Coração mimeografado

77
CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR 1

description

Poesia de Marcelo Bizar

Transcript of Coração mimeografado

Page 1: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

1

Page 2: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

2

Marcelo Carneiro da Silva

Coração mimeografado

1ª edição

Rio de Janeiro

Edição do autor

2015

Page 3: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

3

Catalogação na publicação (CIP)

Ficha catalográfica feita pelo autor

_______________________________________________________________

SI586a

Silva, Marcelo Carneiro da, 1971-

Coração Mimeografado / Marcelo Carneiro da Silva. – Rio

de janeiro: M. Carneiro da Silva, 2015.

77 p.

ISBN 978-85-917888-3-5

1. Literatura Brasileira – Poesia. I. Título.

CDD: B869

CDU: 82-1/47

_____________________________________________________________

Page 4: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

4

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA............................08

PREFÁCIO...............................09

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO...................11

EM NOVE DE ABRIL.......................12

A SOLIDÃO..............................13

JANELA DE NARCISO......................14

VOCÊ TRAPACEOU.........................15

A MEDIDA DO SER........................16

CANTIGA ENFADONHA DE(PARA)UM POETA.....17

FACES..................................19

ALGUNS SENÕES..........................21

O TEMPO................................22

O CÃO..................................23

AS ESTRELAS............................24

MORTE..................................25

Page 5: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

5

MÚSICA.................................26

BEM-TE-VI..............................27

AUTO-BIOGRAFIA DESINTERESSADA..........28

UM SER QUE DESACONSELHO................29

HOMEM..................................30

CONCRETO ARMADO........................31

DIANTE.................................32

MAS, POR QUÊ? .........................33

VEMNDO.................................34

VENTO II...............................35

O MAR..................................36

O PORÉM................................37

O RESTO................................38

MAIS UM POUCO E EU NÃO ME ESQUEÇO......39

TUA CARNE DARIA UM LIVRO...............40

PLENA EM SI............................41

À LUZ DO DIA...........................42

ESTRANHAS COISAS.......................43

Page 6: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

6

NADA É ASSIM...........................44

SE PERCA...............................45

PELE...................................46

NOSSAS CONVERSAS INACABADAS............47

QUANDO MEUS OLHOS SE FECHAM............48

REFÚGIO................................49

DIA DO FATO............................50

FACEIRA................................51

AUSÊNCIA...............................52

VOLTEI.................................53

ANIMAL.................................54

SOBRE O QUE ÉS.........................55

VIDA CURTA.............................56

RIO....................................57

GALÁXIAS...............................58

SERÁ FATO? ............................59

CARNE..................................60

COLO ..................................61

Page 7: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

7

QUASE SONETO...........................62

A ALGUM DISTANTE.......................63

UM DIA.................................64

QUEM?..................................65

NARCISO................................66

KANT...................................67

VOZES..................................68

HORAS IMPRECISAS.......................69

ONDE TU PROCURAS.......................70

PERDÃO.................................71

ÉS QUASARES............................72

TARDE..................................73

ELETROAKÚSTICO.........................74

OUTROS CARNAVAIS E OS MESMOS...........75

HOJE EU QUERO UM BLUES.................76

AO CHEGAR EM LISBOA....................77

Page 8: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

8

DEDICATÓRIA

Àquela que tem cuidado

muito bem desse meu

coração mimeografado,

minha esposa: Kátia!

Page 9: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

9

PREFÁCIO

Advogado - autor de três livros versando sobre

Direito do Trabalho;

Músico - toca vários instrumentos de sopros e de

cordas;

Compositor – sua versatilidade musical passeia

com elegância por vários ritmos e atalhos;

Cantor – voz melodiosa, um timbre no qual a

afinação transborda;

Poeta - autor de Aquarele, uma coletânea de

poesias;

Meu parceiro de projetos musicais e cantorias.

