DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL … · A fundamentação teórica nos permitiu ......
-
Upload
truongcong -
Category
Documents
-
view
212 -
download
0
Transcript of DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL … · A fundamentação teórica nos permitiu ......
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
Linha de Pesquisa: Políticas Educacionais, Planejamento e Gestão da Educação
DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL
Limites e perspectivas de uma gestão democrática.
MARÍLIA TEIXEIRA MIRANDA SILVA
Recife 2013
MARÍLIA TEIXEIRA MIRANDA SILVA
DEMOCRACIA E POLÍTICA NA GESTÃO EDUCACIONAL
Limites e perspectivas de uma gestão democrática
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco para obtenção de
título de mestre.
Linha de pesquisa: Políticas Educacionais,
Planejamento e Gestão da Educação.
Orientadora: Profª. Drª Alice Miriam Happ
Botler.
RECIFE, 2013
AGRADECIMENTOS
À profa. Dra. Alice Mirian Happ Botler, pela orientação competente desta pesquisa e
pela atuação profissional ética;
Ao prof. Dr. Evson Malaquias de Moraes, pela credibilidade e incentivo;
Aos meus pais, Mário Fernandes e Célia Fernandes por todo apoio e motivação;
Aos colegas da turma 29, pela parceria, incentivo e contribuições;
A Karla Crístian, pela amizade, incentivo e parceria em todos os momentos desta
empreitada;
Aos professores e funcionários do Programa de Pós- Graduação em Educação da UFPE;
A Jany Barros pelas contribuições durante a pesquisa;
Aos demais amigos que torceram por mim e me motivaram;
Aos entrevistados, pela valiosa colaboração;
À Banca que avaliou esta dissertação e pela rica contribuição;
Ao meu Deus, que pela fé me fez forte pra chegar até aqui.
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo analisar o processo de democratização da gestão
educacional de um município em processo de emancipação política. Buscaram-se
identificar os entraves que permeiam as ações dos sujeitos envolvidos nesse processo e
as reais possibilidades de superação de uma cultura autoritária. Partimos do pressuposto
de queé a partir do contexto micropolítico e microssocial que se efetivam (ou não) as
demandas macropolíticas do âmbito educacional. A fundamentação teórica nos permitiu
compreender que a formação social pode ser afetada pela concepção de democracia,
cidadania e pelas políticas públicas estabelecidas, mas é no âmbito das micropolíticas
que se encontram subsídios para compreendermos a cultura organizacional que
determina o modelo de gestão efetivado, e é nas relações de poder que se encontram, a
partir das ações conscientes dos sujeitos, os mecanismos necessários para o
compartilhamento do poder e construção de novas realidades A pesquisa qualitativa
realizada via estudo de caso no sistema educacional do município de Abreu e Lima em
Pernambuco utilizou como instrumentos de coleta de dados a observação participante,
entrevistas e análise documental, para uma maior aproximação e compreensão do nosso
objeto de estudo, cujos dados foram analisados à luz de Bardin (1977). Constatou-se
que as determinações macropolíticas no âmbito educacional não são suficientes para a
real efetivação e desenvolvimento de práticas democráticas na gestão educacional e
escolar do município. Verificou-se que as concepções dos sujeitos sobre democracia,
participação e autonomia denotam entendimento sobre as demandas políticas e seus
limites, porém suas ações ainda são restritas e limitadas a ditames formais do sistema de
ensino. Dessa forma ainda são limitados os desdobramentos necessários à superação de
um paradigma de gestão centralizador e autoritário. Nessas condições, as práticas
desenvolvidas pelos sujeitos detentores do poder reproduzem uma cultura autoritária e
burocrática com relações desiguais de poder. Sendo assim, concluímos que as práticas
vivenciadas na gestão educacional municipal são pautadas por uma cultura
centralizadora. No entanto, as relações de poder estabelecidas nesse processo vêm
ganhando novas configurações a partir dos conflitos que se intensificam entre a gestão
educacional e os professores da rede. Logo, afirmamos que o desenvolvimento de uma
gestão efetivamente democrática enfrenta ainda muitas limitações, mas o contexto de
mobilização docente contra as posturas autoritárias vem delineando uma etapa
fundamental para a construção de uma nova cultura mais participativa e democrática no
município, configurando a escola e suas relações como uma arena política.
Palavras-chave: Democracia, Gestão Democrática, Relações de Poder e Cultura.
ABSTRACT
The present study aimed to analyze the process of democratization of the educational
management of a municipality in the process of political emancipation. We sought to
identify the barriers that permeate the actions of those involved in this process and the
real possibilities of overcoming an authoritarian culture. We assume that is from the
micro and micro-political context that take place (or not) the macro policies of the
educational demands. The theoretical framework allowed us to understand that the
social formation can be affected by the conception of democracy, citizenship and the
public policies established, but it is within the micro grants that are to understand the
organizational culture that determines the management model is in effect and power
relations that are, from the conscious actions of individuals, the necessary mechanisms
for the sharing of power and the construction of new realities Qualitative research
conducted via a case study in the educational system of the municipality of Abreu e
Lima in Pernambuco used as instruments for data collection participant observation,
interviews and document analysis, to a greater approach and understanding of our
subject, whose data were analyzed according to Bardin (1977). It was found that the
determinations macro policies in the educational field are not sufficient for the proper
enforcement and development of democratic practices in educational administration and
the school council. It was found that the subjects' conceptions about democracy,
participation and autonomy, show understanding of the political demands and limits, but
their actions are still restricted and limited to the dictates of the formal education
system. Thus are limited developments needed to overcome a management paradigm
centralized and authoritarian. Under these conditions, the practices developed by
individuals in power, reproduce authoritarian and bureaucratic culture with unequal
power relations. Thus, we conclude that the practices experienced in managing
municipal education, are guided by a culture of centralization. However, the power
relations established in this process are gaining new settings from the conflicts that
intensify between educational management and school teachers. Hence, we affirm that
the development of an effective democratic management still faces many limitations,
but the context of mobilizing teachers against authoritarian postures comes outlining a
key step for the construction of a new more participatory and democratic culture in the
city, the school and its setting relations as a political arena.
Keywords: Democracy, Democratic Management, Power Relations, Culture
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CPqD
COMUDE
CONAE
CI
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
Conferência Municipal de Educação
Conferência Nacional de Educação
Comunicado Interno
IBGE
INEP
Instituto Brasileiro de Estudos Geográficos
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
LDB
LDO
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Lei de Diretrizes Orçamentárias
PDE
PT
SISMAL
SIMPROFAL
SEDUC
TCE
Plano de Desenvolvimento da Educação
Partido Trabalhista
Sindicato dos Servidores Municipais de Abreu e Lima
Sindicato dos Professores de Abreu e Lima
Secretaria de Educação
Tribunal de Contas do Estado
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8
CAPÍTULO 1. DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO: DA RAZÃO À AÇÃO ............. 17
1.1. Os sentidos da democracia .................................................................................. 17
1.2. A democracia na teoria liberal ............................................................................. 21
1.3. Uma busca pela superação ................................................................................... 23
1.4. Educação e democracia ....................................................................................... 25
CAPÍTULO 2. O PODER NA ORGANIZAÇÃO ................................................... 30
2.1. O poder e suas formas de dominação na perspectiva de Max Weber ................. 33
2.2. A moderna administração burocrática como forma racional de dominação ....... 34
2.3. Análise do poder na perspectiva de Bourdieu ..................................................... 36
2.4. Análise do poder na perspectiva de Foucault ..................................................... 40
2.5. A escola como organização política .................................................................... 43
CAPÍTULO 3. DELIMITANDO O CAMINHO METODOLÓGICO DA
PESQUISA .................................................................................................................... 48
3.1. O estudo de caso .................................................................................................. 50
3.2. O processo de coleta dos dados ........................................................................... 51
3.3. Características políticas do município de Abreu e Lima ..................................... 55
3.4. Secretaria de educação de Abreu e Lima............................................................ 57
CAPÍTULO 4. A ESTRUTURA EDUCACIONAL DE ABREU E LIMA: entre a
tradição centralizadora e a perspectiva democrática. ............................................... 59
4.1. Gestão democrática: concepções e perspectivas ................................................. 60
4.3. Perspectiva de democratização na gestão municipal de educação: a eleição de
gestores como mecanismo de participação ................................................................. 75
4.4. Carreira no magistério público municipal: o regime de trabalho. ...................... 78
4.5. Construindo uma nova cultura ............................................................................. 83
4.6. A criação de uma nova identidade sindical: o surgimento de novas formas de
relações de poder ........................................................................................................ 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 98
ANEXOS ..................................................................................................................... 103
8
INTRODUÇÃO
No Brasil, a década de 1980, sob o ponto de vista político, é constituída de uma
atmosfera de lutas que visam mudanças quanto à participação da sociedade civil no
compartilhamento do poder e controle estatal. Surge, então, um cenário otimista no
projeto democrático-popular, no qual a participação ativa da sociedade em diversos
movimentos ganha espaço e aquisição de direitos básicos. A Constituição de 1988
apresenta uma conquista social no avanço de ideais democráticos, contemplando, como
princípios fundamentais para a democratização na esfera pública, a descentralização
político-administrativa via municipalização, a abertura de oportunidades igualitárias aos
cidadãos no gozo de direitos civis básicos como educação e saúde, e garante a
participação popular na concepção e na implementação das políticas públicas. Tais
diretrizes viabilizam a constituição de uma cultura de participação nos municípios
brasileiros com vistas à democratização da esfera pública. A partir de então, a educação
passa a ser reforçada como um direito social, considerando aspectos norteadores da
política educativa e fortalecendo uma visão de democratização do ensino público.
Essa temática tem sido amplamente discutida, principalmente a partir da
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.694/1996, que apresenta as
diretrizes que norteiam a educação nacional voltada para a democratização da escola
pública a partir da gestão democrática. As questões que envolvem a descentralização do
ensino, a autonomia da gestão escolar e sua democratização fazem parte de muitos
estudos e debates na educação brasileira e se inserem num contexto de aspirações pela
democratização das nossas instituições educacionais. A intensificação desse debate
reflete não só a importância da esfera educacional como subsídio para a
democratização social, mas também as dificuldades e limitações quanto a sua
realização, pelas inevitáveis resistências que enfrenta um processo de mudança e
também pela complexa multiplicidade de concepções decorrentes. As análises
efetivadas até o momento, no entanto, parecem ainda não esclarecer as nuances culturais
que interferem nas mudanças decorrentes das novas regulamentações, o que denota uma
limitação no avanço da cultura democrática.
Essa prática é construída de maneira intensa e exige envolvimento, estudo e
esforço em prol de uma compreensão política para, assim, poder nela atuar.
9
Pesquisadores têm mostrado através de experiências reais que a implantação ou
processo de democratização da gestão escolar e do ensino público tem sido um grande
desafio em nossa realidade. Dentre eles, Araújo (2003) e Arruda (2003)desenvolveram
estudos que tratam sobre a gestão da educação, participação, autonomia e
descentralização da gestão. Esses autores destacam um paralelo entre as possibilidades
de construção de uma gestão democrática e os obstáculos que se configuram para a
implantação dessa proposta.
Sales (2004) analisa a cultura escolar e a construção da gestão democrática sob
o enfoque da cultura organizacional. Na referida pesquisa, a autora faz um breve recorte
dos aspectos políticos e sociais que ao longo dos anos serviram de base cultural que
subsidiaram a gestão educacional e as práticas educacionais vigentes. A autora utiliza-se
de análise documental e observação não participante, além de entrevistas
semiestruturadas com perguntas definidas para aproximar-se e compreender o cotidiano
escolar em suas várias conexões e captar a interpretação dos atores dessa comunidade
escolar no que se refere à democratização do ensino.
Botler (2004) tratou da escola como organização comunicativa, analisando a
organização escolar na perspectiva do conflito entre o modelo de gestão democrática
que vem sendo difundido pelas políticas educacionais e a construção democrática no
interior da escola. A autora buscou ainda compreender a cultura escolar através de
padrões de comportamento e análise das relações de poder, enfatizando-as como uma
estratégia que possibilita ou não a formação de uma cultura democrática. A referida
pesquisa utiliza-se de um estudo de caso com observação participante, entrevistas
estruturadas e semiestruturadas para a captação dos significados atribuídos pela
comunidade escolar sobre democracia, organização escolar, princípios e valores da
prática educacional, embasada por uma abordagem sócio-histórica. A autora
compreende que a democracia como valor vem se desenvolvendo no cotidiano escolar
refletindo as demandas políticas de democratização, considerando as observações das
manifestações culturais que se apresentam e que estruturam as relações de poder
presentes nesse processo.
Nos trabalhos de Pedrosa (2005) e Nóbrega (2005), a gestão democrática é
abordada a partir do projeto político-pedagógico, que é visto como pressuposto ao
desenvolvimento da autonomia escolar.
Nos estudos realizados por Melo (2005), Andrade (2005) e Matos (2006),
podemos observar a relevância das questões pertinentes à participação social com
10
vistas à democratização da gestão educacional e escolar através dos conselhos escolares
e municipais de educação. Nesses estudos constata-se a fragilidade do processo de
participação da comunidade escolar, bem como as dificuldades dessa comunidade em
integrar esses espaços de forma consciente e democrática.
Neves (2006) analisa, através do orçamento participativo, o impacto provocado
pela inovação democrática e pela gestão participativa sobre a cultura política popular.
Mortatti (2006) analisou, em seus estudos, o orçamento participativo da cidade de
Araraquara-SP como instrumento de gestão democrática sob a hipótese de que esse
mecanismo de participação popular viabiliza a construção da cidadania e outros
espaços de participação popular com vistas a uma mudança cultural quanto à
participação consciente da população. A autora adota a metodologia qualitativa com
base na pesquisa-ação, já que é também agente participante da pesquisa e utiliza como
instrumento de pesquisa a observação e entrevistas.
Já nos estudos desenvolvidos por Marques (2007), analisam-se os significados
da gestão escolar democrática nas escolas públicas, através de práticas discursivas, no
intuito de compreender as mudanças geradas pelas políticas de
descentralização/democratização da educação e suas possibilidades de contribuir para
a democratização da sociedade. A autora traz como objeto de estudo a gestão
democrática escolar a partir da política educacional e dos conselhos escolares.
Bizerra (2008) apresenta uma análise sobre as concepções democráticas e traça
uma investigação de caráter teórico-documental sobre o processo de globalização e suas
implicâncias nas políticas educacionais, identificando os modelos de gestão que se
configuram na atualidade e as possibilidades de democratização das nossas instituições.
No trabalho desenvolvido por Santos (2009), buscou-se analisar a cultura como
um lócus de instauração do imaginário social brasileiro que produz e que também é
produto das significações que dão sentido à cultura escolar, interpretada pelo autor
como cultura “doméstico-clientelista”. Sendo assim, o autor busca como foco principal
de sua pesquisa estudar as significações imaginárias da sociedade a partir da escola,
sua ligação com as formas de poder político e as relações que são estabelecidas no seu
cotidiano. Nesse contexto a escola é percebida como parte constitutiva e formadora da
identidade social brasileira.
Souza (2010) analisou as significações imaginárias de democracia que
permeiam a gestão educacional e as dificuldades existentes para a efetivação da
democracia no município de Santa Cruz do Capibaribe e constata que existe um
11
discurso de gestão democrática, fortemente ligado à política de resultados. Além disso,
a autora ressalta que a cultura democrática desenvolvida pelos sistemas políticos que
conduzem a educação municipal se distancia dos valores democráticos de emancipação
e participação que terminam afastando os cidadãos dos processos de tomada de
decisões, principalmente nos assuntos pertinentes à escola.
Diante dos estudos apresentados, podemos observar que a democratização, além
de ser um processo complexo em nosso contexto social e institucional, ainda apresenta
obstáculos que não podem ser vistos superficialmente. Queremos dizer com isso que o
processo de democratização hoje é cada vez mais visto como aspecto que exige um
olhar aprofundado sobre a cultura e as singularidades locais.
De acordo com Candau (2001, p.9),
A instituição escolar está construída sobre a afirmação da igualdade,
enfatizando a base cultural comum a que todos os cidadãos e cidadãs
deveriam ter acesso e colaborar na sua permanente construção. Articular
igualdade e diferença, a base cultural e expressões da pluralidade social e
cultural, constitui hoje um grande desafio (...).
Nesse sentido, é preciso considerar não só os elementos políticos constitutivos
dos processos de gestão democrática, nem apenas penetrar no campo cultural e
considerar seus elementos mais amplos, mas também identificar as dinâmicas que se
processam nas relações pessoais, no cotidiano vivido. É nessa linha de investigação
que seguimos.
Algumas Considerações Sobre o Campo de Estudo
Em minhas experiências enquanto professora das séries iniciais do ensino
público, no município de Abreu e Lima, pude perceber contradições entre os discursos
políticos e as práticas vigentes nas relações de gestão da educação e escolar que nos
fazem refletir sobre qual democracia estamos vivenciando e sobre qual projeto de
sociedade almejamos. Na qualidade de técnica em gestão educacional da Secretaria de
Educação de Pernambuco, em atividades desenvolvidas e nas observações feitas a partir
de dados e visitas às escolas, pude perceber as dificuldades e conflitos gerados pelo
modelo de gestão gerencialista implantado pelo governo do estado e as práticas que vêm
sendo desenvolvidas no interior das unidades de ensino e de gestão da educação. Como
12
membro integrante do Sindicato dos Professores de Abreu e Lima (SINPROFAL),
fundado em 2011, observei, através das dificuldades enfrentadas pelo grupo e pela
resistência da administração municipal quanto à formação desse sindicato e de um
espaço político de lutas e discussões, que ainda existe um distanciamento entre o
discurso da democracia e a sua materialização. Essas vivências foram de fundamental
importância para o delineamento do objeto de análise da presente pesquisa.
É importante destacar que o município de Abreu e Lima apresenta algumas
particularidades que serviram de motivação para o desenvolvimento do estudo: por ser
um município com emancipação relativamente recente, o que nos permite analisar de
maneira mais precisa seus processos de formação política através da instituição escolar
via secretaria de educação (SEDUC) e pela ausência de estudos que analisem as
questões referentes às políticas de gestão educacional nesse município.
Em 1994, pela primeira vez, um quadro de professores efetivos tomou posse e
ingressou na carreira de magistério, aprovados no primeiro concurso público para
professores polivalentes do município. Com o passar dos anos, o aumento da população
no município e, consequentemente, de alunos, resultou na contratação de mais
professores em regime CLT. Apenas em 2008 foi realizado o segundo concurso público
para professores. Com o ingresso desses novos professores em 2010, boa parte dos
antigos professores com contratos temporários foram demitidos, muitos deles bem
próximos da aposentadoria, o que gerou uma sensação de revolta e injustiça por parte
dos servidores em educação da cidade. É importante salientar que a maioria dos
professores que exerciam suas funções no município não eram efetivos (concursados),
ou seja, uma situação que, segundo professores mais antigos, enfraquecia o poder
político da categoria e limitava o desenvolvimento de um campo político mais sólido e
ativo.
A presença de um novo quadro de professores efetivos trouxe algumas
transformações à realidade desse município, não só nas questões que envolvem
condições de trabalho e garantia de direitos, mas também no cenário político da cidade.
Em maio de 2011, insatisfeitos com a situação de desvantagem devido a salários,
condições de trabalho e espaço político, numa assembleia convocada pelo sindicato dos
servidores municipais da cidade, um grupo de professores foi eleito pela maioria para
representar uma comissão integrante no referido sindicato com vistas a estabelecer
algum diálogo com o governo local em prol dos direitos estabelecidos por lei à
categoria. Após algumas tentativas frustradas de negociação e diante de contradições
13
políticas entre a nova comissão e os representantes do sindicato dos servidores do
município, foi dado início a um processo de fundação de um sindicato de classe, o
que demarca, a nosso ver, um salto qualitativo no sentido da emancipação política
da classe docente no município, bem como o delineamento de uma “arena política”. É
importante destacar que durante os trinta anos de emancipação política, Abreu e Lima
ainda não possuía um sindicato de professores. Apenas a partir de 2011, após a
mudança do quadro de professores, surge a iniciativa de fundação de um sindicato de
classe.
O contexto de lutas políticas e contradições que se instalou no município a partir
do processo de fundação sindical tomou proporções mais amplas no contexto político da
cidade e nos fez refletir sobre o processo de democratização da educação nesse
município, por entendermos a relevância dessas questões para o desenvolvimento de
práticas democráticas condizentes com um projeto de sociedade mais justo. Nesse
sentido, compreendemos que não se esgotam as possibilidades e necessidades de se
mergulhar nessa temática, tendo em vista o caminho de contradições acerca das práticas
e processos de democratização, bem como as várias interpretações por que passa o
sentido de “democracia” em nossa sociedade.
Foi a partir da necessidade de identificar possíveis limites à construção de uma
gestão democrática condizente em suas práticas que delimitamos como objetivo geral
da presente pesquisa:analisar o processo de democratização da gestão educacional
do município de Abreu e Lima no tocante às ações/iniciativas materializadas com o
intuito de promover a partilha do poder entre a Secretaria de Educação e as
Escolas.Nessa direção, apontamos como objetivos específicos:
Investigar os influentes político-sociais da cultura nacional que perpassam
as relações sociais no interior da secretaria de educação do município;
Identificar as concepções de democracia, autonomia e participação expostas
pelos membros da unidade de gestão (secretaria de educação e escolas da
rede);
Analisar como as políticas de democratização têm influenciado e/ou se
materializado nas práticas de gestão através das concepções dos gestores
educacionais (secretário de educação e gestores escolares) e professores,
bem como as ações desenvolvidas a partir dessas relações.
14
Para atingir tais objetivos, consideramos necessário compreender como a
democratização da gestão já estabelecida legalmente vem se materializando nas
instituições de gestão da educação, quais sejam: a Secretaria de Educação e as Escolas.
Nos estudos apresentados anteriormente, pudemos encontrar uma forte presença
de aspectos tomados como categorias de análise, como participação, autonomia
democracia, entre outros. Assim, na presente pesquisa, buscamos refletir a respeito do
que está por trás das práticas de gestão educacional, o que fizemos tomando as
concepções de democracia, os discursos presentes e as relações interpessoais dos atores
que participam e que são corresponsáveis pelo processo de materialização das políticas
de educação e de democratização no município de Abreu e Lima.
A gestão democrática se constitui num dos maiores desafios da gestão
educacional e do ensino e, nesse sentido, torna-se relevante o estudo abordado nessa
pesquisa, à medida que se faz necessário compreender os impasses e possibilidades de
se avançar nessa temática, principalmente quando se refere ao aspecto cultural, por estar
intimamente ligado à constituição da concepção de democracia ou “democracias” que se
compõem ou se contrapõem no atual cenário político. Como já assinalamos, muitos
embates e pesquisas sobre a gestão democrática da educação no Brasil podem ser
encontrados, porém pouco ainda se tem discutido sobre qual democracia se propõe
diante das diferentes concepções da mesma. O enfoque no qual é discutida a gestão
democrática neste estudo nos possibilita compreender como a formação social
pode ser afetada pela concepção de democracia, cidadania e pelas políticas
públicas estabelecidas.
Nesse sentido, apresentamos alguns questionamentos que nos ajudam a orientar
nossas reflexões. São eles: Que ações têm sido planejadas e executadas pela gestão
educacional com vistas à concretização da democratização da educação no município
em análise? Qual tem sido o resultado das ações desenvolvidas pela SEDUC Abreu e
Lima no tocante à democratização do ensino? Como têm sido interpretadas essas ações
pela escola pública sob a ótica de gestores escolares e professores? Qual é a concepção
de democracia exposta pelos sujeitos inseridos nesse processo? As práticas
“democráticas” estão condizentes com o discurso exposto? Quais significações culturais
vêm orientando as práticas de gestão educacional?
A gestão democrática estabelecida legalmente representa um avanço nas
possibilidades de democratização educacional e escolar, embora ela não possa ser
considerada como um receituário que orienta como se deve agir nas diversas situações
15
vivenciadas quanto a sua regulamentação. Nessa direção, a legislação nacional
estabelece marcos macropolíticos, mas compreendemos que as práticas se efetivam no
âmbito micropolítico, ou seja, é nos aspectos microssociais que podemos apreender
como as práticas se materializam na realidade de seus contextos. Sendo assim, é sob
essa ótica que analisamos a gestão educacional e escolar numa perspectiva democrática
em seus aspectos mais peculiares, com o intuito de apreendermos suas limitações e
possibilidades de avanço.
Compreendemos que o desenvolvimento de práticas democráticas é fundado na
liberdade e autonomia dos sujeitos que, no gozo de seus direitos podem de maneira
consciente intervir e reconstruir suas próprias leis e sua própria realidade de acordo com
suas necessidades (CASTORIADIS, 2002). Nessa direção,“a gestão democrática ocorre
na medida em que as práticas escolares sejam orientadas por filosofia, valores,
princípios e ideais conscientes, presentes na mente e no coração das pessoas,
determinando o seu modo de ser e de fazer” (LUCK, 2011, p. 41). Para esse fim,
acreditamos que se faz necessário que as relações de poder, sejam pautadas na interação
dialógica e na reconfiguração de práticas autoritárias e centralizadoras de poder.
Para o desenvolvimento do estudo proposto, delimitamos como lócus da
pesquisa a Secretaria de Educação do Município do Abreu e Lima-PE. Buscamos um
aporte teórico que embasou nossa pesquisa a partir dos aspectos citados acima, enfatizar
algumas categorias como: democracia, autonomia, relações de poder, gestão
educacional.
Dessa forma organizamos nosso trabalho em quatro capítulos. No primeiro
capítulo apresentamos uma análise sobre o conceito de democracia e seus princípios
fundantes; em seguida trazemos as características da atual democracia, baseada nos
princípios do Estado liberal e suas implicações nas políticas públicas, especialmente nas
políticas educacionais; salientamos algumas perspectivas de modelos democráticos de
gestão como base para uma construção educacional mais justa e participativa; nessa
perspectiva ressaltamos a necessidade do compartilhamento do poder no âmbito social e
educacional, tomando a gestão da educação como um espaço que deve ser ocupado pela
coletividade com vistas à democratização da educação e da sociedade.
No segundo capítulo apresentamos uma abordagem sobre o poder e seus
mecanismos de dominação. Tomamos como base para a compreensão da instituição
educacional e escolar a análise micropolítica através das relações de poder que se
estabelecem nas instituições. Nosso intuito no estudo das relações de poder foi o de
16
compreender a cultura que se manifesta no contexto institucional e principalmente na
instituição educacional enquanto arena política, através das suas peculiaridades, da
dinâmica do dia a dia, das relações interpessoais e dos conflitos inerentes a essas
relações. Buscamos enfatizar a gestão educacional e escolar como um espaço político
no qual o compartilhamento do poder pode contribuir significativamente para a
democratização escolar e exercício da cidadania.
O terceiro capítulo trata do caminho metodológico da nossa pesquisa empírica,
seus fundamentos e procedimentos. Nessa direção, desenvolvemos uma pesquisa
qualitativa do tipo estudo de caso. Fizemos uso de análise de conteúdos para o
processamento dos dados coletados e para o aprofundamento da nossa pesquisa
documental. Fizemos uso ainda de entrevistas semiestruturadas e observação
participante para uma melhor compreensão do nosso objeto de estudo. Ao longo do
capítulo apresentamos as características políticas do município em análise bem como do
nosso lócus de pesquisa.
No quarto capítulo, apresentamos a descrição e análise dos dados coletados.
