Diplomacia - Henry Kissinger

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A "1VLiQUINA DO ]utzo FmAL" MILlTAll al' a mobiEzU9ao alema cia Fran9a para a Rlissja. Sua lenLaliva para conlrolar a agao militur foi tao inulil quanta 0 mesmo do czar em !imilar a mobiliz.agao russa. 0 estado-maior alemao naa eslava mais disposto que seu oponente russo a jogar fora vinle anos de planejamen- to; na verdade, como 0 estado-maior russo, tambem nao tinha um plano allernativo. Apesar de 0 czar e 0 imperadol' desejarem voLLar atras, ne- nhum deles sabia como - 0 czar pOl'que nElD podia fazer a mobilizaguo parcial e 0 kajser pOl'que nao podia mohilizHr somenle contra a Russia. Ambos [oram impedidos peios mecanismos militares que haviam ajuda- do u erial; as quais, uma vez em movimento, eram irrevel'siveis. Dia 1 U de agoslo, a Alemanha perguntou it Franga se pretendia ficar neutra. Caso a Fran-ga respondesse que sim, a Alemallha [eria exi- gido as forta!ezas de Verdun e Tou! como provas de boa re. Mas a H·anga respondeu, de forma um tanto enigmatica, que agiria de acordo com 0 sel! interesse nacional. A Alemanha., e claro, nao tinha nenhum proble- rna que servisse de pretexto para uma guerra com a Franqa, mera espec- ladora nH crise clos BJ.le&s. rvlais llma vez, as horarios de moLiliz<1gilO foram cletenninantes. A AIemanha fabricoll algumas violag6es de leira francesas e, dill 3 de agosto, decJarou guerra. No meslllo di£l, ttn- pns [llemfis; eumprindo 0 Plano Seh1ie[[en, invadirnm a Belgiea, No din seguinte, 4, de agosto, para nenhuma surpresa de ninguem, excelo dos lfderes alemaes, a Inglaterra declaroll guerra a Alemanhu. As gl'andes potencias haviam conseguido transformar unw crise ha!eanica secllnciaria em uma guerra munclial. Uma dispula entre a Bosnia e a Servia concluzira a invasao cia BeIgica, no outro extl'emo cIa Europa que, p-Ol' sua vez, Lornou ineviUlvel a da Ingla(crra. Pur ironja, ern plena furor de balalhas decisi\'HS tW frente ocidenlal, as lro- pas austrfacas ainda nao haviam lang ado a of ens iva contra a Servia. A Alemanha aprendeu tarde demais que nao hti cerlezas na guer- ra e que. na obsessao pOl' uma viloria n'ipida e tenninara ell la- lada numa exlenuanle guerra de atrito. Ao exectltar 0 Plano Schlieffen, l.I Alemanha deslruiu tad a possibilidade de uma neutl'alidade ingl.esa, sem conseguirliquidar 0 exercito frances, objelivo que a levoll a lamar as riscos. POl' ironia, a Alemanha perdeu a batalha ofel1siva no oeste e ganhou a balalha dcfensjvn 110 lesle, coisa muito semelhanle ao que previa lVlollke, 0 Velho. No !inal, a Alemanll<lleve de adolar a "slralegia 23]

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A "1VLiQUINA DO ]utzo FmAL" MILlTAll

al' a mobiEzU9ao alema cia Fran9a para a Rlissja. Sua lenLaliva para

conlrolar a agao militur foi tao inulil quanta 0 mesmo esfor~o do czar em !imilar a mobiliz.agao russa. 0 estado-maior alemao naa eslava mais disposto que seu oponente russo a jogar fora vinle anos de planejamen­

to; na verdade, como 0 estado-maior russo, tambem nao tinha um plano

allernativo. Apesar de 0 czar e 0 imperadol' desejarem voLLar atras, ne­

nhum deles sabia como - 0 czar pOl'que nElD podia fazer a mobilizaguo

parcial e 0 kajser pOl'que nao podia mohilizHr somenle contra a Russia.

Ambos [oram impedidos peios mecanismos militares que haviam ajuda­

do u erial; as quais, uma vez em movimento, eram irrevel'siveis.

Dia 1 U de agoslo, a Alemanha perguntou it Franga se pretendia

ficar neutra. Caso a Fran-ga respondesse que sim, a Alemallha [eria exi­gido as forta!ezas de Verdun e Tou! como provas de boa re. Mas a H·anga

respondeu, de forma um tanto enigmatica, que agiria de acordo com 0

sel! interesse nacional. A Alemanha., e claro, nao tinha nenhum proble­

rna que servisse de pretexto para uma guerra com a Franqa, mera espec­

ladora nH crise clos BJ.le&s. rvlais llma vez, as horarios de moLiliz<1gilO foram cletenninantes. A AIemanha fabricoll algumas violag6es de fron~

leira francesas e, dill 3 de agosto, decJarou guerra. No meslllo di£l, ttn­

pns [llemfis; eumprindo 0 Plano Seh1ie[[en, invadirnm a Belgiea, No din

seguinte, 4, de agosto, para nenhuma surpresa de ninguem, excelo dos

lfderes alemaes, a Inglaterra declaroll guerra a Alemanhu.

As gl'andes potencias haviam conseguido transformar unw crise

ha!eanica secllnciaria em uma guerra munclial. Uma dispula entre a

Bosnia e a Servia concluzira a invasao cia BeIgica, no outro extl'emo cIa

Europa que, p-Ol' sua vez, Lornou ineviUlvel a entrad~l da Ingla(crra. Pur

ironja, ern plena furor de balalhas decisi\'HS tW frente ocidenlal, as lro­

pas austrfacas ainda nao haviam lang ado a of ens iva contra a Servia.

A Alemanha aprendeu tarde demais que nao hti cerlezas na guer­

ra e que. na obsessao pOl' uma viloria n'ipida e decisiva~ tenninara ell la­

lada numa exlenuanle guerra de atrito. Ao exectltar 0 Plano Schlieffen, l.I Alemanha deslruiu tad a possibilidade de uma neutl'alidade ingl.esa,

sem conseguirliquidar 0 exercito frances, objelivo que a levoll a lamar

as riscos. POl' ironia, a Alemanha perdeu a batalha ofel1siva no oeste e

ganhou a balalha dcfensjvn 110 lesle, coisa muito semelhanle ao que

previa lVlollke, 0 Velho. No !inal, a Alemanll<lleve de adolar a "slralegia

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A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTIlNCIAS

defensiva de Moltke no oeste tamhem, depois de firmar a polilica que exclufa a paz de meio-termo em que se baseava a estrategia de .Maltke.

o Concerto cia Europa fracassou tristemenle pOl"que as liderull-9as politicas haviam abclieado de sell pape!. Assim, nao [oi nem lentaclo o tipo de congresso europeu que, na maior parte do secuIo XIX, propor­cionara as periodos de cahnaria ou mesmo levara a solugoes. Os gover­nos europeus haviam previslo toelas as contigencias, exceLo 0 tempo necesst'irio para a coneiliugao diplomatica. E esqueceram a [rase de Bismarck: "In feliz do HeIer cujos argumentos, aD fim de uma guerra, nao sejam tao plausfvejs quanta [oram 110 infcio."

Cumprido 0 curso dos fados, vinle milh6es de pessoas haviam morrida; 0 Imperio AllSlro-Hungaro ciesapal'ecera; lres das quatro di­nasLias que entrarum na guerra - a alema, a ausLrfaca e a russa - esta­vam depostas. S6 a casa real britiinica fieoll de pe. Depois, [oi

dificil recordar exalamente 0 que causara a conftagrayao. Sabia­se que, das cinzas pl'oduzidas pOl' esse desatino monumental, teria que sel' construfdo um novo sistema europeu, de natureza diffcil de discernil; por entre a paixao e a exaustao depositadas pela carnificina.

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A nova face da diplomacia Wilson e 0 Tratado de Versalhes

Em 11 de novembro de 1918, 0 primeiro-ministro ingles David Lloyd George anunciou, com estas palavras, que fora assjnado um 31'mistfcio entre a Alemanha e as aliados: "Espero podennos afirmar que com isLa, nesta manha de bans fados, lodas as guerras chegaram ao rim."l Na verdade, a Europa estava a dllas decadas apenas de lima guerra ainda piOl:

Considel'ando que, na Primeira Guerra l\1undial, nada con'eu como planejado, era inevitaveI um anseio de paz frustrante como as expecta­Livas com que as nagoes se langaram nela. Os beligerantes pre'V1an1 \l1'na

guerra curta e haviam deixado os termos de paz a cargo de um congres­so diplomatico do tipo que encerrara os conflitos europeus no secu]o anterior, Porem, nas proporg6es horrendas que alcangaram, as baixas puseram de Iado as clisputas politieas do infcio do confiilo - it influell­cia nos BiLlcas, a posse da Alsacia-Lorena e a corrida naval. As nagoes cia Europa vieram a atribuir seus sofrimenlOs a maldade inerenLe aos adversarios e convenceram-se de que acordos 11aO poderiam gerar paz verdadeira; era mister esmagar complelamente 0 inimigo ou travur a guerra ate a exaustao total.

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A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTENCIAS

Se os lideres europe us seguissem as praticas cIa ordem internaci­onal anteriores a guerra, um acordo de paz se [aria 1111 primavera de

1915. Ofensivas de cada lado tinham cumprido seu caminho de sangue, e havia impasse em tocIas as frenles. Mas assim como as hOI"1:11'i08 de mobilizllgao escorras;aram a diplomacia, na semUIlH anterior a guerra, agora a escala da mortandade impecliu um acordo sensato. Os govern os cia Europa aumenlaram suas exigencias, nao s6 clohrando a incompe­tencia e a irresponsabilidade com que entraram em guerra, mas destru­

incIo tambem a ol'ciem mundial em que as nagoes haviam coexistido durante quase urn secula.

No inverno de 1914-15, a estrategia miHtar e a polftica exlerna haviam perdido contato. Ninguem ousava explorar urn acordo de paz. A Fran'1a nao entrava em acordo sem recuperar a Alsacia-Lorena; a Ale­manha nao admitia paz que exigisse abrir mao de territorio conquista­do. Mergulhados na guerra, os lfderes cia Europa ficaram tao transtof­naclos com 0 fratricidio, tao clesesperados com 0 sumidouro de toda uma geragao de jovens, que a vitoria passou a premio de si mesma, cega as rUInas sobre que seria alcan'1acIa. Ofensivas assassinas confirmaram 0

impasse militar e causaram baixas inimaginaveis antes cia tecnologia moelerna. Esfol'gos por novos aliados comp1icaram 0 no. Cada recel11-

chegado - Itaria e Romenia pelos aliados e a Bulgaria pelas potencias centralS - exigia sua parte do bolim futuro, zerando a fIexibilidade que poderia tel' restado a diplomacia.

Os termos de paz tomaram caniter niilisla. 0 estilo aristocralico, meio conspirat6rio, da diplomacia do secuio XIX eXlinguiu-se na era cia mohiliza'1ao de massa. A banda dos ali ados especializou-se em slogans ." b moralS como a guerra para aca' ar com as guerras" ou "urn mundo

seguro para a democracia" - especialmente depois que as Estados Uni­dos entraram na guerra. 0 primeiro era compreenslvel, ate mesmo pro­missOl; para na~:oes que lulavam entre si, em varias combina'1oes, havia mil anos. Sua interpretagao pralica era a desarmamento completo cia Alemanha. A segunda ideia - disseminar democl'acia - exigia 0 rim das institui'1oes inlernas alemas e ausll'lacas. Ambos os sLogans aliados jm­

plicavam, pOl'tanto, lular ale a fim.

