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  Princípios, Natal, v. 14, n. 21, jan./jun. 2007, p. 55-65.   Jonh Locke e o realismo científico  Marcos Rodri gues da Silva *  Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a inserção de John Locke na filosofia do realismo científico no que diz respeito ao debate realismo/empirismo. Para atingir este objetivo apresentarei a hipótese de Maurice Mandelbaum de que, com relação ao problema da explicação científica, Locke parece estar alinhado com os realistas. Para discutir esta hipótese, procurarei oferecer uma caracterização de empirismo que seja apropriaada para o debate realismo/empirismo – caracterização esta que buscarei na filosofia de Bas van Fraassen. Contudo, por meio desta análise, não pretendo forçar o leitor à conclusão de que Locke não é um empirista; pois, por mais que a conclusão deste artigo seja a de que Locke, com respeito ao problema da explicação científica, não é um empirista, não se segue disto que Locke, com respeito a outros problemas filosóficos, não o seja. Palavras-chave : Empirismo, Filosofia da ciência, John Locke, Maurice Mandelbaum, van Fraassen Abstract : This article has as its aim to discuss the insertion of John Lock in the  philosophy of scientific realism in what concerns to the debate realism/empiricism. To achieve this goal I’ll present the hypothesis of Maurice Mandelbaum in which, on the topic of to the scientific explanation’s problem, Lock seems to be on the same path as the realists. To discuss this hypothesis I’ll present a characterization of empiricism which is appropriate to the debate realism/empiricism – characterization that I’ll look for in Bas van Fraassen. However, through this analysis, I do not intend to push the reader to the conclusion that Locke isn’t an empiricist, because, even being the conclusion of this article that, about to the problem of the scientific explanation, he is not an empiricist, it doesn’t mean that, in relation to other  philosophical conce rnments, he isn’t as well. Keywords: Empirism, John Locke, Maurice Mandelbaum, Philosophy of Science, van Fraassen Introdução Parece algo altamente anti-intuitivo afirmar que John Locke não é um filósofo empirista. Seu tratamento acerca do problema da recepção das idéias, do conhecimento a priori, da percepção etc nos *  Professor adjunto da UEL (Londrina).  E-mail : [email protected] . Artigo recebido em 30.09.2007 e aprovado em 20.11.2007.

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    Princpios, Natal, v. 14, n. 21, jan./jun. 2007, p. 55-65.

    Jonh Locke e o realismo cientfico

    Marcos Rodrigues da Silva*

    Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a insero de John Locke na filosofia

    do realismo cientfico no que diz respeito ao debate realismo/empirismo. Para

    atingir este objetivo apresentarei a hiptese de Maurice Mandelbaum de que, com

    relao ao problema da explicao cientfica, Locke parece estar alinhado com os

    realistas. Para discutir esta hiptese, procurarei oferecer uma caracterizao de

    empirismo que seja apropriaada para o debate realismo/empirismo caracterizao

    esta que buscarei na filosofia de Bas van Fraassen. Contudo, por meio desta anlise,

    no pretendo forar o leitor concluso de que Locke no um empirista; pois, por

    mais que a concluso deste artigo seja a de que Locke, com respeito ao problemada explicao cientfica, no um empirista, no se segue disto que Locke, com

    respeito a outros problemas filosficos, no o seja.

    Palavras-chave: Empirismo, Filosofia da cincia, John Locke, Maurice

    Mandelbaum, van Fraassen

    Abstract: This article has as its aim to discuss the insertion of John Lock in the

    philosophy of scientific realism in what concerns to the debate realism/empiricism.

    To achieve this goal Ill present the hypothesis of Maurice Mandelbaum in which,

    on the topic of to the scientific explanations problem, Lock seems to be on the

    same path as the realists. To discuss this hypothesis Ill present a characterization of

    empiricism which is appropriate to the debate realism/empiricism characterization

    that Ill look for in Bas van Fraassen. However, through this analysis, I do not

    intend to push the reader to the conclusion that Locke isnt an empiricist, because,

    even being the conclusion of this article that, about to the problem of the scientific

    explanation, he is not an empiricist, it doesnt mean that, in relation to other

    philosophical concernments, he isnt as well.

