CTS Enfoque Cts Em Um Programa de Formação Continuada de Professores

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CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS COM ORIENTAÇÃO CTS: IMPACTO DE UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS DO ENSINO BÁSICO STS Oriented didactic and pedagogic practices construction: contribuition of an Elementary School Science in-service program Celina Tenreiro-Vieira 1 Rui Marques Vieira 2 Resumo: No quadro da atual reorganização curricular do Ensino Básico português, salienta-se a idéia de que o ensino das ciências deve ser visto, acima de tudo, como promotor da literacia científica. Nesse sentido, a perspectiva CTS deverá constituir o eixo integrador e globalizante da organização e da aqui- sição de conhecimentos e do desenvolvimento de capacidades de pensamento. Mas qualquer inova- ção, reforma ou reorganização curricular obriga a equacionar a formação de professores, enquanto a questão central da inovação curricular residir sobretudo no que os professores vão fazer das orientações curriculares para o ensino das ciências na sala de aula. Neste artigo, pretende-se dar conta de um estu- do desenvolvido com a finalidade de descrever e analisar os contributos de um programa de formação continuada de professores na construção de práticas CTS. Dos resultados obtidos, concluiu-se que o programa de formação contribuiu para que os professores envolvidos promovessem práticas didático- pedagógicas com orientação CTS. Unitermos: práticas didático-pedagógicas; Ciência-Tecnologia-Sociedade – CTS; Programa de Formação Continuada; professores de ciências do Ensino Básico. _________________________________________________ Abstract: In the present scenario of the Portuguese Elementary Teaching Curriculum Reorganisation, the idea that science teaching should be looked at as a promoter of literacy becomes increasingly pertinent. In this sense, the STS perspective integrate and globalise knowledge acquisition and develops thinking skills. Nevertheless, any innovation, reformation or curriculum reorganisation forces the re-consideration of the teachers’ forma- tion, since the core question of curriculum innovation concerns the use that teachers make of the curriculum guidelines for science teaching in the classroom. This paper aims to give an account of a study developed with the intention of describing and analysing the contribution to an in-service program for science teachers of the construction of STS practices. It is possible to conclude, from the results, that the in-service Program was a good contribution, for the teachers involved, and promoted didactic and pedagogic STS oriented practices. Keywords: didactic and pedagogic practices; Science-Technology-Society education; in-service program; Elementary Science teachers. _________________________________________________ 191 Ciência & Educação, v. 11, n. 2, p. 191-211, 2005 1 Professora doutora em Didática das Ciências do Instituto Piaget de Viseu, Portugal. E-mail: [email protected]. 2 Professor doutor em Didática das Ciências do Instituto Piaget de Viseu, Portugal. E-mail: [email protected].

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Texto que aborda o enfoque CTS na formação de professores para a educação profissional e tecnológica.

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  • CONSTRUO DE PRTICAS DIDTICO-PEDAGGICASCOM ORIENTAO CTS: IMPACTO DE UM PROGRAMA

    DE FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES DECINCIAS DO ENSINO BSICO

    STS Oriented didactic and pedagogic practices construction:contribuition of an Elementary School

    Science in-service program

    Celina Tenreiro-Vieira 1Rui Marques Vieira 2

    Resumo: No quadro da atual reorganizao curricular do Ensino Bsico portugus, salienta-se a idiade que o ensino das cincias deve ser visto, acima de tudo, como promotor da literacia cientfica. Nessesentido, a perspectiva CTS dever constituir o eixo integrador e globalizante da organizao e da aqui-sio de conhecimentos e do desenvolvimento de capacidades de pensamento. Mas qualquer inova-o, reforma ou reorganizao curricular obriga a equacionar a formao de professores, enquanto aquesto central da inovao curricular residir sobretudo no que os professores vo fazer das orientaescurriculares para o ensino das cincias na sala de aula. Neste artigo, pretende-se dar conta de um estu-do desenvolvido com a finalidade de descrever e analisar os contributos de um programa de formaocontinuada de professores na construo de prticas CTS. Dos resultados obtidos, concluiu-se que oprograma de formao contribuiu para que os professores envolvidos promovessem prticas didtico-pedaggicas com orientao CTS.

    Unitermos: prticas didtico-pedaggicas; Cincia-Tecnologia-Sociedade CTS; Programa deFormao Continuada; professores de cincias do Ensino Bsico.

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    Abstract: In the present scenario of the Portuguese Elementary Teaching Curriculum Reorganisation, the ideathat science teaching should be looked at as a promoter of literacy becomes increasingly pertinent. In this sense,the STS perspective integrate and globalise knowledge acquisition and develops thinking skills. Nevertheless,any innovation, reformation or curriculum reorganisation forces the re-consideration of the teachers forma-tion, since the core question of curriculum innovation concerns the use that teachers make of the curriculumguidelines for science teaching in the classroom. This paper aims to give an account of a study developed withthe intention of describing and analysing the contribution to an in-service program for science teachers of theconstruction of STS practices. It is possible to conclude, from the results, that the in-service Program was agood contribution, for the teachers involved, and promoted didactic and pedagogic STS oriented practices.

    Keywords: didactic and pedagogic practices; Science-Technology-Society education; in-service program;Elementary Science teachers.

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    191Cincia & Educao, v. 11, n. 2, p. 191-211, 2005

    1 Professora doutora em Didtica das Cincias do Instituto Piaget de Viseu, Portugal. E-mail: [email protected] Professor doutor em Didtica das Cincias do Instituto Piaget de Viseu, Portugal. E-mail: [email protected].

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  • Introduo

    semelhana do ocorrido em diversos pases, em Portugal, a atual reorganizaocurricular da educao em cincias no Ensino Bsico, recomenda que o ensino das cinciasdeve, acima de tudo, promover a literacia cientfica. Atingir a meta da literacia cientficaimplica que os alunos possuam uma base substancial de conhecimentos cientficos, bemcomo capacidades de pensamento que lhes permitam continuar a aprender, a realizar-se nocampo pessoal e profissional e a lidar eficazmente com preocupaes sociais. Esta metaentronca diretamente numa orientao Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS), pois esta visa odesenvolvimento de uma cidadania responsvel, no mbito de competncias pessoais e soci-ais que permitam aos cidados lidar com problemas de aspecto cientfico-tecnolgico.

    Desenvolver prticas de ensino das cincias com uma orientao CTS obriga aequacionar a questo da formao de professores, enquanto a questo central da inovaocurricular no tanto a construo de novos currculos, ainda que relevante, mas sobretudoo que os professores dele vo fazer (CACHAPUZ, 1997, p. 145) em termos das aes de salade aula. A formao de professores deve ser considerada fundamentalmente por duas razes:1) o currculo enunciado exige mudana de mentalidades e, como tal, importa que haja ade-so por parte destes; e 2) os prprios professores reconhecem que no sabem como integrar aorientao CTS no ensino das cincias (DORI & HERSCOVITZ, 1999; PRIETO,GONZLEZ & ESPAA, 2000). Congruentemente, estudos sobre as prticas de sala de aulacontinuam a mostrar que o ensino das cincias est sobretudo centrado na transmisso de infor-mao factual, desprezando as capacidades de pensamento (DORI & HERSCOVITZ, 1999;TENREIRO-VIEIRA, 1999).

