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DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA E INDISCIPLINA NA ESCOLA1
CLAUDIA MARIA SCHEIDT2
Resumo: Este estudo tem como objetivo analisar uma das questões que mais interferem e prejudicam o cotidiano escolar, tanto no âmbito das relações interpessoais, como na qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos, que é a indisciplina na escola. São inquestionáveis as limitações que as instituições de ensino têm encontrado em administrar esse tipo de problema. Este estudo não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre um assunto tão complexo, mas sinalizar que há possibilidades de intervir com sucesso neste processo. No entanto, para tornar qualquer ação possível, é necessário conhecer para poder compreender este novo cenário social. É imprescindível entender como, quando e por que a escola mudou e perdeu seu status de autoritária e disciplinadora. Se não houver a compreensão destes fenômenos geradores destas mudanças, as possibilidades de intervenção neste processo ficam muito mais limitadas. A relevância desta pesquisa se concentra em apresentar os “Contratos Pedagógicos” de Aquino (2003) como uma das estratégias de intervenção que podem ajudar a minimizar ocorrências de atos de indisciplina, incivilidade e violência, através da construção coletiva de regras de convivência como forma democrática de gerir esses conflitos. Palavras-chaves: indisciplina; violência escolar; relações interpessoais; gestão democrática dos conflitos; contratos pedagógicos.
Abstract
1 O texto está vinculado ao projeto de pesquisa desenvolvido para o PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) do Estado do Paraná, na área de Pedagogia, iniciado em 2007 e intitulado “Violência e Indisciplina no Contexto Escolar”: questões estruturais e socioculturais”, sob a orientação da Mestra em Educação, professora de Didática da UEPG, Maria das Graças do Espírito Santo Tigre.
2 Professora PDE - Programa de Desenvolvimento educacional do Estado do Paraná
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This study is to examine a proposal of the issues that most affect and hinder the daily school, both in the context of interpersonal relations, as in the quality of teaching and learning of students that is the indiscipline in schools. Are unquestionable the limitations that the institutions of education are found in administering this type of problem. This study has no intention of depleting the discussions on such a complex issue, but signal that there are opportunities to intervene successfully in this process. However, to make any possible action, you need to know to understand this new social scene. It is essential to understand how, when and why the school has changed and lost its status of authoritarian and disciplinary. If there is not an understanding of these phenomena generating these changes, the possibilities of intervention in this process are much more limited. The relevance of this research focuses on presenting the "Contract Educational" de Aquino (2003) as one of intervention strategies that can help minimize occurrences of acts of indiscipline, incivility and violence, through the collective construction of rules of coexistence as a means democratic of manage this conflicts. Key words: indiscipline, school violence, interpersonal relations, democratic management of conflicts; teaching contracts. INTRODUÇÃO
Este artigo é resultado de um trabalho de pesquisa desenvolvido no PDE –
Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná, que teve início
em abril de 2007 e deverá ser concluído em dezembro de 2008, realizado através de
cursos de atualização, estudos teóricos, grupos de estudos sobre o tema, grupos de
trabalho em rede e elaboração de um plano de trabalho para posterior intervenção
numa escola pública da rede estadual.
A escolha da temática “Violência e Indisciplina no Contexto Escolar” deve-se
ao fato deste problema ter se tornado um dos mais relevantes e de difícil intervenção
com o qual as escolas têm se deparado, afetando direta ou indiretamente um grande
número de professores e também de alunos, sendo estes últimos classificados em
dois gêneros: ou como vítimas de agressões verbais e físicas praticadas pelos
colegas, ou como autores das ações de violência.
A preocupação com a ocorrência de casos de violência e indisciplina no
ambiente escolar cresce na mesma proporção em que a escola não consegue lidar
com esse tipo de problema. Sem saber como agir diante de atitudes de indisciplina e
violência praticadas pelos alunos, percebem-se que os profissionais da educação
reagem com certa apatia, medo, insegurança, desconforto e nostalgia, a qual muitas
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vezes os remete a um “saudosismo”, expressado através de frases como estas:
“quando comecei a trabalhar não era assim, os alunos respeitavam o professor”; ou,
“quando eu estudava, era diferente, respeitávamos nossos professores”! Para a
grande maioria dos professores é difícil entender a causa de mudanças tão
significativas que vem ocorrendo em tão curto período de tempo.
Atitudes como estas são comuns, porém ineficientes. Com lamentações não
se resolverá os problemas da educação, ou da falta desta nos alunos. Devem-se
fazer questionamentos a respeito do surgimento deste novo perfil de clientela,
tentando buscar respostas, procurando conhecer e compreender esta nova
realidade que está posta, visto que não se muda o que não se conhece.
Torna-se imperativo a compreensão da origem das mudanças ocorridas na
sociedade para compreender as transformações ocorridas no interior das instituições
educacionais. Os professores precisam se apropriar destes conhecimentos, saber
de que maneira o sistema econômico, o capitalismo, influenciou e determinou estas
novas regras de comportamento, de convivência e de valores. Saber que valores
são estes e por que são exigidos pelo sistema capitalista, pode ajudar na
compreensão das atitudes e padrões de comportamento dos jovens, adolescentes e
crianças de hoje.
Embora, extremamente necessária, nos currículos de formação inicial de
professores não são contemplados estudos de formas de fazer a gestão dos
conflitos em sala de aula e na escola, o que faz com que os futuros professores
saiam sem nenhum preparo para enfrentarem situações que farão parte do seu
cotidiano de trabalho nas escolas.
