Cotas no ensino superior - UFPR

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  1 Impactos e Dilemas da Adoção de um Sistema de Cotas na UFPR Liliana Porto 1  Paulo Vinícius Silva 2  Marilene Otani 3  1. O proce sso de implementaçã o do sistema  As discussões em torno da implantação de um programa de ações afirmativas na Universidade Federal do Paraná iniciaram-se em abril de 2001, a partir de seminário promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. Em junho de 2002, o então reitor nomeou Comissão vinculada ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão para organização de propostas com vistas ao vestibular de 2003   entrada em 2004. Após um ano, contudo, a comissão de conselheiros havia produzido pouco. Foi criada nova comissão, formada por professores(as), funcionárias e alunos que desenvolviam suas pesquisas e reflexões em torno da temática racial. Entre junho e agosto de 2003, esta segunda comissão elaborou uma versão preliminar de proposta de plano de metas, a ser discutida com os Conselhos Setoriais e posteriormente avaliada pelo Conselho Universitário. De agosto a dezembro de 2003, os membros da comissão debateram a citada proposta com todos os doze Conselhos Setoriais (órgãos legislativos dos Setores   Faculdades), com o Conselho da Escola Técnica UFPR e com o Diretório Central dos Estudantes. As entidades representativas de técnicos(as) e de professores(as) 4  não atenderam aos pedidos de co-organizarem eventos para discussão, restringindo-se portanto a discussão com estas categorias a sua representação nos Conselhos. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, levando em conta os debates precedentes, a comissão redigiu relatório e o apresentou à Reitoria, que levou o tema e a proposta de Plano de Metas, já aprimorada, ao Conselho Universitário. Contendo algumas modificações em relação à proposta inicial apresentada pela comissão (que tinha como foco as ações afirmativas para negros), a implantação do sistema de cotas na UFPR se deu a partir do estabelecimento e aprovação do Plano de Metas de Inclusão Racial e Social pelo Conselho Universitário, ocorridos em 10 de maio de 2004 (Resolução n. 37/04 do COUN). Segundo o Art. 1º. desta resolução, são reservadas 20% 1  Professora Adjunto de Antropologia da UFPR, membro do NEAB/UFPR (Núcleo de Estudos Afro- Brasileiros) e coordenadora de grupo de pesquisa sobre ações afirmativas na universidade no interior do Convênio UFSCar/UFPR. 2  Professor Adjunto de Educação da UFPR, presidente do NEAB/UFPR (Núcleo de Estudos Afro- Brasileiros) e coordenador do Convênio UFSCar/UFPR. 3  Estudante do Curso de Ciências Sociais da UFPR e bolsista de Convênio UFPR/UFSCar para pesquisa na área de ações afirmativas. 4  A paritr deste ponto será adotado o genérico masculino, como forma de aliviar o texto.

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O texto analisa a implantação do sistema de cotas na UFPR entre 2005 e 2010, apontando as mudanças e dilemas enfrentados no processo. Traz, também, uma avaliação quantitativa preliminar dos impactos do sistema.

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    Impactos e Dilemas da Adoo de um Sistema de Cotas na UFPR

    Liliana Porto1

    Paulo Vincius Silva2

    Marilene Otani3

    1. O processo de implementao do sistema

    As discusses em torno da implantao de um programa de aes afirmativas na

    Universidade Federal do Paran iniciaram-se em abril de 2001, a partir de seminrio

    promovido pela Pr-Reitoria de Extenso e Cultura. Em junho de 2002, o ento reitor

    nomeou Comisso vinculada ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extenso para

    organizao de propostas com vistas ao vestibular de 2003 entrada em 2004. Aps um

    ano, contudo, a comisso de conselheiros havia produzido pouco. Foi criada nova

    comisso, formada por professores(as), funcionrias e alunos que desenvolviam suas

    pesquisas e reflexes em torno da temtica racial. Entre junho e agosto de 2003, esta

    segunda comisso elaborou uma verso preliminar de proposta de plano de metas, a ser

    discutida com os Conselhos Setoriais e posteriormente avaliada pelo Conselho

    Universitrio.

    De agosto a dezembro de 2003, os membros da comisso debateram a citada proposta

    com todos os doze Conselhos Setoriais (rgos legislativos dos Setores Faculdades),

    com o Conselho da Escola Tcnica UFPR e com o Diretrio Central dos Estudantes. As

    entidades representativas de tcnicos(as) e de professores(as)4 no atenderam aos

    pedidos de co-organizarem eventos para discusso, restringindo-se portanto a discusso

    com estas categorias a sua representao nos Conselhos. Nos meses de janeiro e

    fevereiro de 2004, levando em conta os debates precedentes, a comisso redigiu relatrio

    e o apresentou Reitoria, que levou o tema e a proposta de Plano de Metas, j

    aprimorada, ao Conselho Universitrio.

    Contendo algumas modificaes em relao proposta inicial apresentada pela comisso

    (que tinha como foco as aes afirmativas para negros), a implantao do sistema de

    cotas na UFPR se deu a partir do estabelecimento e aprovao do Plano de Metas de

    Incluso Racial e Social pelo Conselho Universitrio, ocorridos em 10 de maio de 2004

    (Resoluo n. 37/04 do COUN). Segundo o Art. 1. desta resoluo, so reservadas 20%

    1 Professora Adjunto de Antropologia da UFPR, membro do NEAB/UFPR (Ncleo de Estudos Afro-

    Brasileiros) e coordenadora de grupo de pesquisa sobre aes afirmativas na universidade no interior do Convnio UFSCar/UFPR. 2 Professor Adjunto de Educao da UFPR, presidente do NEAB/UFPR (Ncleo de Estudos Afro-

    Brasileiros) e coordenador do Convnio UFSCar/UFPR. 3 Estudante do Curso de Cincias Sociais da UFPR e bolsista de Convnio UFPR/UFSCar para

    pesquisa na rea de aes afirmativas. 4 A paritr deste ponto ser adotado o genrico masculino, como forma de aliviar o texto.

