DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA … · vigor para o registo e comunicação de...
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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde nos termos do n.º 1 do artigo 4.º dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto exerce
funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes
às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e
social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 5.º
dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos
no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/062/2017;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tomou conhecimento, em 24 de setembro de
2015, de uma reclamação subscrita por N.C., relativa à queda do seu marido, J.C., no
Serviço de Urologia do Hospital Garcia de Orta, E.P.E. (HGO), entidade prestadora de
cuidados de saúde registada no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados
(SRER) da ERS sob o n.º 10931.
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2. Para uma averiguação preliminar dos factos enunciados pela exponente, e ao abrigo
das atribuições e competências da ERS, em 5 de dezembro de 2016, procedeu-se à
abertura do processo de avaliação registado sob o número n.º AV/186/2016.
3. Subsequentemente, e já na pendência dos autos de avaliação n.º AV/186/2016, a ERS
tomou conhecimento de 6 (seis) novas reclamações, referentes a quedas de utentes e
procedimentos de segurança do HGO, pelo que, atenta a similitude das matérias em
questão, foram as mesmas apensadas ao referido processo para adoção das
diligências instrutórias tidas por necessárias.
4. Assim, face aos elementos recolhidos no referido processo de avaliação e atendendo
à necessidade de uma averiguação mais aprofundada dos factos relatados, ao abrigo
das atribuições e competências da ERS, o respetivo Conselho de Administração
deliberou, por despacho de 29 de setembro de 2017, proceder à abertura do presente
processo de inquérito, registado internamente sob o n.º ERS/062/2017, com o intuito
de se avaliar se foram garantidos os direitos e interesses legítimos dos utentes em
questão, em especial o direito à prestação de cuidados de saúde de qualidade e com
segurança, assim como, em algumas das situações, o acesso dos utentes à sua
informação de saúde.
I.2. Diligências
5. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se as seguintes
diligências instrutórias:
(i) Pesquisa no SRER da ERS relativa à inscrição do Hospital Garcia de Orta,
E.P.E. (HGO), constatando-se que o mesmo é um estabelecimento prestador
de cuidados de saúde registado no SRER da ERS;
(ii) Pedido de elementos enviado ao HGO em 14 de dezembro de 2016, e análise
da resposta endereçada à ERS, rececionada em 30 de dezembro de 2016;
(iii) Comunicação Interna ao Departamento do Utente (DU) da ERS, em 12 de
setembro de 2017, solicitando informação sobre eventuais reclamações,
registadas no Sistema de Gestão de Reclamações (SGREC), referentes a
quedas de utentes e procedimentos de segurança do HGO, tendo-se apurado a
existência de 6 (seis) novas reclamações, que foram apensadas aos presentes
autos;
(iv) Notificação de abertura de processo de inquérito enviada aos exponentes em
23 de fevereiro de 2018;
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(v) Análise da resposta à notificação de abertura de processo de inquérito da
exponente N.C., rececionada pela ERS em 6 de março de 2018;
(vi) Notificação de abertura de processo de inquérito e pedido de elementos
enviado ao HGO, por ofício de 23 de fevereiro de 2018, e análise da resposta
endereçada à ERS, rececionada em 3 de abril de 2018;
(vii) Pedido de relatório de apreciação clínica a perito médico consultor da ERS a 12
de abril de 2018, e análise do respetivo parecer.
II. DOS FACTOS
II.1. Da reclamação subscrita por N.C.
6. Concretamente, cumpre destacar os seguintes factos alegados por N.C., na
reclamação que deu origem ao processo n.º REC/44934/2015:
“[…]
[v]enho imputar responsabilidade à funcionária que se encontrava de serviço no dia 20
de Setembro no turno da manhã que deixou a grade da cama do lado da parede da
cama 22 baixa tendo descurado a situação clínica debilitada do meu marido,
motivando sua queda. As consequências traumáticas resultantes são bem visíveis que
não invalida que doravante venha a ter sequelas que o irão prejudicar a já tão
fragilidade de saúde.
É inadmissível que não tenha havido da parte dos responsáveis qualquer explicação
sobre o sucedido.
Solicito responsabilização da equipa multidisciplinar do piso 4 serviço de urologia, por
se remeter ao silêncio. Toda a responsabilidade sobre qualquer sequela no futuro
resultante desta queda será imputada ao H.G.O. – Urologia. […]”.
7. Em resposta à referida reclamação, o prestador remeteu à exponente, em 27 de
outubro de 2015, os seguintes esclarecimentos:
“[…]
Em relação à situação por vós apresentada, a mesma foi objeto de análise pelos
responsáveis do serviço visado. Neste sentido gostaríamos de referir que o Sr. J.C.
deu entrada no Serviço de Urologia no dia 14/09/2015 e submetido a intervenção
cirúrgica no dia 15/09/2015.
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Como noutras situações, é realizada diariamente uma avaliação da capacidade de
autocuidado, alimentar-se (entre outras) ao doente internado.
No caso concreto, o doente encontrava-se com períodos de desorientação no
tempo/espaço/pessoa no dia da ocorrência da queda, no entanto, procurou-se sempre
incentivar a recuperação do seu estado mental normal, optimizando o seu espaço
físico e promovendo a autonomia das suas actividades de vida diária. A capacidade de
alimentar-se autonomamente permaneceu intacta.
Lamentamos o sucedido e compreendemos a preocupação, mas através dos registos
clínicos existentes, constatou-se que foram adoptadas todas as intervenções correctas
para evitar a queda (nomeadamente “orientar a pessoa no ambiente” e “gerir o
ambiente físico” ao longo do internamento) e as respectivas actuações no pós-
episódio. […]”.
8. Nesse âmbito, foi enviado um pedido de elementos ao HGO, por ofício datado de 14
de dezembro de 2016, concretamente solicitando:
“[…]
1. Pronunciem-se, querendo, sobre todo o teor da reclamação remetida à ERS,
junta em anexo;
2. Justificação fundamentada para o alegado por V. Exas. na resposta à
reclamante no sentido de que “através dos registos clínicos existentes,
constatou-se que foram adoptadas todas as intervenções correctas para evitar
a queda (nomeadamente “orientar a pessoa no ambiente” e “gerir o ambiente
físico” ao longo do internamento) e as respectivas actuações no pós episódio”;
3. Informação sobre a eventual instauração de processo de averiguação interna
para apuramento dos factos ocorridos, e envio de todos os elementos
disponíveis até ao momento, acompanhado do respetivo suporte documental;
4. Descrição, pormenorizada e documentalmente suportada, dos protocolos e/ou
procedimentos internos em vigor nessa unidade para a avaliação do risco de
queda de utentes, bem assim confirmação da existência dessa avaliação de
risco registada no processo clínico do mencionado utente, caso tenha ocorrido,
e medidas de prevenção adotadas por V. Exas.;
5. Indicação, com envio do suporte documental respetivo, dos procedimentos em
vigor para o registo e comunicação de eventos adversos, aos serviços com
responsabilidades nas áreas de gestão de risco e/ou qualidade e segurança,
seja a nível interno, seja ao nível de entidades externas aos quais devam ser
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comunicados, bem como se no caso concreto os mesmos foram seguidos e em
que moldes;
6. Esclarecimentos complementares julgados necessários e relevantes à análise
do caso concreto. […]“.
9. Assim, veio o HGO, por ofício datado de 27 de dezembro de 2016, remeter os
seguintes esclarecimentos:
“[…]
O Sr. J.C. deu entrada no serviço de Urologia no dia 14 de Setembro com o
diagnóstico de Tumor Vesical e foi submetido a RTU - V no dia 15 de Setembro.
Como noutras situações praticadas no Serviço de Urologia do Hospital Garcia de Orta,
é realizado diariamente uma avaliação da capacidade de auto-cuidado alimentar-se
(entre outras) aos utentes internados. O Sr. J.C apresentava-se com períodos de
desorientação no tempo/espaço/pessoa no dia da ocorrência da queda (alteração esta
referenciada no dia 15/09/2015 após a cirurgia, até ao dia da alta clínica no dia
22/09/2015, como consta nas notas de enfermagem), no entanto procurou-se
incentivar sempre a recuperação do seu estado mental normal, optimizando o seu
espaço físico e promover a autonomia das suas actividades de vida diária ao máximo.
Neste dia do episódio de queda, como nos dias anteriores (nomeadamente após o dia
18/09/2015, quando atenua agitação motora), a capacidade de alimentar-se
autonomamente do utente, permanece intacta.
No dia 20 de Setembro cerca das 10 h foi colocado o pequeno-almoço na mesa de
refeições, por parte da assistente operacional, sendo necessário obrigatoriamente
baixar a grade do leito para colocar a mesa de refeições à frente do utente com intuito
deste alimentar-se autonomamente (com a grade elevada, a mesa de refeições é
totalmente impossível colocar à frente do utente).
1. Cerca das 10h30 e após ouvir um barulho no respectivo quarto, o Enf° Responsável
pelo doente constatou que o Sr. J. se encontrava caído no chão.
Foi imediatamente assistido por parte da equipa de enfermagem, o Sr. J. foi colocado
no leito, foi realizado uma avaliação do seu estado de consciência (Escala Glasgow)
no momento e constatado as lesões resultantes da queda: algumas escoriações de
pequenas dimensões no membro superior esquerdo; pequena escoriação no joelho do
membro inferior direito; ferida incisa na região frontal e hematoma do couro cabeludo.
Questionado ao utente o que tinha ocorrido, este respondeu "estava com vontade de
urinar e afastei a mesa de refeições para pôr-me de pé mas desequilibrei-me e caí".
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Como resultado da queda, foi accionado de imediato o protocolo/norma de queda
(chamado o médico de urgência interna de cirurgia geral, tendo observado o utente,
dando indicação para realização de pensos das respectivas escoriações; colocação de
gelo na região frontal e couro cabeludo; colocação de steri-strips na ferida incisa;
colheita de sangue para análises e vigilância do estado de consciência. Foi preenchido
o formulário do episódio de queda e entregue à chefia, seguindo para o gabinete de
Gestão de Risco; abertura em SAPE do foco queda e da avaliação da Escala de
Glasgow até à data da alta.
2. Por volta das 14h20 foi realizad[a] nova avaliação do seu estado de consciência, a
esposa do utente encontrava-se junto ao mesmo. Foi informada do episódio,
lamentando o seu sucedido e explicado na íntegra, como anteriormente descrito,
fazendo relevo para a importância dos cuidados a ter posteriormente, ou seja, na
vigilância do estado de consciência do seu marido (que até então mantinha-se sem
alterações) e das lesões resultantes da sua queda.
3. Cerca das 20h45, foi observado novamente pelo médico de urgência interna de
cirurgia geral, onde descreve "mantêm-se sem alteração do estado de consciência".
