Degradação Socioambiental no Baixo Curso do Rio Catú ... · A vegetação ciliar é um elemento...
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IV Encontro Nacional da Anppas 4, 5 e 6 de junho de 2008 Brasília – DF – Brasil
Degradação Socioambiental no Baixo Curso do Rio
Catú, Aquiraz-Ceará: Comprometimento da mata ciliar e recursos hídricos.
Maria Luzineide Gomes
Profa. Mestre do Curso de Geografia da Universidade Estadual do Piauí-UESPI Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE
[email protected] Eugênia Cristina Gonçalves Pereira
Profa. Dra. do Depto. de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE [email protected]
Jáder Onofre de Morais Prof. Dr. do Depto. de Geografia da Universidade Estadual do Ceará-UECE
[email protected] Resumo Os estudos sobre os problemas ambientais intervenientes no equilíbrio dos ecossistemas fluviais e aquáticos no Brasil têm crescido bastante nas últimas décadas. Isso tem ocorrido em função da importância da manutenção do meio ambiente e, especialmente sobre a questão da água no século atual. Um dos principais problemas que afeta a qualidade ambiental desses ecossistemas é a degradação da mata ciliar (vegetação ripária) que é resultante das formas de uso e ocupação inadequados. O Rio Catú localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, apresenta-se como exemplo desse tipo de degradação. Dada a proximidade desse rio com a cidade de Fortaleza e a valorização do espaço territorial do litoral leste do Estado (fruto da especulação imobiliária) houve uma aceleração do dinamismo dos agentes produtores do espaço urbano, influenciando até as áreas rurais. Isso tem feito com que ocorra a ocupação de áreas legalmente protegidas, neste caso a mata ciliar. Dessa forma esse trabalho tem por objetivo discutir as formas de intervenção dos principais agentes modificadores que causam a degradação da mata ciliar e comprometem a qualidade ambiental dos recursos hídricos do baixo curso do Rio Catú. Com a pesquisa constatou-se que a área de estudo já perdeu grande parte da vegetação nativa e corre sério risco em função da especulação imobiliária existente. Verificou-se ainda que as atividades ocorrentes na área não têm respeitado as imposições da legislação ambiental brasileira. Isso ocorre principalmente na área da Lagoa do Catú aonde as ocupações chegam a ultrapassar os limites da Áreas de Preservação Permanente (APP). Palavras-chave: Mata ciliar, Degradação ambiental, Recursos Hídricos.
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1. INTRODUÇÃO
O homem, para sobreviver, necessita ocupar um lugar no espaço e essa ocupação envolve o ato
de produzir o espaço. Os problemas ambientais dizem respeito, portanto, às formas pelas quais o
homem produz esse lugar às vezes ultrapassando as necessidades mínimas que garantiriam sua
sobrevivência. Essas intervenções do homem na natureza transforma, desnaturaliza, socializa
esta natureza e causam o que Lima e Roncaglio (2001) chamaram de “degradação
socioambiental” entendendo que toda a questão ambiental não se restringe a complicações
exclusivamente naturais, mas envolve ainda problemas que estão geralmente associados à ação
social. Sendo portanto, o natural e o social componentes do ambiental.
Este trabalho enfoca concepções específicas das intervenções sociais sobre os sistemas fluviais e
lacustres. Estudos desse tipo - que abordam problemas ambientais intervenientes no equilíbrio
dos ecossistemas fluviais e aquáticos - no Brasil têm crescido bastante. Isso foi influenciado pelas
manifestações iniciadas desde o final da década de 60 sendo corroborada pelos impactos
ambientais sobre os recursos hídricos que se avolumaram principalmente pelo crescimento da
urbanização. Isso gerou uma necessidade de mudança nas primeiras concepções que se tinha
acerca do meio ambiente. Com a crise ecológica anunciada as concepções foram subjugadas à
renovação, dando maior importância à manutenção dos ambientes e em especial sobre a questão
da água, principalmente no século atual. As intervenções aqui estudadas destacam como as
alterações resultantes de ações sociais podem comprometer a qualidade ambiental dos sistemas
fluviais e conseqüentemente da água, enquanto recurso natural.