    Dentro desta perspectiva, este estudo centrou-se no fomentar e apoiar os professores,por meio de um processo de formao pela investigao, na construo de prticas consistentescom uma orientao CTS para o ensino das cincias. O foco particular o desenvolvimento,implementao e avaliao de materiais didticos de cariz CTS no quadro de um trabalho con-junto e partilhado entre os investigadores principais e os professores colaboradores. O estudovisou, ainda, saber a opinio dos professores colaboradores sobre o processo de formao pelainvestigao experimentado/vivido.

    Enquadramento terico

    O estudo assentou em duas idias-base interligadas e interdependentes. Umadelas est ligada a dinmicas atuais de inovao ou reorganizao curricular da Educaoem Cincias, com referncia a metas e a orientaes preconizadas. A outra tem a ver coma concretizao prtica de orientaes emergentes do currculo intencional. Assim, ao fazer-se a fundamentao terica e na realidade educativa portuguesa, d-se conta dos principaisfundamentos relativamente Educao em Cincias, ao educativa do professor de cin-cias e sua formao em contexto de inovao ou reorganizao curricular.

    Reconhecendo a necessidade de diminuir a defasagem entre o tipo de preparao quea escola fornece e aquele que a sociedade exige, desde a dcada de 1990, diversos pases tmdesenvolvido movimentos de reforma da Educao em Cincias. Tais movimentos sublinhaminsistentemente que a meta da Educao em Cincias deve ser a preparao de alunos cientifi-camente literados para que possam participar no processo democrtico de tomada de decises ena resoluo de problemas pessoais e sociais que envolvem a cincia e a tecnologia (MANZA-NO, MEMBIELA, HERMIDA & PAZOS, 2000; SANTOS, 2001). A nfase que tem sido

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  • atribuda literacia cientfica nesta mudana de milnio deve-se, por um lado, velocidade emque se produzem as novas revolues cientficas e, por outro, incidncia que a cincia e atecnologia tm na configurao de uma cidadania responsvel capaz de atuar com poder nareconduo de movimentos sociais (GARCA, MARCO-STIEFEL & ORCAJO, 2000).

    Num mundo em constante mudana, cada vez mais dominado pelos produtos dacincia e da tecnologia, a literacia cientfica habilita as pessoas a usar informao cientfica e for-mas de pensar que informam a tomada de deciso pessoal (NATIONAL RESEARCH COUN-CIL [NRC], 1996). Alm disso, de acordo com este organismo, qualquer pessoa precisa usarinformao cientfica e capacidades de pensamento para participar ativa e responsavelmente deuma sociedade democrtica. Defende-se, ainda, que a literacia cientfica um componenteimportante no mundo do trabalho e, conseqentemente, no crescimento econmico em umquadro de cidadania efetiva e responsvel.

    Na opinio de alguns autores, como Prieto e outros (2000), a meta da literacia cien-tfica entronca diretamente numa orientao do ensino das cincias em torno de contextos(CTS). Isto porque uma orientao CTS para o ensino das cincias ao advogar a aquisio deconhecimentos cientficos e o desenvolvimento de capacidades de pensamento e de atitudes apropsito da abordagem de assuntos e problemas em contexto real, isto , a propsito de pro-blemas sociais que envolvem a cincia e a tecnologia, cria condies para que tais aprendiza-gens se tornem teis no dia-a-dia, no numa perspectiva meramente instrumental, mas simnuma perspectiva de ao (CACHAPUZ, PRAIA & JORGE, 2000; SOLVES & VILCHES,2000). Tanto mais que, a abordagem de contedos cientficos a propsito de assuntos sociaisde reconhecida relevncia, como a sade e o ambiente, d-lhes significado e torna-os maiscompreensveis para os alunos (DORI & HERSCOVITZ, 1999), aumentando assim a proba-bilidade de que no se tornem conhecimento inerte. Alm disso, a abordagem de assuntos eproblemas sociocientficos ao levantar, de um modo concreto, a questo das relaes entre aCincia, a Tecnologia e a Sociedade, permite, pela motivao e reflexo que suscita, compreen-der melhor o papel da cincia na sociedade e ainda o modo como a sociedade influencia osobjetos de estudo da cincia e da tecnologia, bem como aprofundar os conhecimentos nosdomnios cientfico e tecnolgico e desenvolver capacidades de pensamento (MARTINS,DIAS & SILVA, 2000). Isso possibilita a tomada de deciso mais informada e racional e o agirresponsavelmente na esteira de uma tica de responsabilidade social (RAMSEY, 1993).

    Neste quadro e a ttulo ilustrativo, lembramos que, nos Estados Unidos daAmrica, documentos baseados na reforma da Educao em Cincias, como o Science forAll American (AMERICAN ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF SCIEN-CE [AAAS], 1989), o Benchmarks for Science Literacy (AAAS, 1993) e o NationalScience Education Standards (NRC, 1996), ao estabelecerem que todos os alunos devematingir literacia cientfica, perspectivam o ensino das cincias num contexto CTS.Efetivamente, a meta da literacia cientfica que implica no s a aquisio e compreensode conhecimento cientfico e tecnolgico, mas tambm o desenvolvimento de capacidadesde pensamento est estreitamente ligada utilizao do conhecimento em questes pes-soais e sociais. Est tambm relacionada com a compreenso das relaes entre a cincia e atecnologia, bem como da forma como influenciam a experincia humana, a qualidade devida e o progresso social e econmico. Est ainda ligada necessidade de o indivduo sercapaz de lidar com conceitos cientficos e de usar capacidades de pensamento num contex-to de cidadania responsvel para, por exemplo, se pronunciar inteligentemente sobre ques-tes pblicas que envolvem a cincia.

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  • Em Portugal, a posio assumida em documentos que orientam a atual reorganiza-o curricular do Ensino Bsico (Decreto-Lei n 6/2001; ME-DEB, 2001) reflete tambm ameta da literacia cientfica embasada numa orientao CTW para a Educao em Cincias.Isto, porque a crescente importncia do conhecimento cientfico exige uma populao cienti-ficamente literada, ou seja, uma populao com capacidades e compreenso suficientes paraentender e seguir debates cientficos e envolver-se nas questes que a tecnologia coloca, querpara eles como indivduos quer para a sociedade como um todo. Nesta conjuntura, o ensinodas cincias deve, pois, fomentar o desenvolvimento de competncias (entendidas como umconhecimento em ao que integra conhecimentos, capacidades de pensamento e atitudes evalores) por parte do aluno, que lhe permitam enfrentar as mudanas e participar de umasociedade democrtica onde as decises pessoais e polticas ligadas cincia e tecnologia noso isentas de valores por envolverem, muitas vezes, interesses econmicos e sociais (GALVOet al., 2000).

    Tais competncias, segundo o mesmo documento, no se coadunam com um ensi-no cientfico compartimentado em contedos desligados da realidade. Ao invs, a interaoCincia-Tecnologia-Sociedade dever constituir uma vertente integradora e globalizante daorganizao e da aquisio dos saberes cientficos. Portanto, em oposio ao conhecimentomeramente acadmico, divorciado do mundo exterior escola, assume-se um ensino com umaorientao CTS. Tal orientao, valorizando o cotidiano para um ensino contextualizado, pro-cura contribuir para uma melhor educao para a cidadania responsvel.