4. Até ao dia da alta do utente, o estado de consciência mantém-se inalterada.
5. No dia de 22/09/15, foi comunicado a alta clínica do utente à esposa, sendo que foi
entregue a carta de alta de enfermagem, com indicação de realização de pensos de 2
em 2 dias até à sua cicatrização, por parte do enfermeiro responsável nesse dia do
utente. Em nenhum momento, a esposa procurou imputar responsabilidades seja do
que for, nem abordando o sucedido no dia 20/09/2015.
6. Face ao exposto, como constata nas notas de enfermagem e médica, verifica-se
que foram adotadas todas as intervenções correctas para evitar a sua queda
(nomeadamente "orientar a pessoa no ambiente" e "gerir o ambiente físico" ao longo
do internamento) e as respectivas actuações no pós-episódio, cumprindo na íntegra o
protocolo/norma de queda preconizado no Hospital Garcia de Orta.
Mais se informa que foi sugerido como medida para minimizar situações de queda, a
aquisição de mesa de refeições que seja possível regular a sua altura, possibilitando
elevar a mesma acima da altura da grade do leito mantendo-a elevada, o que tornaria
um factor importante para diminuir os episódios de queda, sendo também fulcral
promover/incentivar uma comunicação mais eficaz junto dos familiares, para
esclarecer quaisquer dúvidas e preocupações que possam existir em relação a um
episódio desta natureza. […]”.
10. Em anexo a tais esclarecimentos, o HGO remeteu à ERS os seguintes documentos:
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i. Evidência de vigilância (Score Glasgow) e respetivos registos, de 15 a 22 de
setembro de 2015;
ii. Norma de Orientação Clínica de Avaliação do Risco e Prevenção das Quedas
do Doente Adulto no Internamento, aprovada em 28 de julho de 2015;
iii. Norma de Procedimento Geral de Análise dos Incidentes de Segurança do
Doente, aprovada em 28 de julho de 2015;
iv. Impresso de Notificação de Queda de Doentes, relativo à queda do utente J.C.,
de 20 de setembro de 2015.
II.2. Do teor das reclamações apresentadas por S.C., M.B., P.R., M.C., F.M. e S.O.
11. No âmbito das diligências instrutórias encetadas, a ERS apurou a existência de 6
(seis) novas reclamações, referentes a quedas de utentes ocorridas no HGO e, em
algumas das situações, a constrangimentos no acesso dos utentes à sua informação
de saúde, cuja apensação aos presentes autos foi determinada.
12. Assim, na exposição subscrita por S.C., relativa a uma queda sofrida após uma
intervenção no Serviço de Urgência Obstétrica do HGO, é referido concretamente o
seguinte:
“[…]
Após intervenção clínica (colocação de DIU), no serviço de ginecologia do Hospital
Garcia de Horta, senti mal estar e fortes dores. A médica ausentou-se da sala,
deixando-me sozinha na marquesa. Seguiu-se o meu desmaio e queda, tendo batido
com violência no chão. Dessa queda resultou perda de um dente e deslocamento de
outros, envolvendo vários tratamentos de medicina dentária e ortodontia. Para além de
danos físicos, acuso danos morais. Expus a situação ao Hospital, tendo recebido a
8.06.2017 resposta negativa à minha pretensão de ser ressarcida das despesas
médicas já efetuadas e previstas. Envio em anexo a minha exposição, bem como
resposta do Hospital Garcia de Horta.”.
13. Em resposta à reclamante, o HGO informou que:
“[…]
Depois de averiguações internas junto do Serviço de Assessoria Jurídica e
Contencioso e após análise da situação relatada, foi apurado que no momento da
queda não existia qualquer possibilidade de prever uma síncope vasovagal, dado que
V/ Exa. se encontrava deitada em marquesa.
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Embora compreendendo a sua insatisfação, não nos é possível satisfazer a sua
pretensão em ser ressarcida pelas despesas decorrentes da sua queda no Serviço de
Urgência Obstétrica, uma vez que a profissional não poderia nem devia ter agido de
forma diversa, o que afasta a eventual responsabilidade civil do Hospital. […]”.
14. Por sua vez, na reclamação subscrita por M.B., em 8 de maio de 2017, a mesma
refere, em suma, que:
i) A utente M.V. caiu da maca na Urgência Geral do Hospital, tendo partido a anca
e tendo-lhe sido dada alta;
ii) Só após insistência da reclamante foi realizado raio x à utente, tendo de
seguida realizado uma TAC;
iii) Foi dada alta novamente à utente, sem tratamento ou operação;
iv) Não foram facultados os relatórios de raio x e TAC realizados.
15. Em resposta à reclamação apresentada, o HGO informou a reclamante que:
“[…]
Depois de averiguações internas junto da Coordenadora da Unidade Funcional do
Serviço de Urgência Geral, Dra. A.R., constatou-se que V/ Exa. terá sido esclarecida
pessoalmente sobre a situação da Sra. D. M.V. e relativamente aos assuntos que
motivaram a sua reclamação.
Foi apurado que a paciente se manteve no Hospital até resposta da família na
resolução da situação social.
Importa salientar que o Hospital não é responsável por todas as situações sociais,
devendo, nestes casos, haver intervenção da comunidade, bem como da família. […]”.
16. Por seu turno, na exposição apresentada por P.R., em 29 de janeiro de 2017, o
mesmo refere, em suma, que:
i) Em 21 de janeiro 2017, o exponente acompanhou o utente J.R., seu pai, ao
Serviço de Urgência Geral por queixas de dor na perna direita, tendo informado
na triagem que o utente tinha dor na perna, esta encontrava-se fria e que dado
o estado de palidez, o utente poderia estar anémico;
ii) O utente foi submetido a exames de rotina, tendo sido o exponente informado
que os resultados demorariam cerca de duas horas;
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iii) O exponente ausentou-se do Hospital cerca das 12h40m, tendo contactado o
pai pelas 14h37m, altura em que o mesmo o informou que continuava a
aguardar o resultado dos exames;
iv) Por já não ter conseguido contactar mais o pai, o exponente ligou para o HGO
pelas 20h15m, tendo sido informado que o pai não constava nos registos, pelo
que, ou tinha tido alta ou estava para internamento;
v) Pelas 20h37m, a família recebe uma chamada do HGO, a solicitar a sua
comparência no serviço, tendo-lhe sido posteriormente transmitida a notícia da
morte do seu pai que caíra na casa de banho quando acompanhado por um
auxiliar;
vi) Salienta que o doente tinha sofrido amputação recentemente da perna
esquerda, sendo a sua mobilidade reduzida;
vii) Solicitou ao HGO registos clínicos, medidas efetuadas, testemunhas, nome do
médico chefe de turno, nome do enfermeiro chefe de turno, nome do auxiliar
que acompanhou o utente.
17. Na resposta remetida ao exponente, o HGO informou que:
“[…]
No caso em análise, a presente reclamação, foi objeto de averiguações internas por
parte da Coordenadora da Unidade Funcional do Serviço de Urgência Geral, Dra. A.R.
e pela Chefia de Enfermagem do Serviço, Sr. Enfermeiro A.R..
Cumpre-nos esclarecer que, aquando a admissão à Urgência, o seu pai, Sr. J.R.,
apresentava anemia grave, pelo que foi decidido o seu internamento, após
observação, discussão do seu historial e situação clínica.
Foi apurado que o doente solicitou que o levassem ao WC, tendo sido acompanhado
por uma enfermeira, que o transportou, em cadeira de rodas, permitindo assim a
utilização de urinol. Terá, efetivamente, caído, pelo que foi colocado em maca,
verificando-se que se encontrava lúcido, com discurso coerente e sem aparentes
sinais de traumatismo. Contudo, pouco tempo depois, presenciou-se que entrou em
paragem cardio respiratória, tendo sido levado para a sala de reanimação,
infelizmente, sem resposta ao suporte avançado de vida.
Admite-se que, no contexto da sua diabetes a arteriopatia já conhecida (amputação de
membro inferior) e com a anemia grave que apresentava, tenha sofrido um enfarte
agudo do miocárdio e ter sido esta a causa de morte.
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Relativamente ao solicitado por V/ Exa. e no que concerne ao acesso aos dados
clínicos, de acordo com a lei vigente, está o Hospital impedido de facultar o reclamado
sob pena de violar o direito à intimidade do doente, que se perpetua para além da
morte.
De salientar que o doente apresentava múltiplas comorbilidades que, em somatório à
situação no momento não fariam pressupor um prognóstico diferente a curto prazo,
contudo, foi diligentemente tratado pela equipa médica e de enfermagem. […]”.
18. Refira-se que a presente reclamação, para além de apensada ao presente processo
de inquérito, foi remetida em 7 de novembro de 2017, acompanhada da respetiva
documentação, para a Ordem dos Médicos e Ordem dos Enfermeiros, considerando
os indícios de eventual má prática clínica e/ou de enfermagem.
19. Por sua vez, na reclamação apresentada por M.C. a mesma refere que:
i) Por duas vezes a família foi contactada e informada que o utente A.R., seu pai,
tinha alta, no entanto, em ambas as vezes tal não se verificou;
ii) Numa das vezes, o utente caiu do cadeirão e abriu o sobrolho com necessidade
de sutura;
iii) Refere que o utente foi posto sozinho num cadeirão sem estar imobilizado,
depois de o hospital ter sido avisado para procederem à sua imobilização, uma
vez que é um doente com sequelas cerebrais e sem mobilidade.
20. Na resposta remetida à reclamante, o HGO informou o seguinte:
“[…]
Em relação à situação por vós apresentada, a mesma foi objeto de análise pelos
responsáveis do serviço visado.
No caso concreto, constatámos que terá sido informado que o seu pai, Sr. A.R. tinha
alta clínica, contudo, por agravamento do seu estado, optou-se pela sua permanência
no Serviço até à sua estabilização.
Relativamente ao deficit de cuidados referenciado por V/ Exa., gostaríamos de referir
que existem procedimentos que visam a melhoria e bem estar dos utentes, todavia,
não são isentos de riscos independentemente de todos os esforços dos profissionais
de saúde, para prestarem cuidados de forma personalizada.[…]”.
21. Por seu lado, na exposição apresentada por F.M., em nome da utente R.S., é referido
que:
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i) A utente R.S., de 81 anos, sofreu uma queda quando se encontrava internada
no HGO, em vias de ter alta clínica, por não ter tido apoio ao descer a escada
da cama articulada, tendo-se desequilibrado e caído;
ii) Nesse dia, foi realizado raio x, tendo-lhe sido transmitido que não havia fratura
mas apenas uma luxação muscular na zona lombar;
iii) Apenas cerca de uma semana depois da queda, a utente foi sujeita a uma TAC,
altura em que lhe foi diagnosticada uma fissura numa vértebra.
