Costa, N. (2002). Terapia Analítico-Comportamental - Dos Fundamentos Filosóficos à Relação Com...

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Costa

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  • T e r a p i a A n a l t i c o - C o m p o r t m e n t a l :

    DOS FUNDAMENTOS FILOSFICOS RELAO

    COM O MODELO COGNITIVISTA

    NAZAR COSTA

  • Copyright desta edio:ESETcc Editores Associados, Santo Andr, 2002.

    Todos os direitos reservados

    Costa, Nazar

    Terapia analtico-comportamental: dos fundamentos filosficos relao com o modelo cognitivista - Nazar Costa. 1a ed. Santo Andr, SP: ESETec Editores Associados, 2002.

    96. 21 cm

    1. Psicologia do Comportamento2. Behaviorismo3. Anlise do Comportamento4. Terapia Comportamental

    pesquisa, aplicaes

    CDD 155.2 CDU 159.9.019.4

    ISBNESETec Editores Associados

    Direo Editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi Assistente Editorial: Jussara Vince Gomes

    Reviso Ortogrfica: Erika Horigoshi

    Reviso do material original: Prof.* Margarida Heluy

    Solicitao de exemplares: [email protected] Rua Catequese, 845 Bairro Jardim Santo Andr SP CEP 09090-710

    Tel. 4990 5683/ 4432 37 47 www. e setec. com .br

  • T e r a p ia A n a l t ic o -

    COMPORTAMENTAL:

    DOS FUNDAMENTOS FILOSFICOS

    RELAO COM O MODELO

    COGNTTIVTSTA

    NAZARE COSTA

    ESETecEditores Associados

    2002

  • "Erros tm sido cometidos e no temos certeza se o ambiente construdo pelo homem continuar a proporcionar ganhos que

    ultrapassem as perdas, mas o homem como o conhecemos, melhor ou pior, o que o homem fez de si mesmo".

    B. F. Skinner

    v

  • I

  • Aos meus pais Vilma e Daniel, grandes modelos, apoiadores e incentivadores de minhas escolhas

    e decises no passado, presente e, espero, no futuro.Amo vocs!

  • S u m r io

    Epgrafe ................................................................................................. v

    Dedicatria .......................................................................................... vii

    Agradecim entos ................................................................................

    Prefcio .................................................................................................. xiii

    Apresentao .................................................................................... xv

    I Os Behaviorismos ..................................................................... ^

    II Terapia Analtico-Comportamental: Histrico, Processo e Caractersticas D efinidoras............................................ 9

    III A Subjetividade sob a tica Behaviorista Radical: Interpretao, Aspectos Polmicos e Manejo Teraputico ^

    IV Psicoterapia "Cognihvo-Com portamental" ..................... 27

    V Behaviorismo e Cognitivismo: Comparao entre Proposies Tericas e Modelos de Interveno Teraputica ................................................................................................... 3.5

    VI Caracterizao, Hipteses e Implicaes da Tendncia Integraconista na Terapia Analtico-Comportamentale Terapia Cognitiva .................................................................. 55

    Finalizando .......................................................................................... 69

    Referncias .........................................................................................

  • A g r a d e c im e n t o s

    Agradeo a Emmanuel Zagury Tourinho, aquele que tem influncia direta sobre quase tudo que sei acerca da cicncia e da filosofia behaviorista e do como me comporto com meus alunos.

    Obrigada por tudo! Nunca cansarei de te agradccer, meu eterno M ESTRF.

    Ao prof. W alter Nunes, um dos grandes incentiva dores deste livro. M uito obrigada!

    Aos meus alunos e aos meus clientes que, a cada dia, me fazem crescer nos nveis profissional e pessoal. Adoro vocs.

  • P r e f c io

    A produo de conhecimento em anlise do comportamento no Brasil, na ltima dcada, vem revelando um interesse maior por questes conceituais e filosficas e, tambm, pela articulao destas com a pesquisa bsica e com aplicaes no cam po da interveno psicolgica. A criao da A ssociao Brasileira de Psicoterapia e M edicina Comportamental (ABPMC) e a realizao de seus Encontros anuais tm sido um grande incentivador desse movimento, tanto ao possibilitar um contato mais intenso de novos profissionais e alunos com aquela produo quanto por estimular a formao e a divulgao de novos autores. Esta obra pode muito bem ser considerada um produto desse ambiente. A autora, que desde cedo conviveu com a pesquisa em anlise do comportamento em seu curso de graduao em Psicologia na Universidade Federal do Par, parece ter encontrado na in terlocu o com os terapeu tas an altico-com portam entais e cognitivo-comporta menta is uma motivao a mais para dedicar-se pesquisa conceituai na rea. Foi tambm desse contato que se originou o problema-pesquisa abordado em sua Dissertao de Mestrado, da qual retirou parte do contedo do livro.

    As tradies comportamentais e cogni ti vistas de abordagem dos problemas psicolgicos e seus respectivos m odelos de interveno guardam relaes histricas de diferentes ordens. Na sua origem, o cog n itiv ism o u su fru iu de recu rsos tan to co n ceitu a is quanto m etodolgicos elaborados no mbito das psicologias comportamentais

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  • (e, desse ponto de vista, faz boa diferena falar das relaes histricas do m entalism o ou do cognitivism o com o behaviorism o, embora contemporaneamente os dois primeiros sejam muitas vezes tratados como sinnimos). Nos tempos atuais, behaviorism o e cognitivismo so freqentemente referidos (inclusive por Skinner) como os principais antagonistas no cenrio acadmico de confronto das teorias psicolgicas. O texto que compe este livro reflete as duas condies. bastante didtico no que diz respeito apresentao dos behaviorismos e de aspectos das terapias analtico-com portam ental e cognitivo- comportamental; na mesma medida polmico no que concerne s relaes entre aqueles m odelos de interveno e, quanto a isso, ntida a adeso da autora s posies de base analtico-comportamental. Talvez no enfatize suficientemente o clima de colaborao que vem sendo nutrido entre os praticantes e pesquisadores nas duas reas, como, inclusive, ilustram as programaes dos Encontros anuais da ABPMC; em contrapartida, ressalta aspectos crticos (de um ponto de vista analtico-comportamental), que m uitas vezes so insuficientemente considerados nos debates sobre o assunto.

    A obra cumpre pelo menos trs objetivos muito positivos: divu lga a an lise do co m p o rtam en to e as terap ias an a ltico - comportamental e cognitivo-comportamental, com um di da tis mo que a recomenda como recurso para o ensino de novos terapeutas; fomenta uma discusso crtica das iniciativas na direo da integrao de modelos diversos de interveno, sem interditar as possibilidades de dilogo e colaborao; e, finalmente, revela uma nova autora, encorajando, tambm, novos membros de nossa comunidade a divulgarem sua produo.

    Belm, 14 de agosto de 2002.Em m anuel Zagury Tourinho

    xiv

  • A p r e s e n t a o

    A idia dc escrever um livro no nova. H anos, quando ainda cursava a graduao, propus ao grupo de estudos do qual participava que escrevssemos um livro, a partir das 20 afirmaes destacadas por Skinner na introduo de sua obra Sobre o Behaviorismo. No entanto, m otivos diversos nos levaram a no concretizao de tal propsito. Mas, eis que, mesmo sozinha, resolvi ousar e partir para a realizao do desejo.

    Este livro retrata, na realidade, grande parte da minha trajetria acadmico-cicntfica no que se refere ao estudo do Behaviorismo, da Anlise do Comportamento e da Terapia Analtico-Comportamental.

    M eus primeiros trabalhos foram os de concluso de curso, tendo sido escritos nos anos de 1995 c 1996 intitulados respectivamente: " O Homem como Produto e Produtor do Ambiente segundo Skinner" e "E v e n to s P riv a d o s : A n lise e Im p lica e s para a T erap ia Com portam cntal". Durante o mestrado, alm do anteprojeto para a seleo e da prpria dissertao, redigi alguns trabalhos no contexto de disciplinas, mantendo como foco de estudo a filosofia, a cincia e a prtica clnica behavorista.

    Com o passar do tempo, comecei a apresentar meus trabalhos em forma de painis e apresentaes orais, alm de utiliz-los em minhas aulas com alunos de graduao. Ao fazer isto, fui positivamente reforada com os feedbacks dos alunos e tomei conhecimento que alguns de m eus textos tambm eram usados por outros professores da graduao, inclusive nos estgios curriculares. Foi a partir da c, tambm, por uma necessidade pessoal de produzir, que decidi tornar pblicos meus eventos privados (pensamentos, desejos e necessidades), com eando a colocar em prtica a organizao do livro.

    Grande parte deste livro consiste em minha dissertao de mestrado (concluda em 1999), porm existem captulos que foram originalmente escritos ainda no ano de 1996. Apesar de alguns textos

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  • P r e f c io

    A produo de conhecimento em anlise do comportamento no Brasil, na ltima dcada, vem revelando um interesse maior por questes conceituais e filosficas e, tambm, pela articulao destas com a pesquisa bsica e com aplicaes no campo da interveno psicolgica. A criao da A ssociao Brasileira de Psicoterapia e M edicina Comportamental (ABPMC) e a realizao de seus Encontros anuais tm sido um grande incentivador desse movimento, tanto ao possibilitar um contato mais intenso de novos profissionais e alunos com aquela produo quanto por estimular a formao e a divulgao de novos autores. Esta obra pode muito bem ser considerada um produto desse ambiente. A autora, que desde cedo conviveu com a pesquisa em anlise do comportamento em seu curso de graduao em Psicologia na Universidade Federal do Par, parece ter encontrado na in terlocu o com os terapeu tas an altico-com portam entais e cognitivo-comportamentais uma motivao a mais para dedicar-se pesquisa conceituai na rea. Foi tam bm desse contato que se originou o problema-pesquisa abordado em sua Dissertao de Mestrado, da qual retirou parte do contedo do livro.

    As tradies comportamentais e cognitivistas de abordagem dos problemas psicolgicos e seus respectivos modelos de interveno guardam relaes histricas de diferentes ordens. Na sua origem, o co g n itiv ism o u su fru iu de recu rsos tan to co n ceitu ais quanto metodolgicos elaborados no mbito das psicologias comportamentais

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  • serem menos recentes, tive o cuidado de atualiz-los, inclusive a prpria dissertao.

    O material a seguir para muitos no novidade, pois algumas discusses aqui dispostas j vm sendo feitas por vrios autores renomados. Mas, se assim, em que m edida vale a leitura do livro?

    Considero que o livro seja til por se tratar, at certo ponto, de um material didtico, apresentar reflexes crticas e muito particulares de alguns temas, alm de trazer discusses que ainda so importantes na atualidade.

    O livro est dividido em seis captulos: parte das distines entre trs tipos de Behaviorismos; apresenta a histria, o processo e as caractersticas definidoras da Terapia Analtico-Comportamental; discute o tema da subjetividade no Behaviorismo Radical e na Terapia Analtico- C om portam ental; aborda os fundam entos e a prtica da Terapia "Cognitivo-Com portam ental"; compara as proposies tericas e os modelos de interveno teraputica behaviorista e cognitivista e, por fim , caracteriza e form ula h ipteses e im plicaes da tendncia in te g ra c io n ista , en v o lv en d o a in te rv e n o cln ica a n a ltico - comporta mental e a cognitivista. '

    Espero que minha percepo em relao ao livro esteja de acordo com a realidade! Uma boa leitura a todos.

