Corte - revista eletrônica de literatura e arte

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Corte - Revista Eletrônica de Literatura e Arte 1º Edição Ana Flávia Matos Almy Araujo Fábio da Silva Barbosa Wilda Garden David Beat Emanuel R. Marques Marley Sydio de Souza Kaarsberg Paulo Monteiro Contos - Poemas - Ilustrações - Colagens

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Revista Eletrônica de Literatura e Arte

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Corte - Revista Eletrônica de

Literatura e Arte

1º Edição

Ana Flávia MatosAlmy Araujo

Fábio da Silva Barbosa

Wilda Garden

David BeatEmanuel R. Marques

Marley Sydio de Souza KaarsbergPaulo Monteiro

Contos - Poemas - Ilustrações - Colagens

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Uma ideia penetrando sem pedir licença, um corpo estranho, umvírus, assim é a CORTE, uma operação cirúrgica sem anestesia.

A revista nasce da inquietação, da vontade de não ser apenas umobservador, mas também participar, contribuindo de alguma forma para aarte em geral.

Em sua primeira edição é com muita satisfação que é apresentadoartistas e escritores, que acreditaram no projeto.

A revista terá circulação somente na internet e de forma gratuita parapoder visualizar e baixar, reprodução de todo ou somente parte doconteúdo pedimos que seja dado o crédito a seu devido artista.

Sem mais delongas aproveitem.

Ana Flávia Matos

Editorial

Arte da Capa:Contato: https://www.facebook.com/QuaseNulo

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Contato:

Https://www.facebook.com/corterevista

[email protected]

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Índice

Poesia e Ilustrações

Conto

Poesia e Conto

Conto

David Beat - 6

Emanuel R. Marques - 9

Emanuel R. Marques - 22

Wilda Garden - 13

Fábio da Silva Barbosa - 20

Almy Araujo - 29

Ana Flávia Matos - 31

Paulo Monteiro - 33

Guilherme C - 34

Poesia e Conto

Colagens

Ilustações

Conto

Quadrinhos

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David Beat |Duque de Caixias - RJHttp://poesiapopediversa.blogspot.com.br

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Anarko já

Querem que você siga regrasQuerem você na modaQuerem você consumistaQuerem você uma marionete!

Querem vendar seus olhosQuerem você em uma gaiolaQuerem você sub-humanoQuerem te alienar, manipular!

Querem você na igrejaSeguindo como um rebanhoQuerem você idiota/irracional

Querem que você acrediteNas mentiras e discursos polidosCuidado! Querem te escravizar

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Revelação em P/B

Qual será o ocasoQue vai revelar meu sangue?Toda essa poesia por aíE eu aqui sem prosaSem o quente beijo alado

Delírio quando acordadoVivendo numa prisão sem paredesO desgosto é um veneno lentoQual será o ocaso?

E tudo num flash e de repenteEla disse mais do que soubeTocando minha sensibilidade

Qual será o ocasoQue colocará um fimEm todo esse vazio constante...

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CorteEmanuel R. Marques | Aveiro- [email protected]

ADÃO

Aquela seria a grande noite em que a ética e a consciência dariam lugar àousadia da atitude desenfreada. No entanto, todos os cuidados seriampoucos e, apesar da adrenalina que o receio e a ansiedade lhe estavam afornecer, era necessário manter a calma e o sangue-frio. A excitação eratremenda. Ao mesmo tempo que sentia a enorme vontade em consumar oseu atribulado acto, era também afectado por pensamentos que oaconselhavam a desistir ou adiar.

Mas não!Asede era maior e nada impediriaAdão de fazer o seu primeiroassalto! As regras do jogo, já as havia definido, as pesquisas estavamfeitas, o plano estudado e nada podia correr mal. A vítima seria umavelhota, com uma desconhecida idade compreendida entre os 70 e os 80anos, viúva, que vivia sozinha no sumptuoso casarão que dominava oesplendor daquela rua.

Era uma casa pálida, repleta de grades que ofuscavam as janelas, aramefarpado nos rígidos muros, ruidosos alarmes e um enorme cão de guarda.Tudo isto reflectia o medo que assolava a pobre mente da velha senhora.Também, o caso não era para menos, visto ela ser a única residente eraínha da casa.

