David Foster Wallace - PARA SEMPRE EM CIMA, in Breves Entrevistas de Homens Hediondos

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PARA SEMPRE EM CIMA (in Breves Entrevistas Com Homens Hediondos, pp.14-27) - David Foster Wallace

Feliz aniversrio. Treze anos muito importante. Talvez seu primeiro dia realmente pblico. Treze anos a chance de as pessoas reconhecerem que coisas importantes esto acontecendo com voc. Coisas vm acontecendo com voc faz meio ano. Voc agora tem sete plos debaixo do brao esquerdo. Doze debaixo do direito. Perigosas espirais duras de grossos plos pretos. Plos fortes, animais. Agora, em torno das suas partes h mais plos duros e crespos do que voc consegue contar sem perder a conta. Outras coisas. Sua voz est grossa e rouca e muda de tom sem aviso. Seu rosto comeou a ficar brilhante quando voc no o lava. E duas semanas de uma dor profunda e assustadora esta ltima primavera o deixaram com uma coisa pendurada l de dentro do corpo: seu saco agora est cheio e vulnervel, um bem a ser protegido. Suspenso e preso em um apertado suporte atltico que deixa uma marca vermelha em suas ndegas. Voc desenvolveu uma nova fragilidade. E sonhos. H meses tem havido sonhos como nunca antes: molhados, movimentados, distantes, cheios de curvas fechadas, pistons furiosos, calor e uma grande queda; e com as plpebras tremulando voc acorda com um mpeto, um jorro e um tranco de enrolar os dedos do p e arrepiar os cabelos que vem l de dentro de to fundo que voc nunca pensou, espasmos de uma dor funda e doce, a luz da rua que entra pela veneziana explodindo em estrelas ntidas no teto preto do quarto e aquela densa gelia branca que chia entre as pernas, escorre e gruda, esfria em cima de voc, endurece e fica transparente at no sobrar nada seno os plos animais embaraados e duros no chuveiro de manh e no emaranhado molhado um cheiro doce e limpo que no d para acreditar que vem de uma coisa fabricada dentro de voc.

O cheiro , mais que qualquer outra coisa, como esta piscina: clorado salgado e doce, uma flor com ptalas qumicas. A piscina tem um forte

cheiro azul transparente, embora voc saiba que o cheiro nunca to forte quando voc est mesmo dentro da gua azul, como est agora, todo nadado, descansando do lado raso, a gua at o quadril lambendo onde est tudo mudado. Em volta do deque desta velha piscina pblica na borda oeste de Tucson h uma cerca Cyclone cor de estanho, decorada com um brilhante emaranhado de bicicletas com cadeado. Mais adiante disso um estacionamento preto quente cheio de faixas brancas e carros cintilantes. Um campo sem graa de grama seca e ervas daninhas duras, cabeas felpudas de dentes-de-leo velhos explodindo e nevando no vento que sobe. E alm disso tudo, avermelhadas por um redondo e lento sol de setembro, esto as montanhas, recortadas, os ngulos duros dos picos escurecendo definidos contra o vermelho profundo de uma luz cansada. Contra o vermelho seus duros picos ligados formam uma linha cheia de pontas, um ECG do dia que morre. As nuvens esto ficando coloridas na borda do cu. A gua de lantejoulas azul-claras, com a mornido das cinco horas e o cheiro da piscina, como o outro cheiro, se liga a uma neblina qumica dentro de voc, uma penumbra interior que dobra a luz para seus prprios fins, abranda a diferena entre o que termina e o que comea. Sua festa hoje noite. Esta tarde, no seu aniversrio, voc pediu para vir piscina. Quis vir sozinho, mas aniversrio um dia familiar, sua famlia quer estar com voc. Isso bom e voc no pode falar por que queria vir sozinho, de verdade verdade mesmo voc talvez no quisesse vir sozinho, ento eles esto aqui. Tomando sol. Pai e me, sol. As espreguiadeiras deles estiveram marcando o tempo toda a tarde, girando, acompanhando a curva do sol por um cu deserto aquecido at virar uma pelcula como de ovo. Sua irm joga cabra-cega perto de voc no raso com um grupo de meninas magras da classe dela. Est vendada agora, a cabra dela cegada. Est de olhos fechados e girando aos diversos gritos, rodopiando no centro de uma roda de meninas estridentes de touca de banho. Nasceram flores de borracha na touca de sua irm. So ptalas pink molengas que se sacodem quando ela investe contra o som cego. L do outro lado da piscina ficam o tanque de mergulho e a torre do trampolim alto. L no fim do deque fica a LAN HONETE e, dos dois lados, pendurados acima da entrada de cimento para os chuveiros escuros e molhados e os armrios, h alto-falantes portteis de metal cinzento que tocam a msica de rdio da piscina, o estrpito rachado e metlico.