Um dos principais problemas que afeta a qualidade ambiental desses ecossistemas é a
degradação da mata ciliar (vegetação ripária). Geralmente esta degradação é resultante das
formas de uso e ocupação inadequados. Como a bacia hidrográfica constitui um sistema natural
bem delimitado e integrado em função de seus componentes e afluentes, compreende-se a visão
de Dussart (1979) que atesta que o estado da qualidade ambiental do sistema aquático (e
principalmente a qualidade da água) é reflexo das interações aquático-terrestres por onde passam
os cursos fluviais da bacia analisada, neste caso o baixo curso de Rio Catú no Estado do Ceará.
O destaque ao baixo curso do Rio Catú é dado em função de que os impactos sobre os baixo-
cursos dos rios de drenagem exorréica têm se tornado cada vez mais freqüentes, pois à medida
que o litoral e áreas pré-litorâneas são ocupadas, mais se agrava o problema, que cresce em
magnitude e importância devido ao aumento do valor econômico dessas zonas. Impulsionado pela
especulação imobiliária e pelos investimentos no setor turístico nas áreas litorâneas, apoiados
também pelo Estado, sob a idéia de busca do desenvolvimento turístico.
Assim, a importância de estudos de análise ambiental nessa área, sobretudo com a intenção de
um diagnóstico atual da vegetação desse recurso hídrico, é dada em função da necessidade de
se compatibilizar os interesses socioeconômicos com a proteção do ambiente. A qualidade
ambiental da vegetação está diretamente associada à qualidade ambiental do recurso hídrico
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como um todo, pois a vegetação ripária desenvolve funções específicas são imprescindíveis ao
equilíbrio da bacia hidrográfica. Dessa forma a manutenção desse ecossistema exige
programações específicas para o seu manejo de maneira a contribuir para a elevação da
qualidade de vida da população local, proteção do seu patrimônio natural, econômico, histórico e
cultural além de permitir a utilização mais racional desse recurso.
2. ESTADO DA ARTE
2.1. Caracterização da Área de Estudo
A bacia hidrográfica do Rio Catú, situada na Região Metropolitana de Fortaleza, tem uma área de
aproximadamente 217,3km2. Trata-se de um rio de caráter intermitente, com escoamento
ocorrendo principalmente durante o período chuvoso. A instalação de barragens ao longo desse
rio, como se tem, por exemplo, a barragem Catú-Cinzento e a barragem de aterro feita no campo
de dunas (já dentro da área de estudo), permite que ele se apresente de forma semi-perene. O
setor pesquisado refere-se ao baixo curso, mais especificamente o trecho situado entre o setor
que fica logo à montante da Lagoa do Catú e a foz do rio que fica na localidade de Prainha
(ambos ainda no município de Aquiraz). Esta área está situada a aproximadamente 26km de
Fortaleza, estando delimitada pelas coordenadas UTM 0567000E, 9561273N e 0575000E,
9569000N (Figura 01). O Rio Catú nasce no município de Horizonte a aproximadamente 30km do
litoral e deságua no Oceano Atlântico na localidade de Prainha.
Figura 01 - Mapa de localização da área.
Através de levantamentos de campo constatou-se que a área estudada encontra-se com uma
intensa ocupação, entretanto há que se dar maior enfoque à área onde está situada a Lagoa de
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nome homônimo (Lagoa do Catú) na margem Oeste, devido a especulação imobiliária, com
construções de pousadas, casas de veraneio, restaurantes e, mais recentemente, um condomínio
e “spa”. Esses empreendimentos têm causado transformações que podem alterar a dinâmica do
ecossistema estudado.