Procuramos, a partir dos documentos que norteiam as práticas e ações da SEDUC e
sindicato dos professores, confrontar a realidade vivenciada no município com as
determinações legais no tocante à gestão democrática da educação. Buscamos também
apreender a concepção dos sujeitos envolvidos nesses processos nos aspectos referentes
à democracia, gestão democrática, relações de poder e participação. O esforço na síntese
das análises apresentadas bem como a reflexão sobre o contexto analisado nos permite
uma maior aproximação com a realidade vivenciada no contexto educacional do
município, ampliando nossa compreensão sobre os aspectos limitadores de uma
construção democrática na gestão educacional e escolar que valorize a participação e
compartilhamento do poder entre a população.
17
CAPÍTULO 1. DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO: DA RAZÃO À AÇÃO
A gestão democrática da educação no Brasil tem sido amplamente discutida e
pesquisada nos meios acadêmicos e órgãos centrais dos sistemas de ensino. Contudo é
ainda incipiente, no âmbito de tal debate, uma reflexão sobre qual democracia se
propõe, frente às várias modalidades da mesma. Buscando a contextualização da
temática e considerando sua relevância para o avanço da qualidade no nosso sistema de
ensino, partimos de uma análise sobre as diferentes acepções em torno do termo
democracia que surgem de acordo com os contextos históricos a que são relacionadas.
Duriguetto (2007) apresenta uma análise sobre o conteúdo da democracia na
tradição liberal. Bobbio (1986) faz referência ao que chama de concepções mínimas
para o desenvolvimento de uma democracia substancial, trazendo suas reflexões sobre a
atual situação da democracia. Procuramos abordar ainda, de maneira breve, outras
concepções trazidas sob a ótica de outros autores como forma de apresentar novas
tendências democráticas que emergem na contemporaneidade, objetivando uma possível
superação de práticas democráticas desarticuladas presentes hoje em nossa sociedade e
principalmente nas políticas e práticas de gestão da educação. Segundo Silva (2010):
é frente a esse horizonte ético-político que são contrapostos “modelos” de
democracia para se investigar a gestão da educação. Os modelos são
reapresentados no sentido de indicar formas de democracia que têm sido não
apenas concebidas filosoficamente, mas também historicamente construídas e
que têm sido apresentadas como “paradigmas” da gestão democrática (op. cit.
p.35)
Os modelos de democracia apresentam concepções ético-políticas muitas vezes
divergentes, exigindo práticas de gestão democrática diferenciadas, o que contribui para
gerar, em muitas situações, a negação da própria essência democrática. É através dos
modelos de democracia que a gestão das políticas públicas e, mais especificamente, as
políticas de educação encontram suas bases de materialização.
1.1. Os sentidos da democracia
O termo democracia, em seu sentido epistemológico, significa “o governo do
povo”, ou “governo da maioria” (ROSENFIELD, 1984, p. 3). Foi na Grécia Clássica
que teve início o processo democrático, um regime que tinha como essência a soberania
18
que, por sua vez, ultrapassava as barreiras do transcendental para encontrar sua base na
autonomia e liberdade humana, um sistema político reconhecidamente auto-instituído e
que deu origem à filosofia. Para entendermos melhor o surgimento da democracia
clássica, apoiamo-nos em Castoriadis (2002). Ele ressalta que o processo de instauração
da democracia se deu em oposição à heteronomia, em que considera como sociedade
heteronômica aquela caracterizada pelo “fechamento da significação”, ou seja, qualquer
questionamento que possa ser colocado nessa sistemática se encerra nela mesma. Isso
significa uma negação da essência das criações ou do imaginário criativo autônomo, das
instituições imaginárias da sociedade, em que a resposta para o que está posto se encerra
na transferência para o transcendental ou divino. Nessas sociedades não se reconhece
que as leis são obras das instituições sociais e coletivas, o que dificulta que sejam
transformadas. De acordo com o autor, é na Grécia, no período de criação da polis e na
Europa Ocidental que ocorre a ruptura desse fechamento:
Essa ruptura, que é ao mesmo tempo uma criação histórica, implica uma
ruptura do fechamento da significação, tal como ela é instaurada nas
sociedades heteronômicas. Ela instaura ao mesmo tempo, a democracia e a
filosofia. (CASTORIADIS, 2002, p. 187).
Nessa perspectiva, a “ruptura do fechamento” significa a abertura de
questionamentos e institui a verdadeira filosofia que exclui o caráter determinista, exato
e limitador que antes não poderia ser posto em questão. É esse movimento que instaura
a democracia, pois:
Em sua verdadeira significação, a democracia consiste no fato de que a
sociedade não para numa concepção do que é justo, igual ou livre, dada uma
vez por todas, mas se institui de tal maneira que as questões da liberdade, da
justiça, da equidade e da igualdade possam sempre ser colocadas no quadro
do funcionamento “normal” da sociedade. [...] diz respeito à instituição
explícita global da sociedade, e às decisões concernentes a seu futuro (op. cit.
p. 187).
Dessa forma, entende-se a democracia como uma auto-instituição pela própria
coletividade e reconhecida por ela, é esse movimento que dá sentido ao ideal de
democracia, de acordo com o autor.
Rosenfield (1984) acrescenta que a democracia na antiguidade grega era uma
forma de governo entre outras duas: “a monarquia ou governo de um só” e a aristocracia
ou “governo de alguns” (op. cit., p. 3).
19
Quando nos reportamos ao seu significado mais abrangente: “governo do povo”
ou “da maioria”, o termo democracia sempre esteve relacionado à participação do povo
na tomada de decisões na vida pública. Embora existissem duplicidades em relação à
“participação de todos”, não podemos deixar de considerar que em uma democracia a
soberania popular se faz sempre necessária e essa participação, por sua vez, não
acontece sem que haja a liberdade e autonomia do povo. Rosenfield (1986) esclarece
que a questão filosófica ligada à escolha da melhor forma de governo na antiguidade
não estava fundamentalmente ligada ao critério apenas quantitativo, pois o próprio
reconhecimento do termo “maioria” se restringia ao cidadão politicamente reconhecido,
excluindo do processo de cidadania aqueles sujeitos que se dedicavam à reprodução de
trabalho braçal ou à realização de uma atividade material. Nesse sentido, a própria
escravidão, considerada inaceitável aos olhos da modernidade para o mundo ateniense,
não feria aos princípios da moral e da política. Sendo assim, a questão central na
democracia grega estava ligada aos valores que fundamentariam suas leis, suas regras e
procedimentos, ou seja, o valor da lei esteve fundamentalmente ligado à filosofia
política clássica.
De acordo com Chauí (2001) a questão filosófica da democracia clássica está
ligada à noção de liberdade, que garante ao cidadão sua participação no poder.
Na democracia, o valor dos valores é a liberdade e é ela quem determinará a
natureza da igualdade ou da realização da justiça. O que caracteriza a
igualdade democrática e a diferencia das demais em outras sociedades (como
as aristocráticas e as monárquicas) é a afirmação de que todos os membros do
demossão absolutamente iguais porque todos são livres. É esta igualdade
absoluta (que não é econômica, mas social e política) que permite a
democracia, isto é, o poder do demos (op.cit., p.207).
Seguindo essa lógica, de acordo com Castoriadis (2002), a liberdade e
autonomia se fazem essenciais ao princípio político da democracia que, por sua vez,
está ligada à liberdade do indivíduo, e é essa autonomia, essa liberdade e esse
reconhecimento consciente do auto-instituído que fazem surgir pela primeira vez nas
sociedades gregas também e, com mais intensidade, no mundo ocidental moderno, a
ruptura que viabiliza a criação do processo democrático.
O autor ressalta ainda como fundamental que num processo de democracia essa
liberdade esteja assegurada por uma lei que permita ao indivíduo estabelecer e definir
suas significações, normas e valores que orientarão suas vidas.
20
De acordo com Marques (2007) “(...) a justiça como igualdade exige uma
ordem jurídico-política que tem como base e exigência, o respeito recíproco às
diferenças de grupos e indivíduos” (op. cit.p. 33).
Na perspectiva de uma definição mínima de democracia, Bobbio (1986) afirma
que a maneira mais legítima de compreender a democracia e contrapondo-a com as
demais formas de governo, é aproximá-la, ou melhor, associá-la a um conjunto de
regras. Dessa forma “por regime democrático entende-se primariamente um conjunto de
regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e
facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (op cit.).
Tomando como regra central da democracia a “maioria”, no sentido de tomada
de decisões, o autor chama a atenção para esse aspecto, salientando que para uma
definição mínima do que acredita ser democracia em sua essência, não basta apenas que
lhe atribua a condição de uma maioria dos cidadãos ligados ao processo decisório, bem
como a existência de regras para esse procedimento, o que aqui julgamos também
necessário. No entanto, além desses atributos, é fundamental que outra condição incida
sobre o princípio democrático, qual seja: a possibilidade de reais alternativas,
embasadas em reais condições de poder, pois só munido desse poder, o cidadão terá a
condição para deliberar sobre suas escolhas e decisões. Nesse sentido, os cidadãos
envolvidos direta ou indiretamente no processo democrático necessitam gozar dos
direitos à liberdade de expressão, opinião e, sobretudo, de liberdade de associação, ou
seja, de poder, em conjunto, decidir sobre os problemas comuns. Esses direitos devem
decorrer do estado de direito que permita, mas que também limite o exercício do poder
do estado aos direitos “invioláveis” dos indivíduos. Segundo Bobbio (1986),decorrem
daí os pressupostos necessários aos procedimentos que fundamentam o regime
democrático e permitem seu desenvolver. Desse modo, se o efetivo funcionamento de
um regime democrático só se faz possível se baseado no âmbito legal, o poder e o
direito andam juntos e uma contraposição entre o governo das leis e o governo dos
homens não representa uma democracia justa (op. cit). Logo, quando nos referimos a
um governo de leis, estamos priorizando que essas leis sejam capazes de estabelecer seu
próprio modo de produção, respeitando não só os direitos e deveres dos governados,
como também estabelecendo normas que vinculem a todos, governantes e governados.
“Um ordenamento deste gênero apenas é possível se aqueles que exercem o
poder em todos os níveis puderem ser controlados em última instância pelos
possuidores originários do poder fundamental, os indivíduos singulares”. (BOBBIO,
21
1986, p. 13). Tal fundamento difere da concepção individualista de sociedade que
repousa sobre o ideal liberalista. Enquanto o liberalismo prega o individualismo como
liberdade, excluindo os indivíduos do seio das lutas comuns e sociais, a democracia
preza pela união social em prol de suas causas, viabilizando a construção de um poder,
não tirano como se constrói no liberalismo, mas compartilhado.
1.2. A democracia na teoria liberal
Com a chegada do Estado Liberal, ganha evidência a democracia representativa,
em que o poder é delegado a um representante, eleito democraticamente através do voto
e que por sua vez assume a responsabilidade de atender às demandas da população. Essa
nova forma de democracia tem, como base teórica, os fundamentos do Estado Liberal
democrático e da moderna cidadania. Dessa forma, os princípios da democracia grega
são reinterpretados e vinculados a valores liberais, relacionados às teorias
contratualistas e ao processo capitalista. Nesse sistema democrático, o valor ético-
político está ligado ao princípio da igualdade de posses de direitos civis, em que a
igualdade de oportunidades se dá através da capacidade individual e não da
coletividade.
De acordo com Duriguetto (2007), é através dos fundamentos da igualdade dos
direitos individuais que a ordem política passa a ser consolidada e interpretada sobre a
natureza humana. Dessa forma:
Rompendo com as concepções de homem tanto da tradição judaico-cristã –
que o concebia como criatura divina inserido em uma comunidade que se
submete à vontade de Deus – quanto da tradição aristotélica que o concebia
como animal político inserido em uma comunidade voltada para a elaboração
intersubjetiva da sociabilidade – o homem passa a ser concebido como ser
natural, racional e individualizado, que age movido por paixões e interesses
(op. cit.,p.34).
Nessa perspectiva, o homem passa a ser interpretado como proprietário de suas
capacidades e suas posses determinam sua liberdade, soberania e potencialidades.
Assim surge a democracia moderna, baseada em uma sociedade civil, de relações livres
de trocas, na qual quem detém o poder o tem como uma relação de riqueza.
Para Bobbio (1986), através da concepção liberal são fixadas as regras
fundamentais da democracia atual, contrapondo ao que determina por estado e não-
22
estado (sociedade religiosa) os grupos de formação da sociedade civil. Nessa lógica, o
estado deixa de ser o braço secular da igreja para ser o braço secular da burguesia
mercantil e empresarial.
A essência ético-política e moral que fundamenta o Estado Liberal e seu
pensamento político – regulamentação das relações sócio-políticas – consiste no poder
adquirido a partir do mercado que é assegurado pela capacidade de o indivíduo
conquistar o poder individual para dominar o outro. Nessa direção, surgem os conflitos
de interesses gerados pela disputa de poder que gera a insegurança dos indivíduos. Essa
ameaça constante de guerra e de perda de segurança e de liberdade na esfera privada
conduz os indivíduos a um “estado de natureza”. Duriguetto (2007) pontua que a partir
dessa lógica surge a necessidade de estabelecimento de regras como um contrato que
produza um efeito de proteção dos direitos individuais e de convívio social que seja
capaz de subordinar politicamente a sociedade através da transferência de seus poderes
e direitos a uma esfera superior, a um poder soberano, ou seja, ao Estado. Assim cria-se
uma sociedade política (contrato legítimo de poder em defesa das relações de troca de
mercado e de manutenção da ordem) com objetivo de proteger legitimamente a
sociedade civil (sociedade com relações baseadas no individualismo e no poder de
mercado) de seu estado de natureza (conflitos advindos do próprio sistema capitalista
liberal que se baseia em lutas pelo poder, competição e ameaça aos bens naturais de
direito) (op. cit.).
Ainda de acordo com o pensamento da autora, o problema que se apresenta com
o ordenamento político liberal consiste na formação desse contrato social, que ao
regulamentar as relações sócio-políticas e assegurar ao Estado soberania total não cria
princípios claros que vinculem esse poder ao compromisso constante com a coletividade
e com a delimitação de sua própria ação. É nessa perspectiva que a esfera política liberal
constitui seus governos como garantia de liberdade de ação da sociedade civil e de
proteção e manutenção de seus direitos naturais (bens, propriedades e liberdade de
ação).
Nessa direção, Bobbio (1986) afirma que a essência democrática liberal
concentra-se na proteção dos interesses privados e da economia de mercado e enquanto
teoria política está reduzida ao estado mínimo, o que significa uma mínima intervenção
estatal na garantia de direitos coletivos, limitando a participação democrática da
coletividade aos momentos de escolha de representantes.
23
À medida que os procedimentos do ideário liberal envolvem os sujeitos na busca
pelo poder e ascensão individual, afasta-os da coletividade e das lutas necessárias ao
bem comum, que se constroem a partir da efetiva participação popular e pela tomada
pelo poder dessa coletividade. É dessa efetiva participação popular que se constitui o
conceito de cidadania e é a tomada do poder pela coletividade que conduz à soberania
popular. Bobbio (1986) defende que se faz necessária uma reviravolta no
desenvolvimento das instituições democráticas, que vai do estado à sociedade. Para o
autor, não basta que aconteça a democratização do estado, pois essa democratização, se
considerarmos a instituição de parlamentos, já existe. Nesse sentido é indispensável que
aconteça de fato, a democratização que atinja a sociedade e para isso, as instituições
como empresas, escolas, famílias, gestão dos serviços públicos, sejam tocadas
democraticamente. Ainda de acordo com o autor, os dois principais centros de poder,
tanto a empresa, quanto a administração pública não sofreram efetivo processo de
democratização e o que pode garantir, hoje, um grau de desenvolvimento democrático
não está mais ligado a critérios de maioria ou de direito ao voto, pois essas barreiras já
foram superadas, mas sim ao espaço de atuação e desenvolvimento de práticas políticas
pelos cidadãos (op. cit). Para isso é preciso que o espaço público, até agora ocupado por
organizações de tipo burocrática ou hierárquica, seja ocupado pelo povo e, nessa
perspectiva, aconteça a organização de novos ideais políticos.
1.3. Uma busca pela superação
Hoje, no Brasil, vivemos um momento histórico no qual a população, de uma
forma mais significativa, começa a exigir do estado o que seria seu dever, ou seja,
garantir os direitos comuns à população, tais como educação e saúde. Em paralelo a esse
clima de insatisfação que transborda na atualidade brasileira, estão os crescentes casos
de escândalos políticos de corrupção, que através dos novos e eficazes meios de
comunicação circulam instantaneamente a nível mundial e fazem surgir um movimento
de mal estar geral. Tais acontecimentos trazem à tona problemas que há muito tempo
vêm sendo mascarados pelas formas de governo democrático liberal e hoje provocam o
desgaste da população. Entendemos esse movimento popular massivo que toma as ruas
no Brasil como um momento de luta da população para tomar o poder ao seu controle e
ocupar seu espaço público de direito.
24
Gerbaudo (2013) defende uma estrutura formal que legitime os movimentos
sociais e afirma que a essência da luta que emerge hoje, no Brasil, é por uma nova
forma de democracia, e para isso acontecer é preciso que haja a abertura de novos
mecanismos de controle social sobre as ações políticas. Gerbaudo defende ainda que se
instaurem novos instrumentos de democracia direta que viabilizem novas formas de
participação, e que para isso, os diversos interesses da sociedade devem ser defendidos
de maneira organizada. Dessa forma o autor acredita que é através da ação social
organizada que se podem construir novos caminhos para atingir a justiça democrática e,
nesse sentido, defende a importância da atuação dos partidos políticos como mediadores
nas lutas pelos direitos coletivos: “A política é uma obra coletiva, não um agregado de
indivíduos. São blocos diferentes que interagem. Para isso, você precisa dos partidos.
Eles sempre existiram e sempre vão existir” (op.cit., pág. 53).
Sendo assim, colocamos como uma das questões da democracia a construção de
uma relação em quea população assuma o controle do poder exercendo de fato a sua
cidadania.
Bobbio (1986), refletindo sobre os sentidos da democracia, apresenta uma
contradição entre o que seria uma democracia ideal e a democracia real – que temos
hoje – e evidencia o que chama de “promessas não cumpridas” pela democracia
moderna. Dentre os vários princípios democráticos não cumpridos, conforme já
explorado, o autor chama a atenção para a questão do exercício do poder ou “poder
invisível” como um valor maior da democracia e que consiste num grande desafio. É
exatamente no modo como esse poder é exercido, em sua transparência, que devemos
nos deter: “Enquanto a presença de um poder invisível corrompe a democracia, a
existência de grupos de poder que se sucedem mediante eleições livres permanece, ao
menos até agora, como a única forma na qual a democracia encontrou a sua concreta
atuação” (op.cit., p.11).
O autor coloca os partidos políticos como únicos e legítimos elos da democracia,
ou seja, são instituições políticas que funcionam como elo entre os indivíduos e o
estado, e é através de seus movimentos que devemos nos apoiar como espaços de poder
para as lutas pela real democratização das nossas instituições e da nossa sociedade.
Outra promessa da democracia moderna, não cumprida, analisada por Bobbio
(1986) consiste na educação para a cidadania. Nesse sentido a educação seria um meio
de construção e efetivação dos princípios democráticos “segundo a qual o
cidadão,investido do poder de eleger os próprios governantes, acabaria por escolher os
25
mais sábios, os mais honestos e os mais esclarecidos dentre os seus cidadãos” (op.cit., p.
11).
Por fim, compreendemos a educação para a formação cidadã como um grande
desafio enfrentado na atualidade, uma possibilidade real de participação social e
transformação política que seja capaz de garantir uma justiça social. A ela nos
deteremos como fator fundamental pelo sucesso ou fracasso de um construto social
justo e igualitário.
1.4. Educação e democracia
As instituições educacionais, bem como as demais instituições sociais,
exprimem o modelo político ao qual pertencem e, dessa forma, sevem como
mantenedoras ou reprodutoras da ordem vigente. Tomando a educação como um dos
pilares para a construção do exercício da cidadania, bem como ao desenvolvimento de
uma cultura política e social, compreendemos que a escola enquanto instituição política
pode exercer uma função social voltada para a construção da justiça social. Sendo
assim, à educação, compete uma parcela considerável na construção de um projeto de
democracia que se faça através da participação comunitária e de sua atuação na
participação da gestão.
Silva (2010)vai além do pensamento puramente ideológico quando reflete sobre
as questões ético-políticas das perspectivas ou modelos democráticos direcionados para
a educação:
A questão que se coloca, então, é a de investigar as possibilidades de se ir
além destas concepções, resgatando dimensões da vida democrática que
escamoteiam, sobretudo no sentido de descortinar formas de gestão da
educação comprometidas com a soberania popular e com o papel integrador
do Estado numa democracia (op cit., p. 33).
Ao analisar a gestão da Educação, seja no âmbito escolar ou no sistema
municipal de ensino, faz-se necessário uma reflexão sobre o contexto político e social
mais amplo, especificamente as políticas educacionais por estarem inevitavelmente
ligadas, pois é a partir da gestão que se concretizam ou não as ações propostas pelas
políticas. A importância dada à gestão na presente pesquisa justifica-se pela força
transformadora que esta pode vir a desempenhar na constituição desse novo modelo de
política. Para Ball (2001, p. 108):
26
Durante os últimos vinte anos, a gestão tem sido um mecanismo chave tanto
na reforma política, quanto na reengenharia cultural no setor publico dos
países do norte. Tem sido a forma principal através da qual se tem
reconfigurado a estrutura e a cultura do serviço público.
Podemos dizer que a gestão pode exercer forte influência de transformação, não
só de um modelo de política, mas também na construção de uma nova cultura que possa
favorecer ou não uma ação mais democrática e influenciar as relações de poder que se
estabelecem dessa prática. Nesse sentido, investigar a gestão educacional significa
indagar sobre o tipo de sujeitos que se pretende formar e como se dará esse processo.
Somos fruto de um construto social e cultural que resulta das interações sociais,
políticas e econômicas que vivenciamos, mas é claramente possível que também
possamos planejar de forma democrática o que pretendemos ser, ou seja, construir uma
identidade coletiva. Para isso, contamos com as políticas públicas que devem ser
desenvolvidas no sentido de apoiar tais projetos. Nesse sentido, Habermas (1999 apud
SILVA, 2010, p.33) afirma que:
O problema ético político mais básico da democracia refere-se à
possibilidade de se conceber um ponto de vista comum e compartilhado, que
supostamente permitiria uma avaliação imparcial das questões a serem
decididas coletivamente, o que tem sido denominado de “ponto de vista
moral”.
Nessa direção, refletimos a possibilidade de chegar a um consenso diante de um
universo de racionalidades diversas, tomando como referência os espaços escolares e as
políticas de educação, de se construir um caminho viável a um projeto comum de
educação e de sociedade e, além de tudo, de como garantir que tais determinações sejam
respeitadas e até mesmo moldadas diante das necessidades coletivas.
Estêvão (2006), em uma análise sobre as formas de democracia para a educação,
apresenta as características da democracia deliberativa, na perspectiva de Habermas e a
comunicativa como outro modo de ver a democracia e a própria política. O autor
considera a democracia deliberativa como:
Ideal intuitivo de uma associação democrática cuja justificação assenta em
argumentos públicos e racionais entre cidadãos iguais. Ou seja, quer as
instituições, quer as decisões só serão legítimas quando recebem a
concordância dos implicados, num procedimento democrático em
circunstâncias de participação livre e igual (op. cit. p. 88).
27
O autor identifica como um ponto a ser superado o fato de que nessa forma de
democracia corre-se o risco de privilegiar grupos com maior prestígio simbólico e
material, por esses grupos dominarem as habilidades argumentativas e também de o
argumento não ser a única forma de se exercer um poder. Como modo de superação
dessa lacuna o autor defende a democracia comunicativa como uma forma que detém
muito da democracia deliberativa, mas que a complementa no sentido de considerar e
aceitar a diferença do outro no processo de igualdade de oportunidades. Dessa forma, o
autor defende que:
Na democracia comunicativa, então, a interação comunicativa não omite a
diferenciação dos sentidos que os actores atribuem aos problemas, aos
interesses, às próprias coisas, ao bem comum, nem esquece as suas diferentes
posições sociais. E é esse reconhecimento da diferença e do que não é
comum que desafia a própria argumentação e que leva a invocar a justiça e a
“reciprocidade assimétrica” entre perspectivas dos sujeitos, uma vez que cada
um tem a sua história que “transcende a copresença de sujeitos em
comunicação” e cada posição social é estruturada pela configuração de
relações entre outras posições, o que dá a cada locação um sentido específico
e irreversível Young (1977 apud ESTÊVÃO, 2006, p.90).
Hoje, a Constituição Federal de 1988 e a Nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação asseguram aos nossos sistemas estaduais e municipais de ensino novos
mecanismos democráticos que permitem que nossas escolas vivenciem formas mais
participavas como a gestão colegiada, a descentralização administrativa, eleições para
diretores e crescentes graus de autonomia escolar. Tais mecanismos, embora
desarticulados, representam uma possibilidade de abertura política para uma nova
construção educacional. É nesse sentido que defendemos a democratização da gestão
educacional e da escola para que seja possível a participação efetiva da comunidade
escolar nas tomadas de decisão e compartilhamento do poder.
A questão que se coloca agora é de como atuar nesses espaços de forma
democrática e garantir nossos direitos. É diante da concepção democrática comunicativa
que Estêvão (2006) acredita ser possível uma maior abertura da participação de todos,
em suas diferenças, para atuarem coletivamente num espaço público, e é essa
comunicação, entre perspectivas diversas, que garante a condição de publicidade onde
os sujeitos ampliam a visão dos processos sociais, reforçando o exercício regulatório da
comunidade e fortalecendo a cidadania. Desse modo acreditamos que a democracia
comunicativa pode alargar a noção de espaço público, que surge, contudo, além da
argumentação intersubjetiva, na notoriedade do outro enquanto ser, o que pode refletir
28
numa justiça social indispensável às formas democráticas, especialmente nas políticas
de gestão da educação e da gestão democrática e participativa como espaço privilegiado
de interação.
Nessa perspectiva, a participação dos usuários na gestão escolar reflete-se como
um instrumento ao qual a coletividade necessita ter acesso para que seja possível o
exercício da cidadania. É assim que, para Bobbio (1986), pode acontecer o processo de
democratização das nossas instituições e, paralelamente, da nossa sociedade,
ultrapassando os limites da democracia política para a construção da democracia social.
Nesse sentido se torna indispensável que se questionem as normas legais das políticas
de gestão, dentro e fora das escolas, pois:
A formulação de qualquer hipótese sobre a gestão democrática envolve
sempre um pressuposto ético-político que nem sempre vem explicitado. Não
se pode partir da ideia ingênua de que a concepção de democracia com a qual
se trabalha é consensual ou é a única possível ou a melhor que se tem. É
necessário justificar isso e, fazê-lo, estar-se-ia argumentando no âmbito ético-
político ou ideológico (SILVA, 2010, p. 51).
Nessa direção, a normatividade dominante da escola deve ser analisada para que
possamos compreender como a escola atua em sua dinâmica, como ela regula e se é
regulada pela coletividade. Ou seja, observar essa instituição em sua dimensão
normativa significa questionar o que e como essa escola tem agido para legitimar sua
democratização; significa compreender como esse espaço tem sido utilizado pela
coletividade para seu domínio, se existe o domínio da coletividade nesse espaço. Esse
entendimento permite a identificação da democracia que está sendo desenvolvida na
escola para poder transformá-la ou desmascará-la. Em uma sociedade capitalista, a
democracia pode assumir várias formas, mas cabe a nós, através da análise normativa,
identificar até que ponto a gestão da escola tem ignorado ou criado formas de superação
de uma ordem excludente que se oculta no modelo econômico de reprodução cultural,
através de suas ações. Trata-se de investigar sobre como e se a política educacional tem
contribuído para o fortalecimento da ação coletiva e formação de uma sociedade
efetivamente democrática em sua forma e conteúdo; é acima de tudo, inquerir sobre a
real tomada do público no seu lugar e ao seu poder.