Sua famlia gosta de voc. Voc inteligente e quieto, respeitoso com os mais velhos - embora no seja frouxo. Voc no geral bom. Cuida da sua irmzinha. aliado dela. Tinha seis anos quando ela tinha zero e estava com caxumba quando a trouxeram para casa em um cobertor amarelo muito macio; voc deu um beijo de al nos ps dela cuidando para ela no pegar sua caxumba. Seus pais dizem que isso foi um bom augrio. Isso deu o tom. Eles agora sentem que estavam certos. Em tudo se orgulham de voc, satisfeitos, e retiraram-se para aquela clida distncia de onde viajam o orgulho e a satisfao. Vocs se do muito bem.

Feliz aniversrio. um grande dia, grande como o teto de todo o cu do sudoeste. Voc pensou bem. L est o trampolim alto. Eles vo querer ir embora cedo. Voc sobe e faz o que tem de fazer. Sacode o azul limpo. Est meio desbotado, solto e mole, amaciado, as almofadas dos dedos enrugadas. A nvoa do cheiro limpo demais da piscina entra nos olhos; quebra a luz em cores suaves. Voc bate na cabea com o calcanhar da mo. Um lado faz um eco frouxo. Inclina a cabea de lado e pula - sbito calor na orelha, delicioso, e a gua aquecida no crebro esfria na concha de fora do seu ouvido. Voc pode ouvir msica metlica mais dura, gritos mais prximos, muito movimento em muita gua. A piscina est lotada para to tarde. Aqui crianas magras, homens animais peludos. Meninos desproporcionais, inteiros pescoo, pernas e juntas nodosas, peito afundado, vagamente parecidos com pssaros. Como voc. Aqui velhos andando no raso com cuidado em cima de pernas finas, sentindo a gua com as mos, fora de todos os elementos ao mesmo tempo. E meninas-mulheres, mulheres, cheias de curvas como instrumentos ou frutas, pele lustrosa marrom brilhante, os tops dos biqunis presos por delicados ns de frgeis cordes coloridos segurando pesos misteriosos, a parte de baixo montada em suaves salincias de quadris totalmente diferentes dos seus, inchaos e curvas exagerados que derretem em luz num espao circundante que colhe e acomoda as curvas macias como coisas preciosas. Voc quase entende. A piscina um sistema em movimento. Aqui agora h: colos, lutas na gua, mergulhos, pegador, mergulho-bomba, Peixinho & Tubaro, grandes saltos, cabra-cega (sua irm ainda est no centro, meio em lgrimas,

