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  • ESCOLA SUPERIOR DE GEOPOLTICA E ESTRATGIA Palestra para UNISINOS 27/07/2006 Reflexes sobre os chamados deuses astronautas.

    Prof. Fernando G. Sampaio - 1 -

    REFLEXES SOBRE A QUESTO DOS CHAMADOS DEUSES ASTRONAUTAS

    Prof. Fernando G. Sampaio

    1. Definio / Delimitao da Questo: estamos tratando com um processo de mistificao e no com uma indagao vlida em qualquer campo do conhecimento.

    2. Deuses Astronautas no teoria nem hiptese, mas fantasia delirante apoiada em ignorncia e falsificaes. Em suma: trata-se de enganar deliberadamente o pblico.

    3. Tomemos como exemplo uma anlise rpida da questo do chamado Astronauta de Palenque.

    Diz Dniken:

    segundo a opinio dos arquelogos, est agachado em frente cruz da vida. A critica que me foi feita era ter conseguido meu efeito de foguete to somente olhando a lpide como imagem transversal, coisa que no se admite. Estou gostando muito do efeito alongado, pois, assim, a chama do fogo se coloca embaixo, debaixo da cpsula, a exemplo de onde costuma encontrar-se nos foguetes dirigidos ao espao. Em parte alguma, consigo distinguir um monstro terrestre, uma ave Quetzal. (O dia em que os deuses chegaram; 11 de agosto de 3114 a. c Edies Melhoramentos, S. Paulo, 1985, p. 297).

    4. Faamos um exerccio sobre este ponto, sobre os elementos culturais da laje de Palenque.

    Cena de sacrifcio humano maia, onde se evidencia a ntima relao entre a colocao de um homem sobre uma laje, seu sacrifcio e o apaziguamento dos elementos, fazendo brotar da Terra, pelo sacrifcio, a sagrada planta do milho, esteio da civilizao maia, sempre tendo ao alto a ave quetzal e, notem bem, a formao da estilizao cruciforme, smbolo universal maia e em outras culturas para a "rvore da vida". Gravura do Cdice de Desdre, segundo Morley, "Anciente Maya", plancha 28, na edio de 1947.

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    Chave para identificao dos principais smbolos da laje de Palenque:

    1 - Mscara do deus da chuva que cobre a cabea da ave quetzal. 2 - Ave quetzal, smbolo sagrado entre os maias, descansando sobre espiga de milho estilizada que flui do motivo da cruz. 3 - e 4 - Mscaras de entes mitolgicos que saem da boca de serpentes, smbolo da terra, que esto repetidos em ambos os lados com suas fauces abertas. 5 - e 6 - As bocas abertas dos smbolos das serpentes que se originam do motivo central da cruz, saindo de baixo e envolvendo outras espigas de milho estilizadas. 7 - Espiga de milho estilizada tambm encontrada no outro lado. 8 - O smbolo cruciforme, associado aos principais deuses areos (vento e, por extenso, chuva, importantssimo, pois sem as chuvas no haveria boa colheita de milho, da a interligao serpente (terra) cruz - (ventos -chuva) e o florescimento das espigas de milho. 9 - As mos que, para os "astronuticos" manejam instrumentos, na verdade nada manejam, mas, representam uma posio ritual, que se repete em outras estelas maias, conforme se pode verificar pela reproduo do desenho de Catherwood.

    Equivale a posio do sacerdote catlico ao fazer uma benzedura, por exemplo. 10 - Friso, que cerca a laje, cheia de smbolos (glifos), que datam o acontecimento, isto , enterro do sacerdote -governante, como tendo sido feito no ano 633 da nossa Era, de acordo com a tabela de correlao de datao cronolgica relativa (consultar a frmula de correlao Goodman - Martnez Hernndez - Trompson).

    11 - Mscara representando o deus da Terra, sobre o qual assenta o indivduo morto (devolvido Terra, pensamento cosmolgico maia). 12 - Fogo que emana dos mundos inferiores (aluso ao respeito mstico aos vulces e terremotos). 13 - Glifo representando uma divindade do primeiro mundo inferior.

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    5. Voltemos ao assunto. Podemos observar que existe um processo de adulterao muito forte da realidade, o que contradiz a busca objetiva da verdade. Sobre este ponto, convm lembrar esta questo:

    a verdade significa a concordncia do juzo com a realidade objetiva. Se existe, existe para todos. O dilema : ou o juzo falso e ento no vlido para ningum, ou verdadeiro, e ento vlido para todos, universalmente vlido. (Teoria do conhecimento, Johannes Hessem, Amado Editor, Coimbra, 1970, p. 48/49).

    Portanto, a verdade a concordncia do juzo com a realidade objetiva.

    No caso esta realidade objetiva a laje, com seus elementos culturais, dentro do universo cultural dos antigos Maias e s pode ser interpretada dentro deste Universo Cultural com os elementos que o constituem. Alterar a realidade quer da prpria representao (no quer ver a ave Quetzal ou ver mos manipulando botes e alavancas, etc.) emitir uma opinio que nada tem a ver com a objetividade (com a realidade).