Apresento-lhes o multimídia Marcelo Bizar:

Um ser plural e de personalidade singular,

Cujas virtudes fazem sombras aos atributos

mencionados,

Pois ele pertence a uma casta seleta

Onde primam os sentimentos bem intencionados.

Mas vou me ater somente ao Marcelo poeta:

Cedo, compelido por um desejo voraz

Page 10: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

10

E insaciável no consumo das palavras,

Tornou-se um devorador de livros contumaz,

Experimentando frutos de muitas lavras

Com grande prazer e espantosa profusão.

Com isto absorveu diversas influências,

E talvez por este motivo, suas poesias, na minha

opinião,

Sejam condimentadas com ingredientes de variadas

tendências,

E tenham um paladar característico.

Um tempero de quem muito experimentou

No efervescente caldeirão linguístico

Para, um dia, nos servir os manjares que sua

verve criou.

Eu, assolado por uma gula irrefreável,

Degusto cada verso de seus poemas com avidez,

Tal qual um faminto de apetite insaciável

Que não sabe quando se alimentará outra vez.

Kaju Filho

Page 11: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

11

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO

Meu coração mimeografado

Meu coração carbonalizado

Impresso em jatos de tinta, em matriciais

Postado na rede, tuitado

Anda cansado de tanta exposição

Quer ir pra Pasárgada, lá onde o Rei mora

Meu coração mimeografado

É um impresso efêmero

Não se presta aos historiadores

Não tem função entre os literatos

Funciona quando desejo

Marcado em azuis, cheirando a álcool

Borrando seus papéis, apagando vestígios de vida

Não se incomodando com estéticas

Não se comunicando com as artes

É mimeografado em seu tempo

Hoje, ontem, amanhã e ele assim

Coração mimeografado

Deixado de lado, empoeirado

Trocado por palavras que não borram,

Palavras que voam nas nuvens de bits

Que nem sequer são palavras:

Composições de uns e zeros

Lógica e virtualmente existentes

Enquanto meu coração

Nada contra a corrente

E sempre será um coração mimeografado

Page 12: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

12

EM NOVE DE ABRIL

Gosto de lágrima, sem nada pra se falar

Agora entendo o que apavora: participar do jogo

Depois de tantos olhos fechados sem milagres

Quem me pudera descrever, não sou mais tolo

Essa é a sua história:

Um pouco de alegria

e nada mais

Sirenes, gabinetes, vontade de partir

Sabendo que ninguém virá comigo

Depois de tantos sonhos perdidos pelo tempo

O que em troca vão querer, não sou mais tolo

Essa é a sua história:

um pouco de alegria

e nada mais

Page 13: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

13

A SOLIDÃO

A solidão é um abutre

dentro da minha sala

fumando cigarros

bebendo cachaça

durante toda a madrugada

A solidão é um abutre

filmando a minha carcaça

fumando cigarros,

bebendo cachaça

pronto pra me devorar

Estou no Rio de Janeiro

perdido num quarto do meu pesadelo

Estou no Rio de Janeiro

perdido num quarto do meu pesadelo

Page 14: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

14

JANELA DE NARCISO

Vejo o Corcovado

Vejo o Redentor

Vejo o relógio da Central do Brasil

Vejo a Baía de Guanabara

Vejo a Ponte Rio-Niterói

Tanta paisagem assim me sói

Do quarto de Narciso

Um espelho refletindo

Da janela toca um sino

Acordando o menino

Que num papagaio o grito

Sai em forma de gemido

No lugar mais lindo

O Rio de Janeiro num domingo

Page 15: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

15

VOCÊ TRAPACEOU

Não precisa de cara ou coroa

Blefar é sua sina

Sabe bem o jogo da vida

Não se importa com o que diz os astros

Escreve a própria sorte

E sempre quer chegar na frente, ser a primeira

Sua máscara guarda

na imagem do espelho

seus passos refletem as dúvidas

Não se importa com o que diz os búzios

Escreve a própria sorte

E sempre quer ser a primeira a chegar

Você ultrapassou os limites

Você trapaceou

Page 16: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

16

A MEDIDA DO SER

Tento esquecer

Esse meu jeito de ser

Sendo eu mesmo

Assim quem sabe me esqueça

Como sou de aparência

E no espelho eu desapareça

Mas longe de minha miragem

Se eu me sentir saudade

E de novo queira eu ser

O que fui mesmo às pressas

Tomarei uma fita métrica

Que meça o que de mim

Ainda se acessa

Page 17: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

17

CANTIGA ENFADONHA (DE) PARA UM POETA

Em busca do verso

que se acomode

no ninho incólume

do contrassenso

paisagens norteiam

nortes, não-nortes

e as bússolas falham

com seus ponteiros

o verso que antes

cabia à monta

hoje nada pode

realizar

verso por verso

vida por vida

verso que à vida

pode esperar

O pesto à montada

reclamava o Tejo

das suas ideias

do que não poderia

mais versejar

Encontra o vinho

que lhe adormece

e sonha com ninfas

do entretanto

parece uma peça

Page 18: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

18

de teatro mudo

ourives das danças

de entre-pestes

cajado partido

por imprudência

o gajo disforme

se estremece

vinho por vinho

morte por morte

vinho que à morte

quer celebrar

O resto à parada

revolta o mundo

das suas madeixas

de máculas imundas

mas quer voar

poeta ele diz

que já lhe cabe

mas não reconhece

seu moribundo

vivido por ele

como um comparsa

o gajo poeta

descobre ao fundo

o seu enfadar-se

e então se cala

Page 19: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

19

FACES

Leva um susto e nada diz

o mundo ferve e ele anda nas nuvens

seu olhar sem fúria, seus dentes alvos

o andar reto, sem dúvidas, o carrega

o homem da face congelada

não queria lutar por nada

o homem de uma só face

tenta usar seu sorriso pra se esconder

diante de suas duras faces que oculta

Não há cara com face

só há homem de faces

de fases, de marcas

de ódio e amor

as frases que ditam

verdades e mentiras

dores e alegrias

de noite e de dia

na terra, no ar

então lance a moeda

e um dos lados lhe dirá

a face que hoje o homem vai usar

O medo e a coragem de mãos dadas

procuram nas faces do homem sem rosto

as curvas fincadas na pele envelhecida

o sorriso congelado ainda ele mostra

Page 20: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

20

o homem da face congelada

não muda seu jeito por nada

o homem de uma só face

quebrou seus espelhos pra não se ver

diante de suas duras faces que oculta

Não há cara com face

só há homem de faces

de fases, de marcas

de ódio e amor

as frases que ditam

verdades e mentiras

dores e alegrias

de noite e de dia

na terra, no ar

então lance a moeda

e um dos lados lhe dirá

a face que hoje o homem vai usar

Page 21: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

21

ALGUNS SENÕES

1. A poesia nos dá a dimensão ideal do ser

humano;

2. O olho do furacão é estrábico;

3. Poeta é aquele que não faz ideia diante da

folha em branco;

4. Diz o poeta: matem a poesia, acabem com a

neurose de versejar. A poesia responde: não sou

feita de versos, mas de ações ao portador.