29
Daí a importância de se analisarem as dimensões éticas e políticas,
principalmente quando queremos entender a gestão democrática da educação. Por esse
motivo, passaremos, no próximo capítulo, a analisar o poder nas organizações.
30
CAPÍTULO 2. O PODER NA ORGANIZAÇÃO
Com o crescimento das demandas sociais, paralelamente as instituições e
organizações ganham mais relevância nos contextos sociais; à medida que esse
crescimento se intensifica, pouco a pouco as organizações que mantinham um conjunto
de estruturas técnicas contínuas e rotineiras passaram a necessitar de estruturas técnicas
de trabalho mais dinâmicas e cada vez mais específicas, o que desencadeia uma
diversidade de atividades e divisão de trabalho e, consequentemente, intensificam-se os
conflitos interpessoais e nas relações de poder.
O poder é um fenômeno já discutido amplamente nos contextos organizacionais;
com o aumento e complexidade que ganharam as organizações sociais e principalmente
com o surgimento da gestão democrática politicamente instituída, faz-se cada vez mais
necessário discutir e compreender acerca das relações de poder que se estabelecem nas
organizações. Trazendo nosso olhar para a instituição da gestão educacional, Botler
(2009) ressalta que uma gestão democrática passa pela ressignificação das relações de
poder, é através de relações crítico-dialógicas e argumentativas que se torna possível um
delineamento das relações emancipatórias.
Nesse sentido, buscamos nos apropriar de um breve aporte teórico que verse
sobre a análise das relações de poder nas organizações com o intuito de compreender as
possibilidades e perspectivas de avanço para análises nesse campo. Dentro dessa
perspectiva apontamos os estudos desenvolvidos por vários autores, dentre eles
Friedberg (1993), Bourdieu (1989), Foucault (1988) e Weber (1999), num diálogo
teórico visando um aprofundamento na perspectiva analítica sobre o poder e suas
formas de dominação na organização.
Para Friedberg (1993) é possível fazer duas leituras dos anos 80 (momento em
que os estudos organizacionais ganham força); a primeira, que aponta os limites que os
processos tradicionais burocráticos apresentam para o desenvolvimento da eficácia nas
organizações sociais e a segunda, que aponta a necessidade de organização, sem a qual
não seria possível atingir o bom desempenho das atividades coletivas nas organizações.
Nessa perspectiva, ressalta-se a condição fundamental da dimensão organizacional para
o desenvolvimento das ações. O autor salienta a importância da dimensão
organizacional para a estabilização das complexas relações humanas que, por sua
natureza, são conflituosas e instáveis e acredita que a partir dessa dimensão seja
31
possível estabelecer um equilíbrio e uma interação social no ambiente organizacional
que viabilizará a construção da cooperação entre os indivíduos e a coordenação das
ações coletivas, mesmo se tratando de racionalidades diferentes. O autor aponta ainda
que a construção dessa organização capaz de estabilizar o universo conflituoso nas
relações humanas pode se operar de maneira diferente, de organização para organização
e de acordo com suas peculiaridades, mas que reside nessa construção o problema
central de toda organização. Dessa forma compreende-se que esse problema, pela
inevitável instabilidade nas relações coletivas, esteja sempre presente, o que reflete a
necessidade da constante busca de uma construção edificante nos contextos
organizacionais.
Sendo a organização um ambiente de instabilidade e sendo a especificidade
desse problema o cerne para sua regulação, Friedberg ressalta que a análise e
compreensão dessa especificidade se torna a questão central da reflexão organizacional.
Nesse sentido:
O fenômeno organização aparece, então, como o resultado contingente e
sempre provisório da construção de uma ordem local cujas características
relativamente autônomas estruturam a capacidade de ação coletiva dos
interessados. Ele é, ao mesmo tempo, continente e conteúdo, estrutura e
processo, obrigação para a ação humana e seu resultado. (1993, p. 11).
O autor destaca ainda a necessidade de se compreender a ação humana através
dos seus objetivos e efeitos, ou seja, o resultado que essas estruturas geram e em que
novas posturas e procedimentos resultam. Parte daí o cuidado de não se fragmentar a
análise sobre as organizações, como frequentemente se observa nos estudos sobre o
tema que tendem a separar o foco de análises ou abordá-las como um conjunto de
estruturas delimitadas ou como uma análise das ações coletivas, de derivação mais
espontânea, com estruturas fluidas e informais, implícitas nas relações humanas. Essa é
uma preocupação constante na abordagem de Friedberg, que propõe uma análise
organizacional que implica numa observação mais profunda e geral remetida a uma
esfera política das ações e seu potencial de mudança.
Sobre esse aspecto Cappelle, Melo e Brito (2005) trazem em um ensaio teórico
uma análise que, a princípio, compreende os estudos organizacionais conforme dois
paradigmas: o funcionalista (paradigma compreendido como dominante) e o
estruturalista (crítico), visando facilitar a compreensão da análise sobre as organizações
32
e por reconhecer o caráter predominante dessas abordagens na produção científica.
Embora ambas as abordagens apresentem divergências entre si, os autores trazem suas
características como referências para a base dos estudos sobre o poder. Nessa direção,
chamam a atenção para a forma como a produção científica da área trata as questões
referentes ao poder e aos modos de análise organizacional que tendem à separação de
categorias analíticas que resultam na fragmentação da análise em sua totalidade. Os
autores propõem-se ao estabelecimento de pontes teóricas que interliguem as
abordagens funcionalista e estruturalista ou crítica, como forma de obter uma
construção teórica mais completa para a análise organizacional, que seja capaz de
promover uma ação coletiva. Nessa perspectiva, os autores destacam as principais
características de cada abordagem, evidenciando a corrente funcionalista como sendo de
cunho gerencialista, em que o poder não é legitimado ou reconhecido. Dentro dessa
lógica, os aspectos políticos ganham caráter informal e os diversos interesses não devem
ser manifestados entre os sujeitos envolvidos. Sendo assim, de acordo com a corrente
funcionalista, os conflitos devem ser suprimidos, logo, a existência de conflitos e
interesses divergentes não pode ser explicada, uma vez que esses não são reconhecidos,
assim, o uso do poder é visto como algo negativo.
Já a corrente crítica dos estudos sobre o poder analisada pelos autores, reconhece
a existência de conflitos de interesses no contexto organizacional. Nesse sentido, as
formas de dominação e as relações entre dominador e dominado ganham força e fazem
surgir no campo das ciências sociais estudos que abrangem além de aspectos puramente
mecânicos ou manifestos. Ganham ênfase os aspectos da cultura, da subjetividade, em
que a interpretação das relações humanas é observada em seus aspectos individuais e
coletivos. A partir de então, os conflitos passam a ser vistos como maneiras de
expressão de interesses, autonomia e ganham relevância por viabilizarem os processos
democráticos, ou seja, o caráter político das relações de poder através dos conflitos
passa a ser considerado como necessário para as construções reguladoras de dominações
e gerador de novas estruturas.
Para Friedberg (1993), as interações humanas, mesmo submetidas a estruturas
muito limitantes, são sempre políticas, porque abrigam em si interesses, intenções e
estratégias conscientes ou não que terminam por gerar relações de forças e negociações
que legitimam o valor político nessas relações.
Mas não se trata de uma simples relação circular que não faria mais que
reproduzir as estruturas englobantes. O exercício do poder nos contextos de
33
ação locais gera regras e construções políticas que permitem regulá-lo e
através das quais os atores podem descobrir e criar novos recursos, novas
capacidades para jogar o jogo social da cooperação e do conflito. A lógica
própria dessas construções é, portanto, não só irredutível à das estruturações
englobantes, mas contribui também para as transformar; não só reproduz
como produz passo a passo dimensões, estruturações ou regulações de
conjunto. (1993, p. 18)
De acordo com o autor, a capacidade de negociação que os atores têm através de
suas peculiaridades profissionais, experiência na área e conhecimento do campo de
atividade reflete-se no comportamento e traduz o caráter subjetivo do poder que detêm.
Sobre esse aspecto, Weber (1999) coloca que uma relação de poder pode ser
bilateral num contexto organizacional. Para esse autor, as especificidades de um campo
técnico dependem do outro para produzir a eficácia necessária e essa relação gera
interdependência; sendo assim, cada grupo de também exercer seu poder. Dessa forma o
exercício do poder também dependerá do tipo e contexto organizacional e das
possibilidades de coligações e alianças pessoais.
Chauí (2004) sinaliza a existência de vários tipos de poder, classificando-os
como poder patriarcal, corporificado, mágico, transcendente, entre outras formas de
poder, que se encontram presentes nas relações sociais.
Max Weber (1999) traz em sua abordagem uma análise sobre o poder e as
formas de dominação e ressalta tipos “puros” que fundamentam a estrutura do poder e
da dominação social e organizacional, focando a administração como um lócus de poder
e dominação.
2.1. O poder e suas formas de dominação na perspectiva de Max Weber
Para Weber (1999), a dominação é um caso especial do poder e muitas dessas
formas de poder estão ligadas a determinadas formas econômicas e também por elas
condicionadas. O autor salienta dois tipos de dominação, extremamente opostos: um diz
respeito à dominação em relação a interesses e o outro em virtude da autoridade, ou
seja, o poder de mandar. Pela primeira forma de dominação, entende-se uma forma de
poder monopolizada no mercado e, pela segunda, entende-se uma forma de autoridade
detentora de poder. Mas o autor ressalta que, apesar de “opostas”, entre essas formas de
dominação, existe a possibilidade de transição. Isso significa que o poder de dominação
em virtude de uma constelação de interesses pode se transformar em poder ou forma de
dominação autoritária, pois aquele que detém o poder monopolizado pode passar a ditar
34
suas regras de maneira autoritária, pelo simples fato do poder de dominação que o
monopólio lhe garante. Para o autor, essa dominação autoritária gera obediência. Weber
ressalta ainda que em toda relação de autoritarismo, onde se impõe a obediência, há
também a força que induz a essa relação, que é o interesse por trás da obediência. O
autor ressalta ainda que não só as trocas de mercado produzem dominação, as relações
sociais são também uma forma de exercer poder e dominação.
Retomando sobre o aspecto de legitimação que, segundo Weber (1999), sustenta
as formas de dominação nas relações de poder, o autor ressalta dois princípios pelos
quais se legitimam a instituição do poder e da dominação como naturais: o primeiro é
apontado pela “validade”, ou seja, o poder é exercido e legitimado por regras e é
autorizado a um portador; o outro pode ser exercido em forma de “autoridade” que se
fundamenta na crença, na tradição, no carisma e também gera obediência. O autor
esclarece que essas formas de dominação são fundamentais nas estruturas históricas de
dominação e que são reconhecidas como relações de autoridade tradicionais e estão
representadas pelo patriarcalismo. Nessa mesma lógica, quando o poder ou a
dominação não estão fundamentados na estrutura tradicional ou patriarcal e são
exercidos por uma ação social, de acordo com o autor, a dominação está baseada em
uma relação racional, ou seja, é na burocracia que encontra seu tipo específico de poder.
2.2. A moderna administração burocrática como forma racional de dominação
Weber (1999) traz uma análise dos aspectos mais relevantes do poder e da
dominação na sociedade e nas instituições administrativas e expõe os mecanismos
burocráticos como forma de dominação racional. Para esse autor, a burocracia tem seu
caráter racional com práticas através de regras e impessoalidades, nesse caso,
dificultando uma mobilização contrária, o que gera a dominação de forma mais racional.
O autor defende que o avanço da estrutura burocrática trouxe várias formas de
dominação, mas por outro lado, afirma que a racionalização das formas de dominação
nas instituições superou outras formas de dominação estruturais, como a dominação
patriarcal e patrimonial.
De acordo com análise weberiana, um dos princípios estruturais pré-burocráticos
mais importantes é a estrutura de dominação patriarcal, que não se baseia, como a
burocracia, na obediência às normas. Pelo contrário, é nas relações pessoais que elas se
estabelecem, sua base encontra-se na autoridade do chefe da comunidade doméstica.
35
Mas, ambas as formas de dominação encontram alguns pontos em comum; um deles é o
caráter cotidiano e a obediência pelos submetidos ao poder. Essas normas, no caso da
dominação burocrática, encontram legitimidade na legalidade, ou seja, são
racionalmente criadas; já nas formas de dominação patriarcal, o fundamento está na
tradição, na crença e na inviolabilidade do que sempre foi; sendo assim as normas da
dominação patriarcal não são estatuídas, mas são sagradas pela tradição.
Weber (1999) reconhece a importância dada às tarefas especializadas que são
administradas por profissionais também especializados quando analisa as organizações.
Essas atribuições ganharam força a partir da necessidade de repartição de trabalho que
surge com o aparato burocrático, visando uma melhor qualidade e eficiência dos
serviços prestados. Passa-se então a supervalorizar o profissional especializado. Para
Weber, a valorização do especialista é uma característica da moderna administração
burocrática que tem como meta a eficiência e o resultado com bases objetivas. Nessa
direção:
A peculiaridade da cultura moderna, especialmente a de sua base técnico-
econômica, exige precisamente esta “calculabilidade” do resultado. A
burocracia em seu desenvolvimento pleno, encontra-se, também, num sentido
específico, sob o princípio sine ira acstudio. Ela desenvolve sua
peculiaridade específica, bem-vinda ao capitalismo, com tanto maior
perfeição quanto mais se “desumaniza”, vale dizer, quanto mais
perfeitamente consegue realizar aquela qualidade específica que é louvada
como sua virtude: a eliminação do amor, do ódio e de todos os elementos
sentimentais, puramente pessoais e, de modo geral, irracionais, que se
subtraem ao cálculo, na execução das tarefas oficiais. Em vez do senhor das
ordens mais antigas, movido por simpatia pessoal, favor, graça e gratidão, a
cultura moderna exige para o aparato externo em que se apoia o especialista
não envolvido pessoalmente e, por isso, rigorosamente “objetivo”, e isto
tanto mais quanto mais ela se complica e especializa. E tudo isto a estrutura
burocrática oferece numa combinação favorável. Sobretudo é só ela que
costuma criar para a jurisdição o fundamento para a realização de um direito
conceitualmente sistematizado e racional, na base de “leis”, tal como o criou,
pela primeira vez, com alta perfeição técnica, a época imperial romana tardia.
(p. 213)
Nesta mesma lógica, o autor aponta outras características que permeiam a
moderna burocracia administrativa e geram formas de dominação e de poder que
culminam na negação da manifestação da autonomia dos sujeitos. Assim como a
especialização funcional ou dos saberes específicos, a comunicação também é um fator
que gera poder e dela, segundo Weber, pode resultar o fracasso ou o sucesso das
determinações estabelecidas no cotidiano organizacional.
36
Como pudemos perceber, Max Weber analisa o poder e seus mecanismos de
dominação de fundamentação tradicional e destaca a administração moderna como
burocrática para analisar o poder racionalizado e seus mecanismos, apontando a
relevância da administração como espaço ou lugar onde esse tipo de poder é exercido
em sua plenitude. O autor também evidencia o que Bourdieu (1989) entende como
símbolos subjetivos do poder quando considera o patrimonialismo e o patriarcalismo
como fontes de poder baseadas na crença, na cultura e na tradição. Ainda sobre esse
aspecto, Melo (apud CAPPELLE, MELO E BRITO, 2005) ressalta que se faz
necessária uma observação mais acurada das ações não verbais, das atividades no
cotidiano, da obtenção de confissões e de significados via métodos capazes de captar as
subjetividades, as verdadeiras raízes dos comportamentos individuais e coletivos, ou
seja, do universo simbólico humano.
Seguindo essa lógica, Bourdieu (1989) considera dimensões mais abrangentes
nos estudos sobre as relações de poder nas organizações. Sua abordagem envolve
sistemas de dominação que permeiam as relações sociais e, nesse sentido, o poder é
exercido por diversos meios e pelos diversos atores que se encontram envolvidos na
organização. Esse poder encontra suas raízes onde menos se deixa ver, num universo
de relações simbólicas que é produto e, ao mesmo tempo, reproduz o poder, reforçando
os interesses dominantes.
2.3. Análise do poder na perspectiva de Bourdieu
Bourdieu (1989) chama a atenção para as formas subjetivas de poder, que são
estruturantes e estruturadas socialmente, servindo como produtoras e reprodutoras das
desigualdades, distinções e hierarquias, bases das ideologias políticas de dominação, e
são instituídas e legitimadas socialmente, conhecidas ou denominadas pelo autor como
“sistemas simbólicos” (arte, religião, comunicação). Esses sistemas simbólicos servem
como legitimadores de uma cultura dominante. Sendo assim, os símbolos constituem a
integração social e estabelecem meios para o consenso acerca dos sentidos sociais sobre
o que é correto ou não, sobre o que é ético e, dessa forma, estruturam a ordem social e,
ao mesmo tempo, essas produções simbólicas instituem instrumentos de dominação
social.
Para o autor, o poder simbólico é construtor da realidade social, agrega sentido a
ela e é no campo social que Bourdieu busca salientar as relações de poder, propondo-se
37
a expor as formas de dominação das classes capitalistas que se encontram implícitas no
capital simbólico. Dessa forma, esse capital simbólico é constantemente reproduzido
pelas instituições e práticas sociais que viabilizam o exercício do poder. Sobre esse
poder o autor destaca que:
É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais
completamente ignorado e, portanto, reconhecido. O poder simbólico é, com
efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
exercem. (1989, p.8)
Percebe-se, contudo, que o poder, de acordo com a abordagem do autor, precisa
ser legitimado pelo outro para que exerça suas características dominantes. Seguindo a
mesma lógica, Friedberg (1993) destaca que a ação política está sempre presente nas
relações humanas e que delas surgem relações de força que se regulam por meio de
negociações, nas quais a legitimidade se faz fundamental. Nesta mesma perspectiva,
Bernoux (1995) sinaliza para a questão da reciprocidade na relação de poder, em que o
poder se constitui de uma relação e não de um atributo, ou seja, depende da aceitação do
outro ou não, nesse caso a legitimidade também se faz necessária.
Sobre esse aspecto Weber (1999) destaca que a subsistência de toda a
dominação consiste na sua legitimação. Porém Bourdieu (1989) vai além da tradição
funcionalista quando consegue captar, a partir da análise estrutural, as formas de poder
que circulam no universo simbólico, destacando assim a língua, a comunicação, os
discursos, o comportamento e a cultura como estruturas estruturadas que refletem a
relação entre o objeto simbólico e seu sentido. Dessa forma, o autor deixa clara a
característica abrangente de sua análise.
Nessa mesma perspectiva podemos considerar o caráter cultural como
instrumento balizador das relações sociais e de poder, é preciso reconhecer que uma
transformação, ou seja, uma proposta de mudança tem sua eficácia ou não de acordo
com sua compatibilidade com a cultura organizacional de determinada instituição.
Nesse caso, os padrões culturais podem constituir ou não uma barreira às
transformações a que se almeje. Isso significa dizer que tratar de mudanças ou de sua
resistência requer mais do que uma simples constatação do fato, requer um
aprofundamento nas relações e subjetividades dos padrões culturais envolvidos.
Nesse mesmo raciocínio, Fischer (1996), tomando como foco de análise a
cultura e o poder nas organizações, ressalta como fundamental para a discussão e
38
apreensão da complexidade das organizações, tratar as relações existentes entre os
padrões culturais e as relações de poder que são determinantes de cada realidade.
Ao enfocar as esferas da cultura e do poder organizacional, não as concebo
como características independentes, mas, ao contrário, como padrões inter-
relacionados, que se influenciam mutuamente e guardam entre si práticas
pouco conhecidas, mas que são significativamente importantes para definir o
perfil de uma organização, penetrar em seu complexo universo e
compreender as causas de fenômenos aparentemente inexplicáveis.
(FISCHER,1996, p.66)
Essas observações são relevantes, pois demonstram o poder que os traços
culturais exercem como limitadores no processo de mudanças. Seguindo essa lógica,
Bourdieu (1989) enfatiza o sistema simbólico como um importante balizador nas
análises organizacionais com o qual se faz possível apreender o universo cultural de
uma organização e as peculiaridades que salientam o cerne dos conflitos que vão
distinguir uma organização da outra e ao mesmo tempo sinalizar novas construções de
superação ou regulação desses conflitos.
Em se tratando dos sistemas simbólicos, o autor chama a atenção para formas de
dominação e coloca o conhecimento e a comunicação como importantes instrumentos
de concretização desse poder, situando as formas de comunicação como relações de
poder, inevitavelmente. Para o autor, as relações de comunicação como relações de
poder exigem dos sujeitos e instituições a acomodação do poder simbólico e, assim, é
enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento
que os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de
imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação
de uma classe sobre a outra (violência simbólica), acentuando as relações de força que a
fundamenta.
Para Bourdieu (1989), o conhecimento é reconhecido como forma de dominação
estruturada que fortalece uma luta ideológica e é nessa ideologia que o discurso
dominante se impõe como ordem natural, portanto mascarada das formas ajustadas
socialmente. Essas formas de imposição que objetivamente e subjetivamente se
conformam às estruturas mentais dos sujeitos inseridos socialmente escondem as reais
intenções políticas que se encontram substantivamente nas especificidades de cada
campo do saber, como o trabalho e suas leis, a religião, o campo político, jurídico. Ou
seja, os sistemas simbólicos ganham suas forças e as exprimem por meio das relações
de sentido. Sendo assim:
39
O poder simbólico como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer
ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste
modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo, poder quase mágico que
permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou
econômica), graças ao efeito de mobilização, só se exerce se for reconhecido,
quer dizer, ignorado como arbitrário. (BOURDIEU, 1989, p.14).
Para o entendimento desse efeito ideológico é fundamental a existência de
universos onde as estruturas objetivas (coisas) sejam capazes de se reproduzir nas
estruturas subjetivas (mente). Dessa forma:
Este efeito ideológico, produz-lo a cultura dominante dissimulando a função
de divisão na função de comunicação: a cultura que une (intermediário de
comunicação) é também a cultura que separa ( instrumento de distinção) e
que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como
subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura
dominante. (BOURDIEU, 1989, p. 10-11)
No quadro abaixo, Bourdieu (1989, p. 16) expõe esquematicamente os
instrumentos simbólicos que, de maneira dinâmica, circulam no mundo social
produzindo e reproduzindo as formas de poder.
Quadro 1: Instrumentos Simbólicos
Como
Estruturas estruturantes
Como
Estruturas estruturadas
Como
Instrumento de
dominação
Instrumentos de
conhecimento e de
construção do
mundo objetivo.
Meios de
comunicação
(língua ou culturas,
vs. Discursou
conduta).
Poder
Divisão do trabalho
(classes sociais)
Divisão do trabalho
ideológico
(manual/intelectual)
Função de
dominação.
Fonte: (BOURDIEU, 1989)
O quadro nos auxilia a compreender que o poder simbólico não atua como forma
de força ou obrigatoriedade, mas através de uma relação de aceitação, crença e crédito
40
entre os que exercem o poder e aqueles que se sujeitam a ele como legítima verdade e
justiça, internalizando e objetivando o poder simbólico e a violência que ele exerce. O
poder encontra suas fontes no campo social mais abrangente e, através das instituições
sociais, suas leis e regras se reproduzem e disseminam a cultura de dominação que
permeiam as relações de poder em nossas organizações. Abaixo, trazemos a
compreensão sobre poder, na ótica de Foucault (1988),numa perspectiva positiva do
poder na qual são consideradas as estratégias e técnicas do exercício do poder como
possibilidades de mudanças. Nessa perspectiva o poder é flutuante e também um
importante instrumento de luta.
2.4. Análise do poder na perspectiva de Foucault
Foucault (1988) desenvolve uma abordagem sobre o poder a partir de seu
aspecto relacional e localizado, ou seja, em campos de análises específicos e, assim,
rompe com a visão tradicional de poder. Foucault, assim como Bourdieu, também
considera a existência de uma estrutura silenciosa e camuflada do poder que preserva as
práticas, os discursos e o conhecimento que conduz à reprodução de uma “verdade” que
mantém o poder. A abordagem de Foucault traz sua grande contribuição quando se
propõe à análise de técnicas de exercício do poder, de suas possibilidades de resistência
e por considerar o lado positivo e produtivo do poder, superando a perspectiva
unicamente negativa que lhe era conferida.
Na perspectiva foucaultiana, o poder está envolvido na interação de um campo
de forças que também pode levar ao prazer, à produção do discurso. Ou seja, o poder
não é apenas visto como uma força que nega e que castra. Nesse sentido, o poder é
visto como um conjunto de estratégias e está sujeito a jogos de interações e de manobras
em meio a um conjunto de tensas relações, sendo exercido de forma flutuante e não uma
propriedade daquele que o detém. De acordo com o pensamento do autor, o poder é um
importante mecanismo de luta quando não concebido do ponto de vista unicamente
negativo. Assim, o poder se move no cotidiano e estabelece as relações de acordo com
as interações sociais e coligações em função de interesses. Daí a necessidade de discutir
o poder como relações de poder, considerando seu caráter interacional e flutuante.
Nesse sentido “O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é
simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele
41
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (FOUCAULT,
1999, p.8).
O autor se coloca em relação à repressão como forma de poder ou conflitos de
poder, sinalizando que a repressão é uma forma inadequada para justificar os
mecanismos do poder e ressalta ainda que o poder exerce outras formas mais eficazes de
dominação. Foucault (1999) analisa o poder e sua ligação com a “verdade” numa
relação em que o poder extrapola os limites da repressão e da proibição. Nessa
perspectiva, o poder não se manifesta somente como forma de repressão, mas produz
“verdade”, e nela legitima seu domínio quando:
Há um combate "pela verdade" ou, ao menos, "em torno da verdade" −
entendendo−se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer "o conjunto
das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar", mas o "conjunto das
regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao
verdadeiro efeitos específicos de poder"; entendendo−se também que não se
trata de um combate "em favor" da verdade, mas em torno do estatuto da
verdade e do papel econômico−político que ela desempenha. É preciso
pensar os problemas políticos dos intelectuais não em termos de
"ciência/ideologia", mas em termos de "verdade/poder". E então que a
questão da profissionalização do intelectual, da divisão entre trabalho manual
e intelectual, pode ser novamente colocada. (op cit., p. 11)
Nessa direção, o poder surge como força porque está baseado no discurso de
verdade, ou através do que se produz como verdade.
Vale salientar que também para Bourdieu o poder encontra suas bases de
sustentação nas relações sociais e na forma de exercer o conhecimento enquanto
verdade que reproduz sua ordem e, nesse sentido, a comunicação tem um importante
papel como reprodutor. Assim como Bourdieu, Foucault também reconhece a função
das instituições como reprodutoras de uma ordem vigente, de um discurso de verdade
que privilegia uma determinada classe social.
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade:
isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros;
os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas
e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o
estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro
(p.10).
