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INTRODUÇÃO ÀS DIRETRIZES CURRICULARES Prof.ª Dr.ª Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde Superintendente da Educação da SEED-PR DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA PARA A REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO Introdução Apresentar horizontes bem definidos, propostas claras e a decisão firme de implementar uma política educacional de qualidade têm se revelado a tônica da Educação no Estado do Paraná. Neste sentido, é um compromisso desse governo, assim como a compreensão de que por meio dela pode- se contribuir com a diminuição das desigualdades sociais e com a luta por uma sociedade justa e humana. Portanto, o resgate do papel da escola tem sido nosso desafio. Uma escola que assume a responsabilidade de atuar na transformação e na busca do desenvolvimento social, cujos sujeitos, que dela participam, devem empenhar-se na construção de uma proposta para a realização desse objetivo. É a instituição escolar que no mundo moderno e contemporâneo apresenta-se como a forma de acesso aos conhecimentos e é a escola pública, gratuita e universal que se constitui como a alternativa que assegura o acesso à maioria da população, do contato com a cultura formal e com o conhecimento científico. A defesa desta escola é pela ação prioritária de trabalho com o conhecimento para o exercício pleno da cidadania e que seja um dos instrumentos que contribui para a transformação social. Uma escola em que, ao se trabalhar os saberes, por meio do processo de ensino e aprendizagem, promova quem aprende e quem ensine e, nessa simbiose, sejam produzidas as bases de uma nova sociedade que se contraponha ao modelo gerador de desigualdades e exclusão social que impera nas políticas educacionais de inspiração neoliberal. Tais políticas vêm marcadas pela minimização do Estado no gerenciamento da Educação, com o repasse de suas ações para outras instituições e indivíduos, sob o lema de um desenvolvimento auto-sustentável que, longe de ser um modelo de desenvolvimento educacional, evidenciou um abandono da escola a sua própria sorte e, desta forma, assumindo funções diferenciadas, sem diretrizes comuns. 1

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INTRODUÇÃO ÀS DIRETRIZES CURRICULARES

Prof.ª Dr.ª Yvelise Freitas de Souza Arco-VerdeSuperintendente da Educação da SEED-PR

DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA PARA A REDE

PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO

Introdução

Apresentar horizontes bem definidos, propostas claras e a decisão firme de implementar uma

política educacional de qualidade têm se revelado a tônica da Educação no Estado do Paraná. Neste

sentido, é um compromisso desse governo, assim como a compreensão de que por meio dela pode-

se contribuir com a diminuição das desigualdades sociais e com a luta por uma sociedade justa e

humana.

Portanto, o resgate do papel da escola tem sido nosso desafio. Uma escola que assume a

responsabilidade de atuar na transformação e na busca do desenvolvimento social, cujos sujeitos,

que dela participam, devem empenhar-se na construção de uma proposta para a realização desse

objetivo.

É a instituição escolar que no mundo moderno e contemporâneo apresenta-se como a forma

de acesso aos conhecimentos e é a escola pública, gratuita e universal que se constitui como a

alternativa que assegura o acesso à maioria da população, do contato com a cultura formal e com o

conhecimento científico.

A defesa desta escola é pela ação prioritária de trabalho com o conhecimento para o

exercício pleno da cidadania e que seja um dos instrumentos que contribui para a transformação

social. Uma escola em que, ao se trabalhar os saberes, por meio do processo de ensino e

aprendizagem, promova quem aprende e quem ensine e, nessa simbiose, sejam produzidas as bases

de uma nova sociedade que se contraponha ao modelo gerador de desigualdades e exclusão social

que impera nas políticas educacionais de inspiração neoliberal. Tais políticas vêm marcadas pela

minimização do Estado no gerenciamento da Educação, com o repasse de suas ações para outras

instituições e indivíduos, sob o lema de um desenvolvimento auto-sustentável que, longe de ser um

modelo de desenvolvimento educacional, evidenciou um abandono da escola a sua própria sorte e,

desta forma, assumindo funções diferenciadas, sem diretrizes comuns.

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O Estado neoliberal cria as necessidades de novas formas de vigilância, fiscalização,

avaliação e controle geral da escola e, nesse modelo, decide manter todos dentro de determinados

padrões de qualidade, ditado pelas forças econômicas com leituras e análises quantitativas do

desempenho de cada instituição e da rede educacional. No dizer de Mark Olssen, o Estado toma as

medidas para que cada um faça de si próprio uma empresa contínua, no que parece ser um processo

de "governar sem governar" (OLSSEN, 1996).

A escola pública do Paraná sobreviveu a este desgoverno, de políticas equivocadas em

relação ao sistema educacional e sua própria rede escolar, no período de 1995 a 2002. É nessa

escola de resistência que se crê, e é nela que reside a intencionalidade da dimensão pedagógica, cuja

definição está no esclarecimento de ações educativas e de seu papel, e que possibilitem a formação

do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Uma escola cuja

supremacia é o trabalho com o conhecimento escolar. Conhecimento este, que é específico, advindo

da produção intelectual dos homens, mas que serve para possibilitar também o conhecimento

amplo, elaborado na ação humana coletiva, numa teia de relações sociais, as quais geram novas

necessidades de reflexões e elaborações teóricas.

O conhecimento específico, com base nos estudos e na ciência, segundo as análises de Maria

Amália Andery, adquire este caráter indicado acima, de ferramenta a serviço da compreensão do

mundo para a sua transformação concreta , segundo os interesses de uma classe social, que se opõe

aos interesses de outra classe, a qual concebe o conhecimento para manutenção do mundo tal qual

está (ANDERY & SÉRIO, 1996:420).

É esta escola que, ao desenvolver sua prática e disponibilizar o conhecimento sistematizado

aos professores e alunos, das mais diferentes comunidades, para sua inserção cidadã, social e

produtiva, participa, enquanto instituição social, do processo civilizador, o qual permite o exercício

consciente das decisões e ações dos homens na sociedade e as possibilidades de transformação.

Um dos desafios para a recuperação da escola pública, em sintonia com a função social aqui

apontada, tem sido a elaboração das diretrizes curriculares. Diretriz não é dogma, mas um lugar

textual marcado pela provisoriedade de certas reflexões, pela passagem em direção aos múltiplos

fazeres que articulam conhecimentos, fazeres capazes de atender às diferentes demandas das

comunidades escolares espalhadas em todos os cantos do Estado. Não sendo dogmáticas, estas

Diretrizes propõem uma abertura do campo das práticas de ensino, convocam os professores à ação

contínua de escritura e reescritura deste texto. Uma escritura que, considerando o quadro referencial

da disciplina propicie, no currículo, a sua composição eventual com outros ramos do saber, bem

como com as necessidades regionais. Neste sentido, estas diretrizes não têm a função de

circunscrever ou limitar as práticas docentes, mas a de darem curso, através dessas mesmas práticas,

ao contínuo processo do ensino nesta escola pública que almejamos.

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Diagnóstico inicial

O processo de construção das diretrizes curriculares tem sido marcado por referenciais

teóricos e metodológicos desencadeados desde o primeiro Seminário, ocorrido em setembro de

2003, ou nos diferentes eventos de formação continuada, assim como nos registros em documentos

impressos, cadernos temáticos, materiais de apoio pedagógico e produções sob a forma de outras

mídias, encaminhados pela SEED para todas as escolas.

A escola pública que foi replanejada pela Gestão 2003-06, do Governo Roberto Requião,

traz uma luz diferenciada para a prática pedagógica, sustentada sob uma intensa discussão de

concepções que permeiam a organização do trabalho educativo na escola, além das reflexões sobre

a ação docente, concretizadas por meio de um processo de formação continuada, na crença do

professor como sujeito epistêmico, e da implantação de programas nas escolas, com base na

definição de políticas públicas para a educação. Todos esses elementos configuram a cultura

escolar, a identidade da escola, que precisa ser compreendida de forma transparente, pois esta

compreensão traz vida à instituição e lhe dá, cada vez mais, profissionalismo no trato com os

alunos.

A análise da escola passou a ser um dos norteadores do nosso processo de reflexão sobre as

diretrizes curriculares. Esta análise, segundo Antonio Viñao Frago, e o registro do que ocorre na

escola, identifica os modos de pensar, conceber e atuar que proporcionam estratégias e pautas para

organizar a aula e a própria escola, interatuar com os companheiros e com outros membros da

comunidade educativa e integrar-se na vida cotidiana dos centros educacionais. Destes modos de

pensar, conceber e atuar são constituídos os discursos, as crenças, a seleção destes e não de outros

conteúdos, as ações, desta e não de outra forma, os tempos e os espaços que, junto com a

experiência e formação do professor, organiza-se a tarefa diária da escola (FRAGO, 1998).

Compreendemos que a escola pública foi sedimentada ao longo do tempo no Estado do

Paraná e construída por diversos elementos como normas legais, diretrizes e parâmetros nacionais e

estaduais, saberes escolares, conteúdos, ritmos, ritos, espaços, concepções e idéias que sustentaram

e sustentam o trabalho educativo e a organização da escola. Por detrás dessa organização estão os

sujeitos, professores, alunos, comunidades, educadores e gestores que estiveram envolvidos com a

rede estadual e essa história construída precisava ser respeitada, analisada e compreendida em suas

diferentes conjunturas políticas, econômicas, culturais e sociais.

Precisávamos enfrentar a leitura dessa escola pública paranaense, diversa e plural, e buscar

uma unidade na diversidade. Foi justamente este o início das atividades de planejamento das

diretrizes, quando nos deparamos com o diagnóstico, ainda precário naquele momento, mas já

revelador de uma situação caótica das propostas curriculares que vinham sendo desenvolvidas em

nossas escolas.

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Um olhar para dentro das escolas, quando assumíamos esta gestão, permitiu identificar a

ausência de reflexão sistematizada sobre a prática educativa que ali ocorria, com um processo de

formação continuada, cujo foco fugia da especificidade do trabalho educativo, e estava situado em

programas motivacionais e de sensibilização, em sua grande maioria. Pouco se propôs em relação às

discussões de conteúdos curriculares e, quando havia algum dado neste sentido, este era marcado

pela divulgação dos parâmetros curriculares nacionais. A formulação e execução de projetos

escolares eram individualizados, por professor ou por escola. Haviam também programas apoiados

e patrocinados por empresas privadas ou por instituições governamentais, cujos serviços, via de

regra, se apresentavam com um ótimo material de mídia, propostas de capacitação dos professores

pelas empresas ou órgãos contratados, assim como a distribuição de materiais didáticos aos alunos e

premiações para as escolas, alunos ou professores.