Page 22: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

22

O TEMPO

Um único aviso

Na porta de entrada

Segue, sem retorno

Page 23: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

23

O CÃO

Lançada a bola

O cão corre atrás

Passa atravessando

Minha infância inteira

Page 24: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

24

AS ESTRELAS

No laboratório da noite

Não existem estrelas

Cristais suspensos

Nos visitam

Page 25: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

25

MORTE

A terra geme

O céu nubla

Depois da chuva

Flores mais belas

Page 26: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

26

MÚSICA

Acordo cedo com Deus

A única oração que me lembro

É a música de um sonho

Onde encontrei meus pais

Page 27: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

27

BEM-TE-VI

Sou egípcio guiado

Como no Livro dos Mortos

Um bem-te-vi

Encoraja meus passos

Page 28: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

28

AUTOBIO-GRAFIA DESINTERESSADA

porres homéricos

trabalhos hercúleos

sentimentos camonianos

tempestades clarisselispectianas

políticas castroalverianas

mundos fernandopessoanos

Page 29: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

29

UM SER QUE DESACONSELHO

entre mim

e o espelho

um ser

que desaconselho

Page 30: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

30

Homem

como assim...

de um lado a crença total: fraqueza

doutro lado a racionalidade

impera: certeza?

quem está certo,

o objeto, a plateia,

Deus, Natureza?

Religião, Ciência, Arte,

Filosofia, Robô, Homem

é todo, é erro, é parte

é que, é nu, é arte

é diante, consoante, desastre

não menos destarte, cumpadi,

e quando se ovula, amar-te

o hino, destino, cão late, à tarde,

quando o poema o Brasil invade

Todas as dezesseis asas ardem

no colo do pássaro azul

seus olhos mirando dez cores

arrependendo-se de seu destino

ave sem lar, sem paragem, sem mar

que atravesse quando cessa o sol

não vai do Norte ao Sul, não se evade

mas seus quatro olhos miram toda paisagem

e é o homem que lhe aponta a arma

o homem

Page 31: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

31

CONCRETO ARMADO

Concreto armado apontando pro peito

O sangue é figura de quadrinhos e sonhos

Meus dedos percorrem os pontos dos muros

Cimento armado e cuspe no escuro

No meio da noite alguém reza e para

Coragem, destino, sermão

Sereno não pensa em quem cai e se torce no chão

Navegas um porto, o ninho é a cidade onde

habitas... é a cidade

De cinemas imundos e um pouco de maldade

Senões moribundos por toda a Metrópolis

Concreto armado

A cidade é um ninho de concreto armado

Page 32: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

32

DIANTE

Pensar, de repente, o mar e a canção

Estados de espírito, que vêm e não sabem e se

algum dia vão

De frente pro crime, a arma na sua mão

Quem foi? Quem sabe? Quem dirá?

Vendo seu próprio ali flutuando no ar

Pare, é agora o dia em que você saberá de tudo

E querendo sorver um pouco de paz

Um dia tranquilo como antigamente

Quem eram aqueles que faziam fila

E não se incomodavam com as nove estrelas

Que brilham no ar, que brilham no ar

Pare, é agora, finalmente o dia em que você

saberá de tudo

E no impacto de ninguém você se distrai

Não saberá ver as luzes que do olho vieram sem

nenhum problema

Você não quer ser eterno, não pode ser, você não

quer vencer

Quer ser. E ser tem um problema: um custo

Page 33: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

33

MAS, POR QUÊ?

A faca corta minha carne

Quente como o sol, como o berço

O relógio na parede

Parece concordar

O tempo lá fora arde

Chove lava, granizo, pulmão

E você se esconde

Entre os cortes no braço

Mas por que sofrer? Mas pra que sofrer?

Mas por que sofrer? Mas pra que sofrer?

Mas por quem sofrer? Mas por quem sofrer?

