Coração flácido

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Ciência eTecnologia no Brasil as uisa Junho 2010· N° 172 A criação da vida artificial Idosos, tombos e osteoporose Um síncrotron mais potente ,., CORAÇAO , FLACIDO Sepse reduz capacidade de contração do músculo cardíaco FAPESP

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Pesquisa FAPESP - Ed. 172

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Ciência eTecnologia • no Brasil

as uisaJunho 2010· N° 172

A criação davida artificial

Idosos, tombose osteoporose

Um síncrotronmais potente

,.,CORAÇAO,FLACIDOSepse reduz capacidade decontração do músculo cardíaco

FAPESP

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 3

imagem do mês

o salão acima é apenas um dos seis onde ocorreu o último e mais extraordinário baile do Império, no Palácio da Ilha Fiscal, em 9 de novembro de 1889, apenas seis dias antes da Proclamação da República. A foto é a única que se conhece, tirada por Marc Ferrez quando tudo já estava pronto, e só recentemente foi encontrada por técnicos da Biblioteca nacional no acervo da editora josé olympio doado à instituição. Por razões desconhecidas, ela não foi incluída nos 10 volumes que constituem a coleção História dos fundadores do Império do Brasil, de octávio Tarquínio de Sousa, lançada nos anos 1950. o baile da Ilha Fiscal marcou o fim do Império e de uma época — até hoje a expressão “baile da Ilha Fiscal” sugere decadência. A festa foi uma homenagem proposta pelo Visconde de ouro Preto aos oficiais do encouraçado chileno Almirante Cochrane em retribuição à recepção que os brasileiros tiveram quando estiveram em Valparaíso, no Chile. o número de presentes no evento depende da fonte, algo entre 3 mil e 4,5 mil pessoas desembarcaram na ilha, a apenas um quilômetro do centro histórico do Rio de janeiro. A decoração incluiu balões venezianos, lanternas chinesas, vasos franceses e flores brasileiras, além de numerosas bandeiras do Brasil e do Chile.

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: l7 2 I JUNHOZ010

SEÇÕES

3 IMAGEM DO MÊS

6 CARTAS

7 CARTA DA EDITORA

8 MEMÓRIA

20 ESTRATÉGIAS

40 LABORATÓRIO

66 SCIELO NOTíCIAS

68 LINHA DE PRODUÇÃO

94 RESENHA

95 LIVROS

96 FiCÇÃO

98 CLASSIFICADOS

WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR

CAPA16 Inflamação

desencadeadapela sepse danificao coração

ENTREVISTA10 Gerhard Malnic,

professor da USP,fala da evolução dafisiologia renal no país,que se confunde coma sua trajetória

CAPA LAURA DAVINAILUSTRAÇÃO NANA LAHOZ

POLÍTICA CIENTíFICA E TECNOLÓÇJICA

26 PLANEJAMENTOConferência nacionalbusca caminhos paraaperfeiçoar as políticasde Ciência, Tecnologiae Inovação

36 POLÍTICAS PÚBLICASO uso de terrasociosas pode ampliara produção debiocombustíveise de alimentos

30 DIVULGAÇÃOParceria entre cientistase jornalistas em prolda cultura científicaainda está distante

38 SAÚDE PÚBLICACelular inteligenteé testado na coletade dados de campopara abastecerprontuário on-line

32 AMBIENTEPossibilidade deconciliar exploração epreservação da florestaaproxima governo eempresários, masenfrenta resistências

44

CIÊNCIA

44 BIOLOGIAPrimeiro organismocontrolado por genomaartificial prova que oDNA é realmente areceita química da vida

6

52 FISIOLOGIABiólogos identificamproteínas que indicama camundongospresença de predadores

E

54 EPIDEMIOLOGIANovos estudosmostram como detectare reduzir o risco dequedas em idosos

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Tr(NDIDGIA HUMANIDADES

60 ECOLOGIA 72 FíSICA 80 COMPUTAÇÃO 86 HISTÓRIAPelo de preguiça abriga Laboratório finaliza Em busca de uma Pesquisa discute

a um tipo de alga verde proje-to de uma nova vacina contra a aids, a polêmica questãoque vive em simbiose fonte de luz síncrotron, pesquisadores da do banzo comoe não existe em mais potente e com Microsoft utilizam "nostalgia mortal"

Ia mais nenhum lugar soluções inovadoras estratégias anti-spam dos escravosda natureza para a sua construção para encontrar regiões

vulneráveis do vírus HIV 90 MÚSICA62 ASTROFíSICA 78 ÓPTICA Tango, bolero e fado

n Simulações ajudam Pesquisadores da 84 ENGENHARIA permanecem vivosa explicar temperatura Unicamp desenvolvem DA COMPUTAÇÃO por causa de sua

es elevada do gás TV em três dimensões Sistema identifica ligação com asem aglomerados que dispensa os óculos automaticamente mídias eletrônicasde galáxias especiais frutas e verduras

vendidas a granelltar

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FUNDAÇÃODE AMPAROÀ PESQUISADO ESTADODE SÃO PAULO

CELSO LAFERPRESIDENTE

JOSÉ ARANA VARElAVICE-PRESIDENTE

CONSElHO SUPERIOR

CELSO lAFER. EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO lAFER PIVA,HERMAN JACOBUS CORNElIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARElA,JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, lUIZ GONZAGABElLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILElA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN,YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TtCNICO-AD"UNISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIOUE DE BRIlO CRUZDIRETOR CIENTfnco

JOAOUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIALlUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR C/ENTfFlCOl,CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYlON GONÇALVES DA SILVA,FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGOENGlER. JOÃO FURTADO, JOSÉ RQBERTO PARRA, curs AUGUSTOBARBOSA CORTEl, lufS FERNANDES lOPEZ, MARIE ANNE VAN SlUYS,MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAUlA MONTERO, RICARDO RENZOBRENTANI, SÉRGIO OUEIROZ, WAGNER 00 AMARA L. WALTER COlll

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEfENElDSON MARCOllN

EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES),FABRfClO MARQUES (POLfTlCA),MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA),RICARDO ZORZETTO (CltNCIA)

EDITORES ESPECIAISCARLOS flORAVANTl, MARCOS PIVETTA (EDiÇÃO ON-UN[)

EDITORAS ASSISTENTESDlNORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃOMÁRClO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO

EDITORA DE ARTELAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇÃO)

ARTEMARIA CECIUA FELU E JÚUA CHEREM RODRIGUES

FOTÓGRAFOEDUARDO CESAR

WEBMASTERSOlON MACEOONIA SOARES

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATIAS

COLABORADORESANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), DANIEl DAS NEVES,DANIEllE MACIEl, EVANIlDO DA SILVEIRA, GABRIEl BlTAR, GUilHERMElEPCA, JOSElIA AGU1AR, lAURABEATRIZ, MAX MAllMANN, NA NALAHOZ, NELSON PROVAZI, PAULA GABBAI, SALVADOR NOGUEIRAE YUR1 VASCONCELOS.

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FAPESPRUA PIO XI, NO1.500, CEP 05468-901ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

SECRETARIA 00 ENSINO SUPERIOR

GOVERNO 00 ESTADO DE SÃO PAULO

J;;SFSC

Fontes Mistas~!Uff:r~:~::u,:,°,:;~:~r:1:~tee outras lonll!S(ontroladas_.hc.org cert nO.IIitO-COC.o02T152019'96 foresl Stewants.hipCoulKil

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6 • JUNHO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 172

[email protected]

Concreto e cinzas

A reportagem "Concreto feito de cinzas"(edição 171) ficou muito boa, assim co-mo as fotos de Eduardo Cesar. Parabénsa toda equipe de Pesquisa FAPESP.

ALMIR SALES/UFSCARSão Carlos, SP

Ficção

Que crítica mais hilariante aos sisudostrâmites científicos é esse "O Gênesis:Idem, Ibidem"! (edição 171) Gargalheiaté perder o fôlego. E acho que Deusdeve estar rindo até agora ... Parabénspela escolha do texto e a Vanessa Bar-bara pela extrema leveza desse firmesoco na boca do estômago.

MARCIA RAposoSão Paulo, SP

Revista

Recebi alguns exemplares de PesquisaFAPESP e os devorei. Que trabalhomaravilhoso, que qualidade! Fiqueiimpressionada com o modo como éapresentado o trabalho científico e depesquisa que está sendo feito no Brasil,numa linguagem tão simples, mas aomesmo tempo de uma profundidadeenorme. Eu não conseguia parar deler! Fiquei tão orgulhosa de ser bra-sileira. Ontem, meu marido e eu an-

damos por seis horas na floresta e eunão parei de contar o que tinha lidoe aprendido nos artigos. E, o melhor,ao ler as reportagens ao mesmo tempoestava aprendendo e angariando maise mais informações dos assuntos maisdiversos possíveis. Nunca tinha expe-rimentado isso com nenhuma outrarevista no Brasil. Gostei muito tam-bém do projeto gráfico, como vocêsseparam seções por cores, o equilíbrioentre artigos e notas curtas ... Parabénsjornalísticos!

ANDRÉA ZENÓBIO GUNNENGOslo, Noruega

Mapa

Na edição 170 de Pesquisa FAPESPfoi publicado o encarte São Paulomais verde, um mapa atualizado dosremanescentes da vegetação naturaldo estado de São Paulo. Esse materialé muito importante, especialmentepara as disciplinas de ecologia e fito-geografia que leciono na graduaçãoe na pós-graduação do Instituto deBiologia da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp).

FERNANDO ROBERTO MARTINSInstituto de Biologia/UnicampCampinas, SP

Correções

Na reportagem "Eletricidade do aper-to" (edição 171), onde se lê "pode gerar200 quilowatts (kW), energia suficien-te ...': leia-se "pode gerar 200 quilowatts(kW), potência suficiente ...':

O número de pares de cromossomoshumanos é 23, e não 24, como dá aentender a reportagem "Limites in-certos" (edição 170).

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-mel! [email protected] ou para a rua JoaquimAntunes, 727 . 10° andar' CEP 05415·001 . Pinheiros·São Paulo, SP. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 7

Incertezas sobre um feito extraordinário

Mariluce Moura - Diretora de Redação

carta da editora

F oi muito forte a minha tentação para dar na capa deste mês de Pesquisa FAPESP a anunciada cria-ção do primeiro organismo artificial do mundo,

quebrando, assim, uma das mais respeitadas normas editoriais da revista desde seus primeiros passos: usar como objeto da reportagem de capa exclusivamente temas vinculados à produção científica brasileira. O feito da equipe liderada pelo famoso empresário- -pesquisador Craig Venter, trombeteado para o mun-do em 20 de maio, despertava todo meu entusiasmo frente às possibilidades infinitas do conhecimento em sempre surpreender, fascinar e mesmo, de vez em quando, revolu-cionar profundamente os nossos mo-dos de existência. O entusiasmo de alguns amigos, por cujas antevisões do avanço da ciência venho experi-mentando ao longo dos anos o maior respeito, ampliava meu próprio es-tado de espírito. E finalmente a capa da usualmente sóbria revista semanal britânica The Economist me forneceu mais um poderoso argumento para a tentação da exceção: ali estava, não o deus criador quase tocando com seu dedo a criatura-homem, cena da famosa pintura de Michelangelo Buonarroti no teto da Capela Sistina, mas o homem criador, laptop sobre a coxa, usando a energia de seu dedo para materiali-zar a criatura-bactéria. Admirável síntese narrativa visual! O título, “And man made life”, seguido pela explicação na linha fina, “The first artificial organism and its consequences”, não deixava dúvidas sobre o quanto a Economist empenhara seu prestígio no alto significado da pesquisa que havia resultado no primeiro organismo controlado por um genoma artificial, nascido do computador.

Todo o entusiasmo, entretanto, não basta para apagar as incertezas profundas, que certamente ain-da vão perdurar por bom tempo, quanto à verdadei-ra dimensão, o estatuto, digamos, tecnológico, epis-temológico ou ontológico da descoberta de Venter e seus colegas. Seria, por sobre o indiscutível “salto qualitativo tecnológico que certamente merece ser aplaudido”, como diz Mayana Zatz na página 47 des-ta edição, algo de natureza revolucionária somente

em termos midiáticos? Ou muito mais que isso? A rigor, não sabemos. O feito é indiscutivelmente importante, fantástico mesmo, mas ainda sobram dúvidas que precisariam ser vencidas antes que eu me sentisse à vontade para escolher a exceção em lugar de seguir a regra das capas. Por isso, este belo assunto vai destacado na capa, mas não é a própria reportagem de capa. Está muito bem explicado a partir da página 44 em texto de Marcos Pivetta, editor especial responsável pela versão on-line da revista, seguido dos excelentes artigos de três pes-

quisadores: a já citada Mayana, que explora, para além do impacto mi-diático do feito de Venter, as razões do salto qualitativo tecnológico que ele representa; João Meidanis, que examina a liberdade do pensamen-to e da imaginação, a maravilhosa e implacável curiosidade humana que no pesquisador norte-americano se apresenta em excepcional concentra-ção máxima, e Marcos Buckeridge, que detalha por que a descoberta de Venter pode afetar as tecnologias pa-ra a produção de biocombustíveis.

Vou me permitir neste texto, dado que já gastei quase todo o espaço da carta, chamar a atenção somente para mais uma reportagem, justamente a

da capa, elaborada pelo jornalista Salvador Nogueira. A partir da página 16, ela trata do trabalho de um grupo da USP de Ribeirão Preto que conseguiu a caracterização do tipo de dano que a inflamação as-sociada à sepse provoca nas células cardíacas e ainda delineou um caminho promissor para proteger o coração e, dessa forma, levar o corpo a ganhar tempo para retomar o controle na complicada situação de sepse. Ou seja, pesquisa básica e pesquisa aplicada. Só para lembrar: na sepse, uma infecção generali-zada causada por bactéria ou vírus, o organismo lança um ataque desesperado contra suas próprias células. Quando o coração é o órgão mais atingido, a taxa de óbito decorrente é de 80%, contra 20% na situação de sepse sem dano cardíaco. Daí por que a defesa do coração é um passo fundamental na luta contra a sepse.