    N azar

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  • IOs B e h a v io r is m o s

    E m um primeiro trabalho acadmico (Costa, 1995), j se fazia presente a preocupao de demarcar o fato de que no se pode falar em nom e do Behaviorism o sem m encionar a qu al tipo de Behaviorism o est se referindo, uma vez que existem diferenas significativas entre os seus vrios modelos.

    Os mais conhecidos no meio acadmico so os representados por Watson, o Clssico, e por Skinner, o Radical. Entretanto, h, ainda, o Behaviorismo Mediacional, representado principalmente por Tolman e Hull, o Behaviorism o Teleolgico, representado por Rachlin e o Interbehaviorismo, que tem a figura de Kantor como representante.

    C om o as d iscu ss es n este liv ro estaro p au tad as no Behaviorism o de Skinner, sendo necessrio tambm esclarecer sobre determ inados aspectos do Behaviorismo Clssico e do Behaviorismo M ediacional, este captulo se prope a caracterizar cada um destes modelos, a partir das concepes de comportamento e ambiente, de paradigma adotado, de modelo causal e de viso de homem.

    Behaviorismo Clssico de John WatsonInaugurado com a publicao do artigo Psychology as the

    behaviorist views it, em 1913 (Watson, 1913), o Behaviorismo surge em contraposio s psicologias m entalistas ento dominantes (Matos,1997). Antes de seu surgimento, os psiclogos estavam voltados para o estudo da mente ou da conscincia humana, adotando como mtodo a introspeco.

    1

  • Com o comportamentalismo, pelapmneira vez, os estudos psicolgicos deram as costas experincia imediata. Tudo aquilo que faz parte da experincia subjetwa individualizada deixa de ter lugar na cincia, seja por que no tem importncia, seja porque no acessvel aos mtodos objetivos da cincia (Figueiredo e Santi, 1997, pp. 66-67).

    Assim, considera-se que o Behaviorismo foi um marco na histria da psicologia, na medida em que delimitou como objeto de estudo o comportamento e buscou introduzir mtodos com patveis com aqueles das cincias naturais (Chiesa, 1994). Para isso, W atson rejeitou toda e qualquer referncia a processos mentais em sua proposta de cincia psicolgica. W atson (1924/1970) escreveu; "V am os nos limitar a coisas que podem ser observadas, e formular leis apenas para aquelas coisas. Agora, o que podemos observar? Ns podem os observar o comportamento o que o organismo faz ou diz (p. 6).

    O comportamento, na concepo de Watson, referia-se basicam ente s mudanas observadas no organismo, em especial, s m udanas nos sistemas glandular e motor, decorrentes de algum estm ulo ambiental antecedente. Em funo da nfase nas respostas glandulares e motoras, o Behaviorismo de W atson denominado por alguns autores de M uscle-twitch Psychology (Psicologia da C ontrao M uscular) (Kitchener, 1977). Por outro lado, a despeito da interpretao dc que as explicaes de Watson seriam meramente fisiolgicas, ele enftico em fazer a diferena.

    [A] Fisiologia est particularmente interessada no funcionamento de partes do animal.... [O] Behauiorismo,, por outro Indo, enquanto est intensivamente interessado no funcionamento de todas estas partes, est intrinsecamente interessudo no que o animal como um todo fare de m anh at noite e de noite at tie manh (Watson 1924/1970, p. 11),

    E acrescenta: "Em outras palavras, a resposta na qual o behaviorista est interessado a resposta com um pergunta "o que ele est fazendo e por que est fazendo?" (Watson 1924/1970, p. 15). Desta maneira, conclui-se que W atson estava interessado no com portamento enquanto um fenmeno molar no sentido de um "conjunto de movimentos integrados" - porm, para estud-lo, considerava necessrio decomp-lo em partes mais simples (Kitchener, 1977).

    Para Watson, todos os comportamentos so reflexos, uma vez que consistem "d e respostas eliciadas por estmulos7' (Zuriff, 1986, p. 692). Deste modo, o paradigma adotado por ele para explicar os comp ortam entos foi o parad igm a p av lov ian o S-R . Em d eco rrn cia d isto , o B eh av iorism o w atso n ian o tam b m co n h ecid o com o Behaviorismo Clssico ou "Psicologia S-R" (Chiesa, 1994; Moore, 1995a, 1996; Matos, 1997).

    Um estmulo consiste em qualquer objeto no ambiente ou mudana no prprio corpo do organismo (contraes musculares, palpita-

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  • oes e outras)1. J a resposta diz respeito ao que o organismo faz, classificada como externa (explcita) e interna (implcita) (Watson 1924/1970).

    Ao usar o modelo explicativo S-R, no qual um evento antecedente a causa do comportamento, W atson assume uma concepo mecanicista de explicao comportamental. M ecanicista no sentido de que a causa necessariamente um evento anterior que produz, assim, um efeito 0upiassu e M arcondes, 1993).

    Outra denominao dada ao Behaviorismo de W atson foi Behaviorismo Metodolgico. Tal denominao est relacionada com a opo metodolgica de W atson, ou seja, quando ele abandonou o estudo da vida mental, o fez por uma limitao de mtodo e no por considerar que os processos mentais inexistissem 2. Nas palavras de Chiesa (1994):

    [Watson argumentou] ... que o estudo da vida mental, conscincia, sensaes, e assim por diante no estava levando a psicologia a nenhum lugar e deveria ser abandonado provisoriamente, em favor da concentrao na pesquisa comportamental, at o desenvolvimento de mtodos mais capazes de irradiar alguma luz sobre estes processos. Princpios do comportamento deveriam ser aplicados de maneira cientfica, sem referncia a estados mentais, at a psicologia avanar como uma cincia natural (p. 184).

    Uma implicao que se origina desta posio de Watson refere-se manuteno da concepo dualista de homem. Tanto para as psicologias tradicionais quanto para o Behaviorismo watsoniano, existem processos internos que diferem dos comportamentais quanto natureza: os primeiros so mentais (subjetivos) e os segundos so fsicos (objetivos) (Chiesa, 1994).

    Sintetizando: o Behaviorismo definido por W atson (1970) como "um a cincia natural que se encarrega de toda a rea do ajustamento hum ano" (p. 11), cujos objetivos consistem em prever e controlar o comportamento. Dentre suas principais caractersticas, esto: tomar como objeto de estudo o comportamento publicamente observvel; igno

    1 Esta noo de ambiente envoivend o tambm o que se passa no interior do organismo particularmente importante em urna proposta behaviorsta, em funo da possibilidade de aceitao da causalidade m tem a. Afinal, se todos os comportamentos so reflexos, dado o estmulo (externo ou interno) a resposta ocorrer. A diferena desta interpretao para as dem ais interpretaes intemalistas residiria no fato de que a natureza do inttm o, neste contexto, fsico e no mental. Contudo, isto apenas uma suposio que precisaria ser melhor investigada. Assim, a proposio de que W atson extemalista, com respeito s suas explicaes com portam entais, ser mantida.

    1 Existem posies divergentes em relao a denominar Watson de behaviorista metodolgico. Hayes e Hayes (1992), por exemplo, o consideram um behaviorista metafsico. Entretanto, a argumentao dada pelos autores que o consideram com o representante do Behaviorismo Metodolgico uma argum entao justificvel. Note, por exemplo, a afirm ao de Zettle e Hayes (1982) de que "o Behaviorism o M etodolgico (com o um a posio filosfica) tem enfatizado que, por razes metodolgicas, apenas o com portam ento publicamente observvel pode ser considerado como cientificamente admissvel" (p. 75). lista caracterizao do Behaviorismo Metodolgico a mesma que feita para o Behaviorismo de Watson.

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  • rar os fenmenos mentais; utilizar procedimentos objetivos para estudar o comportamento e explicar todos os com portamentos atravs do paradigma S-R (Matos, 1997).

    Aps esta fase inicial da chamada revoluo behaviorista, diversas crticas foram feitas a esta nova proposta de psicologia, dentre as quais a de que era mecanicista, simplista e desumanizadora. Entretanto, talvez a principal crtica tenha sido a de que as explicaes behavioristas eram inadequadas e limitadas, j que nem todo comportamento poderia ser explicado por conexes S-R (Moore, 1995a, 1996).

    Em conseqncia disto, na tentativa de explicar alguns problemas que o Behaviorismo de Watson no explicava satisfatoriamente, "os psiclogos reintroduziram os fenmenos mentais nas explicaes na forma de variveis mediacionais 'organsm icas'" (Moore, 1995b, p. 59). E sta nova fase da re v o lu o b e h a v io r is ta , ro tu la d a de Neobehaviorismo Mediacional, teve incio entre o final da dcada de 1920 e o com eo da dcada de 1930 (Moore, 1995a, 1996), tendo dentre seus representantes Tolman e Hull.

    Neobehaviorismos Mediacion&is de Tolman e HullO N eobehaviorism o M ediacional de Tolm an, conhecido

    como Behaviorismo Intencional, teve seus fundamentos lanados em 1932, com o livro Purposive behaviorin animal and men (cf. Carrara, 1998).

    Um pressuposto bsico do Neobehaviorismo de Tolman o da intencionalidade do comportamento. Para ele, todo organism o se comporta para alcanar um objetivo, um alvo determinado (Zuriff, 1985). Assim, o comportamento persiste ''at o objetivo ser alcana- do" (Kitchener, 1977, p. 37).

    O comportamento, na concepo de Tolman, era um fenm eno emergente por possuir em si mesmo propriedades que o descrevem e definem - propriedades estas no reduzveis fisiologia - motivo pelo qual denominado de m olar (Kitchener, 1977; Smith, 1989; Carrara,1998).

    A defesa da intencionalidade do comportamento, aliada ao fato de ser um representante da teoria S-O-R, permite que Tolm an seja considerado um precursor de algumas teorias cognitivistas. Isto porque o enunciado S-O -R evidencia um a posio m ediacional e intemalista quanto determinao do comportamento, o que consiste em um aspecto caracterstico de teorias cognitivistas.

    O enunciado S-O-R significa que entre o estmulo e a resposta existe um conjunto de eventos ocorrendo no organism o, que so os verdadeiros determ inantes do fenm eno com portam ental (Zuriff, 1985).

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  • Os eventos mediacionais, designados por Tolman (1938), como variveis intervenientes, foram concebidos "com o construtos adicionais, os quais cada cincia considera til criar e introduzir como passo explicativo entre as variveis independentes, de um lado, e as variveis dependentes finais, de outro" (p. 229). Em outras palavras, define-se uma varivel interveniente como aquela que conecta as variveis independentes e dependentes (Zuriff, 1985)3.

    Tolm an categorizou as variveis intervenientes em trs grupos: a) sistema de necessidades, que diz respeito ao estado de privao ou impulso; b) matriz de crena-valores (varivel cognitiva), que se refere a hierarquias de expectativas aprendidas sobre estm ulos do ambiente e suas funes na relao com o comportamento e c) espao comportamental, o qual pode ser entendido como o contexto em que o comportamento ocorre (Carrara, 1998).