Chamam isso de cura

Outros acham que e vício, solução

Eu não sei dizer não

Mas o relógio na parede concorda

Page 34: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

34

VENTO

O vento leva

A vingança dos dias

Curvamo-nos bambuzais

Page 35: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

35

VENTO II

O vento suspira

Enamorando-me de ideias

Sou folha no ar

Page 36: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

36

O MAR

O mar vindo

Molhando areia

Caranguejos

Ensopados

Page 37: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

37

O PORÉM

Ela me disse vem

Depois um nem

Não revelo

O porém

Page 38: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

38

O RESTO

Notoriamente eu vejo e cego

Não quero nada, só o instante

Você é nós, mesmo sem mim

E eu sem ti sou só restante

Page 39: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

39

MAIS UM POUCO E EU NÃO ME ESQUEÇO

Beijo assim mesmo, no elevador

O tal negócio do início

E era um ponto a discutir

E mais, e mais e mais queria

Subir na mesa e se mostrar

Sem tempo de se preocupar

E quem diria, eu tô tentando

Não vejo nada que possa medir

A loucura que me vem

Só a paixão destrói o mundo

E o que fizemos já nem sei

E dívidas e sofrimentos

E eu quero queimar as minhas culpas

No teu sorriso, no teu olhar

Pois mais um pouco e eu não me esqueço

Mais um pouco e eu não me esqueço

Page 40: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

40

TUA CARNE DARIA UM LIVRO

Não mais o mesmo

Não mais o óbvio

Não o querer e o sofrimento

Aquela força

Que não sei quando

Me apavorava

E agora o tempo

Me diz que é nada

O tempo mente

E eu não queria

Não mais dos olhos

O esquecimento

Memórias plenas

Cheiros morenos

A tua carne

Daria um livro

Com reticências

E interrogações

Page 41: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

41

PLENA EM SI

O que me espanta é o teu sorriso

O lábio solto dizendo coisas tão sins

Naturalmente é o gosto

De uma fruta estranha

Que não conheço e já provei

Não quero mais palavras

Quero o pleno de olhos

E línguas, e pinças raras

Pra poder, quem sabe, te descobrir

Você é plena em si

Plena em si

E aparentemente

Não quer mais nada

Page 42: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

42

À LUZ DO DIA

Pele de espelhos onde me perco

Não via e já era o muito

Para o meu perdão

Mesmo se um erro brotasse a plenos poros

Já me perdoaria por estar ali

Se já foi eu sei que então me perco

E as lembranças da tua cor na noite

Eu distribuiria ao mundo um pouco

Por não poder suportar

Todos nos viam e era segredo

Todos queriam viver como

À luz do dia,

Sem medos e sem perdões

Sem erros e sem senões

Page 43: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

43

ESTRANHAS COISAS

Só quero mais uma vez, vê se entende

Nada poderia ser tão chato quanto continuar

E o encanto estaria morto

Não selaria nossa aventura

Se eu tento te dizer coisas novas

Elas parecem estranhas e você não quer saber

Estranho é estar vestido na chuva

E ver que a água nos molha as feridas

Não pense desse jeito

Sou só mais um homem sem destino

Como os que você já viu no cinema

E não se arrependeu de conhecer

Se o que falo te apavora você não sabe

Que guardei o melhor pra depois da chuva

Guardei porque meus planos são ir adiante

É mais, é conseguir do pouco o infinito

Page 44: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

44

NADA É ASSIM

Do nosso jeito vamos nos aproximando

E agora já é tanto que o medo vem e diz

Suas palavras sem gosto, mas por suposto

É hora de pensar mais um pouco

Não há regras ditas, há as outras

Que se escondem atrás dos olhos e dos sorrisos

Nada é assim como a máquina eletrônica

Pois o que hoje é tanto, amanhã será diferente

O exposto tem sempre a contrarregra

É ave, é céu, é luz, é cor, é sonho

Será que como nós nada é assim?

Será que como nós nada é assim?

Viria em branco a história

E nos faria refletir e ver

Que nossos passos podem ser mais,

Bem menos do que a força que nos faz continuar

Page 45: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

45

SE PERCA

Sorria pra mim

Devagarzinho

Eu quero teu dente

Na minha carne

Teus olhos puxados

São duas sementes

Do vício sentido

Do gosto do beijo

Não saia assim

Com essas manobras

Se sabes poder

Se sabes arder

Se sabes ranger

Por que não

Se perder?