É importante salientar que para Foucault (1999) o conhecimento gera poder a
partir da conscientização pelo sujeito e de sua habilidade para intervir nas relações. O
autor reconhece que o poder circula através da macroestrutura, como o Estado e suas
42
instituições, mas ressalta que o poder é circulante no mundo das relações cotidianas,
nas expressões silenciosas, ou seja, nas microestruturas. Mas, para exercer esse poder, o
indivíduo necessita, além de possuir determinados recursos, saber conduzi-los de acordo
com seus interesses. Isso significa que, mesmo diante de limitadores estruturalmente
estabelecidos socialmente, faz-se possível, através da interação dos sujeitos, construir
processos de mudanças. Nesse sentido, o autor esclarece que, para que seja possível o
exercício do poder através das ações, é necessário que haja liberdade. Isso significa que
a liberdade de agir dos indivíduos os liberta de relações de poder desumanas, de força
ou coação. Sendo assim, a liberdade é exercida como inerente às relações de poder, e
não contra elas. Na concepção foucaultiana, a verdade está diretamente ligada a um
sistema de poder e serve como instrumento reprodutor de dominação. O autor coloca
que o cerne da questão do poder, como ele se institui e se reproduz, ou seja, seu
problema político,consiste em saber se existe a possibilidade de construção de uma nova
política de verdade. Nesse caso:
Não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder − o que seria
quimérico na medida em que a própria verdade é poder − mas de desvincular
o poder da verdade das formas de hegemonia(sociais, econômicas, culturais)
no interior das quais ela funciona no momento. (FOUCAULT, 1999, p. 11)
O autor foca seus interesses nas análises do poder que possibilitam a
compreensão de seu funcionamento local, das estratégias de seu exercício e resistências,
situando seu campo de análise numa perspectiva mais localizada. Para Foucault (1999),
essas ações acontecem num campo estruturado objetivamente, porém deve-se perceber
que, apesar de toda a estrutura de dominação que se encontra disseminada no campo
social e que permeia a cultura organizacional, existe a possibilidade de resistência que
promove a liberdade dos sujeitos através de ações cotidianas e que essas ações são
também significativas e produzem mudanças. Isso significa que as influências exercidas
pelas macroestruturas e pela ordem social à qual os sujeitos tenham se submetido são
passíveis de mudanças através dos conhecimentos dos contextos vivenciados e das
estratégias utilizadas.
Tanto Foucault quanto Bourdieu produziram uma crítica aos modos vigentes de
análise organizacional quando consideram os aspectos políticos das relações de poder,
dos conflitos e trazem para um campo de discussão esses aspectos que são inerentes à
condição de construção cultural de uma organização. Ambos contribuem para a
43
superação de uma análise unilateral das organizações sociais na qual o poder não tinha
valor político. Bourdieu (1989) trouxe sua contribuição para a análise das relações de
poder considerando a importância de uma estrutura ampla de poder que se encontra
difundida no campo social através dos instrumentos simbólicos de poder. Já Foucault
(1988) não nega a importância dessas estruturas, mas foca suas análises no campo micro
de poder, em que as estratégias de exercício e de resistência do poder são também
consideradas como seus reguladores. O autor analisa o poder enquanto discursos de
verdade e as possíveis manifestações contrárias através das ações articuladas dos
sujeitos no cotidiano das relações de poder.
Na concepção desses autores, o poder é entendido não como algo
necessariamente negativo, isso significa analisar os aspectos que surgem das relações de
poder como construtoras de uma nova realidade. Bourdieu com uma concepção mais
abrangente sobre e estrutural do poder e Foucault com uma perspectiva analítica mais
voltada para a compreensão do exercício do poder localizado. Ambos divergem da
concepção de Weber (1999),que, em suas análises, considera o poder no seu sentido
repressivo e que se manifesta através dos sistemas de dominação estatais. É nesse ponto
que o autor minimiza as possibilidades de superação e de resistência das estruturas
dominantes do poder, embora também considere que haja necessidade de legitimação do
poder para seu exercício. É a partir das concepções teóricas sobre o poder a as relações
de poder, abordadas até aqui, e especialmente das contribuições de Foucault e Friedberg
que buscamos base para nossas análises. Abaixo trazemos uma análise da escola
enquanto organização política.
2.5. A escola como organização política
Diante das especificidades analíticas apresentadas nas concepções dos autores
sobre a análise do poder e das relações de poder no contexto organizacional, buscamos
através de suas contribuições, compreender o contexto da gestão educacional e dos
sistemas de ensino, focando na análise das relações de poder que envolvem tanto as
estruturas de poder mais amplas, a partir das políticas públicas, quanto a análise dos
instrumentos e mecanismos de produção, reprodução e resistência existentes nas
relações de poder que se configuram no ambiente organizacional. Considerando as
44
instituições educativas como instrumentos de exercício de poder e de reprodução da
ordem social vigente, compreendemos também a função desse espaço como
fundamental quando se utiliza das relações de poder para a transformação social. Dessa
forma, a escola é vista como um lócus de produção ou reprodução de uma economia
política.
A escola, enquanto organização social está inserida num contexto de processos
complexos e dinâmicos no qual uma diversidade de valores, concepções e interesses
externos e internos convivem e interagem numa teia de alianças e conflitos que se
manifestam nas relações de poder e, nesse sentido, seus atores são vistos como
políticos.
A valorização da escola enquanto organização implica na constituição de um
espaço com maior grau de autonomia e momentos que contemplem a participação dos
sujeitos. Nesse sentido a escola funciona como um espaço de interação e intervenção
social. Costa (1998) apresenta diversas imagens da escola: escola como empresa, escola
como burocracia, escola como democracia, escola como arena política, escola como
anarquia e escola como cultura. Juntas, essas imagens compõem o universo complexo
que a escola reflete, no entanto optamos por tratar a escola como arena política, pois
dimensões como poder, conflitos, negociações e interesses são fundamentais para a
compreensão do espaço escolar. Essa concepção traz uma superação no âmbito da
análise da escola enquanto organização. O autor aponta indicadores que caracterizam o
modelo organizacional escolar como modelo político. Nessa direção a escola é vista
como um sistema político em miniatura, cujo funcionamento corresponde aos interesses
políticos da macro estrutura social: seu espaço é composto por diversas racionalidades e
grupos com objetivos próprios e com diversas formas de influências e poderes que
circulam em diferentes níveis hierárquicos. A luta pelo poder e o conflito de interesses
fazem parte do cotidiano escolar, influenciando sua atividade; as decisões são baseadas
em negociações tendo em vista a diversidade de interesses e influências.
Nesse sentido, a escola vista a partir da abordagem organizacional baseada na
imagem da arena política, constitui-se em um campo de interesses (internos e externos),
conflitos e trocas que a configuram como espaço político de atuação. Sendo assim, a
análise da escola enquanto organização política implica, portanto, na necessidade de
uma dupla perspectiva de leitura: uma centrada em aspectos de incidência macro, ou
seja, voltada para o papel político e ideológico, que é desempenhado pelas diversas
organizações sociais, dentre as quais a escola exerce uma importante função com
45
imensa difusão da economia política; e outra, voltada para os aspectos da micropolítica
através do seu funcionamento interno em que circulam interesses, conflitos e
negociações resultadas das dinâmicas atuações dos sujeitos que diretamente fazem parte
desse processo.
No entanto compreendemos que se encontra no estudo das estratégias de
obtenção de poder, nas coligações dos sujeitos e nas estratégias de negociações o ponto
fundamental para a compreensão de sua dinâmica organizacional. O diferencial dessa
análise está na possibilidade de identificar, além de questões já sabidas por todos,
questões peculiares que só podem ser vistas, especificamente, a partir da compreensão
micropolítica dos sistemas escolares. Nessa mesma perspectiva, Costa (1998, p.78)
afirma que:
A análise micropolítica surge, portanto, como a perspectiva metodológica
mais adequada aos estudos das organizações entendidas como arenas
políticas, ou seja, como organizações no interior das quais a tomada de
decisões decorre de acordo com processos de confrontação e negociação
tendo por base os interesses conflitantes e as estratégias de poder
desencadeadas pelos diversos grupos (formalmente existentes ou
pontualmente coligados).
Esse tipo de análise tende a superar as concepções de escola baseadas no modelo
burocrático ou linear de organização, valorizando os indivíduos, primordialmente.
De acordo com diversos autores, a escola dispõe de características específicas
que a colocam como arena política, considerando o fato de ser um ambiente de difícil
articulação devido aos diversos interesses de diversos sujeitos em níveis hierárquicos
diferenciados e seu caráter de conflitos, de luta pelo poder, pela tomada de decisões e,
principalmente, pela colisão que, na maioria das vezes, se estabelece entre os
regulamentos e as exigências formais exercidos pelos gestores escolares e as aspirações
de maior liberdade e autonomia dos demais profissionais.
Para Costa (1999), todos esses fatores fazem da organização escolar um espaço
inevitavelmente conflituoso e de disputa, onde o poder assume um lugar central. É nesse
sentido que salientamos a gestão escolar como importante interventora nas relações de
poder, pois a partir dos processos de gestão, especialmente pelo seu caráter político e
pelas formas legítimas de poder, que se manifestam com mais ênfase os embates,
disputas e coligações que resultam em negociações favoráveis ou não aos vários grupos
de sujeitos envolvidos nesse processo.
46
Contudo vai depender dos processos de negociação entre os grupos, já que
todos, em maior ou menor intensidade, detêm parcelas de poder que lhes são atribuídas
a partir da especificidade de suas funções e que servem como bens de troca. Dessa
forma, o sucesso ou fracasso nos resultados dessas negociações dependem de como se
dão essas trocas, através da distribuição de poderes. Assim o poder circula entre os
sujeitos, mas não de forma igualitária, e, nesse sentido, a gestão democrática da escola
exerce uma função importante na garantia da redistribuição dos poderes e da
participação política de todos os segmentos da escola, possibilitando a construção
coletiva na tomada de decisões e na constituição de regras e procedimentos que possam
contemplar uma totalidade e não apenas pequenos grupos detentores de poder.
Dessa forma, segundo Dourado (apud MARQUES,p.92),
a gestão democrática é entendida como processo de aprendizado e de luta
política que não se circunscreve aos limites da prática educativa, mas
vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa
autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de
aprendizado do ‘jogo’ democrático e, consequentemente, do repensar de
estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio
dessas, as práticas educativas.
Usualmente, podemos observar processos de gestão baseados numa concepção
que deriva de um paradigma positivista, no qual as relações de poder são tidas de
formas verticalizadas, gerando, com isso, uma postura de dominação nas relações que se
estabelecem entre os membros envolvidos. Essas relações são baseadas numa
concepção funcionalista, em que os objetivos dos processos pedagógicos, como a
construção de práticas e relações emancipatórias que fundamentam a finalidade
educativa, são minimizados e até ignorados.
Assim, em contraposição à concepção racional-positivista, a nova concepção de
educação compreende o homem como ser histórico e social que, apesar de inserido em
seu contexto cultural, econômico e social, é também responsável e consciente do seu
poder transformador através das ações coletivas. Nessa perspectiva, os processos são
desenvolvidos a partir de uma concepção crítica e dialética, de acordo com Bordignon e
Gracindo (2002, p.151-152):
O poder não se situa em níveis hierárquicos, mas nas diferentes esferas de
responsabilidade, garantindo relações interpessoais entre sujeitos iguais e ao
mesmo tempo diferentes. Essa diferença dos sujeitos, no entanto, não
47
significa que um seja mais do que o outro, pior, ou melhor, mais ou menos
importante, nem concebe espaços para a dominação e a subserviência, pois
essas são atitudes que negam radicalmente a cidadania. As relações de poder
não se realizam na particularidade, mas na intersubjetividade da comunicação
entre atores sociais. Nesse sentido, o poder decisório necessita ser
desenvolvido com base em colegiados consultivos e deliberativos.
Entendemos que a concretização da democracia no ambiente escolar ou nas
instituições de gestão educacional encontra-se vinculada ao compartilhamento do poder
e das decisões por todos os interessados e envolvidos no processo, decisões que
necessitam de discussões e consentimentos de maneira consciente e responsável.
Sendo assim, podemos considerar que a democratização da gestão escolar se
traduz em maiores possibilidades de compartilhamento do poder e, com isso, ampliam-
se as possibilidades de uma prática mais justa e transformadora. Nessa direção e
levando em consideração os estudos apresentados, no próximo capítulo, nos propomos a
delimitar os caminhos e procedimentos metodológicos que utilizamos para análise do
nosso objeto de estudo.
48
CAPÍTULO 3. DELIMITANDO O CAMINHO METODOLÓGICO DA
PESQUISA
Quando analisamos os processos que ocorrem em uma organização educacional,
percebendo-os em sua complexidade e dinâmica, observamos a existência de uma
diversidade de características de padrões e modelos analíticos diferenciados. Essa
constatação parte do pressuposto de que vários elementos que constituem a cultura em
seus mais variados aspectos sociais e políticos perpassam as práticas desenvolvidas
nesses espaços. Nesse sentido, buscamos analisar na presente pesquisa, os processos
democratizantes estabelecidos legalmente, principalmente a partir da nova LDBEN (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
É a partir das novas demandas políticas de democratização da educação que as
escolas de todo o país sofrem um processo de resignificações de suas práticas e, a partir
de então, novas relações de poder se estabelecem no âmbito escolar. Nessa perspectiva,
procuramos compreender como esses processos de mudança vêm se estabelecendo no
interior da gestão do sistema de ensino do município de Abreu e Lima - PE1.
Levamos em consideração, neste estudo, as relações de poder e os valores
culturais não só políticos, como também os valores cívicos que se reproduzem no
ambiente escolar e sustentam as práticas vividas neste espaço. Para Santos (2009, p.15):
É importante observar que a instituição educacional ocidental moderna está
pautada pelo seu respectivo imaginário social: a impessoalidade
(burocratização e lei). Ou seja, as normas, as hierarquias e as leis são
respeitadas/reconhecidas pela noção de igualdade. Consequentemente, a
formalidade é o que prevalece.
Considerando como modelo burocrático, o antigo modelo de gestão e por
modelo democrático o novo modelo instituído, tentamos apreender a superação das
antigas práticas através da implantação da gestão democrática baseada na
descentralização. Caracterizamos o antigo modelo burocrático como modelo
centralizador. Compreendendo a importância dos complexos aspectos culturais e
organizacionais existentes nas instituições e considerando como o extrato central da
cultura brasileira o patrimonialismo e o patriarcalismo, nos questionamos:
1O município de Abreu e Lima apresenta recente emancipação política, um perfil político conservador, e,
até o ano de 2009, apresentava grande parte do quadro de funcionários e professores da Seduc, em
regime de contratos temporários. Esses aspectos foram fundamentais para escolha do município em
questão.
49
Como construir uma postura democratizante e autônoma, correspondente às
novas aberturas políticas, especialmente em um município com recente
emancipação política, marcado por práticas patrimonialistas e clientelistas,
quando o que temos refletido em nossas ações são as amarras de uma sociedade
patrimonialista e autoritária?
Sendo a cultura brasileira pautada em características de mandonismo,
clientelismo e submissão, como a instituição da democratização poderia ganhar
força e fazer valer os princípios da autonomia escolar?
Se os pressupostos legais de gestão democrática são, desde já, considerados
como mecanismos de transformações, as organizações como dinâmicas, as
relações de poder e a própria cultura também consideradas variantes, quais
aspectos de mudanças podemos ou não encontrar através da cultura
organizacional com seus ritos e valores expressos no ambiente escolar?
Para responder a tais indagações, adotamos em nossa pesquisa uma abordagem
qualitativa, por ser esta uma abordagem que facilita a compreensão de um fenômeno
social, tendo em vista a natureza do objeto de estudo. A pesquisa qualitativa envolve
características que permitem que a realidade social seja vista como construção e
atribuição social de significados, enfatizando o caráter processual e reflexivo onde as
condições de vida tornam-se relevantes através de seus significados subjetivos, além de
tomar o caráter comunicativo da realidade social como ponto de partida no refazer do
processo de construção das realidades (GUNTHER, 2006).
Bodgan e Biklen (1991) ressaltam que:
Desde há um século, a expressão “investigação qualitativa” não foi utilizada
nas ciências sociais até o final dos anos sessenta. Utilizamos a expressão
investigação qualitativa como um termo genérico que agrupa diversas
estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os
dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em
pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de
complexo tratamento estatístico (p.16).
Nesse sentido, os aspectos de uma pesquisa qualitativa caracterizam-se pelo
cunho exploratório que permite ao pesquisador esmiuçar o ambiente social em busca de
respostas aos questionamentos postos. A escolha dessa perspectiva analítica exige que o
pesquisador encare a realidade como um fator peculiar dentro de uma totalidade. Isso
50
significa ter o cuidado de não atomizar a realidade porque cada contexto traz em si suas
variáveis que o torna único.
Ainda dentro da mesma perspectiva adotada, faz-se necessário captar os fatores
estruturais da realidade vivida, assim como também não se deve deixar de valorizar a
base material do universo simbólico, pois esta nos possibilita um leque de métodos de
apreensão da realidade.
Assim a presente análise nos possibilita uma abordagem interpretativa crítica,
em que verificamos o âmbito “macrossocial” a partir do estudo das estruturas políticas
nacionais e municipais, e “microssociais” quando partimos para a análise das relações
de poder no interior das organizações. Dessa forma, a gestão democrática passa a ser
entendida como um aspecto das demandas políticas inserida numa totalidade das
relações que perpassam o seu conceito e se expressam na cultura e práticas vividas.
Logo acreditamos que, apesar de instituída legalmente, para que a gestão democrática
na escola seja desenvolvida, será necessária uma mudança em nível cultural, ou seja,
uma mudança de valores e concepções que resultam na ressignificação das relações de
poder e nas práticas que são desenvolvidas nesse espaço, tendo em vista a natureza
autoritária e centralizadora da cultura nacional.
Nesse sentido, tomamos como relevante a compreensão do papel da gestão
educacional e suas relações com as instituições escolares, exigindo-se, para isso, o
desenvolvimento de uma visão das práticas vivenciadas nessas instituições. Para tanto,
utilizamos como base do nosso processo de investigação o estudo de caso no Sistema de
Gestão Educacional do Município de Abreu e Lima e, como forma complementar de
apreensão da realidade empírica, a observação participante.
3.1. O estudo de caso
Por possibilitar uma análise social em um contexto específico ou delimitado, o
estudo de caso nos permite a caracterização mais ampla de um sistema específico de
gestão educacional, captando as particularidades que o difere do todo, ou seja, uma
análise multidirecionada de uma unidade em um contexto mais amplo, priorizando no
caso o que existe de único, de particular, mesmo que existam singularidades com outros
casos (ANDRÉ, 1986).
Ainda de acordo com a autora, o estudo de caso traz características que se
sobressaem às características da pesquisa qualitativa, já mencionadas anteriormente,
51
dentre as quais destacamos: a importância da descoberta de fatos novos ou de
particularidades do caso; a interpretação do contexto mais amplo ao qual o caso esteja
situado; a apreensão da realidade de forma profunda, ou seja, revelando a multiplicidade
das dimensões inseridas no contexto, inter-relacionando seus componentes. Além disso,
o estudo de caso permite uma variedade de fontes de informações e apresentação desses
dados.
Os dados coletados foram analisados à luz dos princípios da Análise de
Conteúdo que segundo Bardin (1997) se utiliza de um leque de técnicas para
tratamentos das diversas informações coletadas, tal qual apresentamos abaixo.
3.2. O processo de coleta dos dados
Entendemos como dados os materiais recolhidos que servem de elementos base
de análise de estudo, eles são substanciais para a compreensão e delimitação do estudo.
Para Bogdan e Biklen:
Os dados também incluem materiais que os investigadores registram
ativamente, tais como transcrições de entrevistas e notas de campo referentes
a observação participante. Os dados também incluem aquilo que os outros
criaram e que o investigador encontra, tal como diários, fotografias,
documentos oficiais e artigos de jornais. (1991, p. 149)
Dentro dessa lógica, o estudo do caso nos permite diversas formas de coleta de
dados, o que possibilita ao pesquisador uma análise multidimensional do objeto de
estudo. Nessa direção, com o objetivo de uma maior aproximação às possíveis respostas
ao nosso problema de pesquisa, organizamos o estudo em três etapas.
Primeiramente,recorremos à coleta de dados através da pesquisa documental. Essa
etapa da pesquisa, que envolve tanto o contexto educacional mais amplo quanto o
contexto municipal de educação, corresponde a uma abordagem “macrossocial”, que
foi pautada na análise da LDBEN (1996), da Constituição Federal (1988) e do Estatuto
do Magistério Municipal de Abreu e Lima (2008), por este representar um suporte legal
que orienta a prática dos educadores no município, além de documentos que expressam
as ações na Secretaria Municipal de Educação. Nesse processo, constatamos que o
município não dispõe de um Plano Municipal de Educação.
52
Analisamos também documentos que caracterizam a instituição de um sindicato
de classe, bem como alguns outros documentos relacionados e que são importantes para
compreender não só as ações políticas desenvolvidas no município como também as
relações de poder que se configuraram durante o processo de instauração sindical.
Nessa direção, a análise dos documentos foi estruturada a partir dos seguintes eixos:
Quais princípios e diretrizes legais orientam a gestão democrática;
Quais princípios e diretrizes orientam a prática docente no município;
Que tipos de ações a secretaria de educação exerce;
Qual é a relação dessa organização com as escolas;
Qual é a relação da Seduc com os docentes da rede.
Num segundo momento, fizemos uso da observação participante. Nessa etapa
o pesquisador mergulha no mundo dos sujeitos observados mantendo uma relação mais
próxima que facilita a obtenção das mais variadas informações, comportamentos e
situações, rompendo os limites existentes quando se utiliza apenas uma técnica, por
exemplo (MINAYO, 2000). Dessa forma, viabiliza-se uma compreensão mais completa
do objeto em estudo.
Dentro dessa perspectiva, foi preciso uma conexão mais direta com o campo de
estudo onde pudemos observar e interagir melhor com os sujeitos através da nossa
participação ativa durante visitas frequentes à Seduc de Abreu e Lima e também em
uma das 32 escolas da Rede. Selecionamos como espaço complementar de observação
uma escola que funciona no mesmo prédio da Seduc. Tomamos como um dos aspectos
relevantes para a escolha dessa escola, não só o fato dela funcionar no mesmo prédio
que a Secretaria de Educação, mas também por ser considerada uma escola de boa
qualidade entre muitos moradores do município. Ao mesmo tempo, a escola apresenta
alto nível de conflitos entre a sua gestão, a gestão municipal e seus docentes.
Realizamos observações no ambiente em estudo, captando as falas das pessoas que
estão direta e indiretamente envolvidas no processo de gestão educacional. Participamos
de duas assembleias no Sindicato dos Servidores Gerais e de uma Assembleia do
Sindicato dos Professores que representou o início das atividades desse sindicato. Dessa
forma, uma série de fatores de grande relevância e que não podem ser registrados
apenas com questões ou documentos quantitativos vão aos poucos sendo observados a
53
partir da própria realidade em análise. Nessa perspectiva, Minayo (2000, p. 137)
apresenta as atitudes de um observador em seu campo de pesquisa:
Em outras palavras, é preciso observar o aspecto legal e o aspecto íntimo das
relações sociais; ao lado das tradições e costumes, o tom e a importância que
lhe são atribuídos; as ideias, os motivos e os sentimentos do grupo na
compreensão da totalidade de sua vida, verbalizado por eles próprios, através
de suas categorias de pensamento.
Num terceiro momento, a que chamamos de abordagem “microssocial”
registramos as relações interpessoais entre os membros da comunidade escolar e do
sistema de gestão educacional (Seduc). Devido a um processo de instauração de um
sindicato de categoria e da relevante repercussão que esse processo ganhou, buscamos
também nos espaços de participação como assembleias e grupos de discussão (pequenas
reuniões informais de professores), compreender as relações de poder que se
configuravam a partir de então.
Ao lado da observação participante destacamos a entrevista como instrumento
indispensável no processo de coleta de dados. Segundo Minayo:
O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações
para as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições
estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um
deles) e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz,
as representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-
econômicas e culturais específicas. (2000, p.109)
Seguindo esse raciocínio, realizamos entrevistas estruturadas e semi-
estruturadas, com o envolvimento de seis professores, três diretoras de escolas, a
presidenta do sindicato dos professores (recém instituído) e o então secretário de
educação do município. Dentre as gestoras entrevistadas, selecionamos uma concursada
e duas contratadas temporariamente. Fizemos uso de gravador para registrar as falas e
também de registros manuscritos. Utilizamos para identificação das falas dos sujeitos a
letra P para professores, G para gestores escolares, PS para a presidenta do Sindicato
dos Professores e GM para Gestor Municipal. Das gestoras entrevistadas apenas G3 faz
parte do quadro efetivo (concursada) e possui graduação em Pedagogia. G1 e G4 não
têm formação para exercer o cargo e relatam ser estudantes do curso de Pedagogia; já o
Gestor Municipal de Educação possui formação em Administração de Empresas e antes
de ser Secretário de Educação atuava em outra secretaria do município.
54
Durante o processo de observação no campo registramos falas de mães de alunos
e de funcionários que integravam o quadro técnico da Secretaria de Educação e da
escola selecionada. Esses registros foram importantes para apreendermos as mais
variadas racionalidades que circulam o ambiente escolar.
Definimos como temas centrais para a estruturação do roteiro de entrevistas as
concepções dos sujeitos referentes à gestão democrática, autonomia, participação,
movimentos sindicais e sobre como os atores caracterizam o modelo de gestão
desenvolvido pela Seduc. Para tanto foram analisados os aspectos culturais que são
expressos pelos atores através de suas falas, ações, ritos e crenças com o intuito de
captar e interpretar, de acordo com a abordagem do estudo, o nível cultural e político
desenvolvido na organização, levando em consideração o universo conceitual dos
sujeitos a partir das categorias analíticas aqui desenvolvidas. Dentro dessa lógica,
apontamos os aspectos abaixo como norteadores da nossa coleta de dados.
Que ações têm sido planejadas e executadas pela gestão educacional com vistas
à concretização da democratização da gestão escolar?
Qual tem sido o resultado das ações desenvolvidas pela SEDUC Abreu e Lima
no tocante à democratização da gestão escolar?
Como têm sido interpretadas essas ações pela escola pública sob a ótica de
gestores escolares?
Qual é a concepção de democracia exposta pelos sujeitos inseridos nesse
processo?
As práticas “democráticas” estão condizentes com o discurso exposto?
Quais significações culturais vêm orientando as práticas de gestão educacional?
A partir dos primeiros momentos de observação e entrevistas, percebemos que
questões relacionadas ao envolvimento dos sujeitos em movimentos sindicais ganharam
relevância devido à repercussão do assunto entre os docentes. Dessa forma, ganharam
destaque os aspectos relacionados ao desenvolvimento participativo através dos
movimentos sindicais por compreendermos sua relevância no processo de
reconstrução/desconstrução da cultura política na realidade analisada. Buscamos, em
meio aos dados colhidos e suas análises, compreender as formas de gestão da Secretaria
de Educação de Abreu e Lima em suas dimensões técnicas e políticas; captar o nível de
desenvolvimento democrático estabelecido e suas relações com as escolas da rede, pois
55
acreditamos que a partir da democracia participativa encontramos a abertura que
permite o desenvolvimento da cidadania ativa e, consequentemente, uma possibilidade
de ruptura com as práticas centralizadoras de autoritárias de gestão.
Adotamos uma perspectiva analítica que nos conduz à interpretação crítica da
organização em estudo e, a partir daí, focamos no modelo político com ênfase nas
relações de poder. Acreditamos que esse tipo de análise nos possibilita a compreensão
das formas de agir dos atores, seus ritos e concepções e de como essas formas se
identificam com o modelo democrático de gestão. Essa aproximação, por sua vez,
viabiliza a apreensão dos aspectos singulares do contexto em análise e a interpretação
de possibilidades para superação de um modelo burocrático de gestão que possa tornar
mais justas as relações que se estabelecem no âmbito organizacional.