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    das vagas ofertadas em todos os cursos de graduao, cursos tcnicos e ensino mdio

    oferecidos por esta Instituio, a partir do vestibular de 2005, pelo prazo de 10 anos, para

    afro-descendentes que se enquadrarem como pretos ou pardos, conforme classificao

    adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)5, e outros 20% das

    vagas para estudantes oriundos de escolas pblicas. A opo pela incluso do candidato

    em um dos grupos voluntria e excludente, e independe das respostas do estudante ao

    questionrio scio-econmico que antecede sua inscrio no vestibular (tanto com

    relao a sua auto-classificao racial quanto ao perfil da instituio em que cursou

    ensino fundamental e mdio). No entanto, no caso das vagas para afro-

    descendentes/negros faz-se necessria uma auto-declarao de prprio punho

    identificando o grupo racial a que pertence. Para indgenas, a resoluo prev nmero

    especfico de vagas, a serem preenchidas atravs de processo seletivo especfico,

    segundo demanda intermediada pela FUNAI iniciando com 5 vagas em 2005 e 2006,

    com ampliao para 7 em 2007 e 2008, chegando a dez nos anos subseqentes.

    A Resoluo 37/04 no se restringe a normatizar o sistema de acesso diferenciado a

    grupos especficos, mas tambm aborda a questo da permanncia dos estudantes na

    universidade, bem como a implantao de um sistema de acompanhamento e avaliao

    da nova poltica. Com relao ao primeiro destes temas, define a implementao de

    programa de apoio acadmico e psico-pedaggico e/ou de tutoria para todos os

    estudantes da UFPR que demonstrem dificuldades no acompanhamento das disciplinas,

    independente de sua opo ou no pelo sistema de cotas. Em outras palavras, a opo

    por um sistema de ingresso diferenciado no implica em uma dinmica diferenciada aps

    a entrada na universidade embora programas federais e estaduais, principalmente de

    bolsas, voltados diretamente para cotistas tenham resultado em polticas especficas. J

    com relao ao acompanhamento e avaliao, embora a resoluo definisse a

    implementao de um programa acadmico que produzisse relatrios anuais a serem

    apresentados ao Conselho Universitrio, isto efetivamente no ocorreu. A Comisso

    designada para implementao e acompanhamento do plano, por sua vez, solicitou sua

    recomposio ao reitor em 2009 tanto para atender s modificaes da universidade

    quanto disponibilidade de participao de seus membros mas ainda aguarda tal

    recomposio. Alguns de seus membros, contudo, continuam atuando no sentido de

    acompanhar e avaliar o plano de metas, devido a compromissos e interesses de pesquisa

    prprios6.

    5 Em maio de 2007, atravs da Resoluo 17/07-COUN, esta redao modificada para

    estudantes negros, sendo definidos como negros os candidatos de cor preta ou parda, que possuam os traos fenotpicos que os caracterizem como pertencentes ao grupo racial negro. 6 Caso dos autores deste texto.

  • 3

    Ao longo da sesso, o Pr-Reitor de Graduao informou mudanas no concurso

    vestibular recentemente estabelecidas, fazendo com que passasse a ter duas fases. O

    nmero de vagas para a segunda fase, a partir de ento, passa a ser definido com base

    em um ndice (N) que multiplica o nmero de vagas do curso de acordo com a relao

    candidato/vaga no processo de inscrio. Assim, segundo o Edital 01/2004 do Ncleo de

    Concursos da UFPR:

    Art. 28 Sero convocados para a segunda fase os candidatos melhor classificados na primeira fase em cada curso (independentemente de terem optado ou no pelas vagas de incluso racial e social), em nmero de N vezes o nmero de vagas, assumindo N um dos seguintes valores, dependendo da relao candidato/vaga em cada curso:

    a) N=3, quando a relao candidato/vaga for igual ou inferior a 10; b) N=4, quando a relao candidato/vaga for superior a 10 e inferior a 15; c) N=5, quando a relao candidato/vaga for igual ou superior a 15 e inferior a

    20, ou; d) N=6, quando a relao candidato/vaga for igual ou superior a 20.

    Os candidatos que passam para a segunda fase so considerados aprovados na primeira

    delas. Como se explicita no texto citado, o COUN determinou a adoo de reserva de

    vagas somente entre aprovados na primeira fase, ou seja, nesta h concorrncia

    universal, e o regime de cotas se aplica apenas na segunda fase. Neste sentido, h uma

    mudana significativa e que afeta decisivamente o preenchimento das vagas de cotas

    para negros, como veremos, pois os ndices acima so reduzidos, a partir do vestibular

    2005/20067, passando, segundo o Edital 03/2005, a:

    a) N=2, quando a relao candidato/vaga for igual ou inferior a 5; b) N=3, quando a relao candidato/vaga for igual ou superior a 5 e inferior a

    15; c) N=4, quando a relao candidato/vaga for igual ou superior a 15 e inferior a

    20, ou; d) N=5, quando a relao candidato/vaga for igual ou superior a 20.

    A Resoluo 37/04 prev, ainda, que todos os alunos aprovados no vestibular (segunda

    fase) sejam ordenados em uma classificao geral, sendo preenchidas inicialmente as

    vagas relativas s cotas e havendo posterior preenchimento das vagas restantes com os

    aprovados na classificao geral. Em caso de no preenchimento da totalidade das vagas

    de uma categoria, no momento de implantao do sistema, todas as vagas

    remanescentes seriam preenchidas com os candidatos com melhor resultado na

    classificao geral. Entretanto, a partir da anlise do impacto social relevante e dos bons

    resultados auferidos pelos alunos cotistas entre 2005 e 2007, para o vestibular 2008 foi

    institudo que, havendo vagas remanescentes de uma das cotas, a classificao buscar

    no outro grupo de cotas os aprovados, para somente depois voltar classificao geral.

    Esta medida resultou, na prtica, em um aumento do nmero de vagas para cotistas de

    7 As duas datas indicam que o vestibular foi realizado em 2005, com entrada para 2006. A partir de

    agora, faremos referncia apenas ao ano de entrada. Assim, este seria o vestibular 2006.

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    escola pblica, como ficar claro na anlise a seguir, na medida em que os aprovados por

    cotas raciais no tm atingido o percentual previsto de 20% das vagas e, aps reduo

    das vagas para a segunda etapa resultante da mudana nos ndices descrita acima,

    reduziu significativamente mesmo em relao ao percentual atingido no primeiro

    vestibular com cotas (2005).

