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Universidade Técnica de Lisboa INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO Mestrado em Economia Monetária e Financeira Cadeira de Economia dos Intermediários Financeiros Professor António Afonso CRISES FINANCEIRAS : ~ O CASO ASIÁTICO ~ Lisboa, 2001 Luís Brito Ferreira : Rodolfo Varela Pinto Pedro Sousa Conde João Pedro Farinha : [email protected] ; [email protected] ; [email protected] ; [email protected]

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Universidade Técnica de LisboaINSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO

Mestrado em Economia Monetária e Financeira

Cadeira de Economia dos Intermediários Financeiros

Professor António Afonso

CRISES FINANCEIRAS :

~ O CASO ASIÁTICO ~

Lisboa, 2001

Luís Brito Ferreira ♣

Rodolfo Varela Pinto

Pedro Sousa Conde

João Pedro Farinha

[email protected] ; [email protected] ; [email protected] ; [email protected]

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

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CRISES FINANCEIRAS - ANÁLISE DA CRISE ASIÁTICA

Lisboa, 2001

“… if you expect the results of all these efforts to be the end of international financial crises, you are

wrong. International financial crises, I might even say domestic financial crises, are built into the human

genome. When we map the whole thing, we will find something there called greed and something called

fear and something called hubris. That is all you need to produce international financial crises in the

future… ”

Paul Volcker (Junho, 1999)

RESUMO

O “milagre asiático” constituiu um dos mais espantosos casos de crescimento

económico, sendo apontado por muitos como um modelo a seguir. O objectivo deste

trabalho é explicar os mecanismos que conduziram ao colapso da região, destacando em

que medida estas crises divergiram das até então ocorridas e as responsabilidades do

sector financeiro no despoletar da crise. Na última secção, apresentamos uma análise da

evidência para a Coreia, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia e em anexo serão

fornecidos dados complementares para os países referidos.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

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1- Tipologia e enquadramento teórico das crises financeiras

Nos últimos anos, uma série de graves e profundas crises financeiras tem motivado um

renovado interesse nas questões económicas relacionadas com o SMI-Sistema Monetário

Internacional (mais precisamente com a sua reforma), interesse este que não se assistia nos

meios governamentais e académicos internacionais desde o fim do sistema Bretton-Woods.

De facto, os recentes episódios de instabilidade financeira, originários especificamente

de países de performance económica antes elogiada, têm provocado um intenso debate nos

economistas, aliada a uma crescente preocupação em relação ao modus operandi do SMI,

bem como à eficiência dos modelos privados de gestão do risco, e à eficácia e suficiência

das reservas cambiais que as autoridades monetárias acumulam na esperança de imunizar os

sistemas financeiros nacionais.

O interesse na reforma tem-se igualmente intensificado porque as crises financeiras têm

ocorrido com uma crescente frequência, com consequências mais severas e de forma

menos previsível. De acordo com um índice construído por Kaminsky and Reinhart (1999), a

frequência de crises no sistema bancário e de crises cambiais aumentou nas décadas de 80 e

90, relativamente às décadas anteriores.

Esta instabilidade financeira, apesar de ser particularmente severa para países em

desenvolvimento, tem igualmente ocorrido nas áreas industrializadas do globo, e as suas

Figura 1 - Incidência das crises desde 1970

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causas têm constituído acesos temas de debate, com um conjunto de hipóteses avançadas

que em termos genéricos apresentam uma génese comum e que F. Mishkin (1997) resumiu

da seguinte forma: «...the root cause of financial instability is the breakdown of information

flows which hinder the efficient functioning of financial markets». Este autor refere-se a

fenómenos de informação assimétrica que serão descritos adiante.

Os custos em termos de perda de produção têm sido relativamente elevados nos países

directamente expostos em relação aos seus normais abrandamentos, no caso das economias

industrializadas e, no dos países emergentes, apesar de se voltar a taxas de crescimento

elevadas poucos anos depois do início das crises, os custos de longo prazo são

normalmente pesados. Por exemplo, crises financeiras ou bancárias frequentemente

expõem e aprofundam avultados custos de restruturação financeira que são transferidos

para o sector público. Segundo o Relatório FMI (1998), estes custos representaram no caso

das economias emergentes, entre 10 a 30 pontos percentuais do seu Produto Interno Bruto

(PIB). Estes custos reflectem-se ainda, com elevada probabilidade, na subida dos índices de

pobreza e de desigualdade, com efeitos adversos no nível de satisfação das necessidades

básicas de populações inteiras. De facto, o Relatório de 1998 do Banco Mundial refere que

facilmente as crises de 1997-98, que algumas economias asiáticas sofreram, podem colocar

os seus índices de pobreza de novo ao nível do início da década. Por conseguinte, a

compreensão destes fenómenos reveste uma importância crucial para a as sociedades

modernas e para a Economia.

Alguns estudos recentes argumentam que as crises cambiais e as crises bancárias devem

ser encaradas como “twin events”, com mecanismos de transmissão específicos entre elas.

Ou seja, a maior parte das crises financeiras a que temos assistido, evidenciam um

paralelismo assinalável na ocorrência destes dois fenómenos, cuja investigação é crucial

para a compreensão das particularidades, diferenças e factos comuns que se podem

encontrar nestes processos. Por outras palavras, as crises cambiais e as bancárias podem

gerar um “círculo vicioso” com efeitos recíprocos de amplificação. Decorre então, desta

hipótese teórica, que indicadores de solidez financeira do sistema bancário são cruciais no

exercício de análise da vulnerabilidade de um país a uma crise financeira e do impacto

económico potencial de uma instabilidade cambial.

Podemos então esquematizar e explicar a racionalidade de transmissão inerente a estas

crises, com a figura e parágrafos seguintes.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

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Cri se sC a m b i a i s

Cri se sBancár ias

Uma crise cambial tem um efeito adverso no sector bancário quando as

responsabilidades das instituições se encontram denominadas em moeda estrangeira, onde

uma desvalorização rapidamente aumenta o seu valor. Como os bancos utilizam

tipicamente a moeda interna, nos seus contratos de concessão de crédito, tal desvalorização

provoca uma deterioração nas suas posições patrimoniais (no balanço, as responsabilidades

tornam-se de repente maiores que os activos).

Krugman (1999) aponta ainda para outro efeito de transmissão uma desvalorização

reduz o valor dos activos que servem de colaterais ao crédito que os agentes de países

devedores contraem junto dos agentes dos países que o concedem, diminuindo assim a

capacidade de acesso a financiamento adicional.

CrisesBancárias

CrisesCambiais

Problemas nosBalanços

Diminuição doValor Colateral

da Dívida

Restriçõesno créditoadicional

Figura 3

Figura 2

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Em sentido inverso, uma crise bancária pode provocar uma crise cambial através do

peso que impõe nas finanças públicas de um país. Os custos consequentes de uma crise

bancária, como a liquidação de instituições insolventes, são normalmente suportados pelo

sector público. Uma crise bancária é então normalmente associada a um desequilíbrio

inesperado das contas públicas (déficit ou dívida pública directamente), já que aumentam

potencialmente as responsabilidades financeiras do sector público administrativo. Este

facto pode induzir à criação de expectativas de monetarização do défice e de desvalorização

cambial e ser associado a uma insustentabilidade imediata da política orçamental.

Algumas hipóteses teóricas avançadas consideram «a currency crisis as the unavoidable

outcome of unsustainable policy stances or structural imbalances». Esta posição considera o regime

cambial como uma das componentes integradas de uma política económica global, que só é

sustentável se não colidir com os objectivos da política fiscal e monetária. Por exemplo, se

a sustentabilidade das finanças públicas de um país que passa por uma intervenção pública

no sector bancário antever uma monetarização do défice (expansão monetária não

esterilizada) e a respectiva economia se enquadrar num regime de livre circulação de

capitais, então a pressão de desvalorização só pode ser acomodada pelo banco central

através de uma rápida perda de reservas, que apenas adia a desvalorização.

Em suma, a vulnerabilidade de uma economia em relação a uma crise cambial depende

de forma determinante da saúde e estabilidade do seu sector financeiro. A solidez deste

sector de intermediação afecta também a magnitude do impacto que uma desvalorização

tem nas variáveis reais de uma economia. Uma vez que uma desvalorização deteriora o

equilíbrio de balanço destas instituições, uma forte contracção na liquidez e disponibilidade

de crédito pode conduzir a uma contracção na actividade económica.

Crises Cambiais

Crises Bancárias

Responsabilidades Adicionais para SPA

Inconsistência entre Finanças Públicas e

Políticas Monetária e Cambial

Figura 4

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Repare-se que, nas hipóteses atrás levantadas acerca das consequências ao nível do

endividamento em moeda estrangeira do sector bancário de uma súbita desvalorização,

poder-se-ia perfeitamente conceber com razoabilidade um mecanismo similar para todo o

universo empresarial. Assim, se do lado dos activos das instituições financeiras, a

proporção de empréstimos de recuperação mais ou menos duvidosa for substancial, bem

como o peso de financiamento nos mercados internacionais, as consequências de uma crise

cambial podem ser ainda mais severas.

