Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século

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Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. José Elenito Teixeira Morais Márcio Bacelar Klênia Fonseca Dohanik João del–Rei História da Psiquiatria Maristela Duarte

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Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século.

José Elenito Teixeira Morais Márcio BacelarKlênia Fonseca Dohanik

Universidade Federal de São João del–Rei História da Psiquiatria Maristela Duarte

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SÉRGIO CARRARA, PROFESSOR DE PSIQUIATRIA ACREDITA SER A LOUCURA UMA LINGUAGEM UTILIZADA PARA FINS DE CONTROLE SOCIAL NA SUA INTERFACE PARA O CRIME.

ADOTA DOIS CONCEITOS:

CRIME- DOENÇA : OCUPA-SE DA PSIQUIATRIA ALIENISTA FRANCESA DO SÉC XIX, ATRAVÉS DAS MONOMANIAS, DE JEAN ÉTIENNE DOMINIQUE EQUIROL, E DAS DEGENERAÇÕES DE BENÉDICTE AUSGUSTIN MOREL.

CRIME-ATRIBUTO : SE OCUPA DA ANTROPOLOGIA CRIMINAL ITALIANA DA SEGUNDA METADE DO SÉC XIX POR ENRICO FERRI, CESARE LOMBROSO E RAFAELLE GAROFALO.

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CRIME E LOUCURA ORGANIZA UM PAINEL DE DISCUSSÕES ENTRE PSIQUIATRAS ALIENSITAS BRASILEIROS COM A MEDICINA LEGAL E O DIREITO PENAL, E TEM COMO ROTEIRO POLÊMICAS ENVOLVENDO UM JOVEM HOMICIDA, CUJO CRIME FOI COMETIDO EM ABRIL DE 1896.

O AUTOR ORGANIZOU O CONTEXTO NO QUAL APARECE EM 1903, O MANICÔMIO JUDICIÁRIO NO BRASIL COMO PROPOSTA OFICIAL, EVENTO QUE ELE CONSIDEROU, UM “MONUMENTO AO TRIUNFO DA PSIQUIATRIA”.

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CARRARA REVELA SUA INEXPERIÊNCIA, INFORMANDO QUE NUNCA HAVIA ENTRADO NUM MANICÔMIO JUDICIÁRIO.

DEDICA-SE A PROBLEMÁTICA DO CRIME NO FINAL DO SÉCULO XIX, INÍCIO DO SÉC XX, ONDE ESTE FOI UM TEMA DE GRANDE INTERESSE NÃO APENAS DO “MUNDO CIENTÍFICO”, MAS TAMBÉM DA IMPRENSA POPULAR E DO ROMANCE POLICIAL.

CONSIDERA DENTRE AS CLASSIFICAÇÕES DOS CRIMINOSOS, A DO ITALIANO ENRICO FERRI, COMO A MAIS AMPLAMENTE ACEITA: “CRIMINOSOS NATO”, “CRIMINOSOS LOUCOS”, “CRIMINOSOS POR PAIXÃO”, “CRIMINOSOS POR HÁBITO”.

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O CRIMINOSO NATO:

CLASSIFICAÇÃO DE LOUCOS DE ENRICO FERRI: . CRIMINOSOS NATOS OU DE ÍNDOLE: PRECOCES E

REINCIDENTES NO CRIME E PORTADOR DDE ESTIGMAS. . CRIMINOSOS LOUCOS: LOUCOS MORAIS, LOUCOS

RACIOCINANTES, IDIOTAS, MANÍACOS PERSECUTÓRIOS, EPILÉTICOS DEGENERADOS, ETC.

. CRIMINOSOS DE OCASIÃO: INDIVÍDUOS DE TENDÊNCIA HEREDITÁRIA AO CRIME POUCO EXPRESSIVA, APARECENDO APENAS MOTIVADA OCASIONALMENTE.

. CRIMINOSOS POR PAIXÃO: INDIVÍDUOS CUJOS ATOS CRIMINOSOS SERIAM OCASIONADOS POR TEMPERAMENTO INDIVIDUAL SANGUÍNEO E NERVOSO.

