Cristiane Firpo Muller
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Esta monografia investiga uma questo que vem ocupando um espao
cada vez maior nas discusses da rea de patrimnio histrico e cultural e da
arquitetura: a importncia da preservao das caractersticas histricas das
cidades, atravs da conservao e recuperao dos seus prdios antigos, em
meio as constantes transformaes que esses prdios vem sofrendo no
decorrer do tempo.
Na atualidade, preservar a memria tem sido uma busca constante.
Muito alm dos meios acadmicos ou tcnicos, preservar o passado e seus
traos deixou de ser tarefa restrita de historiadores, arquelogos, arquitetos ou
urbanistas; a memria no mais se restringe a objeto de estudo de
antroplogos, etnlogos, cientistas sociais ou ainda psiclogos. Cada indivduo
faz-se historiador de si mesmo e do grupo em que est inserido e os discursos
relativos preservao do patrimnio seja arquitetnico e urbanstico,
ambiental ou cultural, material ou imaterial ganham a mdia e aparecem cada
vez mais intensos entre os mais distintos grupos.
Com isto, foi possvel abordar um estudo a respeito dos conceitos e
critrios a serem utilizados na definio e elaborao de um projeto
arquitetnico em prdios histricos, usando como modelo de estudo, um
projeto de interveno arquitetnica, realizado no prdio do Grande Hotel.
O interesse por prdios antigos e sua preservao foi um fator
determinante para a escolha do tema a ser desenvolvido, pois importante
destacar que a preservao das caractersticas histricas das cidades e a
busca de uma conscientizao de que a preservao do seu patrimnio
arquitetnico, histrico e cultural, no s retrata a histria de uma poca, como
tambm contribui de forma muito expressiva para sua qualidade visual.
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2As caractersticas ambientais de uma cidade garantem ao indivduo
uma boa qualidade de vida, principalmente aqueles referentes importncia da
presena de elementos do passado na cidade de hoje e a compatibilizao
entre o novo e o antigo.
Nesse sentido, a problematizao das questes relativas s motivaes
para a conservao e usos atribudos ao patrimnio na sociedade
contempornea, tendo em vista o exponencial crescimento do que se considera
patrimnio cultural, sua extenso territorial e o aumento de seu pblico em
grande escala, torna-se imprescindvel fazer uma reflexo sobre as diferentes
formas de preservao da memria e ainda sobre o aparato terico-conceitual,
bem como sobre as prticas de restaurao empreendidas em favor da
manuteno dos suportes materiais dessas memrias.
Buscando a formao de uma base terica slida para a compreenso e
desenvolvimento do tema deste estudo, viu-se como necessrio, utilizar como
base as normas e recomendaes legais existentes e linhas de interveno,
baseado nos tericos que abordam esse assunto.
Hoje em dia, temos um vasto material disponvel, que aborda a questo
do patrimnio histrico e cultural das cidades, porm existe uma certa
dificuldade em encontrar critrios e conceitos que aliem a temtica terica de
conservao e preservao com a escolha de formas de interveno aplicveis
a tais bens.
Portanto, na busca desses conceitos e critrios, surgiu a idia de
elaborar uma pesquisa baseada na interligao desses dois elementos
formadores das diretrizes para a elaborao de um projeto coerente de
interveno em um patrimnio edificado.
Pois, a elaborao de um projeto desta natureza, implica numa srie de
posicionamentos e definies por parte do responsvel pelo desenvolvimento
do projeto em relao aos fundamentos tericos (sempre baseados na
legislao vigente e linha de interveno a ser seguida), para a formao de
uma base de projeto slida.
O estudo buscou identificar a importncia de disponibilizar um trabalho,
que destaque a preocupao com o patrimnio histrico e cultural,
descrevendo e abordando o acervo terico relativo ao tema e criando tambm
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3uma espcie de roteiro metodolgico para o desenvolvimento de um projeto
de interveno de um bem patrimonial, baseado em mtodos especficos para
tal bem.
A definio das informaes, documentao e procedimentos que so
necessrios para a elaborao de um projeto de preservao e recuperao de
um bem imvel de valor histrico, cultural e arquitetnico, serviram para reunir
todo material disponvel a respeito do assunto, e abstrair o que realmente
possa interessar para a interligao do embasamento terico e o uso de
solues e intervenes aplicveis ao projeto, objetivando especificamente a
relao entre o aspecto legal referente ao tema escolhido, com as correntes
tericas que abrangem a questo do patrimnio histrico e cultural, alm de
buscar a identificao das caractersticas referentes ao prdio em estudo,
englobando uma pesquisa histrica, arquivstica e bibliogrfica do bem.
Alm disso, procurou-se abordar anlises tipolgicas, formais, tcnicas e
estruturais do prdio que contriburam para a elaborao de um estudo que
oferea a melhor compreenso de conceitos, critrios e terminologias
referentes preservao de um prdio com valor cultural.
A metodologia adotada baseou-se em uma pesquisa terica
fundamentada na leitura de linhas de interveno existentes e na legislao
que aborda o tema patrimonial, a fim de elaborar atravs desses dados
tericos, os conceitos utilizados no projeto.
Desta forma, procurou-se selecionar alguns referenciais tericos para a
elaborao da bibliografia a ser adotada, tais como, Cesare Brandi, Alois Riegl,
Viollet-le-Duc, John Ruskin, entre outros. Alm disso, foram utilizadas as cartas
patrimoniais, que so documentos internacionais que abordam questes
relativas ao patrimnio cultural.
Depois de concluda a ltima etapa da metodologia, foi possvel elaborar
a interligao do contexto terico com os critrios de interveno, para o caso
de interveno no prdio do Grande Hotel.
A idia de investigar os conceitos e critrios que norteiam um projeto de
interveno surgiu depois do desenvolvimento do Projeto de Reciclagem e
Interveno Arquitetnica, desenvolvido durante a graduao do curso de
Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Catlica de Pelotas.
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4Neste projeto, foi dado um novo uso ao prdio, implantando uma
Escola de Hotelaria.
Quando se quer mudar o uso original do edifcio, havendo adaptaes
s condies atuais, sem alterar a volumetria, a tipologia e a linguagem formal
do prdio, trata-se de um projeto de reciclagem.
A reciclagem de prdios envolve mtodos e tcnicas de intervir,
como tambm discute a funo adequada ao prdio. Trata-se ento no
somente de recuper-lo, de traz-lo vivo aos nossos dias, mas de torn-lo
til, atravs de uma forma adequada e necessria. H muitos problemas
que ocorrem nesse impasse, de ordem econmica, que muitas vezes,
modificam suas caractersticas originais chegando at a destru-lo, e de
ordem social, que so colocados por um entorno diferente daquele que o
produziu.1
Foram classificados diferentes graus de interveno, segundo o estado
de conservao e as caractersticas do imvel em questo.
A interveno aplicada ao prdio do Grande hotel foi classificada como
Reabilitao Profunda, onde se enquadraram os aspectos relativos s
melhorias no que diz respeito pintura e renovao de elementos
arquitetnicos (inclusive na fachada) e modificaes e/ou adaptaes nas
instalaes eltricas, hidro-sanitrias, e infra-estrutura do prdio, alm de
reparos e/ou modificaes nas alvenarias, coberturas e vigamentos.
Alm das obras precedentes, dentro desta classificao, ainda pde-se
efetuar uma redistribuio dos compartimentos no interior do prdio.
Estes aspectos nortearam a elaborao do projeto de Interveno e
reciclagem, mas pde-se observar a ausncia de toda fundamentao terica,
aliada a legislao vigente, na elaborao de critrios de interveno.
Com o intuito de complementar e elucidar esta falha, este projeto de
pesquisa busca com o entrelaamento destes conceitos e critrios, avaliando o
a interveno realizada no prdio do Grande Hotel.
Na busca de respostas problemtica exposta anteriormente, o estudo
assume como guia terico, metas que so o foco deste estudo, identificar uma 1 Jantzen e Oliveira. Renovao Urbana e Reciclagem, orientao para prtica de atelier Pelotas: Editora e Grfica Livraria Mundial, 1996, p 85.
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5forma de disponibilizar um trabalho de pesquisa que possa fornecer dados
importantes relacionados Pelotas, destacando tambm a preocupao com a
preservao do patrimnio cultural da cidade, entendendo de que forma o
contexto histrico da cidade de Pelotas e as modificaes que ocorreram na
cidade se refletiram na arquitetura pelotense, reunir o material disponvel
relativo preservao do patrimnio cultural.
A partir da compreenso destas metas e dada a caracterizao do
problema de pesquisa, este projeto tem como objetivo geral um estudo
comparativo entre os referenciais tericos, a legislao vigente e um projeto de
interveno, para a formao de conceitos e critrios aplicveis a bens
patrimoniais que se enquadrem nos mesmos critrios do prdio do Grande
Hotel e a disponibilizao de um acervo documental atravs de textos (dados
histricos), fotografias, plantas arquitetnicas, etc. Alm de visar contribuir para
os estudos que enfocam a questo da preservao de prdios histricos e que
preocupam-se com a identidade e a legibilidade do patrimnio cultural.
Mais do que esgotar a temtica abordada, dada sua complexidade e
abrangncia, os contedos discutidos nesta monografia pretendem constituir
uma contribuio para um estudo em contnuo desenvolvimento: o papel do
entrelaamento dos fundamentos tericos com a elaborao de um projeto de
interveno, que garanta a integridade do patrimnio edificado.
Um fato a ser considerado, a dificuldade encontrada em acessar e
reunir todo o acervo histrico no que tange a questo patrimonial, visto que
este tema abrange diversas reas.
possvel encontrar nos mais diversos meios, os mais variados
materiais que abordam o tema patrimonial, mas encontrou-se uma certa
dificuldade em reunir todo esse acervo afim de aplic-lo em um caso
especfico.
O entrelaamento destes aspectos visam a formao de conceitos e
critrios que embasam um projeto de interveno em um bem edificado.
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Buscou-se teorias capazes de balizar este estudo, destacando que todo
tipo de fonte deve passar por uma crtica com a finalidade de que o
emaranhado de ideologias que as permeiam, seja desvelado.
A restaurao no uma disciplina que tenha sido criada em nossos
dias. Pelo contrrio, ela tem uma origem remota, embora possa ser
considerada uma disciplina ainda em fase de estruturao.
