dança circular
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CENTRO DE ESTUDOS UNIVERSAIS
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CENTRO DE ESTUDOS UNIVERSAIS
CURSO DE PS - GRADUAO ESPECIALIZAO EM ARTE
INTEGRATIVA
A RITUALIZAO NA DANA CIRCULAR SAGRADA: A BUSCA DO
SAGRADO COMO CAMINHO PARA O PROCESSO DE INDIVIDUAO
Cathia Santos Soares Bueloni
Orientadora: Silvia Anspach
So Paulo, 2013
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CENTRO DE ESTUDOS UNIVERSAIS
CURSO DE PS - GRADUAO ESPECIALIZAO EM ARTE
INTEGRATIVA
A RITUALIZAO NA DANA CIRCULAR SAGRADA: A BUSCA DO
SAGRADO COMO CAMINHO PARA O PROCESSO DE INDIVIDUAO
Cathia Santos Soares Bueloni
Monografia de Concluso de Curso
apresentado como requisito para
obteno do certificado de concluso do
curso de Ps Graduao
Especializao em Arte Integrativa
Orientadora: Silvia Anspach
So Paulo, 2013
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A RITUALIZAO NA DANA CIRCULAR SAGRADA: A BUSCA DO
SAGRADO COMO CAMINHO PARA O PROCESSO DE INDIVIDUAO
Cathia Santos Soares Bueloni
Orientadora: Silvia Anspach
Aprovada em _____/_____/________
Nota da MCC:________
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s minhas filhas Fernanda e Giovanna, razes de
todas as minhas buscas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, que me permitiu trilhar esse caminho de descoberta.
Agradeo minha famlia, que com seu amor, carinho, pacincia e incentivo me
ajudou a concluir esse projeto.
Agradeo aos pacientes que compartilharam comigo sua dor, depositando no
trabalho conjunto as esperanas de encontrar a si mesmos.
Agradeo aos colegas das rodas junto aos quais pude vivenciar e reconhecer o
sagrado.
Agradeo s minhas colegas de trabalho, cuja compreenso e apoio tornaram
possvel minha pesquisa.
Agradeo aos colegas de curso que nas trocas de saberes e emoes
enriqueceram meu ser.
Agradeo aos professores que com sua pacincia e empenho trouxeram luz
minha nsia de saber.
Agradeo aos mestres focalizadores que, com sua energia de amor, me
despertaram para mais uma etapa do trabalho de auto- transformao.
Agradeo a todos os grandes homens que com seu amor e trabalho
descortinaram o saber sobre o qual pude me debruar e aprender.
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SUMARIO
RESUMO .....................................................................................................................................6
INTRODUO ...........................................................................................................................7
CAP 1 SOBRE AS DANAS CIRCULARES SAGRADAS ................................................12
CAP. 2 O HOMEM, A RITUALIZAO E O SAGRADO ...................................................21
CAP. 3 A DANA, O RITUAL E O SAGRADO LUZ DOS CONCEITOS JUNGIANOS
...................................................................................................................................................31
CAP 4 A CORPOREIDADE COMO MANIFESTAO DA DANA E DO SAGRADO ..49
CONCLUSO ...........................................................................................................................57
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................61
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RESUMO
Este trabalho trata da questo da ritualizao nas Danas Circulares Sagradas
(DCS), sua relao com a vivncia do sagrado como necessidade humana. Com nfase
nos conceitos Jugianos, busca compreender como a experincia do sagrado, proposta
pelas danas em questo, pode ser caminho para uma transformao de ordem interior.
Prope tambm a considerao da corporeidade como sustentadora dessa
transformao, uma vez que no corpo que a dana e as mudanas se manifestam.
Atravs de pesquisa bibliogrfica conecta os diversos conceitos e conclui que possvel
pensar na DCS como um caminho para se iniciar o processo de individuao.
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INTRODUO
O instante tambm o impacto de atingir o
conhecimento mximo. Assim, o intervalo de tempo que
eu vivencio to somente um instante... O que eu
realmente vivencio o instante sempre errante e assim,
tambm eu, continuamente, caminho adiante. Contudo,
s no presente que posso vivenciar o todo.
(Bernard Wosien, 2000, pg. 34)
Nos tempos atuais o ritmo acelerado da vida, a busca incessante por completude
tem feito o homem procurar sentido para a vida nas suas razes, na sabedoria e cultura
de todos os povos que viviam a espiritualidade como aspecto natural da vida.
Entre as formas de refazer o contato com a essncia humana a arte, nas suas
mais diversas formas, e a religio tem tomado lugar de destaque na vida do homem
comum. A dana como a primeira manifestao de arte da humanidade tem ainda nos
nossos dias ocupado espao nas relaes sociais, nos eventos e celebraes. Se bem que
em muito perdeu o sentido de contato com a espiritualidade humana, mas ainda uma
manifestao da arte que se mantm presente na vida comum.
O movimento da Dana Circular Sagrada (DCS) surgiu na segunda metade do
sec. XX, com o propsito de fazer esse resgate e de buscar nas razes da sabedoria dos
povos antigos, a insero da dana na vida como forma de contato com a
espiritualidade. Este resgate traz esse movimento imerso em mitos e rituais que de
forma simblica transmitem o contedo da sabedoria dos povos que era passado de
gerao em gerao.
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A Dana Circular Sagrada um movimento iniciado por Bernard Wosien
(Wosien, 2000), bailarino alemo, que cativado pelas danas folclricas de diversas
culturas, passou a pertencer a um grupo que se apresentava pela Europa, alem de ensinar
danas de roda como procedimento pedaggico na universidade de Marburg, Alemanha.
Em 1976 Bernard apresentou seu trabalho na comunidade de Findhorn, no norte da
Esccia onde, filosofia e historia da dana de Bernard, se somou a crena no Amor, no
pensar positivo e no poder transformador dos grupos quando trabalhando em harmonia.
Desde ento, esse movimento tem alcanado todo o planeta, divulgando a sabedoria e
cultura dos povos, ensinando novas dimenses da dana, a meditao, a orao e o
autoconhecimento.
O homem sempre danou para expressar diferentes
emoes felicidade, tristeza, alegria, pesar ou xtase.
Antes de ter instrumentos musicais, o homem tinha o
seu prprio corpo para bater palmas e marcar o
ritmo com os ps, para usar a sua voz para cantar uma
melodia e todo o seu corpo para expressar a emoo
que ele estava sentindo, e agradecer imitando os
pssaros, os animais, as arvores e os diferentes
elementos da natureza. Aos poucos a Dana ganhou
um significado menos espiritual. Eventualmente foi
usada no para expressar a espiritualidade do homem,
mas como esforo vo para encontra-la. Ao longo dos
tempos, essa espiritualidade foi perdida e encontrada
varias vezes. Agora ns a descobrimos de novo e eu
acredito que no precisamos perd-la desta vez.
(Anna Barton, 2006, pg. 14)
A prtica das Danas Circulares Sagradas repleta de simbologia nos
movimentos e de rituais de inicio, finalizao, alem do prprio smbolo do circulo. Essa
simbologia e os rituais que a acompanham so a dimenso do sagrado que imprime
intensidade a vivencia alem de promover sentimentos de plenitude, harmonia e paz,
como ouvimos dos participantes. Esta experincia sempre seguida de inmeros relatos
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de grande bem estar, de sentimento de unio, de pertencimento, comoo e alegria.
parte a estranheza dos pequenos rituais incorporados prtica, aos pouco as pessoas se
do conta da necessidade deles para trazer todos para uma mesma sintonia.
Nos ltimos anos, a DCS tem se tornado um recurso muito utilizado por
profissionais de sade para preveno de disfunes gerais e tratamento de transtornos
mentais. Simbolicamente a roda traduz o caminhar pela vida, se nesta experincia
pudermos compreender nossa necessidade de ritualizao, assim como a possibilidade
de transcender a ela, ser que a qualidade da vivencia na dana e na vida poder se
modificar para melhor? Ser que compreender essa ritualizao, sentir o poder que ela
tem de nos transportar para alem de ns mesmos, pode fazer diferena na maneira como
passamos a viver nossa vida? Esses questionamentos tm sido os impulsionadores para
o presente trabalho, que carrega a expectativa de esclarecer alguns destes pontos ou
ampliar o olhar para a prtica.
O primeiro captulo traz uma contextualizao da dana, o entendimento sobre o
qual se baseia todo o desenvolver do pensamento a respeito do tema proposto. preciso
que se atente para o fato de que cada modo de entender a realidade implica numa forma
de viver e interpretar a vida como um todo. Para pensar a pratica da DCS,
principalmente sua aplicao na sade, fundamental que se tenha uma fundamentao,
crenas e caminhos a nortear as aes, as vivncias. Partimos do princpio que a
construo de ns mesmos se d sobre a prpria vivncia cotidiana, que carrega em si
todos os nossos postulados de vida. Ento, fundamental que se conhea o papel da
dana na vida e, por conseguinte, o papel da DCS.
Para compreender o papel da ritualizao na vida do homem antigo e moderno
encontramos grande suporte, no estudo de Mircea Eliade em Mito do Eterno Retorno
(1992). O autor explana sobre a necessidade de rituais da humanidade atravs do tempo
afirmando que pela ritualizao nos mantemos conectados com o momento da
CRIAO, a totalidade, o Self, a experincia do sagrado. O rito uma maneira de o
homem fazer contato com o que imutvel, com aquilo que o transcende, com a fora
primeira da vida. Com o desenrolar da historia da humanidade, a fora de coeso
exercida pelos rituais primitivos foi substituda pela religio institucionalizada, que de
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alguma forma ainda mantm a presena do sagrado na vida. No homem moderno a
racionalizao tenta substituir esse contato, impondo uma dificuldade ou
impossibilidade do acontecer natural da conexo com o Self. Jung afirma que os rituais
so uma forma de manter associados consciente e inconsciente, cujo desligamento leva
ao adoecimento. Da a importncia de compreender o papel do movimento da DCS
como uma busca de refazer esse caminho de contato com a essncia, visto ser uma
necessidade humana.