    6. Neste sentido, Descartes j nos advertia, por volta de 1620, que: Toda a cincia um conhecimento certo e evidente... por conseguinte, rejeitamos todos os conhecimentos somente provveis, e declaramos que se deve confiar apenas nas coisas perfeitamente conhecidas e das quais no se pode duvidar... alm disso, somos admoestados a no misturar absolutamente nenhuma conjetura com os nossos juzos sobre a verdade das coisas... certssimo, pois, que os estudos feitos desordenadamente e as meditaes confusas obscurecem a luz natural e cegam os espritos... entendemos por mtodo regras certas e fceis, que permitem a quem exatamente as observar nunca tomar por verdadeiro algo de falso e, sem desperdiar inutilmente nenhum esforo da mente... (Ren Descartes, Regras para a direo do esprito Edies 70, Lisboa, 1989, p. 14 e seguintes).

    Embora antigas estas consideraes tem muito de validade para a questo da mistificao sobre a visita de astronautas que se transformaram em deuses, segundo pregam os cultores do realismo fantstico.

    Deve ficar bem claro que estamos tratando com opinies mentalmente desordenadas emitidas de modo charlatanesco e que tem um fundo de pregao mstica, devendo, precisamente, a este carter para-religioso a sua aceitao sem maior exame.

    7. Vejamos, agora com mais detalhes, como esta questo se formou, por que, e as causas gerais de sua aceitao em nossa poca, dita cientfica.

    8. Em primeiro lugar devemos recordar que o homem sempre se interessa pelo maravilhoso, pelo fabulrio, pelos contos de fadas. Ao longo dos tempos modernos, a descoberta da Antiguidade sempre suscitou especulaes as mais fantasiosas, que vieram a dar origem ao movimento chamado genericamente de ocultismo.

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    Devemos lembrar que tudo isto que hoje retorna sob o invlucro de astronautas, j foi objeto de mistificaes em sculos passados, principalmente sob dois grandes rtulos: a chamada cincia perdida dos Faras e o culto dos Continentes Perdidos, em especial a Atlntida e Mu, mas tambm os mundos subterrneos, as cidades perdidas e, at mesmo, a vinda de colonos de outros mundos, para explicar os fundamentos da nossa civilizao (terrestre em geral).

    Um certo H. J. Gramatzki, em um livreto intitulado O homem e os planetas, publicado em Berlim em 1922, j defendia que os chineses eram a raa perdida dos marcianos, que fugiram par a Terra quando aquele planeta se tornou um deserto. Muitos antes dele, o clebre Camille Flammarion havia lanado A pluralidade dos mundos habitados, em 1862. Em seu sub-ttulo estava escrito: estudo em que se expe as condies de habitabilidade das terras celestes discutidas sob o ponto de vista dastronomia, da phisiologia e da philosophia natural (conf. 23 edio em portugus, edies Garnier, Paris e Rio de Janeiro, sem data. Ali se defendia, ainda, a existncia de planetas habitados no sistema solar.

    No sculo XIX, um escritor norte-americano, Ignatius T. Donnelly lanou um best-seller O mundo antidiluviano, em 1882, onde defendia as suas clebres treze teses, entre as quais, destacamos as seguintes:

    1. que existiu, outrora, a Atlntida; 2. a Atlntida foi a regio em que o homem passou pela primeira vez do

    estado de barbrie para o de civilizado;

    3. que constitua o verdadeiro Jardim do den; 4. que os deuses e deusas dos antigos Gregos, os Fencios, Indus e

    Escandinavos eram simplesmente os reis, rainhas e heris da Atlntida; e as aes que a Mitologia lhes atribui no passam da memria confusa dos verdadeiros acontecimentos histricos.

    Pergunto: esta argumentao no lhes parece familiar?

    9. Devemos chamar, agora, a ateno para uma complicao que vai surgir, em funo desta especulao desprovida, j na poca, de qualquer fundamento: madame Blavatsky.

    Esta personalidade do submundo do ocultismo aderiu aos defensores da idia da Atlntida por volta de 1870. Ela publica, primeiramente, o livro Isis Desvelada, em 1877 e, uma dcada depois, A Doutrina Secreta.

    Segundo ela mesma nos conta, sua principal fonte de informao foi o chamado Livro de Dzyan, que teria sido escrito na prpria Atlntida, antes do afundamento claro em folhas de palmeira (alta tecnologia atlante!) na lngua senzar. interessante observar que ela leu este livro, que estaria num mosteiro no Tibet, atravs do astral.

    O que teria isto a ver, porm, com o nosso assunto?

