CULTURA TOLTECA E CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA - O Sonho do Planeta

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CULTURA TOLTECA E CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA O Sonho do Planeta Valdenir Benedetti “...a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas heis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá...” (Chico Buarque – Roda Viva) Nascido em uma família de raízes indígenas, no interior do México, Don Miguel Ruiz cresceu em contato íntimo com a tradição tolteca, mantida viva por sua mãe curandeira e por seu avô, que era um nagual (xamã). Don Miguel Ruiz foi educado para ser também um nagual, mas o contato com a vida moderna acabou levando- o a estudar medicina e a tornar-se cirurgião e professor de cirurgia. Uma profunda crise pessoal reaproximou-o de suas origens e fez com que se dedicasse intensamente durante vários anos ao estudo da tradicional sabedoria tolteca. O trabalho de Don Miguel concentra-se na questão da emergência do “Sexto Sol” do calendário maia, profetizado pelos ancestrais como um período de excepcionais mudanças planetárias e pessoais. Na tradição tolteca, um nagual é alguém com a função de orientar outras pessoas no sentido da obtenção da liberdade pessoal. Com base na filosofia ancestral, Don Miguel faz uma crítica feroz aos condicionamentos da vida moderna, que conformam todos os indivíduos a uma ideologia alienante e anestésica, que anula o livre arbítrio e a lucidez da consciência. Sob muitos aspectos, a visão de Don Miguel lembra as idéias de pensadores como Herbert Marcuse e Ivan Illitch, que tanto influenciaram a juventude dos anos sessenta. É exatamente esta crítica ao que Don Miguel chama de “Sonho do Planeta” que serve de pretexto para as reflexões astrológicas de Valdenir Benedetti. (Constelar) Introdução Este texto “aconteceu” em um dia qualquer, encantei-me com o texto de Don Miguel Ruiz em um livro que achei na estante do fundo de uma livraria aqui de Salvador (Os Quatro Compromissos,

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Este texto foi escrito por meu pai, o Astrólogo e professor de astrologia, Valdenir Benedetti.Este texto “aconteceu” em um dia qualquer, encantei-me com o texto de Don Miguel Ruiz em um livro que achei na estante do fundo de uma livraria aqui de Salvador (Os Quatro Compromissos, Ed. Best Seller), e sua leitura foi ficando mais clara na medida em que eu digitava trechos do livro e interpretava-os criticamente acordo com a linguagem astrológica, como eu procuro pratica-la.Alguns dias depois, escrevi a segunda parte do Sonho do Planeta, já com uma visão mais astrológica dos caminhos para se libertar ou se confrontar com este grande sonho em nossas vidas. Agora, aí está o texto completo para ser usufruído e compartilhado por mais pessoas.

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CULTURA TOLTECA E CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA

O Sonho do Planeta

Valdenir Benedetti

“...a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar,

mas heis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá...”(Chico Buarque – Roda Viva)

Nascido em uma família de raízes indígenas, no interior do México, Don Miguel Ruiz cresceu em contato íntimo com a tradição tolteca, mantida viva por sua mãe curandeira e

por seu avô, que era um nagual (xamã). Don Miguel Ruiz foi educado para ser também um nagual, mas o contato com a vida moderna acabou levando-o a estudar medicina e a

tornar-se cirurgião e professor de cirurgia. Uma profunda crise pessoal reaproximou-o de suas origens e fez com que se dedicasse intensamente durante vários anos ao estudo da

tradicional sabedoria tolteca.

O trabalho de Don Miguel concentra-se na questão da emergência do “Sexto Sol” do calendário maia, profetizado pelos ancestrais como um período de excepcionais mudanças planetárias e pessoais. Na tradição tolteca, um nagual é alguém com a função de orientar

outras pessoas no sentido da obtenção da liberdade pessoal. Com base na filosofia ancestral, Don Miguel faz uma crítica feroz aos condicionamentos da vida moderna, que conformam todos os indivíduos a uma ideologia alienante e anestésica, que anula o livre

arbítrio e a lucidez da consciência. Sob muitos aspectos, a visão de Don Miguel lembra as idéias de pensadores como Herbert Marcuse e Ivan Illitch, que tanto influenciaram a juventude dos anos sessenta. É exatamente esta crítica ao que Don Miguel chama de “Sonho do Planeta” que serve de pretexto para as reflexões astrológicas de Valdenir

Benedetti.(Constelar)

Introdução

Este texto “aconteceu” em um dia qualquer, encantei-me com o texto de Don Miguel Ruiz em um livro que achei na estante do fundo de uma livraria aqui de Salvador (Os Quatro Compromissos, Ed. Best Seller), e sua leitura foi ficando mais clara na medida em que eu digitava trechos do livro e interpretava-os criticamente acordo com a linguagem astrológica, como eu procuro pratica-la.

Alguns dias depois, escrevi a segunda parte do Sonho do Planeta, já com uma visão mais astrológica dos caminhos para se libertar ou se confrontar com este grande sonho em nossas vidas. Agora, aí está o texto completo para ser usufruído e compartilhado por mais pessoas.

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Imposição cultural e domesticação

O que você está vendo e ouvindo neste momento não passa de um sonho. Você está sonhando neste momento. Está sonhando com o cérebro acordado. (...) A diferença é que, quando o cérebro está acordado, existe uma moldura material que nos faz perceber as coisas de forma linear.

Esta é uma forma de ver a realidade como uma projeção da mente. Se pensarmos no horóscopo e olharmos esta idéia sob o prisma da Astrologia, podemos entender que os símbolos, como nós os interpretamos, são leituras deste sonho coletivo, e que seu verdadeiro significado permanece oculto na “moldura” de nosso sonho da realidade.

Talvez seja momento de, se pretendermos acordar de fato, começarmos a perceber que pode haver outra leitura, outra interpretação para os símbolos astrológicos. Neste caso, se chegarmos a uma percepção dos significados dos sonhos pessoais além das imposições deste Sonho do Planeta, estaremos a caminho da libertação, estaremos indo em direção ao Acordar, usando a Astrologia!

O sonho do planeta, ou sonho da sociedade (...) Inclui todas as regras da sociedade, suas crenças, suas leis, suas religiões, suas diferentes culturas e formas de ser, seus governantes, escolas, eventos sociais e feriados.

É impressionante como a visão que temos da Astrologia e suas funções está comprometida e submetida a este Sonho do Planeta. Não conseguimos simplesmente nos livrar ou nos distanciarmos deste sonho, destas regras existenciais e morais que existiam antes de nascermos. Isto vale para cada palavra dita sobre um horóscopo, e isto vale também para as regras de interpretação, para os significados que atribuímos aos planetas. Toda interpretação feita por quem está submerso no Sonho será feita de acordo com as regras e critérios desse sonho.

O sonho exterior possui tantas regras que, quando um novo ser humano nasce, captamos a atenção da criança e apresentamos as regras à mente dela. O sonho exterior usa Papai e Mamãe, as escolas e a religião para nos ensinar a sonhar.

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Astrológicamente cada um dos símbolos planetários tem uma correlação com nossa capacidade de criar significados internos para o que eles representam, e estes significados passam a ser distorcidos pelos que nos ensinaram as regras deste Sonho.

Neste caso, Vênus, por exemplo, vai simbolizar basicamente o que papai e mamãe (representando nossos formadores em geral) nos apresentaram, um modelo de desejo, um modelo de amor que não é necessariamente a representação de todas as possibilidades simbolizadas por Venus, e que corresponderiam apenas ao que é filtrado e permitido experimentar dentro do plano do Sonho. O mesmo ocorre com o Sol, com a Lua e com os demais planetas e símbolos.

O que nós entendemos por desejo (Vênus), comunicação (Mercúrio), expansão (Júpiter), estrutura (Saturno) e assim por diante, é apenas nosso reflexo, nossa reação inconsciente àquilo que nos foi imposto a partir de um sonho coletivo.

Aí está um caminho possível para nossa libertação: descobrirmos dentro de nós, trabalhando com um processo muito crítico e criativo, as outras possibilidades de expressão destes símbolos, mesmo que elas contrariem os parâmetros do Sonho do Planeta. Mas afinal, quem se atreve?

A atenção é a capacidade que possuímos de discriminar e nos focalizar apenas no que desejamos perceber. (...) Os adultos ao redor de nós capturaram nossa atenção e colocaram informações em nossas mentes mediante a repetição. Essa é a forma pela qual aprendemos tudo que sabemos.

Esta capacidade de discriminar está correlacionada astrológicamente com Vênus, que rege a ponderação e a escolha, e é este o primeiro planeta que precisa ser trabalhado para que a gente possa começar a escolher outras coisas onde focalizar a atenção. Quando mudamos o foco de atenção, mudamos a dimensão dos acontecimentos, pois “as coisas acontecem no plano onde nos focalizamos” e, portanto, podemos focalizar além do modelo imposto pela cultura, para que esta realidade sonhada saia de foco e consigamos perceber uma realidade além das regras impostas por este sonhar coletivo.

Mas há um pequeno problema: para usarmos Vênus em nossas vidas de outra forma, aprendendo a escolher o que queremos, e não o que nos é imposto, também teremos que mexer em outros atributos de Vênus, especialmente o Desejo e tudo que está relacionado a ele, particularmente nossos padrões afetivos. A resistência para aceitar uma transformação em nossa pseudo-realidade afetiva tende a ser muito grande.

Lua e Mercúrio

Para “captar-nos” a atenção, os “formadores” utilizam nossa Lua natal, pois a necessidade de sobrevivência e continuidade, qualidades essenciais e biológicas, são atributos simbolizados pela Lua, e nós somos, em um primeiro momento da vida, na infância, manipulados pela necessidade de sobreviver. Se não prestarmos atenção, não poderemos sobreviver. Então, assim capturam nossa atenção, exatamente como faz um cachorrinho

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quando ouve o barulho de sua tigela de comida sendo arrastada no chão. Usa-se a necessidade básica de sobrevivência para chamar a atenção do cão. Com as crianças é a mesma coisa, apenas a forma é diferente. A Lua nos dá a medida deste mecanismo de prender a atenção delas, de estabelecer um vínculo de controle.

Utilizando nossa atenção, aprendemos uma realidade inteira, um sonho inteiro. Aprendemos como nos comportar em sociedade, em que acreditar e em que não acreditar, o que é bom e o que é mau, o que é bonito e o que é feio, o que é certo e o que é errado.

Esta fase de condicionamento e assimilação dos modelos de comportamento da sociedade corresponde a uma fase lunar da vida, aproximadamente até os 7 anos de idade. A forma de nossa atenção e o preço que cobramos por ela, nossas chantagens pessoais e aquelas às quais somos submetidos, têm as características do signo e casa que contêm a Lua.

Mercúrio, por sua vez, cumpre sempre a função – entre outras – de intermediário entre a Lua e os planetas que vêm na seqüência. Mercúrio assimila o discurso e as regras que passaram primeiro pela nossa Lua natal, funcionando como o canal de expressão das condições existenciais de quem vive submerso no Sonho do Planeta. Esse planeta incorporará neste momento da vida a capacidade de racionalizar, justificar e tornar a realidade descritível. É o passe de entrada no plano da mente.

Quanto ao que é bom e mau, bonito e feio, certo e errado, já é um atributo eletivo de Vênus, o planeta da escolha e da eleição, e é assim que nossos critérios estéticos e afetivos são contaminados pelo Sonho do Planeta.

Aprendemos também a capturar as atenções de outros seres humanos e desenvolvemos certa necessidade de atenção que pode se tornar extremamente competitiva. As crianças competem para ter a atenção dos pais, dos professores, dos amigos. “Olhe para mim! Veja o que estou fazendo! Ei, estou aqui.” A necessidade de atenção se torna muito forte e continua pela vida adulta.

Os planetas vão funcionar, a partir desta idéia, em duas direções, tanto para captar a atenção dos outros quanto para dar atenção a tudo que está fora de nós. Vamos usar o mesmo instrumento que foi usado para nos condicionar para tentar condicionar os outros, a mesma fórmula, o mesmo discurso, e mais uma vez a essência de nossa Lua e demais planetas foi “capturada” e distorcida, e cada vez mais vamo-nos comprometendo com este Sonho do Planeta e suas regras e padrões.

A competitividade pela atenção começa a funcionar como um distorcedor de Marte, que representa nosso corpo físico e nossa postura. Por isso, expressamos os atributos de Marte muitas vezes como um instrumento de agressividade, competição, tonus inadequado, sexualidade pervertida ou frustrada e tudo mais, porque o Sonho do Planeta muitas vezes não tem a vibração sintonizada com nossa Natureza Essencial, que é em princípio harmoniosa, como tudo mais na natureza à qual pertencemos.

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O sonho exterior captura nossa atenção e nos ensina em que acreditar, começando com a linguagem que utilizamos. A linguagem é o código para entendimento e a comunicação entre os seres humanos. (...) Uma vez que se compreenda o código, nossa atenção é capturada e a energia é transferida de uma pessoa para outra.

Bem demonstrado neste parágrafo o condicionamento de nosso Mercúrio. Na verdade, toda a casa III está envolvida na questão: seu regente, os planetas que estão lá, o signo da casa III etc.

Podemos considerar que, por ser a IX casa, se contada a partir da VII 1, a casa III corresponde ao “conhecimento do outro” e, por ser a VI da X, corresponde ao método, aos procedimentos e rituais que o mundo externo utiliza para se manifestar. Curiosamente, este procedimento através do qual o mundo cristaliza-se em nossa vida é o discurso, a palavra, o mundo das idéias, os padrões de descrição e elaboração mental da realidade. Isto torna o “mundo exterior em nós” uma idéia, uma descrição.

Essas conotações da casa III mostram bem o mecanismo da imposição e de como acabamos utilizando nossa inteligência, discurso e capacidade de expressão como um mecanismo condicionado para alimentar constantemente através das explicações o Sonho do Planeta, que na verdade é ou se torna um grande discurso, um imenso blá-blá-blá, uma realidade exclusivamente mental.

Por meio desses símbolos, Lua e Mercúrio principalmente, os acordos mentais são estabelecidos, ou melhor, são impostos à mente da criança, e só resta a nós entender o mundo através desses códigos que nos foram impingidos.

Não foi sua escolha falar português. Você não escolheu sua religião e valores morais – eles já existiam antes de você nascer. Nunca tivemos a oportunidade de escolher em que acreditar ou não acreditar(...) Não escolhemos ao menos nosso próprio nome.

É interessante observar que os valores que se estabelecem em nosso ser Lunar, nossa criança interna, e que se expressam e são absorvidos por intermédio de Mercúrio, contêm uma série de referências e argumentos para se “auto-alimentarem” constantemente.

Podemos identificar esse fenômeno exatamente agora, quando nos perguntamos: “quem disse que este D. Miguel está certo? De onde ele tirou esta idéia maluca de Sonho do Planeta? Então não existe realidade? Etc, etc...”

1 Aqui, e em vários outros trechos, Valdenir trabalha com o conceito de casas derivadas. O raciocínio é simples: cada casa, contada a partir do Ascendente (casa I), corresponde a uma área específica de experiências. A casa VI, por exemplo, indica métodos, rotinas de trabalho, hábitos pessoais etc. A casa VII representa o outro, o parceiro, o cônjuge – ou o adversário. A casa XII, que é a sexta a partir da sétima, pode representar então os hábitos e rotinas do outro (do marido ou da esposa, por exemplo). Outro exemplo bem esquemático: a casa III representa padrões de linguagem e de articulação de pensamento, enquanto a casa X simboliza, entre outras coisas, o chefe, a autoridade. A casa XII, que é a terceira a partir da décima, pode ser lida, então, como a forma de falar ou de pensar do chefe. (Nota do Editor)

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Os contra-argumentos mercurianos, dentro do modelo do Sonho do Planeta, são quase sempre negar qualquer evidência deste próprio sonho. Somos condicionados a dizer, por exemplo, diante de qualquer experiência que possa nos fazer romper os acordos com o sonho e despertar, que é “coisa de maluco”, que não é “científico”; e nesta contra-argumentação, percebemos o quanto a função mercuriana costuma ser uma expressão, um recurso e uma extensão da atividade Lunar, pois são os condicionamentos mais profundos e inconscientes que oferecem os principais argumentos que utilizamos para justificar a manutenção de qualquer coisa, até mesmo da idéia de que o sofrimento é parte da existência e deve ser aceito passivamente. Pode também ocorrer um tipo de acomodação dentro da condição de tão freqüentemente, por não sabermos quem somos, chegarmos a parecer ser algum tipo de ração, um alimento mantenedor do Sonho do Planeta, aquele que foi sonhado há muito tempo antes de nós, e que continua nos possuindo e se alimentando da energia vital que escapa de nós a partir de nossa inconsciência.

Sem querer parecer cruel, muitas vezes podemos estar agindo como gado, submetendo-se sem questionar ou sem ao menos saber o que está acontecendo a regras às quais não temos o menos acesso e, quando temos, raramente nos atrevemos a questiona-las, pois fomos ensinados a pensar que temos algo a perder se reagirmos, seja nosso conforto, estabilidade e segurança, seja nossa ilusão de paz.

Quando crianças, não tivemos oportunidade de escolher nossas crenças, mas ‘concordamos’ com a informação que nos foi passada (...) O sonho exterior pode captar nossa atenção, mas se não concordarmos, não armazenamos essa informação.

Somente acreditamos e fazemos este acordo porque a sobrevivência física depende disto! Só nos é dada a ração, o leite, o pão, o afeto, o reconhecimento, se aceitarmos o acordo, e é assim que se subjuga a criança dentro de nós, é assim que se condiciona a função lunar para que ela seja uma expressão de um sonho que não é o nosso. O dispositor da Lua (o planeta que rege o signo onde a Lua se encontra, sua casa e signo) representa as condições e o mecanismo de imposição de um modelo formativo da personalidade. São os termos do acordo, as cláusulas do contrato que, se não aceitarmos naquele momento, sugerem os primeiros castigos, as primeiras perdas, a primeira dor. Só resta então à criança a alternativa de concordar.

(ver artigo complementar sobre o dispositor da lua e criança interior no final do livro)

Crianças acreditam em tudo o que os adultos dizem. Concordamos com eles, e nossa fé é tão forte que o sistema de fé controla todo o nosso sonho de vida.

As crianças acreditam, ou seja, dão um crédito, porque elas não tem ainda conhecimento da mentira. O adulto, dá um crédito quando não tem convicção de nada, e a convicção é um estado de quem tem conhecimento. Apenas quando temos “conhecimento” real de algo, podemos agir com convicção, em vez de agir com fé.

Por isso, a maioria das religiões institucionalizadas – aliás, a maioria das instituições, sejam econômicas, políticas, familiares, sociais ou religiosas – tem interesse em que as pessoas acreditem em seus dogmas e verdades, pois só através da fé a gente pode aceitar certas

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mentiras que, por exemplo, os políticos e economistas contam para manter seu Sonho de Poder. A mesma fórmula de exigir a fé sem questionamento é utilizada na educação das crianças por pais que acreditam neste sonho, que têm fé nele. É a reprodução da idéia da fé de pai para filho através de infinitas gerações, e essa fé exclui qualquer hipótese de embasar as atitudes na sabedoria e no conhecimento, pois quem tem sabedoria, tem também convicção, e dificilmente seria conivente com o sonho dos outros, com a ilusão.

Para libertar-se desses acordos que incluem e exigem a crença passiva é necessário rebelar-se, e para rebelar-se contra tudo isso é necessário estabelecer uma relação consciente com o Conhecimento das Leis Naturais, que irão nos fortalecer e permitir que a força do universo flua através de nossas vidas, é necessário também sair da ilusão do Sonho do Planeta, do Maya, e necessário, principalmente, agir com Convicção.

Para isto a Astrologia pode ser muito boa, um poderoso instrumento de libertação, mas infelizmente nós (astrólogos) também fomos convencidos na infância de que o bom e o certo é o Sonho do Planeta, e nossos conseqüentes Sonhos Pessoais.

Por isso a mais popular e aceita escola de Astrologia, normalmente chamada de “acadêmica” ou “tradicional”, contém quase sempre uma reprodução dos conceitos estabilizadores propostos pelas regras do grande sonho e pode ser apenas mais um instrumento para alimentar a ilusão e manter-nos atrelados a ela, talvez até felizes dentro dela. Raramente esse tipo de Astrologia – com característica mecanicista – propõe ou permite que o indivíduo questione sua condição de vida e se indisponha contra ela, pelo contrário, a idéia é justificar os acontecimentos e as condições da existência como parte integrante de uma totalidade chamada “destino”, e contra o qual não há nada a fazer, a não ser aceitar e se sujeitar. Todo o discurso astrológico, particularmente nesse caso, é sustentado pelas nossas crenças, pela idéia de que o que vemos e sentimos é a única dimensão possível da realidade, é a realidade verdadeira. Aprendemos a acreditar que o mundo é o que nos descreveram a partir do instante em que nascemos e durante a primeira infância, e fica muito difícil conceber outra possibilidade. Intuímos que existem outras dimensões, que existe uma outra “realidade” possível, além de Saturno, além da estrutura visível e palpável, mas insistimos em reduzir esta “realidade” a denominadores comuns atrelados à manutenção do Sonho do Planeta, e acabamos por usar a Astrologia como um recurso adicional para reforçar este Sonho, em nós e nos outros.

Temos um conceito completo sobre o que é uma “mulher” e o que é um “homem” e isso faz pare do nosso sistema de crenças.

Os conceitos que nós humanos desenvolvemos do que é uma “mulher” ou um “homem”, por exemplo, são representados genericamente pelo Sol e pela Lua em nosso horóscopo. Daí que tudo que dizemos sobre o Sol e a Lua em termos de descrição de Pai, Mãe, masculino e feminino, está condicionado ao que o Sonho do Planeta nos ensinou, está vinculado aos conceitos de uma realidade que talvez não seja tão real. Daí que de pouco ou nada servem – ou servem apenas à manutenção do Sonho.

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Mas percebam como é complicado nos atrevermos a questionar as definições que damos a Sol e Lua no horóscopo. Estamos tão submersos em um padrão de ilusão da realidade absolutamente lógico e coerente que nos foi imposto – até mesmo porque os referenciais de lógica e coerência também nos foram ensinados – que se torna inconcebível e tremendamente arriscado nos atrevermos a afirmar que talvez o Sol e a Lua possam ter outros significados além daquele aceitável dentro do plano do Sonho. Quem se arrisca?