A Inglaterra, que nas Guerras Napoleollicas teve um projeto de equilibrio europeu no Plano PiIt, apoiou a linha de viloria total. Em dezembro de 1914, uma sondagem alema para relirar-se da Belgica em Lroea do Congo Belga [oi rejeitada pelo minislro do exterior inrrles Grey

b' ,

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A ·NOVA FACE DA DIPLOMACIA

sob 0 argumento de que as aliaclos precisavam estar "seguros contra qualquer fULuro ataque da AI.emanha.'"

A resposLa de Grey marcava Lima nova atitude inglesa. Ate pOlleD antes da guerra, a Inglaterra ligara sua seguran'1a ao equilfbrio de po­del; que administrava apoiando 0 mais fraco contra 0 mais forte. Em 1914-, a Inglaterra senLia-se cad a vez pior nesLe papel. Percebendo qlle a Alemanha se tornara mais fOlte que todo 0 reslo do conlinente junto, a InglatelTa viu que seria impossivel sua linha tradicional de ficar acima das conlendas cIa Europa. A Alemanha sendo uma ameaga hegemoniea na Europa, a volta ao status quo em nada aliviaria 0 problema. Logo, a Inglaterra tambem nao podia mais aceitar meios-termos e insistiu em "garantias," que queriam dizer Alemanha mais fraca, especialmente pal' uma grande redugiio da Esquadra Alemii de Alto-Mal' - algo que a Alemanha so aceitaria totalmente derrolada.

Os termos alemaes eram mais precis as e mais geopolfticos. Mas, com sua falta de senso de pl'Oporgiio, os alemiles tambem demandavam a que era lima rendigao incondicional. No ocidente, queriam as minas de carvao do norte cia Franga e 0 controle militar da Belgica, inclusive do porto de AnLuerpia, 0 que assegllrava a hostilidade impladvel da Inglaterra. No leste, a Alemanha s6 pas termos formais com rela9llo a Po16nia, onde prometell, em 5 de novembro de 1916, crial' "um estado independente sob uma monarquia hereclilaria e constitucional":3 - eli­minando qualquer perspectiva de paz negociada com a Relssi". (A Ale­manha esperava, com a promessa de independencia, cinco divis6es de voluntarios poioneses; so tres mil recrutas apareceram.),l. Apos derrotar a Rltssia, a Alemanha imp6s 0 TraLado de BresL-Litovsk, de 3 de Margo de 1918, pelo qual anexou lim ter90 da Russia europeia e esLabeleceu um protetorado na Uerania. Ao definil; enfim, 0 que era lVellpolitilc, a Alemanha se manifestava, no mInimo, pel.a ciominagao cIa Europa.

A Primeira Guerra Mundial come90u como tfpica guerra de gabi­nete, com notas diplomatic as de embaixada a embaixacla, e Lelegramas entre monarCHS soberanos, em todos os pass os antes do combate em si. Mas uma vez decIarada, com as ruas das capitais europeias enxamea­das de mulLid6es freneticas, a guerra deixou de ser uma esgrima de chancelarias e virolI Iuta de massas. Apos as primeiros dais atlos, caela lado apresentava termos incompallveis com qualquer 11098.0 de equilibrio.

o que ninguem imaginava era que ambos as ladas ganhariam e percleriam ao mesmo tempo: que a Alemanha venceria a Russia e aba-

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A DIPLOMACIA OAS GBANDES POTENCIAS

teria sel'iamente a Franga e a Inglaterra; mas que, no final, os aliados ocidentais, com a ajuda indispensavel dos EVA, seriam os vencedo­res. Das Guerras Napoleonicas, resultou lim s'~culo de paz, haseada nO

equilfbrio e em valores comuns. 0 resuJtaclo cia Primeira Guerra Mun­dialloi a desordem social, 0 conftito ideologico e Dutra guerra l11undial.

a entusiasmo que marcnra 0 illicio cia guerra evaporou quando oS pOYOS cIa Europa viram que a capaddade go\rernamenlai de produzir carnificina naa tinha lima capacielade pat'aIela de chegar a vitoria au de obler a paz. Na voragem resuttanle, as Corles dD LeSle, cuja unidade preservara a pm: cia Europa nil epoca da Santa Alian9a, foram rise ad as

do mapa. 0 Imperio Austro-I-!ungal'o desaparcceu pOl' complelo. 0 Im­perio Russo foi tomado pelos bolcheviques e, pOl' duas decadas, reco­lheu-se ii periferia da Europa. A Alemanha foi supliciada, em seqUen­cia, pela cierrota, a revolugao, a inflagao, por erises economicas e peln ditadura. A Franga e a Inglalerra nao ganharam com a fraqueza clos sellS

aclversarios. I1110lara111 sells melhores jovens pOl' lima paz que deixou 0

inimigo geopolilical11ente mais forte do que antes cia guerra. Antes que se evidenciasse a dimensao lotal dessa debacle - em

grande parle auto-infligicla - surgiu nova figura em cena, para eneerrar de unUl vel,: por todas 0 que se chamara Concerto da Europa. Em meio aos escombros e a clesilusao de U'es an os de morliclnio, os Estuclos Vlll­

elos uclenlraram 0 palco internacional com uma HuLoconfianga, um po­

del' e um idealismo inimaginaveis para os exaustos aliaclas eUro­peus.

A entrada dos EUA na guerra lornou a vitoria total tecnicamente posslvet, pm'em em nome de objetivos de pOllca relaguo com a ordem mundial que a Europa conhecera por tres seculos e pela qual suposla· mente fora a guerra. Os americanos desprezavam () equiHbrio de poder e consideravam imoral a Realpolitik. Os fundmnenlos americanas para a ordem internacional eram a clemocracia, a seguranga coletiva e a au­lodeterminugao - nenhum dos quais havia alieer9ado qualquer acordo europeu.

Para os americanos, a dissonancia entre sua filosofia e 0 pensa­menta europeu acentuava ainda mais 0 m6rito das suas convicqoes. Proclamanclo um abandono radical dos preceitos e experi€mcias do Ve­lho Mundo, a ideia de Wilson cia ordem l11undilal derivava aa fe ameri­cana na Ilatureza essenciaLmenle pacifica dn hornem e na harmonia biisica do mundo. Postulava que as nagoes democraticas eram, por de-

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A NOVA FACE DA DIPLOMACIA

finiga~, pacifica::;; as gentes, com uutocleterminagao, naa teriam

mais motivos para if a guerra ou oprimir as oulr08. VIlla vez experimen­tando as bengaos da paz e da democracia, as povos se ergueriam lInidos para defende-Ias.

Os eUl'opeus nao dispunham de categoria semelhante de pens a­

mento, que incluisse tais pontos de vista. Nem SliUS instituig6es nacionais nem sua orclem internacional se haviam hasendo em teorins polflicas que partissem cIa bondade essencial do hornem. I-Iaviam mesilla su-rgi.do

para botar 0 claro egofsmo do hom em a servigo de lim hem maim: A diplomacia europeia 11aO se baseava na natureza pacfGca dos estados,

mas em sua propensao a guerra, que precisava ser deseslimu~ada ou compensada em equilibrio. Alian9as se formavam na bUSCH de objeli­vos definfveis e especificos, nao na defesa da paz em termos abslratos.

As doulrinas de Wilson de autodetermina,ao e de seguran,a co­letiva deixaram os diplomatas europe us em terreno completamente des­conhecido. Na suposigiio de todos os acordos europeus, as fronteiras

podiam ser ajusladas para obler-se equilibria de podel; cujns necessi­dades tin ham precedencia sobre as preferencias das popula~oes ufeta­das. Foi como Pitt imaginou as ~~grandes massas" para conteI' a Franga, no final das Guerras Napoleonicas.

Ao longo de todo 0 seculo XIX, pOl' exemplo, a Inglaterra e a Austria opuseram-se a desintegragao do Imperio Otornano, par eslarern

convencidas de que as nagoes menores, saidas dele, perlurbariam a ordem internacionul. Para elas, a inexperiencia de na~5es pequenas alllpliaria as rivalidades etnieas endemicas, e sua fragilidade rdativa estimularia a vioJagiio de limites relas gran des potencias. Do ponto de vista ingles e <.lllstriaco, os esLados menores tin ham que subordinar suas amhigoes nacionais aDs inleresses rnais amplos da paz. Em nome do equilrbl'io, a Fran9C1 fora impedida de anexar a Valonia de lingua francesa, ria Belgi­ea, e a Alemanha dissuadida de lInir-se a Austria (apesar de Bismarck tel' IS. suas razoes proprias para naa querer junLar-se a Austria).

Wilson rejeitou complelamente esses modos, como os Estados Vnidos tem feito desde en lao. Na opiniiio dos EVA, nao era a aUladeter­minagilO que causava as guerras, mas a inexistencia dela; nao era a ausencia de um equilibrio de poder que procluzia inslabilidade, mas a

tentativa de obte-Io. Wilson propos fundar-se a paz no principio da se­gural1gu coletiva. Em sua opiniao, como na de todos os seus discipulos, a seguran~a do muncio exigia, nao a defesa de inleresses nacionais, mas a

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A DIPLOMACIA OAS GnANoEs POTIlNCIAS

paz como cOllceiLo legal. A cOllstalagao de que lima quebra cia paz OCOI"­renl de fato, seria de uma instituigao internacional, que Wilson definiu como a Liga das Na<;6es.

Por esLranho que pm"ega, a ideia de uma instituigao dessa nature­za surgiu pela primeira vez em Londres, ale enUio balumte cia diploma­

cia do equilibrio de pode!: E 0 motivo nao [oi a tentativa de invenlar uma nova ordem mundial, mas a busca de uma boa raziio, por parte cia

Inglatel'ra, para explicar pOl' que a Amc::;rica devia entrar numa guerra cia velha ordem. Em setembro de 1915, num desvio revolucionurio da pnl.tica brilunica, {} ministro Grey escreveu aD homem de confianga de Wilson, {} coronel House, com Lima pro posta que aehuva irrecusave1

para 0 idealisLa presidente america no. Ate que ponto, perguntou Grey, estaria 0 presidenle interessaclo

em uma liga das nagoes comprometida com {} desannamento e com a solu<;ao pacifica clos conflilos?

Aceitaria 0 presidente pro pOI' que houvesse uma liga das na~oes a unf-Ias contra qualquer poH~ncia que violasse 1II11 tl'atado ... ou que se l'eClISaSse, l1uma disputa, a adotar outro modo de resolu­~ao, que nao a guerra?"

Nao era de Cl'el' que a Inglaterra, a qual, durante dU2entos anos, fugira

de aliangas aberLas, aparecesse de repenle com urn gosto pOl' tais

aliall<;as, e mais, em escala global. Contudo, a determina<;iio cia Ingla­terra em vencer a ameaga imecliata cia Alemanha era Hio grande, que sell ministro do exLerior era capaz de formular uma doutrina de segu­ran9a coletiva, a compromisso mais aberto que po de havel: Cada mem­

bro da slla pretensa organiza9ao mundial seria obrigado a resistir a agl'es­sao de qualquer agenle, em qualquer luga!; e a punir as na90es que rejeitassem a solugao pacifica das disputas.