    As mudanas acima descritas so resultado da dinamicidade da regulamentao do

    Plano de Metas. Alm disso, se a Resoluo 37/04 define parmetros gerais de

    orientao da adoo de polticas afirmativas para a UFPR, no explicita detalhes do

    processo de implementao, que sero definidos atravs de normatizao especfica

    (sendo os editais de vestibular documentos significativos neste sentido). Nos processos

    dos vestibulares j realizados, portanto, algumas decises operacionais foram tomadas,

    dentre as quais vale a pena citar: 1) definio pela no divulgao pblica nominal dos

    cotistas sendo os nomes dos aprovados reunidos em lista nica; 2) opo destes por

    concorrer pelo sistema de cotas atravs de seleo de categoria pr-definida no ato de

    inscrio para o processo seletivo do vestibular; 3) estabelecimento de uma comisso de

    trs membros, composta por no mnimo um representante da UFPR e representantes do

    Movimento Negro, responsvel pelo processo de avaliao e certificao da auto-

    declarao dos aprovados no vestibular (dependendo desta a homologao da

    matrcula)8; 4) modificao, j citada, do fator de multiplicao que define o nmero de

    vagas para a segunda fase; 5) adoo de processo estendido do vestibular, incorporando

    uma terceira fase (em que tambm no incidem cotas) para os cursos de Matemtica,

    Matemtica Industrial e Estatstica a partir do vestibular 2006.

    Cabe citar, ainda, que a Resoluo 70/08 ampliou as aes afirmativas da UFPR, com a

    reserva de uma vaga por curso de graduao, ensino profissionalizante e ensino mdio

    da universidade para pessoas com deficincia, a partir do processo seletivo 2009.

    A proposta deste texto analisar como a adoo de uma poltica de cotas raciais e de

    escola pblica alterou o perfil dos aprovados nos vestibulares da UFPR, desde sua

    implantao em 2004 (vestibular 2005). Trabalhar, essencialmente, com os dados gerais

    do questionrio scio-econmico, preenchido por todos os candidatos no momento de

    inscrio no vestibular. No abordar, portanto, o sistema de reserva de vagas para

    indgenas ou portadores de necessidades especiais. Alm disso, no considerar as

    matrculas efetivamente realizadas ou aquelas inviabilizadas por problemas documentais

    ou no validao da auto-declarao dos alunos cotistas negros pela Banca de Validao

    8 Esta comisso inserida na Resoluo 37/04, em que o 3 do Art. 1. afirma: A UFPR

    designar anualmente, atravs de Portaria do Reitor, membros da comunidade interna e externa para comporem Banca de Validao e Orientao da AutoDeclarao.

  • 5

    e Orientao da Auto-Declarao. No entanto, como exemplo de um tipo de poltica que

    se instaurou recentemente em vrias universidades do pas, esta anlise de seus

    resultados e das vrias possibilidades de sua regulamentao pode, cremos, contribuir

    para uma reflexo mais ampla mesmo reconhecendo que uma srie de questes

    fundamentais permanecero em aberto.

    2. Os impactos da poltica no perfil dos aprovados no vestibular

    Pensar o sistema de cotas sociais e raciais da UFPR exige que tenhamos em mente ser

    esta a grande poltica de incluso da universidade nos ltimos anos. Assim, propomos

    aqui analisar comparativamente os resultados dos vestibulares da universidade desde

    2004, tentando perceber mudanas no perfil racial e scio-econmico dos aprovados,

    bem como refletir sobre as diferenas entre grupos de aprovados de acordo com a sua

    opo por uma das cotas especficas racial ou social ou pela concorrncia geral. Para

    tanto, como j dito, nos basearemos nos dados dos questionrios scio-econmicos

    preenchidos por todos os candidatos no ato de matrcula no processo seletivo, a partir da

    totalizao realizada pelo Ncleo de Concursos da UFPR. Trs sero os eixos de nossa

    anlise: 1) incluso racial percebida a partir da auto-classificao racial dos

    candidatos/aprovados; 2) incluso econmica baseada nos dados de renda declarados;

    3) incluso social levando em conta a declarao de escolaridade da me dos

    candidatos/aprovados9.

    A. A Incluso Racial

    No que tange incluso racial, a mudana no perfil dos aprovados da UFPR desde 2005,

    quando se inicia o sistema de cotas, evidente e numericamente significativa. No

    primeiro ano das cotas, pode-se observar, segundo os dados apresentados na Tabela 2,

    que houve mais que uma duplicao da presena de negros10 entre os aprovados no

    vestibular. A partir deste ano, embora haja uma reduo, os percentuais continuam muito

    maiores que o ano de referncia de 2004 oscilando entre 14,80% e 16,46%. Mudana

    esta que, como tambm fica claro na comparao com os dados da Tabela 1, no se

    deve a um aumento semelhante de inscritos negros (enquanto os aprovados negros

    sobem de 9,3% do total de aprovados para entre 20,6% e 14,80%, este aumento entre os

    inscritos de no mximo 2,27 pontos percentuais). Em outras palavras, a adoo de

    cotas gera uma democratizao significativa no acesso de negros Universidade Federal

    9 Os dados de escolaridade paterna apresentam resultados similares aos de escolaridade

    materna. Escolhemos trabalhar com apenas uma varivel para simplificar a anlise. 10

    Usamos a categoria negros como correspondente ao agrupamento daqueles que se auto-classificam como pretos e pardos ao responder ao questionrio scio-econmico preenchido no momento de inscrio no vestibular.

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    do Paran, embora o percentual de aprovados permanea bem inferior ao de negros

    entre a populao do estado que , segundo PNAD 2008, de 26,89%.

    Tabela 1: Percentual de inscritos nos processos seletivos da UFPR entre 2004 e 2010, de acordo com auto-classificao racial

    2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Brancos 83,45% 81,53% 82,46% 81,94% 81,64% 81,87% 81,86%

    Negros 12,15% 14,42% 13,10% 14,06% 14,25% 14,12% 14,35%

    Tabela 2: Percentual de aprovados nos processos seletivos da UFPR entre 2004 e 2010, de acordo com auto-classificao racial

    2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Brancos 85,53% 74,68% 80,31% 81,27% 79,37% 79,32% 79,56%

    Negros 9,30% 20,57% 15,30% 14,80% 16,01% 16,46% 16,44%

    Aqui, duas questes se colocam. A primeira delas remete diminuio, tambm

    significativa, que se observa do percentual de negros a partir do ano de 2006 (segundo

    ano de adoo de cotas) e do ligeiro crescimento a partir de 2008, quando ento o

    percentual se estabiliza em pouco mais de 16%. Dois so os fatores que contribuem para

    a reduo de 2005 para os anos subsequentes. Primeiro, a mudana no ndice N que

    define o nmero de vagas para a segunda etapa, que leva a uma reduo mdia de uma

    vez o nmero de vagas de cada curso (com exceo dos cursos que tm entre cinco e

    dez candidatos/vaga, para os quais o ndice permanece o mesmo). Como o nmero de

    inscritos por cotas raciais no alto, esta reduo, que no afeta a concorrncia geral e

    as cotas sociais, impede que negros inscritos por cotas raciais se classifiquem para a

    segunda etapa (pois as cotas no valem para a primeira etapa), e gera uma reduo

    significativa do percentual de vagas preenchidas via cotas raciais. Assim, enquanto em

    2005 13,75% das vagas para cotas raciais foram preenchidas, este nmero caiu para

    8,20% no ano seguinte, chegando a 6,95% em 2009 taxa mais baixa de todos os anos

    considerados.