22. E, em resposta à referida reclamação, o HGO informou o exponente do seguinte:
“[…]
Em relação à situação por vós explanada, em representação da utente R.S., a mesma
foi objeto de análise pelos responsáveis do serviço visado. Neste sentido gostaríamos
de referir que a utente encontrava-se consciente, orientada e devidamente informada
da razão pela qual não tinha indicação para se levantar, demonstrando má adesão à
orientação terapêutica da Enfermeira responsável. Aliás, a demonstração de má
adesão às orientações terapêuticas foi frequente ao longo do internamento, facto
conhecido por toda a equipa multidisciplinar e devidamente registado no processo
clínico.
Na sequência da queda da cama ao levantar-se sem autorização, resultou um
traumatismo na região lombar. De imediato, foi solicitado rx à coluna lombar, onde não
era evidente qualquer fractura. Nos dias seguintes houve melhoria da sintomatologia,
sem sinais neurológicos de novo.
Na data de previsão de alta, por se manter queixosa, o médico optou por solicitar TAC
da coluna lombar, que revelou fractura da D12. A utente foi observada por médico de
neurocirurgia, que referiu não ter indicação cirúrgica e ser para tratamento
conservador com uso de colete. Constatou ainda que a utente apresentava fracturas
antigas de D9 e L1 (já presentes em estudos anteriores e sem agravamento recente),
sem indicação para tratamento específico.
A utente, à data de 03/06/2016, encontrava-se autónoma nas suas actividades de vida
diária e regime terapêutico, necessitando apenas de ajuda parcial para colocação de
Colete de Juett.
A utente saiu do Hospital em 08/06/2016, com indicação para integrar uma Unidade de
Convalescença da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e manter
acompanhamento em consulta de Neurocirurgia. […]”.
23. Por fim, na reclamação apresentada por S.O. é referido que:
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i) A utente M.C., avó da reclamante, recorreu ao Serviço de Urgência Geral, com
quadro de alucinações, desidratação e tonturas, sendo triada com prioridade
laranja;
ii) Durante 3 horas os familiares estiveram sem qualquer informação sendo
posteriormente informados que a doente tinha caído na casa de banho, batendo
com a cabeça, o que lhe provocou uma pequena contusão;
iii) Apesar da cirurgia recente e das várias insistências por parte da reclamante não
foi feito qualquer raio x à utente para confirmar se a prótese colocada estava
intacta.
24. Em resposta à reclamação rececionada, o HGO informou o seguinte:
“[…]
Lamentamos a situação descrita e informamos que tendo em conta a queda foram
realizados todos os procedimentos preconizados. A doente foi observada por várias
especialidades clínicas e foi internada no Serviço de Medicina IV.
Contudo, pedimos desculpa de não conseguimos ir de encontro às necessidades e
expectativas da doente, certos de que continuaremos a tomar medidas que visam a
melhoria das nossas práticas. […]”.
II.3. Do pedido de elementos ao HGO
25. Na sequência do exposto, foi enviado um pedido de elementos ao HGO, por ofício
datado de 23 de fevereiro de 2018, concretamente solicitando:
“[…]
Sucede que, no âmbito das diligências instrutórias encetadas, a ERS apurou a
existência de 6 (seis) novas reclamações (as quais se juntam em anexo), referentes a
quedas de utentes ocorridas no HGO e, em algumas das situações, a
constrangimentos no acesso dos utentes à sua informação de saúde, cuja apensação
aos presentes autos de inquérito foi determinada.
Assim, cumpre solicitar a V. Exas., ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 31.º dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, os
seguintes esclarecimentos, que deverão fazer acompanhar de cópia de toda a
documentação relevante:
1. Se pronunciem, de forma fundamentada e circunstanciada, sobre cada uma
das situações descritas nas aludidas reclamações;
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2. Relativamente a cada uma das reclamações em causa, remetam a descrição
pormenorizada das circunstâncias em que se verificou a queda do(a) utente e
dos cuidados de saúde prestados nessa sequência, mais se solicitando que
esclareçam o tempo que mediou entre a queda do(a) utente e o momento em
que interveio a equipa de enfermagem e/ou médico responsável, com envio
de relatório que inclua os registos clínicos e/ou os registos de enfermagem;
3. Relativamente a cada uma das situações descritas nas reclamações,
esclareçam quais os procedimentos concretamente adotados para a
avaliação do risco de queda do(a) utente, com indicação das concretas
medidas de prevenção adotadas;
4. Descrição, pormenorizada e documentalmente suportada, dos procedimentos
em vigor para o registo e comunicação de eventos adversos, aos serviços
com responsabilidades nas áreas de gestão de risco e/ou qualidade e
segurança, seja a nível interno, seja ao nível externo;
5. Descrição, pormenorizada e documentalmente suportada, dos procedimentos
implementados para garantir a prestação de informação rigorosa,
transparente e atempada, em contexto de prestação de cuidados de saúde, e,
bem assim, dos procedimentos em vigor relativos ao acesso dos utentes (ou
seus representantes) à sua informação de saúde;
6. Envio de quaisquer outros elementos, documentos ou esclarecimentos
adicionais tidos por relevantes para o completo esclarecimento da situação
em apreço. […]”.
26. E, por ofício datado de 2 de abril de 2018, veio o prestador remeter os elementos
documentais e factuais disponíveis, de onde constam os seguintes esclarecimentos:
“[…]
Na sequência da V. missiva, datada de 23 de fevereiro de 2018, a propósito do
processo supra identificado, o Hospital Garcia de Orta, E.P.E (de ora em diante
"HGO"), vem, muito respeitosamente, responder ao peticionado; o que, por uma
questão de sistemática e facilidade de leitura, se faz seguindo a sequência adotada no
ofício de V. Exa, desde já referindo que relativamente a nenhum dos doentes/utentes
existia, direta ou indiretamente, qualquer referência determinante de especial dever de
cuidado:
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I) Circunstâncias da queda e dos cuidados subsequentemente prestados
i) Utente: S.C.
A utente S.C., na sequência de procedimento clínico ginecológico, encontrava-se
deitada em marquesa, com queixas de dores intensas e mau estar. Com intuito de
administrar um fármaco que mitigasse aqueles sintomas, a Médica Assistente
ausentou-se, momentaneamente, para ir buscar um copo com água a pedido da
utente.
Sucede porém que, nesse breve hiato e sem que nada o fizesse prever, e contra
recomendação em sentido contrário, a utente S.C. teve uma síncope vasovagal e caiu
da marquesa embatendo no chão.
Atente-se que, a assistência clínica devida foi prestada imediatamente após a queda
da utente S.C., com observação médica, monitorização e vigilância de sinais vitais.
Teve alta clínica já melhorada.
ii) Utente: M.V.
Relativamente à alegada queda da utente M.V. nas instalações deste Hospital, não
existe qualquer registo de que a mesma tenha de facto ocorrido.
A referida utente, que sofre da doença de Alzheimer, tendo sido seguida no Serviço de
Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, foi trazida ao Serviço de
Urgência do Hospital Garcia de Orta, E P E pela afilhada, Senhora M.B., com queixas
de dor com limitação funcional do membro inferior direito.
De acordo e conforme relatado pela Senhora M.B., a utente em causa teria sofrido
uma queda por ocasião do último internamento neste Hospital, padecendo desde essa
data de impotência funcional, facto que, reiteramos, não consta de qualquer registo,
pelo que entendemos tratar-se de uma "não ocorrência".
iii) Utente: J.R.
Aquando da sua vinda ao Serviço de Urgência, o utente J.R., que apresentava uma
anemia grave, após observação, discussão do seu historial e situação clínica, foi
internado.
Já no internamento, o utente em causa solicitou que o levassem ao WC e foi
acompanhado por uma enfermeira que, com a ajuda de uma cadeira de rodas, o
transportou até ao urinol.
15/40
O utente F.R. teve uma queda dentro do WC e foi, de imediato, colocado numa maca,
apresentando-se lúcido, com discurso coerente e sem aparentes sinais de
traumatismo.
Contudo, pouco depois, o utente J.R. entrou em paragem cardiorrespiratória, tendo
sido levado para a sala de reanimação, mas, lamentavelmente, sem que se
conseguisse a desejada resposta ao suporte avançado de vida.
No contexto da sua Diabetes e arteríopatia (amputação do membro inferior) e com a
anemia grave que apresentava, admite-se que o utente J.R. tenha sofrido um enfarte
agudo do miocárdio, o que motivou o seu falecimento.
De salientar que foi pedida pelo médico a realização de autópsia medico-legal.
iv) Utente: A.R
O utente A.R., aquando do seu internamento neste Hospital Garcia de Orta, EPE, teve
uma queda após tentativa de levante do cadeirão onde encontrava sentado.
Na sequência da queda, o enfocado utente sofreu traumatismo craniano, sem perda
de conhecimento, apresentando ferida supraciliar.
Atente-se que, a assistência clínica devida foi prestada imediatamente após a queda
do doente, procedendo-se à sutura da ferida supraciliar e realização de penso.
Foi também realizado TAC cerebral, não revelando lesões traumáticas. Observado
pela especialidade de neurocirurgia dando-lhe alta clínica.
v) Utente: M.C.
A utente M.C., aquando do seu internamento neste Hospital Garcia de Orta, EPE,
após tentativa de levante para ir ao WC desequilibrou-se e acabou por cair no chão.
Na sequência da queda, resultou pequena ferida incisa na região supraciliar.
Prestada assistência clínica de imediato, com realização de penso da ferida e TAC
craniano, que não revelou lesões traumáticas.
vi) Utente: R.S.
A utente R.S., durante o seu internamento no Hospital Garcia de Orta, EPE,
encontrava-se consciente, orientada e foi devidamente informada da razão pela qual
não tinha indicação para se levantar. Não obstante, a utente, optou por não aderir à
orientação terapêutica da Enfermeira responsável e no momento em que a Assistente
Operacional, se deslocou para providenciar a arrastadeira, a doente decidiu sozinha
levantar-se.
16/40
A utente R.S., tal como já lhe havia sido transmitido pelo corpo clínico, foi incapaz de
se manter em pé e acabou por cair e embater no chão.
Na sequência da queda, resultou traumatismo da região dorsal. De imediato foi
observada e realizado RX da coluna dorsal, que não evidenciou qualquer lesão.
Nos dias seguintes houve melhoria da sintomatologia, contudo na data prevista da
alta, a utente mantem-se queixosa, tendo sido realizado TAC da coluna, por prescrição
médica, onde foi identificada fratura da D12.
Observada pelo médico de neurocirurgia, este prescreveu tratamento conservador
(repouso no leito, com colete de imobilização lombar), por um período de três
semanas).