    Keywords: Empirism, John Locke, Maurice Mandelbaum, Philosophy of Science,

    van Fraassen

    Introduo

    Parece algo altamente anti-intuitivo afirmar que John Locke no

    um filsofo empirista. Seu tratamento acerca do problema da

    recepo das idias, do conhecimento a priori, da percepo etc nos

    * Professor adjunto da UEL (Londrina).E-mail

    : [email protected]. Artigo

    recebido em 30.09.2007 e aprovado em 20.11.2007.

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    impede, por certo, de classific-lo fora do empirismo. No obstante,algumas passagens do texto de Locke colocam dvidas taxonmicaspara o historiador do empirismo e, na hiptese de Maurice

    Mandelbaum, tais dvidas se acentuam ainda mais, sobretudoquando comparamos os programas de Locke e Berkeley. Estaspassagens, bom registrar, no dizem respeito discussoracionalismo/empirismo, mas ao debate realismo/anti-realismo(sendo o empirismo um representante deste ltimo). Aqui, focarei afilosofia de Locke apenas no que toca ao debate realismo/anti-realismo, que ser denominado, neste artigo, debaterealismo/empirismo. Apresentarei a hiptese de Mandelbaum de

    que, com relao ao problema da explicao cientfica (que , emlinhas gerais, o ponto central da disputa entre realistas e empiristas),Locke parece estar alinhado com os realistas1. Para discutir estahiptese, procurarei oferecer uma caracterizao de empirismo queseja apropriaada para o debate realismo/empirismo caracterizaoesta que buscarei na filosofia de Bas van Fraassen. Contudo, pormeio desta anlise, no pretendo forar o leitor concluso de queLocke no um empirista; pois, por mais que a concluso desteartigo seja a de que Locke, com respeito ao problema da explicao

    1De modo geral realistas argumentam que a aceitao de uma teoria bem sucedidaempiricamente implica a crena na sua verdade e, se a teoria contm entidades e

    processos inobservveis, aceit-la significa acreditar igualmente na existnciadestas entidades e processos; esta crena fundamental, alegam os realistas, se

    queremos preservar a idia de que a cincia expressa conhecimento. Naturalmenteesta uma apresentao simplificada do realismo cientfico; com efeito, aapresentao (igualmente sumria) de um (dos tantos disponveis) argumentorealista: o argumento da inferncia da melhor explicao. A importncia desteargumento reside em sua nfase epistemolgica; ou seja: por meio desteargumento se pode compreender o realista cientfico como um filsofo que atribuiao cientista boas razes (no caso, o sucesso de uma teoria) para suas crenas eminobservveis. Deste modo, por meio deste argumento, os cientistas tm boasrazes para crer em inobservveis tendo em vista o sucesso das teorias que osabrigam. Para importantes referncias acerca da apresentao e discusso doargumento da inferncia da melhor explicao a partir de uma perspectiva realistasugere-se Lipton (1991) e Psillos (1999).

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    cientfica, no um empirista, no se segue disto que Locke, comrespeito a outros problemas filosficos, no o seja.

    Este breve artigo inicia com uma rpida apresentao da

    caracterizao de empirismo de Bas van van Fraassen. Em seguida,de posse dessa caracterizao, procuro aplic-la a um aspecto dafilosofia de Locke, a saber, sua discusso da idia de solidez.Concluo o artigo mostrando que, apesar de Locke ter violado acaracterizao de empirismo de van Fraassen, no se segue que eleno deva ser considerado um empirista, uma vez que acaracterizao de van Fraassen parece bastante apropriada para oproblema da explicao cientfica, mas no o necessariamente para

    outros problemas que esto presentes na literatura empirista.