Adão era o sétimo filho de uma humilde família que se dedicava ao cultivode algumas das maiores terras da região, a quem os senhores da cidadeconfiavam o trato. Mas, para a trabalhadora família, o último ano havia sidode má colheita e, como se não bastasse, o frenesim da venda de terras paradar lugar ao cultivo do cimento começava a alastrar, deixando a famíliainquieta em relação ao futuro. Ora, o jovem Adão, o único membro danumerosa família a conseguir frequentar o 12º ano de escolaridade, vistousufruir para esta situação da sua qualidade de benjamim da casa,começou a prever todas as desgraças que assolariam a sua família, casonão fosse encontrada uma solução que os libertasse da dependência daterra. Era um rapaz esperto, obediente e educado, aliás, como era regra nasua família. No entanto, poucas eram as vezes em que as pessoas davamreal atenção àquilo que ele dizia. Era um aluado, assim lhe chamavam osmais idosos da vila, mas, na realidade, era apenas um miúdo que deliravacom o fantástico mundo dos filmes que via e assimilava. Se ele não tivessenascido com o marco do número sete e se crescesse numa cidade ou vilamais evoluída, seria apelidado apenas de sonhador. Desta forma, a suadesesperada perspicácia conduziu-o a optar pelo assalto à vistosamansão, cuja principal lesada seria a abastada idosa.

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Há cinco meses que o diário da velhota era escrito e analisado peloatencioso Adão, o qual tentava compensar a sua inexperiência e actosolitário com uma douta e minuciosa metodologia. Durante este espaço detempo ele fez abstinência da sua vida dedicando-se plenamente ao seuobjectivo.

Por volta das nove e meia a idosa levantava-se e iniciava o seu inútilprocesso de rejuvenescimento, ou seja, polia o falso marfim, encharcavatintas no seco cabelo e espanpanava-se de cores. Após o pequeno-almoço, saia para passear as compras que a idade lhe permitia. Enquantoela estava fora, o fiel canino pastava a sua vigilância pelo vasto jardim. Àsterças e quintas o opulento cão era encoleirado e o paciente jardineiroouvia as reclamações da patroa e fazia milagres com todas aquelas flores eárvores algumas das quais com mais de cem anos.

Por vezes, algumas amigas apareciam às portas da casa e, passados osdez minutos de desconfiança da velhota, lá conseguiam que ela lhesabrisse as muralhas e as deixasse entrar na casa.As tardes variavam entrelimpezas, idas ao médico, entre outras banalidades. Ela não tinha filhos,mas aos domingos abandonava a recheada casa e visitava um irmão quevivia numa das vilas vizinhas. Um Mercedes preto passava cedo pelamanhã e levava-a, juntamente com os medos que tanto a apoquentavam.Ficavam os alarmes, os resguardos e o cão de guarda, mas a fortaleza nãotinha ninguém humanamente racional que tomasse conta dela. Este seria oideal dia da semana, apesar de, mesmo assim, ser necessária algumarapidez de execução, pois por volta das vinte e duas horas o mesmoMercedes preto aparecia e trazia-a de volta. Como a estação que se faziasentir era o Inverno, seria de aproveitar o facto de anoitecer mais cedo e,desta forma, ter mais tempo de escuridão para executar a pilhagem.

O fatídico dia começava a aproximar-se e Adão, apesar da temerosanuvem que lhe pairava sobre a cabeça, começava a conquistar a confiançano seu plano e a abraçar a autoconfiança. Tudo estava já tãomicroscopicamente analisado, segundo a sua cabeça, que ele começavatambém, inconscientemente, a desleixar certos aspectos e situações poros considerar como imutável rotina. Achou desnecessário continuar aesboçar as sigilosas anotações que preenchiam o seu caderno de capacinzenta. O seu mapa de trabalho estava feito, restando-lhe apenasaguardar a chegada do momento e certificar-se de que nada iria atrasar ouimpedir a acção.