Exatamente devido a essas constatações é que nos propussemos a realizar
esse trabalho, cujo objetivo principal é fazer uma análise dos casos de indisciplina e
violência que ocorrem na escola e sinalizar aos educadores que é possível o
enfrentamento dos mesmos com sucesso, desde que aja o envolvimento de todos
em um trabalho coletivo de enfrentamento.
Será utilizado como fio norteador dessa proposta de ação a idéia dos
“Contratos Pedagógicos”, propostos por Aquino (2005), como alternativa
democrática de administrar conflitos e despertar a coletividade para a importância da
implantação de uma política de prevenção e conseqüentemente, redução de
situações de indisciplina e violência no ambiente escolar, favorecendo a incursão de
valores.
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1 COMO E POR QUE A ESCOLA PERDEU SEU STATUS DE AUTORITÁRIA E
DISCIPLINADORA
Quando se fala em questões relacionadas a indisciplina e violência na
escola, uma das queixas mais freqüentes que se ouve dos professores e gestores
deve-se a escassez de recursos humanos e físicos no trato destes problemas.
Sentem-se limitados ou mesmo impotentes na tentativa de resolução de alguns
casos mais graves, visto que as penalidades que podem ser legalmente aplicadas
aos alunos são consideradas pelos mesmos como muito brandas e, portanto,
ineficientes. Segundo o depoimento de muitos educadores, os alunos costumam
demonstrar este sentimento através de uma frase que já se tornou bastante
conhecida: ”Não dá nada!” e que atualmente já tem até um complemento: “E, se der,
dá muito pouco!”
Outro aspecto interessante que se pode observar, é que há uma
perplexidade dos professores diante deste novo perfil de alunos e desta nova
configuração de escola sem entender muito bem, quando e como ela perdeu sua
autoridade e característica marcante de disciplinadora. Também questionam por que
o estudo parece ter deixado de ser significativo para os alunos que estão cada vez
mais desinteressados e menos comprometidos, com poucas exceções a essa regra.
Diante do quadro apresentado de diagnóstico da realidade, torna-se
evidente a necessidade de proporcionar aos professores a possibilidade de reflexão,
estudo e discussão acerca deste fenômeno do aumento da violência em nossa
sociedade, para compreender melhor esse processo que o gerou, visto que, não há
como tentar modificar uma realidade sem conhecer e compreender o curso pelo qual
passou e o processo que a definiu.
O problema do aumento das situações de violência e indisciplina no
ambiente escolar é decorrente do aumento da violência e da própria sociedade. Nos
últimos anos muito se tem falado de casos de violência em espaços escolares, o que
não é surpreendente, visto que, essa passou a fazer parte do cotidiano, em quase
todos os segmentos sociais, e tendo a escola uma grande representatividade
enquanto instituição social e educacional reflete em seu interior a crise pela qual a
sociedade está passando.
Portanto, pode-se afirmar que a escola se encontra “em crise” vivendo
tempos de transformação ao longo da história, passando de local de transmissão
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para local de produção de conhecimento, até tornar-se também um dos espaços de
luta por um mundo melhor, mais justo e mais humano apesar das conseqüências
com que muitas vezes tem que arcar, pois, ao romper com o autoritarismo, com as
punições físicas e controle rígido, passou a conviver com um novo modelo de
organização escolar. A compreensão analítica das manifestações da violência e o
aumento da indisciplina na escola envolvendo seus diferentes sujeitos e formas é
uma importante referência para o entendimento do fenômeno e das possibilidades
de intervenção nesse processo.
A violência que cresce inusitadamente nas escolas não é um acontecimento
estanque, isolado. Tomando a escola como instituição educacional, podemos
examiná-la estabelecendo um paralelo com as demais instituições hoje existentes,
procurando entender os mecanismos que originaram seus sistemas de
funcionamento.
Atualmente, a escola já não tem mais o perfil de autoritária e disciplinadora,
ao contrário, enfrenta com uma freqüência cada vez maior os casos de indisciplina e
rebeldia dos alunos, sem saber como resolver estes conflitos.
No entanto, se por um lado, a escola que antes era tão bem posicionada e
alicerçada nos pilares do autoritarismo e, atendia satisfatoriamente as exigências
desse período, por outro lado, também contribuiu para a modificação dessas
relações de exploração e dominação do capitalismo e da ditadura, tendo sido de
grande importância para a democratização das relações sociais, para o
enfraquecimento do autoritarismo, para a diminuição da violência praticada em nome
da disciplina, e assim por diante.
Ao contribuir com a construção dessa sociedade mais democrática, onde as
pessoas podem exercer o direito de escolha, de liberdade e expressão, de
“igualdade” entre os sexos, a escola passa a se relacionar com um novo perfil de
clientela, e para o qual não estava e, parece que ainda não está preparada para
trabalhar, até mesmo pela rapidez com que essas mudanças vêm ocorrendo. Se
antes, era o autoritarismo que incomodava, agora é o excesso de liberdade e a
fragilidade das medidas disciplinadoras que preocupam. Passou-se de um extremo
ao outro, causando um conflito e um desconforto no interior da escola que não
consegue se ver com autonomia suficiente para articular esse processo. Processo
esse, decorrente de profundas mudanças estruturais na sociedade que para atender
as novas exigências do capitalismo selvagem foi se remodelando.