    Mas, toda esta renovao curricular coloca o problema da concretizao prtica. Naverdade, um aspecto reconhecer e legitimar um conjunto de orientaes em termos de com-petncias e situaes de aprendizagem a proporcionar aos alunos. Outro aspecto, bem diferen-te, lev-los prtica, concretizando-os no mbito da ao educativa na escola, em geral, e nasala de aula, em particular. Contribuir para efetivar um ensino das cincias segundo uma orien-tao CTS, tendo em vista atingir a meta da literacia cientfica, exige que se trabalhe com osprofessores para que possam enfrentar os novos desafios com confiana, segurana e iniciativa(PRIETO et al., 2000). Na verdade, assumir que os professores so profissionais capazes deidentificar e interpretar problemas educativos e procurar solues para esses problemas, noquadro de orientaes curriculares nacionais (ME-DEB, 2001), obriga a um olhar para a for-mao de professores que configure uma formao pela investigao, num trabalho conjuntoe partilhado entre e com os professores de modo a interligar inovao/investigao/formao(CACHAPUZ, 1997). Trata-se de usar a formao como um processo de pesquisa pelo qual aproduo de conhecimentos seja reinvestida na ao educativa (BRONSON, 1995;CANRIO, 1991; MCINTYRE, 1995; ZEICHNER & GORE, 1995).

    Num contexto de trabalho colaborativo com os professores, encarar a prtica didti-co-pedaggica como um ponto de partida, caracterizando as orientaes em de sala de aulamediante a construo de materiais didticos (FITZSIMMONS & KERPELMAN, 1994;LAKERVELD & NENTWING, 1996), cria condies para introduzir com poder inovaesdesejadas. Isto porque quanto maior for a conscincia do professor relativamente s origens econseqncias das suas prticas, maior ser o seu poder de interveno e transformao, querdas prticas, quer dos constrangimentos existentes (ZEICHNER, 1983). Alm disso, a refle-xo sobre as prticas, tendo como referncia o currculo intencional, viabiliza a tomada deconscincia da necessidade da mudana. Tal como sublinham Gess-Newsome & Lederman(1995), as oportunidades para o professor refletir sobre as prticas de sala de aula e identificarmudanas a fazer influenciam o seu conhecimento de ensino, tornando-o mais conhecedor,versado ou perito.

    Celina Tenreiro-Vieira e Rui Marques Vieira

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  • Assumida a necessidade da mudana, importa colaborar com o professor no sentidode o ajudar, por um lado, a reconhecer que a mudana possvel e, por outro, a formar umarepresentao coerente da inovao pretendida. Isso fundamental para a procura de respostastendo em vista o gerir a congruncia entre as intenes e as aes de sala de aula (FELDMAN& ATKIN, 1995). O envolvimento dos professores na procura de respostas, pela pesquisa,ajuda-os a acentuar a idia de que a teoria e a prtica so mutuamente constitutivas (HURSB,1995). Simultaneamente, cria-se oportunidades para os professores fundamentarem opese decises e para continuamente construrem e reconstrurem as bases tericas e prticas doseu ensino.

    Sendo assim, integrar os professores que vivem o seu cotidiano profissional na esco-la, em equipes de investigao, abre possibilidades para que estes colaboradores rasguem novoshorizontes, procurando e esforando desenvolver prticas de ensino mais de acordo com osreferentes que colhem da e na investigao desenvolvida (CACHAPUZ, 1997). Neste contex-to, os investigadores principais/facilitadores podem e devem cuidar para que os professorescolaboradores sintam apoio, acompanhamento e retroao, o que fundamental para quenovas prticas sejam interiorizadas e implementadas (LOUCKS-HORSLEY, HEWSON,LOVE & STILES, 1998; SPARKS & LOUCKS-HORSLEY, 1990; SPARKS, 1983; JOYCE& SHOWERS, 1980, 1996).

    Metodologia

    Este ponto inclui quatro sees. Na primeira, apresenta-se o desenho de investiga-o do estudo. Na segunda, descreve-se o processo formativo. Na terceira, foca-se o processode coleta de dados. Na ltima menciona-se o tratamento dos dados.

    Desenho do estudo

    Tratando-se de um projeto orientado para apoiar os professores a desenvolverem pr-ticas consistentes com uma orientao CTS para o ensino das cincias por um processo de for-mao pela investigao, o estudo segue uma metodologia de investigao-ao. Pois, tal comoenfatuam Pedretti & Hodson (1995), a investigao-ao a abordagem mais vivel e coeren-te para focar as questes do currculo em ao, as quais no presente estudo se configuraramcomo sendo centrais implementao da orientao CTS para a Educao em Cincias. Emacrscimo e como sublinha Noffke (1995), a investigao-ao encerra um duplo potencial emajudar os professores a procurar alternativas para as suas prticas atuais. Pois que, ao seremenvolvidos em grupos de investigao-ao os professores, em vez de simplesmente desejareme esperarem que as suas prticas sejam eficazes, comeam a saber se o so ou no e o porqu.

    Efetivamente, a coleta de dados e de evidncias relacionadas com a prtica ajuda oprofessor no processo contnuo de identificar contradies. Tal contribui para localizar espa-os de ao estratgica, tendo em vista gerir a congruncia entre as suas intenes e as aes desala de aula (FELDMAN & ATKIN, 1995). Alm disso, o envolvimento dos professores emgrupos de investigao-ao ajuda-os a acentuar a idia de que a teoria e a prtica so mutua-mente constitutivas (HURSB, 1995), enquanto a teoria ou o como se conceitualiza a escola-ridade, o ensino e a aprendizagem influencia e influenciado pela prtica.

    Nesta base, o grupo de investigao-ao envolveu dois investigadores princi-pais/facilitadores (IP/Fs) e trs professoras colaboradoras (PCs) do Ensino Bsico (primeirociclo, o qual inclui alunos dos 6 aos 10 anos) que ao serem contactadas pelos IP/Fs mostraram

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  • interesse e disponibilidade para integrar o grupo. Estas professoras trabalhavam em diferentesescolas do mesmo distrito.

    Seguindo de perto o trabalho de Pedretti & Hodson (1995), os investigadores prin-cipais/facilitadores (IP/Fs) assumiram papis como: 1) catalizador da mudana e do cresci-mento pessoal/profissional; 2) facilitador/mediador; 3) compilador de informao do grupo;4) uma fonte de apoio; 5) uma pessoa de recurso; e 6) uma fonte de inqurito.

    Desenvolvimento do processo formativo

    O percurso formativo desenvolveu-se em trs fases articuladas. Passa-se a descrevercada uma destas fases com referncia aos propsitos, s sesses, atividades e estratgias de for-mao usadas, bem como aos recursos utilizados e/ou produzidos.

    1 Fase

    A primeira fase do percurso teve como propsito refletir sobre as teorias, prticas,crenas e aes dos professores, com especial nfase naquelas que se prendem mais diretamen-te com a abordagem CTS para o ensino das cincias. Nesse sentido, num primeiro momentoprocurou-se estimular a partilha de experincias e vivncias e a reflexo sobre as aes de salade aula, bem como sobre as razes que embasam tais aes. No contexto da reflexo sobre asprticas didtico-pedaggicas, as PCs foram solicitadas a darem conta de recursos usados,assim como estratgias e atividades de ensino/aprendizagem que habitualmente propunhamaos seus alunos. Foi-lhes ainda pedido que explicitassem as razes subjacentes a tais escolhas.