A utente R.S. teve alta clínica, com orientação e seguimento em consulta de
neurocirurgia no hospital.
vii) Utente: J.C.
O utente J.C. foi internado neste Hospital com indicação de baixo risco de queda,
atribuído aquando da sua avaliação na admissão, utilizando o instrumento "Escala de
Morse" - NOC 2002.
Porém, ao 7º dia de internamento no Hospital Garcia de Orta, EPE, o utente J.C. que
se encontrava consciente e orientado, decidiu levantar-se da cama sem pedir ajuda,
tendo perdido o equilíbrio e tombando no chão.
Na sequência da queda, o utente J.C. sofreu as seguintes lesões: ferida incisa na
região frontal, hematoma no couro cabelo e escoriações no membro superior esquerdo
e joelho direito, e, recebeu os seguintes cuidados de saúde: colocação de curativo
estéril de micropore com filamentos de poliéster steri strips e aplicação de gelo. Foi
observado pelo Médico Assistente que deu indicação para vigilância do estado de
consciência e pediu análises.
A assistência clínica devida foi prestada imediatamente após a queda do enfocado
utente.
II. Procedimentos adotados para a avaliação do risco de queda do(a) utente
A avaliação do risco de queda, é operacionalizado através da aplicação da Escala de
Morse e por tomada de decisão do elemento da equipa de enfermagem, nas primeiras
24 horas de internamento do doente de acordo com a" NOC 2002 - Avaliação do risco
e prevenção das quedas do doente adulto no internamento", que se anexa,
observação e colheita de dados. Isto é, além de utilizar a mencionada Escala para
17/40
classificar o risco de queda, o profissional responsável recorre ao seu juízo clínico e
pensamento crítico para aferir o risco individual de cada doente.
Todas as avaliações do risco são registadas no processo clínico do utente, e, no que
concerne aos utentes objeto das reclamações aqui em apreço, importa esclarecer o
risco individual atribuído a cada um deles, e, bem assim as medidas de prevenção
adotadas.
III. Procedimentos em vigor para o registo e comunicação de eventos adversos
No Hospital Garcia de Orta EPE e de acordo com as recomendações da Organização
Mundial de Saúde e Comissão Europeia, o sistema de notificação de incidentes é
independente dos sistemas de reclamações e dos sistemas disciplinares, sendo
garantida a confidencialidade ao notificador e o anonimato da informação notificada e
reportada.
Com efeito, o sistema de notificação de incidentes é de caráter voluntário e não
punitivo, incidindo a análise dos incidentes sobre os sistemas e não no desempenho
individual.
Quando ocorre um incidente devem ser seguidas uma série de ações, desenvolvidas
conforme se apresenta no Esquema 1 da "Política 0113 - Notificação e Gestão de
Incidentes", que se junta em anexo facilidade de leitura, aqui se transcreve:
18/40
Relativamente aos procedimentos em vigor para o registo e comunicação de quedas,
atente-se que os profissionais são incentivados a relatar quaisquer incidentes
independentemente das consequências, para que a sua recorrência possa ser
prevenida.
IV. Procedimentos em vigor relativamente ao tratamento e acesso a informação
de saúde
O acesso a informação clínica, Relatórios Médicos e Meios Complementares de
Diagnóstico e Terapêutica, disponíveis em sistema informático, visualizados em S
Clínico, efetuados no Hospital Garcia de Orta EPE, solicitado por entidades judiciais,
policiais e inspetivas, unidades de saúde, seguradoras e também pelos utentes ou
seus representantes legais, é facultado através do Gabinete do Utilizador, mediante
requisição, para o efeito.
O secretariado do serviço onde o utente realizou o ato médico informa-o que os
resultados e o respetivo relatório ficam disponíveis no sistema informático do Hospital
e, sempre que necessário, são visualizados pelos médicos que venham a observar o
utente na Consulta, no Internamento ou na Urgência.
O secretariado do serviço onde o utente efetuou o ato médico disponibiliza os dados
clínicos somente ao Gabinete do Utilizador e é este que, no estrito cumprimento da lei,
faculta, ou não, ao requerente os resultados pretendidos, através do envio por correio
ou presencialmente.
Os pedidos de acesso a informação clínica podem ser efetuados presencialmente em
impresso próprio (HGO Mod. 55/001) do Gabinete do Utilizador ou enviados por carta,
fax, ou correio eletrónico - cfr. "Norma de Procedimento Geral: Pedido de Acesso a
Informação Clínica - 1236" que se junta.”.
27. Em anexo a tais esclarecimentos, o HGO juntou aos autos os seguintes elementos
documentais:
i. Política de Notificação e Gestão de Incidentes, aprovada em 15 de outubro de
2015;
19/40
ii. Norma de Orientação Clínica de Avaliação do Risco e Prevenção das Quedas
do Doente Adulto no Internamento, aprovada em 28 de julho de 2015 e já
anteriormente remetida à ERS;
iii. Norma de Procedimento Geral de Pedido de Acesso a Informação Clínica,
aprovado em 17 de março de 2016.
II.4. Do pedido de parecer clínico
28. Tendo em conta a necessidade de avaliação técnica dos factos em presença, em 12
de abril de 2018, foi solicitado parecer a perito médico consultor da ERS, cujas
conclusões se reconduzem a:
“[…]
Caso 1 – J.C.
A situação descrita corresponde à necessidade de baixar as grades da cama para
permitir que a mesa de refeições seja colocada de modo adequado para que o doente
possa manter a autonomia durante as mesmas. Nessa sequência, o doente terá
tentado levantar-se caindo de seguida. Face à queda parecem ter sido tomadas
decisões de acordo com as “legis artis” para avaliação da situação do ponto de vista
médico.
Caso 2 – S.C.
A situação descrita parece corresponder a quadro de sincope vaso-vagal na sequência
de procedimento ginecológico. A doente terá sido deixada sozinha, deitada numa
marquesa (necessariamente alta e estreita) e com risco de queda. Da queda terão
existidos danos pessoais para a doente.
Caso 3 – M.V.
A resposta da Instituição não é esclarecedora relativamente ao sucedido, mas a
doente terá caído tendo resultado desta uma fractura da anca que não terá sido sujeita
a tratamento cirúrgico, tendo a doente tido alta.
Caso 4 – J.R.
Doente com doença arterial, aparentemente grave (já amputado de membro inferior) e
com anemia grave, motivo pelo qual terá sido internado. Terá caído no WC, em
situação não presenciada, mas após ter sido transportado ao mesmo em cadeira de
rodas por profissional de enfermagem. O doente parece ter sido deixado sozinho para
utilizar o WC, tendo caído. Foi avaliado de acordo com a situação, aparentemente de
20/40
acordo com as “legis artis”. Foi presenciada, algum tempo depois uma paragem
cardio-respiratória de que não recuperou apesar das medidas de suporte avançado de
vida (SAV).
Instituição refere não poder disponibilizar informação clínica aos filhos devido à Lei de
Protecção de dados pessoais.
Caso 5 – A.R.
A resposta da Instituição não é esclarecedora do sucedido. O doente terá sido deixado
sentado num cadeirão, não imobilizado apesar dos avisos por parte de familiares de
que teria “várias sequelas cerebrais e sem mobilidade”. Terá caído na sequência de
falta da referida imobilização, sofrendo danos corporais. As medidas clínicas
adoptadas parecem ter sido adequadas.
Caso 6 – M.C.
Embora o enfoque da reclamação seja no não pedido de RX à coluna devido a ter sido
submetida a uma intervenção cirúrgica, o processo parece incidir sobre a queda, pelo
que apenas posso referir que a mesma não está adequadamente esclarecida pela
Instituição. Terá “ido ao WC acompanhada por enfermeiro, mas que não sabem o que
aconteceu e escorregou e bateu com a cabeça”. Pode presumir-se que a doente terá
sido deixada sozinha no WC, caindo nessa sequência.
Caso 7 – R.S.
A doente terá sofrido uma queda após solicitar que as grades da cama fossem
baixadas para poder ir ao WC. Ao descer os degraus de apoio para sair da cama, terá
sido deixada sozinha e sem apoio tendo-se desequilibrado e caído, tendo resultado
lesões na doente. Era do conhecimento geral que a doente necessitava de apoio na
marcha, utilizando bengala que havia levado para o Hospital. A Instituição refere que a
doente não aderia às orientações emanadas estando informada da razão pela qual
não se devia levantar. Do ponto de vista clínico parecem ter sido tomadas as medidas
adequadas.”.
29. Assim, conclui, em suma, o perito médico consultado pela ERS que:
“[…]
Caso 1 – O facto de ser necessário baixar as grades da cama para permitir a
alimentação ao doente, parece ser, só por si, uma violação das regras de segurança.
Acresce o facto de o doente ter ficado sozinho o que potencia a situação.
21/40
Caso 2 - Ainda que estas sincopes sejam imprevisíveis não parece de bom tom deixar
a doente sozinha numa sala, deitada numa maca, alta e estreita, e com risco de
queda, mesmo sem sofrer a sincope. Por outro lado, acresce que a doente pode ter
sido sujeita a alguma forma de sedação o que potenciaria a situação descrita. Parece
ter havido violação das regras de segurança.
Caso 3 – Não há contraditório adequado por parte da Instituição.
Caso 4 – Situação mais complexa uma vez que terminou com o falecimento do
doente. O contexto clínico do doente parece potenciar o risco de queda (amputado de
membro inferior e anemia que induz hipotensão) pelo que o facto de ter sido deixado
sozinho parece violar regras de segurança. No entanto não é possível associar esta
queda ao falecimento do doente. […]
Caso 5 – Ainda que a resposta da Instituição não esclareça o sucedido, parece que a
decisão de não imobilizar a doente foi tomada na sequência de avaliação do risco de
queda que seria pequeno. Neste contexto terão sido tomadas as medidas de avaliação
adequadas e a decisão terá sido fundamentada.
Caso 6 – O contraditório da Instituição é muito escasso, mas a doente parece ter sido
deixada sozinha no WC, o que poderá violar as regras de segurança.
Caso 7 – As grades da cama terão sido baixadas por profissional, apesar de haver
orientações de que a doente não se podia levantar. Acresce que após o levante a
doente foi deixada sozinha em degraus. Parece uma violação clara de regras de
segurança.”.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
30. De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 4.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS
tem por missão a regulação, a supervisão e a promoção e defesa da concorrência,
respeitantes às atividades económicas na área da saúde dos setores privado, público,
cooperativo e social, e, em concreto, à atividade dos estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde;
31. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º dos
mesmos Estatutos, todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do
setor público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza
jurídica.