Estas hipóteses que formam a explicação das “twin crisis” colocam às autoridades, na

maioria das situações, um dilema complicado. Se uma moeda é exposta a um ataque

especulativo, a defesa do valor cambial através de uma subida de taxas de juro pode ser

contraproducente, uma vez que tal contracção monetária contribui para o colapso do

sector bancário. No entanto, se a economia não conseguir estabilizar a taxa de câmbio, uma

desvalorização pode provocar uma deterioração dos balanços das instituições, resultando

no mesmo colapso.

Uma vez caracterizado este mecanismo circular e amplificador de crise financeira,

passamos à explicação de um importante obstáculo ao bom funcionameto do sistema

financeiro de uma economia e que é utilizado por muitoss autores como argumento de

base para compreensão das crises financeiras que assolaram o Leste Asiático – a

informação assimétrica.

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Liberalização deFluxos de Capitais

Boom deEmpréstimos

Excessiva Tomadade Risco

Entradas de Capital(risco moral)

Falta decompetência

tecnica

InadequadaSupervisão

(risco moral)

Desvalorizaçãoda Moeda

Deterioramento doBalanço dos Bancos

InformaçãoAssim étrica

 

Crises bancárias

Figura 5

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A informação assimétrica corresponderá, por exemplo, a uma situação em que, num

contrato de financiamento de um projecto de investimento, os promotores têm melhor

informação acerca dos seus riscos e rendibilidade potenciais que as instituições

financiadoras. A informação assimétrica resulta então em dois problemas básicos do

sistema: selecção adversa e risco moral.

A selecção adversa provoca uma situação ex-ante à definição dos contratos financeiros,

em que os projectos com maior risco são aqueles que mais activamente pedem

financiamento. Assim, o tipo de projectos com maior probabilidade de terem um resultado

adverso são aqueles que com maior probabilidade serão seleccionados. Na incapacidade de

distinguirem entre os vários projectos (níveis de risco), os financiadores tenderão a não

conceder crédito aos projectos que representam mais baixo risco. A magnitude deste efeito,

depende da capacidade que os financiadores têm em recolher informação necessária a uma

boa selecção de projectos.

O fenómeno de risco moral ocorre após a contratação financeira porque o financiador

está sujeito ao facto de que o promotor de um projecto incorra em comportamentos de

risco, que tornem menos provável o sucesso do projecto e a amortização do empréstimo.

Este comportamento ocorre porque o promotor tem incentivos em escolher projectos de

risco superior (e em princípio de rendibilidade potencial maior) em que, em caso de

sucesso, a maior parte dos ganhos revertem a seu favor, mas que em caso de insucesso o

financiador suporta todas as perdas. Este conflito de interesses faz com que muitos agentes

decidam não financiar projectos “tout cours”, levando a que os níveis de investimento e

financiamento da economia se encontrem a níveis subóptimos. De forma a minimizar o

risco moral, os financiadores têm de impor restrições, noeadamente na concessão de

crédito ou nos sistemas de controle.

Há características relacionadas com a eficiência dos sistemas de supervisão e de

controle, de gestão do risco e da informação, que se constróem a um determinado ritmo e

sob determinadas circunstâncias institucionais que não se ajustam facilmente a súbitas

mudanças de ambiente económico. De entre estas, é possível destacar, por exemplo, um

processo repentino de liberalização do sistema financeiro.

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Em economias emergentes (economias de rápido crescimento e transformação), esta

liberalização pode conduzir a uma expansão excessiva do crédito interno, alimentada por

fluxos de capital do exterior. Frequentemente, nestes processos de liberalização financeira,

adoptam-se âncoras cambiais que conduzem a uma subavaliação inicial do risco cambial

por parte dos investidores internacionais. Tratando-se de economias de rápido crescimento

(e altas rendibilidades esperadas), e frequentemente com “implícita” cobertura de “default”

por parte do sector público, o fenómeno de risco moral pode conduzir a uma injecção

externa de capitais de grandes montantes, que alimenta a expansão excessiva do crédito

atrás mencionada. Juntando à fraca e desadequada estrutura de supervisão e regulação do

sistema, a deficiente qualificação técnica na gestão do risco por parte das instituições

financeiras nas economias já plenamente abertas à livre circulação de capitais, faz com que

a expansão do crédito incorra em excessiva exposição ao risco e à deterioração das

posições de balanço do sistema bancário. A partir deste momento, a vulnerabilidade do

sector bancário aos efeitos de uma desvalorização, a um abrandamento do ritmo de

crescimento da actividade económica que provoque falências e um aumento do peso de

créditos mal concedidos, significa um aprofundamento dos problemas de informação

assimétrica no sistema e a eminência de uma crise bancária.

2 - A crise do Leste Asiático

A crise do Leste Asiático iniciou-se no contexto de um ambiente económico

internacional altamente favorável e teve como data oficial para o seu começo o 2 de Julho

de 1997, em sequência da desvalorização ocorrida sobre o baht Tailandês1. As

características únicas deste fenómeno motivaram o surgimento de vários modelos

explicativos e diferentes teorias sobre as suas origens.

Parece possível afirmar que nem mesmo os mais cépticos esperavam que sucedesse

algo com as proporções e com as consequências, inclusivamente a nível social, que o fim

do “milagre Asiático” acabou por trazer. As economias da região não aparentavam

1 Kaminsky and Schmukler, 1999 – “What triggers market jitters? A chronicle of the Asian crisis”.

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problemas ao nível da análise fundamental e as medidas tradicionais de monitorização da

vulnerabilidade não assinalavam sintomas de crise, pois as responsabilidades só se

revelaram no balanço do governo depois daquela ter “estalado”. Aliás, a aparente “miopia”

dos mercados na avaliação do risco asiático parece ter sido alimentada por um sentimento

de optimismo generalizado em relação ao modelo de crescimento asiático, que

caracterizava em temos gerais aquelas economias.

No entanto, algumas vozes mais pessimistas já se tinham começado a fazer ouvir nos

anos imediatamente precedentes, argumentando que estas economias não tinham nenhuma

imunidade especial a crises financeiras e, por outro lado, que evidenciavam um anormal

défice da balança de transacções correntes que se assemelhava ao verificado na América

Latina, em 19942.

Outro aspecto que assumiu grande importância para as dimensões que a crise tomou

foi o efeito de contágio, que demonstrou a incapacidade destas economias de responder a

uma crise de confiança e pessimismo generalizado e que permitiu que toda uma região

cedesse àquilo que segundo alguns autores, como Chang e Velasco, foi essencialmente um

pânico irracional que se autoalimentava à medida que a situação se agravava através duma

queda em espiral dos preços dos activos e dum forte processo de desintermediação.

Nas semanas imediatamente precedentes à desvalorização do baht, mesmo os menos

crentes na sustentabilidade do crescimento dos tigres asiáticos, não antecipavam mais que

uma modesta inversão da tendência e um abrandamento gradual do crescimento de longo-

prazo. No entanto, o que se assistiu foi a uma ruptura com as crises monetárias

convencionais e ao surgimento de um cenário mais complexo e drástico do que aqueles que

até então se tinha assistido e estudado: os mercados de activos nacionais entraram em

colapso, as falências das instituições financeiras e de empresas generalizaram-se e as

economias entraram numa fase de derrapagem muito mais severa do que alguma vez se

imaginou.

Iniciaram-se, em consequência, os esforços para o desenvolvimento de uma terceira

geração de modelos3, com vista ao estudo destas crises de contornos muito mais

2 Krugman, 1998 - “What happened to Asia?”.3 Krugman, 2001 – “Crisis: the next generation?”.

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devastadores e profundas consequências no funcionamento das economias do que os até à

data conhecidos.

A terceira geração de crises

Inicialmente, a crise Asiática foi erradamente analisada à luz da teoria convencional das

crises monetárias, no entanto a crise monetária que lhe esteve subjacente parece ter sido

apenas um sintoma e não uma causa.

A teoria convencional focou essencialmente o papel da taxa de câmbio, comunmente

utilizada como forma de atingir a estabilidade dos preços internos através da criação de

uma peg do valor da moeda nacional a uma moeda de um país maior, com tradição de

inflação baixa e estabilizada. Nuns casos, a estratégia passa por fazer uma indexação a um

valor fixo da moeda do outro país, de modo que a inflação gravite em torno da deste;

noutros, a estratégia consiste na criação de um crawling peg onde é permitido que a taxa de

câmbio nacional deprecie a uma taxa constante contra a do outro país.

Na literatura existente sobre a natureza de fenómenos de instabilidade cambial, a

normalmente denominada primeira geração de modelos (Krugman 1979; Flood e Garber

1984), considera as crises cambiais como resultado natural de políticas económicas

inconsistentes ou de desequilíbrios estruturais no sistema económico de um país.