Grey sabia com quem estava ll'atnnclo. Desde a juventude, Wilson acreciiLara que as instilui90es federais americanas deviam servir de mo­delo para um eventual "parlamento da humanidade." No inlcio de sell mandato, ele ja ten tara um pacto pan-americano para a hemisferio oci­

dental. Grey nao cleve tel' ficado sllrpl'eso - mas certamente ficoll feliz­ao receber uma pronta resposta concordando com 0 que, em retrospecto,

foi uma isca bern evicienLe.

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A NovA FACE OA DIPLOMACIA

Essas eartas sao talvez 0 exemplo mais antigo do "re1acionamen­to especial" entre as EVA e a Inglaterra, que pennitiria nos ingleses manter uma influencia unica em WashingLon, Illuito tempo depois do

declfnio do sell podel~ na esteh'a cIa Segunda Guerra Mund:ia1. A lfngua comum e a hel'an9a cultural combinaram-se com grande Lata para capa­citar as llderes ingleses a injelal'em suas ideias no processo dedsorio americano, de tal maneira que elas impercepLivelmente pareciam ser as de Washington. Assim, quando em maio de 1916 Wilson apresentou pelet primeira vez seu projeLo de uma organiza9llo mundial, ele esLava, sem duvida, convencido de que a ideia era sua. E, de certa forma, era, pais Grey a levantara bern ciente das convicgoes de Wilson.

Com a paLernidade que tivesse, a Liga das Na90es era a quinles­sencia do conceito americana. 0 que Wilson ideaJizava era uma "asso­ciagao universal das nagoes, para manLer a seguran9a invioUivel do ca­minho dos mares para 0 uso cOl11um e livre de todas as IHlgi>es do mun­do, e para impedir qualquer guerra que comece de maneiru contn'iria a dispositivos de tratados all sem aviso, e total submissao das causas a opiniao do mundo - uma garantia virtual da inLegridade territorial e da independencia polftica."o

Mas, de infcio, Wilson evitou oferecer a participagao americana nessa "associagao universal." Finalmenle, em janeiro de 1917, ele deu o salLo e defendeu a participagao americana, invocando, surpreenden­lemenLe, a DouLl'ina de Monroe como modelo:

Estou pl'Opondo, em suma, que as nagoes, num acordo, adotem a

doutrina do presidente Monroe como a douLrina do muncIo: que !lagao nenhlll11l1 cleve (IlIere]' eslender suas polfticas a nenhuma outra na~ao ou puvo, ... que toeIns as nagoes devem, doravante,

evitar aliall~as cornpromeLedoras, que as levem a cornpeti9oes de podel: .. .'

o Mexico provavelmenle fieou estupe[alo em saber que 0 presi­clenle do pais que the tomara um ter<;o do territ6rio, no seGulo XIX, e mandara tropas ao Mexico no ano anterior, apresentava agora a Doutri­na de Monroe como garanUa da integl'idade territorial de na90es irmas

e C0l110 exemplo classico de coopera9uo internacional. o idealismo de Wilson n50 in ao ponto de crer qlle sUas opinioes

conquistariam a Europa par meritos inerentes. Dispos-se, en tao, a su-

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A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTENCI,\S

plementar Ell'gumenlos com pl'essoes. POllea depois que as EUA entra­ram na guerra, em abril de 1917, ele escreveu ao coronel I-louse: "Quan­do Heabar a guerra, vamos f01'9Ur-Ihes Hossa maneira de penSaI; pais ate la eles estal'ao, entre Qulras coisas, financeiramente em nossas maos. "ll Mas naquele momento, varios aliados delongaram suas res post as a ideia de Wilson. Apesar de Ihes ser muito diffcil concordar com opinioes tao estranhas as suas lraciigoes, eles pl'ecisavam demais clos EVA para ex­pressarem suas resen'as.

Em fins de outubro de 1917, Wilson despachou 0 coronel House para pedir aos europeus que fOl'mulassem objetivos de guerra que refle­tissem 0 sell proclamado ohjetivo de paz, sem anexagoes Oll indeniza­goes, l11onilol'ucia pOl' LIma aUloridade mundial. POI' varios meses, Wil­son evitou manifestar opiniao, pois, como explicou a I-louse, a Franga e a Italia poderiam objetal; se os EUA denotassem diivida quanta a justi­ga das suaS aspirHgoes territoriaisY

Finalmente, em 8 de janeiro die 1918, Wilson passou a a9iio. Com eXLl'uordinaria eJoqUencia e elevag~io, anunciou os objeLivos de guerra americanos, em uma sessao conjunta do congresso america no, apresen­tando-os na forma de Quatorze Pontos, divididos em duas partes. Mar­cou oiLo ponlos como obrigatorios, llO sentielo de que "tinham" que ser cumpridos. Entre eles a diplomacia aberta, a liberclade dos mares, 0

deS1:111namento geral, a remogao de barreiras comerciais, 0 acerlo imparci­al de reivindicag6es coloniais, a restauragao cia B6lgica, a evacuagao do territ6rio russo e, joia cia coroa, uma Liga das Nag6es.

Wilson apresentou os seis ponlos restantes, mais especfficos, com a cleclaragao de que "deveriam," em vez de "tinhum que," ser alcanga­dos, Lalvez par achar que nao eram absolutamente indispensaveis. Surpreendemente, a restauragiio da Alsacia-Lorena na Franga estava na categoria nao obrigatol'ia, embora a cleLerminagao de recupel'ar aquela area houvesse sustentado a polftica rrancesa par meio seculo e par imen­sos sacriffcios, sem precedenles, na guerra. Outras metas Hdesejaveis" eram aulonomia para as minorias dos imperios Austro-I-Iungaro e Otomano, 0 ajuste das fronteiras da Italia, a evacuaguo clos Balcas, a internacionalizagao dos Darclanelos e uma Pol6nia inciependenle, com acesso ao mm: Eslaria Wilson indicando que estas seis condig6es de­pendiam de acordo? 0 aces so da Polania ao mar e a modifica9iio das fronteiras da Itiilia, certamente, seriam diflceis de conciliar com 0 prin­cfplo cia aULodeterminagao e foram, pOI' isso, as primeiras falhas na si­metria moral do plano de WilsOil.

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A NovA FACE DA DIPLOMACIA

Wilson concluiu sua apresenlagao com um apelo ii Alemanha, em nome do espfrilo conciliat6rio com que a America abordaria a conslrll­gao de uma nova ordem internacional- uma atitude que bania objetivos de guerra historicos :

Nao regateamos sobre seus feitos, superioridade de aprendiza­gem e inicialivas pucificas, que fuzem sua hist6ria tao ilustre e invejiive1. Nao nos move prejudici.l-la ou obslruil; de maneira al­gUIlla, sua influellcia all poder legitirnos. Nao clesejnmos atillgf­In com armas Oll Clrranjos comerciais hoslis, se eIa esliver disposta a associar-se conoseo, e com as outras na90es do mundo, amantes cia paz, em paclos de jllstigH, lei e bOilS princfpios. S6 queremos que

ela aceile lim lugal' de igllaldade entre os povos do mundo ... lO

Nunca dantes, tao revolucionarias metas se fixaram com tao poucas di­

relrizes para sua consecugao. 0 ll1unclo que Wilson propunha teria base no principio e nao no poder; na lei, nao no interesse - do venceclor e do veneido; em oulras palavras, lima inversao Lotal cia experiencia hist6ri­ea e dos meloclos das gl'andes potencias. Simbolizou islo a maneira como Wilson clescreveu 0 papel dos EVA, e 0 seu, na guerra. A America ha­via-se unido ao que, devido a aversao de Wilson a palavra "aJiado," ele chamou de "um laclo" de mna das guerl'as mais brutais cia hisl6ria, e Wilson agia como se fosse 0 principal mediaclOl: ""Tilson pare cia dizer que a guerra fora travada nuo para se alcan~arem cerLas condigoes es­pecificas, mas para engenclrar uma determinada atitude de parte cia Alemanha. A guerra tratava de conversao~ nao de geopolitica.

Em discurso no Guildhall de Lonclres, em 29 de c1ezembro de 1918, apos 0 armislfcio, Wilson condenou expliciLamente 0 equiHbrio de poder pOI' insLavel e haseado em '~nul1la vigiIancia invejosa e num alllagonismo de interesses."

Eles [os soldados aliados] lutaram para acabar com lima velha ordem e (;r1;i-Ia nova. e 0 ponto cenlml e caraclerlslico cIa velha ordem era uquela coisa instavel que costllmUVall10S chamar "equi­Hbl"io de poder" - oblido peia espaua, posta de um ludo ()u de ouLro; um equiHbrio criado pelo balan90 insti.lvel dos interesses

compeLilivDS ... Os homens que lutaram !lesta guerra eram ho­mens de na~oes livres, determinados a acabar com esse Lipo de coisa, de lima vez por lodas. 1I

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Page 7: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPl.OMACIA DAS GRANDES POTENClAS

Wilson estava muito certa quanta as nag6es europ6ias terem criado a maio)" confusao. Contudo, naa 0 equilibria de podel; mas a abdicagao dele, por parte da Europa, causara 0 desastre cia Primeira Guerra Mun­dial. as govern os cia Europa de antes da guerra haviam esquecido 0

equilibria de poder historico e deixaclo cle fazer as adapta,6es peri6di­cas que evitavam gl'anc1es desfechos. Em seu lugm; haviam poslo lim mundo bipolm; muito menos flexfvel que 0 futuro mUllelo da Guerra Fria, pois lhe faltavam as inibig6es cataclfsmicas da Era Nuclem: En­quanta louvavam 0 equilfbria cia boca para [ora, as lfderes cia Europa cortej.avam os elementos mais nacionalistas da sua opiniao publica. Nem os aeordos militares nem os polfticos se permitiam qualquer flexihilida­de; nao havia valvula de seguranga entre 0 status quo e a conflagragao. Isso Levava a crises sem solugao e a poses publicas inLerminaveis que, pOl' rim, nao tinham volta.

Wilson identificou com precisao alguns dos principais clesafios do seculo XX - em especial, como colocar 0 poder a servi,o ria paz. IVIas suas solugoes muitas vezes aumentavam os problemas que via. Ele aLribuia a competigao entre os estacIos a ausencia de autodeterminagii9 e a 111otivos economicos. No entanto, a hist6ria enl1l11era 1TI11itas causas mais freqlienLes da cOl11peti~iio, dentre elas 0 ent,'Tundecimento nac.lonal e a exallagao do governante ou elo grupo govern ante. Desdenhoso de tais j lll­

pulsos, Wilson aehava que a difusao ela cIemoeracia as eonlrolaria, e a aULodeterminagao os privaria de seus pont os foeais.

o remeciio de Wilson, seguranga coletiva, pressupunha as nagoes do IllUllelo unidas contra a agressao, a injustiga e, presumivelmenLe, 0

egofsmo excessivo. Em discurso cIiante do senado, no inicio de 1917, Wilson afinnou que direitos iguais entre as eSlados eram a pn§-condi­gao para u manulengao cia paz pela segurunga coletiva, independenle do poder de cada 11a9iia.

o direito cleve eslal' baseado na for~a comUl11, nao 113 [01'9<.1 indi­vidual, das na~6es de cujo concerto dependeni a manutengao cia paz. OLviamente, nao ha como existir iguald<:lde de territ6rios Oll

de l'ecursos; nem oulro tipo de igualdade nao conquislmla £1tra­ves do desenvolvimento comum pacifico e legitimo dos proprios povos. Porem, ninguem pede, ou espera, mais que igualdade de direitos. A humanidade procUl'a agora a libel'dade da vida e nao contrabalan~os de podel: 12

242

A NOVA FACE DA DIPLOMACIA

W_ilson propunha uma ol'clem munclial onele a resistellcia a agres­

sao Fosse baseada na moral, nao em criterios geopo!fticos. As na\!oes

perguntar-se-iam se um ato era injusto, nao se era amea9adOl: Apesal' de os aliac10s dos EVA mio crerem muito nesse novo arranjo, sentiam-se fracos demais para contestt;l-lo. E:les sabiam, au acreclitavam sabel; como calcular 0 equilibrio haseado no podel; mas nao achavam que nem eles proprios nem ninguem soubesse eonlO calcular com base em preceitos morms.