O Rio Catú é considerado como curso fluvial de pequeno porte. No entanto, a Lagoa do Catú junto
ao litoral, possui área e volume consideráveis (2,42 km2 e 7.455.610m3, respectivamente) que é
responsável por parte do abastecimento da sede do município de Aquiraz. A Lagoa do Catú está
inserida sobre a Formação Barreiras, tendo sua porção norte já assentada sobre parte da planície
litorânea. Lagoas como esta são extremamente importantes para o abastecimento em âmbito local
e regional, pois nos períodos de estiagem (mesmo que intensos) elas mantêm um volume de água
que consegue suprir as necessidades das populações (GOMES, 2003).
2.2. Considerações sobre a Mata Ciliar
Conforme destaca Poleto et. al. (2004) a vegetação ripária apresenta uma série de funções,
dentre as quais destacam-se: a formação e manutenção de habitats e abrigos, corredores de
migração, áreas de reprodução, fornecimento de material orgânico, contenção de vertentes
(diminuindo a erosão de sedimentos), equilíbrio térmico e sombreamento. Estas funções permitem
a manutenção do equilíbrio dinâmico do sistema flúvio-lacustre e área de influencia direta,
evitando que o mesmo entre no estado de degradação.
A degradação e a perturbação ambiental em matas ciliares encontram-se entre os mais
freqüentes e sérios impactos ambientais. Segundo Primo & Vaz (2006) entende-se por localidade
perturbada de mata ciliar toda aquela que sofreu distúrbios, mas manteve seus meios bióticos de
regeneração, de forma que pode recuperar a sua dinâmica original. De acordo com Ribeiro
(2001), regiões perturbadas indicam casos de modificações ambientais onde a vegetação original
foi praticamente toda retirada, mas o solo ainda apresenta as características físicas, químicas e
biológicas originais, portanto, a manutenção dessas condições ainda cria a possibilidade de
regeneração natural da área. A área da Lagoa do Catú tem passado por processo semelhante de
perturbação ambiental, pois sua mata riparia tem sido retirada para construção de casas de
veraneio, pousadas, condomínios, ou seja, empreendimentos que vão de pequeno a grande porte
(Figuras 02, 03 e 04).
A vegetação ciliar reduz o impacto de fontes de poluição de áreas a montante, através de
mecanismos de filtragem (retenção de sedimentos), barreira física e processos químicos; minimiza
processos de assoreamento dos corpos d’água e a contaminação por lixiviação ou escoamento
superficial de defensivos agrícolas e fertilizantes (KAGEYAMA et. al. 2001). Além disso, mantém a
estabilidade dos solos marginais, minimizando os processos erosivos e o solapamento das
margens. A vegetação ciliar pode ainda reduzir a entrada de radiação solar e, desta forma,
minimizar flutuações na temperatura da água dos rios.
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Figura 02 – Canteiro de obras de grande empreendimento às margens da lagoa (Lagoa do Catú ao fundo) alterando a vegetação ribeirinha.
A questão da disponibilidade e quantidade de água é também fator importante, se levarmos em
consideração o contexto regional e local, tendo em vista que o Estado do Ceará, sofre ainda
problemas no abastecimento de água. Tal fato está associado a diversos fatores como a
irregularidade da precipitação; a impermeabilidade do solo em grande parte do Estado; as altas
taxas de evaporação etc. Assim, a existência de reservatórios (como a Lagoa do Catú) são
importantíssimos para tentar suprir as necessidades de água, visto que são raros a existência de
lagoas, rios e riachos de caráter permanente. Logo, as matas ciliares auxiliam na sua conservação
do nível hidrostático dos rios e reservatórios, pois funcionam como retentores de umidade nas
margens fazendo com que as águas provenientes do escoamento superficial linear entre
lentamente no sistema fluvial e lacustre.
A vegetação ciliar é um elemento chave da paisagem, servindo como corredores ecológicos
naturais, que possibilitam o fluxo de animais e propágulos (pólen e sementes) ao longo de sua
extensão e interligando importantes fragmentos florestais.
Figura 03 – Construção de Condomínio e “spa” com estruturas de até três pavimentos junto à margem da Lagoa do Catú sem respeitar a legislação vigente.