. CRIMINOSOS POR HÁBITO: PRODUTOS DE UM MEIO SOCIAL PERVERSO, QUE FAZIAM DO CRIME UMA PROFISSÃO, SENDO GERALMENTE REINCIDENTES.

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CONCLUI-SE QUE OS ADEPTOS DA ESCOLA POSITIVA DE DIREITO PENAL ENTENDIAM SER NECESSÁRIO FAZER, EM RELAÇÃO AOS CRIMINOSOS, O MESMO QUE OS ALIENISTAS JÁ HAVIAM FEITO COM OS LOUCOS. É DENTRO DESTE ESPÍRITO QUE CARRARA ABRE ESPAÇO QUE DESEJAVA PARA COLOCAR EM TELA O CRIMINOSO COMO OBJETO DA PATOLOGIA E DA ANTROPOLOGIA CRIMINAL.

COMO OBJETO DA PATOLOGIA, O CRIMINOSO É EXAMINADO ATRAVÉS DAS MONOMANIAS E DAS DEGENERAÇÕES.

Em psiquiatria, monomania (do grego monos, "um", e mania, "mania") é um tipo de paranóia na qual o paciente tem uma única idéia ou tipo de idéias.

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Apoiando-se em Henry Maudsley, psiquiatra inglês no final do séc xix, carrara nos mostra as monomanias raciocinantes e as monomanias instintivas. Ressalta que as primeiras, na inglaterra era conhecidas como loucura moral.

Ao juntar as monomanias (delirantes, raciocinantes e instintivas), crime e loucura nos proporciona um cenário para a apreciação do crime-doença como espécie de “culpa sem razão” ou de “uma razão sem culpa”.

A abordagem sobre as degenerações nos mostra a importância da etiopatogenia em medicina e o conduz a acompanhar a teoria de morel sobre hereditariedade e loucura.

Assim crime e loucura nos mostra, como as monomanias viram degenerações, só que agora com estatus etiopatogênico, hereditário. O louco moral vira degenerado moral.

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CARRRA NOS PROPORCIONA UMA REFLEXÃO PARA O CONCEITO DE CRIME –DOENÇA, AGORA MAIS DE ACORDO COM O PENSAMENTO MÉDICO DA ÉPOCA, QUE NO DUALISMO CARTESIANO JÁ HAVIA SE DECIDIDO PELO RECUCIONISMO BIOLÓGICO, E QUE NO PLANO DAS INFLUÊNCIAS MAIS RECENTES SENTIA A PRESENÇA DE AUGUSTE COMTE.

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NA ABORDAGEM SOBRE O CRIMINOSO NATO, UM DOS AUTORES DIRETAMENTE ENVOLVIDO NAS DISCUSSÕES ENTRA EM CENA: CESARE LOMBROSO.

SERGIO CARRARA RESSALTA A UTILIZAÇÃO DA TEORIA DA DEGENERESCÊNCIA A SERVIÇO DO ATIVISMO E DA INVOLUÇÃO POR LOMBROSO, QUE A PARTIR DAÍ, TRAÇOU O PERFIL DO CRIMINOSO NATO CRIADO POR FERRI.

É DENTRO DESTA RELAÇÃO MORELOMBROSIANA, QUE CRIME E LOUCURA, REVELA AO LEITOR O IMPACTO SOFRIDO PELA NASCENTE PSIQUIATRIA BRASILEIRA: “O QUE FAZER DELES (CRIMINOSOS NATOS OU DEGENERADOS?”). “PARA ONDE ENVIÁ-LOS?”

VEMOS NA MEDIDA EM QUE VAI NOS CONTANDO ATRAVÉS DOS JORNAIS DA ÉPOCA A TRISTE SINA DE UM JOVEM HOMICIDA, CARRARA REVELA AS DISCUSSÕES ENVOLVENDO OS ALIENISTAS COM A MEDICINA LEGAL E O DIREITO PENAL.

