Da tutela jurisdicional de áreas protegidas - APA de Algodoal-Maiandeua

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DA TUTELA JURISDICONAL DE ÁREAS PROTEGIDAS A IMPLANTAÇÃO DA APA DE ALGODOAL-MAIANDEUA POR MEIO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA 1 Marcelo Silva da Costa 2 Evandro Silva Barros 3 José Manfroi 4 RESUMO: Este trabalho tem a intenção de fazer uma análise a respeito da eficácia da ação civil pública como instrumento jurídico-processual apto à tutela de áreas protegidas (espaços territoriais especialmente protegidos), tendo como pressuposto básico a relação indissociável que a efetiva implantação e gestão ambiental de unidades de conservação guardam com o princípio da participação popular, este enquanto norma garantidora da realização concreta do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF 225, caput). As fontes de pesquisa, basicamente as obras e a legislação listadas nas referências, propiciaram, pelo menos em parte, respostas às indagações básicas deste trabalho, fazendo-se necessária, contudo, a construção de um raciocínio baseado em premissas e conclusões, sob o referencial das atuais concepções da matéria abordada, para que tivéssemos respostas à hipótese formulada, deduzida, que se revelou, enfim, como verdadeira. PALAVRAS-CHAVE: 1. Princípio democrático. 2. Participação popular; 3. Tutela ambiental; 4. Ação civil pública; 5. Unidades de conservação. 6. Área de Proteção Ambiental (APA) de Algodoal- Maiandeua. _______________________ INTRODUÇÃO A Constituição de 1988 assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbindo o Poder Público e à coletividade o dever de conservá-lo, protegê-lo e 1 Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu à distância em Direito Público, pelo convênio UCDB/CPC Marcato. Belém-PA, 2008. 2 Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia – UNAMA de Belém. Advogado. Diretor Geral da Associação Pró-Ilha de Algodoal-Maiandeua (ONG SUATÁ). Pós-graduando em Direito Público pela UCDB/CPC Marcato (lato sensu). Endereço postal eletrônico: [email protected]. 3 Graduado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco, UCDB, Campo Grande-MS, Brasil. Pós- Graduado lato sensu em Direito Constitucional pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, UNIDERP, Campo Grande-MS, Brasil. Mestre em Direito - Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, Universidade de Marília, UNIMAR, Marília-SP, Brasil. Orientador do Trabalho de Conclusão do Curso de pós-graduação lato sensu da UCDB/CPC Marcato. Endereço postal eletrônico: [email protected] . 4 Graduado em Filosofia (FUCMT/MS), Mestre em Educação (UFMS) e Doutor em Educação (UNESP/Marília/ SP). Orientador do Trabalho de Conclusão do Curso de pós-graduação lato sensu da UCDB/ CPC Marcato. Endereço postal eletrônico: [email protected].

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DA TUTELA JURISDICONAL DE ÁREAS PROTEGIDAS

A IMPLANTAÇÃO DA APA DE ALGODOAL-MAIANDEUA POR MEIO DE

AÇÃO CIVIL PÚBLICA1

Marcelo Silva da Costa2

Evandro Silva Barros3

José Manfroi4

RESUMO: Este trabalho tem a intenção de fazer uma análise a respeito da eficácia da ação civil pública como instrumento jurídico-processual apto à tutela de áreas protegidas (espaços territoriais especialmente protegidos), tendo como pressuposto básico a relação indissociável que a efetiva implantação e gestão ambiental de unidades de conservação guardam com o princípio da participação popular, este enquanto norma garantidora da realização concreta do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF 225, caput). As fontes de pesquisa, basicamente as obras e a legislação listadas nas referências, propiciaram, pelo menos em parte, respostas às indagações básicas deste trabalho, fazendo-se necessária, contudo, a construção de um raciocínio baseado em premissas e conclusões, sob o referencial das atuais concepções da matéria abordada, para que tivéssemos respostas à hipótese formulada, deduzida, que se revelou, enfim, como verdadeira.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Princípio democrático. 2. Participação popular; 3. Tutela ambiental; 4. Ação civil pública; 5. Unidades de conservação. 6. Área de Proteção Ambiental (APA) de Algodoal-Maiandeua.

