ao saldo existente.
II- O contrato de depósito (irregular) constitui-se, nos
termos da prática bancária, como um contrato de
adesão, porquanto o depositante e o banco estipulam
entre eles um conjunto de regras predefinidas a que o
aderente dá o seu assentimento e mediante o qual o
banco se compromete a oferecer determinados
serviços, como sejam a transmissão regular dos
movimentos bancários efectuados, de débito e
crédito, com o respectivo saldo final.
244
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
III- Através do acto de depósito o tradens aceita
transferir para a esfera de domínio (propriedade) do
accipiens o risco sobre a gestão da quantia que
transferiu, sendo que a partir desse momento se
alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição,
por transferência para a esfera de responsabilidade
do depositário. Cabe ao depositário, enquanto
proprietário da coisa transferida responder pelo risco
de extravio ou dissipação da coisa até ao montante
exigível no momento da solicitação da restituição.
IV- Tendo-se constatado um incremento de um
depósito numa conta existente num banco, operado
por um depósito, injustificado, efectuado pelo banco
depositário, ocorreu, na esfera do depositante que
recebeu o depósito, indevido e injustificado, um
enriquecimento sem causa. Na verdade, sendo o
banco proprietário da quantia, indevida e
injustificadamente, deslocada para uma conta de
depósito existente no mesmo banco, o banco ficou
depauperado ou degradado no respectivo património
em montante correspondente à quantia deslocada.
V- Provado que a titularidade da quantia transferida
radicava no banco e tendo este provado que operou,
sem justificação, uma deslocação monetária para
uma conta de um outro depositante, que não tinha
direito a receber a referida quantia, fica provado o
enriquecimento deste último à custa do banco.
10-11-2011
Revista n.º 1182/09.1TVLSB.S1.L1 - 1.ª Secção
Gabriel Catarino (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Contrato de mútuo
Empréstimo bancário
Carácter sinalagmático
Excepção de não cumprimento
Depósito bancário
Juros
Vencimento
I- A excepção de não cumprimento do contrato é
exclusiva dos contratos sinalagmáticos.
II- O contrato de mútuo bancário, nos termos do qual,
um banco empresta a outrem uma determinada
quantia em dinheiro, creditando, desde logo, parte
dela, na conta de depósito à ordem do mutuário, é
um contrato essencialmente real e assim um contrato
não sinalagmático.
III- Em todo o caso, não existe correspectividade
entre a obrigação, por parte dos mutuários, de
restituir a quantia em dinheiro disponibilizada (e que
não foi objecto de restituição) e respectivos juros, em
consequência do vencimento antecipado do contrato
e a eventual obrigação, por parte do mutuante, de
efectuar a entrega aos mutuários de uma
determinada fatia do capital emprestado, a creditar
na sua conta bancária, após uma nova vistoria a
realizar.
12-07-2011
Revista n.º 1473-A/2002.E1.S1 - 6.ª Secção
Marques Pereira (Relator) *
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Depósito bancário
Titularidade
Conta solidária
Levantamento de dinheiro depositado
Direito real
Direito de crédito
Presunção de propriedade
I- Uma coisa é o direito de crédito de que é titular
cada um dos depositantes solidários e outra o direito
real que recai sobre o dinheiro depositado.
II- Presume-se que os credores solidários participam
nos valores depositados em montantes iguais.
III- Provado que a propriedade do bem depositado,
dinheiro, pertence por inteiro a um dos titulares da
conta, só este ou os seus herdeiros, no caso de
falecimento daquele, podem fazer sua a totalidade do
depósito.
14-06-2011
Revista n.º 1441/08.0TBSTR.E1.S1 - 6.ª Secção
Nuno Cameira (Relator) *
245
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Sousa Leite
Salreta Pereira
Depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Compensação de créditos
I- O contrato de depósito bancário é o contrato pelo
qual uma pessoa entrega a um banco uma soma de
dinheiro para que o guarde e restitua quando o
depositante o solicitar.
II- Esta noção de depósito bancário está ligada à de
conta bancária: quando aquele é efectuado, o mesmo
dá origem à abertura de uma conta, constituindo esta
a expressão contabilística do depósito efectuado.
III- Na conta solidária, qualquer dos contitulares da
conta pode livremente movimentá-la a credito e a
débito, podendo, portanto, levantar toda a quantia
depositada, sem necessidade de autorização ou
ratificação do outro ou outros contitulares
depositantes, vigorando, assim, entre eles o regime
da solidariedade activa, dado que qualquer deles tem
a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e
esta libera o direito para com todos eles (art. 512.º,
n.º 1, 2.ª parte, do CC).
IV- A compensação opera mediante declaração de
uma das partes à outra.
V- O banco, enquanto credor, só tem direito a exigir a
entrega da importância depositada dentro dos limites
a que o devedor está obrigado, mas esse direito não
se confunde com a propriedade da quantia
depositada, a qual pode muito bem pertencer a um
só dos depositantes ou até a terceiro, sendo certo
que ao efectuar-se o depósito a propriedade do
dinheiro transfere-se para o banco, porquanto este o
pode utilizar.
VI- O direito de crédito de que é titular cada um dos
depositantes solidários é distinto do direito real que
recai sobre o dinheiro, direito este que pode
pertencer apenas a algum ou alguns dos titulares da
conta ou até a terceiro.
VII- Estando em causa um credito solidário, é de
presumir que os credores nele comparticipem em
partes iguais, sempre que da relação jurídica entre
eles existente não resulte que são diferentes as suas
partes ou que só um deles deve suportar o encargo
da dívida ou obter o benefício do crédito.
VIII- É ilidível a presunção de que os titulares de
depósitos solidários participam nos valores
depositados em montantes iguais.
12-05-2011
Revista n.º 845/06.8TBGDM.P1.S1 - 2.ª Secção
Tavares de Paiva (Relator)
Bettencourt de Faria
João Bernardo
Princípio dispositivo
Factos instrumentais
Factos essenciais
Contrato de abertura de conta
Depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Titularidade
I- Não obstante o princípio do inquisitório ou da
oficiosidade ter saído revigorado na reforma do
processo civil de 1995/96, imbuído de uma lógica de
cooperação, a verdade é que o Juiz só pode, em
princípio, fundamentar a sua decisão nos factos
alegados pelas partes (princípio dispositivo), sem
prejuízo de poder sempre atender àqueles que não
carecem de alegação ou de prova (art. 514.º do CPC),
de obstar ao uso anormal do processo e de
considerar, mesmo oficiosamente, os factos
instrumentais que resultem da instrução e da
discussão da causa e os factos essenciais que sejam
complemento ou concretização de outros que as
partes hajam oportunamente alegado e resultem da
instrução e da discussão da causa (art. 264.º, n.ºs 2 e
3, do mesmo CPC). Havendo que se circunscrever tal
facto novo no âmbito da causa de pedir formulada,
permitindo a lei que a parte a quem o facto aproveite,
alegue, ainda na fase da instrução ou da discussão, os
246
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
factos complementares que a prova produzida haja
patenteado, com o consequente aditamento da base
probatória e sempre com possibilidade de resposta e
de contraprova da parte contrária. Reportando-se os
falados factos instrumentais aos factos probatórios e
acessórios, que podem surgir da instrução da causa
sem terem sido alegados, e que o Tribunal deve ter
em conta para chegar à conclusão sobre os factos
principais, lançando mão de regras de experiência
que estabeleçam a ligação entre uns e outros. Assim
sucedendo, em sentido amplo, com as presunções
judiciais.
II- A qualificação dos negócios jurídicos feita pelas
partes, não sendo decisiva, já que o Juiz, nesse
âmbito, desde que respeite a matéria a propósito
alegada e provada, actua livremente (art. 664.º do
CPC), releva enquanto um dos elementos a ter em
conta na fixação do respectivo conteúdo, ou seja, na
qualificação jurídica feita pelo julgador.
III- O contrato de abertura de conta, que não se
encontra, em si mesmo, tal como o de depósito
bancário, especificamente regulado na lei, marca o
início de uma relação bancária complexa entre o
banqueiro e o cliente, traçando o quadro básico do
relacionamento entre tais entidades e conclui-se pelo
preenchimento de uma ficha, com a assinatura do
outorgante/cliente num local bem definido.
IV- Tratando-se de um negócio convencional, tal
assinatura é essencial para a sua validade jurídica.
V- Mesmo que diferentemente se entenda, que o
mesmo é um negócio consensual, a assinatura que
nele deve ser aposta, tem então de ser considerada
como uma formalidade ad probationem, recaindo
sobre o interessado na realização de tal contrato a
prova de que o mesmo foi por ele também
outorgado.
VI- O contrato de depósito e a conta são realidades
jurídicas diferentes, mantendo cada uma delas a sua
individualidade.
VII- A titularidade da conta bancária pode nada ter a
ver com a propriedade das quantias nela depositadas.
VIII- Tratando-se de uma conta colectiva, solidária,
nada constando em contrário, presume-se que as
proporções das respectivas quotas são iguais.
31-03-2011
Revista n.º 281/07.9TBSVV.C1.S1 - 2.ª Secção
Serra Baptista (Relator) *
Álvaro Rodrigues
Fernando Bento
Aplicações financeiras
Depósito bancário
Seguro
Actividade bancária
Seguradora
I- As aplicações financeiras, embora formalmente
tenham a estrutura de um contrato de seguro, do
ponto de vista material não o são, na medida em que
não existe sinistro e a aposta é meramente financeira.
II- Por maior que seja a sofisticação do produto
financeiro, este continua a derivar do velho conceito
de «pôr o dinheiro a render», no âmbito de uma
actividade própria do sector bancário, e não do sector
segurador.
III- E tanto assim é que o DL n.º 298/98, de 31/12, ao
regulamentar a actividade financeira e ao estabelecer
no n.º 1 do seu art. 8.º o princípio da exclusividade,
ressalva no n.º 3 a possibilidade desse exercício por
outras entidades, estabelecendo na al. d) que as
empresas de seguros podem exercer actividade
financeira relativamente a «operações de
capitalização».
24-03-2011
Revista n.º 320/07.3TBAGN.C1.S1 - 2.ª Secção
Bettencourt de Faria (Relator)
Pereira da Silva
João Bernardo
Depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Comunhão de adquiridos
Bens comuns do casal
247
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Administração dos bens dos cônjuges
Cônjuge
Administrador
Responsabilidade
Responsabilidade civil do cônjuge administrador
I- O princípio base do regime de comunhão de
adquiridos é só fazerem parte do acervo comum os
bens adquiridos, a título oneroso, depois do
casamento.
II- Residualmente é também comum o produto do
trabalho dos cônjuges, os frutos e o valor das
benfeitorias úteis dos bens próprios elencados no n.º
1 do artigo 1733.º do Código Civil e o direito de
compensação a que se refere o n.º 1 do artigo 1728.º.
III- Os bens comuns – participados por metade pelos
cônjuges – constituem uma massa patrimonial, que
não uma compropriedade, embora, em certos casos,
se lhe apliquem as regras deste instituto.
IV- As coloquialmente chamadas “sobras” do casal,
mais não são do que as “poupanças”, que tanto
podem resultar do produto do trabalho como de
frutos ou do valor de benfeitorias úteis de bens
próprios.
V- O depósito bancário tem a natureza de depósito
irregular, podendo integrar uma relação plural do
lado do depositante.
VI- Nas contas plurais solidárias qualquer dos
depositantes (ou titulares) tem a faculdade de exigir
do banco depositário a prestação integral, de tudo o
que lhe foi entregue (assim este se liberando para
com todos os depositantes).
VII- Qualquer depositante pode mobilizar, total ou
parcialmente, os fundos que depositou.
VIII- Tratando-se de depósito colectivo conjunto só
pode ser movimentado a débito por todos (ou com
autorização) de todos os depositantes.
IX- Há que distinguir entre titularidade da conta e
propriedade das quantias depositadas mas pela
presunção “tantum iuris”, aplicável às contas
solidárias do artigo 516.º do Código Civil, na relação
interna, os depositantes participam no crédito em
partes iguais.
X- O regime da compropriedade é aplicável à
comunhão de outros direitos, “ex vi” do artigo 1404.º
do Código Civil (sem prejuízo do especialmente
disposto para cada tipo de comunhão) sendo de o
considerar para todas as situações de contitularidade
de contas bancárias, razão porque também lhes é
extensível a presunção de participação quantitativa
igual ao que se refere o n.º 2 do artigo 1403.º.
XI- Se o levantamento de uma conta solidária do casal
foi efectuado por um dos cônjuges na constância do
casamento, e não existindo prova de mandato para
administração da metade pertencente ao outro
cônjuge, haverá responsabilidade civil do cônjuge
administrador.
XII- Porém, nestes casos, e por força do n.º 1 do
artigo 1681.º do Código Civil, o elemento subjectivo
da responsabilidade aquiliana é o dolo (directo,
necessário ou mesmo eventual) cuja alegação e prova
incumbe ao cônjuge lesado, nos termos do n.º 1 do
artigo 487.º do Código Civil.
XIII- A responsabilidade civil do cônjuge administrador
perante o outro cônjuge é excepcional (afastando-se
a mera culpa e as simples omissões) já que, fora das
situações do artigo 1681.º, e em nome da
estabilidade, harmonia e paz conjugais, não há
obrigação de prestação de contas na constância do
casamento.
XIV- Cumpre ao Autor que pede a restituição por
enriquecimento sem causa, alegar e provar a
deslocação patrimonial em seu desfavor e em
benefício do enriquecido sem qualquer suporte legal
ou negocial.
22-02-2011
Revista n.º 1561/07.9TBLRA.C1.S1 - 1.ª Secção
Sebastião Póvoas (Relator) *
Moreira Alves
Alves Velho
Cheque
Falsificação
Pagamento
Responsabilidade bancária
248
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Depósito bancário
Saldo contabilístico
Saldo disponível
I- Se um presumido emissor de cheque diz que o
mesmo é uma falsificação, aquele que tinha de o
cobrar não tem de fazer diligências para prova do
contrário; como mandatário do contrato de cobrança,
tem de se limitar, apenas, a constatar que essa
cobrança não é possível.
II- O facto de o réu ter enviado ao autor banco uma
carta com uma proposta de pagamento, a que este
não respondeu, não torna inexigível a quantia
peticionada nos autos, uma vez que o credor não é
forçado a aceitar uma modificação unilateral por
parte do devedor das condições de cumprimento,
atenta a pontualidade com que devem ser cumpridos
os contratos.
13-01-2011
Revista n.º 694/03.5TCGMR.G1.S1 - 2.ª Secção
Bettencourt de Faria (Relator)
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
Conta bancária
Contrato de depósito
Depósito bancário
Descoberto bancário
Responsabilidade contratual
Relação contratual de facto
Juros de mora
Interpelação
Citação
I- O contrato de abertura de conta é um negócio
jurídico que marca o início de uma relação bancária
complexa entre o banqueiro e o cliente e traça o
quadro básico do relacionamento entre tais
entidades, podendo considerar-se como um contrato
a se próprio, com características irredutíveis e uma
função autónoma.
II- O contrato de depósito e a conta, esta em si
mesma considerada, com natureza jurídica, são
realidades diferentes, que mantêm a sua
individualidade.
III- O descoberto em conta é uma operação de
crédito, uma forma de concessão de crédito, que
ocorre, tipicamente, quando se verifiquem
dificuldades acidentais de tesouraria para cuja
solução o banco consente ou tolera um saldo
negativo na conta do cliente.
IV- Se a conta ficar a descoberto e o banco pagar para
além dos limites do seu saldo positivo, ele torna-se
credor do depositante, financiando-o. Ficando-se
perante um novo contrato emergente de um acto que
o banco praticou, no qual – e regido que é pelas
regras típicas do mútuo – se mudam os termos da
relação obrigacional: quem é credor é o próprio
banco que financiou o depositante.
V- Ainda que se não esteja perante um acordo
bilateral expresso de vontades, no que respeita ao
dito financiamento, estamos perante relações
contratuais de facto, assentes em puras actuações de
facto: as relações entre o banco e o cliente resultam
de um comportamento típico de confiança, que não
envolve nenhuma declaração de vontade expressa,
ficando tal relação sujeita ao regime do contrato de
mútuo.
VI- O descoberto em conta, em si mesmo, tem
relevância jurídica conferindo ao banco o direito à
restituição da quantia adiantada ao cliente e a este a
obrigação de a restituir.
VII- Desconhecendo-se qual a data do vencimento do
descoberto em conta, por factos alegados e provados
a tal propósito não haver nos autos, os juros de mora
são devidos depois da interpelação judicial, ou seja,
da citação.
07-10-2010
Revista n.º 283/05.0TBCHV.S1 - 2.ª Secção
Serra Baptista (Relator) *
Álvaro Rodrigues
Bettencourt de Faria
249
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Depósito bancário
Sigilo bancário
Morte
Herdeiro
Direito à informação
I- O titular de uma conta bancária, para aceder às
informações sobre os seus movimentos ou obter um
qualquer extracto bancário, não necessita, para além
de comprovar que é titular da conta, de demonstrar
um qualquer interesse concreto na obtenção de
informações.
II- O direito à informação e, designadamente, o
direito à obtenção de informações documentadas
sobre os movimentos bancários resulta directamente
da lei e do contrato bancário celebrado com vista à
abertura da conta.
III- Tal direito deverá considerar-se transmitido aos
herdeiros, uma vez que os depósitos, enquanto bens,
fazem parte do acervo da herança aberta por morte
do depositante.
IV- Os herdeiros de um depositante bancário não
podem ser tidos como terceiros, relativamente às
contas do mesmo, razão por que não lhes pode ser
oposto o segredo bancário.
V- Os bancos réus não têm qualquer fundamento
legal para recusarem a apresentação dos extractos
bancários solicitados, designadamente quanto ao
período decorrido desde a abertura das contas até à
data do óbito da mãe da autora, na medida em que o
acesso a tais documentos, sendo um direito de sua
mãe, se transmitiu para a recorrente, sua herdeira,
que assim legalmente o poderá exercer.
VI- Por via hereditária, a autora ingressa na
titularidade da situação jurídica pertencente a sua
mãe, passando a assistir-lhe todos os direitos que
àquela pertenciam, na medida do seu respectivo
quinhão.
07-10-2010
Revista n.º 26/08.6TBVCD.P1.S1 - 6.ª Secção
Azevedo Ramos (Relator) *
Silva Salazar
Nuno Cameira
Contrato de mútuo
Contrato real
Tradição da coisa
Cheque
Depósito bancário
I- O contrato de mútuo caracteriza-se por ser um
contrato real quoad constitutionem, no sentido de
que só se completa pela tradição ou entrega da coisa.
II- Essa tradição – que não implica apenas a
transmissão da posse sobre a coisa, mas antes a
transmissão da própria propriedade sobre ela, visto a
datio de coisas fungíveis implicar a perda da sua
propriedade pelo dans – não tem, no entanto, que
corresponder à entrega material da coisa mutuada,
sendo suficiente que o mutuante atribua ao mutuário
a disponibilidade jurídica das quantias mutuadas,
como sucederá se estas forem creditadas numa conta
do mutuário em instituição bancária.
III- No caso concreto, se a quantia a que se reportava
um cheque entrou na disponibilidade jurídica da 1.ª
ré com o depósito do mesmo na respectiva conta
bancária, a conclusão é que só nesse momento se
efectivou a entrega dessa quantia que, obviamente,
beneficiou a 1.ª ré a favor da qual o título com a
inerente ordem de pagamento foi creditado.