22/40
32. Consequentemente, o Hospital Garcia de Orta, E.P.E. está sujeito à regulação da
ERS, encontrando-se registado no Sistema de Registo de Estabelecimentos
Regulados (SRER) da ERS sob o n.º 10931.
33. As atribuições da ERS, de acordo com o n.º 2 do artigo 5.º dos Estatutos da ERS
compreendem “a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, no que respeita […entre outros] [ao] “cumprimento
dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento”, “[à] garantia dos direitos
relativos ao acesso aos cuidados de saúde”, e “[à] prestação de cuidados de saúde de
qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes”.
34. Com efeito, são objetivos da ERS, nos termos das alíneas a), c) e d) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, “assegurar o cumprimento dos requisitos do exercício da atividade
dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde”; “garantir os direitos e
interesses legítimos dos utentes” e “zelar pela prestação de cuidados de saúde de
qualidade”.
35. No que toca à alínea a) do artigo 10.º dos Estatutos da ERS, a alínea c) do artigo 11.º
do mesmo diploma estabelece ser incumbência da ERS “assegurar o cumprimento
dos requisitos legais e regulamentares de funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde e sancionar o seu incumprimento”.
36. Já no que se refere ao objetivo regulatório previsto na alínea c) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, de garantia dos direitos e legítimos interesses dos utentes, a alínea
a) do artigo 13.º do mesmo diploma estabelece ser incumbência da ERS “apreciar as
queixas e reclamações dos utentes e monitorizar o seguimento dado pelos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde às mesmas”.
37. Finalmente, e a propósito do objetivo consagrado na alínea d) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, a alínea c) do artigo 14.º do mesmo diploma prescreve que
compete à ERS “garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de
qualidade”.
38. Para tanto, a ERS pode assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, no dever de zelar pela
aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis, e ainda mediante a
emissão de ordens e instruções, bem como recomendações ou advertências
individuais, sempre que tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas
com os objetivos da sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de
conduta e a adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e
23/40
interesses legítimos dos utentes – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos da
ERS.
39. Tal como configuradas, as situações denunciadas nos autos poderão consubstanciar
não só um comportamento atentatório dos direitos e legítimos interesses dos utentes
em causa (concretamente, do direito à prestação de cuidados de saúde de qualidade e
com segurança, assim como, em algumas das situações, o direito de acesso dos
utentes à sua informação de saúde), mas também na violação de normativos que à
ERS cabe acautelar, na prossecução da sua missão de regulação e supervisão da
atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde.
III.2. Do direito à prestação de cuidados de saúde de qualidade e com segurança
40. A necessidade de garantir requisitos mínimos de qualidade e segurança ao nível da
prestação de cuidados de saúde, dos recursos humanos, do equipamento disponível e
das instalações, está presente no sector da prestação de cuidados de saúde de uma
forma mais acentuada do que em qualquer outra área.
41. As relevantes especificidades deste setor agudizam a necessidade de garantir que os
serviços sejam prestados em condições que não lesem os interesses nem os direitos
dos utentes.
42. Sobretudo, importa ter em consideração que a assimetria de informação que se
verifica entre prestadores e utentes reduz a capacidade destes últimos de perceberem
e avaliarem o seu estado de saúde, bem como, a qualidade e adequação dos serviços
que lhe são prestados.
43. Além disso, a importância do bem em causa (a saúde do doente) imprime uma
gravidade excecional à prestação de cuidados em situação de falta de condições
adequadas.
44. Por outro lado, os níveis de segurança desejáveis na prestação de cuidados de saúde
devem ser considerados, seja do ponto de vista do risco clínico, seja do risco não
clínico.
45. Assim, o utente dos serviços de saúde tem direito a que os cuidados de saúde sejam
prestados com observância e em estrito cumprimento dos parâmetros mínimos de
qualidade legalmente previstos, quer no plano das instalações, quer no que diz
respeito aos recursos técnicos e humanos utilizados.
46. Sendo que os utentes gozam do direito de exigir dos prestadores de cuidados de
saúde o cumprimento dos requisitos de higiene, segurança e salvaguarda da saúde
24/40
pública, bem como a observância das regras de qualidade e segurança definidas pelos
códigos científicos e técnicos aplicáveis e pelas regras de boa prática médica, ou seja,
pelas leges artis.
47. Ademais, os utentes dos serviços de saúde que recorrem à prestação de cuidados de
saúde encontram-se, não raras vezes, numa situação de vulnerabilidade que torna
ainda mais premente a necessidade dos cuidados de saúde serem prestados pelos
meios adequados, com prontidão, humanidade, correção técnica e respeito.
48. Sendo que a este respeito encontra-se reconhecido na Lei n.º 48/90, de 24 de agosto,
que aprovou a Lei de Bases da Saúde (LBS), e, hoje, no artigo 4º da Lei n.º 15/2014,
de 21 de março, o direito dos utentes a serem “tratados pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correção técnica, privacidade e respeito” – cfr. alínea
c) da Base XIV da LBS.
49. E, quando o legislador refere que os utentes têm o direito de ser tratados pelos meios
adequados e com correção técnica está certamente a referir-se à utilização, pelos
prestadores de cuidados de saúde, dos tratamentos e tecnologias tecnicamente mais
corretas e que melhor se adequam à necessidade concreta de cada utente.
50. Por outro lado, quando na alínea c) da Base XIV da LBS se afirma que os utentes
devem ser tratados humanamente e com respeito, tal imposição decorre diretamente
do dever dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde de atenderem e
tratarem os seus utentes em respeito pela dignidade humana, como direito e princípio
estruturante da República Portuguesa.
51. De facto, os profissionais de saúde que se encontram ao serviço dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde devem ter “redobrado cuidado de respeitar as
pessoas particularmente frágeis pela doença ou pela deficiência”.
52. E a qualidade dos serviços de saúde não se esgota nas condições técnicas de
execução da prestação, mas abrange também a comunicação e informação ao utente,
dos resultados dessa mesma prestação.
53. Para além destas exigências, os prestadores de cuidados de saúde devem ainda
assegurar e fazer cumprir um conjunto de procedimentos, que tenham por objetivo
prevenir e controlar a ocorrência de incidentes e eventos adversos, que possam afetar
os direitos e interesses legítimos dos utentes.
54. Em especial, devem ser observadas as regras constantes da Orientação da Direção-
Geral da Saúde (doravante DGS) n.º 011/2012, de 30 de julho de 2012, referente à
25/40
Análise de Incidentes e de Eventos Adversos1, bem como a Norma da DGS n.º
015/2014, de 25 de setembro de 2014, que cria o Sistema Nacional de Notificação de
Incidentes - NOTIFICA2.
55. Os sobreditos documentos, aplicáveis a todas as entidades prestadoras de cuidados
de saúde do Sistema de Saúde Português, estabelecem procedimentos que
constituem instrumentos eficazes para a deteção de eventos adversos e para
estimular a reflexão e o estudo sobre os mesmos, por forma a determinar a alteração
de comportamentos e a correção e retificação de erros, em prol da qualidade, eficácia,
eficiência e segurança dos cuidados de saúde a prestar aos utentes.
56. Assim, a Orientação da DGS n.º 011/2012, referente à Análise de Incidentes e de
Eventos Adversos, estabelece concretamente o seguinte:
“Sempre que se verificar a ocorrência de um incidente potencialmente grave ou de um
evento adverso, os serviços prestadores de cuidados de saúde devem:
1) promover a aprendizagem sobre as respetivas causas e prevenir a sua
recorrência;
2) identificar as causas raiz do evento e procurar atuar sobre essas causas, indo
além da mera resolução das manifestações dos problemas;
3) seguir a metodologia de desenvolvimento da Análise das Causas Raiz, elaborada
a partir das experiências internacionais nesta área, anexa à presente Orientação e
que dela faz parte integrante.”
57. Já relativamente à Norma da DGS n.º 015/2014, que cria o Sistema Nacional de
Notificação de Incidentes – NOTIFICA, a mesma estabelece que:
“1. Todas as Unidades do Sistema de Saúde devem possuir uma estrutura
responsável pela gestão e análise interna de incidentes de segurança do doente.
2. A indicação do gestor local e do seu substituto, junto desta Direção-Geral, deve
obrigatoriamente:
a. conter os seus nomes completos, endereços eletrónicos e contactos telefónicos
profissionais;
b. serem dirigidos ao endereço [email protected].
1 A Orientação da DGS n.º 011/2012, de 30 de julho de 2012, pode ser consultada em
https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs.aspx. 2 A Norma da DGS n.º 015/2014, de 25 de setembro de 2014, procurou reconfigurar e melhorar a
estrutura e organização de conteúdos do antigo Sistema Nacional de Notificação de Incidentes e Eventos Adversos (SNNIEA), e pode ser consultada em https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs.aspx.
26/40
3. O gestor local ou o seu substituto ficam, obrigados a garantir:
a. que o acesso à sua página pessoal no NOTIFICA é intransmissível;
b. reporte periódico à administração da instituição;
c. o respeito e o cumprimento dos procedimentos previsto no “Manual do Gestor
local”, disponível na página www.dgs.pt.
4. Os incidentes reportados no NOTIFICA devem ser alvo de análise interna, pelo
gestor local, de forma a garantir:
a. a validação das notificações;
b. a identificação de medidas de correção, de implementação imediata, se aplicável;
c. a identificação dos fatores contribuintes;
d. a determinação de um plano de ação com medidas preventivas ou corretivas se e
conforme aplicável.
5. O gestor local deve dar retorno de informação ao notificador, acedendo à
plataforma NOTIFICA e transcrevendo para a notificação em análise, as medidas
preventivas e/ou corretivas definidas.
6. Sempre que se verificar a ocorrência de um incidente cujo grau de dano para o
doente é “grave” ou “morte”, o gestor local deverá:
a. promover a aprendizagem sobre as respetivas causas e prevenir a sua
recorrência;
b. identificar as causas raiz do evento e procurar atuar sobre essas causas, indo
além da mera resolução das manifestações dos problemas;
c. seguir a metodologia de desenvolvimento da Análise das Causas Raiz, elaborada
a partir das experiências internacionais nesta área, no cumprimento da Orientação
n.º 011/2012 de 30 de julho de 2012. […]”.
10. A notificação de um incidente, ocorrido numa instituição prestadora de cuidados
de saúde exige a implementação de medidas corretoras sistémicas por parte da
administração da instituição, de forma a evitar que situações geradoras de dano,
real ou potencial, se venham a repetir. […]”.
58. Ainda com relevância para a matéria em análise, e no quadro da proteção dos direitos
e interesses dos utentes, de acordo com a alínea a) do artigo 14.º dos Estatutos da
ERS, incumbe a esta Entidade Reguladora “promover um sistema de âmbito nacional
de classificação dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde quanto à
27/40
sua qualidade global, de acordo com critérios objetivos e verificáveis, incluindo os
índices de satisfação dos utentes”.