Tais projetos, em sua maioria terceirizados, apontavam para a ausência de uma política

pública educacional do Estado, que ficava a mercê de propostas díspares, sem consistência e

unidade teórica, além da carência de indicativos pedagógicos que fossem desenvolvidos nas escolas

da rede estadual. A proposta de minimização do Estado, própria de concepções neoliberais, é

claramente identificada nessas ações. Como exemplo, registra-se que os Departamentos de Ensino

Fundamental e Médio da SEED passaram, durante a gestão até 2002, a atuarem com base nesses

projetos e programa externos, de instituições privadas variadas, que, em última instância decidiam e

direcionavam a política educacional do Estado. Não se encontrava, na SEED, neste período, uma

proposta pedagógica do Estado, profissionais que desenvolvessem este tipo de atividade, nem

documentos que apontassem as diretrizes curriculares para as escolas da rede estadual.

Os problemas históricos-educacionais das escolas públicas continuavam a assolar a

educação paranaense, inclusive confirmados com os resultados dos sistemas de avaliação da

educação básica, como o SAEB, que revelam as graves deficiências de qualidade do trabalho

pedagógico. É claro que devemos analisar os resultados destes sistemas de avaliação com muita

cautela,mas também não podemos ignorá-los. No entanto, há que que ressaltar que alguns números

gerenciais do Paraná foram destaque no quadro educacional, como a diminuição das distorções

idade-série, provocada pelo programa de correção de fluxo, o repasse de alunos das séries iniciais

do ensino fundamental da rede estadual para os municípios, o fechamento drástico de escolas rurais

e multisseriadas no Estado, o fim dos Cursos de Magistério em nível médio e a diminuição de

contratos de professores e demais profissionais da educação como servidores públicos, estando

quase metade do quadro contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho, CLT (na época,

julgado irregular), pela Paranaeducação ou outras formas de contratos precários. Novamente

revela-se a política do estado mínimo gerenciando a educação no Estado do Paraná.

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Da mesma forma, o que surgia como perceptível, neste diagnóstico inicial, era a apropriação

dos discursos de eficiência e eficácia no gerenciamento do sistema educacional e de propostas que

seguiam as vozes predominantes do cenário nacional, como os PCN’s e as Diretrizes emanadas do

CNE. Concordamos e utilizamos, em nossas reflexões iniciais, as críticas do pesquisador e educador

Lopes sobre os sentidos predominantes das políticas e das direções curriculares apontadas naquele

período:

“... 1) a busca de uma adequação da educação ao mercado de trabalho e ao mundo da produção; 2) a idéia de currículo nacional como um padrão capaz de favorecer a avaliação; 3) desenvolvimento de princípios curriculares que favoreçam essa mesma avaliação, como, por exemplo, o currículo por competências; 4) a concepção de integração que prioriza as disciplinas escolares como reguladoras do currículo.” (LOPES, 2003)

Apesar da força, mesmo que implícita das políticas educacionais e curriculares do Estado, a

escola pública e o professor paranaense demonstraram suas lutas contra a orientação que se adotou

na educação e conquistaram, em parte, uma autonomia para seu ofício e seu funcionamento.

A escola utilizou-se de mecanismos de apoio junto às Associações de Pais e Mestres -

APMs, e parcerias com outras instituições, públicas e privadas. As escolas foram encontrando

caminhos distintos, com projetos pedagógicos individualizados. A dita autonomia, defendida pela

SEED, apresentava-se sem direção, com ações isoladas, fragmentadas, mas a escola pública foi

reagindo, algumas com mais consistência teórica e prática, outras, nem tanto.

O professor, por sua vez, especializou-se, por conta própria, no seu trabalho, na sua área, nos

conteúdos que trabalhava. Assim, embora mais qualificados, demonstravam a falta do trabalho

coletivo. Percebia-se a efetivação de projetos soltos, fragmentados, sem uma diretriz orientadora da

política educacional do Estado. Cada docente foi se especializando em sua área específica.

Buscamos, em Maria das Mercês Sampaio, uma explicação para tal fenômeno, quando esta

pesquisadora analisa este isolamento docente, que impede as reflexões e as mudanças nas ações

coletivas, e afirma:

“A especialização dos professores contribui para o isolamento, pois desconhecem os conteúdos das demais disciplinas ou mesmo de suas disciplinas nas séries seguintes, já que cada professor é especializado na parcela de saber que deve ser transmitida em tempos determinados. Cada um cuida de sua parte, que é a disciplina específica, e o saber pedagógico mais geral deixa de ser de sua competência, com sérios prejuízos para a escola, que não consegue cuidar dos aspectos relativos à aprendizagem dos alunos.” (SAMPAIO, 1998:250-1)

Aliado a este isolamento docente por disciplina, conforme a análise acima, é importante

apontar que o direcionamento para a autonomia da escola, que vem indicada por lei, não se

concretiza por decreto ou por vontade de governantes. A autonomia precisa ser construída, com

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princípios claros do que se pretende e esta construção se dá no coletivo, com o envolvimento de

todos os atores do processo educativo que compõem a instituição escolar.

Um pouco de nossa história...

A educação brasileira retrata um descompasso em relação aos países mais desenvolvidos

pela falta de investimento na área e ausência de políticas públicas voltadas para a educação popular.

O reflexo disso é que vivemos uma história educacional que, historicamente, vem sendo elitista e

privatista. O Paraná, assim como os demais estados da federação, apresentou, por todo o século

passado, vergonhosas taxas de produtividade escolar, números assustadores de analfabetismo de

adultos, desistência escolar por grande parte da população, baixos índices de acesso e permanência

na escola e a proletarização acentuada dos profissionais da educação.

No Brasil, esta situação começa a se alterar com a abertura democrática do país, na década

de 1980, com a socialização de teorias e com as concepções educacionais que trazem como objetivo

maior a transformação da sociedade, desejosa por um país com menos desigualdades e mais

humano.

Com a retomada das eleições para o governo dos Estados, em 1982, e com as possibilidades

de revisão de políticas sociais, os intelectuais e alguns políticos, que até então estavam ausentes do

cenário nacional, em virtude da ditadura que vigorava desde 1964, encontram seus espaços de

atuação e reavivam suas teses, propondo metas e planos para a transformação social. Neste

momento histórico, muitos Estados adotam programas de recuperação dos baixos índices

educacionais, com vistas ao enfrentamento da evasão e repetência, como causas do insucesso dos

alunos da classe popular e, com isto instala-se a luta pela democratização educacional.

A Constituição Federal, conhecida como Constituição Cidadã, é promulgada em 1988 e

preceitua, em seu artigo 205, que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família.

Aponta que sua promoção e incentivo deve ser em colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho.

Embora o ensino, segundo a Constituição Federal, baseie-se nos princípios de igualdade de

acesso e permanência na escola, com gratuidade e garantia da qualidade do ensino público, ainda há

muito que fazer, cite-se a universalização do ensino fundamental às crianças e jovens em idade

escolar.

É assim que, com a força constitucional e com a luta de lideranças intelectuais e políticas de

um Brasil pós-ditatorial, a busca pela melhoria da qualidade do ensino marcou as discussões dos

anos oitenta, especialmente em relação à universalização da educação e o enfrentamento dos altos

índices de evasão e repetência.

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Desta forma, os primeiros governos estaduais eleitos democraticamente trouxeram, em sua

bagagem programática, propostas de abertura da escola pública para a maioria da população.

Alguns Estados como Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro implantaram diversos

programas entre os quais destacamos: 1) ciclo de alfabetização e de aprendizagem para os anos

iniciais de escolaridade, nos quais residiam os grandes problemas de fracasso; 2) ampliação da

jornada escolar para crianças e adolescentes, no sentido de atender alunos em situação de risco; 3)

propostas de reformulação curricular, como foi a elaboração do Currículo Básico no Estado do

Paraná. Ainda, diversos projetos de cursos de formação continuada, treinamento e capacitação de

professores.

A base teórica das propostas que emergiam das políticas públicas sustentava-se nas críticas

às Pedagogias que até então, marcavam as propostas educacionais do país. Os movimentos sociais

que surgiram das comunidades de base, dos partidos de esquerda, de algumas instituições de ensino

superior e de educadores que durante os anos de ditadura concentraram estudos e análises sobre as

relações da educação com os contextos sócio-econômico-político e cultural do Brasil, começavam a

apontar para as propostas educacionais de uma nova escola pública que se anunciava, com base em

concepções que derivavam das teorias críticas da Pedagogia Progressista, indicada como a

possibilidade de superação do modelo de educação excludente que vigorava até então no país.

Os cursos de Pedagogia e os de Licenciatura, especialmente nas instituições públicas de

ensino superior, iniciam, lentamente, um processo de transformação de seus currículos. Assim, os

cursos de formação dos profissionais de educação passam a enfatizar uma articulação que prepara o

docente, capacitando-o desde a competência técnica ao compromisso político, expressão muito

usada na época. Estes profissionais se apresentam como os grandes suportes para novas propostas

educacionais que são elaboradas pelo poder público.

Mas o Brasil dos anos 80 enfrentava sérios problemas econômicos decorrentes da aceleração

da inflação e baixos índices de crescimento, além de uma profunda crise social, herança da ditadura

militar. Nagel, ao recuperar a história educacional dos anos 70-80, coloca que, apesar dos alertas de

alguns intelectuais de oposição sobre a crescente dívida e as suas conseqüências sociais, o país não

discutia sua crise a qual era atribuída ao “choque do petróleo” e, o seu endividamento como

passageiro e não como uma tendência de reprodução ampliada do capital (NAGEL, 2001).