Na sequncia buscamos compreender alguns nuances da humanidade de todos
ns, que Jung revela com seus conceitos de smbolos, inconsciente coletivo, consciente,
Self, e processo de individuao. A proposta de fazermos uma relao destes
conceitos com a prtica da DCS, apresentado uma reflexo de como estes componentes
da psique se apresentam durante o desenvolvimento das prticas da dana. E em
percebendo essa ligao, refletir tambm no quanto podemos ampliar a qualidade da
aplicao da DCS na sade, se ela vier consciente da dana de cada um, ou seja, como
cada participante se empenha e se mostra em necessidades e facilidades durante a sua
dana. Propomos entender se a vivncia da DCS a partir de uma viso ampliada, com
cuidadosa orientao pode ser experienciada como um caminho para o processo de
individuao.
Entendemos que no h como vivenciar o sagrado, muito menos a partir da
dana, sem levar em conta a corporeidade. no corpo que marcamos as experincias na
forma de posturas, de tnus muscular, de flexibilidade ou de rigidez. Nosso corpo,
assim como nossa psique, contm toda a histria da humanidade em si. atravs das
percepes corporais que o sagrado acontece. Tambm nossa inteno fazer uma
abordagem sobre a corporeidade e sua importncia para se considerar a prtica da DCS.
O potencial inerente DCS de trazer tona essa fora de ligao da vida comum
com a essncia, com o sagrado pode ser entendido e cuidado como sendo um caminho
pelo qual o individuo possa resgatar essa comunho entre consciente e inconsciente,
fazendo acontecer o processo de individuao?
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Para compreender essa questo buscamos fazer associaes dos smbolos
presentes na DCS: o circulo, o centro, o corpo, com os conceitos trazidos por Jung de
Self, inconsciente coletivo, consciente, e processo de individuao (Jung, 2008), assim
como com o papel desses smbolos nos rituais antigos. A possibilidade ou no desta
prtica funcionar como caminho para o processo de individuao e, a partir da vivencia
consciente de pequenos rituais, resgatar o sentido da vida razo primeira desta
proposta de estudo.
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CAP 1 SOBRE AS DANAS CIRCULARES SAGRADAS
Para se introduzir o contexto das DCS imprescindvel que se compreenda o
papel da dana para a humanidade e a abordagem que utilizamos para isso. Nosso olhar
tem se ancorado no pensamento fenomenolgico, que traduz a viso de mundo que
norteia nossas aes, de maneira absolutamente compatvel com as observaes da
prtica diria das vivncias com as danas na rede pblica de sade. preciso entender
que fenomenologia o estudo das essncias. Segundo ela, todos os problemas, por si
mesmos j definem as essncias: via percepo ou conscincia, por exemplo. Ela visa
compreender o homem e o mundo atravs dos fatos, coloca em suspenso as atitudes
naturais para compreend-las. uma exposio do espao, do tempo, e do mundo
vividos.
Tudo o que sei do mundo, mesmo devido cincia, o
sei a partir de minha viso pessoal ou de uma
experincia do mundo sem a qual os smbolos da
cincia nada significariam (Merleau-Ponty, 2006,
pg.3).
Esse olhar nos permite considerar a vivncia da DCS como contendo em si uma
essncia que a define e que, de certa forma, esclarece seu enorme potencial curativo,
educativo e organizador, embutido na prtica. O caminho que escolhemos para tornar
perceptvel esse aspecto da dana se inicia por apresent-la como uma forma natural de
conexo do homem vida. preciso entender a dana como uma maneira de viver, ou
de se fazer presente no universo, ou seja, como um smbolo do ato de viver.
Encontramos na abordagem potica e profunda de Roger Garaudy (1980) os
componentes ideais para justificar nosso olhar sobre o fenmeno da dana na vida ou da
vida que dana.
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Sabemos que a dana foi a primeira forma de arte por meio da qual o homem se
manifestou e tambm a primeira forma de orao que aprendeu com a natureza. Da sua
importncia para os rituais desde os primrdios da humanidade. Era atravs dela que a
comunicao, a devoo e a expresso se apresentavam. E assim tem sido at hoje, em
propores e dimenses distintas, mas com propriedades e importncia mantida, embora
bem menos reconhecida, em funo da civilizao e da tecnologia.
A dana nasceu no comeo de todas as coisas; veio
luz ao mesmo tempo que Eros, pois a dana primordial
aparece no coro das constelaes, no movimento dos
planetas e das estrelas, nas rondas e evolues que
traam no cu e em sua ordem harmnica. (Lucien de
Samosathe, apud Garaudy, 1980, pg.16))
Para Isadora Duncan, havia motivo de dana em tudo ao seu redor, ela via dana
em toda a Natureza (Safra, 1980) seu trabalho foi o de devolver dana sua significao
humana; e com esse trabalho ela abriu caminho para que um novo olhar sobre a forma
de viver a dana fosse incorporado s sociedades humanas.
Bjart afirma que a palavra divide, a dana unio - do homem com seu
prximo e com a realidade csmica. ritual sagrado e social. Encontramos na dana
essa dupla significao que est na origem de toda atividade humana. Em todas as
pocas o homem se v diante dos sentimentos incompreensveis para os quais busca,
alm da compreenso, a comunicao de que as palavras no conseguem dar conta. A
dana nasce dessa necessidade de dizer o indizvel, de conhecer o desconhecido, de
estar em relao com o outro. O homem tem necessidade de se sentir fazendo parte
integrante de um grupo tnico, social, cultural. O sentimento de pertencimento remete
unio do todo e das partes, possibilidade de ser parte e poder voltar ao todo, de dar
sentido vida. A capacidade de pertencer de tal importncia que tem sido por si s
parmetro para diferenciao entre sade e doena. Muito mais que as leis, os
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costumes, o traje e a linguagem, o gesto que vai dar existncia a essa unio. As mos
se juntam, o rtmo une as respiraes, a dana nasce...
Hoje o homem sofre de solido e de uma diviso profunda de seu ser. No
processo de educao dissociamos o corpo do esprito, e ambos da intuio, do corao,
do conhecimento transcendente. Os valores ticos vm perdendo o significado e a fora
de manter o homem inteiro. Ento ele busca em outras fontes, muitas vezes mais
dissociativas, essa inteireza perdida. Mas tudo o que dividido, que perdeu seu sentido,
busca incessantemente a unidade. A dana uma das raras atividades humanas em que
o homem se encontra totalmente engajado: corpo, esprito e corao. Ela pode ser vivida
como esporte ou como tambm meditao, um meio de conhecimento, a um s tempo
introspectivo e do mundo exterior. (Maurice Bjart, in Garaudy, 1980). Podemos dizer
que ela um modo de existir, pois danar vivenciar e exprimir, com o mximo de
intensidade, a relao do homem com a natureza, com a sociedade, com o futuro e com
seus deuses. (Garaudy, 1980).
A dana tambm realizao da comunidade viva dos
homens. Desde a origem das sociedades, pelas
danas e pelos cantos que o homem se afirma como
membro de uma comunidade que o transcende. Isto se
deu pela experincia incessante do trabalho dos
homens: em cada organizao coletiva do trabalho a
comunidade se realiza, e se realiza de maneira rtmica.
A fora do grupo, uma vez coordenada e ritmada,
mostrava-se superior soma das foras individuais dos
participantes. O homem adquire assim um novo poder
e toma conscincia dessa transcendncia da
comunidade com relao aos indivduos. Este poder e
esta transcendncia esto ligados ao rtmo dos gestos e
comunho que ele permite concretizar. A dana
opera essa metamorfose: transformando os rtmos da
natureza e os biolgicos em rtmos voluntrios, ela
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humaniza a natureza e naturaliza o homem.
(Garaudy, 1980, pg.19)
Ainda lembrando Garaudy (1980), sabido que a civilizao e a sociedade
atuais se habituaram a subestimar a importncia de tudo o que no de ordem
intelectual, cientfica. Porm, experincia vital ou todo ato especificamente humano que
vai alm do conhecimento ou das prticas cotidianas, exige uma forma de expresso que
seja tambm transcendida: o que fazem a dana, a msica, a pintura e a poesia, por
meio de uma arte cuja tarefa tornar visvel o invisvel.
Combinando os aspectos conferidos dana: arte, conhecimento, pertencimento
e religio, a dana uma forma de comunicao do xtase e pedagogia do entusiasmo,
ou seja, sentimento da presena de Deus vivncia do sagrado. Para os hebreus, era
certo que ningum jamais viu Deus. Era ento preciso encontrar os gestos necessrios
para exprimir o invisvel sem diminu-lo, dar vida aos movimentos do invisvel. Era
conferida dana, com seu poder eterno, sua dimenso csmica, a misso de dizer o
indizvel, de manifestar o Divino. No pensamento grego, a ordem csmica expressa
por movimento e rtmo. A compreenso do movimento da vida no universo vem desde
os tempos antigos; e a sabedoria milenar dos povos delegava dana a funo de
conexo com o Todo. Danar a vida entender esse movimento como a prpria
existncia, ou seja, danar a vida antes de tudo tomar conscincia de que no apenas
a vida, mas o universo uma dana, e sentir-se fecundado por esse fluxo do movimento,
do ritmo, do Todo, uma maneira de viver. A dana torna o Deus presente e o homem
potente. (Garaudy, 1980).