Boa leitura!

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8 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

O botânico que fazia livros na Corte

há 210 anos frei Mariano Veloso produziu obras voltadas para os problemas do Brasil Colônia

Por três anos, entre 1799 e 1801, um editor brasileiro em Lisboa reuniu em torno de si e de uma tipografia um grupo de brasileiros e portugueses ilustrados empenhados em produzir textos técnicos europeus. Em sua maioria, tratava-se de questões ligadas à agricultura e aos modos de produção mais eficientes do que os adotados por fazendeiros e criadores em Portugal e no Brasil. A tipografia

ficou conhecida como Casa Literária do Arco do Cego e seu editor, frei José Mariano da Conceição Veloso, como uma das mais notáveis figuras de seu tempo na Corte e na Colônia.

A Arco do Cego durou apenas três anos e acabou incorporada à Imprensa Régia. A fama de frei Veloso, porém, vem de antes. Seu nome de batismo era José Veloso Xavier, nascido na antiga São José d’El Rei, hoje Tiradentes (MG). Pouco se conhece sobre a formação do religioso. Sabe-se que aos 19 anos entrou para o convento de São Boaventura de Macacu e depois de cinco anos seguiu para o de Santo Antônio, no Rio. Tornou-se professor

Neldson Marcolin

Volume 10 da Flora fluminense, cuja publicação completa só ocorreu depois da morte de Veloso

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 9

de geometria e de história natural, mas seu principal interesse sempre foi a botânica.

Em 1783 o frade estava oficialmente ligado ao governo português como um dos encarregados de realizar viagens filosóficas, como se dizia na época, de reconhecimento da Colônia e coleta de espécimes da fauna e flora que enviavam à Corte. A admiração por Veloso levou o vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa – que tinha especial apreço pelas ciências naturais – a determinar que ele realizasse excursões por toda a província do Rio para recolher e examinar

Frei Veloso (acima) e ilustração de Arte

do carvoeiro ou methodo de fazer

carvão de madeira, de Duhamel du

Monceau, edição da Arco do Cego, 1801

Às vezes, de modo velado, como intriga; outras vezes, às claras, como a do botânico “profissional” português Félix de Avelar Brotero, que dizia haver erros importantes nos desenhos, nas descrições e na nomenclatura de gêneros e espécies. Veloso, em virtude de sua formação em grande parte autodidata, não tinha um relacionamento confortável com a Academia Real das Ciências de Portugal. A comunidade de naturalistas portugueses nunca o reconheceu como um dos seus, de acordo com os historiadores Maria de Fátima Nunes e João Carlos Brigola, da Universidade de Évora, de Portugal, em ensaio biográfico que integra o livro A Casa Literária do Arco do Cego (Imprensa Nacional/Casa da Moeda/Biblioteca Nacional, Lisboa, 1999).

Veloso foi para Lisboa em 1790 e seis anos depois publicou o periódico agrário Paladio Portuguez e Clarim de Palas, que tratava das novidades e aprimoramento na agricultura, manufaturas e comércio. Em 1799 foi nomeado para a Arco do Cego e mesmo após a tipografia ter sido absorvida pela Imprensa Régia, em 1801, continuou trabalhando na área.

“Veloso publicava os livros sempre preocupado com os problemas da Colônia”, diz a historiadora Márcia Ferraz, do Centro Simão Mathias de Estudos de História da Ciência, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “A série

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as plantas fluminenses. Por oito anos (1783-1790) Veloso coletou milhares de exemplares que viriam a dar forma à sua obra maior, a Flora fluminense. Vários companheiros de congregação o ajudavam nas definições das plantas e desenharam o que havia sido colhido.

A Flora fluminense reuniu 1.626 espécies distribuídas em 396 gêneros. Sua publicação, em 10 volumes, percorreu um longo périplo e ocorreu por completo apenas em 1881, 70 anos depois da morte de Veloso. Ainda em vida, o frade recebeu críticas que retardaram a publicação.

O fazendeiro do Brasil, por exemplo, eram 11 volumes que tratavam desde a fabricação de açúcar ao cultivo de café, cacau, das plantas tintureiras e ensinava a preparar derivados de leite.” Nos três anos da Arco do Cego foram escritos ou traduzidos 83 livros, muitos deles publicados em parceria com outras tipografias. Os temas abrangiam agricultura, história natural, medicina e saúde pública, náutica, ciências exatas, poesia e história. As gravuras e desenhos técnicos eram abundantes, com objetivo claramente didático.

Com a invasão francesa em 1808, Veloso voltou ao Rio onde morreu em 1811, aos 69 anos. Seu trabalho como editor e botânico foi reconhecido na maior parte do tempo. Faltou ver sua obra maior publicada em vida.

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PESQUISA FAPESP 172 n junho de 2010 n 11

Gerhard Malnic

O artesão do laboratórioo professor da usP fala da evolução da fisiologia renal no país, que se confunde com a sua trajetória | Fabrício Marques

Para o pioneiro na pesquisa em fisiologia renal no Brasil, Gerhard Malnic, de 76 anos, um dos prazeres de fazer ciên­cia sempre foi a possibilida­de de usar as próprias mãos, fosse para manipular e dosar

o fluido extraído de minúsculos tú­bulos dos rins de animais de labora­tório e de seres humanos, fosse para inventar equipamentos, micropipetas e porta­eletrodos talhados para técnicas que ele próprio desenvolveu e hoje são citadas em livros de referência. “Hoje isso é mais raro, mas no meu tempo era uma coisa fantástica”, diz o pesquisador, com sua voz pausada e um remoto sota­que germânico. Professor titular do De­partamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), Mal­nic nasceu em Milão, filho de austríacos, e mudou­se para o Brasil aos 4 anos de idade, naturalizando­se brasileiro aos 23. Radicado em São Paulo, onde o pai, quí­mico, trabalharia como representante de uma indústria alemã de corantes e, mais tarde, no império dos Matarazzo, Malnic estudou no Colégio Visconde de Porto Seguro. Queria ser químico, mas o pai re comendou a Faculdade de Medicina. Ingressou na USP em 1952.

Interessou­se pela fisiologia no se­gundo ano de faculdade e, sob influência do professor Alberto Carvalho da Silva, especializou­se em fisiologia renal, área ainda pouco explorada no Brasil. Fez seu pós­doutoramento na Tulane University, Nova Orleans, entre 1961 e 1962, e na Cornell University Medical College, Nova York, entre 1962 e 1964 no laboratório do austríaco Gerhard Giebisch, com quem

entrevista

colabora até hoje. De volta à USP, implan­tou o laboratório de micropunção e mi­croperfusão renal, um método de colheita de fluido dos túbulos renais (onde a água, sais minerais e vitaminas são devolvidos para o sangue, restando a urina) por meio de micropipetas, estudou os mecanismos de transporte de potássio dentro do rim, além do papel do sódio, fatores hormo­nais, alterações do equilíbrio ácido­base e drogas nefrotóxicas na reabsorção de bicarbonato. Tem mais de 120 trabalhos publicados em revistas internacionais, além de um livro sobre fisiologia renal. Já formou oito mestres e duas dezenas de doutores e se tornou uma das principais referências em seu campo no Brasil.

Paralelamente ao trabalho de ban­cada, presidiu entidades científicas, co­mo a Sociedade Brasileira de Biofísica (1983­1985), a Sociedade Brasileira de Fisiologia (1985­1988), a Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe) e o Instituto de Estudos Avan­çados (IEA) da USP. Aposentado, já testemunhou a saída de cena de alguns de seus discípulos, mas segue na ativa em seu laboratório no ICB. “Já estamos no terceiro projeto temático, ganhamos muito dinheiro e isso, em parte, é mérito meu, que sou coordenador. Por isso acho que não vão pôr a gente para fora, apesar da idade”, diz, em tom de brincadeira. “No momento, só tenho uma douto­randa, mas estou tentando obter mais alguns. Os jovens preferem ficar com os mais jovens também”, diz. Casado com a professora e tradutora Margot Petry Malnic, pai de duas filhas, a bioquímica Betina e a cantora e arranjadora Beatriz, avô de três netas, Gerhard Malnic deu a Pesquisa FAPESP a entrevista a seguir:

n O senhor nasceu na Itália, mas tem nacionalidade austríaca. Como chegou ao Brasil?— Nasci na Itália, mas por acaso. Meu pai nasceu em 1901 na Áustria, onde hoje é a Croácia. O nome Malnic é es­lavo. Em casa a gente falava alemão. A família do pai dele era eslovena e mi­nha mãe era austríaca, então tenho mais ascendentes alemães do que eslovenos. Meu pai estudou química, se formou em 1925, aproximadamente, num mo­mento muito difícil para a Áustria, que praticamente acabou depois da Primeira Guerra Mundial. Ele trabalhou em vários países depois da guerra, entre os quais a Alemanha, a Polônia e a Itália, onde eu nasci e minha irmã também. Mas vim para cá com 4 anos.

n Por que sua família veio para o Brasil?— Meu pai era químico, colorista. Traba­lhou na Itália, numa indústria de tecidos. Os corantes eram, na Alemanha, a base da química. Ele foi contratado por uma indústria química alemã para vir para o Brasil. Uma das razões era que ele tinha experiência em países latinos. Então ele veio para cá com uma representação no Brasil desta firma. Viemos primeiro para o Rio e ele logo percebeu que o interes­sante mesmo, em termos de indústria, era São Paulo. Mudamos para cá e eu fui para o Colégio Visconde de Porto Seguro desde os 6, 7 anos.

n Que era uma escola da colônia alemã...— É da colônia alemã, desde o século XIX. Essa escola foi por assim dizer na­cionalizada por causa da guerra. Aprendi alemão lá também. Em casa aprendi um pouco de latim e grego, porque meu pai

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12 n junho de 2010 n PESQUISA FAPESP 172

va York, na Cornell University Medical College”. Então consegui uma bolsa da Fundação Rockefeller. Naquele tempo não existia FAPESP, mas a Rockefeller ajudava muito o Brasil. Tinha ajuda­do o próprio doutor Alberto. Fui para Nova York, mas primeiro tive que fazer um ano de estudos básicos porque não havia pós­gra duação aqui. Sempre fui uma pessoa que aceitava boas sugestões. E achei uma ideia interessante. Passei um ano na Tulane University, em Nova Orleans, estudando inglês, matemática, bioquímica, segui alguns cursos de fi­siologia e aproveitei muitos deles. Meu inglês era bom, em casa eu tinha tido aula particular. E mesmo matemática eu sabia um pouco mais que os outros. Então fiz um curso de físico­química, que os outros não faziam, o que para mim foi excelente porque desde cedo me interessei por mecanismos de transporte iônico, para o que matemática era im­portante. Consegui então completar esse curso, que muito me ajudou no restante do estágio.

n Em que época?— Isto foi em 1961, 1962. Neste curso havia vários brasileiros e outros lati­no­americanos. Era um programa da Fundação Rockefeller para estimular a ciência latino­americana. Fiquei um ano em Nova Orleans, de lá fui para o laboratório do Robert Franklin Pitts e encontrei os dois jovens pesquisadores, que eram austríacos, por coincidência. E eles não sabiam que eu era de origem austríaca: “É um brasileiro, vamos ver como funciona”.

n Quem eram eles?— O Gerhard Giebisch era um deles, o outro, Erich Windhager, foi fazer um es­tágio na Dinamarca... Mas o Giebisch era um fisiologista renal que já tinha uma boa experiência. Ele trabalhou durante algum tempo com uma pesquisadora, a Phillis Bott, que havia trabalhado com o A.N. Richards, pioneiro que desenvolveu a mi­cropunção. Ela trabalhava no Women’s Medical College de Philadelphia, uma faculdade de medicina para mulheres de Filadélfia, naquele tempo existia is­so, faculdade só para mulheres. Quando estava para voltar ao Brasil, o Giebisch ligou para ela, que estava se aposentan­do: “Você não tem algum equipamento sobrando aqui?”. Ela disse que sim e eu trouxe comigo, vindo para cá, uma série de equipamentos com os quais eu podia começar a trabalhar. Naquele tempo não

achava importante. Ele aprendeu isso no Gymnasium, em Viena, então acha­va que eu também tinha que aprender um pouco. Mas o fato é que, chegando aqui, trabalhou durante algum tempo nessa firma, que depois foi confiscada pelo governo, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra. E aí ele trabalhou na Matarazzo, no bairro do Belenzinho, em uma fábrica de tecidos. No Visconde de Porto Seguro, tive facilidade para estudar. A guerra não me atingiu. Meu pai era uma pessoa com meios. Se recolocou, depois comprou uma fazenda no norte do Paraná e trabalhou em outras firmas químicas. Eu sempre gostei de química porque meu pai fazia química e até mon­tou um pequeno laboratório em casa. Mas ele me sugeriu: “Olha, aqui no Bra­sil a melhor faculdade é a de medicina, é melhor você fazer medicina”. Segui o conselho dele.

n Como era a Faculdade de Medicina da USP quando o senhor se formou?— Isso foi a partir de 1952. Não era mui­to diferente de hoje. Entrei em primeiro lugar no vestibular. Comecei a trabalhar na fisiologia no 2o ano de medicina. Meu professor era o Alberto Carvalho da Sil­va, que viria a ser diretor da FAPESP. Era uma pessoa fantástica, que criou um bom laboratório. Gostou de mim como aluno e me convidou no fim do 2o ano: “Ve­nha ao laboratório”. Eu fui lá, comecei a trabalhar. Ele trabalhava com vitaminas, mas achava que eu não devia trabalhar com elas porque já havia quem fizesse isso. Uma coisa que ele queria fazer era trabalhar com a parte renal das vitaminas, como elas eram eliminadas. E sentamos juntos na bancada para ler um livro do fisiologista americano Homer Smith, isso em 1954. Comecei a estudar em cães ex­creção renal de vitamina B1 ou tiamina. A novidade era tanto estudar excreção renal de vitaminas como trabalhar com cães não anestesiados. Porque existia a ideia de que o animal anestesiado, prin­cipalmente no caso da vitamina, poderia sofrer mudanças de funcionamento, en­tão trabalhamos com cão não anestesia­do. Com muito cuidado, sem produzir dor... Era meio complicado porque a gente tinha que canular o ureter, facili­tar a colheita de urina, obter amostras de sangue e, além disso, as dosagens das vitaminas eram muito complicadas. Este trabalho deu o meu primeiro paper, com o doutor Alberto, no American Journal of Physiology, uma das mais prestigiosas revistas de fisiologia.