    Tendo por base a viso das professoras sobre as suas aes de sala de aula e das suasideias acerca do ensinar e aprender cincias, promoveu-se a discusso em torno da questo:Pontos de convergncia e de divergncia entre as prticas didtico-pedaggicas desenvolvidase as orientaes curriculares para o ensino das cincias no Ensino Bsico no quadro da reorga-nizao curricular em curso. A realizao desta atividade de discusso levou, por um lado, tomada de conscincia, por parte das PCs, de que pouco conheciam sobre as atuais orienta-es para o ensino das cincias no Ensino Bsico e, por outro, fomentou o desejo de saber maisacerca do assunto de forma a, nomeadamente, averiguar a concordncia existente entre as suasprticas (currculo implementado) e as idias veiculadas e defendidas no quadro das novasorientaes curriculares (currculo intencional).

    Com base na leitura e discusso de documentos que enquadram o Currculo Nacional,(ME-DEB, 2001) foram discutidas as suas ideias principais quanto a princpios orientadores, fina-lidades/papel das cincias no Ensino Bsico e situaes de aprendizagem enfatizadas. Evidenciadaa presena de uma orientao CTS para o ensino das cincias, foram aduzidas e discutidas razesjustificativas para tal. A este nvel, a leitura e a reflexo sobre o contedo de artigos sobre o assun-to, de autores como Membiela (1995, 2001), Acevedo-Daz (1995; 2001), e Cachapuz et al.(2000) viabilizou a apropriao de um conjunto de razes sobre a importncia de, na Educaoem Cincias, desenvolver prticas didtico-pedaggicas com uma orientao CTS.

    Na esteira do defendido por autores como Aikenhead (1998), de forma a viabilizara apropriao e a compreenso do que se entende por educao CTS, foram propostas ativi-dades de formao de apresentao de informao, leitura e discusso de documentos acercade teorizaes sobre a educao CTS. Deste modo, criaram-se oportunidades para (re)constru-o de idias, mediante a negociao de significados, acerca da educao CTS e, ao mesmotempo, o estabeleceu-se uma base de entendimento comum.

    Celina Tenreiro-Vieira e Rui Marques Vieira

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  • Alm disso, foi feita referncia a quadros tericos, abordagens e projetos CTS, oque ajudou a estabelecer e visualizar potenciais respostas questo como orientar o ensinodas cincias numa perspectiva CTS?. Nesse sentido, foram tambm analisados materiais rela-tivos a projetos CTS tais como o Projeto Satis e o Projeto Apqua. Na seqncia da leitura ediscusso de informao e da anlise de projetos CTS, procurou-se extrair e sistematizar umconjunto de princpios, linhas orientadoras e sugestes que ajudassem a desenvolver, de formafundamentada, prticas didtico-pedaggicas com uma orientao CTS.

    2 Fase

    A segunda fase centrou-se na construo e validao de materiais didticos CTS parao ensino das cincias no Ensino Bsico. Esta fase envolveu trs momentos: 1) concepo edesenvolvimento de materiais didticos em apoio ao ensino de um tema organizador de cin-cias de acordo com uma orientao CTS para o ensino das cincias; 2) implementao dosmateriais desenvolvidos em contexto de sala de aula; 3) coleta de evidncias sobre o impactodos materiais desenvolvidos nas aprendizagens realizadas pelos alunos e avaliao dos materiaisdidticos CTS desenvolvidos (tendo por base as evidncias que foram sendo compiladas sobreo impacto dos mesmos nas aprendizagens realizadas pelos alunos).

    Concepo e desenvolvimento de materiais didticos CTS

    No mbito do primeiro momento (concepo e desenvolvimento de materiais didti-cos CTS) da segunda fase do percurso formativo, comeou-se por estabelecer o tema a trabalhar,levando-se em conta os interesses, gostos e preferncias das PCs, bem como critrios de seleode temas CTS, tais como: 1) serem adequados ao desenvolvimento cognitivo dos alunos;2) serem importantes nos dias de hoje e na vida futura dos alunos; e 3) serem potencialmente dointeresse dos alunos (MEMBIELA, 1997). Diante do exposto, optou-se por desenvolver materiais didticos CTS tendo por base o tema: As plantas: sua utilizao em atividades humanas.Esta temtica foi perspectivada focando, entre outros, aspectos relacionados com a alimentaoe com a agricultura. A este propsito abordaram-se questes/contedos como: contributosda Cincia e da Tecnologia para se conseguir uma alimentao suficiente e segura, contribu-tos da Cincia e da Tecnologia para se obter um solo frtil mediante o uso de fertilizantes e van-tagens e desvantagens, para os seres vivos, do uso de pesticidas e herbicidas na agricultura.

    Selecionado o tema e mantendo presente o propsito de desenvolver materiaisdidticos de carter CTS em apoio ao ensino do mesmo, foram discutidas, negociadas eestabelecidas orientaes a plasmar nos materiais didticos a desenvolver. Assim, acordou-se:1) ter em conta as idias prvias dos alunos; 2) contextualizar a aprendizagem da cinciapor meio da abordagem de situaes-problema onde a aprendizagem dos conceitos e dosprocessos surge como uma necessidade sentida pelos alunos para dar resposta a tais situaes;3) focar as interaes Cincia-Tecnologia-Sociedade sempre que tal ajude os alunos a compreen-der o mundo na sua complexidade e globalidade; 4) apelar ao desenvolvimento de capacidadesde pensamento, designadamente de pensamento crtico, possibilitando o agir racional e res-ponsavelmente; 5) apelar ao pluralismo metodolgico no mbito das de estratgias de trabalho;e 6) envolver os alunos numa variedade de atividades em que so encorajados a construir emobilizar conhecimentos e a usar capacidades de pensamento. A ttulo ilustrativo, os alunosforam envolvidos na realizao de atividades como: anlise e resoluo de situaes-problemaretiradas de contextos reais; anlise de notcias e artigos de jornais e revistas de divulgao

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  • cientfica; atividades laboratoriais; debates sobre questes socialmente relevantes e que envolvem acincia e a tecnologia e pesquisa de informao usando fontes de informao diversificadas.

    Neste enquadramento, o caminho percorrido envolveu, primeiramente, a construode um mapa conceitual sobre o tema As plantas: sua utilizao em atividades humanas, bemcomo a elaborao de um documento orientador do trabalho a desenvolver. Tal documento espe-cifica os objetos de estudo e as competncias a promover e descreve as situaes de aprendizagema propor aos alunos. Em seguida, construram-se dois outros documentos, concretamente: 1) o Caderno de atividades de aprendizagem, o qual inclui o material necessrio realizaodas diferentes atividades de aprendizagem; e 2) o Guio do professor que inclui sugestes deatuao na orientao, explorao e discusso de cada atividade a ser realizada pelo(s) aluno(s)(em consonncia com o documento Caderno de atividades de aprendizagem). Em anexo(Anexo A) encontra-se um exemplo de uma atividade de aprendizagem desenvolvida e realiza-da pelos alunos.

    Implementao dos materiais didticos

    Os materiais didticos CTS foram implementados, em contexto de sala de aula,pelas PCs. No decurso deste momento, os IP/Fs realizaram visitas s salas de aula das PCs, asquais constituram oportunidades de iniciar observaes de sala de aula e a escrita de relatriospessoais. Dentro desta perspectiva, as professoras foram encorajadas a manter, ao longo do pro-jeto, a elaborao de relatrios.