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A violência não está só na escola, ela faz parte de um todo maior, possui
diferentes dimensões, é um fenômeno multicausal e plural. Para compreender tal
mecanismo faz-se necessário o levantamento de fatores estruturais e culturais que a
envolvem, analisando-a no interior de um espaço teórico mais amplo. Para CANDAU
(1997), o estudo da violência através de sua dimensão estrutural enfatiza que a
mesma é conseqüência da crise econômica, da miséria e do empobrecimento da
população. Já a dimensão cultural, refere-se às profundas modificações ocorridas no
sistema de valores e relações sociais no Brasil (expressa através da quebra de
laços de solidariedade na sociedade e da crise das relações tradicionais).
A globalização, o avanço tecnológico, a internet parecem ter gerado um
“mundo paralelo” de relacionamentos à distância, diminuindo a necessidade de um
maior envolvimento e proximidade.
Silva (2004, p. 54) constata, que frente a essa crise social “os pais não
sabem mais como educar, pois são compelidos a agirem de maneira oposta à
apregoada por suas crenças, mesmo quando consideram pertinentes e válidos os
valores transmitidos pela tradição”. Cabe acrescentar que a escolarização formal se
encontra igualmente em crise. As crianças e adolescentes mostram-se, por um lado,
pouco acostumados a vivenciar e a respeitar os limites que visam assegurar a
sobrevivência de si e do grupo no qual estão inseridos. Os educadores, por outro
lado, não sabem como agir. As punições, em outros tempos utilizadas por eles, não
são mais aceitas; mesmo quando aplicadas, parecem ser ineficientes.
O jovem e o adolescente imediatistas de hoje que têm a necessidade de
levar vantagem em tudo que fazem, não atribuem mais significado à escola, uma
vez que, esta deixou há muito tempo de representar para eles um meio de ascensão
social. Portanto, permanecer ou sair da escola não faz a menor diferença (Tigre,
2002).
A entrada da mulher no mercado de trabalho, a princípio representou muito
mais a necessidade de aumentar a renda doméstica do que a igualdade de direitos.
Contudo, para efeitos deste estudo, o fator de relevância, é a mudança na estrutura
familiar que este fato ocasionou. Embora, não seja o único fator responsável,
certamente contribuiu muito para o declínio das relações interpessoais e da
educação moral que costumava vir “do berço”, enfraquecendo a importância dos
vínculos afetivos e dos valores éticos.
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Como se pode perceber, as necessidades do capitalismo mudaram e com
elas surge um novo modelo de sociedade. Esta sociedade fundamentada na
disciplina e controle rígido foi perdendo espaço, surgindo com os grandes avanços
da tecnologia, um novo modelo de relações humanas, que dispensa a necessidade
de proximidade, visto que mesmo à distância, consegue vigiar e controlar os
indivíduos.
Não se pode negar que uma nova era está surgindo e que um novo modelo
de sociedade está sendo instaurado e um novo modelo de “sujeito” automaticamente
está sendo incorporado. É essa sociedade do mundo capitalista que está
preocupado apenas com suas próprias necessidades, a acumulação de riquezas,
com o consumo desmedido, com a valorização das coisas materiais, a aparência em
detrimento da essência da pessoa humana. O ter passa a significar mais do que o
ser, e neste sentido a qualidade perde espaço para a quantidade. Os valores morais
estão enfraquecidos. Virtudes como solidariedade, companheirismo, respeito,
honestidade, tolerância e modéstia não são muito estimulados nas relações de
convivência, tanto nas mais próximas como a família e o círculo de “amigos” quanto
na escola ou no trabalho.
As regras que regem essa nova forma de convivência são: o individualismo,
o subjetivismo, o egoísmo, enfim, o capitalismo. É a necessidade de levar vantagem
em tudo, e daí a brutalidade e a intolerância e, portanto, a violência. É cada um por
si. Essa maneira egoísta de viver, entre outras, é uma das causas da incivilidade, do
desrespeito às regras de convivência social, das transgressões morais, da
indisciplina, da violência. Para muitos, “ter” é o sentido do “ser”.
A mídia, principalmente a televisiva tem servido com grande empenho como
um forte instrumento apelativo do sistema capitalista, através das mensagens
explícitas em suas propagandas, onde a pessoa é valorizada pelo que ou pelo
quanto consome. Estes apelos aparentemente tão inofensivos invadem a casa de
milhões de brasileiros todos os dias e vão sorrateiramente desconstruindo valores, à
medida que age na auto-estima do sujeito que passa a ter a ilusão de que só terá
valor se tiver poder de compra daqueles “produtos” veiculados. Assim, para manter o
“sentimento de pertinência” necessita consumir cada vez mais, comprando sem
parar, num ciclo sem fim, pois a sensação de satisfação e de realização é
momentânea e ilusória.
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A escola certamente pode ajudar os jovens a fundamentarem suas vidas em
valores sólidos, éticos, onde o “outro” tenha tanto valor e direitos quanto o “eu”. LA
TAILLE (1996) ao pensar no papel da escola neste contexto faz a seguinte
abordagem: “sabemos que as instituições são instrumentos imprescindíveis para o
funcionamento da sociedade e que as atuais foram criadas ou profundamente
remodeladas com o advento do capitalismo e do pensamento liberal burguês.