    Tudo a ver. Diz Dniken:

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    Muitos documentos primitivos da humanidade falam em guerras e lutas no cu. Ao longo dos milnios, o Livro de Dzyan, o livro sagrado de um dogma oculto, ficou guardado em cavernas tibetanas. O texto original, foi copiado, gerao aps gerao, tendo sido suplantado e enriquecido pelos iniciados com relatos e noes novas. Trechos conservados do livro de Dzyan foram traduzidos para o snscrito e, nesta forma, aos milhares, se acham difundidos em todo o mundo; os entendidos afirmam que este livro relata a evoluo da humanidade, que se estendeu atravs dos milnios. Na Estrofe VI, o livro de Dzyan diz: no quarto mundo foi ordenado aos filhos de criarem suas imagens... (Dniken Semeadura e Cosmos, Melhoramentos, S. Paulo, 1972, p. 42.)

    Mais adiante, Dniken cita o Livro dos Mortos e por a vai revivendo, sob ares astronuticos, isto , de nossa poca, as velhas mistificaes do sculo XIX sobre os continentes perdidos e a cincia perdida dos Faras.

    Devemos observar que esta doutrina secreta, do culto Teosfico, prega que surgiram, at hoje, na Terra, raas de cinco origens, cada uma delas contendo sete sub-raas e duas ainda esto por vir.

    10. Quando as sete raas tiverem surgido ter terminado o ciclo da Terra e um novo ciclo ter incio no planeta Mercrio... Estas idas e vindas interplanetrias so muito sugestivas, em especial se nos recordarmos que estamos falando sobre obras do final do sculo XIX.

    11. Como no podia deixar de ser, estas idias penetram no sculo XX, sob forma to ou mais fantasiosa, com o escritor teosfico W. Scott-Elliot, que traz para a cena os afamados vimanas ou naves espaciais da ndia Antiga, entre outras preciosidades. Ele publica em 1914, a Histria da Atlntida e isto, como podemos verificar imediatamente, ter profunda influncia sobre a questo dos chamados discos voadores e, posteriormente, servir de caldo de cultura para a idia de deuses astronautas. Vejamos a seguinte passagem do livro (p. 100) Discos Voadores: seu enigma e sua explicao de Desmond Leslie e George Adamski, lanado pela Globo, Porto Alegre; 1957:

    VII OS VIMANAS

    Ainda me encontrava a estudar as possveis fontes de energia, quando me chegou s mos um documento1 muito estranho um livro escrito quase dez anos antes dos irmos Wright efetuarem seu primeiro vo. Esse livro descreve com pormenores um tipo de disco voador ou barco areo usado pela raa cujos descendentes deixaram as fantsticas pirmides do Mxico e do Egito, as enormes pedras de Tiahuanaco e Sacsahuaman, os blocos de mil e oitocentas toneladas em Balbec, as sagradas tabuletas de Nacaal e as sublimes Estncias Secretas da sia. Encontrei nesse livro termos e expresses que nunca ouvira antes, como energia etrica e akkasha. um livro fascinante, e enquanto o lia senti qualquer coisa de familiar. Algumas caractersticas nele descritas condizem quase inteiramente com os relatrios sobre os discos

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    voadores das Foras Armadas dos Estados Unidos de hoje. Comecei a pensar e a fazer perguntas a mim prprio.

    Transcrevo em seguida uma das passagens mais significativas. O autor, Scott Elliott, diz:

    Os mtodos de locomoo da Atlntida2 tem que ser considerados como ainda maravilhosos, pois o aeroplano ou mquina

    _______ 1. W. Scott Elliott: A Histria da Atlntida.

    2. J muito tem sido escrito sobre o famoso continente perdido para que discutamos aqui os prs e contras da sua existncia. Tal como a geologia o sabe, a Atlntida meramente o nome dado a uma longa srie de massas de terra desaparecidas nesse caso aquela que precedeu imediatamente a nossa. Parece razovel supor que o que agora o fundo do Oceano Pacfico ser dentro de milnios a ptria de raas futuras que tero muitas lendas para contar sobre a perdida Arya (ou Eursia). Sem dvida as camadas geolgicas indicam que a terra onde hoje vivemos j foi o fundo do oceano, no uma, mas sim vrias vezes. Todos aqueles que se interessam pela Atlntida deviam ler as obras desse ttulo de Donnelly, Lewis Spence, Scot Elliott, e a sua histria nos trabalhos esotricos da antiga ndia, Amrica do Sul e Egito; tambm As cidades secretas da Amrica do Sul, por Wilkins, Construdo antes do Dilvio e especialmente Carta n. XXIII B em As cartas do Mahatma a A. P. Sinett, para mencionar apenas umas poucas obras.

    100

    12. Observem os mesmos argumentos de Dniken e outros, como as pirmides do Egito ou os terraos de Baalbek ou, ainda, Tiahuanaco, tudo, tendo como base, como diz Desmond Lislie um documento, que nada mais do que a Histria da Atlntida de Scott- Elliott! Um escritor da religio teosfica, que se baseia nas Estncias de Dzyan, que ser citada, depois, por Dniken e outros realistas fantsticos e adeptos dos deuses astronautas.

    13. desnecessrio continuar estas citaes histricas para mostrar que estas idias atuais so reelaboraes infantis e romnticas de antigas fraudes de fundo mstico que acompanham a humanidade permanentemente.