Assumindo que as autoridades monetárias sustentam a âncora cambial com base num

stock de reservas de moeda estrangeira e considerando que o governo faz colidir este

objectivo económico com outros, nomeadamente de ordem orçamental, através do

financiamento persistente dos seus défices com moeda, facilmente se conclui que esta

política de estabilização está condenada logo à partida - qualquer subida da tendência de

longo-prazo no “preço-sombra” fará com que este ultrapasse o peg e resultará na exaustão

das reservas do banco central. De facto, se considerarmos um comportamento racional por

parte de investidores bem informados, será de esperar que estes antecipem o inevitável

colapso e gerem um ataque especulativo sobre a moeda, conduzindo à insustentabilidade

do regime.

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Este primeiro conjunto de modelos, emergente na sequência das crises dos anos 70,

tem então como principal causa a prática de uma política governamental temporalmente

inconsistente, que cede à tentação de aumentar a taxa de inflação por forma a incrementar

as receitas de senhoriagem e assim resolver o problema fiscal, o que resulta numa subida da

tendência de evolução do “preço-sombra”. Desta forma, é possível afirmar que este tipo de

crises tem um carácter determinístico pela previsibilidade que lhes está inerente.

Parece ainda importante realçar que para além da perda de credibilidade na política

orçamental, não parece que consequências económicas se estendam para além das inerentes

ao problema orçamental já existente e que a insustentabilidade/colapso da âncora cambial

apenas ajudou a revelar.

Os modelos de segunda geração (Obstfeld 1994, 1995) encontraram inspiração na série

de ataques especulativos sobre o SME em 1992-3. Esta “geração” divergiu claramente da

anterior na medida em que não se verificou uma prática de políticas irresponsáveis por

parte dos governos dos países envolvidos, nem estes tinham por metas o controlo

orçamental ou aspectos relacionados com senhoriagem.

Neste caso, os governos tiveram de escolher entre a defesa ou não do peg da taxa de

câmbio fazendo um trade-off entre flexibilidade das políticas económicas de curto-prazo e

uma credibilidade de longo-prazo. O problema residiu no facto de que a defesa da paridade

tem como custo a subida das taxas de juro e se o mercado acreditar que a manutenção

dessa paridade não vai resistir, iniciar-se-á um ataque especulativo sobre a moeda baseado

na previsão de uma futura depreciação dos fundamentais ou simplesmente através de uma

“self-fulfilling prophecy”4, baseada numa crise de confiança.

Quando um peg deixa de ser credível, os investidores exigem uma subida das taxas de

juro para manterem os activos denominados em moeda nacional. Se o governo ceder, o

nível de emprego baixará e outros indicadores fundamentais deteriorar-se-ão, de tal forma

que a disposição dos governos para defender a paridade de modo a evitar o ataque

especulativo poderá desaparecer. Foi efectivamente o que sucedeu em 1992, quando as

4 Krugman, 1998 – “What happened to Asia” .

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autoridades Britânicas optaram por não pagar o preço da defesa da libra com mais altas

taxas de juro, enquanto que as autoridades Francesas tomaram a decisão oposta5.

A comparação das gerações de modelos apontadas, revela duas diferenças principais

que parecem merecer destaque: por um lado, as crises deixam de ser resultado de políticas

irresponsáveis e, como tal, perdem o seu carácter determinístico; por outro, esta segunda

“geração” parece sugerir que é possível o surgimento súbito de crises mesmo em

circunstâncias pouco previsíveis.

Apesar da importância destas abordagens convencionais, o seu contributo para a

previsão das crises Asiáticas foi reduzido, pois estas últimas representaram uma ruptura

com a análise fundamental para os sintomas das crises até então realizada.

Estes países, comunmente denominados de “tigres-asiáticos”, foram sujeitos a um

forte e prudente controlo fiscal e beneficiaram de um ambiente macroeconómico

relativamente estável, evidenciando baixas taxas de inflação e altas taxas de poupança

internas, pelo que o surgimento de uma crise perante esta conjuntura representou algo que

teve tanto de inovador e inesperado como de desvastador, ao nível das causas, dos

mecanismos de transmissão e das consequências.

A terceira geração de crises despoleta em 1997, como resultado de um processo cuja

origem se encontra essencialmente na fraqueza do sistema financeiro e, em certa medida,

na falta de transparência do sistema governativo.

No anos precedentes, assistiu-se à combinação de uma inadequada supervisão de um

sector financeiro, incapaz de lidar com a liberalização dos capitais, com uma fraca gestão e

avaliação do risco financeiro e à manutenção de regimes relativamente fixos das taxas de

câmbio – combinação “explosiva”, que levou os bancos e as empresas a contrair grandes

montantes de empréstimos de curto prazo e denominados em moeda estrangeira, sobre e

erradamente canalizados para investimentos de pouca qualidade e elevado risco.

Estas más decisões ao nível dos sectores financeiro e privado foram em larga medida

agravadas pelo envolvimento do governo neste último, assim como pela falta de

5 Krugman, 2001 – “Crisis: the next generation?”.

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transparência da sua intervenção, da actuação das instituições financeiras e dos dados

financeiros e económicos disponibilizados.

Para as proporções da crise, contribuiu decisivamente o ataque especulativo e a perda

de confiança dos investidores que, através de vários mecanismos de spill-over, alastraram ao

conjunto de países da região a erosão da competitividade e fortes contracções da actividade

económica. Paralelamente a este “virulento contágio e incremento da volatilidade dos

mercados financeiros”6 que resultou na revisão em baixa das expectativas para a taxa de

crescimento mundial para os anos de 1998 e 1999 de 4% para 2%, esta região deparou-se

com uma desvastadora crise humana e social que foi ainda agravada com a intervenção do

FMI.

A imposição de austeras medidas e reformas económicas, interpretando o espírito do

remédio de ajustamento tradicional normalmente aconselhado por aquela instituição,

fizeram-se sentir primeiramente na Tailândia em Julho de 1997, estendendo-se

posteriormente aos restantes países. Os efeitos da sempre penosa cura a que os países são

sujeitos começou a reflectir os seus primeiros efeitos logo em 1998, com o anúncio da

falência de várias empresas mais fracas, o crescimento do desemprego, a queda do nível de

vida e os sintomas de uma longa e profunda recessão, a estabilização dos mercados

financeiros de alguns países e a queda de alguns governos.

A importância dos Intermediários Financeiros na explicação da crise

O sistema financeiro, embora não possa ser visto como um sector determinante em

termos de criação de riqueza, assume um papel fulcral no funcionamento das economias

pela sua função de oleador da actividade económica7. Aos intermediários financeiros

compete a tarefa de canalizar fundos daqueles que têm excedentes para aqueles com

necessidade dos mesmos para o financiamento projectos de investimento com valores

actualizados líquidos positivos, funcionando como elemento dinamizador do processo de

investimento na economia.

6 IMF, 1999 – “The IMF´s response to the Asian crisis”.7 Mishkin (1992) defende mesmo que o efeito tão severo no crescimento provocado pelas crisesfinanceiras resulta da ruptura das actividades produtivas dos intermediários financeiros.

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Como referido anteriormente, a principal barreira a um bom desempenho do seu papel

reside na existência de informação assimétrica entre os contratantes, conduzindo a

problemas de risco moral e selecção adversa que provocam distorção e retiram eficiência ao

processo de alocação de fundos para as oportunidades de investimento mais produtivas.

Os mercados emergentes estiveram fortemente dependentes do sector financeiro em

todo o processo de crescimento que antecedeu a crise, pelo que era exigível que estivesse

equipado e preparado para dar resposta a uma situação de liberalização de capitais. Assim

sendo, a incapacidade e fragilidade do sector para lidar com esta nova situação de mercado,

permite identificar o começo da crise com a liberalização financeira8 e com sustentado

afluxo de capital estangeiro que dela resultou.

Podemos então apontar dois motivos estruturais para o excesso de risco tomado após

a abertura à livre circulação de capitais nas economias asiáticas. Por um lado, os gestores

das instituições bancárias não tinham competência nem capacidade para gerir

apropriadamente o risco, o que se revelou no forte endividamento externo não coberto,

caracterizado pelo risco inerente à não convergência das maturidades nos balanços.

Paralelamente à má gestão, pode-se ainda acrescentar a inadequação e fragilidade do

sistema de regulação e supervisão para avaliar correctamente as posições tomadas face ao

8 Mishkin, 1999 – “Lessons from the Asian crises”.

Peso da dívida de curto prazo na dívida total (%)

0,020,040,060,080,0

Indonésia Coreia Malásia Filipinas Tailândia

1993 1994 1995 1996 1997

Gráfico 1

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

16

risco, pois as próprias instituições não dispunham do equipamento logístico nem de

profissionais especializados para a realização de uma eficiente monitorização dos projectos.