Durante todo o processo da pesquisa, o uso das notas de campo foi de
fundamental importância para nossas observações. Apresentaremos a seguir o relato
extraído a partir a pesquisa exploratória na qual pudemos compreender melhor os
aspectos ligados ao contexto mais amplo do município em estudo e, nele, os limites e
perspectivas da gestão democrática a partir do desenvolvimento da cultura política.
3.3. Características políticas do município de Abreu e Lima
A análise expressa aqui reflete também nossas interpretações sobre os aspectos
políticos que nos ajudam a compreender os fatores culturais para uma melhor
articulação do estudo e, nesse sentido, se faz necessário caracterizar o contexto
histórico, político e social do município em foco.
Abreu e Lima foi desmembrado do município do Paulista em 14 de maio de
1982por voto popular em plebiscito, atualmente com 31 anos de emancipação política.
Com uma população de aproximadamente 94.429 habitantes, o município conta com
mais de 78% da população acima da linha da pobreza. A estimativa que representa as
pessoas abaixo da linha da pobreza é atribuída por renda per capta de até R$ 140,00
(cento e quarenta reais) por pessoa e de R$ 70,00 (setenta reais) para pessoa abaixo da
linha de indigência, conforme gráfico abaixo:
56
Gráfico01- Proporção de Pessoas Abaixo da Linha da Pobreza
Fonte: Censo Demográfico- 2010
Uma característica marcante do município diz respeito ao fato de que a cidade é
conhecida como “cidade dos evangélicos”. Dados do IBGE mostram que a cidade é
uma das mais habitadas por seguidores de algumas das denominações dessa religião.
Esse município sempre apresentou um perfil político marcado pelo conservadorismo,
com relações baseadas no clientelismo, arbitrariedade e abuso de poder. Segundo relatos
de funcionários mais antigos da Seduc, as relações que se estabeleciam nas instituições
eram sempre pautadas pelo medo do prefeito da cidade (Jerônimo Gadelha1996 -
2004),que agia em muitas situações com autoritarismo. Alguns moradores comentam
também que o representante da antiga gestão do município mantinha uma relação de
pequenos favores com muitos moradores. De 2005 a 2012 a cidade teve como chefe da
administração o prefeito Flávio Gadelha, sobrinho do antigo prefeito (Jerônimo
Gadelha), atuando em seu segundo mandato, o que denota, a nosso ver, a manutenção
do poder e explicita a cultura patrimonialista.
Em abril de 2012, o Tribunal de Contas do Estado, apontando irregularidades
nas prestações de contas, sugeriu que a Câmara Municipal de Abreu e Lima analisasse a
lisura das contas do ex-prefeito da cidade, Jerônimo Gadelha, durante o período em que
administrou a cidade. De acordo com Jamildo Melo, editor de um blog que expõe a
situação política da cidade, dos dez parlamentares que existiam na Câmara até 2012,
nove eram da base aliada do então prefeito Flávio Gadelha (sobrinho do ex-prefeito
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
2010
Acima da Linha da Pobreza
Entre a linha da Indigência e Pobreza
Abaixo da Linha da Indigência
57
acusado). Sendo assim, pela lógica, os parlamentares teriam que reprovar as contas em
questão. Ainda de acordo com Melo (2012), o problema ocorrido se deu porque,
naquele momento, na relação dos envolvidos na série de irregularidades apontadas pelo
TCE, apareciam os nomes ligados a integrantes da gestão do então prefeito da cidade.
Logo em seguida,um vereador que representava a oposição na Câmara protocolou junto
ao Ministério Público uma representação judicial contra a Câmara Municipal, acusando-
a de irregularidades quanto à criação de funções temporárias, conforme veremos com
maiores detalhes no capítulo seguinte.
Nas eleições para prefeito e vereadores que aconteceu em outubro de 2012 foi
eleito o Pastor evangélico Marcos José da Silva (PT). O candidato eleito tinha como
aliado político em sua campanha eleitoral, o então prefeito Flávio Gadelha que, na
ocasião, estava concluindo seu segundo mandato e não poderia concorrer. Dessa forma,
percebe-se claramente a existência de uma manutenção de poder que caracteriza a
gestão desse município.
3.4. Secretaria de educação de Abreu e Lima
A Secretaria de Educação de Abreu e Lima faz parte da estrutura administrativa
do poder municipal e representa um lócus de poder de grande relevância para as escolas
da rede. Afirmamos isso porque durante as nossas observações pudemos perceber uma
significativa dependência das escolas em relação aos ordenamentos da Seduc, o que nos
leva a perceber um enfraquecimento da autonomia das gestoras escolares do município,
visto que, conforme apresentaremos com mais detalhes no capítulo seguinte, as
diretoras não costumam agir fora dos controles desse órgão e até as decisões mais
peculiares à escola, como por exemplo, a liberação de um grupo de estudantes para uma
aula de campo, necessite ser solicitada à Seduc. Esse aspecto,a nosso ver, não significa
que a escola esteja, em todas as suas dimensões, amarrada a esse órgão, mas as próprias
pessoas que fazem a escola assim estão, ou seja,trata-se de um imaginário instituído que
permeia culturalmente as práticas no cotidiano escolar.
Até o final de 2012, na administração de Flávio Gadelha, a equipe técnico-
pedagógica era completamente formada por funcionários contratados e, nesse aspecto, a
administração pública local descumpria o que determina o Estatuto do Magistério
quando garante essas funções aos professores efetivos, conforme veremos mais
detalhadamente em nossa análise. A partir de 2013, com a chegada do novo prefeito
58
eleito da cidade, aconteceu uma modificação na equipe técnico-pedagógica da secretaria
de educação, que foi reorganizada, de acordo com relato de uma professora que passa a
integrar essa equipe, por critérios de afinidade com o prefeito eleito, Marcos Silva. De
acordo com o relato da referida professora, na nova equipe, tiveram oportunidade de
ingresso aquelas professoras que ajudaram na campanha eleitoral do atual prefeito.
O município de Abreu e Lima conta atualmente com 32 escolas da rede
municipal que contemplam educação infantil e ensino fundamental (séries iniciais).
Com um total de aproximadamente 5.300 (cinco mil e trezentos) alunos, 239
professores concursados, 140 professores em regime de contrato temporário, 28
gestores, também contratados em regime temporário. Vale lembrar que das 32 escolas
que compõem a rede municipal, 28delas são geridas por profissionais em regime de
contrato temporário, ou seja, apenas 4 gestoras da totalidade de 32, fazem parte do
quadro efetivo (concursadas) no município.
Não consta no município um Plano Municipal de Educação, mas, segundo o
gestor municipal de educação, a prefeitura acabava de fechar contrato para aquisição de
um sistema CPqD de Gestão Pública para a Educação. Trata-se de uma tecnologia que
dispõe de recursos de suporte para aquisição de informações mais precisas sobre a
realidade local, como cadastro de alunos, notas, frequências, número de professores,
entre outras informações que podem ser controladas e quantificadas. De acordo com
dados do INEP, Abreu e Lima atingiu nota de 3,6,abaixo da meta que era de 4.0 para o
IDEB no ano de 2012. Trazemos essas informações para ampliar nosso conhecimento
sobre o contexto em que funciona o sistema educacional do município. No próximo
capítulo tratamos sobre os dados coletados e resultados de nossa investigação através
das técnicas utilizadas para a apreensão do nosso objeto de pesquisa.
59
CAPÍTULO 4. A ESTRUTURA EDUCACIONAL DE ABREU E LIMA: entre a
tradição centralizadora e a perspectiva democrática.
No presente estudo, selecionamos para análise a Secretaria de Educação do
Município de Abreu e Lima, onde pudemos observar as ações desenvolvidas no
processo de gestão. Analisamos as relações que se estabelecem entre a Secretaria de
Educação e as escolas da rede; entre suas respectivas gestoras e os demais profissionais
envolvidos nesse processo (funcionários da Seduc e professores).Abordamos as
relações de poder que se estabelecem entre a gestão educacional do município e os
professores da rede, pela relevância dessa relação para a compreensão do nosso objeto
de estudo.
A partir dos dados coletados, buscamos compreender e analisar o atual modelo
de gestão que se desenvolve nesse município a partir das práticas vivenciadas e
confrontá-las com os atuais pressupostos de gestão democrática da educação. Trazemos
como foco de nossas análises o cruzamento de dados e informações extraídas de
documentos regulatórios, entre outros, que serão apresentados adiante e das nossas
observações no campo de estudo, além das falas dos sujeitos referentes aos seguintes
aspectos: gestão democrática- concepções e perspectivas; atual conformação das ideias
sobre gestão - concepção dos sujeitos e; perspectivas de democratização da gestão
municipal de educação.
No intuito de compreender a cultura política que permeia as ações da Secretaria
de Educação, em princípio selecionamos documentos norteadores das suas práticas, são
eles: o Estatuto do Magistério do Município de Abreu e Lima, Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Constituição Federal, além de documentos que correspondem à
constituição de um Sindicato de Professores e outros que representam embates políticos
e relações de poder que se estabeleceram entre o SISMAL (Sindicato dos Servidores
Municipais), o SIMPROFAL2 (Sindicato dos professores de Abreu e Lima) e a
Secretaria de Educação, representante da Administração Municipal, após a criação dessa
nova representação política. Tais documentos caracterizam a institucionalização do
2 O SIMPROFAL foi criado em 2011 e representa a categoria do magistério no município que até então
não tinha um sindicato de classe. Mas o processo de formação desse sindicato foi bastante complexo e até
o momento não atua formalmente. Embora a tramitação legal tenha sido iniciada junto aos órgãos
competentes, o SIMPROFAL aguarda carta sindical para efetivar sua prática enquanto sindicato.
60
processo de democratização da gestão na área educacional nesse município, a partir da
implementação da LDBEN 9394/96.
4.1. Gestão democrática: concepções e perspectivas
Conforme já abordamos, a gestão democrática surge no Brasil com mais força a
partir das demandas políticas de democratização dos anos 80, materializadas na
Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 206, inciso VI, concebe a “gestão
democrática” como um dos princípios do ensino público em nosso país:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte
e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma
da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público
de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006)
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação
escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006) (BRASIL, 1988).
Nessa perspectiva, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL,
1996) reafirma os mesmos princípios quando trata, em seu Art 14,da gestão
democrática:
Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme
os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
Esses trechos dos documentos regulatórios indicam claramente que as escolas
passam a ter mais autonomia nos processos de gestão. É um momento em que se abrem
as possibilidades de participação da comunidade escolar nos processos de tomada de
decisões. No entanto, no contexto atual, ainda nos deparamos com práticas
centralizadoras de gestão, o que nos leva à compreensão de que a construção da
61
democracia na educação não depende somente de leis estabelecidas. Para que a
construção de uma gestão democrática aconteça efetivamente, é preciso que os atores
envolvidos nesse processo tomem a consciência do poder, da responsabilidade e da
necessidade que têm de dialogar coletivamente com os problemas que surgem. É a partir
desse processo coletivo que se propicia a riqueza de ideias e se desenvolve uma
cidadania democrática. Sendo assim entendemos que:
A gestão democrática, participação dos profissionais e da comunidade
escolar, elaboração do projeto pedagógico da escola, autonomia pedagógica e
administrativa são, portanto, os elementos fundamentais na construção da
gestão da escola. (FERREIRA, 2008, p.306)
Nesse sentido, as políticas descentralizadoras podem favorecer uma maior
autonomia na educação, mas consideramos importante compreender as racionalidades
envolvidas nas ações desenvolvidas no âmbito da gestão. Nessa direção, em nossa
análise, levamos em consideração a importância de se compreender quais são as
concepções dos gestores e professores, referentes à gestão democrática.
Atual conformação das ideias sobre gestão: concepção dos sujeitos
Dentre os resultados coletados através de entrevistas, encontramos alguns dados
que denotam as concepções dos sujeitos a respeito da gestão democrática. A análise
aqui apresentada revela as percepções dos entrevistados entre a clareza conceitual e a
dificuldade de expressão, que aponta certa percepção conservadora, conforme o
que se segue.
Ai, ai... Gestão democrática é uma gestão participativa, em que envolve todos
os profissionais da escola, inclusive aqueles que eu vejo que não estão
diretamente ligados ao fator ensino-aprendizado. Tem que tá todo mundo
junto com o mesmo objetivo, se não a coisa não funciona. Merendeira,
auxiliar de serviços gerais, porteiro, vigia, todos devem estar empenhados
nesse processo. (P3)
Eu acho que a gestão democrática não funciona muito mas eu acho que
deveria existir, deveria ser mais atuante. A gente sente um pouco essa falta da
democracia. (P1)
Os extratos permitem ver que P3 demonstra mais clareza ao expressar qual a sua
concepção sobre o assunto, enquanto P1 demonstra maior dificuldade em expressar o
62
que pensa sobre a gestão democrática, o que evidencia sua percepção restrita na medida
em que, na ocasião, a professora acaba falando sua opinião sobre a efetivação da gestão
democrática, deixando claro que não funciona muito nos contextos vivenciados por ela,
mas não esclarece o que entende por gestão democrática.
Já os gestores escolares demonstram maior reverência aos processos
participativos:
Gestão democrática é uma gestão participativa, onde as pessoas participam,
os pais participam, os professores, a comunidade; que quando eles dão uma
opinião boa, então eles estão participando de uma gestão participativa.(G1)
Uma gestão que não é democrática, ela é muito centrada numa figura só, em
uma escola, no caso, o diretor. Uma gestão democrática, eu acho que é isso,
todos os setores da escola contribuírem para de fato uma qualidade da
educação e de ensino, de tudo. A gestão seria a descentralização da figura do
gestor. (G2)
Uma gestão democrática acontece quando as pessoas se envolvem no
trabalho, se ajudam e resolvem os problemas juntos. (G3)
Percebemos que as gestoras expressam uma concepção de gestão democrática
que enfatiza a participação da comunidade escolar, o que denota que existe uma
consciência sobre a ação democrática e necessidade da coletividade nesse processo.
Vejamos agora a concepção do gestor municipal de educação sobre a gestão
democrática.
Ouvir todos os segmentos ligados à educação, merendeira, porteiro, com
reuniões e comissões de educação. Uma das ideias é criar comissões,
representantes para colher opiniões das pessoas. (GM)
Durante a entrevista, o gestor municipal expressa claramente seu entendimento
sobre uma gestão democrática e uma opinião favorável quanto à participação da
comunidade escolar na tomada de decisões, mas durante o período em que observamos
a dinâmica da SEDUC, percebemos que ele delega com frequência atividades à gestora
adjunta que, de acordo com alguns professores, mantém uma postura autoritária e
centralizadora em suas ações, o que provocou um clima de rejeição por parte dos
professores. Essa rejeição pôde ser percebida através dos comentários dos professores e
funcionários da rede, nos corredores da escola, nas assembleias de sindicato e na própria
Secretaria de Educação, onde vivenciamos situações de conflitos que serão expostas
neste capítulo.Observamos também que nas escolas da rede, as gestoras trabalham sem
63
uma equipe de apoio administrativo ou pedagógico, o que dificulta a atuação da gestão
em termos de compartilhamento do trabalho. Essa situação prejudica a ação dos
gestores que, sem alternativa, acabam concentrando tempo em atividades que competem
a outros profissionais ou que merecem um apoio. Isso esclarece em muitas situações, a
atuação individualizadora ou centralizadora das gestoras, já que efetivamente não têm
com quem dividir responsabilidades em termos de equipe de trabalho.
O Estatuto do Magistério de Abreu e Lima aponta entre outras atribuições do
gestor as seguintes:
Art. 14º Compete ao Gestor Escolar:
I. Garantir a efetivação de um processo decisório participativo em articulação
com Conselho Escolar;
II. Coordenar, acompanhar e avaliar, juntamente com o Conselho Escolar e a
Supervisão o Projeto Político Pedagógico da escola;
III. Definir, coletivamente:
a) Propostas pedagógicas;
b) O processo de avaliação institucional;
c) O plano financeiro da escola;
IV. Coordenar e acompanhar os trabalhos dos supervisores, professores e
funcionários, garantindo o cumprimento de suas atribuições; (Op. cit. p. 06)
Todas essas atribuições referem-se ao ideal de um trabalho articulado que
envolve participação coletiva não só do gestor como também de uma equipe, como
expressa o artigo. Além disso, o Estatuto menciona uma articulação com um Conselho
Escolar para acompanhamento de uma proposta pedagógica. No entanto em quatro
escolas onde pudemos ter acesso, não há Conselho atuante e, em uma delas, a gestora
esclarece que há Conselho, mas não deixa claro sua atuação.
Nota-se que a gestão democrática reverenciada legalmente exige o uso de
mecanismos que promovam a participação das pessoas e a descentralização dos poderes.
Nesse sentido, entendemos que para se materializarem, no entanto, necessitariam de um
processo de formação a respeito, visando tratar da proposta e de uma nova cultura que
deveria passar a ser desenvolvida e incorporada, mas não encontramos qualquer menção
à formação de professores e gestores que tomasse como referência a discussão a
respeito dos mecanismos de democratização da gestão.
64
Esses mecanismos possibilitam o desenvolvimento da autonomia através da
efetiva participação, quando fazem parte das práticas da escola e do município. Todo o
processo de gestão democrática está diretamente ligado ao desenvolvimento dessa
autonomia.
Chaui (2011) enfatiza que a liberdade e a igualdade são dois conceitos
fundamentais que balizam a questão filosófica da democracia. Logo, essa liberdade
resulta na autonomia necessária para que os indivíduos construam e reconheçam suas
próprias regras. Para Castoriadis (2002), essa autonomia implica na liberdade dos
indivíduos. Sendo assim, seria impossível a construção de uma autonomia sem que
houvesse a liberdade dos sujeitos. Dessa forma, faz-se necessário que os atores
envolvidos num processo de gestão democrática sejam conscientes da importância dessa
autonomia. É nessa direção que captamos dos atores observados durante a pesquisa o
que eles compreendem sobre autonomia e se essa autonomia se faz presente ou não no
contexto escolar vivenciado por eles. Assim questionamos as gestoras sobre como é
desenvolvida (ou não) a autonomia na escola e obtivemos as seguintes respostas:
Sim. Assim... a gente tem que reunir né? Sempre tem que reunir, sempre tem
que consultar. Nem todas as vezes (conseguimos), mas temos que recorrer à
Secretaria de Educação para ter o aval no exercício.(G1)
Num primeiro momento a gestora afirma existir autonomia e, logo em seguida,
assume que as ações no âmbito escolar estão condicionadas a Seduc.
Uma das gestoras esclarece que há autonomia na escola e compara o presente a
outros momentos em que foram vivenciadas práticas mais autoritárias, quando não se
compartilhava o poder e as ações da escola eram mais controladas. Percebe-se, com
esses dados, que existe uma ligação das escolas com a Secretaria de Educação no que
se refere à autorização ou consentimento para realizar atividades no contexto escolar,
mas não expressam claramente uma crítica e nem um posicionamento mais firme
quanto à autonomia da escola. Observamos certa contradição na fala de G1 já que a
gestora afirma que há autonomia e em seguida declara que nem sempre consegue agir
de maneira autônoma, tendo que recorrer à Secretaria de Educação para obter
aprovação em alguma ação que não seja habitual dentro da escola. Já nas falas das
professoras, a falta de clareza quanto ao desenvolvimento da autonomia é mais
evidente. Percebemos um conflito nas respostas que ora declaram existir autonomia,
ora não, o que nos leva a identificar uma dificuldade por parte das professoras em
65
definir o que é um fazer autônomo no cotidiano escolar, denotando certa inconsistência
na sua compreensão.
Tem. Assim... porque... são duas escolas aqui, são duas diretoras, uma
sempre se sai melhor. Elas mostram autonomia, sem precisar de ordens
superiores. (P1)
Assim, a gente é mandada por elas e elas têm gente lá que manda nelas, mas
elas têm autonomia. (P2)
Ela é competente, muito dinâmica e organizada, na questão de dinâmica, de
informes mesmo que vêm da Secretaria de Educação e deve ser passado pra
nós. Ela não deixa escapar nada. Assim, acho que ela é “só ouvidos” quando
ela vai pra uma reunião lá, ela vem com tudo explicado pra nós. Mas em
relação à autonomia, ela não tem.(P3)
P1 esclarece que em um único prédio funcionam duas escolas, portanto atuam
duas gestoras, cada uma no seu limite de espaço e expõe ainda, sua opinião sobre a
atuação das gestoras.
Na fala da P3, a gestora da escola é caracterizada como tendo perfil adequado ou
democrático, já que reproduz as determinações da SEDUC, oportunizando aos docentes
o acesso às informações, mas deixa claro que a gestora não é autônoma em relação às
determinações do sistema educacional.
É importante frisar que, quando questionadas sobre a compreensão que teriam a
respeito da autonomia da gestão, as professoras a associam à figura da gestora da escola
e não à concepção como um todo. Isso nos leva a perceber que o envolvimento no
processo de decisões não é assumido pela equipe docente. De acordo com LUCK
(2011):
Ao se construir a autonomia da gestão escolar, amplia-se até mesmo para fora
da escola, o poder de decisão sobre o seu trabalho. Esse processo de decisão
torna-se, desse modo, mais amplo e complexo, levando em consideração
múltiplos aspectos. É pelo envolvimento no processo de decisão que as
pessoas assumem como responsabilidade própria a implementação de ações
determinadas e a realização dos resultados pretendidos. Assim, os Conselhos
Escolares e Associações de Pais e Mestres, como também Círculos de
Parceiros, dentre outras unidades de gestão colegiada, constituem-se em
espaço de tomada de decisão, que envolvem os pais e a comunidade na
análise e discussão dos problemas educacionais da escola e determinação da
melhor forma de encaminhá-los. (p. 96)
Nessa perspectiva, entendemos que a autonomia, tendo como princípio a
liberdade e independência dos indivíduos, deve ser garantida através de espaços para
66
seu exercício, o que torna necessário que os mecanismos de participação sejam
efetivamente traduzidos em espaços de oportunidades para decisões coletivas e não
apenas de acesso às informações.
Consideramos que os mecanismos de participação são fundamentais para o
desenvolvimento da autonomia escolar e, dentre estes, o Conselho Escolar é um
importante mecanismo de participação e democratização da gestão escolar, o que é
revelado no texto do Estatuto Municipal:
DO CONSELHO ESCOLAR
Art. 35º O Conselho Escolar é órgão consultivo, deliberativo e fiscalizador
das atividades administrativas e pedagógicas da Escola.
§1º A Secretaria Municipal de Educação empossará os Conselhos Escolares
em todas as escolas da rede Pública Municipal de Ensino. (op.cit, p. 13)
O que pudemos perceber, conforme já pontuamos anteriormente, é que nas três
escolas às quais tivemos acesso para entrevista com as gestoras, ficou claro que a gestão
escolar não conta com a participação de um gestor-adjunto, já que não há registro de
gestor-adjunto, e o Conselho Escolar de que trata o Art. 35º não passa de exigência
normativa. Apesar de termos entrevistado apenas três gestoras e analisado apenas uma
escola de uma totalidade de 32 na rede municipal de Abreu e Lima, tivemos a
oportunidade de dialogar com professores e outras gestoras da rede através de reuniões
de sindicato e do acesso à Seduc, lugar bastante frequentado pelas gestoras da rede.
Durante nossas observações, em registros, documentos e através de conversas
informais, percebemos que não há Conselhos atuantes no município. Tentamos obter
informações mais precisas na Secretaria de Educação, mas não obtivemos sucesso.
Quando questionadas sobre a existência de um Conselho Escolar atuante na
escola, obtivemos das gestoras, as seguintes respostas:
Sim, a utilidade desse Conselho é analisar o andamento da escola, analisar as
demandas, as opiniões da comunidade quanto ao trabalho realizado pela
escola. (G1)
Aqui não tem coordenador, nem secretaria, nem Conselho Escolar. (G3)
Dentre as gestoras entrevistadas, apenas G1 respondeu que a escola tem
Conselho Escolar atuante. É importante ressaltar que essa gestora havia ingressado na
67
rede municipal recentemente, através de indicação (ainda estava em processo de
graduação). Na ocasião, a gestora mostrava-se preocupada com o que ia responder,
refletia antes de falar e demonstrava insegurança ao responder porque temia ser
prejudicada de alguma forma se emitisse alguma resposta crítica mais contundente; em
vários momentos solicitou que a pesquisadora não colocasse nada de comprometedor
porque ela estava naquele cargo há pouco tempo, teria sido convidada e não queria ter
nenhum tipo de problemas com o que falaria. As demais gestoras responderam
imediatamente que não havia Conselho Escolar e uma delas, G2, uma das mais antigas
na rede, quando questionada sobre o que seria um Conselho Escolar, respondeu: “A
gente recebe muita correspondência do PDE e deve ser do Conselho”, ou seja, não
conseguiu responder objetivamente o que é o conselho. A resposta expressa os limites
na percepção sobre a importância e atuação do Conselho Escolar, deixando evidente que
não se utiliza desse mecanismo de participação na escola. Da mesma forma, as
professoras, quando questionadas sobre a importância do Conselho Escolar também
denotam restrição no entendimento e vivência desse mecanismo na prática:
Acho que é pra avaliar o aluno. (P1)
Não. Não, eu nunca participei e nem tenho noção do que é. (P2)
As respostas anunciam a falta de conhecimento sobre a importância do Conselho
Escolar e confusão com o Conselho de Classe, mecanismo utilizado para analisar o
desempenho global do aluno na escola e, ao mesmo tempo, denunciam que na rede
municipal esse mecanismo não é utilizado nas escolas.
Em relação ao Conselho Municipal de Educação, o secretário municipal de
educação esclarece o seguinte:
Não temos Plano Municipal de Educação, mas estamos contratando uma
empresa, então está em andamento. Alguns gestores estão participando e a
empresa nos dá o suporte legal. (GM)
Sendo assim, identificamos que são ainda incipientes, no município, as práticas
democráticas garantidas legalmente, o que termina por negar o direito de participação
da comunidade escolar.
Diante do contexto de contradições entre as determinações legais e as práticas
desenvolvidas na educação, identificadas durante a pesquisa e buscando uma maior
compreensão do contexto em análise, procuramos apreender a opinião dos gestores
68
sobre suas ações, por acreditarmos que refletir e repensar a própria prática é essencial
para a sua reconstrução.
Concepções dos gestores sobre suas práticas
Apresentamos abaixo extratos das falas das gestoras quando questionadas sobre
o que acham da própria gestão.
Eu não sou uma gestora sozinha. Meu trabalho eu faço buscando opiniões,
buscando propostas; então ela se torna uma gestão democrática porque eu
não faço uma gestão sozinha. (G1)
Não considero minha gestão democrática porque às vezes a gente não faz
valer o que gostaria de fazer, a gente esbarra no próprio sistema de ensino do
município, na própria gestão, que não é democrática, na verdade não é. A
gente procura fazer algo não tão amarrado, mas não é democrático, ainda não
é. (G2)
Eu não posso fazer muita coisa fora do que a secretaria ordena. Eu ainda faço
muito, tento resolver as coisas do meu jeito, mas a secretária adjunta da
SEDUC, quando fica sabendo de algo que eu fiz fora do que é determinado,
já manda me chamar pra tomar satisfação. Ela me persegue aqui. (G3)
Percebemos que existe uma contradição entre as concepções de gestão
democrática e as práticas desenvolvidas pelas gestoras entrevistadas. Nos extratos acima
as gestoras demonstram compreender as finalidades de uma gestão democrática, mas
não as colocam em prática efetivamente. Apenas G1 considera sua gestão como
democrática, mas G2 denota intenção de democratizar suas ações e clareza sobre os
limites existentes para efetivação da gestão democrática.