a gente conseguia fabricar muito equipamento de pesquisa na oficina mecânica do laboratório

n Havia grupos trabalhando nisso no Brasil?— Tinha gente na área clínica, o doutor José de Barros Magaldi, por exemplo. Ele era o chefe da clínica da Faculdade de Medicina; e tinha o grupo da Escola Paulista de Medicina, também na parte clínica. Mas em fisiologia tinha algumas pessoas que trabalhavam como clínicos e tinham laboratório, como o Marcelo Marcondes, que está aposentado agora, o Antonino Rocha, que veio um pouco mais tarde, foi aluno do Marcondes e nós trabalhamos juntos depois. O Antonino Rocha foi assassinado por um bandido que queria roubar o carro dele, já naquele tempo tinha dessas coisas.

n A sua escolha pela fisiologia renal foi in­fluenciada pelo professor Alberto, é isso?— É. Fomos juntos a um congresso internacional de fisiologia em Buenos Aires e conversamos com o professor Robert Franklin Pitts, que era um dos maiores fisiologistas renais da época. E ele disse: “Eu tenho dois jovens que estão começando a trabalhar comigo e eles fa­lam alemão e estão começando com uma área nova da fisiologia”, que era a micro­punção. Naquele livro do Homer Smith descrevia­se todo o primeiro tempo da micropunção, como puncionar túbulos renais e obter amostras. É uma técnica que começou no fim dos anos 1920, co­meço dos 30. Usavam essa técnica para obter detalhes do funcionamento dos túbulos renais e também dos gloméru­los renais [unidades funcionais dos rins através das quais se produz a filtração do sangue]. O professor Pitts disse: “Venha para o meu laboratório, que fica em No­

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era tão complicado em termos de equi­pamento, mas ganhei um microscópio da Faculdade de Medicina, que o doutor Alberto conseguiu para mim, e uma série de outras coisas, micromanipuladoras, dosador de cloreto, da Phillis Bott. Hoje, quando a gente chega num laboratório desses nos Estados Unidos, tem uns 10 ou 15 outros pós­docs trabalhando e você vê o seu chefe de longe. Naquele tempo era o Giebisch, eu e uma técnica, então a gente trabalhava junto mesmo, o que era muito positivo para começar uma coisa nova. Desenvolvemos um método para fazer microdosagem de sódio e po­tássio e, daí, estudamos os mecanismos de excreção de potássio. E conseguimos observar como se dava a excreção de potássio nos vários segmentos tubula­res, nos túbulos renais. Antigamente só se obtinha a comparação entre sangue e urina, e nós pudemos puncionar os vários túbulos, túbulo proximal, túbu­lo distal, separadamente. Conseguimos descobrir como o potássio era excretado. E o que fizemos naquela época era uma coisa pioneira, que os livros de fisiologia todos trazem, até hoje.

n Como foi o retorno ao Brasil?— Vim montar um laboratório. E apesar das dificuldades iniciais, consegui fazer bastante coisa. A primeira coisa era es­tudar o jeito de manejar cloreto, que também só fiz porque tinha um apare­lho adequado. Como eu não sabia muito bem o que ia fazer, resolvi: “Bom, vamos fazer alguma coisa que dê para fazer com o que tenho: vou fazer micropunção, e alguma coisa com cloreto”. Tirava uma amostra de fluido tubular e fazia uma dosagem bastante complicada. Pouca gente fazia porque era difícil demais de fazer. Mas eu era cabeça­dura. E com isso consegui impulsionar o trabalho na Fa­culdade de Medicina, consegui publicar

na Nature, sobre o efeito do diurético furosemide no transporte de cloretos. Eu tinha conseguido o material, inventei o projeto. Depois reconstruí aqui esse equipamento de microdosagem de sódio e potássio, o que foi possível porque a gente na Fisiologia tinha uma espécie de laboratório mecânico, tinha gente capaz de construir coisas. Veja esse aparelho [mostra um equipamento antigo exposto em seu laboratório]. Tem uma pequena chama no meio e nessa pequena chama a gente colocava uma alça de platina, em cima da alça de platina punha uma go­ta de água e, dentro da água, a solução obtida do túbulo renal. Para fazer isso aqui tive ajuda do meu primeiro aluno de doutorado, o professor Francisco Lacaz Vieira. Ele entendia muito de eletricida­de e eletrônica, me fez o equipamento, ajudou a construir a parte eletrônica, que eram duas válvulas, uma de cada lado, uma para potássio e outra para sódio, e tinha que ter 2 mil volts – alta voltagem, naquele tempo. Fizemos isso e deu certo. Minha sorte era ter o Francisco Lacaz, que se aposentou uns dois anos atrás. O tio dele, o Joaquim Lacaz de Moraes, ti­nha montado um belíssimo laboratório. Ele era neurofisiologista, mas era tam­bém desses de construir coisas, de ele­tricidade, a família dos Lacaz era muito boa de eletrônica. Então ele montou um laboratório em cima da atual biblioteca da faculdade. Nesse laboratório a gente tinha um espaço enorme que não era de todo usado. Tinha uma pequena oficina mecânica, elétrica, eletrônica... O Lacaz trabalhou um pouco com seu tio mas, quando voltei, estava sem orientador, porque o tio tinha se aposentado. En­tão começou a trabalhar comigo, o que foi ótimo, porque ele me ajudou muito. É uma pessoa com muita habilidade, muito inteligente, foi professor titular aqui durante muito tempo... Sugeri a ele

medir pH nos túbulos renais, e ele con­seguiu para isso fazer um microeletrodo de antimônio. Produzimos coisas muito interessantes.

n Era preciso fabricar o próprio equi­pamento.— É, para produzir alguma coisa. E produzimos então o trabalho dos me­canismos de secreção de hidrogênio, a produção de ácido por parte do rim. Acho que foi, dos meus trabalhos, o mais citado. Meu e do Lacaz. Tinha mais de 300 citações. Era um estudo da secreção de íon hidrogênio nos túbulos renais. Era uma coisa que estava sendo feita, outros fizeram mas não usaram esse mesmo mé­todo, esse mesmo microeletrodo. Isso foi muito positivo, conseguimos fazer esse e mais outros trabalhos. Mais tarde, o Lacaz se tornou independente, foi para os Estados Unidos passar um ou dois anos lá com um famoso fisiologista de trans­porte em membranas, A. K. Solomon.

n Havia um descompasso entre o que o senhor podia fazer lá e aqui?— Havia, mas naquele tempo a gente conseguia fazer muita coisa no laborató­rio. Tinha essa pequena oficina que aju­dou muito. Naquele tempo a gente tinha que, com as próprias mãos, desenvolver o equipamento necessário, o que eu sem­pre gostei muito de fazer. Nós tivemos durante muito tempo uma boa oficina mecânica no departamento. Infelizmen­te nosso mecânico morreu alguns anos atrás e não foi reposto, porque hoje em dia a fisiologia mudou, não é mais uma fisiologia que a gente tem que pôr a mão. É a fisiologia mais da biologia molecular, que tem equipamentos que se usam sem­pre, como o espectrofotômetro, centrí­fugas, coisa assim, que você compra mas não faz. E gostei muito de usar as pró­prias mãos, o que, para a micropunção renal, era fundamental, porque a gente produzia os porta­eletrodos, as micro­pipetas, tinha que fazer isso. Você ficava lá todo dia construindo uma coisa ou outra. Hoje isso é mais raro.

n Que outros trabalhos o senhor destaca? — Temos os trabalhos de potássio e de sódio. O professor Giebisch, nos Esta­dos Unidos, contribuiu muito, mas eu colaborei com ele – até hoje a gente colabora e fizemos muita coisa juntos, principalmente de sódio e potássio. Aqui trabalhei, além de sódio e potássio, com hidrogênio. Estudamos a acidifica­ção dos túbulos renais. E isso foi feito,

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também, primeiro com microeletrodos, que são microinstrumentos feitos em microforja, onde a gente produz uma ponta preenchida por antimônio – o antimônio é um metal sensível a pH. Depois passamos do antimônio para uma resina de troca iônica, que é uma espécie de solução meio oleosa que a gente coloca dentro do eletrodo e que contém uma substância também sen­sível a pH. Trabalhamos também com uma resina de potássio. E isso até hoje. Eu estive no fim do ano passado na Yale University, em New Haven, com uma aluna minha, a Lucilia Lessa, de Forta­leza, e o Giebisch sempre dizia: “Você é o único no mundo que sabe fazer essa técnica, de microperfusão, de dosagem de potássio com microeletrodos”. Tenho cerca de 130 trabalhos, mais ou menos. Para os Estados Unidos não é tanto, mas para nós aqui... E é bom porque nossos métodos são muito complicados, difíceis de fazer e, nisso, levam muito tempo.

n Quantos pesquisadores o senhor formou?— Formei 20 e tantos doutores... Alguns deles continuaram com essa técnica. Uma pessoa que contribuiu muito foi a professora Margarida de Mello Aires, que é minha vizinha de sala. Ela fez o douto­rado comigo logo quando eu voltei, uns dois ou três anos depois, veio trabalhar comigo. E ela trabalha com micropun­ção, microperfusão desde aquela época, desde 1966 mais ou menos. E tem muitos outros. Tenho um trabalho feito com o

Marcelo Marcondes e outro com o Anto­nino Rocha, com o pessoal da Faculdade de Medicina. Estudamos por micropun­ção os túbulos renais de ratos com doen­ça renal. Ultimamente tenho trabalhado muito com pH, equilíbrio ácido­base, de que jeito o rim acidifica a urina, que é uma das funções muito importantes do rim. E, em outra área, fui para os Estados Unidos para trabalhar com camundon­gos transgênicos. Hoje isto se faz muito, é uma técnica muito poderosa. Aqui é mais difícil, temos dificuldade de pro­duzir estes camundongos aqui. Mas fui ao laboratório da Yale University, tanto em 2004 quanto no fim do ano passado, e trabalhamos com camundongos que têm falta de um transportador de íons, no caso, de potássio. Uma outra aluna, a Nancy Rebouças, desenvolveu a parte de biologia molecular, após um estágio na Yale, em parte por minha sugestão. Ela agora é uma das pessoas importantes em São Paulo que trabalham com biologia molecular. Outro colega, o Antônio Car­los Cassola, trabalha com uma técnica eletrofisiológica, patch clamp, que utiliza microeletrodos também, que aprendeu no mesmo laboratório com o Giebisch e um aluno deste, Y. Wang. O nosso grupo todo se desenvolveu daquele começo. Co­labora conosco, ainda, a Adriana Girardi, ex­aluna de doutorado da Nancy Rebou­ças, atualmente no Instituto do Coração, que trabalha com coração e rim, outra excelente bióloga molecular.

n Como foi a mudança da avenida Dr. Arnaldo para a Cidade Universitária?— Nos mudamos para cá em 1972. Ga­nhamos um espaço que não era maior do que na Faculdade de Medicina. Agora estamos reduzindo um pouco porque, como estou aposentado, a Margarida também, a gente tem que se limitar um pouco, enquanto não põem a gente para fora [risos]. Já estamos no terceiro projeto temático, apoiado pela FAPESP, obtive­mos auxílios excelentes, muito dinheiro, e isso, em parte, é mérito meu, que sou coordenador.

n Qual é o foco de seu projeto temático?— O nome do temático é “Estudo mo­lecular e funcional de transportadores de íons em membranas”. Investigamos como os túbulos renais transportam só­dio, potássio e hidrogênio. É uma conti­nuidade do que a gente tem feito nestes anos. A Nancy trabalha com a parte de biologia molecular do projeto. A própria Adriana, do InCor, e a gente de nosso

laboratório, tem colaborado nesta área, tem publicado trabalhos de biologia mo­lecular, principalmente com ajuda delas e de uma pós­doc do nosso laboratório, ex­aluna da Nancy e minha, Luciene Car­raro­Lacroix, e que agora está fazendo um pós­doc no Canadá.

n Em que estágio está a pesquisa em fisio­logia no Brasil? Como evoluímos?— No início do século passado, a fisio­logia dependeu muito de esforços indi­viduais. No Rio, o professor Carlos Cha­gas começou trabalhando no Instituto Oswaldo Cruz. Naquele tempo, no Rio principalmente, a fisiologia das faculda­des era mais uma fisiologia de ensino e a fisiologia científica era mais feita nos institutos, como Manguinhos. Aqui foi um pouco diferente. A Faculdade de Me­dicina foi criada em 1913, ela começou logo, pelo menos em parte, com pesquisa e ensino ao mesmo tempo. A parte de pesquisa em fisiologia estava, no Rio, no Instituto de Biofísica do Carlos Chagas, ainda hoje o centro de pesquisa mais im­portante do Rio, e aqui, em boa parte, estava na Faculdade de Medicina. Temos várias pessoas trabalhando nas diferen­tes áreas de fisiologia, a cardiovascular, a neurofisiologia e atualmente a endo­crinologia. A neurofisiologia é bastante boa, principalmente depois da passa­gem do professor Miguel Covian, vindo de Buenos Aires, em Ribeirão Preto. E aqui ti vemos o professor César Timo­Iaria, que foi aluno de Covian, ambos já falecidos. O professor César veio de Ribeirão para cá e criou um grupo de neurofisiologia que ainda é muito bom. Portanto, a fisiologia cresceu progres­sivamente em várias áreas. Mas há no Brasil outros bons grupos de fisiologia, destacando­se Ribeirão Preto, Belo Ho­rizonte e Porto Alegre. No Espírito Santo há um bom grupo de cárdio também. Realmente houve um crescimento bas­tante razoável. A pós­graduação ajudou muito, atraiu muita gente para a área e me lhorou muito sua qualidade.

n O professor Covian veio da Argentina, nos anos 1950, país que era referência em fisiologia. Ainda é? — Naquela época, eles já tinham um Prê­mio Nobel, o Bernardo Houssay. Havia grupos de bioquímica muito bons, como o do também vencedor do Nobel, Luis Leloir. Hoje é difícil dizer se está melhor ou pior... Acho que está mais para pior do que para melhor. A fisiologia aqui, com a pós­graduação, cresceu muito.