demorando demais no centro, a brincadeira j beirando a crueldade, voc no tem nada com isso, no pode salvar nem atrapalhar). Dois menininhos brancos-brilhantes cobertos com toalhas de algodo correm ao lado da piscina at o guarda paralisar os dois com um grito no alto-falante. O guarda marrom como uma rvore, plos loiros numa linha vertical pela barriga, na cabea um chapu de explorador da selva, no nariz um tringulo de creme branco. Uma menina est com o brao em volta de uma perna da torrinha dele. Ele est entediado. Saia agora e passe por seus pais, que esto tomando sol e lendo, sem levantar a cabea. Esquea a toalha. Parar para pegar a toalha quer dizer conversar e conversar quer dizer pensar. Voc concluiu que ficar apavorado resultado principalmente de pensar. Passe direto, para o tanque do lado fundo. Acima do tanque uma grande torre de ferro branco sujo. Uma prancha se projeta do alto da torre como uma lngua. O piso de concreto do deque da piscina spero e quente contra as solas de seus ps desbotados. Cada pegada que voc deixa mais fina e mais tnue. Atrs de voc, cada uma se encolhe na pedra quente e desaparece.

Fileiras de salsichas plsticas biam no tanque, que inteiramente isolado, vazio do bal convulso de cabeas e braos do resto da piscina. O tanque azul como energia, pequeno, fundo e perfeitamente quadrado, cercado pelos lava-ps, a LAN HONETE, o spero e quente deque e a sombra tardia e curva da torre e da prancha. O tanque est quieto e parado, liso entre mergulhos. H um ritmo nele. Como respirao. Como uma mquina. A fila para o trampolim se curva na direo da escada da torre. A linha avana em sua curva, endireita ao chegar perto da escada. Uma a uma, as pessoas chegam escada e sobem. Uma a uma, espaadas pelo bater de coraes, chegam lngua da prancha no alto. E uma vez na prancha, param, cada uma exatamente na minscula pausa de um bater de corao. E as pernas as levam ponta, onde do uma espcie de pulinho batendo os ps, os braos curvados adiante como quem descreve alguma coisa circular, total; descem pesadamente sobre a ponta da prancha e fazem com que ela os jogue para cima e para fora. uma mquina de cair, linhas de movimento gaguejante em uma doce nvoa de cloro tardia. D para ver do deque quando elas chegam no frio lenol azul do tanque. Cada queda forma um branco que se empluma e cai

sobre si mesmo, se espalha, chia. Ento o azul limpo emerge no meio do branco e se espalha como pudim, renovando tudo. O tanque se cura. Trs vezes enquanto voc vai. Voc est na fila. Olha em torno. Parece entediado. Poucos falam na fila. Todo mundo parece sozinho. A maioria olha a escada, parece entediada. Voc e quase todos esto com os braos cruzados, resfriados por um vento de fim de tarde seco que sobe nas constelaes de contas cloradas azuis, claras, que cobrem suas costas e ombros. Parece impossvel que todo mundo esteja realmente to entediado. A seu lado o limiar da sombra da torre, a lngua negra inclinada da imagem da prancha. O sistema de sombra imenso, comprido, sai para o lado, ligado base da torre em um ngulo duro. Quase todo mundo na fila para a prancha olha a escada. Meninos mais velhos olham os bumbuns de meninas mais velhas quando elas sobem. Os bumbuns esto dentro de pano fino e macio, nilon elstico justo. Os bons bumbuns sobem a escada como pndulos em lquido, um suave cdigo indecifrvel. As pernas das meninas fazem voc pensar em gazelas. Parecem entediadas. Olhe adiante. Olhe atravs. Voc pode ver to bem. Sua me est na espreguiadeira do deque, lendo, olhos apertados, o rosto voltado para cima para receber luz nas bochechas. No olhou para ver onde voc est. Ela bebe alguma coisa doce de uma lata brilhante. Seu pai est deitado em cima da sua grande barriga, as costas sugerindo uma corcova de baleia, ombros curvados com espirais animais, pele coberta de leo e empapada vermelhamarrom de sol demais. Sua toalha est pendurada na cadeira e um canto do pano agora se move - sua me bateu nela ao espantar uma abelha de mel que gosta do que ela tem dentro da lata. A abelha volta imediatamente, parecendo parar imvel sobre a lata em um doce borro. Sua toalha uma cara grande do Urso Yogi. Em algum momento tem de haver mais fila atrs de voc do que na frente. Ningum na frente a no ser trs na escada estreita. A mulher bem sua frente est nos primeiros degraus, olhando para cima, com um mai preto de nilon justo que uma pea s. Ela sobe. L de cima vem um rumor, depois uma grande queda, depois uma pluma e o tanque cicatriza. Agora dois na escada. As regras da piscina dizem um de cada vez na escada, mas o guarda nunca grita por causa disso. O guarda cria as regras de verdade gritando ou no gritando. Essa mulher acima de voc no devia usar mai to apertado quanto o mai