    Os relatrios das PCs e dos investigadores foram sendo usados como fonte de dis-cusso e reflexo sobre sentimentos, idias e sobre as prticas didtico-pedaggicas desenvolvi-das nas sesses/encontros conjuntos que simultaneamente foram sendo realizados.

    Avaliao dos materiais didticos

    No decorrer e aps a implementao dos materiais didticos CTS, realizaram-se ses-ses de trabalho orientadas para a avaliao dos materiais didticos produzidos. Nestas sessesas professoras apresentaram as suas idias e perspectivas sobre as prticas desenvolvidas usandoos materiais didticos produzidos. Nestas sesses os IP/Fs procuraram fomentar a reflexosobre a ao, mediante um questionamento provocativo, estimulando as PCs a avaliarem acongruncia e a eficcia das suas aes, a identificarem pontos fortes e menos fortes da suaatuao na explorao dos materiais didticos desenvolvidos e a explicitarem o que podiamfazer de maneira diferente.

    3 Fase

    No quadro da promoo da qualidade dos materiais didticos CTS produzidos, aterceira fase centrou-se numa reflexo sobre estes, tendo em conta os dados compilados para aavaliao dos mesmos em termos do impacto nas aprendizagens realizadas pelos alunos.

    Na seqncia da reflexo conjunta realizada, foram introduzidas alteraes pontuaisem algumas das atividades integradas no documento Caderno de atividades de aprendiza-gem. Foram, tambm, efetuadas algumas modificaes no Guio do professor relativamen-te s orientaes para a conduo e explorao de determinadas situaes de aprendizagem deforma a potenciar respostas mais profundas e sistematizadas por parte dos alunos.

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  • Coleta de dados

    Em relao s tcnicas de coleta de dados, usaram-se diversas delas, como: a observa-o, o inqurito e a anlise documental. Ao faz-lo, reconhece-se a potencial utilidade de, numaabordagem qualitativa seguindo a metodologia de investigao-ao, recorrer a uma variedadede tcnicas de coleta de dados de modo a completar a informao obtida e a aumentar a suavalidade. Alis, a triangulao, isto , o uso combinado de diferentes tcnicas de coleta de dados, apontada por vrios autores como Cohen & Manion (1994), como uma prtica muito tilenquanto permite combinar os pontos fortes e corrigir as deficincias de cada uma delas.

    Quanto s observaes realizadas, nomeadamente pelos IP/Fs, elas incidiram sobreas aulas das professoras colaboradoras. O observador assumiu, em diferentes momentos,papis diversos nas atividades da turma tais como: apoio aos alunos e envolvimento na conver-sao com a professora colaboradora e com os alunos. Ao assumir tais papis, cada um dosIP/Fs teve a oportunidade de estar mais perto das professoras colaboradoras e partilhar umaexperincia comum (ANDERSON, 2000). Tal tornou-se importante para promover a reflexoe a introspeco sobre as prticas das professoras do grupo de investigao-ao. As notas decampo e os registos efetuados deram origem a relatrios pessoais dos IP/Fs que observaram taisprticas (relatos escritos).

    No mbito da tcnica de inqurito, privilegiou-se a realizao de entrevistas.Realizaram-se duas entrevistas individuais com cada professora colaboradora: uma no incio doestudo, a qual pretendia elicitar informao sobre as seguintes dimenses: experincia inicial,atitudes/sentimentos sobre a profisso e o ensino das cincias e consumo informal de cincia;e outra no final do estudo, com a qual se pretendeu recolher opinies sobre o percurso forma-tivo e, particularmente, sobre o desenvolvimento dos materiais didticos CTS.

    No decorrer do estudo, foram tambm realizadas entrevistas, mais e menos formais,pelos IP/Fs, com o intuito principal de captar a perspectiva das professoras sobre os materiaisdidticos com foco CTS. Considerando-se que a gravao de tais entrevistas no era desejvel,uma vez que poderia inibir e perturbar as professoras e, por conseguinte, corresponder a umfator de enviesamento dos dados coletados, o seu contedo foi to prximo quanto possvel,reconstrudo e registado por escrito pelo(s) investigador(es), dando origem a relatos escritos.

    Os documentos analisados incluem materiais didticos usados pelas professoras paraserem realizados, pelos alunos, trabalhos e atividades de avaliao e ainda os relatrios pessoaisdos IP/Fs bem como os relatrios elaborados pelas PCs.

    Tratamento dos dados

    Na anlise dos dados usou-se predominantemente a tcnica de anlise de contedo.Esta anlise foi feita recorrendo a procedimentos abertos ou exploratrios, onde decorreu anecessidade de mltiplas leituras dos dados, de forma a delinear categorias de anlise. Issoimplicou trabalhar com os dados; organiz-los; procurar padres e regularidades; dividi-losem categorias; sintetiz-los; descobrir o que importante e o que deve ser comunicado(BOGDAN & BLIKEN, 1994).

    Assim, numa primeira fase, procedeu-se leitura e anlise dos dados relativos acada PC e aos seus alunos. No decorrer da leitura analtica dos dados (procurando interpretare tornar compreensveis os dados colhidos), procurou-se colocar em evidncia padres, regula-ridades, bem como tpicos presentes nos dados. Nessa seqncia, estabeleceram-se categoriasde anlise dentro de cada domnio considerado. Concretamente, no domnio relativo ao

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  • impacto nos alunos, consideraram-se as seguintes categorias: 1) reao dos alunos s experin-cias de aprendizagem; 2) aquisio de conhecimentos; e 3) desenvolvimento de capacidades depensamento. No domnio relativo ao impacto nas professoras, consideraram-se as categorias:1) natureza da educao CTS no ensino das cincias; 2) desenvolvimento de materiais didti-cos; 3) desenvolvimento pessoal/profissional; e 4) trabalho colaborativo.

    Numa segunda fase, procedeu-se a uma anlise transversal, procurando eviden-ciar mudanas nas formas de pensar e de agir das professoras colaboradoras e dos alunos(BOGDAN & BLIKEN, 1994).

    Resultados

    O estudo teve como propsito apoiar os professores por meio de um processo de for-mao pela investigao, a implementarem prticas de ensino das cincias consistentes comuma orientao CTS. O foco particular foi o desenvolvimento, a implementao e a avaliaode materiais didticos com foco CTS.

    Nesta base, os resultados que surgem em seguida correspondem aos obtidos no con-texto das duas primeiras fases do processo formativo anteriormente descrito. Assim, nesteponto comear-se- por apresentar os resultados referentes ao impacto destes materiais nos alu-nos a que se destinavam. Nesta avaliao, ter-se- em conta a reao dos alunos s experinciasde aprendizagem que lhes foram proporcionadas e a consecuo de propsitos em termos daaquisio de conhecimentos e do desenvolvimento de capacidades dos alunos.

    Quanto ao impacto nas PCs, o estudo visa ainda saber a opinio destas sobre o pro-cesso de formao pela investigao desenvolvido. A este nvel, as suas percepes iniciais e aolongo do percurso formativo so enquadradas em termos de: natureza da educao CTS noensino das cincias; desenvolvimento de materiais didticos; desenvolvimento pessoal/profis-sional e trabalho colaborativo.