Antes cia entrada dos americanos na guerra, as democracias eu­

ropeias j anlais ousaram expressar duvidas abel'tamenLe sobre as icIeias de Wilson, alias, sempre tentaram obter seu apoio, sendo indulgentes com ele. Quando as Estados Vnidos, finalmenLe, juntaram-se aos alia­

dos, estes ja estavam no desespero. As forgas combinadas cIa Ingluterra, Fl'anga e Russia nao tin ham sido suficientes para veneer a Alenlanha e, na esteim da Revolu9iio Russa, temiam que a entrada dos EUA na guer­ra apenas compensasse 0 colapso da Russia. 0 Tralado de Brest-Litovsk com a Rl]Ssia mostrava que tipo de destino a Alemanha tioha em mente para os percleclores. 0 luedo de LIma vitoria alema evilava que a Ingla­terra e a Franga discutissem objetivos de guerra com seu idealista par­

ceiro americana. Ap6s 0 armistfcio, os aliados viram-se em melhor posigao para

expressar suas ressalvas. Nao seria a primeira vez que uma alianga eu­ropeia era abalada au quebrada ap6s a vitoria (pOI' exemplo, 0 Congres­so de Viena atravessou uma fase em que as vencedores se ameagavum

de guerra). Mas as vitoriosos da Primeira GuelTa Mundial estavam exan­gues, e pOl' demais dependentes do gigante americana, para al'riscar um

djiilogo imperLinente com ele, au sua retirada do aeorclo de paz. Espeeialmente no que dizia respeito a Franga, agora em posi~ao

verdadeiramente lragica. Durante dois seculos ela lutara pela suprema­cia na Europa, pOl'em, diante das conseqi.iencias cia guerra, nao se aellava nem capaz de protegeI' suas proprias fronLeiras contra um inimigo del'ro­

tada. Os franeeses sentiam que conter a Alemanha estava alem cia capaei­dade de sua socieclade deslrogada. A guerra exaurira a Franga, e a paz continha premonigoes de mais eatastrofes. A Franga, qw~ lutara pOl' sua existencia, lutava agora pOl' sua identiclacle. Nao ousava ficar sozinha; e

seu aliado mais pocleroso propunha uma paz sobre princfpios que trans­

formavam a segul'anga nUI11 processo judicial.

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Page 8: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPLOMA CIA DAS GRANDES POTENCIAS

A viloria dell consciencia a Fran~:a de que a revanche Ihe cuslara caro e que ela estava vivendo, havia quase um seculo, de canslimir sell capital. 56 a Franga sabia como era [raea em relagao it Alemanha, e l11a18 ninguem, especialmente a America, acreditavH nessa realidade. Entao, as vesperas cia vitoria, teve infc:lo um dialogo [ranco-americano

que aceleroll 0 processo cia ciesmoralilagao francesa. Como Israel, no perfodo moderno, a Franga mascarava sua vulnerabilidade, senda irritadiga, e disfargava com inlransigenc-ias urn panico incipienle. E como

Israel no perfoclo mocierno, yjyia em perigo constante de isolamento. Apesar de as aliados cia Franga insisLirem que suns apreens6es

eram exageradas, as franceses sabiam bem do que estavam falando. Em 1880, os franceses eram 15,7% da popula,ao da Europa. Em 1900, esse numero calra para 9,7%. Em 1920, a Franga tinha 41 milhiies de habilanles e a Alemanha 65 milh6es de habitanles, [azendo com que 0

esladista frances, Briand, respondesse ~ls criticas quanto a sua pol.1tica conciliat6ria em relagao a AJemanha com 0 argumento de que aquela era a politica externa da taxa de natalidade da Franga.

o cleclfnio econoll1ico relativo cia Franga era ainda mais dramiili­co. Em 1850, a Franga fora a maior nagiio industrial do continente. Em 1880, a produgao alema de ago, carvao e ferro superava a cia Franga. Em 1913, a Franga produ"iu 41 milhiie,s de toneladas de carvao, com­paradas com 279 milhiies de loneladas cia Alemanha; no final cia decada de 1930, a clispariclade se ampliaria para 47 milhiies de loneladas produziclas pela Ft'an,a contra um tolal alemao de 351milh6es de toneladas.'"

A forga residual cia inimigo derrotado foi a diferen,a fundamenlal enlre as ordens inlernacionais p6s-Viena e pos-Versalhes, e a raziio para este estado de coisas era a desulliao dos vencedores apas Versalhes. Uma coalizao de pOlencias derrolou Napoleiio e lima coaliziio de polen­cias foi necessaria para veneer a Alemanha imperial. .Mesmo depois de percleI; ambos as vencidos - a Fran,a em 1815 e a Alemanha em 1918 - eram forLes 0 suficiente para vencer qualquer dos ll1embros das coal i­z6es isoladall1ente, talvez ate mesmo uma combinagflO de dois deles. A diferenga foi que, em 1815, os promotores cia paz, no Congresso de Viena, permaneceram unidos e fonnaram a Alianga Quadrupla - uma (;oalizao forte de qU<.ltro potencias que poderia esmagar quaisquer so­nhos revisionistas. No periodo pos-Versalhes, os vencedores nao per­ll1aneeeral1l aliados, os EVA e a Russia retiraram-se completamente, e a Inglaterra moslrava-se assaz ambivalelilte com respeilo it Franga.

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A NOVA FACE OA DIPLmlACIA

S6 no perfodo p6s-Versalhes, a FrunQa chegou a dura conclusao de que sua derrota pela Alemanha em 1871 nao fora lIma aberragiio. A (inica maneira como a Franga poderia manter sozinha 0 equilfbrio com a Alemanha seria dividir a Alemanha nos estados que a compunham, lal­vez restabelecer a Confederagao Gennanica do seculo XIX. N a realida­de, a Fran~(a 0 quis, ao estimular 0 separatismo na Renania e ao ocupar as mjnas de earvao do Sane.

Dois obstaclilos, no enlanto, impediam a divisao cIa Alemanha. Um deles era que Bismarck se dedicara a uma construgiio solida. A Alemanha criada pOl' ele preservou seu sentido de unidade atraves de derrotas ern duas guerras lTIlinciiais, da ocupagao francesa cia regiao do Ruhr em 1923, e da imposi,iio sovietica de um estado satelite na Ale­manha Oriental, durante uma geragao, apas a Segunda Guerra Mundi­al. Quando 0 Mliro de Bedim caill, em 1989, 0 presidente frances, Mitterrand, flertou brevemente com a icleia de cooperar com Gorbachov para obstrllir a unificagao alemfi. Porem, Gorbachov estava muito ocu­pado com problemas inLernos para enlrar numa aventura dessa nature­za, e a Fblnga nao era forte 0 suficiente para faze-Io por si s6. Vma debilidade francesa semelhanle impediu a divisiio cia Alemanha, em 1918. lVIesmo se a Franga estivesse a altura da larefa, seus aliados, em especial os EVA, nao teriam tolerado uma violagao tao crassa do princf­pia da aUlodeterminagao. Mas Wilson tampoueo estava em concIigoes de insistir em uma paz de reconciliagao. No final, ele concordot! com varias clausulas punitivas que contrariavam 0 Lratamento iguali turio prometiclo lpelos Quatorze Pontos.

Conciliar 0 iclealismo americana com as pesadelos da Franga es­tava alem cla engenhosidade humana. Wilson lrocou a modificagao dos Quatol'ze Pontos peJo estabelecimento cia Liga das Na~oes, com que ele contava para sanaI' queixus legftimas nao consideradas pelo tratado de paz. A Fran~a concordou com muito menos medidas punitivas do que julgava proporcionais aos seus sacriffcios, na esperanga de um compro­misso americano de longo prazo com a seguranga francesa. Por fim, ninguem atingiu seu objetivo: a Alemanha n.5o se reconciliou, a Franga nao se tornou segura e as Estados Unidos retiraram-se do acordo.

Wilson foi a estrela da Conferencia de Paz, que se realizoll em Paris, entre janeiro e junho de 1919. Numa epoca em que uma viagem de navio a Europa levava uma semana, varios conselheiros de Wilson opinaram que urn presidente americano nao se podia dar ao luxo de sail'

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Page 9: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPLO!IACIA DAS GRANOES POTllNCIAS

de Washington por meses a fio. Na verdade, em sua HlIsencia, a forga de Wilson no congresso americana realmente deteriorou, e custOlI cal'O, quando 0 tratado de paz leve que ser ratificado. Ausencia de Wilson it parte, e quase sempre lim erro, chefes de estado assumirem os detalhes de lima negociagao. Ficam obrigados a dominar aspectos normalmenLe geridos pOl' seus ministerios do exterior e avem-se com assunlos mais pr6prios de subordinados, enquanto lem dificuldade de Iidar com ques­toes que 56 chefes de estado podem solucionm: Como ninguem chega aD cargo mais alto sem um ego bem desenvolvido, 0 meio-termo fica dificil e os impasses, perigosos. E as posi~6es inlernas dos interlocutores de­

pendendo tanto de, pelo mcnos, uma aparencia de sucesso, as negoeia­goes pass am a concentrar-se tnais em oeultar divergencias do que na essen cia de um problema.

Foi a sina de 'Wilson em Paris. A eada mes que passavu, mais de se metia na discussao de detalhes que jamais 0 haviam interessado. Quan­to mais tempo fieuva, mais a sensa~ao de urgencia em feehar quest6es superava 0 desejo de uma ordem internacionai inleiramellte nova. 0 resultado final tornou~se inevitavel, ante 0 procedimento usaclo para negoejar 0 lratado de paz. Com 0 tempo descomunal dedieado a ques­toes territoriais, a Lilga clas Na90es apareceu como deus e:< machina que depois resolveria a disUlncia cada vez maior entre as proclall1aS/6es morais de Wilson e os verdadeims tennos do acordo.

Lloyd George, 0 gales ati/aclo que represenlava a Inglaterra, pro­melera aos eleitores, poueD antes cia Conferencia de Paz, espremer a Alemanha, "ate virar-lhe os bolsos," para faze~la pagar os custos da guerra. Mas, ante uma Alemanha voIatil e urn.a Fnln!;a inquieta, COIl­

centroll-se em manobrar entre Clemenceau e Wilson. No final, subscre­vell as cIausulas punitivas, deixando a Liga ° mecanismo de corrigir quaisquer injusti~as.