Como em outras cincias, na restaurao, a prtica precedeu
fundamentao terica. Apesar de se ter notcia de diversas intervenes
restaurativas no passado, somente a partir do sculo XVIII comeam a
aparecer tentativas de organizar critrios e normas que orientem essas
atividades e somente em nossos dias se firma a preocupao de consolidar as
teorias da restaurao de forma universal.
A preocupao conceitual ou necessidade de estabelecer teorias
aparece no Renascimento com a conscincia da histria, ou seja, a
conscincia de que h um passado diferente da situao presente e que cabe
a ns tomar uma atitude perante essas diferentes realidades, seja para assumi-
las e retom-las ou para rejeit-las.
Os descobrimentos arqueolgicos do final do sculo XVIII e os avanos
desta cincia no incio do sculo XIX propiciaram o interesse pela histria e o
seu esclarecimento.
No que se refere arquitetura, os progressos tcnicos e cientficos
decorrentes da Revoluo Industrial e a necessidade de dotar de novos usos a
edificaes monumentais incentivaram a polmica sobre restaurao de
monumentos.
O arquiteto francs Vollet-le-Duc pode ser considerado a primeira
grande personalidade na teoria da Restaurao. Autor de inmeros projetos e
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7obras, ele fundamenta a interveno no conhecimento do passado, no para
conservar o monumento como em pocas anteriores, mas para, entendendo o
projeto e as intenes do seu autor, recompor o edifcio no que seria sua forma
ideal.
John Ruskin, escritor ingls contemporneo de Viollet-le-Duc, se
contrape a ele, negando a possibilidade de qualquer interveno no edifcio
que no seja a simples conservao.
Com base em alguns destes conceitos, um congresso internacional de
especialistas formula em 1931, a Carta de Atenas, com a introduo da idia
de que o entorno tambm deve ser pensado, ou seja, a preservao da
arquitetura e seu ambiente.
As mesmas idias foram abordadas na Carta de Veneza, de 1964, que
insiste na conservao do ambiente total, ou seja, os edifcios excepcionais e
os outros que compe o fundo onde se encontram integrados.
Estas e outras inmeras Cartas que foram publicadas, demonstram uma
profunda preocupao em evitar erros relacionados ao patrimnio em geral.
Sendo assim, o primeiro terico a ser estudado, trata-se de Viollet-le-
Duc, arquiteto que atuou em poca na qual a restaurao estava se firmando
como cincia.
Segundo Beatriz Khl 1, Viollet-le-Duc (1814-1870) foi um dos primeiros
estudiosos que, ao pensar no conceito moderno de restaurao, tentou
estabelecer princpios de interveno em monumentos histricos. Suas teorias
e projetos sempre foram muito questionados, aceitos por muitos e combatidos
por outros tantos. Apesar de sua racionalidade, lgica e coeso de idias, sua
forma dogmtica e abusiva de atuar acabou por conden-lo ao ostracismo nas
dcadas seguintes. Nascido em uma famlia burguesa que cultivava as artes e
a cultura, iniciou seus estudos em 1830, poca dos grandes debates sobre as
artes e arquitetura, da sistematizao da formao do arquiteto e da
multiplicao de revistas especializadas. Viajou pela Frana e Normandia
(1831/1833), desenvolvendo grande interesse pela arquitetura medieval, e pela
Itlia (1836) onde aprofundou seus conhecimentos sobre arquitetura clssica.
1 Restaurao, de Eugne Emmanuel Viollet-le-Duc. Apresentao e traduo de Beatriz Mugayar Khl, So Paulo, Ateli Editorial, Coleo Artes & Ofcios, 2000, 70 p. ISBN 85-7480-027-9.
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8Em 1837 surgiu a Comisso dos Monumentos Histricos, rgo de
suporte para a Inspetoria Geral, que designou muitos arquitetos para a direo
das obras de restauro. Em 1840 Le-Duc foi indicado pelo Ministro do Interior,
por recomendao de Mrime (secretrio do Conselho de Construo Civil da
Comisso de Monumentos) para restaurar a Igreja de Vzelay, o que foi uma
surpresa geral, j que Le-Duc no possua experincia nesse campo e era uma
obra bastante complexa. Sua atuao bem sucedida neste projeto alavancou
sua carreira aparecendo diversos trabalhos no ramo da restaurao.
Ao mesmo tempo em que seu reconhecimento crescia por sua atuao
no campo da restaurao, sua obra terica tambm tomava corpo, discorrendo
sobre o papel do arquiteto e suas condies de trabalho e elaborando
documentos tcnicos que ensinavam desde tcnicas medievais de entalhe de
pedra e rejunte, at formas de levantamento, verificao e anlise de
patologias e indicao de tcnicas de restauro. Nesses escritos demonstrava
grande conhecimento sobre arquitetura e construo, especialmente da
arquitetura medieval, e uma forte preocupao com a adequao de formas,
materiais, funes e estruturas que, na concepo de um projeto de restauro,
deveriam formar um sistema lgico, perfeito, e fechado em si, de forma a
estabelecer o modelo ideal e retornar o edifcio um estado completo que
pode no ter existido nunca em um dado momento. Para isso, fazia uma
anlise profunda de como teria sido feito o projeto original se detivesse todo o
conhecimento e experincia da poca da concepo, concebia o modelo ideal
e impunha sobre a obra esse esquema j montado. Por isso em sua obra
muitas vezes percebe-se a falta de respeito pela matria e pelas modificaes
sofridas pelo edifcio ao longo do tempo, pois acertava os defeitos buscando a
pureza de estilo atravs da retomada do projeto original ou, como aconteceu
em diversas obras, reconstitua edifcios inteiros a partir desse modelo ideal
resultando em um edifcio completamente diferente do original.
De toda sua obra escrita, o Dictionnaire Raisonn de lArchitecture
Franaise teve a maior repercusso e difuso, tanto na Frana quanto no
exterior. Atravs do verbete Restaurao, pode explicar a origem e o conceito
do termo que at ento no existia como concebido atualmente. Como ele
prprio dizia a palavra e o assunto so modernos e foi somente a partir do
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9segundo perodo do sculo XIX, principalmente atravs da sua colaborao,
que se definiu o conceito aceito atualmente. At ento, nenhum edifcio havia
sido restaurado conforme o fazemos hoje. Na sia, deixavam o edifcio
abandonado e construam outro edifcio adjacente ao primeiro. Os romanos
reconstituam de acordo com o modo admitido na poca da reconstruo
atravs da substituio de peas quebradas e os gregos davam o cunho do
momento, no reproduzindo as formas anteriores do edifcio onde ocorria
interveno. O gosto pelas restauraes como renovao se manifestou
sempre ao final dos perodos das civilizaes nas antigas sociedades, como no
final do Imprio Romano na Grcia ou s vsperas da Reforma de Martinho
Lutero.
No comeo do sculo XIX a Inglaterra e a Alemanha j ensaiavam
tcnicas de restauro sobre seus edifcios e esses princpios rapidamente se
propagaram pela Frana. A Comisso dos Monumentos Histricos passou a
utilizar o programa j adotado nesses dois pases, na Itlia e Espanha, cuja
metodologia de trabalho dava indicaes de como intervir, assinalando que
cada edifcio, ou parte dele, fosse restaurado no estilo a que pertencia (em
aparncia e estrutura), devendo-se constatar a idade e o carter de cada parte
para compor um relatrio respaldado por documentos seguros (notas escritas e
levantamento grfico). Para isso era necessrio ter conhecimento das escolas,
seus princpios e meios prticos, assim como dos tipos de cada perodo de arte
e dos estilos de cada poca.
No Dictionnaire, Le-Duc apontou o grande preconceito que havia em
relao restaurao, vista como uma fantasia, uma moda, um estado de
desconforto moral, pela maioria das pessoas que, na sua opinio, na verdade
tinham medo de sair da zona de conforto, como se a descoberta do novo fosse
uma perda da tradio. Esse preconceito se devia em grande parte retomada
e revalorizao das obras da Idade Mdia, vista pelos estudiosos como o
caminho para a identidade nacional e pelo povo como a volta quele perodo
marcado pela intransigncia e castigo aos que saam do caminho correto.
No verbete, Le-Duc descreve exemplos de algumas situaes que
poderiam se apresentar diante do restaurador e procedimentos passveis de
serem aplicados a elas, enfatizando que ao intervir, estando o restaurador
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10diante de duas opes distintas de interveno, a adoo absoluta de um
dos dois partidos pode oferecer perigos, e que necessrio, ao contrrio, no
se admitindo nenhum dos dois princpios de uma maneira absoluta, agir em
razo das circunstncias particulares. Ele afirmava categoricamente o perigo
tanto de se reproduzir exatamente o original como de substitu-lo por formas
posteriores, e deixa claro que nada deve ser encarado como um dogma, mas
como algo relativo e especfico de cada obra. Na prtica, percebe-se que Le-
Duc ao utilizar-se da constituio do tipo e do modelo ideal no conseguia
atuar com imparcialidade e sem dogmatismo, pois intervinha com base em um
modelo que ele considerava perfeito e adequado, e propunha solues que no
respeitavam o edifcio, suas marcas, sua histria e suas peculiaridades, mas
que satisfaziam apenas a pureza de estilo que ele prprio determinava.
Em meio aos exemplos, Le-Duc levantou diversas questes quanto a
obras mutiladas, substituio de materiais e recuperaes estruturais,
propondo o refazimento em estado novo, no estilo prprio e escala do
monumento (sem alterar as propores), de pores das quais no restasse
trao algum, a substituio de toda a parte retirada por materiais melhores e
mais durveis e meios mais eficazes, aperfeioamento no sistema estrutural
para suprimir deficincias. Pregava o indispensvel conhecimento do que ele
chamava de temperamento do edifcio, que nada mais era que a combinao
da natureza dos materiais, qualidade das argamassas e do solo, sistema
estrutural (pontos de apoio vertical e unies horizontais), peso, concreo das
abbadas e elasticidade das alvenarias. Para esse completo entendimento, o
restaurador deveria ser um construtor hbil e experiente, que conhecesse
todos os procedimentos de construo admitidos nas diferentes pocas da arte
e escolas.