Escola, família nuclear (pai, mãe e filhos), hospitais, manicômios, fábricas,
sindicatos, prostíbulos e prisões são instituições pilares desse período da história
que chamamos de modernidade.
Apesar de terem funções e tarefas diferentes e específicas, todas essas
instituições foram criadas ou remodeladas na modernidade sob uma mesma lógica
ou sob um mesmo princípio de organização da sociedade, das relações humanas e
de exercício do poder e de dominação: o princípio do confinamento. É interessante
observarmos que todas essas instituições tinham uma missão básica comum: reunir
e confinar indivíduos num determinado espaço geográfico e psicossocial, ou seja,
trancafiá-los para aí serem submetidos àquilo que o capitalismo exigia deles.
Essa nova maneira de ver e ser no mundo expressa pelas novas gerações,
explicita a crise por que estamos passando neste momento histórico. Crise que não
é apenas de indivíduos, mas também de governos e instituições sociais; é uma
transição de dimensões planetárias. “Como indivíduos, como sociedade, como
civilização e como ecossistema planetário, estamos chegando a um momento
decisivo” (CAPRA, 1998, p. 30). Caracterizamos essa crise como sendo uma ruptura
paradigmática, ou seja, a passagem do paradigma da modernidade para o da pós-
modernidade.
Diante dessa nova realidade, dessa nova cultura que se apresenta, vem a
indagação: qual o papel da escola? É possível intervir na questão da indisciplina e
violência no contexto escolar?
Realmente, o contexto atual coloca novos desafios para a escola, para o
ensino, para o professor, para o aluno. A escola além de ser um espaço privilegiado
de produção de conhecimento, é também um espaço que se constitui na trama das
relações interpessoais. Mas, como conseguir atribuir valor ao ensino e ao estudo a
jovens que se encontram tão influenciados pelo modo de organização e da demanda
do sistema capitalista? Como resgatar a disciplina no meio escolar sem o abuso do
autoritarismo do passado e a superficialidade de valores dos adolescentes de hoje?
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Como reverter esse quadro de impunidade de alunos infratores, sem uma política
legislativa que ampare a escola?
Sabe-se que são grandes os desafios para os professores e educadores de
um modo geral, tanto quanto se sabe que não é possível resolver todos os
problemas da educação a um só tempo, nem mesmo a questão da violência. Mas, é
possível intervir, melhorar e “fazer a diferença”. Daí, a necessidade de estabelecer
prioridades e trabalhar com elas. A questão da indisciplina na escola interfere em
todo processo educativo uma vez que acarreta prejuízos tanto nos relacionamentos
quanto na aprendizagem; ocasiona um desgaste emocional e psicológico ao
professor que poderia ser desnecessário, certamente, ensinar não é fácil, mas, num
ambiente indisciplinado torna-se muito mais difícil.
“Diante dos problemas de indisciplina ou de atos de violência, a ação da
escola fica limitada e tem se resumido em dar aconselhamentos, advertências
verbais ou escritas aos alunos; dependendo do caso, faz encaminhamento ao
Conselho Tutelar e até mesmo à polícia militar” (Tigre, 2002). Algumas tentativas
isoladas também têm sido feitas, como por exemplo, trabalhar o Regimento Escolar
com os alunos e fornecer uma cópia do mesmo aos pais por ocasião da matrícula
dos filhos. Embora estas atitudes ajudem, não são suficientes. Precisa-se de uma
proposta mais consistente e que possa proporcionar um melhor embasamento
através de fundamentação teórica para ser desenvolvida no coletivo escolar. E,
essa foi uma das principais preocupações contempladas no desenvolvimento do
trabalho de intervenção.
2 CONCEITUANDO OS TERMOS: VIOLÊNCIA, INDISCIPLINA, INCIVILIDADE E
BULLYING
Neste tópico, se tentará dar uma maior clareza quanto aos significados de
cada termo. Para se obter resultados positivos em qualquer intervenção nos conflitos
interpessoais, problemas de indisciplina e/ou violência, é importante distinguir um
caso de outro, para ter mais clareza quanto ao procedimento que deverá ser
adotado, visto que devem ser compatíveis com o grau da ação cometida. Os
possíveis encaminhamentos também dependerão da classificação do ato praticado e
só assim será possível distinguir e identificar cada caso, o que também servirá de
referencial ao educador para poder dosar e encaminhar para atendimento específico
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ou especializado, se for o caso, e ainda, adequar as penalidades cabíveis conforme
a ação praticada pelo aluno.
Segundo, Michaud (1989), a violência ocorre quando, em uma situação de
interação, um ou vários autores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou
esparsa, causando danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua
integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas
participações simbólicas e culturais.
É nesta abordagem do autor que se embasa os estudos desta pesquisa,
entendendo por “violência”, não apenas aquelas atitudes mais evidentes de
hostilidades e agressividades, mas também aquelas que ocorrem de formas mais
sutis, e nem por isso menos dignas de atenção. Dentro deste conceito, alguns atos
de “indisciplina” podem ser considerados como formas de violência.
Especificaremos por “indisciplina”, toda ação moral executada pela pessoa e
que esteja em desacordo com as regras ou leis construídas coletivamente. Embora,
atualmente o conceito de indisciplina pareça ter sido incorporado ao da violência,
é possível perceber distinções entre os mesmos dependendo das situações ou
maneiras como ocorrem.