    1 Bas van Fraassen e uma caracterizao do empirismo2

    Em seu Empirical Stancevan Fraassen retoma uma proposta j emcurso desde ao menos 1994 (van Fraassen, 1994), proposta esta quediz respeito a uma caracterizao da filosofia empirista. Em linhasgerais o argumento de van Fraassen de que o empirismo no umafilosofia contrria ao realismo cientfico, uma vez que um empirista(ao contrrio de um realista) no precisa se comprometer com tesesepistemolgicas acerca da realidade. Um realista aquele queacreditaque as entidades inobservveis postuladas por uma teoriacientfica realmente existem3; um empirista, ao contrrio, no afirmaque elas no existem. Ao invs da crena o empirista precisa adotaruma atitude (stance); no caso, ele deve rejeitar explicaes porpostulados (que remetem a inobservveis) e deve rejeitar a prpria

    demanda pelas explicaes por postulados. importante registrarque van Fraassen no rejeita a idia de que a cincia deve procurarexplicaes; o que ele pretende interditar a demanda por um certo

    2Este artigo no tem como objetivo reconstruir a argumentao de van Fraassenacerca de sua caracterizao da atitude empirista. Para esta reconstruo (e apenas

    para esta reconstruo) ver Silva (2005a).3 Isto no significa que esta crena seja desqualificada. Nos ltimos tempos os

    realistas tm procurado sofisticar cada vez mais as razes para esta crena; umexemplo disto o argumento da inferncia da melhor explicao, apresentadosumariamente na nota anterior.

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    tipode explicao: explicaes que garantam a crena na existnciade inobservveis. (Isto no significar, claro que o empiristadever acreditar que os inobservveis no existam.)

    De acordo com van Fraassen, ao crer na existncia dasentidades inobservveis da cincia, o realista adota uma posiofilosfica, posio esta expressa por algum enunciado tal como: euacredito na existncia de entidades inobservveis das melhoresteorias cientficas vigentes. Para van Fraassen, este enunciado distintivo da posio a ser assumida; portanto, um empirista, aoassumir sua posio filosfica, teria de acreditar em algumenunciado rival, tal como: eu no acredito na existncia de

    entidades inobservveis das melhores teorias cientficas vigentes,ou ainda: a experincia a nica fonte de informao sobre arealidade. O problema, para van Fraassen, seria a sustentao desteenunciado empirista, sustentao esta que, de acordo com o autor(2002, p. 41), no possvel de ser obtida. Assim se coloca apergunta: se o empirista no consegue enunciar sua posiofilosfica ou seja: no consegue justificar sua crena -, talvez estafilosofia nem chegue a ser uma posio filosfica. Entretanto, comonenhum empirista gostaria de alcanar esta concluso, van Fraassenprope que uma filosofia empirista no uma posio filosfica quese estruture em crenas acerca da realidade; ao invs da crena oempirista deve adotar uma atitude (stance).

    Esta caracaterizao de empirismo proposta por vanFraassen bastante adequada para discusses a respeito do problemado significado cognitivo da cincia, problema para o qual ele

    apresenta sua prpria alternativa: o empirismo construtivo (vanFraassen, 1980). Como um dos objetivos de van Fraassen no o dedesqualificar o realismo mas sim o de mostrar que h ao menos umaoutra alternativa para tratar do problema acima mencionado, entopode-se compreender por que, em sua caracterizao de empirismo,o empirista no tenha necessidade de se preocupar com questes decrena. Pois, para van Fraassen, possvel explicar o sucesso dacincia (e com isso seu significado cognitivo) a partir de outros

    parmetros que no o exclusivamente epistemolgico; seria possvel,

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    por exemplo, explicar o sucesso a partir de parmetrospragmticos levando-se em considerao outras razes (pragmticas) que noapenas a crena dos cientistas nos mecanismos inobservveis que