    14. Estas idias vo ser lanadas no mercado cultural pela dupla de autores franceses Louis Pawells e Jacques Bergier em 1960, com o conhecido O Despertar dos Mgicos, que obtm tanto sucesso que permite aos dois lanar sua prpria revista, a conhecida Planeta, dando nascimento ao que conhecido como Nova-Gnose, assim definida:

    Conjunto de crenas e de doutrinas vrias: antigo ocultismo, doutrinas cientfico-religiosas como o teilhardismo, elementos de filosofias do Extre-Oriente, etc), repassado dum misticismo difuso e que tem o sonho de religar o homem ao cosmos. A revista Plante cristalizou a emergncia desta nova gnose. (Edgar Morin e outros O retorno dos astrlogos Moraes Editores, Lisboa, 1972,p. 320.)

    15. O prprio Edgar Morin em seu O esprito do tempo sub-ttulo; necrose defende que:

    alguns fenmenos aparentemente irracionais ou arcaicos esto de fato ligados atual modernidade urbana; eles no so, pois, ilhas de atraso no seio da modernidade racional mas, ao contrrio, suscitados e ressuscitados pelo desenvolvimento da vida urbana... que depolicizada (isto , sub-

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    policizao ou ignorncia dos mecanismos fundamentais da cidade, da Polis, mais lato que a sub-politizao). Est nascendo uma subjetividade moderna, uma contratendncia, neo-arcaica, com o surgimento de uma crise de identidade cultural... que, nas sociedades modernas em evoluo permanente, a norma constituda por tendncias dominantes, s quais se opem no mais tendncias reacionrias clssicas, porm contratendncias ambguas, orientadas para o futuro e para o passado: neonaturismo, neo-arcasmo, neotribalismo... (p. 174).

    16. Uma contratendncia forte, pelo que se observa, a contestao do cristianismo clssico em nossa sociedade, que agora aflora no fenmeno intitulado Cdigo da Vinci, mas que j podemos identificar no xito do realismo fantstico (1960) que conduz aos deuses astronautas (1968).

    De fato, ao pregar que os deuses so uma distoro da visita de seres de outros planetas, os danikosos do origem a uma nova neo-teologia ou para-teologia que, contudo, uma reelaborao de idias filosficas muito antigas e, talvez, por isto mesmo, encontrem profunda ressonncia no imaginrio popular de um meio urbano que no vive mais integrado na Natureza e desconhece a profunda impresso psicolgica que viver imerso no meio natural e desfrutar, toda a noite, da viso de profundidade do Universo, pela contemplao da Via Lctea, da passagem das estrelas cadentes, do ciclo luar e da constante movimentao dos planetas (palavra que, em grego, quer dizer os errantes - ).

    17. Como j devem ter adivinhado, estamos nos referindo aos ensinamentos de Evhmeros, cerca 316 antes da nossa Era. Contemporneo de Alexandre, diz a tradio que ele foi encarregado de realizar uma viagem de explorao aos limites do mundo conhecido. Foi ento que chegou a uma ilha, que chamou de Panchaea, onde encontrou centenas de inscries em colunas de bronze, onde estavam gravadas as histrias dos principais deuses da Grcia, que, porm, no eram deuses coisa nenhuma, mas grandes reis, heris e filsofos, que, depois de mortos, receberam as honras divinas. Tudo isto estava no livro Histria Sagrada, nome que derivou das alegadas inscries sagradas que dizia existirem naquela longnqua ilha misteriosa. Com isto, os mitos passavam a no serem mais mitos, mas distoro de fatos histricos reais e a crena religiosa deixava de ser sagrada ou uma revelao dos cus, cus que, na verdade, no existiam. Os atributos divinos so negados. O sagrado negado. com base nestas e outras idias semelhantes que surge o atesmo na antiguidade clssica grega e, depois, romana. Demcrito, Epicuro, Lucrcio so os grandes mestres deste Materialismo Antigo que se estende at os nossos dias.

    18. Ao pregar que os deuses, na verdade, eram astronautas, Dniken e seus semelhantes retiram do mundo o sagrado e reduz a mitologia e a teologia a um mal entendido. Ele interpreta o sagrado luz dos conhecimentos cientfico-tecnolgicos de hoje em dia. Sua viso , seno materialista, pelo menos, mecanicista e, estendendo sua colocao um passo adiante, outro escritor desta safra danikosa, Gerhard R. Steinnhuser lana em 1973 o chocante:

    Jesus Christus Erbe der Astronauten ou seja

    Jesus Cristo, o Herdeiro dos Astronautas.

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    A edio brasileira deste livro saiu pela Editora Artenova, Rio de Janeiro, em 1976.

    a culminao das idias de criao de raas at a Raa Ariana de Madame Blavatsky. O deus principal da Cultura Ocidental identificado como um astronauta. Produzido, porm, no por deuses mas por conhecimentos cientfico-tecnolgicos (fertilizao artificial, donde a idia de virgem ) e revitalizao ou ressurreio por meios tcnicos ultra-refinados, donde, depois de morto, pode reaparecer e, finalmente, ascenso aos cus, ou seja, embarque numa nave do espao.