    De acordo com Tolm an (1948), o processo de aprendizagem envolve a construo de m apas cognitivos do ambiente, que se formam no crebro dos organismos. Estes mapas representam relaes estmulo-estmulo (S-S) ou as expectativas dos organismos "do que leva ao que..." (Zuriff, 1985, p. 254). Dito de outro modo, os mapas cognitivos so construdos a partir da relao organismo-meio, atravs de conexes entre estmulos ambientais e expectativas do organismo (evento m ediador que funciona como um estmulo), constituindo-se em guia para o comportamento dos organismos em situaes posteriores. D-se o nome de gestalts-sinais (sign-gestalts) aos processos cognitivos que integram as relaes aprendidas entre as pistas do ambiente e as expectativas do organismo, ou seja, um mapa cognitivo seria um padro d e gestalts sinais (Cabral e Nick, 1997).

    Outro ponto importante no sistema de Tolman refere-se aceitao de processos mentais. Neste sentido, ele afirma que:

    O behaviorismo a ser apresentado aqui sustentar que os processos mentais so mais utilmente concebidos como apenas aspectos dinmicos, ou determinantes, do comportamento. Eles so variveis funcionais que intermedeiam equaes causais entre estmulo ambiental e estados fisiolgicos iniciais..., de um lado, e comportamento final pblico, de outro (Tolman, 1932, conforme citado por Zuriff, 1985, p. 207).

    Em outro momento, Tolman (1959) conclui que, ao iniciar o seu sistem a behaviorista, o que "realm ente estava fazendo era tentar reescrever uma Psicologia m entalista de senso comum... em termos behavioristas operacionais" (conforme citado por Carrara, 1998, p. 62).

    A publicao do livro Principies o f Behavior, no ano de 1943, marca o surgim ento de outro tipo de N eobehaviorism o S-O -R - o Neobehaviorismo de Clark Hull (Chiesa, 1994).

    3 Fm 1948, MacCorqodale e Meehl (1948) propuseram um a diferenciao entre variveis intervenientes e construtos hipotticos. Adiante, tratar-se- desta distino.

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  • Hull, semelhana de Tolman, faz uso das variveis mediacionais para explicar o comportamento. Contudo, seu uso diferenciado. Na literatura, dentre os exemplos de construtos mediacionais postulados por Hull, encontram-se o drive, a inibio condicionada, a reao de fadiga, a interao neural aferente e o fator de oscilao (Chiesa, 1994), sendo que os cinco construtos considerados principais no Neobehaviorismo hulliano so: fora do hbito, reao potencial, inibio, oscilao do potenda de reao e princpio ou limiar de reao (Tumer, 1965).

    As variveis mediacionais do sistema de Hull so variveis essencialmente intra-organsmicas, no sentido de que possuem um carter neurofisiolgico (Chiesa, 1994).

    Como representantes do Neobehaviorismo Mediacional, para Tolman e Hull o ambiente apenas o iniciador da cadeia S-O-R, cabendo aos mediadores a funo de " causas reais" do comportamento.

    C ontrapondo-se o N eobehaviorism o de H ull com o de 1 olman, nota-se que apesar de serem classificados como mediacionais e intem alistas, apresentam diferenas significativas.

    Tolman e Hull concebiam o comportamento como um fenmeno molar, entretanto, para Hull, rtiolar significava m acroscpico e no envolvia as propriedades de propsito e cognio postuladas por Tolman (Kitchener, 1977).

    Enquanto Tolman recorreu a conceitos mentais em sua explicao do comportamento, de acordo com Zuriff (1985), Hull rejeitou a funo explicativa destes conceitos. Possivelmente por isto, Hull trabalhava com as variveis mediacionais entendendo-as apenas como variveis intra-organsmicas e no recorreu a conceitos cognitivos como inteno, representao, expectativa e crena (Chiesa, 1994).

    Isto evidencia que uma concepo mediacional e intemalista quanto determinao do comportamento pode no ser suficiente para definir uma abordagem como cognitiva. M ais que isso, uma viso cognitiva requer a introduo das cognies como fatores determinantes para o fenmeno comportamental. Por cognio entende-se a postulao de processos que ocorrem no interior dos organismos, como memria, percepo, inteligncia, pensamento, crenas etc., mas que no se confundem com suas condies antomo-fisiolgicas.

    Tolman e Hull possuem concepes diferenciadas em relao mediao. Enquanto para Tolman a natureza da mediao era mais propriamente cognitiva, Hull a considerava como neurofisiolgica. Mesmo as variveis intra-organsmicas postuladas por Tolman referem-se prpria fisiologia do organismo de uma forma genrica. Ele no falava em processos e estruturas neurais, mas sim de estados de privao e condies endcrinas, demonstrando claramente sua nfase nas variveis cognitivas. Porm, deve ficar claro que tanto Tolman como Hull utilza-

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  • vam termos referentes a processos que no podiam ser de nenhum modo observados (MacCorquodale e Meehl, 1948).

    Hm decorrncia da distino feita anteriormente, Tolm an segue a linha watsoniana de manuteno do dualismo e Hull considerado representante do monismo, por no utilizar termos que se referem a processos ou entidades no-fsicas.

    Em resumo, o Neobehaviorismo de Tolman considerado um Behaviorismo Cognitivo, uma vez que enfatiza o papel das variveis cognitivas na explicao do com portam ento dos organism os. Em contrapartida, apesar de Hull tam bm ser mediacionista e internalista no que se refere explicao do comportamento, seu m odelo no cognitivista, pois recorre neurofisiologia do organism o (em algumas circunstncias de modo m eram ente especulativo) para explicar o fenmeno comportamental.

    Na tentativa de recuperar "o ambiente, como instncia privilegiada onde o cientista busca variveis e condies das quais o comportamento funo" (Matos, 1997, p. 59), um novo tipo de Behaviorismo inaugurado por B. F. S k in n er- o Behaviorismo Radical.

    Behaviorismo Radical de B. F. SkinnerEm bora o m odelo behaviorista de Skinner venha sendo

    construdo a partir da dcada de 30, apenas em 1945, com a publicao do artigo intitulado The operational analysis o f psychological terms (Terms), que Skinner distingue seu Behaviorismo dos demais (Andery, 1993; Tourinho, 1995).

    Skinner (1963) define o Behaviorismo como a filosofia da cincia do comportamento, pois consiste em um conjunto de reflexes sobre o objeto de estudo, temas e mtodos da psicologia e da cincia do comportamento (Costa, 1997).

    A denominao Behaviorismo Radical possui o significado de anti-mentalista (Lopes, 1993), ou seja, Skinner radical por negar a existncia de fenmenos cuja natureza no seja fsica, por exemplo, mente e cognio (Matos, 1997). Por negar a existncia de tais fenmenos, a viso de homem skinneriana monista o organismo uno e interage em sua totalidade com o ambiente.

    No Behaviorismo Radical, o comportamento definido como a relao entre o organismo e o ambiente (Skinner, 1938) e, neste sentido, busca identificar o contexto em que cada resposta foi estabelecida e se mantm assim como sua funo no ambiente. E, diferentemente do que su sten tav a W atson, para Skin n er, g rand e p arte do rep ert rio comportamental humano operante e no reflexo. O operante definido como uma classe de respostas cuja probabilidade de ocorrncia funo de suas conseqncias (Skinner, 1953/1965).

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  • O paradigma utilizado por Skinner para explicar o comportam ento operante consistiu na trplice contingncia, Sd-R-Sr, na qual o Sd refere-se ao estmulo discriminativo que sinaliza a ocasio para o reforo; o R ,a resposta e o S r,oestm ulo reforador. Assim, "um a formulao adequada da interao entre um organismo e seu ambiente deve sempre especificar trs coisas: (1) a ocasio em que a resposta ocorre/ (2) a prpria resposta, (3) as conseqncias reforadoras" (Skinner, 1969, p. 7, grifo acrescentado).

    Ao mudar a unidade de anlise, Skinner modificou tambm a noo de causa. Enquanto nos m odelos behavioristas clssico e m ediacional existia uma relao mecnica de causa e efeito, o modelo causal adotado por Skinner selecionista; so as conseqncias produzidas pelo comportamento que atuam selecionando este.

    Nas palavras de Chiesa (1994), "behavioristas radicais adotam um modelo causal que no exige fornecer ligaes entre um evento e outro; ele no linear e no pressupe contiguidade no espao e no tem po" (p. 116). Uma explicao mecnica, em contrapartida, procura sempre um mecanismo para explicar a realidade e a explica de forma independente da existncia dos indivduos (Michelleto, 1997). A realidade, para o mecanicismo, em funo de

    se form a[r] por uma sucesso de interaes mecnicas faz supor a necessidade constante de urna matria atravs da qual o efeito pudesse se propagar e a necessidade de um princpio de explicao sempre baseado em um mecanismo. Para eventos em que no se podia observar uma relao causal espacial ou temporal imediata, muitas vezes se tornava necessria a elaborao de conceitos baseados em interpretaes ou especulaes para garantir a conexo do sistema, de causas (Michelleto, 1997, p. 32).

    De forma semelhante a Watson, Skinner considera ambiente qualquer parte do mundo externo e interno que afete o indivduo. Mais especificamente, ambiente seria qualquer parte do universo ao qual o in d iv d u o resp ond e d iscrim in ativ am en te (Sk inner, 1953/ 1965; Tourinho, 1997a).

    De forma sinttica, o Behaviorismo Radical caracteriza-se, sobretudo, por ser a filosofia da cincia do comportamento que delimita o comportamento enquanto objeto de estudo em si mesmo, considera que a maioria dos comportamentos humanos operante, adota o paradigma Sd-R-Sr, explica o comportamento sem recorrer a nenhum tipo de mediador tal como o sistema nervoso ou cognies e defende uma concepo monista de homem (Chiesa, 1994).

    As distines entre os Behaviorism os apresentadas neste captulo serviro de suporte para a caracterizao do modelo de interveno analtico-comporta mental a ser feita no captulo seguinte.

    8

  • IITERAPiA A n a l t ic o - C o m p o r t a m e n t a l : H is t r ic o , P r o c e s s o e C a r a c t e r s t ic a s D e f in id o r a s

    Craighead, Craighead, Kazdin e M ahoney (1994) argum entam que, diferenciar o que ou no uma interveno teraputica comportamental, pode ser, na maioria das vezes, uma tarefa difcil e um tanto incomum. Para estes autores, "dentro da categoria daqueles que se identificam com o modelo comportamental esto aqueles que se classificam com o m o d ifica d o re s do co m p o rta m e n to , te ra p eu ta s com p ortam en tais, terap eu tas co g n itiv o s, terap eu tas co g n itivo - comportamentas, terapeutas multimodais, integracionistas, e assim por diante" (1994, p. ix).

    Diante deste cenrio que se considera relevante, neste captulo, caracterizar o modelo clnico com portam ental a partir de sua contextualizao histrica s etapas do processo teraputico.