O outro e a separatividade

O Sonho do Planeta se sustenta de forma quase automática através da projeção de nossas expectativas, que estão por sua vez comprometidas com nosso julgamento de praticamente tudo.

O simbolismo do horóscopo que explica as projeções corresponde graficamente à relação dinâmica entre uma casa terrestre e sua casa oposta. A casa oposta a qualquer questão representa, nesse caso, o espaço mítico onde se projeta e onde se manifesta a sombra de uma determinada experiência representada por cada uma casas, e esse componente projetivo ou sombrio acaba sendo prevalente na realização do horóscopo da pessoa, dentro das condições oferecidas pela realidade aparente.

Um bom exemplo da imposição de crenças pelo sonho é a intensidade com que nos projetamos, focalizamos nossas expectativas de relacionamento na casa VII, a casa que representa o “outro” no horóscopo. Na verdade, poderia ser o “outro que está em nós”, mas no Sonho do Planeta, que precisa da separatividade para subsistir, é um “outro” que é identificado como algo que está sempre fora de nós, e com o qual temos que nos preocupar, e para o qual temos que sempre dar conta de nossos atos e tudo mais, isto desde a infância, desde a necessidade primária (cobrada e condicionada) de prestar contas de cada mínimo movimento ou sorriso ou lágrima a nossos pais e formadores. Isto apenas continua re-criando a crença de que a casa VII representa algo ou alguém que está fora de nós, está separado de nós, e precisa ser seduzido, conquistado e mantido para que nos sintamos um pouco inteiros. Na verdade, se rompermos com essa crença e esse acordo, se pudermos ser por um segundo verdadeiramente inteiros e plenos, nos rebelaremos e acordaremos deste eterno Sonhar.

Ah, e se nos rebelássemos e acordássemos não precisaríamos do outro como nos é imposto pelo Sonho do Planeta, pois o outro está, em princípio, dentro de nós mesmos, e só podemos perceber e reconhecer nele até onde podemos perceber e reconhecer o que está dentro de nós. Se estamos vivendo e experimentando o que está dentro de nós apenas na dimensão de um sonho, o outro torna-se uma ilusão que, com a primeira brisa da consciência, o primeiro vislumbre de nossa verdade interior, se desfaz...

E então, dentro dessa realidade imaginária, a casa VII passa a ser uma imensa fonte de problemas, talvez a mais significativa deste planeta, pois, nas condições impostas pelo Sonho do Planeta, o “outro” é sempre a referência da minha realidade, ou melhor, da minha ilusão de que existo.

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Se o outro é uma ilusão e uma projeção, e se ele é a referencia de minha própria existência, o que sou eu então?

Quem de nós quer transgredir esta regra? Quem de nós ousaria dizer que não precisamos do outro para não sofrermos de uma imensa solidão? Quem de nós se atreve a atribuir um significado diferenciado à casa VII, que não seja uma mera projeção de nossa profunda carência? Quem de nós encara a possibilidade de que, por sermos naturalmente inteiros e plenos não precisamos de ninguém para nos completar?

Quem pode aceitar a idéia de que na verdade nascemos sós e continuamos sós, e só de nós mesmos, de cada um, depende nossa realização e nossa vida?

Não são incomodas essas idéias? Eu me sinto incomodado pensando isto. É assustadora a idéia de que posso não precisar da pessoa que amo, a perspectiva de que posso apenas compartilhar com ela minha plenitude natural, experiência que infelizmente não me é permitida neste plano da existência por não ser conveniente às regras de manutenção e controle do Sonho do Planeta.

Vamos portanto, por pura comodidade e para não ter que enfrentar a dolorosa verdade, continuar descrevendo e analisando a casa VII (descrição que pode ser adaptada a todas as outras casas) como algo que temos que conquistar FORA de nós mesmos, como algo que pode ser identificado como uma experiência a ser vivida fora da gente, e não como algo que já existe em nós, bastando ser acessada pela consciência.

Para ensinar um cachorro precisamos punir e dar recompensas a ele. Treinamos nossos filhos, aos quais amamos tanto, da mesma forma que treinamos qualquer animal doméstico: com um sistema de castigos e recompensas.

Para a Astrologia que praticamos dentro desta dimensão ilusória, a utilização de conceitos como o de ser bom ou mau é essencial. Daí que temos também “bons e maus aspectos”, piores ou melhores configurações. Tanto na vida quanto na análise da vida, através do horóscopo ou do que for, usamos basicamente os mesmos padrões conceituais. Esta busca de referenciais nos padrões externos e nos modelos sociais, utilizada intensamente na metodologia característica da Astrologia, tem a função de nos manter divididos e confusos, submersos na ilusão, atrelados ao Sonho do Planeta.

Na natureza, se observarmos criticamente, as coisas são o que são, e os atributos de bondade ou maldade que observamos nas relações entre os animais e as plantas é um problema de nossa mente, de nossa expectativa, de como aprendemos que as coisas deveriam ser, do nosso conceito do que é certo ou errado. Daí que nos chocamos quando um animal simplesmente devora outro, quando uma aranha se alimenta do macho após o acasalamento, quando um tipo de orquídea suga a seiva da árvore que a hospeda até extingui-la, quando um corpo morre após cumprir sua função natural, que certamente é imensa, muito maior que nossos desejos, medos, leis e tudo mais que a psique descreve e espera da vida.

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Enquanto isso, projetamos neste contexto biológico da existência, que não tem definições de “bem e mal”, nossos conceitos pessoais, adquiridos exatamente no processo de domesticação da psique.

É conseqüente que, na decodificação dos símbolos astrológicos, utilizemos estas referências condicionadas. É decorrente destes conceitos sustentados pela separatividade que, na tradução humana dos significados das configurações astrológicas, atribuamos aos símbolos conteúdos sustentados pelos conceitos de bem e mal, e, com este procedimento e através da linguagem, vamos sustentando e sedimentando cada vez mais o sentimento de que somos seres separados uns dos outros e da natureza, seres divididos entre o bem e o mal, os bons e os maus.

Nas oportunidades em que fomos contra as regras, nos puniram; quando agimos de acordo com elas, ganhamos uma recompensa.

Este é o procedimento que o Sonho do Planeta adota para nos forçar a construir critérios de Valor sobre os quais iremos alicerçar nossa realidade. A casa II do horóscopo corresponde ao universo dos valores pessoais, e, nessa dimensão do Sonho, os valores são elaborados e mantidos por um mecanismo de punição e recompensa. Isto nos deixa constantemente inseguros e ameaçados, além de incapazes de perceber que já temos dentro de nós todos os valores de que precisamos. Não estamos nos referindo a objetos e recursos materiais, como alimentos e roupas. Estamos falando de valores.

Mas é próprio do sistema mantenedor do Sonho no qual está submerso o planeta, que projetemos e busquemos a referência de nossos valores fora de nós, pois nos sentimos separados do outro e, por isso, o outro tem de reconhecer e endossar meu Valor, pois sem isto eu não tenho como ter consciência de mim mesmo ou desses valores.

A conseqüência é que ficamos constantemente inseguros, somos programados para estar em um estado permanente de fragilidade, vivemos na dependência do julgamento e do critério dos outros para que aceitemos em nós algum valor. Tal fragilidade é necessária à manutenção do Sonho do Planeta, pois uma pessoa que tenha conhecimento de seu valor pessoal e, consequentemente, tenha convicção de si e aja com base nesta convicção, pode libertar-se do Sonho, e isto não convém...

Isso é explicado astrológicamente pela condição que a casa dos valores do outro, a VIII casa, passa a possuir por ser a VII casa quando contada a partir da casa II a dos valores pessoais, ou seja, os valores pessoais são projetados e referendados na casa que lhe faz oposição, como se esses valores fossem separados do indivíduo, da mesma forma que foi explicado a respeito da casa VII quando se reconhece o “outro” como uma entidade externa e separada da pessoa.

Com medo de ser punidos e medo de não ganhar a recompensa, começamos a fingir ser o que não somos apenas para agradar aos outros, (...). Fingimos ser o que não somos porque temos medo de ser rejeitados.

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Nesse processo de buscar as referencias de nossos valores nos valores do outro, e em função da necessidade aprendida de termos que ser “bons” para sermos aceitos, seguimos muitas vezes por um caminho bem perigoso: o de procurar e encontrar o “mal” no outro, identificar nos valores que visualizamos “nele” maldades e defeitos, pois assim podemos nos julgar portadores do “bem”, reconhecer nossos valores pessoais como melhores. Isso explica o comportamento de algumas pessoas que passam o tempo todo procurando defeitos nas outras pessoas e parecem só ver isso. Elas precisam de fazer isso para ver se descobrem alguma bondade dentro de si mesmas, algum valor positivo em comparação aos valores negativos que constatam nas outras pessoas, e assim, talvez não sejam rejeitadas, talvez até sejam recompensadas, quem sabe?

O processo de elaboração dos valores pessoais (casa II) através do mecanismo de recompensa e punição, é mais que uma relação meramente material. Tende a ser física, mas não necessariamente financeira. Afeto, compreensão e reconhecimento são também valores que adquirimos muitas vezes como recompensa por nosso “bom comportamento”. Lembremos que os critérios da casa II passam a ser definidos pelo que a casa VIII nos apresenta, ou seja, nossos valores são delimitados pelos valores que re-conhecemos no outro e pelo que podemos obter dele, e com isto, negamos a nós mesmos a capacidade e a oportunidade de conquistar valores a partir de nosso íntimo, de nossa essência.

Podemos considerar também o fato da casa II ser a V a partir da X , a quinta casa a partir do Meio do Céu. Neste caso ela, a casa II, representaria a “cristalização”, a materialização, a formatação dos princípios que regem nossa presença no mundo social, a confirmação do nosso status, e a resultante da expectativa que os outros tem de nós. Representa a conseqüência de nossa imagem pública, além de mostrar a possível recompensa obtida por nossa atuação e responsabilidade social. A casa X se “fixa”, condensa-se, toma forma, materializa-se através da casa II. E como estamos falando de uma condição que vem de fora, que vem do mundo, nossos valores podem vir a ser a expressão e a sedimentação de todo um modelo, de uma série de códigos e regras estabelecidas para que sejamos coniventes com o Sonho do Planeta.

É por isso que a cobrança em termos de valores, a manipulação das inseguranças, o reforço constante dos apegos é um instrumento tão poderoso na manutenção desse paradigma social que vivemos nos dias atuais.

Valores pessoais e a questão do apego

Poderíamos chamar estes códigos sociais e culturais de “Critério de Realidade”, que se compõe, sustenta-se e cristaliza-se através de nossos Valores Pessoais, a casa II.

A casa dos valores pessoais, representada no horóscopo como “questão II” (casa, signo, planetas, regente, etc.), passa a ser, a partir do mecanismo aprendido de recompensa e punição – e a conseqüente insegurança que este mecanismo produz – outra base da sustentação do Sonho do Planeta em nós. É o terreno fértil onde é gestado nosso Sonho Pessoal, na verdade, a ilusão implantada do que somos e podemos ser nesse contexto – onde a necessidade de “ter” parece ser muito

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mais importante do que a necessidade de “ser” – infelizmente fertilizado pela idéia da separatividade.

Junto a esta imposição de valores, está um mecanismo que em princípio é delicado, mas vai-se tornando cada vez mais presente em nossas vidas, cada vez mais atuante, e poderíamos dizer que é a palavra-chave, a senha, a base da manutenção de todo o Sonho: o apego.

Nossos critérios de valor passam, em função dos condicionamentos, a ser mantidos com a insistência e determinação de quem precisa deles para sobreviver. Possuir algo, seja uma idéia, um conceito, um bem qualquer, é sempre uma questão de vida e morte no plano da grande ilusão coletiva. Com o tempo, vamo-nos tornando escravos deste apego, de tal forma que a experiência de possuir passa a ser mais importante que o próprio objeto possuído.

O conseqüente medo de perder o “objeto” possuído nos mantém escravizados a um sistema de valores que nos obriga a assumir uma série de condutas e comportamentos coerentes com o Sonho coletivo.

A identificação com o “objeto” possuído e o apego decorrente, dá-nos a ilusão de segurança, o sentimento de que temos alguma inteireza, de que estamos materializados, de que temos consistência, de que somos “reais”, de que temos alguma perenidade, pois os objetos maiores de nosso apego tendem a durar mais que nossas frágeis vidas.

Há também a ilusão de poder e controle que a posse nos oferece, e isto confere à mente condicionada a idéia de que somos autores de nosso destino, pois podemos possuir mais ou menos coisas, podemos dispor das “coisas” como não podemos dispor de nossa própria vida, e isto é bastante confortável.

Cada vez que analisamos a casa II de um horóscopo em termos do que a pessoa pode ter ou não ter, em termos de sua possibilidade financeira, de seu potencial de materializar e obter mais ou menos segurança, estamos endossando o Sonho do Planeta e a escravidão do indivíduo a ele, estamos reforçando os mecanismos de apego ou de insegurança da pessoa, exatamente por vivermos e estarmos sendo coerentes com o mesmo sonho, exatamente por nossa Astrologia ser criada e estabelecida dentro da grande ilusão. Neste momento, deixamos de ser agentes de transformação, de libertação, auxiliares do despertar do próximo, por estarmos também comprometidos com o grande Sonho do que é certo e errado, por estarmos também sonhando. E para o grande Sonho do Planeta, o certo é possuir o maior número de coisas possível, a maior quantidade de pessoas, objetos, dinheiro que nossa vida puder conter, pois isto nos dará segurança e nos fará pessoas aceitáveis e normais dentro das regras da grande ilusão. Mesmo que, para conseguir as coisas e aumentar nosso patrimônio, alguém tenha que sair perdendo.

O Sonho do Planeta reconhece como normal que alguém sempre perca para alguém ganhar. Isto mantém e alimenta a separatividade, a idéia de que somos separados uns dos outros.

Isso não é uma apologia contra possuir bens ou viver com conforto, apenas o reconhecimento de que a submissão à idéia da posse nos rouba a humanidade, exacerba um

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individualismo mesquinho e egoísta e nos compromete com a ilusão de que não somos partes de uma mesma totalidade, de que estamos desvinculados uns dos outros. Isso apenas fortalece a condição de sermos partes de um sonho coletivo e nos tira a autonomia de podermos escolher como viver nosso próprio destino.

(...) Os adultos dizem “Não faça isto, não faça aquilo”. Nós nos rebelamos e dizemos “Não!”. Rebelamo-nos porque estamos defendendo nossa liberdade. Queremos ser nós mesmos, mas somos pouco, e os adultos são grandes e fortes.

O que este “Não” provoca em nós é a grande desconexão, a ruptura com o Universo, uma separação dolorosa com o grande organismo cósmico e a conseqüente e permanente sensação de solidão, solidão cósmica!

Esta separação a que somos induzidos para que, isolados e fracos, nada possamos fazer, transforma-nos em uma célula sem organismo, um órgão sem corpo, e parece que a consciência da separação – esta sim, permitida pelo Sonho do Planeta – deixa-nos perdidos e perplexos, sempre em busca de um outro para compor nossa totalidade perdida.

A grande função da Astrologia poderia ser o re-conectar com o universo, com o “em cima”, com o “corpo de Deus”, pois é uma linguagem que se baseia justamente na harmonia e nas correlações universais. Mas para que isto acontecesse, seria necessário que a Astrologia se desvinculasse do Sonho do Planeta e parasse de alimentá-lo, parasse de concordar e endossar a separatividade humana, não funcionasse mais como uma explicação reducionista para nossa pequenez e isolamento.

A função de re-conectar da Astrologia, análoga ao que entendemos na maioria das religiões como o religare, re-estabelecer o contato com o Divino que há em nós, poderia ser muito simples e natural, se a Astrologia que conhecemos não estivesse tão comprometida com o Sonho do Planeta.

A simples compreensão dos ritmos e ciclos naturais, sem o comprometimento de valores morais e culturais, já nos poderia colocar em sintonia com esta totalidade, já poderia ser suficiente para permitir um resgate do “homem natural”, o Homem Desperto, sintonizado com sua essência e com a plena capacidade de utilizar o poder de seu espírito para recriar a realidade, como fazem os gatos, os cães e as crianças, antes de serem domesticados.

Bem que poderíamos utilizar a linguagem da Astrologia, que é uma simples observação da linguagem da Natureza – antes de ser reduzida a mínimos denominadores comuns pela necessidade de justificar o Sonho em que vivemos – como uma das grandes ferramentas para nos reconectarmos ao todo, para experimentarmos o “religare” com o sagrado.

Mas para isto temos que ousar abrir mão de uma série de conceitos e regras baseados na idéia de bom e ruim, bem e mal.

Para que isso aconteça, temos que parar de julgar.

Para que isso aconteça, talvez tenhamos que parar de obedecer aquilo que não é do próprio ser.

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A domesticação é tão forte que num ponto determinado de nossa vida não precisamos mais que ninguém nos domestique. (...) Agora podemos domesticar a nós mesmos de acordo com a mesma crença no sistema que nos forneceram, usando as mesmas técnicas de punição e recompensa.

Curiosamente, praticamente todas as ferramentas que temos ao alcance, inclusive a Astrologia, mas também o Tarot, a Yoga, a Psicologia e muitas outras técnicas e linguagens voltadas para obter consciência e experimentar a transformação, estão comprometidos com o Sonho do Planeta, com o grande Maya, pois foram criadas dentro e a partir Dele. Consequentemente, acabamos entrando em um círculo vicioso no qual toda transformação ocorre de forma a não ser uma transformação verdadeira, e sim uma atualização, uma readaptação ao Sonho.

Cada gesto do ser em direção à transformação tende a ser um gesto ilusório, um argumento retórico para nos fazer sentir confortáveis dentro deste Sonho, para atenuar nossa rebeldia e fazer com que não nos sintamos pequenos e apegados, para fazer com que vivamos dentro de outra ilusão: a de que estamos reagindo e fazendo alguma coisa, de que não somos totalmente covardes e acomodados.

Mas, abandonar a idéia de que precisamos do outro para sermos completos – que é um dos fundamentos do Sonho do Planeta – isto não conseguimos conceber.

Abandonar a idéia de que somos seres únicos, exclusivos, especiais, individualidades poderosas, totens de vaidade social – em vez de partículas de uma totalidade – também é muito difícil, e preferimos não viver o desconforto de experimentar isto, pois a responsabilidade com o “outro” se torna um fato, e a necessidade de ser “inteiro” para poder compartilhar esta inteireza com o “outro”, em vez de simplesmente ficar esperando aprovação, é muito, muito trabalhosa. O medo de ficar só – mesmo estando sós dentro dessa individualidade forjada (outro artificio do Sonho para nos manter atrelados) – é muito forte para suportarmos o conflito de sermos plenos e ao mesmo tempo partes fundamentais da natureza, do universo, células do corpo de Deus.

Júpiter e a mutabilidade gasosa

O sistema de crenças é como o Livro da Lei que regula nossa mente. Baseamos todos os nossos julgamentos segundo o Livro da Lei, mesmo que esses julgamentos e opiniões venham contra nossa própria natureza.

O planeta Júpiter e a questão que o envolve – casa IX, Sagitário – representam a elaboração das Leis de um modo geral. Representam nossa aceitação às Leis, nossa identificação com as Leis, sejam as do Livro da Lei que regula o nosso Sonho coletivo, sejam as Leis da Natureza.

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A casa IX do horóscopo, por ser a terceira casa de Fogo, o Fogo Mutável, representa uma passagem, um momento de compreensão na dinâmica dos signos. Enfim, esta casa é o aspecto mais sublime de nossa identidade, simbolizada pelo Fogo, é o momento em que transcendemos nosso modelo normal e conhecido de ser e experimentamos uma passagem dimensional para outro plano da existência, conquistamos uma nova Identidade. Por isso, a casa IX simboliza o futuro da nossa identidade, aquilo que queremos ser além de nós mesmos, aquilo que gostaríamos de “ser quando crescermos”. O modo Mutável é, fazendo uma analogia com os estados da matéria, equivalente ao gasoso, enquanto o Fixo corresponde ao estado sólido e o cardinal ao líquido. Este “gasoso” do mutável, seja de Sagitário, Peixes, Virgem ou Gêmeos, pode significar um meio adequado para a propagação do som, ou das idéias, mas pode representar uma neblina, uma névoa que distorce as imagens e impede que a gente veja a real realidade.

Ir além de mim mesmo, como indica o Fogo Mutável de Sagitário e é a função da nona casa, implica ter acesso às Leis Naturais que permitem isto. Implica estabelecer uma relação mais profunda com a Totalidade, e por isso o mecanismo de compreensão das Leis que regulamentam todos os movimentos da Natureza.

A redução deste processo evolutivo natural aos mínimos denominadores comuns estabelecidos pelo Sonho do Planeta faz com que identifiquemos apenas as Leis contidas no Livro da Lei que regulamenta o sonho, e com isto percamos nossa possibilidade de nos vincularmos às Leis Maiores, à Lei da Natureza, a Lei que está contida em nossa essência e em nossa condição de Ser Natural.

Neste caso, em função do compromisso com o Sonho do Planeta, e com nosso Sonho Pessoal, – que foi elaborado a partir de nosso filtro pessoal (identificável pelo horóscopo), mas cujos parâmetros foram fornecidos pelo Sonho coletivo – a perspectiva de sermos mais do que somos, de evoluirmos para outro plano da existência, para projetarmos e criarmos a expectativa de uma nova e cada vez mais requintada identidade, torna-se limitada, ou melhor, atrelada a este Sonho. E, como podemos observar, a proposta do Sonho do Planeta, de um modo geral, é de acumular, ter cada vez mais, possuir, estabilizar, conservar. Tudo bem, não é uma má proposta, afinal, estamos encarnados e somos por enquanto seres físicos, profundamente vinculados e dependentes de uma realidade material. Mas o problema é que é só isto, paramos nisto, nos bastamos com isto.

O peso do compromisso com a realidade material se transforma em um lastro, em um limite difícil de ser superado. Nosso desejo de ser “mais”, de evoluir, de nos tornarmos mais plenos, está sempre circunscrito pela necessidade de estabilidade e conforto, o que cria um conflito entre a possibilidade de transformação e a necessidade de conservação. E o sonho nos impõe a conservação. Esta é a idéia de “normalidade” que nos é imposta, a idéia de “mundo perfeito” e de felicidade que aprendemos desde a infância.