Segundo Fernández (2002), mais do que descumprir regras, a indisciplina
pode significar um rico manancial de informações sobre como os alunos vivem a
escola e seus conteúdos. Escapar ao controle é uma forma de questioná-lo,
minando as relações de poder univocamente estabelecidas.
Por incivilidade “se entende uma grande gama de fatos indo da indelicadeza,
má criação das crianças ao vandalismo, passando pela presença de vagabundos,
grupos juvenis. As incivilidades mais inofensivas parecem ameaças contra a ordem
estabelecida transgredindo códigos elementares da vida em sociedade, o código de
boas maneiras. Elas podem ser da ordem do barulho, sujeira, impolidez, tudo que
causa desordem”... (Debaribeux, apud Latterman 2000, p. 37).
Já o Bullying, é uma palavra de origem inglesa, adotada para definir o
desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob
tensão. Nos estudos sobre o problema de violência escolar é utilizado para
conceituar os comportamentos agressivos e anti-sociais (Fante, 2005).
Bully (subst.) = valentão, tirano; como verbo = brutalizar, tiranizar,
amedrontar.
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Definição: Subconjunto de comportamentos agressivos, caracterizado por
sua natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder, caracterizado pelo fato de que a
vítima não consegue se defender com facilidade. Definição universal: conjunto de
atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente,
adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e
sofrimento, levando a vítima à exclusão, causando danos físicos, morais e materiais.
3 CONTRATOS PEDAGÓGICOS: UMA ALTERNATIVA POSSÍVEL, DIFERENTE E
DEMOCRÁTICA DE ADMINISTRAR CONFLITOS
A proposta dos contratos pedagógicos está fundamentada nos estudos de
Aquino (2003), que defende que uma das funções da escola é educar indivíduos e
formar futuros adultos que devem comportar-se de maneira responsável,
autônoma e democrática, é lógico que é necessário que na escola articulem-se
mecanismos e estruturas que tornem isso possível. É aí que desponta a proposta de
contrato pedagógico.
Trata-se de acordos ou combinados nos quais se estabelecerão
conjuntamente as regras de convivência entre o grupo em questão, bem como, as
conseqüências, ou seja, as penalidades cabíveis no caso da “quebra” de alguma
destas regras. São estratégias livremente consentidas de organização e ritualização
democrática da sala de aula, por meio da consagração dos papéis, diferentes e
complementares, de professor e aluno.
Há um antigo ditado que reza: “O combinado não sai caro”. A sabedoria
popular parece prenunciar que celebramos contratos (ora explícita, ora
implicitamente) todo o tempo, em todos os momentos da vida.
Nesta proposta é imprescindível estabelecer com clareza os parâmetros de
conduta entre ambas as partes, é preciso esclarecer que tipo de comportamento se
espera do aluno, o que é o desejado e o aceitável e o que não deverá ser tolerado,
portanto, não poderá ser admitido que o aluno faça, e vice-versa em relação à
postura e procedimentos do professor.
“Primeiro, diga-me o que espera que eu faça e seja, para que eu possa
esperar algo de você” – desse modo, passa-se a cultivar expectativas acerca do
outro e de si mesmo, bem como a contar com parâmetros de julgamento de suas
ações e das alheias.
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Outro ditado popular diz que “prevenir é melhor do que remediar”, pensando
assim, sugere-se ao professor que apresente a proposta do contrato no primeiro dia
de aula, para depois ir fazendo recapitulando o que for necessário. Também é
interessante no primeiro dia de aula, o professor promover uma socialização entre
ele e o grupo, para se conhecerem melhor buscando a empatia, e deste modo
aumentar o respeito e o sentimento de solidariedade entre ambos, bem como, evitar
a idealização excessiva da figura do professor.
Vale lembrar que o modo de vida democrático não é uma disposição
espontânea nem inerente às pessoas. Ela precisa ser cultivada incessantemente,
isto é, posto que se aprende tem de ser ensinado sem cessar. “Só se ensina
democracia fazendo democracia”.
Segundo Aquino (2003), um grupo passa por diferentes etapas progressivas
no que se refere à validação e à tomada de consciência das regras:
• Imposição: quando ainda não se tem consciência do valor da regra; os alunos
submetem-se a ela, mas desconhecem a razão de sua legitimidade.
• Consentimento: estabelece uma relação de causa e efeito; o aluno só faz sua
parte, se o professor fizer a dele – exige controle externo. É hora do
professor antecipar-se aos alunos, não devendo esperar anuência imediata
da parte deles. Trata-se de um momento ainda muito marcado pela reação às
atitudes do professor. Os alunos até sabem o que deve ou não ser feito, mas
quem deve iniciar a ação e supervisionar o cumprimento das regras ainda é o
professor.
• Autodisciplina: nesta fase, já há tomada de consciência, há maturidade
suficiente que deve fazer com que o aluno respeite as regras por vontade
própria, sem que haja necessidade de controle do professor. Trata-se do
auge da intervenção escolar, ou seja, o momento em que eles sabem o que
deve ser feito e fazem-no por vontade própria, encarando tais regras como
parte de seu repertório pessoal e, por conseguinte, dispensando o professor
da função de supervisão coletiva.
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Quando nos referimos aos contratos, estamos falando de acordos, de algo
que foi construído, combinado e aceito pelo coletivo. Como tal, para ser respeitado
exige-se que ambos os envolvidos cumpram o que foi “acordado”.