que est usando. to velha quanto sua me e to grande quanto ela. Ela tambm grande e branca demais. O mai est cheio dela. A parte de trs de suas coxas est apertada pelo mai e parece queijo. As pernas dela tm abruptos rabisquinhos azuis de veias desfeitas por baixo da pele branca, como se alguma coisa estivesse quebrada, machucada, em suas pernas. As pernas dela parecem doer por causa do aperto, cheias de linhas arbicas curvas de frio azul quebrado. As pernas dela fazem voc sentir as suas pernas doendo.

Os degraus so muito estreitos. Isso inesperado. Finos degraus de ferro redondo cobertos de escorregadio feltro Safe-T molhado. Voc sente gosto de metal no cheiro de ferro molhado sombra. Cada degrau afunda nas solas de seus ps e as marca. As marcas parecem fundas e doem. Voc se sente pesado. Como a mulher grande acima de voc deve se sentir. Os corrimos ao longo dos lados da escada tambm so muito finos. como se no desse para segurar neles. Voc tem de esperar que a mulher tambm v segurar. E claro que de longe pareciam menos degraus. Voc no burro. Chega a meio caminho, l no alto, aberto, mulher grande acima de voc, um homem slido musculoso e careca na escada abaixo de seus ps. A prancha ainda l no alto, invisvel daqui. Mas ela estremece e faz um som pesado de bate-e-volta e um menino que voc s v durante uns poucos centmetros contidos entre os finos degraus cai num flash de linha, um joelho dobrado no peito, fazendo um splash. Um grande ponto de exclamao de espuma entra em seu campo de viso, depois se espalha e cai num grande borbulhar. Ento o som silencioso do tanque cicatrizando em novo azul outra vez. Mais degraus finos. Segure bem. O rdio mais alto aqui, um alto-falante no nvel da orelha acima da entrada de concreto do vestirio. Um bafo frio e mido do interior do vestirio. Agarre forte as barras de ferro e vire, olhe para baixo, para trs, e d para ver as pessoas comprando salgadinhos e refrigerantes l embaixo. D para ver direitinho l dentro: o alto branco e limpo do gorro do vendedor, tigelas de sorvete, refrigeradores de lato soltando vapor, tanques comprimidos de xarope de refrigerante, serpentes de mangueira de refrigerante, gordas caixas de pipoca salgada mantida quente ao sol. Agora que est em cima d para ver a coisa toda. O vento sopra. Quanto mais alto, mais venta. O vento fraco: na sombra