Fica difícil saber para onde ir, além destes referenciais materiais e comportamentais. Fica difícil imaginar que poderíamos ser algo mais do que somos, sem abrir mão do conforto material e da segurança.

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Tanto a questão II quanto a questão IX (quando as outras casas todas do horóscopo) tornam-se um peso, algo que nos puxa para a estagnação, em vez de serem referências para a transformação e evolução.

É tão forte o peso do Sonho do Planeta que, escrevendo estas linhas, fico imaginando que não sei o que mais poderiam significar estas casas, que experiências elas poderiam representar além da possibilidade da pessoa ser alguém “mais importante e com mais dinheiro e estabilidade”, e também imagino – dentro de minha própria resistência em acordar do sonho – que conquistar isto (segurança, estabilidade etc.) é o caminho e a base para a evolução. Fui convencido e meus olhos não conseguem atravessar a névoa e ver algo além. Sinto que existe, mas ainda não reconheço em mim mesmo a capacidade de Ver além.

Como diz o Osho, “...um tomate não pode analisar outro tomate, ele precisa ser mais que um tomate para isto...”, e, em termos de olhar a dimensão da nossa existência dentro do estado do Sonho, somos ainda tomates tentando se entender. Por isso a mesmice e a repetição dos conceitos astrológicos; por isso nossa resistência em aceitar que a Astrologia poderia ser diferente do que é. É a mesma resistência em aceitar que nós poderíamos ser diferentes do que somos.

Existe algo em nossa mente que julga a tudo e a todos, incluindo o tempo, o cão, o gato... tudo. O Juiz interno usa o que está escrito no Livro da Lei para julgar o que fazemos e o que não fazemos, o que pensamos e o que deixamos de pensar.

Este “algo” que existe dentro de nós e que julga é, na verdade, o significado reduzido, distorcido e adaptado pelo Sonho do Planeta para a expressão autorizada de cada símbolo planetário em nosso horóscopo pessoal. Cada expectativa representada por um planeta conduz a um julgamento, pois construímos a realidade a partir desta expectativa, e quando não conseguimos elaborar uma realidade adequada e satisfatória à nossa expectativa, tentamos estabelecer outros critérios para mudar esta realidade, e o mecanismo disso é o julgamento.

Como o julgamento é baseado no Livro da Lei, o significado possível de cada planeta é potencializado pelos códigos e regras contidos neste livro. É isto que passamos a achar certo, é este o significado – o do Livro da Lei – que atribuímos aos planetas no mapa astrológico.

Praticamente todo “julgamento” que fazemos é uma projeção do significado dos símbolos, na forma como eles se manifestam dentro de nós, vinculados aos condicionamentos e dependentes deles. Isto serve tanto para a descrição astrológica das configurações, dos signos e símbolos no horóscopo, quanto para a percepção que cada um de nós tem de si mesmo.

O Julgamento na verdade é uma projeção de expectativas, e a manifestação do símbolo astrológico em nossa vida comum é manifestada e potencializada pela expressão de expectativas, representadas por esses mesmos símbolos. Isto cria e sustenta o mecanismo chamado “projeção”.

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Daí que Vênus, por exemplo, passa a corresponder simplesmente aos critérios universais de relacionamento, mas este desejo e estes critérios de relação estão de acordo com o Livro da Lei, são aceitáveis dentro do grande Sonho do Planeta, não representam nenhuma liberdade, nenhuma transgressão. Apenas adaptação aos padrões comuns e aceitáveis pela Ilusão Coletiva de certo e errado.

Evidentemente que Vênus utilizado de acordo com a Lei do grande Sonho Coletivo, não representa necessariamente infelicidade ou desequilíbrio. É necessário sabermos caminhar também neste sonho, pois é nele que nascemos. Mas, olhando em volta de nós, olhando em nossas próprias vidas, percebemos com clareza a quantidade de experiências que deixamos de viver, a intensidade do sofrimento amoroso que as pessoas encontram, a dificuldade que existe para se fazer uma escolha saudável e viver uma relação harmoniosa e plena. Por que será?

Bem, imaginamos que, para o Sonho do Planeta, para que Ele se mantenha, não seria conveniente que as pessoas experimentassem a plenitude do relacionamento consciente, isento de culpa e de competição e conflitos inúteis, pois assim todos descobririam que estamos juntos, que podemos trocar, compartilhar e confiar uns nos outros, e isto seria extremamente perigoso e revolucionário para a manutenção do Sonho, pois eliminaria nossa maior fragilidade.

Isto foi apenas um exemplo de como a necessidade de julgar tudo segundo os critérios do Livro da Lei, o manual de regras do Sonho do Planeta, distorce e nos faz viver distantes de nós mesmos, alheios à nossa plenitude e aos seres divinos que somos.

Pensemos em outro exemplo: Saturno. Este aí, uma das molas mestras da manutenção das leis que nos atrelam ao grande Sonho. O julgamento que Saturno faz da realidade é sempre baseado no medo, na fragilidade de nossa estrutura, exatamente porque no Livro da Lei consta que nascemos frágeis (educadores, parentes etc., insistem obsessivamente em mostrar nossa fraqueza, e que, se não formos obedientes à Lei, seremos punidos), consta que o Medo é uma das referências para definirmos e julgarmos a realidade.

Será que Saturno em outra dimensão de compreensão é apenas medo? É apenas necessidade de segurança? É apenas rigidez? Ou estes critérios, que funcionam como lentes para que vejamos o mundo apenas de acordo com eles, apenas se prestam para que nos mantenhamos atrelados ao Sonho do Planeta e suas decorrências?

O jogo da vítima

Existe outra parte de nós que recebe os julgamentos, e essa parte chama-se: a Vítima. A Vítima carrega a culpa, a responsabilidade e a vergonha. É a parte de nós que diz: “Sim, você não é bom o suficiente”.

O movimento da vida, seja no Sonho ou fora dele, é sempre um fluir e refluir, “a vida vem em ondas como o mar”, como diz a canção. Tudo é energia, tudo flui através de ondas, e isto é um fenômeno comprovado fisicamente.

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Neste vai e vem, o julgamento e sua contrapartida também estão submetidos ao fenômeno ondulatório. O julgamento é o mundo se apresentando para a gente e sendo filtrado por nossos canais distorcidos e modulados pelo Sonho, o que costuma provocar uma resposta à altura desse julgamento, que é a conduta de vítima.

Ser vítima é uma reação e uma conseqüência a expectativas inadequadas, ou melhor, adequadas apenas ao Sonho, e não ao nosso instinto e nossa natureza essencial.

O jogo da vítima é absolutamente institucionalizado e aceito dentro do plano do Sonho. É incômodo, é verdade, mas nossa maneira de construir uma realidade sustentada por julgamentos implica na reação inevitável de sermos vitimados por estes mesmos julgamentos que fazemos todo o tempo.

Os planetas no horóscopo cumprem a dupla função de julgar e de ser vítima, o que é praticamente a mesma coisa que ser julgado como conseqüência dos nossos julgamentos.

Júpiter, por exemplo, julga moralmente, e depois se torna vítima moral do julgamento que faz, como forma de justificar-se e suportá-lo. Saturno julga o peso, a medida e a conveniência das coisas todas, e torna-se vítima do medo de sair da medida, perder os limites, perder a estrutura. Marte julga a energia investida, por si mesmo e pelos outros, julga a sexualidade e o vigor das coisas – em vez de simplesmente vivê-las como lhe compete – quase sempre com base em regras que nem sempre correspondem ao tônus e à natureza da pessoa; depois se torna vítima de seu desejo, vítima de seu gesto, que isto faz parte do script de manutenção do Sonho. Mercúrio vive do julgamento que cada palavra de seu discurso, cada movimento de sua compreensão produz; e é vítima da incompreensão que isto provoca, é vítima de eternos mal entendidos, ou pior, vítima da interpretação inadequada do que é real e do que é imposto a nós pelo Sonho. Vênus, o senhor do desejo, julga acompanhando os critérios impostos pelo Livro da Lei, em vez de simplesmente desejar com o coração; torna-se uma vítima contumaz de suas escolhas inadequadas e de seus desejos sem coração. Toda expressão destes planetas costuma ser acompanhada de culpa e sentimento de inadequação, por não estarmos acompanhando o desejo de nosso íntimo, por estarmos submetendo a expressão destes símbolos planetários a um modelo que muitas vezes não corresponde à nossa real necessidade. Esta culpa, para ser aliviada, precisa de que assumamos a postura de vítima, para não sermos responsabilizados pelo destino, ou sei lá por quem, por não termos respeitado nossa verdadeira natureza, por termos adotados critérios e regras que precisavam de julgamento, em vez de serem espontâneos e naturais, principalmente para amar.

Quem ama sem julgamento? Quem não conhece a condição de ser vítima do amor? Vítima das escolhas amorosas que foram produto de julgarmos entre o certo e o errado, entre o bom e o ruim, com base em critérios que são culturais, em vez de obedecermos nosso coração.

O que quer que vá contra o Livro da Lei irá fazer você experimentar uma sensação estranha no plexo solar, que é chamada medo. Quebrar as regras do Livro da Lei abre seus ferimentos emocionais, e sua reação cria veneno emocional.

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Quebrar as regras é muito difícil. Sempre temos a sensação de que temos algo muito precioso a perder, fomos convencidos disto desde a infância. Mas nunca sabemos o que é este algo que podemos perder. O que será?

Bem, entre outras coisas, perdemos a sensação de “pertencer”, esquecemos que pertencemos naturalmente ao mesmo plano, à mesma espécie, ao mesmo planeta, ao mesmo organismo cósmico, e vivemos a ameaça de, por qualquer transgressão ao Livro da Lei, sermos excluídos da tribo, e este medo constante nos assombra.

Sermos excluídos da espécie ou deixarmos de fazer parte do gênero humano é uma impossibilidade natural, mas isto não nos avisaram. Acabamos convencidos pelo contexto dos sonhadores que “pertencer” é poder prestar contas continuamente do que somos, de quem somos, do que estamos fazendo, do que fizemos. Somos na verdade uma biografia ambulante, uma descrição de nós mesmos e do que esperam de nós, e é comum esquecermos quem somos na verdade e nos confundirmos com a descrição de nós mesmos – a que fazemos e a que os outros fazem.

Talvez nos primórdios da humanidade, ou em pessoas que sobrevivem em condições muito precárias e selvagens, a presença da tribo realmente representasse proteção, mas, curiosamente, entre estas pessoas a ausência de medo e a auto-suficiência é notavelmente maior que entre os homens civilizados.

A idéia de que “não nos bastamos” se impõe quase que absolutamente como um código de leitura do horóscopo. A interpretação passa a ser feita em função da pressão, das cobranças do contexto onde a pessoa vive. Praticamente toda interpretação dos símbolos astrológicos costuma ser uma descrição das expectativas que a sociedade tem do indivíduo, e se ele está correspondendo ou não a elas, se está feliz por sentir-se aceito na tribo, por ter algum grau de importância na tribo, ter status, ser o que esperam dele. Bem, talvez isto seja o certo, não é? Quem sabe?

Os vínculos pessoais e sociais em geral, que poderiam corresponder a uma troca amorosa, a uma complementação energética e afetiva, acabam funcionando como desafios e questionamentos desnecessários; funcionam como exercedores de pressão, como se cada pessoa fosse uma “quadratura” que nos mantém eternamente vigilantes e atentos às ameaças do julgamento do “outro”, e sempre preparados para assumir o papel de vítima, completando a trama das relações de dependência.

Quando ousamos sermos nós mesmos, seguir nosso instinto ou coração, a reação que surge não é apenas a angústia existencial: realmente abrem-se as feridas de nossa desconexão com a essência, e temos que nos intoxicar de ilusões, ou de comportamentos típicos de vítima, para suportarmos a dor desta ruptura com a gente mesmo. Como Vítimas, fica mais fácil, a coisa se justifica, redime-se de certa forma.

A Astrologia do conformismo

É por isso que precisamos de um bocado de coragem para desafiar nossas próprias crenças. Ainda que saibamos não

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haver escolhido nenhuma dessas crenças, também é verdade que terminamos por concordar com todas elas.

A Astrologia, esta Astrologia que tem sido praticada durante tanto tempo, comprometida com o Sonho do Planeta, assusta-nos ainda. Percebemos eventualmente um tipo de aroma, uma certa luz que pode nos conduzir para além das Leis que regulam e nos mantém neste estado adormecido, mas muitas vezes nos falta a coragem para desafiá-las.

Está funcionando, está – teoricamente – dando “consciência” a nós, mas a consciência que uma Astrologia comprometida com o grande Sonho nos dá é limitada e delimitada pelas Leis reguladoras deste Sonho. É uma Astrologia engajada e comprometida. A consciência que ela nos dá é a repetição das normas e regras mantenedoras, adormecedoras. Satisfaz a vaidade intelectual, mantém-nos aparentemente ligados ao universo e com acesso às leis da Natureza. Mas nossa visão, empanada pela neblina do sonho, não nos permite ver além das descrições convencionais, de que Saturno é o medo, Marte, o sexo e a Lua, a mãe, e assim por diante. Intuímos que existe algo além desta descrição, mas quem de nós ousa ir além? Quem de nós ousaria romper com a regra, fugir do padrão, recusar-se a aceitar a mera descrição comportamental como modelo de consciência, quando não é consciência coisa nenhuma. Descrição não é consciência.

E quando prevemos o futuro, ou “analisamos tendências”, como dizem os mais modernos, ou “avaliamos o potencial” dos acontecimentos, como dizem outros ainda, o que estamos fazendo? Reforçando o sonho do que é certo e errado, projetando a pessoa no futuro do próprio sonho de que o que nos apresentaram como mundo é o mundo mesmo. Talvez até seja, mas é difícil sabermos, não é? Mas podemos todos questionar se este mundo ao qual estamos atrelados, esta “realidade” na qual estamos submersos e com a qual estamos comprometidos, permite nosso crescimento além dos limites dela, permite uma verdadeira integração com com a natureza, permite a constatação da plenitude que intuímos existir em nós.

E quando a Astrologia incorpora uma linguagem mais esotérica, quando os recursos interpretativos e a base filosófica da análise se sustentam sobre dogmas e conceitos religiosos, alguns vindo do Oriente e meio forçosamente adaptados à linguagem da Astrologia ocidental, enfim, quando isto acontece, o reforço da ilusão é maior ainda, mais enganoso ainda, pois nos afunda em afirmações que provavelmente não poderemos jamais constatar e experimentar conscientemente, compromete-nos com a idéia de que não temos responsabilidade total sobre nossos atos, e sim algum “outro” que fomos em outra existência, como se os egos reencarnassem e trouxessem junto todo seu vínculo ao livro da Lei, todo seu compromisso com a pequenez moralista do ser humano, com as experiências já vividas, com os débitos a serem pagos e outras mediocridades que nos desvinculam da possibilidade de sermos espíritos livres e iluminados, e nos atrelam com a alienação submissa de quem vive adormecido neste plano do grande Sonho coletivo.

Assim como o governo possui o Livro de Leis que regula o sonho da sociedade, o nosso sistema de crenças possui o Livro da Lei, que regulamenta nosso sonho pessoal. Todas essas leis existem em nossa mente, acreditamos nelas, e o Juiz dentro de nós baseia tudo nessas regras.

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O horóscopo pode ser visto como uma reprodução, uma expressão gráfica do Livro da Lei, e funcionar como um poderoso instrumento mantenedor na regulamentação do sonho pessoal, depende apenas de como for utilizado, e acreditamos que, até o presente momento, o horóscopo e a Astrologia são usados quase que exclusivamente para a manutenção da Lei e do Sonho, raramente para a libertação e transformação.

Como já observamos anteriormente, a linguagem da Astrologia está circunscrita aos limites e aos códigos de nossa mente, que por sua vez está atrelada ao estatuto moral da sociedade, seus princípios e regras. Não há muito como fugir disto. A Astrologia, assim como todas as leis que constam no Livro da Lei da realidade, está contida também em nossa cabeça.

Podemos usar interpretação para julgar e manter, alimentar o status quo, reforçar os padrões morais e manter a pessoa atrelada a seu nível de exigência. Poderíamos ousar afirmar que toda interpretação que seja coerente com a realidade, como a percebemos dentro dos limites de quem está adormecido, é um julgamento!

Certos padrões que se repetem na análise, procedimentos comuns, como por exemplo afirmações do tipo “você é assim!”, “você tem um grande potencial para a cura”, “tua capacidade de relacionamento está bloqueada pelo aspecto de Saturno com Vênus”, “o Urano dominante no teu mapa te torna uma pessoa excêntrica e com grande necessidade de ser livre”, “A posição de Pluto confere uma grande necessidade de poder – ou potencial para exercer poder”, são reforços ao estado de inconsciência ao qual somos todos submetidos pelo Livro da Lei, pois todas estas afirmações, citadas como exemplo, só fazem sentido em uma realidade na qual estamos separados dos outros, não estamos de fato vinculados à humanidade, nos achamos especiais e únicos, e estas características são muito eficientes para afastar a gente de si mesmo, para manter a gente dopado e embriagado pelo sonho cultural que vivemos.

Fazer uma pessoa sentir-se feliz e confortável dentro dos problemas dela, mostrar saídas para que ela se conforme e mude sem mudar nada na verdade, não creio que seja mal. Aliás, é o pouco que podemos fazer com a Astrologia tradicional. Mas esta estratégia e este uso da Astrologia é um meio de manter a pessoa adormecida, acreditando que aquela vida, aqueles problemas ou pequenas soluções, são tudo que lhe resta.

Talvez seja mesmo, não é? Quem sabe? Aliás, minhas defesas e meus medos estão aqui me cutucando desesperadamente para que eu não acredite que haja algo além daquilo que o mundo me convenceu que existe, não haja nada além da Astrologia que eu conheço, a não ser algumas novas técnicas e algumas variações sobre o mesmo tema. Será que resisto? Será que me entrego à pressão do sonho que está me assobiando que sou ridículo em querer pensar além do que me é permitido? Ai! Que faço eu?

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A multiplicação do castigo

O ser humano é o único animal na Terra que paga milhares de vezes pelo mesmo erro. (...) Temos uma memória poderosa. Cometemos um erro, julgamos a nós mesmos, descobrimos que somos culpados e castigamos a nós mesmos.

Está aí uma interpretação clássica da Lua: a memória. Esta conjectura, sobre nos punirmos muitas vezes pelo mesmo erro, mostra uma diferença bastante objetiva entre os seres submersos na grande ilusão e os animais, por exemplo. Os erros que cometemos, excluindo aqueles que são de fato prejudiciais à própria vida, são erros sob o ponto de vista de quem? O que são os erros na verdade, quem ou o que os define?

Um animal que, após horas espreitando sua caça, erra o salto e deixa escapar o alimento, cometeu um erro. Mas será que ele pára e se lamenta disto? Será que ele acha que isto é motivo de punição? Ou mesmo um cão doméstico, que morde uma criança que lhe puxou o rabo, errou de fato? Merece ser castigado? E a criança, errou?

O que são nossos erros? Estamos sujeitos a investir nossa energia em um projeto inadequado, ou podemos escolher para nos relacionarmos uma pessoa que depois nos trará problemas, eventualmente investimos nossas economias em algo que posteriormente se mostra um fiasco financeiro, enfim, são os erros que cometemos por nos encontrarmos na condição de aprendizes permanentes do viver, e estarmos sujeitos a isso. Serão esses os nossos erros ou estamos apenas condicionados a acreditar que são erros?

Mas dentro de uma ótica de que a vida é aprendizado, esses “erros” seriam motivos para sermos punidos? É motivo para sofrermos e nos martirizarmos muitas e muitas vezes, lamentando nosso fracasso, envergonhando-nos das escolhas erradas, e algumas vezes até mesmo somatizando estes sentimentos e frustrações até adoecer? Não estávamos, afinal, apenas experimentando e aprendendo?

Quem foi que determinou que temos que sofrer por não sermos perfeitos e estarmos neste constante aprendizado? Ah!! Este simbólico Livro da Lei, que impõe um modelo ilusório de superioridade e perfeição a todos nós.

E a vida se torna insuportável por esta cobrança de perfeição e superioridade, que foi forjada desde a primeira infância, na fase lunar da formação de nosso caráter, e estrebuchamos o tempo todo para sermos o que não somos. Não podemos ser perfeitos, e nos falta o tempo para refletir e questionar se é bom viver assim, nos punindo, com medo constante da falha, do erro, do fracasso e do julgamento que os outros que vão fazer de nós,

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exatamente como nossos pais e formadores faziam, e que nós mesmos continuamos fazendo o tempo todo.

Quando interpretamos Saturno em um horóscopo, e identificamos o possível medo do fracasso, da perda de estrutura, e percebemos as restrições potenciais, estamos usando quais critérios? E quais os parâmetros para definirmos o que restringe a pessoa? Ou no que ela mesma se restringe a partir da casa, signo e aspectos envolvendo este planeta? Será que não é hora de analisarmos criticamente estes conceitos de fracasso, restrição etc.? Em vez de ficar usando Saturno para simplesmente justificá-los e explicá-los, talvez possamos excluir estas “coisas” de nossas vidas, pois elas foram impostas e não são realmente necessárias a uma qualidade de vida e felicidade que poderíamos ter. São descrições de condições que não precisavam de fato existir, pois não existem nos outros seres da natureza, ou pelo menos não se manifestam da mesma forma perversa e limitadora como é percebido pela mente do homem.

E a Lua, dentro deste contexto, representa a função da memória e passa a conter – por suas correlação com o momento da formação da personalidade, a infância – o script que insistimos em repetir.

Quantas vezes fazemos nosso cônjuge, nossos filhos e nossos pais pagar pelo mesmo erro? A cada vez que lembramos um erro, culpamos a eles novamente e enviamos todo o veneno emocional produzido pela injustiça, depois fazemos com que eles paguem outra vez pelo mesmo erro. Isso é justiça?

As casas astrológicas, representando campos de expressão da consciência, ou melhor ainda, campos de projeção psíquica, são o território ou cenário onde se desenrolam estes dramas existenciais. Todas as casas têm seus personagens, as pessoas nas quais projetamos as respectivas expectativas de sua representação. Tem a casa da família e das pessoas do passado, dos empregados e do ambiente de trabalho, das pessoas que nos dão valor, daquelas a quem atribuímos valor, daquelas que nos confrontam e nos completam, das pessoas que nos traem, etc.