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Chegou finalmente o esperado dia. Chegou finalmente o ansiado fim detarde.

Por volta das dezanove e trinta, Adão já se havia astuciado para ofrondoso jardim, onde deixava um adormecido cão a seus pés. O trémulocoração bombeava a grande velocidade e cada passo sobre a escurecidarelva era um golpe de atenção que ele premeditava. O frio vento fazia-sepassear, intimidador, pelos silenciosos aposentos exteriores. Ao chegarjunto da casa, resolveu o fácil enigma do alarme que ele tão bem estudara eesgueirou-se para o luxuoso interior que o esperava. Com o pequeno focoaceso ele movia-se agilmente pelo desconhecido labirinto, enchendo o seusaco e os bolsos do casaco à medida que vasculhava cada divisão. Noinício da sua demanda ao primeiro andar tropeçou num pequeno pedestalque fez cair uma cintilante estatueta de metal. O agudo tilintar do objectopetrificou-lhe as pernas em alguns segundos de estática atenção. Mas osilêncio mantivera-se. Estava tudo bem e, além disso, ele estava sozinhona casa. Subiu descontraidamente as escadas e deparou com umaimensidão de portas fechadas, das quais deduziu que pelo menos duasfossem de casa de banho. As casas de banho são propícias aoesquecimento de jóias - pensouAdão.

Começou então por acertar a sua instintiva pontaria a uma casa debanho, da qual apenas conseguiu remover uns pesados e reluzentesbrincos que ele nem sequer sabia avaliar se eram realmente de algummetal precioso. De qualquer forma, mesmo que o saque findasse naquelemomento, o recheio do seu saque era já de elevado valor. Além disso,começava a faltar espaço onde guardar as inúmeras e valiosas iguariasque aquela casa deixava agora de ostentar. Ao abandonar a casa debanho, deixou-se instantaneamente cativar pela porta entreaberta queindicava o fim do amplo corredor. Decidiu que a operação terminaria comaquela última porta, que parecia irradiar uma enorme e irresistívelquantidade de mistério. Caminhou até à porta, com a delicadeza de umaexperiente bailarina que sente um extremo orgulho pela graciosidade comque se move, e relembrou algumas das personagens dos filmes quereligiosamente estudara durante a preparação do ilegal evento. Com o levesopro de dois dedos desviou a porta do seu ângulo de visão e deixou o seufoco espreitar para o interior.

Espanto supremo! Um golpe de gelo apoderou-se da sua espinha dorsalelevando ao cérebro uma acutilante sensação de tortura e dormência. Avelha estava desmaiada, estatelada no chão junto à cama, numa pose de

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moribunda. O choque era tremendo, pois nada disto estava planeado e,afinal, a velha nem sequer tinha saído de casa ou talvez tivesse saído maschegado muito mais cedo do que o previsto.

Assim que retomou a consciência pensou de imediato em abandonar omagno edifício. Desceu as escadas numa silenciosa correria, mas aoaproximar-se da janela que permitiria a sua fuga foi fulminado porpensamentos piedosos e de arrependimento que o fizeram reflectir emtodo aquele percurso maléfico. Então, o jovem Adão, num acto de maiorcoragem do que aquela que o impulsionara ao grandioso assalto, voltoupara trás retornando ao quarto da idosa. Ainda tinha pulsação. Nummovimento instintivo e impremeditado marcou o 112 no telefone que estavano quarto, por cima da mesa de cabeceira que ficava do lado esquerdo dacama, e chamou uma ambulância. Os dedos tremiam-lhe. Após otelefonema de socorro pensou no sucesso que o seu roubo poderia ter.Reflectiu também na ridícula imaturidade do seu acto, pois só através desteimprevisto telefonema é que ficara a saber o nome da velhota; quando eledescreveu a localização da casa à pessoa que acedia ao pedido de ajuda eessa tal pessoa retorquiu que era a casa da dona Lurdes.

Restava-lhe agora abandonar a casa o mais rápido possível, deixandoos produtos do seu roubo junto da velhota.