ele frio em sua pele molhada. Na escada na sombra sua pele parece muito branca. O vento assobia fininho em seus ouvidos. Mais quatro degraus at o alto da torre. Os degraus machucam seus ps. So finos e voc sabe bem quanto pesa. Voc pesa de verdade na escada. O cho quer voc de volta. Agora voc v por cima do alto da escada. Pode ver a prancha. A mulher est l. Ela tem dois montinhos de calosidade vermelha, de aparncia dolorida, na parte de trs dos tornozelos. Est parada no comeo da prancha e seus olhos nos tornozelos dela. Agora voc est acima da sombra da torre. O homem slido abaixo de voc est olhando pelos degraus para o espao contido por onde a queda da mulher passar. Ela faz uma pausa de uma pulsao. No h nada de lento naquilo. Deixa voc frio. Num segundo ela est na ponta da prancha, sobe, baixa nela, a prancha se curva como se no quisesse a mulher. Depois se movimenta, volta e a joga violentamente para cima e para fora, os braos dela se abrindo para englobar aquele crculo e foi-se. Ela desaparece em uma piscada escura. E agora um tempo at voc ouvir o impacto l embaixo. Escute. No parece bom, o jeito como ela desaparece num tempo que passa antes de ela soar. Como uma pedra caindo num poo. Mas voc pensa que ela no achou isso. Ela era parte de um ritmo que exclui o pensamento. E agora voc fez de voc mesmo parte disso tambm. O ritmo parece cego. Como formigas. Como uma mquina. Voc conclui que precisa pensar a respeito disso. Afinal, tudo bem fazer uma coisa apavorante sem pensar, mas no quando o apavorante o no pensar em si. No quando o no pensar se revela errado. Em algum ponto o erro foi se acumulando cego: tdio fingido, peso, degraus finos, ps doendo, espao cortado em partes escalonadas que s se fundem em um desaparecimento que leva tempo. O vento na escada algo que ningum poderia esperar. O jeito como a prancha se projeta da sombra para a luz e no d para ver alm da ponta. Quando tudo acaba sendo diferente voc devia pensar. Devia ser exigido. A escada est cheia abaixo de voc. Empilhados, todos separados por alguns degraus. A escada alimentada pela slida fila que se estende para trs e curva-se no escuro da sombra em ngulo da torre. As pessoas esto de braos cruzados na fila. Os que esto na escada sentem dor nos ps e esto todos olhando para cima. uma mquina que s anda para a frente.

Suba para a lngua da torre. A prancha se revela longa. To longa quanto o tempo que voc fica ali parado. O tempo ralenta. Engrossa em torno de voc enquanto seu corao aumenta mais e mais as batidas a cada segundo, a cada movimento do sistema da piscina l embaixo. A prancha longa. De onde voc est ela parece estender-se para o nada. Vai jogar voc em algum lugar que a prpria extenso dela o impede de ver, que parece errado aceitar sem sequer pensar. Olhada por outro lado, a mesma prancha s uma coisa fina e chata coberta com um negcio plstico branco e spero. A superfcie branca muito spera, pintalgada, contornada por um plido vermelho aguado que mesmo assim vermelho e no rosa ainda - gotas de gua de piscina velha que captam a luz do sol da tarde acima das montanhas duras. O negcio spero e branco da prancha est molhado. E frio. Seus ps esto doendo por causa dos degraus finos e tm uma grande capacidade de sentir. Eles sentem seu peso. O comeo da prancha tem corrimos de ambos os lados. No so como os corrimos da escada eram h pouco. So grossos e colocados muito baixo, de forma que voc tem quase de se curvar para se apoiar neles. Esto ali s para se ver, ningum se apia neles. Segurar toma tempo e altera o ritmo da mquina. uma prancha comprida, spera e fria de plstico ou fibra de vidro branca, com veias da cor triste do quase rosa de balas ruins.

Mas no fim da prancha branca, na beirada, onde voc vai se abaixar com seu peso para fazer ela jogar voc longe, existem duas reas de escuro. Duas sombras chatas na luz ampla. Dois vagos ovais escuros. O fim da prancha tem duas manchas de sujeira. De todas as pessoas que foram antes de voc. Seus ps quando voc pra ali esto macios e marcados, doem por causa da superfcie spera e voc v que as duas manchas escuras so da pele das pessoas. So pele raspada dos ps pela violncia com que as pessoas de peso real desaparecem. Mais gente do que se pode contar sem perder a conta. O peso e a abraso de seu desaparecimento deixam pedacinhos de ps macios para trs, pedacinhos, lascas e flocos de pele que so sujos, escurecem e se bronzeiam ao jazer minsculos e espalhados ao sol no fim da prancha. Eles se empilham, se

espalham, se misturam. Eles escurecem em dois crculos.