    19. Como estas idias ou ainda por que, esto se formando? O grande especialista em religies, o romeno Mircea Eliade assim coloca o problema:

    A esperana de renovatio muitos desses cultos e seitas iro sofrer transformaes radicais ou desaparecero... substitudos por outros grupos. Eles so representativos da cultura jovem contempornea e exprimem a paixo pelo oculto com mais vigor e nitidez do que fizeram organizaes mais antigas como a Sociedade Teosfica ou a Antroposofia. Todos estes grupos e seitas so caracterizados por traos especficos. Em primeiro lugar e principalmente, evidente sua insatisfao com a Igreja Crist, seja catlica ou protestante. Em termos mais amplos, pode-se falar de uma revolta contra qualquer establishment tradicional religioso do Ocidente... h uma insatisfao geral. A maior parte dos membros dos novos cultos ignora quase completamente sua herana religiosa, mas sente-se insatisfeita com o que viu, ouviu ou leu sobre o cristianismo. Eles buscavam experincias msticas ou gnose. bvio que foram desiludidos. O fato mais geral uma rejeio da tradio crist em favor de um mtodo mais abrangente e mais eficiente de se alcanar a renovatio individual, e, ao mesmo tempo, coletiva. Mesmo quando tais idias so objetos de uma formulao ingnua ou mesmo ridcula, h sempre a convico tcita de que existe uma maneira de escapar do caos e da falta de sentido da vida moderna e que essa maneira implica uma iniciao e, consequentemente, numa revelao de segredos antigos e venerveis. , basicamente, a atrao por uma iniciao pessoal que explica o grande interesse pelo oculto. Como bem sabido, o cristianismo rejeitou o tipo de religies de mistrios que exigem iniciao secreta. (M. Eliade Ocultismo, bruxaria e correntes culturais: ensaios em religies comparadas Interlivros, Belo Horizonte, 1979, p. 69.)

    20. O ponto capital nesta exposio, nos parece, que muito rica, a frase chave: escapar ao sem sentido da vida moderna... (por via) da revelao de segredos antigos e venerveis.

    neste ponto que a pseudo-arqueologia, o falso folclore, se inserem.

    As revelaes danikosas falam em datas fantsticas, em templos antigos, em frmulas misteriosas de obter poder para construir monumentos, etc, misturando estas noes difusas, vagas, genricas e errneas, com os efeitos do

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    saber cientfico-tecnolgico que o homem moderno acompanha e/ou sofre, sem verdadeiramente conhecer. De fato, o ensino da matemtica, da biologia, da fsica e da qumica o mais deficitrio em todo o mundo, onde faltam mais professores (sem falar na competncia) e, verdadeiramente, o mundo s vive a realidade cientfico-tecnolgica pelo trabalho de elites desconectadas do senso comum. O que a massa deseja misticismo. Mas as classes mdias, que no tem acesso mais a alta cultura e no desejam viver no universo mental limitado do sub-policizado, isto , da massa ainda mal digerida pelo fenmeno da enorme urbanizao planetria ( o rurbano), procuram uma via intermediria de acesso ao conhecimento. Os meios de comunicao de massa, a chamada indstria cultural, detectaram esta necessidade e do todo o apoio difuso do que se chama a nova-gnose (gnose conhecimento, em grego e era a palavra utilizada para conhecer o sagrado atravs da iniciao religiosa; da derivando gnstico, o que foi combatido pelo cristianismo como religio oficial do Imprio Romano do Oriente e do Ocidente rotulando estes conhecimentos de apcrifos, no sentido de falsos), da os fenmenos d modernidade, como a volta da Astrologia, as profecias de Nostradamus, a cincia perdida da antiguidade, a que se agregou a Astronutica.

    21. Atentar as datas: Despertar dos Mgicos imediatamente posterior ao lanamento do Sputnik (1957) e os deuses astronautas surgem ao mesmo tempo em que o programa Apollo e o desembarque do homem na Lua. inegvel o impacto do desenvolvimento espetacular da cincia-tecnologia sobre a mentalidade atual.

    22. Mas, este impacto provoca, tambm, as contra-aes e vemos o florescer de uma nova era de misticismo. A revista Planeta responsvel pelo modismo sendo lanada na Frana mas traduzida em muitos pases. J por volta de 1965 existe uma edio argentina. Depois, surgir no Brasil. a revista Planeta que d publicidade a muitas falsificaes que j tinham sido apresentadas em O despertar dos mgicos, como as pretensas experincias psquicas, como um teste de transmisso de pensamento, entre uma base naval e o submarino atmico Nautilus. Nem preciso lembrar, aqui, o impacto mtico que o nome evoca: o romance de Jlio Verne, o capito Nemo e os segredos que ele domina.

    Seja como for, temos, nesta quadra, o ressurgimento do paranormal ou parapsicologia, que surgiu, originalmente, nos Estados Unidos, mais ao menos ao tempo de Madame Blavatsky. Este caso, das irms Fox, como os demais, se revelam fraudes, como toda a questo, alis, mas no deixa de ser interessante notar que Dniken, o principal adepto e divulgador da idia dos deuses astronautas, que se revele um iluminado deste tipo.