Quase ao final do verbete, Le-Duc levanta outras questes pertinentes
ao trabalho de restaurao como a utilizao do edifcio como a melhor forma
de conserv-lo, a importncia da fotografia nos estudos cientficos, como forma
de fornecer documentos que pudessem ser sempre consultados e meios para
justificar as aes, e a importncia e presteza dos operrios nos canteiros de
restaurao. Mais uma vez aponta a importncia da investigao cientfica e do
perigo das hipteses quando diz que necessrio, antes de comear, tudo
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11buscar, tudo examinar, reunir os menores fragmentos tendo o cuidado de
constatar o ponto onde foram descobertos, e somente iniciar a obra quando
todos os remanescentes tiverem encontrado logicamente sua destinao e seu
lugar. Um julgamento sem a certeza total pode levar a uma seqncia de
dedues que afastam a restaurao da realidade.
O que importante lembrar e atentar na obra de Viollet-le-Duc a
atualidade de muitas das suas formulaes e sua aplicabilidade nas
intervenes de restauro atuais: a restaurao tanto da funo portante do
edifcio como de sua aparncia, o estudo do projeto original como fonte de
conhecimento para resoluo de problemas estruturais, a importncia dos
levantamentos detalhados da condio existente, a reutilizao do edifcio para
sua sobrevivncia e, principalmente e a atuao baseada em circunstncias e
especificidades de cada projeto.
A segunda corrente terica a ser discutida, diz respeito a outra
concepo de restaurao, tratada por John Ruskin (1819-1900), arquiteto,
escritor e crtico britnico. A postura de Jonh Ruskin bem clara, pois o seu
pensamento vincula-se ao Romantismo, movimento literrio e doutrinrio (final
do sculo XVIII at meados do sculo XIX), e que d nfase sensibilidade
subjetiva e emotiva em contraponto a razo. Esteticamente, Ruskin apresenta-
se como reao ao Classicismo. Na sua definio de restaurao dos
patrimnios histricos, ele considerava a real destruio daquilo que no se
pode salvar, nem a mnima parte, uma destruio acompanhada de uma falsa
descrio. No h dvida que em grande parte da sua obra dedica maior
ateno ao patrimnio arquitetnico e cultural do seu pas.
Segundo Khl, a preocupao de Ruskin com a preservao do
patrimnio fica sobre tudo destacado em duas das suas obras: The Seven
Lamps of Architecture (1849) e The Stones of Venice (1851-1853, trs
volumes). Onde Ruskin insurge-se com veemncia contra o que considera um
atentado criminoso ao patrimnio arquitetnico: a restaurao de edifcios
antigos sem qualquer respeito pelo traado original. Para Ruskin a soluo
reside em prevenir a destruio de qualquer tipo de monumento / edifcio antes
que este esteja reduzido a runas. S assim ser possvel, em sua opinio,
evitar que geraes vindouras percam para sempre o contato com o legado
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12que lhe deixaram os seus antepassados. Numa poca que considera rendido
aos encantos dos caminhos de ferro e ao ambiente fervilhante das cidades,
Ruskin encara a arquitetura antiga como fora vivificadora semelhante ao
poder revigorante da natureza.
A leitura do texto de Camillo Boito, Os restauradores, apresentado na
Conferncia feita na Exposio de Turim, em 1884, mostra claramente o
quanto teoria da Restaurao evoluiu a partir de duas teorias
fundamentalmente antagnicas: a de Viollet-le-Duc e a de John Ruskin.
Em Os restauradores, Boito chama a ateno para o fato de que
restaurao e conservao no so a mesma coisa, sendo, com muita
freqncia, antnimas. Os conservadores so tidos como homens necessrios
e benemritos ao passo que os restauradores so quase sempre suprfluos e
perigosos. Dessa forma, dirige seu discurso sobretudo aos ltimos, pregando
a precedncia da conservao sobre a restaurao e a limitao desta ao
mnimo necessrio. A abordagem em relao a formas de restaurao de
diversas artes: escultura, pintura e arquitetura, cada uma tendo suas
particularidades e complexidades. A regra geral para a escultura era a de que
no houvesse completamentos, excetuando-se quando fossem devidamente
documentados, pois os mesmos poderiam desfigurar a obra, levando-a por um
caminho totalmente diferente do que aquele previsto por seu autor.
Todas as adies (restauraes sucessivas) deveriam ser descartadas.
Em relao pintura, preconizava que se deveria saber o momento de parar e
ser a interveno menor possvel. Sobre a arquitetura recaa, em sua opinio, a
maior complexidade: distanciava-se de Ruskin e de le-Duc: do primeiro,
medida que no aceitava a morte certa dos monumentos e, do segundo, no
aceitando lev-los a um estado que poderia nunca ter existido antes. Alertava
para o perigo da forma de agir de le-Duc em funo da arbitrariedade que a
mesma continha e ao que poderia ser sua inevitvel conseqncia: o triunfo do
engano. Ao afastar-se das duas teorias, cria, ao mesmo tempo, uma teoria
intermediria entre ambas. Cita e concorda com Mrime ao dizer sobre as
restauraes: nem acrscimos, nem supresses, ficando evidente o respeito
que os acrscimos ao longo da histria deveriam ter e orientando, ao mesmo
tempo, a mnima interveno. Boito admitia contradies em suas prprias
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13teorias, uma vez que o assunto era contemporneo e as mesmas estavam,
ainda, em formao.
Em outros aspectos, muitas vezes as idias apresentadas aproximavam-
se das de Ruskin, principalmente ao apontar para a pouca interveno que
deveria existir no monumento. Na verdade, esta aproximao refere-se ao
mesmo princpio fundamental, no alterao substancial do monumento,
medida que Boito acreditava na necessidade de certas restauraes. Outra
caracterstica presente em Ruskin que se desenvolve nessa teoria a
valorizao das runas como tal e por isso deve-se entender o reconhecimento
de sua beleza, de seu aspecto pictrico, na qualidade mesma de runa. No h,
por parte da teoria aqui analisada, vontade de que as mesmas voltassem ao
aspecto original do edifcio e sim a de que permanecessem, de fato, como
runas. Afasta-se aqui um possvel completamento com elementos novos,
princpio com certeza adotado por Viollet-le-Duc. Tambm o medo em relao
restaurao como o grande perigo distancia o pensamento de Boito dos
escritos de le-Duc, aproximando-o, mais uma vez, a Ruskin.
Dessa forma, ao no aceitar a morte inevitvel dos monumentos,
propunha, em casos necessrios, restauraes que, por serem mnimas,
acabavam eliminando a arbitrariedade de certas aes. A aceitao de todas
as fases histricas presentes numa obra tambm espraiava os juzos de
valores, na maioria das vezes subjetivos, em relao ao que permaneceria ou
no. No se desejava mais levar o edifcio a um estado inicial e,
fundamentalmente, a um que jamais houvesse existido antes.
Seu discurso representa uma evoluo da teoria da restaurao a partir
da mesma origem e para o mesmo caminho posteriormente traado pela Carta
de Atenas de 1931: a reviso e adaptao dos escritos de Ruskin e de Viollet-
le-Duc. A importncia dada ao contexto das obras artsticas percebida
sobretudo quando fala da escultura e, no final do texto, da sada de obras do
local de origem. Questes como o embasamento pela documentao e o
respeito s fases de uma obra permeiam todas as intervenes
contemporneas, tendo, portanto, grande importncia em sua prxis.
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14Cesare Brandi (1906-1988) foi personagem de notvel importncia no
campo das artes no sculo XX. Segundo Giovanni Carbonara 2, Cesare
dedicou-se Histria da Arte, Esttica e Restaurao, tendo papel
primordial na fundao do Instituto Centrale del Restauro (ICR), em Roma , do
qual foi diretor por duas dcadas, desde sua fundao, em 1939, at 1960,
coordenou a restaurao de inmeras obras de arte destrudas nos
bombardeios e, paralelamente, desenvolveu sua Teoria da Restaurao, em
que delimitou preceitos tericos que serviram de embasamento prtica do
restaurador, aliando suas pesquisas tericas nos campos da esttica e filosofia
da arte com as prticas e experincias desenvolvidas no mbito do ICR.
Publicado pela primeira vez em 1963, Brandi apresenta em seu texto o
conceito de restauro como o momento metodolgico do reconhecimento da
obra de arte, na sua consistncia fsica e na sua dplice polaridade esttica e
histrica, com vistas sua transmisso para o futuro, isto , condiciona o ato
de restaurao compreenso / experimentao da obra de arte enquanto tal,
o que resulta na prevalncia do esttico sobre o histrico, na medida em que
exatamente a condio de artstica o que diferencia a obra de arte de outros
produtos da ao humana. Tal colocao refuta as teorias precedentes que
preconizavam a manuteno dos monumentos apenas como documentos
histricos, relegando a um segundo plano sua imagem figurativa, embora no
exclua a importncia do valor histrico, intrnseco a todo monumento.
De seu conceito de restauro, Brandi extrai dois conceitos:
- Restaura-se somente a matria da obra de arte, que se refere aos
limites da interveno restauradora, levando em conta que a obra de arte, em
sua acepo, um ato mental que se manifesta em imagem atravs da matria
e sobre esta matria que se degrada - que se intervm e no sobre esse
processo mental, no qual impossvel agir. Da decorrem as crticas s
restauraes baseadas em suposies sobre o estado original da obra,
condenadas a serem meras recriaes fantasiosas, que deturpam a fruio da
verdadeira obra de arte.
2 Giovanni Carbonara professor-titular da Faculdade de Arquitetura da Universit degli Studi Di Roma La Sapienza. Traduo de Beatriz Mugayar Khl (FAU-USP).
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15- A restaurao deve visar ao restabelecimento da unidade potencial
da obra de arte, desde que isso seja possvel sem cometer um falso artstico ou
um falso histrico, e sem cancelar nenhum trao da passagem da obra de arte
no tempo. Ainda que se busque com a restaurao a unidade potencial da
obra (conceito de todo distinto de unidade estilstica), no se deve com isso
sacrificar a veracidade do monumento, seja atravs de uma falsificao
artstica, seja de uma falsificao histrica.