Figura 04 – Casas de veraneio denotam a especulação imobiliária da área. Estão situadas por toda a margem da lagoa e limitam o acesso à água que é um bem público.
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2.2.2. Aspectos Legais
Trennepohl & Trennepohl (2007) alertam que a legislação ambiental brasileira não trata somente
da proteção de florestas nativas, primárias e intocadas pelo homem, mas em sua maioria,
apresenta normas que objetivam a proteção da vegetação independente de seu estágio de
alteração pela ação humana.
Entretanto as previsões legais mostram que a supressão de espécimes vegetais pode ser
intentada com várias finalidades, desde a sua utilização com o objetivo de auferir vantagem
econômica imediata, ou como insumo em algum processo produtivo, para o uso alternativo do
solo ou ainda, quando necessária para a construção de uma obra ou implantação de determinado
empreendimento ou a realização de alguma atividade para a qual é necessário remover a
vegetação.
Mota & Aquino (2001) apontam ainda que para os lagos, lagoas e reservatórios naturais e
artificiais, a Resolução n° 04/85, do CONAMA, estabelece como reservas ecológicas às florestas e
demais formas de vegetação situadas ao redor desses mananciais, numa faixa marginal com
largura de:
I. 30 metros, para os situados em áreas urbanas;
II. 100 metros, para os situados em áreas rurais, exceto os corpos d’água com até 20 hectares
de superfície, cuja faixa será de 50 metros;
III. 100 metros, para as represas hidroelétricas.
O que se observa na realidade é uma aproximação das residências e/ou pousadas junto à lagoa.
Logo, como essas construções ultrapassam os limites da área de inundação, podem ficar
comprometidas durante o período chuvoso pois as águas acabam atingindo as benfeitorias mais
próximas das margens, como já foi relatado por moradores. Como foi observada, a ocupação em
torno da Lagoa do Catú não está respeitando aos limites da faixa de proteção exigidos e
colocados no item II desta resolução (onde são necessários pelo menos 50 metros de área de
proteção permanente para a vegetação).
2.3. A qualidade ambiental dos recursos hídricos
A água doce transformou-se em preocupação premente nos últimos anos, tendo em vista que hoje
além de ser reduzido o percentual de água doce disponível na Terra, parte dessa água já não se
apresenta em condições adequadas para o abastecimento e uso humano.
As fontes de recursos de água doce superficiais dispostas em rios, lagos e outros reservatórios
estão distribuídas no mundo de forma bastante reduzida, representando segundo Shiklomanov
(1998) apud Tundisi (2003) cerca de 1,2% da água do mundo. Dada a discrição desse valor (em
escala mundial), é preciso que sejam conhecidas as potencialidades e suscetibilidades das fontes
de água, para que se possam mensurar os impactos atuantes, bem como para que sejam
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atribuídas sugestões para a adequada manutenção delas. A qualidade da água guarda relação
com as características do ambiente onde está inserido o corpo hídrico.
A qualidade da água na bacia é sempre a somatória dos processos que ocorrem sobre a
superfície da bacia hidrográfica. Esta depende de condições naturais (solo, vegetação e clima) e
da ocupação antrópica atuando fortemente na paisagem. O grande problema que compromete a
qualidade ambiental das bacias hidrográficas são as atividades de uso que acabam por estagnar a
potencialidade hídrica. Os impactos ambientais mais encontrados nas bacias hidrográficas são: o
crescente processo de adensamento populacional dos centros e núcleos urbanos que contribuem
com aterros de margens, poluição e contaminação por parte de fossas sépticas clandestinas e
disposição de resíduos sólidos de forma inapropriada, extrações de minerais (areias e argilo-
minerais) no leito dos rios, criação de barragens (de pequeno e grande portes) dentre outros.
Nesse sentido, o conhecimento das atividades em desenvolvimento na área de estudo
representam o primeiro passo para o planejamento de ações estratégicas para o uso e ocupação
adequados.
2.3.1. Levantamento das Atividades de Uso Identificadas na Área e o Comprometimento da
Qualidade Ambiental dos Recursos Hídricos
A área de estudo possui várias atividades de uso que acabam desencadeando vários problemas.