    Vejamos o que ele mesmo responde:

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    Realidade e fantasia

    Senhor Dniken, pode dizer como chegou a suas concluses a respeito dos astronautas? perguntou o reprter. Dniken: Antes de mais nada, preciso reconhecer que a fantasia foi importante. Assim comea uma entrevista de Erich von Dniken revista alem Der Spiegel. Este um resumo da entrevista.

    P O senhor fala num mecanismo de esclarecimento interior, que identifica como ESP. O que significa isso?

    R A expresso vem do ingls e uma abreviatura para percepo extra-sensorial. Isso, porm, faz parte do meu mundo ntimo e no quero falar disso.

    P Em que data se deu a sua primeira ESP?

    R Foi h cerca de dezoito anos.

    P E essa experincia levou certeza de que astronautas vindos de outras estrelas...

    R - ... na minha opinio: de outras galxias ou de outras sistemas solares.

    P Foi essa experincia de ESP que lhe forneceu a certeza absoluta da aterragem de astronautas estranhos?

    R No princpio fiquei inseguro. Afinal, no era coisa muito comum o que eu tinha sentido. Mas, por favor, prefiro no falar a respeito disso.

    P Mas o senhor mesmo j escreveu a respeito.

    R A Editora Econ publicou trechos do meu dirio; escrito durante o tempo de priso em Viena. Nesse dirio havia algo a respeito de ESP e tambm a respeito do fato de eu saber como vou morrer.

    P O senhor tambm sabe quando?

    R No, isso no sei. Porm creio que seria perfeitamente possvel. O fato que eu no quero saber. Alis, bem antes da publicao do meu primeiro livro, eu j sabia que ele teria um grande sucesso. Sabia inclusiva a tiragem que iria alcanar.

    P Quer dizer que a ESP a fonte mais importante para as suas revelaes?

    R Uma fonte que me levou convivo de que a Terra foi visitada por astronautas extraterrenos. Eu sei disso. Sei tambm que, num futuro prximo, ocorrer um fato que ir provar que eu tenho razo.

    Revista Realidade, So Paulo, outubro 1973 (Ano VIII n 91)

    23. inegvel que Dniken se considera uma espcie de iluminado, profeta, detentor de poderes e conhecimentos especiais. Ele sabe que a Terra foi visitada por seres extraterrestres e estamos conversados. Na nsia de provar ele distorce, falsifica, mente, por que se acha convicto que tudo pode fazer para revelar uma verdade?

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    Isto nos leva a outra dimenso da questo.

    A dimenso religiosa. De fato, Dniken e os demais autores desta natureza, pensam em termos de renovatio, de refundao religiosa.

    Vejamos, como ele coloca a questo, numa entrevista para a revista norte-americana Newsweek em 1973;

    Screenwriter (von Dniken admits to heavy editing). They contend he has been programed against conventional ideas of God ever since attending a Swiss Jesuit school. It was a very strict place, von Dniken told NEWSWEEKS Roy Koch, so naturally I made a point of reading everything I could find on the [Catholic] Index. His rebuffed questions about the Bible led him to the Sumerian Epic of Gilgamesh (which he considers an eyewitness account of the spacemen landing and pioneering earth). He prayed not to the Virgin Mary or the saints but to something unknown. I asked for help in understanding the truth.

    Secret: At 19, he had a vision I really dont like to discuss, and he claims the power of ESP, declaring he knows already the mode of his death but no when. Was his glimpse of the South American caverns equally visionary? Certain descriptions were altered to protect the secret location, he admits, and some of it is obviously for dramatic effect Im not writing scientific treatises, after all. Still, several reputable scientists, such as NASA engineer Joseph Blumrich, give credence to at least some of von Dnikens exegesis. His German publisher is financing and archeological expedition to the South American caves, under Bonn University professor Udo Oberem.

    The millions of people all over the world (including China) who are obviously eager to accept his theories make up one of the amazing phenomena of a world that seems to be looking for new gods to worship. The great geographical religions-Hinduism, Christianity, Islammay well be pass, says von Dniken. I expect that a new religion will arise, a religion of the unknown, indescribable, indefinable something we cannot understand. Von Dniken is due to appear on U. S. TV and the college lecture circuit this month. My next book is top secret, he says. But I can tell you that this time I have the facts to come at the problem from another angle entirely. Whatever the facts, von Dniken has certainly found gold.

    -S. K. OBERBECK

    They say he wears elevator shoes. They say his book are ghostwritten by a

    Newsweek, October 8, 1973

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    24. Ele afirma que as grandes religies geogrficas esto superadas... eu espero, agora uma Nova Religio venha a surgir, a religio do desconhecido, do indescritvel, do indefinvel, alguma coisa que ns no podemos entender.

    Como se observa, eles vieram no para esclarecer, mas para confundir.