Entretanto, estabelecer coletivamente um plano contratual que englobe as
regras de trabalho e de convivência não significa, contudo, que percalços não
surgirão no meio do caminho. Burlas das cláusulas contratuais inevitavelmente
despontarão no processo, sejam elas individuais ou coletivas, seja de modo aberto
ou velado.
O rompimento das regras contratuais pode ocorrer diante de quatro
situações específicas: ambigüidade das regras; rigidez excessiva das mesmas;
indisposição de algum(ns) aluno(s); falta de lastro ético do professor (Aquino, 2003).
No primeiro caso, a transgressão acontecerá quando as cláusulas não
estiverem bem claras ou razoáveis. Os alunos passam, então, a não ver mais
sentido nas regras.
Na segunda situação, as cláusulas estão superestimadas e não se ajustam,
portanto, às possibilidades factuais dos implicados. Elas necessitam, desse modo,
de uma adequação à realidade do grupo. É hora de repactuá-las.
A terceira possibilidade de burla se dá quando, por alguma razão
incontrolável, os alunos têm uma predisposição muito negativa em relação ao
professor e resolvem sabotar as regras acordadas, como maneira de afrontá-lo
pessoalmente.
A quarta possibilidade de transgressão pode se dar devido ao baixo
comprometimento ético-profissional do professor, indicando sua falta de autoridade
moral para fazer valer os acordos. Rompe-se, assim, a igualdade entre os deveres,
e os alunos pressentem que apenas eles têm obrigações a cumprir.
Para garantir o êxito na aplicação dos contratos é imprescindível a
contrapartida de todos os envolvidos.
Cabe lembrar também que o “Contrato Pedagógico” não pretende, nem pode
substituir o Regimento Escolar, que é um documento de caráter obrigatório,
elaborado pelas próprias instituições educacionais, desde que esteja em
consonância com a LDB e o ECA e, que por sua vez, tem como um de seus
objetivos normatizar condutas, prevendo direitos e deveres, advertências e outras
penalidades, mas com um enfoque bastante diferenciado do Contrato Pedagógico,
que se caracteriza por ser um acordo entre as partes, além de ter um campo de
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atuação mais delimitado, que é a sala de aula. No Contrato Pedagógico quando uma
regra é quebrada, uma penalidade deve ser aplicada, porém, esta penalidade nunca
é excludente, e tem que estar de acordo com o grau da falta cometida. Em nenhuma
hipótese poderão ser aplicados castigos físicos ou maus-tratos psicológicos. As
sanções são de responsabilidade coletiva e têm que ter um caráter inclusivo e
sempre de reparação a regra acordada que foi desrespeitada.
O Contrato Pedagógico para surtir os resultados esperados necessita de
manutenção constante, ou seja, de tempos em tempos as regras precisam ser
“reavivadas”. Também não basta afixar um cartaz contendo a lista de itens com os
quais todos concordaram. Esse é um trabalho diário que exige persistência do
professor, sobretudo nos primeiros meses de aula. Além de exigir diretrizes para
aplicação das sanções que de preferência, não devem demorar em serem aplicadas.
A aplicação dos contratos, não implica, nem significa transformar a sala de
aula num espaço que sufoque a interação, as trocas e a criatividade. A sala de aula
viva e produtiva não pode ser silenciosa, mas sempre será disciplinada. Ela se
expressa tanto pelo silêncio da concentração como pelo ruído das vozes no diálogo.
Como é um modo democrático de administrar conflitos, as ações não devem
ficar centradas exclusivamente nas mãos do professor. Então, como administrar
estas questões? – Pois, é esta, a finalidade das Assembléias de Classe.
3.1 - Assembléias de Classe
As assembléias são mecanismos criados com a finalidade de sustentar o
êxito na aplicação dos contratos pedagógicos. São momentos destinados para que o
grupo-classe possa fazer uma auto-reflexão, tomada de consciência sobre si mesmo
e discutir as questões consideradas importantes ou necessárias com o objetivo de
alcançar e garantir a boa convivência, o respeito mútuo, e, portanto, a
regulamentação deste convívio democrático. Para que as assembléias consigam
alcançar os objetivos a que se propõem, torna-se imperativo destinar um espaço de
tempo, uma vez por semana, para as reuniões, até que as mesmas se efetivem
como hábito.
Nas assembléias deverão ser discutidos tudo que ocorre à turma, os
problemas e dificuldades encontrados, os avanços, pois é através do diálogo que se
poderão tentar solucionar os conflitos. Naturalmente, que a organização das
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assembléias variará conforme a clientela a que se aplica, tendo que se levar em
conta sempre, a idade dos alunos.
Segundo Aquino (2003), no desenvolvimento das assembléias faz-se
necessário seguir três momentos diferenciados: a preparação, o debate dos temas e
a aplicação de acordos.
3.1.1 - Preparação das Assembléias
Nesta etapa é necessário fazer uma listagem de todos os assuntos que
serão abordados na reunião, apontando os temas que deverão ser debatidos,
montando desta forma, a pauta do dia. As mesmas pessoas que organizaram a
sessão também devem iniciar e presidir a discussão, tomando nota dos nomes dos
querem intervir, dar a palavra e redigir os acordos em papel que depois serem
apresentados em sala de aula. “O professor têm um papel duplo: intervêm pedindo
a palavra como mais um do grupo, dando a conhecer suas opiniões, adotando uma
atitude de ajuda no que diz respeito à maneira de conduzir os trabalhos e à
observância do conteúdo e da orientação do debate” (Aquino, 2003, p. 86).