    sempre acompanham as melhores teorias cientficas (cf. vanFraassen, 1980, p. 83). Deste modo um empirista pode explicar osucesso da cincia sem estar comprometido com a crena emobservveis4, uma vez que os fatores pragmticos mencionadosacima tambm transcendem o observvel (ainda que no remetam ainobservveis). Por outro lado, claro, o empirista no deve secomprometer com a crena em inobservveis. A concluso de vanFraassen nos conduz portanto a deslocar a discusso do significado

    da cincia do mbito da epistemologia para o domnio dapragmtica.

    Fundamentalmente a caracterizao de van Fraassen sugereao empirista uma forma de escapar do seguinte dilema: ou asexplicaes cientficas remetem a inobservveis ou tornam-sedesinteressantes e deficitrias (cf. Wilson, 1985, p. 138). Dever serpossvel ao empirista encarar este dilema e tentar mostrar que elepode evitado. A impresso que se tem a de que Locke tentouresolvero dilema.

    2 Locke e o realismo

    De acordo com a hiptese de Mandelbaum (cf. Mandelbaum, 1964,p. 1), John Locke havia sido (como Boyle e Newton) um atomista.Ora, a adoo de uma posio como esta, no interior de uma disputaa respeito do significado cognitivo da cincia, no nada

    4Embora deva deixar claro que, em caso de alguma crena estar envolvida, estacrena ser naquilo que van Fraassen denomina de adequao emprica dateoria; ou seja: crena naquilo que a teoria afirme a respeito de observveis (cf.van Fraassen, 1980, p. 12). Este um aspecto da filosofia da cincia de vanFraassen que freqentemente explorado pelos crticos do empirismo construtivo,sobretudo tendo em vista a relao que este aspecto apresenta com a filosofiaempirista, cujas teses acerca da obteno e justificao do conhecimento (emgeral, e no apenas conhecimento cientfico) so sempre rejeitadas pelos realistas.Para algumas crticas no que diz respeito ao aspecto epistemolgico (empirista) doanti-realismo de van Fraassen ver Psillos (1996, p. 34) e Alspector-Kelly (2001, p.422).

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    desprezvel, uma vez que ela implica uma concepo filosfica que decisiva para a compreenso de um certo posicionamento emrelao cincia; a adoo de uma metafsica atomista altamente

    relevante para, de acordo com a caracterizao de empirismoutilizada, investigarmos se o prprio Locke poderia enquadrar-senuma tal caracterizao. Vejamos ento como se pode apresentar arelao entre atomismo e empirismo em Locke, e quais suasconseqncias para este artigo. Em nossa discusso nos centraremosapenas na apresentao que Locke faz do conceito de solidez.

    Dada a tradicional concepo lockeana de que todoconhecimento deriva-se da experincia, como se pode admitir que

    determinadas estruturas imperceptveis (partculas insensveis)expliquem o comportamento de objetos diretamente perceptveis?Esta situao encontrada na seguinte passagem, sobre a idia desolidez: Recebemos a idia [de solidez] pelo tato ... Denomino desolidez aquilo que impede a aproximao de dois corpos quando semovem em direo um ao outro ... Esta, de todas as outras, pareceser a idia mais intimamente conectada com o corpo e essencial aele, de modo que no deve ser encontrada ou imaginada em lugaralgum exceto na matria. Embora nossos sentidos, exceto emgrandes quantidades de matria, no a observem numa grandezasuficiente para causar uma sensao em ns, a mente, tendo uma vezobtido esta idia a partir de tais corpos sensveis mais volumosos,leva-a adiante e considera-a, assim como a figura, como aspartculas mais diminutas da matria que possam existir; e descobre-a inseparavelmente inerente ao corpo, mesmo que este se

    modifique (Ensaio II, IV, p. 1). A passagem bastante clara: porum lado fica evidenciado o compromisso de Locke com o algumaforma de empirismo, por outro porm se percebe que a mente,partindo da experincia, transcende o sensvel e alcana algumconhecimento acerca da realidade.