    O surgimento da Terapia Com portam ental est relacionado com os trabalhos de condicionamento reflexo de respostas de medo desenvolvidos por W atson e Rayner na dcada de 20 (Barcellos e Haydu, 1995). medida que as pesquisas experimentais foram sendo desenvolvidas, seus resultados passaram a ser incorporados prtica dos terapeutas. Dentre aqueles cujos trabalhos exerceram influncia sobre a rea clnica comportamental, encontram -se Thom dke, Hull, Guthrie e Skinner (Barcellos e Haydu, 1995; Franks, 1996; Rim m e Master, 1983).

    Na dcada de 60, os marcos do modelo clnico comportamental podem ser encontrados em uma obra organizada por Eysenk, em 1960, e na publicao da primeira revista de Terapia Comportamental, em 1963 (Franks, 1996). Corroborando esta anlise histrica, Barcellos e Haydu (1995) afirm am que este modelo de terapia "constituiu-se em um movi-

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  • mento formal somente na dcada dc 60 e foi difundida mundialmente na dcada seguinte" (p. 43).

    Existe uma proposta distinta de anlise com relao aos trabalhos de Skinner subsidiarem a Terapia Comportamental. Na verdade, afirma-se que seus estudos deram origem a um outro tipo de interveno de carter behaviorista - a Modificao do Comportamento (Barcellos e Haydu, 1995; Figueiredo e Coutinho, 1988; Greenspoon e La mal, 1978; Ri mm e Master, 1983). Pode-se dizer assim que, por volta da dcada de 50, existiam, pelo menos, dois tipos de interveno behaviorista: a Terapia Comportamental, cuja interveno adotava o paradigma do condicionamento reflexo e a Modificao do Comportamento, que tinha como respaldo o paradigma do condicionamento operante.

    A identificao da Terapia Comportamental com o paradigma reflexo e da Modificao do Comportamento com o paradigma operante pode ser um modo impreciso de tratar as mudanas dos modelos clnicos comporta mentais, na medida em que so encontradas na literatura referendas a ambos (Terapia Comportamental e Modificao do Comportamento) envolvendo a aplicao de princpios derivados dos condiciona-

    jmentos clssico e operante (e.g. Kazdin, 1983). O que se pode salientar jque, com a elaborao dos princpirts operantes, alguns terapeutas os

    /absorveram como base estrita de interveno clnica, enquanto outros os associaram a princpios do condicionamento reflexo no delineamento de tcnicas e procedimentos de interveno.

    Atualmente, a denominao que vem sendo adotada como referncia interveno behaviorista no contexto clnico Terapia Analtico-Comportamental. Esta term inologia visa resgatar os pressupostos behavioristas da clnica comportamental e afast-la dos diversos modelos que se intitulam comportamental e que usam pressupostos cognitivistas ou outros (Tourinho e Cavalcante, 2001). Como a caracterizao a ser apresentada de fato behaviorista, justifica-se falar em Terapia Analtico-Comportamental (T AC), embora as referncias utilizadas ao longo do captulo ainda faam uso do term o Terapia Comportamental.

    Estas diferentes terminologias talvez sejam o reflexo das interpretaes distintas de grande parte daqueles que se intitulam clnicos comportamentais e que no compartilham da prpria denominao de um modelo comportamental ou, o inverso, em funo da ausnda de uma nica definio, encontram-se diferentes denominaes.

    O que claro que, d esd e o in c io , o m od elo cln ico com portamental esteve ligado a diferentes posies tericas, sendo que sua "evoluo ao longo dos anos acompanhada por inm eras discusses e divergncias quanto aos princpios tericos e metodolgicos que [o] caracterizam" (Barcellos e Haydu, 1995, p.43). Conseqentemen

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  • te, na prpria dcada de 60 j existiam trs definies distintas de Terapia Comportamental, alm de mais duas na dcada de 70 (Figueiredo e Coutinho, 1988). Atualmente, outras definies podem ser encontradas , na literatura, entretanto, optou-se por aquelas propostas por Neri (1987) e Costa (1996).

    / Para Neri (1987), o processo teraputico comportamental implica uma tentativa de controlar as variveis ambientais que favorecem a extino de comportamentos inadequados e a aquisio de outros que ' possibilitem uma atuao m ais adequada do cliente em seu contexto, fI "n o sentido de reduzir ao mximo sua exposio s conseqncias ne- i | gativas, e de aumentar ao mximo a probabilidade de expor-se a situ- Wes agradveis" (p. 23). 1

    Costa (1996) complementa a definio acima quando pro- 1pe que:

    f Por Terapia Comportamental [leia-se TA C ] entende-se o trabalho | teraputico que se fundamenta no Behaviorismo Radical e utiliza osI princpios da A nlise do Com portam ento no contexto clnico, (

    \ objetivando identificar e analisar funcionalmente as variveis externas que esto controlando os comportamentos do cliente, a fim de ^

    j modific-los, quando desejado. Dito de outra forma, o que define a f Terapia Comportamental [ou a TAC] o modo como se compreende e se ( intervm no fenmeno comportamental, que deve estar em concordn- t cia com a filosofia e a cincia do comportamento (p. 4).

    notrio que a definio proposta, apesar de se referir Terapia Comportamental, mostra-se completamente compatvel com o movi- ' m ento qu e pretende dar preciso con ceitu ai ao m od elo cln ico , comportamental. Cabe ressaltar, no entanto, que, quando se faz referncia ao Behaviorismo Radical, no h uma restrio a Skinner, incorporam-se am pliaes que vm sendo feitas quela proposta filosfica de autores contemporneos que m antm a denominao de behavioristas radicais, com o Banaco, Guilhardi e Tourinho.

    A literatura sobre a clnica anaitico-comportamental tem sido 1 ampliada na ltima dcada, sobretudo com as publicaes da Associa- ( o Brasileira de Medicina e Terapia Comportamental (ABPMC), porm algumas discusses importantes, como o processo teraputico em si, no 1 tm sido valorizadas. Diversos artigos podem ser encontrados sobre avaliao, uso de tcnicas e outros, mas artigos que tratem da avaliao at o follow-up so escassos1. Por este motivo, considera-se de fundamental importncia mostrar este percurso, inclusive porque um dos textos que traz uma caracterizao das etapas do processo comportamental foi escrito

    1 Recentem ente Ribeiro (2001) escreveu um artigo enfocando as fases do processo teraputico com portam ental. Entretanto, existem aspectos distintos entre a caracterizao da autora e a adotada neste livro.

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  • por Range (1995), um autor cognitivo-comportamental (termo que ser discutido nos captulos finais deste livro).

    / O processo teraputico analtico-comportamental pode serX dividido, didaticamente, em trs etapas: inicial, intermediria e ter

    minal (Lima, 1981)./ A etapa inicial compreende a avaliao que se faz do caso,

    determinando, primeiramente, o motivo que levou o cliente a procurar a terapia (queixa) e, a partir da, coletam-se informaes sobre a histria de vida do cliente, ou seja, busca-se saber sobre a histria passada e caracterizar a situao atual do cliente, identificando-se no s comportamentos-problem a, mas tambm comportamentos saudveis, assim como pessoas e situaes que funcionem como refora dores, etc. Com relao queixa, cabe ressaltar que nem sempre ela trazida pelo cliente na primeira ou segunda sesso e, s vezes, nem mesmo ao

    \/ final da avaliao, cabendo ao terapeuta avaliar se o cliente est se es- !' quivando ou ainda no discriminou as variveis s quais est respon

    dendo (situao comum no contexto psicoterpico). Durante a avaliao, os dados so coletados principalmente aV partir do relato verbal do cliente (no caso de adulto) e da observao dos / comportamentos clinicamente relevantes (CRBs). "Os CRBs so compor

    tamentos que ocorrem na relao terapeutacliente e so amostras da interao do cliente no seu contexto de vida" (Brando e Torres, 1997, p. 219). Observar, analisar e intervir sobre os CRBs foi uma proposta elabora-

    \ /' da por Khlenberg, ainda na dcada de 80, que vem sendo incorporada prtica de clnicos comportamentais desde a ltima dcada.

    Para que a avaliao possa ser efetiva, o terapeuta precisa coletar as informaes necessrias compreenso do(s) problema (s) e elaborao do planejamento teraputico. Para tanto, diversas habilidades verbais e no-verbais so exigidas do terapeuta, dentre elas Silvares e Gongora (1998) apontam as habilidades empticas, a operadonalizao de informaes, o sorriso e os gestos ocasionais com as mos e a postura corporal dirigida ao cliente. Todas estas habilidades visam o estabelecimento de uma relao teraputica favorvel, tema que vem sendo abordado com freqncia pela literatura como um aspecto importante na conduo do processo clnico.

    , Na etapa inicial ou avaliao, pelo menos duas caractersticas/ so peculiares a este modelo de terapia: a preocupao com "um a des

    crio, a mais clara, objetiva e completa possvel da histria de vida do cliente" (Delitti, 1993, p. 43) e a nfase nos determinantes atuais dos comportamentos, mais do que nos histricos (Franks, 1996; Lipp, 1984),

    Entre a fase inicial e a intermediria, encontra-se um momento do processo que conhecido como devoluo. Com base nos dados

    12

  • coletados na avaliao, o terapeuta formula hipteses diagnosticas para todos os comportamentos do cliente, adequados e inadequados, que ju lgar necessrio. Um comportamento adequado pode ser definido como aquele que produz conseqncias reforadoras para o cliente e/ou para as pessoas envolvidas em sua relao, a curto, a mdio e a longo prazo, enquanto um comportamento inadequado aquele cuja as conseqncias so aversivas para o cliente e/ou para os que fazem parte de seu contexto (cf. Banaco, 1997).

    As hipteses so formuladas, tanto para comportamentos isolados (microanlises) como tambm uma hiptese mais ampla, capaz de explicar a situao atual do cliente a partir das inter-relaes entre os seus diversos comportamentos (macroanlise) (cf. Meyer, 1997; cf. Silvares, 2000), a partir de anlises funcionais, isto , explicaes sobre os eventos passados que instalaram os comportamentos e eventos atuais que os mantm.

    Considerando a prtica de atendimento e de superviso de estagirios em clnica comportamental, elaborou-se o seguinte quadro para a organizao das micruanlises:

    REAS COMPORTAMENTO

    ADAPTADO

    COMPORTAMENTO

    INADEQUADO

    Interao Familiar

    Relaes Afetivas

    Trabalho

    Lazer

    Tabela 1: Ficha de Organizao de M icroanlise5

    A devoluo, que pode ocorrer ao longo de vrias sesses, d- se, ento, quando o terapeuta discute com o cliente as hipteses para os comportamentos deste, objetivando test-las. O que caracteriza esta(s) entrevista(s) o fato de o terapeuta discutir de forma clara, objetiva e direta com o cliente a respeito do que pensa sobre a instalao e a manuteno das suas dificuldades. Esta discusso de fundam ental importncia, na medida em que possibilita que o cliente comece a observar os controles do ambiente e como tais controles podem ser modificados por ele prprio. Afinal, "criar condies para a discriminao das condies que controlam os comportamentos a condio bsica para a efic-

    - As reas aparecero na ficha de acordo com o caso, sendo enumerados quantos com portam entos relevantes o terapeuta selecionar.