ONDE SE DESTACA AS POSIÇÕES DO PSIQUIATRA ALIENISTA JOÃO CARLOS TEIXEIRA BRANDÃO E DO MÉDICO LEGISTA RAIUMUNDO NINA RODRIGUES.

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NA ÉPOCA DELES AS ESCOLAS DE PSIQUIATRIA MAIS RESPEITADAS DO MUNDO ERAM AS FRANCESAS E ALEMÃS. E EM AMBAS AINDA SE ACREDITAVAM EM DEGENERAÇÕES.

NESTA MESMA ÉPOCA OS NEGROS, COISIFICADOS DURANTE SÉCULOS NO BRASIL, MAL SE IDENTIFICAVAM COMO HOMENS LIVRES NESTA PASSAGEM DO SÉCULO XIX. O DNA ENTÃO SÓ VEIO EM 1945 E SUA APLICAÇÃO AOS ESTUDOS DA EVOLUÇÃO HUMANA AGORA, EM 1984.

EM CRIME E LOUCURA O AUTOR TEVE DE ESTAR ATENTO PARA ESTA CONTEXTUALIZAÇÃO.

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CARRARA DEIXA TRANSPARENTE QUE A POSIÇÃO DE TEIXEIRA BRANDÃO, DE SEPARAR A CONVIVÊNCIA DO LOUCO COMUM COM O LOUCO CRIMINOSO, FOI MAJORITÁRIA NA PSQUIATRIA ALIENISTA BRASILEIRA. E É ALGO HISTÓRICO E SOCIAL IMPORTANTE PARA O SURGIMENTO DO MANICÔMIO JUDICIÁRIO NO BRASIL. CRIME E LOUCURA CONSIDERA ESTE EVENTO COMO UM “MONUMENTO AO TRIUNFO DA PSIQUIATRIA”.

O ÊXITO QUE A PSIQUIATRIA OBTEVE AO SEPARAR O LOUCO COMUM DO LOUCO CRIMINOSO PODE SER VISTO COMO UM TRIUNFO DELA.

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NA SUA INCAPACIDADE DE DAR CONTA SOZINHA DO PROBLEMA, A NASCENTE ESPECIALIDADE MÉDICA CHAMOU, LITERALMENTE A POLÍCIA, PARA GROSSO MODO RESUMIR. SE TIVESSE CONTINUADO NO MANICÔMIO JUDICIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, ALÉM DE PESQUISADOR, SÉRGIO CARRARA TERIA TIDO OPORTUNIDADE DE ENTENDER MELHOR O SIGNIFICADO DA RELAÇÃO COMPLICADA QUE ELE VIU, ENTRE TERAPEUTAS E GUARDAS, COMO HERANÇA DESTA FRAGILIDADE QUE AINDA HOJE SE PRONUNCIA.

ATUALMENTE, O PROBLEMA DO CIRME-DOENÇA CONTINUA SENDO DESAFIADOR PARA A PSIQUIATRIA, SOBRETUDO SE CAIR NO ESPAÇO DOS TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL.

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A “Moderna Ciência Penal” e a Psiquiatria Forense

 

Introdução: Itinerário para o estudo da Psiquiatria Penal

 “Guarda/ enfermeiro, presos/ pacientes, pena/ tratamento,

hospital/ prisão: é no fio dessa ambiguidade estrutural que se desenrola o dia-a-dia de um manicômio judiciário, conforme outros autores já descreveram” (Carrara, 1987; Pereira, 1979).

O manicômio judiciário é uma instituição recente no Brasil e, segundo o autor, ela é o lugar de realização do consórcio Psiquiatria-Direito Penal.