PeJa Fran~a, falava Clemenceau, personagem marcado pela guer­ra e ja entrado em anos. Chamavall1-no "0 Tigre," era um veterano de decadas de balalhas internas, da deposi9iio de Napoleao fIr it defesa do capitao Dreyfus. Mas, na Conferencia de Versalhes, ele alribuiu-se uma tal'efa alem ale mesmo de sua imensa ferocidade. Lutando por uma paY.; que de certa maneira anularia 0 trabalho de Bismarck e reafirmaria 0

eslilo de Richelieu no continenle, ele for901l a toleriincia do sistema il1ternacional e mesmo 0 disponfvel de sua propria sociedade. 0 rel6gio nao poderia andar 150 anos para tras. Nenhuma nagao acompanhava

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A NOVA FACE OA DIPLOMACIA

ou hem compreendia as objetivos da rranga. 0 desengano foi 0 quinhao de Clemenceau, e a desmoraliz1:lgao progressiva 0 futuro da Franqa.

Vittorio Orlando, primejro-ministro italiano, era 0 ultimo dos "Qua­tro Grandes." Apesar de talentoso, ele era oruscado pOl' seu energico ministro do exterior, Sidney Sonnino. as italianos, como se conslaLou, vieJ'am a Paris receber 0 botim, nao para elabornr uma nova ordem mllll~ dial. Os ali ados haviam aLI'afda a Italia para a guerra prometendo-lhe 0

Tirol do sui e a costa cia Dalmacia, no Tratado de Londres de 1915. Sendo 0 suI do Tirol austro~alemao e a costa claJ mala eslava, as reivin­

dica90es da Italia colicliam de frenle com 0 principio cia aulodelermin>l­<;8.0. Contudo, Orlando e Sonnino cl'laram um ta11mpasse na conferen­cia que, pOl' exaspera~;jo tolal, 0 suI do Tirol (mas nao a Dalmacj~l) fai enlJ'egue a hulia. Este "acerto" mostrou que os Quatorz.e Pontos nao estavam escritos em granilo e abriu as comporlas para varios OLltl'OS ajllstes contrarios ao principio declarado da autodeterminagao, sem melhorar 0 antigo equilibrio de poder l1em criar lim nOVO.

Ao contnil'io do Congresso de Viena, a Confen~ncia de PU7. de Paris nao inclufu as po[(~ncias derrotadas. Como resultado, os meses de negociagoes deixaram os alemaes sob uma nuvem de incerteza que es­timulou ilusoes. Eles recitavam os Quatorze Ponlos de Wilson como se os tivessem clecorado e, apesar de que seu proprio programa de paz teria sido brulal, acreditaram que I} acordo final dos ali ados seria rela­tivamente brando. Deste modo, quando os promotores da pa7. mostl'a­ram seu trabalho, em junho de 1919, os alemaes ficaram abismados e dedicaram-se a mina-10 sistematicamente durante duas de-cadus.

A Ri'lssia de Lenin, lambem nao cOllvidada, desancoll a coisa toda com 0 argumento de que era uma orgia capilalista montada por pafses cuja mela era intervlr na guerra civil da Russia, E, asslm, foi que a paz que encerrou "a guerra para acabul' com Lodus as guerras" nao inc1ufu as duas na90es mais fortes cia Europa - Alemanha e Russia - que, entre

elas, tinham 111a1s da metade da populagao da Europa e somaval11, de Jonere 0 maior pOlencial militm: So este falo baslava para condellar 0 b ,

acordo de Versalhes. Os procedimentos tampouco estimulavam uma aborclagem com­

pleta. Os Qualm Grandes - Wilson, Clemenceau, Lloyd George e Orlando _ eram as figuJ'as dominanles, mas nao foram capazes de controJar 0

andamento como as ministros das grandes potencias haviam dominado o Congresso de Viena, um seculo antes. as hom ens de Viena cOllcenlra-

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Page 10: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTENCIAS

ram-se em erial' um novo equilibria de poder, tendo 0 Plano Pilt como

projelo gera!. Os lideres de Paris perdiam tempo Buma serie intermina­vel de coisas secundarias.

Foram conviclados 27 estados. Imaginada como forum de todos as povos do mundo, a conferencia, no final, virol! balbin'diu. 0 Conselho

Supremo - composlo peIos chefes de governo cia Inglaterra, da Franga, cia IuHia e dos Estaelos Vnielos - era a mais alta clas inumeras comiss5es

e se90es que fOl'mavam a confel'encia. Alem dele, havia 0 Conselho dos Cinco, composto pelo Conselho Supremo mais 0 chefe do governo do Japao; e um Conselbo dos Dez, que era 0 Conselho c10s Cinco e seus ministros do exterior. as paises menores podium dirigir-se aos grupos mais de elite e colo car suas preocupag6es. Issa acentuava a natureza democnitica cIa conferencia, mas tomava muito tempo.

Nao haven do consenso sobre agencla, antes da conferencia, os

delegacIas ehegavam sem saber em que orciem as quest6es seriam ubor­

dadas. Dar, a Conferencia de Paris ncabar COIll 58 comites ciiferentes. A maioria tratava de questoes terriLoriais. Havia um comiU~ separaclo para

cada pais. E ainda comiss6es de crimes e criminosos de guerra, cle re­paragoes, portos, vias navegaveis e ferrovias, de trabalho e, finalmente,

um comite cia Liga das Na90es. No toclo, as membros das comiss6es cia conferencia compal'eceram a 1646 reuni6es.

Discussoes sem fim sobre temas perif6ricos fugiam ao fato central de que, para uma paz esLavel, 0 acardo precisava de um canceito eSLelm;

que LUclo engJobasse - especialmente uma perspectiva langa do papel futuro da Alemanha. Teoricamente, as princfpios americanos de segu­

ranqa coleliva e autocielerminagiio c1esempenhavam esle papel. Na prii­tiea, a vel'dadeira questaa da canferencia, que se mos1rou insoluvel, era a diferenga entre 0 conceito americano de ordern internacional e a COIl­

cep9uo dos europeus, especialmenle dos franceses. Wilson rejeitava a id6ia de que canfLitos internacionais tinham causas estruturais. Julgan­do a harmonia alga natural, Wilson lulou por instituigoes que varressem

a ilusao das interesses eonfiitantes e firmassem 0 senso basieD de uma

comuniclade global. A Fran~a, palco de muilas guerras eUl'opeias, ela propria alUanle

em varias outras, naa se convenceu de que inLeresses nacionais

conflitanles eram ilusoes e de que existia uma harmonia nebulosa e latente, aLe enUia escondida, na humanidade. Duas ocupag6es ale mas

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A NovA FACE DA DIPLOMACIA

em 50 anos faziam a Fl'anga obsessivamente temel'osa doulro ciclo de

conquistas. Eia queria gal'antias tangfveis de seguranga e deixava a Ol1lros 0 aperfeigoamento moral do homem. Mas ganmLias 1angfveis sig­nificavam Alemanha [ruca ou compromisso de QuLros pafses, especjal­mente os Estados Unidos e a Inglaterra, ficarem ao lado da Franga em

caso de outra guerra. Opondo-se os ESlados Unidos ao c1esmembramenlo da Alema­

nha, e senda a seguranSta eoletiva pOl' demais eterea para as franceses,

a solugao que restava para 0 problema da Franga era uma promeSSH

americana e inglesa de defende-la. Precisamenle no que os paises anglo­sax6es relutavam. Sem compromisso a vista, a Fran~a ficou eircunscl'ita a expedientes. A geografia pl'otegia a America e a rendigao cia esquadra

alema resolvera as preocupH9oes inglesas acerca do controle dos ma~

res. S6 a Franga, enlre os vencedares, 5e peciia descansar sua seguranga na opiniiio Illundial. Andre Tardieu, um dos principais negociadores

franceses, argumentou que:

A H'an~a, como a InglatelTa e os Estados Unidos, precisa de uma Z011a de segUn1119a,,, Essa zona. as potencias navais criam corn suaS esquadras e corn a eliminagao da rnal'inha ulemfi. A Fral1~a, desprotegida pela oceano e incapaz de eliminar os milhoes de alemaes lreinados para a guerra, cleve organiz<.\-la no Reno, com a ocupagiio inLeraliada c1aquele rio,14

Mas 0 pedido da Fran9a de separar-se a Reniinia da Alemanha era con­tntrio a convicgao americana de que u a paz assirn alcangada seria con­tra tudo que sempre defendemos."l:) A delegagao americana argumen­

tall que separar a Renania da Alemanha e guarnece-la com tropas alia­clas provocaria urn ressentimento alemao permanenLe. Philip Ken; de­

legado ingles, disse a Tardieu que a Inglaterra consiclel'Hva urn eslaclo

renano independente "fonte de eomplica~6es e [raCjueza". Se houver

conBitos tocais, aonde levarao? Se levarem a guerra, a Inglaterl'a e os Dominios nao leni.o com a Franga a solidariedade que as animou ciesla (Illima vez." I()

OS llderes franceses estavam muito menos aHitos com [utUI"OS res­

senlimentos alemaes, e atentos, sim, ao poder cia Alemanha em si. Tardieu

suslenloll sua posigao:

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Page 11: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTllNCIAS

o senho]' diz que a InglaterrH nao gosla de tel' lropas inglesas empregaclas [ora de CHsa. Mas e um falo. A Inglaternl sempre leve lropas nn India e no Egilo. Por que? Porque sabe que sua fronteira nao eshl em Dover ... Pedir que renultciemos it ocupafiio

e como pedir it lnglaterra e aos Estados Unidos que afiuulem sellS

na·vias de guerra. 17

Se fosse negado ii Franya urn estado-tampiio, seria preciso dar-lhe algu­ma Dutra garantia, de preferencia uma alianga com a Inglaterra e os Estados U nidos. Em ultimo caso, a Franl]a estava disFosta a aceitar uma

interpreta~ao do conceito de seguranga cateliva que desse 0 meSilla resultado de uma al:ianya tradicional.

Wilson estava tao enlevado com a Liga das Nayoes que ocasio­

nall11ente formulava teorias favoniveis as expectalivas francesas. Vc.lrias vezes Wilson descreveu a Liga como um tribunal internacional para adjudicar dispulas, alterar fronteiras e instilar nas relag5es intern<1cio­nais uma elasticidade muito necessaria. U m dos assessores de Wilson, o dr. Isaiah Bowman, resumiu as id6ias de Wilson num memoranda es­crito a bordo do navio que os levava 11 Conferencia de Paz, em dezembro de 1918. A Liga proveria 0 seguinLe:

... integridade taritorial mais a alterarJio posterior de termos e de

fronteiras, seflcasse comprovada Ulna il~illSlit;;a ou mudassem as

condigoes. Essa alteragao seria hem mais Licil com 0 COlTer do tempo, pois os tlninws arrefeceriam e as questoes exuminar-se­iam a luz cia justiga e naD no calor de UIlla conferencia de paz aD Gill de lIllla longa guerra ... 0 conln'irio disso seria manler a ideia das grandes pOl,Jncias e do equiUbrio de puder, ideia que s6 pro­duzira "agressao, ego{smo e guerra. "IB

Ap6s a sessilo pleniiria de 14 de fevereiro de 1919, onele Wilson reveloll o Acordo oa Liga, de usou tennos quase identicos com sua t11uther: "Este e 0 primeiro grande pass a a [rente, pais vejo agora, mais que nunca, que, uma vez estabelecicla, a Liga pode arbitrar e corrigi!" enos inevitaveis no lratado que [azemos no momenlo."1/)

Na ideia de Wilson, a Liga das Nayoes Leria 0 duplo mandato de impor a paz e retificar suas iniquidacIes. No enlanto, Wilson viviu uma profunda ambivalenciu. Seria imposslvel enconlrar U111 dllico exempJo hist6rico de fronteiras eUl"opeias alteradas pOl' apelos a justilSll all pro-

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A N OVA FACE DA DIPLOMACIA

ceSSDS puramente legais; em quase tocIos as casos, foram modificadas­Oll defendidas - em nome de interesses nacionais. Conludo, ele sabia hem que 0 povo americano naD estavu, nem de longe, disposLo a um engajamenLo miliLar em defesa dos dispositivos do Tratado de Versalhes.