Voltou para sua casa e nunca mais pensou em concretizar tais actos,apesar de, alguns meses mais tarde, vir a saber de algo que o deixouorgulhoso e satisfeito da ousadia do seu assalto. Afinal, o seu malévoloplano teve um efeito e um significado de grande valor. Soube que foi o seutelefonema que salvou a velha senhora de morrer naquele dia.

Talvez ele não tivesse ido lá com a inspiração de roubar, mas sim de dar,neste caso, vida.

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CorteWilda Garden|https://www.wattpad.com/user/AWildGarden

Alma desnudada

Alma desnudadaNão adianta casacoBlusaCalçaMeiaBotaNadaTudo inútilDiante de tiTudoRoupaE eusomosTransparentes.

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Artimanhas

Te descobrirsó pra te aquecercom o calor do corpote derrubar alguma coisa''acidentalmente''só pra tocar na tua pelefalar baixinho no ouvidopra poder aspirar teu cheirocontar uma piadinhapra ver seu sorrisoe o brilho dos olhos tão azuisdeixar tuas roupas sujaspor toda partepra ter seu cheiroe fingir que está por perto''pretending that you´restill around'' (*)

(*) Música The Great Pretender - ThePlatters

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Já hoje

Nada como o novo!Luz da manhãfruta amadurecendofrescor de orvalhoerva daninhapor entre pedramostrando verdea força da terra.

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Simples som

Soou a clarinetaTocou o sinoDispara o alarmeNada disso tem poder maiorDe disparar o coraçãoElevar a adrenalinaFerver o sangueE nos por em movimentoQue o sonoro timbreDa tua voz

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O homem de lata

O sapato apertava o pé enquanto ele descia a rua. Ah, que bom nãoser mulher para ter que andar sempre de sapatos horríveis que davamaflição, com a impressão que o pé ia torcer e quebrar a qualquer momento.A calçada, de pedrinhas brancas e pretas; feitas para dar tropeção, nãoajudavam em nada. Já não andava, corria. A apresentação seria às quatrohoras. Desde as duas estava a mercê de mentecaptos tentando imprimir otrabalho. Nessas horas se questionava se havia valido a pena tantosacrifício para ter um título bom o suficiente para esfregar no nariz de todomundo que sempre o taxou de maluco, enquanto malucos eram eles. E opior: malucos burros. Agora, a partir de hoje, nada o impediria de ser odoutor. Agora teriam de chamá-lo de doutor maluco, se quisessem. Ah,porque não podia se contentar em ser ele mesmo sem diplomas, semtítulos... E agora esse atraso ia atrapalhar a sua nota.

Lembrava da instrutora avisando: se chegasse um minuto atrasadopara a defesa, perderia “x “ pontos. Nem prestou atenção na hora. Era bomde planejamento e não costumava se atrasar. Mas hoje estava sofrendouma espécie de maldição. Será que a sua vida virou um episódio da sérieAlém da imaginação? No campus após 40 minutos o rapaz, que nem sabiamexer no computador, disse que não iria poder imprimir. Correu para ocampus mais próximo e foi o mesmo. O rapaz disse que o cilindro estavacom defeito. Saiu correndo para o elevador. Desde quando umaimpressora à jato de tinta usa cilindro? O jeito era gastar os tubos e imprimirem loja. Lá não tem preguiça. E assim corria procurando uma nasproximidades. Desviou de um adolescente negro com uma roupa superconfortável, calça larga, tênis, camiseta, o moletom amarrado na cintura.Ele nem quis que ele o olhasse. Ia pensar que ele era só mais umengomadinho. Quem o visse com a roupa social e o sapato, o cabelodisfarçando o corte punk com gel penteado para trás, jamais imaginaria oquanto ele se sentia um palhaço com aquela roupa. Graças à Deus nãoprecisava ir de gravata. Aí ia morrer. Ah, mas no carro tinha um tênis, umvelho All Star furado e delicioso. E uma camiseta e um sweater. Chegou àloja e o preço da impressão era o triplo do Campus. Olhou o relógio notelefone e viu que estava com apenas 10 minutos para correr entre oscarros do semáforo e alcançar o prédio. O garoto da loja, vendo o seudesespero foi camarada: entregou a impressão e ficou com a carteira demotorista como garantia que ele voltaria pagar o que faltou. Três moedas