As atividades mais encontradas na área são os intensos usos a partir da ocupação inadequada
das áreas de inundação e os constantes passeios de jet-ski e lanchas, que lançam óleo na água
proveniente desses motores. Valendo salientar sobre a fiscalização inadequada desse esporte na
área.
A exploração desordenada dos recursos naturais, o uso inadequado dos solos, o desmatamento
irracional, os usos indiscriminados de fertilizantes, corretivos e agrotóxicos vêm provocando
inúmeros problemas ambientais, principalmente em áreas de nascentes e regiões ribeirinhas,
alterando a qualidade e quantidade de água drenada pela bacia (PINTO, 2003).
Outra atividade encontrada na área é criação de gado nas margens da lagoa onde tem trazido
problemas quanto à qualidade da água (Figuras 05 e 06). As fezes e urinas expelidas pelos
animais depositam-se aleatoriamente ao longo das áreas de pastagem e na água por onde
passam.
Verifica-se, portanto, que apesar da relevância das matas ciliares, este recurso tem sido
degradado e perturbado. Mesmo sendo amparadas legalmente as matas ciliares vêm sendo
destruídas por meio das ações antrópicas (pecuaristas, agricultores, indústrias etc.) que
desmatam as margens através da implantação das mesmas (PRIMO & VAZ, 2006).
Conseqüentemente a qualidade da água desse recurso hídrico fica comprometida. Tal
comprometimento resulta principalmente das formas de Uso da Água ocorrentes na bacia
hidrográfica estudada (QUADRO 01).
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QUADRO 01 – Caracterização das formas de Uso da Água na Bacia do Rio Catu.
TIPO DE USO CARACTERISTICAS GERAIS
Consumo Humano e Abastecimento
Inclui os usos destinados ao abastecimento humano. As fontes públicas são constituídas por açudes e barragens enquanto as particulares são compostos por barreiros que ocorre na área com pouca incidência.
Consumo Animal
Constitui o tipo de uso mais freqüente na bacia. As principais criações são bovinos, caprinos, aves, suínos e eqüinos.
Irrigação
Este uso é bastante limitado na bacia devido a irregularidade dos cursos fluviais. São utilizadas para irrigar pequenas propriedades, situadas nas margens. As principais culturas verificadas na área são as canas de açúcar, hortaliças, frutíferas, mandioca, feijão e capineiras.
Uso Industrial As captações destinadas ao uso industrial onde a maior parte das indústrias são do setor das indústrias leves de transformação.
Limpeza
Caracteriza as captações destinadas a limpeza tanto de estabelecimentos comerciais (bares, postos de gasolina etc.) como em propriedades rurais (matadouros e outras destinações que não fossem consumo humano, animal, irrigação e uso industrial). A
Lazer Configura-se como uma das formas mais comuns de uso e ocorre nos reservatórios, lagoas, rios etc. da bacia.
Fonte: CEARÁ, 2005
Um importante vetor de desenvolvimento humano que atua nos espaços urbano, agrícola e
industrial é a disponibilidade hídrica. O desenvolvimento das atividades humanas, da mais simples
a mais complexa, estão atreladas ao uso da água, seja disposta nos cursos fluviais ou em
reservatórios. No entanto as ações humanas representam também o comprometimento da
qualidade ambiental da água desses recursos, pois desenvolvem uma série de cargas de
poluentes e derivados orgânicos e inorgânicos. Essas substâncias aumentam significativamente o
regime dos ciclos biogeoquímicos das águas nas bacias receptoras desses poluentes, que neste
caso estão representadas pelos próprios reservatórios, rios e lagoas.
Figura 05 – Pecuária extensiva desenvolvida ao longo das margens da Lagoa do Catú degradando a mata ciliar.
Figura 06 – Comprometimento da qualidade da água da lagoa através das fezes de bois e vacas em contato direto com a água da lagoa.