Assim, o estado de conservao da obra de arte no momento da
restaurao que ir condicionar e limitar a ao restauradora, a qual dever,
sob o ponto de vista da instncia histrica, limitar-se a desenvolver as
sugestes implcitas nos prprios fragmentos ou encontrveis em testemunhos
autnticos do estado originrio. E em relao instncia esttica, os limites da
ao do restaurador esto postos em funo da matria original da obra e de
sua definio mesmo como obra de arte, pois a unidade figurativa da obra de
arte se d concomitantemente com a intuio da imagem como obra de arte.
O que deve guiar a interveno , portanto, um juzo crtico de valor,
idia presente j no pensamento do historiador da arte vienense Alois Riegl (Le
culte moderne des monuments. Son essence et sa gense. Paris, Seuil, 1984)
e que aparece tambm na Carta de Veneza (1964), complementada pela
seguinte ressalva: O julgamento do valor dos elementos em causa e a deciso
quanto ao que pode ser eliminado no podem depender somente do autor do
projeto. Da a afirmao da restaurao como processo coletivo, que no pode
depender do gosto ou do arbtrio de um nico indivduo, antes deve ser
sustentado por profundos conhecimentos, seja do ponto de vista da tcnica a
ser empregada, seja do ponto de vista humanstico, relacionado com o domnio
da histria, esttica e filosofia, sem os quais no se pode assegurar a
legitimidade das escolhas efetuadas nos procedimentos de restauro.
Com esses pontos, mantm-se, como j havia sido posto desde o
sculo XIX por Boito ou Giovannoni 3, a regra da reversibilidade e
distingibilidade das intervenes contemporneas nos monumentos do
passado, datando a restaurao como fato histrico indissocivel do presente
histrico que o produziu. Tambm nos textos de Brandi, como nas 3 Giovanoni, Gustavo (1873 1948), arquiteto.
-
16recomendaes da Carta de Veneza, fica clara a extenso dos
procedimentos de restauro para o ambiente ou entorno da obra como forma de
garantir sua adequada conservao fsica e tambm sua leitura como obra de
arte.
O rigor de princpios a marca da reflexo de Cesare Brandi em sua
Teoria, na qual fica claro que a restaurao um ato crtico-cultural do
presente e, portanto, condicionado pelos valores do presente; valores esses
que no podem menosprezar ou se eximir responsabilidade que o ato de
restauro traz em si, tanto para sua prpria gerao quanto para as seguintes.
Entre os tericos estudados, foi possvel reunir alguns conceitos, que
so relevantes para a elaborao de um projeto de interveno coerente,
dentre eles, pode-se destacar alguns dos conceitos utilizados por Violet-le-Duc,
onde trata da importncia do papel e da responsabilidade do arquiteto na
elaborao de documentos tcnicos, levantamento arquitetnico, verificao e
diagnstico das patologias e a indicao de tcnicas de restauro, bem como a
significncia de um levantamento detalhado da condio atual do bem. Sendo
o estudo do projeto original, uma fonte de conhecimento para a resoluo de
problemas estruturais. Viollet-le-Duc consolida a noo de que existem
princpios verdadeiros de adequao da forma funo, da estrutura forma e
da ornamentao ao conjunto.
Aborda a reutilizao do bem como uma forma de salvaguardar sua
sobrevivncia, destacando a importncia relativa ao uso da fotografia nos
estudos cientficos, como forma de fornecer documentos que possam ser
sempre consultados como meios para justificar as aes.
Destaca-se ainda a importncia da investigao cientfica, da busca de
todos os fragmentos, o cuidado de constatar o ponto onde foram descobertos,
e somente iniciar a obra quando todos os remanescentes tiverem encontrado
logicamente sua destinao e seu lugar. Um julgamento sem a certeza total
pode levar a uma seqncia de dedues que afastam a restaurao da
realidade.
Em relao escolha e contratao de profissionais (operrios) nos
canteiros de restaurao, ressalta que a atuao do profissional deve ser
-
17baseada em circunstncias e especificidades de cada projeto, onde se torna
indispensvel o conhecimento do temperamento do edifcio.
Sobre John Ruskin pode-se destacar suas palavras sobre o ato de
interveno: Que interveno se poder executar de superfcies que esto
consumadas de meia polegada? Todo o inteiro requinte do acabamento da
superfcie da obra estava exatamente naquela meia polegada que se foi. Se
tentares restaurares este acabamento, no podeis faz-lo no
arbitrariamente. Se copiares aquilo que permaneceu, assegurando o
mximo possvel de realidade, como pode a nova ser melhor que a velha?
E, no entanto naquela velha havia um qu de vitalidade, um qu de
misterioso e sugestivo daquilo que se foi, e daquilo que se perdeu... que
no pode ser encontrada na brutal dureza do entalhe novo4.
A conservao do monumento pode ser determinada pela conscincia
do seu valor enquanto testemunho da ao humana que atravessa sculos, e
para sua salvaguarda necessrio conserv-lo respeitando a condio
temporal que lhe submetido, destacando que a importncia da valorizao do
bem, pode ser obtida atravs da valorizao das marcas deixadas pelo tempo.
Sobre Camilo Boito pode-se destacar a importncia da documentao e
o respeito s fases de uma obra para o embasamento de possveis
intervenes.
Mas o terico de maior significncia para o estudo em questo, trata-se
de Cesare Brandi, devido a uma identificao pessoal e ao significado de
alguns de seus conceitos, que puderam ser totalmente aplicveis ao caso de
interveno no prdio do Grande Hotel.
Dentre eles, podemos destacar os seguintes importncia do
reconhecimento do monumento enquanto obra de arte, quanto a seu juzo de
valor, lhe constituindo o primeiro passo para a interveno.
A anlise do bem sobre dois aspectos de fundamental importncia: o
histrico e o esttico, onde a primeira representa o significado do produto
humano realizado em um certo tempo e lugar e a segunda, representa a
qualidade artstica, pela qual a obra dada como obra de arte: 4 Ruskin, John. A lmpada da memria. Apresentao, traduo e notas Odete Dourado. P. 25. Salvador: Publicaes Pretextos. Srie B, n 2, 1996.
-
18
A restaurao constitui o momento metodolgico do
reconhecimento da obra de arte, em sua conscincia fsica, e em dupla
polaridade esttica e histrica, em ordem a sua transmisso ao futuro. 5
Brandi aborda a importncia do uso da restaurao preventiva e a
valorizao da integrao entre o existente e o proposto, onde deve ser sempre
e facilmente reconhecvel; mas sem que por isto se venha a infringir a prpria
unidade que se visa a reconstruir, sendo que qualquer interveno de restauro
no torne impossvel, mas antes, facilite as eventuais intervenes futuras.
A falsificao um objeto, significa desvaloriz-lo em relao ao contexto
no qual est inserido, pois um erro na reconstituio histrica deste objeto
resulta em uma ofensa esttica irreparvel:
Se um determinado objeto est fragmentado fisicamente, este
dever continuar subsistindo potencialmente como um todo em cada um de
seus fragmentos, e esta potencialidade ser exigvel numa proporo
diretamente vinculada com o vestgio formal que h sobrevivido
degradao da matria de cada um de seus fragmentos. 6
No restabelecimento do monumento arquitetnico, devem ter preferncia
os problemas estruturais correspondente matria fsica, lugar onde se
manifesta a imagem, podendo ser alterado, tudo aquilo que compe a imagem,
sempre que necessrio, e principalmente, ao contemplarmos o objeto
restaurado, devemos reconhecer a interveno realizada, sempre que possvel.
So estes os principais conceitos sobre interveno que vigoraram a
partir do sculo XIX, constituindo a base para a conservao do patrimnio
histrico.
Sem dvida, esses conceitos, sobre patrimnio cultural procuraram
resolver o problema da conservao e reconstituio do monumento, dando
origem tambm s outras correntes, que possibilitaram muitas formas de
atuao e determinaram a atitude do arquiteto frente ao bem a ser intervido. 5 Brandi, Cesare. Teoria da Restauracin. Roma: Alianza Forma: 1995, p. 56. 6 Brandi, Cesare. Teoria da Restauracin. Roma: Alianza Forma: 1995, p. 72.
-
19
A constituio de patrimnios histricos e artsticos nacionais foi uma
prtica caracterstica dos Estados modernos, instituda atravs de agentes
recrutados entre intelectuais e fundamentada em instrumentos jurdicos
especficos. Estes agentes encarregavam-se de selecionar bens mveis ou
imveis, atribuindo-lhes valores enquanto manifestaes culturais e enquanto
smbolos da nao, que passaram a ser merecedores de proteo permanente
e de carter irrevogvel, ou seja, uma vez tombado o bem adquire status de
monumento integrante do acervo histrico e artstico nacional, cuja
conservao passou a ser de interesse pblico.
A trajetria institucional da preservao do patrimnio cultural no Brasil
teve incio no final da dcada de 1930, com a oficializao do Servio do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional atual IPHAN, e a promulgao do
Decreto-lei n 25/37 a lei de tombamento nacional. Associado construo
de uma identidade nacional conduzida pelo Estado Novo, o imaginrio
relacionado preservao impregnou-se, a partir da, de representaes
relacionadas aos bens patrimoniais com caractersticas monumentais e
excepcionais.
O Decreto-lei n 25/37 serviu de base para as legislaes estaduais e
municipais sobre o assunto. Muitas capitais brasileiras promulgaram leis de
tombamento tendo como base a legislao federal. Outras utilizaram normas
de planejamento urbano para promover a preservao do patrimnio edificado
e algumas valeram-se dos dois tipos de instrumentos visando a uma ao mais
eficaz.1
1 Polticas Pblicas, texto elaborado a partir da dissertao O passado no futuro da cidade polticas pblicas e participao dos cidados na preservao do patrimnio cultural de Porto Alegre nas dcadas de 70 a 90, Meira, Ana Lcia.
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20Para qualquer tipo de interveno a ser realizada em prdio de valor
histrico, necessrio reunir em primeira instncia, quais as orientaes feitas
pela legislao vigente.
Sendo o prdio do Grande Hotel, situado na II ZPPC (Zonas de
Patrimnio Cultural de Pelotas), do stio do segundo loteamento, onde a lei n
4568, aprovada, sancionada e promulgada pelo prefeito de Pelotas, determina:
I- O uso do solo original dever ser mantido, mesmo que na ausncia
das estruturas fsicas e ambientais que lhe deram origem.