O segundo motivo, prende-se com a falta de prudência e de securitização destas

mesmas instituições, na medida em que acreditaram encontrar-se cobertas por uma

intervenção governamental, o que incentivou a redução dos custos ligados à monitorização

e a não melhoria do sistema de regulação e supervisão, conduzindo a um aumento da

prática de risco moral. Esta situação, tomou proporções tanto mais gravosas quanto maior

foi a convicção do sector de que estava efectivamente protegido por uma entidade superior

o que, por outro lado, fez com que se desenvolvesse processo agressivo de procura de

novas possibilidades de crédito, sem qualquer preocupação com os excessivos e crescentes

níveis de risco suportados. Esta má e desmedida canalização dos créditos, juntamente com

a inexistência duma entidade nacional ou internacional capaz de intervir, veio mais tarde a

revelar-se fatal para muitas destas instituições, que se tornaram insolventes à medida que

empréstimos concedidos se revelaram irrecuperáveis.

Em suma, os factores estruturais que podiam ter sido identificados como passíveis de

minar o sistema financeiro abundavam, embora a mais clara manifestação da erosão das

economias se tenha feito sentir através do aumento da percentagem de créditos falhados.

De entre as principais distorsões estruturais, cujos efeitos foram largamente ampliados

pelo rápido processo de liberalização já referido e pela desregulação dos sistemas da região,

destacam-se: a incapacidade para fazer face às crescentes responsabilidades que um regime

de liberalização de capitais exige e que ficou demonstrado não poder ser imposto

instantaneamente em economias em crescimento, devendo antes ser um processo gradual;

o excesso de confiança das empresas nas instituições financeiras, destas no governo e, por

sua vez, deste nas organizações supranacionais (como o FMI) de que qualquer risco de

insolvência estaria coberto, o que resultou numa incontrolável prática de risco moral, com

excessiva contracção de empréstimos no estrangeiro de curto-prazo e excessiva concessão

de empréstimos em moeda nacional9; e a existência de corrupção ao nível da concessão de

9 Segundo Krugman (1998) – “What happened to Asia”, a antecipação de um futuro bail-out funcionacomo um “incentive to play a game of heads I win, tail the taxpayer loses”. Embora os credores dasInstituições Financeiras não tivessem recebidogarantias explícitas dos governos, os relatórios da maioriadaqueles que financiaram as companhias financeiras Tailandesas e bancos Sul Coreanos entre outrosintermediários de fundos, acreditavam que estariam protegidos em relação ao risco – impressão que vinhareforçada pelas fortes ligações ao meio político e governamental dos donos da maioria dessas instituições.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

17

crédito, o que piorou ainda mais a já gravosa situação de fraca regulação e inexistência de

critério na sua alocação e que não tinha qualquer tipo de segurança pela falta de incentivos

à criação de esquemas de garantia compatíveis e à monitorização e selecção dos projectos.

Análise dos fundamentais macroeconómicos e dos indícios de crise na região

O período pré-crise, analisado pelo método tradicional não parecia transparecer sinais

de crise nem pôr em causa a sustentabilidade do “milagre Asiático”. De facto, os países

atingidos pela crise (Tailândia, Indonésia e Coreia) assim como aqueles marcadamente

afectados pelo efeito de contágio (Malásia e Filipinas) não apresentavam os sintomas usuais

de stress monetário, tanto em termos orçamentais como no que se refere a dificuldades

macroeconómicas. Inclusivamente, nos anos imediatamente precedentes registaram mesmo

excedentes ou défices orçamentais muito pequenos, a inflação era moderada e as taxas de

poupança internas chegaram a atingir os 35% do PIB na Coreia e Tailândia10.

10 Segundo Krugman, a imprevisibilidade do contágio verificado e das proporções que a crise assumiu naregião, vinham reforçadas pelas escassas ligações económicas entre as vítimas iniciais dos choques.adversos e as restantes economias, não sendo possível esperar que após o início da crise toda a regiãofosse afectada por uma onda de pessimismo desvastadora.

Inflação

94 95 96 97Indonésia 8,5 9,3 7,3 21,9Coreia 6,2 4,5 4,9 4,4Malásia 3,5 6 3,6 2,7Filipinas 9,4 7,9 8,4 5,1Tailândia 5,3 5 5,9 5,6

Poupança Nacional % PIB

93/95 96 97Indonésia 1,20 1,00 0,50Coreia 0,40 0,30 0,00Malásia 2,30 4,20 2,80Filipinas 0,00 0,20 -0,90Tailândia 2,30 2,70 -1,50

Balança Orçamental % do PIB

93/95 96 97Indonésia 1,20 1,00 0,50Coreia 0,40 0,30 0,00Malásia 2,30 4,20 2,80Filipinas 0,00 0,20 -0,90Tailândia 2,30 2,70 -1,50

Tabelas 1,2 e 3

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

18

No entanto, alguns sinais de sobreaquecimento eram perceptíveis e alguns autores,

como Roubini, afirmam mesmo que uma análise mais atenta dos fundamentais permitiria

prever uma crise monetária, como a ocorrida no México. Efectivamente, era possível

observar um rápido crescimento do défice da balança de transacções correntes; os níveis de

inflação, embora fossem relativamente baixos, evidenciavam a formação de uma bolha

especulativa no sector imobiliário; e estava a ser praticado um conjunto de políticas que se

pode responsabilizar pela criação de vulnerabilidade e riscos que precipitaram a crise.

A política de rigidez da taxa de câmbio e a crença por parte dos investidores de que a

âncora cambial era credível, encorajou o endividamento no exterior e conduziu a uma

imprudente exposição ao risco dos sectores empresarial e financeiro, assim como a um

sobreinvestimento em projectos de má qualidade. Paralelamente, a rigidez da taxa de

câmbio nominal conduziu a uma apreciação real através da subida das taxas de juro, que

resultou numa perda de competitividade – tendência que foi agravada pela falta de

formação de capital humano aos níveis intermédio e avançado11.

Por outro lado, deveriam ter sido aplicadas medidas com vista ao controle da excessiva

entrada de capitais: para além de um regime de taxas de câmbio mais flexível que permitisse

apontar para a manutenção de uma taxa de câmbio real mais estável, deveria ter existido

uma maior regulação e supervisão do sistema financeiro e sido criado um sistema de

seguros para a dívida, que prevenisse que a maioria do capital fosse intermediado pelo

sistema bancário através de canais de curto-prazo.

No entanto, a gestão do impacto ao nível macroeconómico causado pelo desmedido

afluxo de capitais, foi um desafio que as autoridades monetárias não conseguiram vencer. A

11 Shirazi, 1998 – “The East Asian crises: origins, policy challenges and prospects”.

Balança de transacções correntes % do PIB

1993 1994 1995 1996 1997Indonésia -1,3 -1,6 -3,5 -3,4 2,2Coreia -4,5 -5,9 -8,5 -5,2 -4,8Malásia -5,5 -4,6 -2,7 -4,3 5,2Filipinas -5,1 -5,7 -8,1 -7,9 -2,2Tailândia 0,1 -1,2 -2,0 -4,7 -1,9

Tabela 4

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

19

esterilização de grande parte desse afluxo no período de 1994 a 1996 (cerca de um quinto

da entrada de capital privado líquido para a Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia12),

conduziu a uma subida das taxas de juro internas que tornou o endividamento no exterior

ainda mais atractivo. Estes indicadores de baixa rendibilidade foram ainda agravados pela

queda da taxa de juro nos países industrializados, em especial no japão e Europa, que

reduziu o custo de capital das empresas e motivou largos movimentos de capitais para os

países Asiáticos13.

Assim, uma análise mais sintética e global da importância que o risco moral teve no

aumento da fragilidade financeira da região assim como no aumento vulnerabilidade

perante choques macro-económicos e financeiros no período, permite destacar três

dimensões inter-relacionadas entre si14:

a) Ao nível empresarial, as fortes pressões políticas com vista à manutenção de altas

taxas de crescimento conduziram a uma longa tradição de garantias públicas, implícitas ou

explícitas, de bail-out dos projectos de investimento do sector empresarial, chegando mesmo

a subsidiar e controlar directamente os projectos privados ou favorecendo através de

políticas de crédito directo determinadas empresas e indústrias15. Toda esta política de

favorecimento político e pessoal e indiciadora da possibilidade real de existir uma

disposição dos governos para a intervenção em favor das empresas em dificuldade, fez com

que os mercados agissem como se a rendibilidade dos seus investimentos estivesse

segurada contra choques adversos.

O resultado foi um processo sustentado de acumulação de capital que conduziu a um

défice permanente e crescente da balança de transacções correntes em relação ao PIB e ao 12 Shirazi, 1998 – “The East Asian crises: origins, policy challenges and prospects”.13 Corsetti, Pesenti and Roubini, 1998 – “Paper tigers? A model of the Asian Crisis”.14 Análise baseada em: Corsetti, Pesenti and Roubini, 1998 – “What caused the Asian currency andfinancial crisis?”.

Fluxos de Capital (liquidos) % PIB

94 95 96 97Indonésia 0,30 3,50 6,10 0,00Coreia 1,20 0,20 4,90 -6,00Malásia 1,20 6,20 8,40 -3,00Filipinas 7,90 8,40 12,70 0,40Tailândia 14,30 17,30 14,50 -2,00

Tabela 5

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

20

crescimento das exportações, pelo que o caso Asiático se tornou num exemplo de criação

de problemas de solvência em consequência do financiamento externo dos investimentos

nacionais16.

b) No entanto, é na dimensão financeira que encontramos a principal explicação para a

manutenção dos elevados níveis de investimento e para o excessivo endividamento

externo, não coberto e de curto-prazo que deixou as várias entidades vulneráveis aos riscos

da taxa de câmbio e do mismatch das maturidades.