21-04-2010
Revista n.º 96/06.1TBSAT.C1 - 6.ª Secção
Cardoso de Albuquerque (Relator)
Salazar Casanova
Azevedo Ramos
Contrato de mútuo
Banco
Boa-fé
Negociações preliminares
Culpa in contrahendo
Alteração do contrato
I- No iter contractus há que distinguir duas fases,
sendo que a dualidade de momentos está reflectida
no art. 227.º do CC: a fase negociatória – preliminares
do contrato –, constituída pelos actos tendentes à
celebração do contrato, e a fase decisória, constituída
250
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
pela conclusão do acordo. Em ambas as fases, ou seja
em todo o itinerário negocial, devem as partes agir
segundo os ditames da boa fé.
II- O princípio da culpa in contrahendo tem aplicação
no domínio do direito bancário, ponto é que os
respectivos pressupostos se verifiquem.
III- Não existe no direito bancário o direito ao crédito,
mediante o qual a entidade bancária seja obrigada a
conceder crédito a outrem.
IV- O banco réu não estava vinculado a aceitar a
renegociação pretendida pelo autor, com alteração
de obrigados pessoais; teria de ser o mutuário quem
deveria alegar e provar que o novo obrigado tinha
património solvente que permitisse garantir o crédito
concedido.
20-10-2009
Revista n.º 3980/07.1TVPRT.P1.S1 - 1.ª Secção
Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas
Cheque
Convenção de cheque
Falta de provisão
Sacador
Banco
Conta bancária
Depósito bancário
Saldo contabilístico
Saldo disponível XE
I- Na base da emissão de um cheque ocorrem duas
distintas relações jurídicas: a relação de provisão e o
contrato ou convenção de cheque – cf. art. 3.º da
LUCH.
II- A emissão de cheques pressupõe a existência no
banco sacado de fundos (provisão) de que o sacador
ou emitente aí disponha e depende da realização do
acordo de contrato ou convenção de cheque,
mediante a qual é concedido ao titular da provisão,
pelo banco, o direito de dispor de numerário através
da emissão de cheques, assumindo o banco a
obrigação de efectuar o pagamento do numerário aí
inscrito, desde que, evidentemente, o sacador
possua, na sua conta bancária, os necessários fundos.
III- Segundo prática bancária usual, o crédito
resultante do depósito de um cheque numa conta
bancária é provisório, sendo logo assumido como
saldo contabilístico, mas não como saldo disponível,
só passando a ter esta índole após boa cobrança.
IV- Face à convenção ou contrato de cheque, o banco
assume a obrigação de efectuar o pagamento de
numerário inscrito no cheque mas, claro, em relação
a fundos existentes em conta bancária aberta em
qualquer das suas agências.
V- O contrato de depósito bancário é um depósito de
coisa fungível, logo irregular, transferindo para o
depositário o domínio sobre a coisa concreta
depositada, mas mantendo no depositante o direito
ao valor genérico correspondente, além do
rendimento se for caso disso.
06-10-2009
Revista n.º 3129/05.5TVPRT.S1 - 1.ª Secção
Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas
Casamento
Regime de bens
Regime da separação
Compropriedade
Depósito bancário
Contrato de depósito
Titularidade
Presunção
I- No regime da separação de bens cada um dos
cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os
seus bens presentes e futuros, podendo deles dispor
livremente (art. 1735.º do CC).
II- Não existindo comunhão, no regime da separação
de bens, poderão existir situações de
compropriedade.
III- Um depósito bancário é um contrato consensual,
relativamente ao qual a lei não exige, para a sua
prova, qualquer documento escrito que seja.
251
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
IV- Num depósito com dois titulares presumem-se
iguais as quotas de cada um, tal como a lei faz
presumir, nos direitos dos comproprietários sobre
uma coisa comum, que, na falta de indicação em
contrário, que os mesmos são quantitativamente
iguais.
24-09-2009
Revista n.º 354/09 - 7.ª Secção
Pires da Rosa (Relator)
Custódio Montes
Mota Miranda
Depósito bancário
Factos notórios
Conta solidária
Regime aplicável
Compensação de créditos
Prova
Factos notórios
I- O depósito bancário é configurado como um
contrato atípico, que reúne elementos comuns da
conta corrente mercantil (art. 347.º do CCom) e de
contrato de mandato (art. 1157.º do CC), e cujo
objecto se desdobra em actividades próximas do
mútuo oneroso (art. 1142.º e ss.) e do depósito (art.
1185.º).
II- Traduz-se na entrega e transferência de
propriedade para o banqueiro da propriedade dos
depósitos que lhe são entregues para este lhes dar a
utilização que entender, mediante a obrigação de
devolução com os respectivos frutos (juros).
III- As contas à ordem podem ser singulares e
colectivas; as colectivas, por sua vez, podem ser
solidárias ou conjuntas. Há ainda a possibilidade de
qualquer das contas colectivas ser mista, sendo
solidária quanto a alguns dos titulares e conjunta
quanto a outros. As contas bancárias solidárias têm
um regime que resulta das respectivas aberturas de
conta. No omisso, caberá recorrer às regras gerais
sobre obrigações solidárias, verificando, caso a caso,
as adaptações que se mostrem necessárias.
IV- Cada depositante tem a vantagem de poder
movimentar, sozinho, o saldo; tem a desvantagem de
poder ser despojado do seu valor, por acto unilateral
do seu parceiro.
V- Perante uma conta solidária, pode o banqueiro
compensar o crédito que tenha sobre algum dos seus
contitulares, até à totalidade do saldo. O único
aspecto restritivo poderia advir das condições de
movimentação acordadas. Assim, se estas não
facultarem débitos em conta por despesas e créditos
do banqueiro em geral, o banqueiro terá de ter o
cuidado de proceder a uma declaração avulsa de
compensação, compensando com o saldo disponível.
VI- Um facto só é notório quando é do conhecimento
geral – art. 514.º, n.º 1, do CPC. Ora só se pode
afirmar que é do conhecimento geral aquilo que toda
a gente conhece. Estando o contrato de abertura de
conta sujeito a cláusulas contratuais gerais e/ou
especiais negociadas entre banqueiro e cliente, só
quem conhece os termos em que foi negociado o
contrato é que verdadeiramente pode estar dentro
dele. Pelo que é absolutamente insustentável dizer
ser um facto notório (ou seja, do conhecimento geral)
que a forma de movimentação de contas solidárias à
ordem só pode fazer-se através de documento escrito
(autorização ou ordem dada por todos os titulares da
conta).
VII- Não se divisando no contrato qualquer norma
que imponha especiais condições concretas em que a
conta poderia ou teria de ser movimentada, nem
resultando da lei qualquer meio específico ad
constitutionem ou ad probationem, para a validade
ou prova da autorização de compensação, é
admissível qualquer meio de prova, inclusive a
testemunhal, para demonstrar que um titular dera o
assentimento para que fosse levada a débito da conta
solidária a importância incluída no título de crédito
em que o mesmo se mostrava obrigado como avalista
– art. 392.º do CC.
09-06-2009
Revista n.º 662/09 - 1.ª Secção
Mário Cruz (Relator) *
252
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Garcia Calejo
Helder Roque
Depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Presunção juris tantum
Responsabilidade solidária
Coisa fungível
Direito de propriedade
Compropriedade
Usucapião
Herdeiro
Transmissão de crédito
I- Os herdeiros podem reclamar o crédito
correspondente aos levantamentos efectuados ainda
em vida da pessoa titular de conta bancária.
II- O Tribunal, uma vez não ilidida a presunção de
solidariedade constante do art. 516.º do CC, pode
condenar os co-titulares que procederam aos
levantamentos dos depósitos a restituir metade
desses valores, não importando atender ao valor do
saldo no momento de cada levantamento.
III- No que respeita às quantias entregues para
depósito bancário, não são elas usucapíveis pelo co-
titular porque se trata de depósito de dinheiro e
portanto de direito de crédito relativo a uma coisa
fungível, isto é, de prestação que tem por objecto
uma coisa fungível, não podendo falar-se de
propriedade ou de direito real sobre a coisa
depositada, não podendo conceber-se o direito real,
quando a prestação tem por objecto coisas
indeterminadas de certa espécie ou qualidade, senão
depois de feita a determinação ou a escolha.
19-05-2009
Revista n.º 2434/04.2TBVCD.S1 - 6.ª Secção
Salazar Casanova (Relator) *
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Responsabilidade bancária
Depósito bancário
Convenção de cheque
Responsabilidade contratual
Falsificação
Presunção de culpa
Litigância de má fé
Recurso de agravo na segunda instância
Admissibilidade de recurso
I- O depósito bancário não surgindo expressamente
consagrado na lei - à excepção da disciplina de várias
das suas modalidades - tendo como matriz o contrato
de depósito, assume a natureza de depósito irregular
aplicando-se-lhe, subsidiariamente (na ausência de
convenção expressa) e se compatíveis com a função
específica do depósito, as regras do mútuo.
II- A entidade bancária não pode imiscuir-se na
origem das quantias nela depositadas (com ressalva
para os casos de branqueamento de capitais) pondo
em causa a sua pertença por, neste ponto, ser
aplicável o n.º 1 do art. 1192.º do CC.
III- A convenção do cheque (conexa com a de
depósito) e tal como a convenção de “cartão de
débito” (vulgo ATM ou Multibanco) permite ao
depositante o acesso aos fundos disponíveis da sua
conta.
IV- O Regime Geral das Instituições de Crédito e
Sociedades Financeiras (RGIC) aprovado pelo DL n.º
298/92, de 31-12, obriga o Banco a respeitar a relação
de confiança com o depositante impondo-lhe deveres
específicos de protecção, quer no momento da
entrega dos impressos quer no de pagamento de
cheques.
V- O depositante tem, entre outros, o dever geral de
não utilizar o cheque à revelia do preceituado na
respectiva Lei Uniforme e os deveres acessórios de
guarda e conservação dos impressos, em termos de
impedir o seu extravio.
VI- Existindo responsabilidade contratual, vale a
presunção de culpa do n.º 1 do art. 799.º do CC, para
o Banco que paga um cheque falsificado e, se tal
alegado, para o depositante de não facilitar o seu
extravio colocando-o em bom recato.
VII- Mas também pode defender-se, em tese, a
responsabilidade objectiva do Banco, que actua, em
253
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
regra, através dos seus funcionários, no cotejo dos
arts. 800.º e 500.º do CC.
VIII- O Banco só ilide a presunção de culpa no
pagamento de cheques falsificados se provar a culpa
do cliente, já que lhe é exigível um grau elevado de
meios técnicos e de preparação para detectar
falsificações.
IX- Face à redacção aplicável do n.º 2 do art. 754.º
CPC não é admissível agravo continuado do despacho
que condenou a parte como litigante de má fé.
07-05-2009
Revista n.º 195/2000.C2.S1 - 1.ª Secção
Sebastião Póvoas (Relator) *
Moreira Alves
Alves Velho
Penhor
Conta corrente
Depósito bancário
Aplicações financeiras
Compensação de créditos
I- À garantia geral das obrigações, que constitui o
património do devedor, pode acrescer um especial
reforço quantitativo, mediante garantia real prestada
por terceiro, da massa de bens respondível pela
dívida, quando este responde com a coisa, certa e
determinada, objecto da garantia.
II- A especialidade da figura do penhor de aplicações
financeiras está no empenhamento de um direito de
crédito sobre um quantitativo monetário que se
encontra depositado e em poder do credor
pignoratício, depósito esse que vai ser,
posteriormente, transformado num determinado
produto bancário, nos termos do acordo estabelecido
entre o depositante e o depositário.
III- Acontecendo o não cumprimento da obrigação
pelo devedor, o credor pode fazer seu o depósito
bancário empenhado, no sentido de se cobrar pelo
valor deste, não com base na existência de um pacto
comissório, atendendo à sua manifesta nulidade, mas
antes pela via da compensação.
IV- A compensação convencional bancária, de que
possam resultar créditos do banqueiro sobre o seu
cliente, é compatível com a possibilidade de o banco
cobrar as importâncias que lhe sejam devidas, em
quaisquer contas de que o mutuário ou os garantes
sejam titulares, únicos ou no regime de solidariedade,
fazendo seu o depósito bancário empenhado.
V- O penhor sobre unidades de aplicação financeira
dadas em garantia vigora enquanto subsistirem as
obrigações cujo cumprimento assegura, seja qual for
a forma por que forem documentadas e debitadas na
escrita do banco, até ao pagamento integral do que
for devido, ficando, consequentemente, cativas, até à
extinção do penhor.
VI- A renovação contratual operada nos contratos de
depósito bancários celebrados entre o garante e o
banco réu, com a identificação do contrato
substituto, na posse de cuja documentação o banco
se encontra, deixa válido e intocado o respectivo
instrumento de penhor, que se não extingue, ficando
o banco autorizado a utilizar os saldos existentes,
para liquidação da dívida.
07-05-2009
Revista n.º 3116/06.6TVLSB.S1 - 1.ª Secção
Helder Roque (Relator) *
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Responsabilidade bancária
Convenção de cheque
Conta bancária
Depósito bancário
Denúncia
I- Verificada a falta de pagamento de um cheque
apresentado, por irregularidade do saque (por
insuficiência de assinaturas), a qual foi comunicada
pelo Banco réu à autora a fim de que esta procedesse
à respectiva regularização, o que a mesma recusou
fazer, impõe-se concluir que a autora pôs em causa o
espírito de confiança que deve presidir à circulação
dos cheques, pelo que o Banco podia rescindir a
convenção de cheque e comunicar essa decisão ao
254
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Banco de Portugal - arts. 1.º, n.º 1, 1.º-A, n.ºs 1 e 2, e
2.º, al. a), do DL n.º 454/91, de 28-12, na redacção
dada pelo DL n.º 316/97, de 19-11.
II- Estando o depósito bancário irregular sujeito ao
regime do contrato de mútuo (arts. 1205.º e 1206.º
do CC), tendo de se considerar oneroso (art. 1145.º,
n.º 1, do mesmo diploma), o pedido de cancelamento
da conta bancária em causa, consubstanciando uma
denúncia do contrato, teria de ser efectuado com a
antecedência mínima de 30 dias (art. 1148.º, n.º 2, do
CC).
III- É incompatível com o pedido de cancelamento
imediato de uma conta a posterior emissão de um
cheque sobre essa mesma conta, a movimentá-la,
pelo que a emissão do cheque em causa revela com
toda a probabilidade a desistência tácita do pedido de
cancelamento, o que impede a extinção da
convenção de cheque com base nesse pedido.
24-04-2009
Revista n.º 1342/06.7TVLSB - 6.ª Secção
Silva Salazar (Relator)
Nuno Cameira
Sousa Leite
Contrato de mútuo
União de facto
Casamento
Conta bancária
Conta solidária
Presunções legais
Bens próprios
I- Os depósitos bancários são solidários quando
qualquer dos titulares pode movimentar sozinho e
livremente a conta, exonerando-se o banqueiro
entregando a totalidade do saldo a quem o pedir (art.
512.º, n.º 1, do CC).
II- São conjuntos quando os movimentos exigem a
intervenção simultânea de todos os seus titulares,
aplicando-se na relação entre estes o disposto no art.
516.º do CC: a medida da participação de cada um no
crédito determina-se em função da relação jurídica
entre eles existente, podendo o mesmo benefício
caber a só um deles; na dúvida, presume-se que
comparticipam em partes iguais na dívida ou no
crédito, não se excluindo ainda que este pertença a
terceiro, representado pelos titulares da conta.
III- A presunção prevista no art. 516.º é uma
presunção legal, que só pode ser ilidida mediante
prova em contrário imposta à parte que pretenda
prevalecer-se de solução contrária à resultante do
facto presumido.
IV- A referida presunção justifica-se pela normal
dificuldade de prova da quota de cada um dos
credores e, como é próprio das diversas presunções,
assenta num pressuposto de probabilidade ou
normalidade.
V- O meio mais directo e frontal para a ilidir é a prova
da exclusão do seu pressuposto, ou seja, de o
depósito não ter sido feito com dinheiro, em partes
iguais, dos titulares da conta, independentemente da
prova do regime da conta, pois a abertura de uma
conta bancária não é adequada para, por si só, alterar
a relação anteriormente existente entre os seus
titulares e a propriedade do dinheiro, o qual deve ter
como destinatário, em princípio, quem era o seu
dono na altura do depósito.
31-03-2009
Revista n.º 3565/04.4TVLSB.S1 - 2.ª Secção
Oliveira Rocha (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista
Conta bancária
Conta bloqueada
Depósito bancário
Convenção de cheque
Dever acessório
Responsabilidade bancária
Responsabilidade contratual
Obrigação de indemnizar
Danos não patrimoniais
Ónus da prova
I- A operação de depósito bancário surge sempre
associada a uma abertura de conta, aplicando-se-lhe
255
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
as regras próprias estipuladas, especificadamente ou
por adesão, a propósito da abertura de conta.
Estando, também, associada a esta a chamada
convenção de cheque.
II- O bloqueio de conta não se confunde
necessariamente com a cessação do contrato da sua
respectiva abertura (embora, por vezes, o prenuncia).
Podendo o mesmo bloqueio, decidido pelo
banqueiro, advir de várias razões, nomeadamente, a
pedido do próprio cliente ou por ordem do Tribunal.
III- Tendo o Banco réu violado, com errada
informação ao cliente, os deveres acessórios de
conduta a que por via do contrato de depósito e
respectiva convenção de cheque com o autor
celebrados está vinculado, torna-se responsável pelo
prejuízo que ao mesmo causa. Devendo considerar-se
como integrando hipótese de violação positiva do
contrato, alem do mais, os casos de violação dos
deveres acessórios, com o inerente direito à
indemnização pelos danos.
IV- Sendo certo que a obrigação de indemnização tem
em vista tornar indemne o lesado, isto é, sem dano,
dever-se-á entender que, no domínio da
responsabilidade contratual ou obrigacional do réu,
resultante do incumprimento de obrigações, cabe
também a ressarcibilidade dos danos não
patrimoniais.
V- Apresentando-se, contudo, o dano como condição
essencial da responsabilidade, não existindo esta sem
aquele.
VI- Incumbindo ao lesado a sua prova, como
elemento constitutivo do direito de que se arroga.
VII- E, ficando o Tribunal na dúvida sobre a realidade
de um facto, deve a mesma ser resolvida contra o
onerado com a respectiva prova, por lhe aproveitar.
19-02-2009
Revista n.º 3821/08 - 2.ª Secção
Serra Baptista (Relator) *
Santos Bernardino
Álvaro Rodrigues
Contrato de depósito
Depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Enriquecimento sem causa
Responsabilidade solidária
Obrigação de restituição
Proveito comum do casal
I- A falta de causa justificativa do enriquecimento
acontece quando não existe uma relação ou um facto
que, à luz do direito, da correcta ordenação jurídica
dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento
jurídico, legitime tal enriquecimento, por se tratar de
uma vantagem que estava reservada a outra pessoa,
ao titular do direito.
II- Na hipótese de intromissão dolosa em bens ou
direitos alheios, sob a forma de uso, consumo ou
alienação de coisas de outrem, geradora de um
enriquecimento para o intruso e, simultaneamente,
causa de um dano para o lesado, sendo o montante
do dano idêntico ao do locupletamento, o lesado
deve invocar, em primeira linha, o direito à
indemnização, e recorrer, subsidiariamente, à
obrigação de restituir, com base no enriquecimento
sem causa.
III- Não se provando que as transferências bancárias
para a titularidade da conta dos réus beneficiários dos
fundos tenham sido determinadas pelos titulares das
contas defraudadas ou por ordem do réu, promitente
comprador, inexistindo, portanto, qualquer
intermediário no circuito bancário que conduziu essas
quantias, directamente, das contas dos lesados para a
conta daqueles réus, promitentes vendedores, não é
sustentável afirmar-se que tais montantes jamais
enriqueceram estes últimos.
IV- Considerando que ao contrato de depósito
bancário se aplica o regime do contrato de mútuo, as
coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário
pelo facto da entrega, correndo o risco do seu
perecimento por conta do adquirente, ou seja, do
banco devedor, que não fica exonerado pelo facto de
desaparecerem das contas dos seus clientes os
256
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
fundos com que se dispunha a cumprir, enquanto a
prestação for possível com coisas do género
estipulado, isto é, com dinheiro.