59. É neste enquadramento que a ERS se encontra a desenvolver o projeto SINAS
(Sistema Nacional de Avaliação em Saúde), que consiste num sistema de avaliação
da qualidade global dos serviços de saúde, em Portugal continental3.
60. Embora atualmente estejam apenas implementados os módulos relativos a
estabelecimentos de saúde com internamento (SINAS@Hospitais) e a
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde oral (SINAS@Saúde.Oral), existe
a pretensão de estender o sobredito sistema a todos os estabelecimentos de saúde
(públicos, privados, cooperativos e sociais) sujeitos à regulação e supervisão da ERS.
61. Atendendo às dificuldades em uniformizar o conceito de “qualidade”, em cada módulo
do SINAS são avaliadas diversas dimensões dos serviços prestados, algumas das
quais são transversais a todos os módulos, como é o caso, por exemplo, da dimensão
relativa à “segurança do doente”.
62. E nesta dimensão da “segurança do doente” incluem-se categorias de avaliação que
merecem destaque para a matéria em análise nos autos, designadamente a
implementação de planos, procedimentos, políticas ou protocolos para avaliação do
risco de quedas dos doentes, o registo no processo clínico destes dos resultados
dessa eventual avaliação, o registo de ocorrência de quedas e a avaliação do registo
de ocorrência de quedas numa ótica de melhoria contínua, entre outros.
III.3 O direito de acesso à informação de saúde
63. O acesso dos utentes à sua informação de saúde assume-se como um elemento
fundamental para a garantia – plena e efetiva – do seu direito de acesso aos cuidados
de saúde.
64. Na verdade, o desrespeito deste direito de acesso à informação, pode ter
consequências imediatas no acesso aos cuidados de saúde – pense-se, por exemplo,
no caso de um utente pretender procurar outro prestador de cuidados de saúde e ser-
lhe negado o acesso ao seu processo clínico (seja por consulta, seja por obtenção de
cópia do mesmo) ou a transferência deste para o novo prestador.
65. Assim, a proteção que o ordenamento jurídico confere à informação de saúde visa
assegurar a integridade desta informação, bem como, a reserva da vida privada do
3 Sobre o SINAS, consultar a página eletrónica da ERS, em https://www.ers.pt/pages/265.
28/40
utente e o seu direito de impedir a sua difusão e divulgação ou o acesso não
autorizado de terceiros.
66. Mas aquele regime tem ainda, como propósito, de defender o direito do próprio utente
de aceder à informação sobre a sua saúde e, nessa medida, o direito a corrigir e a
retificar tal informação.
67. Concretizando este direito fundamental, a Lei n.º 15/2014 afirma, no n.º 3 do artigo 5.º,
que “O utente dos serviços de saúde é titular do direito de acesso aos dados pessoais
recolhidos e pode exigir a retificação de informações inexatas e a inclusão de
informações total ou parcialmente omissas, nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 67/98,
de 26 de outubro.”.
68. A mesma solução encontra-se consagrada no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 12/2005,
quando refere que “O titular da informação de saúde tem o direito de, querendo, tomar
conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito, salvo circunstâncias
excepcionais devidamente justificadas e em que seja inequivocamente demonstrado
que isso lhe possa ser prejudicial, ou de o fazer comunicar a quem seja por si
indicado.”.
69. Em todo o caso, a regra geral em vigor no ordenamento jurídico português é a do
acesso dos utentes à sua informação de saúde.
70. Conforme, de resto, resulta do teor do Parecer que a Entidade Reguladora da Saúde
(ERS) emitiu no processo de inquérito n.º ERS/016/2015, a questão do acesso dos
utentes à informação sobre a sua saúde constitui matéria abrangida pelas atribuições
e competências da ERS, revelando-se determinante para a conformação do direito de
acesso dos utentes aos cuidados de saúde e aos estabelecimentos prestadores4 de
cuidados de saúde, bem como, para o exercício do direito de liberdade de escolha;
71. Deste modo, sendo o direito de acesso à informação de saúde condição essencial
para a efetivação, respeito e exercício do direito de acesso aos cuidados de saúde,
deve o mesmo ser reconhecido, sem qualquer limitação ou restrição, como um direito
do utente – e nunca como uma prerrogativa dos prestadores de cuidados de saúde.
72. E por isso, o direito de acesso à informação de saúde nunca poderá ser interpretado
ou definido em função da natureza jurídica do prestador, porque ele não é
4 Parecer publicado no sítio eletrónico da ERS, em https://www.ers.pt/pages/64?news_id=1307
29/40
reconhecido, legal ou constitucionalmente, para cumprir interesses dos prestadores,
mas sim para assegurar direitos fundamentais dos utentes.
73. Sucede que, no passado dia 22 de agosto de 2016, foi publicada a Lei n.º 26/2016, de
22 de agosto, que aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental
e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro.
74. De acordo com o disposto no artigo 47.º da referida Lei, são assim revogadas as Lei
n.º 19/2006, de 12 de junho (que regula o acesso à informação sobre ambiente, na
posse de autoridades públicas ou detida em seu nome) e a Lei n.º 46/2007, de 24 de
agosto (que regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização).
75. No âmbito do acesso aos documentos administrativos, e tal como sucedia no regime
anterior, a nova Lei contém, no seu artigo 7.º, uma disposição especial sobre acesso e
comunicação de dados de saúde, nos termos seguintes:
N.º 1: “O acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros
com o seu consentimento ou nos termos da lei, é exercido por intermédio de
médico se o titular da informação o solicitar, com respeito pelo disposto na Lei n.º
12/2005, de 26 de janeiro.”
N.º 2: “Na impossibilidade de apuramento da vontade do titular quanto ao acesso, o
mesmo é sempre realizado com intermediação de médico.”
N.º 3: “No caso de acesso por terceiros mediante consentimento do titular dos
dados, deve ser comunicada apenas a informação expressamente abrangida pelo
instrumento de consentimento.”
N.º 4: “Nos demais casos de acesso por terceiros, só pode ser transmitida a
informação estritamente necessária à realização do interesse direto, pessoal,
legítimo e constitucionalmente protegido que fundamenta o acesso.”.
76. No que respeita aos destinatários da norma – os quais, atento o disposto no 1.º e 4.º
da Lei n.º 26/2016, serão as unidades de saúde do setor público – a nova disposição
mantém a regra do acesso direto do utente à sua informação de saúde, só devendo
existir intermediação de médico, caso o próprio utente assim o solicite.
77. Acresce ainda que, atento o disposto no artigo 45.º da Lei n.º 26/2016, o artigo 3.º da
Lei n.º 12/2005 foi também modificado, tendo sido alterado o respetivo n.º 3 e aditado
um n.º 4, nos termos seguintes:
30/40
N.º 3: “O acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros
com o seu consentimento ou nos termos da lei, é exercido por intermédio de
médico, com habilitação própria, se o titular da informação o solicitar.”
N.º 4: “Na impossibilidade de apuramento da vontade do titular quanto ao acesso, o
mesmo é sempre realizado com intermediação de médico.”
78. Neste contexto, resulta do teor das normas citadas que a intenção do Legislador foi
harmonizar o acesso à informação de saúde, o qual passa a ser exercido por
intermédio do médico apenas quando o titular da informação o solicitar,
independentemente da natureza jurídica da unidade de saúde onde aquela informação
se encontrar depositada – ou seja, quer a informação se encontre numa unidade do
setor público, privado ou social.
79. Por fim, importa sublinhar que, por direito de acesso, deve entender-se não só o direito
de consulta da informação de saúde, mas também o direito de reprodução (de
obtenção de cópias, por exemplo) e o direito de informação sobre a sua existência e
conteúdo (cfr. art. 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto e art. 11.º da Lei n.º 67/98
de 26 de Outubro).
III.4. Análise das situações concretas
80. Ora, analisados os factos apurados no decurso dos presentes autos, importa aferir,
por um lado, se o HGO, quer na reclamação que deu inicialmente origem aos
presentes autos, quer nos demais casos relatados nas reclamações entretanto
apensadas aos mesmos, respeitou o direito dos utentes à prestação de cuidados de
saúde de qualidade e com segurança, e se, em geral, nesse mesmo estabelecimento
de saúde, o mencionado direito se encontra devidamente acautelado – concretamente,
ao nível da avaliação e prevenção adequadas do risco de queda dos utentes;
81. E, por outro lado, avaliar se o prestador respeita as regras que regulam o acesso dos
utentes à sua informação de saúde, nomeadamente, as previstas na Lei n.º 26/2016,
de 22 de agosto e na Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro.
82. Ora, no que se refere à situação que deu origem à abertura dos presentes autos, das
diligências encetadas resultam os factos que, de seguida, resumidamente se
enunciam:
i. O utente J.C. deu entrada no serviço de Urologia do HGO no dia 14 de
setembro de 2015;
ii. Foi submetido a intervenção cirúrgica no dia 15 de setembro de 2015;
31/40
iii. De acordo com o referido pelo prestador, o utente “ [...] apresentava-se com
períodos de desorientação no tempo/espaço/pessoa no dia da ocorrência da
queda […]”;
iv. No dia 20 de setembro de 2015, “[…] cerca das 10 h foi colocado o pequeno-
almoço na mesa de refeições, por parte da assistente operacional, sendo
necessário obrigatoriamente baixar a grade do leito para colocar a mesa de
refeições à frente do utente com intuito deste alimentar-se autonomamente”;
v. Pelas 10h30, do mesmo dia, “[…] o Enf° Responsável pelo doente constatou
que o Sr. J. se encontrava caído no chão.”;
vi. Após a queda, e de acordo com as alegações do prestador, o utente “Foi
imediatamente assistido por parte da equipa de enfermagem, […] foi colocado
no leito, foi realizado uma avaliação do seu estado de consciência (Escala
Glasgow) no momento e constatado as lesões resultantes da queda […]”;
vii. Mais refere o prestador, que “Foi preenchido o formulário do episódio de queda
e entregue à chefia, seguindo para o gabinete de Gestão de Risco; abert[o] em
SAPE do foco queda e da avaliação da Escala de Glasgow até à data da alta.”.
83. E, submetida a situação sub judice a apreciação do perito médico consultado pela
ERS, o mesmo refere que, pese embora no pós-queda tenham sido “[…] tomadas
decisões de acordo com as “legis artis” para avaliação da situação do ponto de vista
médico”, o simples “[…] facto de ser necessário baixar as grades da cama para
permitir a alimentação ao doente, parece ser, só por si, uma violação das regras de
segurança.”;
84. Ao que acresce, o facto do “[…] doente ter ficado sozinho o que potencia a situação
[de ocorrência de queda]”.