É possível, através das falas expostas, identificar que no município em análise, a
gestão democrática é algo que ainda não se materializou, o que deixa evidente a
necessidade de superação de um modelo estático e segmentado de atuação da gestão
educacional e da escola. Dessa forma, a democracia formalmente institucionalizada é
uma realidade ainda distante quando se trata de sua efetivação, identificando-se com
uma concepção de gestão positivista que durante muitos anos se fez presente em nossa
realidade, mas que ainda hoje perdura em determinados contextos. Essa constatação
mostra a necessidade não só de uma maior propagação sobre as finalidades da
democracia para a educação, como também de entendermos sobre qual democracia
estamos falando e qual democracia estamos vivenciando.
69
Durante muito tempo, na realidade brasileira, e ainda hoje, é possível observar,
bem como mostra nossa análise, o desenvolvimento de um modelo de gestão, ou
direção, centralizado na figura do diretor, que em muitos casos atua como mero
executor de normas e determinações centrais e generalizadas. Nessa perspectiva, o
diretor atua sem autonomia e sem responsabilidade pelos resultados das ações exercidas,
já que apenas executa as determinações advindas de órgãos centralizadores de poder.
Dentro dessa lógica, o sistema de gestão age de maneira hierarquizada, estática e
burocrática, em que as peculiaridades de cada escola não podem ser levadas em
consideração. Nesse contexto, ao diretor escolar cabe a função de zelar pelas normas e
garantir que a escola funcione rigorosamente dentro dos padrões estabelecidos
hierarquicamente. Para Luck (2006):
Essa situação explicar-se-ia pelo entendimento limitado de que a escola é do
governo, visto como uma entidade superior e externa à sociedade. Esse
entendimento, é possível conjeturar, pode estar associado ao pé da letra da
determinação constitucional de que educação é dever do Estado,
interpretando-se de forma inadequada essa determinação legal, no sentido de
que caberia à sociedade apenas o direito de educação e não a
responsabilidade conjunta de zelar por ela e promovê-la. Em associação a
este entendimento, estabelece-se uma concepção, segundo a qual diretores
são separados de deveres, e governo é separado da sociedade, daí por que o
governo seria responsável pela escola e pelos seus processos, sendo a
sociedade constituída de usuários, a quem cabe receber os benefícios
oferecidos. (op.cit, p. 36-37)
Essa concepção de gestão adotou princípios lineares, racionais e limitados que
resultaram na hierarquização dos sistemas de ensino e das escolas, onde as ações eram
fragmentadas e os sujeitos não assumiam responsabilidades sobre elas. Esse modelo
burocrático de gestão implica na centralidade da autoridade que finda por dificultar a
participação coletiva em detrimento de práticas engajadas e da constituição de uma
cultura de participação onde os sujeitos se tornem responsáveis por suas ações.
Compreendemos os sistemas de ensino e as escolas como unidades sociais, vivas e
dinâmicas e, sendo assim, sua organização requer um novo olhar. É exatamente nesse
sentido e através dessa necessidade de mudança que a gestão democrática pode e deve
atuar e o faz a partir das interações, em que o gestor tem como foco uma prática social
voltada para o compartilhamento do poder e das responsabilidades, contribuindo de
maneira intencional e consciente para o desenvolvimento do sentimento de
pertencimento coletivo do espaço escolar em superação à ordem centralizadora que
70
ainda persiste em algumas realidades educacionais. Essa forma de gestão corresponde a
um paradigma que considera as racionalidades diversas e dimensões da ação humana.
Ao considerar a realidade dinâmica e complexa das organizações educacionais,
assim como das unidades de ensino, destacamos a importância dos processos interativos
e a pluralidade de interesses que nela circulam e que também deveriam ser objeto de
atenção e ação por parte da gestão. Essas características refletem o caráter complexo dos
processos interpessoais que ocorrem nas organizações sociais e unidades de ensino e
revelam a necessidade de se ir além de uma concepção de gestão pautada na
centralidade e generalização. De acordo com Luck (2006), a gestão democrática
abrange a dinâmica das interações, o que dirige a ação do gestor para focalizar a prática
social que passa a ser realizada de forma compartilhada e sob uma perspectiva mais
humana. Esta não desconsidera os conflitos, os diversos interesses, as correlações de
força e, acima de tudo, se pauta nas peculiaridades que são a identidade de cada escola e
de cada organização.
Para Estêvão (2012) é importante observar que uma gestão democrática mais
justa não está limitada apenas à letra da lei, mas deve-se relacioná-la às suas dimensões
de justiça e da igualdade de possibilidades em sua atuação3. Mas entender a gestão
democrática requer também reconhecer seus limites, como pudemos observar na fala de
G2. É nesse sentido que se faz possível ir além das contradições entre ideias e realidade,
à medida que se reúnam esforços para essa superação que, a nosso ver, depende também
de um processo sistemático e de um investimento para sua realização.
Considerando que uma gestão democrática se faz pela da conquista de poder por
aqueles que não o tinham, via participação, trazemos adiante as concepções dos sujeitos
sobre as relações de poder que fazem parte das ações nos espaços analisados, assim
como relataremos situações de conflitos pessoais nas instituições de educação
municipais. Tais situações nos ajudaram a compreender melhor as características da
gestão municipal de educação bem como sua cultura organizacional.
Relações de Poder: concepções dos sujeitos
Embora já tenhamos, ao longo de nossas discussões, sinalizado sobre as relações
de poder existentes nos contextos analisados (Seduc, escola, sindicatos), nos
3Em palestra ministrada pelo professor Carlos Estêvão em 2012, na UFPE.
71
empenhamos agora na análise feita a partir das relações de poder nesses espaços. Ao
longo de nossas observações, essas questões foram ganhando força e delineando um
novo olhar dos próprios sujeitos envolvidos sobre as práticas conservadoras e o abuso
de poder desenvolvidos no âmbito educacional do município. Tratamos esses aspectos
como fundamentais para compreender os processos de gestão porque acreditamos que a
partir dessas relações podemos também compreender a cultura que permeia as práticas
vigentes nas instituições e, a partir daí, poder transformá-las,em como por entendermos
que a construção de uma cultura democrática esteja diretamente ligada ao
compartilhamento do poder entre os sujeitos envolvidos nas tomadas de decisão para o
enfrentamento dos problemas que surgem constantemente nas instituições. Seguindo
essa lógica, como ressalta Friedberg:
Escorada nas incertezas inerentes aos problemas a resolver, toda a estrutura
de acção colectiva, logo todo o sistema de acção concreto, constitui-se como
um sistema de poder. Ela é fenômeno, efeito e facto de poder. Enquanto
construção humana, ela arruma, regulariza, “domestica” e cria poder para
permitir que os actores cooperem nas suas empresas. De fato, a ação
colectiva que ela torna possível não é mais que política quotidiana, ou, se se
preferir, micropolítica; o poder é a sua matéria-prima, é a mediação comum e
ao mesmo tempo autónoma dos objetivos e apostas diferentes dos actores
envolvidos que conservam uma relativa autonomia uns dos outros. (1993, p.
255)
É nessa perspectiva que buscamos analisar os conflitos existentes no campo de
estudo. Em princípio, trazemos como contribuição para nossa compreensão sobre o
contexto das relações interpessoais, a fala do gestor municipal de ensino, que ingressa
na Secretaria de Educação através de indicação do prefeito, logos após o falecimento da
secretária, até então em exercício. Trazemos esta fala porque expressa a primeira
impressão de alguém que acaba de ocupar uma função nova e que ainda não tem
referências sobre o contexto das relações interpessoais da instituição.
Foi muito difícil pra mim como administrador entrar aqui. Eu tinha uma
visão boa daqui, mas quando entrei, vi que não era isso. Ainda tem uma
atmosfera de conflitos interpessoais. Eu sou recebido com muito carinho
onde chego, nas escolas, é o reconhecimento do trabalho e o prefeito deu
condições pra isso. (GM)
Em sua fala o secretário expressa o que sentiu sobre as relações interpessoais
logo que ingressou na função, deixando claro o clima de conflitos existente na
instituição. É importante salientar que muitos rumores entre os funcionários da SEDUC
apontam que a antiga gestora tinha uma postura autoritária e não dialogava com seus
72
subordinados, mantendo uma relação que, segundo relatos, era marcada pelo medo e
pelo abuso de poder. Durante conversa informal com duas professoras da rede
obtivemos o seguinte registro:
A secretária de educação, quando não gostava de alguma atitude de uma
professora, demitia a pessoa por mensagem de celular. Não deixava a pessoa
se explicar, se defender. Era o que ela queria e pronto. (PI)
A esse respeito uma das funcionárias da Secretaria de Educação relata que o
motivo da mudança na gestão da SECUC não foi exatamente o falecimento da então
secretária:
A secretária de educação estava passando dos limites e por isso vários
professores e funcionários começaram a fazer queixa no gabinete do prefeito.
Ela tratava as pessoas muito mal, ofendia mesmo. Ameaçaram até processá-
la. Então, o prefeito, que não queria ficar mal visto pelos professores ou ter
outros problemas, resolveu tirar ela da função de secretária de educação,
depois de tantos anos nesse cargo. Dizem que ela ficou arrasada. Depois
disso ela teve esse problema de saúde e faleceu, mas foi tudo muito rápido.
Percebemos esse tipo de conversa em várias situações durante o período em que
o novo gestor assume suas funções. A antiga secretária veio a falecer no período em que
coletávamos os dados da pesquisa e, nesse sentido, pudemos apreender as críticas.
Pouco antes da morte da secretária, havia muitos rumores sobre sua demissão. Trazemos
esses extratos de falas como parte das nossas observações no campo de estudo,
primeiramente porque foram captadas de conversas informais e o assunto estava
presente entre professores e funcionários de várias escolas na rede; e porque
consideramos relevantes para entendermos um pouco mais da cultura da instituição
através das concepções dos atores sobre as relações estabelecidas no âmbito da gestão
educacional.
Procuramos apreender, a partir das concepções dos sujeitos, como se dão as
relações de poder na gestão educacional. Esses aspectos subjetivos, que foram
observados ao longo de nossas visitas, também foram evidenciados em nossas
entrevistas. Na ocasião, focalizamos dois aspectos: o primeiro sobre como o gestor
entende a relação entre a SEDUC e os gestores escolares; o segundo sobre as relações
entre o gestor e seus subordinados. Dentre as abordagens, ressaltamos:
73
Enquanto gestão, eu tentei humanizar ao máximo, acho que hoje, em relação
a quando cheguei, eu daria uma nota sete. Ainda há muito que se melhorar. A
comunicação aqui ainda é uma grande dificuldade. (GM)
Mais uma vez o secretário pontua as dificuldades existentes nas relações
interpessoais na Secretaria de Educação, admitindo a necessidade de melhorar a
comunicação entre as pessoas. Consideramos a comunicação como um aspecto
importante para o equilíbrio entre as relações de poder, mesmo acreditando que não seja
possível, em um contexto institucional, uma total conformidade de ideias, pois a própria
diversidade de racionalidades, interesses e culturas, inerentes nas relações humanas,
limitam seu total equilíbrio. Porém acreditamos que quanto melhor e mais justo for um
sistema de comunicação em uma organização, melhor também será o desenvolvimento
das suas relações. Dessa forma, de acordo com Estêvão (2008), a educação como um
direito social, não poderá abster-se à formação de uma cultura de valorização dos
princípios éticos e do respeito às diferenças,em que cada um tem o direito de expressão
garantido. Nessa perspectiva, a escola deve ser entendida como um espaço que vivencia
os princípios democráticos.
Nesse sentido, a comunicação assim como o conflito, tornam-se condições de
possibilidade da escola como espaço público, ou seja, como espaço de
debate, de conviviabilidade e de “voz”, de intercâmbio de ideias, de direitos e
deveres argumentativos, de adaptação coletiva das decisões que ultrapassam
os muros domésticos da própria escola, de democracia. (ESTÊVÃO, 2006, p.
92).
A vivência desses princípios democráticos, entendidos dessa forma, favorece a
construção de uma “organização comunicativa” (BOTLER, 2004). As relações entre a
escola e a SEDUC são compreendidas também a partir das falas dos gestores escolares:
É uma relação boa, sempre estamos lá em reunião, todas as informações que
se passam lá a gente traz para a equipe. (G1)
É uma relação muito difícil, não posso tomar nenhuma decisão aqui, que logo
sou chamada para dar satisfação. (G3)
As gestoras G1 e G2 consideram boa a relação da SEDUC com a escola ou com
as gestoras. Já G3, enfatizando os limites na tomada de decisões, considera sua relação
com a secretaria difícil e afirma ter suas ações limitadas pela instituição. Um exemplo
pode ser observado a partir de uma de nossas visitas à Secretaria de Educação, em que
vivenciamos um momento de conflitos entre a secretária adjunta de educação e os
funcionários da escola que funciona no mesmo prédio da SEDUC. Na ocasião a mãe de
74
um aluno esperava pela gestora com o intuito de agredi-la e reclamava que a gestora da
escola não havia informado sobre o processo de matrícula e, com isso, a fez voltar à
escola mais uma vez. Nesse momento dois professores da escola, com o intuito de evitar
uma possível agressão contra a gestora, ligaram para ela, que estava a caminho da
escola e solicitaram que não viesse naquele momento, explicando o motivo. Em seguida
os professores conseguiram acalmar a mulher que estava bastante agressiva e ameaçava
os funcionários da escola. Quando enfim a situação foi contornada, os professores foram
chamados pela secretária adjunta da SEDUC e foram questionados sobre o fato.
Segundo relatos dos professores, ela deixou claro que eles não poderiam resolver o
conflito ou ligar para gestora evitando sua presença, reforçando ainda que o lugar de
professor é na sala de aula e o que concerne à organização escolar é de responsabilidade
da gestão, denotando concepção hierarquizante e centralizadora, além de grosseira.
Depois que resolvemos o problema aqui na escola, a adjunta nos chama para
dizer que nós não tínhamos que sair da sala para resolver nenhum conflito.
Em nenhum momento a mulher reconhece que fomos integrados em resolver
a situação. Ela não tem noção de um trabalho em equipe, tudo que fizemos
foi evitar uma cena de agressão aqui na escola e terminamos ouvindo
reclamação e ela ainda nos pediu que voltássemos ao nosso lugar que é
apenas a sala de aula.(P)
Pouco tempo depois do ocorrido, a gestora da referida escola chega à Secretaria
de Educação onde foi questionada pela adjunta e repreendida. O relato da gestora
corrobora o já afirmado pelos docentes de que a adjunta não concordou com o fato de os
professores terem saído das salas para resolver uma situação que não era
responsabilidade deles e que a gestora errou em atrasar sua chegada, conforme
solicitação dos mesmos.
Nesse momento pudemos perceber um forte conflito nas relações entre os
envolvidos, o que deixa evidente o autoritarismo e centralização de poder que limitam
as ações da escola e sua comunidade. Percebemos que os docentes agiram por livre e
espontânea vontade, no gozo de sua autonomia, visando atuar afirmativamente diante
da sensação de ameaça por parte de uma mãe de aluno que, por sinal era uma ex-
presidiária, que já havia respondido por crime de agressão. A situação relatada causou a
revolta e insatisfação dos professores e funcionários da escola que se diziam
injustiçados pelas críticas e sufocados pelo excesso de autoritarismo da secretária
adjunta. Consideramos esse acontecimento, entre os vários observados por nós, como
um enfrentamento de uma cultura autoritária, pelos professores. Essas atitudes nos
75
fazem compreender que a partir de ações compartilhadas se faz possível superar práticas
centralizadoras e construir uma nova forma de agir. Esse processo nem sempre é
simples e exige engajamento dos sujeitos envolvidos, fortalecendo e ampliando as
possibilidades de transformações necessárias a uma educação mais autônoma e justa.
Assim, apesar de encontrarmos percepções ingênuas de alguns sujeitos que
observam as relações interpessoais e de poder na educação como harmoniosa,
percebemos a crítica consciente de outros sujeitos que encontram na autonomia e na
participação ativa seus caminhos, não tão tranquilos, para construir uma nova lógica na
educação do município. Esta nova concepção é construída progressivamente na
perspectiva da formação de uma nova cultura, o que se faz pelos mecanismos legais e
pela vivência de diferentes e, muitas vezes, divergentes, concepções. A seguir
trataremos das perspectivas de democratização a partir das contribuições dos
dispositivos legais que corroboram para a valorização do magistério e da educação.
4.3. Perspectiva de democratização na gestão municipal de educação: a eleição de
gestores como mecanismo de participação
Entendemos que a gestão da educação constitui um dos fundamentais aspectos
balizadores para a formação da cultura e do desenvolvimento de práticas que podem ou
não contemplar o compartilhamento do poder e democratização da educação.
Percebemos na gestão municipal de Abreu e Lima, bem como na gestão educacional, a
presença de uma cultura política com traços burocratizantes e patriarcalistas e, por outro
lado, uma força política contrária instituída formalmente (formação de um sindicato de
professores) e que também vem ganhando força e favorecendo o desenvolvimento de
novas perspectivas de avanço democrático desse município. Os mecanismos
democratizantes instituídos legalmente trazem uma nova realidade para a educação dos
sistemas de ensino que podem fragilizar práticas centralizadoras de gestão. Para tanto,
de acordo com Friedberg (1983), faz-se necessário que os envolvidos nesse processo
conscientizem-se de tal poder e assumam a responsabilidade necessária para o processo
de mudança ao qual almejam. Dentro dessa perspectiva, tratamos da eleição de
diretores escolares como um dos instrumentos democratizantes de grande relevância,
uma vez que o processo se dá pelo engajamento da comunidade escolar e pelo exercício
de seu poder.
76
Tomamos o processo seletivo/eletivo de gestores como um dos mecanismos de
participação, embora não se garanta necessariamente que esse processo resulte na
melhor opção, compreendemos essa experiência como relevante no exercício
democrático. Constatamos que nunca houve eleições para gestores nas escolas de Abreu
e Lima, e, conforme já mencionado, a maioria das gestoras atualmente são contratadas
temporariamente para exercer essa função. Tal situação ignora as normas estabelecidas
no Estatuto, tanto no que diz respeito às eleições para gestores quanto no que se refere à
formação exigida para essa função.
Segundo o Estatuto do Magistério municipal, em relação à Gestão Escolar, no
que se refere à função do gestor, temos o seguinte:
Art.13º A função de Gestor será exercida nas escolas da Rede Municipal de
Ensino por professores com habilitação mínima em Licenciatura Plena em
Pedagogia ou Pós Graduação em nível de Especialização, Mestrado e
Doutorado na área de Educação, que deverá ser escolhido por meio de eleição
direta para exercer a função. (op cit., p.06)
A exigência mínima de formação para o exercício da função de gestor, conforme
o artigo 13º do estatuto, não tem sido respeitada, tendo em vista a existência de gestoras,
como se observa nas falas abaixo, que ainda estão em processo de graduação.
Eu sou estudante do curso de pedagogia, sou contratada da prefeitura e estava
em sala de aula quando fui chamada na Secretaria de Educação e me fizeram
a proposta de assumir essa gestão. (G1)
Trabalho aqui na gestão há seis anos e fui indicada. No momento estou no
quarto período do curso de pedagogia, mas nunca fiquei sabendo de eleição
para gestores no município. (G2)
Na ocasião, as gestoras entrevistadas, revelaram nunca ter havido no município
um processo de eleição pra o cargo de gestor, o que se contrapõe ao que diz o Estatuto
sobre a eleição para a direção das escolas:
DA DIREÇÃO DAS ESCOLAS
Art. 30º O Gestor será eleito mediante processo eletivo, na forma do artigo
13 desta Lei.
Parágrafo Único: As eleições para Gestor Escolar e Gestor-Adjunto
ocorrerão, preferencialmente, entre os dias 01 e 15 de novembro do último
ano dos seus mandatos. (p. 12)
77
Dessa forma, o Estatuto estabelece a exigência não só de uma gestão eleita por
um colegiado, como também estabelece a sistemática de um período para o processo de
eleição no município, assim como as atribuições que competem ao gestor escolar e
gestor adjunto.
A nomeação de diretores nas escolas públicas do país, sempre foi motivo de
polêmica e controvérsias; e mesmo a própria legislação que estabelece princípios de
democratização da gestão escolar não esclarece diretrizes específicas sobre o processo
de ocupação do cargo de gestor das escolas públicas. A Constituição Federal de 1988,
em seu artigo 206, estabelece "gestão democrática do ensino público na forma da lei".
Cabe, então, aos sistemas de ensino definirem as normas de gestão democrática
conforme segue:
Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme
os seguintes princípios:
I- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II- participação das comunidades escolares e local em conselhos escolares ou
equivalentes (LDB, art. 14).
Com o intuito de definir critérios e instituir a eleição direta para gestores nas
escolas públicas em junho de 2007, a senadora Ideli Salvatti protocolou um projeto de
lei (Lei Nº 344/2007) propondo acréscimo de inciso ao artigo 14 da LDB, onde
estabelece a eleição direta para diretores nas escolas públicas. O inciso de que trata a
proposta contém o seguinte texto:
III- Escolha, para mandato de, pelo menos, dois anos, dos ocupantes do cargo ou
função de diretor de escolas de ensino fundamental, médio e técnico das
redes públicas federal, estadual e municipal, mediante eleição direta com a
participação da comunidade escolar constituída por professores, funcionários,
alunos, pais.
Salvatti ressalta ainda que, para o pleno cumprimento do que estabelece a nossa
Constituição Federal, se faz necessária a eleição de diretores nas escolas públicas do
país e aponta esse processo como o exercício básico de cidadania ativa que envolve toda
a comunidade escolar.
78
Paro (2007) defende a importância de se estabelecer regras na legislação
municipal ou estadual que definam critérios para atuação de conselhos escolares para o
processo seletivo/eletivo de gestores ou mesmo que permitam que as próprias escolas
estabeleçam em seu estatuto tais regras.
Em pesquisa realizada em escolas de todo o país (1996), o mesmo autor traz
alguns limites e aspectos das experiências eletivas nas escolas públicas e, apesar de
defender a eleição direta para gestores, ressalta que o processo de eleição para o cargo
não garante por si só sanar velhas questões como o corporativismo, o clientelismo, o
autoritarismo que permeiam as práticas de gestão nas nossas escolas, mas tem um
importante papel na diminuição dessas práticas. Logo percebe-se que o processo eletivo
para cargo de gestor não se traduz em uma solução para todos os problemas na
escola, mas em uma possibilidade de superação de práticas autoritárias.
O fato, entretanto, de a incipiente prática política introduzida pelas eleições
de diretores não ter sido capaz de eliminar por completo essas expectativas e
comportamentos clientelistas não pode levar a que se impute às eleições as
causas desses males que nada mais são, na verdade, do que remanescentes de
uma cultura tradicionalista que só a prática da democracia e o exercício
autônomo da cidadania poderá superar. (PARO, 1996)
O autor nos leva a compreender que se existe ainda em nossas escolas uma
tradição marcada pelo autoritarismo é com a persistência nos mecanismos de
participação que se faz possível o exercício da democracia. Daí a necessidade, a nosso
ver, de eleições para gestores nas escolas públicas bem como da efetiva participação da
comunidade escolar em outras unidades de gestão colegiada.
Outro aspecto que pontuamos em nossas análises é o processo de ingresso e
permanência no magistério público de Abreu e Lima. Procuramos compreender como
acontece esse processo no município, como se dão as progressões de funções, regime de
trabalho, entre outros aspectos de valorização profissional, pois acreditamos que esses
aspectos também expressam a cultura organizacional das instituições.
4.4. Carreira no magistério público municipal: o regime de trabalho.
O Estatuto ressalta em seu Art. 5º que o magistério público do município é cargo
único, integrante do quadro permanente e denominado professor. Sendo assim
possibilita ao professor “permanente” exercer as seguintes funções:
79
§ 1º O professor vinculado ao Magistério Público de Abreu e Lima, conforme
regulação desta Lei pode exercer as seguintes atribuições:
I. Docência, sendo esta o efetivo exercício do Magistério:
II. Funções técnico-pedagógicas:
a) Assessoria Pedagógica de Ensino da Secretaria de Educação;
b) Supervisão Escolar;
c) Administração Escolar;
d) Inspeção Escolar;
e) Coordenação de Biblioteca;
f) Coordenação de laboratório de Informática e Central de Tecnologia;
g) Equipe Técnica do Centro de Reabilitação (CREEAL);
§2º Para habilitar-se ao exercício da função técnico-pedagógica, o professor
deverá ter cumprido regularmente o período do estágio probatório (op cit.
p.02)
Conforme o texto legal do mesmo Estatuto, só poderão exercer as funções
mencionadas no artigo 5º professores devidamente investidos na carreira do magistério
e integrantes do quadro permanente, ou seja, ter sido aprovado em concurso público.
Quanto ao ingresso no magistério:
Art. 21º O ingresso no Magistério Público Municipal dar-se-á exclusivamente
por concurso público de provas e títulos.
§1º Comprovada a existência de vagas nas escolas e a indisponibilidade de
candidatos aprovados em concursos anteriores, o município realizará
concurso público para preenchimento das mesmas, ficando resguardado o
princípio de não solução de continuidade do serviço público, sendo os casos
de excepcional interesse público definidos por lei própria. (op cit.,p. 10)
O caput do artigo 21 expressa a exigência de concurso público para o ingresso
ao magistério no município, enfatizando ainda, em seu parágrafo primeiro, a
obrigatoriedade de realização de concurso público quando o número de vagas não for
totalmente preenchido. Essa exigência ressalta a importância da manutenção de um
quadro efetivo (concursado) de professores na rede. No entanto, na prática, não é o que
verificamos. Ao analisar os registros de funcionários da SEDUC, não encontramos, até
dezembro de 2012, nenhum funcionário concursado. Ou seja, todos os funcionários que
integravam o quadro técnico-profissional da SEDUC, até o momento, eram mantidos
através de contratos temporários. Essa constatação nos levou a perceber que o discurso
legal não condiz com a prática realizada no município nesse aspecto legal, o que é
reiterado em relação aos professores. Só em abril de 2012 foram contratados
temporariamente 42, e em agosto do mesmo ano, mais 70 professores, todos em regime
de contrato temporário. Até o momento não se sabe se esses professores foram
contratados para assumir suas funções em sala de aula. Essas informações podem ser
80
observadas no projeto de Lei n º 020/2012 que aumenta o número de funções
temporárias de professores na SEDUC, contrariando o Estatuto.
Ainda quanto ao regime de trabalho, pudemos perceber a insatisfação de muitos
professores no que diz respeito ao descumprimento da lei em relação à aula-atividade.
Buscamos analisar o estatuto, como aparato legal que norteia as atividades docentes e
verificar o que os docentes falam a respeito do regime de trabalho desenvolvido no
município, além de observar a realidade vivida nesse contexto para podermos
compreender como funciona o regime de trabalho dos docentes. Dessa forma, podemos
perceber se o Estatuto tem sido cumprido ou não.