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para mandar encadernar e novamente ele correu. Pelo menos ia aparecercorado, com aparência saudável na frente da banca examinadora. Asbuzinas eram ensurdecedotras enquanto ele atravessava entre os carros eo olhar espantado da população. Subiu a rua tropeçando de novo naspedrinhas da calçada e entrou no prédio desabalado rumo aencadernação. Ouviu as garotas gritando seu nome e acenou enquantocorria escadaria acima rumo ao quinto andar. Chegou lá em cima mas ocorredor era enorme. E agora? Qual era a sala? Aí avistou umas senhorasda mesma turma. Devia ser ali. Caminhou pretestando calma ecumprimentou-as. Nesse momento uma moça saiu da sala e perguntouseu nome. Era sua vez. Notou os olhares de espanto dos que esperavam achamada para a defesa em ver que ele iria se apresentar sozinho.Aentradapela porta era como cruzar um umbral (zona entre o céu e a terra ondevivem os mortos perturbados). Agradeceu mentalmente à Deus e à todosos santos. Encheu os pulmões de ar e mergulhou na sala, diante da bancaexaminadora. A banca era composta por senhoras que apreciam beméticas, felizmente. Vestiam-se com simplicidade e ele notou queprecisavam retocar a raiz do cabelo. Isso era um bom sinal. Aprendeu como pai que as mulheres que eram as melhores funcionárias, em época degrande sobrecarga chegavam a deixar de pintar as unhas e retocar ocabelo, apresentavam-se com uma elegância discreta e quando a pressãopassava, voltavam a se apresentar de maneira impecável. Já asarrumadinhas não tinham cérebro dentro da cabeça e muito menosdedicação, eram incapazes de cumprir um prazo ou meta. Esperava quehoje o deixasse orgulhoso lá no céu. Lembrou-se de quando assistiamjuntos os slides da igreja que o pai freqüentava. E de quando assistiam aomágico de Oz, e principalmente da cena em que o homem de lata recebia odiploma, como certificado de inteligência.

Cumprimentou a banca e começou a inserir no computador o materialde sua apresentação. Agora não adiantava ficar nervoso ou apavorado.Também, depois de tudo que estudou, pesquisou, fez e refez o trabalho, iaapresentar o que acreditava. Se gostassem do seu enfoque, de suascomprovações, ótimo. Senão, não ia ter jeito mesmo. O máximo que iaacontecer era levar uma nota baixa. Discursou como se falasse para seusalunos. Seguiu o roteiro e enfim concluiu sua apresentação, durante a qualuma examinadora riscava seu trabalho constantemente e a outra o ouviacom olhar de esfinge. Então uma das senhoras, que durante o tempo todoriscara o trabalho, falou. E ele preparou-se para ouvir as trombetas doapocalipse.

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Enganou-se! Sua abordagem, seu preparo, a qualidade da pesquisa eas centenas de informações e a maneira esclarecedora com a qualdescreveu a situação e as alternativas eram, na opinião delas, excelente.Se não estivesse apoiado, com a mão sobre a mesa para não demonstrarnervosismo, teria caído. Os orientadores já haviam alertado a turma sobreas notas serem, no máximo de regular à bom. Que ninguém deveria seconsiderar prejudicado com um conceito bom vindo da bancaexaminadora. E o dele, se ele não estivesse delirando, era excelente!

Agradeceu, deu-lhes seu cartão e saiu. Fechou a porta e encostou-senela, suspirando de alívio. Os colegas no corredor perguntaram como foi.Ao responder que foi bem, recebeu abraços e desejou sorte aos próximos.No caminho de volta ao banco e à loja, tinha vontade dançar na rua edistribuir rosas. Olhou para o céu no sinal fechado e agradeceu à Deus ededicou seu dia de homem de lata ao pai. Quando o sinal abriu, deu oprimeiro passo para o resto de sua vida. Uma vida na qual ninguém maispoderia questionar sua capacidade, sua inteligência e seu desempenhosem parecer um invejoso.