Na essencia, as ideias de ~Tilson previam instiluigoes equivalenles a urn governo mundial, coisa que 0 povo americana aceitava ainda menos que uma polfcia global.

Wilson tentou conlornar 0 problema, mencionando a opiniao pu­

blica mundial e nao UIII governo mundial ou uma forga militar global

como castigo maior contra a agressaio. Abordou a questao para a Confe­l'encia de Paz, em fevereil'o de 1919, cia seguinte maneira:

.. , atraves desle instrumenlo [a Liga das Nagoes] passaHlOS a depenclel; bi:lsica e principalmente, de uma grande [ol"ga, a [01"9<1

moral da opiniiio publica do mundo ... :w

Aquilo que a opinino publica nno fosse capaz de solucionar, a pres sao

economica certamente realizaria. De acordo com 0 IVJemorancIo Bowman:

Em casas de ciisciplina, havia a alternativa cia guerra, a sabel; 0

boicole; 0 comercio, iJlclusive os meios poslais e cabognlficos, pocleriam sel' negados tlO estado infralol: 21

Nenhul11 estado europeu jamais vira tais mecanismos em funcionamen­to nem era capaz de acreditar em sua exeqUihitidade. Pelo menos, ern clemais esperar islo cia Franga, que perdera tanto sangue e tesouro pam simplesmenle sobreviver e descobrir-se cliante de um vazio na Europa do Leste e de uma Alemanha cuja [orga era muito maior que a sua.

Para a Franga, pOltanto, a Liga das Nagoes tinha s6 um prop6sito, ode alivar a assistencia militar contra a Alemanha, se Fosse necessaria. Pals antigo e, aquela altura, exaurido, a Franga nao conseguia confiar na premissa cIa seguranga coleliva de que toelas as nagoes veriam as ameagas cia mesma maneira e chegariam a conciusoes ielenLicas sobre a forma de resistir as mesmas. Se a seguranga coletiva falhasse, os EUA­e talvez a Inglaterra - em ultimo caso, pocIeriam defender-se sozinhos. Mas, para a Franga, nao havia ultimo recurso; eIa til1ha que estar certa na primeira vez. Se a suposigno D::lBjca da seguranQa coleliva nuo se verificasse, a Franga, ao contrario dos EUA, nao porleria apelar a outra

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Page 12: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPLOMACIA DAS GHANDES POTIlNCIAS

guerra tradicional; deixaria de existi!: A Fl'unga, portanlo, naa buscava um c0111promisso geral, mas ulna garantia aplieavel as suas circunstan­eias especfficas. E esta, a delegagao americana recusou-se a dm:

Embora a relutuncia de Wilson em comprometer a America a ml1is que uma declaragao de princfpios fasse compreenslvel, it luz das suas pressoes inlernas, ela agl'avava as pressenlimenlos cia Franga. as Esla­dos Unielas nunca hesitaram em usaI' cle fOl'ga para pOl' em pnllica 1:1

Doutrina de lVlonroe, que Wilson invocava a tada hora para suu nova orclem internacional. No enlunto, ficavam cheios de c1edos na questao

das ameagas alemas ao equilihria de padel: Nao seria a equiHbrio euro­pell LIm inleresse de segllran~a l11ellOr para os ESlados Unidos que as condigoes do continente americana? Para remover esta distingao, a re­presentanle frances no comite respectivo, Leon Bourgeois, continuoll insistindo num exel'cilo il1ternacional Oll em quatquer oulra forma que dotasse a Liga das Na~oes de mecanismos de aluagao automalica, caso a Alemanha revogasse 0 Tratado de Versalhes - unica causa de guerra que inleressava a n·unga.

POl' um breve momento, Wilson pareceu endossar 0 conceilo, ao referir-se ao acordo proposto como lima garantia dus '"escritllras de ler­

ras do mundo."" Mas a comitiva de Wilson fjcoll escanclalizada. Sells membros sabiam que 0 senaelo jamais ratificaria um exercito inlernaci­onal ou lim compromisso militar permanente. Um dos conselheiros de Wilson argllmentou mesmo que eSlipular 0 usa da forga para resistir a agressao seria inconstilucional:

U ma seria obje<sao a tal disposilivo e que seria nulo num trahldo dos Es\ados Unidas, pais pela cOllstituigtlo 56 0 c.:ongl'esso tern 0

poder de declarar guerra. Uma guerra <llllOIll<_l.·tica, a partir de UfllH cOl1dj~ao conlicia em tl'ulacio, nao e guerra dedarada pe!o

:!:~ cOllgresso,

Ao pe tin Jelra, uma alianga com os EVA jamais teria validade. 'Vilson, rapidamenle, volLou para a teITa fil'1ne cia doutrina de

seguranga coleliva. Ao rejeitur u proposta cia Franga, considerou clesne­cessario 0 JlIecllnismo de reagao <llltomatica, pois a Liga em si inspil'uria total confianga ao mundo. Suslenlou que "0 (mico melodo ... e connar na boa-l"e dos membros cia Liga ... Quando chegar 0 perigo, chegarernos nos lamb~m, \Jodeis confiar,":!..J.

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A NovA FACE DA DIPLOMACIA

Confianga nao e mercadoria abundunte entre dilj.lomatas. Corn a

sobrevivencia dus na~oes em jogo, os estadislas querem guranlias l11a1s pnhicus - especinlmenle numa situugtlo precaria como a cia Frangu. A capacidacIe de persuasao americana residia 11a ausencia de alLernativa; por ambfguas que fossem as obriga90es cia Liga, erammelhor que nacla. Lord Ceeil, da clelegagao inglesa, disse-o, censurando Leon Bourgeois

pela ameaga de nao entra1' na Liga, se nao houvesse mecanislllos de imposi~iio, "as Estados Unielos," disse Cecil a Bourgeois, unacla ti­nham a .ganhar com a Liga das NaQoes ... poderiam deixar de lado as assuntos europeus e i1' cuidar dos seus; a apoio oferecido pelos amer_i­

canos era uma chi.diva para a Franga ... "2;j Meslllo coberla de duvidas e malls agouros, a Franga, finalmenle,

cedeu a dura 16gica do arglll11ento Ingles e concorclou com a lautologia

conlida no Arligo 10 cia Carta da Liga clas Na90es: "0 COllselho nOlifi­cara sabre as meios pelos quais esta oh1'igagao [a preservagao cia inte­gridade t.errilorial} sera cumpricla."26 Ou seja~ em caso de emexge.nc\a,

a Liga das Na~oes concordaria com 0 que the fosse POSSIVe! concordm: Era 0 gUt: as na~6es do muneIo normalmenle furium, mesmo se nao exislis­

se Lima liga; e era precisamente 0 caso que as alianqas lradicjonais tentavam remedial' com uma obr.igagao formal de assistencia mutua, em

certus circunstancias. Unl memorando frances moslrou secamenle a pobreza dos dis po­

sitivos de seguranga cia proposla Liga:

Se no lugm do entendimento militar defensivo -l'ealmenLe muito lim,itado - entre a Inglaterra e a F'rall~a, em 1914., nao exislisse

oulro vinculo entre os dois parses alem dus disposil.{oes gerais conliuas no Acorclo cia Liga, a illtervens:;ao bril£U1icH nao teria sido imediata, assegurando <:l viloria cia Ajemanha. E llossa COI1-

vicyao, porlanto, que nas presenles concii<soes, a ajuda previsla

pelo Acordo cia Liga chegariil tarde demais.27

Uma vez claro que os EUA se recusavam a incorporar flO Acordo dispo­silivos concrelos de segurangil, a Franga retOJ11OU H pressao para desmembrar a Alemanhu. Propos lima republica renana indepeneIente C01110 tmnpao eIesmilitarizacio e tentoll incentivar esse estado ao isenta-

10 de repara\ioes. QU<l.ndo os ESlados Unidos e a Inglalerra Be esqui"l'a­ranJ, a Fl';Jn~a sugeriu que pelo menos a Renftnia fosse aparlada elL! Ale-

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Page 13: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPLOnIACIA DAS GRAN DES PO'l'llNCIAS

manha ate as instituigoes da Liga estarem prontas e seus mecanismos de execugao testados.

Para apaziguar a Frunga, Wilson e as ingleses ofereceram em lu­gar do desmembramento da Alemanha um tratada garantindo a novo acordo. Estados Unidos e Inglaterra iriam a guerra se a Alemanha vio­lasse a acordo. Assemelhava-se aD acordo dos ali ados no Congresso de Viena, para se garantirem contra a Franga. Havia, porem, uma diferen­ga importante: ap6s as Guerras Napoleonicas, os ali ados acreditavam

mesmo na amea9u francesa e procuraram seguran~a contra eIa; apos a Primeira Gueml Mundial, a Inglaterra e os Estados Unidos nao acredi­tavam de fato nurna ameaga alema; ofereceram garanlias sem eslarem conveneidos de que fassem necessarias e sem que eslivessem particu­lar'mente decididos a cumpri-las.

o principal negociador frances exultou com a garanLia inglesa "sem precedentes." A Inglaterra entrara ocasionalmente em acordos

lemporilrios, disse ele, mas nunca se suhmetera a uma obrigagao per­manente: "Empl'estou, pOl' vezes, sua ajuda; jamais compromeleu-se em fornece-la.":28 Tardieu tambem considerou 0 compromisso america­

no lII11a J11udang<.t igualmente significativa do seu padrao hist6rico de isolacionisl11o. :2()

No a[fi de garanlias formais, os franceses desprezararn 0 fato crucial de qLle as clecis6es anglo-saxonicas "sem precedentes" eram mais uma taUca para incluzir a Franga a abrir mao cia exigencia de clesmembrar a Aleman ba. Em polltica extern a, 0 lermo ~~sell1 precedentes" e sempre

sLlspeilo, pois 0 escopo cia inovagiio e muito circunscrito pela hisloria, pelas instiluigoes inlernas e peJa geografia.

Se TarcIieu estivesse a par cIa reagao dos delegaclos americanos, veria 0 quanlo era tenue a garantia. Os conselheiros de ~lilson foram ununimes I1d oposigao ao chefe. Pois n[1O fora a nova diplomacia expli­

ciLamente criada para eliminar este tipa de eompromisso nacional? A America enLrarn em guerra para, no rim, ver-se envolvjda numa alianga lradicional? I-louse escreveu em seu cliario:

Creio que devo chamar a alenc;ao do presidente para os perigos de lim tralado dessa natureza. Entre oulras coisas l seria eonsicle­rado lim golpe direto na Liga das Na~5es. Cumpre it Liga fazer exalamente 0 que esle lratado propoe, e se e necessal'io que as na~5es conlralem assim, para que a Liga tIns Na90es?30

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A N OVA FACE DA DIPLOMACIA

A pergunta era Iegftima, pois se a Liga atuasse como fora anunciado, a garantia era desnecessaria; e se a garanlia era necessaria, a Liga 11aO

respondia aos objetivos, e toda a conceituagao de pos-guerra Gearia sob duvida. Os isolacionistas do senaelo americano tinham seus proprios receios. Nao estavam preocupaclos quanto ao ponlo de que a garantia conl1itava com a Liga e sinl com 0 fato de que os desonestos europeus estavam aITastando a America para sua velha teia de enredos corruptos. A garantia naa durou muito tempo. A recusa do senado em ratificar 0

Tratado de Versalhes trouxe a questao de volta it tona; e a Inglaterra aproveitou-se do pretexto para tamhem livrar-se do compromisso. A re­nunda cIa Franga as suas reivindicagoes foi permanente e a garantia, efemera.