II- Parcelamento do solo original dever ser preservado, no sendo
permitidos loteamentos, desmembramentos, remembramentos e quaisquer
outra forma de parcelamento.
III- A rea construda e a volumetria originais devem ser mantidas, no
sendo permitido, nem aumentos, nem diminuies.
Figura 1 - Planta da rea Central de Pelotas, delimitao das Zonas. Desenho: Cristiane Mller.
Pode-se destacar ainda a Portaria Federal 009, onde trata que as
intervenes devero ter por objetivo recuperar e preservar a ambincia dos
monumentos, mantendo os atuais ndices de ocupao, gabaritos, volumetria
existente; sendo vetados desmembramentos de lotes, devendo-se evitar
sobretudo, as intervenes que venham a descaracterizar as aberturas ou
outros elementos arquitetnicos da fachada e cobertura.
Alm da legislao, se fez uso das Cartas Patrimoniais, documentos
firmados internacionalmente, que servem como referncia sobre a preservao
de bens culturais. Estes documentos representam a busca de alternativas e
-
21procedimentos que visam o estabelecimento de normas e conceitos que
podem ser aplicados aos bens culturais, de uma forma global e/ou local.
Foram selecionados critrios e parmetros utilizados em algumas cartas,
que possuem uma relao direta com o caso da interveno no prdio do
Grande Hotel.
Segundo os preceitos utilizados na Carta de Atenas (Outubro de 1931),
pode-se destacar:
A conferncia assistiu exposio dos princpios gerais e das doutrinas
concernentes proteo dos monumentos. Qualquer que seja a diversidade
dos casos especficos - e cada caso pode comportar uma soluo prpria - a conferncia constatou que nos diversos Estados representados
predomina uma tendncia geral a abandonar as reconstituies integrais,
evitando assim seus riscos, pela adoo de uma manuteno regular e
permanente, apropriada para assegurar a conservao dos edifcios. Nos
casos em que uma restaurao parea indispensvel devido deteriorao
ou destruio, a conferncia recomenda que se respeite a obra histrica e
artstica do passado, sem prejudicar o estilo de nenhuma poca. A
conferncia recomenda que se mantenha uma utilizao dos monumentos,
que assegure a continuidade de sua vida, destinando-os sempre a
finalidades que o seu carter histrico ou artstico. 2
importante destacar o tratamento dado a casos especficos, o que
pode ser confirmado pelo terico Viollet-le-Duc, que diz que a atuao do
profissional deve ser calcada em circunstncias particulares a cada projeto, o
que justifica a escolha de um estudo de caso para esta investigao.
Os especialistas recomendam algumas diretrizes relativas ao emprego
de materiais modernos para a consolidao de edifcios antigos, que so elas:
- Recomendam a utilizao de materiais e recursos da tcnica moderna,
especialmente o uso do concreto armado.
- Especificam, porm, que esses meios de reforo devem ser
dissimulados, salvo impossibilidade, a fim de no alterar o aspecto e o carter
do edifcio a ser restaurado.
2 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta de Atenas, p 13.
-
22- Recomendam os tcnicos esses procedimentos especialmente nos
casos em que permitam evitar os riscos de desagregao dos elementos a
serem conservados.
Nas tcnicas de interveno estrutural, para o caso do Grande Hotel, se
tornou indispensvel utilizao de tcnicas de reforo e reparo estrutural,
utilizando o uso do concreto armado e estrutura metlica, a fim de garantir a
integridade do bem. Tais intervenes podem ser melhor observadas no
captulo que descreve as intervenes.
Quanto aos outros monumentos, os tcnicos unanimemente
aconselharam, antes de toda consolidao ou restaurao parcial, anlise
escrupulosa das molstias que os afetam, reconhecendo, de fato, que cada
caso contribui um caso especial.
Para tanto, se faz necessrio diagnosticar detalhadamente as patologias
existentes no bem, a fim de lanar propostas de recuperao destes danos. No
caso em estudo, foi realizado um levantamento de todas as patologias
encontradas no prdio, sendo encontrados dois comprometimentos srios de
elementos significativos para o bem: a clarabia e a cpula que abriga a caixa
dgua.
Foram diagnosticados o comprometimento das estruturas e materiais
(ferrugem, cupim, etc.), que podem ser observados no diagnstico das
patologias, juntamente com outros comprometimentos existentes no prdio.
de suma importncia destacar a importncia de existir uma
interdisciplinaridade no que diz respeito colaborao de profissionais de
diferentes reas na elaborao dos mtodos de recuperao, a fim de que
sejam feitas intervenes criteriosas e especficas para cada caso.
A conferncia, profundamente convencida de que a melhor garantia
de conservao de monumentos e obras de arte vem do respeito e do
interesse dos prprios povos, considerando que esses sentimentos podem
ser grandemente favorecidos por uma ao apropriada dos poderes
pblicos, emite o voto de que os educadores habituem a infncia e a
juventude a se absterem de danificar os monumentos, quaisquer que eles
-
23sejam, e lhes faam aumentar o interesse, de uma maneira geral, pela proteo dos testemunhos de toda a civilizao3.
Na Carta de Veneza (Maio de 1964), encontramos algumas definies
importantes relativas noo de monumento e restaurao.
A noo de monumento histrico compreende a criao
arquitetnica isolada, bem como o stio urbano ou rural que d testemunho
de uma civilizao particular, de uma evoluo significativa ou de um
acontecimento histrico. Estende-se no s s grandes criaes, mas
tambm s obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma
significao cultural. 4
- A conservao e a restaurao dos monumentos tem por finalidade
salvaguardar tanto a obra de arte quanto o testemunho histrico.
Tal conceito, pode ser reafirmado pelo terico Cesare Brandi, onde diz
que a anlise do bem pode ser realizada sobre dois aspectos de fundamental
importncia: o histrico e o esttico, onde a primeira representa o significado
do produto humano realizado em um certo tempo e lugar e a segunda,
representa a qualidade artstica, pela qual a obra dada como obra de arte.
Outro conceito citado na Carta de Veneza, que confirmado por Brandi,
relativo a conservao do bem atravs da manuteno permanente, o que
caracteriza uma restaurao preventiva.
Tal fator poder ser aplicado dando ao prdio uma nova funo, como no
caso do Grande Hotel, facilitando assim a sua manuteno atravs da
destinao de uma funo til sociedade, neste caso uma escola de
hotelaria.
O que pode ser observado tambm em um texto escrito por Viollet-le-
Duc, que diz que o uso da reutilizao de um bem pode ser usado como forma
de salvaguardar sua sobrevivncia.
3 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta de Atenas, p 17. 4 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta de Veneza, p 92.
-
24A conservao dos monumentos sempre favorecida por sua
destinao a uma funo til sociedade (...) implica a preservao de uma
ambincia em sua escala. Enquanto sua ambincia subsistir, ser
conservada, e toda construo nova, toda destruio e toda modificao
que possam alterar as relaes de volumes e de cores so proibidas.5
incontestvel a proibio relativa s possveis modificaes do volume
do bem cultural, visto que tal alterao poder comprometer de forma
significativa leitura do bem como um todo, tanto que a legislao vigente em
Pelotas (Lei 4569) determina que a rea construda e a volumetria originais
devam ser mantidas, no sendo permitido, nem aumentos, nem diminuies.
Mas em relao proibio de possveis alteraes da cor, viu-se a
necessidade de fazer um questionamento sobre sua validade, e portanto uma
maior reflexo sobre o assunto. Visto que no projeto de interveno do Grande
Hotel, foram feitas diversas intervenes com o uso da cor. Principalmente em
relao ao uso da cor nas fachadas.
Aps ter realizado um Curso de Atualizao e Aperfeioamento no
Estudo da Cor em Arquitetura, a Policromia da Cidade: Aspectos Culturais,
Simblicos e Estruturais, Teoria e Prtica, na Universidade Federal de Pelotas,
ministrado pela Prof. Natlia Naoumova, pde-se constatar a importncia do
uso da cor nas fachadas dos edifcios de valor histrico.
Esta importncia se deve ao fato destes prdios estarem muitas vezes
com a pintura da fachada desgastadas pela ao do tempo e das intempries,
dando um aspecto de velho a estes prdios frente s cidades e muitas vezes
desvalorizando suas caractersticas, que lhe conferem o valor cultural.
A umidade e o acmulo de sujeira tambm contribuem para que estes
prdios passem a falsa idia de que o antigo se configura como velho.
Podendo se fazer uma analogia ao conceito utilizado por Brandi em
relao a uma superfcie pictria de uma obra, onde a perda do desenho, da
cor e as falhas ocasionadas pelo envelhecimento do tecido se sobressaiam na
visualizao da obra, onde seu aspecto esttico de compromete. Isto porque
5 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta de Veneza, p 92 e 93.
-
25numa relao figura fundo, estes problemas chamaro mais ateno do que
a prpria representao pictrica.
Em arquitetura, estas falhas podem se comportar da mesma forma, pois
como resultante da organizao em vrias peas de um mosaico, o
monumento no pode ser analisado ou reconhecido se algumas de suas partes
complementares no estiveram integradas ou em bom estado de conservao.
Alm disso, com o passar do tempo, proprietrios ou responsveis por
prdios de valor histrico, se encarregam de dar uma nova pintura aos
mesmos, sem se preocupar com certos critrios para a utilizao da cor, que
dizem respeito a:
- Escolha do tipo de tinta adequado para o reboco existente;
- Escolha do tom da tinta que vise valorizao e destaque do bem;
mantendo ou no a relao existente entre o prdio e seu entorno;
- Pesquisa detalhada, atravs de raspagens da superfcie da fachada, a
fim de chegar o mais prximo possvel dos tons originais.
O que se pode observar tambm o uso indiscriminado da cor a fim de
destacar o prdio com fins comerciais, no levando em considerao a poca,
histria, entorno e tipologia do prdio.
Partindo destas questes, possvel propor um estudo da cor para o
prdio, seguindo alguns critrios de percepo, tais como: cores claras podem
ser usadas nos detalhes a fim de melhor destac-los na fachada. Cores mais
escuras geralmente tendem a amenizar possveis imperfeies da fachada,
alm de outras estratgias que podem ser usadas a fim de valorizar a
arquitetura destes prdios.