Nossos gestos e nossa maneira de expressarmos o que nos humano contm em
si mesmo todo o movimento do universo, toda a pulsao da vida ao nosso redor,
repetindo e refletindo a interao entre tudo o que existe numa linguagem do
movimento do corpo. Desse dilogo entre nosso ntimo e o universo, nasce um fluxo
que a prpria vida pulsante em tudo o que existe. A dana ento simplesmente vida
intensificada (Wosien, 2000). Danar a vida participar desse fluxo, dessa pulsao e
exprimi-los em movimento, em rtmo, em totalidade.
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Aquele que sabe compreender a dana sagrada
conhece o caminho que liberta da iluso individualista,
pois a dana sua prpria natureza, sua vida
espontnea e total, para alm de todos os fins
particulares e limitados: ele se identifica com o
movimento rtmico do Todo que o habita. A dana
ento um modo total de viver o mundo: , a um s
tempo, conhecimento, arte e religio. (Garudy, 1980,
pg. 16)
Como vimos anteriormente, desde o comeo da histria da humanidade, o
homem se expressa atravs da dana. Inicialmente sozinho, e depois se reunindo nas
cerimnias aos deuses. Comeou ento, atravs da dana, a celebrar as estaes, a
fertilidade e os laos familiares, o que os levou a uniformizar os passos. Alm de
celebrar com as danas, as comunidades passaram a transmitir seu conhecimento, sua
sabedoria e sua cultura, de gerao a gerao, atravs da msica e da dana. At hoje
nos chega essa sabedoria pelas manifestaes do folclore, nas danas, lendas, msicas,
rituais e mitos. Foi o contato ntimo com essas danas dos povos que despertou no
homem da atualidade a sensibilidade para o sagrado, para a fora da unio, para a
possibilidade de reverenciar o Todo, para ser inteiro e sentir-se nico nas danas de
roda.
M. Bjart (Garaudy, 1980) relata que teve oportunidade de viver por algumas
semanas, numa ilha do Mediterrneo, com pescadores e camponeses autnticos, cujo
rtmo era identificado com o prprio rtmo da natureza. Presenciou algumas noites em
que, na praa central, as pessoas se reuniam e de uma conversa em outra surgiam
verdadeiras discusses e brigas, explicadas como troca de palavras, desentendimentos.
Em outras noites, a palavra no tinha o mesmo espao. Vinha ento um homem e
iniciava uma dana, e era seguido por outros. Fazia-se uma roda, numa sequencia de
danarinos que se revezavam. Danava-se at tarde da noite em clima de perfeita alegria
e unio. possvel pensar que esse poder aglutinador e harmonizador da dana o que
chamou a ateno e aguou a sensibilidade de Bernard Wosien.
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De acordo com Anna Barton (2006), a DCS nasceu em 1976 quando o professor
Bernhard Wosien e sua filha Maria-Gabriele, foram convidados a compartilhar seus
conhecimentos das tradies da Dana Sagrada do leste europeu na Fundao Findhorn,
na Esccia. O prof. Wosien era um bailarino clssico de renome na Alemanha que,
posteriormente, indo trabalhar com a pedagogia da dana, se interessou pela arte
popular, pelas antigas danas folclricas tradicionais. Devido a sua formao religiosa,
o simbolismo contido nos movimentos sempre foi alvo de sua observao e estudo;
viajou pela Europa colecionando danas e msicas remotas, de aldeias onde a dana
ainda fazia parte da vida comunitria e expressava a tradio transmitida de gerao a
gerao. Sua inteno era de fazer a essncia espiritual da dana ser mantida, as
tradies serem absorvidas e usadas para criar algo novo. Ele decidiu denominar o
conjunto de suas danas de Dana Sagrada. Com a popularizao dessas danas, muitas
pessoas que as ensinavam na Inglaterra, decidiram mudar o nome para Dana Circular.
Desde a visita de Bernard Wosien a Findhorn l se iniciou uma prtica regular das DCS,
com anotaes das coreografias, cursos e divulgao da prtica para o mundo todo.
Bernard acreditava que a dana, como toda arte, surge da meditao e conferia
DCS a capacidade de fomentar um certo arrebatamento, no qual o tempo no era mais
mensurvel, e a fora mgica da roda se manifestava, possibilitando no s o encontro
do indivduo consigo mesmo, mas tambm o encontro deste com a comunidade.
Bernard percebeu, durante suas viagens e contato com os diversos povos que, na vida
das antigas culturas altamente desenvolvidas e dos povos naturais, a dana atuou
profunda e amplamente na sua existncia, e o que restou disso se cindiu em
divertimentos sociais, artsticos e alguma danas de roda populares (Wosien, 2000).
Foram estas ltimas o alvo das observaes de Bernard e seu estudo do simbolismo dos
passos, da mitologia contida na forma e sentido das danas. Ele nos ensina que as
propriedades dinamizadoras da dana de roda diluem as tenses, soltam o que est
contrado, tornam livres as foras criativas e ordenadoras ao mesmo tempo.
Anna Barton (2006) conta que na Fundao Findhorn a proposta desfrutar o
danar junto de um modo totalmente no competitivo. Isto , aprender que possvel
para todos danarem juntos, jovens e velhos, sentirem-se confiantes no grupo, que
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mais solidrio do que crtico. Alm disso, possibilita que as pessoas sejam capazes de
sentir o contato com a terra, com a espiritualidade, e com cada participante atravs das
diferentes qualidades de cada dana. A dana tambm usada como ferramenta para
canalizar a energia de cura para os danarinos e tambm para o resto do planeta. A
proposta que no se aprenda danas apenas como indivduos, mas que todos se unam
para criar alguma coisa a mais em um nvel emocional, mental e espiritual. O Sagrado
s pode ser assim chamado quando se orienta para o bem da totalidade, quando a dana
usada para vaidade pessoal, ela no tem a conotao de Sagrada. Assim tambm nos
processos de meditao ativa, com o sentido de lembrar que na dana meditativa as
particularidades do ego devem se manter ausentes, mas as essncias humano-genricas
do inconsciente devem estar presentes (afastamento do ego para que o Self se apresente)
Osho (2007, pg. 184), nos alerta: onde a dana est, o danarino no est, e onde o
danarino est, a dana no est.
Bernard aponta como principais smbolos utilizados na DCS: o crculo e a cruz.
O crculo representa uma imagem microcsmica do espao csmico original. Tambm
na DCS, o crculo tido como o smbolo original da eternidade. como o universo se
mostra, no cu, na Terra, nos movimentos planetrios e atmicos. Durante o percurso do
circulo na dana, h o retorno a todos os pontos da roda, e em nenhum deles se perde a
relao com o centro, que se mantm numa posio equidistante de todos os
participantes, ao mesmo tempo proporcionando percepo de unio e de limite. A cruz
um desenho de passos muito comum na pratica da DCS, ela o smbolo de nossas
vidas, cujo eixo vertical se refere ao tempo e o horizontal ao espao, traando as
coordenadas da nossa vida. Ela tambm significa as quatro estaes do ano pelas quais
passamos ininterruptamente no transcurso da vida, e se disposta na diagonal, considera
os quatro elementos: terra, fogo, ar e gua. Da cruz originam-se outros desenhos como
as estrelas, que tambm adquirem significao; a estrela de cinco pontas, por exemplo,
se refere ao autoconhecimento. Para Jung a cruz tinha relao com a reconciliao de
todos os opostos, o encontro do homem com o Divino. A cada sequncia de passos
coreografados, podem-se dar sentidos, que so traduzidos para a esfera da vida comum.
Muitos outros simbolismos e significados fincados em conhecimentos ancestrais so
trazidos tona para incorporar do movimento das DCS, entre eles a mitologia, a
numerologia, a geometria sagrada, a astronomia, como tambm astrologia.
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O instrutor das danas na roda o focalizador. Ele toma para si a
responsabilidade de ser o foco da ateno de todos os participantes, de ouvir e olhar
para o grupo como algum que percebe para alm do manifesto, do visvel. Dele
depende a qualidade da vivncia, a captao da necessidade do grupo, a escolha de
estratgias que melhor encontrem validade entre os participantes. O focalizador
responsvel pela orientao sobre os passos, de forma a tornar possvel a dana s
pessoas, utilizando as qualidades das danas com o mximo de propriedade, assim
como fazer a traduo do simbolismo dos passos para a vida comum, alm da
manuteno da harmonia, alegria e entusiasmo que naturalmente a dana desperta. Cabe
ainda ao focalizador desenvolver e utilizar uma grande dose de sensibilidade e estudar
constantemente, para ser capaz de compreender o poder que a vivncia da DCS, bem
conduzida, pode ter sobre a maneira como as pessoas podem transformar seu viver o
focalizador se empodera de um saber que perpassa o seu ser e atinge os participantes,
tocando a alma destes e, em sentido mais amplo, atualizando o sentido do sagrado. O
focalizador o portador do potencial da dana de permitir ao participante que, num
mergulho em si mesmo, possa trazer tona a fora transformadora da comunho com o
Todo, com o universo, com a humanidade o homem vivenciando na dana a
transfigurao de sua existncia.
Uma vivncia de DCS tem muito em comum com uma cerimnia ritualstica.