De loclas essas contracorrentes, saiu, afinal, 0 T"alado de Versalhes, chamado assim por ter sida assinado na Galeria dOB Espelhos do Pala­cio de Versalhes. 0 local parecia inculcar humilhag<5es desnecessarias.

Cinquenta 8110S antes, Bismarck proclamara ali, senl lato algum, a uni­fica($ao da A1emanha; agora, os veneeclores faziam ali sell proprio insul­to. Ta111be111 0 trabalho [eito nao era de molde a acalmar 0 clima interna­

eiannI. Punitivo clemais para a conciliagao e pOl' demais tolerante para impedir que a Alemanha se recuperasse, 0 tratada de VersaIhes concle­nOli as demoeracias exauyidas a vigi1ftncia permanente e a necessidacle

de ag6es eonstantes conlra lima Alemanha revisionista e ilTeconeiliu­vel.

Apesar do Quator7,e Pontos, 0 tralaclo [oi pllnitivD nas se~iies territoriais, economieas e n1i1itares. A A1emanha teve que abrir m~lO de 130/0 do sell territorjo de antes da guerra. A Alta SiltSsia, lao importanle

economical11ente, foi entl'egue a uma Polonia recel11-criada, que re(;e­beu tambem uma sarcIa para 0 mar Baltica e a area ao redor de Posen, criando-se 0 "Conedor Polones," ql'_e sepm:ou a I\(\'ssi<.\ Orientai do

restallte cia Alemanha. 0 minusculo territ6rio de Eupen-et-lVIalmedy j"i dado it Belgica e a Alsacia-Lorena devolvida it Fran~a.

A Alemanha perdeu suas coIonias; 0 status legal destas eriou UIll

alrilo entre Wilson, de un1 lado, e a Franga, a Inglalerra e 0 .lapan, do olltro~ lodos os ln3s querendo anexaJ" 0 seu late cia pilhagem. "\Vilson insistia que uma transferencia assim direla violaria (] principio cia aulo­determinagao. Os ali ados chegaram finalmente ao chumado Prinefpio do :Malldato, tao engenhoso quanlo hip6cril<:1. As eo16nias alemas~ como

os ex-territ6rios otomanos no Oriente lVledio, foram entregues nos v<.lrios

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A DIPLOM·\i.!,· OAS GRAl'IDES POrENCIAS

vencedores com 0 "mandato," sob a slipervisao cIa Liga, de facilital' sua independencia. a que isto sigliificava jamais se soube direito, e as l11an­

datos, urinul, nao fizeram independencia mais ni.pida que em Olltras

areas coloniais.

As l'eslri90es miliLares do tl'atacio reduziram 0 exerciLo alemao a 100 mil yolulltarios e sua marinha a seis cru%aclores e alguns navios

menores. A Alemanha foi proibida de possuil' annas ofensivas como sub marinos, avioes, tanques ou artilharia pesada, e seu estado-maiol' foi dissolvido. Para supervisionar 0 deS31'mamenlo alemao, [oi criacla uma comissao de controle militar dos aliados, com uma autoridade, aD

que se Vill, extremamente vaga e ineficaz. A despeito da promessa eleitoral de Lloyd George, de "espre­

mer" a Alemanha, as aliados comegaram a perceber que uma Alema­nha economicamente proslracla poderia produzir uma crise economica lllunclial que afetaria a eles meSITIOs. Mas as populag6es vitoriosas 1110.s­

traram pOlleD interesse pelas advertencias de economistas teoricos. Os ingleses e franceses exigiram que a ALemanha indenizasse sua popula-

9iio civil pOl' todos os c1anos causaclos. Contra vontade, Wilsall final­mente cOI1COrdOLl com urn dispositivo pelo qual a Alemanha pagariu pensoes as vflimas de guerra e alguma compensagao para as familias. Jamais se allvira faJar antes l1isso; nenhum tralado de paz europeu tive-1'a lima Chlllsu]a dessas. Nao se fixou um l1lontanle para as reivindica-

90es; seria determinado posteriormenle, gerando uma fanle de contro­versias inesgot£tvel.

Olllras penalidades economicas illclufam 0 pagamento imedialo de 5 biJh6es de d6lares em clinheiro ou em procluto. A Franga receberia grandes quantidttdes de carvao, como compensagao pela destrui~ao das suas minas, dunu1te a ocupa~ao alema do leste da Franga. Para COIll­

pensar as navios afundados pelos submarinos alemaes, a Inglaterra re­eebeu grande parle da marinha mercante n-Iemfi. 0 capital e os bens cia

Alemanha no exteriO!; IotaJizando 7 biJh6es de d6lares, foram confisca­

dos juntamente com varias patentes alemas (gra9us ao Tratado de Versalhes, a aspirina Bayer e um produto americano e nao alemao). Os

principais riDs d;J Alemanha foram inlei'!'!L~c~'Jnalizados, e sua capacida­de de erial' tari[as restrillgida.

Estes leL'mos hipotecaram a 110\'I.l f)rdem il1ternacional em vez de ajudal' a erta-Ia. Quando se reuniran: t~n! Paris, as veneedores proc1a-

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A NOVA FACE DA DIPLOThIACIA

ma1'am uma nova era na histo1'ia. Queriam tanto evitar aquiJo que eons i­deravam os enos do Congresso de Viena, que 11 delegagao inglesa in­climbiu 0 renomado historiador sir CharJes Webster de eserever um tra­tudo sobre 0 assunto.:" Cantudo, 0 que finalmenle produziram foi urn fnlgil meio-ternto entre 0 utopismo americana e a paran6ia europeia -muilo condicional para l'ealizar os sonhos daquele, pOI' demals experi­menLal para ativiar os terrores desta. Uma ordem internacional que so se preserva peb forga e prec{lria, ainda mais quando as garantes de Sua execugao - nesle caso, a Inglaterra e a Fl'unga - eSlaVaIll com suas reI a­

goes estremecidas. Em pOlleQ tempo, fieol! claro, na pnilica, que a pl"incfpio cIa auLo­

cieterminagao n50 se podia apliear tin forma precisa dos Quatorze Pon­tos, especialmente entre as eSlados sucessores do Imperio Auslro-H111l­guro. A Tchecoslovaquia terminol! com tres milhoes de alemaes, um milhao de hungaros e meio milhao de poloneses, nurna populagao de ] 5 milhoes de habilailles; qusse um tergo cia populagElo nao era Hem tehe­ea nem eslovaca. E a Es10vaquia nao era parte entuslastiea de lim esla­do dominado peJos tcheeos, como clemonstraria peJa secessao,:> em 10.39, e novamente em 1992.

A nova Iugoslavia atendeu a (llspira\;ao dos intelectuais eslavos do SU]. Mas para criar esse estado, foi preciso superar a paraclase da historia eUJ'Opeia, que ciiviciia os impel'ios romanos do Ocidente e do Oriente, as reJigioes Catolica e Ortodoxa, as escrilas latina e cirfliea -lima falha eli visoria que passava mais ou menDs entre a Croacia e a Servia, as quais nunca, em suas complexas histol'ias, haviam pertenei­do a mesma unidade politica. A conta veneeu depois de 1941 eom lima guerra civil barbara, flue recomegou em 1991.

A Romenia recebeu milh6es de hungaros, a Polonia Illi I hoes de alemaes e a Lutela de \.\\11 correooy separando a Prussia Orienta\ do res­tante da Alemanha. No final desse processo, Clll11prido em nome da autodetenninagao, quase 0 mesilla n{1I11ero de pessoas vivia sob gover­no eslrangeiro que na epoca do Jl11pt~rio AusLro-HCtngaro, so que agora distduufdas pOl' uma quantidade muito maior de eSlados-na0oes mais fracos e que, para piorar ainda mais a siLuagao, eslavalll em confiilo entre si.

Tarde denwis, Lloyd George eompreendeu 0 dilema em que os ali ados vitoriosos haviam caido. Num mernorando a ,\Tilson, dalado de 25 de marc;o de 1919, eJe escreveu:

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A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTENCIAS

Nao consigo imaginal" melhor motivo para lima guerra [ulura do que 0 pavo alemao, que Corn de duvid.a 11108l1'01l ser uma das ra­gas mais vigorosas do muncio, clever estar cercado pOl' Lantos es­tados menores, nluiloS deles consistindo de povas que jamais crianun um governo estavel para si pr6prios, e caela lim conLellcio grandes massas de alemaes clamando por reunir-se a Lel1'a l1atal:~2

Mas, a essa altura, a conferencia ja avangara demais para a data de encerramento em junho. Tambem, naa havia um principio alternati­vo disponivel para organizar a ordem munclial, agora que 0 equilIbrio

de poder fora descartado. Mais tarde, varios lideres alemiies diriam que seu pais foi tapea­

do e pedira 0 armist1cio pelos Quatorze POI1tOS de Wilson, que eram entao sistemalicamente violados. Isso nao pass a de contra-sensa autopiedoso. A Alemanha ignorou os Quatorze POlltos enquanto achou que tinha uma chance de vencer a guerra e impos, logo ap6s a procla­magao dos Quatol'ze Ponlos, uma paz cartaginesa com a Russia em Bresl­Litovsk, violando cad a um dos principios de Wilson. 0 que fez a Ale­manha [inalmenle terminar com a guerra teve aver apenas com caIcu­los de poder - com 0 exercilo americano lutando do outro Indo, a derl"O­ta final era so questao de tempo. Quando pediu 0 armistfcio, a Alema­nha estava esgotnda, suas defesas ruindo e os exercilos aliados prestes a entrar em territ6rio alemao. Os princlpios de Wilson, na realidade,

pouparam a Alemanha de uma retalia~:ao muito piot: Com mais razao, historiadores tem dilo que a recusa dos Estados

Uniclos em enlrar na Liga condenou 0 Tralaclo de Versalhes. Os ameri­canos nao ratificarem 0 tratacio, nem a garantia das fronleiras francesas .a ele associada, cerlamenle contribuiu para a desmoral.izagao cia Fran­qa. Mas com a espirito isolacionista do pais, a participagiioclos EUA nil Liga ou a ralificagao cia garantia nao leriam Feito grande dl[erellga. OLi os Estados Unidos Ilao teriam usado de forga para resistir a agressao, OLi leriam definido agressao em term os nilo aplicaveis ao leste europeu -

como Faria a Inglaterra nos anos 30. A derrocada do Tratado de Versalhes foi eslrulural. 0 seculo de

paz produzido pelo Congresso cle ViellH descansara elll u·es pih~r~s, .cada tIual indispensavel: a paz conciliat6ria com a Frans:a~ 0 eqlllhbno do

I)odel". eo senticlo COl11um de Jeaitimidacle. A paz de conciliagiio COIll a . , b

Frans:a nao teria, por si s6, evitado 0 revisionismo frances. lVIas a Franga

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A NOVA FACE DA DIPLOMACIA

sabia que a Alianga Quadrupla e a Santa Alianga sempre pocliam juntar urn poeler superiOl; tornando 0 expansionismo frances l11uito urriscado. Ao mesmo tempo, os congressos europeus peri6dicos deram a Franga oportunidade de participar do Concerto da Europa como membra em igualdade. Mas, acima de tudo, os grandes paises compartilhavam de valores comuns, de modo que agravos naG se trallsformavam em tentati­vas de derrubar a orclem internacional.

o Tratado de Versalhes nao preencheu nenhum desles requisitos. Seus termos eram por demais onerosos para a conciliagao, mas naa se­veros 0 suficiente para a subjuga9ao permanente. Na verdade, nao era facil prom over 0 equilibrio entre satisfazer e subjugar a Alemanha. Apas considerar a ordem mundial anterior a guerra muito confinante, nao era provavel que a Alemanha se contentasse com quaisquer term os disponf­veis depois da derrota.