V- Sempre que o banco debite na conta do seu cliente
uma determinada quantia, sem autorização deste
último, nomeadamente, por virtude de uma actuação
fraudulenta de um terceiro, não imputável a acto ou
omissão do cliente, este manter-se-á credor do
montante debitado.
VI- Ainda que a ordem de pagamento tenha sido dada
a um banco, por um terceiro, mediante via
electrónica, acompanhada, eventualmente, da
introdução de um cartão de débito e da correcta
marcação do PIN respectivo, torna-se irrelevante o
cumprimento efectuado por aquele ao credor
aparente, não extinguindo a obrigação do banco
devedor o cumprimento feito a terceiro, ficando o
«solvens» obrigado a efectuar uma nova prestação,
perante o verdadeiro credor, enquanto a mesma se
não tornar liberatória.
VII- A conta solidária expressa, exclusivamente, o
direito de crédito que se traduz na faculdade de
mobilização dos fundos, de que é titular cada um dos
depositantes solidários, na disponibilidade dos
valores depositados na conta, cuja titularidade não
pré-determina a propriedade dos activos contidos na
mesma, e que pode pertencer apenas a algum ou
alguns dos titulares da conta ou, até mesmo, a um
terceiro, facilitando aos respectivos titulares, tão-só,
a disponibilidade dos fundos que nelas existam.
VIII- Na falta de demonstração em contrário,
presume-se que cada um dos depositantes, em conta
bancária solidária, é proprietário de metade dos
fundos nela existentes, não pertencendo os mesmos,
legitimamente, a qualquer um dos titulares da conta,
sendo, portanto, todos responsáveis solidários pela
obrigação de os restituir, em consequência do
enriquecimento sem causa verificado,
independentemente da prova do proveito comum do
casal dos depositantes da conta.
12-02-2009
Revista n.º 3714/08 - 6.ª Secção
Helder Roque (Relator) *
Sebastião Povoas
Moreira Alves
Banco
Conta bancária
Cheque
Cheque sem provisão
Depósito bancário
Boa fé
Dever de informação
Dever de lealdade
I- A relação bancária - relação do Banco com o seu
cliente - iniciando-se, normalmente, com a celebração
de um contrato de abertura de conta, intensifica-se
ao longo do tempo, volvendo-se numa relação
contínua que, podendo ser preenchida com os mais
diversos negócios, mantém, todavia, uma certa
unidade, configurando-se, assim, como uma relação
contratual duradoura.
II- Entre as partes - banqueiro e cliente - há deveres
de conduta decorrentes da boa fé, em articulação
com os usos ou os acordos parcelares que venham a
celebrar, designadamente deveres de lealdade, com
especial incidência sobre a parte profissional, o
banqueiro.
III- Este fica vinculado a deveres de actuação
conformes com aquilo que se espera da parte de um
profissional tecnicamente competente, que conhece
e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter em
vista a defesa e o respeito dos interesses do seu
cliente; a tutela da confiança é um dos valores
fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da
relação bancária.
IV- Essa especial relação complexa, de confiança
mútua e dominada pelo intuitus personae, impõe à
instituição financeira padrões profissionais e éticos
elevados, traduzidos em deveres de protecção dos
legítimos interesses do cliente, em consonância com
os ditames da boa fé: deveres de diligência e cuidado,
deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção
para certos riscos e sua repartição, deveres de
257
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
informação, deveres de discrição, sigilo ou segredo
profissional, cuja inobservância ou violação poderá
pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitus
personae da relação e originar a responsabilidade da
instituição financeira imprudente ou não diligente.
V- No caso de depósito bancário de um cheque -
mesmo de um cheque interbancário - para que o
banco proceda à sua cobrança, a sua creditação em
conta do cliente é feita sob reserva ou com a cláusula
salvo boa cobrança.
VI- Tendo o banco feito, por escrito, ao seu cliente, a
declaração de que a conta deste fora creditada com o
montante do cheque, salvo boa cobrança deste,
cumpriu o especial dever de informação a que estava
vinculado, e o cliente pôde ficar a saber, ou pelo
menos não pôde não ficar a saber que o cheque foi
recebido sujeito a boa cobrança, com as
consequências desse facto.
VII- Ao creditar o valor do cheque na conta do seu
cliente, o banco fá-lo provisoriamente, não
assumindo o risco da sua não cobrança, antes
fazendo um verdadeiro financiamento do cliente por
antecipação de fundos - financiamento sujeito à
condição de boa cobrança.
VIII- Neste caso, deve o cliente contar com que, se o
cheque não tiver boa cobrança, a inscrição a crédito
será anulada, ou compensada pela inscrição, a débito
da sua conta, do crédito de reembolso do banco.
18-11-2008
Revista n.º 2429/08 - 2.ª Secção
Santos Bernardino (Relator) *
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
Certidão
Acções
Valores mobiliários
Documento particular
Depósito bancário
Conta bancária
Contrato de mútuo
Descoberto bancário
Conta corrente
Conta caucionada
Penhor mercantil
Interpelação admonitória
Boa fé
Responsabilidade contratual
Obrigação de indemnizar
I- As certidões emitidas pela sociedade gestora do
mercado regulamentado da bolsa sobre valores de
cotação de acções consubstanciam-se em
documentos particulares e são insusceptíveis de
produzir prova plena.
II- Ao contrato de depósito bancário à ordem, de
natureza irregular e comercial, associado à conta
bancária - expressão contabilística das operações de
depósito e de levantamento - são aplicáveis, até onde
a sua estrutura o permitir, o regime legal relativo ao
contrato de mútuo.
III- O chamado “descoberto em conta” é susceptível
de envolver a operação pela qual uma instituição de
crédito consente que o seu cliente saque
momentaneamente para além do saldo existente na
conta de que é titular, ou o contrato remunerado
com base no qual a primeira concede crédito ao
último, por via de saque até determinado montante
da respectiva conta de depósitos.
IV- O contrato de concessão de crédito em conta-
corrente caucionada particulariza-se pela
circunstância de o mutuário e o mutuante
convencionarem alguma garantia de cumprimento
pelo primeiro no confronto do último, por exemplo o
penhor de acções.
V- Convencionado entre o mutuante e o mutuário
que a omissão de aprovisionamento da conta de
depósitos pelo último em termos de permitir ao
primeiro a efectivação do seu direito de crédito a este
permitia a rescisão do contrato e a exigibilidade
imediata do montante financiado e a alienação, sem
aviso prévio, das acções dadas em penhor, não
dependia aquela resolução de interpelação
admonitória.
258
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
VI- Age de boa fé no cumprimento do contrato a
parte que o faz diligente, leal e honestamente face
aos legítimos interesses da contraparte, de modo a
não alcançar resultados não tolerados por pessoas de
ética negocial razoável.
VII- Não tendo o mutuante praticado ilícito contratual
ao extinguir o contrato de mútuo, não pode ser
responsabilizado no quadro da responsabilidade civil
contratual por eventuais danos invocados pelo
mutuário derivados daquela extinção.
18-11-2008
Revista n.º 3583/08 - 7.ª Secção
Salvador da Costa (Relator) *
Ferreira de Sousa
Armindo Luís
Conta bancária
Depósito bancário
Procuração
Apropriação
Obrigação de restituição
I- Quem abre e mantém uma conta bancária singular
com a entrega efectiva de fundos tem de presumir-se
que o faz com fundos próprios e não alheios.
II- A autorização dada pela A. à R. de movimentar sem
qualquer restrição a dita conta de depósitos,
traduziu-se em termos práticos numa procuração, e
por forma a que eventuais actos praticados por esta
terem ou deverem produzir os seus efeitos na esfera
jurídica daquela.
III- A R., ao proceder à transferência do dinheiro de
tal conta de depósitos depois de obtido o reembolso
do depósito a prazo para uma conta noutro banco e
na sua inteira disponibilidade, sem o conhecimento
da respectiva titular e manifestamente com a
intenção de fazer sua tal quantia praticou um ilícito
civil, locupletando-se injustificadamente com essa
quantia que ela própria admitiu pertencer à mãe e
que importa responsabilidade com o inerente dever
de indemnizar, nos termos gerais o prejuízo com isso
causado.
11-11-2008
Revista n.º 3129/08 - 6.ª Secção
Cardoso de Albuquerque (Relator)
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Responsabilidade bancária
Depósito bancário
Conta bancária
Conta conjunta
Conta solidária
Compensação
I- No caso dos depósitos conjuntos, e sendo o Banco
credor de um dos depositantes (titular do depósito
conjunto), o credor daquela instituição não é esse
depositante, mas a totalidade dos co-titulares da
conta; nenhum dos contitulares da conta pode
sozinho proceder ao levantamento de uma parte ou
da totalidade do depósito.
II- Daí que no caso das contas colectivas conjuntas, o
Banco não possa efectuar a compensação de crédito
que detinha sobre um dos titulares da conta com o
crédito que todos os contitulares em conjunto
detinham sobre o mesmo Banco.
III- A inércia do ora Autor, co-titular da conta e que
não era devedor da quantia mutuada pelo Banco, não
se pode traduzir no seu assentimento tácito à
operação de compensação realizada.
IV- Acresce que a co-titular, mutuária, filha do Autor,
não tinha legitimidade para oferecer como garantia
ao Banco uma conta a prazo que ela própria não
podia movimentar sozinha e livremente, só o Autor o
podendo fazer e na veste de fiador, pois o
denominado “penhor de conta bancária” não deixa
de constituir em termos práticos uma garantia
pessoal.
04-11-2008
Revista n.º 3097/08 - 6.ª Secção
Cardoso de Albuquerque (Relator)
Azevedo Ramos
Silva Salazar
259
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Responsabilidade bancária
Contrato de depósito
Conta solidária
Depósito bancário
Titularidade
I- A conta bancária é solidária quando pode ser
movimentada por qualquer dos respectivos titulares,
indistinta ou isoladamente, devendo o banco só uma
vez a soma devida ao credor solidário que lho exija,
ou seja, quando qualquer dos credores (depositantes
ou titulares) tem a faculdade de exigir, por si só, a
totalidade da quantia depositada e a prestação assim
efectuada libera o devedor (banco) para com todos
eles (cfr. art. 512.º do CC).
II- O facto de o dinheiro que é depositado numa conta
solidária ser exclusivamente de uma das titulares não
impede que qualquer outra titular possa proceder ao
seu levantamento, sem que ao devedor Banco haja
qualquer obrigação de obstar a esse levantamento,
sob pena de estar a incumprir o contrato de depósito.
III- A propriedade do dinheiro depositado pode
relevar apenas nas relações internas entre os
contitulares da conta, mas não para com o banco em
causa.
IV- Apesar de o gerente do Banco saber que o
dinheiro depositado era exclusivamente da A., a
natureza solidária da conta, obrigava-o (e ao Banco) a
permitir a movimentação daquela, mesmo o
levantamento do respectivo saldo, pela co-ré,
contitular da mesma.
V- Desta forma, o Banco observou as prescrições
contratuais e legais e da sua conduta não resultaram
directamente os danos aqui peticionados, que
resultaram sim, da conduta de apropriação do saldo
bancário pela co-ré.
14-10-2008
Revista n.º 1803/08 - 6.ª Secção
João Camilo (Relator)
Fonseca Ramos
Cardoso de Albuquerque
Banco
Conta bancária
Conta solidária
Compensação de créditos
Juros remuneratórios
Contagem dos juros
I- O réu banco era credor dos seus credores, os ora
autores; com efeito, o réu banco é devedor dos
autores em virtude do contrato de depósito bancário
e é seu credor - quantias de 10.000.000 de pesetas
que cada um dos autores retirou das contas
“Offshore” e cujo saldo, por lapso dos serviços do réu,
se manteve inalterado, acrescidas de juros relativos
às mesmas quantias e que nessas contas continuaram
a ser creditados.
II- Estando provado que a conta que os autores
abriram perante a ré, na sua agência em Valença, é
solidária e independentemente de estarem, agora,
desacompanhados dos respectivos cônjuges, podia a
ré compensar o crédito que tinha sobre os autores,
até à totalidade do saldo.
III- No caso de um dos créditos, ou ambos, vencerem
juros, estes deixam de se contar a partir do momento
da verificação dos pressupostos que condicionam a
compensação, e não a partir somente da declaração
do compensante.
IV- Deste modo, sendo embora certo que a
declaração de compensação teve lugar com a
contestação, os seus efeitos retroagem ao momento
em que os créditos se tornaram compensáveis, ou
seja, a 12-04-2000, data da abertura da conta de
depósitos à ordem pelos autores.
10-07-2008
Revista n.º 1944/08 - 2.ª Secção
Oliveira Rocha (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista
Depósito bancário
Causa de pedir
Ineptidão da petição inicial
Nulidade
260
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Conta corrente
Ónus da prova
Convenção de cheque
I- Na petição inicial, deve o autor, alem do mais,
expor os factos que servem de fundamento à acção,
sendo a causa de pedir o facto jurídico concreto,
simples ou complexo, do qual emerge, por força do
direito, a pretensão deduzida. Sendo ela que, com o
pedido, identifica a pretensão da parte e que, por
isso, ajuda a decidir da sua procedência.
II- Não tendo o autor alegado factos que possam
consubstanciar a causa de pedir, está-se, em
princípio, perante a excepção dilatória da nulidade de
todo o processo, por ser inepta a petição inicial, a
qual deve ser conhecida no despacho saneador,
mesmo oficiosamente, dando lugar à absolvição da
instância.
III- Tendo o saneador transitado em julgado, sem de
tal excepção conhecer - julgando, ao invés, que essa
mesma excepção improcede - já da mesma não é
legítimo mais conhecer.
IV- A conta-corrente tem sido entendida, na
actualidade, como um elemento necessário do
contrato de depósito bancário. Originando cada uma
das suas operações um movimento ou lançamento: a
crédito, no caso de haver uma entrega de fundos; a
débito se se tratar de um reembolso.
V- Competindo, em regra, ao depositante, comprovar
a entrega de fundos e ao depositário provar as
operações de reembolso.
VI- Fundando-se a convenção do cheque numa
relação de confiança entre o banco e o titular da
conta, a responsabilidade pelos danos causados pelo
pagamento de cheques falsificados, designadamente,
deve ser assacada àquele dos contraentes que tiver
agido com culpa. Sendo certo que da mesma
resultam, alem do mais, deveres acessórios de
conduta quer para o banqueiro, quer para o cliente.
VII- Tendo resultado apenas provado, face à
paupérrima alegação da autora, que a mesma fez um
depósito de 4.500.000$00 em 12-06-1987 (e a acção
deu entrada em Juízo em 10-05-2006), sem ter
especificado minimamente, entre centenas de
movimentações bancárias constante do “histórico”
respectivo (relativo ao período de 09-06-1987 a 09-
06-1990), que em muito ultrapassam tal valor, quais
aquelas que entende corresponderem a
levantamentos abusivos, não pode jamais a acção
proceder.
03-07-2008
Revista n.º 956/08 - 2.ª Secção
Serra Baptista (Relator) *
Duarte Soares
Santos Bernardino
Depósito bancário
Compensação de créditos
I- É possível a um Banco proceder à compensação de
seu crédito sobre um cliente com o crédito que este
último tem sobre o mesmo Banco resultante de um
depósito (singular) bancário à ordem, mas já não no
que respeita aos depósitos a prazo, dado que tal
depósito só poderá ser levantado no fim do prazo
estipulado, sendo que a exigibilidade é um dos
requisitos da compensação (legal).
II- No que toca aos depósitos colectivos conjuntos -
que se caracterizam pelo facto de a sua mobilização
só se poder realizar pela actuação conjunta de todos
os titulares -, o Banco não poderá efectuar a
compensação de um crédito que tenha sobre um dos
titulares da conta com o crédito que todos os
contitulares desta, em conjunto têm perante o Banco.
Isto porque nenhum dos titulares pode, sozinho,
proceder ao levantamento de uma parte ou da
totalidade do depósito.
III- Já no que concerne aos depósitos colectivos
solidários - que se caracterizam pela possibilidade de
qualquer dos titulares movimentar livremente os
valores depositados na conta, sem carecer da
autorização ou intervenção dos demais - não é
possível ao Banco, por iniciativa própria (isto é, sem
qualquer um dos titulares da conta pedir o
cumprimento), efectuar a compensação.
261
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
IV- Se apenas dispuser de autorização nesse sentido
de apenas um dos titulares, e porque a titularidade da
conta pode nada ter a ver com a propriedade do
montante monetário nela depositado, o Banco
apenas poderá proceder à compensação se, nessa
operação, não ultrapassar o montante da quota parte
do devedor (que se presume igual à dos demais
titulares - art. 516.º do CC).
05-06-2008
Revista n.º 1361/08 - 1.ª Secção
Garcia Calejo (Relator)
Mário Mendes
Sebastião Póvoas
Nulidade de acórdão
Omissão de pronúncia
Matéria de facto
Fundamentos
Contrato de depósito
Depósito bancário
Obrigação de restituição
Cumprimento
Terceiro
I- O vício de nulidade a que se reporta a 1.ª parte da
al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC é insusceptível de
ser integrado pela omissão de pronúncia sobre
motivação ou argumentação fáctico-jurídica.
II- O contrato de depósito bancário consiste
fundamentalmente na entrega de certa quantia em
dinheiro por uma pessoa (depositante) a um banco
(depositário) para que este a guarde e restitua
quando lhe for exigida.
III - É-lhe subsidiariamente aplicável - em tudo quanto
não esteja previsto em normas de direito comercial
(face à natureza assumida pela operação bancária) - o
regime legal relativo ao contrato de mútuo, atento o
disposto no art. 1206.º do CC, certo como é ser o
depósito bancário um contrato de depósito irregular
por ter objecto mediato dinheiro, isto é, uma coisa
fungível (art. 1205.º do mesmo Código).
IV- Por via dele, transfere-se da titularidade do
depositante para a titularidade da instituição de
crédito depositária o direito de disposição dos valores
depositados, constituindo-se a última na obrigação de
os restituir ao primeiro logo que lhe sejam exigidos.
V- Assim sendo, a restituição deve ser feita ao
credor/cliente, sob pena de, prestada a terceiro, ser
ineficaz (art. 769.º do CC).
VI- Há, todavia, casos em que a prestação feita a
terceiro extingue a obrigação, como acontece se o
credor, não tendo autorizado a prestação, a ratificar,
dando como bom o cumprimento feito ao estranho à
relação creditória, ou se o credor vier a aproveitar-se
do cumprimento e não tiver interesse fundado em
não a considerar como feita a si próprio (arts. 770.º,
als. b) e d), do CC).
13-03-2008
Revista n.º 340/08 - 7.ª Secção
Fereira de Sousa (Relator)
Armindo Luís
Pires da Rosa
Uniformização de jurisprudência
Responsabilidade bancária
Depósito bancário
Responsabilidade extracontratual
Cheque
Revogação
Justa causa
Ordem de não pagamento
Convenção de cheque
Ilicitude
Dano
Uma instituição de crédito sacada que recusa o
pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo
estabelecido no art. 29.º da LUCH, com fundamento
em ordem de revogação do sacador, comete violação
do disposto na 1.ª parte do art. 32.º do mesmo
diploma, respondendo por perdas e danos perante o
legítimo portador do cheque, nos termos previstos
nos arts. 14.º, 2.ª parte do decreto n.º 13004 e 483.º,
n.º 1, do Código Civil.