  • 7

    Tabela 3: Percentual de negros inscritos para o vestibular da UFPR entre 2004 e 2010 que optam por cotas raciais

    Pretos Pardos Negros

    2004 Inscritos 1258 4396 5654

    2005

    Inscritos 1025 5426 6451

    Cotas Raciais 699 1626 2325

    68,20% 29,97% 36,04%

    2006

    Inscritos 835 5205 6040

    Cotas Raciais 561 1221 1782

    67,19% 23,46% 29,50%

    2007

    Inscritos 941 5168 6109

    Cotas Raciais 613 1168 1781

    65,14% 22,60% 29,15%

    2008

    Inscritos 912 5085 5997

    Cotas Raciais 652 1179 1831

    71,49% 23,19% 30,53%

    2009

    Inscritos 914 5233 6147

    Cotas Raciais 629 1198 1827

    68,82% 22,89% 29,72%

    2010

    Inscritos 915 5371 6286

    Cotas Raciais 670 1305 1975

    73,22% 24,30% 31,42%

    Alm disso, se no h uma reduo significativa do nmero de negros inscritos para o

    vestibular, esta reduo ocorre entre negros que optam por cotas raciais. Assim, de

    acordo com a Tabela 3, enquanto, em 2005, 36,04% dos negros inscritos para o

    vestibular da UFPR optam por cotas raciais, este nmero se reduz para entre 29,15%

    (2007) e 31,42% (2010), sendo esta reduo maior entre pardos que pretos (entre estes

    h, inclusive, aumento a partir de 2008)11.

    A reduo descrita ainda mais relevante quando observamos que so as cotas raciais

    que garantem a incluso racial. Com efeito, se a incluso tanto econmica quanto social

    garantida pelos dois tipos de cotas, os dados demonstram que o mesmo no ocorre com

    a incluso racial e isto ao longo de todo o perodo, mesmo com a mudana das normas,

    principalmente com relao aos pretos (pois com relao aos pardos a transferncia de

    vagas das cotas raciais para de escolas pblicas traz para eles benefcios). A adoo

    somente de um sistema de cotas para alunos oriundos de escola pblica continua

    mantendo o perfil branco preferencial dos aprovados. Assim, os negros tm tanto na

    concorrncia geral quanto nas cotas para escola pblica uma taxa percentual de

    11

    Embora esta seja uma questo que exige maiores reflexes, a experincia com a avaliao da auto-declarao talvez seja uma das causas desta reduo, na medida em que os pardos poderiam ter dvidas quanto maneira pela qual seria interpretada sua auto-classificao. Mattos (2008, p. 64) aponta uma grande diferena entre a opo pelas cotas raciais entre pardos e pretos no vestibular da UNEB, questo que pode ser melhor investigada para a UFPR.

  • 8

    aprovao (TA obtida atravs da diviso do total de aprovados pelo total de inscritos)

    claramente menor que a taxa de aprovao dos brancos. Provavelmente h fatores

    sociais complexos nesta menor taxa de aprovao de negros em relao a brancos (e

    amarelos), mas o que aqui nos interessa que, se a incluso racial uma meta, os

    resultados dos vestibulares da UFPR demonstram a necessidade de manuteno das

    cotas raciais.

    Grfico 1: Aprovao percentual de pretos por categoria de inscrio nos vestibulares 2004-2010

    Grfico 2: Aprovao percentual de pardos por categoria de inscrio nos vestibulares 2004-2010

    Nos dois grficos acima fica evidente como so as cotas raciais que garantem a

    aprovao de grande percentual dos pretos que ingressam na universidade, bem como

    a categoria de inscrio que mais aprova pardos apesar de, como vimos na Tabela 3,

    no ser aquela de preferncia dos pardos, que a partir de 2006 optam por ela em menos

    de 25% dos casos. Este aspecto se torna ainda mais evidente se inserimos grficos de

    inscritos e aprovados, pretos e pardos, no primeiro e ltimo vestibulares realizados at o

    momento, aps a implantao de cotas:

    0,00%

    10,00%

    20,00%

    30,00%

    40,00%

    50,00%

    60,00%

    70,00%

    80,00%

    90,00%

    100,00%

    2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Conc. Ger.

    C. Racial

    Escola Pub.

    0,00%

    10,00%

    20,00%

    30,00%

    40,00%

    50,00%

    60,00%

    70,00%

    2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Conc. Ger.

    C. Racial

    Escola Pub.

  • 9

    Grfico 3, 4, 5 e 6 : Distribuio de pretos e pardos, por categoria de inscrio, entre inscritos e aprovados do vestibular 2005

    visualmente explcita a responsabilidade das cotas raciais na incluso tanto de pretos

    quanto de pardos na universidade. Neste caso, mantemos as distines na auto-

    classificao dos negros devido aos resultados distintos para pretos e pardos, tanto em

    termos de opo pelas categorias de inscrio quanto de distribuio de sua aprovao

    por categorias.

    Pretos inscritos no vestibular 2005

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

    Pretos aprovados no vestibular 2005

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

    Pardos inscritos no vestibular 2005

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

    Pardos aprovados no vestibular 2005

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

  • 10

    Grfico 7, 8, 9 e 10 : Distribuio de pretos e pardos, por categoria de inscrio, entre inscritos e aprovados do vestibular 2010

    A considerao dos grficos para o ano de 2010 traz ainda outra observao, que j se

    evidenciava no grfico 2: enquanto no caso dos pretos as cotas para estudantes de

    escola pblica no garantem a incluso ao contrrio, os pretos de escola pblica esto

    entre aqueles que tm a menor taxa de aprovao percentual para os pardos o

    aumento das vagas para cotas de escolas pblicas remanescentes das cotas raciais

    trouxe um aumento em seu ndice de aprovao nesta categoria que contribuiu para o

    aumento de cerca de 1% de aprovao de negros entre todos os aprovados, observado

    aps esta mudana. Mesmo assim, contudo, so as cotas raciais tambm responsveis

    pelo maior ingresso de pardos (embora, como dissemos, no seja esta sua opo

    preferencial no momento da inscrio). Os dados relativos aos vestibulares da UFSC

    (TRAGTENBERG, BASTOS, NOMURA e PERES, 2006) so coincidentes com os aqui

    apresentados, com a diferena que tais autores fizeram simulaes, ao passo que nesse

    artigo a anlise de dados empricos coletados entre 2004 e 2009.