_______________________

INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, incumbindo o Poder Público e à coletividade o dever de conservá-lo, protegê-lo e

1 Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu à distância em Direito Público, pelo convênio UCDB/CPC Marcato. Belém-PA, 2008.2 Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia – UNAMA de Belém. Advogado. Diretor Geral da Associação Pró-Ilha de Algodoal-Maiandeua (ONG SUATÁ). Pós-graduando em Direito Público pela UCDB/CPC Marcato (lato sensu). Endereço postal eletrônico: [email protected] Graduado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco, UCDB, Campo Grande-MS, Brasil. Pós-Graduado lato sensu em Direito Constitucional pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, UNIDERP, Campo Grande-MS, Brasil. Mestre em Direito - Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, Universidade de Marília, UNIMAR, Marília-SP, Brasil. Orientador do Trabalho de Conclusão do Curso de pós-graduação lato sensu da UCDB/CPC Marcato. Endereço postal eletrônico: [email protected] Graduado em Filosofia (FUCMT/MS), Mestre em Educação (UFMS) e Doutor em Educação (UNESP/Marília/SP). Orientador do Trabalho de Conclusão do Curso de pós-graduação lato sensu da UCDB/

CPC Marcato. Endereço postal eletrônico: [email protected].

preservá-lo. Visando dar garantias à efetividade desse direito, previu a definição de espaços

territoriais especialmente protegidos, como um dos instrumentos da política nacional de meio

ambiente.

Muito embora a nova ordem constitucional tenha promovido a ampliação do

acesso à justiça e o significativo alargamento do objeto da ação civil pública, tornando-a apta

a toda e qualquer tutela jurisdicional necessária à defesa dos ecossistemas, esse instrumento

jurídico-processual ainda é pouco utilizado pela sociedade. Por sua vez, lamentavelmente não

faz parte da cultura da grande maioria dos nossos agentes públicos, o diálogo com a

população na busca de soluções para os problemas sócio-ambientais, um verdadeiro

menoscabo ao conhecimento empírico.

Nesse contexto, a ação civil pública revela-se como o instrumento judicial que

melhor representa a democratização do processo, mormente no que tange à tutela jurisdicional

do meio ambiente, pois tem como um de seus principais fundamentos o princípio da

participação, pressuposto indissociável do estado democrático de direito, que se revela como

postulado constitucional fundamental do direito ambiental.

O objetivo geral deste trabalho é fazer uma análise dos principais aspectos da ação

civil pública, como medida judicial eficaz à tutela das áreas protegidas, inafastável dos

princípios do direito ambiental, em particular o da participação popular. Como objetivo

específico, o presente artigo tem como proposição a análise dos resultados obtidos com a ação

civil pública movida pela ONG Suatá que, com base nos princípios e postulados

constitucionais fundamentais relacionados ao meio ambiente, tem por escopo a efetiva tutela

jurisdicional da Área de Proteção Ambiental (APA) de Algodoal-Maiandeua, compreendida

como um espaço territorial especialmente protegido.

1. O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO COMO PRESSUPOSTO DO DIREITO

AMBIENTAL

O direito ambiental tem sua gênese nos movimentos reivindicatórios que se

replicaram por todo o planeta. Os resultados mais expressivos das conquistas advindas dessas

lutas foram: a elaboração de importantíssimos documentos que servem como diretrizes

norteadoras das políticas públicas em escala global; e a assinatura de diversos atos-

compromissos internacionais entre boa parte das nações do mundo.

2

Da histórica Declaração de Estocolmo (1972),5 que deu nova dimensão ao direito

fundamental à vida, passando pela não menos importante Declaração sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (CNUCED), realizada em junho de 1992, no Rio de Janeiro, o princípio

democrático vem experimentando um notável avanço após ter sido erigido à categoria dos

temas prioritários nos debates internacionais que envolvem a problemática ambiental. Neste

encontro, também conhecido como Rio-92 ou Eco-92, ficou assente que a melhor maneira de

tratar as questões ambientais seria assegurar a participação de todos os cidadãos interessados

(Princípio 10).6

Já no V Congresso Mundial de Áreas Protegidas, organizado pela União

Internacional pela Conservação da Natureza (UICN), realizado entre os dias 8 e 17 de

setembro de 2003, em Durban, na África do Sul, foi produzido outro importante texto, o

Acordo de Durban, onde foram elaboradas 32 recomendações. Um dos pontos reforçados pela

mensagem consiste na necessidade de promover a participação das comunidades locais e

assegurar que elas tenham benefícios com as áreas protegidas.

1.1. CONTEXTO NACIONAL.

Em nosso sistema constitucional o princípio da participação se manifesta de

diversas formas. Dentre elas, o dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente (CF,

Art. 225, caput), o direito de influir nas políticas públicas, por meio das audiências públicas,

consultas públicas, da participação em órgãos etc. Nesse passo, também estão previstas

hipóteses de utilização dos instrumentos jurídicos e administrativos de tutela do meio

ambiente à disposição dos cidadãos, como a ação civil pública, a ação popular e outros meios.

Cabe, ainda, lembrar da possibilidade do exercício da iniciativa popular, do plebiscito e do

referendo (CF, Art. 14, I e II), assim como outros meios legítimos de participação popular7.