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Fabio da Silva Barbosa|Porto Alegre-RShttp://rebococaidozine.blogspot.com.br/

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Mais algumas gotas de dor.aí estão suas lágrimasnovamente inundandosua face tão marcadapelas surras do passado.e o presenteque não facilita em nadainsiste em mostrarum futuro de dor.não existe fugaque dure para semprepara abortos ambulantesque respiram em plena morte.condenados pela existênciaperambulando pelo eterno fimcom o apito da benzinaguiando os instintos.ruínas interioresdestroços exteriorespelos restos da desolaçãode uma sociedade devastada.somos frutos arruinadosnascidos destruídostotalmente imbuídospor esses caminhos bloqueados

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Juvenal.Perdeu o ônibus. Olhou para o relógio e viu que estava no atraso.Amarmitacaiu, vomitando todo o feijão passado.- Puta que o pariu! -Assim não podia ser.Meia hora depois, veio outro lotação. Espremeu-se entre os demais.- Dá licença!?Engarrafamento, falta de ar.... Uma hora de viagem. Pensou em quantotinha na carteira. “Melhor voltar a pé”. O caminho nem era tão longo.- Com licença!?Desceu no ponto. Por pouco não perdia a descida. Dez minutos decaminhada entre pedestres furiosos.- Novamente atrasado, Juvenal!?- É que...- Eu sei, eu sei... Vai botar a culpa no ônibus de novo. Sai mais cedo decasa, ué!- Mas...- Vai! Assume logo seu posto que hoje não tô para conversa fiada! Vai serdescontado!- Mas...-Anda, Juvenal! Não se aproveita de minha compreensão!

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CorteEmanuel R. Marques | Aveiro- [email protected]

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CorteMarley Sydio de Souza Kaarsberg | Campos dos Goytacazes - [email protected]

Fui ser feliz e não volto.

Hoje acordei assim: decidida a ser feliz. Feliz pro resto da vida. Já naestrada do mundo lá fora, falei comigo mesma, bem baixinho:

- Nada hoje será motivo de descontentamento ou aborrecimento.Ignoro quem por maldade tropeçar, de propósito, no meu caminho.

Observava tudo e todos. O azul do céu foi trocado por um cinzadégradé. O sol cansado ou preguiçoso não quis aparecer e decidiu cederàs nuvens o direito de enfeitar o horizonte. Essas, tristes como sempre,deram início a mais um dia de lamúrias. Entre raios e relâmpagos,enfurecidas com não se sabe o quê, soltavam gritos sufocados, faíscasfunestas e lágrimas de dor.

Passos apressados, olhares intrigantes e destinos desconhecidoscruzavam o meu caminho. Todos, menos eu, queriam fugir da chuva eapressados procuravam um abrigo. Eu, por sua vez, procurei um cantoonde poderia olhar, apreciar e criticar o que estaria a me envolver naqueledia, naquele momento e naquele lugar.

Encontrei um banco de praça, mas sem praça, apenas um banco nomeio de uma calçada feia e quase abandonada. Resolvi me sentar. De bemcomigo mesma, comecei então a planejar. Pensar como seria o dia deamanhã e o outro depois e depois. Me dei conta de que estaria repetindo omesmo erro de toda a minha vida. Tudo que planejei não concretizei. Ascoisas foram acontecendo sem que o destino me consultasse. As pessoasforam entrando na minha vida sem permissão ou aprovação, algumas pelomenos. Outras, vieram e me trouxeram rios de emoção e tantas mais seforam sem a minha autorização.

As lembranças de um passado amargo cutucavam o meu ser e, maisuma vez, deixei o sentimento que tanto desprezo aparecer. Raiva, raiva emuita raiva. Revolta misturada a raiva com uma pitada de ódio picante.Assim me sentia quando encontrava obstáculos que acreditava estarem nomeu caminho por falhas e deslizes no passado.

Queria me livrar desse peso do mal que partia os meus ossos, e medeixava incapaz de almejar, aspirar e sonhar.