De acordo com a Carta de Veneza, que institui a operacionalizao do
restauro, os objetivos da interveno sobre o patrimnio cultural centram-se na
manuteno, transmisso ao futuro e facilitao da leitura do monumento, bem
como aproximar uma interpretao crtica obra original e no ato crtico
interpretar e reintegrar a obra em exame, restituindo idealmente imagem, as
diferentes fases e transformaes histricas.
No entanto, este conceito que determina as formas de atuao sobre o
patrimnio cultural constitui em uma abordagem referente ao mundo moderno,
pois nem sempre as formas de interveno sobre o monumento foram
-
26passadas desta maneira. Diferentes linhas de pensamento constituram, ao
longo da histria, diferentes teorias sobre o tema restaurao.
Em civilizaes antigas, mesmo antes da Antigidade Clssica, restaurar
um monumento degradado pela ao do tempo ou pelo prprio homem
significava reconstitu-lo de acordo com os materiais, estilos e gosto da poca
prevalecente:Os romanos, por exemplo, reconstruam, mas no restauravam,
a prova que no latim no existe a palavra correspondente ao nosso termo
restauro, com o significado que lhe atribudo hoje. Instaure, retificare,
renovare no significavam restaurar, mas reconstruir, fazer de novo. O lugar e
o motivo pelo qual o monumento havia sido construdo, bem como sua idia
original, eram mais importantes. Assim no ato da reconstruo do objeto,
poderiam ser obtidos como resultados finais novas concepes sobre o
mesmo, pois a restaurao estava ligada ao ato de inovar de acordo com o
gosto e a concepo esttica da poca.
Por muitos sculos o ato de restaurar foi pensado e executado de
diferentes formas, at que na metade do sculo XIX, com as correntes que
originaram o Modernismo, representadas pela nascente industrializao e a
vinda do homem do campo para as cidades, surgiram o estilo arquitetnico
Neoclssico, cuja premissa baseava-se na exaltao e reviso de estilos
arquitetnicos da Antigidade Clssica, entre outros, possibilitando um
aprofundamento do significado de imitao.
Por esse motivo, estes estilos arquitetnicos do passado foram
reinterpretados de acordo com o gosto da poca, segundo as possibilidades
dos novos materiais e tcnicas construtivas.
Segundo a Carta do Restauro (de 6 de abril de 1972), publicada na Itlia, pode-se destacar alguns conceitos, que podem ser utilizados, assim
como os outros documentos citados anteriormente, como referncia para o
processo de interveno em patrimnio edificado.
O primeiro conceito a ser destacado, discute as proibies relativas s
propostas de remoes ou demolies que venham a apagar a trajetria que o
bem construiu ao longo dos anos, ou a remoo, reconstruo ou traslado para
locais diferentes dos originais, a menos que isso seja determinado por razes
superiores de conservao.
-
27Segundo John Ruskin, para a conservao e salvaguarda de um
monumento necessrio conserv-lo respeitando a condio temporal a que
est submetido, procurando destacar que a importncia da valorizao do bem
pode ser obtida atravs da valorizao das marcas deixadas pelo tempo.
Aborda tambm proibies relativas as intervenes que venham a
descaracterizar as condies de acesso ou ambientais em que o bem chegou
at os dias atuais, o conjunto monumental ou ambiental, o conjunto decorativo,
o jardim, o parque, etc.
Sendo permitidos aditamentos de partes acessrias de funo
sustentante e reintegraes de pequenas partes verificadas historicamente,
executadas, se for o caso, com clara determinao do contorno das
reintegraes, ou com adoo de material diferenciado, embora harmnico,
facilmente distinguvel ao olhar, particularmente nos pontos de enlace com as
partes antigas e, alm disso, com marcas e datas onde for possvel. 6
Podendo ser realizadas modificaes ou inseres de carter estrutural,
a fim de garantir a integridade do bem.
Cesare Brandi, aborda a questo estrutural como prioridade no
restabelecimento do monumento arquitetnico. Enfocando a prioridade em
resolver os problemas estruturais correspondentes matria fsica do bem,
podendo ser realizadas alteraes no sentido de assegur-lo, destacando
tambm que devemos reconhecer a interveno realizada, sempre que
possvel.
Alm disso, a Carta sugere que qualquer interveno deve ser
previamente estudada e justificada por escrito e dever ser organizado um
dirio de seu desenvolvimento, a que se anexar a documentao fotogrfica
de antes, durante e depois da interveno.
Brandi reafirma em suas teorias a importncia do uso da restaurao
preventiva e a valorizao da integrao entre o existente e o proposto, onde
devem ser sempre e facilmente reconhecveis, destacando que qualquer
interveno de restauro no torne impossvel eventuais intervenes futuras.
6 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta do Restauro, p 149.
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28Qualquer interveno na obra ou em seu entorno, deve ser
realizada de tal modo e com tais tcnicas e materiais que fique assegurado
que, no futuro, no ficar inviabilizada outra eventual interveno para
salvaguarda ou restaurao. No caso das limpezas, se possvel em lugar
prximo zona interventora, dever ser deixado um testemunho do estado
anterior operao, enquanto que no caso das adies, as partes
eliminadas devero, sempre que possvel, ser conservadas ou
documentadas em um arquivo-depsito especial das superintendncias
competentes. 7
Alm das regras gerais contidas nos artigos da Carta do Restauro,
aborda tambm a questo da reutilizao do bem, fator de suma importncia
para o estudo em questo, visto que a proposta de interveno no Grande
Hotel, trata-se de um projeto de reciclagem.
Sempre com o objetivo de assegurar a sobrevivncia dos
monumentos, vem-se considerando detidamente a possibilidade de novas
utilizaes para os edifcios monumentais antigos, quando no resultarem
incompatveis com os interesses histrico-artsticos. As obras de adaptao
devero ser limitadas ao mnimo, conservando escrupulosamente as formas
externas e evitando alteraes sensveis das caractersticas tipolgicas, da
organizao estrutural e da seqncia dos espaos internos. 8
Discute tambm a importncia de se salvaguardar a autenticidade dos
elementos construtivos, este princpio serve como guia e condicionante na
escolha das operaes a serem realizadas. No caso de paredes em desaprumo, por exemplo, mesmo quando
sugiram a necessidade peremptria de demolio e reconstruo, h que se
examinar primeiro a possibilidade de corrigi-los sem substituir a construo
original. 9
7 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta do Restauro, p 150. 8 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta do Restauro, p 157. 9 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta do Restauro, p 158.
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29Recomenda para a realizao de um do projeto para a restaurao de
uma obra arquitetnica, um estudo detalhado do monumento, elaborado de
diversos pontos de vista (que estabeleam a anlise de sua posio no
contexto territorial ou no tecido urbano, dos aspectos tipolgicos, das
elevaes e qualidades formais, dos sistemas e caracteres construtivos, etc),
relativos obra original, assim como aos eventuais acrscimos ou
modificaes.
Neste estudo, devero estar presentes pesquisas bibliogrficas,
iconogrficas e arquivsticas, a fim de que se possa obter todos os dados
histricos possveis em relao ao bem e ao meio na qual est inserido. O
projeto de interveno dever conter uma representao grfica e fotogrfica
completa, interpretada tambm sob o aspecto metrolgico, dos traados
reguladores e dos sistemas proporcionais. Com o objetivo de certificar-se de todos os valores urbansticos,
arquitetnicos, ambientais, tipolgicos, construtivos, etc., qualquer
interveno de restaurao ter que ser precedida de uma atenta leitura
histrico-crtica, cujos resultados no se dirigiro tanto a determinar uma
diferenciao operativa - posto que em todo o conjunto definido como centro
histrico dever-se- operar com critrios homogneos - quanto,
principalmente, individualizao dos diferentes graus de interveno a
nvel urbanstico e a nvel edlico, para determinar o tratamento necessrio
de saneamento de conservao. 10
10 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Brasil). Cartas Patrimoniais, 2ed. ver. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. Carta do Restauro, p 157.
-
30
Em razo da grande importncia que os prdios histricos exercem em
Pelotas e as potencialidades da cidade em relao ao turismo, surgiu a idia de
fazer um projeto de Reciclagem e Interveno arquitetnica no prdio do
Grande Hotel, com a implantao de uma Escola de Hotelaria.
Partindo deste princpio, tornou-se necessrio fazer uma identificao
esquemtica do imvel, a fim de contextualizar o leitor em relao ao prdio em
questo.
O prdio do Grande Hotel est localizado na Rua Pe. Anchieta, n 51, na
cidade de Pelotas, local onde funcionava o antigo Cinema Politeama. Comeou
a ser construdo no ano de 1924 e foi inaugurado em 1928, sendo projetado
pelo arquiteto Thefilo de Barros, com uma tipologia de arquitetura civil, com
funo privada (hotel). Possui proteo legal como prdio inventariado, sendo
os ltimos proprietrios a famlia Zabaletta, sendo hoje de posse da Prefeitura
Municipal de Pelotas, passando para o uso pblico.
Em relao ao sistema construtivo, caracteriza-se como portante
(paredes externas), com vigamento de concreto armado entre pisos e laje.
Ficando marcado, portanto, a existncia de um sistema portante, constitudo
por uma malha estrutural. Esta malha estabelece um campo de espao fixo
neutro, no qual os espaos internos so livremente formados e distribudos, j
que a delimitao e a disposio dos espaos internos no so determinados
ou restringidos pelo padro de paredes de sustentao.
Em 1926, Le Corbusier exps aquilo que acreditava constituir os
Cinco Pontos da Nova Arquitetura. Suas observaes foram em grande
parte resultado do desenvolvimento da construo em concreto armado
iniciada no final do sculo XIX. Este tipo de construo, em particular o uso
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31de colunas de concreto armado para apoiar as lajes de piso e cobertura,
conferiu novas possibilidades definio e delimitao de espaos dentro
do edifcio. 1
Figura 2 - Perspectiva Esquemtica do Prdio. Desenho: Cristiane Mller.