Dos princípios do direito ambiental em sentido estrito, merecem destaque o

princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa

5 Declaração da Conferência da ONU sobre Ambiente Humano.6 “O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluí da a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e recursos pertinentes.”. Princípio 10 da Delaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente. Jun. 1992. 7 ANTUNES, Paulo Bessa. Direito ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 31 e 32.

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humana, o da natureza pública da proteção ambiental e o da participação comunitária,8

constantes do caput do Art. 225, da Constituição de 1988.

José Afonso da Silva afirma ser um novo direito fundamental, sendo reconhecido

pela Declaração do Meio Ambiente, cujos 26 princípios constituem um prolongamento da

Declaração Universal dos Direitos Humanos.9 De fato, não há como negar tal assertiva,

obviamente por ser o meio ambiente saudável imprescindível à preservação, à conservação, à

manutenção e à melhoria da qualidade de vida.

Para Paulo Bessa Antunes, apud Flávia Loures10, o princípio democrático inerente

ao estado democrático de direito é aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de

participar na elaboração das políticas públicas ambientais.11

O princípio da participação comunitária requer especial ênfase à cooperação entre

Poder Público e sociedade, por meio do envolvimento dos cidadãos de diferentes grupos

sociais, na formulação e execução das políticas públicas que busquem a resolução dos

problemas do ambiente.12

No mesmo diapasão, Marcelo Abelha Rodrigues, apud Loures,13 expõe que:

O princípio da participação constitui um dos postulados fundamentais do Direito Ambiental. Embora ainda pouco difundido em nosso país, a verdade é que tal postulado se apresenta na atualidade como sendo uma das principais armas, senão a mais eficiente e promissora, na luta por um ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, é um princípio cujas diretrizes atuam esperando um resultado a longo prazo, porém com a vantagem inescondível de atacarem as bases dos problemas ambientais: a consciência ambiental. Isso faz desse postulado algo extremamente sólido e com perspectivas altamente promissoras em relação ao meio ambiente.Porquanto constitua um dos princípios do Direito Ambiental, a participação tem as suas raízes na sociologia política e reflete, resumidamente, a idéia de atuação da sociedade civil, que adota comportamentos queridos pelo legislador, cumprindo-os espontaneamente e exigindo a atuação sobre as decisões políticas do Estado (democracia), de modo a fazer com que o Poder Público assuma uma postura ética, social e comprometida com os valores e as funções que deve respeitar e realizar.[...]Isso representa dizer que cada um de nós deve fazer a sua parte em relação aos bens e valores ambientais, e mais do que isso, exigir que todos façam a sua parte. Esse último matiz é que dá o colorido do princípio da participação ambiental, na exata medida em que, vivendo-se em um Estado Democrático de Direito, sob os princípios e objetivos referidos anteriormente, o que se

8 MENDES; COELHO; e BRANCO. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1305.9 SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pg. 58.10 LOURES, Flávia Tavares Rocha. A implementação do direito à informação ambiental. In: Milaré advogados: consultoria em meio ambiente. São Paulo.11 BRASIL. CF (1988). Art. 1°, Parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.12 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 5. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 776.13 Op. cit.

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espera da sociedade é justamente uma tomada de posição, altiva, altruísta, ética e participativa, mormente quando estamos diante de valores sagrados e essenciais à preservação da vida. 14

Com vistas à concretização do princípio democrático, a Constituição Federal

passou a tratar o direito à informação como garantia fundamental (CF, Art. 5°, XIV). Ao

relacioná-lo ao direito ambiental, Paulo Bessa Antunes, apud Loures15, ensina que:

“o Direito Ambiental é um direito que tem uma das vertentes de sua origem nos movimentos reivindicatórios dos cidadãos e, como tal, é essencialmente democrático. O princípio democrático materializa-se através dos direitos à informação e à participação” e “é aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração das políticas públicas ambientais.” 16

Milaré (2007, p. 188), referindo-se ao direito à informação, ressalta que este:

surge como significativa conquista da cidadania para a participação ativa na defesa de nosso rico patrimônio ambiental. Aliás, o direito à informação é um dos postulados básicos do regime democrático, essencial ao processo de participação da comunidade no debate e nas deliberações de assuntos de seu interesse direto. [...] De fato, o cidadão bem informado dispõe de valiosa ferramenta de controle social do Poder. Isto porque, ao se deparar com a informação e compreender o real significado da Questão Ambiental, o ser humano é resgatado de sua condição de alienação e passividade. E, assim, conquista sua cidadania, tornando-se apto para envolver-se ativamente na condução de processos decisórios que hão de decidir o futuro da humanidade sobre a Terra.

Seguindo os mesmos preceitos ditados pela Carta de 1988, diversos diplomas

infra-constitucionais de âmbito nacional17 e estadual18 incluíram em seus textos vasto arsenal

de mecanismos destinados à garantia da participação popular no trato das questões

ambientais.