    Toda a discusso acima demonstra, em sntese, o sucesso das cotas raciais na garantia

    do aumento da presena de negros na UFPR, embora, mesmo com o evidente

    crescimento do contingente de aprovados que assim se auto-classifica, os percentuais

    sejam menores que o percentual de negros da populao paranaense em geral. Com

    efeito, como indicamos, a populao negra no Paran de 26,89% (PNAD 2008),

    havendo ainda, apesar das conquistas, uma defasagem de cerca de 10 pontos

    percentuais na representao dos negros na UFPR. Tornar as cotas mais inclusivas

    Pretos inscritos no vestibular 2010

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

    Pretos aprovados no vestibular 2010

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

    Pardos inscritos no vestibular 2010

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

    Pardos aprovados no vestibular 2010

    Geral

    Afro-Desc.

    Esc. Pub.

  • 11

    racialmente, buscando pelo menos reverter a retrao sofrida do primeiro ano de

    implantao do sistema para os seguintes, coloca-se como uma meta relevante para a

    Universidade Federal do Paran. A tabela abaixo, que sintetiza o nmero de cotistas que

    aprovados nos vestibulares da UFPR at o momento, aponta neste sentido, ao

    demonstrar o significativo retrocesso do preenchimento de cotas raciais do primeiro ano

    de implantao do sistema para os seguintes:

    Tabela 4: Nmero de cotistas aprovados nos processos seletivos da UFPR entre 2004 e 2010 e percentual em relao ao total de aprovados.

    COTAS 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 TOTAL

    Escola Pblica

    NO H COTAS

    930 984 985 1264 1572 1604 7339

    22,32% 22,85% 22,29% 28,50% 28,75% 28,74%

    Negros NO H COTAS

    573 353 320 330 380 434 2390

    13,75% 8,20% 7,24% 7,44% 6,95% 7,77%

    Anteriormente discutimos (SILVA; DUARTE e BERTULIO, 2007) que para diminuir a

    desigualdade racial no estado seria adequado que o percentual de negros na

    universidade fosse maior que o percentual de negros no estado, ou, em outras palavras,

    que a razo entre a populao negra no estado e os alunos negros na UFPR fosse menor

    que 1. Em 2004 a UFPR tinha 9,31% (tabela 2) de aprovados negros; a razo era 2,89,

    ou seja, a populao ingressante na UFPR naquele ano foi 2,89 vezes menor que a

    populao negra do Paran. Em 2005 os ingressantes negros foram 20,57% (tabela 2),

    1,31 vezes menor que a populao do estado, ou seja, no primeiro ano das cotas

    aproximou-se mas no atingiu-se a proporo de negros na populao paranaense. O

    estabilizar em cerca de 16% (tabela 2) significa que mesmo com a cotas a entrada de

    alunos negros na UFPR foi 1,65 vezes menor que a populao negra do Paran entre

    2008 e 2010. Significa que se tomarmos os macro-dados relativos populao acima de

    25 anos com curso superior completo diminumos a tendncia a acentuar rapidamente o

    fosso entre brancos e negros, mas ainda no conseguimos nem caminhar na direo da

    efetiva diminuio da desigualdade. Conforme tabulaes especficas dos dados dos

    censos realizadas por TELLES, 2003, entre 1960 e 1996 para a populao acima de 25

    anos os brancos com curso superior completo saltaram de 1,8% para 11,6%, ao passo

    que negros passaram de 0,2% para 4%. Combater as desigualdades raciais acumuladas

    (em ciclos cumulativos, conforme SILVA, 2000) em direo promoo de igualdade

    racial ainda um projeto. As polticas adotadas at aqui estancam o sangue mas no

    curam a ferida.

    possvel realizar o mesmo exerccio com o percentual somente dos aprovados nas

    cotas. Ento o resultado fica ainda mais limitado, pois o percentual de negros aprovados

    nas cotas foi em 2005 2,1 vezes menor que a populao negra do estado e a partir de

  • 12

    2006 entre 3,5 e 4,1 vezes. Numa poltica de promoo de igualdade racial teramos 27%

    de cotistas raciais e o excedente de negros aprovados nas outras categorias teria um

    sentido de combater as desigualdades acumuladas.

    B. A Incluso Econmica

    Ao avaliarmos os impactos do sistema de cotas no aumento da incluso econmica na

    UFPR, enfrentamos a dificuldade estatstica de trabalharmos com faixas de renda fixas

    nos sete anos, no tendo sido consideradas as desvalorizaes monetrias no perodo.

    Acrescente-se que, nos ltimos trs anos, estas taxas mudaram, no coincidindo os

    valores mnimos e mximos. Sendo assim, a comparao s possvel entre os anos

    2004 a 2007 (em que possvel, agrupando faixas, chegar a valores comuns). Por isto,

    s ser possvel demonstrar a maior incluso econmica atravs do grfico que considera

    apenas estes quatro primeiros anos. Assim, ao compararmos as taxas de aprovao por

    faixa de renda dos candidatos entre 2004 e 2007, observamos um achatamento da

    inclinao do tringulo desta taxa aps a implementao do Plano de Metas, como se

    explicita no Grfico 11. Este achatamento ainda mais significativo se consideramos que

    as faixas de renda mais altas tendem a ter uma taxa de aprovao tambm mais elevada,

    e com a no correo monetria das faixas de renda h tendncia a um deslocamento

    daqueles que se encontravam no topo de uma faixa (teoricamente os que apresentavam

    maior rendimento naquela faixa) para a seguinte.

    Grfico 11: Taxa de aprovao por faixa de renda familiar dos candidatos inscritos nos vestibulares da UFPR entre 2004 e 2007.

    Ao contrrio do que ocorre com a incluso racial, no caso da incluso econmica

    importante ressaltar que ambas as cotas contribuem de maneira significativa para a

    mesma, apresentando um perfil de renda familiar significativamente distinto daquele dos

    0,00%

    2,00%

    4,00%

    6,00%

    8,00%

    10,00%

    12,00%

    14,00%

    16,00%

    2004 2005 2006 2007

    At R$500,00

    R$501,00-R$1000,00

    R$1001,00-R$2000,00

    R$2001,00-R$5000,00

    Acima de R$5001,00

  • 13

    candidatos aprovados pela concorrncia geral. Aqui, novamente apresentaremos trs

    grficos: do primeiro ano de cotas (2005), do primeiro ano de diminuio de vagas para a

    segunda etapa (2006) e do primeiro ano de transferncia das vagas remanescentes de

    cotas para negros para as cotas para escolas pblicas (2008). Em todos os casos

    apesar de o grfico de 2008 trabalhar com faixas de renda muito distintas e mais altas

    evidencia-se o que foi dito acima.