Fora de voc no passa tempo nenhum. incrvel. O bal da tarde l embaixo em cmara lenta, os movimentos l em cima de mmicos em gelia azul. Se quisesse voc podia facilmente ficar ali para sempre, vibrando por dentro to depressa que flutuaria imvel no tempo, como uma abelha sobre alguma coisa doce. Mas deviam limpar a prancha. Qualquer pessoa que pense a respeito por um segundo que seja veria que deviam limpar a pele das pessoas do fim da prancha, os dois acmulos pretos do que restou do antes, manchas que l de trs parecem olhos, olhos cegos e vesgos. Onde voc est agora calmo e quieto. Vento rdio gritos gua esguichando aqui no. Sem tempo e sem som real a no ser seu sangue guinchando dentro de sua cabea. L em cima aqui significa viso e olfato. O cheiro ntimo, recmclareado. O cheiro da flor especial de cloro, mas dele outras coisas sobem para voc como uma neve semeada de pragas. Voc sente cheiro de pipoca amarela. leo de bronzear doce como leo de coco. Ou hot dogs ou salsicha empanada. Um tnue vestgio cruel de Pepsi muito escura em copos de papel. E o cheiro especial de toneladas de gua vindo de toneladas de pele, subindo como vapor de um banho novo. Calor animal. L de cima mais real que tudo. Olhe s. Voc pode ver a complicao toda, azul, branca, marrom e branca, mergulhada num brilho aquoso de vermelho profundo. Todo mundo. Isso o que as pessoas chamam de vista. E voc sabia que de baixo voc no olharia assim to alto l em cima. Voc agora v o quanto voc est l em cima. Voc sabia que l de baixo no dava para dizer. Ele fala atrs de voc, os olhos dele nos seus tornozelos, o homem careca slido, E a, menino. Eles querem saber. Seus planos aqui em cima so para o dia inteiro ou qual exatamente a histria. E a, menino, voc est bem. O tempo existiu esse tempo todo. No d para matar o tempo com seu corao. Tudo toma tempo. As abelhas tm de se mexer muito depressa para ficar paradas.

E a menino, ele diz E a menino voc est bem. Flores de metal se abrem na sua lngua. Nenhum tempo mais para pensar. Agora que existe tempo voc no tem tempo. E a. Lentamente agora, atravs de tudo, h um olhar que se espalha como os anis da gua atingida. Olhe como se espalha a partir da escada. Sua irm avistada e o pacotinho branco dela, apontando. Sua me olha o raso onde voc costumava ficar, depois faz uma viseira com a mo. A baleia se mexe e se sacode. O guarda olha para cima, a menina em volta da perna dele olha para cima, ele pega o megafone. Para sempre l embaixo o deque spero, salgadinhos, msica metlica fina, l embaixo onde voc costumava ficar; a fila slida e no tem marcha a r; e a gua, claro, s macia quando voc est dentro dela. Olhe para baixo. Agora ela se mexe ao sol, cheia de duras moedas de luz que brilham vermelhas enquanto somem em uma nvoa que seu prprio sal doce. As moedas racham em luas novas, lascas de luz compridas dos coraes de estrelas tristes. O tanque quadrado um frio lenol azul. Frio s uma espcie de duro. Uma espcie de cego. Voc foi apanhado desprevenido. Feliz aniversrio. Voc pensou melhor. Sim e no. E a menino. Duas manchas pretas, violncia, e desaparece em um poo de tempo. Altura no o problema. Tudo muda quando voc volta para baixo. Quando voc bate, com seu peso. Ento qual a mentira? Dura ou mole? Silncio ou tempo? A mentira que uma ou outra. Uma abelha parada, flutuando, est se mexendo mais depressa do que se pode pensar. L de cima a doura a deixa louca. A prancha vai abaixar, voc ir, olhos de pele podem se cruzar cegos para dentro de um cu manchado de nuvens, perfuraes de luz se esvaziando por trs da pedra dura para sempre. Isso para sempre. Pise na pele e desaparea. Ol.