É assim que os organismos internacionais, representados pelo Fundo Monetário

Internacional (FMI), passam a impor ajustes na economia, não mais como política de

desenvolvimento econômica, mas como forma de conter a miséria que vive grande parte da

população brasileira. Como estratégia de enfrentamento, os governos adotam uma política

econômica cuja “(...) centralidade política da discussão sobre planos de estabilização econômica

deram o tom aos primeiros governos civis posteriores ao regime autoritário, o de José Sarney

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(1985-1990) e o de Fernando Collor de Mello (1990-1992)” (SALLUM JR. & KULGEMAS,

2001), e o Banco Mundial (BM) passa a interferir, propor e controlar as políticas sociais dos países

pobres e endividados como é o caso do México e do Brasil.

Os problemas educacionais e as alternativas apresentadas pelos diferentes programas

externos, elaborados para o enfrentamento dos problemas sociais e econômicos, revelaram novas

modalidades de ação estatal, as quais refletiam uma mudança significativa na lógica da ação pública

do Estado. Nesse contexto, ocorre uma mudança no caráter estatal em relação às propostas

educacionais que passam a refletir novas visões da natureza, o alcance do pacto democrático e

também das características da política educacional no processo de globalização que ocorre no

mundo.

Definindo os rumos educacionais, estão os bancos internacionais de financiamento externo.

Neste sentido, o Banco Mundial anunciou na Conferência de Jomtien, na Tailândia, em 1990, o

favorecimento dos programas educacionais em países menos desenvolvidos como forma de

recuperar os atrasos históricos que excluíram crianças e adolescentes mais pobres, dos bancos

escolares, a qual seria uma das razões que impede o enfrentamento dos problemas com vigor e

determinação, em especial, o endividamento, a decadência econômica, o aumento populacional e a

degradação do meio ambiente. Ressalta-se que esta Conferência, importante evento internacional

para os países periféricos na área da Educação, no qual o Brasil foi signatário das políticas públicas

que foram adotadas nos dez anos seguintes, foi convocada pela Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), sob o patrocínio do

próprio Banco Mundial, o que confirma esta nova tendência educacional mundial e que vem

caracterizar as políticas educacionais de alguns Estados no Brasil, como é o caso do Paraná.

Num contexto social que clamava por educação para todos e universalização da educação

básica o discurso oficial é aceito pelos educadores e, ainda no governo Itamar ocorre o acordo

MEC/UNESCO, cujo resultado foi a publicação do Plano Decenal de Educação

(BRASIL/MEC,1993) para todos, imposto, sem discussões. Devido às repercussões nos meios

acadêmicos, sociais e escolares, o governo federal promove discussões regionais, em diferentes

instâncias, escolas, universidades, empresas, sindicatos e organizações da sociedade e, na

seqüência, a Semana Nacional de Educação para Todos, no período de 10 a 14 de maio de 1993,

quando as três esferas do poder público assumem o compromisso de uma Educação Nacional para

todos.

Segundo Silva Jr (2002), o Plano Decenal é a expressão brasileira do movimento idealizado

pela UNESCO, Banco Mundial e seus braços BIRD e BID, assumido pelo Brasil como orientador

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das políticas públicas para a educação e que resultaram na reforma educacional dos anos 90,

inclusive na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB n. 9.394/96.

Em 1995, o Ministério da Educação divulga o planejamento político-estratégico para o

primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, onde estão aos princípios básicos que norteariam

as ações governamentais no período 1995-1998: prioridade para o ensino obrigatório (ensino

fundamental); valorização da escola e de sua autonomia; promoção da modernização gerencial;

utilização de tecnologias educacionais (computadores nas escolas); e a postura do MEC de

formulador, coordenador; fiscalizador e articulador de políticas educacionais como forma de obter

melhores resultados na educação.

É assim que a escola passa a ser vista como a mais importante peça do sistema educacional e

a responsável pela qualidade na educação: “(...) É na escola que os resultados podem ser

alcançados. A escola, portanto, sintetiza o nível gerencial-operacional do sistema: a escola

fundamental, a escola de ensino médio, a instituição de ensino superior. É na escola que estão os

problemas e é na escola que está a solução” (BRASIL, 1998). Dessa forma, aos poucos, vamos

assistindo, não só um acréscimo de funções novas nas instituições escolares, mas principalmente a

um desvirtuamento das funções da escola diante daquelas que lhe são próprias, ou seja, o trato com

o saber historicamente produzido e sistematizado pela humanidade.

De fato, reflexões críticas sobre projetos e programas adotados nas instâncias públicas

apontam para a deturpação do papel da escola que, enquanto panacéia dos problemas sociais,

assume funções assistenciais e, com ênfase nas atividades supletivas em detrimento da função de

socialização do saber. Assim sendo, aquelas funções é que passam a ocupar o lugar desta,

descaracterizando, portanto, a instituição escolar enquanto instância privilegiada de apropriação do

saber sistematizado.

Com a injeção de recursos externos, a política pública educacional passou a elaborar e

executar seus grandes projetos e programas educacionais, selados em pactos sociais de

enfrentamento dos graves problemas que eram anunciados em números, com base em diagnósticos

e em planos gerenciais, ambos controlados pela competência e eficácia dos agentes técnicos e

administrativos das instituições financeiras internacionais.

Os crônicos problemas educacionais passaram a ser gerenciados por propostas com ênfase

nos projetos de alfabetização de crianças, construções escolares, programas especiais de assistência

para crianças e adolescentes, formação inicial e continuada de professores, programas de correção

de fluxo para adequação idade-série, assim como novas propostas de alfabetização de jovens e

adultos e inclusão dos portadores de necessidades especiais.

No Paraná, a gestão governamental 1995-1998 coincide com as reformas desencadeadas

pelo MEC e o Plano de ação do governo (PARANÁ, 1995) para o quadriênio evidencia a direção

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que seria dada à educação paranaense. Assim, os três focos prioritários para o período foram: o

envolvimento da comunidade; o desenvolvimento da competência do professor; a permanência do

aluno, com êxito, no sistema. Dentre os princípios orientadores para as ações no sistema

educacional há uma ênfase na gestão compartilhada e na escola como centro de excelência e como

promotora e gestora de suas metas no caminho que levaria a essa excelência.

Nessa gestão, dá-se início a implantação do Programa Qualidade no Ensino Público do

Paraná (PQE), com recursos do Banco Mundial/BIRD, voltado para a melhoria do rendimento

escolar dos alunos da escola de 1º grau, o qual se concretizaria pelo aumento do aprendizado e pela

conclusão deste nível de ensino. Estando em conformidade com os ditames do Banco Mundial o

programa foi aceito porque “(...) o projeto contribui para o desenvolvimento de recursos humanos e

redução da pobreza pelo investimento num programa de intervenções dirigidas à escola primária,

destinado a aumentar o rendimento escolar entre os grupos menos privilegiados no Estado do

Paraná” (PARANÁ, 1994:8). O PQE abrange cinco áreas de investimento: materiais pedagógicos,

treinamento de professores, melhoria da rede física, aumento do acesso, desenvolvimento

educacional, estudos e avaliação.

Em paralelo, outras significativas transformações vão ocorrendo, especialmente no que se

refere às discussões e encaminhamentos que culminam na aprovação dos documentos legais que

trazem indicações novas ao sistema educacional. Neste sentido, a década de 90 fica marcada no país

pelo franco processo de debates sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Após anos de

discussão com a sociedade, e com dois projetos correndo em paralelo no Congresso Nacional sobre

a nova lei (o projeto do deputado Jorge Hage e o projeto que culminou na publicação da lei), o

governo encaminha uma nova versão da LDB e, finalmente em 1996, é aprovada a Lei n.º 9.394/96,

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

A LDB n.º 9.394/96 indica o ensino médio como parte da educação básica, mas no Paraná,

anterior a aprovação da Lei, já se iniciava a reforma na educação secundária através do Programa

Expansão, Melhoria e Inovação no Ensino Médio do Paraná (PROEM), também com financiamento

do BM/BIRD, negociado com o banco em 1996, e instituído pela resolução nº. 4.056/96, antes

mesmo da aprovação do empréstimo pelo Senado Federal e, concomitantemente com a implantação

das políticas neoliberais em âmbito nacional. Inicialmente, as escolas têm autonomia para optarem

pelo programa (dada pela resolução nº 4.384/96), mas depois, também por resolução (n.º 4.804/99),

não mais é permitida a oferta de cursos profissionalizantes nas escolas, embora tivesse havido

resistências de educadores em algumas unidades escolares.

Assim é que, no Centro de Capacitação de Faxinal do Céu, os professores (na sua maioria

diretores e supervisores) têm conhecimento antecipado do que seriam, mais tarde, as Diretrizes

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Curriculares Nacionais e os Parâmetros Curriculares Nacionais, cujos docentes que lá ministravam

eram, na sua maioria, os elaboradores desses documentos.

Embora a LDB, os pareceres e indicações do Conselho Nacional de Educação e o discurso

governamental do final da década de 90, proclamassem a universalização do ensino fundamental,

pesquisas e estudos realizados nos primeiros anos de 2000 e o diagnóstico do Plano Nacional, em

2001, demonstraram que o país ainda apresentava índices sérios de não atendimento escolar de

crianças de sete a quatorze anos, ou porque essas crianças não tiveram acesso à escola ou porque

foram excluídas por problemas da permanência ou insucesso desses estudantes no sistema

educacional.

O governo federal, apoiado por organismos internacionais, elabora, neste contexto histórico,

vários programas de avaliação do sistema educacional, visando por um lado obter dados e

informações científicas sobre a produtividade dos alunos e o funcionamento das escolas e, por

outro, obter bases mais objetivas para criar programas de enfrentamento aos problemas

educacionais do país, os quais justificam novos financiamentos. Desta forma, foram criados o

Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, que a partir de 2005 passou a ser composto por

duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB, e Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar – ANRESC, divulgada como Prova Brasil; o Exame Nacional de Ensino

Médio – ENEM; Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos –

ENCCEJA; Sistema de Avaliação de Cursos das Universidades Brasileiras, conhecido como

PROVÃO; além de divulgação e efetiva participação do Brasil no Programa Internacional de

Avaliação Educacional – PISA.

O que chama a atenção sobre estes sistemas, é que, infelizmente, os resultados desses

exames nacionais têm sido utilizados para outros fins que não educacionais, por exemplo,

ranqueamento de instituições, maquiagem de estatísticas, estímulo à competitividade, manipulação

da opinião pública etc. O próprio teor das publicações desses resultados destacam, não as medidas e

os investimentos para melhorar a qualidade do ensino, mas o pretenso rigor com que o Ministério

da Educação (MEC) promete atuar junto às instituições que apresentam baixo desempenho.