85. Ora, a este respeito, o HGO indicou que “[…] foi sugerido como medida para minimizar
situações de queda, a aquisição de mesa de refeições que seja possível regular a sua
altura, possibilitando elevar a mesma acima da altura da grade do leito mantendo-a
elevada […]”;
86. Sem, no entanto, concretizar se tal medida foi, efetivamente, adotada e/ou
implementada, de modo a evitar que situações como a dos presentes autos voltem a
ocorrer.
87. Ademais, recorde-se que, além do incidente verificado com o utente J.C., a ERS teve
conhecimento de mais 6 (seis) reclamações, visando a atuação do HGO, em matéria
32/40
de avaliação e prevenção de risco de queda, nas quais eram relatadas outras
situações de quedas de utentes durante a prestação de cuidados de saúde.
88. E, confrontado com tais situações, o prestador informou que o HGO possui
procedimentos de Avaliação do Risco e Prevenção das Quedas do Doente Adulto no
Internamento e de Análise dos Incidentes de Segurança do Doente;
89. Para tal referindo que “A avaliação do risco de queda, é operacionalizado através da
aplicação da Escala de Morse e por tomada de decisão do elemento da equipa de
enfermagem, nas primeiras 24 horas de internamento do doente de acordo com a"
NOC 2002 - Avaliação do risco e prevenção das quedas do doente adulto no
internamento", que se anexa, observação e colheita de dados. Isto é, além de utilizar a
mencionada Escala para classificar o risco de queda, o profissional responsável
recorre ao seu juízo clínico e pensamento crítico para aferir o risco individual de cada
doente.”;
90. E, ainda, que “Todas as avaliações do risco são registadas no processo clínico do
utente […]”.
91. No entanto, pese embora o prestador refira, na sua resposta ao pedido de elementos
da ERS, que “[…] no que concerne aos utentes objeto das reclamações aqui em
apreço, importa esclarecer o risco individual atribuído a cada um deles, e, bem assim
as medidas de prevenção adotadas”;
92. Relativamente a cada uma das 6 reclamações posteriormente apensadas aos autos, o
HGO apenas faz considerações genéricas sobre as quedas ocorridas, sem que, em
momento algum, se pronuncie sobre o resultado da avaliação de risco de queda
efetuada a cada um dos utentes e, tão-pouco, sobre as medidas de prevenção
adotadas em cada uma das situações em causa;
93. Pelo que, desconhece esta Entidade Reguladora se, relativamente aos utentes S.C.,
J.R., A.R., R.S. e M.C., o estipulado na Norma de Orientação Clínica do HGO para
Avaliação do Risco e Prevenção das Quedas do Doente Adulto no Internamento foi, ou
não, devidamente cumprido pelo prestador.
94. E, no concreto caso da utente M.V., o prestador refere que “Relativamente à alegada
queda da utente M.V. nas instalações deste Hospital, não existe qualquer registo de
que a mesma tenha de facto ocorrido. [...] De acordo e conforme relatado pela
Senhora M.B., a utente em causa teria sofrido uma queda por ocasião do último
internamento neste Hospital, padecendo desde essa data de impotência funcional,
facto que, reiteramos, não consta de qualquer registo, pelo que entendemos tratar-se
de uma "não ocorrência".”.
33/40
95. Ademais, resulta do parecer técnico elaborado por perito médico consultado pela ERS,
que, nos concretos casos dos utentes J.C., S.C., J.R., R.S e M.C., existiu “[…] uma
violação clara de regras de segurança”;
96. Assim se constatando que os procedimentos internos do HGO para prevenção de
quedas, não se revelaram, em vários momentos, aptos a garantir a qualidade e a
segurança da prestação de cuidados de saúde;
97. Não só na situação do utente J.C., cuja reclamação deu origem aos presentes autos;
98. Mas igualmente nas demais reclamações, entretanto apensadas ao presente
processo, que constituem também evidência do prestador não ter acautelado o devido
acompanhamento dos utentes em causa por forma a garantir uma permanente e
efetiva monitorização dos mesmos.
99. Pelo que, tendo presente os factos apurados nos autos, constata-se que in casu os
procedimentos assistenciais empregues pelo HGO não foram garantísticos da
proteção dos direitos e interesses legítimos dos utentes, mormente do direito à
prestação de cuidados de saúde de qualidade e com segurança.
100. Com efeito, e refira-se que, o direito à qualidade dos cuidados de saúde, que implica o
cumprimento de requisitos legais e regulamentares de exercício, de manuais de boas
práticas, de normas de qualidade e de segurança é, incontestavelmente, uma garantia
de um acesso aos cuidados qualitativamente necessários, adequados e em tempo útil;
101. Pois que, o cumprimento de procedimentos promove uma melhor coordenação e
articulação entre os serviços, bem como acautela qualquer impacto negativo na
condição de saúde dos utentes.
102. Sendo certo que nenhuma vantagem se retira da existência de procedimentos, nas
mais diversas áreas de intervenção, sem que se garanta, paralelamente, que os
mesmos são efetivamente aplicados, em todos os momentos e em todas as
dimensões da atuação dos prestadores, nos cuidados que prestam aos utentes.
103. Por fim, no que respeita ao acesso à informação clínica dos utentes M.V. e J.R.,
solicitada por M.B. e por P.R., cumpre a esta ERS avaliar se o prestador respeita as
regras que regulam o acesso dos utentes à sua informação de saúde, nomeadamente,
as previstas na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto e na Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro.
104. E, no que a este assunto concerne, veio o prestador informar que “O acesso a
informação clínica, Relatórios Médicos e Meios Complementares de Diagnóstico e
Terapêutica, disponíveis em sistema informático, visualizados em S Clínico, efetuados
no Hospital Garcia de Orta EPE, solicitado por entidades judiciais, policiais e
34/40
inspetivas, unidades de saúde, seguradoras e também pelos utentes ou seus
representantes legais, é facultado através do Gabinete do Utilizador, mediante
requisição, para o efeito.”;
105. Para mais referindo que, “Os pedidos de acesso a informação clínica podem ser
efetuados presencialmente em impresso próprio (HGO Mod. 55/001) do Gabinete do
Utilizador ou enviados por carta, fax, ou correio eletrónico - cfr. "Norma de
Procedimento Geral: Pedido de Acesso a Informação Clínica - 1236"”;
106. Sem que, no entanto, concretizar se aos reclamantes M.B. e P.R. foi, ou não,
concedido o acesso à informação solicitada.
107. Pois que, pese embora o acesso à informação de saúde seja, por regra, efetuado pelo
próprio utente, um terceiro (in casu, familiar do utente) pode ter acesso à informação
de saúde de um utente, desde que i) com a sua autorização escrita, ou ii) se
demonstrar, fundamentadamente, ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e
suficientemente relevante, que justifique tal acesso, nomeadamente, quando pretende
apresentar uma reclamação ou recorrer à via judicial, para o exercício de um qualquer
direito ou interesse (cfr. n.º 5 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto);
108. De tal forma que, sempre que verificados tais pressupostos, não deve o prestador
condicionar ou dificultar o acesso à informação de saúde, pois que, recorde-se, os
utentes são os titulares da sua informação de saúde e os estabelecimentos de saúde,
enquanto depositários dessa informação, devem respeitar e fazer cumprir o direito dos
utentes de acesso à mesma, seja por consulta, seja por reprodução.
109. Por todo o vindo de expor, considera-se necessária a adoção da atuação regulatória
infra delineada, ao abrigo das atribuições e competências legalmente atribuídas à
ERS, de modo a obviar a repetição de situações futuras de índole idêntica às
ocorridas, devendo o HGO adotar todos os comportamentos tendentes a garantir uma
prestação de cuidados de saúde de qualidade e com segurança e, bem assim, evitar a
repetição futura de comportamentos que possam restringir ou limitar o direito de
acesso dos utentes à sua informação de saúde.
IV.1 DA AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
110. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados, nos
termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código do
Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi da alínea a) do artigo 24.º dos
Estatutos da ERS, tendo sido chamados a pronunciarem-se, relativamente ao projeto
35/40
de deliberação da ERS, o prestador e os reclamantes, por ofícios datados de 8 de
maio de 2018, respetivamente.
111. Decorrido o prazo concedido para a referida pronúncia, a ERS rececionou, por ofício
datado de 23 de maio de 2018, a pronúncia do HGO e, por mensagem de correio
eletrónico de 3 de junho de 2018, a pronúncia da reclamante S.C..
112. Assim, por ofício datado de 23 de maio de 2018, a ERS tomou conhecimento da
pronúncia aduzida pelo HGO, concretamente alegando:
“[…]
No que respeita ao assunto identificado em epígrafe, e após a análise do projeto de
Deliberação da Entidade Reguladora da Saúde, rececionado em 08.05.2018, o
Hospital Garcia de Orta, EPE (de ora em diante “HGO”), vem, nos termos e para os
efeitos do disposto no art. 121.º do Código do Procedimento Administrativo, informar o
seguinte:
O HGO, com o objetivo de garantir a qualidade dos cuidados de saúde prestados e a
segurança dos utentes, irá diligenciar no sentido de garantir o permanente
cumprimento das normas aplicáveis e procedimentos internos adotados,
inclusivamente dos procedimentos de avaliação do risco de queda dos utentes e de
prevenção dessas ocorrências.
Mais, o HGO irá garantir o permanente cumprimento das normas e orientações em
vigor sobre incidentes de quedas e eventos adversos, designadamente no que
respeita à “metodologia de desenvolvimento da Análise das Causas Raiz” e, bem
assim, à sua notificação ao organismo com competência para fazer a respetiva análise
e monitorização, conforme, respetivamente, a Orientação da Direção-Geral da Saúde
n.º 011/2012 e, a Norma da Direção-Geral da Saúde n.º 015/20174, ou quaisquer
outras que posteriormente venham versar sobre as mesmas matérias.
De modo a que os procedimentos a adotar para o cumprimento do projeto de
Deliberação em apreço sejam adequadamente seguidos e respeitados por todos os
profissionais de saúde, o HGO irá desenvolver um esforço contínuo no sentido de
emitir e divulgar ordens e orientações claras e precisas que o propiciem e fomentem.
Acresce que, o HGO, como aliás sempre fez, irá continuar a respeitar o direito de
acesso dos utentes aos respetivos processos clínicos e informação de saúde, em
harmonia com a legislação vigente.
Por fim e conforme solicitado, gostaríamos de informar V. Exa. que desconhecemos
que tenha sido efetuado qualquer pedido de acesso a informação clínica da utente
36/40
M.V.. Relativamente ao utente J.R., conforme informámos na resposta enviada ao
exponente P.R., não foram facultados, a tempo, os documentos de natureza clínica
porque ao abrigo da legislação em vigor, estaríamos a violar o direito à intimidade do
doente. […]”.