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  • cia do processo teraputico" (Delitti, 1993, p.42). ainda durante a de- / voluo que o terapeuta apresenta uma proposta de interveno tera-

    V putica, discutindo junto com o cliente os objetivos desta e como pretende realiz-la6.

    Y A etapa intermediria diz respeito interveno, quando o foco recai sobre o(s) comportamento(s)-problema trazido(s) pelo cliente, e/ou identificado(s) pelo terapeuta, visando, basicamente, modificar os comportamentos que esto trazendo conseqncias aversivas para o cliente e instalar e/ou aumentar a freqncia de comportamentos que produzam conseqncias reforadoras. Considerando a categorizao de comportamentos feita por Skirmer, as intervenes no se restringem

    ^ aos comportamentos pblicos; to importantes quanto estes so os com- J portamentos privados.

    na etapa de interveno que se utiliza mais extensivamen- >y.. te o arsenal de tcnicas com portamentais como a dessensibilizao

    sistemtica, o esmaecimento, o treino de papis, dentre outras. O uso de tcnicas sempre discutido com o cliente, considerando sua individualidade, cabendo ressaltar que no consiste em um aspecto que caracteriza uma interveno como aftaltico-comportamental, na me-

    'N! dida em que profissionais de diferentes orientaes tericas podem / fazer uso de tcnicas comportamentais.

    So consideradas caractersticas peculiares da fase de inter- \ ( veno a avaliao constante por parte do terapeuta das intervenes

    ^ realizadas (Craighead e cols., 1994) e a modificao de comportamento(s) do cliente como critrio ltimo para avaliar a interveno como eficaz (Franks, 1996).

    Quando os objetivos teraputicos foram alcanados e o cliente mostra-se capaz de gerenciar sua vida sem a ajuda do terapeuta, a alta sugerida e o processo teraputico entra em sua etapa terminal, que conhecida como acompanhamento ou follozv-up. A respeito desta etapa, no existe um critrio nico de como ela deve ser realizada. Sabe-se, porm, que uma primeira medida no perodo de acompanhamento consiste em estabelecer um espao de tempo maior entre as sesses (realiz- las quinzenalmente, mensalmente, trimestralmente e assim por diante) e, posteriormente, os contatos podem passar a ser feitos por telefone. Esta " estratgia" tem por objetivo verificar se os ganhos obtidos duranteo processo teraputico esto se mantendo, do contrrio, ou se surgir alguma situao nova com a qual o cliente esteja tendo dificuldade em

    h Rang (1995) em sua caracterizao do processo comportam ental considera a formulao e a devoluo, denominada por ele de discusso, com o fases do processo teraputico, assim com o a avaliao, e Ribeiro (2CKJ1) usa o terino sesso de formulao comportam entai para o que se denominou de devoluo. Neste caso, formulao pode ser entendida com o o trabalho do terapeuta de anlise e sntese dos dados de avaliao.

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  • lidar, h possibilidade de ser realizada uma nova interveno. Aqui, importante o terapeuta discriminar quando, de fato, o cliente precisa de ajuda e quando est sim ulando uma dificuldade para manter a relao teraputica.

    Em sntese, o processo teraputico analtico-comportamental pode ser dividido nas etapas de avaliao, interveno e acompanhamento. Ao longo deste processo, identificam-se certas caractersticas que so especficas deste modelo de terapia. Dentre estas caractersticas esto: a) nfase nas variveis ambientais, no comportamento e nos seus determinantes atuais; b) minuciosa coleta e anlise de dados; c) uso da anlise funcional para interpretar os dados coletados; d) interveno direta e objetiva e e) mudana comportamental como critrio final para a avaliar a interveno.

    Partindo desta caracterizao do processo teraputico, constitui objetivo do mesmo, segundo Batistussi (2000),

    conscientizar o cliente das contingncias em operao na sua vida, compreendendo como certas coisas so feitas e porqu so feitas. Esta conscientizao provavelmente visa a modificao dos aspectos que esto causando problemas para o cliente, na medida em que a meta dar conscincia atravs da descrio de contingncias, de forma que o cliente emita novos comportamentos e tenha conseqncias reforadoras, tomando as relaes com o ambiente mais produtivas (p. 158).

    D o ponto de v ista do terapeuta, ainda de acordo com Batistussi (2000) " a principal meta buscar uma adequada compreenso da problemtica do cliente e realizar uma interveno baseada na anlise funcional" (p. 161).

    M eyer (1990), em um texto intitulado Quais os requisitos para que uma terapia seja considerada comportamental?, discute algumas questes que considera relevantes neste modelo de terapia. Para a autora,

    So essenciais, no nvel metodolgico, a anlise [funcional] de contingncias; no nvel conceituai, o conhecimento e a aplicao, mesmo que assistemtica, de princpios de comportamento; e no nvel filosfico, pelo menos a rejeio ao mentalismo. Caso contrrio, teremos uma abordagem sem consistncia e que provavelmente no sobreviver (p.4).

    Em linhas gerais, neste captulo, foi enfatizado que a TAC se ca ra c te r iz a p or e s ta r fu n d a m en ta d a nos p re ssu p o sto s do Behaviorism o Radical e delim itar como finalidade da interveno, identificar, analisar e alterar, com o uso da anlise funcional, as variveis externas das quais os comportamentos dos clientes so funo.

    No prximo captulo, tratar-se- de um dos temas mais importantes da filosofia skinneriana - a subjetividade.

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  • IIIs-

    A S u b je t iv id a d e s o b a O t ic a B e h a v io r is t a R a d ic a l :

    I n t e r p r e t a o , A s p e c t o s P o l m ic o s e M a n e jo T e r a p u t ic o

    Como mencionado no Captulo I, as primeiras publicaes de Skinner datam de 1930, sendo que, at 1944, seus trabalhos estiveram mais voltados para discusses acerca dos condicionamentos reflexo e operante, abordando assuntos como os processos de reforamento, extino e discriminao.

    Mas, a partir da publicao de Tcnns (1945)7, que Skinner passa a abordar com freqncia a temtica da subjetividade. Porm, isto no significa que Skinner tenha deixado de tratar dos assuntos que tratava anteriormente, o que acontece a incluso da anlise da subjetividade em termos behaviorista radical, anlise esta pautada no modelo de seleo por conseqncias.

    Na verdade, a singularidade do Behaviorismo skinneriano consiste, exatamente, em reconhecer e propor um estudo cientfico para a vida interna dos indivduos, rompendo com as explicaes psicolgicas tradicionais ao rejeitar a funo causal dos processos mentais, assumindo que tanto os eventos privados quanto aqueles que ocorrem no ambiente externo possuem dimenso fsica. Quando defende que eventos pblicos e privados so fsicos, Skinner supera a dicotomia at ento existente entre fsico e mental (Tourinho, 1995).

    Ao rejeitar o status causal dos eventos privados, Skinner (1953/ 1965) enfatiza que "ns no podemos explicar o comportamento de

    7 Alm do artigo de 1945, Skinner publicou tambm em 1953 Cincia e Comportamento Humano, em 1974 Sobre o BehaDiorismo, em 1989 Questes Recentes na Anlise do Comportamento e em 1990 Pode a Psicologia $er uma Cincia da M ente? (alm de outras obras). Todas estas publicaes abordam direta ou indiretamente o tem a da subjetividade.

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  • qualquer sistema enquanto permanecemos completamente dentro dele; eventualmente ns devemos retomar s foras de fora operando sobre o organismo (p. 35)". E isto caracteriza o recorte extemalista e a adoo de um critrio funcional de causalidade assumidos por Skinner.

    De acordo com Zuriff (1985), para os bchavioristas radicais, uma explicao adequada acerca do comportamento deve relacion-lo s caractersticas do ambiente externo. Por sua vez, o recorte extemalista fundamenta-se em uma questo pragmtica, j que so consideradas causas legtimas apenas aquelas que so passveis de manipulao direta. Como dizem Forsyth, Lejuez, Hawkins e Eifert (1996) "ns teramos que manipular cognies parte de outras manipulaes que poderiam ser interpretadas como causas para demonstrar se uma 'cognio' e no uma outra coisa qualquer causa" (p. 372).

    E m funo do recorte extem alista e do "fisicalism o" de Skinner, no existe nada de misterioso e de metafsico com respeito ao mundo privado (Skinner, 1974). A nica distino entre eventos pblicos e privados refere-se acessibilidade (Skinner, 1945).

    Nesta perspectiva, existiriam, para Skinner, duas categorias de comportamento: pblico e privado8. Os pblicos referem-se s aes diretam ente observveis e os com portamentos privados so aqueles que inicialm ente eram pblicos, mas tom aram -se privados em funo das contingncias. A diferena estaria no fato de os comportamentos pblicos serem acessveis observao pblica direta e os com portamentos privados serem acessveis diretamente apenas a cada indivduo em particular (Skinner, 1953/1965). Como exemplos de com portamentos privados, encontram-se o pensar, o ouvir, o ver, o fantasiar.

    Skinner, em 1968/1972, cita o exemplo do comportamento verbal privado ou encoberto:

    Embora uma criana possa eventualmente falar consigo mesma silenciosamente, foi ensinada a falar reforando-se diferencialmente o comportamento audvel. Embora, mais tarde, seja possvel ler livros silenciosamente ou recitar trechos [para si mesma], o ensino se faz pela leitura em voz alta (p. 118).

    A lm dos comportamentos, Skinner (1945) concebe o m undo privado dos indivduos constitudo por estmulos que so vistos como as prprias condies corporais ou alteraes fisiolgicas sentidas por cada indivduo. Da mesma form a que os comportamentos, as condies corporais so produtos da histria gentica e ambiental de

    I cada ser em particular. Logo, o que sentido o prprio corpo de quem { sente (Skinner, 1974),

    8 A proposta dtj categonzar com portam ento em pblico e privado no completamente original, uma vez que W atson j falava em respostas expfdtas (aes publicamente observveis) e implcitas (alteraes fisiolgicas).

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  • Os subprodutos aos quais Skinner se refere esto relacionados com um dos efeitos do reforamento. Quando o indivduo interage com o ambiente, ele modificado de duas formas: ao nvel da condio corporal e ao da probabilidade de emisso de comportamento futuro (Costa, 1996; Tourinho, 1997b). A alterao da condio corporal relaciona-se com o prazer efeito imediato do reforamento no sentido de que a resposta de sentir envolve condies do prprio corpo daquele que sente, e a m udana de probabilidade d-se em funo do efeito

    } fortalecedor do processo de reforamento (Andery, 1997). Hm sntese, as j contingncias de reforamento produzem condies corporais e com- ' portamentos pblicos e privados, bem como outros tipos de contingn

    cias (extino, punio), que tambm produzem alteraes no prprio corpo do organismo e na probabilidade de emisso de comportamentos pblicos e privados.

    As interpretaes skinnerianas de comportamento pblico e mundo privado podem ser esquematizadas da seguinte maneira:

    Inventas Externes l

    (Cbntingtias de refctyairenlQ, extmu punio)

    G an^crtairaitus Publicre HventiK Privadas

    (estmulos e a Ttrportamei ttns)

    Figura 1: Reiao entre eventos externos, comportamentos pblicos e eventos privados na filosofia behaviorista radical.