No intuito de investigar a lógica de tal junção o autor propôs um itinerário em três etapas:

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a primeira consistiu no exame da história interna do que ele considerou como “triunfo da interdisciplinaridade” entre a Psiquiatria e Direito. Nesse sentido, o autor buscou seguir o percurso do discurso científico da psiquiatria forense no Brasil. Ele demonstra o duplo movimento da psiquiatrização do crime e criminalização da loucura. A obra de Heitor Carrilho também será examinada, já que boa parte dela é dedicada à psiquiatria legal.

na segunda etapa o autor examinou dois conceitos jurídicos, quais sejam: o de inimputabilidade e periculosidade. Ele pretendeu focalizar o uso desses conceitos e como eles como sustentáculos do discurso penal.

a terceira parte examinou, nas palavras do autor: o código penal atual, os efeitos de sua aplicação, suas contradições, possibilidades de mudança legal, e a função desempenhada pelo enclave psiquiátrico penal no sistema assistencial como um todo.

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“A Moderna Ciência Penal” e a Psiquiatria Forense: fundamentos originários dessa intersecção discursiva no Brasil

•“A psiquiatria penetrou na esfera da ciência penal, resolvida a modificá-la profundamente”.

•Foi copiando dos doentes criminosos, aplicando o crime ao delinquente para tirar uma conclusão mais próxima da verdade que a psiquiatria pôde penetrar com vocação tão decidida na justiça penal.

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•Franco da Rocha foi contra o código penal de 1890, baseado no livre arbítrio e centrada no delito. Ele se dedicou ao estudo do criminoso alienado. Segundo o autor: “aí vinham os habeas-corpus e até requerimentos ao Supremo Tribunal Federal: ninguém sabia o que fazer, e tudo por falta de um lugar especial para a colocação de tais pacientes”. Lugar especial que se construiria no Brasil, como instituição concreta médico-penal, entre os anos de 20 e 30, mas que veio se construindo, como intersecção ativa dos discursos psiquiátrico e judiciário, ao longo das três primeiras décadas desse século.

•O julgamento de Febronio no Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro marcou um momento, para a psiquiatria forense, de afirmação triunfante entre a Psiquiatria e a Justiça. A questão da criminogênese é marca definitiva do discurso psiquiátrico do período. Ela está em Juliano Moreira, Afrânio Peixoto, A Austregésilo, Carlos Penafiel, Franco da Rocha, Pacheco e Silva, em vários autores menos influentes, e sistematicamente em Heitor Carrilho.

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•Escola Antrpológica de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, através de Afrânio Peixoto, influenciaram Heitor Carrilho.

•Carrilho estava destinado a construir os fundamentos “clínicos” da psiquiatria forense no Brasil, ou seja, ele foi grande responsável em dar condições para a interdiscursividade Psiquiatria/ Justiça.

•A ambição da Escola Antropológica não era apenas a perícia criminal. Arthur Ramos recomendava que “o crime patológico não deve ser estudado somente para simples fins periciais de apuração esquemática de responsabilidade”, porque “ele fornece um material magnífico ao estudo dos determinantes do crime em geral”

•Para Josué de Castro tal escola tem como sua característica principal o fato de ter unido a Psicologia social à Antropologia Cultural, enfatizando, dessa forma, as relações entre o indivíduo e seu grupo cultural.

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•O absurdo da conduta humana, para Carrilho, não era explicável pela epilepsia, ou seja, não a tinha como etiologia. E 1919, em um longo artigo ele vai enfatizar os aspectos médico-legais que foi iniciado por Afrânio Peixoto, no início da escola de Nina Rodrigues, sobre Epilepsia e Crime. No mesmo ano ele apresentou o caso clínico do “malsinado homem-fera”.

•Ele também articula os conceitos da teoria psiquiátrica do crime em outro ensaio sobre as parafrenias.

•O que se buscava agora era a necessária objetividade que respondesse não à teoria do livre arbítrio do direito clássico, mas à das características mórbidas, psicopatológicas, do sujeito infrator.

•Carrilho enumerou diversos fatores dinâmicos da criminologia.

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•A “parafrenia”, diagnóstico que que incorporava a “paranóia crônica” de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto e todos os antigos delírios sistematizados crônicos, do gênero perseguido-perseguidor, funcionava à perfeição para uma teoria psiquiátrica do homicídio.

•Carrilho chamou a atenção para a temibilidade.

•Ele tratou da “defesa social contra a ação dos parafrênicos”, nos quais se devia os princípios de irresponsabilidade absoluta.