    Grfico 12: Distribuio dos aprovados no vestibular 2005, por categoria de inscrio e renda familiar declarada

    Grfico 13: Distribuio dos aprovados no vestibular 2006, por categoria de inscrio e renda familiar declarada

    0,00%

    5,00%

    10,00%

    15,00%

    20,00%

    25,00%

    30,00%

    35,00%

    40,00%

    45,00%

    50,00%

    Conc. Geral Cotas Negros Escola Pblica

    At R$500,00

    R$501,00-R$1000,00

    R$1001,00-R$2000,00

    R$2001,00-R$5000,00

    Acima de R$5001,00

    0,00%

    5,00%

    10,00%

    15,00%

    20,00%

    25,00%

    30,00%

    35,00%

    40,00%

    45,00%

    50,00%

    Conc. Geral Cotas Negros Escola Pblica

    At R$500,00

    R$501,00-R$1000,00

    R$1001,00-R$2000,00

    R$2001,00-R$5000,00

    Acima de R$5001,00

  • 14

    Grfico 14: Distribuio dos aprovados no vestibular 2008, por categoria de inscrio e renda familiar declarada

    As reflexes sobre incluso econmica tambm podem ser pensadas a partir da

    declarao dos estudantes sobre a necessidade de trabalhar ao longo do curso. Quando

    comparados os ndices de aprovao das vrias categorias nos diversos anos do

    vestibular, percebemos que h um acrscimo das taxas de aprovao daqueles que

    declaram a necessidade de trabalho desde o incio do curso, seja em tempo parcial, seja

    em tempo integral. Aqui, cabe observar que reunimos as respostas no e no sei devido

    a ambas indicarem, efetivamente, a ausncia da necessidade de trabalho:

    Grfico 15: Taxa de aprovao por declarao de necessidade de trabalho nos vestibulares 2004 a 2010

    Assim, se h um acrscimo geral nas taxas de aprovao nos ltimos anos, devido

    principalmente ao aumento de vagas na universidade e certa estabilidade na procura,

    podemos perceber que o sistema de cotas, desde que instaurado, garantiu uma maior

    possibilidade de ingresso de estudantes trabalhadores (chegando aqueles que declaram

    0,00%

    5,00%

    10,00%

    15,00%

    20,00%

    25,00%

    30,00%

    35,00%

    40,00%

    45,00%

    50,00%

    Conc. Geral Cotas Negros Escola Pblica

    At R$760,00

    R$761,00 - R$1520,00

    R$1521,00 - R$2280,00

    R$2281,00 - R$3040,00

    R$3041,00 - R$4560,00

    R$4561,00 - R$6080,00

    Acima de R$6081,00

    0,00%

    2,00%

    4,00%

    6,00%

    8,00%

    10,00%

    12,00%

    14,00%

    16,00%

    18,00%

    2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    No e no sei

    Apenas nos ltimos anos

    Desde o 1o. ano em tempo parcial

    Desde o 1o. ano em tempo integral

  • 15

    necessidade de trabalho em tempo integral mesmo a ter um ndice de aprovao mais

    alto nos ltimos dois anos).

    O perfil de renda diferenciado dos cotistas tanto raciais quanto de escola pblica tambm

    aparece quando levamos em conta a declarao de necessidade de trabalho dos

    aprovados nos processos seletivos da UFPR. A opo aqui ser apresentar tabela que

    discrimine em duas variveis os dados referentes a 2005, 2006, 2008 e 2010 (a fim de

    considerar as mudanas efetivadas no sistema do vestibular e trazer os dados mais

    recentes). Se considerarmos que apresentam efetiva necessidade de trabalho aqueles

    que declaram precisar trabalhar seja parcialmente, seja integralmente, desde o primeiro

    ano do curso, e supusermos que a opo pela resposta no sei ou apenas nos ltimos

    anos se aproxima, em certa medida, da opo no, observamos que, enquanto em

    torno de 55% dos cotistas negros e 50% dos cotistas de escola pblica necessitam de

    trabalhar, pelo menos em tempo parcial, desde o incio do curso, este nmero apenas

    de em torno de 31% entre os no cotistas.

    Tabela 5: Declarao de necessidade de trabalho dos aprovados nos vestibulares 2004 a 2010, discriminados por opo ou no por cotas.

    No sabe e no precisa trabalhar desde o incio do curso

    Precisa trabalhar desde o incio do curso

    Conc. Geral

    Cotas negros

    Escola Pblica

    Conc. Geral

    Cotas negros

    Escola Pblica

    2005 69,78% 42,23% 50,22% 30,22% 57,77% 49,78%

    2006 69,42% 43,34% 46,24% 30,58% 56,66% 53,76%

    2007 68,41% 45,00% 47,01% 31,59% 55,00% 52,99%

    2008 69,13% 47,58% 50,47% 30,87% 52,42% 49,53%

    2009 67,49% 44,74% 49,94% 32,51% 55,26% 50,06%

    2010 67,18% 44,24% 54,80% 32,82% 55,76% 45,20%

    Sintetizando os dados referentes incluso econmica podemos afirmar, portanto, que:

    a) a adoo das cotas raciais e de escola pblica pela UFPR aumenta a chance

    percentual de candidatos com renda familiar mais baixa de ingressarem na universidade;

    b) ambas as cotas contribuem de maneira relevante neste aumento; c) o perfil de renda

    familiar entre cotistas e no cotistas, assim como a necessidade de trabalho de ambos os

    grupos so diferenciados; d) embora haja algumas distines entre os dois grupos de

    cotistas, as distines entre cotistas e no cotistas do ponto de vista econmico so muito

    mais relevantes.