14 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de Direito Ambiental. v. 1 (Parte Geral). São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 255 e 256.15 Op. cit.16 Op. cit, p. 31 e 32.17 BRASIL. Lei n° 6.938/81. Política Nacional de Meio Ambiente (Art. 2°, caput, e inciso X); Lei n° 9.795/99. Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Art. 5°, IV; Art. 8°, § 3°, III; Art. 13, caput, e incisos I e III); Lei n° 9.985/2000. SNUC (Art. 5°, III; Art. 22, §§ 2°, 3°, 5° e 6°; Art. 27, § 2°; Art. 42, § 2°; e, Art. 57, Parágrafo único); Decreto n° 4.340/2002. Regulamento da Lei do SNUC (Art. 19, II).18 PARÁ (Estado). Lei n° 5.877, de 21 de dezembro de 1994. Dispõe sobre a participação popular nas decisões relacionadas ao meio ambiente, e dá outras providências.

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2. A DEFINIÇÃO DE ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE

PROTEGIDOS COMO INSTRUMENTO JURÍDICO DA POLÍTICA NACIONAL DE

MEIO AMBIENTE

A delimitação de áreas com objetivos de preservação de determinados atributos

naturais não é uma prática recente. Registros históricos dão conta de que, em princípio, elas

eram criadas por razões diversas das ambientais, como, por exemplo, para a manutenção das

áreas de caça da realeza. Desta etapa, de concepção intrinsecamente elitista e/ou utilitarista,

evoluiu-se para o atendimento de outras finalidades, como a proteção de recursos hídricos, o

manejo de recursos naturais, a pesquisa científica, a preservação de recursos genéticos etc.

Atualmente, estes espaços são destinados, em geral, para a estruturação da preservação da

biodiversidade como um todo (MILARÉ, 2007, p. 157-159).

Um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente é a definição de

espaços territoriais especialmente protegidos19, que são definidos como áreas submetidas a um

regime próprio de administração, tendo por objetivo precípuo a proteção dos atributos

ambientais justificadores de seu reconhecimento e a individualização pelo Poder Público. As

unidades de conservação são espécies deste gênero.

Para Silva (2002, p. 53), “definir espaços territoriais e seus componentes em si

significa estabelecer a delimitação da área ecologicamente relevante, onde o uso do

patrimônio ali inserido ficará condicionado às disposições constantes de lei.”

A existência de finalidades específicas de conservação deu azo à criação de

diversas categorias de manejo, onde cada modalidade de área protegida, ou seja, de unidade

de conservação, realça, em maior ou menor intensidade, um ou vários dos objetivos previstos

na lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)20.

No Brasil elas estão divididas em dois grandes grupos: o das Unidades de Proteção Integral,

destinadas à preservação da natureza, limitando-a, o quanto possível, da interferência humana;

e o das Unidades de Uso Sustentável, que visam compatibilizar a conservação da natureza,

com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais.21

19 BRASIL. CF (1988). Art. 225, § 1°, VII; e Art. 9°, VI, da Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.20 BRASIL. Lei n° 9.985/2000. Regulamenta o Art. 225, § 1°, incisos I, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.21 Idem, Art. 7°, I e II.

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Foi com a edição do Decreto 99.274/199022 que, pela primeira vez, receberam o

tratamento de unidades de conservação (Art. 1°, II), estando, atualmente, disciplinadas na Lei

do SNUC. Esta lei, por sua vez, sofreu regulamentação do Decreto 4.340/200223.

Para criar uma unidade de conservação, não é necessário lei em sentido estrito,

bastando, para isso, que o Poder Público edite um decreto, por exemplo. Uma vez criada,

impõe-se ao ente estatal responsável pela criação da área protegida o dever de dar efetividade

à sua implantação e à sua gestão. Diversamente, para alterar ou suprimir unidade de

conservação, deve-se observar o princípio da reserva legal, casos em que se fará necessário o

uso de lei em sentido formal.24 Ressalte-se que em qualquer destas hipóteses é imprescindível

a participação efetiva das populações locais nos processos de criação, implantação e gestão de

unidades de conservação.

2.1. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA).

A APA surgiu pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro com a edição

da Lei 6.902/1981.25 Editada posteriormente, a lei que dispõe sobre a Política Nacional de

Meio Ambiente limitou-se apenas a fazer uma menção às áreas de proteção ambiental.

Atualmente, seu regramento específico encontra-se na Lei do SNUC26 que, por sua vez, sofreu

regulamentação dos Decretos 99.274/199027 e 4.340/2002, e da Resolução CONAMA 010,

14.12.1988.28

Sem olvidar-se de seu conceito legal, a APA é constituída tanto por terras

públicas, quanto por terras privadas; deve possuir um Conselho Gestor (consultivo ou

deliberativo), que será presidido pelo órgão responsável por sua administração, e constituído

por representantes do poder público, das organizações da sociedade civil e das populações

residentes.29 É considerada a categoria mais comum em todo o território brasileiro.