3.1.2 - Debate
Este segundo momento do “debate dos temas” privilegia o diálogo, que é a
essência desta prática educativa democrática. Para que tudo transcorra bem,
evitando desperdício de tempo com discussões intermináveis, deve-se definir a
ordem dos temas e o objetivo se quer alcançar em cada caso. Nesta etapa o papel
do professor é fundamental e exige dele, algumas atitudes humanistas básicas
como: respeito para com todos, capacidade para acolher a diversidade de opiniões e
firmeza com os alunos sempre que necessário. É o professor quem irá estabelecer e
“cobrar” critérios no diálogo durante as assembléias, intervindo ordenadamente e
pedindo a palavra, procurando se expressar com a máxima clareza, ouvir os
companheiros com atenção e respeito, recordar o que foi dito, buscar acordos
construtivos e estar disposto a cumpri-los. Esses critérios de qualidade não são pré-
requisitos para realizar as sessões positivas. Ao contrário, são objetivos que vão
sendo alcançados lentamente durante o processo, o que torna as assembléias
altamente educativas.
3.1.3 - Aplicação dos acordos
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Este terceiro momento da assembléia de classe tem por finalidade garantir
que os acordos propostos nas discussões dos temas se efetivem e se cumpram no
cotidiano da sala de aula. Para melhor chance de êxito, de tempos em tempos, é
conveniente recordar aos alunos o que foi acordado, e também nas assembléias
posteriores valorar o grau de cumprimento e as principais dificuldades que surgiram.
Sabe-se que nem sempre é fácil cumprir o combinado, assim como nem sempre se
consegue na primeira tentativa.
No que concerne aos resultados formativos das assembléias de classe, Puig
apud Aquino (2003) aponta as seguintes capacidades:
� Colocar-se no lugar dos outros companheiros e imaginar como se sentem;
� Expressar a opinião própria de forma respeitosa e compará-la com as demais;
� Entender quais situações são problemáticas e comprometer-se com sua
melhoria;
� Defender uma postura pessoal, mas oferecendo razões para tal;
� Participação e interesse por tudo o que afeta o grupo;
� Colaboração entre os membros da classe (ajuda mútua);
� Reconhecimento e apreço entre os participantes;
� Respeito aos acordos coletivos;
� Atitude de sinceridade;
� Questões afeitas à solidariedade, igualdade, respeito às diferenças, amizade,
confiança e responsabilidade.
Portanto, as assembléias além de serem um momento fundamental para
otimizar a vida dos alunos em sala de aula, desenvolvendo hábitos orientados para
o fortalecimento do modo de vida democrático, também propiciam a formação de
capacidades morais e a aquisição de atitudes e valores positivos. Estimular a
participação política e o exercício da cidadania é o objetivo das Assembléias de
Classe, cuja essência é a representação dos alunos. Todo direito implica em um
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dever. A escola é o primeiro espaço público por excelência em que o indivíduo inicia
a experiência de cidadania.
Constata-se, no processo de formação de alunos, que só se alcança o
respeito e a legitimidade das leis na comunidade se, no dia-a-dia, abrem-se espaços
para elaboração e discussão das regras de convivência, substituindo a obediência
temerosa por relações de reciprocidade entre indivíduos. É diante de situações
concretas e vividas no cotidiano da escola que os alunos experimentam o exercício
do diálogo, ferramenta primeira das relações democráticas.
4 REFLEXÕES SOBRE A INTERVENÇÃO NA ESCOLA
Essa proposta de intervenção nunca teve a pretensão de apresentar soluções
irrefutáveis para eliminação dos problemas de violência, conflitos, atos de
incivilidade e de indisciplina no ambiente escolar, mas sinalizar que existem medidas
alternativas que apesar de não resolverem a falta de políticas públicas para as
escolas e para os profissionais da educação, podem ajudar a prevenir e diminuir a
incidência destes conflitos que tanto afetam o cotidiano escolar e prejudicam o
trabalho dos educadores.
À medida que passam a analisar e conhecer as causas do aumento da
indisciplina e da violência no interior das escolas, automaticamente os profissionais
da educação vão se “instrumentalizando” melhor para trabalhar com os alunos
porque passam a compreendê-los, antes de julgá-los.
Ao entender como foi se originando este novo perfil de aluno, começam a se
relacionar de forma diferente com ele, se dando conta de que muitas das atitudes
anteriormente consideradas pelos professores como falta de respeito, pode ser na
verdade para o aluno é natural e causa-lhe até espanto, porque não deveria ofender.
Ao se apropriar dessa compreensão não se espera conivência dos
educadores com as atitudes negativas dos alunos, e sim, conhecer e aproximar-se
do universo de interesse dos alunos, para saber como podem intervir e ajudar na
mudança positiva de comportamentos desses. Não se pode jamais banalizar a
violência e o desrespeito, nem tão pouco “tolerar o intolerável”. Já em alguns casos,
a intenção do aluno é realmente de afrontar ou desrespeitar o professor. O professor
tem que aprender a distinguir um caso do outro, haja visto que, quanto mais
preparado o professor estiver para discernir estas situações, maiores as chances de
acertar os procedimentos educativos e obter sucesso na resolução de cada caso.