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n Como presidente da Fesbe, o senhor foi um dos líderes da mobilização para remo­ver entraves para os experimentos científi­cos com animais. Foi algo importante?— Sim, porque a gente tem oponentes poderosos, sociedades de proteção aos animais, e eles nos causaram muitas dificuldades. Inclusive em alguns locais houve invasão de biotérios para libertar animais. Finalmente saiu a nova lei, de Sérgio Arouca, que morreu antes de ver a lei aprovada, e foi muito positiva. Agora a gente precisa que, em cada unidade, cada faculdade, se crie um conselho de ética para experimentos em animais. Isso já havia para humanos. Agora estão come­çando as comissões para animais, o que é muito positivo porque é claro que te mos que tratar muito bem nossos animais, dar anestesias adequadas, não fazê­los sofrer. Isso é muito importante. Mas não se pode deixar de usar animais em ciên­cia, isso também é fundamental.

n De certo modo, havia um lado positivo nessa pressão, no sentido de estimular a busca de métodos alternativos, não?— Sim, de dar um tratamento adequa­do para os animais. A gente usava muito cachorro. Pegavam os cachorros na rua e depois eram utilizados em pesquisa. Os americanos usam mais cachorros espe­cialmente criados para isso. Mas aqui é difícil fazer. A minha tese de doutorado sobre a vitamina B1 foi feita com cão. Hoje usamos mais rato, porque rato é criado especialmente para isso, então é mais agradável e bem mais controlável. Não parece tanto com animal de estima­ção como cachorro e gato. Eu lembro que o doutor Alberto usava gato para expe­rimentos de nutrição porque os gatos são muito bons para estudos em que a gente precisa de animais muito homo­gêneos. O tamanho do crânio do gato varia muito pouco, ao contrário do cão. O crânio dos gatos é muito semelhante entre indivíduos, e isso facilita muito os estudos de neurofisiologia. Agora o gato é um animal muito protegido pela so­ciedade, então hoje praticamente não se usa mais. E dá para fazer muita coisa em rato também. Camundongo se usa muito hoje para biologia molecular. A gente fez micropunção com camundongo. É mais difícil, é um animalzinho muito menor, mas é o mais apropriado para produzir animais transgênicos.

n Num artigo que escreveu para um livro sobre o ensino superior, o senhor fala so­bre mérito dentro da universidade, como a

como a FAPESP é que pagam uma boa parte do salário. Então o indivíduo que não produz perde boa parte do salário e tende a mudar de vida, ganhar dinheiro de outra forma. Aqui não tem isso. É muito confortável. Até a sua morte você ganha o mesmo salário, que não é dos piores.

n Mas o sistema de financiamento tem evoluído...— Temos, em quase todos os estados, fundações de amparo à pesquisa, as FAPs. A existência dessas FAPs permi­tiu que os docentes que produzem ga­nhem mais dinheiro para pesquisa. Vão produzir mais ainda, por causa desse apoio financeiro das FAPs e mesmo do CNPq [Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico]. Isso é uma coisa positiva e acaba esco­lhendo os melhores para continuar nas universidades. Inclusive os docentes com maior produção podem receber bolsas do CNPq, que já são um estímulo adicio­nal. A Faculdade de Medicina tem uma coisa boa. Eles ajudam no salário a partir da Fundação Faculdade de Medicina. O pessoal apoiado acaba ganhando mais – e com justiça. É uma maneira de apoiar os que trabalham mais no laboratório, porque na Medicina isso é essencial. O pessoal que trabalha em tempo integral lá não ficaria em tempo integral com o salário­base que a gente ganha.

n Voltando à sua carreira, quais são seus planos para o futuro?— Continuo fazendo pesquisa enquanto for possível. Eu tenho 76 anos agora e não sei até quando será possível continuar. Estou bem de saúde. Já sofri uma cirurgia de coluna, a coluna estava apertando os nervos das pernas e consegui recuperar bem isso. Claro que reduzi um pouco. A gente sempre acaba com menos elã do que tinha na juventude, isso é forçoso. Mesmo assim estou conseguindo fazer bastante coisa. O contato com os jovens, por exemplo, é uma coisa que estimula. No momento, só tenho uma doutoranda e um aluno de iniciação. Os jovens preferem ficar com os mais jovens também. Mas a gente sempre acaba conseguindo mais alguém. Do ponto de vista da pesquisa, continuo trabalhando em excreção de potássio e com camundongos transgêni­cos. Inclusive, nosso setor de importação do ICB tem conseguido importar estes camundongos. Mas tenho colaborado também com colegas em estudos sobre acidificação tubular do ponto de vista de mecanismo de transporte de íons H. n

universidade deveria trocar quem não está funcionando e dar acesso aos pesquisado­res mais jovens. A questão o preocupa? — Até certo ponto. Na USP há lugares como a Faculdade de Medicina que fun­cionam melhor, mas eu me lembro que, quando estava começando, tinha muita gente fraca. Gente que não produzia cien­tificamente. Agora, com a pós­graduação, isso diminuiu, porque a pessoa para en­trar na Faculdade de Medicina ou no ICB ou num lugar bom tem que passar pela pós­graduação, e isso em geral melhora muito o nível das pessoas. Mas nem todo mundo que passou pela pós­graduação continua muito produtivo. Tem gente cuja produtividade cai depois de alguns anos. E a questão é o que fazer com essas pessoas. Elas muitas vezes vão mais para a administração ou o ensino. Ou, agora, vão também para a indústria. Uma evolução interessante... É muito difícil a pessoa sim­plesmente ser expulsa. Isto dá muita briga. Teoricamente, realmente, o que deveria acontecer é que a progressão na carreira deveria depender do mérito. Isso talvez tenha melhorado um pouco, porque an­tigamente o pessoal dava mais aula do que fazia pesquisa. É importante que se saiba dar aula bem. Mas o ideal é tanto dar aula como fazer pesquisa, as duas coisas.

n Em outros países não há a estabilidade na carreira de docente pesquisador que temos aqui. — Talvez fosse uma boa ideia. Mas não acredito que aconteça, porque a força das entidades de defesa de classe é muito grande. Essas entidades são poderosas. A gente deveria ter mais vantagens, inclusi­ve pecuniárias, para quem produz mais, como acontece nos Estados Unidos. Lá a situação é diferente porque as entidades

Deveria haver mais vantagens, inclusive pecuniárias, para o pesquisador que produz mais

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Fora de controle

Inflamação desencadeada pela sepse danifica o coração

Salvador NogueiraIlustrações Laura Daviña

capa

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Defender o organismo de si mesmo quando ele lança um ataque desesperado contra suas próprias células é o principal desafio dos mé-dicos nos casos de sepse, infecção generalizada causada por bactéria ou vírus, acompanhada por uma inflamação agressiva contra os órgãos que deveria proteger. Avaliando a saúde de

pacientes com sepse, problema que a cada ano atinge 18 milhões de pessoas no mundo, médicos do Brasil e de outros países observaram que o risco de morrer aumenta muito quando o órgão mais danificado é o coração: a taxa de óbito chega a 80% se o músculo car-díaco é afetado e passa a bombear com menos eficiência sangue rico em oxigênio para o restante do corpo, ante 20% quando não há dano cardíaco.

Agora pesquisadores da Universidade de São Pau-lo (USP) em Ribeirão Preto deram um passo além. Analisando o coração de pessoas e animais que mor-reram com sepse, a equipe coordenada pelo patologista Marcos Rossi e pelo farmacologista Fernando Cunha caracterizou o tipo de dano que a inflamação associada à sepse provoca nas células cardíacas. Mais importan-te: encontrou também um caminho promissor para proteger o coração e, assim, ganhar tempo para que o corpo recupere o controle da situação.

O principal avanço do grupo de Ribeirão foi ver o que acontece com as células cardíacas em escala mo-lecular. Em estudos com animais em laboratório, os pesquisadores descobriram que moléculas de óxido nítrico liberadas na inflamação danificam a parede das células, tornando-as mais permeáveis ao cálcio. A consequência dessa alteração é uma superdosagem desse elemento químico que leva à morte celular – se a proporção de células afetadas for muito grande, di-minui a capacidade do coração de bombear sangue. Publicado em março de 2010 no periódico científico Shock, esse achado é especial porque sugere formas de frear o processo de desgaste do coração. É que existem no mercado medicamentos que bloqueiam a absorção do cálcio, usados no controle da pressão arterial e na regulação do ritmo cardíaco.

Atualmente o grupo de Cunha e Rossi avalia, em parceria com pesquisadores do Albert Einstein College of Medicine, em Nova York, se essas drogas ajudam de fato a manter o coração funcionando quando admi-nistradas durante um quadro de sepse. O estudo ainda está em andamento, mas os resultados preliminares são bastante expressivos. Em um dos experimentos, os pesquisadores administraram compostos que impedem a absorção de cálcio – os chamados bloqueadores dos canais de cálcio – a camundongos que haviam sofrido perfuração nos intestinos e desenvolvido infecção gene-ralizada. Em seguida, compararam com o que acontecia

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com um grupo de animais com sepse não tratados e com um grupo de roe-dores saudáveis.

Os bloqueadores dos canais de cál-cio proporcionaram algum grau de sobrevida aos camundongos doentes. Sem o medicamento, a maioria dos animais com sepse morria em menos de 24 horas. Quando tratados, porém, todos sobreviveram ao primeiro dia. “A taxa de morte dos animais com sepse que receberam bloqueador de cálcio foi semelhante à dos camundongos do grupo de controle, que não tinha infec-ção”, explica Rossi. “É um resultado que nos deixou entusiasmados.”

A inda são necessários muitos testes – e possivelmente anos de traba-lho – para comprovar se essa es-

tratégia é eficiente e pode ser adotada com segurança no dia a dia dos hospi-tais. Mas um fato deixa os pesquisa-dores otimistas: será mais simples rea-lizar testes com seres humanos, uma vez que os bloqueadores de canais de cálcio já são utilizados para tratar pro-blemas cardíacos. Rossi lembra, po-rém, que é prematuro supor que tudo dará certo, pois as circunstâncias a que os animais foram submetidos são bem diferentes das que envolvem os pacien-tes nos hospitais.

Como patologista, Rossi realizou muitas autópsias em pacientes que morreram com sepse e constatou que quase sempre o coração deles havia passado por mudanças radicais. “O coração de um paciente com sepse era diferente, meio flácido, o que indicava que em vida havia apresentado proble-ma de funcionamento”, afirma. A análi-se do material obtido nas autópsias de fato indicava alterações morfológicas no músculo cardíaco. Apresentadas na Shock em 2007, essas alterações eram como um retrato do momento final.

A fim de conhecer como iniciam e evoluem os danos cardíacos associados à sepse, os pesquisadores tiveram de recorrer a um modelo experimental do problema – eles escolheram trabalhar com camundongos porque o organis-mo desses roedores funciona de modo semelhante ao humano. Por meio de

uma incisão no intestino do animal, bactérias do trato digestivo alcançam a cavidade torácica e provocam uma infecção generalizada.

Já de início, os pesquisadores no-taram uma modificação importante da estrutura do coração dos animais que desenvolviam sepse: houve uma redução expressiva na quantidade das proteínas responsáveis por manter as células do coração fortemente unidas. Como resultado, essas células, conhe-cidas como cardiomiócitos, se desco-nectavam umas das outras, observou Rossi ao analisar o tecido ao microscó-pio eletrônico. Era como se, em nível celular, o músculo cardíaco estivesse sendo desmontado.

Ainda que essa transformação, des-crita em 2007 na Critical Care Medicine, ocorresse no nível microscópico, o des-monte produzia consequências facil-mente observáveis. Para o coração bater com regularidade, suas células precisam estar firmemente ligadas entre si, de modo que contraiam ou relaxem em sincronia. Com as células desconecta-das, o ritmo cardíaco tornava-se irregu-lar e o coração rapidamente parava.

Análises químicas mais sofisticadas usando uma técnica (imunofluorescên-cia) que faz certas proteínas brilharem quando presentes numa amostra refor-

1. Mediadores envolvidos na gênese da dor e migração de leucócitos e na sepse – nº 2007/51247-5 2. Sepse e choque séptico: alterações funcionais e morfológicas do coração: estudo experimental em camundongos – nº 2004/14578-53. Avaliação in vitro da expressão de distrofina em cardiomiócitos submetidos a diferentes estímulos – nº 2009/53544-2

modAlIdAdE

1 e 2. Projeto Temático3. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dorES

1 e 2. Sergio henrique Ferreira – uSP/RP3. Marcos Antonio Rossi – uSP/RP

InvEStImEnto

R$ 2.303.227,35R$ 153.565,78R$ 310.920,30

Os prOjetOs

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Moléculas

inflamatórias

tornam a

membrana das

células cardíacas

mais permeáveis

ao cálcio,

provocando uma

superdosagem

e morte celular

Artigos científicos

1. ROSSI, M.A. et al. Myocardial structural changes in long-term human sepsis/septic shock may be responsible for cardiac dys-function. Shock. v. 27 (1), p. 1-18. jan. 2007.2. CELES, M.R. et al. Disruption of sarco-lemmal dystrophin and beta-dystroglycan may be a potential mechanism for myocar-dial dysfunction in severe sepsis. Laboratory Investigation. v. 90, p. 531-42. fev. 2010.

disse Li. “Em essência, mostramos que, em vez de atacar o patógeno, podemos mirar o hospedeiro para ajudá-lo a lu-tar contra a infecção.”