Efectivamente, a liberalização dos movimentos de capitais era consistente com o

objectivo político de fornecer uma grande quantidade de fundos de baixo custo às

instituições financeiras nacionais e ao sector empresarial e simultaneamente, através da

fixação das taxas de câmbio reduzir a volatilidade na moeda nacional em relação ao dólar,

baixando assim o prémio de risco da dívida denominada em dólar, mas o resultado foi a

formação de um elevado nível de dívida externa não coberta que se revelou fatal.

c) A dimensão internacional do problema do risco moral, volta-se essencialmente para

o comportamento dos bancos internacionais, que foram responsáveis pela canalização de

uma grande quantidade de fundos para os intermediários financeiros daqueles países

Asiáticos, provavelmente assumindo existir uma “rede de segurança” que seria garantida

por uma intervenção directa governamental ou indirectamente através de um programa de

apoio do FMI. Aparentemente, as instituições financeiras internacionais negligenciaram a

avaliação do risco inerente à concessão de crédito17, numa clara manifestação de risco

moral apoiado na crença num bail-out no caso de algum choque suceder. Assim se permitiu

que no final de 1996 mais de 50% das responsabilidades dos países região era de curto-

prazo e o rácio das responsabilidades externas de curto-prazo em relação às reservas

ultrapassava já os 100% na Coreia, Indonésia e Tailândia.

O grande problema desta situação de risco moral é o facto de que após um

agravamento da vulnerabilidade ou da fragilidade financeira, por via de um choque adverso,

15 FMI, 1997.16 Esta situação não é comum, no entanto é justificada pelo facto de os projectos serem pouco rentáveis.Por exemplo, na Coreia, 20 dos 30 maiores conglomerados tiveram, em 1996, taxas de rendibilidade docapital investido inferiores ao custo e, em 1997, antes da crise, 7 desses 30 conglomerados encontravam-se falidos.17 Stiglitz, 1998 - “The role of international financial institutions in current global economy”

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

21

não existe qualquer tendência por parte dos intermediários financeiros para a adopção de

um comportamento mais cauteloso e à redução do risco global das suas carteiras. Pelo

contrário, a antecipação de uma intervenção em seu favor funciona antes como um forte

incentivo para assumirem ainda mais risco, contribuindo assim para uma aceleração do

processo de deterioração da globalidade do panorama económico e agravando as distorções

já existentes.

O desenvolvimento da crise: mecanismos de transmissão e propagação

Dado neste ponto já termos uma percepção da forma como os vários níveis da crise se

interligam, parece-nos possível e conveniente subdividir esta secção em quatro partes,

abordando o tema do ponto de vista das crises financeiras, crises monetárias, ataque

especulativo e efeitos de contágio. Esta separação tem por base uma tentativa de

identificação das principais ramificações que fomentaram a crise, mas também uma

tentativa de coincidência com as principais correntes surgidas no pós-crise com o intuito de

explicar o fenómeno.

a) Após a análise feita anteriormente acerca do sector financeiro, parecem já estar bem

claros os motivos que desencadearam a crise financeira que, no fundo, comportou uma

crise de pagamentos e uma crise bancária18.

Estas twin crisis foram em suma, a consequência da fraca supervisão bancária e

desregulação do sector, assim como da inacção dos governos que subestimaram a

importância de um sector financeiro sólido e a necessidade de criar um conjunto de regras

e políticas que obrigassem a uma actuação transparente e prudente por parte dos

intermediários financeiros. A situação tornou-se ainda mais gravosa quando a estes factores

se adicionou um rápido processo de liberalização financeira e o evidente problema do risco

moral, traduzido numa clara falta de monitorização e de avaliação do risco, como

consequência das promessas governamentais, implícitas ou explícitas, de bail-out no caso de

um choque adverso.

18 Kaminsky and Reinhart, 1996 - ”The Twin Crises: the causes of banking and balance-of-paymentproblems” .

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

22

As instituições financeiras crendo, por outro lado, na manutenção do peg, viram desta

forma reunido um conjunto de incentivos para pedir emprestado no exterior e conceder

crédito no próprio país a taxas de juro cada vez mais baixas, relativamente ao risco dos

projectos que estavam a ser financiados, de modo que as empresas nacionais investiram

demasiado em projectos marginalmente não rentáveis.

Este processo de sobreinvestimento, resultante da favorabilidade da conjuntura

económica e do clima generalizado de confiança na sustentabilidade do “milagre Asiático”

ao longo da década de 90, originou a formação de uma bolha especulativa no sector

imobiliário, que atingiu dimensões crescentemente preocupantes, à medida que consigo

arrastou uma subida dos preços de activos referentes a outros sectores da economia, de

valor e capacidade produtiva claramente inferiores ao que seria esperado tendo em conta os

investimentos neles realizados.

Esta bolha especulativa ganhou evoluiu com base num processo circular, onde as

instituições reagiram à subida dos preços e do risco com uma maior acumulação de

capitais, numa clara manifestação de prática de moral hazard, o que contribuiu para um

incremento do insucesso dos investimentos realizados.

Os primeiros sinais de fraqueza começaram a fazer-se sentir exactamente no ano

precedente ao anúncio oficial da crise, através de um crescente número de projectos

falhados e de falência de empresas que falharam os seus investimentos. Este crescendo de

falências fez com que o processo circular atrás descrito se invertesse marcadamente a partir

da segunda metade de 1997, rebentando a bolha e iniciando-se uma tendência de queda dos

preços dos activos que fez com que, cada vez mais, as empresas não cumprissem as suas

responsabilidades junto dos intermediários, pois os seus investimentos incorriam em fortes

perdas de valor19.

A incapacidade por parte das instituições financeiras de recuperarem os empréstimos

concedidos reflectiu-se na deterioração dos seus balanços, confrontando-os com situações

de dificuldade de liquidez que, em último caso, conduziram mesmo à insolvência dos

bancos. O sector bancário, por seu lado, deparou-se com uma cada vez menor capacidade

de realizar financiamentos e de cumprir as suas responsabilidades perante os seus credores,

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

23

nomeadamente as instituições internacionais que, apercebendo-se da iliquidez do sistema

financeiro dos países da região, começaram a levantar os seus investimentos, agravando

ainda mais a capacidade de solvência dos bancos, originando um movimento maciço de

saída de capitais, resultante de uma tentativa de minimizar perdas e da falta de confiança

generalizada nos operadores financeiros destes países.

Do raciocínio apresentado, é perceptível que a deterioração dos balanços das

instituições financeiras, no limite, conduziu ao encerramento destas, que sendo a única

fonte de financiamento para muitos projectose não o podendo realizar, desencadeou uma

espiral que culminou com o colapso dos sectores financeiro e não-financeiro.

b) O processo acima descrito, no entanto, não decorreu isoladamente. A deterioração

dos balanços dos bancos resultante dos efeitos da crise financeira provocou uma inevitável

crise monetária, pois tornou-se extremamente difícil para o banco central a defesa contra

um ataque especulativo sobre a moeda20. Por outro lado, num contexto onde os balanços

do sistema financeiro se caracterizam por um desencontro nas maturidades e por uma forte

exposição ao risco de crédito, um aumento das taxas de juro irá enfraquecer ainda mais os

balanços, tornando a possibilidade de colapso do sistema bancário uma realidade. Assim,

será de esperar que as autoridades não consigam segurar a âncora cambial com sucesso e

cedam à depreciação da moeda nacional.

Naturalmente, esta evidência não permaneceu eternamente oculta aos investidores e

quando estes interiorizaram que seria pouco provável a resistência do peg, aumentaram os

incentivos para atacar a moeda, que acabou por desvalorizar fortemente21.

A materialização deste ataque especulativo traduziu-se numa aceleração do processo de

desintermediação destas economias, pela influência que a perda de valor da moeda teve na

incapacidade por parte das instituições de solver a sua dívida - denominada numa moeda

que se revelava cada vez mais forte em relação à nacional, na qual estavam denominados os

activos, e na sua maioria de mais curto-prazo que os créditos que haviam concedido a

19 Como veremos adiante, estas perdas foram ainda fortemente inflacionadas pela forte desvalorização damoeda.20 A análise aqui descrita para as crises monetárias e relação entre estas e as financceiras baseia-se nopaper de Mishkin, 1999 - “Lessons from the Asian crises”.21 Ver evidência acerca da Indonésia, onde o Rúpiah perdeu cerca de 75% do seu valor, aumentando ovalor da sua dívida denominada em moeda estrangeira por um factor de quatro.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

24

empresas que, por sua vez, estavam a enfrentar sérios problemas financeiros pela falta de

rendibilidade e sucesso dos seus investimentos.