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Na análise das cargas de poluentes há que se considerar a distinção entre tipos de ambientes
como já foi explicitado (ambientes lóticos e lênticos). É preciso ainda atentar para o fato de que
muitas vezes pode haver a mudança no padrão de escoamento dos cursos fluviais, deixando de
ser permanente para um controlado por vazões regularizadas (se houver a instalação de açudes
ou represas). Essas obras de engenharia também são responsáveis pelo aumento da
concentração e período de detenção de substâncias químicas e organismos patogênicos, que
podem corromper significativamente o equilíbrio do ecossistema alterando os índices de estado
trófico, a ecotoxicidade. Isso se reflete na potencialidade de uso das águas flúvio-lacustres,
fluviais, estuarinas e costeiras. Além disso, o comportamento das cargas de
poluentes/contaminantes (nutrientes, agroquímicos, metais, óleos e graxas dentre outros) nos
sistemas fluviais, lacustres, estuarinos e costeiros é de grande relevância, pois permite a
realização de diagnósticos para se estabelecer qual o nível de impacto da ação antrópica e área
de abrangência destes impactos de modo que sirvam para subsidiar a implantação de um plano
de controle ou monitoramento. O diagnóstico da qualidade das águas na bacia hidrográfica
representa, portanto, ferramenta imprescindível para a ação gestora.
Com base nessas considerações a ação mais premente que deva ser tomada é a identificação ou
levantamento das principais fontes pontuais de cargas poluidoras ao longo da bacia hidrográfica.
A partir disso é possível se estabelecer pontos de coleta e monitoramento a ser estipulado ainda
sob a ótica de uma escala temporal e espacial. Para isso é de extrema relevância a integração
dos poderes Municipal, Estadual e Federal juntamente com a comunidade.
Jørgensen & Vollenweider (2000) indica que para os trabalhos com fins de gerenciamento e
controle da qualidade das águas é preciso realizar um inventário criterioso das fontes de poluição,
devendo ser listados, separadamente os tipos e localizações de todos os focos diretos e indiretos
que posteriormente deve ser organizados em um banco de dados em formato SIG (Sistema de
Informações Geográficas). Essa estratégia foi utilizada por Ceará (2005) para o estabelecimento
das fontes de poluição em áreas estuarinas.
As fontes pontuais diretas de poluição são normalmente representadas por tubulações de
complexos industriais e descargas urbanas diretas e às vezes por operações agrícolas (por
exemplo, estábulos e descargas de comedouros e matadouros) desde que seja possível mensurar
as cargas produzidas. As fontes de cargas difusas de poluição são representadas por
contribuições de áreas urbanas, áreas agrícolas, áreas de mineração ou outras nas quais não seja
possível mensurar adequadamente a contribuição das mesmas para os sistemas hídricos. As
fontes pontuais podem ser monitoradas de forma prática e sua produção pode ser controlada, no
entanto as cargas difusas apresentam elevado grau de complexidade à mensuração. Esta é por
vezes analisada de forma apenas qualitativa e não quantitativa.
Através da junção de informações contidas nos cadastros do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e órgãos locais - como levantamento de dados do anuário estatístico acerca da
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produção industrial, produção rural por município, demografia municipal, sistema de coleta de lixo
e esgotamento sanitário -, é possível se fazer um agrupamento dos tipos de usos da água
encontrados na bacia hidrográfica e correlacionar tais dados para se fazer uma aproximação da
poluição ocorrente ou uma espécie de inventário das formas de uso e ocupação e seu potencial
de poluição (análise qualitativa).
a) As fontes difusas de poluição
Dentre as considerações sobre as fontes difusas de poluição podemos destacar:
O esgoto doméstico: Carioca & Arora (1984) e Abreu (2004) estimaram que cada pessoa produz
de 100 a 150 litros/dia de esgoto líquido. Logo verificando na bacia hidrográfica os municípios que
são desprovidos de sistema de esgotamento sanitário é possível fazer uma estimativa geral. Os
resíduos do esgoto doméstico são ricos em Carbono (C), Nitrogênio (N) e Fósforo (P) e estes são
os principais elementos químicos responsáveis pela alteração da qualidade da água dos recursos
hídricos.