28-02-2008
Revista n.º 542/06 - 1.ª Secção
262
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Paulo Sá (Relator) *
Duarte Soares
Azevedo Ramos
Silva Salazar (voto de vencido)
Sebastião Povoas (voto de vencido)
Moreira Alves
Salvador da Costa (voto de vencido)
Ferreira de Sousa
Santos Bernardino (voto de vencido)
Nuno Cameira
Alves Velho
Moreira Camilo
Armindo Luís
Pires da Rosa
Bettencourt de Faria
Sousa Leite
Salreta Pereira
Custódio Montes (voto de vencido)
Pereira da Silva (voto de vencido)
Rodrigues dos Santos
João Bernardo
Urbano Dias (voto de vencido)
João Camilo (voto de vencido)
Mota Miranda (voto de vencido)
Alberto Sobrinho
Oliveira Rocha (voto de vencido)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Oliveira Vasconcelos
Fonseca Ramos
Mário Cruz
Rui Maurício (voto de vencido)
Cardoso de Albuquerque
Garcia Calejo
Serra Baptista (dispensei o visto)
Mário Mendes (dispensei o visto)
Lázaro de Faria
Noronha do Nascimento
Responsabilidade bancária
Contrato de depósito
Contrato de mandato
Operação de bolsa
Obrigação de restituição
I- Sendo próprio do depósito bancário (irregular) o
depositário poder dispor do dinheiro depositado
como lhe aprouver, por deter a respectiva
titularidade, impondo-se apenas a sua devolução
quando solicitada pelo titular da conta, a
inoponibilidade da utilização jamais poderá fundar-se
nesses poderes do banqueiro.
II- Assim, a actuação da R. ao utilizar capital do
depósito e conta dos AA. para operações bolsistas
sempre seria lícita, só não podendo recusar a
restituição quando pedida.
III- Demonstrado, porém, que houve mandato
expresso para utilização do capital entregue e
existente na conta em causa em operações de bolsa -
compra e venda de acções - já não se está, quanto ao
pagamento pedido e à causa invocada, perante uma
questão relativa ao contrato de depósito bancário e
respectivo cumprimento, como vem peticionado, mas
perante uma outra causa (um outro contrato) com
conteúdo prestacional bem diverso.
IV- Consequentemente, indemonstrados os
fundamentos da pretensão, o acto ilícito - traduzido
na recusa infundada da devolução do dinheiro
depositado e juros, com incumprimento do contrato
de depósito -, a acção tinha de improceder, pois que
não estava em causa a apreciação da eficácia e
execução do contrato de mandato.
10-01-2008
Revista n.º 4225/07 - 1.ª Secção
Alves Velho (Relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias
Responsabilidade bancária
Depósito bancário
Convenção de cheque
Sociedade comercial
Vinculação de pessoa colectiva
Presunção de culpa
Dano
263
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
I- O contrato de depósito bancário é um contrato real,
quoad constitutionem, porque a sua constituição
exige a entrega de dinheiro, ou seja, a transferência
da propriedade do dinheiro do depositante para o
Banco.
II- A utilização pelo Banco dos montantes
depositados, legalmente permitida e constitutiva da
própria noção do depósito bancário, deve pautar-se
pelas normas de utilização dos depósitos e pelas
respectivas normas estatuárias ou usos bancários a
que alude o art. 407.º do CCom, não podendo o
Banco, sem expressa anuência do depositante, dar-
lhe outro fim diferente daqueles.
III- Na base da emissão de um cheque há duas
relações jurídicas distintas: a relação de provisão, a
qual pode revestir diversas modalidades mas
geralmente deriva de um depósito em dinheiro feito
pelo cliente junto do banco, e a convenção de
cheque, contrato, formalizado expressa ou
tacitamente, em que são partes o banco e o seu
cliente, através do qual o banco consente que o
cliente mobilize os fundos postos à sua disposição,
mediante a emissão de cheques, a fornecer pelo
Banco, a pedido do cliente (art. 3.º da LUC).
IV- O beneficiário/tomador não tem, assim, qualquer
direito contra o banco. Logo, o Banco não tem o
dever de dar atenção às relações entre o sacador e o
beneficiário/tomador do cheque e isto porque,
normalmente, o banco não se apercebe com precisão
da natureza das relações existentes e, por outro lado,
essa relação fundamental, por princípio, nada tem a
ver com o Banco.
V- O principal direito que cabe ao Banco é o de lançar
em conta o pagamento do cheque. O seu dever
principal é o dever de pagamento. Como deveres
laterais, o dever de rescindir o contrato de cheque, no
caso de utilização indevida, o dever de respeitar a
revogação do cheque, o dever de esclarecer um
terceiro que reclame informações sobre essa
revogação, o dever de verificar cuidadosamente os
cheques que lhe são apresentados, o dever de não
pagar em dinheiro o cheque para levar em conta, o
dever de informar o cliente/sacador sobre o destino e
tratamento do cheque.
VI- Existem situações em que a validade da ordem de
pagamento pode ser posta em causa. São as
chamadas causas de justificação - falsificação,
ilegítima apropriação e endosso irregular - que
afectam, em regra, a validade do saque ou a validade
da emissão, entendida esta como entrega voluntária
ao tomador. Em todos estes casos, a ordem de
pagamento, enquanto dirigida ao sacado, é nula,
devendo ser recusado o seu pagamento.
VII- Sendo do conhecimento do Banco Réu que eram
necessárias duas assinaturas dos gerentes da
sociedade ora Autora, sua cliente, para a vincular, o
facto de ter descontado cheques (debitando as
respectivas importâncias na conta da Autora) em que
apenas figurava a assinatura de um dos gerentes
consubstancia uma actuação ilícita, atendendo ao
disposto nos arts. 260.º e 261.º do CSC, sendo de
presumir a sua culpa, nos termos do art. 799.º do CC.
VIII- No entanto, tendo o Banco provado que os
cheques serviram para efectuar pagamentos a
credores da sociedade, extinguindo-se os
correspondentes débitos, cuja existência a Autora
não impugnou, conclui-se que não existem prejuízos a
indemnizar, pois, apesar do capital ter saído da conta
de que a Autora era titular, com tais pagamentos
diminuiu em igual montante o passivo da empresa.
18-12-2007
Revista n.º 3430/07 - 1.ª Secção
Paulo Sá (Relator)
Mário Cruz
Garcia Calejo
Depósito bancário
Conta bancária
Meios de prova
Prova
Prova documental
I- Os depósitos bancários provam-se, não só através
de títulos, como por extractos de conta, qualquer
outro documento ou por qualquer outro meio de
264
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
prova; alguns depósitos nem sequer têm título - basta
atentar nos que são efectuados através de
transferência ou por meios electrónicos.
II- De resto, a disposição legal contida no n.º 3 do DL
n.º 430/91, de 02-11, não tem qualquer relação com
os meios probatórios dos depósitos bancários; o que
no referido preceito legal se dispõe é que em relação
aos depósitos a prazo e aos depósitos a prazo
mobilizáveis antecipadamente, as instituições
depositárias devem proceder à emissão de um título
nominativo, representativo do depósito.
III- Impõem-se regras para a transmissão desses
títulos e definem-se os elementos essenciais dessas
operações mas daí não se pode retirar a ilação de que
os depósitos não possam ser provados senão através
dos respectivos títulos.
IV- A obrigação da emissão de título pelas instituições
depositárias só é imposta em relação aos depósitos a
prazo para garantia dos depositantes, mas, apesar
disso, nada obsta que em caso de perda - por extravio
ou por qualquer outra razão - o depositário possa
fazer prova dos seus depósitos, mesmo a prazo, por
quaisquer outros meios de prova.
21-06-2007
Revista n.º 1471/07 - 2.ª Secção
Gil Roque (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Duarte Soares
Responsabilidade bancária
Depósito bancário
Gerente
Causa de pedir
Responsabilidade objectiva
Provado que os actos ilícitos e culposos de um
gerente bancário não se esgotaram enquanto gerente
de outro banco em que anteriormente exercia
funções, mas continuaram por cerca de mais cinco
anos, no exercício das funções de gerente da
recorrente, e que a atitude desta, através deste seu
gerente, emitindo promissórias e extractos de conta e
pagando ou capitalizando juros dos depósitos,
impediu os AA. de reagir tempestivamente aos actos
ilícitos praticados pelo referido gerente enquanto
exerceu funções na outra instituição bancária, e que
causaram danos aos AA. cujo valor não é possível
isolar na totalidade dos danos sofridos por estes,
estabelecendo o art. 507.º do CC a responsabilidade
solidária das várias pessoas responsáveis pelo risco,
cremos ter andado bem o acórdão recorrido, ao
condenar a recorrente a suportar a totalidade dos
danos patrimoniais e morais causados aos AA., já que
a causa de pedir não é a responsabilidade contratual
da recorrente, mas antes a sua responsabilidade
objectiva pelos actos ilícitos e culposos do seu
gerente, que causaram danos patrimoniais e morais
aos AA. (art. 500.º do CC).
12-06-2007
Revista n.º 1637/07 - 6.ª Secção
Salreta Pereira (Relator)
João Camilo
Fonseca Ramos
Cartão de crédito
Cartão de débito
Depósito bancário
Abertura de crédito
Cláusula contratual geral
Acção inibitória
I- Subjacente ao levantamento de numerário de uma
máquina automática de caixa e à operação de
pagamento automático está um contrato, designado
por “contrato de utilização” do cartão.
II- Trata-se de um contrato acessório instrumental,
em relação ao contrato de depósito bancário ou ao
de abertura de crédito em conta corrente.
III- As cláusulas do “contrato de utilização” - contrato
pré-elaborado e que apresenta todas as
características de contrato de adesão - são
unilateralmente impostas pelo banco, que é, em
regra, o contraente mais forte, reduzindo-se a
liberdade contratual do titular do cartão à decisão de
aderir ou não ao contrato.
265
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
IV- Daí a exigência de um controlo a posteriori -
controlo incidental - das condições gerais inseridas
nesse tipo de contrato, ou do seu controlo preventivo
- controlo abstracto -, através de uma acção inibitória,
destinada a erradicar do tráfico jurídico condições
gerais iníquas, independentemente da sua inclusão
em contratos singulares, com vista ao
restabelecimento do adequado equilíbrio, perdido na
contratação massificada.
V- Tratando-se de cartões com um prazo
determinado de validade, estamos perante contratos
de prestação duradoura por tempo determinado.
VI- Deste modo, a denúncia deve fazer-se para o
termo do prazo da sua renovação, não se justificando
falar em falta de motivo justificado.
VII- No caso de resolução, esta tem de ser motivada,
só sendo legítima, quando verificado o pressuposto, o
evento, erigido em causa de resolução.
17-05-2007
Revista n.º 1295/07 - 2.ª Secção
Oliveira Rocha (Relator) *
Gil Roque
Oliveira Vasconcelos
Depósito bancário
Abertura de crédito
Contrato de mandato
Ordem de bolsa
I- A cláusula aposta numas concretas condições gerais
de depósitos de títulos, na qual se estipulou que “a
execução de qualquer ordem de compra ou
subscrição ficará condicionada à existência de
provisão na conta de depósito à ordem, sendo a
respectiva importância cativa até ao termo da
operação ordenada”, mostra-se estabelecida no
interesse do banco - intermediário financeiro (art.
326.º, n.º 2, al. c), do CVM) -, não impedindo a
concessão do crédito necessário para a aquisição dos
títulos.
II- Assim, apesar de o réu não ter quantia disponível
para o pagamento das concretas ordens de compra
que deu ao banco-autor, podia este executar tais
ordens, em função do pedido de crédito que aquele
lhe dirigiu em momento anterior.
03-05-2007
Revista n.º 986/07 - 7.ª Secção
Ferreira de Sousa (Relator)
Armindo Luís
Pires da Rosa
Responsabilidade bancária
Depósito bancário
Cheque
Falsificação
Presunção de culpa
I- A responsabilidade pelo pagamento de cheques
falsificados é regulada pelos princípios da
responsabilidade civil, assente na culpa.
II- Seja qual for a natureza do depósito bancário,
porque existe transferência da propriedade da coisa
concretamente recebida, sempre o risco pelo destino
da coisa depositada há-de correr por conta do
depositário - art. 796.º, n.º 1, do CC -, salvo se for
devido a causa imputável ao depositante.
III- Desde que não se verifique actuação quer do
depositante quer do depositário propiciadora do
surgimento de irregularidades, a responsabilidade
pela integridade do depósito impende sobre o
depositário.
IV- O risco assumido pelo banco depositário só não
subsistirá quando houver culpa relevante do
depositante, que se sobreponha ou anule a
responsabilidade daquele.
V- Havendo incumprimento ou cumprimento
defeituoso do contrato, incumbe ao banco alegar e
provar que o evento danoso se deu por causa
imputável ao depositante e emitente do cheque.
VI- Logo, o pagamento pelo banco de cheque
falsificado e através de conta a descoberto apenas
liberará o banco se este provar que não teve culpa -
art. 799.º, n.º 1, do CC - e que o pagamento foi devido
a comportamento culposo do depositante e emitente
do cheque.
22-03-2007
Revista n.º 4786/06 - 7.ª Secção
266
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Armindo Luís (Relator)
Pires da Rosa
Custódio Montes
Depósito bancário
Convenção de cheque
Descoberto bancário
Conta conjunta
Responsabilidade solidária
I- A abertura de uma conta é, normalmente, a génese
da relação bancária complexa entre o banqueiro e o
seu cliente, traçando o “cenário” factual e legal do
seu relacionamento, o qual se deve pautar por
deveres de conduta, derivados da boa fé, dos usos
bancários ou dos acordos particulares que
celebrarem, à luz do princípio da liberdade
contratual.
II- Da simples abertura da conta, nascem desde logo
direitos e deveres recíprocos, assumindo o banco,
designadamente, a obrigação de receber cheques do
cliente, mesmo que emitidos por outros bancos, para
“depositar” na conta entretanto aberta, se nada for
convencionado em sentido contrário.
III- O contrato de depósito bancário é um contrato
real, cuja perfeição só se alcança através da prática
material da entrega de dinheiro (arts. 1185.º, 1205.º
e 1206.º do CC).
IV- A realização do depósito bancário
(designadamente nos depósitos à ordem) dá origem à
abertura de uma conta, na qual se vão registando as
entregas feitas pelo cliente, ao abrigo do contrato de
depósito, bem como todos os levantamentos,
representando essa conta a expressão contabilística
do depósito.
V- Provado que os RR., apesar de avisados que não
podiam efectuar o movimento do contravalor em
escudos correspondente ao cheque de 30.000
dólares, antes de decorridos quarenta e cinco dias
sobre a data do depósito desse cheque e antes da
confirmação da boa cobrança do mesmo, efectuaram,
antes desse prazo e dessa confirmação, movimentos
na conta de que eram titulares, tendo apresentado a
pagamento três cheques, cujo montante o A.
adiantou, porventura pressupondo a boa cobrança do
cheque estrangeiro, ou com fundamento numa
relação de confiança estabelecida com os RR.
enquanto clientes, está-se indiscutivelmente perante
uma situação de “descoberto em conta”.
VI- Apurou-se ainda que o R. foi informado que
aquele cheque não teve boa cobrança, e que o
mesmo foi contactado directamente pelos
responsáveis pelo balcão do Banco para regularizar a
conta, o que não foi feito, tendo aquele saldo
negativo sido transferido para a área de contencioso,
vindo posteriormente o A. a recorrer à presente
acção judicial para haver dos RR. a importância que
adiantou e à qual tem direito.
VII- Resultando da matéria de facto provada que
ambos os RR. movimentaram a crédito e débito a
conta conjunta e que o valor a descoberto foi
utilizado em proveito de ambos, respondem
solidariamente pelo pagamento dos adiantamentos
efectuados pelo autor.
19-12-2006
Revista n.º 3629/06 - 1.ª Secção
Paulo Sá (Relator)
Borges Soeiro
Faria Antunes
Depósito bancário
Descoberto bancário
Conta bancária
Conta de depósito
Compensação de créditos
Juros bancários
Juros compensatórios
É ilegítima a compensação de descoberto em conta
verificado em conta de depósito à ordem mediante a
transferência de fundos subsistentes em conta de
depósito a prazo do mesmo cliente de instituição
bancária quando operada sem o simultâneo
pagamento dos juros correspondentes a esse
depósito, a efectuar por inteiro.
23-11-2006
Revista n.º 3281/06 - 7.ª Secção
267
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Oliveira Barros (Relator) *
Ferreira de Sousa
Salvador da Costa (vencido)
Responsabilidade bancária
Depósito bancário
Convenção de cheque
Obrigações recíprocas
Enriquecimento sem causa
Requisitos
Abuso do direito
I- O contrato de depósito bancário é um contrato real
“quoad constitutionem”, porque a sua constituição
exige a entrega de dinheiro, ou seja, a transferência
da propriedade do dinheiro do depositante para o
banco.
II- A realização do depósito bancário
(designadamente nos depósitos à ordem) dá origem à
abertura de uma conta, na qual se vão registando as
entregas feitas pelo cliente, ao abrigo do contrato de
depósito, bem como todos os levantamentos,
representando essa conta a expressão contabilística
do depósito.
III- O cheque é um título cambiário, passado à ordem
ou ao portador, com as características próprias dos
títulos de crédito (literalidade, autonomia e
abstracção), contendo uma ordem dada a uma
instituição bancária, junto da qual o seu titular é
suposto ter fundos disponíveis, para pagar uma
determinada importância ao seu beneficiário.
IV- Na base da emissão de um cheque há duas
relações jurídicas distintas: a relação de provisão e a
convenção de cheque.
V- O principal direito que o cliente/titular da provisão
adquire pela celebração deste tipo de contrato é,
naturalmente, a possibilidade de emitir cheques
sobre fundos de que dispõe, sabendo que o banco os
pagará. Paralelamente, o cliente obriga-se a verificar
o estado da sua conta e a zelar pela caderneta de
cheques.
VI- O banco tem como dever principal o dever de
pagamento. Como deveres laterais, o dever de
rescindir o contrato de cheque, no caso de utilização
indevida, o dever de respeitar a revogação do
cheque, o dever de esclarecer um terceiro que
reclame informações sobre essa revogação, o dever
de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são
apresentados, o dever de não pagar em dinheiro o
cheque para levar em conta, o dever de informar o
cliente/sacador sobre o destino e tratamento do
cheque. O principal direito que cabe ao banco é o de
lançar em conta o pagamento do cheque.
VII- Resultando dos autos que, só através de erro
material, traduzido na presunção de que ocorrera
“boa cobrança” é que se permitiu que o banco A.
efectuasse a transferência do montante em questão,
sendo certo que carecia de fundamento, uma vez que
a câmara de compensação do Banco de Portugal
havia devolvido o cheque por motivo de extravio, o
enriquecimento do réu careceu sempre de causa
justificativa, já que, o depósito da quantia na conta
dos réus ficou desprovido de qualquer suporte
factual/jurídico.
VIII- Em contrapartida, reportando-nos agora ao
contrato de depósito, o réu não tinha provisão para o
levantamento que efectuou, dado não ter ocorrido a
“boa cobrança” do cheque. Houve, manifestamente,
um consequente empobrecimento do A.
relativamente ao levantamento do R. que, de tal
forma, se traduziu num levantamento o descoberto,
sem prévio assentimento do A. nesse sentido.
IX- Uma vez que o enriquecimento do réu foi obtido à
custa do empobrecimento do autor, é legítima a
conclusão de que há um nexo causal entre aquele e
este, verificando-se, pois, todos os requisitos do
enriquecimento sem causa, previstos no art. 473.º do
CC.
X- Face à matéria de facto dada como provada, não
pode sustentar-se que o autor, que consentiu no
levantamento no pressuposto de que não havia
qualquer obstáculo à boa cobrança do cheque
depositado, excedeu manifestamente os limites da
boa fé, ao, verificada a recusa de pagamento, válida
268
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
atento o motivo invocado, passar a exigir o que
pagara aos RR., à sua custa.