22 BRASIL. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências.23 BRASIL. Dec. n° 4.340/2002. Regulamenta artigos da Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000.24 BRASIL. CF (1988). Art. 225, § 1°, III; e Art. 22, § 7°, da Lei do SNUC.25 BRASIL. Dispõe sobre a criação de Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental e dá outras providências.26 BRASIL. Lei n° 9.985/2000. Art. 15.27 BRASIL. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências.28 BRASIIL. Todas as resoluções CONAMA estão disponíveis na página do Ministério do Meio Ambiente na internet: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res93/res1093.html.29 BRASIL. Lei n° 9.985/2000. Art. 15, § 5°.

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2.2. O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO NAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO.

Como corolário do mandado constitucional que incumbiu o Poder Público e a

coletividade da tutela e da vigilância do meio ambiente, exsurgem as principais diretrizes do

SNUC (Art. 5°, III e VIII), no que tange à participação das comunidades nas questões

relativas ao meio ambiente, em particular na criação, na implantação e na gestão de unidades

de conservação.

Do cotejo entre a melhor doutrina e o ordenamento jurídico brasileiros é correto

afirmar que é dever do Poder Público assegurar os mecanismos e procedimentos necessários

ao amplo envolvimento da sociedade em todos os processos decisórios relacionados ao meio

ambiente. Todavia, é premente que a sociedade civil organizada e os movimentos sociais

despertem e exerçam de uma vez por todas o seu papel fundamental nesse processo

(MILARÉ, 2007, p. 657), utilizando dos instrumentos legais colocados à sua disposição,

como a ação civil pública, que a seguir será examinada.

3. DA EFICÁCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA TUTELA

JURISDICIONAL DO MEIO AMBIENTE

Essa espécie de ação, de natureza civil, surgiu na vanguarda do ordenamento

jurídico brasileiro com a edição da lei que dispôs sobre a organização do Ministério Público

dos Estados.30 Igualmente, a ação civil pública ambiental teve sua previsão com o advento da

lei que lançou as bases da Política Nacional de Meio Ambiente, que visa reprimir ou impedir

danos ao meio ambiente, considerando-se o impacto ambiental como a degradação provocada

em qualquer dos elementos que compõem da natureza — terra, água, ar, flora e fauna,31 muito

embora o tenha feito com caráter eminentemente material.

Todavia, somente com a égide da Lei da Ação Civil Pública (LACP)32 é que

foram fornecidos os contornos necessários a esse singular instrumento jurídico-processual de

responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, dotando-se a sociedade de um

mecanismo robusto e verdadeiramente efetivo de participação na tutela do meio ambiente.

Ao longo dos anos, sucessivas alterações em seu texto proporcionaram um

considerável alargamento do seu campo de incidência. Atualmente, o seu objeto abrange um

30 BRASIL. Lei Complementar Federal n° 40, de 14.12.1981. Art. 3°, III.31 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 159.32 BRASIL. Lei n° 7.347/85. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Art. 1°, inciso I.

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espectro bem maior de interesses e valores de relevância social a serem protegidos, como os

direitos relacionados aos portadores de deficiência física,33 aos investidores no mercado de

valores mobiliários,34 aos consumidores,35 à economia popular,36 à criança e adolescente,37 à

ordem urbanística38 e ao idoso.39

3.1. ASPECTOS RELEVANTES.

Com a ampliação do acesso à justiça, capitaneada pela Constituição de 1988, o

direito de ação anteriormente previsto40 deixou de ter caráter apenas de direito subjetivo, para

ganhar a amplitude devida, de instrumento cada vez mais confiável e eficaz à tutela de

interesses metaindividuais (CF, Art. 5°, XXXV). Hoje, portanto, onde haja violação ou

ameaça a direito difuso, é cabível, em tese, o manejo da ação civil pública.

Muito embora a Constituição tenha estabelecido como uma das funções

institucionais do Ministério Público (CF, Art. 129, III), a propositura da ação civil pública

também foi conferida às pessoas jurídicas estatais, autárquicas, fundacionais e paraestatais e

às associações civis legalmente constituídas, mediante a verificação do requisito da

representatividade da entidade, auferidas sob o atendimento de determinadas condições

(LACP, Art. 5°), que poderão ser flexibilizadas pelo magistrado na apreciação de cada caso

concreto (Art. 5°, § 4º, LACP). Mais recentemente, a Defensoria Pública também passou a

integrar o rol dos legitimados. 41

Importantíssima mudança deveu-se ao Código de Defesa do Consumidor (Art. 82,

III), ao reconhecer legitimidade aos entes despersonalizados para a propositura da ação civil

pública, dispositivo que é perfeitamente aplicável à LACP (Art. 21). Com isso, as secretarias

de meio ambiente, embora sem personalidade jurídica, tornaram-se aptas a ingressar em juízo

em defesa do meio ambiente.