Tendo por base o problema de informação assimétrica, Mishkin descreve-nos então

três mecanismos pelos quais as crises monetária e financeira se interligam.

O primeiro, já descrito, resulta do efeito directo da desvalorização sobre o balanços

das empresas, que se detioram pelo forte incremento do valor do seu passivo sem ser

acompanhado por igual valorização do activo. Esta situação, também já analisada

anteriormente, funciona como um incentivo ao risco, pois as empresas têm menos a

perder, o que resulta num aumento dos problemas de selecção adversa e risco moral, onde

os concessores de crédito saem pouco protegidos. Estes, por outro lado, estando mais

sujeitos a risco de perda e tendo dificuldade em receber o retorno dos seus empréstimos,

começam a reduzir o crédito concedido, o que resulta numa diminuição do investimento

global e, consequentemente, da actividade económica.

O segundo mecanismo refere-se ao impacto da desvalorização da moeda na inflação.

Dado não existir uma tradição de estabilidade e baixa inflação nestes países, o governo não

possui credibilidade para evitar que a pressão sobre os preços, resultante da depreciação da

moeda provocada pelo ataque especulativo, culmine com uma “subida dramática da

inflação real e esperada”. Esta subida tem graves consequências sobre o sector financeiro,

na medida que provoca um forte aumento das taxas de juro que, como vimos, dificulta as

possibilidades de pagamento dos empréstimos por parte das empresas, enfraquecendo as

suas posições e levando-as a desenvolver problemas de informação assimétrica, com os já

conhecidos efeitos sobre a actividade económica.

O último mecanismo prende-se com o impacto da desvalorização sobre o sector

bancário e tem uma forma de propagação em tudo semelhante com a ocorrida ao nível das

empresas. O valor da grande quantidade de responsabilidades em moeda estrangeira detida

pelos bancos cresce acentuadamente e, por outro lado, as empresas e famílias não são

capazes de pagar as suas dívidas, o que resulta numa diminuição do valor do activo no

balanço. Um factor adicional, é o facto de grande parte da dívida dos bancos ser de curto-

prazo, o que resulta num prolema de liquidez.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

25

Estes efeitos, para além dum corte na concessão de empréstimos, podem mesmo levar

à declaração de falência por parte dos bancos, desencadeando um processo de

desintermediação financeira que poderá culminar com o colapso da economia, dada a

incapacidade dos mercados financeiros de canalizar fundos para oportunidades de

investimento produtivas.

c) Nos dois pontos anteriores já foi possível ter uma percepção de como o ataque

especulativo acelerou e avolumou os efeitos da crise, no entanto parece-nos importante dar

o devido destaque à forma como uma crise de confiança se gera e auto-alimenta através

duma perda de iliquidez internacional, forçando o sistema financeiro a entrar em crise.

A abordagem aqui realizada foca essencialmente a versão de Chang e Velasco (1998),

construída com base numa versão para economia aberta do modelo de corrida aos bancos

de Diamond e Dybvig, sendo por isso necessário avançar desde já a definição dada pelos

primeiros para iliquidez internacional – “situação em que o sistema financeiro consolidado

de um país apresenta um excesso de responsabilidades de curto-prazo, denominadas em

moeda forte, relativamente à quantidade de moeda forte a que consegue ter acesso,

também no curto-prazo”22. Dado estarmos a lidar com países com uma taxa de câmbio

fixa, deverão ainda ser incluídos os depósitos denominados em moeda nacional e

estrangeira, assim como a dívida externa de curto-prazo, de modo a ter a definição ideal das

obrigações internacionais de curto-prazo enfrentadas pelo sistema financeiro.

Na óptica destes autores, o factor iliquidez assume-se como quase suficiente para

despoletar uma crise e, após a perda de confiança por parte dos concessores de crédito com

consequente paragem do processo de roll-over e exigência de pagamento imediato dos

empréstimos existentes, as soluções parecem ser escassas e o fim mais provável serão os

colapsos do sistema financeiro e da moeda.

A iliquidez foi um factor comum a todos os países Asiáticos envolvidos, possuidores de

altos e marcadamente crescentes rácios de dívida de curto-prazo em moeda forte, em

especial externa, em relação aos activos líquidos, situação que é representativa da extrema

vulnerabilidade destas economias a uma inversão do fluxo de capitais.

22 Chang and Velasco, 1999 – “Liquidity crises in emerging markets: Theory and Policy”.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

26

Este cenário reflecte a extrema vulnerabilidade ao denominado sudden stop syndrome, isto

é, a uma inversão abrupta e maciça do fluxo de capitais23, que se tornou cada vez mais

evidente e se revelou sob a forma duma perda de confiança nas instituições financeiras e na

sustentabilidade da taxa de câmbio.

Os sintomas de crise pareceram tornar-se claros “da noite para o dia”, despoletando

um pânico financeiro generalizado na região, que se manifestou de forma quase instantânea

nos diferentes países: os credores estrangeiros, receando que os seus clientes não fossem

capazes de fazer face às suas responsabilidades, começaram a pedir o pagamento dos seus

empréstimos; pelo mesmo motivo, os depositantes correram aos bancos para levantar os

seus depósitos; e, simultaneamente, as instituições financeiras nacionais, com posições

descobertas em moeda estrangeira, apressaram-se a comprar dólares para fazer face à

depreciação da taxa de câmbio.

O resultado consequente, foi um pânico generalizado com reacção destruidora em

cadeia, accionado pela fuga de capitais da região e que se auto-alimentava à medida que se

agravavam os casos de insolvência de empresas e de instituições financeiras e acentuava o

processo de deflação, acelerado pela crescente pressão sobre o sistema bancário e falta de

confiança dos investidores e depositantes.

Uma explicação para a irracionalidade do pânico poderá encontrar-se em Rigobon

(1998), segundo o qual más indicações dadas pelos fundamentais podem estar na origem de

uma crise, mas à medida que a crise evolui tornam-se menos informativos e acabam por ser

as acções dos agentes, baseadas num processo de self-fulfilling, a alimentar a recessão. Em

relação ao caso Asiático, é possível concluir que a crise de confiança que atingiu os

mercados e as moedas foi efectivamente excessiva, embora não se possa afirmar que a

Dívida externa de Curto Prazo/Dívida externa total

93 94 95 96 97Indonésia 20,2% 18,1% 20,9% 25,0% 13,5%

Coreia 43,7% 53,5% 57,8% 58,3% 42,4%Malásia 26,8% 21,2% 21,3% 27,9% 23,8%Filipinas 14,1% 14,3% 13,5% 17,5% 20,1%Tailândia 42,9% 44,5% 49,4% 41,4% 47,7%

Tabela 6

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

27

reacção dos intervenientes no mercado foi de todo irracional, dadas as condições dos

sectores afectados e a manifesta imprevisibilidade em relação ao futuro.

d) Para último mecanismo de propagação da crise deixámos o efeito de contágio, factor

determinante na justificação das proporções que as crises Asiáticas atingiram.

Como já foi referido, a crise começou oficialmente a 2 de Julho de 1997 com a

desvalorização do bath tailandês, sendo seguida de crises cambiais na Malásia e Indonésia

ainda no mesmo mês e, poucos meses depois, também na Coreia do Sul, num fenómeno

que é normalmenta ddenomminado na literatura de crises financeiras por “contágio”. No

entanto, se se tratam de diferentes economias porque será que temos assistido a fenómenos

de dimensão regional, com repercussões paralelas e equivalentes em vários países?

Várias explicações têm sido avançadas para a compreensão deste mecanismo de

transmissão entre países e uma primeira acaba mesmo por considerar errado o termo

"contágio", já que considera que estes fenómenos paralelos, de igual natureza e em

economias da mesma região, são provocados por "Choques Comuns". Assim, se várias

economias apresentam graus e elementos semelhantes de vulnerabilidade a um choque

determinado e comum, será natural que estas apresentem um padrão semelhante de

fenómenos. De facto, várias economias asiáticas apresentavam volumes relativamente

elevados de dívida denominada em dólares, bem como políticas cambiais de estabilidade

face a esta moeda, pelo que podemos interpretar crises cambiais em paralelo como réplicas

do mesmo distúrbio ou perturbação, e não como fruto de um qualquer mecanismo de

transmissão entre as economias.

De um outro ponto de vista, a concorrência internacional nos mercados de produtos

pode, também ela, estabelecer um mecanismo de transmissão de crises, já que a

desvalorização da moeda de um país pode enfraquecer o comportamento das exportações

de outros países. Se uma “desvalorização competitiva” diminuir a capacidade de outras

economias sustentarem um défice na balança de transacções correntes, as suas moedas

ficam igualmente mais vulneráveis a um ataque especulativo, ou pelo menos, a deterioração

dos seus fundamentais pode diminuir a vontade política de manter determinada paridade.