21-11-2006
Revista n.º 2855/06 - 1.ª Secção
Paulo Sá (Relator)
Borges Soeiro
Faria Antunes
Depósito bancário
Cheque
Cheque sem provisão
Responsabilidade bancária
I- É frequente o depósito de títulos de crédito para
cobrança; a perfeição do contrato só se atinge com a
entrega, para depósito, das quantias mencionadas
naqueles títulos; tal resulta do disposto no art. 346.º
§ único do CCom e ainda da natureza do depósito
bancário, ao qual, por ser um depósito irregular, são
aplicáveis as normas relativas ao mútuo - art. 1206.º
do CC - entre as quais a do art. 1144.º, também do
CC.
II- Perante a entrega dos cheques, a ré Caixa de
Crédito Agrícola Mútuo facultou, de imediato, ao
autor as quantias monetárias de que este se
aproveitou; não existe aqui qualquer acto ilícito por
parte dela; poderia ela até nada ter facultado que
estaria a proceder legalmente.
III- A Caixa agiu permissivamente, assumindo riscos
mas em favor do autor; não se pode daqui inferir,
com o mínimo de subsistência, que ela tenha levado o
autor a despender as referidas quantias; ele é que era
o responsável pela boa cobrança dos cheques,
repercutindo-se sobre a sua conta eventual não
cobrança.
IV- Constatada a não cobrança dos cheques, o autor
foi pressionado por representantes da ré para cobrir,
de imediato, a conta; o pressionar, por si, não é ilícito;
pode, efectivamente, assumir foros de ilicitude, se
levado a cabo em certos termos, mas nada disso
resulta dos factos provados.
02-11-2006
Revista n.º 2514/06 - 2.ª Secção
João Bernardo (Relator)
Abílio de Vasconcelos
Duarte Soares
Depósito bancário
Convenção de cheque
Cheque
Transferência bancária
I- Por força do contrato de cheque, o Banco sacado
compromete-se a pagar os cheques emitidos pelo seu
cliente. Mas a actuação da Banco faz-se sempre em
nome próprio. É o banco que paga os cheques, não o
cliente.
II- Para que um cliente utilize um cheque de um
módulo de uma conta para movimentar outra conta
de que igualmente seja titular é preciso que: a) o
banco depositário autorize; b) no cheque seja apenas
alterado o n.º da conta; c) o cheque não entre no giro
bancário; d) o cheque seja pago directamente pelo
banco sacado.
III- As razões para tal são as seguintes: o cheque em
questão não deixa de reunir os requisitos essenciais
(a identificação da conta a débito no cheque não é
elemento essencial, não integra qualquer dos
requisitos previstos no art. 1.º da LUCh); o cheque
não entra no giro bancário, pelo que irreleva a sua
alteração e a rasura é autorizada ou realizada pelo
sacador; tudo se passa no interior do banco sacado e
com o acordo deste.
IV- Tendo sido acordado entre o Banco Réu e a
Fundação Autora um contrato de cheque que
originou a emissão de certo cheque, o qual, embora
sacado sobre a conta n.º X, foi movimentado a débito
da conta n.º Y, apresentando-se alterado na
identificação da conta a cuja movimentação respeita,
resultando essa alteração de uma “emenda” à mão
sobre os dígitos originais impressos, autorizada pelo
Presidente da dita Fundação - tinha poderes para
movimentar tais contas -, cheque esse que veio a ser
depositado, de acordo com instruções do dito
Presidente, numa conta pessoal deste, realizando-se
o débito na conta da Autora, é de concluir que o
269
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
cheque em causa é válido e que o Banco procedeu
correctamente ao realizar o débito na conta indicada,
apesar da alteração dos dígitos primitivos.
V- O Banco não podia ter atendido o pedido
efectuado por uma das vogais da Fundação para que
o cheque não fosse depositado, pois ela não tinha
poderes para, por si só, obrigar esta última.
VI- A operação consistiu numa transferência de
fundos de contas sedeadas no mesmo Banco, ou seja,
numa operação contabilística, tendo sido realizada
segundo as instruções do cliente, nada indicando ter
havido violação dos contratos de cheque e de
depósito bancário.
08-06-2006
Revista n.º 326/06 - 1.ª Secção
Paulo Sá (Relator)
Borges Soeiro
Pinto Monteiro
Conta bancária
Conta de depósito
Conta solidária
Descoberto bancário
Compensação
I- O depósito bancário é o contrato pelo qual uma
pessoa entrega determinada importância em dinheiro
a um banco, que adquire a respectiva propriedade e
se obriga a restitui-lo no fim do prazo convencionado
ou a pedido do depositante.
II- O depósito bancário não se constrói a partir do
pressuposto de que a propriedade do dinheiro
pertence ao depositante; este pode actuar como
mandatário ou como simples manuseador de
dinheiros alheios. O que resulta da operação é que o
banco adquire a propriedade e a disponibilidade do
dinheiro, e o depositante um direito de crédito sobre
o banco.
III- Por conta solidária, entende-se a conta de
depósito à ordem aberta num estabelecimento
bancário em nome de duas ou mais pessoas e que
pode ser livremente movimentada individualmente,
por cada um dos seus contitulares, tanto a débito
como a crédito.
IV- A solidariedade das contas bancárias tem lugar,
em regra, apenas para assegurar o interesse dos
titulares das respectivas contas e não no interesse
dos bancos.
V- Se numa conta bancária de depósito à ordem de
que são titulares em solidariedade activa dois
depositantes, o banco paga para além dos limites do
depósito, em virtude de um lapso ocorrido no sistema
informático da respectiva instituição financeira,
ficando a conta a descoberto, será a este que, em
princípio, o Banco pode exigir o montante que
adiantou.
VI- Na situação em apreço, existem dois contratos: o
primeiro (contrato de depósito) em que o dever
fundamental do Banco é o de pagar até ao limite do
depósito. O segundo consubstanciado no
adiantamento de dinheiro que o Banco fez a
descoberto, não curando de dar particular significado
ao assinalado lapso informático. Neste segundo
contrato, só é possível detectar a existência de mútuo
consenso entre o Banco e o co-titular da conta que,
em princípio, terá sido financiado pelo “descoberto” e
não entre o Banco e o outro co-titular da conta, a
quem o eventual financiamento é, de todo, estranho.
VII- Nunca o Banco recorrente poderia ter invocado a
compensação junto da recorrida, porquanto, atento o
disposto no art. 847.º, n.º 1 do CC, a lei exige a
“reciprocidade dos créditos”.
VIII- Também o art. 851.º do mesmo Código,
estabelece que a compensação apenas pode abranger
a dívida do declarante, e não a de terceiro, sendo,
também seguro que o mesmo declarante só pode
utilizar para a compensação créditos que sejam seus,
e não créditos alheios.
27-04-2006
Revista n.º 647/06 - 1.ª Secção
Borges Soeiro (Relator) *
Pinto Monteiro
Faria Antunes
270
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Despacho saneador
Factos assentes
Caso julgado formal
Acção executiva
Acção declarativa
Título executivo
Fotocópia autenticada
Cheque
Falta de provisão
Depósito bancário
Responsabilidade bancária
I- A fixação da peça dos factos assentes, com ou sem
reclamação, não conduz a caso julgado formal, que
obste à sua posterior modificação.
II- Não há identidade de causa de pedir na execução e
na acção declarativa, porque na primeira está em
causa a acção cambiária que emerge directamente do
cheque que figura como título executivo, que é de
natureza formal e abstracta, e na segunda, a relação
subjacente ou fundamental, que é causal.
III- Mesmo em processo de execução,
excepcionalmente, pode ser apresentado, como título
executivo, fotocópia autenticada do título de crédito,
desde que exista uma situação de força maior que
impeça o seu portador de apresentar o original.
IV- Uma dessas situações excepcionais é a do original
do título ter sido apresentado noutro processo, onde
se encontra.
V- A junção, na acção declarativa, de fotocópia
autenticada do cheque, donde consta a menção de
"devolvido por falta de provisão", é prova
documental bastante do respectivo facto.
VI- O depósito bancário é um depósito irregular,
sendo-lhe aplicável, na medida do possível, as normas
relativas ao contrato de mútuo.
VII- Para haver depósito bancário tem de haver a
efectiva entrega ao depositário dos valores a
depositar, de tal modo que simples transferência
contabilística, operada por erro informático, de uma
conta bancária para outra, do valor do cheque
depositado, mas cuja boa cobrança não está
realmente verificada, não pode considerar-se
constitutiva de um depósito bancário.
VIII- Não há responsabilidade civil da entidade
bancária, se o valor desse cheque foi indevidamente
creditado numa conta de um cliente, se aquela é
alheia ao referido erro informático e se o titular da
conta, no dia imediato ao da ocorrência, logo foi
informado do referido erro informático e para
regularizar a mesma conta, por entretanto ter
transferido para outra o montante equivalente ao do
cheque sem provisão.
IX- A responsabilidade pelas consequências
provenientes da continuação da movimentação da
referida conta, como se ela não tivesse sido objecto
do mencionado erro e que o titular se recusou a
regularizar, só a este pode ser imputada.
04-04-2006
Revista n.º 579/06 - 6.ª Secção
Azevedo Ramos (Relator) *
Silva Salazar
Afonso Correia
Responsabilidade bancária
Convenção de cheque
I- O depósito bancário é tão só uma das possíveis
fontes da provisão do cheque, pois esta pode provir
da abertura de crédito em conta corrente, do
desconto ou até do mútuo.
II- Tendo a Autora emitido um cheque, sacado sobre
o Banco Réu, no âmbito do contrato de depósito e do
contrato de cheque que existia entre as partes,
cheque esse que era endossável por não ter inserta a
cláusula “não à ordem”, enviando-o, através da Ré
CTT - Correios de Portugal, S.A., para Itália, para
pagamento de uma encomenda, não tendo o cheque
sido entregue ao seu destinatário, facto de que a
Autora foi avisada (pela credora italiana), não se pode
assacar ao Banco responsabilidade pelo pagamento (a
terceiro) do dito cheque se este actuou de acordo
com o que prescreve o art.º 35 da LUCH.
III- A Autora, beneficiária da convenção de cheque,
também estava obrigada a ter uma actuação célere e
271
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
eficaz de modo a avisar o Banco sacado da anomalia
ocorrida, o que não fez, pois, não constando dos
autos que a remessa do cheque tenha sido feita pelos
CTT contendo valor declarado, limitou-se a reclamar
do sucedido junto dos CTT e, um mês depois de o
cheque já ter sido pago a um portador legitimado por
endosso, é que indagou junto do Banco quem teria
apresentado e levantado o cheque.
IV- Tendo o Banco verificado que o cheque continha a
assinatura do endossante, endosso esse “em branco”
uma vez que não tinha designado o beneficiário do
mesmo, a mais não estava obrigado, uma vez que não
recebeu do sacador qualquer informação no sentido
do extravio do cheque.
V- Actuando o Banco de acordo com a lei e com a
diligência com que actuaria o homem médio, não se
lhe pode assacar responsabilidade por acto culposo,
mostrando-se ilidida a presunção de culpa (art.º 799
do CC).
24-01-2006
Revista n.º 3852/05 - 6.ª Secção
Ribeiro de Almeida (Relator)
Nuno Cameira
Sousa Leite
Depósito bancário
Mútuo
Contrato real
Cheque sem provisão
Enriquecimento sem causa
I- Sendo o depósito bancário à ordem um depósito
irregular, são-lhe aplicáveis, na medida do possível, as
normas relativas ao contrato de mútuo - art.ºs 1185,
1205 e 1206 do CC.
II- O mútuo implica a transferência da propriedade,
não porque a função do contrato se dirija a esse fim,
mas porque a transmissão da propriedade é
indispensável ao gozo da coisa que se visa
proporcionar ao mutuário, dada a natureza fungível
dela. Também o depósito bancário se caracteriza por
ser um contrato real que implica uma transferência
da propriedade das quantias depositadas do
depositante para o depositário.
III- Para haver depósito bancário tem de haver a
efectiva entrega ao depositário dos valores a
depositar, de tal modo que a simples transferência
contabilística, operada por um funcionário bancário,
de uma conta bancária para outra, do valor de um
cheque depositado, mas cuja boa cobrança ainda não
está verificada, não pode considerar-se constitutiva
de um depósito bancário.
IV- Tendo sido depositado um cheque para que o
Banco procedesse à respectiva cobrança, e
verificando-se que o mesmo não obteve boa
cobrança, por falta de provisão, certificada em 07-10-
1994, o que significa que o respectivo sacador não
possuía saldo suficiente para garantir o seu
pagamento na sua conta sobre a qual foi sacado o
dito cheque, o recorrido não chegou a receber ou a
cobrar qualquer quantia susceptível de depósito na
conta do autor.
V- O facto de tal importância ter sido indevidamente
creditada na conta do autor e de lá ser retirada pelo
Banco, logo que este se apercebeu da falta de
cobrança do cheque, por carência de provisão, não dá
ao mesmo autor o direito de exigir a sua restituição,
por isso representar um enriquecimento sem causa,
ilegítimo e injustificado.
10-01-2006
Revista n.º 3762/05 - 6.ª Secção
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Afonso Correia
Divórcio
Conta bancária
Partilha dos bens do casal
I- A transferência de fundos de uma conta bancária
do casal por um dos cônjuges contra a vontade do
outro, estando pendente a acção de divórcio, é ilícita.
II- Porém, e porque o depósito bancário integra o
acervo patrimonial comum dos cônjuges, tal
movimentação não confere ao cônjuge que não a
272
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
autorizou o direito a metade da importância objecto
de disposição, mas antes o direito a uma participação
no passivo e no activo da comunhão conjugal
aquando da dissolução desta (art.ºs 1730 e 1689 do
CC), sendo que nesta deverá ser arrolada a quantia
mobilizada para cálculo dos quinhões (e do valor das
eventuais tornas).
20-10-2005
Revista n.º 2478/05 - 2.ª Secção
Bettencourt de Faria (Relator)
Moitinho de Almeida
Noronha Nascimento
Convenção de cheque
Cheque
Falsificação
Responsabilidade contratual
I- Em face do pagamento pelo Banco Réu de um
cheque falsificado, que aparentava o mesmo número
de um cheque que o Banco entregara à Autora (em
cumprimento da convenção de cheque emergente de
contrato de depósito bancário), mas nunca emitido,
vindo o Réu a debitar (na respectiva conta de
depósitos) o montante pago (20.000.000$00),
correspondente ao capital peticionado, privando a
Autora dessa quantia, importa apreciar se o Réu
incorreu em responsabilidade contratual por
incumprimento de contrato de cheque.
II- Sendo a falsificação do cheque em causa tão
rigorosa que só o exame pericial feito no Laboratório
de Polícia Científica da PJ levou a que o tribunal desse
provada a mesma, não indiciando o cheque qualquer
vício que pudesse ser detectado por funcionário
medianamente diligente, deve concluir-se que os
funcionários do Banco Réu (sacado), ao procederem
ao pagamento do cheque agiram com a diligência
devida, e, consequentemente, que o Réu agiu com a
diligência que um qualquer banqueiro usaria nas
mesmas circunstâncias.
III- Acresce que o bilhete de identidade e a
identificação fiscal da pessoa que se apresentou a
levantar o cheque não mereceram ao funcionário
qualquer reparo, tendo sido enviado um fax para
confirmar as assinaturas constantes do cheque,
ficando pois afastada a presunção de culpa
decorrente do estatuído no art.º 799 do CC.
29-11-2005
Revista n.º 3295/05 - 6.ª Secção
Ribeiro de Almeida (Relator)
Nuno Cameira
Sousa Leite (vencido)
Depósito bancário
Conta conjunta
Conta solidária
Ónus da prova
Poderes da Relação
Presunções judiciais
I- Nas contas bancárias conjuntas, a mobilização e
disponibilidade dos fundos depositados exige a
simultânea intervenção da totalidade dos titulares,
enquanto nas contas solidárias basta para o efeito a
intervenção de qualquer dos titulares, indistinta e
isoladamente, subscrevendo cheques ou acordos de
pagamento, independentemente da autorização ou
ratificação dos restantes; e isto, independentemente
de quem seja de facto e juridicamente «o proprietário
desses valores», ou seja, a natureza solidária da conta
releva apenas nas relações externas entre os seus
titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua
movimentação a débito, e nada tem a ver com o
direito de propriedade das quantias depositadas
II- Nesta vertente as contas solidárias estão sujeitas
ao regime da solidariedade activa definido no art.º
512, n.º 1, CC, cujo efeito predominante, nas
chamadas “relações externas”, entre os credores
solidários e o devedor, é o de que cada um daqueles
tem o direito de exigir deste a prestação integral, sem
que o devedor comum possa aduzir a excepção de
que esta não lhe pertence por inteiro.
III- Se, porém, o credor solidário viu o seu direito
satisfeito para além do que lhe cabia na relação
interna entre os concredores, terá de satisfazer aos
outros a parte que lhes pertence no crédito comum,
273
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
conforme explícita estatuição do art.º 533 - preceito
simétrico do art.º 524 relativo ao direito de regresso
na solidariedade passiva (art.º 533); e justamente
com vista à determinação da parte dos restantes
credores nas relações internas se explica o art.º 516,
e a presunção meramente iuris tantum da
participação proporcional nele desenhada.
IV- A presunção foi, todavia, ilidida no caso sub
iudicio, uma vez ter-se provado que as contas, de que
a falecida era titular à data do acidente, foram
constituídas com dinheiro dela, não comungando
consequentemente os parentes contitulares em
qualquer quota da propriedade do dinheiro; pelo que,
em tais condições, havendo estes réus não obstante
procedido ao levantamento da totalidade dos
depósitos ainda em vida da proprietária, devem agora
restituir à sua herança indivisa a totalidade dessas
importâncias, nos termos do art.º 533.
V- Os réus recorrentes pretendem que as quantias
depositadas lhes foram doadas pela autora da
sucessão, mas não se provou que esta, por espírito de
liberalidade, tenha disposto gratuitamente das
aludidas quantias em seu benefício, elementos típicos
do contrato de doação conforme o art.º 940 do CC,
cuja prova incumbia aos réus como factos
impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de
restituição (art.º 342, n.º 2).
VI- Aliás, os factos e circunstâncias que os recorrentes
referem nas conclusões da alegação constituem
presunções e bases de presunções que induziriam
interpretativamente os aludidos elementos
integradores do tipo legal da doação. Conforme,
porém, a jurisprudência constante deste Supremo
Tribunal, estava vedado à Relação extrair as
presunções em questão, relativamente a factos
seleccionados como tema da prova, que o julgador de
facto em 1.ª instância deu, todavia, como não
provados.
11-10-2005
Revista n.º 1464/04 - 2.ª Secção
Lucas Coelho (Relator) *
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
Depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Doação
Animus donandi
I- No depósito bancário colectivo e solidário, no
concernente à propriedade da quantia depositada,
importa ter presente o prescrito no art.º 516 do CC.
II- Se o simples facto de se consentir na constituição
de um depósito bancário, solidário, em nome,
simultaneamente, do dono do dinheiro e de
terceiro(s) não permite, sem mais, concluir no sentido
de ocorrência de animus donandi, por banda do
primeiro, deve ter-se como acontecida doação,
acompanhada de tradição (simbólica) do bem doado
(dinheiro), o que releva visto o disposto no art.º 947,
n.º 2, do CC, escrito não havendo, se se provar a
existência de animus donandi, que foi intenção do
titular da conta solidária que depositou o numerário,
que este passasse a ser propriedade do(s) outro(s)
titular(es), este(s) podendo dele dispor como
entendesse(m).
06-10-2005
Revista n.º 2753/04 - 2.ª Secção
Pereira da Silva (Relator) *
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
Obrigação fiscal
Sigilo bancário
Consentimento
Suprimento judicial
Constitucionalidade
I- A matéria do sigilo bancário e seu levantamento
relaciona-se directamente com as garantias dos
contribuintes e, por isso mesmo, integra-se na
reserva relativa da competência legislativa da
Assembleia da República, como resulta do disposto
nos art.ºs 103 n.º 2 d 165 n.º 1, al. b) da CRP.