Page 46: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

46

PELE

Ávida pele de noite

Cândida, nua e açoite

Gosto do teu beijo no elevador

Gosto do seu nome no diminutivo

Não sei se há poesia

Ou uma arapuca

Quando te encontro de repente

Sábia, presa e ardil

Mágicas mas quem mente tanto?

Mais uma semana e nada

Você vara a noite com tua língua

Calando minha boca com beijos-sorrisos

E eu não me arrependo do abuso momento...

Só sei dessa pele

Metáfase de nós

Page 47: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

47

NOSSAS CONVERSAS INACABADAS

Eu te...

Você então...

eu já falei que...

você também se....

mas não deu pra....

agora é....

faz pra...

fala de...

não se...

se...

se...

Você...

Page 48: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

48

QUANDO MEUS OLHOS SE FECHAM

Perto do teu olhar

as minhas frases não se completam

Você não saberá

o que fazer com

o que lhe digo

Quando meus olhos se fecham

Page 49: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

49

REFÚGIO

‘Travesso o mundo, meu bem

Só pra encontrar o seu sorriso quente

E me canso, mas não importa o fato

Sei que dentro dos teus braços

Tenho refúgio para os meus cansaços

Page 50: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

50

DIA DO FATO

Aguardo

e um dia sei, será

o melhor que eu já vivi

De fato

Page 51: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

51

FACEIRA

Agora eu te procuro

Qualquer canto da cidade...

Vou te encontrar faceira

Dentro de uma brincadeira

Requebrando o samba à sua maneira

Seu mar de cadeira

Despejado à beira

Que é pura maldade

Se ouve besteira

Hoje é bem-me-queira

Só quem deu na telha

Ou já tem idade

Page 52: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

52

AUSÊNCIA

Que a pouca tolerância seja enfim um traço

Pois nada mais carrego nesta ausência finda

Que a vontade de ver-te e converter em abraço

O vazio que outrora separou-nos ainda

Não tardará o tempo de revê-la

E assim tão breve soprará a brisa

Que antes fria, longe, emudecera

Agora canta melodia límpida

Sem lugar de encontrar sua pessoa amada

Sem endereço pra onde eu possa então guiar-me

Fico cantando só e a solidão não tarda

Espero ver-te já, antes que seja tarde

Nessa canção, que guardarei comigo

Revelarás como nasceu a Arte

De versejar o coração partido

Com sentimentos que me cabem à parte

Page 53: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

53

VOLTEI

Quanto tempo faz

Não sei

Você disse: vai

Voltei

Page 54: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

54

ANIMAL

Tu és um animal de sangue quente

A tradição do Oriente

O linguajar dos arvoredos

Que se movem ao sabor dos ventos

As frutas que se extinguem entre os lábios

A Alquimia, ouro, dos reis sábios

O morenar do sol mediterrâneo

A luz penetra seu órgão cutâneo

E assim se instala um quadro colorido

Entre os seus suores e os tons de tempero ardido

Page 55: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

55

SOBRE O QUE ÉS

O que nem Freud explica

O que retraído, estica

O que ao deitar se espicha

O que o dedo não indica

O que Marx não materializa

O que a Relatividade,

a saudade,

a maldade

Não contabilizam

Page 56: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

56

VIDA CURTA

Curta é a vida

como um surto

um muro desabando

Curta a vida, pouca

num segundo explode

Bomba de Pequim

Rádios, ondas, moças

O espetáculo das forças

Sob os pés detidos

Curta é a vida

como um videoclipe

água de piscina

Curtos são os dias

que passam e voltam

à mesma monotonia...

Page 57: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

57

RIO

Eh! Rio!

Que desce a cordilheira

Se impõe da ribanceira

no mar

Dentro

Deste destino incerto

E sempre a descoberto

no ar

Cai...

E como folha agreste

Dançando ao vento em teste

Adeus...

Page 58: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

58

GALÁXIAS

As Galáxias se afastam de nós!