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Essa realidade com a qual convivem hoje, a escola e a sociedade, causa
uma profunda preocupação, no sentido de que as pessoas comecem a confundir a
regularidade destes acontecimentos com a banalidade dos mesmos. Por mais difícil
que possa parecer, a reversão deste quadro de violência em que se encontram as
instituições sociais e a própria civilização, trata-se de uma situação que não pode e
não deve nunca ser encarada como algo natural. Por mais enfraquecidos que
possam estar os valores morais, não se pode concordar ou aceitar que estejam “fora
de moda” e enterrá-los de vez.
Embora, seja verdadeira a constatação de que a escola não se vê mais com
autonomia suficiente para resolver os casos de violência e indisciplina, desde que
perdeu seu status de autoritária e disciplinadora, não se pode esquecer que a escola
teve um papel fundamental para ajudar a romper com este paradigma. O problema
decorrente destas mudanças tem sido o de não saber como trabalhar com esta nova
realidade que foi surgindo. Se os velhos padrões não são mais aceitáveis, quais as
opções para se trabalhar esta atualidade?
Os acadêmicos e os professores recém formados continuam sendo
“preparados” de forma tradicional, para trabalhar com um perfil de aluno que não
existe mais.
Como os cursos universitários não contemplam em suas grades, disciplinas
que abordem diretamente a questão da indisciplina, incivilidade, bullying e violência
e as novas possibilidades de intervenções, ressalta-se mais do que nunca a
importância dos cursos de formação continuada, como o PDE, os Grupos de
Estudos e outros, que possibilitam aos professores o acesso a estes conhecimentos
que não são apenas importantes, mas tornaram-se necessários ao desempenho de
suas funções de ensinar e educar.
Num ambiente indisciplinado, hostil, desorganizado, o processo de ensino e
aprendizagem fica seriamente comprometido. Portanto, para que a escola se efetive
como local por excelência de produção de conhecimento, há que se preocupar com
a questão da disciplina e formação de valores de seus alunos.
É importante ressaltar também que as condições de trabalho do professor
são precárias, em relação a uma sociedade que se transforma muito rapidamente.
Apesar dos avanços científicos e tecnológicos, a escola se mantém quase
inalterável, tendo ainda, como instrumento mais utilizado para ministrar aulas, o livro,
quadro negro (que é verde) e o giz, tornando-se pouco atraente para os alunos.
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Os baixos salários acabam por sobrecarregar os professores que quando
podem fazem tripla jornada de trabalho, em escolas diferentes, fazendo com que
percam o sentimento de pertinência e com ele o senso de compromisso, causando
desmotivação, apatia e resistência às mudanças propostas na tentativa de
superação de conflitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, com tudo isto, que o problema da violência e indisciplina na
escola bem como, as dificuldades encontradas em seu enfrentamento, decorre de
fatores complexos e multicausais. Esta constatação não significa, contudo, que se
deva ficar prostrado e conformado com o que está posto. Ao contrário, significa que
é necessário conhecer bem a realidade para poder atuar nela e modificá-la, pelo
menos naquilo que é possível interferir.
Sabe-se que faltam condições materiais e autonomia para as escolas e os
professores resolverem questões estruturais mais complexas, porém
pedagogicamente é possível intervir e “fazer a diferença”.
Por acreditar firmemente nesta proposição, é que se deu ênfase a proposta
dos Contratos Pedagógicos, como uma excelente estratégia para administrar e
prevenir situações de conflitos.
A aplicação dos Contratos Pedagógicos apresenta-se como uma proposta
bastante atrativa e positiva. Percebe-se que a maioria dos professores desconhecia
esta alternativa da autoria de Aquino (2003). Porém, como em qualquer proposta
inovadora, a implementação dos Contratos parece despertar a princípio nos
professores, um misto de curiosidade e uma certa “resistência”, e ainda para alguns,
desponta como a possibilidade de ser a tão almejada “vara de condão” com a qual
tudo se resolve rapidamente, como num “passe de mágica”.
A medida que a proposta vai sendo apresentada, questionada e analisada
pelos educadores, passa a ser “desmistificada”, e vista então, como uma
possibilidade real e interessante de se relacionar e administrar de forma diferente e
inusitada as situações cotidianas de indisciplina. Não como algo mágico e rápido,
mas ao contrário, uma proposta que necessitará para obter sucesso, de boa
vontade, conhecimento, bom senso e muita persistência por parte dos professores.
Os alunos também a princípio sentem-se inseguros e apreensivos, por se
tratar de algo novo para eles, uma proposta com a qual geralmente não têm
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nenhuma familiaridade. No entanto, na seqüência do desenvolvimento da proposta,
é comum irem se entusiasmando com a idéia de participarem da construção de
regras para eles e também para os professores cumprirem. Como nem sempre os
alunos apresentavam maturidade suficiente para elaboração de algumas regras ou
penalidades, a intervenção e o bom senso do professor neste processo tornam-se
fundamentais.
Assim, como esta proposta dos contratos, existe outras que podem ajudar e
muito, a minimizar a ocorrência de situações de indisciplina, incivilidade, violência ou
bullying, nas escolas. Deve-se propiciar oportunidades e espaço para que as
escolas de um modo geral e seus pares, avancem cada vez mais no estudo sobre a
questão da violência e da indisciplina para que consigam intervir com segurança e
eficiência na redução da incidência destas ocorrências.
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