    25. Um analista da questo do oculto j se manifestava, de forma ofendida e horrorizada, com estas tendncias modernas:

    As prprias condies do mundo moderno favorecem a ao subversiva e antitradicional. A confuso do psquico e do espiritual, a assimilao do espiritual com aquilo que h de mais inferior no psquico, a identificao da religio com magia, o totemismo, at a feitiaria, a vulgarizao de uma pseudo-iniciao, ao mesmo tempo de uma contra-iniciao, tudo isto constitui indcios irrecusveis da mais degradante subverso. (Luc Benoist O Esoterismo, Difuso Europia do Livro, So Paulo, 1969, p. 121).

    Se marcha, assim, como quer Dniken para o que no podemos entender o que Benoist classifica de subversivo.

    Realmente: subverte as noes tradicionais na esfera religiosa, mas a custa de um processo muito frgil, que se fundamenta se podemos utilizar a palavra, na mistificao.

    26. De fato, todo o cerne da questo se centra no seguinte ponto: Dniken e seus colegas so escritores de fico, mais precisamente da chamada fico-cientfica. S que eles alegam vender fico como uma realidade oculta.

    Vejamos o que ele mesmo responde em um de seus livros:

    Pergunta: como foi que que o senhor veio a tratar desse seu assunto. Como foi que lhe ocorreu essa idia?

    Resposta: A bem da verdade, devo frisar primeiro que a idia da visita de extraterrestres no nova e, tampouco, de minha autoria. H uns setenta anos que ela existe na fico cientfica. Eu apenas me ocupei dessa idia e a lancei nos foros de debates com argumentos novos. ( Erich von Daniken em julgamento Melhoramentos, S. Paulo, 1979, p. 45 )

    Ento a verdade esta ou a revelao parapsicolgica e ele, realmente surgiu com argumentos novos ( do sculo XIX...)?

    27. Sob o ponto de vista literrio, a fonte mais poderosa da idia deus astronautas o romance de Arthur Charles Clarke o fim da infncia original de 1950, (ChildhoodEnd), de que existe uma nova verso de 1953 sob o ttulo Guardian Angel (Anjo da Guarda). A edio portuguesa, da Argonauta, de Lisboa tem o n 26 na coleo e parece ser traduo da verso de 1950.

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    28. Tenho a forte impresso que podemos esclarecer este aspecto da questo baseados

    na seguinte linha de anlise: desde Dom Quixote de La Mancha, a fico literria deixa a fantasia e procura de exprimir a realidade. De fato, a expresso literria abandona a temtica medieval de anjos, drages e magia e feitiaria e os livros de fico apresentam fatos que, se no ocorreram, poderiam ter ocorrido perfeitamente.

    O escritor Joo Camilo de Oliveira Trres j colocava estas questes num ensaio na Revista do Livro, em 1960.

    Dizia ele mais:

    no ser contraditria, em si mesma, a expresso fico realista? Uma fantasia controlada pela realidade, aprisionada na realidade, no seria uma fantasia natimorta? A verdadeira fico no deveria ser a fantasia pura, aquele que deixasse as asas do sonho correr e imaginar aquele que mais nos parecesse melhor e mais bonito? Uma fantasia pura no seria aquela que fizesse o cavaleiro encontrar um gigante autntico, se isto fosse do nosso agrado e pusesse o leitor em estado de suspense? O romance de cavalaria era fantasia pura numa poca em que os valores mgicos atuavam decisivamente na vida dos homens. Para o homem da Idade Mdia a possibilidade de penetrao de foras preter-naturais na vida cotidiana era geralmente admitido. O homem medieval aceitava perfeitamente como possvel, pelo menos em fico, seres fora da fauna puramente

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    natural. Ora, a fantasia pura na Era da Mquina dever estar em relao com mquinas, mo mais com seres fabulosos, mas sim seres extraordinrios, de carter cientfico. No mais drages e fantasmas, e sim, marcianos ou robots. E com isto entramos na questo da fantasia pura. Toda a obra de fico que reconhece imaginao o direito de dispor livremente de si mesma, sem a rgida subordinao realidade, permitindo que as situaes se desenvolvam segundo seu ritmo prprio, pouco importando a possibilidade, a plausibilidade da soluo adotada, ser fantasia pura. Ningum discutir se se trata de fato provvel de uma sada vivel: importa que satisfaa fantasia. (Joo Camilo de Oliveira Torres A fico cientfica como fantasia pura Revista do Livro, INL, Rio de Janeiro, n18, junho, 1960 p. 185 e sgs.)

    De fato, tanto o realismo fantstico como os deuses astronautas satisfazem, plenamente, fantasia e cumprem, assim, seu desiderato.

    Alis, no se nota, nos dias de hoje, um retorno pleno fantasia como era entendida em plena Idade Mdia? No esto a o sucesso de Harry Potter, de O mago e, sobretudo do Senhor dos Anis? Que isto, seno a recuperao da fantasia, da magia e da feitiaria, por outro lado, uma vertente cada vez mais forte na fico-cientfica, que cada vez mais romance de capa e espada, em mundos paralelos?