O controle adequado da sepse, po-rém, deve exigir mais de uma estratégia de ação. Em um trabalho recente fei-to em parceria com pesquisadores da Universidade de Glasgow, na Escócia, o farmacologista José Carlos Alves Fi-lho, da equipe de Cunha, administrou a camundongos com sepse uma proteína naturalmente produzida pelas células do sistema de defesa que atua como um comunicador químico de ação anti-in-flamatória: a interleucina 33 ou IL-33. Além de reduzir a inflamação no orga-nismo sem a eliminar no foco original de infecção, essa proteína estimulou a migração de um tipo específico de célu-las de defesa – os neutrófilos – que eli-minam as bactérias de modo eficiente.

Os resultados dessa terapia experi-mental foram claros. Apenas 20% dos roedores tratados com IL-33 morreram em consequência da sepse, enquanto a taxa de mortalidade no grupo que re-

cebeu um composto inócuo foi de 80%. No artigo em que apresentam esses da-dos na Nature Medicine de 16 de maio, os pesquisadores sugerem que o efeito que a IL-33 produziu nos camundongos também deve ser observado nos seres humanos, uma vez que os neutrófilos são menos ativos nas pessoas que desen-volvem quadros mais graves de sepse.

M enos de um mês antes, outro in-tegrante da equipe de Cunha e de Rossi, o farmacologista Fernando

Spiller, havia demonstrado que o uso de sulfeto de hidrogênio – ou ácido sul-fídrico (H2S), o gás responsável pelo mau cheiro dos ovos podres – induz a migração de neutrófilos e de outro grupo de células de defesa, os leucóci-tos, para a área inicial de infecção (ver Pesquisa FAPESP nº 146). Esse reforço celular eliminou as bactérias e redu-ziu para 13% a mortalidade entre os camundongos que receberam o com-posto, ante quase 80% entre os que não foram tratados, segundo artigo publi-cado no American Journal of Respira-tory and Critical Care Medicine.

Apesar de animadores, esses avan-ços representam apenas o passo inicial de um longo percurso para melhorar o controle da sepse, problema de saúde pública especialmente grave nos países em desenvolvimento, onde os recursos são mais escassos. Um levantamento feito anos atrás pelo Instituto Latino- -americano para Estudos da Sepse re-velou que, dos R$ 41 bilhões gastos em 2003 com terapia intensiva pelo siste-ma de saúde brasileiro, mais de R$ 17 bilhões foram destinados a tratamento de 400 mil pacientes com sepse, dos quais 227 mil morreram. n

çaram a suspeita de que a desestrutura-ção cardíaca ocorria em nível molecular. Mas não no interior das células. O pro-blema estava no exterior, no chamado meio extracelular. O grupo notou que uma estrutura proteica – o complexo distrofina-glicoproteína (DGC), que serve como ponto de apoio e dá for-ma às células – parecia se dissolver no coração dos animais vítimas da sepse, revelaram os pesquisadores de Ribeirão em artigo publicado no Laboratory In-vestigation de abril deste ano.

Se esses danos cardíacos forem de fato provocados pela inflamação asso-ciada à sepse, a saída para aumentar a taxa de sobrevivência de quem desen-volve as formas mais graves pode estar no controle da inflamação e dos danos por ela causados. De acordo com os pesquisadores de Ribeirão, essa seria uma transformação importante na ma-neira de lidar com o problema, uma vez que, em geral, tenta-se combater apenas os agentes infecciosos com antibióticos e antivirais. “As altera-ções identificadas surgem como alvos terapêuticos cuja modulação poderá reduzir a morbidade e a mortalidade na sepse”, afirma Rossi.

E eles não são os únicos a pensar as-sim. Na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, o grupo chefiado

pelo cardiologista Dean Li, do qual participa o médico brasileiro Fernan-do Augusto Bozza, do Instituto de Pes-quisa Clínica Evandro Chagas, no Rio de Janeiro, tentou controlar as reações inflamatórias decorrentes da sepse ou da gripe aviária de maneira inusitada. Os pesquisadores deram aos camun-dongos um composto que impedia que os comunicadores químicos que alimentam a inflamação deixassem a corrente sanguínea e chegassem aos tecidos. Assim, conseguiram reduzir o nível de dano no organismo dos roe-dores, segundo artigo publicado em 17 de março na Science Translational Medicine. “Ao bloquear os efeitos no-civos da inflamação no hospedeiro e estabilizar os vasos sanguíneos, iden-tificamos uma estratégia totalmente diferente para tratar essas infecções”,

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ESTRATÉGIAS MUNDO

FÔLEGOCONTINENTAL

Parlamentares de Taiwan dãoos retoques finais na legislaçãoque deverá permitir a entradade 2 mil estudantes da Chinacontinental por ano em cursosde graduação e pós-graduaçãodo país. Há razões pragmáti-cas para a reforma. O númerode universidades taiwanesascresceu de 40 para 175 em20 anos. Mas, com a quedana natalidade, não há jovenssuficientes para frequentá--Ias. "O talento e a disposiçãopara trabalhar dos estudantesda China darão fôlego para anossa pesquisa", disse à revis-ta Nature Ben Chao, professorda Universidade Nacional de Taiwan. Refúgio de emigradoschineses depois da tomada do poder pelos comunistas, em1949, a ilha de Taiwan é considerada pela China como provínciarebelde, mas vem buscando aproximação econômica com ocontinente. Muitos chineses já procuram as universidades dailha para fazer estágios de curta duração, mas a lei proibia suaparticipação em cursos regulares. Para os chineses, a mudançaencarna a chance de obter formação de alto nível no exteriorsem as barreiras culturais enfrentadas em países como EstadosUnidos ou Inglaterra, diz Cong Cao, do Instituto Levin, em NovaYork, estudioso do sistema científico chinês.

IPARCERIASBIOTECNOLÓGICAS

a autora principal do estudo,Halla Thorsteinsdóttir, da·Universidade de Toronto,segundo a agência SciDev.Net. Já o Egito aliou-seà China para abastecer-sede insulina, estabelecendouma relação comercialbilateral que continuaa beneficiar ambos ospaíses. Brasil, China, Cuba,Nigéria, Rússia, Tailândiae Ucrânia criaram redes

Países em desenvolvimentoestão criando alianças paraenfrentar problemas desaúde pública, mostra umestudo publicado na revistaNature Biotechnology. "AÍndia e a África do Sul, porexemplo, estão trabalhandojuntos em drogas contraAids e malária", disse

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para promover pesquisae desenvolvimento de kitsde diagnóstico, drogas evacinas. As colaboraçõestêm como pano de fundoum aumento de 12,5%na taxa de comércio Sul-Sula cada ano, com destaquepara economias emergentescomo as da China e daÍndia. O estudo entrevistougestores de 300 empresasde biotecnologia de 13países e mostrou que essascolaborações são estabelecidaspor iniciativa do própriosetor privado, que se queixada dificuldade de identificarparceiros confiáveis emoutros países. "Encontrarinformação detalhada sobreos potenciais parceiros éuma tarefa difícil. Governose outros setores poderiamter um papel mais proativono fomento a essascolaborações", diz o estudo.

IMODELOEM REVISÃO

O sistema de pesquisamilitar da Índia estásofrendo uma reforma.A Organização de Pesquisae Desenvolvimento emDefesa (DRDO, na siglaem inglês), que tem 52 anosde idade e emprega 5 milcientistas em 51 laboratórios,será dividida em sete centrostemáticos, em camposcomo ciências da vidae novos materiais, e teráseus projetos monitoradospor um comitê supervisor.A reestruturação foirecomendada por umrelatório produzido em2007 para analisar as críticasde que projetos de aviõesde combate e de mísseisguiados estouraram prazose custos e que o sistemase mostrava incapazde reduzir a dependênciade fornecedores estrangeiros.O governo da Índia vaiinvestir US$ 20 milhõesna criação de um braçocomercial da DRDO,que negociará com o setorprivado o desenvolvimentode produtos e tecnologiasidealizados pelospesquisadores, segundoo jornal Daily Times.

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IAPOSTA EMNANOTECNOLOGIA

o governo da Argentinaanunciou o lançamentodo Fundo Setorialde Nanotecnologia.O objetivo é promovero desenvolvimentode nanomateriais enanossensores e estimulara transferência tecnológicaem áreas como saúde,agroindústria e cosmética.A primeira chamada,coordenada pela AgenciaNacional de PromoçãoCientífica e Tecnológica(ANPCyT), vai ofereceraté US$ 7,8 milhões porprojeto contemplado,

em recursos nãoreembolsáveis. A iniciativaé dirigida a consórciospúblico-privados formadospor centros de pesquisapúblicos e empresas.O dinheiro poderá seraplicado na reformade instalações, contrataçãode pessoal e bolsas de pós--graduação. "Trata-se deuma grande oportunidadede estimular a aplicaçãoda nanotecnologiapara o aprimoramentoda competitividade de

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nossas empresas", disseà agência SciDev.NetDaniel Lupi, presidenteda Fundação Argentina deNanotecnologia.

vários objetivos. Um delesé desenvolver o InstitutoPasteur de Montevidéucomo centro de excelênciaregional. Busca-se, também,apoiar a internacionalizaçãode um centro de pesquisa desoftwares, ampliar o polotecnológico da cidadede Pando e criar clusters deempresas tecnológicas emáreas estratégicas. Segundoo embaixador GeoffreyBarret, chefe da delegaçãoda Comissão Europeia noUruguai, a parceria iniciadaem 2008 vem fortalecendoos vínculos entre a academiae as empresas no país."O programa está ajudandoa promover a transferênciade conhecimento", disseà agência SciDev.Net.

OPERAÇÃO RESGATEo governo da Rússia quer resgatar seusistema de ciência e tecnologia, em de-clínio desde o colapso da União Soviética,e anunciou um investimento suplementarde US$ 3 bilhões nas universidades nospróximos 10 anos destinado à pesquisavoltada à inovação. A intenção é reduzira dependência da Rússia em exportaçõesde petróleo e gás e estimular o desen-volvimento tecnológico. Os recursosdevem beneficiar principalmente as 12universidades nacionais de pesquisa, quevenceram uma disputa com mais de umacentena de instituições e recebem desde2008 recursos para a modernização delaboratórios. Mas é prematura a esperan-ça de criar versões russas de universida-des de primeira linha, como Harvard ouOxford, disse à revista Nature Konstantin

Severinov, do Instituto de Genética Molecular de Moscou.Ele alerta que ainda é muito forte a influência da Academiade Ciências da Rússia (RAS), que emprega mais de 50 milpesquisadores em 480 institutos. Segundo ele, a RAS temum corpo de pesquisadores com escassas conexões com acomunidade internacional e nem sempre premia as melhoresideias. "Falta transparência", afirmou.

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Segundo ele, no rol dospaíses latino-americanos,a Argentina está atrás doBrasil e do Méxicono desenvolvimentode nanotecnologia.

IUM FUNDO,VÁRIOS ALVOS

o Uruguai vai receberda União Europeia (UE)US$ 5,6 milhões parainvestir em ciênciae tecnologia entre 2011e 2013. O fundo, anunciadoem maio em Montevidéu,se soma a US$ 15 milhõesque a UE destinou em2008 para a criação deum programa de inovação.O novo investimento tem

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ICOMPORTAMENTODOS OCEANOS

Uma parceria entre aNoruega e a África do Sulirá levantar dados sobreo comportamento dosoceanos para ajudara compreender e a enfrentaros efeitos das mudançasclimáticas na África.Inaugurado na Cidadedo Cabo, o Centro paraPesquisa do AmbienteMarinho Nansen- Tutu irácoletar informações sobreos três oceanos que cercama África do Sul- o Atlântico,o Índico e o Antártico.A pesquisa terá como foco amodelagem computacionaldos oceanos, o estudodos ecossistemase as relações entreanormalidades climáticasem diferentes partesdo mundo. Iohn Field,coordenador da iniciativa,diz que há uma lacuna naprodução de dados sobreos oceanos em comparaçãocom a profusão deinformações sobre chuvas ede previsões meteorológicas.

"Os oceanos têm influênciano clima e precisamos dessetipo de informação", disseà agência SciDev.Net.O centro é uma colaboraçãoentre o Instituto de PesquisaMarinha da Universidadeda Cidade do Cabo e oCentro Nansen de Ambientee Sensoriamento Remoto,na Noruega. Terá orçamentoanual de US$ 1,5 milhão equadro de 20 pesquisadores.

ICRISE EREFORMA

A crise econômica levoua Grécia a cortar 15% deseu orçamento de ciênciae tecnologia e 10% dossalários dos pesquisadores.O país, já um dos quemenos investiam emciência na Europa, começaa discutir estratégias paraevitar o colapso. Vários

MARKETING ILEGAL

A gigante farmacêutica AstraZeneca concordou em pagar muI-ta de US$ 520 milhões em resposta às alegações do governonorte-americano de que incentivou o uso da droga Seroquel(fumarato de quetiapina) no tratamento de doenças para asquais não havia obtido aprovação, como o mal de Alzheimere insônia. O remédio, receitado para esquizofrenia, pertencea uma geração de antipsicóticos que superou as drogas anti-colesterol como a categoria mais vendida nos Estados Unidos."A AstraZeneca fazia pagamentos aos médicos, num esquemailegal para vender remédios para usos não aprovados", disseao jornal The New York Times Kathleen Sebelius, secretáriade Saúde norte-americana. A empresa também está sendoprocessada por usuários do Seroquel que desenvolveram dia-betes. Eles acusam a empresa de omitir um estudo de 1997segundo o qual o remédio produz rápido ganho de peso.

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pesquisadores defendemreformas num sistemaconhecido por prezar maisa segurança do que aexcelência. O arquiteto damudança é o economistaAchilleas Mitsos, secretáriode Pesquisa e Tecnologia dogoverno grego. Ele preparauma nova legislação quedeve propor, entre outrasmudanças, a introduçãode normas de avaliação emprojetos de todo tipo, comos fundos distribuídos deacordo com o desempenho.Mitsos disse à revista Natureque vai gastar rapidamenteo € 1,5 bilhão disponívelem fundos da UniãoEuropeia para o períodode 2007 a 2013. Isso, espera,irá amenizar o corte deorçamento. Mas os recursosserão distribuídos "pormeio de competição':Estão previstos para ospróximos meses editaisde infraestrutura e bolsas depós-doutoramento. Umanovidade é que as propostasdeverão ser feitas em inglêse serão avaliadas por comitêsde especialistas, seguindocritérios de excelência.