    Esta esquematizao torna mais claro que, diferentem ente das teorias intemalistas, na filosofia behaviorista radical, o que ocorre no m undo privado no um incio, ou melhor, no existe uma relao de determinao entre eventos privados e pblicos. Isto significa que tanto comportamentos pblicos quanto eventos privados - comportamentos e alteraes fisiolgicas so produtos da relao que o indivduo estabelece com seu ambiente externo.

    Embora no aceite a causalidade interna, Skinner adm ite algumas possibilidades de o evento privado entrar no controle do comportamento. Dentre estas possibilidades, encontram-se as seguintes (Tourinho, 1997b):a) Quando uma condio corporal controla uma descrio verbal -

    de dor, por exemplo;b) Quando um comportamento encoberto constitui um dos elos da

    contingncia. Por exemplo, resolver um problema envolve, em certas situaes, pensar na soluo antes de responder publicamente.

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  • O que deve ficar claro que mesmo Skinner admitindo a possibilidade de um evento privado controlar um comportamento, esse evento nunca ser visto como autnomo na determinao (daquele) fenmeno (Tourinho, 1997a; 1997b). A relao entre um evento privado e um evento pblico mais uma relao que deve ser explicada a partir das variveis ambientais externas e no internas.

    Retomando as afirmaes de que o mundo privado constitudo de estmulos e comportamentos, e que esses estmulos privados so as condies corporais, ento, estas constituem o objeto de estudo da

    jfisiologia e no de uma cincia do comportamento. Isto significa que a j anlise da subjetividade envolve mais precisamente a anlise de com- 'j portamentos sob controle de condies corporais e de comportamentos ijpnvados propriamente ditos. Todos esses fenmenos que na linguagem do senso comum "se relaciona[m] com os pensamentos e sentimentos de um su jeito ,... [como os] desejos, esperanas, medos, crenas, intenes, ctc. (Tourinho, 1997c, p. 203).

    Para explicar a subjetividade, Skinner recorre s contingncias am bientais de reforamento que atuam em trs nveis diferenciados: filogentico, ontogentico e cultural. Compreender a subjetividade, im plica compreender, em particular, o nvel cultural ao qual ela est mais estritamente relacionada (Andery, 1997).

    Na interpretao de Skinner, a vida privada de cada um se constri a partir das relaes estabelecidas com a comunidade verbal. somente atravs do reforamento diferencial provido pela comunidade verbal, ao observar padres de comportamentos pblicos, que os organismos aprendem a reagir discriminativamente ao seu mundo pri-^ vado. Foram, as contingncias sociais que possibilitaram aos indivduos reagir discriminativamente s suas condies corporais e denominar sentimentos de raiva, angstia e pensamento como tais (Tourinho, 1997b). Sendo assim, antes que a comunidade verbal interaja com o indivduo, tanto o mundo privado quanto o mundo pblico, constituem um material indiferenciado com respeito ao qual os indivduos no se comportam dferencialm ente (Tourinho, 1997a, 1997c).

    N este sentido, Andery (1997) afirma que: apenas atravs da cultura que um outro contato importante pode ser feito entre o indivduo e o ambiente: o comportamento verbal permite que os indivduos passem a ter um acesso a uma parte importante do mundo: o mundo privado (...) atravs da comunidade verbal que se constri uma parte importante do repertrio dos seres humanos: sua subjetividade (Andery, 1997, p. 205).

    Uma das dificuldades de se aceitar a interpretao behaviorista acerca da subjetividade diz respeito suposta relao existente entre o que se passa dentro do indivduo e o comportamento. Isto porque, como

    19

  • foi mencionado anteriormente, a interao do indivduo com o ambiente pode gerar no s mudanas nas condies corporais como tambm m ufana na probabilidade de comportamento futuro. As alteraes nas condies corporais do organismo antecedem ou acompanham os comportamentos (Skinner, 1989). Assim, fcil pensar que existe relao de causalidade entre esses eventos.

    Em 1974, Skinner chama a ateno exatam ente para essa tendncia de deduzir relaes de causalidade em relaes m eramente temporais, cujo princpio se resume na frase "depois disto, logo causado por isto". Em 1978, ele afirmou:

    O que sentimos so condies do nosso corpo, a maioria das quais estritamente relacionadas com nosso comportamento e com as circunstncias nas quais nos comportamos. Agredimos e sentimos raiva; ambos pela mesma razo, e esta razo est no ambiente. Em suma, as condies corporais (...) No possuem fora explicativa; simplesmente so fatos adicionais a serem levados em conta (p. 71).

    De acordo com esta interpretao, a subjetividade, diferentemente do que sustenta a concepo tradicional, e largamente aceita na cultura ocidental, no interior, nem causa e nem mesmo subjetiva no sentido de individual. A subjetividade de algum consiste, na realid ade, na sub jetiv id ad e de um grupo socia l (A ndery, 1997; Touxinho, 1997b). Nas palavras de Andery (1997):

    A nossa subjetividade, por paradoxal que parea, talvez seja a mais social de todas as caractersticas humanas. E paradoxal, porque apenas atravs de correlatos outros a conhecem, e porque o prprio ato de torn-la pblica em certo sentido a desfaz; entretanto sem acompanhamento pblico, sem a modelagem e o reforamento social, o comportamento verbal e a cultura, nv podemos sequer falar dela (p. 206).

    Com base no exposto, a interpretao behaviorista radical de subjetividade resume-se nos seguintes termos:1. possvel falar em estmulos e comportamentos privados, sendo que

    a anlise da subjetividade envolve mais especificamente os comportamentos;

    2. A problemtica da subjetividade concentra-se na inacessibilidade dos eventos privados;

    3. Mesmo quando um evento privado entra no controle de um comportamento pblico, ele nunca autnomo em sua produo;

    ^ 4. A subjetividade concebida enquanto um fenmeno comportamental instalada e mantida da mesma form a que os comportamentos pblicos, atravs da ao da comunidade verbal que observa padres pblicos de comportamentos;

    ^ 5. A compreenso da subjetividade deve passar diretamente pela compreenso da relao entre indivduo e cultura e das prticas culturais como um todo.

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  • Exposta a interpretao de Skinner sobre a subjetividade, a seguir sero discutidos alguns aspectos polmicos desta interpretao.

    Aspectos Polmicos na Interpretao Skinneriana de Subjetividade

    A utores como H ayes (1992), O verskeid (1994) e Rachlin (1995), dentre outros, tecem crticas interpretao skinneriana de subjetividade. Neste tpico, algumas destas crticas sero elucidadas e discutidas.

    Um dos problemas na interpretao de Skinner apontados por Overskeid (1994) refere-se questo da causalidade. O autor argumenta que os eventos privados devem ser considerados como causas iniciais do comportamento, pois uma cadeia causal infinita e, por isso, decidir onde ela com ea e termina arbitrrio. Isto , como um elo de uma seqncia causal, um evento privado, seja ele estmulo ou comportamento, na concepo de Overskeid, " uma causa legtima tanto quanto os elos externos" (Tourinho, 1999, p. 113).

    De fato, a crtica levantada por Overskeid interpretao skinneriana possui fundamento, entretanto, possvel respond-la, pelo menos em parte. O problema na interpretao de Skinner concentra-se muito mais na categorizao de eventos privados como estmulos e comportamentos do que propriamente no recorte assumido por ele.

    Se Skinner admite que estmulos so partes do ambiente que afetam o comportamento, e que estmulos pblicos determinam comportam entos, parece difcil sustentar que estmulos privados no o faam. Alm do mais, Skinner tam bm admite a existncia da relao com portamento privado-com portam ento pblico. O que precisa ser enfatizado, porm, que o recorte skinneriano, para a explicao do comportamento humano, extem alista (Tourinho, 1999), mesmo que se argum ente a sua arbitrariedade. Assum ir isto, ento, implica que nenhuma condio privada controla um comportamento, independentemente da relao estabelecida entre o indivduo e o ambiente scio- cultural do qual participa e, nem tampouco, um pensamento ou um sentimento ocorre na ausncia de uma estimulao ambiental externa. Neste sentido, a anlise e o recorte extem alista usados por Skinner mostram-se coerentes.

    Rachlin (1995) discorda do termo usado por Skinner para tratar da subjetividade. Para ele, "coisas que so mentais so mais teis para a psicologia do que coisas que so privadas" (p. 183), desde que por m ental se entenda padro de com portam ento publicam ente observvel que ocorra em um certo perodo de tempo.

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  • Possivelmente, Skinner adotou o termo evento privado como mais uma forma de se contrapor interpretao intem alista de subjetividade que veicula a existncia de uma mente autnoma na produo do fenmeno comportamental. Por outro lado, a denom inao evento privado tambm problemtica, por se relacionar com interno. Afinal, os termos privado, interno e inacessvel so utilizados por Skinner como equivalentes. Partindo-se desta constatao, a crtica feita por Rachlin tem o mrito de trazer tona o problema da denominao usada por Skinner e tambm de propor que os fenmenos subjetivos, mentais ou privados, sejam considerados como comportamentos pblicos como quaisquer outros, isto no significa, porm, concordar com Rachlin que a denominao mental seja a mais pertinente; tanto a denominao mental quanto a privada parecem inadequadas, uma vez que ambas sugerem a existncia de algo interno e acessvel apenas a cada indivduo, que de algum modo se diferencia do fenmeno comportamental publicamente observvel. Talvez, por isto, a alternativa seja adotar a denominao de Kantor de eventos discretos ou sutis, para referir-se aos fenmenos subjetivos, mantendo-se o argumento de que um evento privado ou mental no interno nem inacessvel, mas ujn comportamento pblico.

    Hayes (1992) compara e avalia as propostas de Skinner e Kantor no que se refere ao tema da subjetividade. Como apontado acima, Skinner usa os termos privado, interno e inacessvel como sinnimos e o argumento central dc Hayes (1992) relaciona-se exatamente com este aspecto da interpretao de Skinner. Para a autora, a anlise de Skinner problemtica, por situar o evento privado dentro do indivduo. A anlise de Kantor, em contrapartida, segundo Hayes (1992), mais coerente e til do que a de Skinner, pois, para Kantor, um evento subjetivo um evento sutil, mas nunca interno. Hayes (1992) acrescenta que estes eventos "so diretamente observveis com ou sem acom panham entos (p. 161).

    A observao dos eventos subjetivos de algum im plica, contudo, construir uma histria de interao entre duas pessoas. Por exemplo:

    Casais que tm vivido juntos por um Longo perodo de. tempo (...) Com freqncia sabem to bem o que o outro est pensando que eles consideram menos necessrio se expressarem abertamente. Eles terminam cada sentena do outro, ou falam sentenas parciais que seus pares entendetn completamente. Eles podem tambm pensar a mesma coisa ao mesmo tempo. Todas estas circunstncias so devido histria extensiva de interao ntima entre as duas pessoas (Hayes, 1992, p. 160).