Os resíduos sólidos: esses resíduos englobam necessariamente o lixo produzido pelas pessoas
e que por vezes encontra-se nas ruas, é formado em sua maioria por embalagens plásticas
(garrafas e sacolas) e papel (jornais, panfletos publicitários e outros) que também podem
contribuir para a poluição e contaminação dos cursos d’água principalmente no período chuvoso
onde a chuva acaba levando todo o lixo encontrado pelas ruas para os cursos fluviais (área mais
rebaixadas). Esses resíduos deveriam ser dispostos em lixeiras distribuídas em pontos
específicos (nas localidades urbanas), mas a falta de coleta sistemática em algumas áreas,
associada à falta de conscientização da população dificulta o adequado destino do lixo. Esse tipo
de resíduo é dado como fonte difusa de poluição, já os lixões podem ser enquadrados como
fontes pontuais de poluição (pois permanentemente emitem poluentes e é possível mensurá-
los, pois estão dispostos num só lugar). Nas áreas rurais o problema não é menos grave, pois
todos os resíduos são, em geral, jogados em terrenos próximos, nas vertentes dos rios, ou são
queimados e/ou enterrados. Esse lixo, se deixado a céu aberto pode servir como área de
proliferação de doenças além de poder contribuir para a contaminação do lençol freático.
É preciso destacar ainda que faltam aterros sanitários no Brasil e o caso se agrava para o
nordeste. Além disso, muitas vezes os poucos aterros existentes não obedecem as normas
técnicas (Associação Brasileira de Normas Técnicas, Termo de Referência nº 1984) necessárias
para enquadrá-lo como aterro sanitário.
Geralmente só as capitais ou grandes centros urbanos possuem aterros e estes em sua maioria já
tem sua capacidade de recebimento de resíduos ultrapassada. Nas sedes dos municípios
interioranos o lixo tem como destino os lixões, situados em áreas pouco afastadas. A localização
dos aterros e lixões é outro fator preponderante na questão da qualidade das águas, pois se faz
necessário um planejamento prévio da área de instalação levando em consideração as
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características geográficas, a geologia local, a declividade, e a proximidade dos recursos hídricos
de modo a evitar a poluição e contaminação dos rios e lagoas.
As atividades agrícolas: cada atividade agrícola possui determinada exigência de nutrientes e
por vezes as características pedológicas da área não apresentam as quantidades necessárias de
nutrientes à cultura empregada. Logo é possível verificar a introdução de nutrientes naturais ou
insumos industrializados como o NPK, um Composto de Nitrogênio, Fósforo e Potássio (Andrade,
1991). Nesse sentido a alteração das propriedades químicas do solo depende do tamanho da
área de cultivo e a diversidade do mesmo. Sem esquecer ainda que esses nutrientes podem ser
carreados para os leitos dos rios pela própria ação da irrigação ou pela lavagem do solo quando
do período chuvoso.
Os solos: estes são contribuintes naturais de poluição, pois o processo de lavagem (lixiviação) do
solo retira dele componentes solúveis e os leva para os rios. O solo é visto como uma fonte
difusa de poluição, pois cada tipo de solo tem um percentual específico de elementos e/ou
componentes que podem representar poluentes quando dispostos de forma concentrada. Dessa
forma é possível através do mapeamento pedológico de uma determinada área estimar a
contribuição do solo para o sistema hídrico levando em consideração os dados químicos dos solos
do Brasil. Abreu (2004) também estimou a produção de desses componentes para a bacia
hidrográfica Jaguaribana – no Ceará - pelos dados do Levantamento RADAM-BRASIL.
b) As fontes pontuais de poluição
Dentre as considerações sobre as fontes pontuais de poluição podemos destacar:
Os currais: configuram-se base para as atividades agro-pecuárias sendo bem comuns em todo o
país, dando suporte tanto à pecuária extensiva (englobando as criações bovinas, suínas, ovinas e
a avicultura) como intensiva. Entretanto os currais correspondem a fontes pontuais de
contaminantes em função da produção de fezes de animais que acabam atingindo os recursos
hídricos. A pastagem não controlada próximo à cursos fluviais representa também risco à
qualidade ambiental das águas. Associada a atividade pecuarista é comum verificar a presença de
matadouros públicos municipais (nas cidades interioranas) sem as condições adequadas de
higiene.