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IBAIRROUNIVERSIT ÁRIO

A Universidade Federal deSão Paulo (Unifesp) assinouum protocolo de cooperaçãocom a prefeitura paulistanae com a Associação Paulistapara o Desenvolvimentoda Medicina (SPDM) paracriar o Bairro Universitáriona Vila Clementino, umaintervenção urbanísticana localidade da Zona Sulda capital onde a instituiçãofoi fundada, na década de1930, com o nome de EscolaPaulista de Medicina e poronde se espalham de modopouco articulado hospitaise instalações de ensino epesquisa em saúde. O projetoprevê a verticalização docampus, com a construçãode cinco novos prédiospara abrigar os ambulatórios,hoje espalhados por250 casas na região, alémda utilização de imóveisdesocupados. "Com aobtenção do antigo prédioda empresa Honda,localizado na avenidaSena Madureira, teremos aprimeira estrutura a fazerparte da verticalização. Oprédio será a futura sede da

ESTRATÉGIAS BRASIL

FOGO NO BUTANTANUm incêndio no Prédio das Coleções doInstituto Butantan no mês passado, emSão Paulo, destruiu 82 mil espécimes deserpentes e cerca de 450 mil aranhas eescorpiões reunidos por pesquisadorese colaboradores nos últimos 120 anos.A coleção científica herpetológica (ser-pentes) era a maior e a mais importantedo mundo. Desconfia-se que uma paneelétrica tenha causado o incêndio. "Essatragédia para a ciência brasileira deveser usada para salvar as coleções bioló-gicas do Brasil, que estão todas em pré-dios antigos e inadequados", diz Fran-cisco Franco, curador da coleção. "Se oincêndio tivesse acontecido no Museu deZoologia da Universidade de São Paulo,os danos seriam ainda maiores porquetemos 10 milhões de exemplares depo-sitados", afirma o diretor da instituição,Hussam Zaher. O mesmo vale, de acordo

com ele, para o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), deBelém, e para o Museu Nacional, da Universidade Federal doRio de Janeiro. "Essas são as instituições que têm as maisimportantes coleções biológicas do país", diz Zaher.

SABESP PÕEPESQUISA NOORGANOGRAMA

reitoria e de departamentosadministrativos," disseWalter Manna Albertoni,reitor da Unifesp, durantea assinatura do protocolo.O projeto também prevêa interligação de prédiospara facilitar a circulaçãode pessoas, além da criaçãode bulevares, ampliaçãode calçadas e abertura denovos estacionamentos. A Companhia de

Saneamento Básicodo Estado de São Paulo(Sabesp) acaba de incluirem seu organogramauma superintendência depesquisa, desenvolvimentotecnológico e inovação.A área será responsável, entreoutras ações, por coordenarestudos de tendênciastecnológicas, definir projetosde pesquisa e captar recursosfinanceiros junto às agênciasde fomento, a fim de ampliar

o portfólio de tecnologiasque oferece. De acordocom a companhia,a superintendência terá trêsdepartamentos:ProspecçãoTecnológica e PropriedadeIntelectual, Execução deProjetos de Pesquisa,Desenvolvimento e Inovaçãoe Acervo e NormalizaçãoTécnica. Uma das primeirasações desenvolvidas pelanova superintendência seráa definição dos projetosde pesquisa apoiados pelacompanhia em parceriacom a FAPESP, conformeprevê acordo de cooperaçãoassinado em 2009.

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ÇO~TRIBUIÇÃOA FISICA

Vanderlei Salvador Bagnato,professor do Instituto deFísica de São Carlos (IFSC)da Universidade de SãoPaulo (USP), é o ganhadordo Prêmio CBPF de Físicade 2010. Sua indicaçãodeve-se a um trabalho,publicado na PhysicalReview Letters, quedemonstrou pela primeiravez o fenômeno deturbulência em umcondensado Bose- Einsteine revelou as condições emque tal turbulência podeser investigada. O prêmiofoi criado pelo CentroBrasileiro de PesquisasFísicas (CBPF) parareconhecer a excelência decontribuições desenvolvidasno Brasil à física. SegundoBagnato, turbulências sãofenômenos que ocorrem emfluidos -líquidos e gases-,geralmente submetidos amovimentos desordenados,

PATENTESPREMIADAS

A Universidade Estadualde Campinas (Unicamp)premiou pesquisadores deseus quadros cujas desco-bertas foram patenteadase trouxeram benefício àsociedade. Em sua terceiraedição, a Premiação de In-ventores 2010 contemploutrês categorias. O PrêmioInventor com Produto In-corporado ao Mercado fi-cou com dois professoresdo Instituto de Química(lO): Wilson Jardim, pe-la tecnologia Fentox, umreagente que consegueacelerar em até 50 vezesa destruição dos produtostóxicos derivados da gaso-

lina, comercializada pela empresa Contech; e FernandoGalembeck, pelo uso da tecnologia Imbrik, material com-posto de borracha natural e argila para ser empregado emprodutos de vários segmentos industriais, comercializadapela empresa Orbys. O IQ e a Faculdade de Engenharia Quí-mica (FEQ) foram vitoriosos na categoria prêmio Destaqueem Proteção à Propriedade Intelectual. O IQ foi escolhidopor ser a unidade com maior número de pedidos de paten-tes (30) entre 2008 e 2009; e a FEQ, por ter tido o maiorcrescimento em número de pedidos de patentes. A terceiracategoria, Menção Honrosa por Tecnologia Licenciada,contemplou 24 pesquisadores com tecnologias licenciadasnos anos de 2004, 2005, 2006 e 2009.

conhecidos como vórtices."É fenômeno difícil de serestudado e, atualmente,é uma das principaisfronteiras do conhecimentona física", disse. Bagnatocoordena o Centro deÓptica e Fotônica (CePOF)de São Carlos, um dosCentros de Pesquisa,Inovação e Difusão (Cepid)da FAPESP, e o InstitutoNacional de Óptica eFotônica, que tem apoioda Fundação e do CNPq.

ESTíMULOÀ INOVAÇÃO

A Fundação Biominase a Associação da IndústriaFarmacêutica de Pesquisalançaram o 10 Prêmiode Inovação Biotecnológicaem Saúde Humanano Brasil. O objetivoé estimular a pesquisainovativa em saúde humanae promover a aproximaçãodas universidadescom a iniciativa privada.

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O prêmio é organizado emtrês categorias: InteraçãoUniversidade- Empresa,Esforço Inovador ePersonalidade do Ano.A primeira é destinadaa pesquisadores vinculadosa universidades ou institutosde pesquisa que interajamcom empresas no Brasil.Esforço Inovador é destinadaa empresas e se dividenas subcategorias: start ups,nacionais e estrangeiras.Personalidade do Anoselecionará um profissionalde destaque no cenáriode inovação biotecnológicanacional. As inscriçõespoderão ser feitas até o dia7 de julho pelo site <www.biominas.org.br/premio> .

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A pesquisadora Vanderlanda Silva Bolzani, professoratitular do Instituto deQuímica da UniversidadeEstadual Paulista (Unesp)e membro da coordenaçãodo Programa Biota-FAPESP,recebeu o título de fellowda The Royal Society ofChemistry, da Inglaterra,uma das mais conceituadassociedades científicas domundo. Trata-se de um títuloinédito na América Latina."Estou feliz e honrada comesse reconhecimento de umainstituição tão importante",disse Vanderlan. Segundoela, o título deverá ajudara destacar no Brasila pesquisa de produtosnaturais, área em que atua.Fundada em 1841 comoChemical Society of London,a instituição concedeanualmente o títulode fellow para designar seusmembros honorários. Esteano, foram 64 os escolhidos.

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INASCE UMAREVISTA

A área de ciência dacomputação ganhou maisuma revista científicainternacional, o [ournalof Internet Services andApplications. Lançadaem abril, a nova revistaé uma parceria da editoraSpringer com a SociedadeBrasileira da Computação,o Comitê Gestor da Internetdo Brasil e o LaboratórioNacional de Redes deComputadores. O periódicotrará artigos relacionadosà ciência e à tecnologiada internet. O editor chefeé Fábio Kon, professordo Departamento deCiência da Computaçãodo Instituto de Matemáticae Estatística da Universidadede São Paulo. Kon destacaque o veículo - além deser um canal de excelênciaem divulgação científica -tem como meta tornar-seum fórum ativo dadisseminação de ideiasinovadoras parao desenvolvimento dainternet como um ricocanal da expressão humana.Na primeira edição,

os artigos incluem temasrelacionados tanto à práticaquanto à teoria da área,assinados por algunsdos pesquisadores maiscitados no campo da ciênciada computação. Vinton Cerf,considerado um dosfundadores da internet,escreve o prefácio, intitulado"Meio século faz diferença"(A half-century makesa difference). Os textos darevista podem ser acessadosgratuitamente on-linedurante um ano no endereço<springer.com/jisa> .

o ADEUS DO SATÉLITE

Acabou a vida útil do Cbers-2B, terceiro exemplar de umasérie de satélites de sensoriamento remoto lança da em par-ceria entre o Brasil e a China. Em órbita desde setembrode 2007, apresentava problemas desde março e, em 16 deabril, passou a enviar sinais intermitentes indicando falta deenergia. ~ satélite percorreu 13 mil órbitas e gerou centenasde milhares de imagens do planeta. Segundo o Inpe, foram

distribuídas gratuitamente cerca

de 270 mil imagens deste satélitea usuários brasileiros e outras 60mil a usuários de mais de 40 países.O encerramento da operação reduzo número de imagens utilizadas emprogramas como Prodes e Deter,que monitoram o desmatamentona Amazônia. A continuidade dosprogramas, segundo o Inpe, será ga-rantida pelos satélites norte-ame-ricanos Terra/Modis e Landsat-S epelo indiano Resourcesat. O suces-sor do Cbers-2B será o Cbers-3, quedeveria ter sido lançado em 2009,mas já sofreu dois adiamentosdevido a restrições impostas pelogoverno dos Estados Unidos para avenda de componentes para equi-pamentos e sensores.

~ I PROPOSTASCONJUNTAS

A FAPESP e o Institutode Tecnologia deMassachusetts (MIT),dos Estados Unidos,publicaram uma chamadapara intercâmbio depesquisadores. A iniciativaestá aberta a pesquisadoresde todas as áreas doconhecimento, vinculadosa instituições públicasou privadas do estadode São Paulo, que jásejam responsáveis porprojetos apoiados pelaFAPESP (nas modalidadesAuxílio à Pesquisa,Temáticos, Apoio a JovensPesquisadores ou Centros

Desmatamentoem Mato Grosso(em vermelho)

de Pesquisa, Inovaçãoe Difusão). Os interessadostêm até o dia 15 de setembropara apresentar propostas.A FAPESP e o MITapoiarão os selecionadoscom recursos de atéUS$ 30 mil (US$ 20 milpara pesquisadores eUS$ 10 mil para bolsistas),destinados a despesas demobilidade, como passagens,diárias e seguro-saúde.As propostas devemser encaminhadassimultaneamente pelopesquisador paulistaà FAPESP e pelo seucolaborador nos EstadosUnidos ao MIT. Somenteaquelas aprovadas por ambasas partes serão financiadas.

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PESQUISA FAPESP 172 • JUNHO DE 2010 • 25

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Fabrício Marques, de Brasília

[ Planejamento ]

Pontos de consensoConferência nacional busca caminhos para aperfeiçoar as políticasde Ciência, Tecnologia e Inovação

s debates da 4a Conferência Nacional da Ciên­cia, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que envol­veram mais de 4 mil participantes em Brasília entre 26 e 28 de maio, alcançaram uma série de pontos de convergência. O principal deles foi a urgência em resgatar a qualidade da educa­

ção a fim de garantir a formação das novas gerações de profissionais e de pesquisadores de que o país precisará para se desenvolver. “Pesquisadores, autoridades e em­presários concordaram que é preciso melhorar o ensino e valorizar o professor, mobilizando as universidades para aperfeiçoar sua formação, embora a execução dessa meta seja complexa e dependa de vários atores”, disse o físico Luiz Davidovich, secretário­geral da conferência e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Um segundo ponto de consenso nas palestras e discussões vinculou­se à necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de estímulo à inovação nas empresas e de interação entre pesquisadores e o setor privado, que melhoraram nos últimos anos mas têm resultados ainda tímidos. “É imperiosa a necessidade de que as empre­sas se dediquem mais a atividades de pesquisa e desen­volvimento, e nosso ambiente econômico não favorece muito essa mudança de cultura”, disse Davidovich. E, em terceiro lugar, destacou­se a necessidade de promover a exploração sustentável dos biomas brasileiros, como a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado, em substituição ao velho modelo que valoriza a extração de madeira e o desmatamento para criação de gado.

Segundo o secretário­geral da conferência, houve ainda um quarto ponto de convergência, embora ainda difuso,

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 27

política científica e tecnológica

em torno da importância de estimular as chamadas “tecnologias sociais”, que consistem na utilização da capacidade científica do país na solução de problemas do subdesenvolvimento, como a desnutrição e a falta de saneamento, entre outros, trabalhando em parceria com a população necessitada. “Não há um modelo único a ser seguido, mas existe certo consenso de que as tecnologias sociais poderiam colocar o país na liderança de um tipo de desenvolvimento mais sustentável do que o dos países ricos”, afirmou Davidovich.

As principais conclusões da conferência serão compi­ladas num documento, o Livro azul de Ciência, Tecnologia e Inovação, que será divulgado antes das eleições presi­denciais de outubro. A ideia é que se torne um texto de referência para políticas de Estado nos próximos 10 anos, sinalizando aos próximos governantes o pensamento da comunidade científica. Artigos com as propostas apre­sentadas em cada uma das mesas­redondas e plenárias da conferência serão escritos pelos respectivos relatores e publicados numa edição da revista Parcerias Estratégicas, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organizador da conferência.