E ainda é só meio-dia

Sei que repudiamos as estrelas

E amamos as náuseas dos dias

Cinzentos, carros e motocicletas

As galáxias foram esquecidas num canto

E continuam se afastando de nós

Page 59: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

59

SERÁ FATO?

Todo conceito criado

pode ser mudado

Toda vontade, pecado

podem ser provados

Se o sonho é tudo

a realidade nada

o que foi ditado

será fato?

será fato?

Page 60: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

60

CARNE

As torres, como línguas

Roçam o líquido celeste,

E brota, e sorve, sinta!

A umidade e luxúria da peste

Ah! Eu te exorcizo, Irmã,

Fluido ocre de genitais

Diria sobre todo seu afã

O enfermo, possesso de ideais

Que a carne acentue o Mito

E se dilacere feito coisa incerta,

Lasciva e indiferente ao dito:

Mosca entra em boca aberta!

Page 61: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

61

COLO

Estou deitado no colo

do meu bem

E o centro do universo

se desloca

causando terremotos,

maremotos, vulcões

e dentro de mim

uns troços

dentro do quarto

astros, chuvas

cometas, meteoros

tudo despencando

no momento colo

do meu bem

Page 62: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

62

QUASE SONETO

O doce dos vinhedos de Lião

E a insustentável luz de Marguerita

Se inspiram na fugidia escuridão

Que brota entre os dois seios que incita

As sinuosas curvas do pomar

E a inanimada força que agita

O corpo, o sexo do que é sonhar

Inundam-me pelo próprio olor que imita

Enlevo-me pelo antigo idioma

Que de seus lábios saem: rubra paloma

E o gosto do teu hálito romã

A turba do teu vinho encharcando

Seu líquido viscoso amornando

Percebo-me no lar do teu afã.

Page 63: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

63

A ALGUM DISTANTE

Viaje ao seu próprio interior

Conheça-te

Espere um pouco e então

Companhia-te

Verás velhos sonhos sobre o chão

Medos, pequenos, prendendo-te a botões

Os versos que queriam se atirar ao vento

Mas guardados

Comece a ver o seu próprio horror

De outra maneira

Suba num parapeito e então

Observa-te

Não há barreiras para se atirar

Seu ímpeto contra o chão

Como pequenos nãos presos no peito.

Page 64: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

64

UM DIA

Nascerá um dia dos seus olhos

De uma luz que brilhará serena

Formando novas galáxias, lendas

Outra vez saberemos sonhar

Novas faces mostrarão o riso

Movimentos que veremos precisos

E os navios que alcançarão as noites

Sairão dos teus suores como quasares

Nascerá um dia morno de teus olhos

Sol, luz e pequeninas estrelas

Acenando para o tempo.

Page 65: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

65

QUEM?

Quem dirá o que ficou calado

O ato impensado

O marco do tempero

Como as farpas presas nas mãos

Daquele que procurou sem medo

Será que só teremos metáforas

Em nossa voz

Sem que ninguém compreenda?

O ato é precioso

Quando o olho vê mais longe

Atirar-se ao mar

É o que de fato conta

Outras áreas inexploradas

Várzeas, rios, luzes

Quem brilhará solene

Como estrelas

Presas de cores

Que ecoam existências passadas?

Será que desta vez teremos

De macular pretéritos

Em nossa vida

Sem que ninguém apareça?

O olho é precioso

Quando o ato vai mais longe

Atirar-se ao mesmo lugar

Será que conta?

Page 66: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

66

NARCISO

Quem ama todos

Ama também a si

Quem ama somente a si

A ninguém ama, nem a si

Perde-se num lago

Dentro de si...

Page 67: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

67

KANT

Como se ao final

Da Razão Pura de Kant

Ficasse um porém

Com o pé atrás

E a mão estendida na frente

Quem dirá o que sente?