113. Subsequentemente, por mensagem de correio eletrónico de 3 de junho de 2018,
tomou a ERS conhecimento da pronúncia da reclamante S.C., que refere o seguinte:
“[…]
Venho por este meio responder ao processo referido
No dia 18.06.2016 fui atendida em serviço de urgência ginecológica, no Hospital
Garcia de Horta (doc. 1).
Na consulta foi-me colocado um DIU. Esta intervenção causou-me bastantes dores.
Transmiti o mesmo à Drª B. que me assistia, sozinha na sala. A doutora sugeriu-se a
toma de um comprimido ao que eu acedi. Mantive-me deitada na marquesa. A doutora
ausentou-se da sala para buscar medicação/água, deixando-me completamente
sozinha. Ao ausentar-se não me fez qualquer recomendação para permanecer
deitada. Após algum tempo (que não um hiato), sentei-me na marquesa, nunca saindo
da mesma. Senti-me muito indisposta e, no momento seguinte recuperei os sentidos,
já no chão, ensanguentada e sem perceber o que se tinha passado. Na sala estavam
a Drª B. e mais um ou dois funcionários (não sei se auxiliares ou enfermeiros). Depois
de acordar apenas me foi dado um analgésico para as dores que persistiam,
agravadas agora pela perda de um dente e estrumam/palatinização de dois (conforme
relatório médico que anexo). Não me foi prestado mais qualquer tratamento médico
neste hospital. Perguntei se podia ser atendida em estomatologia ou outra
especialidade ao que me responderam que não havia esse serviço de momento. Uma
enfermeira que se encontrava na sala, telefonou a meu pedido para vários hospitais e
clinicas para ver onde eu me poderia dirigir. Estes telefonemas não surtiram efeito. A
Drª B. telefonou a uma médica sua conhecida, em Setúbal que anuiu receber-me
nessa mesma noite.
Deixei o Hospital e dirigi-me à clinica, onde fui suturada. (doc.2). Não voltei a ser
contactada pelo Hospital Garcia de Horta.
Nos dias seguintes, recebi telefonema da Drª B. perguntando como eu estava e
desculpando-se pelo sucedido.
No dia 19 dirigi-me ao serviço de estomatologia do Hospital São Bernardo, em
Setúbal, onde foi-me desvitalizada a raiz do dente que perdi na queda.
37/40
Iniciei tratamento na Clínica Setimplante, onde me foi passado relatório clínico de toda
a situação e respetivo orçamento dos atos médicos efetuados até a data (doc 3). Para
além destes, fiz dois tratamentos de edodontia, apresentando fatura dos mesmos (doc
4).
É de referir que neste momento, ainda terei que colocar implante definitivo (custo
previsto ainda a determinar).
Acuso a forma leviana e negligente com que fui atendida e, face à minha situação
refiro que a equipa que me atendeu me deu alta do hospital naquele estado e a
precisar obviamente de cuidados médicos, cuidados esses que, fui receber noutra/s
unidade/s médica/s.”.
114. As pronúncias recebidas foram devidamente consideradas e ponderadas pela ERS.
115. Cumprindo, em primeiro lugar, enfatizar o exposto pela utente S.C., quando refere que
“Depois de acordar apenas me foi dado um analgésico para as dores que persistiam,
agravadas agora pela perda de um dente e estrumam/palatinização de dois (conforme
relatório médico que anexo). Não me foi prestado mais qualquer tratamento médico
neste hospital. Perguntei se podia ser atendida em estomatologia ou outra
especialidade ao que me responderam que não havia esse serviço de momento.”;
116. Sendo inconcebível que o HGO, enquanto estabelecimento especificamente criado e
habilitado para prestar cuidados de saúde, não tenha providenciado pela prestação de
auxílio imediato à utente após a queda sofrida, nomeadamente, verificando a
dimensão e a gravidade dos danos por ela sofridos, prestando-lhe todos os cuidados
que se revelassem necessários e assegurando a sua estabilidade física e emocional;
117. Constatando-se que a conduta do prestador não se revelou garantística da proteção
dos direitos e interesses legítimos da utente S.C., mormente do direito à proteção da
saúde através da prestação dos cuidados de saúde necessários e adequados à sua
situação clínica.
118. Por outro lado, é também referido pela utente que “Uma enfermeira que se encontrava
na sala, telefonou a meu pedido para vários hospitais e clinicas para ver onde eu me
poderia dirigir. Estes telefonemas não surtiram efeito. A Drª B. telefonou a uma médica
sua conhecida, em Setúbal que anuiu receber-me nessa mesma noite.”;
119. O que não se compadece com a obrigação dos profissionais de saúde, quando
confrontados com a impossibilidade de prestação de cuidados de saúde de que o
utente necessita, encetarem as necessárias diligências de referenciação dentro do
quadro de atuação do SNS;
38/40
120. Pelo que se conclui que, no caso concreto, necessitando a utente de cuidados de
estomatologia em virtude da queda sofrida e não podendo os mesmos ser realizados
pelo próprio Hospital, deveria ter sido referenciada para outro estabelecimento do
setor público (ou, não sendo isso possível, do setor privado ou social) onde os
mesmos pudessem ser prestados, assumindo o HGO a responsabilidade por todos os
encargos envolvidos.
121. Acresce que, na sua pronúncia, o prestador refere que “[…] desconhecemos que
tenha sido efetuado qualquer pedido de acesso a informação clínica da utente M.V..”;
122. Contudo, “Relativamente ao utente J.R., conforme informámos na resposta enviada ao
exponente P.R., não foram facultados, a tempo, os documentos de natureza clínica
porque ao abrigo da legislação em vigor, estaríamos a violar o direito à intimidade do
doente.”;
123. Desconsiderando o prestador que, nos termos do n.º 5 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016,
de 22 de agosto, o acesso à informação de saúde pode ser efetuado por terceiro (in
casu, o reclamante P.R., filho do utente J.R.), desde que este terceiro demonstre,
fundamentadamente, ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e
suficientemente relevante, que justifique tal acesso, nomeadamente, quando pretende
apresentar uma reclamação ou recorrer à via judicial, para o exercício de um qualquer
direito ou interesse;
124. O que nos parece ter sucedido in casu, pelo que não deve o prestador condicionar ou
dificultar o acesso à informação de saúde por parte do reclamante P.R..
125. Em face de todo o exposto, considera-se necessária a intervenção regulatória
delineada, tendo em vista garantir que o prestador adote os procedimentos e medidas
concretas tendentes ao cumprimento do projeto de deliberação da ERS, devendo,
para o efeito, juntar documentos comprovativos disso mesmo.
126. Ademais, e em face dos novos elementos trazidos aos presentes autos, impõe-se a
necessidade de alteração da instrução que constava do anterior projeto de deliberação
nos termos infra delineados, submetendo o novo projeto de deliberação a audiência de
interessados.
IV.2 DA AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
127. Assim, a nova proposta de deliberação foi, também, precedida de audiência escrita
dos interessados, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do
Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi da alínea a) do artigo
39/40
24.º dos Estatutos da ERS, tendo sido chamados a pronunciarem-se, relativamente ao
novo projeto de deliberação da ERS, o Hospital Garcia de Orta, E.P.E. e a reclamante
S.C., ambos por ofícios datados de 15 de junho de 2018.
128. No entanto, decorrido o prazo legal concedido para o efeito, nenhum dos interessados
veio aos autos pronunciar-se sobre o teor do projeto de deliberação da ERS, pelo que
este deve ser integralmente mantido.
V. DECISÃO
129. O Conselho de Administração da ERS delibera, nos termos e para os efeitos do
preceituado nas alíneas a) e b) do artigo 19.º e alínea a) do artigo 24.º dos Estatutos
da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, emitir uma
instrução ao Hospital Garcia de Orta, E.P.E., no sentido de:
(i) Garantir o permanente cumprimento das normas aplicáveis e dos
procedimentos internos, com o objetivo de garantir a qualidade e a segurança
dos cuidados de saúde prestados, designada, mas não limitadamente, das
medidas e/ou procedimentos de avaliação do risco de queda dos utentes e de
prevenção da ocorrência desse incidente;
(ii) Garantir o permanente cumprimento das normas e orientações em vigor, a cada
momento, sobre incidentes de quedas e eventos adversos, nomeadamente no
que respeita "a metodologia de desenvolvimento da Análise das Causas Raiz”
de acordo com a Orientação da Direção-Geral da Saúde n.º 011/2012, de
30/07/2012, referente à Análise de Incidentes e de Eventos Adversos e sobre a
sua notificação ao organismo com competência para fazer a respetiva análise e
monitorização, nos termos da Norma da Direção-Geral da Saúde n.º 015/2014,
referente ao Sistema Nacional de Notificação de Incidentes, ou quaisquer
outras de conteúdo idêntico que sobre as mesmas matérias venham a ser
aprovadas;
(iii) Garantir em permanência, através da emissão e divulgação de ordens e
orientações claras e precisas, que os procedimentos a adotar para cumprimento
da presente instrução sejam corretamente seguidos e respeitados por todos
profissionais de saúde;
(iv) Respeitar o direito de acesso dos utentes aos respetivos processos clínicos e
informação de saúde, seja por consulta ou reprodução, em conformidade com a
legislação em vigor;
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(v) Respeitar o direito de acesso do reclamante P.R. à informação clínica do utente
J.R.;
(vi) Garantir, em permanência que, sempre que seja necessária a prestação de
auxílio imediato a um utente nas suas instalações, é respeitado o seu direito à
proteção da saúde através dos cuidados de saúde necessários, de qualidade e
com segurança;
(vii) Garantir que todos os profissionais de saúde ao seu serviço respeitam as regras
de referenciação em vigor no SNS, para a prestação de cuidados de saúde de
que os seus utentes necessitem e que o Hospital não tenha capacidade
instalada para prestar;
(viii) Dar cumprimento à presente instrução, bem como dar conhecimento à ERS, no
prazo máximo de 30 (trinta) dias úteis após a notificação da deliberação final,
dos procedimentos adotados para o efetivo cumprimento do disposto em cada
uma das alíneas supra.
130. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º 1 do
artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014,
de 22 de agosto, configura como contraordenação punível in casu com coima de €
1000,00 a € 44 891,81, “[….] o desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no
exercício dos seus poderes regulamentares, de supervisão ou sancionatórios
determinem qualquer obrigação ou proibição, previstos nos artigos 14.º, 16.º, 17.º,
19.º, 20.º, 22.º, 23.º ”.
Porto, 12 de julho de 2018.
O Conselho de Administração.