    importante enfatizar que Locke est enunciando uma teseacerca da realidade. Porm isto, de acordo com Larry Laudan(1981), no teria maiores problemas, uma vez que Locke no o faz

    de maneira categrica, mas ancorado numa posio falibilista. De

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    acordo com Laudan (1981, p. 62) h uma distino, produzida peloprprio Locke, entre conhecimento e julgamento, e seria nestaltima categoria que se enquadraria, por exemplo, uma tese acerca

    da correspondncia entre uma proposio acerca de um eventoobservvel (os corpos sensveis volumosos) e outra que fizessereferncia a inobservveis (as partculas mais diminutas da matria);pois, para Locke (Ensaio IV, XIV, p. 4), julgar presumir que ascoisas so assim, sem perceb-las. Portanto Locke no uminfalibilista e muito menos um correspondentista. Alm disso, paraLaudan, a explicao do funcionamento dos processosinobservveis, em Locke, se d mediante o uso da analogia (1981, p.

    62-63), e no por acesso epistmico aos inobservveis. Agora, comofunciona esta analogia? De acordo com Mandelbaum (1964, p. 53),ela parte dos efeitos observveis para as causas inobservveis; maisimportante: as causas inobservveis so postuladas comoestruturalmente anlogas aos efeitos percebidos, e portanto umaexplicao, para Locke, seria construda por analogia a partirdaquilo que efetivamente observado.

    O problema ento se d pelo fato de que, a despeito de partirda experincia, Locke, mediante o uso da analogia, viola uma dasregras do empirismo tal como caracterizado por van Fraassen. Poismesmo que se aceite a distino enfatizada por Laudan, no se podenegar a pressuposio (ainda que num nvel explicativo, ou melhor,sobretudono nvel explicativo) da crena na existncia de entidadesinobservveis por parte de Locke. Ou seja, conquanto Locke tenhaproposto um mtodo hipottico para a avaliao da cincia (cf.

    Laudan, 1981, p. 60), o que importa (ao menos para este artigo) aforma pela qual so introduzidas as entidades inobservveis; e estaforma, inegavelmente, se identifica com o realismo cientfico5.

    No parece restar dvida de que Locke estava de fatoprocurando, mesmo mantendo sua fidelidade a certos princpiosempiristas, uma explicao para os efeitos observveis por meio do

    5 Para Michael Devitt este procedimento de Locke da experincia para oinobservvel tpico de uma forma de realismo, o realismo representativo (cf.Devitt, 1997, p. 67).

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    apelo a causas inobservveis, ainda que por analogia. Ora, no seriaexatamente este procedimento que seria depois criticado porBerkeley em seu De Motu? De acordo com Berkeley, uma

    explicao cientfica no precisa estar comprometida com causasinobservveis; mas no pelo fato de que tais causas no existam,mas sim porque possvel explicar os fenmenos de modo maiseconmico, a partir de parmetros (empiristas, no sentido de vanFraassen) mais modestos6. Este modo mais econmico, por sua vez,no significar que a explicao estar fundamentada naexperincia7, mas tambm no significar que se deva apelar ainobservveis. (Neste sentido Berkeley um dos que no aceitou o

    dilema ou explique a partir de inobservveis ou a explicao serdeficitria.) Para Berkeley explicar um fenmeno no , comoparecia ser para Locke, explicar a partir de causas inobservveis (cf.De Motu,17); tampouco explicar a partir da prpria experincia(cf.De Motu31); com efeito, para Berkeley, explicar um fenmeno apresentar a conexo entre o prprio fenmeno e as leis que oregem (cf.De Motu, 16/17)8.