23 Radelet and Sachs (1998) estimam que as saídas de capital dos Asean-5, na segunda metade de 1997,de 34 biliões de dólares, o equivalente a um choque negativo sobre o PIB de 3,6%.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

28

Se tal âncora deixar de existir, será o próprio mecanismo económico a provocar a

desvalorização das moedas. A existência deste mecanismo de transmissão não depende da

existência de grandes trocas comerciais entre as economias envolvidas, bastando que o

padrão de exportações seja semelhante e que os mercados internacionais compradores dos

seus produtos sejam os mesmos.

Além destas ligações que se estabelecem ao nível do comércio internacional,

economias diferentes revelam-se interdependentes se se financiam junto dos mesmos

agentes ou instituições do sistema financeiro internacional, sendo este um mecanismo de

transmissão normalmente considerado como determinante na explicação das crises

asiáticas. Uma crise cambial no país A reduz a capacidade dos agentes do sector empresarial

e financeiro, no pagamento do exercício da dívida denominada em moeda estrangeira. As

instituições ou credores internacionais, face a um imediato aumento de crédito “mal

parado”, tentam tornar líquidos activos da mesma natureza que tenham noutras economias

ou até na mesma. Esta operação de refazer um determinado grau de liquidez, pode

provocar quebras significativas no crédito e no financiamento das economias, ou mesmo

catapultar uma crise sistémica. Assim, os agentes do país B ou C acabam por sofrer uma

crise bancária provocada pela crise cambial no país A, especificamente pelos seus efeitos na

liquidez de instituições financeiras internacionais.

Uma outra explicação avançada para a compreensão dos efeitos de contágio de crises

financeiras, tem que ver com a percepção que se estabelece nos mercados. Por vezes,

algumas economias são consideradas em grupo, com características comuns. Apesar de

nestas características não observáveis figurarem considerações de ordem cultural e

sociológica, sem aparentes implicações de ordem económica, parecem determinar a

racionalidade de actos financeiros, cuja raiz estaria na ausência de monitorização e análise

objectiva das economias. Assim, ao iniciar-se uma crise financeira numa economia

integrante de uma região em que se observam padrões culturais, históricos, ou mesmo

linguísticos comuns, um tipo de análise pode estabelecer-se: «se os agentes internacionais,

que financiam essa economia erraram na análise de risco realizada à “saúde” económica do

sistema, que razão existe para pensar que os mesmos erros de análise não se verificam nas

economias “semelhantes” da região? Afinal de contas, são economias “semelhantes”!».

Estabelece-se então a lógica das crises autoalimentadas, onde estes agentes decidem retirar

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

29

os seus capitais (nas suas várias formas) das economias “semelhantes”. A sustentabilidade

da queda enfrentada por estas economias e a evidência empírica vieram a provar que, de

facto, grande parte dos sintomas eram comuns e que a igualdade na punição tinha alguma

razão de ser, embora a vulnerabilidade a uma crise de confiança e ao anúncio de más

notícias24 fosse mais acentuado nalguns países, nomeadamente na Indonésia.

Uma última justificação que avançaremos aqui é a sugerida por Kodres and Pritsker

(1998). Estes autores explicam a existência de contágio financeiro, mesmo na ausência de

factores directamente em comum entre os países, através da informação assimétrica e da

possibilidade de fazer coberturas cruzadas utilizando activos de outros mercados: perante

um choque adverso, os investidores informados poderão vender os seus activos nesse país,

comprando os de outro e fazendo a cobertura destes últimos tomando posições curtas em

activos de um terceiro país.

O efeito de contágio alastra-se assim a uma terceira economia, estando sujeito a ser

amplificado pela existência de informação assimétrica, porque os investidores não

informados não reconhecem se as alterações na procura se devem à reacção do mercado a

choque ou apenas à actuação de investidores com informação priveligiada.

Kodres and Pritsker referem ainda que casos como a crise Asiática, onde o colapso se

dá ao nível do sistema financeiro, se encontram mais susceptíveis a efeitos de spill-over,

como resultado do aumento de informação assimétrica gerado pelos mercados de crédito:

quando a sobrevivência das empresas está intimamente ligada à capacidade destas acederem

a linhas de crédito e os mercados de crédito não se encontram a funcionar em condições,

torna-se difícil obter informações acerca de fontes alternativas, pelo que os conhecimentos

dos investidores informados torna-se mais valioso e acentua a informação assimétrica e,

consequentemente, o contágio.

Olhando para os Asean-525 de uma perspectiva global, os efeitos do virulento contágio

observado reflectiram-se numa pesada punição. Segundo o Instituto de Finanças

Internacionais, o fluxo de capitais líquidos privados que tinha aumentado de 38 biliões de

dólares em 1994 para 97 biliões em 1996, entrou em colapso em 1997, apresentando um

saldo negativo de 12 biliões de dólares - o equivalente a mais de 10% do PIB combinado 24 Kaminsky and Schmukler, 1999 – “What triggers market jitters? A chronicle of the Asian crisis”.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

30

destes países antes do choque. Paralelamente, os créditos dos bancos comerciais, que

haviam crescido de 23 biliões de dólares em 1994 para 56 biliões em 1996, assumiram o

valor negativo de 27 biliões de dólares em 1997 - o correspondente a 8% do PIB agregado.

Verificamos assim que os grandes ajustamentos da taxa de câmbio, o desajustamento

do sector financeiro e dos preços dos activos, o colapso da actividade de investimento

provocado pelo processo de desintermediação e a erosão dos rendimentos e confiança dos

consumidores, não podem ser aliados da extraordinária inversão no fluxo de capitais, em

grande parte explicada pela existência de informação priveligiada, que atacou a região quase

como um todo, dada a rapidez com que se deu o spread da crise entre os países afectados.

3 – Análise da evidência para os Asean-5

Esta secção dedica-se essencialmente a um retrato mais detalhado da evolução de

alguns dos indicadores que melhor parecem reflectir a origem do colapso dos sectores

empresarial e financeiro.

Antes de passarmos a uma análise mais pormenorizada de cada país, o gráfico

apresentado com o valor em índice de cada moeda dá-nos uma boa perspectiva do impacto

25 Coreia, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia.

SPOTs em Índice base 100 a 29/12/95

0

40

80

120

Jan-96 Abr-96 Jul-96 Out-96 Jan-97 Abr-97 Jul-97 Out-97 Jan-98 Abr-98

Won Ringg Rúpiah Bath Peso

Gráfico 2

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

31

que a crise teve, de forma quase instantânea, na globalidade dos países. De destacar o facto

de os primeiros sinais se fazerem notar sobre o baht Tailandês e de o país mais penalizado

ter sido a Indonésia, em grande parte devido à instabilidade política que se instalou neste

país.

Tailândia

A 2 de Julho de 1997, o Baht iniciou um brusco processo de desvalorização face ao

dólar que atingiu cerca de 50% em apenas 6 meses. No pico da crise, um Baht chegou a

valer menos de 0,02 dólares contra cerca de 0,04 dólares antes do começo da

desvalorização. É possível notar alguma recuperação da moeda, no entanto os níveis que

atinge ficam muito aquém dos registado antes do choque e em finais de 2000 rondava

apenas os 0,025 dólares.

A análise da tabela da página 25 demonstra o peso da dívida externa de curto prazo no

total da dívida do país, deixando bem evidente a vulnerabilidade do país ao risco associado

à maturidade. Aliando esta situação à acima descrita, facilmente se compreende o

desequilíbrio dos balanços e a incapacidade das instituições para evitar a entrada num

processo de insolvência.

Coreia

O ataque registado sobre o Won teve a particularidade de se dar de uma forma bastante

drástica. No curto prazo de seis meses, assistiu-se à perda de mais de 50% do valor da

Spot Bath vs US$

0,0150,0200,0250,0300,0350,0400,045

Nov-95 Nov-96 Nov-97 Nov-98 Nov-99 Nov-00

Gráfico 3

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

32

moeda, seguindo-se, um período de recuperação que permitiu a ascenção da moeda até

próximo dos 0,0008 dólares, ainda bastante abaixo dos 0,0013 dólares do pré-crise.

Outro factor que, tal como no caso da Tailândia, teve grande importância na explicação

do elevado número de falências em ambos os sectores, empresarial e financeiro, foi a

percentagem de endividamento de curto-prazo, que nos anos que precederam a crise

ultrapassou significativamente os 50% da dívida total. Veja-se o gráfico de falências, que no

auge da crise atingiram perto de 3500, contra uma média que rondava as 1200.

Indonésia

Este caso, embora tenha muito em comum com os restantes países, revela-se algo

peculiar pelos problemas políticos que lhe estiveram subjacentes e dos quais a Indonésia

ainda não conseguiu recuperar. No entanto, não é a compreensão desse fenómeno que aqui

nos propomos realizar, mas a busca de evidência que comprove a teoria descrita acerca do

colapso em que as economias da região entraram.