    Resumindo, a "observao de eventos sutis (...) depende da intimidade do observador com o observado" (Hayes, 1992, p. 159).

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  • A crtica formulada por Hayes interpretao de Skinner chama-nos a ateno para uma questo que central na discusso da subjetividade: as dicotomias externo-interno, observvel-inobservve e aces- svel-inacessvel, todas presentes na interpretao de Skinner.

    A anlise skinneriana accrca da subjetividade, como foi abordada no tpico anterior, parte da concepo de que existem estmulos e comportamentos privados. Os primeiros, concebidos com o condies fisiolgicas e que, no necessariamente, constituem a subjetividade. J os comportamentos, estes sim, so considerados como eventos subjetivos. A questo que se coloca ento a seguinte - se por subjetividade se entende comportamentos modelados por uma comunidade verbal que depende da observao de comportamentos pblicos, em que medida a subjetividade realmente diz respeito privacidade de um indivduo?

    Enquanto a subjetividade for tratada como um fenmeno privado, interno, inacessvel e/ou inobservvel, provavelmente as questes ligadas a ela permanecero "problem ticas" para qualquer tentativa de investigao. Neste sentido, a anlise de Kantor talvez seja a que mais permitir um avano nesta discusso. O que no exclui considerar a afirmao de Skinner, feita ainda em 1945, de que "o nico problema que uma cincia do comportamento pode resolver em conexo com o subjetivismo no campo verbal" (p. 294).

    Alm disso, considerar a argumentao de Andery (1997) dc que entender a subjetividade envolve entender a cultura e como se relacionam indivduo e cultura, tambm se mostra imprescindvel.

    Continuando com a discusso da subjetividade, a seguir, ser enfocado como ela tem sido trabalhada no contexto teraputico anal- tico-comportamental.

    Subjetividade na Terapia Analtico-Comportamental"Estou muito triste. Tenho chorado todos esses dias". "N o final

    de semana, eu estava me sentindo pssima". "Sonhei que o demnio vinha me pegar". " s vezes me sinto to confuso e inseguro que simplesmente acho que sou um intil". Relatos desta natureza fazem parte do dia-a-dia de todos, mas especialmente no contexto teraputico que se tomam ainda mais presentes. Deste modo, o tema da privacidade ou do ambiente privado de cada indivduo particularmente relevante quando se fala em terapia, j que "esse contexto caracteriza-se, socialmente, como um dos mais apropriados e acolhedores para se falar de questes pessoais relativas a sensaes, sentimentos, crenas, pensamentos, enfim, a eventos privados" (Sant' Anna, 1994, p. 490).

    Q uando se faz refern cia ao m odelo cln ico analtico- comportamental, necessrio lembrar que no foi sempre assim, uma

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  • vez que no seu incio tinha como principal caracterstica atuar alterando diretamente as contingncias no ambiente natural do cliente (hospital, escola). Contem poraneam ente, porm , os terapeutas analtico- comportamentais praticam a terapia face a face, que se caracteriza por ser predominantemente verbal (Guedes, 1993; Sant' Anna, 1994).

    Foi exatamente nesta passagem de um modelo para outro queo mundo privado do cliente passou a ter importncia. Conte e Regra (2000), por exemplo, ao distinguirem a Modificao do Comportamento Infantil da Psicoterapia Comportamental Infantil atual, ressaltam que no se levava em conta os sentimentos da criana (at porque ela quase no era inserida no processo); nem tampouco os sentimentos de seus pais, sendo o terapeuta, basicamente, um aplicador de tcnicas.

    Desde a dcada de 60, muitas m udanas em relao ao processo clnico comportamental ocorreram e, como em qualquer outra terapia de gabinete, todo terapeuta, independente de abordagem, convive no cotidiano de sua prtica com rela tos acerca do mundo interno, precisando abord-k) de algum modo.

    Mas, o que fariam os clnicos com portam entais com este m aterial? E Skinner? O que ele te/ia a dizer sobre a clnica, e mais precisamente sobre a subjetividade na clnica?

    //Skinner no se props e no fez incurses sistemticas pelo universo clnico, no fornecendo, portanto um modelo terico-expe- rim ental diretamente voltado prtica clnica" (Guilhardi, 1995, p. 257, itlico acrescentado), contudo, em 1974, categrico em afirmar que:

    Urna anlise behaviorista no discute a utilidade prtica acerca dos relatos do mundo interior (...) Eles so pistas (1) paru o comportamento passado e as condies que os afetaram, (2) para. o comportamento atual e as condies que o afetam, e (3) para as condies relacionadas ao comportamento futuro (p. 31).

    Em 1989, novamente enfatiza: "C om o as pessoas se sentem "S to importante quanto o que elas fazem " (Skinner, p. 3).

    Como se v, Skinner explcito em atribuir importncia aos relatos acerca do mundo privado. Afinal, sentimentos, emoes, sonhos e fantasias so fenmenos que tambm esto presentes no ambiente "natural" dos indivduos e no apenas no setting teraputico.

    Mas, efetivamente, o que fazer com o mundo privado em um contexto teraputico analtico-comportamental?

    Nos ltimos anos, analistas do comportamento tm demonstrado grande interesse pelo estudo de eventos privados. Apesar disto, a comunidade de terapeutas ainda enfrenta dificuldades ao lidar com tais eventos no contexto clnico (Azevedo, 2001).

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  • Dentre as contribuies de trabalhos que tratam dos eventos privados na prtica clnica analtico-comportamental, est a criao de diversas categorias de anlise que o clnico pode utilizar em sua atuao (cf. Azevedo, 2001), alm daqueles que abordam inclusive os prprios eventos privados do terapeuta.

    Na prtica, como eventos privados so entendidos como estmulos e comportamentos que tambm esto sob controle de contingncias, ento, cabe ao terapeuta utilizar os princpios dos condicionamentos clssico e operante para m odificar tanto comportamentos

    ( pblicos com o eventos privados do clien te. Logo, a interveno1 comportamental parte do princpio de que mudanas nas contingn- / cias prom ovem mudanas tanto nos comportamentos pblicos quan- "j to no mundo privado dos indivduos (Lipp, 1984). O foco e a inter- \ veno ocorrem de fora para dentro.

    Promover mudanas no am biente externo a fim de modificar padres de interao pblico e privado consiste no ponto central da interveno analtico-comportamental que tanto a diferencia das demais. Para isso, trabalha-se com o cliente de modo que o comportamento verbal do terapeuta controle o comportamento no-verbal do cliente fora da sesso teraputica (Hbner, 1997).

    De forma mais especfica, para lidar com eventos privados na clnica, cabe ao terapeuta primeiro lembrar sempre que o relato de um evento privado um comportamento verbal que faz referncia a um estado do corpo e/ou a um outro comportamento; segundo, identificar que tipo de Sd foi fornecido e o qual o cliente est respondendo; e, terceiro, considerar que o relato (sentir angstia, tristeza, pensar em morte, imaginar-se linda em uma festa) sinaliza probabilidade de emisso de com portamento pblico, ou seja, um relato de evento privado pode ser usado para prever comportamento. Exemplificando, algumas pessoas, quando se dizem deprimidas, tm maior probabilidade de permanecerem mais tem po dentro de casa, sorrir com menos freqncia, chorar com mais freqncia, dentre outros. Desse modo, talvez pudssemos dizer que pensam entos e sentimentos so entendidos como comportamentos ju stam ente em funo de estarem sob controle de contingncias ambientais e envolverem probabilidade de ao publicamente observvel.

    Reconhecido os trs aspectos supracitados, cabe ainda ao terapeuta desfazer a anlise causal freqentemente estabelecida pelo cliente entre evento privado e comportamento pblico (quando afirma, por exemplo, que sua ansiedade que causa todos os seus problemas de relacionamento) e conscientizar o cliente, atravs de anlises funcionais e de mudanas nas contingncias, que suas sensaes, pensamentos e fantasias mais incmodas podero diminuir com alteraes ambientais exter-

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  • nas. Neste sentido, o cliente precisa se comportar, expor-se s situaes para que possa ser afetado pelas conseqncias (cf. Banaco, 1997).

    De acordo com o referencial comportamental, ento, trabalhar no contexto clnico com eventos privados, implica analis-los funcionalmente, como se faz com qualquer outro tipo de comportamento pbli-

    < co, isto , precisa-se identificar tanto as variveis que antecedem a ocor- jrncia de um evento privado quanto as que o mantm. Assim, o privado j no inacessvel e pode ser compreendido e modificado da mesma ma- yneira que um comportamento pblico.

    Em relao s funes da atuao do terapeuta analtico- comportamen tal junto aos eventos privados, Martins e Tourinho (2001) resumem-nas em quatro, so elas: investigar e intervir em relao aos eventos privados, analisar as relaes entre eventos privados, contingncias ambientais e comportamentos pblicos e fornecer "feedbacks descritivos e referncias sobre eventos privados do terapeuta, do cliente ou de terceiros"' (p. 42).

    Resgatar questes relacionadas subjetividade pertinente e, provavelmente, sempre ser um material importante a ser analisado no contexto clnico. E isto, necessariamente, no significa negligenciar as contingncias e retomar ao mentalsmo, mas, antes, uma busca de compreenso do homem como um todo, com seus comportamentos abertos e encobertos. Afinal, os clientes procuram terapia quando esto ansiosos, angustiados, tristes, esto pensando em suicdio, enfim o cliente aquele que sente e descreve o que est sentindo como sofrim ento. Em contrapartida, o terapeuta analtico-comportamental aquele que, mesmo considerando relevante os contedos referentes ao mundo privado, no negligencia as contingncias e no os trata como causa de com portamentos, como fazem os modelos de interveno intemalista.

    Oliveira (2001), neste sentido, afirma que um terapeuta anti- internalista (ou um terapeuta analtico-comportamental) teria vrias funes, dentre elas " combater o internalismo e suas conseqncias; conceber relatos de eventos internos como comportamento verbal a ser analisado [ej no paralisar investigao diante de relatos sobre causas internas" (p. 310).

    Como visto, assim como nos diferentes modelos teraputicos em psicologia, no se pode falar em TAC sem fazer referncia subjetividade, simplesmente porque a subjetividade indissocivel das contingncias (cf. Oliveira, 2001).

    Tendo encerrado por ora a discusso sobre o mundo privado, o prxim o captulo tratar do m odelo teraputico "cognitivo- comp or tament a l" .

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  • IVP SICOTERAPIA "COGNITIVO-

    C o m p o r t a m e n t a l "

    O Behaviorismo e o Cognitivismo representam duas abordagens de ampla repercusso na Psicologia deste sculo. Embora fundamentem-se em princpios filosficos diversos, tem sido observado um movim ento de aproximao entre essas duas tradies de pensamento nas ltimas dcadas. Reflexos desta aproximao podem ser verificados no contexto especfico da Anlise do Comportamento, cujos artigos na rea tm tratado com freqncia do tema cognio e/ou interpretado dados luz de um referencial cognitivista.