33 BRASIL. Lei n° 7.853/89. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.34 BRASIL. Lei n° 7.913/89. Dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários.35 BRASIL. Lei n° 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor (CDC). Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.36 BRASIL. MPs 1.820/1999 e 1.984/2000.37 BRASIL. Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).38 BRASIL. Lei n° 10.257/01. Estatuto da Cidade.39 BRASIL. Lei n° 10.741/2003. Estatuto do Idoso.40 BRASIL. Art. 153, § 4°, da Constituição de 1969.41 BRASIL. Lei n° 11.448/2007. Altera o Art. 5° da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública, legitimando para sua propositura a Defensoria Pública.

9

A competência de foro para o processamento e julgamento da ação ambiental está

disciplinada tanto na LACP (Art. 5°, § 4º), quanto no CDC (Art. 93, I), que estabelecem como

sendo da jurisdição do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Logo, como regra geral,

trata-se de competência territorial formal, que é absoluta e improrrogável. Todavia, outros

dispositivos devem ser observados em conjunto com estes, quando da aplicação ao caso

concreto.42

Cumpre observar, ainda, a competência de jurisdição, prevista no Art. 109, da

Constituição da República, pois, segundo entendimento unânime do STF43, que acatou o

posicionamento doutrinário de Hely Lopes Meirelles, é da Justiça Federal a competência para

processar e julgar todas as ações civis públicas em que forem partes a União, suas autarquias

ou empresas públicas, mesmo que não haja Vara Federal no local do dano. Esse

importantíssimo julgado foi responsável pelo cancelamento da Súmula 183 do STJ. 44

Ainda, segundo a LACP (Art. 19), à míngua de regramento próprio, aplica-se o

CPC à ação civil pública, naquilo que não contrarie suas disposições. Uma vez admitida a

aplicação subsidiária do CPC à LACP, é perfeitamente possível o manejo daquilo que a

doutrina denominou de tutela jurisdicional diferenciada ou especial, eis que de nada adiantaria

o reconhecimento de direitos fundamentais sem que os meios de obtenção da tutela pretendida

estivessem adequados às diversas situações materiais possíveis.

A tutela jurisdicional tem como fundamento o princípio do devido processo legal,

do qual são corolários os princípios da efetividade, o da adequação e o da adaptabilidade. Tais

princípios são corroborados, ainda, pela garantia da inafastabilidade do acesso à uma ordem

jurídica justa, intimamente ligada a uma prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz.

Cândido Rangel Dinamarco, apud Fredie Didier Jr. 45, ao referi-se à efetividade,

neste identifica a materialização do princípio democrático, asseverando que:

a efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer com meio de educação geral para o exercício e o respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade.

Em razão da natureza do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e

da situação de urgência em que o mesmo pode se apresentar é cabível a utilização da tutela

antecipada genérica (CPC, Art. 273) e da tutela antecipada específica (CPC, Arts. 461 e 461-

42 BRASIL. CDC. Art. 93, I e II; CPC. Art. 219; Resolução CONAMA 237/1997. Art. 1°, IV.43 RE n. 228.955-9-RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 14.4.2000, p. 56. Apud , Meirelles, Op. cit., p. 171.44 EDclCComp n. 27.676-BA, Rel. Min. José Delgado, DJU 5.3.2001, p. 118. Apud Meirelles, Op. cit., p. 171.45 JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: Podivm, vol. 1, 2008, p. 41.

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A), inclusive, segundo Leonardo José Carneiro da Cunha46, aplicável contra a Fazenda

Pública.

Ao se perquirir sobre qual dessas medidas deve ser requerida em determinada

situação, este autor assevera que “O sistema processual pátrio cuidou de unificar os

provimentos de urgência, confinando-os numa ordem única.”,47 ou seja, à tutela antecipada, à

medida cautelar e à ação cautelar aplicam-se o princípio da fungibilidade (CPC, Art. 273, §

7°). Portanto, todas estão sujeitas a uma mesma regra, inclusive no que tange às vedações

previstas em lei.48

Nunca é demais salientar que, em caso de descumprimento de quaisquer

determinações judiciais, poderão ser aplicadas as multas previstas no Parágrafo único do Art.

14, e no Art. 461, § 5°, do CPC, que funcionam como medidas sancionatórias e coercitivas.

4. DA EFICÁCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA TUTELA

JURISDICIONAL DA APA DE ALGODOAL-MAIANDEUA

Feitas as considerações necessárias à compreensão do tema proposto, passemos à

análise dos resultados obtidos com a ação civil pública movida pela organização não-

governamental (ONG) Suatá (Associação Pró-Ilha de Algodoal-Maiandeua).