    C. A Incluso Social

    Os dados de incluso social a partir da adoo das cotas apresentam tendncia

    semelhante queles discutidos no item anterior. Se considerarmos a escolaridade

  • 16

    declarada da me dos candidatos12, observamos que tambm h um achatamento no

    tringulo que representa a taxa de aprovao dos candidatos a partir da adoo do

    sistema de cotas (Grfico 16). Este, por sua vez, se acentua a partir de 2008, quando o

    aumento da taxa de aprovao geral da universidade se reflete principalmente nos grupos

    que declaram escolaridade mais baixa da me. Principalmente nos dois ltimos anos, o

    ndice geral de aprovao no vestibular sobe dois pontos percentuais, e pela primeira vez

    os candidatos com me com ensino mdio completo superam aqueles em que a me

    possui ensino superior completo.

    Grfico 16: Taxa de aprovao dos candidatos nos vestibulares 2004 a 2010, de acordo com escolaridade declarada da me

    Alm disso, novamente so as duas formas de cotas as grandes responsveis por este

    achatamento, pois h uma clara diferenciao entre a escolaridade das mes de cotistas

    (observa-se a mesma tendncia tambm com relao escolaridade dos pais) sejam

    raciais ou de escola pblica e no cotistas. Esta situao se explicita quando

    consideramos os grficos referentes a 2005, 2006 e 2010 de percentual de aprovados na

    concorrncia geral e nos dois grupos de cotas com relao escolaridade declarada da

    me.

    12

    A fim de que o grfico ficasse com a visualizao mais fcil, unificamos as categorias ensino fundamental completo e ensino mdio incompleto em ensino fundamental completo, bem como as categorias ensino mdio completo e ensino superior incompleto em ensino mdio completo. Tambm desconsideramos aqueles que disseram no saber a escolaridade da me.

    0,00%

    2,00%

    4,00%

    6,00%

    8,00%

    10,00%

    12,00%

    14,00%

    2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Sem escolaridade

    Ensino fundamental incompleto

    Ensino fundamental completo

    Ensino mdio completo

    Ensino superior completo

  • 17

    Grfico 17: Distribuio dos aprovados no vestibular 2005 da UFPR por escolaridade declarada da me, discriminados por opo ou no por cotas

    Grfico 18: Distribuio dos aprovados no vestibular 2006 da UFPR por escolaridade declarada da me, discriminados por opo ou no por cotas

    0,00%

    10,00%

    20,00%

    30,00%

    40,00%

    50,00%

    60,00%

    Conc. Geral Cotas Negros Escola Pblica

    Sem escolaridade

    Ensino fundamental incompleto

    Ensino fundamental completo

    Ensino mdio completo

    Ensino superior completo

    0,00%

    5,00%

    10,00%

    15,00%

    20,00%

    25,00%

    30,00%

    35,00%

    40,00%

    45,00%

    50,00%

    Conc. Geral Cotas Negros Escola Pblica

    Sem escolaridade

    Ensino fundamental incompleto

    Ensino fundamental completo

    Ensino mdio completo

    Ensino superior completo

  • 18

    Grfico 19: Distribuio dos aprovados no vestibular 2010 da UFPR por escolaridade declarada da me, discriminados por opo ou no por cotas

    Assim, enquanto o percentual de aprovados pela concorrncia geral que tm me com

    nvel superior completo est entre 47% e 57% nos anos considerados, este percentual cai

    para em torno de 22% nos mesmos perodos entre os cotistas raciais, e entre 13% e 16%

    entre os cotistas de escola pblica. Curiosamente, alm disso, apesar de ter havido um

    crescimento de aprovados com mes com nvel superior em 2010, isto no ocorre entre

    os cotistas negros. Por outro lado, so estes que apresentam uma maior taxa de me

    sem escolaridade (ficando entre 4% e 6%), percentual este que no atinge 1,7 % entre os

    cotistas de escola pblica e s no ano de 2005 dentre os trs considerados chega a mais

    de 0,5% entre no cotistas (Grficos 17, 18 e 19). Novamente, a distino entre

    aprovados cotistas e no cotistas mais significativa que aquela entre os aprovados em

    cada uma das categorias de cotas pois se h um percentual maior de filhos de mes

    com ensino superior completo entre cotistas negros que entre cotistas de escolas

    pblicas, tambm entre eles que se encontra o percentual mais relevante de filhos de

    mes sem qualquer escolaridade.

    3. As possibilidades de reflexo aps anlise dos resultados de seis anos de

    implementao do sistema

    Tendo em vista a discusso desenvolvida acima, a meta de garantir que o acesso

    universidade pblica seja mais democrtico, que o ambiente de produo e transmisso

    de conhecimento que ela representa seja mais plural, e ainda a necessidade de fazer

    com que o ingresso seja acompanhado da possibilidade de permanncia e sucesso na

    universidade de todos os grupos scio-econmico-raciais, certas questes se colocam

    como significativas para a reflexo. A anlise de resultados e sua divulgao

    0,00%

    10,00%

    20,00%

    30,00%

    40,00%

    50,00%

    60,00%

    Conc. Geral Cotas Negros Escola Pblica

    Sem escolaridade

    Ensino fundamental incompleto

    Ensino fundamental completo

    Ensino mdio completo

    Ensino superior completo

  • 19

    significativa para o contexto do debate acadmico sobre as Aos Afirmativas, pois

    passamos de uma discusso pblica sobre princpios abstratos de justia distributiva para

    discusso de procedimentos sobre os processos de implantao de polticas afirmativas e

    o debate deve avanar para os resultados e progressos de incluir a negros em espaos

    sociais quase exclusivamente brancos (estamos em acordo com ZONINSEIN, 2006).

    Gostaramos, aqui, de elencar algumas questes derivadas dos resultados observados:

    I. No se pode perder de vista que o sistema de cotas da UFPR, aps seis anos de

    implantao, j aprovou em seus vestibulares quase 10.000 cotistas (7339 em cotas

    de escola pblica e 2390 em cotas raciais). Tomando para a UFPR as palavras de

    Jaccoud (2008) para o Brasil: os programas de ao afirmativa vm democratizando

    o acesso ao ensino superior e diversificando o perfil racial e social do corpo discente

    da instituio (2008, p. 153). Alm disso, as previses alarmantes daqueles

    vinculados ao discurso da meritocracia no se cumpriram, e o Plano de Metas de

    Incluso Social e Racial no foi responsvel por problemas no sistema de ensino,

    pesquisa ou extenso. Ao contrrio, transformou a universidade em um ambiente

    mais diverso podendo-se prever que o conhecimento aqui produzido tenha

    matrizes tambm mais amplas e diversificadas. Desde o ano passado, comearam a

    se formar os primeiros cotistas, muitos deles se destacando academicamente;