Todo este movimento das pessoas representadas pelas casas são projeções. Nada disto existe na verdade. Os dramas e alegrias são uma descrição que fazemos, a partir de nossas expectativas individuais, pois outra pessoa, vendo o mesmo fato acontecer, poderia ter uma interpretação completamente diferente da nossa, a interpretação dela.

A Lua e sua configuração é o que determina e fundamenta esta diferença e as particularizações na percepção das projeções das expectativas entre eu e outra pessoa. E esta diferença não está exatamente limitada pela configuração astrológica da Lua, apesar de esta configuração simbolizar o potencial para que administremos de forma pior ou melhor as qualidades lunares. A percepção do mundo através das antena lunar está determinada muito mais pela imposição e assimilação durante a infância de modelos que contrariam nossa natureza essencial, modelos impingidos principalmente através do convívio familiar, e que podem gerar o sofrimento daquele que assume o papel da vítima, que podem produzir a identificação e submissão ao julgamento constante do mundo e de si mesmo.

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A questão Saturno

No sonho do planeta, é normal que os seres humanos sofram, vivam com medo e criem dramas emocionais. (...). Se observarmos a sociedade humana, encontramos um lugar muito difícil de viver porque é regido pelo medo.

Saturno, Meio do Céu, Capricórnio, símbolos do nosso compromisso com a “realidade” social. Saturno tão temido, tão mal compreendido...

O último planeta visível, o limite entre tudo que acreditamos, ou fomos convencidos a acreditar, e o que está além, o invisível, o transcendente, que tantos de nós buscam avidamente, como se ir além do visível fosse a salvação.

A realidade “além de Saturno” é descrita por nós dentro dos limites descritos pelo Livro da Lei, é configurada através dos padrões a que estamos condicionados e que alimentam nosso estado de adormecidos. A realidade transpessoal, portanto, também está limitada aos critérios e padrões estabelecidos pelo Sonho do Planeta.

É como aqueles filmes que mostram um céu onde todas as vaidades, medos e desejos deste plano funcionam igualzinho, apenas as aparências são mais luminosas e clean, talvez em um cenário de núvens e harpas, mas projetadas como uma reprodução do Sonho do Planeta. Um grande shopping center angelical.

Será isto mesmo? Será que, conservando os mesmos desejos, os mesmos dogmas, as mesmas crenças e a mesma descrição do mundo, conseguiremos nos libertar deste estado de sofrimento e crueldade contra a vida?

Será que continuando a achar que este mundo é certo, que esta percepção que temos de nós mesmos e de nossos limites é certa, que nossa pequenez e mesquinhez é certa, que alguns são espiritualmente melhores do que outros, que alguém sempre tem que perder para alguém ganhar – um dos mais poderosos princípios da Lei que mantém o mundo em conflito – enfim, alguém ainda acredita na mudança, na melhoria dentro deste paradigma que o Sonho do Planeta nos impõe há tantos séculos?

A “questão” da casa X, e todos os símbolos envolvidos nela, solicitam o eterno testemunho e aprovação do outro, da sociedade, para confirmar nossa existência, nossa realidade, mesmo que aparente e sonhada. A questão da casa VII também tem esta função, “sei que existo porque tu existes”. O testemunho do “outro” funciona muito mais como uma submissão ao julgamento do que como simples referência.

É o “outro”, seja um indivíduo seja a sociedade, que determina e exige que o Eu se mantenha adormecido e comprometido com esta Lei apequenadora. Cada vez que precisamos do “testemunho” de alguém para nossa existência, cada vez que dependemos

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disso para confirmar o que sentimos e vivemos, cada vez que precisamos nos sentir aprovados e aceitos, estamos na verdade procurando o endosso e a confirmação de que estamos cumprindo a Lei, esta mesma Lei que provoca a separação entre os Homens, que desperta a competição, a crueldade social, a arrogância e egoísmo de muitos.

Cada vez que queremos mostrar ao mundo nosso sucesso, nossa conquista, desejamos na verdade ser avalizados e reconhecidos como sintonizados com a Lei. A vaidade é uma ferramenta através da qual somos usados e escravizados a este sistema, é um soporífero que nos afasta de nós mesmos todo o tempo.

Cada vez que estamos amando, e queremos gritar ao mundo nosso amor, nosso encanto, é possível que estejamos na verdade inseguros, não acreditando que o amor possa realmente estar acontecendo, e queremos a aprovação do mundo, precisamos do testemunho, buscamos nos outros a confirmação de que o amor possa existir em nosso coração. Neste momento submetemos o amor ao paradigma da vaidade e das regras que determinam que eu não posso ser senhor de minha vida e meu destino sem a aprovação da sociedade, dos outros.

E continuo adormecido, e o amor que sinto se funde e dilui-se no meu sonho, no sonho de todos nós, que, se pensarmos bem e diante de tantas regras e restrições, não parece estar sendo um sonho de plenitude, liberdade e felicidade...

Se compararmos o sonho da sociedade humana com a descrição do inferno fornecida por quase todas as religiões do mundo, descobrimos que são a mesma coisa. As religiões dizem que o inferno é um local de punição, de medo, dor e sofrimento, (...).

É interessante a analogia que a Astrologia faz entre o Inferno e o signo, casa e regente de Escorpião, o signo da transformação. Num raciocínio básico, parece que a idéia de Inferno tem grande correspondência com o processo de transformação propriamente dito, e praticamente todos os sentimentos negativos relacionados a este “viver no inferno”, como o ciúme, o ódio, a inveja, são manifestações do medo da transformação, costumam aparecer quando é momento de se transformar e sair um pouco do velho Sonho.

Se pensarmos no Livro da Lei, e nos regulamentos que fazem da nossa existência um tipo de inferno, onde em geral, o lado mais feio e pequeno do Homem prevalece, veremos que a transformação pessoal é contra todos os princípios que regem a manutenção do Sonho do Planeta. Mudança é tudo que não convém, a grande ameaça ao sonho, o risco de nos despertar. Aceitar e viver a transformação nos liberta do sonho (ou pesadelo para alguns), coloca-nos de frente com a verdade, conduz-nos a um confronto com a realidade e liberta-nos das mentiras que nos contamos para aceitarmos viver atolados na estagnação da não-mudança.

Talvez por isso exista tanto preconceito contra o oitavo signo, a oitava casa e Plutão, seu regente, indicadores notáveis de mudança e renovação. São apresentados muitas vezes como canais do pecado, do sofrimento, da obsessão, da sexualidade inadequada, e principalmente, da Morte, como se a Morte fosse algo a ser evitado e temido com todas as nossas forças.

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Claro que biologicamente estamos comprometidos com a vida, mas também estamos envolvidos com a inexorabilidade da morte. Mas quando a Lei mantenedora do sonho nega a idéia da morte, apresenta-a sempre como perda, dor, sofrimento, e apenas isto, na verdade a idéia é nos remeter para a casa II, a casa dos valores pessoais, para uma visão distorcida da casa II, transformando este campo de projeção em uma relação absoluta com a forma, com a posse, com a matéria e nossa relação com estas coisas como a única forma de evitar a tão temida morte. Na verdade, o que se pretende evitar com esta negação cultural da morte é que percebamos que morrer é transformar-se, e cada pequena transformação é uma pequena morte.

Associar a morte e o inferno a Escorpião e sua questão é uma forma de nos manter afastados do “bicho-papão”; um esquema muito bem elaborado pela cultura do Sonho para que neguemos e vejamos sempre a transformação como o mal, como a dor, como a perda. Assim, nos apegamos cada vez mais à realidade material, como se ter bens e propriedades mantivesse a plenitude da vida, desse algum poder de superar a inevitável morte e tirasse-nos do caminho do fim da realidade material, do fim do corpo físico, do fim do ego e da vaidade.

Sinto muito por todos nós, mas acreditar nisto só traz sofrimento e solidão, porque tudo acaba e tudo se transforma.

Ah! Ainda temos a esperança de continuar depois da morte, com o mesmo Ego. Outra ilusão para nos manter sonhando e impedir-nos de agir e de nos transformarmos enquanto estamos vivos e encarnados.

Creio que algo em nós se dilui no universo, nossa energia vital se funde com a totalidade da Natureza, volta para os lábios de quem soprou a vida em nós, e nosso espírito, talvez vague ou vá mesmo para algum lugar de aprendizado, mas nada disso podemos saber ou controlar.

O ego, nossos apegos e medos, nossas vaidades, pequenos poderes e bens materiais aos quais nos vinculamos, nosso corpo, estes acabam mesmo! Apesar de preferirmos acreditar em algo “além” para satisfazer nosso apego ao sonho do planeta, para o qual a função do “apego” e da “conservação” das formas é uma das mais importantes referências.

Sinto muito, sinto por todos nós, pois sair da ilusão significa provar o sabor ácido da des-ilusão. É o preço.

Toda a humanidade busca a verdade, a justiça e a beleza. Continuamos procurando sem parar, quando tudo já está em nosso interior. Sempre que voltamos nossas cabeças, o que vemos é a verdade.

Bem, acreditamos no que queremos acreditar, e também no que fomos convencidos a acreditar. E imaginamos que, acreditar com base em referencias que nos foram condicionadas é um caminho que só serve a alguns senhores, ter fé em coisas e princípios externos a nós mesmos apenas satisfaz aqueles que algo querem obter de nós.

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Basta ver a história de absolutamente todas as religiões institucionalizadas, por melhor que sejam as intenções de seus divulgadores e sua boa fé, todas estão certas, todas são portadoras da verdade divina. Basta ver algum tipo de Astrologia tentando convencer as pessoas que está certa, que através dela se sabe alguma verdade e descobre-se algum caminho, desde que se acredite nela, é claro. Tudo no mesmo balaio. Tudo instrumento para manter a pessoa “crente”. E é preciso estar dormindo para ser um “crente” e dar crédito ao que nos contam astrólogos, psicólogos, padres, pastores e pais. Se estivermos acordados, em vez de acreditar passivamente, vamos experimentar, testar e ver o que podemos fazer com tudo isto... ou não?

Duvidar é um poderoso instrumento de aprender, de crescer e de libertar-se. E quanto a procurarmos justiça, beleza e verdade fora de nós, a Astrologia nos ensina que sempre buscamos preencher os espaços vazios. Os elementos que temos em menor quantidade no horóscopo são aqueles em que mais nos concentramos e os que mais tentamos viver. Será o reconhecimento da dificuldade que temos em constatar a verdade, a beleza, a justiça dentro de nós a motivação para que nos coloquemos a busca-las fora de nós?

Acontece que tanto o que temos “a mais” em termos de presença, quanto o que nos falta energéticamente, de acordo com os símbolos astrológicos, está realmente dentro de nós, que ninguém nasce imperfeito diante da perfeição e impecabilidade da Natureza e tudo que precisamos já está contido em nosso ser.

Não enxergamos a verdade porque somo cegos. O que nos cega são as crenças falsas que temos em nossas mentes. Temos a necessidade de estar certos e de tornar os outros errados.

Bem, creio que temos que ter algum cuidado para que a Astrologia que praticamos não seja também uma crença falsa em nossa mente. Será que é? Como podemos saber? Quem de nós, apaixonados pela Astrologia, eternos estudantes desta linguagem, está realmente certo de que a Astrologia que conhece e pratica está certa?

Nosso bom senso, nossa lógica, nossos critérios mais razoáveis nos dizem que a Astrologia que praticamos – e estou estendendo esta idéia às várias linhas e estilos de prática astrológica – é correta e honesta. Mas e se nosso bom senso, nossa lógica, todos os limites culturais de nossas fórmulas de entender o mundo não estiverem certos?

Bem, creio que jamais saberemos quem está certo. Mas a quem importa realmente estar certo ou não? A quem devemos satisfação de nossa verdade ser a verdade correta?

Se um conhecimento é fonte de sofrimento e controle, ou fonte de mais ilusão e acomodação, creio que ele não é um bom conhecimento. Creio ser esta uma boa fórmula para adotarmos como critério de avaliação de nosso trabalho com a linguagem astrológica.

Simplesmente sermos nós mesmos é o maior medo dos seres humanos. Aprendemos a viver nossa vida tentando satisfazer as exigências de outras pessoas. Aprendemos a viver pelos pontos

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de vista de outras pessoas, por causa do medo de não sermos aceitos e de não sermos bons o suficiente para outras pessoas.

Creio que este aspecto – o medo de não sermos aceitos ou de não sermos bons o suficiente para outras pessoas – sugere um problema fundamental na leitura do horóscopo.

O significado dos planetas e configurações pode ser bastante distorcido em função desta expectativa da pessoa, que a motiva a reagir de forma distorcida, contrariando sua natureza, pelo medo de desagradar e não ser reconhecido e aceito por aqueles a quem ama.

Claro que, por mais que tentemos trair nossa natureza essencial, mostrada pelo mapa astrológico, não vamos conseguir fugir muito do que os símbolos sugerem como nossos potenciais básicos, e neste caso, estamos sujeitos a ter que expressar estes potenciais de forma bastante inadequada e corrompida para tentar nos adaptar a um contexto exterior, a uma cobrança que nem sempre vem das pessoas, muitas vezes vem de nossa crença condicionada do que é certo e errado, crença esta imposta pelo sonho da humanidade, o Sonho do Planeta.

Por isso, muitas vezes expressamos certas qualidades de nosso horóscopo de forma tão inconveniente e incompreensível, e outras vezes, traímos nosso próprio destino e ficamos perplexos quando uma configuração planetária que poderia representar qualidades positivas e interessantes expressa-se através de nossas atitudes e dos acontecimentos decorrentes como fonte de conflitos e problemas.

O medo de não ser aceito é representado (tradicionalmente) através da questão da casa IV e seus representantes essenciais e acidentais; sedimenta-se na casa II, onde vivemos a eterna batalha para estabelecer e definir nosso real valor; expressa-se também pela questão VIII, que é onde as referências da casa IV se “cristalizam” (a VIII é a V a partir da IV); são “recebidos” do mundo externo através da casa X, o grande complemento da casa IV, a informação estruturadora que vem do mundo exterior e é assimilada pela nossa família e vivida através de nossa história pessoal.

Vale uma boa analise destas questões, sem preconceito, sem se apegar ao velho e anacrônico modelo meramente descritivo. Talvez a idéia de se perguntar o QUE foi imposto e condicionado a mim através destas experiências (casas, questões), e o que tenho que fazer para me libertar disto, como posso me rebelar contra tudo isto, pode ser algo funcional e interessante para nos auxiliar a despertar.

Mas só de pensar nisto fico arrepiado e me inclino a desistir imediatamente. Afinal, quem quer enfrentar o mundo, o Livro da Lei, e no fim, ficar só? Esta é a grande ameaça que acaba nos obrigando a ceder ao Sonho do Planeta.

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O SONHO DO PLANETA – PARTE 2

Reflexões sobre o estado de sonhadores

“Não posso manter acordos dos quais não participei. Eu não estava quando se firmou o acordo de que sou um imbecil. Assim, eu não o aceito”

Don Juan, citado por Carlos Castañeda

É tudo uma imensa utopia. Esta teoria do Sonho do Planeta é tão provável quanto qualquer outra teoria. Podemos preferir acreditar na necessidade da forma e da imagem e no poder da posse, e isto ser tão real quanto a tese do Sonho do Planeta. Jamais saberemos. Mas uma coisa podemos perceber, independentemente de aceitar ou não, acreditar ou não: o processo de domesticação e condicionamento de nossa mente, a imposição de uma cultura, de um modelo de realidade qualquer.

Se isto é bom ou mau, se é certo ou errado, se aceitamos ou não, não é o que estamos nos propondo a discutir aqui, mas simplesmente estamos avaliando a possibilidade de existir uma programação externa, e que esta programação – fornecida principalmente pela família e pelos educadores como interface entre o indivíduo e a sociedade – é o que determina a maneira como usamos nossos recursos e possibilidades, e não é necessário termos dúvidas deste fato. É palpável, é físico, é observável em cada um de nós e em cada um ao nosso redor. Poderíamos imaginar o que seria nossa vida sem esta programação imposta. Como seríamos? Não sei se melhores ou piores, mas... quem sabe?

Os animais selvagens e alguns raros seres humanos não são sujeitos a este tipo de programação cultural, moral, econômica. Será que é isto que distingue os homens civilizados dos selvagens? Um script imposto, um programa do qual não conseguimos fugir?

Todas as técnicas que conhecemos e que são aceitas no ocidente para que o Homem resgate seu equilíbrio e conquiste algum bem estar, como a yoga ocidentalizada ou as psicoterapias em geral, estão comprometidas e são definitivamente vinculadas à manutenção deste “script” social, ou das Leis do Sonho. De certa forma a pessoa se integra e sente felicidade na medida em que não é agredida pela cultura e pelo ambiente, na medida em que consegue conviver e sobreviver aos fatores externos, na maioria das vezes ignorando ou negando muitos de seus talentos e capacidades naturais, inclusive, mantendo tudo que é instintivo e básico sob o mais rígido controle. Quanto maior o controle de si mesmo, maior a chance de ser aceito e “amado” por seu grupo social.

A aceitação do indivíduo pelo grupo parece ser o “ponto de fuga”, o foco principal deste painel que compõe o processo de manutenção do Sonho do Planeta. Ser aceito, ou ser

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amado – de acordo com a interpretação de alguns – é experiência que nos motiva a ser como somos, a obedecer as leis e até mesmo a transgredir nossos desejos mais íntimos e nossos instintos.

O Horóscopo é uma destas técnicas que busca integrar o homem a um determinado contexto, ou melhor, busca reintegrar o ser à sua condição natural. Mas como os astrólogos estão vinculados e comprometidos com o paradigma do sonho, da manutenção de valores, da transformação apenas dentro do que é permitido pela Lei do Sonho, a Astrologia perde, dentro dessas condições, a sua função de resgate do homem natural. O problema não é a Astrologia em si, pois suas bases filosóficas são perfeitas para estabelecer a conexão com as condições naturais do ser. O problema está com os astrólogos, nós, que infelizmente estamos, em geral, comprometidos demais com a manutenção do sistema de valores aos quais também fomos condicionados e dentro do qual nascemos e fomos domesticados. Isso tudo nos leva a fazer um possível uso distorcido e inadequado da Astrologia, como se ela fosse um simples sistema analítico, um tipo de psicanálise meio mística, meio muzzarela, uma linguagem descritiva que insiste em determinar o Ser, mantê-lo dentro do seu próprio nível de exigência e de seu critério de realidade, confortável e talvez até feliz, mas mudar mesmo, ah! Isso jamais!

E como estamos todos de alguma maneira comprometidos com o Sonho do Planeta e com a manutenção deste sonho, um dos condicionamentos fundamentais para que consigamos sobreviver à ausência de nós mesmos, à perda de contato com nossa essência, é jamais pararmos para examinar aquilo que achamos que somos, não parar nem um instante de se descrever e se esforçar para manter uma certa imagem idealizada de si mesmo, jamais fazer autocrítica, pois o distanciamento crítico pode-nos fazer perceber que talvez estejamos vivendo um imenso equívoco. E o tal do Sonho do Planeta e suas leis não permitem que se faça isto, pois a ilusão de vida que vivemos é muito frágil diante da força verdadeira da Vida, e não sobreviveria a um segundo sequer se fosse confrontada com coragem.

Podemos formar uma imagem curiosa sobre o estado do viver dentro do Sonho. Se considerarmos a Água, elemento que representa o sentimento nos planos mais profundos e reais, e também as emoções, quando se refere esta energia à expressão do Ego; e se considerarmos o Ar o elemento através do qual se forma a realidade “pensada”, idealizada, onde se formam as ilusões – que podem ser simples descrições de como percebemos a realidade – , e se entendermos que vivemos normalmente a fusão deste mundo das idéias e deste mundo das emoções, o que cria um Ar molhado, ou uma Água aérea, algo muito semelhante a uma neblina, uma névoa que é talvez o elemento mais ativo e participante na formação de nosso cotidiano, de nossas ilusões.

Teríamos formado aqui um quinto elemento, a Neblina, que é a fusão do sentimento com o pensamento, da água com o ar, e que carece principalmente do elemento Terra, o elemento das sensações e da forma. Se assim for, onde está neste úmido universo a realidade física? Bem.... de certa forma, talvez seja toda ela, a realidade física, uma criação da mente e dos sentimentos, ou dos desejos... figuras criadas da neblina, com a mesma substancialização dela, efêmera como ela, pois qualquer golpe de ar – o que dentro desta simbologia representaria um pensar vigoroso e realista – ou uma onda mais forte na água das emoções, poderia espalhar a neblina, deixaria a Luz invadir e talvez apagar todos os fantasmas, todas

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as expectativas, praticamente toda a realidade criada com esta substância da qual se formam os sonhos.

O homem natural e as sementes da cabaça

O horóscopo mostra, em princípio, duas possibilidades:

A primeira é um ser natural, o Homem Natural, uma entidade plena, absoluta e integralmente comprometida com o organismo planetário que ele habita, como uma célula, como uma bactéria integrada a seu hospedeiro. Acreditamos que o horóscopo originalmente pode ser visto como uma apresentação deste Homem, desta entidade natural.

Este “Homem Natural” na verdade pode ser também compreendido como uma entidade imaterial, uma manifestação energética, uma “emanação da Águia”, como diria Don Juan Matus. Ele é composto originalmente de energia caótica da natureza, que se condensa e se manifesta, ou seja, quando esta energia pura se organiza, toma forma e se manifesta, o homem acontece, passa a existir através das idéias, do sentimento e do intento. O Sentimento e o Intento são expressões naturais da energia cósmica, correspondem à manifestação da vida em si mesma e à matéria prima com a qual se constrói a realidade, da qual se compõe a “real realidade”, que é a realidade do encanto, e não da ilusão.

O acesso a essa possível realidade primeira, ao lugar do “encanto”, acontece ao se chegar ao “estado de graça”, um estado que corresponde a ter consciência a partir do contato com a energia fundamental dos sentimentos e do intento, um estado que corresponde a estar sintonizado com o fluxo de energia do universo.

O sentimento, no caso, não deve ser confundido com emoção, que é uma expressão do ego e da psique. Sentimento existe em todos os seres, independentemente do uso ou não da razão. É uma forma pura de expressão da energia essencial, seja por exemplo a alegria, seja o medo. A emoção é um sentimento. Sente-se emoção.