Os avanços obtidos nos últimos anos, como a regula­ridade no financiamento à pesquisa, o crescimento vigo­roso da produção científica e a preocupação ascendente das empresas com a inovação, pontuaram as discussões da conferência, mas algumas perguntas provocativas ajudaram a relativizar o otimismo: a ciência brasileira terá fôlego para dar nos próximos anos um salto que a leve a um patamar de país desenvolvido? O que falta para o Brasil ganhar um Prêmio Nobel científico? Quanto

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tempo levará para reverter a cultura ainda avessa à inovação da maioria das empresas brasileiras?

O matemático Jacob Palis, presiden­te da Academia Brasileira de Ciências (ABC), disse que um dos grandes desa­fios para garantir o salto será multipli­car por três, até 2020, o contingente de pessoal envolvido com ciência, de téc­nicos de laboratório a doutores. “Temos que acelerar esse processo sem perder qualidade. Isso exigirá um esforço mui­to grande da comunidade científica e empresarial. Será preciso aumentar os investimentos em ciência para atingir, em 10 anos, um patamar de cerca de 2% do PIB”, afirmou Palis, que, otimis­ta, disse que a conquista de um Nobel é questão de tempo. “Estou disposto a apostar que isso vai acontecer”, afirmou. O físico Carlos Aragão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pro­pôs rever conceitos arraigados na práti­ca das universidades brasileiras, como a especialização precoce dos estudantes de graduação. “É preciso investir em novos recursos pedagógicos, que atualizem as grades curriculares ultrapassadas e mo­tivem os estudantes a se envolver com pesquisa. É preciso dar menos aulas e estimular mais os alunos a utilizarem seu tempo para efetivamente estudar”, afirmou Aragão, que também sugeriu uma revisão da organização universi­tária em departamentos. “Essa com­partimentalização atrapalha a pesquisa multidisciplinar”, afirmou. A necessida­de de investir nos núcleos de excelência acadêmicos para superar gargalos foi enfatizada em apresentações como a de Eduardo Krieger, pesquisador do Insti­tuto do Coração (InCor) e membro do Conselho Superior da FAPESP.

O diretor científico da FAPESP, Car­los Henrique de Brito Cruz, disse que o Brasil tem estado, desde o início da década de 1990, entre os quatro países com maior crescimento em número de artigos científicos publicados. Em termos qualitativos, também houve progressos importantes, com artigos de pesquisadores brasileiros tendo cada vez mais destaque em revistas interna­cionais. “A ciência nacional tem expe­rimentado uma ascensão vigorosa em quantidade e qualidade. Um dos nos­sos desafios, nesse contexto, é a questão do impacto dessa ciência produzida no Brasil. A evolução do número de cita­ções é crescente, mas ainda está abaixo da média mundial”, destacou. Outro desafio, segundo Brito Cruz, é retomar o aumento na taxa de crescimento da formação de doutores. Até 2003, o número de doutores formados crescia cerca de 18% anualmente. Desde então, passou a crescer a aproximadamente 5% ao ano. “Os números mostram que existe alguma restrição importante ope­rando no sistema brasileiro, ‘puxando

o freio de mão’ da formação de dou­tores. É preciso multiplicar por três o número de pesquisadores para o Brasil atingir patamares semelhantes ao da Espanha, por exemplo”, afirmou. Brito Cruz defendeu uma abordagem mais ampla para nortear a pesquisa no país. “Vivemos um momento utilitarista, se­gundo o qual a ciência precisa ajudar as empresas a inovar, curar doenças ou combater a pobreza. Isso é importante, mas também é importante fortalecer a ciência que faz a humanidade mais sábia”, disse. Outro ponto destacado pelo diretor científico da FAPESP foi a necessidade de melhorar a qualidade da pesquisa brasileira e citou iniciativas da Fundação, como a dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), com financiamento de grupos de ex­celência por um horizonte de 10 anos. “Projetos ousados podem precisar de mais tempo para dar resultados. Muitos desses Cepids estão abordando temas de pesquisa que já não têm relação es­treita com os objetivos iniciais. Só pu­deram ousar porque tiveram fôlego de longo prazo”, disse Brito Cruz.

Redes - A importância de ampliar e dar mais qualidade aos programas de pós­graduação foi destacada em vários momentos do evento. Numa sessão que compilou as recomendações de diversas conferências regionais preparatórias, os representantes das regiões Centro­Oeste e Nordeste bateram nesta tecla: é pre­ciso criar novos programas, capazes de formar mais pesquisadores, além de co­nectar os programas já existentes com os de outras regiões do país por meio da formação de redes. “Seria interessante dar periodicidade anual para iniciativas do CNPq como o edital casadinho, que

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28 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

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conecta programas de pós­graduação consolidados com outros ainda em con­solidação”, disse Janesmar Cavalcanti, secretária de Ciência, Tecnologia e Ino­vação de Alagoas. A ideia converge com propostas feitas pela Conferência Paulis­ta de Ciência, Tecnologia e Inovação, em abril (ver Pesquisa FAPESP nº 172), que também propôs a ampliação de centros de pós­gra duação em São Paulo, principal­mente nas universidades federais, onde ainda há espaço para crescimento.

Foram apontados diversos cami­nhos para estimular a capacidade de inovar nas empresas brasileiras. Os relatos trazidos por representantes de conferências regionais sugeriram a criação de leis estaduais e municipais de inovação, com a integração desses esforços com os do governo federal para estimular as empresas a usar os benefícios. O gerente executivo do Cen­tro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras, Carlos Tadeu Fraga, relatou a estratégia da gigante petrolífera de atrair para o Brasil centros de pesquisa e desenvolvimento de empresas mul­tinacionais interessadas em aproveitar as oportunidades ligadas à exploração do petróleo na camada pré­sal. Carlos Américo Pacheco, professor do Institu­to de Economia da Universidade Esta­dual de Campinas (Unicamp), propôs a criação de plataformas setoriais de inovação, argumentando que o pro­blema exige um mo nitoramento mais preciso do que o atual. Segundo ele, é impraticável seguir apenas metas gerais de inovação, pois a informação sobre o cumprimento das metas demora dois anos para ser aferida, quando já é tarde para corrigir rumos.

Glauco Arbix, professor da Facul­dade de Filosofia, Letras e Ciências

Projetos de

pesquisa

ousados podem

precisar de mais

tempo para

produzir

resultados

Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), defendeu a criação de uma agência nacional de inovação com peso, recursos e capacidade de pa­trocinar e articular a interação entre programas, instituições e políticas de ciência, tecnologia e inovação. “E essa agência não deve ser ligada ao Minis­tério da Ciência e Tecnologia, mas à própria Presidência da República, para sinalizar que se trata de uma ideia prio­ritária. O Brasil é muito grande para ter programas pequenos. Precisamos hierarquizar e selecionar melhor nossas prioridades”, disse. Para Arbix, há uma crescente maturidade no debate sobre CT&I no Brasil. “A maneira como as instituições empresariais tentam tratar a tecnologia tem, hoje, uma perspectiva diferente da que víamos há alguns anos. Temos que aproveitar este momento para dar um salto”, disse.

Floresta em pé - A inovação também tem um papel crucial na construção de um projeto de desenvolvimento sus­tentável para a Amazônia, disse Bertha Becker, professora emérita da Universi­dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ela, a região tem hoje duas pro­

postas de projetos de desenvolvimento sustentável. “Um desses projetos, que está associado às mudanças climáticas, tem predominado. Esse projeto defende a preservação da floresta em pé, finan­ciando a renúncia ao desmatamento. Questiono fortemente esse projeto, pois ele mantém a floresta improdutiva. É ba­sicamente um projeto de compensação para países desenvolvidos que poderão continuar sendo os maiores emissores”, disse. O outro projeto, segundo Bertha, entende o desenvolvimento sustentável como um novo padrão de desenvolvi­mento baseado na ciência, na tecnologia e na inovação. “O desafio, nesse caso, é utilizar os recursos naturais sem destruí­­los, gerando emprego e renda para os milhões de habitantes da região. Só con­seguiremos isso com políticas públicas e imensos investimentos em ciência e inovação”, destacou.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou, na sessão solene de abertura da conferência, a importância de traçar políticas perenes, discutidas com a comunidade científica, como aconteceu, segundo ele, com o Plano de Ação do Ministério da Ciência e Tecnologia 2007­2010. “Não é a políti­ca do ministro, é a política do governo, que a comunidade científica ajudou a formular e a fiscalizar sua execução”, disse o presidente. No mesmo even­to, o ministro da Educação, Fernando Haddad, sugeriu ao colega Sergio Re­zende, titular da Ciência e Tecnolo­gia, que as conclusões da Conferência Nacional de Educação, ocorrida entre 28 de março e 1o de abril, sejam enca­minhadas ao Congresso Nacional em conjunto com os resultados da CNCTI, criando uma política conjunta para os próximos 10 anos. n

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Ainda que jornalistas sejam na origem generalis­tas por definição, hoje estão se acumulando as evidências de que os profissionais do jornalismo científico em toda parte – e não apenas nos paí­ses de tradição anglo­saxônica – investem mais e mais na estratégia do aperfeiçoamento con­tínuo para exercer seu ofício com o necessário

rigor, espírito crítico e, claro, um grau de conhecimento indispensável do campo que é objeto de suas narrativas. Nessa busca valem tanto os caminhos tradicionais da pós ­graduação que permitem refletir e investigar com apoio teórico e mais profundamente sua própria prática quanto as oficinas e workshops de caráter mais pragmá­tico que se propõem, por exemplo, a ampliar em curto prazo a competência dos jornalistas no manejo das bases de dados de produção científica, na separação do joio e do trigo – diga­se, ciência e pseudociência – dentro da vastidão da web e nas vias de articulação possíveis e efi­cazes entre redes sociais e jornalismo, entre outros temas. E é possível que essa tendência se expanda, com novos apoios institucionais, a julgar por uma das principais re­comendações do seminário “A cultura e a ciência narradas pelos jornalistas: desafios e oportunidades”, realizado de 20 a 22 de abril passado, em Madri: dar alta prioridade à formação e ao aperfeiçoamento contínuo dos jornalis­tas voltados para a ciência e a cultura, ampliando­se os mecanismos de bolsas e outras formas de financiamento para tanto nos países ibero­americanos.

Depois de dois dias e meio de debates intensos levados a cabo por quase meia centena de jornalistas, professores, pesquisadores e produtores culturais da Espanha e de vá­rios países da América Latina – o Brasil entre eles –, essa re­

Parceria entre cientistas e jornalistas em prol da cultura científica ainda está distante

Mariluce Moura, de Madri* e Brasília

[ Divulgação ]

comendação, assim como a de procurar as conexões entre cultura, ciência e tec­nologia no jornalismo, a de se adaptar o trabalho jornalístico aos novos formatos que a internet oferece e a de formar uma ampla rede de cooperação de jornalis­tas de ciência e de cultura na web, tinha o respaldo das instituições por trás do seminário. Eram elas a Organização dos Estados Ibero­americanos para a Edu­cação, a Ciência e a Cultura (OEI), por quem falou seu secretário­geral, Alvaro Marchesi, e a Fundação Novo Jornalis­mo Ibero­americano (FNPI), represen­tada por seu diretor­geral, Jaime Abello, com o apoio da Agência Espanhola de Cooperação para o Desenvolvimento (Aecid), da Agência EFE e Escola de Jor­nalismo UAM­El País.

Vale dizer que essas recomendações consensuais foram construídas a despei­to de toda a diferença entre as experiên­cias de jornalismo científico e cultural apresentadas e mesmo das divergências conceituais profundas que se explicita­ram. Assim, se para alguns jornalistas a internet e a democratização da produção de conteúdos via web representam uma ameaça à própria existência de sua profis­são, para outros, como o diretor adjunto do respeitado jornal espanhol El País, Gu­mersindo Lafuente, constituem um belo

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nuel Sánchez Ron, catedrático de história da ciência na Universidade Autônoma de Madri, na conferência inaugural do encontro. “Cultura e ciência são parte da vida intelectual, mas entre elas existe uma mútua incompreensão, hostilidade e antipatia.” Os meios de comunicação, além de informar, em sua visão, devem educar ao tratar da ciência – com o que dificilmente algum jornalista concor­dará em termos estritos. “O jornalista, além de crítico e rigoroso no desempe­nho de sua função, não deve renunciar à imaginação e à boa escrita, para fazer da ciência precisamente algo interessante e oportuno”, disse ele. E ainda: “É impor­tante escrever bem, com graça e origina­lidade quando se fala de ciência”.

Silêncio e ruídos – Se no front dos jor­nalistas e dos cursos de comunicação há visível preocupação com a qualidade do jornalismo científico, há indícios de que dentro do sistema nacional de ciência e tecnologia a ideia de parceria com os meios de comunicação para difundir a cultura científica na sociedade, que pare­cia vicejar no começo da década, experi­menta hoje retrocesso. Assim, na IV Con­ferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada de 26 a 28 de maio em Brasília (ver reportagem na página 26),

desafio à quase reinvenção do jornalista. “Nossa narrativa foi sempre conectada com a realidade e hoje a realidade está nas ruas e está na rede. Como jornalistas, temos que contar o que se passa tam­bém na rede”, disse ele. Observou que não estamos mais em tempo de esperar que as pessoas vão em busca dos meios de comunicação, e sim em tempo “de irmos com nossas histórias aos lugares em que se está falando dos temas que tratamos na internet”. Lafuente destacou que mais que nunca é fundamental o papel do jorna­lista independente, capaz de filtrar o que tem valor e de contrastar a informação no mar fervilhante da internet. E ainda apostou que, como num ambiente darwi­niano, “as plataformas da internet que te­nham qualidade, sejam blogs ou twitters, se converterão em marcas, enquanto os meios que já são marcas só vão sobreviver se conservarem sua qualidade”.

Divergências também se levantaram em torno da propriedade ou improprie­dade de um caráter mais literário nas narrativas do jornalismo científico. Se para María Ángeles Erazo, diretora do Centro de Estudos sobre Ciência, Tecno­logia, Sociedade e Inovação de Otovalo, no Equador, e Liliana Chávez, jornalista da revista mexicana Día Siete, é neces­sário hoje experimentar novos gêneros para contar de forma atraente e mais literária fatos do campo da ciência, a jornalista Milagros Pérez Oliva, profes­sora da Escola de Jornalismo UAM­El País e ombudsman de El País, vê nessas tentativas “um perigo para o jornalismo e seus profissionais, além de uma con­taminação narrativa”, uma vez que “a linguagem jornalística é objetiva”.