Justifica-se o reconhecimento APA de Algodoal-Maiandeua, localizada no

município de Maracanã, no litoral nordeste do Estado do Pará, como área protegida, pela

necessidade de preservação do ecossistema peculiar que ali se encontra, posto ser formada por

extensas áreas de manguezais, dunas, apicuns, vegetação de praia, áreas de floresta, restingas

com vegetação características, rica e diversificada faunas silvestre e aquática, sítios

arqueológicos etc.49, ter uma de suas praias entre as 10 mais belas do Brasil (a Praia da

Princesa), segundo o Guia Quatro Rodas. Além das paisagens naturais, Maiandeua é berço do

ritmo musical amazônico denominado carimbó, uma das maiores expressões culturais do

povo paraense. Recentemente foi considerada um dos roteiros turísticos mais procurados do

Estado do Pará e incluída no Guia Internacional Michelin, por ser um dos destinos

“alternativos” prediletos dos turistas franceses.

46 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2007, p. 218-222.47 Idem, p. 226.48 BRASIL. Lei n° 8.437/1992 e Lei n° 9.494/1997, que respectivamente dispõem sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências e disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências.49 Entrevista, engenheiro ambiental Crisomar Lobato, www.algodoal.com.br.

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Em que pese suas características naturais peculiares, indicativas da fragilidade de

seu bioma, onde mais de 80% do total de seu território é considerado por lei como de

preservação permanente, há anos esse ecossistema vem sofrendo acelerado processo de

degradação, tendo como causa principal a omissão do Poder Público, especialmente nas duas

últimas décadas, em virtude da exploração de um turismo desordenado, predatório e

excludente. E como ocorre na maioria das unidades de conservação criadas pelo Poder

Público no Brasil, sua efetiva implantação, lamentavelmente, ainda não ocorreu, mesmo tendo

sido declarada como área protegida há quase 18 anos. Mas a concretização dessa meta vem

sendo impulsionada pela luta da sociedade civil organizada, que moveu uma ação judicial em

defesa de seu meio ambiente.

Helena Dóris, autora da tese de mestrado denominada “O Desencanto da

Princesa”,50 pondera que por falta de políticas públicas para o setor do turismo, este ainda é

praticado de forma desordenada, excludente e predatória,51 causando graves problemas de

ordem social, econômica e ambiental, como ocupações irregulares em áreas de preservação

permanente, falta de coleta de lixo, aliada à sua disposição e destinação inadequada,

desmatamentos, principalmente em áreas de maguezais, caça e pesca predatória. Enfim, toda

sorte de problemas ambientais que a maioria das unidades de conservação enfrentam ou

poderão vir a enfrentar por causa da ausência do Poder Público.

Diante de todo esse descaso, a ONG Suatá,52 entidade sem fins econômicos, com

finalidades sócio-ambientais, moveu uma Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada

em face das três esferas do Poder Público. Ao acatar o requerimento, a Justiça determinou ao

Município de Maracanã que, no prazo de 30 (trinta) dias, promovesse a retirada dos resíduos

sólidos lançados na área, dando-lhes destino adequado, bem como adotasse medidas

destinadas a evitar que particulares lançassem lixo no local; ao Estado do Pará que, no prazo

de 30 (trinta) dias, desse início à execução do plano de manejo e criasse o Conselho Gestor da

APA; e, à União, em igual prazo, que desse andamento ao processo de regularização fundiária

e adotasse providências tendentes ao monitoramento periódico na área, fixando multa para a

hipótese de descumprimento por qualquer dos réus, devendo, ainda, os mesmos trazerem aos

autos comprovação das providências adotadas.53

50 QUARESMA, Helena Dóris Barbosa. O desencanto da Princesa. Belém: Ed. NAEA/UFPA, 2004.51 Idem. In: Congresso Brasileiro de Turismo 2003. Turismo e Responsabilidade Social. In: Turismo em Fortalezinha: trilhando caminhos para a responsabilidade social. Recife/PE: Roca, 2003, p. 683-695.52 Endereço eletrônico da Associação Pró-Ilha de Algodoal-Maiandeua. Disponível em: http://suata.algodoal.com/53 PARÁ (Estado). Decisão publicada no DOE n° 30.663, de 17.4.2006.

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Dessa decisão, o Estado do Pará é o único ente que está dando cumprimento ao

que foi determinado. Em 2006, instalou o Conselho Gestor da APA54 e, no ano seguinte,

iniciou oficialmente os trabalhos de elaboração do Plano de Manejo;55 a União Federal

limitou-se apenas em autuar moradores e comerciantes que ocupam de forma irregular os

terrenos de marinha e ainda não adotou as medidas tendentes ao monitoramento da área; e o

Município de Maracanã não adota medidas destinadas a evitar que novos depósitos irregulares

de lixo surgissem, muito menos dá destino e tratamento adequados ao mesmo.