Concordamos com a necessidade de trabalhar com avaliação de sistemas desde que haja uma

análise critica das propostas e programas utilizando-os para intervir na melhoria da qualidade da

educação.

Ressalta-se que, também na década de 90, a Educação Brasileira apresenta uma renovação

sobre políticas curriculares, as quais se concretizam na aprovação e publicação das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCNs) pelo Conselho Nacional de Educação, e com a proposta dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), indicados pelo MEC, durante duas gestões consecutivas

do governo federal.

11

Page 12: DC Texto Yvelise

O MEC utiliza como estratégia de divulgação dos PCNs o seu envio diretamente às escolas.

Assim, o que se observa é que, via de regra, as escolas tinham, em 2003, no Paraná, mais

conhecimento da proposta governamental apresentada pelos parâmetros do que indicações e normas

instituídas pelas DCNs do Conselho Nacional de Educação, órgão maior de definições de políticas

para a educação nacional, até porque, conforme colocado anteriormente, esses documentos já

haviam sido apresentados aos professores por ocasião da implantação do PROEM, em capacitações

realizadas em Faxinal do Céu.

Há cerca de quinze anos, o Paraná promoveu um processo de elaboração de propostas

curriculares que se concretizou no Currículo Básico, em 1990, e no Projeto de Reestruturação do

Ensino de 2° Grau, em 1993.

Esse processo foi um aprendizado novo para o conjunto de professores e passou a reger uma

prática reflexiva de construção de propostas pedagógicas, nos diferentes níveis e modalidades de

ensino.

A nova prática de discussão e de tentativa de elaboração coletiva que se deu no início da

década de 90 demarcou a educação pública paranaense por se constituir como expressão material de

uma política educacional, notadamente voltada para a melhoria do currículo das escolas públicas,

sobretudo pelo compromisso da aprendizagem dos alunos que a freqüentam.

Embora este momento tenha sido significativo e de substancial avanço pedagógico, a

consolidação com a implantação, implementação, monitoramento e avaliação do Currículo Básico,

nas escolas da rede pública, sofreu uma descontinuidade com as mudanças de políticas públicas de

educação apontadas pelas novas gestões governamentais que deram prosseguimento no Estado, bem

como por meio dos programas do Governo Federal, assim como pela nova LDB, as DCNs do

Conselho Nacional de Educação e os PCNs propostos pelo Ministério da Educação no Governo

Fernando Henrique Cardoso.

As orientações curriculares oficiais apontam para a preparação para a vida, resgate da

cidadania e são anunciadas nas Diretrizes, mas nos Parâmetros Curriculares Nacionais o foco dos

conteúdos foi deslocado para o foco nas competências – sendo os conteúdos considerados meios

para se atingir as competências, agora ampliadas por requerimentos subjetivados e traduzidos em

comportamentos e atitudes dos alunos como a criatividade, a iniciativa, a capacidade para resolução

de problemas, dentre outras.

Cumpre destacar que os PCNs trazem para as escolas um esvaziamento de conteúdos

escolares, uma vez que suas propostas enfatizam o trabalho para “...o acesso aos recursos culturais

relevantes para a conquista de sua [da criança] cidadania”, conforme afirmou o Dr. Paulo Renato de

Souza, em 1997, então Ministro da Educação. Esses recursos, que demarcam os parâmetros

governamentais, indicavam que além dos saberes tradicionais do trabalho escolar, fossem incluídos

12

Page 13: DC Texto Yvelise

nas propostas curriculares as preocupações contemporâneas com o meio ambiente, a saúde, a

sexualidade, as questões éticas relativas à igualdade de direitos, à dignidade do ser humano e à

solidariedade (BRASIL, 1997:9).

Assim, os parâmetros trazem uma nova concepção sobre a função da escola que, ao invés de

centralizar seu trabalho nos conhecimentos escolares das disciplinas de tradição curricular alia, a

eles, as propostas pedagógicas de temas a serem trabalhados com tratamento transversal que

perpassa por dentro das disciplinas escolares. Os conteúdos escolares também mudam de

perspectiva, diferenciam-se em sua seleção, no tratamento e passam a ser compreendidos como “...

meio para que os alunos desenvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir dos

bens culturais, sociais e econômicos” (BRASIL, 1997:48).

Assim, estas concepções educacionais passaram a propor para as escolas uma ação

pedagógica voltada para o desenvolvimento de competências e habilidades nos alunos e a

autonomia das instituições de ensino. Usando de sua recém-adquirida autonomia, as escolas

sofreram ainda na década de 90 e na seqüência desta, um verdadeiro bombardeio de concepções e

propostas diferenciadas para a educação escolar, vindas de instituições governamentais, não-

governamentais e de empresas, sem, na maior parte, estarem preparadas para o desafio de

implementações curriculares voltadas para a formação dos sujeitos e luta por uma sociedade

transformadora como muitas vezes era preconizado nos discursos.

Um recente diagnóstico das propostas curriculares das escolas públicas do Paraná, realizado

no início da gestão 2003-06, revela que esse breve histórico aqui apontado, aliado a uma indefinição

de propostas pedagógicas da própria Secretaria de Estado da Educação e alguns encaminhamentos

pontuais na matriz curricular até 2002 foi desconfigurando a proposta do Currículo Básico de 1990,

até então única proposta estadual em vigor, a qual também sofria de inadequações por ter ficado

inalterada durante todos estes anos, indo contra a intrínseca característica de constante atualização

que deve permear o currículo, o que justificou o estabelecimento da proposta prioritária de

elaboração de diretrizes curriculares para o Estado do Paraná.

Na medida em que as políticas educacionais estabelecidas nos anos 90 alteraram a função da

escola limitou-se a possibilidade, principalmente das camadas marginalizadas das condições

mínimas de vida, do acesso à cultura formal, aos conhecimentos historicamente construídos.

Contrapondo-se a esta concepção salienta-se, nesta análise que, para a maioria da população

brasileira, a escola constitui-se com a alternativa concreta de acesso ao saber. Saber este entendido

como o conhecimento científico socializado de forma sistematizada na instituição escolar. É sob

esta perspectiva de escola pública que se constroem estas diretrizes curriculares.

13

Page 14: DC Texto Yvelise

As referências para a discussão das diretrizes

O programa de construção das diretrizes curriculares elaborado pela equipe da

Superintendência da Educação da SEED adotou referências teóricas, metodológicas e orientações

para o processo de discussão com base na observação da história educacional construída no Estado

do Paraná, nos princípios políticos apontados pela gestão 2003-06 e nos fundamentos teóricos em

que estes se sustentam.

Como orientações gerais para a discussão das diretrizes curriculares foram estabelecidas,

desde o início da gestão, elementos de análise que norteiam as ações a serem desenvolvidas, a

saber: o compromisso com a diminuição das desigualdades sociais; a articulação das propostas

educacionais com o desenvolvimento econômico, social, político e cultural da sociedade; a defesa

da educação básica e da escola pública, gratuita de qualidade, como direito fundamental do cidadão;

a articulação de todos os níveis e modalidades de ensino; e a compreensão dos profissionais da

educação como sujeitos epistêmicos.

Como princípios da política pública adotada, amplamente divulgados, estão o acesso, a

permanência e o sucesso de todos os alunos na escola; a valorização do professor e de todos os

profissionais da educação; o trabalho coletivo e a gestão democrática em todos os níveis

institucionais; e o atendimento às diferenças e à diversidade cultural.

Para o enfrentamento das discussões curriculares entendeu-se como fundamental estabelecer

uma seqüência de passos para a realização do processo, orientando para que fossem contemplados:

a visão de mundo, de homem e de escola; a concepção de Educação, suas teorias e práticas; a

contextualização da Educação frente à conjuntura nacional, os estudos da realidade sócio-

econômica e cultural da região; o perfil do aluno e do professor paranaense, bem como da escola e

dos órgãos colegiados; as diretrizes curriculares nacionais; a legislação educacional atualizada, os

resultados de estudos de demandas escolares; as bases do Projeto Pedagógico da Escola.

Na construção destas diretrizes, buscou-se estratégias para garantir a participação do

coletivo dos profissionais da Educação nas discussões. Da mesma forma, vem sendo construído o

Plano Estadual de Educação, num âmbito distinto deste e, de uma forma mais específica, vem sendo

construído também o Projeto Político-Pedagógico no interior das escolas.

Pensar o currículo para a rede de educação do Estado do Paraná de imediato, suscita

questões teóricas e políticas que precisam ser equacionadas. A primeira questão a ser pontuada diz

respeito à conceituação de Currículo. Afinal, o que é Currículo?

Segundo o educador espanhol e especialista em currículo J. Gimeno Sacristán (2000), o

currículo é um conceito de uso relativamente recente, se considerarmos a significação que tem em

outros contextos culturais e pedagógicos nos quais conta com uma maior tradição e afirma esta

precariedade nos diversos conceitos como:

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Page 15: DC Texto Yvelise

[...] currículo ... conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno dentro de um ciclo nível educativo ou modalidade de ensino é a acepção mais clássica e desenvolvida; o currículo como programa de atividades planejadas, devidamente seqüencializadas, ordenadas metodologicamente tal como se mostram num manual ou num guia do professor, o currículo como resultados pretendidos de aprendizagem; o currículo como concretização do plano reprodutor para a escola de determinada sociedade, contendo conhecimentos, valores e atitudes; o currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se; o currículo como tarefa e habilidade a serem dominadas como é o caso da formação profissional; o currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução social da mesma. (SACRISTÁN, 2000:14)

O esforço de conceituar currículo remete, necessariamente, à reflexão sobre para que serve,

a quem serve e que tipo de sujeito forma o currículo.

Retornando ao pensamento de G. Sacristán, fica evidente na história educacional que a

teorização sobre currículo não se encontra adequadamente sistematizada e muitas vezes, aparece

sob as vestes da linguagem e dos conceitos técnicos como uma legitimação a posteriori das práticas

vigentes e também por que em outros casos, em menor número, aparece como um discurso crítico

que trata de esclarecer os pressupostos e o significado de certas práticas.