274
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
II- Consagrando a lei de autorização legislativa n.º
41/98, de 04-08, os objectivos de luta contra a evasão
fiscal e a prossecução do interesse público, o
desenvolvimento dos princípios da igualdade entre os
contribuintes, da justiça, da imparcialidade, da
eficácia dos actos, da iniciativa da Administração e da
cooperação dos contribuintes, implica
necessariamente a eventual quebra do segredo
bancário (nomeadamente para a averiguação de
crimes tributários), quando a descoberta da verdade
material das situações tributárias dos contribuintes
inspeccionados imponha a consulta de elementos
bancários e essas consultas não são autorizadas pelos
contribuintes.
III- Trata-se, de resto, de uma questão processual,
cuja solução garante o equilíbrio entre os poderes da
Administração (que têm de ser eficazes) e as
garantias dos cidadãos (que em casos como o do
sigilo bancário estão longe de ser absolutas, antes se
têm de subordinar ao interesse geral), na medida em
que faz intervir o tribunal comum na resolução do
diferendo.
IV- Cremos, por isso, que a lei de autorização
legislativa contempla no âmbito do seu sentido e
extensão a medida processual prevista no n.º 5 do
art.º 63 da LGT, aprovada pelo DL 398/98, de 17-12,
não se verificando a alegada inconstitucionalidade
orgânica.
V- Porém, na medida em que a LGT passou a fazer
parte integrante da Lei 15/2001, depois de revista e
alterada pela AR, é óbvio que, na parte não alterada
(cujo conteúdo o legislador não podia ignorar) foi
“adoptada” por aquele órgão de soberania, de modo
que, se alguma inconstitucionalidade orgânica existia
em relação a qualquer dos seus preceitos, tal
inconstitucionalidade desapareceu com a
confirmação do texto legal pelo órgão
constitucionalmente competente para elaboração de
leis que digam respeito às garantias dos cidadãos
contribuintes.
VI- Provado que existem fundadas dúvidas sobre a
credibilidade da declaração de rendimentos do
requerido, em relação à declaração de IRS de 1997;
que omitiu a apresentação das declarações relativas a
1998 e 1999; que, em relação às sociedades
requeridas, se detectaram inúmeras anomalias e
omissões no decurso das inspecções a que estão a ser
sujeitas, já que não foram apresentados documentos
de suporte contabilístico de inúmeras verbas
movimentadas e os depósitos bancários não
reflectem as operações efectivamente praticadas;
que os movimentos financeiros de maior relevância
das sociedades requeridas foram efectuados através
das contas particulares do requerido; que os
patrimónios financeiros dessas sociedades se
confundem com os patrimónios dos sócios e que os
registos contabilísticos das disponibilidades das
sociedades não oferecem credibilidade.
VII- Sabendo-se ainda que a consulta de tais contas
bancárias é reputada pelos técnicos fiscais como
absolutamente essencial para a determinação da
situação tributária real dos requeridos, é muito claro
que se justifica plenamente o suprimento do
consentimento, autorizando-se a requerente, em
conformidade com o disposto no art.º 63, n.º 5 da L
15/2001, a consultar os elementos abrangidos pelo
segredo bancário, que assim, para o efeito se afasta.
03-05-2005
Revista n.º 698/05 - 1.ª Secção
Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo
Acção inibitória
Cartão de débito
Cartão de crédito
Cláusula contratual geral
Risco
Meios de prova
Publicação
I- O cartão de débito anda associado a um contrato
de depósito bancário, sob a forma de uma conta de
depósitos à ordem, que constitui o suporte financeiro
viabilizador do seu emprego para os fins a que
275
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
concretamente se destina traduzidos nos
levantamentos ou pagamentos efectuados nos
terminais ATM ou, quanto aos últimos, nos terminais
POS existentes em locais de fornecimento de bens
e/ou serviços.
II- Todavia, há a considerar que a causa próxima da
sua emissão assenta num contrato que a doutrina
comummente designa como contrato de utilização,
cuja celebração não decorre automaticamente de
abertura de uma conta de depósitos à ordem, mas
depende da iniciativa do respectivo depositante
perante a entidade emitente, e que assume natureza
instrumental em relação ao contrato de depósito
bancário.
III- Já no que respeita aos cartões de crédito, a sua
atribuição determina a abertura simultânea de uma
“conta-cartão” na entidade emitente e em nome do
respectivo titular, cujo saldo activo traduz, em cada
momento, o limite máximo de endividamento
consentido, ou seja, o crédito disponível.
IV- Beneficiando o titular do cartão de débito das
vantagens resultantes da sua utilização, afigura-se
razoável que suporte, em certa medida, os riscos
inerentes, mormente a possibilidade da sua utilização
não autorizada por terceiro, justificando-se que a
responsabilidade pelos prejuízos causados pela
utilização fraudulenta de um cartão por terceiro
sejam equitativamente repartidos entre o titular do
cartão e o banco emissor.
V- Essa distribuição de responsabilidade deve
assentar num critério temporal, tomando-se como
decisivo o momento em que o titular do cartão
cumpre o dever contratualmente imposto, e que
sempre decorre do princípio geral da boa fé
contratual, de comunicar ao banco a sua perda ou
extravio, contribuindo-se dessa forma para incentivar
a diligência dos contraentes e para a simplificação dos
problemas resultantes da efectivação de operações
automáticas.
VI- No que respeita aos cartões de crédito mostra-se
consagrada de jure constituto a responsabilidade do
titular do cartão pelo risco decorrente do seu furto,
perda ou falsificação, até à comunicação de tais
ocorrências ao emitente do mesmo, pelo que tal
estatuição, pela sua natureza de norma específica do
direito bancário, prevalece sobre o regime geral
quanto à transferência do risco no domínio da
responsabilidade civil contratual.
VII- Ainda que tal estatuição haja sido consagrada
apenas no âmbito da regulamentação legal aplicável
aos cartões de crédito, pela similitude das situações
de igual natureza que se podem verificar
relativamente aos cartões de débito, parece-nos que,
de acordo com os princípios da desformalização e da
rapidez do giro bancário, igual regra deve vigorar
relativamente aos mesmos.
VIII- Assim, as cláusulas insertas nas condições de
utilização dos cartões electrónicos emitidos pelo
Banco-Réu, relativas à distribuição do risco pela sua
utilização por terceiro, em consequência da sua perda
ou furto, cláusulas essas nas quais se faz impender tal
risco sobre o respectivo titular até à comunicação ao
emitente daquelas indicadas ocorrências, não se
mostram violadoras do conteúdo da al. f) do art.º 21
do DL n.º 44/85, de 25-10.
IX- São nulas, por constituírem uma violação dos
critérios legalmente estabelecidos quanto ao regime
de repartição do ónus da prova, mostrando-se em
oposição ao preceituado na al. g) do art.º 21 do
diploma instituidor das cláusulas contratuais gerais as
condições de utilização que dispõem considerar-se
aceite e validado o conteúdo dos extractos de conta
das operações realizadas com o cartão, desde que o
mesmo não haja sido objecto de reclamação pelo seu
titular, no prazo máximo de 30 dias, contados do
respectivo conhecimento.
X- Considerando que a entidade bancária emitente
dos cartões em causa já não tem existência legal (o
primitivo Banco Réu foi incorporado noutro Banco,
actual Réu) e que os cartões foram todos recolhidos,
deixando de poder ser utilizados para os fins a que se
destinavam, encontramo-nos perante a
impossibilidade prática da entidade bancária
emitente persistir no seu emprego em novos
276
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
contratos, situação esta conducente a que a
efectivação da publicação da sentença proferida nos
autos (nos dois órgãos de comunicação social escrita
diária de maior tiragem de Lisboa e Porto) se
transforme num acto inútil e obsoleto, cuja prática
seria sancionável nos termos do art.º 137 do CPC.
12-04-2005
Revista n.º 105/05 - 6.ª Secção
Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
Fernandes Magalhães
Acção inibitória
Cartão de débito
Cartão de crédito
Cláusula contratual geral
Risco
Meios de prova
Publicação
I- O cartão de débito anda associado a um contrato
de depósito bancário, sob a forma de uma conta de
depósitos à ordem, que constitui o suporte financeiro
viabilizador do seu emprego para os fins a que
concretamente se destina traduzidos nos
levantamentos ou pagamentos efectuados nos
terminais ATM ou, quanto aos últimos, nos terminais
POS existentes em locais de fornecimento de bens
e/ou serviços.
II- Todavia, há a considerar que a causa próxima da
sua emissão assenta num contrato que a doutrina
comummente designa como contrato de utilização,
cuja celebração não decorre automaticamente de
abertura de uma conta de depósitos à ordem, mas
depende da iniciativa do respectivo depositante
perante a entidade emitente, e que assume natureza
instrumental em relação ao contrato de depósito
bancário.
III- Já no que respeita aos cartões de crédito, a sua
atribuição determina a abertura simultânea de uma
“conta-cartão” na entidade emitente e em nome do
respectivo titular, cujo saldo activo traduz, em cada
momento, o limite máximo de endividamento
consentido, ou seja, o crédito disponível.
IV- Beneficiando o titular do cartão de débito das
vantagens resultantes da sua utilização, afigura-se
razoável que suporte, em certa medida, os riscos
inerentes, mormente a possibilidade da sua utilização
não autorizada por terceiro, justificando-se que a
responsabilidade pelos prejuízos causados pela
utilização fraudulenta de um cartão por terceiro
sejam equitativamente repartidos entre o titular do
cartão e o banco emissor.
V- Essa distribuição de responsabilidade deve
assentar num critério temporal, tomando-se como
decisivo o momento em que o titular do cartão
cumpre o dever contratualmente imposto, e que
sempre decorre do princípio geral da boa fé
contratual, de comunicar ao banco a sua perda ou
extravio, contribuindo-se dessa forma para incentivar
a diligência dos contraentes e para a simplificação dos
problemas resultantes da efectivação de operações
automáticas.
VI- No que respeita aos cartões de crédito mostra-se
consagrada de jure constituto a responsabilidade do
titular do cartão pelo risco decorrente do seu furto,
perda ou falsificação, até à comunicação de tais
ocorrências ao emitente do mesmo, pelo que tal
estatuição, pela sua natureza de norma específica do
direito bancário, prevalece sobre o regime geral
quanto à transferência do risco no domínio da
responsabilidade civil contratual.
VII- Ainda que tal estatuição haja sido consagrada
apenas no âmbito da regulamentação legal aplicável
aos cartões de crédito, pela similitude das situações
de igual natureza que se podem verificar
relativamente aos cartões de débito, parece-nos que,
de acordo com os princípios da desformalização e da
rapidez do giro bancário, igual regra deve vigorar
relativamente aos mesmos.
VIII- Assim, as cláusulas insertas nas condições de
utilização dos cartões electrónicos emitidos pelo
Banco-Réu, relativas à distribuição do risco pela sua
utilização por terceiro, em consequência da sua perda
277
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
ou furto, cláusulas essas nas quais se faz impender tal
risco sobre o respectivo titular até à comunicação ao
emitente daquelas indicadas ocorrências, não se
mostram violadoras do conteúdo da al. f) do art.º 21
do DL n.º 44/85, de 25-10.
IX- São nulas, por constituírem uma violação dos
critérios legalmente estabelecidos quanto ao regime
de repartição do ónus da prova, mostrando-se em
oposição ao preceituado na al. g) do art.º 21 do
diploma instituidor das cláusulas contratuais gerais as
condições de utilização que dispõem considerar-se
aceite e validado o conteúdo dos extractos de conta
das operações realizadas com o cartão, desde que o
mesmo não haja sido objecto de reclamação pelo seu
titular, no prazo máximo de 30 dias, contados do
respectivo conhecimento.
X- Considerando que a entidade bancária emitente
dos cartões em causa já não tem existência legal (o
primitivo Banco Réu foi incorporado noutro Banco,
actual Réu) e que os cartões foram todos recolhidos,
deixando de poder ser utilizados para os fins a que se
destinavam, encontramo-nos perante a
impossibilidade prática da entidade bancária
emitente persistir no seu emprego em novos
contratos, situação esta conducente a que a
efectivação da publicação da sentença proferida nos
autos (nos dois órgãos de comunicação social escrita
diária de maior tiragem de Lisboa e Porto) se
transforme num acto inútil e obsoleto, cuja prática
seria sancionável nos termos do art.º 137 do CPC.
12-04-2005
Revista n.º 105/05 - 6.ª Secção
Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
Fernandes Magalhães
Banco
Contrato de depósito
Documento particular
Impugnação especificada
I- A relação de clientela estabelecida entre a
instituição financeira e o cliente, obriga-a a cumprir,
em consonância com os ditames da boa fé, os
deveres de informação ou de protecção dos legítimos
interesses deste último.
II- O Banco não está todavia legalmente obrigado a
conservar os documentos concernentes aos depósitos
bancários por mais de dez anos.
III- Os deveres indicados em I não subsistem assim
por prazo superior a 10 anos, ou terminado que seja o
prazo do depósito bancário e após o levantamento
pelo cliente da quantia equivalente ao dinheiro
depositado.
IV- Não repugna portanto aceitar como impugnação
especificada a alegação pelo réu Banco de
desconhecimento dos factos articulados pelo autor,
por ter sido destruída a documentação do depósito
passados mais de dez anos e os seus funcionários já
não se lembrarem do contrato de depósito volvidos
quase vinte anos.
15-03-2005
Revista n.º 2964/04 - 1.ª Secção
Faria Antunes (Relator) *
Moreira Alves
Alves Velho
Depósito bancário
Conta bancária
Prazo
Cheque
Recusa de pagamento
Responsabilidade civil
Causalidade
I- O contrato de depósito bancário consiste,
fundamentalmente, na entrega de certa quantia a um
banco para que ele o guarde e restitua mais tarde,
podendo, entretanto, o banco, utilizar o montante
entregue, usualmente remunerada com o pagamento
de juros convencionados.
II- Todavia, a utilização pelo banco dos montantes
depositados, legalmente permitida e constitutiva da
própria noção do depósito bancário, deve pautar-se
pelas normas de utilização dos depósitos e pelas
respectivas normas estatutárias ou usos bancários a
278
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
que alude o art.º 407 do CCom, não podendo o
banco, sem expressa anuência do depositante, dar-
lhe outro fim diferente daqueles.
III- As contas à ordem, também denominadas contas
à vista, são aquelas em que os depósitos são exigíveis
a todo o tempo, como determina o n.º 1 do art.º 1 do
DL n.º 430/91, de 2 de Novembro, pelo que a
qualquer momento os seus titulares têm a faculdade
de exigir do banco o pagamento, total ou parcial, do
seu crédito, banco que, por sua vez, é obrigado a ter
o montante respectivo à disposição do titular.
IV- Ao cômputo do prazo, quando estipulado, são
aplicáveis as regras supletivas do art.º 279 do CC.
V- O prazo fixado no último dia do mês ocorre às 24
horas desse dia, nos termos do art.° 279, al. c), do CC.
VI- Não é lícito ao banco recusar o pagamento de um
cheque cujo quantitativo consta na provisão da conta
respectiva, com o fundamento de que às 24 horas
desse dia se vence uma prestação de juro que excede
tal quantitativo, nem que, consequentemente,
fundado em tais razões, venha a rescindir a
convenção de uso de cheque e a comunicar ao Banco
de Portugal essa rescisão, permitindo a este inscrevê-
lo numa lista de utilizadores de risco acessível a todos
os bancos.
VII- O art.º 563 do CC consagrou, quanto ao nexo de
causalidade, a doutrina da causalidade adequada, na
formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos
termos da qual a inadequação de uma dada causa
para um resultado deriva da sua total indiferença
para a produção dele, que, por isso mesmo, só
ocorreu por circunstâncias excepcionais ou
extraordinárias.
VIII- Esta doutrina, nomeadamente no que concerne à
responsabilidade por facto ilícito culposo – contratual
ou extracontratual – deve interpretar-se, de forma
mais ampla, com o sentido de que o facto que actua
como condição só deixará de ser causa do dano desde
que se mostre por sua natureza de todo inadequado
e o haja produzido apenas em consequência de
circunstâncias anómalas ou excepcionais e de que a
citada doutrina da causalidade adequada não
pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de
que esta tenha só por si determinado o dano.
03-03-2005
Revista n.º 4249/04 - 7.ª Secção
Araújo Barros (Relator) *
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Cheque
Depósito bancário
Contrato de mandato
Revogação
Justa causa
Recusa de pagamento
Responsabilidade civil
Responsabilidade extracontratual
I- A chamada “convenção de cheque” constitui uma
modalidade de mandato específico, sem
representação, para a realização de actos jurídicos
precisos: os inerentes ao pagamento de cheque.
II- O que, em caso de omissão de regulamentação,
reclama que se apliquem, a título subsidiário, as
regras do mandato - art.ºs 1156 e ss. do CC.
III- Os sujeitos do contrato (convenção) de cheque são
o titular da conta de depósitos (sacador) e o banco
depositário (sacado), acordo esse relativamente ao
qual é estranho o beneficiário (tomador) do cheque.
IV- A revogação do cheque a que se reportam os
art.ºs 14 e 32 da LUCh, consubstanciada na ordem do
emitente (dirigida ao banqueiro) de proibição do seu
pagamento e enquadrável no art.º 1170, n.º 1, do CC,
pode ser desencadeada antes ou depois da
apresentação do cheque a pagamento, mas em
princípio só surtirá eficácia após o decurso do prazo
para essa apresentação.
V- A entidade bancária sacada não é, porém, obrigada
a acatar a ordem de revogação do cheque antes de
terminar o prazo da sua apresentação a pagamento,
embora a possa observar nos termos do contrato de
cheque, por não estar directamente vinculada,
perante o respectivo portador, a realizar-lhe o
pagamento.
279
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
VI- Aquele contrato de mandato pode ser revogado
pelo mandante, genericamente com justa causa e,
especialmente, perante extravio ou apossamento
ilegítimo do cheque emitido por banda de outrem -
art.ºs 32 da LUCh e 1170 do CC.
VII - Só se a recusa for ilícita e se mostrarem, por isso,
violados a segunda parte do art.º 14 do Decreto n.º
13004, de 12-01-1927, e os art.ºs 32, 40 e 41 da
LUCh, e atento o disposto nos art.ºs 483 e ss do CC, o
banco poderá incorrer em responsabilidade civil
extracontratual perante o portador.
03-02-2005
Revista n.º 4382/04 - 2.ª Secção
Ferreira de Almeida (Relator) *
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares
Contrato de depósito bancário
Conta solidária
Direito de propriedade
Prova
I- O direito de crédito perante o banco depositário,
traduzido no direito de movimentar as contas
solidárias, nada tem a ver com o direito real de
propriedade que incide sobre o dinheiro, que pode
pertencer a todos os titulares, a um só deles ou
mesmo a terceiro.
II- Pode livremente provar-se a propriedade do
dinheiro depositado, através de qualquer tipo de
prova, designadamente a testemunhal, visto que isso
nada tem a ver com a força probatória dos
documentos contendo as autorizações.
III- Estando provado que foi o autor quem depositou
todo o dinheiro existente nas contas em causa,
dinheiro esse que foi o fruto da sua poupança ao
longo de 40 anos de trabalho, é pois o autor o
legítimo proprietário desse dinheiro, não sendo lícito
às rés dele se apropriarem, como fizeram, através do
levantamento de todas as quantias depositadas, nas
ditas contas, não obstante estivessem autorizadas a
movimentarem livremente as mesmas e o autor lhes
tivesse dito que podiam levantar o dinheiro sempre
que precisassem.