Em relao cobertura, possui trs tipos: a cobertura geral do prdio, de
estrutura de madeira e cobertura de telha de barro, a clarabia, com estrutura
metlica e vidro e a cpula, com estrutura de madeira e telha de bronze.
Figura 3 - Vista Superior da Quadra do Grande Hotel. Fonte: Prefeitura Municipal de Pelotas.
A fim de avaliar a integridade do conjunto do prdio em questo e de
suas partes, viu-se como necessrio fazer uma anlise tipolgica, descrevendo
no s as caractersticas arquitetnicas da edificao, mas tambm o partido 1 Ching, Francis. Arquitetura, forma, espao e ordem So Paulo: Martins Fontes, 1998, p 128.
-
32de sua composio e propores volumtricas, alm de outros elementos
que merecem ser destacados, para que se possa fazer o entrelaamento da
composio original do prdio com os conceitos elaborados para a interveno
proposta.
Os elementos de arquitetura so como corpos, limites
(envolventes) espaciais que fazem existir os elementos de composio; so
coisas concretas, tem natureza definida (portas, janelas, pilares, artefatos,
etc); so partes da construo. J os elementos de composio so
espaos, abstraes. So conceitos, como por exemplo, a proporo de
determinados ambientes. No tem uso por si mesmos; so rtulos que se
aplicam aos espaos segundo uma determinada situao. Os elementos de
arquitetura so as partes mais visveis de um edifcio e expressam a
definio do todo edificado e, assim, pilares, paredes, coberturas, vedaes,
etc. so partes de uma habitao que podem ser vistas por todos os
moradores de uma cidade. 2
A anlise tipolgica do prdio foi realizada atravs das diretrizes de
anlise do livro de Francis Ching, onde aborda a forma e o espao de
arquitetura, aliado a princpios que norteiam a organizao espacial e
compositiva em um edifcio.
possvel estabelecer uma analogia com a maneira como
precisamos conhecer o alfabeto antes que possamos formar palavras e
desenvolver um vocabulrio, como precisamos compreender as regras de
gramtica e sintaxe antes que possamos construir sentenas; precisamos
entender os princpios de composio antes que possamos escrever
ensaios, romances e coisas do gnero. Uma vez que esses elementos
forem compreendidos, poderemos escrever com pujana ou com fora,
rogar pela paz ou incitar revolta, comentar sobre o trivial ou falar com
profundidade e relevncia. De maneira semelhante, talvez seja apropriado
sermos capazes de reconhecer os elementos bsicos da forma e do espao
e entendermos como podem ser manipulados e organizados no
desenvolvimento de um conceito de projeto, antes de nos voltarmos para a
questo mais vital do sentido na arquitetura. 3
2 Martinez, Alfonso Corona. Ensayo sobre el proyecto. Buenos Aires: CP 67, 1998, p. 149. 3 Ching, Francis. Arquitetura, forma, espao e ordem So Paulo: Martins Fontes, 1998, p XI.
-
33
Partindo desta premissa, sero descritas as anlises a partir da planta
baixa do primeiro pavimento do Grande Hotel.
O primeiro ponto analisado a composio geral da planta, onde se
observa a retirada de um volume destacado, caracterizando um volume
subdivido.
Figura 4 - Planta Baixa 1 Pavimento. Desenho: Cristiane Mller.
O que classifica a planta como uma composio geral subtrativa.
Segundo Ching, quando as formas regulares tem fragmentos que lhes
faltam de seus volumes, conservam suas identidades formais se as
percebemos como todo incompletos, referimo-nos a essas formas mutiladas
como formas subtrativas.
Foi constatado no edifcio, dois tipo de configurao, uma mais
perceptiva, se observada a partir da fachada, caracterizada como configurao
em L, que destaca uma aresta de seu terreno (esquina), onde articula-se como
um elemento independente que rene duas formas lineares.
O arredondamento desta aresta, enfatiza a continuidade das superfcies
constituintes de uma forma, a compacidade de seu volume e a suavidade do
seu contorno.
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34
Figura 5 - Esquema da Configurao em L. Desenho: Cristiane Mller.
A outra configurao, observada na planta baixa, caracterizada como
configurao um U, onde pode-se focalizar um elemento significativo dentro de
seus campos (espao da clarabia).
Figura 6 - Esquema da Configurao em U. Desenho: Cristiane Mller.
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35
A organizao espacial se configura de forma aglomerada, com a
diferenciao dos espaos pelo tamanho e pela forma dos compartimentos,
fazendo uso do movimento de formas simples, tais como o quadrado, o
retngulo e o crculo.
A forma aglomerada caracteriza-se por um conjunto de formas
agrupadas pela proximidade fsica ou pelo fato de possurem uma
caracterstica visual comum.
No caso do grande Hotel os espaos so interligados atravs da
proximidade fsica, onde a significncia dos espaos dada atravs do
tamanho e da forma, sendo ligados por um espao comum, o espao da
clarabia.
Figura 7 - Diferenciao por Tamanho e Forma. Desenho: Cristiane Mller.
Enquanto uma organizao centralizada tem uma forte base
geomtrica para a organizao de suas formas, uma organizao
aglomerada agrupa suas formas de acordo com exigncias funcionais de
tamanho, formato ou proximidade. Embora no tenha a regularidade
geomtrica e a natureza introvertida das formas centralizadas, uma
organizao aglomerada flexvel o suficiente para incorporar formas de
vrios tamanhos, formatos e orientao em sua estrutura. 4
4 Ching, Francis. Arquitetura, forma, espao e ordem So Paulo: Martins Fontes, 1998, p 66.
-
36Sendo, portanto, o espao da clarabia destacado pela sua
localizao no centro da planta, seu tamanho e por interligar os outros
compartimentos.
Os ambientes caracterizam-se como compartimentados, onde sua
forma est relacionada forma dos espaos que a constituem, sendo
determinados por seus usos especficos, dividido por funes, caractersticas
estas, por tratar-se de um hotel.
No que diz respeito composio planimtrica, as plantas
configuram-se de forma assimtrica, possudo um eixo de simetria no corpo
cilndrico que marca o acesso principal do prdio.
O acesso ao interior do prdio configura-se de forma oblqua, no
existindo frontalidade no edifcio, sendo as duas fachadas valorizadas. Sendo a
frontalidade uma caracterstica dos prdios clssicos, como o caso do prdio
da Prefeitura Municipal de Pelotas, onde se observa claramente uma fachada
principal e assim, uma frontalidade.
Figura 8 Pref. Municipal de Pelotas, acesso frontal. Figura 9 Grande Hotel, acesso oblquo.
Figura 10 - Eixo de Simetria. Desenho: Cristiane Mller.
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37
O piso alargado na parte inferior da escada de acesso ao prdio e o
patamar visvel, convidam subida, sendo permitido o movimento vertical entre
o nvel do espao externo e o edifcio.
Figura 11 - Escada de Acesso ao Prdio. Foto: Cristiane Mller.
A circulao feita atravs da maneira que os espaos so ligados,
sendo caracterizada nos ambientes maiores, aberta em ambos os lados.
No que diz respeito escala visual, possui ambientes com grandes e
pequenas dimenses, dando a sensao de ter sido usado dois tipos de escala
na concepo do projeto, isto pode ser melhor observado na planta do segundo
pavimento.
Figura 12 - Escala Visual. Desenho: Cristiane Mller.
De uma forma geral, o prdio do Grande Hotel, pde ser analisado,
seguindo as diretrizes utilizadas por Francis Ching, descrevendo assim suas
caractersticas originais bsicas, a fim de criar um suporte para a abordagem
dos conceitos utilizados na elaborao do projeto de interveno arquitetnica.
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38
Neste captulo, so abordadas as consideraes acerca dos conceitos
utilizados na elaborao da proposta de interveno, preconizando a
necessidade de tornar o ato de intervir em um ato cientfico, que siga princpios
e mtodos cientificamente determinados, respeitando o monumento enquanto
documento histrico.
Partido das anlises tipolgicas realizadas, sero abordadas as
consideraes acerca dos conceitos utilizados na elaborao nesta proposta
de interveno, usando como conceito bsico conservao mxima do prdio
existente, procurando adapt-lo ao novo uso, retirando apenas os elementos
que no venham a descaracterizar aquelas caractersticas que lhe conferem
valor patrimonial, usando como base a Teoria do Restauro, elaborada pelo
terico Cesare Brandi.
O primeiro conceito a ser abordado, o conceito de reciclagem, que
prope a mudana do uso original do edifcio, com propostas que se adaptem
s condies atuais, sem alteraes na volumetria, na tipologia e na linguagem
formal do prdio.
O significado de nossa memria arquitetnica, a forma de preserv-
la, o que preservar, envolve um complexo de atos, desde a conservao
integral do prdio, passando por revitalizaes que, por sua vez, possuem
vrios graus de intervenes at a reciclagem que, alm de revitalizar,
muda a funo original do prdio. 1
1 Jantzen e Oliveira. Renovao Urbana e Reciclagem, orientao para prtica de atelier Pelotas: Editora e Grfica Livraria Mundial, 1996, p 85.
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39Um projeto de reciclagem que altera a funo original do prdio, deve
ater-se a uma adaptao que se compatibilize com o seu desenho primitivo,
demonstrando a preocupao em respeitar o projeto original do prdio.
Ao se propor os acrscimos e renovaes que, quando necessrios,
devem ter carter diverso do original, mas no devem destoar do conjunto a
que foi inserido, passando a inteno de ruptura entre passado e presente.
Sendo imprescindvel que os complementos de partes deterioradas ou
faltantes devam, mesmo que sigam a forma primitiva, ser de material diverso
ou ter incisa a data de sua restaurao, para que fique explcito onde foi
realizada a interveno.
necessrio que estes complementos, se indispensveis, e as
adies, se no podem ser evitadas, demonstrem no ser obras antigas, mas
obras da atualidade.
Sendo importante ressaltar a importncia de se registrar estas
intervenes, apontando-se a utilidade da fotografia para documentar a fase
antes, durante e depois da interveno, devendo o material ser acompanhado
de descries e justificativas, e quando possvel, deixar algumas reas
mostrando o estado do bem antes da interveno.
Um conceito que merece destaque, refere-se idia de reversibilidade,
propondo uma interveno de uma forma que possa ser revertida, sem causar
danos ao bem a ser reciclado, no impossibilitando eventuais intervenes
futuras.