Seguindo esta perspectiva, o currículo é uma práxis antes que um objeto estático. Emana de

um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias dos educandos, que

tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática,

expressão da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em

torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra o fazer

pedagógico desenvolvido em instituições escolares, que comumente chamamos de escola.

Para Williams, parafraseado por Veiga Neto, currículo é “a porção da cultura – em termos

de conteúdos e práticas (de ensino, de avaliação, etc.) – que, por ser considerada relevante num

dado momento histórico, é trazida para escola, ou seja, é escolarizada” (VEIGA NETO, 1997:60).

Esta “porção da cultura” a ser escolarizada é sempre uma seleção de saberes a serem

socializados que num arranjo curricular pretende “formar” um determinado tipo de

sujeito/indivíduo. Daí a importância de refletir sobre quais questões uma proposta curricular dispõe-

se a responder. Então, essa seleção de saberes que compõem um currículo nos impõe reflexões

como:

[...] o que eles ou elas devem saber? Qual conhecimento ou saber é considerado importante ou válido ou essencial para merecer ser considerado parte do currículo? [...] o que eles ou elas devem ser? O que eles ou elas devem se tornar? [...] Por que esse conhecimento e não outro? Quais interesses fazem com que esse conhecimento e não outro esteja no currículo? Por que privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade e não outro? (SILVA, 2000:14-16).

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Page 16: DC Texto Yvelise

Essas pontuações indicam a complexidade da tarefa de conceituar currículo dado o

significado social e político desse documento que é, também, um discurso interessado. Mais do que

um documento impresso, uma orientação pedagógica sobre o conhecimento a ser desenvolvido na

escola é, um discurso político que pressupõe um projeto de futuro para a sociedade que o produz.

Para Silva: “um discurso sobre currículo, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo ‘tal como ele

realmente é’, o que efetivamente faz é produzir uma noção particular de currículo. A suposta

descrição é, efetivamente, uma criação” (SILVA, 2000:12).

Assim, no aprofundamento das discussões sobre currículo, considera-se superada a noção de

que esse documento/discurso resume-se a objetivos, métodos e conteúdos necessários para o

desenvolvimento dos saberes escolares. É preciso pensar o currículo de uma maneira muito mais

ampla, refletir sobre a seleção, nunca inocente, dos elementos que compõem a prática pedagógica,

na medida em que, como se vê, o discurso sobre currículo, mais que mera descrição, é

construção de uma identidade. Identidade esta que deve refletir na especificidade do trabalho

educativo de cada disciplina, mas sempre na busca da totalidade, rompendo com a cultura da

fragmentação que está posta na prática escolar.

A fragmentação do trabalho está posta na sociedade capitalista e, por conseqüência, a escola

convive com esta fragmentação que se explicita por sua vez, na história da ciência que fundamenta

a organização das disciplinas escolares e, portanto, está presente no currículo da Educação Básica.

Pode-se considerar então que a escola, através do currículo, materializa esta fragmentação

por ser espaço de acesso ao saber teórico, veiculado como decorrência do recorte que se faz da

cultura hegemônica, ou seja, da cultura própria do capitalismo, em suas diferentes fases de

organização ao longo do processo histórico.

Assim, a separação entre teoria e prática está na gênese da forma de produção capitalista, daí

a dificuldade de promover a sua superação, unicamente pela via do trabalho pedagógico escolar e

pelo paradigma da transdisciplinaridade.

Por essa razão, é fundamental o entendimento da transdisciplinaridade e da articulação entre

teoria e prática na perspectiva do materialismo histórico, pelas possibilidades de desfazer

compreensões equivocadas de seus conceitos, os quais apropriados pelas propostas pós-modernas

de educação, correm o risco de serem incorporadas como articuladas às concepções pragmatistas e

utilitaristas.

Estas concepções consideram que o conhecimento válido ou verdadeiro é somente o

conhecimento útil – o saber fazer prático, o qual não encaminha para a superação da fragmentação

do conhecimento e do currículo escolares e, assim, não contribui para uma sólida formação teórico-

prática, a ser fundamentada nos conhecimentos científicos, apreendidos através dos conteúdos

escolares formais, como pretende essa proposta.

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Page 17: DC Texto Yvelise

No pressuposto do materialismo histórico, o processo de produção do conhecimento é

produto da atividade humana, atividade não abstrata, mas atividade real, objetiva, material, e

conforme afirma Vásquez (1977), “conhecer é conhecer objetos que se integram na relação entre o

homem e o mundo, entre o homem e a natureza, relação esta que se estabelece a partir da atividade

prática humana”.

Em síntese, na concepção apresentada, o conhecimento se realiza na relação entre sujeito e

objeto num dado contexto histórico-social. Significa dizer, que é nesta relação mediada pela prática,

no processo de contínua transformação, que a realidade objetiva transforma-se em conhecimento.

Para o processo de ensino e de aprendizagem importa e muito essa distinção, pois considera-

se que, por mais que a atividade teórica se aproxime da prática, por ser um processo de apropriação

da realidade pelo pensamento, não pode ser confundida com a práxis.

Pode-se dizer que a atividade teórica é importante para a transformação da realidade, no

entanto, só a teoria e o pensamento não a asseguram. É uma atividade que, por não produzir nada

diretamente material, não pode ser identificada com o conceito de práxis por lhe faltar a

transformação objetiva de uma matéria pelo sujeito.

No entanto, é preciso clarificar que teoria e prática articulam-se para configurar o conceito

de práxis, mas é através de suas especificidades que se pode distinguir as atividades teóricas das

atividades práticas e o “locus” de sua produção e realização. Pode-se ratificar que a atividade

prática não é práxis, e que a educação é mediação entre os processos de aquisição do conhecimento

e sua materialização em ações transformadoras da realidade.

Os processos educativos escolares são, por sua vez, espaços de produção teórica, do trabalho

intelectual que devem ser articulados à práxis, uma vez que a escola é espaço de desenvolvimento

de atividades relacionadas ao trabalho intelectual, onde a prática se faz presente no movimento do

pensamento (KOSIC, 1986).

A mediação pedagógica entre a teoria e a prática é feita na escola, através dos processos de

ensino – via metodologia – onde articula o trabalho intelectual de modo que o aluno se aproprie da

prática no pensamento, pela sua capacidade de abstração, a compreenda e, assim, adquira condições

para nela intervir, considerando o conjunto das relações sociais e produtivas, através das quais o

pensamento adquire materialidade ao transformar-se em ação.

Residem aí os limites dos processos escolares formais, pois, seria ingenuidade idealizar a

utopia de resolver, via estratégias pedagógicas e curriculares, aspectos que estão circunscritos ao

âmbito estrutural da sociedade contemporânea – capitalista. Portanto, é o movimento dialético que

permitirá que se apreenda as contradições presentes no processo educativo escolar, por se fazer

parte do mesmo.

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Page 18: DC Texto Yvelise

Um projeto pedagógico que objetive a formação humana requer recolocar a ênfase sobre os

sujeitos, organizando o conhecimento escolar de forma a privilegiar os princípios do trabalho, da

cultura, da ciência e da tecnologia, os quais devem perpassar todo o tratamento dos conteúdos

escolares.

Com base neste raciocínio, pode-se retomar a idéia de fragmentação do conhecimento para

discutir a idéia do seu oposto, ou seja, a integração do conhecimento, trabalhar as disciplinas numa

perspectiva relacional, para que a fragmentação do conhecimento escolar possa ser diminuída, pela

integração dos saberes escolares com os saberes cotidianos em contraposição a visão hierarquizada

e dogmática do conhecimento (BERNSTEIN, 1996).

Ampliando esta compreensão, entende-se o conteúdo de ensino como conceitos e teorias que

constituem sínteses da apropriação histórica da realidade material e social pelo homem, como já

observado no início do texto. Por outro lado, uma organização curricular com base em disciplinas e

conteúdos, tem o seu fundamento na historicidade. Compreende-se, que a história dos homens é a

história de sua existência, e a história do conhecimento é a história de como os homens se

apropriaram socialmente dos recursos da natureza, garantindo a sua sobrevivência pelo ato do

trabalho, o que faz o trabalho ser mediação ontológica e histórica na produção do conhecimento

(LUKÁCS, 1978).

A par da historicidade, coloca-se a totalidade, por ser categoria metodológica que toma a

realidade como síntese de múltiplas determinações. Entende-se a totalidade como um todo

estruturado e dialético, através do qual um fato ou conjunto de fatos pode ser racionalmente

compreendido pela determinação das relações que os constituem (LUKÁCS, 1978)

Destaca-se, assim, o caráter social, histórico e cultural que constitui a ciência e o conteúdo

histórico do processo pedagógico. Nas palavras de RAMOS, “...histórico porque o trabalho

pedagógico fecundo ocupa-se em evidenciar, juntamente com os conceitos, as razões, os problemas,

as necessidades e as dúvidas que constituem o contexto de produção de um conhecimento”

(RAMOS, 2005).

Dessa mesma forma, a escola tem por função socializar os conceitos já elaborados sobre a

realidade, o que contribui para própria ciência e para assegurar a todos os cidadãos o direito de

acesso aos conhecimentos já produzidos. Daí a relevância do currículo escolar, pois é a partir dele

que se faz a seleção dos conhecimentos advindos dos diversos campos da ciência, organizando-os

em disciplinas.

A proposta curricular do Estado do Paraná, a partir dessas orientações, tem uma base

disciplinar, ou seja, a ênfase será nos conteúdos científicos, nos saberes escolares das disciplinas

que compõem a matriz curricular. Tais disciplinas foram selecionadas de acordo com a tradição

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Page 19: DC Texto Yvelise

curricular e, conforme apregoa a LDBEN/96, não em temáticas para o desenvolvimento de

competências e habilidades, como era a direção anterior, fortemente marcada pelos PCNs.

O conhecimento não é absorvido mecanicamente pelos alunos, e neste sentido, foram

retomadas as discussões de como se dá a apropriação de conhecimentos a partir de realidades tão

distintas. Foram realizados, então, estudos sobre a diversidade cultural de nosso Estado, as

diferentes realidades sociais e econômicas e os perfis que temos de nossos educandos, conforme

indicam cada uma das diretrizes curriculares dos diferentes níveis e modalidades, que compõem o

conjunto deste trabalho realizado.