Normalmente se inicia com a preparao do ambiente pelo focalizador. Tal preparao
consiste na montagem do centro da roda, um marco no centro do ambiente, visvel de
todos os pontos ao redor. O espao deve estar livre para que a roda possa se desenvolver
sem obstculos. O centro contm sempre um tecido e objetos que tragam significncia
para o focalizador ou para os participantes. O focalizador tambm se prepara, com
alguns minutos de concentrao. Formada a roda com os participantes de mos dadas,
faz-se sempre uma preparao dos mesmos para a atividade, com nfase na respirao,
na percepo corporal e da roda como um todo. De forma geral inicia-se o trabalho
com algumas danas mais fceis, lentas, de pouca complexidade e intensidade Esse
limite vai se ampliando, at que, na metade da vivncia se alcance um maior nvel de
rapidez nos movimentos e complexidade nos passos. A partir da metade da vivncia,
novamente se procura diminuir aos poucos a potncia finalizando a prtica com danas
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meditativas. Cada vivncia tem objetivos especficos, que devem ser considerados na
montagem de uma sequncia. Ao focalizador cabe a organizao das etapas e as
alteraes necessrias no transcurso da atividade. Ao trmino da vivncia, novamente se
chama os participantes para alguns minutos de concentrao no corpo, nos sentimentos,
nas presenas, na experincia do sagrado.
Aparentemente a proposta da dana circular simples e leve, mas carrega uma
profundidade assentada no passado da humanidade, na compreenso do papel da dana
na evoluo do homem e principalmente na funo do ritual e do sagrado para o
desenvolvimento da psique humana. O verdadeiro significado da DCS transcende o bem
estar relatado pelos participantes e, na busca de entender esse potencial, que seguimos
com nossa reflexo, na direo do mito do eterno retorno e da importncia do sagrado.
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CAP. 2 O HOMEM, A RITUALIZAO E O SAGRADO
Neste capitulo pretendemos fazer relaes entre as caractersticas dos rituais
antigos ou das condies de definio de ritualidade, com a formatao da proposta das
DCS. Para tanto intencionamos compreender em que consiste um ritual, principalmente
qual a importncia dos rituais para o homem no decorrer da historia, e verificar a
possibilidade de posicionar a DCS como uma proposta remanescente dos antigos rituais,
que continua a cumprir com a funo original dos mesmos, apesar de modificada em
sua apresentao.
Desde os primrdios da humanidade, o ser humano tem demonstrado a
necessidade de sentir-se parte do Cosmo, de se reconhecer nos ritmos da natureza, seus
ciclos e renovaes.
Para o homem das sociedades arcaicas e tradicionais, os
modelos para suas instituies e as normas para suas varias
categorias de comportamento teriam sido revalados nos
comeo dos tempos, e consequentemente, eles seriam vistos
como tendo origem sobre-humana e transcendental.
(Eliade, 1992).
Essa origem sobre-humana a base para o surgimento dos mitos e heris que
foram reverenciados pelo homem atravs de gestos e atitudes ritualsticas no decorrer da
historia. Segundo Eliade, os rituais tm a funo de repetir o instante da origem, da
criao. Essa repetio coloca o homem em contato com as foras do Divino, do
Cosmo, e legitima a existncia dos objetos ou atos, pois os tornam receptculos de uma
fora exterior (Eliade, 1992) que os diferencia do comum e lhes d significado e valor.
Eles passam a ser o que o homem no consegue ser, tornam-se reais na medida em que
repetem um ato primordial.
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Os atos humanos que no tem origem no
automatismo, seu significado, seu valor esto
vinculados sua propriedade de reproduzir um ato
primordial, de repetio de um exemplo mtico.
(Eliade, 1992).
Os rituais so vividos pelo homem atravs dos tempos como a maneira de
perpetuar o instante da criao, de manter vivo o valor real e absoluto do momento da
criao, que vai alem do prprio homem. Por isso a forma de fazer conexo com o
sagrado, em tempo e espao sacralizados, que reconhecidos como distintos do lugar
comum da vida cotidiana, passam ser vividos como reais. Eles tm a propriedade de
realizar o irrealizvel, de tornar eterno o momento crucial de contato do homem com o
sobrenatural, com aquilo que vai alem do prprio homem os Deuses, os mitos, o
Cosmo. um ato de repetio, que por si s no tem lugar real, mas na medida em que
traz tona o significado do ato primordial, se reveste de intenso valor e revive a
presena do Divino na vida comum.
Os rituais tem o potencial de colocar o homem em contato com o aspecto
sagrado da sua existncia. As experincias comuns da vida do homem so tidas como
profanas, desprovidas de significado, de realidade, de correspondncia com o momento
primeiro da criao. Mas as experincias vividas ou significadas a partir dos rituais so
tidas como sagradas, representam o universo do desconhecido, do que transcende o
homem, do que o criou. A sacralidade na vida toma forma a partir da ritualizao, ou
seja, o sagrado s existe porque o ritual o legitimou.
A ritualizao tem feito parte da vida do homem como uma necessidade de
lembra-lo de tempos em tempos que ele parte do Cosmo, que ele veio do momento da
criao, que possvel a religao com o Divino, com o que vai alm do prprio
homem. Este processo era vivido pelo homem tradicional como busca intencional de
entrar em contato com o principio no humano da criao, pois reatualizava o momento
mtico. Essa inteno era de criar o entusiasmo (presena de Deus) na alma do
homem, alcanar o estado de beatitude, a imitao da condio Divina, ou seja, tornar-
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se, tanto quanto possvel, semelhante a Deus. A criao Divina, a natureza era ento a
forma de reconhecer Deus, a natureza contava sobre Deus e era o caminho para chegar a
Ele. O homem antigo s compreendia o que vivia o que observava na natureza.
Essa conexo do homem antigo com a natureza, a intensa influencia dos ciclos
de inicio e fim, nascimento e morte, a busca do entusiasmo, fazem com que a repetio
do ato criador seja uma necessidade a ser vivida atravs da ritualizao. A renovao
dos ciclos tem o potencial de destituir o j vivido dos aspectos negativos e criar uma
nova oportunidade de viver segundo as revelaes Divinas, em contato com as foras
mticas, a espiritualidade. Como se fosse um banho, que leva o impuro e imanta de
possibilidades novas, sagradas e potentes a partir do contato com o Cosmo, o Criador.
A presena dos rituais como forma de conexo com a existncia do sagrado na
vida do homem constante em todas as pocas, apesar de ir se modificando na forma, a
essncia se mantm, pois a necessidade de pertencer ao Todo criador nunca deixou de
existir. Na vida do homem moderno as formas de vivenciar a ritualizao se
modificaram muito, hoje alguns rituais so repetidos sem que as pessoas se atentem
para o seu significado e mistrio.
Os rituais de hoje so sobreviventes dos rituais originais,
e muito difcil determinar at que ponto eles se fazem
acompanhar de uma experincia na conscincia das
pessoas que os observam. (Eliade, 1992)
Ainda segundo Eliade, a estrutura e a essncia dos mitos e rituais permanecem
inalteradas atravs do tempo, mesmo que as experincias que os atualizem sejam
rotineiras. Hoje a ideia da ritualizao parece antiga e sem sentido para o homem
comum, mas os gestos e celebraes ainda inseridos no cotidiano, para marcar a
passagem dos ciclos da vida so a presena da ritualizao na vida moderna, e muitas
vezes so vividos como uma real necessidade do ponto de vista social e emocional.
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Uma das formas de celebrao ainda presente na vida do homem comum a
dana. As sociedades modernas danam nas festas comemorativas, nos finais e incios
de ciclos da vida, sem a real compreenso do significado que teve a dana no decorrer
da historia do homem. Eliade (1992) nos lembra de que originalmente todas as danas
eram sagradas, vinham de um modelo extra-humano, fora da vida profana do homem,
criadas num perodo mtico, por um ancestral, um deus ou um heri. As danas podiam
ter finalidades distintas: obter comida, homenagear os mortos, garantir a ordem no
Cosmo, ou serem executadas em rituais diferentes como: cerimnias de iniciao, de
casamento, religiosas, mas todas elas tinham funo ritualstica e cumpriam o papel de
reproduzir ritmos coreogrficos ensinados pelos deuses, comemorando o momento
mtico, ou seja, reatualizando o momento da criao, tornando sagrada a cerimnia.
Devido a sua origem na musica e dana dos povos antigos, a DCS carrega a
estrutura dos rituais, assim tambm os smbolos da forma e do processo inseridos na
cultura de onde se pina a dana. Os gestos e sentidos ritualsticos inerentes vivncia
contam que a prpria dana, sua formao e seu acontecer podem ser entendidos, tendo
em vista os conceitos antes elucidados, como uma forma de ritual, ou tendo em si o
potencial de um ritual. Sob esse aspecto no temos ento rituais inseridos na proposta,
mas ela pode ser entendida em si mesma como um tipo de ritual, ou seja, uma forma de
colocar em suspenso o homem em seu ego, permitir que contedos do inconsciente
transitem para o consciente e a noo da sacralidade da vida tome forma. Como se fosse
o boto de ligar a percepo da completude, como se se pudesse olhar para a prpria
vida de um ponto de vista afastado, de cima, e o alcance da viso fosse muito maior.
Os povos antigos usavam a dana em seus rituais de orao, de celebrao.
Talvez numa sabedoria profunda que compreendia o corpo como lugar de existir de algo
mais abrangente: o SER. Atravs dos estmulos dados pelos gestos, pelo ritmo, pelo
movimento acontece o transe, que pode ser entendido como o intenso trnsito das
informaes do inconsciente (coletivo) para o aqui e agora. Com isso no se pretende
estender as observaes para o aspecto do transe na dana, mas ele pode ser pontual
para conduzir o olhar para o entendimento de ser a proposta das DCS, ela prpria uma
forma de ritualizao em busca do sagrado na vida de todos os participantes.