As caractersticas histricas e estticas devem fixar o limite do que pode
ser restabelecido, sem que se cometa um falso histrico ou se cometa
equvocos estticos, sendo importante ser realizada uma anlise do bem sobre
dois aspectos de fundamental importncia: o histrico, que representa o
significado do produto humano realizado em um certo tempo e o esttico, que
representa a qualidade artstica.
A restaurao deve objetivar restabelecer a unidade potencial do bem,
at onde for possvel, sem produzir uma falsificao histrica ou artstica e sem
apagar todo trao da passagem deixada pelo tempo.
O interesse por aspectos de preveno, propondo meios de restabelecer
o bem atravs de uma restaurao preventiva, onde a reintegrao deve ser
-
40facilmente reconhecvel, sem romper com a unidade que se pretende
reconstruir.
A busca do conhecimento das condies ambientais que respeitam e
permitam a conservao dos materiais construtivos.
A importncia da documentao, e do uso da fotografia, como forma de
fornecer documentos que possam ser sempre consultados como meios para
justificar as aes e o uso de uma metodologia cientfica, respeitando as fases,
do monumento, sendo a remoo de determinados elementos somente
admitida se tiverem qualidade artstica nitidamente insignificantes em relao
ao edifcio.
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41
A metodologia utilizada retoma a discusso sobre o problema e os
objetivos da presente monografia e formula os critrios de interveno, que
foram utilizados a partir do estudo de caso.
A metodologia que foi adotada foi dividida em duas etapas, a primeira a
ser abordada foi reviso da literatura e a segunda, a caracterizao do
objeto.
A realizao da reviso da literatura a respeito do tema, foi realizada
com o objetivo de discutir as evolues e variveis investigadas no estudo e o
modelo terico a ser adotado para essa investigao. Foram elaborados os
atributos a serem considerados para avaliao do papel do arquiteto ao intervir
em um prdio de valor histrico, da importncia da coleta de informaes junto
a diferentes perodos histricos e da relao existentes entre essas
abordagens.
Formando assim o embasamento terico para este projeto, que pode ser
encontrado em bibliografias relacionadas preservao do patrimnio
histrico.
Alm disso, buscou-se elaborar uma fundamentao terica, com uma
discusso relativa as correntes e teorias que abordam o tema do patrimnio,
buscando identificar qual delas melhor se aplica ao caso em estudo.
Sendo assim foi realizada uma pesquisa relacionada legislao
vigente, com uma abordagem das leis relativas ao tema e uma discusso a
cerca das cartas patrimoniais.
Num segundo momento, foram levantados os aspectos caracterizadores
do prdio do Grande Hotel e outras questes, obtidos atravs de pesquisas
relativas ao histrico da cidade, histrico do prdio, anlises tipolgicas e
formais, alm da anlise do seu entorno. Sendo realizado o levantamento
-
42arquitetnico e fotogrfico do prdio, com indicao de normas tcnicas para
a elaborao de um projeto de interveno, tais como escala, indicaes em
plantas, alm do diagnstico das patologias existentes.
Depois de desenvolvidos os itens acima citados e concluda a
metodologia adotada, foi possvel elaborar conceitos e critrios que se aplicam
ao projeto de interveno proposto.
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43
A cidade de Pelotas situa-se na regio sul do estado e possui
aproximadamente 300.000 habitantes1, constituindo-se num centro comercial e
de servios.
Fundada em 1812, originou-se da diviso de antigas estncias de
criao de gado e produo de charque. As primeiras ocupaes surgiram em
funo da localizao da capela do povoado, hoje Catedral So Francisco de
Paula. A regularizao destas ocupaes deu origem ao primeiro loteamento
da cidade. Elaborado em 1815, o traado utilizado na ordenao das
edificaes existentes e delimitao de novos lotes tem grande importncia
para a conformao espacial da cidade, pois se torna o ncleo orientador das
futuras expanses da vila.
Figura 13 - Planta do primeiro Loteamento da cidade de Pelotas. Fonte: Biblioteca Pblica
Pelotense.
1 Dado obtido no site: http://www.riogrande.com.br/ - RS Virtual em dez 1999.
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44
A planta oficial da vila foi executada em 1835, adicionando ao primeiro
loteamento, a rea do segundo loteamento, que se estendia na direo sul ao
cais do porto. Nesta primeira expanso mantm-se a tipologia de reticulado do
traado anterior. As expanses projetadas posteriormente mantm a trama
reticulada com alteraes somente nas dimenses dos quarteires,
particularmente no trecho projetado a partir da atual Avenida Bento Gonalves,
na direo Norte, caracterizado como terceiro loteamento (PORTELLA et. al,
1999).
Figura 14 Adaptao da Planta Oficial de 1835. Fonte: Prefeitura Municipal de Pelotas.
O ncleo original da cidade conforme a planta projetada em 1815, no
sentido norte e sul, situava-se entre as atuais avenida Bento Gonalves e rua
General Neto; no sentido oeste-leste, entre as ruas Marclio Dias e Barroso,
formando uma espcie de quadro, em quase perfeito xadrez. Em 1933, o
ncleo central da Praa da Matriz, hoje Jos Bonifcio, deslocou-se para a
Praa da Regenerao, hoje Coronel Pedro Osrio. (MAGALHES, 1999).
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45Ainda hoje sua rea central permanece fortemente ligada ao eixo
Praa Jos Bonifcio (1 loteamento) Praa Coronel Pedro Osrio (2
loteamento) e denominada pelo II Plano Diretor de Pelotas como Zona de
Comrcio Central, tendo seu permetro definido na Lei n 3576, pelas ruas Dr.
Amarante, Almirante Barroso, Trs de Maio e Marclio Dias. A ZCC
compreende em seu permetro os stios do 1, 2 e 3 loteamentos que deram
origem cidade.
Espacialmente a rea central caracterizada por um traado ortogonal,
ruas estreitas, prdios no alinhamento e sem recuos laterais, formando em
cada face de quarteiro, uma massa contnua de edificaes. Muito pouca a
vegetao nos passeios, concentrando-se, a existente, nas praas e em alguns
calades na rea.
Pelotas atingiu o auge de seu desenvolvimento econmico na segunda
metade do Sculo XIX e incio do sculo XX, acompanhado de grande
produo de edifcios (PORTELLA et. al, 1999), os quais compem um cenrio
heterogneo, onde encontram-se prdios que representam os perodos
colonial, ecltico, moderno e contemporneo.
Foi necessrio fazer este breve histrico, com o intuito de contextualizar
Pelotas e seu histrico, a fim de elaborar um traado para o histrico do
Grande Hotel, visto que est inserido no cenrio descrito.
Segundo Zeli Solange, no livro escrito sobre a histria do Grande Hotel,
em 1922 o intendente municipal Pedro Luis Osrio lanou a idia da
construo de um hotel em propores grandiosas para a cidade.
Formou-se ento a Companhia Grande Hotel de Pelotas e foram
incorporados o Cel. Pedro Luis da Rocha Osrio, Dr. Antnio Assumpo,
Edmundo Berchom ds Essarts, Joo Py Crespo, Fernando Luis Osrio, Bruno
Gonalves Chaves, Rosauro Zambrano, Leopoldo Souza Soares, Baldomiro
Trpega, Plotino Duarte e outros.
O hotel foi construdo em um terreno, sito a rua Vitorino (Hoje Pe.
Anchieta), esquina com a Praa da Repblica (Hoje Cel. Pedro Osrio), doado
pelo Dr. Fernando Luis Osrio, local em que funcionava o cinema Politeama.
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46Foram ali levantados os alicerces do Grande Hotel, que se necessrio
poderia ter mais dois pavimentos.
Em 1922 foi lanado o concurso pblico para a escolha do projeto a ser
edificado, concorrendo pelo menos trs propostas: a do arquiteto Thephilo
Borges de Barros, a da construtoras Azevedo Moura & Gertum e Cia.
Construtora dos Santos. O vencedor foi Tephilo Barros (titular de obras
pblicas do estado positivista).
Figura 15 - Mapa da rea Central de Pelotas. Fonte: Jornal Dirio Popular.
A pedra fundamental foi lanada no dia 14 de julho de 1925, data
comemorativa da Queda da Bastilha, segundo os positivistas pelotenses,
assinalava a universal transformao do ocidente, em que foram institudos os
elementos e a poesia na soluo do problema humano. (Discurso de Fernando
Luis Osrio, publicado no Dirio Popular de 16 de julho de 1925).
Em 1926, problemas financeiros obrigaram a Cia. Incorporadora
Grande Hotel a solicitar emprstimos junto ao Banco Pelotense e ao banco
da Provncia, afianados por seus diretores: Cel. Pedro Osrio, Sr. Manuel
Luis Osrio (presidente do Conselho Municipal), Dr. Joaquim Luis Osrio (
ex intendente e diretor do banco Pelotense) e Pompeu Mascaranhas de
Sousa (vice-intendente). Porm, as dificuldades de dar continuidade s
obras e saldar os emprstimos obtidos, foraram a deciso da diretoria de
vender ou municipalizar a edificao. Em 1927 o prdio foi adquirido pela
Intendncia Municipal, sendo inaugurado em 1928 (Carlos Alberto vila
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47Santos. Espelhos, Mscaras, Vitrines Estudo Iconolgico de Fachadas
arquitetnicas, Pelotas, 1870-1930. Pg. 140).
Figura 16 - Grande Hotel em construo. Fonte: Foto tirada pela autora de um quadro no Grande
Hotel.
Em 18 de abril de 1928, foi inaugurado o Grande Hotel com todas as
pompas. festa de inaugurao compareceu toda a sociedade pelotense e
forasteiros.
A partir desse dia o hotel vivia em festa. Todos os domingos aconteciam
chs danantes, com desfiles de moda no seu chiqurrimo halll que era famoso
em toda Amrica do Sul e foi cognominado de Salo de Festas da Cidade.
Banquetes homenageando grandes vultos nacionais, bailes de carnaval,
jantares no restaurante do Grande Hotel era o que havia de mais granfino
(Nelson Nobre, Pelotas Memria, fascculo VIII, pg. 16, 1991).
Muitos personagens ilustres nele se hosp