As transformações históricas mais recentes e seus reflexos, no pensamento pedagógico dos

anos 90, trouxeram mais complexidade e urgência na retomada das discussões sobre os conteúdos

curriculares e suas relações com o projeto de sociedade que se quer. O modelo de organização

curricular proposto pelos PCNs, com base na pedagogia do aprender a aprender, descentrou, mais

uma vez, os conteúdos historicamente constituídos nas disciplinas escolares para dar destaque a

outros conteúdos, chamados por Sacristán de “nebulosos e pouco claros”.

As críticas à opção política que sustenta esse pensamento pedagógico e o documento pelo

qual ele se expressa, os PCNs, em geral, sofrem algum constrangimento quanto à discussão sobre a

questão dos conteúdos curriculares. Isso é conseqüência dos embates ocorridos entre as diferentes

tendências pedagógicas do final do século XX, trazendo para “[...] o discurso pedagógico moderno

um certo complexo de culpa ao tratar o tema dos conteúdos” (SACRISTÁN, 2000:120). Assim, a

discussão sobre conteúdos curriculares passou a ser vista, por alguns, como uma postura de defesa

da escola como agência reprodutora da cultura dominante.

No entanto, sem conteúdo não há ensino, qualquer projeto educativo acaba se concretizando

na aspiração de conseguir alguns efeitos nos sujeitos que se educam. Referindo-se ao tratamento

científico do ensino, pode se dizer que sem formalizar os problemas relativos aos conteúdos, não

existe discurso rigoroso nem científico sobre o ensino, porque estaríamos falando de uma atividade

vazia ou com significado à margem do ‘para que serve’ (SACRISTÁN, 2000:120).

Nesse contexto, fez-se necessário retomar as discussões sobre conteúdos curriculares para a

educação básica, pensando numa escola e num ensino que ampliem essa concepção, sem deixar de

lado o conteúdo culturalizador da educação. Entende-se que é preciso ultrapassar a idéia e a prática

da divisão do objeto didático pela qual os conteúdos disciplinares são decididos e selecionados fora

da escola, por outros agentes sociais. Aos envolvidos no ambiente escolar, sobretudo aos

professores, cabe a tarefa de refletir e decidir sobre as técnicas de ensino.

[...] A reflexão sobre a justificativa dos conteúdos é para os professores um motivo exemplar para entender o papel que a escolaridade em geral cumpre num determinado momento e, mais especificamente, a função do nível ou especialidade escolar na qual trabalham. O que

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Page 20: DC Texto Yvelise

se ensina, se sugere ou se obriga a aprender, expressa valores e funções que a escola difunde num contexto social e histórico concreto (SACRISTÁN, 2000:150).

Por isso, propõe-se a reformulação curricular da Educação Básica do Estado do Paraná a

partir da retomada dos conteúdos disciplinares, numa perspectiva diferenciada das tendências

teóricas, mencionadas anteriormente, fundamentada na idéia de conteúdos estruturantes das

disciplinas escolares.

Entende-se, por conteúdos estruturantes, os saberes – conhecimentos de grande amplitude,

conceitos ou práticas – que identificam e organizam os campos de estudos de uma disciplina

escolar, considerados basilares e fundamentais para a compreensão de seu objeto de estudo e/ou de

suas áreas. Estes conteúdos são selecionados a partir de uma análise histórica da ciência de

referência e/ou da disciplina escolar.

Com base nesse raciocínio, recorre-se à categoria práxis, enquanto uma das categorias do

método dialético, possíveis para fundamentar a proposta de conteúdos estruturantes apresentadas

nestas diretrizes, que se articulam e se imbricam à de totalidade e historicidade mais diretamente,

embora não se excluam outras.

Inicia-se pelo conceito de práxis, como princípio pedagógico e curricular, em que a ação

humana se conjuga às condições sociais, econômicas, ideológicas e históricas, conforme afirma

Vasquez, a práxis apresenta-se como teoria e prática ao mesmo tempo, portanto indissociáveis do

processo de conhecimento dos homens – da atividade humana (VASQUEZ, 1977).

A escola expressa essa separação por meio de seus conteúdos, métodos e formas de

organização e gestão, mecanismos internos que não podem ser superados enquanto perdurar a

contradição entre propriedade dos meios de produção (conhecimentos, técnica, ciência e tecnologia)

e força de trabalho (homens/sujeitos trabalhadores).

Na intenção de incorporar a estas diretrizes curriculares a construção de possibilidades para

emancipação humana e, por conseguinte, do método dialético, método pelo qual o homem só

conhece aquilo que é objeto de sua atividade, em que o conhecimento se configura a partir da

própria realidade para transformá-la, a práxis, enquanto categoria teórico-metodológica, assume

função nuclear.

Tendo como referência às ciências básicas, os conceitos contidos nos conteúdos devem

relacionar-se tanto no interior de cada disciplina como com as demais, a fim de propiciar, também,

a interdisciplinaridade desejada. Dessa forma, os saberes científicos, técnicos e tecnológicos

específicos, enquanto objetos de ensino das disciplinas, irão constituir os programas escolares.

No entanto, um proposta curricular que contempla os conteúdos estruturantes não inicia e

nem se esgota na seleção dos conteúdos, ainda que essa seja uma questão nodal. Seu aporte

principal encontra-se na compreensão da gênese de seus fundamentos, de sua concepção. Assim,

20

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julga-se que a concepção de educação, currículo e ensino, coloca-se como anterior a todo o

processo de definição e seleção dos conteúdos estruturantes e escolares das disciplinas.

Em suma, importa dizer que não se pode construir propostas curriculares descoladas de uma

clara concepção de educação que oriente os procedimentos relativos não só aos seus respectivos

desdobramentos – os conteúdos escolares – mas que com certeza, deverão garantir presença em

todo o arcabouço constituinte do processo ensino-aprendizagem, qual seja - do planejamento a

avaliação.

Esta nova concepção de organização curricular incide obrigatoriamente nas formas de

ensinar e privilegia o tratamento disciplinar dos conteúdos, pretende contribuir para a superação da

tradicional forma de sistematizar e trabalhar com os conteúdos escolares, supondo ao mesmo

tempo, a sua necessária inter-relação com o planejamento curricular, principalmente no que se

refere ao tratamento dos conteúdos pelos professores em sala de aula, objetivando em última

instância a efetiva apreensão do conhecimento pelos alunos da escola pública (SAVIANI, 1989).

Nessa perspectiva, a proposta também exige uma nova forma de encaminhamento

metodológico e, assim, um “novo” saber fazer docente, para dar conta de atender aos pressupostos

assumidos na fundamentação teórico-metodológica, a qual ressalta a importância da questão do

método, onde a categoria da totalidade e da práxis deve ser incorporada, como condição para que

os professores desenvolvam suas práticas pedagógicas a favor da apreensão dos conhecimentos

científico-tecnológicos, históricos, filosóficos e sociais pelos alunos, sempre pensada na dimensão

da formação humana - da formação omnilateral dos sujeitos.

Como já se discutiu, essa metodologia encontra-se ancorada nos princípios do trabalho, da

cultura, da ciência e da tecnologia os quais incorporam a historicidade, a totalidade e a práxis como

categorias fundantes, portanto como elementos sem as quais essa proposta não poderá ser

identificada como tal, ao ser materializada em práticas curriculares e de ensino aprendizagem no

interior das escolas paranaenses.

Essa opção pedagógica e curricular implica, como se pode constatar, uma redefinição dos

processos de ensino em sua forma escolarizada, os quais devem estar voltados para a aprendizagem

dos conteúdos disciplinares, com estratégias de ensino e projetos de intervenções pedagógicas que

partam da realidade do aluno e com ele estejam identificadas.

Tais estratégias devem ser orientadas pela competente mediação dos professores das

diferentes disciplinas da Educação Básica, mediação esta que os fundamentos da organização

curricular articulados à compreensão do conceito de conteúdos estruturantes, objetivam subsidiar.

Nessa acepção, a metodologia que deve orientar as ações de ensino a serem desenvolvidas

pelos professores em sala de aula, estará impregnada de sentido ao se incorporarem, conforme

indicação das diretrizes da educação profissional da SEED-PR,

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- o ponto de partida é sincrético, nebuloso, pouco elaborado, senso comum; o ponto de chegada é uma totalidade concreta , onde o pensamento re-capta e compreende o conteúdo inicialmente separado e isolado do todo; posto que sempre síntese provisória, sendo esta totalidade parcial o novo ponto de partida para apreensão de outros conhecimentos;- os significados vão sendo construídos através do deslocamento incessante do pensamento das primeiras e precárias abstrações que constituem o senso comum para o conhecimento elaborado, através da práxis, que resulta não só da articulação entre teoria e prática, entre os sujeito e objeto, mas também entre os sujeitos e a sociedade num dado momento histórico.- o percurso vai do ponto de partida ao ponto de chegada, possuindo uma dupla determinação, finita ou infinita; pode-se buscar o caminho mais curto ou se perder; marchar em linha reta, seguir uma espiral ou manter-se no labirinto; ou seja, construir o caminho metodológico é parte fundamental do processo de elaboração do conhecimento; não há um único caminho para se chegar a uma resposta, como há várias respostas possíveis para o mesmo problema. (SAVIANI, 2003)

A construção da proposta

Na leitura desse quadro e com princípios apontados publicamente, ao assumir a gestão da

educação 2003-06, o governo propôs que os projetos que derivam de uma política educacional

devem ser fruto da interação entre os atores, entre as instituições, entre os profissionais da

educação, enfim, da sociedade que construiu e traz seus objetivos e prioridades definidas, e que,

pela coletividade, estabelece, através da reflexão, as ações necessárias à construção de uma nova

realidade. Acabava-se, assim, com a política de terceirização, de repasses das responsabilidades

públicas, numa defesa clara e intransigente da escola pública, gratuita e de qualidade. Foi o retorno

do Estado assumindo, de fato, seu papel, não só de manutenção da Educação, mas de organizador

do processo e implementador de ações, as quais têm como foco, proporcionar o apoio, a promoção

e o desenvolvimento do sistema estadual de Educação, definindo políticas públicas para a

efetivação da educação escolar dos alunos, a formação inicial e continuada dos profissionais da

educação e o necessário planejamento e avaliação institucional em todas as instâncias.