    Impacto nos alunos

    Nesta seo, procura-se dar conta do impacto, nos alunos, da implementao dosmateriais didticos CTS desenvolvidos, tendo por base os dados que foram sendo colhidos aolongo das prticas didtico-pedaggicas com estes materiais, no contexto de conversas infor-mais e, ainda, os dados constantes em documentos compilados. Ao faz-lo, tm-se em consi-derao as categorias de anlise: reao dos alunos, aquisio de conhecimentos e desenvolvi-mento de capacidades.

    Reao dos alunos

    A reao dos alunos s primeiras atividades de aprendizagem com foco CTS que lhesforam apresentadas foi, por um lado, de alguma expectativa e, por outro, de receio, pois incluamsolicitaes muito diferentes do que costumavam fazer (aluno da prof. A). Apesar disso, com odecorrer da implementao dos materiais didticos e diante da diversidade de trabalhos e coisaspara pesquisar, sempre interessantes (aluna da prof. A), os alunos foram vencendo medos e receiose envolvendo-se, com gosto e entusiasmo, na sua realizao. De forma cada vez mais notria soli-citavam mais destas atividades, pois fica-se a saber muitas coisas sobre as plantas e tambm temmuita Lngua Portuguesa (aluno da prof. B). Um aluno da prof. A afirmou, em diferentes

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  • momentos, que as aulas com estas atividades so muito mais divertidas do que com as do livro[manual escolar adotado de Estudo do Meio].

    Esta reao positiva foi se acentuando medida que a implementao dos materiaisdidticos CTS avanava. O envolvimento efetivo de todos os alunos, quer no trabalho indivi-dual, quer no trabalho coletivo foi uma constante.

    As discusses/debates que se geraram a propsito de alguns dos assuntos foram, tam-bm, muito participadas. A este propsito, por exemplo, a prof. A comentou que os seus alu-nos se envolviam em vrias discusses at ao rubro.

    Para alm das atividades de discusso, os alunos reagiram muito positiva e entusias-ticamente a atividades de pesquisa/inqurito e a atividades laboratoriais. A propsito de taisatividades fizeram comentrios como que bom, vamos fazer experincias (aluno da prof. A),que mximo, vamos investigar (aluno da prof. B). A adeso dos alunos a estas atividadesficou bem patente tambm na quantidade e diversidade de documentos que compilavam emcasa e traziam para a escola, incluindo informaes extradas da internet.

    Aquisio de conhecimentos

    Relativamente temtica das plantas, os alunos revelaram possuir, desde o incioda implementao dos materiais didticos CTS, bastante idias e opinies, embora muitas dasidias prvias que possuam no fossem coerentes com o conhecimento aceito pela comunida-de cientfica. As atividades permitiram elicitar estas idias dos alunos sobre a referida temticae posteriormente a sua reestruturao. Foi neste sentido que foram desenvolvidas atividades,como algumas atividades laboratoriais, as quais proporcionaram o conflito cognitivo.

    A par da (re)construo de conhecimentos, os materiais curriculares ajudaram osalunos a usar de modo mais preciso a linguagem cientfica. De fato, progressivamente, foi-severificando que, em vrias discusses, eram os prprios alunos que se corrigiam uns aosoutros, usando expresses do tipo no deves dizer assim e use termos mais corretos.

    Os resultados obtidos na ficha de avaliao construda pelo grupo de investigaoevidenciaram a compreenso e o uso de conhecimentos cientficos e tecnolgicos. Alm dodomnio da terminologia cientfica ligada s plantas, a maioria dos alunos foi capaz de relacio-nar os conhecimentos sobre as plantas com as atividades humanas, apresentando, por exem-plo, razes para o uso de determinadas plantas (e no outras) na indstria txtil e as razes econseqncias do uso de algumas tecnologias na agricultura.

    Diante do desempenho sucessivamente revelado pelos alunos no domnio dos conhe-cimentos cientficos (...) e da reao positiva de alguns pais sobre os trabalhos de casa (prof. B),sobre esta temtica, que os alunos desenvolveram, as PCs manifestaram a sua satisfao por esta-rem envolvidas no projeto e, conseqentemente, terem tido oportunidade de desenvolver prti-cas com uma orientao CTS. A ttulo ilustrativo, a prof. A, na entrevista final, relata que:

    Nunca, ao longo destes muitos anos de servio, senti que os alunos gostassem tanto desteassunto e revelassem uma compreenso to profunda e til para a vida deles, como a conseguida comestes materiais. (...) Os alunos aprendem com gosto e de uma maneira mais interessada e relaciona-da com a vida.

    Desenvolvimento de capacidades de pensamento

    Nas primeiras aulas com os materiais didticos CTS, os alunos revelaram dificulda-des em dar resposta s solicitaes que exigiam o uso de capacidades de pensamento; a algu-mas questes, no respondiam, e a outras, faziam de forma incongruente. Eles (os alunos) tm

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  • dificuldades em ir alm da primeira impresso. Como dizemos que tm de completar, ficamapreensivos, e se no os ajudarmos, muitos no so capazes de responder a estas primeiras ques-tes (prof. B, no final da 3 aula com os materiais didticos desenvolvidos).

    Constatou-se tambm que os alunos no estavam familiarizados com uma lingua-gem relativa s capacidades de pensamento; consultavam o dicionrio ou questionavam a pro-fessora sobre o significado de termos como hipteses, razes, resumir, semelhanas ediferenas.

    Com o decorrer do trabalho proposto nos materiais didticos CTS, os alunos tor-nam-se progressivamente mais confiantes, respondendo de modo cada vez mais aceitvel ssituaes que apelavam a capacidades de pensamento. Com efeito, se se centrar a atenonuma das capacidades de pensamento presente em vrias atividades, que a de ser capaz deapresentar razes verifica-se, pelas respostas dos alunos, que estes foram revelando, progres-sivamente, maior domnio da mesma e o nmero de razes foi, inclusive, aumentando. Almdisso, passaram a solicitar ao professor razes para algumas das suas afirmaes e a usar commais freqncia o porqu?.

    Neste sentido, possvel afirmar que os materiais didticos CTS desenvolvidos esti-mulam o uso de capacidades de pensamento dos alunos. As dificuldades iniciais, com o apoiodas suas professoras, foram progressivamente vencidas. Nas ltimas atividades integradas nosmateriais didticos CTS, os alunos respondem de forma eficaz s solicitaes que exigem o usode capacidades de pensamento. Por exemplo, na atividade Investigando o uso de plantas nastradies e costumes, os alunos, na sua globalidade, tendo em conta a anlise das suas respos-tas, foram capazes de, autnoma e independentemente, delinear a investigao a realizar, expli-citando: o foco/propsito da mesma, o que iam fazer, que fontes iam consultar (incluindo ainternet) e como iam registar os resultados da sua investigao.

    Impacto nas professoras colaboradoras

    Nesta seo, procura-se dar conta do impacto, nas professoras, do processo de for-mao pela investigao em que colaboraram, tendo por base os dados que foram colhidos nocontexto das observaes das prticas didtico-pedaggicas com os materiais didticos CTS, deentrevistas e de conversas informais e ainda os dados recolhidos com base na anlise de docu-mentos compilados. Ao faz-lo, tm-se em considerao as categorias de anlise: natureza daeducao CTS no ensino das cincias; desenvolvimento de materiais didticos; desenvolvimen-to pessoal/profissional e trabalho colaborativo.