O intento é a força natural que move os átomos, que movimenta e direciona a energia vital, conduzindo-a para um estado de aglutinação, dando a ela forma e consistência. O intento conduz a energia do sentimento para o mundo da forma e das sensações, o mundo do “Tonal”, como era denominado pelos xamãs toltecas.

Poderíamos dizer que o Horóscopo mostra, em uma primeira análise, o plano e a estrutura energética do homem, onde o sentimento e a energia vital em estado puro se direcionam para este ou aquele módulo, e mostra também em uma segunda etapa a aglutinação desta energia caótica, onde ela se transforma em realidade, em gesto, em objeto, em caráter, em personalidade ou qualquer outro tipo de formatação que a energia aglutinada possa assumir.

Tudo que existe – a pedra, o perfume, o som, a cor, o gesto – é materialização da energia vital e caótica da qual se compõe o universo, em infinitos níveis de freqüência e amplitude. A física moderna prova e comprova isto.

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Quando unimos – através do intento – a energia essencial, vital e caótica, que nomeamos aqui, por analogia, como “sentimento”, com a energia aglutinada e formatada a que chamamos matéria ou realidade física, construímos e permeamos o mundo, atravessamos os espaços vazios entre as formas e os gestos e expressamos e experimentamos o que conhecemos como Vida.

Uma segunda coisa que o horóscopo pode mostrar é onde este Homem Natural é mais frágil, onde ele pode ser manipulado e receber programas e condicionamentos que distorçam sua natureza, quais seus pontos fracos, por onde uma realidade externa pode ser implantada em sua psique. Mas o horóscopo não mostra que isto vai acontecer, apenas nos sugere por onde pode acontecer, ou que simplesmente pode acontecer.

Somos apegados e estamos comprometidos com o sonho do planeta, e este é talvez o paradigma mais fundamental da existência do Homem contemporâneo. Don Juan Matus dizia que o homem é um macaco agarrado a sementes dentro de uma cabaça. Ele sabe que para ser livre basta abrir a mão e largar as sementes, mas não faz isto, não consegue fazer. As sementes são o Sonho do Planeta, são nossas expectativas sociais que nos aprisionam, são a imagem que construímos para sermos aceitos e coerentes com esse acordo histórico e do qual não fizemos parte.

A visão que podemos ter do horóscopo tende a ser a visão de seres agarrados às sementes dentro da cabaça: recusamos largar as sementes, recusamos abrir mão de um modo específico de ver a realidade e de nossa mania ou até compulsão de alimentar e manter a auto-imagem que nos foi proporcionada por nossos pais e pela sociedade. Esta é a segunda visão do horóscopo, aquela que mostra nossas fragilidades e nosso comprometimento com o que esperam da gente.

Neste caso, o mapa astrológico passa a ser um excelente referencial de expectativas. Cada configuração, cada aspecto vai representar um tipo de expectativa, algum espaço a ser preenchido, algum tempo a ser vivido, mas sempre dentro de um padrão que não é necessariamente o nosso. O horóscopo se torna um mapa da expectativa que o mundo tem de nós, e nossas expectativas passam a ser reações ao que o mundo externo espera de nós, num tipo de movimento circular, e assim ele é visto e interpretado dentro do padrão imposto pelo Sonho do Planeta.

De alguma forma, existe algo como uma “expectativa coletiva”, que cria a realidade como nós a concebemos, o Sonho do Planeta, o mitote dos xamãs, o Maya dos indús, e esta expectativa é maior e mais poderosa que a capacidade pessoal de idealizar e criar nosso próprio sonho, nossa própria realidade, e de alguma maneira nos constrange ou nos corrompe ou nos seduz e nos obriga a nos submetermos a ela, a submetermos nossas qualidades pessoais e nossos talentos a ela.

Estamos perguntando neste momento: “... mas o que vamos olhar no horóscopo então? Este cara é maluco! A vida é o que é, e temos que usar a Astrologia para tentar melhorá-la, o que já é uma grande coisa....”

Isto está certo, é assim mesmo que fazemos, estamos agarrados demais às sementes dentro da cabaça para imaginarmos que poderia ser diferente. Mas existem pequenas coisas que podemos fazer. Tentativas frágeis, delicadas, suaves diante da imponência do sonho que

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nos consome e absorve tanto, diante da nossa necessidade de preservar nossa imagem construída, nossa crença em um mundo e em um tipo de mundo que aprendemos a amar.

A primeira coisa a fazer é entender o mapa dentro do conceito de Energia Pura, energia vital, energia do Caos, e a partir disto, fazer uma fusão entre este conceito e os conceitos de forma, de materialização desta energia, pois que tudo é energia, e podemos olhar a partir de um lado físico formatado por nossa mente ou dentro uma perspectiva energética e sem forma. Ou melhor ainda, podemos olhar de ambas as maneiras.

Casa VII e potencial de relacionamento

E na distancia infinda que há num beijoEntre a boca beijada e a que beijou

Nem tu nunca serás como eu te vejoNem nunca me verás conforme eu sou

(ENIGMA/Miltinho e Magro)

Precisamos considerar que o Ser está submetido a um contexto maior que ele: o ambiente planetário e as condições sociais ao nosso redor são muito poderosos, e qualquer análise que fizermos de um indivíduo, através do horóscopo ou outro instrumento, tem de levar em consideração a pressão do ambiente. A análise pode ser feita não a partir dos potenciais do indivíduo, simplesmente, mas da correlação entre suas qualidades naturais e a possibilidade destas qualidades se manifestarem em um contexto que pode ser hostil a algumas características e bastante favorável para outras.

Por exemplo, se analisarmos o potencial de relacionamento de alguém, através da observação da sua Questão VII, os planetas que estão presentes nesta casa, seu planeta regente e a casa onde se encontra, a posição de casa e signo de Vênus que cumpre a função de indicador universal da questão VII, a configuração da Lua que funcionará como referência dos nossos filtros e defesas inconscientes. Se considerarmos também as casas ou “campos de projeção psíquica” envolvidos com esta área, como a casa XI e a casa III, respectivamente, onde se cristalizam os relacionamentos, e onde eles se tornam ideais ou idealizados, enfim, todas as configurações astrológicas que se referem à questão do relacionamento no mapa de um indivíduo, teremos ainda que considerar que toda avaliação dos potenciais de associação desta pessoa tem que levar em conta o mundo físico no qual ela vive, a realidade social, o que o Sonho do Planeta espera e programa para ela em termos de relacionamento. Não é possível analisar estes potenciais sem levar em conta toda a pressão e todos os condicionamentos aos quais esta pessoa é submetida desde a infância.

A questão amorosa, ou melhor, tudo que envolve os relacionamentos e associações da pessoa, representados pelo sétimo acorde e suas configurações, como exemplifiquei acima, depende dos critérios coletivos de amor e relacionamento, depende das leis e regras estabelecidas pelo Sonho do Planeta e reconhecidas pela sociedade como o que é certo ou não é certo.

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Mas, dentro de nós, muitas vezes aparece um ser selvagem, aparece a necessidade de viver o amor e a relação em outra dimensão, talvez mais instintiva, talvez mais biológica, menos formal, e aí vem a cobrança, a culpa, o sentimento de estarmos transgredindo as regras. Que regras são estas? Algumas são determinadas pelo bom senso e necessidade de preservar padrões de segurança, outras pelo respeito aos limites e contingências biológicas do ser humano, mas estas, se nosso instinto de sobrevivência não estiver detonado, não podemos transgredir, pois não há força que nos afaste da vida em si mesma, a não ser a loucura e o excesso de pressão. Essa transgressão biológica e agressão à própria vida não está no horóscopo, não está em nenhuma programação conhecida da natureza.

Outras regras, aquelas estabelecidas pela necessidade de preservação do Sonho, aquelas que tem conotação meramente moral e apenas servem para conservar a forma e o padrão sociocultural aceito pelas leis do Sonho do Planeta, muitas vezes distorcem ou bloqueiam a livre expressão dos potenciais do horóscopo. A partir disso, dizermos que Vênus ou o planeta que está presente na casa VII representa um potencial de relacionamentos x ou y pode ser um grande equívoco, tanto de quem está interpretando, quanto de quem está ouvindo.

Se nós pensarmos no relacionamento – ainda dentro deste exemplo – em um plano natural e instintivo, estaremos abordando questões que talvez nunca possam ser devidamente expressadas em função dos bloqueios e impedimentos determinados pelas Leis morais do grande Sonho. E se nós – intérpretes – por estarmos também submersos e comprometidos com o Sonho, fizermos uma leitura dentro de nossa percepção e decodificação “autorizada” dos símbolos, sempre dentro da Lei que nos foi imposta e por nós assimilada, certamente nossa interpretação vai “bater”, ficaremos orgulhosos de sermos “bons astrólogos” e vamos endossar os padrões sociais de relacionamento permitidos e estabelecidos pelo Sonho. E nada vai mudar, e nada vai acontecer simplesmente.

Bem, talvez esse procedimento seja o mais correto e eu esteja especulando sobre uma utopia, uma impossibilidade, não é? Mas vou continuar nesta especulação, pois algo dentro de mim está insatisfeito e pede que eu continue esta escavação dentro dos critérios que nortearam minha própria vida. Pressinto como que um certo brilho, uma chave, uma passagem que não consigo ainda atingir, mas que está lá me esperando, e se eu insistir e continuar, em algum momento a porta se abre, e aí posso escolher entrar ou ficar, mergulhar ou ficar. A escolha ainda é minha.

Acredito que os arqueólogos e outros exploradores de mistérios, diante de uma caverna, diante de seu sentimento de busca e questionamento, sentiam que havia portas, recantos, mistérios para serem descoberto atrás de cada sombra, dentro de cada obscuro espaço a ser penetrado. É o que sinto neste momento. Mas também tenho a sensação de que, se continuar, tudo que eu sempre soube, ou achei que sabia, perderá o sentido, e que talvez, se descobrir novas verdades, novas versões para a verdade, se conseguir por uma fração de segundo ficar independente do sonho, saltar do aquário onde estou submerso, ficarei só.

E este é nosso maior medo. Agarramo-nos às informações assimiladas, às regras que nos deixam seguros e coerentes, aos comportamentos, aos estilos, às técnicas que permitem uma aceitação de nosso trabalho, de nossa vida pelas pessoas, e sabemos que, se nos atrevermos a questionar e contestar tudo isto que praticamos, o preço pode ser o

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isolamento, o deboche, a ironia dos que permanecem. Por isso é mais fácil e cômodo não questionar, não colocar em dúvida nosso conhecimento, nosso trabalho. Por isso é tão incômodo questionar a Astrologia e a prática da Astrologia que tem sido tão “eficiente” durante estes séculos, ou décadas. Eficiente para manter o mundo como ele é, apenas isto.

Não estamos tolamente pretendendo mudar o mundo, ou simplesmente quebrar as regras, mas temos a lucidez de perceber que alguma coisa não encaixa nisso tudo, alguma coisa que, apesar de toda informação maravilhosa que a Astrologia e a análise do horóscopo proporcionam, continua igual, sempre a mesma, como um som contínuo, tão perene que já não o ouvimos mais. Tantos anos de trabalho e, na verdade, nada mudou, pelo menos nada que não mudaria naturalmente, dentro dos limites permitidos a nós, seres domesticados. A corrente do cachorro vai até um certo ponto, e ele se acostuma tanto a isto que raramente sente que está acorrentado, e acaba entendendo a corrente como uma parte do seu próprio corpo.

Quem se olhar um pouco, com algum distanciamento crítico, certamente sentirá. E o que estou dizendo não é uma insatisfação pessoal apenas, não é uma mera visão egóica do mundo sustentada por meus próprios problemas, que estes eu procuro confrontar e administrar. É uma percepção maior, como uma voz, como um ruído incômodo, como o sentimento de que estamos sendo sonhados por um imenso sonhador, e que nos esquecemos há muito tempo de quem realmente somos e podemos ser, e tudo que fazemos é com a finalidade de endossar e reforçar este esquecimento, inclusive a Astrologia.

Nossa tendência normal é negar, ironizar, sermos sarcásticos com tudo aquilo que nos incomoda. Temos este tipo de procedimento como atitude pessoal muitas vezes, mas temos também como atitude coletiva quando algo, uma nova informação, um novo questionamento, vem mexer com os padrões de ilusão aos quais estamos acostumados e condicionados. A gente pára de ler, a gente pára de pensar, a gente diz que é uma bobagem qualquer coisa que atinja o ponto de ruptura, que passe perto da tênue membrana que divide o plano do sonho do plano da realidade. Negamos e ironizamos tudo que nos possa conduzir ao ponto de ruptura porque precisamos de defesas contra o desconhecido, e precisamos de estratégias para dar significado à nossa existência, para nos sentirmos alguma coisa, alguém dentro de uma realidade sonhada, e nem sempre sonhada por nós mesmos, e estas estratégias, como a ironia e o deboche, por exemplo, invalidam e ridicularizam toda alternativa que não seja aquela à qual estamos passivamente condicionados.

Existem práticas, procedimentos, atitudes mágicas e rituais que permitem que a gente vá despertando e recordando nosso estado natural, lembrando que somos anjos que se esqueceram de sua condição divina e se comprometeram e se corromperam com o plano da forma. Vamos ousar falar disso, e ousar tentar chegar a algum lugar, que na verdade é lugar nenhum... Estas indagações talvez não levem a nada, talvez levem à tudo, não importa. Fazendo se faz, caminhando se faz o caminho, e isto importa.

O SONHO DO PLANETA – PARTE 3

O guerreiro, o amante, o herói e o mimado

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Carregando a cruz

A cruz, os quatro grandes ângulos do horóscopo, determina os vértices da estrutura, os pontos de partida do modelo, da estrutura existencial simbolizada pelo mapa. Por isso a cruz é tão importante em tantas cosmogonias, tão importante como símbolo em tantas magias, em tantas alquimias. Representa mais que a estrutura pessoal, rerpesenta todas as estruturas, do micro ao macrocosmos, e através dela, desta misteriosa chave “tetra”, podemos abrir muitas portas e termos acesso a muitas dimensões.

Quatro estilos, quatro formas, quatro caminhos distintos de manutenção e incorporação da realidade podem ser identificadas através do símbolo da cruz, seja dentro do Sonho do Planeta e suas leis, seja como modelo e procedimento para que despertemos desse sonho.

O primeiro tem analogia com o Ascendente: é o CAMINHO DO GUERREIRO, que é o caminho do Ser que sabe permear a realidade. É a marca da impecabilidade no agir, que permite que a pessoa se desenvolva e realize seu projeto.

Mas, no plano do Sonho, o Guerreiro é domesticado e treinado para ser um Herói, apenas um Herói, e viver passa a ser um ato de heroísmo, enquanto, para o Guerreiro, a vida é uma luta para ser lutada, um caminho para ser percorrido, uma aventura para ser vivida.

O Herói é um cretino. Todo seu movimento costuma ser sustentado pelo medo, pela covardia, pelo sentimento de que, se não fizer o que lhe mandam fazer, ou o que lhe disseram que seria o “certo”, será abandonado à sua própria sorte e ficará só, como todos os heróis acabam ficando. A fenomenologia motivadora da performance do Herói inclui sempre o Medo, a Vaidade e a Moral, respectivamente as anti-virtudes dos signos do elemento Fogo: Áries, Leão e Sagitário.

O Guerreiro assimila e atua em função das virtudes, as qualidades positivas destes signos, respectivamente, a capacidade de Agir, a capacidade de Centralizar e a capacidade de Idealizar.

Mas o que o Sonho do Planeta e sua interface, nossos pais e educadores, nos cobram, é a importância e a necessidade de sermos heróis, que corresponde a uma condição muito mais cômoda e pertinente à manutenção de um sistema neurótico de valores. Todas as cobranças sociais tem como componente fundamental o medo de fracassar, de não ser o melhor, ou sentimentos dolorosos e frustrantes quando nossa vaidade é ferida. Muitas vezes por vaidade mantemos situações e relações impertinentes e infelizes, só para não “parecer” que fracassamos aos olhos dos outros. Finalmente, a cobrança moral é uma das mais limitadoras e castradoras que vivemos, e não estou me referindo à moral biológica e natural que todos o seres têm que viver, mas sim à moral tacanha e limitadora que sempre implica no julgamento que as outras pessoas, também escravas desta moral limitadora, podem fazer de nós.

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O Guerreiro, que é uma entidade desperta e independente do Sonho do Planeta, não tem medo de fazer o que tem de fazer, apenas tem os cuidados naturais de autopreservação, os medos biológicos; não se rende à vaidade, porque não olha para trás para saber se agiu certo ou errado, exatamente porque age com o coração, e não de acordo com as instruções e regras que sua mente assimilou durante a fase de domesticação da psique. Por não se entregar à vaidade, a anti-virtude de Leão, o Guerreiro não tem de ficar provando que está certo, que fez a escolha certa, e por isso, pode tranqüilamente desistir de suas escolhas inadequadas, pode aprender com elas e simplesmente cair fora sem preocupação com o julgamento dos demais, ou com a aflição de ter fracassado ou feito sucesso. Por ser assim, o Guerreiro permite que flua através dele a grande virtude de Leão, que é a capacidade de centralizar e liderar. Mas poucos humanos conseguem reconhecer que seu medo, vaidade e moral, e isso os faz seguirem líderes que endossem justamente estas características escravizantes, e jamais as qualidades que promovam liberdade.

Estes três signos de fogo são projeções e emanações do Ascendente, compõe o triangulo da identidade e funcionam como referência básica do ponto de partida da existência, onde tudo começa, onde se define o Projeto de Vida de uma pessoa.

Neste ponto inicial e principal – no sentido de principiar – concentra-se nossa possibilidade de escolhermos ser Guerreiros ou Heróis, e isto definirá toda a nossa caminhada através da existência.

É interessante fazermos uma recapitulação, uma avaliação histórica de nosso comportamento e tentarmos perceber o quanto somos Heróis em nosso cotidiano, o quanto a vida é dura com a gente, o quanto vivemos encurralados e sob ameaça constante do fracasso e da dor. Se prestarmos atenção em nossa própria história, perceberemos quantas vezes escolhemos os caminhos mais difíceis, seja nos relacionamentos, na profissão ou em qualquer atividade da vida, e depois experimentamos uma imensa dificuldade em sair deles, pois a vaidade não permite que sejamos vistos como “desistentes” ou fracassados. Por suportarmos todas as pressões, por nos sentirmos responsáveis todo tempo por tudo e todos que nos cercam, mesmo que este “tudo que nos cerca” seja muito parcamente prazeroso, muito pouco satisfatório e quase nunca nos fazendo felizes de verdade, por tudo isto, podemos nos considerar verdadeiros heróis.

Mesmo as pessoas que escolhem caminhos de acomodação, como um casamento de conveniência, ou um emprego público daqueles aparentemente perpétuos, são certamente heróis, pois têm que suportar um ambiente medíocre, tem que suportar insatisfação sexual e afetiva muitas vezes, tem que aceitar o fato de não serem livres, de serem escravos estilizados da vontade e dos recursos de outras pessoas. São verdadeiros heróis por tolerarem ser pequenos por décadas, e às vezes não saberem, não terem a menor idéia de quem são na verdade. São heróis por terem tantas vezes que mentir para si mesmos de que são felizes e são aceitos pelos demais. Aceitos pelo que não são, é verdade, mas “ser aceito” é uma necessidade e uma condição fundamental do herói e uma das principais imposições do Sonho do Planeta.

Outra grande qualidade do Guerreiro, além da utilização dos melhores recursos da trilogia do Fogo – ação, centralização, idealização – é sua capacidade de “estar presente”, estar aqui e agora, o que significa não se comprometer com o passado, não ser vítima de sua própria história, não se sentir obrigado a manter a tradição que lhe foi imposta. Isto vale desde o

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compromisso com o nome de família ou com a característica racial com que nasceu, até a necessidade de obediência passiva aos ancestrais, ou dependência financeira, moral ou psicológica deles. E não significa que o Guerreiro não ame ou respeite seus ancestrais. Pelo contrário. Seu amor é mais verdadeiro e autêntico do que o daqueles que apenas se conformam e fazem porque foram “treinados” a acreditar que aquilo é o certo, não importando se estão felizes ou não com sua postura.

O estar presente é uma senha, uma fórmula poderosa para ingressarmos no caminho do Guerreiro e obtermos força e consciência para nos desvincularmos um pouco mais do Sonho do Planeta. Estar presente implica utilizar as quadraturas entre o Ascendente e as casa IV e X – representando o passado e o futuro – como a corda de um arco, como uma tensão positiva que nos impulsiona e nos atira em direção à liberdade. Significa desvincular-se do peso e do compromisso passivo com o próprio passado (casa IV) e da escravidão do Status (casa X), que é um tipo de compromisso com o futuro idealizado e esperado de nós pelas leis do Sonho. Esta relação com o passado e o futuro pode ser uma mola propulsora positiva para Agirmos, Centralizarmos e Idealizarmos, ou pode ser uma resistência negativa para vivermos com Medo, escravizados à Vaidade e a Moral que se originam no triangulo da identidade, o triangulo de fogo, e são também representadas por estas áreas da vida e do horóscopo.

Para estar presente, além do questionamento que devemos fazer em relação ao nosso vínculo com o passado e com o futuro impostos, existe uma atitude essencial que deve estar sempre em pauta, uma atitude que deve ser o centro e a essência de nossa conduta cotidiana, e que deve permear todos os nossos gestos e atitudes e palavras: a verdade.

Para assumirmos a condição de independência do Guerreiro e nos libertarmos da escravidão e do compromisso desgastantes de sermos heróis, precisamos ser verdadeiros em tudo que fazemos, temos que dizer a verdade em cada palavra, mesmo que doa, mesmo que isto nos traga transtornos e nos faça ser “mal vistos”, pois a preocupação de ser ou não “mal visto” é um problema de quem está comprometido com o passado e com o futuro, é um problema de quem não está aqui, não está presente. É um problema do Herói.

A impecabilidade do Guerreiro, portanto, implica ser absolutamente verdadeiro em tudo que faz ou diz. Apenas isto. É simples. Basta fazer.

Dizer a verdade é uma atitude que nos conduz diretamente ao outro vértice da cruz, ao ponto oposto ao que simboliza o Guerreiro, aquele que chamamos de casa dos Relacionamentos, ou campo de projeção psíquica onde nos projetamos no “outro”.