Ficou evidenciado, como desafio de gestão, que a construção histórica da política curricular

precisava continuar, sem saltos, mas com avanços rápidos, com respeito aos sujeitos envolvidos e

com a devida paciência dessa compreensão, num trabalho de resgate e reconstrução das idéias e

busca, no coletivo, das propostas que deveriam estar presentes na organização da Educação

Paranaense.

Tais propostas foram sendo trazidas à luz das teorias e, nesta relação teoria-prática, os

profissionais das escolas, especialmente os professores, puderam integrar inúmeras atividades, em

parceria com as Instituições de Ensino Superior, em eventos que contaram com a presença de

teóricos, acadêmicos e educadores que foram convidados a participar do processo de reflexão sobre

as necessárias transformações da educação pública no Paraná.

A inserção da perspectiva investigativa, na ação do professor, impõe-se como exigência

básica da profissão. Neste sentido, o professor-pesquisador deixa de ser mero observador do

22

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cotidiano da escola e dos alunos e, conforme ensina Vazquez, prevalece o primado da relação

sujeito/objeto, o qual é dialetizado por uma teoria consistente capaz de ultrapassar o limite do objeto

e construir um novo saber (VAZQUEZ, 1977:152).

Nesta perspectiva, a ação investigativa permite romper com as práticas descritivas, pré-

organizadas, de cunho factual, reducionista, ingênua e acrítica, para uma apreensão de um novo

saber que se põe na prática escolar, a partir do real investigado. Isto significa dizer que o professor é

compreendido como o profissional que consegue traduzir no concreto cotidiano o seu

conhecimento, tendo o espírito indagativo como condição fundamental para o seu exercício

docente.

Essa assertiva fundamenta-se na perspectiva apontada por Vázquez: “a prática é o

fundamento e limite do conhecimento e do objeto humanizado que, como produto da ação, é objeto

do conhecimento” (VÁZQUEZ, 1977:154), ou seja, a prática é o ponto de partida e a base para

selecionar, julgar e validar o conhecimento, como também estabelecer “o critério de sua verdade,

precisando, para tanto, “plasmar-se, adquirir corpo na própria realidade, sob a forma de atividade

prática” (VÁZQUEZ,1977:155).

A escola pública que foi replanejada pela Gestão 2003-06, do Governo Roberto Requião,

traz uma luz diferenciada para a prática pedagógica, sustentada sob uma intensa discussão de

concepções que permeiam a organização do trabalho educativo na escola, além das reflexões sobre

a ação docente, concretizadas por meio de um processo de formação continuada, na crença do

professor como sujeito epistêmico e da implantação de programas nas escolas, com base na

definição de políticas públicas para a educação. Todos esses elementos configuram a cultura

escolar, a identidade da escola, que precisa ser compreendida, clarificada, deixada transparente, pois

esta compreensão lhe traz vida e lhe dá, cada vez mais, profissionalismo no trato com os alunos.

Os indicativos iniciais, apresentavam como pressuposto, iniciar o processo com o olhar

sobre a prática e, a partir dele, fazer as análises críticas das políticas educacionais nos últimos anos,

promover discussões e debates sobre concepções educacionais, pedagógicas e curriculares, de

atualização e aperfeiçoamento dos conhecimentos científicos para a reorganização dos conteúdos

escolares e de identificação da realidade escolar do Paraná, de cada região, povoado e comunidade,

para o atendimento à diversidade cultural.

A proposta se apresentou como uma política pública, que seria construída e assumida pela

escola, pela população e garantida pelo governo. Uma política que ultrapassasse a mera elaboração

de planos, de parâmetros governamentais, ou metas políticas que se prestam a cumprir exigências

burocráticas e atender a interesses específicos e particulares.

Por se entender que a política pública de educação é um efetivo processo coletivo de

construção, a proposta de reformulação contou com seis fases:

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A 1ª fase, ocorrida em 2003, foi à discussão do estado d’arte das Diretrizes Curriculares da

Rede Estadual de Ensino do Paraná, na qual, a partir de Seminários com produção, publicação e

distribuição de documentos referenciais, pode-se avaliar os seguintes tópicos: “Conjuntura da

Educação Nacional e os desafios da reformulação curricular”, “Elementos norteadores da

reformulação curricular” e “As diretrizes curriculares nos diferentes níveis e modalidades de

ensino”.

Na 2ª fase, ocorrida em 2003 e 2004 foram discutidas as Diretrizes da proposta pedagógica

das disciplinas da Educação Básica, por meio de diversos cursos, eventos e reuniões técnicas com o

coletivo dos professores, que tiveram como objetivo, analisar os desafios curriculares para as

áreas de ensino de todos os níveis e modalidades de ensino e dos cursos específicos da Educação

Profissional. O Portal Dia-a-Dia Educação teve um papel importantíssimo de construção teórica e

reflexão sobre a prática docente dos diferentes conteúdos trabalhados em todas as disciplinas. Outro

fator fundamental nesta fase, e na seqüência dos trabalhos, foram as atividades propostas pela

Coordenação de Apoio aos Diretores e Equipe Pedagógica – CADEP, com seminários, palestras e

simpósios, voltados para as equipes pedagógicas dos Núcleos Regionais de Educação e pedagogos,

para a retomada da função desses profissionais como organizadores do trabalho educativo da escola.

Acrescenta-se a estes eventos, a formação de grupo de estudos e jornadas pedagógicas ocorridas em

todo o estado para aprofundar estudos, concepções presentes nas diretrizes e práticas que foram

sendo propostas para as escolas pela SEED.

Concomitantemente, ocorre a 3ª fase, em 2004 e na continuidade de 2005, com um processo

coletivo de discussão curricular, a partir das bases escolares, em que os protagonistas, das reflexões

e encaminhamentos, foram os professores da rede estadual. Entende-se, neste sentido, que retomar

na escola as discussões pedagógicas e a proposta curricular, como uma atividade do cotidiano dos

professores é uma tarefa prioritária, num pacto para a construção legítima das diretrizes curriculares

que servirão de referência para a formação dos alunos do Estado do Paraná. Para tanto, foram

estratégias fundamentais as reuniões pedagógicas, reuniões de estudos e eventos institucionais, em

níveis municipais, regionais e estadual.

A 4ª fase que também se iniciou em 2004 e se concretizou em 2005 foi a sistematização das

diretrizes curriculares por disciplina, níveis e modalidades de ensino. Os documentos encaminhados

pela SEED foram enriquecidos com a contribuição dos professores das disciplinas, níveis e

modalidades, dos diferentes municípios, em todos os NREs, para congregar a visão do que se

esperava das diretrizes curriculares do Estado do Paraná.

A partir desse conjunto de contribuições, das diferentes regiões do Estado, deu-se início à 5ª

fase do processo com a sistematização das propostas em um texto preliminar, sob a

responsabilidade dos técnicos das equipes de ensino da SEED. Com a intenção de imprimir unidade

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teórico-metodológica às propostas das disciplinas, considerando a diversidade da natureza e

finalidade dos níveis e modalidades, os textos foram apresentados em plenária, debatidos,

confrontados e enriquecidos com a participação dos técnicos e chefias de todos os departamentos e

coordenações que constituem a equipe da SEED. Diante do indicativo de construção de um texto

comum, para cada disciplina da Educação Básica, foi instituída uma comissão interdepartamental

para a mediação das discussões entre os técnicos dos diferentes níveis e modalidades, com o

objetivo de que as contribuições e contradições, apontadas nos textos preliminares, fossem

incorporadas ao documento, a ser encaminhado às escolas, a partir de julho de 2006.

Em paralelo a todas estas discussões curriculares inicia-se, o processo de elaboração do

Projeto Político-Pedagógico – PPP das Escolas da Rede Pública e Conveniadas1 de Ensino do

Paraná. Esse processo foi organizado pela SEED e equipes dos NREs e, em 2005, o coletivo da

escola pode, de fato, com subsídios e uma autonomia construída, produzir as bases de sua proposta

político-pedagógica. Para tal, conforme já foi relatado, houve, desde o início dessa Gestão, um

intenso processo de capacitação, organização e produção de material de apoio, visando à

organização do trabalho coletivo de discussões pedagógicas nas escolas públicas estaduais.

Por fim, a 6ª fase, permanente e contínua, é a de avaliação e acompanhamento das propostas

de reformulação curricular, quer pelos NREs, quer pela SEED, no sentido de manter a unidade de

trabalho e estar auxiliando as escolas que mais necessitarem de ajuda. Neste sentido, foram

construídos novos processos de avaliação, inclusive da auto-avaliação institucional de todas as

escolas, Núcleos Regionais e da SEED. Entende-se que a avaliação da proposta e da prática

curricular deve ser constante, principalmente porque é aí que reside o grande interesse da política

pública, na continuidade e nos ajustes necessários para que se dê conta de um ensino de qualidade.

Enquanto se procedeu o processo de elaboração das diretrizes curriculares, foram adotadas

uma série de medidas para que as escolas já fossem se preparando para as novas propostas e

corrigindo rumos, conforme apontavam os diagnósticos iniciais. Assim, foi proposta uma nova

orientação, oficializada pela Instrução Normativa SEED/SUED n.º 001/2003, para que as escolas

reorganizassem sua matriz curricular, dando fim aos Projetos Interdisciplinares – PI e aos Projetos

de Enriquecimento Curricular – PEC. Desse modo, promoveu-se a ampliação da carga horária

destinada às disciplinas da base comum, em detrimento daquelas da parte diversificada. Todas as

alterações tiveram por base as críticas apontadas pelo coletivo dos profissionais, quer pelo

Sindicato, quer pelos diretores, pedagogos, professores, alunos e pais que participaram dos eventos

realizados em 2003.

1 Constituem-se escolas da Rede Conveniada as instituições da Educação Especial que mantém Convênio de Cooperação Técnico-Financeira com a SEED.