A Franga tinha tn§s escolhas estrategicas: ten tar formal' uma coa­lizao antigermanica; ten tar dividir a Alemanha; ou tentar conciliar-se com a Alemanha. Todas as tentativas de aliangas fracassaram pOl·que a Inglaterra e os EUA recusaram-se, e a Russia l1ao mais fazia parle do equilfbrio. A divisao da Alemanha, resistiam os mesmos paises que re­jeitavam uma alianga, mas de cujo apoio em uma emergencia, a Franga, nao obstante, precisava. E tanto era tarde demais, quanto eedo demais, para a conciliagao cia Alemanha - tarde deJl1ais~ porque a cOllciliac;-flO era incompatfvel com 0 Tratac10 de Versalhes, cedo demais, pOl·que a opiniao publica francesa ainda nao estava preparada para ela.

Paradoxalmente, a vulnerabilidade cIa Frans:u e a vunLagem estra­tegica cia Alemunha foram ambas aumenlacias pelo Tralado de Versal.hes, a ciespeilo das clausulas punitivas. Antes da guerra, a Alemanha en­frentara vi%inhos forles a lesle e a oeste. Nao podia se expandir em nenh uma dire~ao sem deparar com um grande eSlado - a Franga, 0

Imperio Austro-Hiingaro ou a Russia. Mas, apas 0 Tratado de Versalhes, nao houve mais um contrapeso para a Alemanha no lesle. Com a Fran~a clebi!j[ada, 0 Imperio Austro-Hungaro clissolviclo e a Russia fora de cella pOI' algum tempo, simplesmente 1lil0 havia como reconslruir 0 antigo equilibria de podeJ; uma vez que as potencias anglo-saxonicas se recu­savam a garantir 0 acordo de Versalhes.

J,1 em 1916. lord Balfow; ministro do exterior ingU~s na epocn,

previu pdo menos uma parle do futuro perigo pant a Europa, uo adver­ti!" que uma Po16nia independente poderia deixar a Franga indefesa em

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Page 16: Diplomacia - Henry Kissinger

A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTllNCIAS

Dutra guerra: se "a Pol6nia for [eita um I'eino indepenciente, lransfol'­mando-se em eSlaclo-tampao entre a Russia e a Alemanha, a Franga ficant a merce cia Alemanha na proxima guerra, peia simples razao de que a Russia nilo padenl vir em socorro sem violar a neuLralidade cia Polonia,,:n - exalClmenle 0 dilema de 1939. Para conler a Alemunha, a Franga precisava de um aliado no leste capaz de fon;;ar a Alemanha lima guerra em duas fl'enles. A Russia era 0 unieD pais forte 0 suficiente para o papel. NIas com a Po16nia separando a Alemanha e a Russia, a Russia so poderia pressionar a Alemanha violando a Pol6nia. E a Polonia era fraea demais para clesempenhar 0 papel cia Russia. 0 que 0 T!"alado de Versalhes fez foi dar um incentivo it Alemanha e a Rlissia para dividi­rem a Pol6nia, precisamente 0 que fizerarn, vinte anos depois.

Sem uma grande palencia no leste com que se alim; a Franga ten lou forlalecer as novas estados a Em de criar a ilusao de um perigo de duas frenles para a Alemanha. Apoiou as novos estados clo leste europeu l1<:l [aina de tirarem mais terri Lorio da Alemanha ou do que restara cia I-Iungria. Obviamente, as novas estados tinharn bom molivo para confirmar a ilusao francesa de que paderiam servir de contrapeso a Aleman ha. Mas tais estados recenles nao poderiam nunca assumir 0

papel que ate entao a Austria e a Russia haviam desempenhado. Eram fracos demais, sacudidos par eonflitos internos e morl'endo de rival ida­des m(,lllas. A lesle deles pairava lima Riissia reconstitufda, em eSlado de ebuligao pOl' suas perdas territoriais. Quando recuperasse a forga, a Russia seria uma ameagu tao grande quanta a Alemanha, para a lncle­

pendencia clos estacios pequenos. E, desse modo, a estabilidade do continente veio a residir sobre a

Franga. Para subjugar a Alemanha fora necessaria a forga combinacla dos ESlados Unidos, da Inglalerra, da Fran~a e da R(,ssia. Desles par­ses, os E UA eram novamenle isolacionistas e a Russia estava corlad1.1 cia Europa pOl' urn drama revolucionario e pelo chamaclo cordon sanilaire clos pequenos estados do leste europeu, obstruindo 0 caminho cla ajuda cIireta cIa Russia a Franga. Para manter a paz, a Franga teria que [azer 0

papel de policial em tocla a Europa. Mas, nao s6 eia perclera 0 apetite e a f01"1)a para uma pol:itica tao intervencionisla, como, houvesse lentado, ver-se-ia sozinha, abandonacla tanlo pelos EUA quanta pela Inglaterra.

o defeito mais pel'igoso do acordo cle Versalhes, no entanto, era psicologieo. A orden1 mundial criada pelo Congresso de Viena fora (;i­menlacla pelo princlpio lia unidacle conservaclol'u, que casava com os

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A NOVA FACE VA DIPLOMACIA

requisilOS do equilfbrio de pocler; de fato, as pOlenci.as necessarias para o acordo tambem 0 achavamjuslo. 0 acordo de Versalhes naseeu marlo, pois os valores pOl' ele exaltados conflilavam com os incentivos neces­

sarios para po-Io em vigor: a maioria dos estados necessarios para de­fender 0 acordo considerava-a injusto, de LIma m1.1neira ou outra.

o paradoxo da Primeira Guerra Mundial foi ler-se travado para

deter 0 poder alemao e 0 predomfnio q~le se agigulllava no hori:wnte, e ter excitado a opin-iao publica alaI ponlo que impediu uma paz concili­atoria. Todavia, no final, os princfpios wilsonianos inibiram uma paz

que reslringisse a poder da AlemHnha e nao houve sensa COI11UIl1 de

justiga. 0 pl'ego de uma polftica exlerna baseada em princfpios abstra­los e a impossibiliclade de distinguir casas individuais. Ja que nao esla­yam dispostos a reduzir 0 poder alemao, atraves dos direitos impJiciLos na viloria au pelos calculos do equilibrio de podel; os lideres de Versalhes foram compe1idos a justificar 0 clesarmamento alemao como primeira

elapa de lim plano geral de desarmamento, e as indenizagoes como uma expiagHo da culpa peia guerra em si.

Ao juslificar 0 desarmamento alemao desta maneira, as aliados solaparam a disposigao psicologica necessaria para sustentar a seu acor­do. Desde 0 jnfcio, a Alemanha podia reclamar, e 0 fez, que eslava sen­do discriminada, exigindo permissao para rem'mar-se au que as outras nagoes se desarmassem ao seu nivel. Com isso, as chlusulas de clesar­l11amen1.o do Tralado de Versalhes acabaram por desmoralizar as vence­

dores. Em cada conferencia cle desarmamento, a Alemanha ficava por cima no campo moral, onde geralmente era apoiada pela Inglatena.

Mas, se a Franga clesse igualclacle a Alemanha em rearmamento, a sal­vaguarda cla inclependencia das nagoes do leste europeu desapareceria. As cl{lU8ulas de desarmamento deviam Ievar, enlao, aD desarmamenLo

da Fran9a ou ao rearmamento da Alemanha. Em nenhum dos casas, a Franga (eria for9<1 para defender 0 lesle europeu ou, a longo p1'a%o, ale a

si propria. Da mesma maneira, proibir a lIniao cia Austria e da Alemanha

violava 0 princfpio cia aUlocielerminagao, assilll como a presengu de uma grande minoria alema na Tchecoslovaquia e, em escala menOl; de

uma minoria alema 11a Polonia. 0 irredenlismo alemao foi apoiacIo, con­seqiienlemente, pelo princfpio fundamenlal do Trataclo de VersaJhes, aumenLHndo a consciencia de culpa das democraeias.

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A DIPLOMACIA DAS GRANDES POTENCIAS

A falha psico16gica mais grave do Tratado era 0 Artigo 231, a chamada chlusula de Culpa da Guerra. Ele declarava a Alemanha lmi­ca respollsavel pela defJagragiio da Primeira Guerra Mundial e dava­lhe uma severa repreensao moral. A maim'ia das medidas punitivas contra a Alemanha no tralado - economicas, militares e politicas - baseava-se nesse artigo de que toda a culpa cia cOllflagra9iio cabia a Alemanha.

Os pacificadores do seculo XVIII teriam cOllsiderado absurd as as "clullsulas de culpa cia guerra." Para eles, as guerras eram coisas inevi­taveis, amorais, provocadas pOl' interesses conflitantes. Nos tratados que encerravam as guerl'HS do secuIo XVIII, as perdedores pagavam um pre90 sem que este fosse justificado por fUlldamenlos morais. Mas, para Wilson e os pacificadores deVersalhes, a causa da guerra de 1914--18 devia ser atribuida a algum mal que fosse punido.

Quando os 6dios se aplacaram, no entanto, bons observadores come9aram a ver que a responsabilidade pela guerra era questiio bem mais complexa. A Alemanha certamente Linha lima grande parcela de culpa, mas era justo escolher somente a Alemanha para as puni9oes? 0 Artigo 231 era adequado? Quando esta pergullta come90u a ser feita, especialmenle na Inglalerra, na decada de 20, a von lade para executar a punigao da Alemanha conlida no lratado, passou a faltal: as promolo­res cia paz, perturb ados pOI' suas pr6prias consciencias, cafram em du­vida se haviam abrada com justiga e isla alimenlau uma certa indecisao em manter 0 tratado. A Alemanha, e claro, foi irrespansavel nesse as­sunto No discurso publico alemaa, 0 Artigo 231 tornau-se conhecido como a "l\1entira da Culpa da Guerra." A dificuldade ffsica de eslaue­lecer um equilibrio de poder foi combinada com a clificulclade psi colo­giea de eriar urn equilibrio moral.

Deste modo, os autores do aeordo de Versalhes ehegaram preci­samente ao oposlo de sua meta. I-Iaviam tentaclo enfraquecer a Alema­nha fisicamente, mas fortaleeeram-na geopoHticamente. Numa perspec­liva de longo prazo, a Alemanha ficou em posigao muito melhor para don1inar a Europa, depois de Versalhes, do que est"ivera anles cia guer­ra. Assim que se livrasse das algemas do desarmamento, 0 que era ine­vilclvel no tempo, a Alemanha fatalmente emergiria majs forte que 11un­ca. Harold Nicolson resumiu a questao: "Viemos a Paris certos de que a nova ordem eslava presles a ehegar; deixamos a cidacle eonvencidos de que a nova ordem apenas estragara a antiga. ":H

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