Viver o outro, ou a si mesmo

Uma parte de mimé permanente:

outra partese sabe de repente.

Ferreira Gular – Traduzir-se

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O braço da cruz que representa o “outro”, ou o “Tu”, é o lugar oposto ao ponto que simboliza o Guerreiro, é seu complemento, é o campo onde projetamos nossas expectativas mais essenciais, onde se configura a ilusão da existência, a ilusão do que pretendemos ser junto à outras pessoas. É onde encontramos o “outro”, e é como buscamos o “outro”, onde tecemos e criamos um ambiente onde expressar nossa identidade.

Chamamos a este espaço, à experiência descrita por ele e ao modelo arquetípico que aí se forma, de “Amante”, que simboliza aquele que ama, aquele que se relaciona, aquele que estabelece contatos energéticos e mentais com o ambiente. É o movimento de nos confrontarmos com nosso reflexo no mundo, de nos vermos através dos olhos das outras pessoas, de praticarmos aquilo que se chama relacionamento. Enfim, é a atitude que cria o ambiente e a realidade como nós podemos percebê-la.

Neste caso, este campo de projeção psíquica será correspondente ao território onde o Sonho do Planeta toma forma e cria seu cenário, materializa-se, a partir de nossas expectativas de Guerreiro ou de Herói, conforme for nosso grau de evolução e nossa experiência de vida. É por isso que a questão do Relacionamento é tão importante na nossa cultura, talvez a que demande maior energia e desprendimento em nossas vidas, pois é através desta experiência que a realidade se forma, e o Sonho do Planeta passa a ser fundamental em nossas vidas. É por isso também que, dentro de um modelo que não é o de nossa essência, não é o que verdadeiramente o Guerreiro liberto do Sonho procura, existem tantos problemas, frustrações e angústias relativas ao relacionamento. É através da imposição de um padrão de relacionamento pertinente ao grande Sonho que vivemos em um estado de carência e solidão, porque, para as Leis do Sonho, “Eu” sempre preciso de alguém para me completar, “Eu” nunca estou completo em mim mesmo, “Eu” jamais me basto, nunca sou pleno. O “outro”, dentro deste modelo de pensamento, é a confirmação e praticamente a razão da minha existência, e aí começam todos os problemas.

Quem procura por necessidade, encontra seu semelhante, aquele que também necessita, e daí são dois necessitados se encontrando, o que multiplica as carências e debilidades energéticas de cada um. Quem não procura, por estar completo e pleno, encontra – sem procurar – aquele que também está completo e pleno, e a relação acontece em um plano de completamento e plenitude. Mas isto não é o que normalmente nos é ensinado pelos nossos formadores e mestres. É ensinado que temos que procurar no “outro” nosso complemento e totalidade, e que sozinhos pouco valemos e sofreremos de solidão. É um acordo e um condicionamento muito forte este, e nos condena a viver o medo constante e angustiante da solidão, e nos obriga a viver em busca do outro para apaziguar este medo aprendido.

É tão incômoda esta informação que me sinto constrangido de escrever isto. Penso, enquanto escrevo, que a necessidade de encontrar alguém é absolutamente natural e instintiva, a necessidade de me sentir completo compartilhando meus sentimentos com alguém deveria ser correta, e não uma fonte de sofrimento. Penso também que sempre pode existir alguém que nos complete e nos faça feliz. Lembro meus amores e os momentos de felicidade que já vivi nesta existência através de relacionamentos intensos e enriquecedores,

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e algo em mim quer afastar esta idéia exótica de que já sou completo, sempre fui completo, e que na verdade não preciso de ninguém para me completar.

É impressionante o condicionamento, e como ele nos possui e modula nosso pensamento, criando constrangimento e culpa quando nos atrevemos a questioná-lo. Neste momento sinto a necessidade de fazer uma revisão íntima e tentar perceber se é mesmo uma verdade que sou completo, e que não preciso de ninguém, e que quem andar ao meu lado também pode ser uma pessoa completa que também não precisa de ninguém. Se for mesmo assim, o que nós temos para trocar na experiência amorosa, no relacionamento? Será nossa plenitude?

Aprofundando uma revisão dos relacionamentos mais marcantes e importantes que tive em minha vida, e também na vida de pessoas próximas, percebo que realmente houve uma troca verdadeira em todos eles, houve crescimento, descoberta. Nada do que se arrepender. Mas percebo também que os relacionamentos, dentro do molde em que foram adaptados, sustentados pelo preenchimento das carências e ausências, jamais trouxeram a consciência de nossa totalidade. Sempre nos “noves fora” restou a sensação de ausência, abandono, fracasso e solidão, mesmo considerando o lado bom da experiência amorosa.

Em um relacionamento dentro desse padrão, raramente saímos mais completos do que entramos. Saímos mais experientes, mais sábios, mais duros e espertos talvez, mas nunca com o sentimento de estarmos mais inteiros, realmente plenos. Por que é assim? Sempre o medo do abandono e da solidão, nos conduzindo a acreditar que não nos bastamos, que sem o “outro” não somos nada, ou quase nada.

Concordo que é difícil, diante das experiências permitidas, diante da percepção permitida dentro das Leis do Sonho do Planeta, sentir que se pode ser uma pessoa inteira e completa. Praticamente todas as circunstâncias e referências que podemos ter ao nosso redor, depõe contra a idéia de que somos auto-suficientes. Isto é um dos fatores mais importantes para nos manter atrelados à ilusão, pois uma pessoa que tenha consciência de sua plenitude e totalidade é uma ameaça ao estado geral das coisas como nos foram apresentadas, pode mesmo ser visto como um agente subversivo e perigoso.

E toda sociedade, e todos aqueles que estão em busca de um amor e de um completamento fora de si, inclusive alguns que, por sua carência crônica, acreditam até em tolices como “alma gêmea”, vão condenar, criticar e tentar isolar aquele que luta para ser um Guerreiro auto-suficiente, aquele que acredita que pode compartilhar sua totalidade e viver amorosamente – não porque necessite, mas porque é da “lei” da natureza, e simplesmente porque assim o quer. A grande maioria das pessoas sente a auto-suficiência do Guerreiro como uma agressão à crença nesse princípio ilusório do Sonho, aquele que afirma que não somos completos e precisamos do “outro”.

Bem, quem está em busca desse estado de consciência, quem se propõe a ser um Guerreiro, realmente não vai se incomodar de ser criticado e isolado e visto como um “alienígena” ou maluco pelas pessoas ao seu redor. Mas certamente vai ter que pagar um alto preço pelo isolamento que a submissão e a solidariedade das pessoas às Leis do Sonho vão desencadear. E, na maioria das vezes, a pressão é tanta e tão insuportável que se torna melhor voltar atrás, tornar-se “normal”, tornar-se “aceitável” para que parem de julgá-lo e

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condená-lo utilizando a convenção do que é certo e errado. E ser auto-suficiente como Ser Humano é inconveniente para a manutenção do Sonho.

Quando analisamos a sétima questão do horóscopo sob este prisma, dentro do enquadramento destas leis, que alternativa temos? O que podemos perceber e decodificar dos símbolos planetários, senão os acordos permitidos de completamento através do “outro”, as possibilidades e obstáculos de que o relacionamento aconteça, que tipo de perfil ela precisa para se “completar”, e assim por diante? Ficamos satisfeitos por termos feito uma análise precisa e adequada da questão dos relacionamentos do indivíduo, e ele sai satisfeito por agora ter alguma resposta, alguma perspectiva ou esperança de melhorar sua vida afetiva.

Não é o padrão interpretamos a casa VII em termos do que a pessoa pode ou deve buscar dentro de si mesma para se tornar inteira. O mais comum é traduzimos astrológicamente esta questão como a casa das “associações” ou dos “inimigos declarados”, e isto é certo, mas é certo apenas dentro da ilusão na qual vivemos submersos, da ilusão de que a realidade depende do “outro” e não de nós mesmos. Interpretarmos a sétima questão como uma experiência interior e um caminho para o encontro consigo mesmo é bastante difícil e pode desencadear defesas incríveis, tanto no interprete quanto no interpretado, já que nossa psique foi treinada ou domesticada para nos impedir de ver além do que nos é permitido.

O Amante é a figura arquetípica que representa a sétima questão, o complemento do Guerreiro. Como já dissemos, o Guerreiro é uma condição de independência e serenidade, de certeza e precisão, de impecabilidade e, principalmente, representa a possibilidade de sermos verdadeiros, de utilizarmos a Verdade como arma, como instrumento, mesmo que doa, mesmo que arranhe. Isto nos liberta do Sonho, pois as condições do viver no estado de ilusão implicam mentir, para si mesmo e para os outros, e, se conseguirmos ser verdadeiros conosco e em nosso contato com as demais pessoas, estaremos nos libertando da condição de falsidade e nos despojando das máscaras com que nos vestiram para sermos aceitos neste mundo.

É interessante que, ao assumir como conduta básica na vida a Verdade, o Guerreiro encontra condições para conectar dentro de si mesmo a figura do Amante, ou seja, conquista a habilidade de se relacionar de uma forma madura e independente, pois a dependência passiva e a necessidade compulsiva do outro tem como condição de que não sejamos Verdadeiros em relação à nossa natureza, e muito menos que sejamos verdadeiros com o “outro”, pois apenas o estamos usando para suprir nossas carências e obedecer ao modelo que insiste em soprar nos nossos ouvidos a idéia de que “temos que ter alguém” por não nos bastarmos.

Quando o Guerreiro conquista e incorpora dentro de si o princípio energético denominado “amante”, ele começa a se encaminhar para o estado de totalidade, ele se basta, ele está praticamente completo por si mesmo, e neste caso, o “outro”, a pessoa fora dele, funciona como um espelho de suas qualidades e de sua liberdade. Portanto, um complemento saudável que direciona nossa vida ao crescimento e à independência pessoal.

No tempo em que o Guerreiro, antes de conquistar esta condição de plenitude e integração em si mesmo e de se ver livre da ilusão é ainda um herói, ele se depara no contato com os outros com aquilo que o Amante é antes de conquistar este estado superior: uma criança

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mimada, um ser que existe para ter seus desejos e carências satisfeitos pelos outros, uma pessoa que precisa ser paparicada e cortejada todo tempo para acreditar em si mesma. O Herói e o Mimado se complementam, tanto quanto o Guerreiro e o Amante.

O Herói e o Mimado são a expressão mais autêntica de um relacionamento dentro das Leis do Sonho do Planeta. Basta olharmos ao redor e em nossas próprias vidas e fazermos uma avaliação crítica das condições gerais dos relacionamentos que vivemos e conhecemos. Um dos parceiros costuma ser o Herói, sempre lutando para manter o padrão, sempre sofrendo e reclamando que tem que fazer tudo. O Herói dispensa seus sonhos pessoais, abre mão de sua liberdade e comete o sacrifício da própria alma em nome do relacionamento: um imenso gesto de heroísmo, um grande sacrifício sempre. Aliás, não é difícil percebermos nos relacionamentos “normóticos” esse tipo de condição de sacrifício de ambas as partes, inclusive temperado e endossado com frases do tipo “é necessário abrir mão e fazer concessões de ambas as partes para que o relacionamento funcione”. Esta frase por exemplo, é muitas vezes aceita por todos nós como uma coisa absolutamente normal. Desde quando fazer sacrifícios para poder amar é normal? Desde quando, ou quem disse que o Amor exige sacrifícios? Por que o sacrifício?

Estar nesta situação “sacrificada” para poder se relacionar é uma condição para que nos mantenhamos pequenos e atrelados à grande ilusão. O sofrimento é uma ilusão que nos une enquanto somos pequenos e não temos consciência de nossa plenitude. Podemos observar também uma imensa quantidade de casais, independentemente da opção sexual, que se empenham em sabotar um ao outro, em manter o outro em uma condição de dependência e fragilidade, agindo até de uma forma inconsciente para manter a relação dentro deste padrão de sacrifício e, às vezes, de miséria material ou emocional. Tudo isto porque estão comprometidos com uma das muitas Leis constatáveis do Sonho do Planeta, aquela que diz que “a relação tem de ser eterna”, tem que durar para sempre. Se não durar, é porque você fracassou, não deu conta, não teve competência para “segurar” o outro ao seu lado, não teve “controle” da situação (a necessidade de controlar as coisas, inclusive o sentimento, é outra das grandes ilusões que aprendemos ser necessárias à sobrevivência dentro do grande Sonho).

O Guerreiro e o Amante sabem que Eterno pode significar “É Terno”, ou seja, com ternura, o que cria outra dinâmica para qualquer relacionar-se, sugere uma condição de troca e de afetividade, e não de eternidade, que é uma tolice nesse caso. Aliás, a perenidade da relação nos remete a outra questão muito importante relativa aos modelos ilusórios: a de que a Morte não existe, ou não é para nós, ou é para algum momento muito distante perdido no tempo. Aqueles que chegam próximo de experimentar a liberdade sabem, e sabem muito bem, que a Morte é a única certeza, o único poder verdadeiro, e está ao nosso lado, como uma aliada que nos possibilita viver intensa e plenamente. Ela, a consciência e o reconhecimento da Morte, nos ensina a “ficar presentes”, assumir e usufruir do momento, do agora, já!

O horóscopo pode ser um referencial muito útil para entendermos os mecanismos que nos conduzem à identificação com o modelo do Mimado e nos distanciam do amadurecimento e do crescimento que nos transformará em Amantes.

Quando observamos a sétima questão e todos os seus indicadores, os planetas presentes nesta casa, o regente do signo que ali está, o símbolo Vênus, e todas as configurações

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envolvidas, podemos interpretá-las, como já disse antes, dentro de um modelo que insiste na carência e na necessidade do “outro” como base para que “Eu Seja”. Mas podemos olhar sob outro prisma, entendendo cada indicador e cada configuração como um caminho para si mesmo, para o Self. Cada indicador, um instrumento de expressão de minha capacidade e totalidade, e não uma referência do que eu busco ou preciso no outro. O que eu busco e preciso já está em mim mesmo, pois só “aqui” posso encontrar o que busco.

Mas para conseguirmos olhar o mapa assim, temos primeiro que acreditar que somos livres da imposição de um padrão sócio-cultural de relacionamento, que é marcado pela dependência e pela carência. Será que estamos preparados para abrir mão de séculos de condicionamento? Será que estamos preparados para assumir nosso instinto, deixar que nossos animais de poder tomem conta de nosso destino? Deixar que esse conceito de humanidade que há tantos anos fomos obrigados a adotar seja simplesmente jogado no lixo?

Os três signos ligados à sétima questão, Libra, Aquário e Gêmeos, simbolizam três direções básicas do comportamento cujas chaves são respectivamente o dom de harmonizar , a capacidade de descentralizar e o talento para informar, representando os recursos e caminhos básicos para que ocorra o relacionamento humano. Quando estas condições não são atendidas – por não ter a pessoa amadurecido psicologicamente e ainda viver um comportamento inadequado e mimado – o que afloram são as anti-virtudes, as qualidades negativas destes signos, ou seja, a harmonia de Libra se transforma em necessidade de justificativa, e justificar um erro ou uma falta é tornar este erro justo; a natureza descentralizadora de Aquário, condição básica para a liberdade, que por sua vez é necessária para que ocorra um relacionamento saudável, transforma-se em necessidade de poder, em função da própria fragilidade daquele que não se sente, segundo os condicionamentos do Sonho, o centro de um universo pessoal; e finalmente, o potencial de informar e comunicar, próprio do signo de Gêmeos, quando distorcido pela carência e sentimento de inferioridade daquele que não aprendeu a contar consigo mesmo, transforma-se na popular e vulgar fofoca, que é a mais distorcida e perversa das formas de comunicação pessoal, típica dos que não conseguem estabelecer um vínculo harmonioso com os outros por não serem capazes de se relacionar consigo mesmos. Esse é o triangulo do relacionamento.

Para sermos “um” conosco e com o “outro”, é importante que sigamos duas regras muito simples e essenciais: Dizer sempre a verdade e não julgar.

Com a simples aplicação desses procedimentos, nós nos libertamos da imposição do Sonho sobre nossas vidas, saímos da grande ilusão. Esta é a Lei, o procedimento básico do Guerreiro em seu caminhar de encontro ao “outro” e ao si próprio.

Sempre que julgamos, estamos certamente projetando aquilo do outro que está em nós, mas como quem julga é o ego, nós nos comprometemos cada vez mais com o plano do Sonho, cuja grande interface com a realidade é o próprio ego. Além do mais, os parâmetros e códigos de julgamento sempre são oferecidos pela estrutura do Sonho, jamais partem de nosso próprio Espírito. Não são conteúdos de nossa essência, simplesmente porque o Espírito sabe que somos todos expressões da mesma realidade divina, partículas de Deus, e não há o que julgar, a não ser que pretendamos nos igualar e sermos coniventes com uma estrutura subjetiva que nos afaste de nossa realidade espiritual, e aí então, seremos seres

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incompletos sempre em busca de algo fora de si para nos tornarmos inteiros. Artificialmente inteiros.

Para sermos nós mesmos, Guerreiros que se bastam, para nos integrarmos ao “outro” numa relação plena e que podemos viver pelo prazer, e não por obrigação, para sermos verdadeiros e aceitarmos a verdade como uma condição para viver amorosamente a vida, o mergulho no passado e a libertação dele é uma condição das mais fundamentais, pois o lastro e as correntes que prendem nossos sentimentos estão sob as pedras da história pessoal, muitas que precisam ser dissolvidas, outras confrontadas, e outras resgatadas. Isto nos remete à discussão do eixo casa IV – casa X, que será o tema da última parte deste trabalho.

O SONHO DO PLANETA – PARTE IV

O mago e o Rei

Vivendo o passado

A casa IV o que ela representa – família, passado, lar – é um instrumento poderoso na manutenção do Sonho, talvez o mais poderoso, pois simboliza as bases que mantêm o ser atrelado aos padrões que reconhecemos como referências e pontos de sustentação de nossa realidade.

No caminho do Guerreiro em direção ao ambiente, ao “outro”, na busca do Guerreiro por concretizar seu projeto de vida e realizar sua caminhada, é inevitável a passagem pelo próprio passado, pela própria história. A história – pessoal e coletiva – estará sempre presente em cada um de nossos gestos e intenções, e pode significar uma força, um tipo de matéria-prima para nosso crescimento, mas pode também representar um lastro, um peso, uma substância meio pegajosa que nos mantém presos e atrelados à nossa educação e condicionamentos.

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É na casa IV que se processa a primeira fase da formação do caráter do indivíduo. Os condicionamentos, o treinamento, os elementos impostos à nossa personalidade são representados pelos indicadores desta questão, especialmente a Lua, seu indicador universal.

Tradicionalmente a Lua simboliza o inconsciente, em contraposição ao Sol, a fonte da luz, que representa a consciência. A maioria das informações que surgem através da família e da história pessoal formam a base do que é denominado inconsciente. Nós possuímos essas informações, reagimos em função delas, mas, com o tempo e em função do hábito, perdemos o acesso, deixamos de ter domínio sobre todos esses dados por terem sido absorvidos pelo inconsciente e muitas vezes se perderem em recantos da memória aos quais não temos acesso normalmente.

Nada disto é necessariamente um problema, tudo o que estamos falando é absolutamente natural. Os problemas começam a surgir a partir do momento em que nos apegamos, talvez sem perceber, a estas informações, algumas delas nem um pouco relacionadas com nossa verdadeira natureza, muitas delas marteladas no cérebro de uma criança. A maioria dessas instruções são afirmações sobre o certo e o errado em termos de um código cuja única finalidade é a manutenção de uma certa realidade forjada.

A imposição desta “realidade” precisa de um terreno fértil para fecundar, e este território é nossa própria memória, utilizada quase como que um depósito de acordos e regras, a maioria vindo de fora de nós, e nem sempre tivemos a oportunidade de questiona-las ou vive-las criticamente.

Em algum momento de nossas vidas, provavelmente na primeira infância, nosso coração talvez nos tenha sido usurpado sem que soubéssemos, nossos sentimentos mais autênticos foram distorcidos e modulados pelos formadores de nossa personalidade, e isto foi necessário para nos tornar pessoas “educadas” em sintonia com o Sonho do Planeta, o sonho de realidade no qual a maioria de nós tem que acreditar, e que contém as bases que geram a expectativa de existência à qual fomos condicionados.

O arquétipo que pode representar este vértice da cruz é o Mago, o Senhor dos Sentimentos, e de alguma forma, isto não parece ter necessariamente uma ligação direta com o passado em si, mas tem a ver com o inconsciente, com os conteúdos mais profundos da psique e do Ser em si mesmo.

Para sermos Magos, senhores e canais do sentimento universal, é necessário que tenhamos coração, é fundamental que tenhamos e atuemos sempre pelo coração, e isto não é fácil para quem teve seu coração invadido e possuído ainda criança.

A forma que a sociedade, através daqueles que serviram de instrumento para a formação do nosso caráter, roubou-nos o coração e a capacidade de agir através dos caminhos dele foi por meio da imposição de uma realidade baseada principalmente em emoções e sensações, ou seja: é permitido e exigido viver apenas através das emoções e usufruir das sensações pertinentes a elas. Tais funções psíquicas andam de mãos dadas, e nesta condição, os sentimentos são transformados em meras expressões emocionais, perdem sua natureza de “voz do Espírito” e passam a representar manifestações do ego.

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Nossa percepção em relação ao passado e à história pessoal é, normalmente, a de que temos um compromisso com o mundo, uma tarefa – alguns a chamam de “destino” – , e acho mesmo que isso é uma das verdades que restaram do Mundo Real. Nascemos com talentos e conteúdos para cumprir uma função no grande plano de Deus, no conjunto global de forças e energias que compõem a natureza. Mas essa percepção pode ser distorcida pelo sonho do Planeta, pela realidade que foi criada por intermédio das expectativas de todos que vieram antes de nós, e o destino – nosso projeto de existência neste plano da realidade – passa a ser aquilo que o ego consegue descrever, aquilo que nos torna “aceitáveis” junto a determinado grupo. Nesse campo de projeção psíquica simbolizado pela a casa IV, o que conta nesse mundo ilusório é a capacidade de suprir a si e aos outros emocionalmente, de tapar os buracos, colar as rachaduras do vazio emocional e da angústia em que vivem os que “deveríamos” amar.