IV- Uma coisa é a movimentação normal das contas,
outra o esgotamento delas até ao centavo, pela
transferência do dinheiro (na ordem dos 35.000
contos) para outra conta apenas em nome das rés,
constituindo essa transferência uma apropriação
indevida, sem cobertura legal.
16-11-2004
Revista n.º 3291/04 - 1.ª Secção
Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo
Depósito bancário
Direito de propriedade
Prova
Presunção
I- Pondo termo a querelas doutrinárias, o Código Civil
classifica o depósito de dinheiro como depósito
irregular (art.º 1205 CC).
II- Mas, atenta a forte semelhança deste contrato
com o mútuo, manda aplicar-lhe, na medida do
possível, as normas relativas ao contrato de mútuo
(art.º 1206 CC).
III- No depósito plural solidário qualquer dos credores
(depositantes ou titulares da conta) tem a faculdade
de exigir, por si só, a prestação integral, o reembolso
de toda a quantia depositada. A prestação assim
efectuada libera o devedor (o banco depositário) para
com todos os credores (art.º 512 CC).
IV- São perfeitamente distintos o direito de crédito de
que é titular cada um dos depositantes solidários -
que se traduz num poder de mobilização do saldo - e
o direito real que recai sobre o dinheiro, direito que
pode pertencer, apenas, a algum ou alguns dos
titulares da conta ou, até, a terceiro.
V- O art.º 516 do CC faz presumir que os titulares de
depósitos solidários participam nos valores
depositados em montantes iguais; tal presunção é
ilidível mediante prova de que as respectivas partes
280
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
são diferentes ou que só um dos titulares deve
beneficiar de todo o crédito.
VI- Provado que a propriedade do bem depositado, o
dinheiro, pertence por inteiro a um dos titulares da
conta, ilidida fica aquela presunção e só o
proprietário pode fazer sua a totalidade do depósito.
26-10-2004
Revista n.º 3101/04 - 6.ª Secção
Afonso Correia (Relator) *
Ribeiro de Almeida
Nuno Cameira
Depósito bancário
Descoberto bancário
Conta solidária
I- Se numa conta bancária de depósito à ordem de
que são titulares em solidariedade activa dois
depositantes, o banco paga para além dos limites do
depósito, ficando a conta a descoberto, por ordem de
um dos titulares da conta, será a este - em princípio -
que o Banco tem que exigir o montante que adiantou.
II- Num caso destes há em regra dois contratos: o
primeiro (consubstanciado na conta de depósitos à
ordem) em que o dever nuclear do Banco é o de
pagar até ao limite do depósito.
III- O segundo, consubstanciado no adiantamento de
dinheiro que o Banco faz a descoberto (e de que é
credor).
IV- Neste segundo contrato só é possível vislumbrar a
existência de mútuo consenso entre o Banco e o
titular da conta que lhe dá a ordem de pagamento a
descoberto e não entre o Banco e o(s) restante(s)
titulares que não deram ordem nenhuma.
06-07-2004
Revista n.º 1465/04 - 2.ª Secção
Noronha Nascimento (Relator) *
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
Contrato de depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Compensação
I- A solidariedade nas contas bancárias com vários
titulares existe apenas no interesse destes e não no
interesse do banco, a menos que, no contrato de
depósito, se preveja também o direito do banco de,
relativamente a crédito contra um dos depositantes,
serem os outros solidariamente responsáveis.
II- Assim, não pode o banco compensar um crédito
contra um dos titulares de conta solidária com o
débito resultante de conta pertencente a outro dos
titulares.
06-05-2004
Revista n.º 1180/04 - 2.ª Secção
Moitinho de Almeida (Relator) *
Noronha Nascimento
Ferreira de Almeida
Contrato de depósito
Depósito bancário
Nulidade por falta de forma legal
Juros de mora
Renúncia
I- Os depósitos em escudos moçambicanos
efectuados na sequência da proclamação da
independência da República Popular de Moçambique,
e em vista do elevado risco de perda de haveres face
à instabilidade que então se verificava, por cidadãos
nacionais, nos Consulados Gerais de Portugal, e que
estes receberam no cumprimento do dever de ajuda
consular, foram feitos ao abrigo do art.º 2, n.º 13, do
Regulamento Consular Português aprovado pelo
Decreto n.º 6462, publicado no Diário do Governo de
21-3-1920.
II- Aplicável a esses contratos, a lei especial referida,
não há nela exigência de forma alguma.
III- Mesmo quando considerado tratar-se de
depósitos irregulares, subsidiariamente regulados
pelos art.ºs 1205 e 1206, e a que, por remissão deste
último, se aplicam, em princípio, as exigências de
forma estabelecidas no art.º 1143, todos do CC, não
se poderá, ainda assim, deixar de atender ao inciso
“na medida do possível” constante daquele art.º 1206
281
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
e às sobreditas natureza e circunstâncias especiais
dos depósitos aludidos, que reclamavam urgência e
discrição: tanto bastando para rejeitar a tese da
nulidade formal desses depósitos.
IV- Consistindo na abdicação ou perda voluntária e
absoluta de um direito por manifestação unilateral de
vontade do seu titular nesse sentido, a renúncia
abdicativa dos juros desses depósitos não era, após a
mora, proibida.
12-02-2004
Revista n.º 4195/03 - 7.ª Secção
Oliveira Barros (Relator)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Contrato de depósito bancário
Conta solidária
Direito de propriedade
Prova
I- O direito de crédito perante o banco depositário,
traduzido no direito de movimentar as contas
solidárias, nada tem a ver com o direito real de
propriedade que incide sobre o dinheiro, que pode
pertencer a todos os titulares, a um só deles ou
mesmo a terceiro.
II- Pode livremente provar-se a propriedade do
dinheiro depositado, através de qualquer tipo de
prova, designadamente a testemunhal, visto que isso
nada tem a ver com a força probatória dos
documentos contendo as autorizações.
III- Estando provado que foi o autor quem depositou
todo o dinheiro existente nas contas em causa,
dinheiro esse que foi o fruto da sua poupança ao
longo de 40 anos de trabalho, é pois o autor o
legítimo proprietário desse dinheiro, não sendo lícito
às rés dele se apropriarem, como fizeram, através do
levantamento de todas as quantias depositadas, nas
ditas contas, não obstante estivessem autorizadas a
movimentarem livremente as mesmas e o autor lhes
tivesse dito que podiam levantar o dinheiro sempre
que precisassem.
IV- Uma coisa é a movimentação normal das contas,
outra o esgotamento delas até ao centavo, pela
transferência do dinheiro (na ordem dos 35.000
contos) para outra conta apenas em nome das rés,
constituindo essa transferência uma apropriação
indevida, sem cobertura legal.
16-11-2004
Revista n.º 3291/04 - 1.ª Secção
Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo
Contrato de depósito bancário
Contrato de mútuo
Cheque
Revogação
Relações imediatas
Relações mediatas
Título executivo
Documento particular
I- O contrato de depósito bancário stricto sensu, de
estrutura irregular, distingue-se do contrato de
mútuo, sobretudo porque neste o fim principal é a
disponibilidade do dinheiro por parte do mutuário, e
naquele esse fim é o da guarda do dinheiro, assente
na confiança, na honorabilidade e na solvabilidade do
depositário.
II- Os sujeitos do contrato de cheque são o sacador,
titular da conta de depósitos, expressão contabilística
das operações de depósito e de levantamento, e o
banco depositário sacado, ao qual é estranho o
beneficiário do cheque.
III- A revogação do cheque a que se reporta o art.º 32
da LUCh, consubstanciada na ordem do emitente
dirigida ao banqueiro de proibição do seu pagamento,
enquadrável no art.º 1170, n.º 1, do CC, é susceptível
de operar antes ou depois da apresentação do
cheque a pagamento.
IV- O banqueiro não é obrigado a acatar a ordem de
revogação do cheque antes de terminar o prazo da
sua apresentação a pagamento, embora a possa
observar nos termos do contrato de cheque, por não
282
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
estar vinculado, face ao respectivo portador, a
realizar-lhe pagamento.
V- A revogação do cheque, independentemente do
motivo invocado para o efeito, não afecta, só por si, o
direito cambiário do respectivo portador e
beneficiário, designadamente a sua natureza de título
executivo.
VI- Os cheques estão no domínio das relações
imediatas se os respectivos sujeitos cambiários
também o forem nas relações extracartulares, e nas
relações mediatas se os seus portadores delas não
forem sujeitos.
VII- Como títulos incorporantes de relações jurídicas
cambiárias, os cheques só podem valer como títulos
executivos se forem apresentados a pagamento no
prazo de oito dias contado da data da sua emissão e a
respectiva recusa esteja documentada por acto de
protesto ou declaração.
VIII- Não valem como meros documentos particulares
e títulos executivos, à luz do art.º 46, alínea c), do
CPC, os cheques que não tenham sido apresentados a
pagamento no prazo de oito dias.
20-11-2003
Agravo n.º 3738/03 - 7.ª Secção
Salvador da Costa (Relator) *
Ferreira de Sousa
Armindo Luís
Contrato de depósito bancário
Conta bancária
Conta solidária
Direito de propriedade
I- Quando uma conta bancária tem mais do que um
titular designa-se por conta colectiva, podendo
revestir duas modalidades:
a conta conjunta, que se caracteriza pelo facto de
para a sua movimentação ser necessária a
intervenção simultânea de todos os titulares;
a conta solidária, que ocorre quando qualquer um
dos seus titulares a pode movimentar
isoladamente, tanto a débito como a crédito.
II- Nas relações com o banco qualquer titular de uma
conta solidária pode fazer o levantamento parcial ou
total do depósito, mas isso não significa que a quantia
depositada lhe pertença, muito menos que lhe
pertença por inteiro.
III- Não resultando da relação jurídica entre os
depositantes que as suas quotas são diferentes e qual
a percentagem pertencente a cada um deles, é de
presumir que comparticipam em partes iguais na
conta de depósito, por força do disposto no art.º 516,
do CC.
IV- Este normativo consagra uma presunção legal que
aproveita à A., dispensando-a de provar que era
comproprietária das quantias depositadas em partes
iguais com a R..
V- Competia à Ré ilidir essa presunção, alegando e
provando que as quantias depositadas, que levantou
e fez suas, eram da sua exclusiva propriedade.
VI- Não o tendo feito, deve a R. pagar à A. metade da
importância que levantou das contas bancárias
abertas em regime de solidariedade activa, acrescida
dos juros moratórios legais desde a citação até
efectivo e integral reembolso.
13-11-2003
Revista n.º 3040/03 - 7.ª Secção
Ferreira de Sousa (Relator)
Armindo Luís
Pires da Rosa
Contrato de depósito bancário
Conta solidária
Compensação
I- No âmbito da compensação convencional é
permitido ao banqueiro levar a cabo operações de
compensação sem observância dos requisitos
previstos no art.º 847 do CC para a compensação
legal, desde que para tal esteja devidamente
autorizado pelo cliente.
II- O banqueiro, perante uma conta solidária, pode
compensar o crédito que tenha sobre algum dos
contitulares, até à totalidade do saldo.
25-09-2003
283
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Revista n.º 1450/03 - 7.ª Secção
Armindo Luís (Relator)
Pires da Rosa
Quirino Soares (vencido quanto ao ponto II)
Depósito bancário
Danos não patrimoniais
Ónus da prova
Renúncia
I- Sendo os AA. titulares de promissórias que
totalizam a quantia de 62.576.031$00, mas
apresentando as suas contas saldos devedores
apenas porque o gerente da dependência bancária as
movimentou no seu próprio interesse, tem de
considerar-se que tais promissórias titulam o
montante depositado, cabendo à R. demonstrar que
tais documentos eram falsos ou provar que se tinham
realizado levantamentos ou
transferências de contas que de alguma forma
impediriam ou modificariam o pedido dos AA..
II- O choque sofrido pelos AA antes a notícia da
existência dos aludidos saldos devedores foi violento
e adequadamente resultante da conduta culposa do
gerente da R., não podendo configurar-se como
simples incómodo a imprevista privação da poupança
de uma família.
III- Tendo os AA. dado quitação em relação às contas
apuradas até à data do documento que elaboraram
com a R. sobre tal matéria e acordado que discutiriam
o mais em juízo criminal, como não deduziram nessa
sede pedido cível, nada impedia que o fizessem,
como fizeram, tão só, e depois, na jurisdição cível.
23-09-2003
Revista n.º 2526/03 - 6.ª Secção
Fernandes Magalhães (Relator)
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Nulidade de sentença
Oposição entre fundamentos e decisão
Contrato de depósito bancário
Solidariedade
Compropriedade
Ónus da prova
Contrato de doação
Tradição da coisa
I- A nulidade da sentença consistente em oposição
entre os fundamentos e a decisão refere-se apenas
aos fundamentos, de facto e de direito, invocados na
própria sentença, e não à fundamentação das
respostas sobre a matéria de facto.
II- Não são credores solidários do Banco depositário
os depositantes que só possam proceder à
movimentação do depósito, efectuado em nome de
ambos, com as assinaturas também de ambos, não
funcionando por isso em tal hipótese a presunção
estabelecida no art.º 516 do CC.
III- Depositado determinado montante num Banco
em conta conjunta da titularidade de ambos os
depositantes, com exclusão da possibilidade de algum
deles, isoladamente, movimentar tal conta de
depósito por meio de levantamentos de dinheiro,
verifica-se a presunção, a ilidir por aquele que se
arrogue a qualidade de titular único da propriedade
do dinheiro, de que o dinheiro depositado pertencia a
ambos em partes iguais na altura do depósito, - por
via do qual o dinheiro passou a ser propriedade do
Banco -, e de que são, também, titulares em partes
iguais do direito de crédito que ficam a ter sobre o
Banco depositário, por força do disposto nos art.ºs
1404 e 1403, n.º 2, do CC.
IV- A tradição da coisa doada, referida no art.º 947,
n.º 2, do CC, não é qualquer entrega material, mas
apenas uma tradição jurídica, ou seja, uma tradição
produtora de efeitos jurídicos, consubstanciados
numa entrega reveladora da vontade de doar.
V- Tratando-se de dinheiro a ser depositado num
estabelecimento bancário, a entrega a um donatário
pode ser feita sem colocação de qualquer quantia nas
mãos deste, desde que simplesmente seja colocada
na sua disponibilidade, por meio de depósito
efectuado em seu nome, só ou conjunto.
03-06-2003
Revista n.º 1615/03 - 6.ª Secção
284
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Silva Salazar (Relator)*
Ponce de Leão
Afonso Correia
Contrato de depósito bancário
Contrato de doação
I- O depósito bancário constitui um depósito
irregular, a que se aplicam as regras do mútuo na
medida em que sejam compatíveis com a função
específica do depósito, mais as normas do depósito
que não colidam com o efeito real da transferência da
propriedade do dinheiro depositado.
II- O documento que corporiza a conta de depósito
bancário representa o dinheiro que foi objecto do
depósito.
III- A “tradição”, requisito essencial, na falta de
documento escrito, para a validade de doação de
bem móvel (dinheiro) pode consistir na colocação
pelo doador, na esfera do beneficiário, da
possibilidade de movimentar e dispor do documento
representativo do valor do dinheiro.
27-05-2003
Revista n.º 1320/03 - 2.ª Secção
Abílio de Vasconcelos (Relator) *
Duarte Soares
Ferreira Girão
Contrato de depósito bancário
Contrato de mútuo
Conta solidária
Descoberto bancário
Denúncia do contrato
Abuso do direito
Venire contra factum proprium
I- O contrato de depósito bancário stricto sensu,
designado por depósito irregular, envolve a entrega
de dinheiro por uma pessoa a um Banco, para que o
último o guarde e restitua à primeira quando esta lho
exigir.
II- O contrato de depósito diferencia-se
essencialmente do contrato de mútuo, porque no
último o fim principal é a disponibilidade do dinheiro
por parte do mutuário e no primeiro a guarda do
dinheiro assente na confiança, na honorabilidade e na
solvabilidade do depositário.
III- A conta de depósitos, expressão contabilística das
operações de depósito e de levantamento realizadas,
é solidária se qualquer dos seus titulares, não
obstante a indivisibilidade da prestação e
independentemente da titularidade do direito de
propriedade sobre o dinheiro depositado, puder
exigir a entrega ao banco a sua entrega.
IV- O descoberto em conta, operação bancária pela
qual uma instituição de crédito consente que um
cliente saque na sua conta de depósitos para além do
saldo existente aproxima-se da concessão de crédito
por saque em descoberto de conta e é enquadrável
no tipo contratual de mútuo mercantil com cláusula
de juros e sem tempo de duração.
V- A emissão pelo Banco de uma nota de débito
correspondente ao saldo negativo da conta de
depósitos e a sua exigência de pagamento ao devedor
consubstanciam tácita declaração de denúncia do
contrato envolvente.
VI- A excepção peremptória imprópria do abuso do
direito venire contra factum proprium traduz-se na
chamada conduta contraditória anterior do seu titular
que, objectivamente interpretada no confronto da lei,
da boa fé e dos bons costumes, gerou na outra parte
a convicção de que o direito não seria por ele
exercido e, com base nisso, programou a sua
actividade.
22-05-2003
Revista n.º 1265/03 - 7.ª Secção
Salvador da Costa (Relator) *
Ferreira de Sousa
Quirino Soares
Contrato de abertura de crédito documentário
Contrato de conta-corrente
I- A abertura de crédito documentário é uma
modalidade do contrato de abertura de crédito, com
especial afectação ao comércio internacional, e
consiste na operação pela qual o banco do
285
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
importador abre, a pedido deste, um crédito a favor
do exportador, assumindo o banco o compromisso de
pagar ao exportador o preço das mercadorias
exportadas, contra a entrega dos documentos
estipulados no contrato.
II- Numa perspectiva estritamente jurídica, a abertura
de crédito documentário configura-se como um
contrato sui generis, com características aparentadas
às do mandato comercial sem representação, isto no
que toca à generalidade das relações entre o
ordenante, o banco emitente e seus
correspondentes, e a que serão aplicáveis as
disposições pertinentes do CCom e, na sua falta, as do
contrato de mandato civil (art.ºs 2, 3 e 231 e ss., do
CCom).
III- O crédito é, em princípio, irrevogável, nos termos
do n.º 2 do art.º 1170 do CC, por se tratar de um
contrato em benefício de terceiro, sem prejuízo de as
partes convencionarem uma cláusula específica sobre
a revogabilidade ou a irrevogabilidade.
IV- Na modalidade irrevogável, o crédito
documentário é, além disso, autónomo em relação ao
negócio subjacente, sendo-lhe indiferentes as
excepções que o ordenante-importador e o
beneficiário-exportador poderiam opor um ao outro.
V- As operações sobre a conta, entre as quais se
contam as ordens transferência de fundos, são
negócios jurídicos abstractos, no sentido de que a sua
validade não depende da existência ou da validade da
relação subjacente, pois a abertura de conta e a conta
corrente que lhe constitui um necessário
complemento justificam-se por si, dado o seu
carácter estritamente escritural.
VI- Como um efeito necessário do contrato de
abertura de conta à ordem (que, relativamente a ela,
funciona como um contrato-quadro), a conta-
corrente entre o banqueiro e o cliente tem, na
disciplina do contrato comercial com o mesmo nome,
regulamentado nos art.º 344 e ss. do CCom, o
adequado referencial, embora com as seguintes
especialidades derivadas da natureza própria do
depósito bancário, nomeadamente do depósito à
ordem:
os créditos em conta são exclusivamente
pecuniários;
a compensação dos créditos recíprocos, entre
banco e cliente, faz-se gradual e sucessivamente,
e não apenas no encerramento da conta;
em princípio, a posição credora deve estar
sempre do lado do cliente, que pode dispor, a
qualquer momento, do saldo.