    II. Ao se pensar a incluso na universidade pblica, deve-se faz-lo levando em conta

    no apenas critrios econmicos, mas tambm sociais e raciais. Observa-se que a

    questo econmica no abrange todos os sistemas de desigualdade da nossa

    sociedade. Isto se evidencia no caso especfico do sistema de cotas da UFPR,

    quando consideramos a questo da incluso racial. Com efeito, a menor taxa de

    aprovao de negros entre os candidatos que optam por cotas de escola pblica ou

    pela concorrncia geral aponta como causas fatores sociais mais complexos

    dentre os quais se pode aventar as influncias do racismo no processo de

    socializao e de preparao dos candidatos para enfrentar contextos de tenso e

    concorrncia social. Neste sentido, a existncia de cotas especficas para negros,

    no subordinadas a cotas de escola pblica, garante tanto a pluralidade racial da

    universidade como o reconhecimento de que o racismo presente na sociedade

    brasileira e exige aes claras e especficas em seu combate;

    III. A maior incluso tanto racial quanto social e econmica na UFPR coloca para a

    instituio a necessidade de encarar as demandas que esta incluso provoca.

    Dentre elas, pode-se destacar a elaborao de infra-estrutura e polticas de

    permanncia mais eficazes e abrangentes, a fim de garantir que a democratizao

    no acesso resulte em uma efetiva formao de qualidade para grupos hoje alijados

  • 20

    do processo de educao universitria. Acrescente-se ser fundamental que a

    universidade incorpore na sua reflexo e produo de conhecimento a riqueza

    trazida pela diversidade, no tentando simplesmente o enquadramento dos diversos

    grupos em um modelo de conhecimento pensado como nico e universalmente

    vlido13;

    IV. As distines evidentes entre os grupos de cotistas e no cotistas levantam o

    questionamento de se o modelo da UFPR de um atendimento universal o mais

    adequado. Se o perfil e as necessidades dos grupos so diversos, e no possvel

    para a instituio (por questes financeiras e humanas) elaborar polticas universais,

    cabe perguntar se a adoo de polticas voltadas para grupos especficos no seria

    uma opo interessante e coerente com o sistema de cotas. Mesmo porque

    programas externos direcionados para os cotistas como, por exemplo, bolsas de

    pesquisa e extenso da Fundao Araucria, bem como o Projeto Afroatitude

    demonstraram sua significativa contribuio tanto na permanncia dos cotistas na

    universidade, quanto em sua insero em espaos de pesquisa, extenso e

    discusso das polticas afirmativas;

    V. A diminuio da incluso racial por uma medida justificada apenas por conteno de

    gastos na mudana das regras no vestibular, conjugada com a transferncia das

    vagas excedentes para as cotas de escola pblica, nos faz pensar em que medida a

    incluso racial se coloca como prioridade para a UFPR. Pois se tnhamos nos

    aproximado mais, em 2005, de um ndice adequado de incluso frente composio

    populacional do Paran, h uma retrao significativa nos anos posteriores, no

    solucionada pela deciso da transferncia das vagas para aprovados por cotas de

    escola pblica. No seria mais coerente e interessante possibilitar o preenchimento

    das vagas para cotas raciais por negros, modificando (no mnimo para restaurar os

    de 2005, mas com a possibilidade de mudanas mais profundas) os ndices de

    definio de vagas para a segunda etapa? Ou mesmo aplicar cotas a todo o

    processo, e no apenas a sua segunda etapa (inclusive nos processos estendidos)?

    A anlise at aqui aponta que se a proposta de diversidade em espaos diversos o

    sistema tem conseguido bons resultados, mas se a meta contribuir para a

    promoo da igualdade racial os resultados so limitados e adequaes no sistema

    so necessrias.

    13

    Em palestra realizada no evento Avaliao de Polticas Afirmativas: 6 Anos aps Durban, o Prof. Jos Jorge de Carvalho fez uma reflexo bastante interessante sobre o potencial das cotas na produo de um conhecimento descolonizador, bem como dos grupos de cotistas como representantes de grupos sociais, e no apenas como indivduos beneficiados por uma poltica especfica. A complexidade e interesse da discusso nos impedem de reproduzi-la aqui.

  • 21

    VI. Apesar das inmeras polmicas levantadas pela adoo de um sistema de cotas

    raciais, dentre as quais se destaca aquela que aponta para os problemas da

    classificao racial no Brasil (se auto ou hetero classificao, e como esta deve ser

    feita), importante reforar novamente que as cotas tornam o sistema universitrio

    mais plural racialmente o que, reforamos, contribui no sentido de garantir

    perspectivas tambm mais plurais no processo de produo do conhecimento.

    Assim, embora no se descarte a necessidade de discutir as maneiras de

    implementao das cotas (observamos que estas so fundamentais na garantia do

    alcance dos objetivos de incluso visados), tal discusso no deve ser tomada como

    algo que comprometa o projeto poltico em si mesmo.

    REFERNCIAS:

    CARVALHO, Jos J. Comunicao na mesa Aes afirmativas: seis anos aps Durban In: Seminrio Avaliao de Polticas Afirmativas. NEAB-UFPR, Curitiba, 30/08 a 01/09 de 2007.

    JACCOUD, Luciana. O combate ao racismo e desigualdade: o desafio das polticas pblicas de promoo da igualdade racial In: THEODORO, Mario (org.) As polticas pblicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos. Braslia: IPEA, 2008. p. 135-170.

    MATTOS, Wilson R. Cotas para negros na Universidade do Estado da Bahia: Histrico e breves consideraes In: MATTOS, Wilson R. (org.) Afrouneb: aes afirmativas e compromisso social de uma nova cultura universitria. Salvador: EDUNEB, 2008. p. 57-68.

    SILVA, Nelson do V. Extenso e natureza das desigualdades raciais no Brasil In: LYNN, Huntley e GUIMARES, Antonio S. A. (orgs.) Tirando a mscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. So Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 33-51.

    SILVA, Paulo V. B.; DUARTE, Evandro C. P. Sobre polticas afirmativas na Universidade Federal do Paran In: BRANDO, Andr A. (org.) Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliao. Rio de Janeiro: DP&A, 2007.

    TRAGTENBERG, Marcelo; BASTOS, Joo; NOMURA, Lincon e PERES, Marco. Como aumentar a proporo de estudantes negros na universidade. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 128, p. 473-495 , maio/agosto, 2006.

    ZONINSEIN, Jonas. Toward best-practices in the management of developmental affirmative action (AA) in Brasil In: OLIVEIRA, Iolanda (org.) Programa de Educao sobre o negro na sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Quartet, 2006. p. 161-178. Cadernos PENESB 6.