•O autor em outro contingente de enfermos inaparentes, quais sejam: os epiléticos, os quais constituíram o objeto de sua tese de 1929, intitulado “Estudo clínico das epilepsias emotivas”.

•“Se a sociedade não tem o direito de punir os anômalos morais perigosos porque eles representam organizações mentais nativamente irregulares, tem contudo o dever de se livrar de seus malefícios” (CARRILHO).

•Profilaxia Social.

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•Defesa do Manicômio Criminal e psiquiatrização das prisões.

•Profilaxia Social.

•A tese com que Heitor Carrilho concorreu a Academia Nacional de Medicina em 1930, “Estudo clínico das epilepsias emotivas”, é uma aplicação do conceito de constituição “hiper-emotiva” de Dupré ao esforço de caracterização de “formas atípicas” de epilepsia.

•Se, antes, tratava-se de procurar dementes precoces, paralíticos gerais e parafrênicos, e não só os epiléticos, agora trata-se de investigar a existência de epilepsia naqueles sujeitos onde a doença é apenas um ingrediente constitucional, uma decorrência presumível da “constituição psíquica degenerativa”.

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•Sobre a psiquiatria forense, trata-se de um trabalho “de intuitos exclusivamente clínicos”; daí que o autor se eximirá de considerações “relativas à capacidade de imputação destes indivíduos”, e àquelas que “se prendem à sua temibilidade para os efeitos elevados da defesa social contra possibilidade de novos delitos”.

•Nesta clínica os que não verdadeiramente epiléticos são manejados permanentemente, além de se recomendar os benefícios da higiene mental individual, visando diminuir as emoções, evitando as influências tóxicas, sobretudo do álcool.

•Prognóstico da existência

•o conceito de degeneração e suas vantagens

•Crime psiquiatrizado e loucura criminalizada são os eixos temáticos que estarão subjacentes à formulação jurídica e às práticas institucionais da “moderna ciência penal”. 

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O LOUCO INFRATOR E A LEI PENAL

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1- Sobre a inimputabilidade

“Para reconhecer que um homem é louco a ponto de escapar da sanção da lei, não é suficiente que ele tenha o espírito perturbado e tenha em seus atos qualquer coisa de inexplicável; é necessário que ele esteja totalmente privado de inteligência e de memória , e não saiba mais sobre o que fez uma criancinha, um bruto ou uma besta selvagem. Eis aí os seres que a lei não pune jamais”. (Processo de 1723)(MAUDSLEY, H. Le crime et la folie. 5ª edição francesa. Félix Alcan, Paris, 1888, págs. 86 e 87)

OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS: INIMPUTABILIDADE E PERICULOSIDADE

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1.1 Culpabilidade, imputabilidade

Crime é o fato antijurídico causado pela ação ou omissão de um agente, que queria fazê-lo (crime doloso) ou, apesar de não desejá-lo, deu causa a um resultado previsível (crime culposo).

Culpabilidade = dolo e culpaTrês requisitos se exigem da culpabilidade:a) Imputabilidade,b) Possibilidade de conhecimento da ilicitude ou

antijuridicidade do fato, ec) Exigibilidade de conduta diversa.

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1.2 Inimputabilidade por motivo psiquiátrico

De acordo com o Código Penal em vigor (1992), são três as causas de inimputabilidade do sujeito:

- Art. 26: doença mental, desenvolvimento mental incompleto e desenvolvimento mental retardado.

- Art. 27: menoridade – presume-se legalmente o desenvolvimento mental incompleto no menor de 18 anos.

- Art. 28: embriaguez fortuita completa (Parágrafo 1º)

Apenas o exame pericial poderá determinar a inimputabilidade do anômalo psíquico.

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1.3 Responsabilidade atenuada

O parágrafo único do artigo 26 dispõe que:“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o

agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento”.

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1.4 Medida de segurança

São providências de cunho preventivo individual destinadas a uma dupla finalidade: proteger a sociedade dos inimputáveis perigosos, e tratá-los até que esse cesse a periculosidade.