Page 68: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

68

VOZES

Ouço vozes

que não calam

Vejo mortes

que não falam

por si só

Quem me dera

não ter visto nada

e poder dormir

alguns segundos

antes

de ir embora...

Page 69: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

69

HORAS IMPRECISAS

As horas tímidas

Se escondem

Atrás de relógios que fingem promessas de

eternidades

Balanças incessantes, como o passado e o futuro

Se furtam do presente, nossa prisão

As horas nos escapam pelos dedos

São como sonhos, sentimentos

São imprecisas, como ventos

Page 70: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

70

ONDE TU PROCURAS

Nesses olhos que me despem

Nessa boca que me prova

Nesse hálito que assopras

Na orelha que te escuta

Nesses dedos que me forçam

Nessa pele que me queima

Nesse rapto que estupras

Com violência minha culpa

Nessas frases que não dizes

Nesse suor entre as pernas

Nesse sangue que avermelha

Teu olhar, tua pintura

Nesse ar que já me falta

Procuras...

Page 71: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

71

PERDÃO

Me perdoa

por te amar

Sabendo que

até agora me odeias

Me perdoa

por te olhar

Querendo mudar

essa condição

Page 72: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

72

ÉS QUASARES

És muito grande

Incontível

Vaza lavas luminosas

e quasares de si mesma

a força que advém das Revoluções

amanhecem sob teus pés

como o cheiro de manguezais em dezembro

como gotas d’águas

escorrendo sobre mármores

criando novas cores

que desconheço

mas me surpreendem

sonhando recomeços

entre nós dois...

Page 73: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

73

TARDE

À tarde os voos são cheios

De uma preguiça estranha

Que de tão singular

Nos impede de tentar alçar

Voos verdadeiros

Page 74: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

74

ELETROAKÚSTICO

Você pode até pensar

Que meu coração acústico

Hoje está se enganando

Tentando ser elétrico

Não se usam artifícios,

No amor e na loucura,

sem correr riscos

Sei que a constância nos engana

Com o som da sua cura

Page 75: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

75

OUTROS CARNAVAIS E OS MESMOS

vim com os maracatus e o sambas

cheguei com as marchas de rancho,

os metais e seus sopros,

cirandas renegados no cotidiano

esperei outros carnavais e os mesmos

os mesmos blocos de sujos,

pierrots, colombinas, índios,

palhaços e outras fantasias

não tenho parabólica, aponto pro mundo um tufão

sou pouco, mas sonho

e sangro e já começo a desconfiar

que não quero ser pouco livre,

tenho a liberdade de ser e de estar

quero viver outros carnavais e os mesmos

aqueles carnavais diferentes dos outros

e se os carnavais dos outros são os mesmos

carnavais vividos por aqueles do povo

Page 76: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

76

HOJE EU QUERO UM BLUES

hoje eu quero um blues

já cansei do samba sincopado

noutros tempos errava o compasso

a cadência sem piso da esquina

hoje eu quero um blues

como um choro do mestre Callado

uma viagem de Heitor dos Prazeres

uma valsa do maior PISSINGUIM

nem sei como acordei assim

New Orleans

nem sei como devo e pago

blues de Chicago

outrora veria um fim samba pra gente

mas hoje não quero samba, estou doente

hoje eu quero um blues

não quero samba

hoje eu quero um blues

cansei de ser bamba

Page 77: Coração mimeografado

CORAÇÃO MIMEOGRAFADO MARCELO BIZAR

77

AO CHEGAR EM LISBOA

Você pensava

seus velhos planos

não amar e não ter paixão

a vida é curta

melhor viver

cada momento

com intensa emoção

Noite de sonho

eu não pensava

viver um amor assim

te conheci faz pouco tempo

mas me apliquei

e tive a esperança

de que seria para sempre

E quando o sol nascer

você vai partir

vai entrar num avião

ao chegar em Lisboa

vai chorar, vai sorrir

com uma cara muito boa

de quem soube curtir