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Os rituais tinham tambm a potencialidade de transportar o homem para alm do
tempo profano, num tempo em que s os Deuses percebem, ou seja, durante os rituais
perdia-se a noo do tempo como o conhecemos. O homem era transportado para o
tempo em que ocorreu o ato criador, o tempo sagrado. A maior parte da vida comum do
homem era vivida no tempo profano e os rituais vinham aboli-lo e projetar o homem
para o tempo mtico, provocando a regenerao do tempo. O que contava como real era
o tempo vivido como sagrado, pois o tempo profano no tinha significado. Podemos
entender que a atitude ritualstica, que sacraliza o tempo capaz de expandir a
conscincia, trazendo sentido de anulao do tempo concreto. Ela acontece no tempo,
mas no carrega o peso dele, permite viver um presente contnuo, como o caso, ainda
hoje, da vivncia e das prticas dos msticos e religiosos.
A possibilidade de regenerao do tempo se comunga com a ao cclica do
mesmo. A renovao da vida em todos os seus aspectos era intensamente vivida pelos
povos antigos que tinham a relao estreita com a natureza impressa em sua cultura.
Hoje o homem vem se distanciando dessa proximidade, apesar de manter a noo dos
ciclos de tempo eternamente se repetindo no calendrio, nas estaes, etc. Os rituais
valorizavam a relao cclica do tempo fora do homem com o tempo cclico dentro do
homem, possibilitando que o contato com o tempo sagrado trouxesse novo
entendimento para a retomada dos ciclos temporais da vida.
Com relao assim chamada natureza cclica do
tempo, todas as religies que podem ser caracterizadas
em termos de mythos compartilham a viso de que o
tempo recorrente e a-histrico... Tal noo do tempo
torna-se bastante adequada quando olharmos para o
universo ou para todas as coisas no universo do ponto
de vista da natureza. No mundo da natureza, as quatro
estaes se sucedem uma outra periodicamente, e os
blocos de tempo a que chamamos meses e anos
continuam recorrentes. O tempo da natureza,
inclusive o tempo astronmico, retorna sem falta para
seu ponto de partida, tempo aps tempo, seguindo o
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mesmo circuito. (Kenji Nishitani, apud Laymert Garcia
dos Santos, 1992, pg. 196)
Santos quando nos fala sobre a temporalidade mtica, comparando a vivencia do
tempo do Xam e do Poeta, afirma que para ambos o tempo o mesmo tempo da
natureza. Eles no se sentem separados dela, independentes dela, ou num outro
compasso, e simultaneamente tambm o tempo do sobrenatural, porque est
eternamente comeando, est sempre no incio da divina criao. Eles sabem que o
eterno se aloja em cada momento que passa, e ento tempo e eternidade no so mais
contraditrios nem incompatveis. O tempo circular porque sempre retorna, sempre
se recoloca como tempo que se realiza, e linear, porque essa realizao uma
sucesso de instantes nicos (Santos, 1992, pg. 197).
Assim tambm circular a roda na DCS, que sempre retorna ao ponto inicial,
permitindo novo recomeo. Os ciclos so vividos na dimenso do corpo, na
materialidade da presena, dos gestos, dos ritmos e na sacralidade do tempo - dana-se
como os povos antigos, repetem-se gestos e ritmos que transportavam o homem antigo
para o presente contnuo. De acordo com a intensidade da experincia, essa repetio
parece ter o potencial de despertar percepes como: os ciclos presentes na noo do
tempo, e as alteraes do tempo vivido, a possibilidade de afastar-se da vida comum,
dita profana, permitindo entrar em contato com o que sempre esteve presente em nosso
inconsciente o tempo primordial. Os ciclos temporais so fisicamente vividos nas
voltas da roda, nas repeties dos passos, na circularidade dos movimentos, nos ritmos
constantes. E a eternidade do tempo vivida em cada momento na medida em que se
abrem as percepes para o presente, pois este presentifica todos os tempos, atualiza o
que foi no que e faz do ser um vir-a-ser.
As formaes simblicas (cantos, poemas, danas) e
todas as manifestaes litrgicas desenrolam-se em um
tempo existencialmente pleno. Mais rigorosamente; so
essas formaes que tornam o tempo existencialmente
pleno. um tempo que a presena humana qualifica.
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um tempo no qual a ao dos afetos e da imaginao
produz uma lgica prpria, capaz de construes
belamente ordenadas. (Alfredo Bosi, 1992, pg. 26)
Alfredo Bosi ainda faz lembrar que o tempo do mito se realiza como
linguagem, pelas suas analogias, e constri-se maneira de uma pauta musical com seus
retornos, acordes e suas correspondncias horizontais e verticais. Sua nota principal a
reversibilidade.
uma lgica que parece reproduzir os movimentos
cclicos do corpo e da natureza. A reiterao dos
movimentos, feita dentro do sujeito, faz com que este
perceba que o que foi pode voltar: com esta percepo e
com o movimento da simultaneidade que a memria
produz, nasce a ideia do tempo reversvel. O tempo
reversvel , portanto, uma construo da percepo e
da memria: supe o tempo como sequncia, mas o
suprime enquanto o sujeito vive a simultaneidade. O
mito e a musica, que trabalham a fundo a
reversibilidade, so mquinas de abolir o tempo. A
condio de possibilidade do mito e da msica a
memria, aquela memria que se dilata e se recompe. A
memria vive do tempo que passou e, dialeticamente, o
supera. (Bosi, 1992, pg. 27)
Talvez possamos pensar a dana, inseparvel da musica e dos ritmos como uma
dessas mquinas de abolir o tempo, que pe em contato o homem comum com o
instante primeiro da criao, com o que une a todos ns - a condio humana.
Os rituais tambm aconteciam em lugares especiais ou tornavam sagrado o
lugar onde ocorriam. Assim como hoje os lugares em que determinados fatos marcantes
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para o homem acontecem so sempre cuidados de forma especial, portadores de
emoes, de lembranas, propiciam atitudes especiais, assim tambm os locais em que
aconteciam os rituais eram sagrados e reverenciados como tal. O contato com momento
da criao, com o tempo primordial deveria acontecer no centro do Cosmo. Esse lugar
dos rituais era significado como sendo o centro de tudo, onde tudo que existe teve
incio, o umbigo do mundo conhecido, e l estavam sediadas todas as formas de mitos,
heris e divindades, e todas as foras criadoras do universo. Tudo o que existe surgiu
neste lugar e l que essas foras se concentram. Neste local todas as coisas passam a
existir realmente, ele detm a fora da vida, esta , pois, uma rea sagrada.
Esse lugar sacralizado pelos rituais como centro da criao era o marco para que
toda a vida se realizasse ao seu redor. Assim a referncia para as construes, para as
atividades do homem antigo era sempre o centro sagrado. Ao observar o cu, o sol, a
lua, os movimentos circulares dos astros, o homem antigo tentava reproduzir ou
acompanhar esses movimentos na vida.
Essa outra relao com a proposta das DCS, que tem na marcao
simblica do centro da roda toda uma significao relativa concentrao das foras
criadoras e transformadoras, que fazem referencia ao local sagrado em que todas as
coisas ganharam vida real, onde o tempo abolido e se vive o eterno e o presente
simultaneamente. A importncia deste local sagrado se perpetua at nossos dias na
marcao do ponto central das cidades, na geometria das construes dos templos, na
consagrao de locais para determinados cultos a partir dos rituais de celebrao, de
inaugurao, iniciao. O espao da roda circundado pelas pessoas que a compe,
experienciado como o espao no qual o contato com essas foras criadoras possvel,
assim como sair do espao profano e adentrar o sagrado, num sentido de purificao, de
contato com o divino. O centro o mbito do sagrado, a zona da realidade absoluta. A
roda simboliza a estrada da vida, o caminho difcil que leva para o centro. Os passos e
interaes, os rodopios, as direes diversas das coreografias vem significar as
dificuldades do caminhar em direo ao centro de si mesmo, ao eu desconhecido.
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...A estrada rdua, repleta de perigos, porque na
verdade, representa um ritual de passagem do mbito
profano para o sagrado, do efmero e ilusrio para a
realidade e a eternidade, da morte para a vida, do
homem para a divindade. Chegar ao centro equivale a
uma consagrao, uma iniciao; a existncia profana
e ilusria de ontem d lugar a uma nova, a uma vida
que real, duradoura, eficiente... (Eliade, 1992)
Todo esse simbolismo quando vivido no corpo, na coletividade da roda, no
espao respeitado como lugar onde no necessrio estar com as defesas alertas, no
qual nenhum mal pode adentrar, valorizado pelos participantes e aceito como
sagrado.
Esse conceito de sagrado como pertencendo a todos os homens, independente
da sua crena ou religio nem sempre foi facilmente aceito e vivido com naturalidade
pelas pessoas que iniciavam o contato com a DCS. Para o homem moderno a
substituio da crena pela inteligncia, pela cincia, fez surgir uma negao, at
mesmo um preconceito sobre a questo do sagrado, e mais ainda dos rituais. A nossa
histria tambm conta sobre a transformao da dana de experincia direta com o
sagrado para atividade profana e condenvel, sendo abolida de todos os rituais e
cerimnias crists na idade mdia. Mas o seu potencial de conexo com os aspectos
inconscientes do homem parte da sua essncia, a dana conexo, assim como o o
ritmo. Esse potencial se apresenta aos sentidos dos participantes e com naturalidade faz
acontecer o sagrado para cada pessoa que se permite estar presente na roda e danar o
caminho da vida.