Momentos infindáveis de tristeza e agonia me reduziram à miséria.Escolhi ser feliz exatamente numa manhã chuvosa, cinzenta e com poucaluz. Decidi ser feliz, mas não sabia como fazer pra me desprender de tantadesilusão. Lamentável querer e não poder, assim pensava. De novo, fiz demim mesma a pior das criaturas. Penalizada com a minha históriapregressa, continuei cavando o buraco que certamente, caso não mudasse

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o teor da minha existência, seria o meu lugar cativo.A chuva caía ainda mais forte. Não sentia mais prazer em estar ali.

Resolvi então voltar pra casa. No caminho de volta tropecei num obstáculo,dessa vez concreto, e me esborrachei no chão. Tive uma vontadedesmedida de gritar, protestar e até mesmo xingar. Nada fiz, recolhi aminha insignificância, me levantei e segui o meu caminho.

Um relâmpago, que mais parecia ter vindo das trevas do que do céu,naquele instante ao anunciar sua fúria, penetrou no meu corpo, perfurou aminha alma e acordou as minhas idéias.

Me dei conta, pela primeira vez desde que nasci, que não falava, nãoexpressava, não verbalizava os meus sentimentos. Minhas alegrias eramsempre ocultas, meus temores e angustias eram enterradas pela vergonhaque sentia de ter alguém ouvindo e se interando das minhas fraquezas.

Um alívio caiu sobre a minha pessoa como um lençol alvo e sedosome envolvendo com um sentimento até então desconhecido por mim. Sentiuma leveza, uma tranquilidade, uma total paz interior.

Descobri o caminho. Compreendi que preciso falar, me soltar,conversar. Necessito de verbalizar as minhas sensações. Palavras devemser pronunciadas, usadas como expressão dos nossos sentimentos.

Parei no meio do caminho e pensei: Falar com quem? Não confio naspessoas e não tenho intimidade com as que conheço.

De novo, estaria prestes a cometer o mesmo erro de sempre. Medeixar derrotar pela primeira dificuldade aparente, mas um sopro no meuouvido me salvou. O vento daquela manhã chuvosa me trouxe a solução.Já que tinha construído uma muralha ao redor das minhas emoções, teriaagora que usar de artifícios e artimanhas práticas e inteligentes pra destruirtal paredão. Estaria travando uma luta diária comigo mesma.

Já que não tinha pessoas ao meu redor, as quais me eramconfidentes, mesmo porque não saberia usá-las com tal, já que não sou dotipo que sai por aí contando segredos, usei o que tinha e me acalentava.Minhas plantas e meu mais querido e fiel companheiro de mais de umadécada, Flufi.

Nem Flufi, o meu cachorro de estimação, nem as minhas plantas merespondem com palavras, mas isso não importa, o que vale é a minhanecessidade de colocar para fora o que dentro está, sem coragem parasair. Com eles converso, choro, grito e desabafo.Me curei das frustrações mais iminentes. Amanhã saio de novo. Vou serfeliz sabendo que posso voltar, voltar para casa, voltar pra mim mesma.

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CorteAlmy Araujo | Guarulhos - SPhttps://sites.google.com/site/literamante/home

O ÚLTIMO NATAL

Mais um natal. E ele tinha sempre a mesma angustiada e tristesensação. Não conseguia explicar, apenas sentia aquela sensação ruimque o deprimia, e o sufocava.

-Venha para mesa, menino! - Dizia sua mãe.Ele caminhava rumo à mesa, como quem vai a uma cerimônia

fúnebre. Onde estão os enfeites? A árvore de natal, as luzes piscando, e ospresentes? Nunca acreditou em papai Noel. Nunca o deixaram. Nuncaalimentaram suas fantasias típicas da infância. Nunca um bolo deaniversário, presente, e parabéns pra você. Quando finalmente vencia aangústia, e queria desentalar alguma subjetividade qualquer para fora desua alma, vinha sempre a mesma frase:

-Cala a boca! Deixe de falar besteira! -Era o que seu pai sempre dizia.À presença do pai, sentia sempre a mesma maldita sensação. Sentia-

se rejeitado. Sentia-se observado com nojo, com desdém; com ódio.Na verdade, as palavras como: nojo, desdém, ódio, não continham o

sentimento que ele sentia todas aquelas vezes em que estava na presençade seu pai, ou simplesmente, pensava nele. Na verdade, ele nuncaconseguiu encontrar em dicionário algum. Ele acreditava que precisariaminventar uma nova palavra que abrangesse o que ele acreditava ser umdesprezo superior a qualquer ideia que possa estar contida nas palavrasdesprezo; um nojo que enojava o próprio significado da palavra nojo; umódio cuja semântica ali explicada, parecia um sorriso de tão leve. De tãodistante que estava daquele ódio indenominável, incomensurável. Mas queservia na falta de outra palavra, ou outras palavras mais pejorativas.

Era uma repulsa que quase se concretizava, se materializava. Talvez,se essa qualidade pudesse se tornar uma substância vista a olho nu, nacerta se transformaria em uma gosma ácida, e sairia escorrendo pelamesa, e depois pelo chão, deixando uma mancha irremovível nos lugarespor onde escorresse.

Dia dos pais, ele gostaria de dizer as coisas bonitas das propagandasda televisão, mas não podia. Era impossível. Cuspir em sua faceprovavelmente seria um cumprimento mais sincero, e verdadeiro. Porquetoda propaganda é enganosa?

Mas era Natal. E ele ouvia as deglutições paterna, e as achavaselvagemente semelhantes as de um porco em seu chiqueiro, à vontade detanta vontade de comer. Mas era Natal, e, quando estavam à mesa, elesempre ficava de cabeça baixa por se sentir oprimido por aquele

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sentimento que não conseguia batizar. Mas que, finalmente, conseguiumanifestar. Foi um movimento rápido e repentino. Cansou-se de servômito. Levantou-se, pegou a faca que seria usada para cortar o peru, einferiu-a no pescoço daquele cuja ciência, e sua mãe, o obrigavam achamar de pai. O seu progenitor só teve tempo de arregalar os olhos, esussurrar um urro de dor.

Enquanto sua mãe soltava os pratos no chão, e dava um grito dedesespero e terror, ele levantou-se calmamente, passou o guardanapo naboca, olhou para o “porco” (cujo sangue jorrava nos azulejos, e todos osdemais eletrodomésticos e móveis da cozinha) que se debatia ao chão edisse:

- Feliz Natal, meu velho! - E foi-se embora caminhando lentamente,com um sorriso tímido, e uma sensação de alívio gigantesca em sua alma.Foi um Natal inesquecível para ele, e uma grande satisfação ver que seupai finalmente o olhou nos olhos, e não o humilhou com suas palavras, nemcom seu desprezo. Caiu ao chão em uma poça de seu próprio sangue, comos olhos esbugalhados, e uma expressão atônita que se esvaíapaulatinamente.

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CorteAna Flávia Matos | Manaus - AMhttps://www.facebook.com/QuaseNulo

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Saudades

Já fazia sete meses que acordava sozinho. Sete meses com a camadesocupada de um lado. Sete meses sem alguém para tomar café junto.Sete meses sem ter alguém para compartilhar as rabugices. Já fazia setemeses que um câncer no estomago levara Lindalva bruscamente.

José sentia-se sozinho, já não comia direito. Os filhos não ligavampara ele, arrumaram uma cuidadora para passar parte do tempo cuidandode suas necessidades. Sentia-se sozinho sem Lindalva, algo faltava a ele.

Certo dia abriu o armário. Pegou a espingarda calibre 12. A limpoucomo nunca. Deixou a arma um espetáculo de ser vista. Carregou com umcartucho da caixa que ainda havia guardado na gaveta. Encostou sua bocano cano frio da arma. Lembrou do beijo que deu em Lindalva quando elaestava no caixão, um ultimo beijo frio. Apertou o gatilho. Os miolos voarampelo quarto dançando como pássaros que acabaram de serem soltos deuma gaiola.

CortePaulo Monteiro| Manaus - [email protected]

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Guilherme C | Fortaleza - CEhttps://www.facebook.com/HistoriadeErste/

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