    Natureza da educao CTS no ensino das cincias

    No incio do estudo, para nenhuma das professoras a educao CTS surge comouma finalidade central na Educao em Cincias no Ensino Bsico. De fato, em diversas situa-es (entrevistas e conversas informais), quando questionadas sobre as tendncias presentes noCurrculo Nacional, as professoras responderam mencionando os contedos em termos deconhecimentos cientficos a focar. Tendem a considerar que tal o possvel e o desejvel, pelasexigncias avaliativas e dos pais.

    A anlise do contedo de entrevistas e conversas informais mantidas com as PCs noincio do processo formativo indicam que as PCs consideravam que as capacidades de pensa-mento estavam inerentes ao prprio processo de ensino-aprendizagem, pois os alunos para

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  • fazer algo tinham sempre que pensar. Congruentemente, os dados resultantes da anlise demateriais didticos que as PCs usavam antes de se envolverem no projeto, apontam no senti-do de o desenvolvimento de capacidades de pensamento tender a no ser contemplado, pelomenos de forma explcita. Com efeito, um dos aspectos que ressalta o fato de muitos dosmateriais didticos usados pelas professoras corresponderem a cpias de pginas de manuaisescolares, nas quais surgem as concluses da cincia que o aluno deve memorizar. Outro estligado ao tipo de questes formuladas aos alunos. O mais freqente corresponde s questesa serem completadas, em que deixado um espao para o aluno preencher usando palavrasou smbolos. Um outro tipo bastante comum so as questes de associao. Tais tipos dequestes favorecem, sobretudo, aprendizagens que se situam nos nveis mais baixos de taxo-nomias de objetivos educacionais, normalmente simples memorizao de conhecimentos, oque no consistente com uma orientao CTS.

    As PCs, antes do processo formativo, no contemplavam explcita e intencionalmen-te a meta da literacia cientfica e particularmente a orientao CTS no processo de ensi-no/aprendizagem das cincias. Ante a ausncia de formao, tambm no seria expectvel quecontemplassem explcita e intencionalmente tal meta nas suas prticas didtico-pedaggicas.Efetivamente, uma das PCs mencionou que nunca havia tido formao sobre CTS. A ttuloilustrativo, a prof. B afirmou: No estava minimamente familiarizada com a educao CTS.

    No seguimento de, no processo formativo, terem tido oportunidades de conhecer ecompreender quadros tericos, abordagens e projetos CTS, as professoras foram construindoidias mais claras, profundas e consistentes sobre o assunto. As citaes a seguir do conta damudana na viso das professoras sobre a orientao CTS.

    A oportunidade de ter participado deste projeto contribuiu fortemente para ver que asminhas prticas podiam mudar sem que os meus alunos deixassem de ter melhor aproveitamento.Com estas atividades CTS os alunos mostraram-se muito mais interessados e participativos. (prof. A)

    Depois de ter percebido o que realmente se pretende com esta mudana curricular nascincias foi para mim muito importante experimentar com os meus alunos os materiais que se cons-truram e verificar que promovem mesmo as inter-relaes entre CTS e que os alunos, alm deaprenderem mais e melhor, tornaram-se mais crticos e ativos. (prof. B)

    Apesar do enorme trabalho tido com a produo dos materiais CTS, estes so, sem dvi-da, de enorme qualidade para a abordagem deste tema de um modo mais agradvel e interessantepara os alunos do 5 ano. Nunca os senti to entusiasmados e motivados para as cincias como comestes materiais. (...) As minhas aulas foram, sem dvida, diferentes para melhor e sinto que estoumais prxima do que deve ser o ensino das cincias no Ensino Bsico. (prof. C)

    A anlise dos dados compilados permite estabelecer um quadro em que se evidenciauma mudana progressiva nas prticas das PCs. Por exemplo, foi visvel uma mudana na ope-racionalizao de estratgias/atividades como o debate/discusso e o questionamento. Em vezde uma orientao quase exclusiva na aquisio de conhecimentos cientficos, passaram a con-templar o explicitar das inter-relaes da Cincia e da Sociedade e, por vezes, com aTecnologia, e a apelar para as capacidades de pensamento.

    O mesmo aconteceu com os recursos curriculares. De um nmero reduzido, especialmen-te o manual escolar e algumas fichas e cartazes elaborados pelas prprias professoras, passou aexistir o recurso a outros materiais e suportes, como enciclopdias, computador (incluin-do a internet) e outras fontes de informao, como os elementos do agregado familiar do aluno.

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  • Desenvolvimento de materiais didticos

    Antes do incio do processo formativo propriamente dito, as PCs nunca tinhamdesenvolvido, individualmente ou em conjunto com outros colegas, materiais didticos decariz CTS e nem sabiam como faz-lo. Nas vrias conversas sobre as suas prticas, antes de seenvolverem no processo formativo, foram assumindo que:

    No estamos habituadas a trabalhar em conjunto e muito menos para produzir mate-riais. (prof. C)

    Tenho muitas dvidas sobre a qualidade da maioria dos materiais, incluindo os dosmanuais escolares que temos ao nosso dispor, mas tambm no sei como mudar esta situao. (prof. A)

    Apesar deste sentimento, aps a primeira fase do percurso formativo, envolveram-sena construo de materiais didticos com foco CTS a serem implementados na sua sala deaula. No incio, as PCs tiveram dificuldade, por exemplo, em elaborar um mapa de conceitossobre as plantas, onde estivessem presentes explicitamente as inter-relaes CTS. Mas as lei-turas feitas, as reflexes e sugestes dos IP/Fs, permitiram que se avanasse para a elaboraodeste e de outros documentos (conforme descrito na seo relativa segunda fase do desenvol-vimento do processo formativo).

    Este trabalho, amplamente discutido por forma a contemplar competncias afomentar nos alunos, foi evoluindo, algumas vezes com recuos, para a elaborao de cada ativi-dade e sua seqncia no processo global de ensino/aprendizagem das cincias.

    As PCs, na avaliao e reflexo sobre os materiais didticos CTS desenvolvidos, fize-ram apreciaes que evidenciam as potencialidades educativas dos mesmos. Transcrevem-se, aseguir, alguns dos comentrios feitos por elas.

    Esta experincia de desenvolver e depois implementar os materiais foi para mim marcan-te. Considero que estes materiais, alm das potencialidades a nvel CTS, so um bom exemplo doque se pode fazer nas escolas. Para isso preciso ampliar experincias e formaes como esta maio-ria dos professores. (prof. B)

    Alm destes materiais [sobre as plantas] devamos construir agora outros sobre as outrastemticas. (prof. C)

    As professoras consideraram que a segunda fase do processo formativo, relativa aodesenvolvimento dos materiais, foi fundamental para a melhoria das suas prticas didtico-pedaggicas e teve resultados positivos do ponto de vista profissional e pessoal, como se des-crever em seguida.

    Desenvolvimento pessoal/profissional

    Como j ficou evidenciado por vrios dos episdios e comentrios das PCs, anterior-mente apresentados, tudo aponta para que estas professoras, fruto do seu envolvimento no per-curso, tenham tido desenvolvimento pessoal e profissional. As professoras colaboradoras fizeramuma apreciao bastante positiva desse processo, expressando um grau de satisfao muito bomdiante do mesmo. Afirmaram que no final desta experincia muitas das suas necessidadesde formao foram satisfeitas e o seu bem-star (prof. C) aumentou, dado terem sido constru-das perspectivas e propostas concretas para a sala de aula.