E assim, nessa ilusão de que estamos curando feridas emocionais, tornamo-nos seres aparentemente fortes e racionais, livramo-nos dos sentimentos mais profundos e verdadeiros, não conseguimos assumir nossa fragilidade, nossa vulnerabilidade, pois temos que ser duros ao lidar com emoções constantemente distorcidas e em desequilíbrio, que é o que a criança costuma encontrar e até achar natural quando começa a entender o mundo que a recebeu.

Pais que vivem um teatro de relacionamento “em nome dos filhos” ou, pior ainda, em nome da aparência, do “que vão pensar de nós”; irmãos que negam o sangue e a cumplicidade quando surge um problema financeiro ou um conflito de herança; enfim, depois que “vê” a luz, a criança – a mesma que vai nos habitar até o fim de nossos dias – descobre que tem o dever e a tarefa de conviver e se identificar com conflitos emocionais permanentes, que provavelmente ela não identifica como sendo conflitos, e sim a vida como ela é. Se não for na família, é na escola ou no trabalho, e ela aprende que, se ouvir a voz do coração e seguir o caminho do espírito não será compreendida e entrará em conflito com uma realidade totalmente administrada pelo ego vaidoso. Os sentimentos pertencem à esfera do Espírito, e desses o ego não trata e não pode controla-los. Em geral, quando intensos e verdadeiros, os sentimentos são descartados e, junto com eles, as propriedades do coração são também esquecidas.

O artificio cultural para que nos tornemos escravos das emoções, dos desejos e dos condicionamentos, em vez de senhores dessas qualidades, a pratica que foi proposta desde a nossa infância é de que tenhamos controle da situação. O controle nesse caso é essencial como ferramenta de manutenção do mundo como ele é e do Sonho como ele nos foi imposto. Somos educados para desenvolver o máximo possível da capacidade de controlar a aparente realidade, e esta capacidade implica no uso constante da razão, no domínio total do objeto do controle e sua submissão a nossos desejos e regras, que na verdade são as regras do Sonho do Planeta.

Quando imobilizamos e submetemos o objeto de nossos desejos e emoções ao nosso controle, e ele deixa de ser ele mesmo, perde sua identidade, perde sua luz, perde seu poder e aliena-se de seus sentimentos. Precisamos não ter coração para podermos controlar algo ou alguém. O controlador é uma pessoa que perdeu o contato com o próprio coração e por isso vive com medo e se alimenta do medo, e em muitos casos só consegue expressar o medo como sentimento. Todo controlador é um herói que torna sua própria vida difícil e se sente separado de tudo e de todos. É um solitário por excelência.

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Claro que o controlador afirma estar fazendo o bem, afirma estar preocupado com os outros, afirma que age de coração, mas o coração não controla: não é possível haver controle no Amor verdadeiro, apenas sentimento transbordando, apenas doação.

Quando controlamos, precisamos nos ver como entidades separadas do objeto de controle, seja outra pessoa, seja um sentimento ou um impulso de nosso coração, e a necessidade de controle passa a ser um bisturi, uma lâmina cortante que nos separa de nós mesmos e dos outros, e a forma mais comum que a mente usa para promover esta separação é a descrição e o julgamento do que queremos controlar.

Quando julgamos e descrevemos alguma coisa, precisamos estar separados desta coisa, precisamos “entendê-la”, e por isso é tão comum surgir nos momentos de crise uma forte necessidade de entendimento. Quantas vezes, durante uma consulta ou na conversa com algum amigo que vive qualquer experiência mais difícil, ouvimos a frase “eu só queria entender”. Convém lembrar que “entender” é diferente de “compreender”, que significa uma união profunda com o objeto que se está compreendendo. Para haver compreensão, a presença do coração e dos sentimentos é indispensável. Para haver somente entendimento, a separação entre quem entende e o objeto entendido é essencial, e esse procedimento representa um estímulo à separatividade.

É interessante observarmos como a necessidade de ser controlador nasce no seio da família, através da percepção que a pessoa faz de seus próprios pais e educadores em geral. Não quer dizer necessariamente que os pais tenham sido controladores, mas é assim que ela talvez os veja, é assim que ela percebe o mundo, é assim que ela acaba se percebendo, sempre sendo solicitada pelas pessoas, sendo continuamente cobrada para dizer onde esteve, para onde vai, o que está fazendo, porque fez isso ou aquilo, o que está sentindo, o que está pensando... Esse movimento de cobrança pode vir a ser utilizado para suprir o afeto que o mundo nega a ela, pode ser a tradução do interesse que é possível receber das pessoas que se ama, e o resultado, curiosamente, não é uma personalidade que supre as demais de afeto, mas sim alguém que quer controlar, pois foi assim que pôde aprender, e para isto precisa procurar no outro a fragilidade, a fraqueza, o vazio, a debilidade. Assim a pessoa se sente forte e capaz, assim ela acha que pode e merece ser amada por suprir as eventuais carências e debilidades que, se ela não encontra no outro, ela produz ou tenta provocar através do controle e autoritarismo, ou as vezes, pela chantagem emocional.

Vejam como o controlador é conivente, é um cúmplice, um legítimo representante do Sonho do Planeta, pois a separatividade e o poder de controlar são referências de status e prestígio neste sistema de valores ilusórios.

O controlador nasce na casa IV. Nasce na família, é formado ainda quando criança, surge quando suas fragilidades são continuamente acentuadas pela família ao ponto de fazê-lo reagir desta forma para não sentir-se massacrado e humilhado o resto da vida. O controlador nasce quando é arrancado o coração da criança por causa da ilusão de que neste mundo é proibido mostrar fragilidade, é necessário ser duro, é preciso ser forte, é imprescindível não ser um perdedor, é fundamental ter medo do fracasso o tempo todo, a vida inteira.

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Aprendemos um dos fundamentos do viver nesta fase da vida, na primeira infância, no período em que convivemos mais intensamente com os familiares: aprendemos a “Olhar o Mundo”.

É o olhar que constrói o mundo que ilusoriamente vivemos. William Blake disse que uma árvore é uma coisa aos olhos de um tolo, e outra aos olhos de um sábio. É o olhar que determina a qualidade do mundo e, consequentemente, nossa reação a ele.

Se vemos o mundo como algo hostil e opressivo que está sempre desmoronando sobre nossas cabeças, algo do qual temos que nos defender o tempo todo e que nos obriga a mentir para não sermos oprimidos e castigados, então é nisto que o mundo vai se transformar, apenas e exatamente nesta coisa terrível. Mas quem está construindo esta “coisa” é nosso olhar, pois, se pudéssemos mudar o modo de ver e perceber o mundo, talvez ele fosse diferente, talvez ele se transformasse e ficasse melhor.

A casa III corresponde ao sistema pessoal de descrição e conseqüente criação mental da realidade. É onde somos mais coniventes ao expressar o Sonho do Planeta. A casa IV, que representa o passado e a família é a II casa a partir da III, ou seja, é onde esta descrição se transforma em fato, onde ela se materializa e toma forma, e o caminho para a formatação. O agente mais importante no processo de materialização de nossa descrição da realidade é o olhar. O modo de ver a realidade, representado pela terceira casa do horóscopo é o que origina o formato e consistência a esta realidade, representados pela quarta casa. A estrutura e o conteúdo da realidade, seja ela ilusória ou não, está na verdade dentro de nós, faz parte de nossa origem, faz parte de nossa história. É muito mais uma experiência que um fato. A realidade passa a ser na verdade na nossa visão pessoal da realidade.

Se mudarmos o modo de ver, Mudamos nossa relação com o passado? Mudaremos a realidade?

O grande truque para nos tornarmos Magos, senhores do Sentimento em vez de escravos da emoção, é prestarmos atenção ao que vem do coração, procurarmos ver e nos identificar com o mundo através do coração. Mas, para que isto aconteça, é necessária uma revisão completa do passado, uma recapitulação e um confronto com cada experiência já vivida, com cada pessoa que conhecemos em nossa história pessoal, de tal forma que possamos nos libertar do peso deste passado, dos condicionamentos, juramentos e promessas que inconsciente ou conscientemente fizemos em algum momento de nossas vidas.

Rever e confrontar o passado também permitirá descartarmos velhas mágoas, perdoarmos antigos desafetos, alguns já perdidos no fundo da memória, mas que não deixam de ser pontos cegos na composição de nossa personalidade.

Mas isto dói, dói muito, pois quem é que quer realmente se livrar de hábitos e crenças que têm segurado nossa barra e dado a confiança de que o que estamos vivendo é o certo, de que nossas escolhas são as mais adequadas?

Don Juan, através de seu discípulo, Carlos Castañeda, diz que a realidade é formada pelo hábito e pela memória. Isto pode significar que, se entendermos, através da aplicação da memória, os caminhos de nossa história pessoal e de como esta história compôs e estruturou nossos hábitos, entenderemos o mundo em que vivemos, entenderemos nossa

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representação dentro do Sonho do Planeta. E, se mudarmos os hábitos, mudaremos também nossa realidade estruturada sobre eles, sairemos do Sonho, seremos finalmente senhores de nosso sentimento, em vez de escravos de desejos criados e emoções condicionadas. Os desejos e emoções, bem como o sentimento e a capacidade de escolher com o coração, são faculdades ligadas ao elemento Água e seus três signos, Câncer, Escorpião e Peixes. O uso adequado dos dons representados por estes signos, respectivamente: a capacidade de gerar, de transformar e de transcender, é o que nos possibilitará sair dos hábitos formadores de realidade e abrirá as portas para uma nova dimensão, dentro da qual podemos ser nós mesmos, livre das amarras e imposições das Leis do Sonho.

Acontece que, dentro do padrão no qual vivemos, se tentarmos ser pessoas vistas e aceitas como “normais”, acabaremos por usar justamente as grandes deficiências destes três signos, suas “anti-virtudes”, os significados que nos conduzem para a estagnação e estratificação de comportamento e valores: o amuo, a culpa e a razão.

O “amuo” é o caminho que o símbolo de Câncer tem para nos conduzir à manutenção de velhos hábitos, é o recurso do Sonho para nos impedir de gerar, de criar novas possibilidades e uma nova realidade. A culpa é o mecanismo estratificador de Escorpião, é aquilo que impede a transformação, a morte do velho e o nascimento do novo, e finalmente a razão é o caminho escolhido por aquele que não quer viver a transcendência possível ao símbolo de Peixes. É o eterno buscar da razão das coisas, seja do sentimento, seja das percepções que o Coração tem da vida e do mundo. Esta busca de razões sempre vai encontrar respaldo nas ilusões que nos são impostas.

Para nos libertarmos da rigidez do Sonho do Planeta, para vivermos uma realidade sintonizada com nossa essência e menos distorcida pela imposição de critérios e valores que nem sempre coadunam com nosso destino, enfim, para nos libertarmos do amuo infantil, das culpas inúteis e da necessidade de ter e encontrar razão para tudo, existe um caminho simples e extraordinário, é o caminho da Verdade e do Coração, por onde podemos expressar nossos Sentimentos e dar um novo significado à vida, sem medo. Através do coração podemos viver de fato o triângulo do sentimento que consiste em gerar, transformar e transcender.

De olho no futuro

Dentro do modelo de pensamento que estamos apresentando neste texto, o Arquétipo que tem correlação com a questão X – o Meio do Céu do horóscopo, o vértice da cruz que

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representa o Futuro, em contraposição à casa IV, o passado – é denominado Rei, o Senhor da Realidade, a fonte daquilo que é real.

Acontece que a única coisa que nos é permitido reconhecer como realidade se resume apenas ao que o próprio Sonho do Planeta permite, ou seja, está restrito às informações que foram decodificadas pelos educadores e implantadas em nossa psique durante a formação da personalidade. O mundo é o que acreditamos que ele seja, e acreditamos que ele seja o que nos ensinaram que ele é.

Durante a vida elaborando – através das experiências, dos confrontos e dos desafios que enfrentamos – um critério muito pessoal de realidade, nossa própria forma de ver e pensar o mundo. Mas mesmo esse critério pessoal é construído através dos filtros e padrões estabelecidos e implantados em nós durante a primeira infância, como se fossem scripts que precisássemos seguir. Pouco podemos fugir disto, pequena é a distância que podemos ter do sonho coletivo, da grande ilusão, basta ver os argumentos que estão aflorando em nossa mente nesse exato instante contrapondo-se a essa idéia, perguntas do tipo “quem foi que disse isso?”, ou afirmações do tipo “isso é tudo besteira metafísica”.

A experiência ligada à casa X é talvez a mais pertinente ao conceito de Sonho do Planeta, é a mais vinculada à grande ilusão coletiva, pois nesta área de experiência projetamos todas as expectativas do que queremos e podemos ser no mundo, como entidades atuantes e participantes. É a área onde estão indicados com clareza os papéis que temos e que podemos desempenhar com nossos recursos interiores. Por isso, é nesta casa que encontramos os elementos através dos quais mais nos identificamos com a coletividade, com o grupo, com a sociedade como um todo. Por isso é a casa do “status”, que é uma das maiores preocupações e obrigações que nos são impostas, e que determina muito de nossa conduta.

A expressão “o que vão pensar de mim?” (ou de você) é uma das mais poderosas formas de manutenção e redução de nosso comportamento a denominadores comuns determinados pelas expectativas da coletividade. A realidade pessoal passa a ser identificada pelo que as pessoas podem pensar de nós ou ver em nós. Nossas ações são delimitadas pela expectativa dos outros, e nossa capacidade transformar a realidade é modulada pelo desejo e possibilidade de sermos aceitos ou não pela coletividade mais próxima.

O princípio arquetípico denominado Rei deveria corresponder a um indivíduo – ou a uma parte de todos nós – capaz de criar novas realidades, transformar seu desejo e suas intenções em coisas reais. Mas, antes de chegar nesse estágio, o Rei, na fase da formação de sua personalidade, pode ser reconhecido como uma criança solicitada, uma criança que nasceu para preencher os vazios da existência da seus educadores, especialmente da mãe e das personagens femininas. Ela, a criança, ou o indivíduo na fase da formação de sua personalidade, sente que precisa preencher as lacunas sociais e emocionais deixados pela “mãe”, precisa redimir e compensar suas frustrações e fracassos e, por intermédio da modulação de seu sentir gerada por essa condição, identifica qualquer gesto, qualquer estímulo, qualquer palavra como uma cobrança de performance, de impecabilidade, de maturidade, como se tivesse que ser adulto antes do tempo, como se não lhe fosse dado o direito de falhar jamais. Por isso a criança solicitada continua, durante a vida adulta, a existir dentro de nós e se esforçar todo tempo para mostrar que é capaz de preencher os vazios e atender as expectativas de realização de outras pessoas, pois parece mais uma vez

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que não nos é permitido, pelas leis do Sonho, amadurecermos de verdade e sermos Reis, senhores da própria realidade.

Os signos que representam esta questão, a de nossa imagem social e da grande cobrança de postura e sucesso que pesa sobre nós, são os signos de Terra: Capricórnio, responsável pelos processos de estruturaçã da realidade, Touro, significador da formatação do mundo, e Virgem, que simboliza os processos ritualísticos de purificação, tanto do indivíduo quanto da sociedade. Esses três signos e suas casas correspondentes formam o que é chamado de triângulo da materialidade, ou triângulo das sensações..

Quando, antes de amadurecermos e talvez nos libertarmos dessa imposição de modelos externos, somos ainda “crianças solicitadas”, percebemos o mundo como um grande cobrador de comportamento e de postura dentro de seus parâmetros. Em vez de usarmos os símbolos astrológicos como caminhos para a nossa estruturação, formatação e purificação nesse mundo, somos alvos das projeções negativas desses signos, somos vítimas de um estado constante de tensão e insatisfação. Em vez de sermos estruturadores, somos escravos da necessidade de vermos tudo como obrigação de viver e fazer pelos outros; em vez de formatadores da realidade, somos motivados e mobilizados o tempo todo pelo apego e, em vez de depurarmos e purificarmos o mundo, nossa ação é toda distorcida pelo perfeccionismo patológico, tão valorizado em nossa cultura.

Este vértice da cruz, o ponto mais elevado dela, funcionalmente análogo à casa X, é talvez o mais difícil de ser trabalhado no processo de despertarmos e nos libertarmos do Sonho do Planeta, pois aí nessa área de experiencia, está o filtro de toda realidade social, de toda a condição de sobrevivência e de dar significado maior à nossa existência. A cobrança é muito grande, as exigências imensas, o esforço para atender a demanda de posturas e comportamentos é extraordinário, profundamente desgastante e, na maioria das vezes, afasta-nos cada vez mais de nossa essência. Quanto mais eu sou “aceito” e torno-me importante no mundo em que vivo, tanto mais estou comprometido com as exigências de uma realidade que existe principalmente fora de mim, e cada vez estou mais distante de meu próprio centro, do núcleo da minha consciência.

Acreditamos que o ego, dentro de uma conceituação aceitável pelo Sonho do Planeta e pelas pessoas com ele coniventes, é uma referência pessoal que se aproxima e identifica-se bastante com a décima questão e seus significadores, particularmente Saturno. Libertar-se da escravidão do ego é ultrapassar os limites representados por Saturno, e isto não significa negar o ego e sua validade como interface entre o self e a realidade. Acontece simplesmente que é nossa consciência que vai determinar a cor e o formato da realidade, e não contrário.

As duas questões que envolvem a décima questão e se complementam analogamente com ela, a II e a VI, são as principais experiências na qual se investe energia pessoal para se manter atrelado e coerente ao Sonho do Planeta: os valores e os hábitos, a segurança e o cotidiano. Se pensarmos nisso, encontraremos nestas casas – ou campos de projeção – portas por onde sair do Sonho e conquistar um pouco mais a consciência de si mesmo.

A casa II é talvez, como V contada a partira da X, a cristalização do meu Status, a experiência mais fundamental na manutenção e cristalização do estado de ilusão em que vivemos, pois nos foi ensinado desde a mais tenra infância, e é afirmado o tempo todo pela mídia e pelas pessoas, que possuir e acumular são as principais condições para ser alguém

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neste mundo, dar significado à existência social e conquistar um espaço. Vejam como a idéia do que cobram da gente em termos de imagem cristaliza-se através da posse e dos bens que possuímos. Mas como o Espírito não se satisfaz com esta ilusão – apesar da necessidade física, biológica de sobrevivência e manutenção da vida – algo em nós está sempre insatisfeitos com o que possuimos.

A insatisfação é uma qualidade feminina, yin, e contrapõe-se ao desejo, também uma qualidade feminina. A insatisfação é o desejo mal elaborado, não preenchido, inadequado, e como o desejo só pode se referir a algo que está fora de nós, pois não é possível desejar o que já temos, acabamos por acreditar que o que pode acalmar esse estado de insatisfação é algo exterior a nós mesmos. Com isto, afastamo-nos cada vez mais do núcleo da personalidade e do próprio espírito, que é algo que já temos (ou que nos tem) e que nos informa, se tivermos acesso a Ele através da consciência, de que na verdade não há nada a desejar e, portanto, não há por que viver insatisfeito.

Parece que, sob a ótica do Sonho, aplicada a um corpo, o desejo deve ser preenchido no plano físico, e a insatisfação é sempre relativa a algo material. Por isso o eterno querer mais, o acumular desnecessário e angustiante, a obsessão em preservar bens como se neles residisse a única possibilidade de plenitude e felicidade e, finalmente, a conseqüente escravidão a este significado que nos é permitido assimilar da casa II e ao signo de Touro. ,

Acredito que alguém que atingiu um certo grau de consciência e liberdade saberá que a segurança de um homem, sua fortuna, seus bens, suas posses serão medidas muito mais pela capacidade de dar do que de acumular. Esta é uma mudança de paradigma. No plano do Sonho, a plenitude é medida em quantidade de bens que possuímos e conseguimos acumular; no plano da consciência, a plenitude e inteireza é medida pela nossa capacidade de dar.

Basta começar a “dar” para se libertar deste modelo das Leis do Sonho, basta parar de atribuir importância exagerada às coisas, aos objetos, livrar-se deles. Basta não se identificar com o aquilo possui fora de si. Isto não significa uma opção pela miséria, mas apenas deixar de ser escravo dos bens que se tem, deixar de ser “possuído pelo que possui”, apenas isto.

Quanto à sexta questão, pode significar uma escravidão ao método, uma exagerada importância dos hábitos e manias e, com isto, um afastamento da consciência oferecida pelos pequenos rituais, que nos aproximam do sagrado. Cada pequeno gesto que temos de repetir, como escovar os dentes ou tomar café da manhã, pode ser uma pequena liturgia, um procedimento sagrado que nos aproxima de nós mesmos e do aspecto divino que em nós habita. Mas, de acordo com o Sonho do Planeta, tudo se transforma em hábito justamente para que não tenhamos esta percepção da importância do cotidiano como um instrumento de libertação e consciência, ou então, para que não tenhamos a consciência de que já somos livres e podemos fazer o que quisermos dentro dos limites determinados pelo Espírito e pela própria condição humana.

Prestar atenção no que se faz, todo tempo, é uma poderosa chave para entendermos nosso papel no mundo. A casa VI é a IX casa contada a partir da X. Portanto, é a casa da compreensão e do entendimento, corresponde às experiências que vão compor a equação que explica nossa realidade, nosso status e compromisso com a coletividade.

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Epílogo

Don Miguel diz que existem três domínios que levam as pessoas a se tornar Toltecas (homens de conhecimento). O primeiro é o Domínio da Consciência, e significa tornar-se consciente de quem somos, com todas as possibilidades. O segundo é o Domínio da Transformação, e significa aprender como mudar, como ficar livre da domesticação a que fomos submetidos. Significa aprender a dizer Não. O terceiro é o Domínio do Intento, e intento, sob o ponto de vista dos xamãs, “...é aquela parte da vida que torna a transformação de energia possível. Intento é a própria vida; é amor incondicional. O Domínio do Intento, portanto, é o Domínio do Amor”.

Percorrer o caminho entre Eu e o Outro, entre as casas I e VII, é aprender a lidar com o Espaço, conhecer as Leis que regem o Espaço, tornar-se senhor do movimento, do fluir e refluir da energia. Podemos percorrer este caminho dentro das regras do Sonho do Planeta, e aí seremos escravos destas regras. Caminharemos em direção ao “outro” por acharmos que precisamos dele, e isto nos coloca numa eterna posição de dependência passiva, de necessidade, e nunca de inteireza. O ato de “necessitar” do “outro” passa a ser mais importante que o próprio completamento que poderíamos conquistar.