Cada ponto de contato da experincia ritualstica com a DCS, somado ao
potencial natural, originrio da dana e dos ritmos reafirma a possibilidade de entender
essa proposta como uma forma remanescente, resignificada e culturalmente aceita de
atualizar os antigos rituais sagrados. Hoje j se conhece muito do mecanismo de
existncia do sagrado, j no mais um mistrio sem explicao o que acontece nos
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momentos de contato com Divino. A teoria de Jung traz muito sentido para as vivencias
ritualsticas e seu lugar na vida do homem, seja do antigo ou do moderno. Alguns desses
sentidos podem ser chaves para olhar para a DCS como possibilidade de desenvolver
nos participantes um caminho para o autoconhecimento.
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CAP. 3 A DANA, O RITUAL E O SAGRADO LUZ DOS CONCEITOS
JUNGIANOS
Na expectativa de desvendar um pouco mais o significado da ritualizao para o
homem e sua relao com a DCS buscamos na contribuio de Jung alguns conceitos
que trazem novo entendimento para os assuntos j tratados anteriormente. Em seus
estudos, Jung considerou o homem em sua histria e, com isso, postulou que todo o
contedo ancestral e antigo tem sentido novo para entender a vida hoje. Este sentido de
inteireza do homem que se faz atravs do tempo em muito ajuda a compreenso do
lugar dos ritos e do sagrado na atualidade. Jung nos leva a entender que no somos
fragmentados na histria, mas estamos em contnuo desenvolvimento, carregando tudo
que j foi vivido antes como instrumental para lidar com o presente. Ele nos d uma
nova perspectiva de entendimento sobre como podemos viver presente, passado e futuro
ao mesmo tempo. Mistrios at ento incompreendidos ficam acessveis a todos ns e,
de certa forma, do outro lugar para o que consideramos sem sentido no passado.
O indivduo a nica realidade... importante
sabermos mais sobre o ser humano, pois muitas coisas
dependem das suas qualidades mentais e morais. Para
observarmos na sua justa perspectiva precisamos,
porm, entender tanto o passado do homem quanto o
seu presente. Da a importncia essencial de
compreendermos mitos e smbolos. (Jung, 2008, pg.
69).
Nise da Silveira esclarece de forma bem clara a postura de Jung diante do
passado do homem:
...porque a psicologia jugueana no se interessa
unicamente em fazer achados arqueolgicos nas
produes do inconsciente e em interpret-los como
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sobrevivncias de mundos mais antigos. Afigura-se-lhe
ainda mais importante descobrir e acompanhar, nessas
produes, o contnuo processo de elaborao dos
contedos do inconsciente. (Nise da Silveira, 1981,
pg. 83).
De todo o vasto trabalho de Jung, alguns conceitos em particular ajudam a
compreender o assunto. Com uma abordagem sinttica, simples e despretensiosa
citamos alguns deles a seguir, uma vez que bastante complexa e profunda a teoria
psicolgica de Jung.
Fazendo um paralelo com a representao proposta por Nise da Silveira da
psique como sendo um vasto oceano (inconsciente) no qual emerge pequena ilha
(consciente), tentaremos iniciar nosso mergulho no assunto. De outra forma bastante
simplificada, podemos dizer que, para Jung, a Psique humana um grande armazm
com alguns ambientes conhecidos, iluminados e outros desconhecidos, escuros. Esses
cmodos so interligados entre si, e h um trnsito de contedos entre eles e entre o
armazm (Psique) e o exterior. Podemos chamar os ambientes iluminados de
Consciente e os escuros de Inconsciente. O trnsito de contedos acontece o tempo
todo, mas para sair do escuro e adentrar o claro, preciso se utilizar de um transporte
chamado smbolo. Smbolo algo que significa outra coisa que no est aparente. Em
alguns dos compartimentos escuros o inconsciente esto guardadas experincias
pessoais j vividas, dores, angstias, alegrias que j fizeram sentido alguma vez ou que
no nos importaram. Cada uma delas tem uma razo de estar a, mas ns no nos damos
conta. Em outros compartimentos escuros, moram todas as informaes que foram
essenciais para nos tornarmos seres humanos, ou seja, tudo o que foi importante para
nossos ancestrais e que pertence a todos os homens nosso inconsciente coletivo. Em
meio a todo esse contedo comum, esto os arqutipos, que so modelos de
comportamento ativados a partir dos mitos antigos, presentes ao longo da nossa
evoluo e que, de uma forma velada, tentam se manifestar em nosso comportamento. E
l no fundo dessa escurido, mora o Self, que a perfeita e absoluta imagem do
Divino, o arqutipo do Divino em ns. Todo o nosso trabalho de desenvolver nossa
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psique e deixar um legado para as geraes futuras no inconsciente coletivo, se refere a
encontrarmos, cada um de ns, uma forma nica de fazer o arqutipo do Self cada vez
mais presente em nossas atitudes. A esse trabalho deu-se o nome de processo de
individuao. Estamos o tempo todo construindo mais ambientes, aprisionando
contedos, favorecendo ou impedindo o movimento dos mesmos. preciso dedicao e
empenho para reconhecer o que aparece luz e compreender esse trnsito.
Pensar a questo da ritualizao e do sagrado na DCS luz desses conceitos faz
uma grande diferena. O fato de considerar o homem como produto de sua prpria
construo inacabada e ainda que cada ser humano detenha a histria de todos os
homens j viventes traz um sentido muito mais amplo para a ritualizao e seu papel na
evoluo da humanidade. A proposta de estar em comunidade para danar, celebrar,
ritualizar, unidos por um objetivo comum, parece resgatar o que torna os homens iguais,
ou seja, a humanidade. Assim possvel que o eu e o ns se apresentem ao mesmo
tempo, da mesma forma que a percepo do hoje, ontem e amanh sejam vividos
simultaneamente.
Vamos iniciar nosso trajeto pela simbologia presente na prtica das DCS. Os
smbolos que do um carter ritualstico para a proposta. Ento, preciso
compreend-los. Os gestos e passos da dana assim como os objetos usados para marcar
o centro da roda so carregados de significados ligados aos rituais antigos, mas o crculo
e o centro so os smbolos mais importantes uma vez que sempre estiveram presentes na
histria do homem e so eles que definem a DCS.
Jung nos diz que o que chamamos de smbolo pode ser um a palavra, um termo
comumente usado, ou uma imagem familiar na vida cotidiana, mas seu significado vai
alm do convencional, pois implica em algo vago, desconhecido ou oculto para ns.
Uma palavra ou uma imagem simblica quando
implica alguma coisa alm do seu significado
manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem
um aspecto inconsciente mais amplo, que nunca
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precisamente definido ou inteiramente explicado. E
nem podemos ter esperanas de defini-lo ou explic-lo.
Quando a mente explora um smbolo, conduzida a
ideias que esto fora do alcance da nossa razo. A
imagem de uma roda pode levar nossos pensamentos
ao conceito de um sol divino, mas, neste ponto,
nossa razo vai confessar a sua incompetncia: o
homem incapaz de descrever um ser divino.
Quando, com toda a nossa limitao intelectual,
chamamos alguma coisa de divina, estamos dando-
lhe apenas um nome, que poder estar baseado em
uma crena, mas nunca em uma evidncia concreta...
Por existirem coisas fora do alcance da compreenso
humana que frequentemente utilizamos termos
simblicos como representaes de conceitos que no
podemos definir ou compreender integralmente... O uso
consciente que fazemos de smbolos apenas um
aspecto de um fato psicolgico de grande importncia:
o homem tambm produz smbolos, inconsciente e
espontaneamente... (Jung, 2008, pg. 19)
Parece claro que usamos os smbolos para significar ou explicar o que no
podemos compreender pela razo. Na antiguidade, o saber do homem era sustentado por
seus conhecimentos da natureza e pela sua intensa conexo com ela. As explicaes dos
fenmenos naturais eram em grande parte dadas com a utilizao de smbolos. Parece,
ento, que os smbolos sempre foram uma necessidade do homem, e que este os produz
conscientemente para dar conta de algo que transcende a si mesmo. A ritualizao
mantm um carter de mistrio porque, envolta em smbolos, a cerimnia trata de
contedos inacessveis ao homem comum, mas muitas vezes perceptveis pelos
sacerdotes, iniciados, xams. O smbolo traz para o concreto o que est presente de
forma inconsciente.
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Na marcao do centro, o focalizador de DCS reproduz e amplifica
simbolicamente o lugar em que se deu a criao, demarca o espao sagrado circundado
pela roda. Nele, tambm, costumam serem colocados objetos que remontam aos
elementos supostamente presentes no momento inicial e que representam a fora
criadora: o fogo na forma de velas, a matria primordial nos cristais, artefatos tpicos de
vrios pases contando da igualdade dos homens, flores ou plantas remontando
natureza, cartas dos anjos contendo sentimentos e emoes humanos ratificando a
presena dos arqutipos do bem e outros. Esse simbolismo realiza a tarefa de tornar
concreto e factvel, num xtase, o grande trabalho da psique de unificar e clarear seus
cmodos ao longo da vida. Ele tem sua origem no resgate dos rituais antigos e na
atualizao dos mesmos a partir da experincia nica de cada dana na qual os passos
representam portais, ciclos, busca da fonte da vida, etc.
Tambm segundo Jung, o homem produz smbolos e essa produo vem direto
do inconsciente para a realidade de forma espontnea sem o uso da razo, sem a
elaborao da conscincia. Ento o smbolo cumpre o seu papel transportando
contedos do escuro de nossa psique para o claro, tornando-os passveis de serem
conhecidos por ns, se interpretados adequadamente pela inteligncia.
Os smbolos tm vida. Atuam, alcanam dimenses
que o conhecimento racional no pode atingir.
Transmitem intuies altamente estimulantes
prenunciadoras de fenmenos ainda desconhecidos.