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  • As PCs consideraram a sua colaborao no grupo de investigao-ao como muito boae muito til para refletir e atuar sobre as prticas de sala de aula. Estas afirmaram concretamente:

    A formao e a oportunidade de ter ajudado a construir os materiais CTS contribuiumuito para me sentir profissionalmente preparada para cumprir as novas exigncias curriculares quenos so feitas para uma Educao em Cincias que promova uma efetiva a literacia cientfica dosalunos do Ensino Bsico. (prof. A)

    Considero que estou mais bem preparada para enfrentar os desafios que o sculo XXI nosimpe a respeito da Educao em Cincias com uma orientao CTS. (...) Depois da implementa-o dos materiais didticos que desenvolvemos, as minhas prticas nunca mais sero iguais ao quefazia. (prof. B)

    No que se refere ao desenvolvimento pessoal as professoras, pese embora muitas dasdvidas que ainda revelam sobre a operacionalizao do currculo ao nvel dos projetos curri-culares (de escola e de turma), mostraram-se mais satisfeitas e confiantes quanto ao processode ensino/aprendizagem das cincias no Ensino Bsico, nomeadamente quanto orientaoCTS. Uma dos professoras, neste sentido, afirmou:

    Depois da confuso inicial que sentia, bem como a maioria dos professores das escolas,com mais uma mudana nos programas estou agora a sentir maior clareza e percepo sobre asrazes de tal mudana. Sinto mais confiana agora. (prof. C)

    O desenvolvimento pessoal foi igualmente visvel na aceitao deste novo conheci-mento sobre a orientao CTS, bem como a gesto de sentimentos associados com a mudan-a nas suas atividades e crenas sobre o ensino das cincias. A promoo do desenvolvimentopessoal foi alicerado na vida real de trabalho das professoras.

    Trabalho colaborativo

    As professoras consideraram muito importante as atividades de partilha e discusso deidias e experincias, de apresentao e discusso de informao sobre a educao CTS e extre-mamente importante o trabalho colaborativo desenvolvido. Duas professoras referiram mesmoque devia ter sido dedicado mais tempo ao desenvolvimento de materiais didticos, por formaa ser possvel produzir materiais CTS, passveis de serem usados pelos alunos, no mbito deoutras temticas. A muita importncia atribuda ao trabalho colaborativo no desenvolvimentode materiais didticos ajuda a compreender o enorme envolvimento de todo o grupo de inves-tigao-ao. Neste mbito foi, tambm, valorizado o apoio e retroao recebidas, bem como oincentivo e estmulo para tentar, refletir e tentar de novo. Os materiais de apoio utilizados foramconsiderados pertinentes e bastante adequadas apropriao e domnio da orientao CTS noensino das cincias.

    Outro aspecto realado pelas PCs foi a satisfao por trabalharem num contextocaracterizado pela abertura de esprito. Uma das professoras referiu que quando somos incen-tivados e apoiados a expressar o que pensamos, conseguimos um trabalho conjunto de quali-dade, como o caso dos materiais que j construmos (prof. B).

    Concluses e implicaes

    No quadro da reorganizao curricular do Ensino Bsico portugus, salienta-se aidia de que o ensino das cincia deve ser visto, acima de tudo, como promotor da literacia

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  • cientfica. Nesse sentido, a orientao CTS deve constituir o eixo integrador e globalizante dodesenvolvimento de competncias, quer de conhecimentos cientficos e tecnolgicos, quer decapacidades de pensamento e ainda de atitudes/valores.

    Neste enquadramento, o projeto de investigao-ao realizado, centrado no apoiaros professores do Ensino Bsico no desenvolvimento de prticas de ensino das cincias consis-tentes com uma orientao CTS, configurou-se como um processo formativo conjunto e parti-lhado entre e com as professoras, que vivem o seu cotidiano profissional na escola, de modo ainterligar inovao/investigao/formao. Tratou-se de usar a formao como um processo depesquisa por meio do qual a produo de conhecimentos fosse reinvestida na ao educativa.

    Professoras colaboradoras e investigadores edificaram um trabalho de autntica cola-borao, criando espaos de partilha de informao, discusso de idias e prticas. As professorasforam atribuindo sentido ao que significa ensinar cincias de acordo com uma orientao CTS.

    Daqui decorrem algumas implicaes para a formao contnua de professores. Porforma a que as oportunidades de formao de professores possam reverter a favor da renova-o e inovao, a colaborao entre professores e investigadores deve ser, uma realidade reco-nhecida e valorizada. No quadro da realizao de um trabalho colaborativo assume relevnciao atender s preocupaes, medos, incertezas e receios dos professores, ajudando-os a gerir taissentimentos no sentido de no militarem contra a mudana. A par disso, importa construirquadros que evidenciam que a mudana possvel e desejvel.

    Investigadores e professores devem constituir comunidades de reflexo, onde o pro-fessor sujeito ativo do seu desenvolvimento pessoal e profissional, assumindo o investigadorum papel de animador e promotor da reflexo sobre as prticas e sobre a teoria que embasa asprticas.

    Outro aspecto central do projeto configurou-se na produo e validao de materiaisdidticos CTS para o ensino das cincias no Ensino Bsico. A este nvel, uma idia a ressaltar o fato das professoras colaboradoras continuarem (mesmo aps o projeto) a usar os materiaisdesenvolvidos pelo grupo de investigao-ao. Importa tambm notar o desejo manifestadopelas professoras colaboradas em construrem, em conjunto com os investigadores, mais mate-riais didticos CTS relativamente a outras temticas.

    Decorrente, por um lado, da escassez de materiais didticos inovadores, a que os pro-fessores possam recorrer para utilizarem ou reestruturarem para o seu trabalho cotidiano, e, poroutro, da relevncia que os materiais produzidos no mbito do presente projeto tiveram nodesenvolvimento pessoal e profissional das professoras colaboradoras, preciso incrementar ainvestigao focada na produo e validao de materiais didticos CTS para a Educao emCincias no Ensino Bsico. ainda crucial a publicao e divulgao de tais materiais.

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    Artigo recebido em agosto de 2004 eselecionado para publicao em agosto de 2005.

    Celina Tenreiro-Vieira e Rui Marques Vieira

    210Cincia & Educao, v. 11, n. 2, p. 191-211, 2005

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  • ANEXO A

    Materiais didticos desenvolvidos Um exemplo.

    Atividade de aprendizagemO uso de pesticidas e de fertilizantes na agricultura

    1. Muitos agricultores, para aumentarem a produo de produtos agrcolas que cul-tivam, utilizam fertilizantes e pesticidas.

    1.1. Na sua opinio, os cientistas e os tecnlogos que contriburam para ainveno e aplicao dos pesticidas e fertilizantes so responsveis pela aplicao que os agri-cultores fazem deles?

    ____________________________________________________

    Por qu?______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    1.2. Na sua opinio, o uso de fertilizantes e pesticidas na agricultura bom,mau ou bom e mau para a sociedade?

    ____________________________________________________Por qu?_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Construo de prticas didtico-pedaggicas...

    211Cincia & Educao, v. 11, n. 2, p. 191-211, 2005

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