Em termos de moeda, a Rupiah revelou-se o caso mais alarmante, chegando a perder

cerca de 75% do seu valor e mantendo-se a esses níveis mesmo no pós-crise, não

evidenciando quaisquer sinais de recuperação. Embora nos restantes países dos Asean-5 o

peso da dívida de curto-prazo na total não tenha atingido proporções tão substanciais

como na Tailândia ou na Coreia, a perda de valor da Rupiah face ao dólar fez com que o

lado do passivo nos balanços das instituições se elevasse na proporção de um para quatro,

Spot Won vs US$

0,0005

0,0006

0,0007

0,0008

0,0009

0,001

0,0011

0,0012

0,0013

0,0014

Jan-92 Jan-93 Jan-94 Jan-95 Jan-96 Jan-97 Jan-98 Jan-99 Jan-00 Jan-01

Koreia Sul - Número Falências

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

Jan-92 Jul-93 Jan-95 Jul-96 Jan-98 Jul-99 Jan-01

Gráficos 4 e 5

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

33

conduzindo a desequilíbrios insustentáveis. O risco do câmbio revelou-se, assim, capaz de

resultados tão nefastos como o da não coincidência das maturidades.

O sector imobiliário merece também especial destaque, pela evidente formação de uma

bolha especulativo até cerca de Agosto de 1997, à qual se seguiu uma forte penalização de

mais de 80% do valor do índice, praticamente sem reacção no sentido de uma recuperação.

Malásia

A Malásia não parece ter sido tão afectada em termos de desvalorização de moeda

como a Indonésia, apresentando uma quebra de cerca de 50%, tal como os restantes países,

no entanto o esboço de reacção dado pelo Ringg não evidencia grande capacidade de

sustentabilidade no pós-crise, embora os dados sejam escassos.

No que respeita ao mercado financeiro, o sector imobiliário apresenta um andamento

semelhante ao verificado na Indonésia, no entanto é ainda possível acrescentar, em relação

ao índice global, que se verificou um queda de cerca de 900 pontos, correspondente a 75%

Spot US$ vs Rupia

0

0,0001

0,0002

0,0003

0,0004

0,0005

Out-96 Abr-97 Out-97 Abr-98 Out-98

Jakarta Property Exchange

0

40

80

120

160

Dez-95 Dez-96 Dez-97 Dez-98 Dez-99 Dez-00

Spot Ringg/USD

0,18

0,23

0,28

0,33

0,38

0,43

Ago-96 Dez-96 Abr-97 Ago-97 Dez-97 Abr-98

Proporty Composite Index

0500

1000150020002500300035004000

Out-92 Out-93 Out-94 Out-95 Out-96 Out-97 Out-98 Out-99 Out-00

Gráficos 6 e 7

Gráficos 8 e 9

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

34

do valor do índice, no curto prazo de dois anos. Deve, porém, ser realçado que durante

1999 é notório um esforço de recuperação, embora pareça ter começado a dar sinais de

saturação ao longo de 2000.

Filipinas

As Filipinas parecem assumir-se como o caso menos grave ou, pelo menos, como

sendo o país onde a evidência se revela um pouco menos, comparativamente com os

restantes países afectados.

A desvalorização do peso assumiu-se como um processo mais gradual, mas que se tem

mantido pelos anos consequentes, fixando-se actualmente em valores que rondam cerca de

metade do nível pré-crise.

Também o mercado accionista foi fortemente penalizado no período da crise, notando-

se uma tentativa de recuperação ao longo de 1999, mas que em meados de 2001 já parece

quase totalmente anulada. No entanto a justificação para a aparente insustentabilidade deste

processo parece residir na falta de uma conjuntura mundial favorável neste último ano e

meio, nomeadamente nos países de quem as Filipinas estão economicamente dependentes.

Spot Peso vs US$

0

0,01

0,02

0,03

0,04

0,05

Jan-92 Jan-93 Jan-94 Jan-95 Jan-96 Jan-97 Jan-98 Jan-99 Jan-00 Jan-01

Philippines Stock Exchange

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

Jan-92 Jan-93 Jan-94 Jan-95 Jan-96 Jan-97 Jan-98 Jan-99 Jan-00 Jan-01

Gráficos 10 e 11

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

35

Conclusão: algumas lições

As consequências das crises Asiáticas tiveram efeitos devastadores para as economias

envolvidas e o grande desafio que agora surge é o de encontrar soluções que permitam uma

rápida recuperação da recessão em que estes países se encontram e voltar a criar condições

para que se retome um caminho de crescimento sustentado.

As metas que deverão agora estar no horizonte passarão necessariamente pelo repensar

de toda a forma de funcionamento e organização do sistema financeiro, aumento da

liquidez na economia, restauração de balanços e pelo limite ao risco moral, através de uma

política que evite a perda do controlo da inflação e estabilize a moeda nacional.

Para tal, será certamente fundamental fazer uso do processo de conhecimento inerente

às crises e que nos permitiu reter algumas lições.

De entre estas, limitamo-nos a avançar as referidas por Sven Sandström, administrador

delegado do Banco Mundial, em 1998: necessidade de uma maior separação entre os

sectores público, financeiro corporativo; instituição de uma maior transparência e

disponibilização de melhor informação acerca desses sectores; e compreender que mesmo

países com uma performance de crescimento muito forte, podem ver falhados os seus

objectivos económicos pela corrupção e fraquezas no sector financeiro e funcionamento

corporativo. Muitas outras lições poderiam ainda ser retiradas, mas não é esse o objectivo

do estudo aqui realizado e esta breve referência deve-se apenas de denotarem que a sua

interiorização no processo de reconstrução destas economias, poderá evitar a criação de

igual conjuntura ao nível dos sectores responsáveis pelo despoletar da crise.

Estamos cientes de que neste trabalho ficam ainda por analisar outras teorias

explicativas da recessão que atingiu o Leste Asiático em 1997-8, no entanto pensamos ter

focado as mais coerentes e globalmente difundidas explicações teóricas. Quanto à evolução

destes países no pós-crise e a lições, muito haveria ainda a acrescentar, mas não é esse o

objectivo do estudo aqui realizado e a referência a estas últimas deve-se apenas ao facto de

que a sua interiorização no processo de reconstrução destas economias, poderá evitar a

criação de igual conjuntura, ao nível dos sectores responsáveis pelo despoletar da crise.

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

36

ANEXOS

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

37

Anexos e tabelas: fontes dos dados: FMI, Banco Mundial e Bloomberg.

Tailândia

0

20

40

60

80

100

120

Dez-95 Dez-96 Dez-97 Dez-98 Dez-99 Dez-00

Spot Bath/Usd TSEI

Tailândia

Thai Stock Exchange

0

500

1000

1500

2000

J-92 J-93 J-94 J-95 J-96 J-97 J-98 J-99 J-00 J-01

IndonésiaIndonésia: Stock Exc; Property Exc e Câmbio

0

40

80

120

160

200

Dez-95 Jun-96 Dez-96 Jun-97 Dez-97 Jun-98

JSE JPE RUSD

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

38

Indonésia

Jakarta Stock Exchange

200300400500600700800

Dez-95 Dez-96 Dez-97 Dez-98 Dez-99 Dez-00

Malásia

0

20

40

60

80

100

120

140

160

Dez-95 Jun-96 Dez-96 Jun-97 Dez-97

KLCI Property Composite SPOT Ringg-USD

Malásia

Malaysia Stock Exchange (Kuala Lumpur Index)

200

400

600

800

1000

1200

1400

Out-92 Out-93 Out-94 Out-95 Out-96 Out-97 Out-98 Out-99 Out-00

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

39

KoreaÍndice de base 100 (bolsista, construção e cambial)

0

20

40

60

80

100

120

140

Jan-96 Jul-96 Jan-97 Jul-97 Jan-98

KOSPI KOSPCONS Won

Korea

Korea Stock Exchange

200

400

600

800

1000

1200

Jan-92

Jan-93

Jan-94

Jan-95

Jan-96

Jan-97

Jan-98

Jan-99

Jan-00

Jan-01

Korea

Korea Construction Index

0

100

200

300

400

500

600

700

Jan-92 Jan-93 Jan-94 Jan-95 Jan-96 Jan-97 Jan-98 Jan-99 Jan-00 Jan-01

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Crises Financeiras: O Caso Asiático

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KoreaKoreia Sul - Taxa de Desemprego

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Jan-92 Set-93 Mai-95 Jan-97 Set-98 Mai-00

Philippines

0

40

80

120

160

Dez-95 Jun-96 Dez-96 Jun-97 Dez-97 Jun-98 Dez-98

Stock Exchange Spot Peso

IndonésiaIndonésia - Importações por destino

Data Total USA Sing Thail HK Japan Malay Outros

31-01-1997 3.721 10,7% 11,7% 2,0% 0,6% 17,4% 2,7% 54,9%

30-11-2000 3.574 10,0% 7,6% 3,2% 0,9% 17,3% 2,7% 58,3%

Indonesia - Exportações por destino

Data Total USA Sing Thail HK Japan Malay Aust Outros

31-01-1997 4.243 12,6% 10,4% 1,5% 2,4% 28,5% 1,7% 2,5% 40,4%

31-10-2000 5.563 12,4% 9,8% 1,5% 2,5% 23,5% 3,2% 2,6% 44,5%

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Referências bibliográficas:

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