Mas desde que seu contedo misterioso venha a ser
aprendido pelo pensamento lgico, esvasiam-se e
morrem. (Nise da Silveira, 1981, pg. 81).
A morte dos smbolos significa que eles no so mais necessrios, que a razo
deu conta de interpretar a realidade e no precisa mais dos lembretes do inconsciente
para incorporar esses contedos ao consciente. O uso de smbolos ainda hoje, por
exemplo, na roda de dana, sugere que eles apenas representem algo que no est l,
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mas que tambm se reportem a contedos ainda impossveis de serem concretizados,
sendo sentidos.
Na DCS a maioria dos smbolos utilizados so basicamente aprendidos durante a
formao do focalizador, o que leva a pensar que talvez em um passado remoto, eles
possam ter sido evocados de forma espontnea, mas hoje j so conceitos aprendidos e
organizados com o uso da razo. No deixam de serem smbolos, mas no mais
cumprindo o papel que Jung a eles atribuiu: o de dar luz aos contedos do inconsciente.
Nesse mesmo sentido se nos reportarmos ao inconsciente coletivo, esses smbolos
podem ter sido trazidos em tempos remotos, quando os objetos colocados no local
sagrado da criao adquiriam a mesma posio de sacralidade, podendo ser utilizados
em outras situaes da vida dos homens de ento. Hoje eles so atualizados a cada
vivncia porque permanecerem vivos no inconsciente coletivo.
A mudana de situao de realidade dos objetos utilizados no centro, ou seja, a
sacralidade adquirida pelos objetos a partir da sua presena na roda tambm uma
situao comum de ser observada nas vivncias de DCS. Esse fato tambm abordado
por outro ngulo com os estudos de Massaru Emoto (2010), que vem divulgando a
modificao do formato das molculas de gua aps contato com a msica, a dana ou a
vibrao das palavras escritas. O Sr. Emoto considera seu trabalho de fotografar os
cristais congelados de gua, antes e depois de expostos a esses estmulos uma produo
de arte, no um estudo cientfico nos moldes das exigncias atuais. Mas essa
constatao refora a sabedoria ancestral de sacralizar objetos simblicos a partir de
rituais.
Nise da Silveira lembra que em todo smbolo est sempre presente a imagem
arquetpica como fator essencial.... A dana dirigida por comportamentos
arquetpicos, recria movimentos originais dos mitos e heris nos passos e gestos das
coreografias que simbolizam a possibilidade de continuao, de eternizao da criao.
Na sua simbologia, a dana tambm traz para a concretude do instante presente, os
modelos potencias de comportamento e de concepo das relaes aprendidos e
guardados no inconsciente coletivo atravs dos anos.
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Sendo o smbolo o guardio da imagem arquetpica, podemos considerar que os
arqutipos tambm moram nos lugares de escurido da nossa psique.
Arqutipos so possibilidades herdadas para
representar imagens similares, so formas instintivas
de imaginar. So matrizes arcaicas onde configuraes
anlogas ou semelhantes tomam forma... Resultam do
depsito de impresses superpostas deixadas por
certas vivncias fundamentais, comuns a todos os
homens, repetidas incontavelmente atravs dos
milnios... So disposies inerentes estrutura do
sistema nervoso que conduzem produo de
representaes sempre anlogas ou similares... O
arqutipo funciona como um ndulo de concentrao
de energia psquica unicamente uma virtualidade.
Quando esta energia, em estado potencial toma forma,
ento teremos a imagem arquetpica... A noo de
arqutipo, postulando a existncia de uma base
psquica comum a todos os humanos, permite
compreender porque em lugares e pocas distantes
aparecem temas idnticos nos contos de fadas, mitos,
dogmas e ritos, nas artes e filosofia, nas produes do
inconsciente de um modo geral. (Nise da Silveira,
1981, pg. 77 e 78 ).
Podemos considerar, ento, que vimos repetindo comportamentos e atitudes
atravs dos milnios. Tais comportamentos foram sendo aprendidos pelo ser humano no
decorrer da existncia, atravs de vivncias tpicas: emoes e fantasias suscitadas por
fenmenos da natureza, experincias com a me e com encontros entre casais e pares,
situaes difceis de caa, travessias de longa distncia, etc. Como lembra Nise da
Silveira h uma base comum a todos os homens que permite aos arqutipos se
instalarem e se manifestarem em pocas e lugares distintos com a mesma propriedade.
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Assim tambm as cerimnias de ritualizao so marcadas pela manifestao dos
arqutipos que imprimem significado aos gestos, aos objetos usados, durao da
cerimnia, ao local consagrado. Eles participam da vida do homem, alm da
ritualizao, de forma intensa na produo simblica dos sonhos, nas atitudes
espontneas, nos impulsos sem o controle da vontade. A grande diferena que na
ritualizao, eles esto presentes como convidados e, nas atitudes espontneas, eles
simplesmente se apresentam.
Pode-se perceber a energia especfica dos arqutipos
quando se tem oportunidade de observar o fascnio que
exercem... Os arqutipos criam mitos, religies e
filosofias que influenciam e caracterizam naes e
pocas inteiras... A narrao ou declamao ritual de
cerimnias e de textos sagrados e o culto figura do
heri, com danas, msica, hinos, oraes e sacrifcios,
prendem os espectadores num clima de emoes, como
um encantamento mgico, exaltando o indivduo at a
identificao com o heri... O homem comum pode se
libertar da sua impotncia e da sua misria para ser
contemplado (ao menos temporariamente) com
qualidades quase sobre-humanas. (Jung, 2008, pg.
98).
Curiosamente, na proposta da DCS as duas formas de presena dos arqutipos
citadas acima se configuram. Os smbolos utilizados tradicionalmente sugerem aspectos
arquetpicos da histria do homem, mas a possibilidade de trnsito entre os cantos
escuros e claros da psique, prprio da ritualizao, permite que atitudes, emoes e
sentidos imperceptveis at ento se mostrem. Para o focalizador experiente e atento
muito comum surgirem entre os participantes estados de impacincia, ansiedade,
necessidade de controle, dificuldades na percepo e aceitao do prprio ritmo, assim
como benevolncia, alteridade, alegria, leveza, cooperao. Pode-se dizer que a
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possibilidade de viver esses estados a grande responsvel pelo potencial curativo e
educativo da DCS.
Entre os arqutipos, existe o arqutipo central, o Self que se reporta inteireza,
luz, essncia do ser, imagem do Criador no homem. Ele mora no centro de tudo, dos
ambientes escuros e tem em si todas as qualidades da luz, do Divino. tambm
entendido como si mesmo, ou seja, ao mesmo tempo o divino e o humano em
essncia. O Self o caminho e a chegada da trajetria humana de se fazer homem.
Estabelecer contato com esse arqutipo, permitir que ele se manifeste talvez seja o
grande objetivo do ser humano, ou seja, fazer viver em ns o que nos conecta com o
Criador. Para o homem primitivo, era esse o propsito da ritualizao, disponibilizar o
ser para estar no Criador, s-lo com toda luz que lhe prpria.
No mago do inconsciente coletivo Jung descobriu
um centro ordenador o SELF (si mesmo). Desse
centro emana inesgotvel fonte de energia. Seu papel
importantssimo na psicologia jungueana. (Nise da
Silveira, 1981, pg. 73).
M. L. Von Franz explica que o Self o centro organizador da psique de onde
emana uma ao reguladora e parece ser uma espcie de ncleo atmico do nosso
sistema psquico. No decorrer dos tempos, os homens, por intuio, estiveram sempre
conscientes desse centro. Os gregos, os egpcios, os romanos acreditavam cada um a seu
modo, que ele estivesse no interior do homem como um gnio inato a orientar o homem
no decorrer da vida. O Self est sempre intimamente ligado natureza sua volta e ao
cosmos, pois est conectado ao mundo inteiro, tanto interior quanto exterior. Todas as
manifestaes superiores da vida esto, de certa maneira, sintonizadas com o contnuo
espao-tempo.
A revelao do Self de uma grandeza que excede de
muito a esfera do consciente, sua escala de expresses
estende-se de uma parte ao infra-humano e de outra
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parte ao super-humano. (Nise da Silveira, 1981, pg.
99).
Nos conceitos de Jung, o Self ao mesmo tempo o centro mais profundo e
tambm a totalidade da psique. Na roda, se marca o centro e para l a coreografia
conduz os passos quando simboliza a busca de luz, de fora, de vitalidade. No centro,
esto o Divino e o Self, numa dialtica entre o ser e o Todo ocupando o mesmo espao,
ao mesmo tempo. Vivenciar esse conceito nas danas, atravs do corpo, mesmo que no
trabalhado pela razo, parece ter o potencial de facilitar a trajetria do ser, minimizar o
peso do caminhar pela vida ou, pelo menos, fornecer o mapa para a sua trajetria. A
DCS prope essa dialtica da existncia: preciso sair de si em direo luz, ser o todo
(ns), quando na roda de mos dadas. Mas o mergulho em si mesmo que conduz luz.
No centro da roda est situada a fonte, a divindade e no centro que se colocam
os objetos simblicos, entre eles os cristais e pedras. M. L. Von Franz nos lembra de
que eles podem muitas vezes significar o Self, principalmente por sua constituio de
preciso matemtica que desperta em ns o sentimento intuitivo de que, mesmo na
matria dita inanimada, existe um princpio de ordenao espiritual em
funcionamento. O cristal simboliza a unio dos opostos a matria e o esprito. E a
pedra simboliza a experincia talvez mais simples e mais profunda, a experincia de
algo eterno que o homem conhece naqueles fugazes instantes em que se sente
inaltervel e imortal, como o xtase da dana.