No capítulo que trata do Regime de Trabalho do professor no exercício da
docência, no Estatuto do Magistério, temos em seu artigo 24º a distribuição de carga
horária:
Art. 24º A carga horária do professor compõe-se de:
I. Horas-aulas docência;
II. Horas de atividades Pedagógicas coletivas;
III. Horas de atividades pedagógicas individuais;
§1º A distribuição da carga horária do professor obedecerá às seguintes
proporções:
I. 150 (cento e cinqüenta) horas-aula mensais:
a) 125 (cento e vinte e cinco) para horas-aula para docência;
b) 15 (quinze) horas-aula, para atividades coletivas;
c) 10 (vinte) horas-aula, para atividades pedagógicas individuais.(op
cit.,p.10)
Art. 26º As horas-aula destinadas às atividades pedagógicas individuais,
compreendem atividades de preparação de aulas, de material de apoio
didático, preparação e correção de instrumentos de avaliação de
aprendizagem dos alunos. (p.11)
Percebe-se claramente no texto que existe uma distinção na distribuição da carga
horária que estabelece que um percentual de horas-aula seja direcionado a atividades
coletivas e pedagógicas individuais, também denominadas por hora-aula atividade. Esse
percentual, que segundo o Estatuto está definido em vinte e cinco por cento da carga
horária total do professor, conforme Art. 26º destina-se a momentos de produção
pedagógica, pesquisas, planejamento de aulas, avaliações e tudo que envolve as
atividades pedagógicas que o professor necessita desenvolver individualmente, sem
interferências. Isso porque tais atividades exigem concentração, escolha de material
pedagógico adequado, análise de desenvolvimento dos alunos, sendo assim, de grande
relevância ao bom desempenho dos professores como também para o sucesso das aulas.
81
O documento define que o percentual de hora-aula atividades é obrigatório,
muito embora, segundo um de nossos entrevistados, esse percentual nunca tenha sido
respeitado no município, uma vez que os professores da rede não usufruem desse
direito, estando sujeitos a completar o tempo que legalmente está destinado a horas-
aula atividade, ministrando aulas.
Temos que fazer valer os nossos direitos. No Estado, os professores têm o
direito à aula atividade, em Recife, esse direito já vem sendo reivindicado na
justiça. Já aqui, em Abreu e Lima, nós temos que corrigir provas, organizar
cadernetas e elaborar atividades, tudo em sala de aula. (p.4)
De acordo com a fala do professor, o município não garante a aula-atividade e
acaba comprometendo o trabalho docente, já que os professores precisam de tempo para
planejar aulas, corrigir provas e organizar caderneta. Outra contradição que
identificamos entre as determinações do Estatuto e a realidade vivenciada na rede está
relacionada às funções técnicas do magistério, que em sua totalidade são exercidas por
funcionários que trabalham em regime de contrato temporário. De acordo com o
Estatuto referem-se às funções técnicas as atividades de Supervisão Escolar e
Assessoria Pedagógica de Ensino, conforme o que segue:
Art. 10º A função de Supervisão Escolar será exercida na escola por
professor habilitado em Licenciatura Plena em Pedagogia.
Art.11º Compete ao supervisor escolar:
Participar da elaboração do projeto político-pedagógico, do calendário
escolar, reuniões pedagógicas e do Conselho de Classe;
Art. 12º À Assessoria pedagógica de ensino compete as seguintes atribuições:
Propor e sistematizar conteúdos de ensino; (op. cit.,p. 05)
A função de supervisão escolar, conforme o texto legal, deverá ser exercida na
própria unidade escolar e por professor habilitado. Dessa forma, os artigos 11 e 12
ressaltam as atribuições referidas às funções técnicas, sendo todas realizadas no
ambiente escolar. No entanto, de acordo com registros da SEDUC e com uma das
gestoras entrevistadas, na rede municipal não há profissionais com funções técnicas
realizando as atribuições em apoio ao desenvolvimento e aprimoramento das atividades
docentes, tampouco pudemos perceber, nas escolas visitadas, algum Conselho de Classe
atuante, ou mesmo existente, conforme relato abaixo:
Aqui, na rede, não temos supervisor escolar e nem coordenador para ajudar
nas nossas atividades, então eu sou sozinha pra tudo. Aí fico pedindo a
82
contribuição dos professores para fazer documentos de secretaria quando
estou muito atarefada. (G3).
Quanto ao Projeto Político Pedagógico, citado como uma das atribuições do
supervisor escolar, percebemos que há escolas em que o documento nem existe e
quando existe, não se encontra, tal como refletem as falas abaixo:
Fizemos um em 2010, formulamos em 2009, mas não mudamos mais nada,
até agora, está guardado. (G2)
Na escola não há PPP, não tenho nem profissionais na secretaria. A secretária
aqui é uma professora readaptada, eu tento trazer alguém pra cá, mas a
secretaria não manda. Então, eu sozinha não posso organizar essas questões.
(G3)
Não obstante, nos dispositivos legais que regularizam as funções docentes em
Abreu e Lima, observamos uma desarticulação que se vivencia no cotidiano escolar,
tendo em vista que a organização e gestão das escolas funcionam apenas com um gestor
e no máximo com um professor readaptado exercendo funções de secretaria.
Percebemos que as mudanças no sentido de melhorar a qualidade do trabalho da
organização escolar não acontecem no município. A única mudança mais providencial
que pudemos perceber foi em relação às gratificações dos professores.
Gratificações e Produtividade
Da seção II do Estatuto referente às Gratificações e Produtividade dos
professores temos o seguinte texto:
Art. 54º Aos Professores de Ensino Fundamental, enquanto estiverem em
efetivo exercício de regência de classe, serão atribuídas às seguintes
gratificações:
a) Cinquenta por cento (50%) sobre a sua carga horária total em exercício de
sua função a título de gratificação de regência de classe;
(MODIFICADA POR LEI MUNICIPAL PARA 28% EM 2008)
b) Vinte por cento (20%) sobre a sua carga horária total em exercício de sua
função a título de difícil acesso; (Op. cit.,p. 21)
A mudança de que trata a alínea “a” do artigo 54º que reduz a gratificação de
regência de classe dos professores foi modifica em 2008, ano em que a prefeitura
realizou um novo concurso. Essa mudança foi proposta pelo SISMAL² (Sindicato dos
83
Servidores Municipais de Abreu e Lima). Segundo o Sindicato, tratou-se de uma
espécie de troca na qual se reduzia a gratificação, mas, por outro lado, os novos
integrantes da categoria, recentemente, aprovada em concurso público, teria também o
direito a receber a gratificação antes do final do estágio probatório. Vale salientar que a
decisão de redução de gratificação foi tomada antes mesmo do novo grupo de
professores ser convocado pelo município. Tal mudança gerou muita polêmica quando
os novos professores assumiram seus cargos, quase dois anos depois, em 2010.
Com o ingresso dos novos professores à rede municipal de educação, vários
pontos de discordância foram surgindo, com referência às contradições entre o Estatuto
e as práticas vivenciadas, conforme analisamos aqui. Esse contexto de insatisfação foi
aos poucos gerando um clima de conflitos nas relações entre os docentes, a SEDUC e a
administração. Seguimos nossas análises salientando as relações de poder estabelecidas
no município e as mudanças ocorridas durante o processo de lutas docentes por
reconhecimento de seus direitos.
4.5. Construindo uma nova cultura
Muitas mudanças no contexto de gestão educacional ocorreram no município de
Abreu e Lima nos últimos anos. Essas mudanças se construíram a partir de aspectos
ligados às relações de poder que aos poucos foram ganhando nova dimensão. Com
nossas observações e imersão ao campo de estudo, podemos apontar aspectos que foram
fundamentais para o redirecionamento da cultura organizacional e consequentemente
das relações estabelecidas nesses espaços. Contudo trazemos de antemão, através das
falas dos entrevistados, as concepções a respeito das transformações ocorridas na gestão
municipal de educação e suas perspectivas futuras, suas opiniões e sugestões quanto às
relações estabelecidas. O secretário de educação trata do assunto:
Acho que teve um avanço aqui. Eu não sabia o que era educação. Eu fiquei
chocado quando cheguei que uma professora conseguiu falar comigo e outro
dia veio e tirou uma foto para provar que falou comigo, fiquei chocado com
isso. Eu não entendo como se consegue administrar sem um contato com as
pessoas e professores. Eu acho impossível. Eu peguei uma situação muito
difícil aqui. Acho difícil esse tratamento que se tinha aqui entre os
funcionários.
Acho que tem uma opinião sobre os professores concursados que tem que ser
derrubada. Conversei com o Pastor Marcos (atual prefeito) sobre isso e estava
dizendo que se olha o concursado de maneira negativa. Acho que um ponto
negativo de muitos municípios é cobrar muito do concursado e não lhe dar
condições de trabalho. É importante cumprir com os deveres também. O
84
ponto negativo é a não observação dos aspectos legais de direitos e deveres
de ambas as partes.
Quando eu cheguei aqui, as pessoas me diziam que os professores
concursados eram umas pestes, mas achavam não por maldade, é que não
existia uma comunicação. Existem profissionais bons em qualquer lugar, em
todo local tem funcionários bons e ruins. Mas a partir do momento em que se
trata o professor bem, tudo muda. Acho que o professor tem que ser tratado
como ser humano e não como alguém que quer derrubar secretário, gestão.
Eu tinha uma visão boa daqui, mas quando entrei vi que não era isso. Ainda
tem uma atmosfera de conflitos interpessoais.
Considero minha gestão em processo de democratização. Tem muita coisa
por fazer ainda. (GM)
Na fala exposta, o secretário evidencia que sua gestão trouxe algumas mudanças
nas relações interpessoais na Secretaria de Educação com os funcionários e
professores,pautado numa visão pessoal de relacionamento e na crítica à gestão anterior,
como tendo sido extremamente rude com os profissionais da educação.
Questionamos os professores sobre as mudanças necessárias para uma gestão
mais democrática e participativa e obtivemos as seguintes falas:
Acho que a questão da gestão mesmo, eleição pra diretor, acho que a
descentralização mesmo. (descentralização de poderes). (P2)
Descentralização de poder, primeiramente, e de tarefas. Primeiramente, os
gestores passarem a ter mais autonomia. Porque tem coisa que os gestores
poderiam resolver aqui mesmo na escola, não precisaria comunicar à
Secretaria de Educação ou esperar uma resolução deles, assim reuniões mais
frequentes, de gestor com equipe, professor com gestor, como por exemplo,
verificar o que estamos errando e acertando, isso contribuiria muito. (P3)
As práticas centralizadoras, falta de autonomia e conflitos interpessoais são
constantemente enfatizados entre os sujeitos como pontos negativos na gestão
educacional.
O que a gente quer é que o estatuto dos professores de Abreu e Lima seja
colocado em prática na sua integralidade, inclusive tendo leis que
regulamentem alguns dos artigos do estatuto. Por exemplo, o difícil acesso.
Está contemplado no Estatuto, porém a prefeitura não regulamentou os
critérios que definem esse difícil acesso e nem o valor desse difícil acesso.
Também a questão de eleição interna para os cargos, para gestores,
supervisores e tudo que está dentro do nosso Estatuto, o que nós queremos é
isso. Fizemos uma proposta de edital para seleção de cargos, mas não foi
aceita pela administração. A desculpa que tivemos foi que em ano de política
isso não seria possível. Subentende-se que isso geraria insatisfação dos
cargos comissionados e em ano de política isso não seria bom. (P5)
85
A fala exposta é de uma professora integrante do Sindicato de Professores e
demonstra a insatisfação quanto aos direitos dos professores, que não têm sido
cumpridos em seus diversos aspectos legais. Essa insatisfação foi aos poucos ganhando
uma proporção maior no município e consequentemente trazendo transformações nas
relações de poder. A seguir trazemos um relato (notas de campo) que delineia o
percurso, que consideramos fundamental para a construção de uma nova cultura na
educação do município, através da articulação dos professores na luta pelos direitos
negados e pela justiça nas relações de poder entre os sujeitos que fazem parte do
contexto educacional.
4.6. A criação de uma nova identidade sindical: o surgimento de novas formas de
relações de poder
O contexto de subordinação e autoritarismo presente nas relações entre os
funcionários e o constante clima de medo e favores foi um dos aspectos que mais
chamou a atenção de muitos dos professores que acabavam de ingressar na rede.
Sou professora do município há muitos anos, já estou perto de me aposentar e
já vi muita coisa errada aqui. Antes, na gestão de Gerônimo Gadelha (prefeito
anterior ao sucessor Flávio Gadelha), os professores não tinham estatuto, a
maioria das professoras era contratada e quando faziam qualquer coisa que
aborrecesse a secretária de educação ou o prefeito, as professoras eram
demitidas de maneira grosseira e até por mensagem de celular. O que valia
era a vontade do prefeito ou da secretária. Muitas concursadas foram
perseguidas e até afastadas por um período. (P4)
Sou efetiva há 18 anos e já fui afastada porque discordei da opinião da filha
do antigo prefeito, Gerônimo Gadelha. Hoje tenho meu salário reduzido e
ainda luto na justiça para reaver o que me foi tirado. (G3)
As falas expostas acima fazem parte de conversas informais captadas durante as
nossas observações e expressam as críticas das pessoas em relação ao abuso de poder
que, durante muitos anos foi muito marcante nas práticas de gestão educacional. No ao
de 2010, com o ingresso de novos professores na rede municipal, o tom de crítica
ganhou força fazendo surgir uma atmosfera de conflitos entre docentes e a gestão
municipal.
86
86
A partir dos primeiros contatos, em assembleias, com o sindicato atuante, o
SISMAL4, iniciaram-se os primeiros embates com pontos de discordância entre as
propostas sugeridas pelo sindicato e as reivindicações dos docentes. Tais reivindicações
partiam desde o cumprimento do estatuto até as formas de relações entre sindicato,
gestão municipal e SEDUC.
No primeiro semestre de 2012, durante uma assembleia, uma carta elaborada por
um professor, representando um grupo de professores insatisfeitos com a atuação do
Sindicato, foi lida em voz alta para todos os presentes. A carta representava uma
resposta a um comunicado do SISMAL, anteriormente exposto em todas as escolas,
convocando os professores para a referida assembleia.
Até que enfim, uma assembleia! Aguardamos esta desde o último 21 de
março quando foi deliberado pelo grupo de professores presentes, após várias
tentativas do Sismal para derrubá-la, que não aceitaríamos o
PARCELAMENTO EM 24 MESES – lembre-se que a época já se pagava
três parcelas das 24 contra a nossa vontade. Já são 6 (SEIS) parcelas e
queríamos o soldo em seis... É queríamos! Pois é, a direção do Sismal nunca
silenciou dessa forma e ainda mais, prefere nos punir, ou melhor, punir “UM
GRUPO ANÔNIMO DE PROFESSORES” que , segundo o Sismal, está
agindo “DE FORMA ILEGÍTIMA, IRRESPONSÁVEL, INCONSEQUENTE,
DESRRESPEITOSA E ANTIDEMOCRÁTICA” com uma carta circular
recebida em 18 de abril em nossas escolas. (op. cit)
A carta exposta demonstra a insatisfação de muitos professores diante das
práticas do SISMAL, o que desencadeou o rompimento de um grupo de professores
com o sindicato e posteriormente o surgimento de uma proposta de constituição de um
novo sindicato de classe. Após algumas assembleias organizadas pelo SISMAL para
tratar de interesses dos professores, alguns pontos de discordância foram aos poucos
acentuando as diferenças entre o sindicato e os docentes, conforme ressaltado
anteriormente. Algumas questões relacionadas com o cumprimento do piso salarial,
bem como alguns direitos garantidos por lei à categoria, como aula-atividade, difícil
acesso, apoio pedagógico entre outros, passaram a ser questionados nas assembleias,
4O SISMAL (Sindicato dos Servidores Municipais de Abreu e Lima) foi fundado em 1997 com
representatividade de todas as categorias do serviço municipal, entre elas a Educação, que é responsável
pela maior parte das atividades do sindicato por representar um maior número de filiados e também pela
forte participação da categoria, quase que unanime em todas as assembleias. Desde a sua fundação, o
SISMAL é presidido pelo mesmo representante, Paulo Freitas. Em 2011 um novo sindicato foi formado,
representando a categoria dos profissionais da educação. Essa mudança trouxe um conflito nas relações
de poder até então estabelecidas entre a administração municipal e o SISMAL que resistiu à formação do
novo sindicato.
87
mas sem sucesso de negociações, conforme expresso em carta analisada e de acordo
com nossas análises já expostas.
As reivindicações da categoria não tinham espaço entre os acordos realizados
com o SISMAL e a Administração e a cada nova assembleia o Sindicato apresentava as
decisões advindas da prefeitura, denotando conivência daquela diretoria sindical com a
gestão municipal. De acordo com a presidente do atual SIMPROFAL, essa situação fez
surgir muita insatisfação dos professores em relação ao SISMAL que, em vez de
defender os direitos dos professores, na maioria das situações, aceitava as decisões da
Administração sem questionar ou mesmo interagir com a categoria.
Durante a assembleia na qual foi exposta a carta acima pelo professor, deu-se
início à criação de uma comissão para acompanhar e participar das negociações com a
administração. Após a formação da comissão, o clima entre os professores e o sindicato
só piorou, visto que a comissão estava sendo rejeitada pelo sindicato durante as
negociações.
Nós entramos no concurso de 2008 e começamos a participar nas assembleias
do sindicato dos servidores gerais, começamos a fazer parte de um grupo de
professores que representavam a categoria, então essa comissão que deveria
participar de todas as negociações e de tudo que envolvesse a categoria de
professores, começou a ser bloqueada. A gente não tinha voz na hora dos
acordos, a comissão não tinha direito de voz, então isso gerou muito
desentendimento e muitas insatisfações, o que obrigou esse grupo, dessa
comissão, a se juntar com um grupo de uma comissão passada e começar o
processo de formação do sindicato. Conversamos com as amigas nas escolas
e perguntamos o que as pessoas achavam de fundar um sindicato próprio para
a categoria e foi mais ou menos por aí. (PS)
Foi nesse contexto que surgiu uma nova proposta pelo grupo formado na
comissão, entre outros professores, da formação de um sindicato de categoria,
denominado SIMPROFAL, conforme a fala da professora integrante, distinto do
SISMAL já instituído. A partir de então um novo cenário político se configura nas
relações entre o SISMAL, a SEDUC e a Administração Municipal.
Optamos por analisar o processo de formação do SIMPROFAL porque
consideramos esse fato como um marco no processo de democratização em relação à
Educação no município, assim como marcou também um momento de lutas, que
envolve um contexto mais amplo na administração da cidade. A partir da criação do
novo Sindicato de Professores, pudemos observar com mais clareza os conflitos nas
relações que envolviam os docentes e a administração. Esses conflitos tomaram uma
grande proporção no município, visto que muitos professores tinham envolvimento e
88
efetiva participação nas questões de relevância para a categoria. Prova disso foi a
participação dos professores na votação da LDO5, na Câmara Municipal de Vereadores.
Apesar da instauração do SINPROFAL ter provocado polêmica e certa
resistência por parte da Administração Municipal, conforme ressalta a presidenta do
Sindicato, a proibição expressa em CI nº 011/2012 no dia um de março de 2012, que foi
entregue em cada escola da rede restringindo a entrada dos dirigentes do SIMPROFAL
nas escolas, já demonstra discordância nas relações de poder que acabam de se
estabelecer, conforme extrato abaixo do referido documento.
O Secretário de Educação no uso de suas atribuições legais considerando a
Constituição Federal e a portaria 186 do TEM e devido às visitas de
professores às escolas atuando como Diretoria de Sindicato, inclusive no
horário de seus respectivos expedientes resolve:
Proibir os educadores de atuar como Sindicato dos Professores nas
dependências das Unidades de Ensino da rede municipal até a devida
apresentação da regulamentação da carta sindical junto ao MTE. (op. cit)
A CI em análise proibiu não só a entrada da diretoria do SIMPROFAL, como
também a atuação de seus representantes, alegando ser necessária a apresentação de
carta sindical. Por outro lado, a dirigente do SIMPROFAL garante não ter infligido
nenhuma regra.
Perseguição do outro Sindicato dos Servidores Gerais e a questão política que
envolveu a prefeitura, chegando ao ponto do secretário de educação proibir a
entrada de todas as pessoas que faziam parte do SIMPROFAL de entrar nas
escolas; mandando CI (Comunicado Interno) para as escolas proibindo a
nossa entrada é só um pouco das dificuldades que vimos enfrentando. (P5)
No dia sete de março de 2012 a Secretaria de Educação do município envia um
novo comunicado interno (CI Nº 12/2012) às gestoras escolares, desta vez permitindo a
entrada do SISMAL nas escolas para a realização de atividades sindicais conforme
apresentamos a seguir:
5 LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias do município, votada em abril de 2012, na Câmara dos
Vereadores. Durante a sessão houve a participação de vários professores que reivindicavam a efetivação
do piso salarial para a categoria, além de outras propostas em benefício da comunidade local. Na ocasião
todos os artigos em prol da comunidade (criação de creches, praças, entre outros benefícios) foram
rejeitados por maioria dos vereadores.
89
ATT. Gestora Escolar
Prezada Senhora
Vimos por meio desta, comunicar a V.Sª que o SISMAL (Sindicato dos
Servidores Municipais de Abreu e Lima), fará nesta quinta e sexta-feira (08 a
09/03/12) respectivamente, visitas às escolas e está autorizado a realizar
atividades sindicais e entrega de agendas. (op. cit)
Para a presidenta do novo sindicato, a postura da SEDUC- Abreu e Lima
evidência uma prática de negação dos direitos dos professores. Percebemos que a
Secretaria de Educação resistia à atuação do SINPROFAL (sindicato dos professores) e
permitia a atuação do SISMAL (sindicato dos servidores municipais). Essas relações
nos revelam uma barreira da administração quanto à aceitação do novo sindicato,
embora este não necessite de autorização desse órgão para funcionar. Apesar das ações
impeditivas, quando questionado sobre o novo sindicato, o secretario de educação se
mostra favorável:
Eu acho interessante esse sindicato, acho que toda classe tem que lutar pela
sua melhoria. Não sou contra de jeito nenhum. Quando as pessoas são
sindicalizadas, elas podem exigir mais e passam a ser mais bem informadas.
Não estou desmerecendo ninguém, mas acho que a comunicação com os
professores tem que ser diferenciada, pelos motivos que eu já expus, é outo
nível. Se puder ter um sindicato só de professores, eu acho importante, pois
os professores são a base de tudo. Um sindicato todo misturado não tende a
dar certo. Acho que professor tem que ter tratamento diferenciado mesmo. O
próprio governo federal trata o professor diferente. (GM)
Apesar da aparente contradição entre o discurso e as práticas desenvolvidas pela
Secretaria de Educação, a gestão demonstra ser a favor de concurso público e das
garantias de direitos dos docentes, embora a prefeitura tenha contratado cada vez mais
professores em regime temporário.
Em 16 abril de 2012, um vereador 6 denuncia a criação de um número excessivo
de funções temporárias para a prefeitura municipal, segundo o qual, o número de
funções aprovadas não corresponde à necessidade do município. O vereador afirma
ainda que o provimento das funções se deu sem concurso público ou seleção
simplificada e esclarece que a Câmara dos Vereadores não seguiu as normas do
regimento interno que estabelece prazo legal para aprovação de projetos de lei.
6Cícero Vicente Marinho Xavier Moraes foi vereador no município de Abreu e Lima com mandato até o
ano de 2012. Durante sua atuação apresentou forte oposição à gestão municipal e nas últimas eleições
candidatou-se a prefeito de Abreu e Lima sendo derrotado por Marcos, pastor evangélico com bastante
popularidade no município e aliado político do então prefeito da cidade Flávio Gadelha.
90
O extrato de documento abaixo relaciona os cargos que foram gerados pela Lei
nº 26/2012 e descreve a situação em que foram criadas as funções.
Representação ao Ministério Público
42 (professores)
020/2012 Secretaria de Educação
27/03/2012 27/03/2012
Efeitos retroati vos ao dia 01/02/ 2012
- Deixou-se o concurso público vencer a validade para contratar politicamente. - Sem concurso público, sem processo seletivo simplificado, sem critério algum para o recrutamento, sem demonstrar a necessidade temporária de excepcional interesse público, e em período pré-eleitoral. - Matéria lida no próprio ‘expediente’ em que foi aprovada, contrariando previsão do Art. 70 (RI)que preconiza 10 dias para análise da matéria nas Comissões Permanentes, e 05 dias quando de urgência solicitada pelo Executivo. Neste caso, a matéria foi lida em 27/03, encaminhada para as Comissões Permanentes em 27/03, suspendeu-se a Sessão Ordinária para emissão dos Pareceres em 27/03, leitura dos Pareceres em Plenário, encerrou-se a Sessão Ordinária, iniciou-se uma Sessão Extraordinária, convocada na mesma hora, e para o mesmo instante (também contrariando o RI), aprovou-se os Pareceres, dispensou-se o interstício de uma Sessão para colocar o Projeto em votação, e o Projeto foi aprovado no próprio dia 27/03/2012. - Precisaríamos de pelo menos 04 Sessões para aprovar a matéria. - Aprovada por Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com composição diversa da legalmente estabelecida. Em protesto, dois vereadores se negaram a participar, e o Presidente escolheu outros dois vereadores, ‘leais’, com a missão de aprovar tudo naquele dia, novamente ferindo o RI. Não há previsão regimental para substituição de
membros de comissões permanentes com o intuito
de servir a interesses diversos. A Mesa Diretora informa que ‘o plenário é soberano’, para qualquer medida.
70 (professores)
Lei nº 785/2011 de 02/12/11 – Secretaria de Educação
Efeitos retroativos ao dia 01/08/2012
- Deixou-se vencer a validade do concurso público para contratar politicamente. - Sem concurso público, sem processo seletivo simplificado, sem critério algum para o recrutamento, sem demonstrar a necessidade temporária de excepcional interesse público, e em período pré-eleitoral. Possivelmente não estejam em sala de aula. - Criou-se funções temporárias com data retroativa. A administração já havia contratado sem autorização legislativa, ou irá pagar os ‘atrasados’ sem que as pessoas tivessem trabalhado?
Fonte: Abreu e Lima - 2012
De acordo com a presidenta do SINPROFAL, todas essas contradições foram
sendo investigadas e, durante o ano de 2012, o sindicato recorreu ao Ministério Público
com o intuito de buscar esclarecimentos sobre os aspectos que envolvem a educação no
município. No começo de 2013, o SINPROFAL solicita cumprimento de aula-atividade
para os professores. Essa ação acontece paralelamente em outros municípios do estado
como Recife, Ipojuca e Cabo. O descumprimento da hora-aula atividades não acontece
apenas no município de Abreu e Lima, já nas escolas da rede estadual de ensino o
direito a aula-atividade é garantido.
91
A nosso ver, a análise permite-nos identificar que as ações políticas
desenvolvidas no âmbito do poder legislativo e administrativo encontram-se em
discordância com os princípios da Administração Pública estabelecidos pela
Constituição Federal, quando falta a transparência nas ações. Por outro lado,
observamos que a denúncia de que trata o documento representa mais que uma simples
constatação de irregularidade legal, significa também o reconhecimento do abuso de
poder existente nessas ações políticas das quais, em muitas situações, a comunidade não
tem conhecimento.
A partir de 2013, com a posse do novo prefeito da cidade, ocorreram algumas
mudanças no quadro funcional da SEDUC, agora com 7 funcionários concursados, 6
contratados e 12 comissionados. Observa-se que até o final de 2012 não havia
funcionários efetivos na SEDUC, conforme mencionado anteriormente em nossas
análises. Já em 2013 contamos com 7 professores efetivos exercendo funções técnicas,
mas as referidas mudanças não estão relacionadas a nenhum processo de seleção
interna, como exige o Estatuto e sim a uma relação de acordos políticos que foram
estabelecidos ainda durante a campanha política do atual prefeito. Essas informações
com números exatos que trazemos em nossa pesquisa só foi possível após exigência do
Ministério Público, em audiência com representantes da SEDUC, após denúncia pelo
sindicato dos professores, pois até o momento essas informações eram negadas.