As indústrias: sendo Brasil um país de industrialização crescente, deve se considerar o papel
destas na alteração da qualidade das águas. As contribuições das indústrias de alimentícios (que
usam de matéria prima rica em compostos orgânicos, os alimentos) precisam ser acompanhadas,
pois seus resíduos são extremamente ricos em nutrientes. Não se diminui aqui a contribuição das
industrias de produtos inorgânicos. Estas, por sua vez apresentam resíduos diversos que variam
deste óleos e graxas até metais pesados. As industrias independente de seu tamanho (pequenas,
médias ou grandes) podem comprometer fortemente a qualidade ambiental das bacias
hidrográficas.
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CONCLUSÃO
A relevância de estudos de análise ambiental sobre os recursos naturais (aqui destacados a mata
ciliar e os recursos hídricos), sobretudo com a intenção de compreender a funcionalidade,
fisiologia e diagnóstico atual dos mesmos, é dada em função da necessidade de se compatibilizar
os interesses sócio-econômicos com a proteção do ambiente.
Verificou-se que, sob o ponto de vista da ocupação, a Lagoa do Catú encontra-se com intensa
ocupação devido principalmente à especulação imobiliária. Estas muitas vezes chegam a
ultrapassar os limites impostos pela lei como Áreas de Preservação Permanente, comprometendo
a qualidade ambiental de todo o baixo curso do Rio Catú.
As formas de uso e ocupação ocorrentes estão associadas à retirada da cobertura vegetal
gera a instabilidade das margens e conseqüente a alteração das características
morfométricas e físico-químicas da lagoa, ocasionando impactos negativos como
aumento do escoamento superficial, erosão das margens, maior aporte de sedimentos na
lagoa, assoreamento, diminuição do volume de água, e maior concentração de poluentes,
maior comprometimento da água e deste ambiente, podendo vir a comprometer também a
vida da população local. Ficou bem evidente a ausência e retirada da mata ciliar em boa
parte da margem oeste do Rio Catú resultante de intervenções como a implantação de
empreendimentos associados à especulação imobiliária. Estes empreendimentos poderão
trazer grandes benefícios econômicos à região, tendo em vista que a área tem um grande
potencial turístico, mas não podem ser esquecidos os impactos que serão gerados no
ambiente. Estes podem ser bem maiores se não forem levadas em consideração as
suscetibilidades e vulnerabilidades do meio.
A manutenção equilibrada da qualidade ambiental do Rio e da Lagoa do Catú exige programações
específicas para o seu manejo, de maneira a contribuir para a elevação da qualidade de vida da
população local, proteção ao seu patrimônio natural, econômico, histórico e cultural. Dessa forma
almeja-se a utilização mais racional desse recurso, evitando os reflexos dos danos ambientais
futuros. Assim, a execução de atividades intervenientes que ocorrem de forma inapropriada,
aleatória e sem manejo adequado como constatado na área de estudo fazem com a bacia
hidrográfica do Rio Catú se apresente como uma área de tensão ambiental, onde a intensificação
das alterações ambientais verificadas compromete significativamente a qualidade desse ambiente.
Para conter essa tendência percebe-se a necessidade de um programa gestor que proporcione
um planejamento estratégico para o desenvolvimento da área, associado a um projeto de
educação ambiental voltada para o desenvolvimento sustentável.
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Referências
- ABREU, I. M. Distribuição Geoquímica de Carbono, Nitrogênio e Fósforo em Sedimentos Estuarinos do Rio Jaguaribe, Ceará. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Ceará, (2004).
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