Recentemente, em importante decisão, a Justiça conferiu à entidade autora da ação

o direito de indicar, e comum acordo com o Estado do Pará, um profissional com

conhecimentos no assunto, para funcionar como auxiliar da justiça, e fazer cumprir as

decisões impostas àquela municipalidade.56

Em relação ao Conselho Gestor, como instrumento da participação popular apto a

influir nas políticas públicas relacionadas às questões ambientais da APA, devemos ressaltar

que, embora sua atuação venha se fortalecendo a cada dia, boa parte de seus membros são

moradores locais e necessitam receber das instituições envolvidas a devida capacitação para

que melhor desempenhem esse mister, que é considerado como serviço de relevância para a

sociedade. Algumas demandas, como a que culminou com a proibição da circulação de

veículos automotores no interior da unidade de conservação57, demonstram certo grau

amadurecimento e autodeterminação dessas populações em relação ao enfrentamento dos

problemas ambientais da APA, mas muitas delas ainda precisam ser discutidas, deliberadas e

efetivamente executadas pelo Poder Público. Enfim, é preciso que sejam estabelecidos

objetivos, metas e indicadores de avaliação, para que esse órgão deliberativo e a respectiva

unidade de conservação alcancem os objetivos institucionais para que foram criados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A definição de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público é

um dos mais importantes instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente. Assegurar os

meios de ampla participação popular em todas as suas etapas, desde a criação até a gestão das

unidades de conservação, demonstra-se premente nesse processo, pois somente com

obediência a este postulado fundamental do Direito Ambiental, ou seja, ao exercício efetivo 54 PARÁ (Estado). Portaria n° 291/2006-GAB/SECTAM, publicada no DOE n° 30.698, de 07.06.2006.55 PARÁ (Estado). Portaria n° 146/2007-GAB/SECTAM/2006, publicada no DOE n° 30.888, de 21.03.2007.56 PARÁ (Estado). Decisão publicada no e-DJF1 n° 069, de 24.07.2008.57 PARÁ (Estado). Instrução Normativa n° 004/2007-GAB-SECTAM, publicada no DOE n° 30.940, de 05/06/2007.

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da cidadania é que se poderá conferir legitimidade, transparência e segurança aos processos

decisórios para que as unidades de conservação sejam efetivamente implantadas e cumpram

as suas funções sócio-ambientais. O Conselho Gestor da APA é um dos mais adequados

meios de se dar garantias à ampla participação dos cidadãos na definição e na execução das

políticas para esse seguimento, colaborando e fiscalizando a Administração Pública.

Quanto à análise da eficácia da ação civil pública na tutela ambiental de unidades

de conservação, muito embora ainda seja um instrumento em fase de aperfeiçoamento, não há

dúvida de que seja um poderoso mecanismo da participação popular, como podemos observar

com a decisão proferida nos autos de uma ação civil pública analisada, que obrigou o Poder

Público a dar início à implementação da APA de Algodoal-Maiandeua, após quase vinte anos

de sua criação.Contudo, em face do descumprimento da decisão por parte da União Federal e

do Município de Maracanã, a tutela judicial lamentavelmente ainda não se mostrou totalmente

eficaz, pois a letargia do poder público ainda persiste, sendo a principal causa do avanço da

degradação daquela unidade de conservação.

Mas, em decisão judicial de 24.07.2008, com fundamento no poder geral de

cautela, a Justiça resolveu adotar uma tutela diferenciada específica (CPC 461), conferindo à

autora da ação (ONG Suatá), em comum acordo com o Estado do Pará, o direito de indicar

um profissional que funcionará como auxiliar da justiça, no intuito de dar efetividade à ordem

exarada contra o Município de Maracanã, decisão esta digna de aplausos por prestigiar o

postulado fundamental da participação popular.

Mesmo sendo um dos principais instrumentos na luta pela tutela jurisdicional do

meio ambiente, a ação civil pública ainda é pouco utilizada pelas associações, em que tudo

indica pela falta de assessoria jurídica adequada e dos custos do acompanhamento processual,

mesmo não havendo custas judiciais. No caso em questão, há necessidade de deslocamento

constante à comarca diversa da sede da entidade e da extração de fotocópias de um enorme

volume de páginas.

Sem olvidar dos avanços promovidos por diversas leis, a tutela coletiva por meio

da LACP ainda carece de uma sistematização mais condizente com a relevância dos interesses

sociais que visa proteger. O que ansiosamente se espera é a aprovação do anteprojeto do

Código Brasileiro de Processos Coletivos, do qual sugere-se um o estudo mais atento e

aprofundado.

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