Por prazo indeterminado, fixado o prazo mínimo de acordo com a natureza do delito.

São duas as espécies de medida de segurança:a) A detentiva (implica a internação por tempo

indeterminado em Casa de Custódia e Tratamento ou Manicômio Judiciário);

b) A restritiva (é o tratamento obrigatório em ambulatório psiquiátrico).

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2. Periculosidade: “Centro do Sistema Penal”Periculosidade para os inimputáveis = preconceito

contra o louco e sua segregação nos manicômios judiciários.

2.1 Periculosidade e Escola PositivaFinalidade da pena: a) fim em si mesma; b)

repressão ou retribuição ao infrator; ou preventiva.De acordo com a interpretação positivista penal: É

perigoso o sujeito que tem em si, por enfermidade ou defeito, ou por hábito ou por outra causa, a potência, a aptidão de ser causa de ações nocivas ou perigosas; é ele o novo centro da cena na nova justiça penal.

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2.2 periculosidade delitual e pré-delitual

Passou a servir de argumento para uma ampla redefinição da função repressiva do Estado, da natureza das penas, da identificação dos sujeitos a serem objeto da ação – ou do cuidado – da Justiça.

Enrique Aftalión, jurista clássico, criticava com bom humor a pretensão da teoria periculosista : “Podemos colocar todo mundo na prisão por medida preventiva, e não haverá mais crime para cometer”.

Implica no julgamento da periculosidade: vida pregressa, comportamento pós-delito, qualidade dos motivos e por fim o crime. Atingindo assim: marginalizados, degenerados, anormais e alcoolistas.

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A periculosidade dos alienados – “mesmo que não tivessem sido submetidos a processos” – era um pressuposto, e não deve nos surpreender.

Foucault, interpretando o escândalo que é a teoria da periculosidade, afirma: “ A noção de periculosidade significa que o indivíduo deve ser considerado pela sociedade ao nível de suas virtualidades e não dos seus atos; não ao nível das infrações efetivas a uma lei também efetiva, mas das virtualidades de comportamento que elas representam”.

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Psiquiatras e juízes = ausência de entendimentoDe acordo com um psiquiatra: “o juiz é lógico-

formal, normativo, sua visão é de algo produzido pela norma legal; nós somos médicos, nosso critério é a observação dos fatos da natureza, não temos o mesmo tipo de certezas”.

PERITOS, JUÍZES E LOUCOS INFRATORES NO MANICÔMIO JUDICIÁRIO E FORA DELE

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1. As imperfeições evidentes da legislação penal

Com a revisão de 1984, o Código Penal mostra que:É característica da pena que seria aplicada, caso o

agente fosse imputável, que determinará o tipo de tratamento. São critérios heterogêneos, e uma contradição evidente: internação equipara-se a reclusão, num sistema de equivalência que demite a inimputabilidade.

É que o determinante base do texto legal não é a inimputabilidade, “essa conquista dos psiquiatras”, mas a provável futura delinquência. O fundamento é a periculosidade.

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2. Funções do Manicômio Judiciário

Em toda Penitenciária existe uma Comissão Técnica de Classificação e Tratamento (CTCT), criada pela legislação de 1940 e da qual obrigatoriamente faz parte um psiquiatra e um psicólogo. Ela é responsável por analisar pedidos de livramento condicional ou indulto que dirá se o interno reúne condições para o convívio social e demonstra evidências de que não voltará a delinquir.

Nos processos onde há alegação de inimputabilidade, o autor do delito é encaminhado ao Manicômio Judiciário. Muitas vezes ele é obrigado a “internar-se”, até por períodos longos, para aguardar a realização da perícia.

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São funções do Manicômio Judiciário:a) Local para realização de perícias psiquiátricas

para a justiça penal;b) Local para cumprimento de medida de

segurança;c) Local para refugiar-se das penas da lei;d) Local para albergar os intratáveis do sistema

penitenciário; ee) O manicômio Judiciário como última cidadela

para os casos-limite do sistema psiquiátrico.