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Nesse processo de reformulação curricular, a SEED adotou: Seminários de Diretrizes

Curriculares do Estado do Paraná; eventos para a elaboração coletiva das DCEs (DEF, DEE, DEM,

DEJA, DEP, Educação do Campo e Educação Indígena), por meio de encontros regionais

descentralizados; a produção dos Cadernos das Diretrizes Curriculares e de Cadernos Temáticos; a

reorganização das matrizes curriculares; a organização dos espaços colegiados; a capacitação e

atualização dos profissionais da educação; a produção de material de apoio didático pedagógico; a

implantação de Programas de Bibliotecas: do aluno, do professor, de autores e temas paranaenses; a

discussão e elaboração de materiais de apoio aos temas sociais contemporâneos; e a elaboração

coletiva tanto do Projeto Político-Pedagógico das Escolas, como do Plano Estadual de Educação.

Como se observa, a LDB e o processo de seleção das disciplinas e conteúdos curriculares

apontam para uma infinidade de saberes a serem trabalhados nas escolas e, como já está

identificado a olhos nus, a quantidade de demandas, de informações, de conhecimentos para a

organização do processo educativo dos nossos alunos é imensa. O volume de conhecimentos,

saberes científicos e populares e de informações do mundo moderno, além das diferentes

concepções presentes em cada saber, poderia também nos colocar na armadilha das especializações

e na busca de uma organização de conteúdos parciais que dessem conta de uma visão limitada de

sociedade. Defendemos a organização da escola a partir da formação geral e ampla. Não se pretende

na escola formar especialistas, mas dar acesso aos saberes e conteúdos que permitam o domínio de

diferentes linguagens e por intermédio destas, garantir aos estudantes a leitura do mundo e

diferentes formas de expressão sobre a sociedade que vivemos.

Por fim, como eixos de discussão curricular devem estar presentes os elementos

constituidores do trabalho pedagógico, desde a concepção de mundo, de escola e de homem, a

abordagem sobre ciência, conhecimento, cultura, trabalho, bem como a identificação da escola

pública e sua função na sociedade, todos estes, entendidos como elementos fundantes da práxis

educativa.

A compreensão desses elementos desafia a escola a buscar a compreensão de sua realidade,

levando-a a entender a base da relação teoria e prática na ação pedagógica, além da própria relação

homem e mundo, definindo assim a práxis, coerência entre pensamento e ação.

O real, a prática, a ação e o cotidiano escolar devem estar postos como finalidade e parte

integrante do processo de reflexão sobre as diretrizes curriculares, no sentido de retornar a esta

prática e atender suas finalidades. Conforme afirma Kopnin, “o pensamento nasce de necessidades

práticas para satisfazer necessidades da prática” (KOPNIN, 1978:169) então, é a prática que

determina ao homem o que é necessário, o que ele deve conhecer e quais as prioridades no processo

de reflexão. No entanto, é importante destacar que o processo de reflexão dá ao pensamento uma

autonomia fundamental no avanço científico, que pode implicar num afastamento dessa prática, mas

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que não lhe permite sobrepor-se à prática, com o risco de findar-se em si mesmo ou de perder sua

vinculação com o real.

Para o resgate do papel social da escola que se fazia necessário, buscaram-se, então, os

dados, as falas docentes, as reações da prática e o diagnóstico inicial que se punha desta escola

paranaense no início do século XXI. Estes dados foram analisados na base da especificidade da

instituição escolar, do estabelecimento de seu trabalho, ou seja, da sua natureza que é a elaboração,

produção, transmissão e reorganização dos conhecimentos científicos.

Neste contexto variado de estudos, foram identificadas as formas escolares, que trouxeram

outros elementos de análise como os saberes, o tempo, o espaço que estão presentes nas escolas. Os

saberes entendidos como o conhecimento sistematizado que, na escola, são convertidos em saberes

escolares, dosados, seqüenciados e organizados para que ocorra o processo de transmissão-

assimilação no espaço e tempo escolares. Um tempo que não é mais entendido como único, objetivo

e institucional, mas diverso, plural, individual, o qual precisa ser tomado como elemento

fundamental na organização escolar, como por exemplo, na relação entre o tempo de ensinar

institucional e o tempo de aprender do sujeito. Um espaço que traz características próprias de

permissividade, de autoritarismo, de conforto ou opressão. A organização dos saberes, dos

profissionais, do tempo e do espaço pode servir para facilitar ou impedir a democratização da

escola e do processo educativo que ali ocorre (ARCO-VERDE, 2003).

Nas formas institucionais específicas, outros elementos foram surgindo e pedindo permissão

para serem analisados pelas diretrizes que estavam sendo organizadas. São as outras formas de

manifestações dos saberes e práticas trazidos pelos alunos, professores e pela comunidade que

precisam ser apropriadas pela escola na defesa da universalização da educação, do respeito à

diversidade e da democratização da educação. Foi desta forma, que se incorporou às discussões a

organização e planejamento de atividades culturais, esportivas, científicas, porque representam a

expressão individual ou de grupos de um grande número de escolas. Assim, foram retomados os

Jogos Colegiais, criado o Festival de Arte da Rede Estudantil, através do FERA, e reativadas as

Feiras de Ciências, por meio do Com Ciência. E, depois de três anos de práticas dessas atividades

no interior das escolas, buscando incorporar essas atividades na proposta curricular, e com a força

que demonstraram na dinâmica da escola, estamos denominando-as como atividades integradoras

do currículo. Cabe registrar que ainda persiste o desafio de revisão de nossas escolas, de suas

formas fechadas, de seu modelo de restrições intelectuais e de sua postura autoritária, de negação de

uma realidade que deseja se pôr nesta escola e fazer parte de sua proposta.

Outra demanda, que precisava ser enfrentada, na incorporação de práticas que estão no

cotidiano da escola, era a dos temas sociais contemporâneos. São muitos os assuntos apresentados

como importantes para a formação educacional dos alunos: ética, sexualidade, educação ambiental,

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cultura da paz, educação fiscal, trânsito, prevenção ao uso das drogas lícitas e ilícitas, cidadania,

etc. No entanto, por mais que se entendesse a premência de tratar estes temas, não se poderia, como

já foi explicado, resvalar para a utilização da proposta de eixos transversais, os quais alteram nossa

concepção de escola com a revisão e diminuição do trabalho com conteúdos escolares, como

proposto nos PCNs. Por outro lado, ignorar esta demanda implica em não ouvir os apelos sociais, as

indicações da comunidade, dos pais e dos próprios alunos.

Os temas sociais contemporâneos então, passaram também a ser incorporados na proposta

curricular como atividades integradoras na escola. Cabe ressaltar no entanto, a dificuldade concreta

que é encontrada na escola frente a exigência do domínio de conhecimentos especializados e a

carência de uma formação adequada por parte dos profissionais da educação. Os Cursos de

Licenciatura, tanto na área específica, quanto na formação pedagógica dos professores, não

preparam especificamente os professores para o enfrentamento dos temas, com exceção das áreas

próprias da temática. Assim, em áreas mais específicas a SEED buscou parcerias junto as demais

Secretarias de Estado, como da Saúde, Justiça, Fazenda, Meio-Ambiente, Segurança, bem como aos

Ministérios do Governo Federal, especialmente ao da Educação.

Desta forma, a SEED criou grupos de estudo que se propuseram a trazer as necessárias

reflexões sobre cada uma das temáticas que se apresentaram e, em reuniões técnicas e de

capacitação elaboraram, com professores e equipes pedagógicas, a seleção de conteúdos e as formas

de trabalhar os temas sociais contemporâneos, objetivando propiciar à escola a inserção dessas

discussões na proposta educacional dos alunos.

Investiu-se na produção de material didático-pedagógico de apoio ao professor e ao aluno.

Em alguns temas produziu-se, inclusive, material de uso tecnológico.

Foi deixado, à disposição da escola, a escolha dos temas mais emergentes de cada

comunidade, a forma de trabalho, a seleção de conteúdos, o tempo e espaço a serem utilizados, a

responsabilidade de profissionais frente ao trabalho proposto, tudo, a ser incorporado no Projeto

Político-Pedagógico, de acordo com o diagnóstico da realidade elaborado a partir da comunidade

escolar.

É o PPP que demandará suas necessidades para a mantenedora. A SEED e os NREs mantêm

uma equipe de suporte técnico-pedagógico para dar sustentação a este trabalho a ser desenvolvido,

então, pela instituição, com autonomia de escolha, e o necessário preparo e suporte ao professor,

sem, absolutamente, ferir os princípios adotados nas diretrizes curriculares do Estado.

Ciente da longa e árdua caminhada rumo à (re)democratização da escola pública, na gestão

2003-06 acredita-se que este ideal somente se concretizará pelas mãos daqueles que fazem o

cotidiano da escola. Porém, para tanto, tem-se consciência de que é necessário garantir as condições

básicas para que as escolas públicas do Paraná possam recuperar sua dignidade e seu valor social.

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Assim, além de destinar recursos públicos para a Educação, é necessário concentrar esforços

em ações prioritárias, promover a democratização no âmbito escolar e investir na formação dos

profissionais da educação, para construir, coletivamente, uma outra forma de organização do

trabalho pedagógico escolar, fundamentada nos princípios democráticos e no compromisso com

essa escola pública que é defendida.

No bojo de nossa proposta está a defesa da escola pública paranaense. Uma escola que

precisa, incansavelmente deixar clara sua função. Ao reafirmarmos o seu valor, apegamo-nos aos

dizeres de Saviani, que afirma:

“... o fundamental hoje no Brasil é garantir uma escola elementar que possibilite o acesso à cultura letrada para o conjunto da população. Logo, é importante envidar todos os esforços para a alfabetização, o domínio da língua vernácula, o mundo dos cálculos, os instrumentos de explicação científica estejam disponíveis para todos indistintamente. Portanto, aquele currículo básico da escola elementar (Português, Aritmética, História, Geografia e Ciências) é uma coisa que temos que recuperar e colocar como centro das nossas escolas, de modo a garantir, que todas as crianças, assimilem esses elementos, pois sem isso elas não se converterão em cidadãos com a possibilidade de participar dos destinos do país e interferir nas decisões e expressar seus interesses, seus pontos de vista.” (SAVIANI, 1986:82)

Todos os envolvidos no processo educacional devem estar comprometidos com essa

proposta e esse desafio, visto que é o resultado da discussão de todos os profissionais da educação e

indicam os rumos que neste momento se apresentam.

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