    Descendo mais profundamente na anlise do fenmeno da fico-cientfica, que muito elucida e enquadra a questo, no podemos deixar de citar o analista Minus Sodr:

    a fico-cientfica uma literatura irrealista, j que seu contedo escandaloso diante do nosso mundo cotidiano. No se pode confiar na obra de um escritor para conhecer determinado real histrico, porque ela no significa este real, mas o lugar ideolgico ocupado pelo escritor em face desse real. O real do discurso literrio a prpria literatura. A obra se configura, assim, com um puro artifcio, uma elaborao que nada tem a ver com a realidade ou a experincia, j que executada conforme as exigncias do universo prprio da obra. H uma afinidade entre a literatura e o mito. Mito e romance se encontrariam no mesmo projeto ilusrio... O grande pblico confunde facilmente o verdadeiro com o verossmil, e graas isso a linguagem comum, a da ideologia, pode apropriar-se do discurso cientfico. Uma hiptese absurda assim tornada verossmil por uma falsa cauo cientfica, um cienticismo, partir do qual a fico-cientfica constri suas histrias. Monis Sodr A fico do tempo: anlise da narrativa de science-fiction Vozes, Petrpolis, 1973 p. 9 e seguintes).

    29. Para construir suas narrativas estes autores trabalham estes autores trabalham com o que se pode chamar de mtodo confuso:

    1. retiram as provas de seu contexto; 2. criam confuses, falsificam, mentem, distorcem, subvertendo, assim, a

    realidade;

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    3. no geral, apresentam dvidas, no conhecimentos positivos e so, assim, negativistas (ou at nihilistas)

    4. no apresentam coerncia interna, pois ora falam em alterao gentica para criar a inteligncia (milhes de anos?) ora falam em mitos j dos tempos agrcolas (10 mil anos), ora, como no caso de Palenque, de algo que data de 633 da nossa Era, ou seja, uns 200 anos depois da queda de Roma!

    30. Entretanto, independentemente do que eles falsifiquem e sejam aproveitadores, o importante que geram crena, que se manifesta, j, nas chamadas religies disquistas, sendo a chamada Igreja da Cientologia, um dos casos mais conhecidos. Fundada pelo escritor de fico-cientfica L. Ron Hubbard, ela floresceu graas aos seus romances e aos romances de A. E. van Vogt, tambm adepto dessa crena. Existem muitos outros grupos, como os Raelinaos e a Igreja de Jesus, o Astronauta, mas pela sua penetrao entre personalidades, precisamente, da indstria cultural, vamos encerrar estas consideraes citando o debate interno dentro da Cientologia, que levou, nos anos 80 ao surgimento de uma dissidncia, a Nova Zona.

    Os dissidentes, chefiados por um certo Bill Robertson, que se apresenta como capito Bill, esto em contato teleptico com Hubbard, que, como se sabe, j morreu. Segundo alegam os dissidentes da atual estrutura de comando da Cientologia:

    a Igreja passou para as mos dos que a querem destruir. Tudo isto se inscreve no cenrio de um verdadeiro conflito em escala csmica. No decorrer dos ltimos 50 anos, no menos de 200 mil Markabianos, indivduos oriundos de vrios planetas da Confederao de Markab imigraram clandestinamente para a Terra e se apossaram dos corpos de um certo nmero de personalidades do mundo dos negcios, da poltica, das sociedades secretas. Os Markabianos esto por detrs da clebre sociedade secreta dos Illuminatti (os Iluminados) da Baviera, fundada no sculo XVIII por Adam Weishaupt que seria, ele prprio, encarnao do infame Xanu, responsvel por uma terrvel catstrofe que teria transtornado o nosso planeta h 75 milhes de anos, isto ensinado no nvel OT III da Cientologia. Segundo Bill Robertson, os verdadeiros Cientlogos, leais a Hubbard lutam contra os usurpadores. Segundo Robertson h 3500 anos atrs o comandante da Patrulha Intergalctica do Setor 9 tomou a forma humana e desceu na Terra, assumindo a personalidade de Gautama Siddharta, o Buda, afim de exercer uma impulso civilizadora no desenvolvimento da humanidade... (Jean-Franois Mayer Novas Seitas: um novo exame Edies Loyola, S. Paulo, 1989 p. 61).

    Estamos, sem dvida, diante de um outro deus astronauta perfeitamente identificado...

    31. Nossas reflexes mostraram que estamos diante de uma tentativa de montar uma espcie de mitologia ou tradio (um falso folclore), de fundo mstico, que retira os textos histricos, cientficos, filosficos e religiosos de seu contexto real. Procura-

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    se, ento, dar um sentido literal aos textos, luz do conhecimento de nossos dias, inventando o material de ligao, como j se fazia no sculo XIX, quando surgiu uma forte rao mstica contra o Iluminismo, atravs dos cultos, como Ocultismo, em geral, que ento pregavam como ponto de origem da civilizao humana os continentes perdidos, mas j com pitadas interplanetrias.

    Boto1: