Desafios Tecno-Científicos da Agricultura Brasileira

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DESAFIOS TECNO-CIENTÍFICOS DA AGRICULTURA BRASILEIRA (ênfase em culturas anuais) Ciro A. Rosolem (1) Antonio Roque Dechen (2) Introdução Estima-se que até 2020 o mundo deverá aumentar em 20 % a produção de alimentos para atender o crescimento da demanda. Dentro deste cenário, espera-se do Brasil o maior crescimento, com previsão de aumento de 40 % na produção no período. Para atender a demanda até 2050, entretanto, haveria necessidade de incorporação de pouco mais de 80 milhões de hectares ao sistema produtivo de grãos. Há uma estimativa de que o simples aumento da lotação dos pastos no Brasil poderia contribuir com 60 milhões de hectares. Entretanto, este número é discutível, pois embora existam pastos, não se tem certeza de que as áreas com pastagens degradadas são apropriadas para agricultura competitiva, em função do tipo de solo e clima. Assim o grande desafio é produzir mais, tendo em conta as limitações à expansão da área, limitações em função da legislação ambiental e, acima de tudo, a necessidade de competitividade. Desafios Fazer com que a tecnologia chegue ao produtor Embora a produtividade nacional da soja e do algodão estejam entre as maiores do mundo, para outras culturas ainda há muito que se fazer, pois, sob esse aspecto, existem muitos Brasis. A soja, por exemplo, praticamente já atingiu o que é possível com a tecnologia atual no Mato Grosso, de modo que os incrementos são pequenos e cada vez mais caros, enquanto no restante do Brasil ainda pode haver aumentos com a tecnologia atual. Muitas vezes, há tecnologia disponível, mas ela não chega ao produtor, ou o produtor, mesmo tendo conhecimento, não a emprega, o que resulta em baixa produtividade. O problema é mais grave nas regiões Norte e Nordeste. A extensão rural pública chega a menos de ¼ dos agricultores, e nem sempre é eficiente. _________________________ (1) Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, Botucatu (2) Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba

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Conteúdo elaborado pelos membros do CCAS Ciro Antonio Rosolem e Antonio Roque Dechen sobre os desafios tecno-científicos enfrentados pela agricultura brasileira. O conselheiro Ciro Rosolem apresentou o conteúdo no I Seminário Ciência, Tecnologia e Comunicação: Os Desafios na Agro Sociedade.

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DESAFIOS TECNO-CIENTÍFICOS DA AGRICULTURA BRASILEIRA

(ênfase em culturas anuais)

Ciro A. Rosolem(1)

Antonio Roque Dechen(2)

Introdução

Estima-se que até 2020 o mundo deverá aumentar em 20 % a produção

de alimentos para atender o crescimento da demanda. Dentro deste cenário, espera-se do

Brasil o maior crescimento, com previsão de aumento de 40 % na produção no período.

Para atender a demanda até 2050, entretanto, haveria necessidade de incorporação de

pouco mais de 80 milhões de hectares ao sistema produtivo de grãos. Há uma estimativa

de que o simples aumento da lotação dos pastos no Brasil poderia contribuir com 60

milhões de hectares. Entretanto, este número é discutível, pois embora existam pastos,

não se tem certeza de que as áreas com pastagens degradadas são apropriadas para

agricultura competitiva, em função do tipo de solo e clima. Assim o grande desafio é

produzir mais, tendo em conta as limitações à expansão da área, limitações em função

da legislação ambiental e, acima de tudo, a necessidade de competitividade.

Desafios

Fazer com que a tecnologia chegue ao produtor

Embora a produtividade nacional da soja e do algodão estejam entre as maiores

do mundo, para outras culturas ainda há muito que se fazer, pois, sob esse aspecto,

existem muitos Brasis. A soja, por exemplo, praticamente já atingiu o que é possível

com a tecnologia atual no Mato Grosso, de modo que os incrementos são pequenos e

cada vez mais caros, enquanto no restante do Brasil ainda pode haver aumentos com a

tecnologia atual. Muitas vezes, há tecnologia disponível, mas ela não chega ao produtor,

ou o produtor, mesmo tendo conhecimento, não a emprega, o que resulta em baixa

produtividade. O problema é mais grave nas regiões Norte e Nordeste. A extensão rural

pública chega a menos de ¼ dos agricultores, e nem sempre é eficiente.

_________________________

(1) Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP, Botucatu

(2) Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba

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Mesmo quando o serviço de extensão é eficiente, o agricultor tem problemas

com rentabilidade, riscos e falta de seguro adequado, de modo que não sente segurança

para investir em tecnologia. Mas, talvez o mais grave problema seja que, na maior parte

do Brasil, mais de 80% dos agricultores não tem educação além da elementar, e mais de

60% não completaram o ensino complementar.

Desenvolver melhores sistemas de produção

Sistemas de produção em semeadura direta, com rotação de culturas tem se

mostrado eficientes em produzir bem e ainda colaborar na mitigação do efeito estufa,

seqüestrando carbono, que fica mais tempo no solo. Principalmente em regiões

tropicais. No Brasil, estima-se que mais da metade da área com grãos seja cultivada em

semeadura direta. No Sul do País a implantação do sistema é mais simples, uma vez que

há disponibilidade de água. Em todo o Centro Oeste, e principalmente no cerrado, o

desenvolvimento do sistema é mais complexo, por que falta água. A introdução de

espécies africanas, como o milheto e as braquiárias, deu grande impulso, principalmente

com sistemas de integração Lavoura-Pecuária. Entretanto, são poucas as espécies

adaptadas ao sistema, de modo que a vulnerabilidade é grande. Além disso, ainda há

áreas em que a equação não foi totalmente resolvida.

Melhorar a eficiência de uso dos recursos

Em ambientes tropicais, com precipitação pluvial maior que a

evapotranspiração, desenvolvem-se solos ácidos, que fixam fósforo, e as perdas de

nitrogênio e potássio do sistema podem ser significativas. Assim, a inclusão de espécies

que possam melhorar a eficiência de uso dos fertilizantes é muito importante para a

sustentabilidade, economia e, portanto, para a eficiência do sistema. Há necessidade de

estudos que indiquem as melhores espécies e que viabilizem seu uso. Além disso, nos

sistemas de Integração Lavoura-Pecuária, tem sido comum a deficiência de N, havendo

necessidade de melhor conhecimento da ciclagem deste nutriente no sistema, de modo a

se desenvolver tecnologia que resulte em menores perdas.

A compactação do solo tem sido um problema na maior parte das áreas

cultivadas no Brasil. A intensificação do sistema, mesmo com palha na superfície, pode

levar a maior compactação do solo. Embora exista tecnologia disponível para lidar com

solos compactados, há necessidade de desenvolvimento de novos métodos ou rotações

de culturas que minimizem o prejuízo.

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Pragas e doenças tem sido, e sempre serão, um desafio. O problema é mais sério

em regiões com clima tropical, pois não existe frio, ou seca, suficientes para interromper

o ciclo das pragas e doenças, tornando seu controle mais difícil. Mesmo o uso de

variedades transgênicas não resolve de todo a situação, pois as populações são

dinâmicas, e a disponibilidade de alimento o ano todo facilita a sobrevivência dos

insetos e patógenos. Assim, a pesquisa de sistemas que possam diminuir as populações

é de grande importância para a agricultura brasileira. Do ponto de vista de fitossanidade,

talvez o principal problema a ser resolvido hoje sejam os nematóides. Há necessidade de

desenvolvimento de sistemas integrados que controlem os nematóides ou, pelo menos,

que viabilizem a convivência das lavouras com estes organismos.

Quando se pensa em melhor utilização de recursos, em eficiência, no futuro as

técnicas de agricultura de precisão poderão contribuir evitando perdas e, por outro lado,

evitando sub-utilização dos recursos.

Na maior parte do Brasil há luz e temperatura suficiente para se fazer agricultura

o ano inteiro. Embora falte água, essa é uma vantagem competitiva da qual não se pode

abrir mão. Assim, a criação de sistemas que aproveitem essa energia é um fator

importantíssimo na competitividade da agricultura brasileira, e pode ajudar muito para

se evitar expansão da área cultivada. Para isso é necessário o desenvolvimento de

sistemas, culturas e/ou cultivares que viabilizem o potencial existente, ou seja,

tecnologia que permita a expansão da chamada safrinha, ou maior expansão dos

sistemas de Integração Lavoura-Pecuária.

Desenvolvimento de cultivares mais tolerantes ao calor, veranicos, sombra...

Independentemente da causa, e de toda a discussão e incerteza, é possível que

venhamos a enfrentar mais calor e chuvas menos freqüentes no futuro. Assim, é

fundamental a criação e adaptação de cultivares que tolerem seca e calor, de modo a

manter a sustentabilidade da agricultura e do agronegócio. Há ferramentas para isso,

mas há também necessidade de um grande investimento. Por outro lado, em regiões do

Brasil onde a precipitação é alta, culturas como a soja e o algodão podem sofrer

limitação de produção por excesso de nuvens, que limitam a luminosidade incidente.

Assim, quando se pensa em produtividade alta, é importante o desenvolvimento de

variedades que consigam tolerar essa limitação.

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Conclusão

Ainda há uma boa possibilidade de crescimento da produção brasileira apenas

com a tecnologia já desenvolvida. Basta que ela chegue e seja empregada pelos

agricultores. Com relação à necessidade de desenvolvimento de novas tecnologias, o

caminho é conhecido, mas é necessária vontade política e planejamento estratégico.

Assim, a revolução verde pode sim, prover uma dieta melhor, a preços menores, para a

maioria das pessoas, diminuindo a insegurança alimentar. Entretanto, isso depende de

investimento e, enquanto países desenvolvidos investem 3 % do PIB do agronegócio em

pesquisa agrícola, o Brasil tem investido menos de 1,5 %. Além disso, resta uma

grande questão: Os agricultores terão condições de utilizar as tecnologias em benefício

da humanidade, em face das restrições que se impõem?