    Em um artigo publicado em 1980, intitulado "Para onde tm ido os behavioristas?", Branch e Malagodi (1980) argumentaram que o Journal of the Experimental Analysis of Behavior (JEAB), considerado um dos principais veculos de comunicao para a comunidade de analistas experimentais do comportamento, estava mudando sua concepo sobre o locus de controle do comportamento ao veicular afirmaes de cunho claramente mentalistas. Isto significa que, na concepo dos autores, em alguns artigos, o comportamento era explicado mais em funo de eventos internos.

    Morris, Higgins e Bickel (1982), ao discutirem os argumentos em favor da incluso da cincia cognitiva na Anlise Experimental do Comportamento (AEC), apontaram que "durante os ltimos dez anos, o tema da cognio tem se tomado crescentemente dominante na aprendizagem anim al" (p. 109). De acordo com os autores, a partir de Skinner, a AEC passou a evitar construtos e linguagem cognitiva. Contudo, a contagem do'nmero de palavras-chave presentes nos artigos da JEAB evidenciou que

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  • em 18 anos de publicao da JEAB antes de 1976,... [os termos] memria, cognio, inteligncia e processamento de informao apareceram 5 vezes ( X - 0,28 por ano); porm, nos seis anos entre 1976 e 1981, elas tm aparecido 26 vezes (X~ 5,2 por ano) ... (Morris e cols. 1982, p .110).

    A influncia do Cognitivismo, entretanto, no pra a. No contexto da TAC, Craighead e cols. (1994) constataram que 69% dos membros da Associao para o Avano da Terapia do Comportamento rotulam-se como cognitivo-comportamentais. Baer, W olf e Risley (1987), a partir de uma anlise mais ampla, estimaram que apenas 2% dos psiclogos americanos so behavioristas e, conforme Lee (1992), ""na psicologia clnica e aplicada, m odelos cognitivos tm se tornado a norma e teorias no cognitivas so uma minoria ..." (p.258).

    Para explicar o movimento integracionista entre Behaviorismo e Cognitivismo, h uma proposio de que este foi iniciado na rea clnica (Hawkins e Forsyth, 1997a; 1997b; Jacobson, 1987; Kerbauy, 1983; Mahoney, 1977). Como afirma Kerbauy (1983), a relao entre Cognitivismo e Behaviorismo "no foi de antagonismo, pelo m enos entre alguns terapeutas: houve uma fuso com um certo tipo de tratamento, que enfatizava processos "m ediacionais" tais como: crenas, percepes e pensam entos (...). Essa rea de fuso conhecida com o terapia comportamental cognitiva" (p. 33). Mas quais so as origens do que se

    f chama de Terapia "Cognitivo-Comportamental"? O que a define? QuaisI so seus fundamentos? Como se d o processo teraputico? Este cap- Vtulo se prope a responder pontualmente cada uma destas questes.

    Atualmente, existem diferentes modelos de terapias "cognitivo- com portamentais", porm, o de Beck, conhecido apenas por Terapia Cognitiva (TC), figura entre os primeiros (Freeman e Pretzer, 1993), apresenta uma estrutura terica organizada que respalda suas intervenes e, ainda hoje, consiste em um modelo de grande repercusso entre terapeutas de orientao cognitivista, tendo sido por estes motivos selecionado para ser abordado neste livro.

    O p rim eiro m od elo cln ico de o rien tao co g n itiv o - comportamental foi a Terapia Racional Emotiva Comportamental (REBT, conhecida at 1993 por RET, segundo Campos, 1995), de Albert Ellis, que surgiu na dcada de 60. O advento desta nova orientao atribudo, dentre outros, aos limites das terapias estritamente comportamentais e ao desenvolvimento de estudos na rea das cognies (Dobson e Block, 1988).

    J a TC, fundada por Aaron Beck, na dcada de 70, foi desenvolvida a partir de estudos para o tratamento da depresso, embora, atualmente, seja aplicada no tratamento de diversos transtornos, inclusive problemas interpessoais (Dobson e Franche, 1996).

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  • As origens da terapia cognitiva podem ser buscadas nos filsofos estoicistas, particularmen te em Zeno de Ctio (sculo 1V a. C.), Crfsipo,Ccero, Sneca, Epicteto e Marco A urlio. Epicteto escreveu no Enchiridion: "Os homens no so perturbados pelas coisas, mas pelas vises que fazem, delas". Como o Estoicismo, filosofias do Oriente tais como o Taosmo e o Budismo tm enfatizado que as emoes humanas esto baseadas nas idias. O controle dos sentimentos mais intensos pode ser alcanado pela modificao das idias de uma pessoa (Beck,Rush, Shazu e Emery, 1979, p. 8).

    Alm dos tas, outras influncias existiram, como a Psicanlise de Freud, com o pressuposto de que sintoma e afeto esto baseados em idias inconscientes. Assim tambm, a Fenomenologia (Kant, Heidegger, Husserl) ao enfatizar a experincia subjetiva. A Teoria Cognitivista de Piaget, a REBT de Albert Ellis e a Terapia Comportamental nas figuras de Mahoney, Goldfriend e Davison (Beck e cols., 1979).

    Na tradio "cognitivo-com portam ental", de acordo com Dobson e Block (1988), trs proposies so consideradas bsicas: a) a atividade cognitiva afeta o comportamento; b) a atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada, e c) a mudana com portamental pode ser afetada pela mudana cognitiva.

    N o m odelo cognitivo de Beck, esp ecificam en te, so as cognies os determ inantes principais dos sentim entos e dos com portamentos dos indivduos (Craighead e cols., 1994). Deste modo, defi- ne-se TC como um tipo de interveno que tem como foco as cognies dos clientes e que se fundamenta na concepo terica de que a maneira como os indivduos estruturam cognitivamente o mundo determina amplamente o seu comportamento (Beck, 1970; Beck e cols., 1979).

    As cognies ou pensamentos automticos consistem em diversos fenmenos que ocorrem durante ti processamento cognitivo (ou de informao), como a recordao e a interpretao (Beck, 1991).

    '"Estes pensamentos (cognies) tendem a se originar rapidamente e automaticamente, como se por reflexos; eles no esto sujeitos fora de vontade ou ao controle consciente" (Beck, 1991, p. 369). Apesar da rapidez e automaticidade, estes pensam entos so produzidos atravs da interao de crenas relevantes com as situaes simblicas (Beck, 1991).

    Quando Beck (1991) escreve sobre as crenas em seu modelo teraputico para depresso, ele sugere que elas se formam na fase inicial da vida dos indivduos e passam a constituir a sua estrutura cognitiva, no caso, os esquemas. Em 1993, Beck props a hiptese de que as crenas disfuncionais possam ter sua origem ligada interao entre predisposio gentica e situaes ambientais.

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  • Oh termos crena, cognio e pensamento automtico, muitas vezes, so usados como equivalentes, o que configura uma impreciso conceituai. Contudo, uma possibilidade de equacionar este problema seria diferenciar cognio dc pensamento automtico, a partir de uma

    das interpretaes de Beck e cols. (1979) de que as cognies seriam aI avaliao dos eventos que medeiam a relao entre o ambiente extcm o c ; os sentimentos, comportamentos e os pensamentos automticos. Dito de

    outro modo, pensamentos automticos so respostas im ediatas diante da exposio a uma situao. J as cognies so pensamentos mais elaborados acerca da situao. Interpretando-se desta maneira, faz sentido dizer que as cognies e os pensamentos automticos derivam de crenas, na medida em que estas integram os esquemas. De forma genrica, cognies so pensamentos ou imagens visuais, enquanto pensamentos automticos so tipos de cognio (Beck e cols,, 1979).

    A respeito dos esquemas, Beck (1993) argumenta que este termo j foi utilizado por Bartlett e Piaget "para descrever as estruturas que integram e atribuem significados aos eventos" (p. 24). Dattilio e Freeman (1995) referem-se aos esquemas como "estruturas hipotticas que orientam e organizam o processamento d informaes e a compreenso da experincia da vida", ou ainda, "so a acumulao do aprendizado e da experincia do indivduo..." (p. 25), podendo ser deduzidos dos pensamentos automticos e dos comportamentos. Acrescentam que Beck "su geriu que os esquemas so o substrato cognitivo que gera as vrias distores cognitivas observadas nos pacientes" (Dattilio e Freeman, 1995, p. 25).

    Segundo o prprio Beck (1993), os esquemas so os verdadeiros responsveis pelo processamento de informao. So eles que "respondem pela seqncia que se estende desde a recepo do estmulo at o ponto final da resposta comportamental" (Beck, 1993, p. 25), organizando as inform aes captadas pelos indivduos. Estas estruturas cognitivas podem ter evoludo na filognese em funo de seu valor de sobrevivncia (Beck, 1991; Beck, 1993). J para Dattilio e Freeman (1995), os esquemas formam-se no incio da vida dos seres humanos, estando relativamente estabelecidos no meio da infncia.

    Beck (1993) ressalta que existem diferentes tipos de esquemas: esquema cognitivo, esquema motivacional, esquema de ao, e assim por diante, sendo que os esquemas mais importantes para a interveno teraputica so os interpessoais (Shinohara, 1997).

    Neste modelo, distinguem-se, ento, estruturas e contedos! cognitivos. As estruturas so os esquemas, e os contedos so as cren- | as, sendo que os verdadeiros responsveis pela determinao do afeto, 1_ pensamento e comportamento so os contedos (Freeman e Pretzer, 1993).

    Uma esquematizao do modelo de Beck seria a seguinte:

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  • Figura 2: Relao enlre eventos externos, esquemas, crenas, cognio, pensam ento, sentimento e com portam ento, na teoria de Reck.

    Beck enumera uma lista envolvendo as principais distores cognitivas, as quais relaciona a transtornos especficos9. Tais distores podem ser entendidas como crenas, idias, pensamentos e auto- verbalizaes negativas, disfuncionais ou irracionais, o que significa representar a realidade com distores (Campos e Baptista, 1997).

    As distores so: 1) inferncia arbitrria (refere-se a processos de ex tra ir um.n concluso especfica sem evidncia que sustente a concluso ou quando a evidncia contrria concluso; 2) abstrao seletiva (consiste em focalizar detalhes extrados do contexto, ignoran do ou tras c a ra c ter s tica s m ais sa lien te s da s itu a o e conceituaiizando a experincia total com base neste fragm ento); 3) super generalizao (refere-se ao padro de extrair uma regra geral ou concluso com base em um ou mais incidentes isolados e aplic-la em amplas situaes relacionadas ou no); 4) magnificao e minimizao (so refletidas em erros na avaliao do significado ou magnitude de um evento que to grosseiro que pode se constituir em unia distoro); 5) personalizao (refere-se a uma forte tendncia du paciente a relacionar ei?entos externos a ele prprio quando no h base para fazer tal conexo); 6) pensamento dicotmico, absolutista ( manifestado em uma tendncia a classificar todas as experincias em am a de duas categorias opostas) (Beck e cols., 1979, p. 14).

    Distingue-se no processo teraputico da TC as etapas de avaliao e interveno. O processo tem incio com a investigao acerca da prpria procura terapia, com o terapeuta buscando identificar como o

    * Dobson e Pranche (1996) citam algumas distores cognitivas sem relacion-las a transtornos particulares, inclusive algumas consideradas por Beck como especficas da depresso, por exemplo, a