Na vasta amplitude da psique, a pequena ilha ou os cmodos iluminados so
chamados de rea consciente que, por sua vez, tem como centro o ego. Consciente
tudo o que ns conhecemos e lembramos em nosso campo psquico, sendo ego o seu
centro regulador, tanto quanto o Self o centro regulador de toda a psique. O homem
vem construindo sua conscincia ao longo dos milnios, vagarosamente. Essa evoluo
est longe de ser concluda, pois h grandes reas da mente humana, ainda mergulhadas
em trevas. Os limites da conscincia com o inconsciente pessoal so tnues e
imprecisos. Os sentidos e a percepo do homem que dirigem seu conhecimento, que
permeiam sua experincia. H que se entender tambm que, mesmo adentrando o
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campo da cincia para conhecer e aprender, h um limite de evidncias e de convices
que o conhecimento consciente pode transpor.
A conscincia humana resultado da civilizao, da capacidade de controle,
mas ainda no alcanou um grau razovel de unidade. Ela ainda vulnervel e passvel
de fragmentao, de dissociao ou perda da alma. Uma deciso consciente separa
temporariamente uma parte da nossa psique, o que permite que nos concentremos em
uma coisa de cada vez, excluindo o resto que tambm solicite nossa ateno.
Na rea do consciente desenrolam-se as relaes
entre contedos psquicos e o ego, que o centro do
consciente. Para que qualquer contedo psquico
torne-se consciente ter necessariamente que
relacionar-se com o ego. Os contedos, os processos
psquicos que no entretm relaes com o ego
constituem o domnio imenso do inconsciente. Jung
define o ego como um complexo de elementos
numerosos formando, porm, unidade bastante coesa
para transmitir impresso de continuidade e de
identidade consigo mesma. (Nise da Silveira, 1981,
pg. 71).
A vivncia da DCS implica em estado de alerta da conscincia para o
aprendizado dos passos, o entendimento dos significados da dana, a experincia das
diferenas em comunho, a deteco dos sentimentos aflorados, o uso de funes
cognitivas e corporais. Mas tambm permite a expresso de contedos e emoes
ocultos ao consciente, como j referido anteriormente, devido ao mergulho nos aspectos
ritualsticos que evocam a humanidade em sua histria milenar.
A faculdade de controlar emoes que, de certo ponto
de vista, muito vantajosa seria, por outro lado, uma
qualidade bastante discutvel j que despoja o
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relacionamento humano de toda a sua diversidade, de
todo o colorido e de todo o calor. (Jung, 2008).
Contribuindo para que a unidade da conscincia se mantenha, as emoes e
lembranas mais enfraquecidas, que no conseguem atingir a conscincia, so
armazenadas na regio que Jung denominou inconsciente pessoal.
Refere-se s camadas mais superficiais do
inconsciente, cujas fronteiras com o consciente so
bastante imprecisas. A esto includas as percepes e
impresses subliminares dotadas de carga energtica
insuficiente para atingir o consciente; combinaes de
ideias ainda demasiado fracas e indiferenciadas;
traos de acontecimentos ocorridos durante o curso da
vida e perdidos pela memria consciente; recordaes
penosas de serem relembradas; e, sobretudo, grupos de
representaes carregadas de forte potencial afetivo,
incompatveis com a atitude consciente. Acrescente-se
a soma das qualidades que nos so inerentes porm,
que nos desagradam e que ocultamos de ns prprios,
nosso lado negativo, escuro. Esses diversos elementos,
embora no estejam em conexo com o ego, nem por
isso deixam de ter atuao e de influenciar os
processos conscientes, podendo provocar distrbios
tanto de natureza psquica quanto de natureza
somtica. (Nise da Silveira, 1981, pg. 72).
Na medida em que a experincia da DCS possibilita o relaxamento das tenses,
a expanso da conscincia, o contedo pessoal inconsciente guardado nas suas
fronteiras, ainda fracos para se apresentarem, encontram passagem e se manifestam,
muitas vezes, atravs de fortes emoes, de insights. Esse parece ser o ponto de contato
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com as prprias aprendizagens guardadas, os impulsos de autocura. A roda uma
mandala em movimento, sendo construda, desfeita, reconstruda e modificada com a
energia corporal da criatividade e com a fuso das mos na coletividade. O fluir dessa
energia unificadora da mandala parece abrir portas ou portais, por onde a comunicao
entre consciente e inconsciente se d, minimizando as interferncias do ego.
Alm do inconsciente pessoal, o grande mrito de Jung foi o de dar luz noo
de inconsciente coletivo. Este corresponde s camadas mais profundas do inconsciente,
aos fundamentos estruturais da psique comuns a todos os homens. o grande
denominador comum que nos permite pensar na igualdade entre os homens como uma
verdade tambm mental, alm de anatmica. Ao mesmo tempo, esse substrato se
manifesta de forma absolutamente nica em cada homem, o que nos remete ao conceito
de individualidade, ou unicidade humana, ou individuao.
Do mesmo modo que o corpo humano apresenta uma
anatomia comum, sempre a mesma, apesar de todas as
diferenas raciais, assim tambm a psique possui um
substrato comum. Chamei a este substrato inconsciente
coletivo. Na qualidade de herana comum transcende
todas as diferenas de cultura e de atitudes
conscientes, e no consiste meramente de contedos
capazes de tornarem-se conscientes, mas de
disposies latentes para reaes idnticas. Assim o
inconsciente coletivo simplesmente a expresso
psquica da identidade da estrutura cerebral
independente de todas as diferenas raciais. Deste
modo pode ser explicada a analogia, que vai mesmo
at a identidade, entre vrios temas mticos e smbolos,
e a possibilidade de compreenso entre os homens em
geral. As mltiplas linhas de desenvolvimento psquico
partem de um tronco comum cujas razes se perdem
muito longe num passado remoto. (Jung, apud Nise
da Silveira, 1981, pg. 73).
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A autora acima (Silveira, 1981) infere que, a anlise dos contedos do
inconsciente proposta por Jung, revela que os elementos arcaicos no s permanecem
vivos e atuantes, mas que esto envolvidos num contnuo processo de elaborao
atravs do tempo.
Na DCS, os aspectos comuns da humanidade so expostos exatamente na sua
potencialidade ritualstica, que se refere aos elementos arcaicos que se atualizam a cada
vivncia. uma prtica que permite a expanso da conscincia com a experincia do
sagrado, ampliando o trnsito entre os contedos do inconsciente, principalmente do
inconsciente coletivo.
No inconsciente coletivo, que ficam guardados os aprendizados milenares de
todos os homens e, junto a eles, a necessidade de vivenciar o sagrado como forma de
conexo com o criador. A DCS vivifica e atualiza essa forma de conexo, sem exigir
credo anterior, sem rtulos ou pr-concepes prprias da civilizao atual, apenas
colocando os participantes em igual posio frente fora criadora o centro. Da
mesma forma essa experincia modifica a percepo de espao, e promove a entrada na
dimenso do ritualstico num eterno retorno ao momento da criao, da totalidade
alterando tambm a percepo do tempo. O aspecto numinoso (revelador, mgico), o
sagrado inerente vida do homem parece encontrar a um modo de se fazer sentir. O
sagrado evoca o arqutipo do Self, o ego se recolhe, e o Self se amplia. O potencial da
dana de fazer reduzir espao e tempo ao momento crucial da existncia se confunde
com a beleza de se poder ser o humano por inteiro.
Esse trabalho de ampliar a presena do Self ao ponto de faz-lo identificado com
o ego o processo do homem se tornar inteiro, o processo de individuao. Diz-se
trabalho porque um rduo caminho a ser trilhado e que exige vontade frrea,
disponibilidade de cognio e de emoes em sintonia como propsito. Este percurso
implica aceitao das caractersticas menos apreciadas em si mesmo, na realizao de
todos os potenciais ainda desconhecidos ou adormecidos, ou seja, fazer-se, completar-
se.
Sobre o processo de individuao Nise da Silveira explica:
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o processo de desenvolvimento da psique at
completar-se. No homem o desenvolvimento de suas
potencialidades impulsionado por foras instintivas
inconscientes e tem carter peculiar: o homem capaz
de tomar conscincia desse desenvolvimento e de
influencia-lo. Precisamente no confronto do
inconsciente pelo consciente, no conflito como na
colaborao entre ambos que os diversos
componentes da personalidade amadurecem e unem-se
numa sntese, na realizao de um indivduo especfico
e inteiro. O processo de individuao no consiste num
desenvolvimento linear. movimento de circunvoluo
que conduz a um novo centro psquico. Jung
denominou este centro de SELF (si mesmo). Quando
consciente e inconsciente vm ordenar-se em torno do
Self a personalidade completa-se. O Self ser o centro
da personalidade total, como o ego o centro do
campo do consciente. (Nise da Silveira, 1981, pg.87)
O centro ordenador, ou o centro da conscincia esto representados, de certa
forma, no centro da roda na DCS. ao redor do dentro que toda a movimentao
acontece, e para l se dirigem os passos quando se simboliza a busca de ddivas, de
verdade, de bnos, e at as transformaes. Na roda o centro funciona como o ponto
aglutinador das energias, o lugar onde mora a potncia do cosmo e do homem, do Todo
e do indivduo. O desenvolver da dana simula o processo de busca da completude de
cada um, trazendo para a presena atemporal os contedos no sabidos. E cada um
chamado a lidar com suas dificuldades e facilidades no desenrolar dos passos. Essa
possibilidade de viver a sua busca pessoal no contexto da comunidade coloca em ao o
paradoxo de ser o homem parte do Todo e este viver nas partes, sendo mais do que a