O que pudemos perceber durante a exploração no campo de estudo e durante
todo o processo de coleta de dados foi um insipiente processo de transformações, a
começar com o ingresso de um novo secretário de educação que, apesar de tomar
atitudes contraditórias, trouxe uma ressignificação às relações pessoais e à dinâmica de
trabalho na organização em estudo – SEDUC – e depois com o engajamento dos
docentes na instituição de um sindicato de categoria e foi daí que percebemos as
principais mudanças. Momentos de reflexão e participação marcaram a instauração
desse sindicato que, através de suas ações, mesmo que de maneira restrita, promoveu o
envolvimento dos sujeitos como antes não acontecia no município, demarcando a
formação de uma nova cultura política crítica.
Foi a partir da análise micropolítica que pudemos entender as necessidades e
lacunas existentes que limitam o desenvolvimento de uma gestão educacional mais
democrática e dessa forma compreender que a cultura dominante que permeia as
práticas nas instituições de ensino no município encontram limitadores que, só a partir
de um fazer autônomo e consciente será possível transformar. É nessa perspectiva que
92
acreditamos que uma cultura participativa onde haja o fortalecimento dos espaços de
discussão, do fortalecimento do exercício democrático é capaz de construir a autonomia
que vai além da delegação de poderes, em que os sujeitos possam juntos construir um
bem comum local. (ESTÊVÃO, 2006).
Acreditamos que o engajamento dos sujeitos pode significar o semear de uma
nova cultura no município, uma cultura que permite a efetiva participação e autonomia
necessária, sem a qual não é possível pensar em democracia.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo geral analisar o processo de
democratização da gestão educacional de um município em processo recente de
emancipação política, seus limites e perspectivas. Para atingir tal fim, procuramos
investigar os influentes político-sociais da cultura nacional que perpassam as relações
sociais no interior da secretaria de educação do município; identificar as concepções de
democracia, autonomia e participação expostas pelos membros das unidades de gestão
(secretaria de educação e escolas); e analisar como as políticas de democratização têm
influenciado/e ou se materializado nas práticas de gestão através das concepções dos
gestores educacionais e professores, bem como as ações desenvolvidas a partir dessas
relações.Insere-se no debate a respeito das repercussões da Reforma Educacional
desenvolvida a partir dos anos 1990 com a promulgação da LDBEN 9394/96, cujo
centro foi o processo de democratização e descentralização do sistema educacional,
tendo como princípios a autogestão e a participação cidadã.
Considerando o conflito de sentidos e ideais que se fazem presentes neste
processo, compreendemos que os dispositivos legais ora trazem real possibilidade de
abertura e mudanças nas formas de gerir os sistemas educacionais, ora limitam a
padrões homogêneos de uma lógica capitalista as estratégias de condução da gestão
educacional no país. Dessa forma, buscamos compreender o processo de
democratização legalmente instituído através da gestão educacional do município de
Abreu e Lima em suas dimensões socioculturais e políticas. Sendo assim, esse tipo de
análise conduz a um reflexo do modelo democrático que se desenvolve e, nessa direção,
nos possibilita intervir na sua reconfiguração a partir de um projeto democrático
realmente participativo e transformador.
Para obtermos respostas às indagações, empreendemos uma análise
micropolítica no cotidiano da educação no município, que envolve as relações pessoais
e as ações e concepções dos sujeitos, tendo em vista que o poder está contido nas ações
políticas e nas relações humanas e delas refletem as relações de força. Estas traduzem
aspectos culturais, o que nos permite apreender se as ações desenvolvidas nos espaços
educacionais contemplam ou não uma gestão democrática voltada para a participação
cidadã e comunicação, na qual os sujeitos possam interagir coletivamente diante de suas
diferentes racionalidades. Nesse sentido, salientamos a gestão escolar como importante
94
interventora nas relações de poder por possibilitar a redistribuição de poderes entre a
comunidade escolar.
Seguindo essa lógica, apresentamos abordagens conceituais que versaram sobre
as temáticas da democracia, seus princípios e transformações. Salientamos sobre a
necessidade de se compreender qual modelo democrático tem sido desenvolvido em
nossas instituições sociais, em especial, a instituição educacional, por acreditarmos que
a escola representa e reproduz as concepções políticas sob as quais está inserida.
Sobretudo porque a consideramos ao mesmo tempo um espaço privilegiado, onde se faz
possível o desenvolver de uma ação transformadora através da educação para a
cidadania, que a nosso ver se traduz num grande desafio da atualidade. É através da
escola e principalmente a partir da gestão democrática que se faz possível a distribuição
de poder entre os sujeitos que viabilize o processo de mudança necessário ao bem
comum, ou seja, às aspirações da coletividade.
Abordamos as relações de poder que se configuram no cotidiano das instituições
para melhor compreendermos, a cultura organizacional que traduz seu modelo de
gestão.
Constituímos assim uma porte teórico, político e filosófico que embasa nossas
concepções a respeito de um processo democrático realmente capaz de interferir nas
relações de poder e reconfigurá-las, visando à transformação social.
Escolhemos o município de Abreu e Lima por sua emancipação relativamente
recente, o que nos permitiu analisar de maneira mais precisa seus processos de
formação política através da instituição escolar via secretaria de educação, bem
como pela ausência de estudos que analisassem as questões referentes às políticas de
gestão educacional nesse município.
Os dados apresentados revelaram que, no município de Abreu e Lima, ainda se
faz presente uma forte cultura centralizadora e burocrática na qual as determinações da
SEDUC prevalecem em quase todos os aspectos, inclusive no cotidiano escolar. Ao
analisarmos as relações estabelecidas entre a Secretaria de Educação e as escolas,
percebemos que as gestoras não gozam de liberdade para exercer suas ações enquanto
gestoras. Essa constatação se deu de acordo não só com as fala das gestoras, mas
também diante das observações no cotidiano da SEDUC.
Observamos que a gestão nas escolas não acontece de forma democrática e até
as pequenas decisões são tomadas em consonância com as determinações da gestão
municipal. Além disso, as ações desenvolvidas no âmbito municipal de educação
95
tendem à arbitrariedade e ao abuso de poder, uma vez que as demandas legais que
garantem os direitos dos profissionais de educação não são respeitadas. Verificamos que
no município não há eleições pra gestores das escolas e que a gestão escolar enfrenta
limitações quanto a sua liberdade de ação também no que compete à participação da
comunidade escolar, além da falta de equipe gestora nas escolas analisadas. Tal
observação deixa clara a inoperância da gestão enquanto espaço de diálogo e
aprendizagem política.
Percebemos que alguns sujeitos, principalmente os gestores escolares,
compreendem a gestão democrática como espaço de participação, mas não reconhecem
tal prática em suas ações. Já os professores não deixam claro seu entendimento em
relação aos processos de democracia e participação. Quanto aos mecanismos de
participação, percebe-se que a maioria dos sujeitos não compreende como funcionam e
até confundem-se quanto à função desses mecanismos.
Percebemos que no município há gestoras que ainda se encontram em processo
de graduação, o que denota, a nosso ver, uma baixa consistência em termos de
conhecimentos e habilidades desses profissionais, o que, em algumas situações, foi
comprovado pela falta de esclarecimento em questões pertinentes a gestão e a
participação. Constatamos ainda que nas escolas observadas não existem conselhos
escolares e que o município não dispõe de um conselho municipal de educação atuante.
Essas observações só comprovam o quanto se precisa avançar no tocante à participação
da coletividade no processo de gestão da educação e escolar no município.
Quantos às relações de poder observadas durante nossas visitas à SEDUC e às
escolas,ficou claro que nesses espaços acontecem conflitos pessoais constantes e que as
decisões são tomadas de cima para baixo, não havendo diálogo nem consenso, conforme
presenciamos em uma situação de conflito dentro da escola em que alguns professores
que tomaram iniciativa de contribuir junto à gestão na mediação de conflitos foram
reprimidos pela secretária adjunta de educação pela postura tomada, o que gerou
desgaste entre as partes. Foi através de situações cotidianas que pudemos perceber que
as relações de poder que se estabelecem entre SEDUC, gestores e professores no
município são pautadas pelo abuso e centralização do poder, sem contar com o grande
número de professores contratados por tempo determinado, o, que a nosso ver,
enfraquece a possibilidade de lutas e superação dessa ordem, pois esses profissionais,
conforme observamos, não participam de movimentos sindicais e trabalham sob
ameaças de demissão.
96
Apesar do contexto conflituoso, um grupo de professores resolve fundar um
sindicato de categoria, o que fez surgir uma nova atmosfera de mudanças nas
relações de poder no município. Esse processo de mudança trouxe muitos embates
políticos e momentos de discussão, além de ações e mobilizações com vistas a
denunciar os abusos sofridos pelos profissionais de educação e de se construir uma nova
cultura política no município. A partir da constituição do sindicato dos professores,
intensifica-se um processo de luta por melhores condições de trabalho, pela garantia de
direitos e pela democratização da gestão com a abertura para a participação coletiva.
É nesse sentido que compreendemos que o processo de emancipação política do
município de Abreu e Lima encontra similaridade com outros municípios com recente
processo de emancipação política, também marcados por práticas patrimonialistas e
clientelistas, com gestão fortemente caracterizada pela centralização e hierarquia.
Os aspectos microssociais nos permitiram confrontar as ações desenvolvidas no
sistema de gestão do município de Abreu e Lima com demandas políticas democráticas
autênticas, e, nesse sentido, pudemos identificar as reais possibilidades de
democratização educacional nesse contexto, bem como apreender nas suas
peculiaridades os entraves culturais que limitam uma prática participativa na gestão
escolar.
Assim, dentre os limites de uma gestão educacional democrática está ainda a
forte presença de uma cultura burocrática que se reproduz no imaginário e nas ações dos
sujeitos através de práticas e relações autoritárias e centralizadoras, especialmente por
parte da gestão, onde o órgão representativo do sistema educacional municipal detém o
poder de decisão, limitando, com isso, a autonomia das unidades de ensino e
dificultando o compartilhamento do poder entre os sujeitos de direito.
Dentre as perspectivas de aprofundamento da democratização da gestão,
encontramos o surgimento de novas formas de poder através das ações dos
professores,especialmente com a fundação de um sindicato de classe. Esse fato
representa a constituição de uma cultura democrática, uma vez que insere os sujeitos
num espaço político visando mudança nas ações controladoras da gestão municipal que,
além de negar os direitos dos profissionais da área, não respeita as diretrizes
democráticas vigentes.
Diante de nossa análise, concordamos com Foucault (1999) quando
reconhecemos que o poder circula através da macroestrutura representada pelo Estado e
suas instituições e que ele é legitimado e reproduzido por elas. Esse poder também
97
exerce sua força e está refletido nas formas invisíveis através das estruturas simbólicas,
conforme sinaliza Bourdieu (1989), mas também acreditamos que o poder está presente
nas relações pessoais, nas expressões silenciosas e nas ações cotidianas. Esse poder
exerce uma grande força quando sabemos utilizá-lo de forma organizada e consciente
visando processos de mudança.
Por fim, entendemos com a análise aqui empreendida que, para o
desenvolvimento de uma cultura democrática na gestão educacional, faz-se
necessário que os sujeitos busquem seus espaços de ação para que haja superação de
uma ordem burocrática e centralizadora. Para isso é preciso muito mais do que uma
determinação política: é preciso que as nossas relações e ações sejam pautadas no
conhecimento e liberdade para que possamos ir além de modelos “democráticos”
hierarquizados e construir, através da educação, um projeto político societário justo e,
nessa direção, o desenvolvimento da gestão democrática ganha seu sentido mais
essencial, o da participação consciente, do desenvolvimento da cidadania e da
construção de relações mais igualitárias de poder onde as diferenças sejam encaradas
como riqueza cultural.
Entendemos, portanto, que a escola e o sistema educacional se configuram como
uma arena política, pautada na construção de uma cultura democrática que vai além da
democratização formal das instituições, mas que toca toda a sociedade e abre espaços à
transformação social.
98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU E LIMA. Estatuto do Magistério. 2008.
AGUIAR, Marcia Angela da S; FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Gestão da
Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2008.
ANDRADE, Maria Edgleuma de. Gestão democrática na escola pública: um estudo
em escolas do município do Juazeiro do Norte- CE. Dissertação (Mestrado em
Educação)- Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2005.
ANDRÉ, Marli. Pesquisa qualitativa em educação. Rio de Janeiro: Cortez,1986.
ARAÚJO, Alexandre Viana de. Política educacional e participação popular: um
estudo sobre esta relação do município de Camaragibe- PE. Dissertação (Mestrado em
Educação)- Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2003.
ARRUDA, Ana Lúcia Borba. Gestão da educação e políticas de valorização
domagistério para o ensino fundamental na atualidade: a resposta do município de
panelas à questão. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal de
Pernambuco, Recife. 2003.
AZEVEDO, Janete. A educação como política pública. Campinas: Autores
Associados, 2009.
BALL, Stephen. Diretrizes Políticas Globais e Relações Políticas Locais em
Educação. Currículo Sem Fronteiras, v.1, n.2, pp.99-116,Jul/Dez 2001.
___. Profissionalismo, Gerencialismo e Performatividade. Cadernos de Pesquisa.
2005.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70,1997.
BERNOUX, P. A Sociologia das Organizações. Porto, Portugal: Res, 1995.
BIZERRA, Maria da Conceição. Gestão Educacional: uma fusão de horizontes da
democracia liberal à democracia procedimental. Tese (Doutorado em Educação),
Universidade Federal da Paraíba, Paraíba. 2008.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Uma defesa das regras do jogo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1986.
BOGDAN, R. C; BIKLEN, S. C. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto
Editora. LTDA, 1991.
99
BOTLER, Alice Miriam Happ. (Org). Abordagens Contemporâneas da Gestão Escolar.
In:Organização, financiamento e gestão escolar: Subsídios para a formação de
professor. Recife: Editora Universitária, 2009.
_______. A escola como organização comunicativa. Tese (Doutorado), Universidade
Federal de Pernambuco. Recife, 2004.
BORDIGNON, Genuíno e GRACINDO. Regina Vinhaes. Gestão da Educação:
município e escola. In: AGUIAR, Márcia Ângela & FERREIRA, NauraSyria C. (Orgs).
Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez,
2002.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand AS, 1989.
BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil(1988). São Paulo: Saraiva,
2006.
BRASIL. Senado Federal. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
Lei n. 9.394, de 1996. Brasília: Senado Federal, 1997.
COSTA, Jorge Adelino. Imagens organizacionais da escola. Porto: Ed. Asa, 1998.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Políticas da Educação: um convite ao tema. In:
FÉVERO, Omar E SEMERARO, Geovanni (Orgs.) Democracia e construção do
público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro:
Editora Paz e Terra, 1982.
_____. As encruzilhadas do labirinto IV: a ascensão da insignificância. Rio de
Janeiro: Editora Paz & Terra, 2002.
CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São
Paulo: Cortez, 2011.
___. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
1996.
_____. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2004.
COSTA, Jorge Adelino. Imagens Organizacionais da Escola. Edições ASA,1998.
DURIGUETTO, Maria Lúcia. Sociedade Civil e Democracia: um debate necessário.
São Paulo: Cortez, 2007.
ESTÊVÃO, José Carlos. Educação, justiça e democracia: um estudo sobre as
geografias da justiça em educação. São Paulo: Cortez, 2004.
100
_____.Educação, justiça e direitos humanos. Educação e pesquisa. São
Paulo,v.32,n.1,p.85-101,jan/abr. 2006.
_____.Perspectivas da gestão educacional hoje. Seminário: UFRPE, 2013.
FERRARO, Alceu Ravanello. Liberalismo e Educação. Ou por que o Brasil não podia
ir além de Mendeville. Revista Brasileira de Educação, v.14, n. 41 maio/agosto 2004.
FRIEDBERG, E. O poder e a Regra: dinâmicas da ação organizada. Lisboa: Instituto
Piaget, 1993.
FILHO, Enédio N. Gestão Escolar, Poder e Participação: as relações de poder na
prática escolar dos conselhos de classe. Disponível em:<http:www.uninove.br> Acesso
em Abril de 2013.
FLEURY, Maria Tereza Leme e FISCHER, Rosa Maria. Cultura e Poder
nasorganizações. São Paulo: Atlas, 1996.
FOUCAULT, M.Poder-Corpo. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
GERBAUDO, Paolo. O objetivo de manifestações é a nova forma de
democracia.Jornal Folha de São Paulo. Disponível em <http:www.folha.oul.com.br>
Acesso em Julho de 2013.
GÓMEZ, Pérez. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: Artmed,
2001.
GUNTHER, Hartmut. Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: Esta é a
questão. Psicologia: Teoria e pesquisa. Brasília, v.22, n. 2, p. 201-210, mai-ago. 2006.
Disponível em:<http://www.nova.edu11ssss11QR>. Acesso em: 12 ago. 2009.
HOFLING, Eloísa de Matos. Estado e políticas (públicas) sociais.Cad. CEDES
[online]. 2001, vol.21, n.55, pp. 30-41.
LOBO, Reinaldo. Culturaedemocracia (em Castoriadis): Disponível em
<html://www.fflch.usp.br/df/geral3/reinaldo4>. Acesso em: 18 jan. 2012.
LUCK, Heloísa. Concepções e processos democráticos de gestão educacional. Rio de
Janeiro: Vozes,2006.
MARQUES, Luciana Rosa. A descentralização da gestão escolar e a formação de
uma cultura democática nas escolas públicas.Recife: Ed. Universitária da UFPE,
2007.
MCLAREN, Peter. Rituais na escola: Em direção a uma economia política de símbolos
e gestos na educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1991.
MATOS, Erika Carla Vieira. A atuação do conselho escolar na gestão da educação:
um estudo de caso no município de Olinda-PE. Dissertação (Mestrado em Educação),
Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2006.
101
MELO, Celiane de Moraes. A participação da sociedade civilno conselho municipal
de educação da cidade do Recife no período de 2001 a 2004. Dissertação (Mestrado
em Educação), Universidade Federal de Pernambuco,Recife. 2005.
MELO, Jamildo. Blog do Jamildo. <http:www.jc3.uol.com.br > Acesso em: janeiro de
2012.
MELO, Marlene. (Org). Relações de poder segundo Bourdieu e Foucault: uma
proposta de articulação teórica para a análise das organizações. Organizações rurais e
agroindustriais, lavras,v.7,n.3,p.356-369, 2005. Disponível em:
<http://www.ufgd.edu.br> Acesso em: fevereiro de 2013.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7ª Ed.
São Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 2000.
MORTATTI, Maria Eloisa. Gestão Democrática Como um Processo de Educação
para a Cidadania. São Paulo: USP, 2006.
NEVES, Ângela Vieira. Clientelismo, cultura política e democracia: dilemas e
desafios da participação popular. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Universidade
Estadual de Campinas - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. 2006.
NÓBREGA, Cristiane Liberato. O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) numa
perspectiva de governo democrático popular: uma análise da experiência na Rede de
Ensino do Recife PE. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de
Pernambuco, Recife. 2005.
PARO, Vitor Henrique. Eleição de diretores de escolas públicas: avanços e limites da
prática. Revista brasileira de estudos pedagógicos. Brasília, v.77,n.186, p.376-395,
maio/ago,1996.
PEDROSA, Genealda Maria Leite. O Projeto Político Pedagógico e a
Democratização da Gestão Escolar: estudo de uma escola estadual no município de
Garanhuns - PE- BRASIL. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal
de Pernambuco, Recife. 2005.
SALES, Elaine Cristina M. A cultura escolar e a construção da gestão democrática:
Uma análise de uma escola de ensino fundamental e médio. Dissertação (Mestrado em
educação), Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2004.
SANTOS, Evson Malaquias de M. Brasilidade e a democracia escolar: O jeitinho, a
malandragem e as formas autoritárias na escola pública. Recife: Editora Universitária,
2009.
SILVA, Sidney. Democracia, estado e educação: uma contraposição de tendências.
Revista brasileira de política e administração da educação (RBPAE)/ Associação
nacional de política e administração da educação. Porto Alegre:Editora Maria Beatriz
Lude, 2010.
103
ROTEIRO DE ENTREVISTA
GESTOR(A) MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
I- Dados de identificação
1. Escolaridade:
Graduação ( ) Sim ( ) Não _____________________________
Especialização ( ) Sim ( ) Não ______________________________
Mestrado ( ) Sim ( ) Não ______________________________
Doutorado () Sim ( ) Não _____________________________
2. Há quanto tempo exerce a função de Secretário Municipal de Educação neste
município?
3. Exerce outra atividade no serviço público ou além desta? Qual?
4. Você já almejou exercer esta função? Por quê
5. Como ocorreu o processo de ocupação do cargo?
( ) Indicação política ( ) Eleição ( ) Seleção ( ) Outros
6. É Filiado a algum partido político? Qual? É o mesmo partido do atual prefeito?
II- Aspectos da prática da gestão da educação no municipio
7. Que desafios ou dificuldades vem enfrentando em sua gestão?
8. Em sua opinião, que mudanças vêm ocorrendo em relação à gestão anterior?
9. Existe um Plano Municipal de Educação atualmente?
10. Se sim, quando e como aconteceu a elaboração desse plano? Quem participou
desse processo de elaboração?
11. O que você acha que ainda precisa mudar no contexto educacional do
município?
12. Que pontos você considera positivos e quais considera negativos no exercício da
função?
III- Democratização da gestão
13. Que ações o senhor desenvolve no dia-a-dia? (rotina externa e interna)
104
14. Quais as principais demandas desta secretaria?
15. Como é a relação entre a SEDUC e os gestores das escolas?
16. Como é sua relação com os seus subordinados?
17. Na sua opinião, o que poderia mudar nas relações entre:
Secretaria de Educação e Gestores Escolares
Secretaria de Educação e Poder Executivo
18. Em sua opinião, sua gestão tem autonomia necessária para agir? Que objetivos
você alcançou e ainda deseja alcançar com a sua gestão?
19. Que ações a SEDUC vem desenvolvendo na perspectiva de democratização da
gestão escolar e de qualidade da educação?
20. O concurso público para provimento de cargo de professores realizado
recentemente é um indicador da democratização da gestão?
21. Em sua opinião fundação de um sindicato dos professores representa um
indicador para a democratização na educação do município?
22. Você concorda com a democratização da gestão municipal de educação?
23. Considera a sua gestão como democrática ou em processo para a
democratização? Por quê?
24. O que entende por Gestão Democrática?
Obrigada pela contribuição!
105
ROTEIRO DE ENTREVISTA
GESTOR(A) ESCOLAR
I- Dados de identificação
1. Escolaridade:
Graduação ( ) Sim ( ) Não _____________________________
Especialização ( ) Sim ( ) Não ______________________________
Mestrado ( ) Sim ( ) Não ______________________________
Doutorado () Sim ( ) Não ______________________________
2. Há quanto tempo exerce a função de gestora nesta instituição de ensino?
3. Exerce outra atividade no serviço público ou além desta? Qual?
4. Você já almejou exercer esta função? Por quê?
5. Como acorreu o processo de ocupação do cargo?
( ) Indicação política ( ) Eleição ( ) Seleção ( ) Outros
II- Aspectos da prática da gestão
6. Existe um Projeto Político Pedagógico nesta instituição?
Se sim, quando e como aconteceu a elaboração desse projeto? Quem participou desse
processo de elaboração?
7. Em sua opinião qual é a importância de um PPP para a escola?
8. Atualmente os pais, professores e demais servidores têm participado da gestão?
9. Como é sua relação com os professores e pais de alunos?
10. Existe a prática de reuniões na escola? Se sim, com qual frequência?
11. Existe um conselho escolar atuante na instituição de ensino? Em sua opinião, o
que é um conselho escolar e qual é a sua utilidade?
12. A gestão democrática foi proposta legalmente para ajudar a solucionar os
problemas e enfrentar os desafios do cotidiano da escola de forma participativa.
O que você entende por Gestão Democrática?
13. Na sua opinião, a gestão democrática melhora ou dificulta o trabalho na escola?
Por quê?
14. Você considera a sua gestão como democrática? Por quê?
15. O que você acha que ainda precisa mudar para uma gestão mais participativa e
democrática?
106
16. Em sua opinião, sua gestão tem autonomia necessária para desenvolver projetos
e ações?
17. Que mudanças você considera importantes para a construção de uma gestão
democrática e participativa?
18. A escola dispõe de um quadro de funcionários para atender a todas as demandas
e funções necessárias ao bom funcionamento das atividades?
19. Como é a relação entre a escola e a Secretaria de educação?
20. Que objetivos você alcançou e quais ainda deseja alcançar com a sua gestão?
21. Como é a sua relação com a equipe docente?
22. Quais são os pontos positivos e os negativos da sua função?
107
ROTEIRO DE ENTREVISTA
PROFESSOR(A):
I- Dados de identificação
1. Escolaridade:
Graduação ( ) Sim ( ) Não _____________________________
Especialização ( ) Sim ( ) Não ______________________________
Mestrado ( ) Sim ( ) Não ______________________________
Doutorado ( ) Sim ( ) Não ______________________________
2. Há quanto tempo exerce a função deprofessora nesta instituição de ensino?
3. Exerce outra atividade no serviço público ou além desta? Qual?
4. Você almejou exercer esta função? Por quê?
5. Como acorreu o processo de ocupação do cargo?
( ) Indicação política ( ) concurso público ( ) Seleção ( ) Outros
II- Aspectos da prática da gestão
6. Existe um Projeto Político Pedagógico nesta instituição?
7. Você já participou da elaboração de um Projeto Político Pedagógico nesta
instituição ou em outra instituição do município?
8. Em sua opinião qual é a importância de um PPP para a escola?
9. Você costuma participar de reuniões para tomada de decisões em relação à
gestão da escola? Se sim, com que frequência?
10. Como é a sua relação com a equipe gestora, pais e alunos?
11. Existe um conselho escolar atuante na instituição de ensino? Para você, o que é
um conselho escolar e qual é a sua utilidade?
12. A gestão democrática foi proposta legalmente para ajudar a solucionar os
problemas e enfrentar os desafios do cotidiano da escola de forma participativa.
O que você entende por Gestão Democrática?
13. Em sua opinião, a gestão democrática melhora ou dificulta o trabalho na escola?
Por quê?
14. Você considera a gestão desta escola como democrática? Por quê?
15. Que mudanças você considera importantes para a construção de uma gestão
democrática e participativa?
16. A escola dispõe de um quadro de funcionários para atender a todas as demandas
e funções necessárias ao bom funcionamento das atividades? Se não, como a
108
escola se organiza para atender as demandas?Existe algum tipo de participação
por parte do professor no envolvimento com outras atividades da escola que não
seja necessariamente suas atribuições?
17. Há nesta instituição eleições periódicas para o cargo de diretor(a)?
18. Você já participou de algum processo de eleição para gestores nesta instituição?
19. Na sua opinião a equipe gestora desta escola tem autonomia para exercer suas
atividades?
20. Que atitudes do dia a dia ela toma a frente, resolve, sem precisar de autorização?
III- Aspectos
21. No seu ponto de vista, como você observa a relação entre a Secretaria de
Educação e a escola?
22. Existe no município um sindicato de professores? Se sim, qual é o seu grau de
participação? Se não, que espaço de participação e discussão política existe no
município que permita um diálogo entre os professores e a administração do
município?
23. Existe um estatuto dos professores no município?
24. Em sua opinião, os direitos dos professores têm sido respeitados pela
administração do município? Por quê?
25. Em sua opinião, o que poderia mudar na educação do município para contribuir
com a formação de uma escola mais democrática e uma educação de maior
qualidade?
Obrigada pela contribuição!