    6Este parmetro modesto seria seu instrumentalismo, o qual pode ser consideradouma posio filosfica que nega que as leis cientficas devam ser consideradasverdadeiras. Uma apresentao do instrumentalismo de Berkeley feita pelo autor

    pode ser conferida em Silva (2003).7 Alhures argumentei, baseado em Newton-Smith (1985, p. 165) que o

    instrumentalismo de Berkeley no est fundamentado em sua posio empiristageral, fenomenalista (Silva, 2005b). Contudo acredito que, apesar de no estarfundamentado em sua epistemologia empirista, o instrumentalismo de Berkeley

    possui efetivamente uma forma de relao com esta esta epistemologia empirista;ou seja: sua epistemologia empirista ocupa um papel em seu instrumentalismo. Hum artigo em preparao no qual tratarei desta relao.

    8 Deve-se tambm lembrar que alguns comentaristas de Berkeley no sosimpticos idia de que Berkeley se preocupava com o problema da explicaocientfica. Para Newton-Smith, Berkeley no estava interessado no problema daexplicao cientfica (Newton-Smith, 1985, p. 153), tendo em vista que ele tratavaos termos cientficos como no possuindo significado; ou seja: como fices teis.Para Buchdahl (1988, p. 285), Berkeley teria feito um movimento que o permitiriaaceitar o usodos termos da mecnica, mas sem contudo atribuir-lhes significado.Para Popper (1994, p. 136), Berkeley distingue entre termos significativos (comreferncia emprica) e no-significativos (sem referncia). Em outro artigo (Silva,

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    Concluso

    John Locke nunca deixou de ser um empirista, pois a experincia,para ele, sempre a fonte que deve ser acionada para a busca de

    conhecimento; no entanto preciso registrar a robusta convicolockeana de que os objetos existem independentemente doconhecimento humano; e, alm de existirem, existem de uma certaforma e por uma certa razo: por sua constituio atmica, a qualcausa a idia que temos de um certo corpo (cf. Mandelbaum, 1964,p. 60). Portanto, por mais precrio que seja o conhecimento quetemos desta constituio (e ele, para um empirista, sempre serprecrio), ele ainda uma boa razo para formarmos crenas

    garantidas sobre o mundo externo (cf. Mandelbaum, 1964, p. 54); e,se o ponto em questo para a avaliao da insero de Locke noempirismo tal como caracterizado por van Fraassen menos umaquesto de alcance do conhecimento (na qual Locke estariaemparelhado com outros empiristas) do que propriamente dejustificao de crenas a partir da experincia, parece que Locke estbastante distante da caracterizao proposta por van Fraassen9.

    Evidentemente seria uma injustia condenar os esforos deLocke de interpretar a cincia e, com base no resultado destesesforos, consider-lo um no-empirista pois, se verdade queLocke admitiu uma ontologia e uma epistemologia que continha eremetia a inobservveis, tambm verdade que so suas algumasdas declaraes mais contundentes contra o conhecimento a prioridas causas dos fenmenos observveis; e, diante disso, pareceinegvel que Locke deva ser considerado um empirista. Talvez, e

    esta minha hiptese, Locke no deva ser includo na tradioempirista tal como caracterizada por van Fraassen. Mas claro quefica aqui a questo de saber se esta caracterizao , de modo geral,

    2006) apresentei a proposta de considerar Berkeley como um filsofo cujaconcepo da cincia nem sempre est comprometida com anlise de termos, oque poderia ser evidenciado por algumas passagens do De Motu, tais como os

    pargrafos 11 e 43.9 Em todo caso, permanece a questo de uma avaliao mais ampla da prpria

    filosofia da cincia de Locke, algo que no esteve presente no objetivo desteartigo.

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    oportuna questo esta que foge aos limites tanto do artigo quanto

    de minha compreenso atual sobre o tema. Em todo caso o que

    posso dizer que, direcionada para a discusso realismo/anti-

    realismo, ela bastante promissora.

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