03-04-2003
Revista n.º 910/03 - 7.ª Secção
Quirino Soares (Relator)
Neves Ribeiro
Araújo de Barros
Contrato de depósito bancário
Obrigação de restituir
Prestação de contas
I- Em caso de depósito solidário cada um dos credores
tem o direito de só por si mobilizar total ou
parcialmente, a quantia depositada, pelo que
qualquer um dos titulares da conta de depósito
bancário a pode movimentar.
II- Tratando-se de um depósito bancário era o banco
que estava obrigado à restituição, o que veio a
cumprir a solicitação da ré titular da conta.
III- Se a quantia pecuniária depositada em conta
bancária foi entregue à ré, por si e em representação
do autor, seu filho, então menor, na sequência de um
acordo de revogação de contrato de arrendamento
celebrado com o senhorio dela onde a ré se
comprometia a aplicar a quantia “em benefício
exclusivo do seu filho menor”, não existe obrigação
de restituição dessa quantia por parte da ré,
assistindo, eventualmente ao autor o direito a exigir
da ré a prestação de contas em processo próprio.
18-03-2003
Revista n.º 4444/02 - 1.ª Secção
Pinto Monteiro (Relator)
Reis Figueira
Barros Caldeira
286
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Abuso do direito
I- A creditação numa conta de depósito bancário de
determinado montante, por via do comportamento
abusivo e de má-fé do depositante, e por erro do
funcionário bancário que contabilisticamente a fez,
não cria para aquele um direito accionável contra o
banco.
II- Pretendendo os autores valer-se do erro do
funcionário bancário em que induziram para obterem
para si próprios uma vantagem, como referido em I,
os mesmos exercem o direito com manifesto excesso
dos limites impostos pelos bons costumes e pelo fim
económico e social dele, assim, de forma abusiva e
por isso ilegítima.
25-02-2003
Revista n.º 4334/02 - 1.ª Secção
Reis Figueira (Relator)
Barros Caldeira
Faria Antunes
Contrato de depósito bancário
Cheque
Obrigações de meios e de resultado
I- A obrigação dum Banco em cobrar cheques
depositados configura-se como uma obrigação de
meios e não de resultado.
II- Na obrigação de meios não basta a prova da não
obtenção do resultado previsto com a prestação para
se considerar provado o não cumprimento: é
necessário provar que não se realizaram os actos ou
diligências que conduziriam à obtenção do resultado
previsto com a prestação.
III- O facto de o Banco disponibilizar os montantes
correspondentes aos cheques depositados, sem
informar o cliente de que essa disponibilidade não
decorria da sua boa cobrança, não é bastante para lhe
ser imputada uma conduta ilícita geradora de um
dever de indemnizar.
18-12-2002
Revista n.º 3354/02 - 2.ª Secção
Abílio Vasconcelos (Relator)
Duarte Soares
Simões Freire
Contrato de depósito bancário
Direito de propriedade
No depósito bancário de dinheiro, o tipo de conta
releva apenas nas relações externas entre os titulares
e o banco (quanto à legitimidade da sua
movimentação a débito), nada tendo que a ver com o
direito de propriedade das quantias depositadas -
este direito de propriedade, relevante nas relações
internas, pode pertencer a todos ou a alguns dos seus
titulares, em partes iguais ou não, ou pertencer
mesmo a terceiro.
17-12-2002
Revista n.º 3344/02 - 1.ª Secção
Ferreira Ramos (Relator)
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante
Contrato de depósito bancário
Compensação
Uso bancário
I- Não é uso bancário o de que o saldo disponível
numa certa conta bancária aberta por um cliente do
Banco junto deste não fique dependente da boa
cobrança de cheques nela depositados, correndo o
risco da eventual não cobrança por conta do Banco.
II- O contrato de depósito bancário é um contrato de
depósito irregular, na medida em que tem por
objecto coisas fungíveis, passando o seu regime pela
aplicação das regras do mútuo, pelo que a
propriedade dos fundos nela depositados passa para
o Banco, ficando o depositante com o direito de
crédito relativamente à restituição do que entregou,
podendo o Banco disponibilizar as quantias
depositadas.
III- À contitular da conta de depósito bancário que
exerça o direito de exigir do Banco a restituição da
sua quota parte na conta solidária, ou a totalidade do
seu saldo, não pode a instituição recusá-la ou
diminuir o quantitativo com o fundamento de a ter
287
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
debitado para proceder à compensação com o saldo
devedor de uma outra conta de um outro titular.
IV - É legítima a compensação de um crédito do Banco
sobre o titular da conta à ordem em razão do saldo
devedor da mesma com o saldo positivo de uma
outra de que o cliente é contitular no mesmo Banco,
só tendo que prestar contas aos outros contitulares
desta última que não ao titular daquela.
12-12-2002
Revista n.º 529/02 - 6.ª Secção
Ponce de Leão (Relator)
Afonso de Melo
Afonso Correia
Contrato de depósito bancário
Cheque
Falsificação
Responsabilidade bancária
I- É uma dupla relação jurídica, aquela que se
encontra na base da emissão de cheques: por um
lado, a relação de provisão pressupondo o cheque a
existência, no banco, de fundos de que o sacador
emitente possa dispor; por outro lado, o contrato ou
convenção de cheque, através da qual a entidade
bancária acede a que o cliente - depositante sacador -
mobilize os fundos disponíveis com emissão de
cheques.
II- Verificada a indevida movimentação desses fundos
através de ordens - saques - que se sabe não terem
sido emitidas pelo titular da provisão, é a entidade
bancária responsável pela reposição desses fundos a
não ser que prove que a indevida saída das quantias
não se deve a culpa sua.
17-10-2002
Revista n.º 226/02 - 2.ª Secção
Duarte Soares (Relator)
Simões Freire
Ferreira Girão
Contrato de depósito bancário
Cheque sem provisão
Responsabilidade bancária
I- Da assimilação que se faz do depósito bancário aos
contratos de depósito irregular e de mútuo - em
qualquer caso sendo sempre o regime deste último
aplicável, ou directamente na medida em que ao
respectivo tipo se reconduza aquele depósito, ou por
remissão feita pelo art.º 1206 do CC - resulta que o
banco é dono dos valores depositados pelo cliente e
que este fica sendo credor na mesma medida, com
direito à sua restituição.
II- Sendo o depósito feito por cheque, o banco só se
torna dono do valor depositado quando aquele título
é cobrado com êxito, e só por ocasião dessa cobrança
o depositante fica sendo, correlativamente, credor da
respectiva restituição.
III- O lapso dos serviços do banco ao disponibilizarem
o valor do cheque, apesar do insucesso da sua
cobrança, não é idóneo para atribuir ao cliente o
direito a essa quantia.
IV- O art.º 74 do Regime Geral das Instituições de
Crédito e Sociedades Financeiras obriga a que a
relação do banco com um seu cliente seja
caracterizada pela diligência, lealdade e respeito
pelos interesses que lhe são confiados, o que passa,
havendo uma conta de depósito, pela exacta
informação sobre a situação dos valores dela
constantes.
V- Porém, estes deveres do banqueiro, uma vez
violados no âmbito de um contrato de depósito,
configuram-se como deveres acessórios de conduta
nele integrados, não havendo que invocar, como
fundamento para a responsabilização daquele pelas
consequências da sua violação, o disposto no art.º
485 do CC.
VI- A informação, não verdadeira, de que estava
disponível a quantia depositada, pode gerar o direito
a uma indemnização a título de responsabilidade civil
contratual - desde que se verifiquem os demais
requisitos da responsabilidade civil.
19-03-2002
Revista n.º 63/02 - 1.ª Secção
Ribeiro Coelho (Relator)
Garcia Marques
288
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
Ferreira Ramos
Contrato de depósito bancário
I- A abertura de uma conta conjunta e a outorga de
poderes para movimentar as contas pessoais, não
têm o significado de transformar em coisas comuns o
que era próprio de uma deles.
II- Mesmo na conta conjunta cada um podia
demonstrar o que era seu e podiam pedir contas do
resultado final.
12-03-2002
Revista n.º 3484/01 - 6.ª Secção
Armando Lourenço (Relator)
Alípio Calheiros
Azevedo Ramos
Depósito bancário
Restituição
Compensação
I- O depósito bancário tem a natureza de depósito
irregular, sujeito ao regime dos art.ºs 1205 e 1206 do
CC.
II- Assim sendo, embora o depositário adquira o
domínio sobre a coisa confiada à sua guarda, é
obrigado a restituir igual importância em moeda
correspondente à depositada, quando isso lhe for
exigido, já que nas contas à ordem, também
designadas por contas à vista, os depósitos são
exigíveis a todo o tempo.
III- Esta obrigação de restituição impede o Banco de
proceder à compensação mediante simples
declaração ao titular devedor, impondo-lhe de forma
unilateral a extinção da obrigação.
IV- Isso só será possível se for convencionado no
momento da abertura da conta, ao abrigo do
preceituado no art.º 406 do CC, entre o Banco e o seu
titular, ou se for autorizado por este.
28-02-2002
Revista n.º 2891/01 - 2.ª Secção
Barata Figueira (Relator)
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares
Crédito bancário
Depósito bancário
Penhor
Falta de assinatura
Abuso do direito
I- A falta de assinatura de um dos titulares da
aplicação financeira objecto de penhor não pode ser
invocada como fundamento da sua nulidade, por
quem lhe deu causa – tal procedimento seria
contrário à boa fé, um venire contra factum proprium.
II- Constituído tal penhor para garantia dos créditos
de um banco sobre terceiro, resultantes de um
empréstimo que a este havia sido concedido, não é
lícito ao banco pagar-se através de uma transferência,
não autorizada, do saldo da conta bancária titulada
por quem prestou a garantia, para a conta do terceiro
– ao agir dessa forma, o banco viola o contrato de
depósito bancário
27-11-2001
Revista n.º 2003/01 - 1.ª Secção
Reis Figueira (Relator)
Barros Caldeira
Lopes Pinto
Cartão de débito
Cartão de crédito
Cartão de garantia de cheque
Contrato de utilização
Cláusula contratual geral
Risco
Meios de prova
Resolução
Modificação do contrato
Silêncio
I- O cartão de débito, encontrando-se associado a
uma conta bancária, é um cartão de pagamento, ou
seja, um instrumento que permite mobilizar
directamente os fundos depositados.
II- O cartão de crédito, não se encontrando em
princípio em relação directa com os fundos
depositados, é essencialmente um cartão de
pagamento diferido.
289
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
III- O cartão de garantia de cheque não constitui, em
si mesmo, um meio autónomo de pagamento,
funcionando em estreita conexão com outro meio de
pagamento - o cheque -, cuja utilização cauciona.
IV- Subjacente à operação de levantamento de
numerário numa máquina automática de caixa e à
operação de pagamento automático, está um
contrato, designado «contrato de utilização» do
cartão.
V- Trata-se de um contrato acessório, instrumental,
em relação ao contrato de depósito bancário ou ao
de abertura de crédito em conta corrente; revelando-
se a acessoriedade não apenas pela função do
próprio contrato, mas também pelo seu destino,
dependente das vicissitudes daqueles tipos
contratuais – p.ex., o cancelamento do depósito à
ordem importará a caducidade do contrato de
utilização.
VI- A cláusula (contratual geral) que determina que o
titular do cartão, no caso do seu extravio, perda ou
deterioração, é responsável por todas as transacções
efectuadas até ao momento do aviso que está
obrigado a efectuar ao banco, na medida em que não
lhe possibilita a prova da ausência de culpa na
respectiva utilização, está a subverter o regime
respeitante à distribuição do risco vertido no art.º
796, n.º 1, do CC, sendo absolutamente proibida e,
em consequência, nula, nos termos dos art.ºs 21, al. f)
e 12 do DL n.º 446/85, de 25-10, na redacção dada
pelo DL n.º 220/95, de 31-08.
VII- A cláusula (contratual geral) que estabelece que,
em caso de divergência entre o montante indicado
pelo titular do cartão e o apurado pelo banco,
prevalece este último, implica uma indevida restrição
aos meios probatórios admitidos por lei, sendo
absolutamente proibida, nos termos do art.º 21, al.
g), do mesmo diploma.
VIII- A cláusula (contratual geral) que atribui ao banco
o direito de exigir a devolução do cartão, bem como o
de o reter, sempre que se verifique inadequada
utilização, sem que a empresa possa reclamar
qualquer indemnização, na medida em que
estabelece uma verdadeira cláusula de resolução ad
nutum, é proibida, nos termos do art.º 22, n.º 1, al.
b), do mesmo DL.
IX- A cláusula (contratual geral) que estabelece que as
alterações das condições do clausulado,
unilateralmente fixadas pelo banco, se consideram
aceites pelo titular do cartão se este não as contestar
no prazo de 15 dias a contar da data do envio do
respectivo aviso, na medida em que retira do silêncio
do titular, subsequente ao envio do aviso – e não à
sua recepção – uma manifestação tácita de aceitação,
é proibida, nos termos do art.º 19, al. d), do mesmo
diploma.
11-10-2001
Revista n.º 2593/01 - 6.ª Secção
Silva Paixão (Relator)
Armando Lourenço
Azevedo Ramos
Depósito bancário
Restituição
Solidariedade
Compensação
I- Não é aplicável ao depósito bancário solidário de
quantias a norma do n.º 1 do art.º 528 do CC.
II- O Banco não pode livrar-se da sua obrigação de
restituir a um dos credores solidários a quantia
depositada na conta solidária – que pode ser
reclamada por este, como um dos titulares da conta –
mediante compensação com a obrigação (do aval) do
outro credor solidário para consigo.
19-04-2001
Revista n.º 821/01 - 7.ª Secção
Dionísio Correia (Relator)
Quirino Soares
Neves Ribeiro
Depósito bancário
Descoberto bancário
Empréstimo mercantil
I- O lançamento a crédito, numa conta bancária, de
importâncias relativas a cheques (e outros títulos
290
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
similares), antes da respectiva cobrança, presume-se
sempre feito com a condição de boa cobrança, como
resulta do § único do art.º 346 do CCom.
II- O adiantamento, pelo Banco, do valor do cheque
depositado ainda não cobrado, que pode conduzir ao
denominado descoberto em conta, traduz-se na
concessão de um crédito, tenha ou não havido acordo
prévio, e ainda que advenha de lapso dos próprios
serviços da entidade bancária, impendendo sobre o
titular da conta a obrigação de restituir o que
recebeu.
III - A autorização, ainda que não intencional, pela
entidade que exerce a actividade bancária, de
levantamentos de fundos de conta de depósito sem a
correspondente existência desses fundos, confiando
na solvabilidade do devedor, reveste a natureza de
mútuo mercantil, não se integrando no depósito
bancário.
IV - Nada impede, à face designadamente do princípio
da liberdade contratual consagrado no art.º 405 do
CC, que as partes possam validamente celebrar entre
si um contrato de mútuo consensual, atípico, com
conteúdo idêntico ao mútuo tipificado excepto no
afastamento da entrega do momento estipulativo
para o momento executivo do negócio.
15-02-2001
Recurso n.º 269/00 - 7.ª Secção
Araújo de Barros (Relator)
Oliveira Barros
Miranda Gusmão
Depósito bancário
Conta solidária
Presunção juris tantum
I - Provando-se que autor e réus abriram uma conta
de depósito plural que foi movimentada a débito
apenas pelos últimos, os depósitos são solidários,
presumindo-se, por isso, a comparticipação em partes
iguais de autor e réus.
II - A presunção legal do art.º 512 do CPC pode ser
ilidida por prova em contrário, uma vez que inexiste
norma que a proíba.
18-01-2001
Revista n.º 3458/00 - 7.ª Secção
Dionísio Correia (Relator)
Quirino Soares
Neves Ribeiro
Depósito bancário
Reembolso
I- O depósito bancário de dinheiro faz-se, em regra,
no quadro de uma conta e como condição material
do funcionamento desta e dos seus efeitos jurídicos.
II- O depositário dispõe dele como proprietário, com
obrigação de restituir, em género, no tempo e com
(ou sem) remuneração, tudo em termos previamente
acordados.
III- No depósito a prazo é estipulado um termo certo
para o reembolso, estabelecido em favor de ambas as
partes, pelo que a soma depositada só poderá, em
princípio, vir a ser levantada no momento que se
encontra estipulado.
IV- Consentindo o Banco na mobilização antecipada
de dinheiro depositado, pode impor que o seja com
correspondente perda, pelo depositante, dos juros
convencionados.
20-01-2000
Revista n.º 952/99 - 2.ª Secção
Roger Lopes (Relator)
Costa Soares
Peixe Pelica
Depósito bancário
Restituição
Recusa
I- O depósito bancário de disponibilidades monetárias
é o contrato pelo qual uma pessoa – que pode ser o
titular do depósito ou um terceiro – entrega uma
quantia pecuniária a um banco, o qual dela poderá
livremente dispor, obrigando-se a restituí-la,
mediante solicitação, e de acordo com as condições
estabelecidas.
II- O contrato caracteriza-se por uma dupla
disponibilidade das quantias entregues ao banco: por
um lado, este adquire a propriedade dos fundos
291
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
depositados, o que implica que deles pode livremente
dispor, conservando o depositante a disponibilidade
dos fundos depositados, ou seja, pode, a todo o
tempo, ou no momento acordado na celebração do
contrato, exigir a sua restituição.
III - Na acção pela qual o autor, titular exclusivo de
uma conta de depósito a prazo, pretende a
condenação do Banco na restituição dos fundos que
depositou, não cabe dirimir a questão da propriedade
das quantias depositadas.
IV - A instituição bancária não pode recusar a um
depositante, titular único da conta, o levantamento
ou a movimentação das quantias depositadas,
alegando que as mesmas não lhe pertencem em
exclusivo.
05-12-2000
Revista n.º 2981/00 - 1.ª Secção
Ferreira Ramos (Relator)
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante
Conta solidária
Compensação
I- O regime de solidariedade nos depósitos bancários
colectivos é estabelecido no interesse exclusivo dos
credores, para facilitar a movimentação da respectiva
conta.
II- A titularidade da conta não tem de coincidir com a
propriedade dos valores depositados, dizendo a
solidariedade respeito às relações entre o Banco e os
respectivos co-titulares.
III- Aplica-se aqui a presunção estabelecida no art.º
516 do CC, da comparticipação dos depositantes em
partes iguais no respectivo crédito.
IV- Sendo o depósito solidário estabelecido apenas no
interesse dos credores, não é facultada ao Banco, nos
termos do art.º 528, n.º 1, do CC, a escolha do credor
a quem restituir a quantia depositada e, sendo assim,
não pode também o Banco, por sua iniciativa,
extinguir a obrigação de restituir compensando-a com
um crédito que tenha sobre um dos depositantes.
24-10-2000
Revista n.º 2295/00 - 6.ª Secção
Afonso de Melo (Relator)
Fernandes Magalhães
Tomé de Carvalho
Descoberto bancário
I- O “descoberto em conta” apresenta-se como a
operação pela qual o Banco consente que o seu
cliente saque para além do saldo existente na conta
de que é titular.
II- O “descoberto em conta” apresenta-se como uma
afloração clara da relevância jurídica das relações
contratuais de facto: as relações entre o Banco e o
cliente resultam de um comportamento típico de
confiança, coenvolvendo uma proposta tácita de
ordem de levantamento por parte do cliente e a
aceitação tácita dessa ordem por parte do Banco.
III- O “descoberto em conta” ficará sujeito ao regime
do contrato de mútuo, dada a sua natureza ser
semelhante à do contrato de depósito bancário.
03-02-2000
Revista n.º 1123/99 - 7.ª Secção
Miranda Gusmão (Relator) *
Sousa Inês (vencido)
Nascimento Costa
Título: Direito Bancário
Ano de Publicação: 2015
ISBN: 978-972-9122-98-9
Série: Formação Contínua
Edição: Centro de Estudos Judiciários
Largo do Limoeiro
1149-048 Lisboa