Percorrer o caminho entre o Passado e o Futuro, entre as casas IV e X, é aprender a lidar com o Tempo, é caminhar com desenvoltura na Roda do Tempo e, com isto, libertar-se de toda imposição que vem de nosso passado e de todas as regras que nos são impostas pela cultura exterior a nós mesmos.

Quando o Guerreiro segue este caminho com o Coração, e não com as razões da necessidade do ser domesticado e submisso ao sonho, ele se transforma, transmuta-se, vira o que a minha amiga e conselheira Antonia chamou de “Pacificador”, que é o estado superior do Guerreiro, sua grande conquista.

O Pacificador é alguém que está livre do constante estado de angústia que o Sonho do Planeta nos impõe para roubar-nos a energia vital, enfraquecer nossa vontade e submeter-nos.

O Pacificador é um agente da paz. Alguém que conhece a força divina que existe no coração de todos os homens. É um guerreiro, mas sua tarefa é ser um multiplicador da consciência e da paz que ela traz.

Seguir o caminho do Coração implica primeiro estar livre da imposição das Leis que não têm coração, ser imune a elas e ao medo de transgredi-las: seguir apenas as leis do Espírito, que são na verdade as Leis da natureza, as leis da vida. Para isto, temos que ser capazes de nos livrarmos de todas as amarras que o passado nos impôs...

Enfim, seguir o caminho do Coração é fazer o que se tem de fazer e jamais olhar para trás.

Valdenir Benedetti

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TEXTO COMPLEMENTAR

A CRIANÇA INTERIOR, SUA FORMAÇÃO

As percepções descritas abaixo, partem de uma reflexão objetiva sobre as reações humanas, e quais suas possíveis referencias internas, mapeadas pelo horóscopo, e analisadas dentro de uma ótica definida pela condição humana experimentada até este momento da vida, de minha própria vida e da vida de muitas outras pessoas que foram pesquisadas.

A manutenção dos padrões da realidade é simbolizada por SATURNO e URANO, ou seja, o último dos planetas visíveis representa os limites do homem, até onde ele pode chegar, até onde ele pode enxergar, e parece que só podemos chegar, pelo menos nos ensinaram, até onde podemos enxergar. O planeta que vem logo a seguir, URANO, é o primeiro planeta do mundo invisível, e representa a liberdade, justamente por ser o primeiro passo após a superação da estrutura, dos limites simbolizados por SATURNO.

A estrutura social possui vários instrumentos para alimentar-se e manter-se, todos bastante coerentes com os significados de SATURNO. Em alguns casos, por exemplo, o medo de perder o que temos, o medo da mudança, o medo de ser livre, as promessas de que se fizermos o certo, seremos de alguma forma recompensados, ao menos pela aceitação de nossa personalidade pelo grupo. O castigo é a rejeição, o isolamento, as acusações de representarmos alguma ameaça. Em geral, os referenciais repressivos e limitantes da cultura são interpretações distorcidas do significado estruturador de Saturno. Transforma-se aquilo que deve ser superado e ultrapassado, os limites naturais, em muros intransponíveis, em barreiras perversas, em argumento aterrorizador para que se mantenha padrões muitas vezes contrários à natureza das pessoas.

Superar os limites de SATURNO e ingressar no universo dos significados de URANO não é tão simples. É a passagem do plano pessoal para o transpessoal. O preço é muitas vezes assustador. Se vale a pena ou não conquistar essa liberdade e esse estado de consciência, depende de nossa disposição de nos confrontarmos com a estrutura como ela se apresenta para nós, ou de nos tornarmos independentes dela, rompendo com o significado parcial de SATURNO. que nos é imposto. É conveniente lembrarmos que, superar os limites de SATURNO., atingir o que poderíamos chamar de plano de URANO, pode significara um forte isolamento social, uma rejeição por parte das pessoas integradas ao sistema vigente de valores. Este é um dos preços que podemos ter medo de pagar.

A pressão para mantermos os padrões culturais é imensa. Basta olharmos para o lado contrário, basta fazermos um gesto diferente, manifestarmos qualquer intenção de transgredir os padrões para que nosso amigos, as pessoas que amamos, sintam-se ameaçadas, comecem a interpretar nossa atitude como um desequilíbrio ou um mal estar passageiro. Basta mostrarmos que existem outras alternativas, que poderíamos agir de forma diferente, que poderíamos seguir nossos instintos, inclusive sem agredir ninguém

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para que o julgamento social comece a criar situações constrangedoras em nossa vida. Mesmo pessoas interessantes, aparentemente liberadas, modernas, reagem até agressivamente quando nos recusamos a obedecer certas regras que não parecem concordantes com o que todos acham ser o “certo”.

Observamos nessa pesquisa que o movimento que nos condiciona, que cria o temor da mudança, começou quando nossa criança interior foi acuada, amarrada, reprimida até ficar encolhida e assustada dentro de nosso ser.

Apenas a criança aceita o novo. Ela gosta de brincar, aceita situações totalmente inéditas para ela, e convenhamos que situações inéditas para uma criança são quase todas as situações. Os adultos, em geral, não estão dispostos a mudar nada em suas vidas. Adulto é sério, responsável, muitas vezes ranheta e chato. Não aceita brincar com a vida, não aceita a dança espontânea do vento que nos conduz. Adulto acha que já cresceu e não tem mais nada para crescer. Eles querem conservar o que já tem e acumular sempre mais, insistem em manter os padrões de segurança aos quais estão acostumados. A criança aceita o novo, a criança aceita crescer, e para impedir que as pessoas adultas continuem a cresçer e se libertem, é preciso acuar a criança, é necessário fazer com que as pessoas rejeitem e temam a criança que existe dentro de nós. Basta ver como tantas vezes ficamos ofendidos quando somos "xingados" de criança, infantil, etc. Talvez mais do que com qualquer outra ofensa.

Quem representa a criança no horóscopo é a LUA. O signo, a casa e os aspectos envolvendo este planeta representam as condições nas quais percebemos e eventualmente reconhecemos essa criança.

É importante observar que SATURNO rege Capricórnio, um signo oposto ao regido pela LUA, Câncer, e isto representa uma oposição fundamental nos significados destes dois símbolos. Representa também a complementaridade própria das aposições. Oposição não é conflito, é complementaridade, é uma condição de busca constante. Quando uma oposição é resolvida, transforma-se em conjunção e então, vive-se um estado de plenitude, como por exemplo, quando resolvemos a oposição fundamental entre as casas I e VII e conquistamos nossa totalidade.

O “dispositor” (regente do signo onde um planeta se encontra) indica os padrões de imposição e controle sobre esse planeta, no caso de nosso estudo, a LUA. Esses padrões são facilmente interpretados pela compreensão dos significados da casa onde ele, o dispositor, se encontra. O regente de um planeta dirige as indicações deste planeta, independente de formarem aspecto. Como o diretor de uma peça de teatro, que determina os limites e as variações da performance de um ator, mesmo que não esteja presente em todas as apresentações deste ator.

Vamos dar alguns exemplos da ação do dispositor sobre a LUA, analisada apenas sob o ponto de vista da criança interior, pois sabemos dos inúmeros significados possíveis para este astro. O regente ou dispositor do signo lunar será visto aqui como um orientador, um educador, uma entidade que determina os limites e as regras que a criança deve obedecer. Imaginemos o que é que nos impede de tomarmos certas atitudes, o que nos impede de "chutarmos o pau da barraca" como muitas vezes nosso instinto solicita, qual o argumento, a desculpa que usamos para justificar o 'não agir', quais os elementos de nossa formação que justificam a acomodação e o medo de crescer, qual a força em nós que diz que é sempre melhor ficar como está e finalmente, a quem ou ao que pensamos estar agradando ou obedecendo quando nos acomodamos e desistimos de mudar o mundo.

De um modo geral, todos os mecanismos de contenção da criança interior a apresentam como alguém que atrapalha, alguém muito pouco confiável. Na verdade, é importante para a estrutura social (SATURNO) reprimir a ameaça representada pela criança que nos habita (LUA), pois se ela se libertar de suas amarras e questionar a necessidade de conter sempre os instintos, obedecer sempre as regras, agradar sempre a seus "superiores", ela (a criança) passa a representar um problema social. Aliás, qualquer

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um que questione, que não aceite passivamente as regras impostas (mesmo que absurdas), é visto como um problema, um rebelde a ser contido, uma ameaça ao estado normal das coisas.

A sociedade elegeu seus representantes, os pais e educadores em geral. A eles compete a tarefa de mantenedores de SATURNO, e sua tarefa é mostrar que só é bem sucedido neste mundo quem obedece as regras passivamente, sem questiona-las. Podemos observar que é comum pais infelizes exigirem de seus filhos que sigam o padrão visivelmente insatisfatório de suas existências. Em nome de que? Em nome de quem?

Podemos sugerir também o surgimento de alguns complexos específicos relativos à determinação que o dispositor da LUA representa. Estes complexos são sínteses da idéia desta relação de dependência relativamente passiva que a LUA tem em relação a seu regente.

Regente do signo que contem a LUA na casa I: O "mestre", muitas vezes apresentado sob a forma da mãe ou do pai, diz para a criança que, se ela não se contiver, não for bem comportada, seu projeto de vida não se realizará, ela não será ninguém, sua vida não terá significado. Pode se impor a criança uma necessidade de competir sempre, com a obrigação de vencer todas as vezes, isto inibe qualquer competitividade, pois se não podemos perder, não nos arriscamos a competir. Em alguns casos surge a competitividade obsessiva, vencer sempre passa a ser uma forma de apaziguar o medo de perder.. Quem tem medo de perder, luta o tempo todo para manter seu lugar, acredita que somente chegar em primeiro lugar, chegar na frente dos outros, significa vencer, não considera que podem existir também outras formas de vencer. Observe que os competitivos radicais são quase sempre conservadores, não aceitam critica ou mudança em suas vidas, são coniventes com os significados mais rígidos de SATURNO.Complexo de falta de perspectiva, ou do eterno primeiro lugar.

Regente da LUA na casa II: O padrão cultural determinado pelo planeta dispositor sugere que a criança não terá valor se não se submeter às regras, não terá segurança e nunca vai construir nada de consistente em sua vida. O castigo será a pobreza. O medo de ficar pobre eventualmente produz comportamentos mesquinhos.Os educadores desta criança, representados pela casa e signo do planeta dispositor da LUA, ensinam que, só quem tem pode, e a gente precisa conservar o que tem para continuar tendo. Dar algo espontaneamente? Só se vier algo em troca. Em algumas pessoas a questão envolve auto-estima, a estimativa que se faz de si mesmo, ocorrendo um forte sentimento de pobreza, de não ter valor, de não merecimento. Pode haver um comportamento de pobreza psicológica, pobreza emocional, pobreza comportamental, tudo isso como castigo para quem não atender a expectativa que a sociedade faz.O regente do signo lunar define, de modo geral, os padrões de comportamento para que a criança interior de uma pessoa se mantenha sob controle, pois assim o adulto não se assusta, e nem precisa ficar mudando as coisas em sua vida, como se fosse uma criança qualquer. No caso dele se encontrar da casa II, os modelos padronizadores sempre envolvem alguma relação com bens ou com o sentimento de segurança.Complexo de pobreza

Regente da LUA na casa III:Ouvir dizer, especialmente durante a infância, que é um "burro", que nunca vai saber nada, que não conseguirá se explicar, que o que diz e faz não tem sentido, que a ignorância será seu destino, faz com que qualquer pessoa se torne tímida, viva

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assustada, com medo de expressar suas idéias ou sentimentos, especialmente aquelas que contrariem a expectativa que os outros tem sobre ela. A criança, atada pela medo de não conseguir se explicar, cria um universo racional, totalmente baseado em palavras e conceitos lógicos, onde o sentimento e a criatividade é limitado pela capacidade de descrever, e as descrições possíveis da realidade são circulares e repetitivas, pois se sustentam em padrões repetitivos.Pode ocorrer, devido a cobrança constante de explicações que é vivida especialmente na infância, a necessidade de mentir, inclusive para si mesmo, como alternativa para sobreviver à pressão mental à qual pode ser submetida essa pessoa.Complexo de esperteza. (o espertinho é um reacionário que quer levar vantagem sobre um estado de coisas pré-definido, sempre previsível e imutável)

Regente da LUA na casa IV:Toda estrutura familiar conspira para manter esta criança bem comportada. O apego ao lar é imposto como condição para que seja reconhecido qualquer tipo de amor. Argumentos como, quem não tem família não presta, ou os parentes são as únicas pessoas com quem você pode contar ou confiar nesta vida, mantém a criança atrelada aos dogmas, valores e preconceitos instituídos por aquela família. O passado funciona como um instrumento de coação. O modelo familiar, determinador da história pessoal, passa a funcionar como um programa rígido e imutável que não pode ser transgredido. O passado é sempre melhor que o futuro, e o velho é inegavelmente melhor que o novo, os parentes são melhores que qualquer outra pessoa e a segurança e proteção daqueles com quem temos laços de sangue é nossa única esperança de salvação e conforto.Complexo de família

Regente da LUA na casa V: O argumento do dispositor, simbolizando as pessoas e circunstâncias da casa sugere que se a criança não for bem comportada, ela não vai sentir prazer. Em muitos casos, as experiências prazerosas, sejam de ordem sexual, alimentar ou cultural, por exemplo, são apresentadas à criança impregnadas da idéia de pecado, são o passaporte para a punição nos mundos infernais. Outras vezes a afirmação criativa da identidade, sempre ligada aos mecanismos prazerosos, tem um preço: a obediência, a submissão aos modelos paternos. A imposição do regente lunar na casa V também pode se manifestar através da idéia de que criança é ruim, criança não presta, criança enche e precisa ser controlada e educada. Isso pode nos remeter a uma infância muito infeliz ou a uma relação muito complexa com as crianças em geral. Inclusive, neste caso, os conceitos de educação implicam em obediência sem questionamento, dependência e submissão, conceitos que podem ocorrer em outras configurações envolvendo a formação repressiva da criança interior. É conveniente ressaltar que a casa V carrega também o significado de ser a II da IV, ou seja, a forma, a materialização dos conteúdos familiares.Complexo de adulto (nega as qualidades das crianças, só ser adulto é bom)

Regente da LUA na casa VI: É sugerida a idéia de que as crianças são inúteis e incompetentes. Só merece o amor dos educadores, dos pais e adultos em geral, a pessoa eficiente e com uma conduta impecável, e certamente as crianças não podem ser assim. Portanto, se a criança quiser ser bem sucedida na vida, precisa trabalhar, obedecer, ser produtiva, responsável e principalmente, limpa. É claro que a criança não tem esta preocupação, e portanto torna-se importante para ela manter em segredo a natureza infantil, - que é normalmente oposta a estas exigências - resguardar-se das ameaças de fracasso, fingir-se adulto, esta é sua defesa. Inclusive, não obedecer as regras da VI casa pode ser a causa de somatizações freqüentes.

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Pode ocorrer também, dentre os mecanismos repressores da criança interior, a sugestão de que se a pessoa não for obediente às regras, ela vai adoecer, o que pode ser um mecanismo gerador de hipocondrias.Complexo de eficiência, ou de ordem. Complexo de saúde perfeita.

Regente da LUA na casa VII: A criança recebe a mensagem de que, se não for bem comportada, se não se submeter a todas as regras culturais e morais sugeridas por seus educadores, o castigo será a solidão, a rejeição, o relacionamento infeliz. Torna-se muito complicado para esta criança aceitar a espontaneidade, a alegria de um relacionamento criativo. As associações, especialmente as afetivas, são situações ameaçadoras para quem liberar seu lado criança. A perspectiva de ficar só é terrível, e apenas as pessoas responsáveis e sérias, conforme lhe foi passado, merecem viver um relacionamento "adequado". É fácil perceber este modelo educacional nas pessoas que, assim que se casam ou assumem um compromisso afetivo, tornam-se "sérias", taciturnas, perdem a alegria e a leveza (próprias do nosso lado criança) como se isto fosse demonstração de leviandade ou irresponsabilidade.Complexo do 'bom marido' (ou esposa).

Regente da LUA na casa VIII: A criança entende que sempre pode existir alguém melhor do que ela, alguém que pode mais porque possui mais, porque conquistou mais, porque é mais forte ou viril. Ela tem que se manter em seu lugar para não ser ameaçada pela superioridade ilusória das outras pessoas. A casa VIII é a II da VII, ou seja, representa também os valores do outro, a possibilidade do "outro" ser mais ou ter mais do que ela, e isto impõe uma aparente condição de inferioridade, outro instrumento para se implantar um profundo medo da transformação, uma mordaça na criança.Esta imposição dos valores externos como referencias pode gerar um comportamento invejoso, e a inveja é um veneno amargo que faz a pessoa estacionar no que é e tem, e nunca se esforçar para ser melhor, para conquistar mais.O regente lunar na oitava casa também pode gerar uma focalização na morte, no medo da morte. Afirmações do tipo "se transgredir, se mudar alguma coisa em seu comportamento, você vai morrer!", povoam as referencias da criança interior e impedem qualquer movimento para ser feliz e livre. O medo da morte também pode ser sentido através da sexualidade, especialmente no temor de não experimentar o orgasmo, "a pequena morte". Todas estar referencias podem funcionar como imobilizadores da criança. Complexo de inferioridade.

Regente da LUA na casa IX :Existe um modelo moral que se impõe sobre a criança interior. Regras, dogmas, provavelmente religiosos. Parece que a imagem castradora de um Deus sevéro, conveniente para o sistema, apresentada pelos pais e educadores, cobra e exige da criança uma conduta moral bastante rígida, só que não é uma moral natural, é na verdade uma serie de regras estabelecidas para que a criança se sinta limitada e contida. Tudo que é espontâneo e simples, alegre e puro, parece ser pecado. Tudo que represente liberdade parece ser algum tipo de desobediência. A criança, atada desta forma, impede que o ser humano que a abriga obedeça seus instintos, transgrida a ordem estabelecida por um sistema que nem sempre o faz feliz. Ele sente que ser feliz, estar contente está vinculado à idéia de pecado, é praticamente um crime. A idéia de "certo e errado" está sempre entre seus desejos e reais necessidades e a realidade limitadora e moralista que lhe foi imposta.

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O medo de crescer e de sonhar também pode se manifestar com este dispositor lunar, o medo de ser alguém diferente do que se espera dele é decorrente disso. Ser um bom cidadão parece ser a sua única e derradeira alternativa, mesmo que o preço disso seja o sacrifício de sua felicidade e desenvolvimento pessoal. Existe um desenvolvimento, é claro, mas não é afinado com a própria natureza, esta na verdade muito mais de acordo com o modelo cultural externo, que muitas vezes não tem nada com a pessoa, gerando conflitos internos e uma insatisfação constante consigo mesmo.Complexo de Juiz do bem e do mal.

REGENTE DA LUA NA CASA X: Uma ameaça constante parece se impor sobre a criança: A idéia de que vão pensar mal dela, que todos estão observando o que ela faz, que sempre tem alguém de "olho" no comportamento dela, tudo isso impede que esta criança aja espontaneamente. Ela apenas reage aos estímulos externos, se submete aos padrões que lhe foram ensinados, faz tudo para ser uma pessoa aceitável e responsável, e impede a pessoa adulta de ser ela mesma. Normalmente este dispositor impõe um modelo externo de comportamento e torna este cidadão um exemplo de "boa pessoa", mesmo que seja um rebelde, ele sempre esta reagindo ao padrão social, nem sempre de uma forma consciente. A sociedade na qual vive é sempre mais importante que ele mesmo! O "status" é muitas vezes mais importante que a felicidade e a liberdade.Quem não obedecer as regras não irá progredir, não ocupara um lugar no mundo, não terá importancia, etc.Complexo de autoimportancia.

REGENTE DA LUA NA CASA XI : Seus amigos estão de olho em você, eles te observam e te cobram tudo. A sensação que a pessoa tem, a partir da referencia que vem da criança interna é que o grupo social está sempre policiando sua conduta, e se "ela" não se submeter às exigências do grupo, será abandonada, ficará só, nunca terá amigos, não terá com quem contar se precisar.A casa XI também representa a cristalização dos contatos associativos (V da VII), e simboliza o momento no qual o relacionamento se afirma, se fixa, e neste caso, o dispositor da Lua, como modelo de contenção da criança interior, sugere a impossibilidade de que algum relacionamento se cristalize e se mantenha. Isto significa um medo de ousar em função da necessidade de ter relacionamentos estáveis. A idéia é que os relacionamentos acontecem, mas nunca são realmente consistentes se a criança interna não se mantiver bem comportadinha, a pessoa pode ser abandonada a qualquer momento e sofrer a dor de ficar só, a dor do abandono e da rejeição.Complexo de falta de amigos.

REGENTE DA LUA NA CASA XII - Esta é uma posição complexa, pois pode ocorrer uma grande dificuldade em reconhecer e aceitar que existe uma criança que pode estar sofrendo, reprimida e limitada dentro de si mesmo, e que existem mecanismos formativos que levaram esta criança a se submeter a este tipo de amarras.A informação que a Lua recebe, a partir de seu dispositor na casa XII, evidentemente envolve questões muito subjetivas, próprias desta casa, daí a dificuldade de reconhecimento deste tipo de informação. Ela é mais sutil, talvez mais insidiosa, e a palavra "culpa" tem um peso muito grande na formação do caráter lunar contido da pessoa. Castigos divinos são invocados pelos formadores da personalidade. A ameaça do isolamento cruel, o rompimento com a vida social, através da doença ou de outro fator isolante qualquer, também aparece com algum peso. A necessidade de sacrificar-se sempre pelo outro, como uma premissa básica para não ser punido pelo divino, é outro elemento importante a ser considerado. E o sacrifício principal envolve quase sempre a obediência a regras e dogmas mal explicados, a submissão às necessidades do outro,

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como se fossem as próprias, para não ser renegado e isolado da realidade, enfim, é uma situação que exige delicadeza para ser abordada, pois dificilmente é reconhecida como um mecanismo opressor, pela sua subjetividade esta obrigação é vista como um fato natural da existência. Como se fosse a única alternativa possível.Complexo de desentendido.

Valdenir BenedettiMaio/2002

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