A propósito, Milagros, ao participar no dia anterior da mesa­redonda sobre “divulgação do conhecimento científico e as indústrias da ciência” (que incluiu a apresentação sobre a experiência de Pesquisa FAPESP), observara que “a notícia científica tem um grande valor quando bem elaborada, porque gera opinião e conhecimento, mas é a mais arriscada quando malfeita e tendencio­sa porque pode provocar danos sociais pelos quais vamos todos pagar”. Em sua visão as portas do jornalismo estão cada dia mais abertas para a pseudociência, o que exige, em especial na informação digital, contenção e comprovação.

No meio das discussões pairava algu­ma coisa da fala do professor José Ma­

* A jornalista viajou a convite da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI).

evento em que se procurou ressaltar ao máximo as parcerias entre a comunidade científica, o Estado, os empresários e os chamados setores sociais, para o desen­volvimento de uma verdadeira socieda­de do conhecimento no país, o papel da mídia foi ignorado, mesmo quando se falava em popularização da ciência. Entre todos os debates, reservaram­se apenas 15 minutos à fala de um jornalista, aliás, uma jornalista, a presidente da Associa­ção Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), Cilene Victor, dentro da sessão “Construção da cultura científica”. Vale lembrar que na II Conferência Nacio­nal, em 2001, sob o comando do ministro Ronaldo Sardenberg e organização do professor Cylon Gonçalves, foram vá­rias as mesas que debateram a questão da comunicação pública da ciência com mediação do jornalismo.

Dessa forma, parece voltar à cena, de certa maneira, uma velha visão me­ramente instrumental do jornalismo ante a ciência, o primeiro submetido à segunda, em vez de uma visão mais contemporânea de parceria para a di­fusão social do conhecimento. n

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O diálOgO entre grupOs antes distantes floresce no interior do Pará. No final da tarde do dia 10 de maio, em uma das salas da prefeitura de Itaituba, sudoeste do Pará, sete integrantes do alto escalão do Serviço Florestal Brasileiro, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, se reuniram com oito empresários do setor madeireiro para conciliar seus interesses em torno de uma nova forma de exploração econômica da Amazônia – a concessão florestal, por meio da qual o governo federal seleciona empresas que possam explo-rar áreas previamente definidas de florestas públicas por um período de 40 anos de modo a causar o menor impacto ambiental possível, diferentemente da atual abordagem de eliminação total da vegetação nativa. A cordialidade imperou ao longo da conversa, mas as palavras soavam cautelosas e os olhares expressavam a desconfiança recíproca.

Ouvir os interessados ou quem possa ser atingido pelas decisões faz parte dessa nova abordagem de uso das terras públicas. Com base na Lei de Gestão de Flo-restas Públicas, aprovada em 2006, o Serviço Florestal selecionou em 2008 três empresas para explorar 96 mil hectares da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, por meio do primeiro edital de licitação para conces-são de florestas públicas. A equipe do Serviço Florestal trabalha agora na análise das propostas apresentadas no segundo edital, para exploração de 140 mil hectares da Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no Pará, e na versão final do terceiro edital, para concessão de 210 mil

Possibilidade

de conciliar

exPloração

e Preservação

da floresta

aProxima governo

e emPresários,

mas enfrenta

resistências

Carlos Fioravanti, de Itaituba*

[ Ambiente ]

* O jornalista viajou a convite do Serviço Florestal Brasileiro.

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hectares, o equivalente a 1,4 vez a área do município de São Paulo, da Floresta Nacional de Amana, nos municípios de Itaituba e Jacareacanga, no Pará.

“Dizem que é pouco, mas é só o começo”, disse Antonio Carlos Hum-mel, diretor-geral do Serviço Florestal. Essa forma de exploração, chamada de manejo florestal sustentável, poderia ser adotada em 20 milhões dos 239 mi-lhões de hectares de florestas públicas – a área total de florestas no Brasil, 524 milhões de hectares, equivale a 61% do território nacional. Em julho a explo-ração de madeira deve começar nas áreas do primeiro edital, as empresas selecionadas do segundo edital devem ser anunciadas, o terceiro edital, em Itaituba e Jacareacanga, lançado e o calendário de reuniões para o edital seguinte, também no Pará, apresentado publicamente.

Por meio das propostas aprovadas em cada edital, as empresas podem re-tirar de cinco a seis árvores por hectare a cada 30 anos, quatro vezes menos que a perda causada por razões naturais e muito menos que o desmatamento, que suprime toda a vegetação. As empresas podem também retirar látex, cipós, óleos, frutos e sementes e criar ativida-des turísticas nas áreas concedidas, de acordo com planos previamente aprova-dos. “Não podemos colher mais do que a floresta pode produzir”, diz Roberto Waack, presidente da Amata, uma das três empresas selecionadas para explorar as áreas licitadas em Rondônia.

As empresas que vencerem os editais terão de se comprometer a contratar na própria localidade pelo menos 80% dos trabalhadores de que precisar e a

pagar para o Serviço Florestal um preço mínimo por metro cúbico de madeira, proporcional ao valor comercial de cada espécie – entre as de maior valor estão ipê, cedro-rosa, jatobá e maçaranduba.

Na conversa do dia 10, os madei-reiros reclamaram do preço mínimo, que consideraram muito alto. No dia seguinte, ao lado de representantes dos trabalhadores, movimentos sociais e comunidades locais, os madeireiros apresentaram essas reivindicações, com uma argumentação mais detalhada, na audiência pública que reuniu cerca de 250 pessoas no ginásio de esportes da cidade. “A concessão de florestas públi-cas é uma saída”, reconheceu Osvaldo Romanholi, presidente do sindicato das indústrias madeireiras do sudeste do Pa-rá, “mas não no curto prazo”.

luta cOntra a ilegalidade Um ano depois de os diretores e geren-tes do Serviço Florestal terem aterris-sado em Itaituba e apresentado a nova abordagem de exploração madeireira, então sob uma resistência muito mais intensa, a concessão florestal soa como inevitável, já que o espaço para as em-presas atuarem na ilegalidade parece bem menor hoje do que há duas ou três décadas.

“Queremos reduzir a ilegalidade da exploração madeireira e o desma-tamento”, argumentou Hummel. Nas reuniões prévias e na audiência pública, ele disse que faria o possível para aten-der às reivindicações. “Temos amarras legais que não nos permitem fazer tu-do que gostaríamos”, preveniu Marce-lo Arguelles, gerente de concessões do Serviço Florestal, em uma das conversas

com os madeireiros. “Ainda vamos bri-gar muito, também temos advogados”, antecipou um empresário de Jacarea-canga, um dos municípios mais pobres do Pará, onde correu outra audiência pública três dias depois.

No banco de trás de um bimotor Cessna, em um sobrevoo da floresta com jornalistas, Luiz Cesar Cunha Li-ma, coordenador de editais do Serviço Florestal, olhou para as áreas a serem li-citadas e comentou: “Vejam, é uma área ótima para manejo florestal sustentável. É um maciço florestal, não tem rios nem morros”. Seiscentos metros abaixo, a flo-resta se estendia a perder de vista. Na audiência pública, um madeireiro lem-brou que por ali existem morros, sim, e que não há estradas até as áreas a serem exploradas, a cerca de 200 quilômetros da cidade – vista do alto, a principal estrada da região, a Transamazônica, é um fio de terra que corta a floresta e pode não resistir ao peso de carretas carregadas de toras de madeira.

A perspectiva de conciliar interes-ses é uma novidade no oeste do Pará, marcado pelas atividades econômicas ilegais e pelos conflitos de terra. “Até quatro anos atrás ninguém sabia o que era estar dentro da lei”, conta Romanho-li, que veio de Mato Grosso há 11 anos. As coisas começaram a mudar a partir de 2003, com a retomada da construção da rodovia BR-163, entre Cuiabá, em Mato Grosso, e Santarém, no Pará, ainda hoje só parcialmente asfaltada. Três anos depois, a criação do Distrito Florestal Sustentável BR-163 lançou o desafio de explorar sem destruir 19 milhões de hectares de floresta nativa em 10 muni-cípios próximos à rodovia.

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carrascO dOs madeireirOs Hummel, então como diretor do Ins-tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), bloqueou a ação das ma-deireiras que apresentavam planos irregulares de extração de madeira – o chamado plano de manejo –, em áreas públicas não autorizadas. Das 254 empresas antes em atividade na área do Distrito Florestal Sustentável restaram 39. “Hummel era chamado de carrasco dos madeireiros”, resgata Romanholi. “O acesso a terras públicas era muito fácil”, rebate Hummel.

A ordem começou a se impor, mas os ressentimentos persistem. “O governo criou uma reserva em cima de minha propriedade”, acusa Walmir Climaco, prefeito de Itaituba. Ele havia assumido seu posto na prefeitura duas semanas antes (o prefeito anterior foi cassado por ter distribuído 5 mil ces-tas básicas a pessoas não cadastradas),

chegou 45 minutos atrasado à audiên-cia pública e não escondia sua descon-fiança: “No passado a opinião pública não teve muito valor. O governo federal já esteve aqui outras vezes, ouviu muita gente e depois fez o que quis”.

O próprio prefeito sentiu os efeitos da legalização da exploração madeireira na região. Dos seus 250 empregados antes contratados para explorar uma área de 3 mil hectares de florestas, mantém apenas três vi-gias. “Está tudo 100% parado, porque não tinha regularização”, diz. Climaco é dono também de 5 mil hectares de garimpo e de 17 fazendas com 100 mil cabeças de gado. “Até 1988 o desma-tamento era autorizado”, lembrou, em uma das conversas que correram ao longo da audiência pública. Cearense de 49 anos, ele chegou a Itaituba há 32 anos, “nos tempos do ministro Má-rio Andreazza”, disse, referindo-se à época da ditadura.

“O Estado está começando a chegar ao interior da Amazônia, em todos os sentidos”, observa Fernando Ludke, diretor regional do Serviço Florestal. Estabelecida como município em 1856, Itaituba abriga 130 mil moradores já indiferentes ao clima quente e úmido. Nos finais de tarde a rapaziada se instala nos bancos da orla, abre os laptops e se liga à rede pública de acesso à internet. Enquanto isso, o esgoto sem tratamen-to corre para o rio Tapajós. À noite é fácil ver ratos e cachorros revirando o lixo abandonado nas ruas.

Nessa região já correu muito ouro – muito mais do que os atuais 100 qui-logramas (kg) por mês, segundo José Antunes, presidente de Associação de Mineração do Ouro do Tapajós, ou 300 kg, segundo o prefeito. Em um canto do aeroporto de Itaituba, um desenho feito a partir de uma foto retrata os tempos áureos: um avião que ao ater-rissar se sobrepôs parcialmente a outro em um momento de tráfego intenso no lugar que tem a fama de ter sido o aeroporto de aviões pequenos mais movimentado no Brasil.

“Tinha muito ouro, muita mulher, muita cachaça. Hoje está civilizado. Perdeu a graça”, diz um ex-garimpeiro que observa a audiência a distância e, em vez de contar o nome, deixa escapar um sorriso maroto de quem relembra os velhos tempos. Depois, novamente sério, acrescenta: “Esta região é uma ferida crônica na selva”. Um ou outro morador conta que ainda circulam uns poucos dos antes frequentes pistolei-ros que matavam por causa de ouro, terra ou mulheres.

O número de empregos a serem realmente criados e a rentabilidade da floresta estão sujeitos a ajustes, à me-dida que as árvores começarem a sair da mata rumo às serrarias. Só o tempo dirá também se tem sentido um dos te-mores dos moradores – que poderosas multinacionais vençam os editais e se sobreponham às empresas locais – e se a concessão de florestas funcionará

O estadO está chegandO a itaituba, já cOm rede pública de internet, mas cOm muitO lixO À vista

Vaso de madeira tropical: para europeus refinados

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efetivamente como estratégia de or-denamento territorial da Amazônia. Ao menos a transparência com que os editais estão correndo, com cada passo relatado na internet, impressiona. Do mesmo modo, os riscos à integridade da floresta parecem mínimos, de acordo com estudos iniciados há cerca de 60 anos na Amazônia.

Em um experimento feito na Flo-resta Nacional do Tapajós, em Santa-rém, no Pará, as árvores com diâmetro acima de 45 centímetros de uma área total de 64 hectares foram inventaria-das em 1975 e colhidas em 1979 em uma proporção de volume por hecta-re equivalente a mais que o dobro da permitida atualmente. O mesmo tre-cho de floresta foi reavaliado em 2009 – portanto, 30 anos depois, o mesmo intervalo entre colheitas estabelecido pela legislação atual. “A floresta mos-trou uma capacidade de recuperação a ponto de permitir outra colheita, den-tro dos limites atuais de intensidade de corte”, relata José Natalino Macedo Silva, diretor do Serviço Florestal

cOntratO de lOngO prazO “Após a retirada das árvores, a diversi-dade de espécies diminui momentanea-mente, mas depois se recupera”, diz. Se-gundo ele, depois de 30 anos a extração de madeira na Floresta Nacional do Ta-pajós ampliou – em vez de diminuir, como muitos biólogos temiam – a di-versidade de espécies, porque trouxe luz e espaço para outras espécies ger-minarem e crescerem.

“Novas espécies entram e saem constantemente, porque a floresta é um ambiente dinâmico, sujeito a diversos tipos e intensidades de perturbações, como furacões, deslizamentos de ter-ra ou clareiras que surgem quando as árvores morrem e caem”, comenta Na-talino. “Com o manejo florestal, o que o homem faz é controlar a intensidade das intervenções, de modo a minimizá- -las e possibilitar colheitas sustentáveis por tempo indefinido.”

Segundo ele, os contratos de conces-são limitam o impacto da construção da infraestrutura (estradas, pátios de es-tocagem de toras e as chamadas trilhas de arraste) a 8% da área da floresta. “A legislação atual é cautelosa quanto aos impactos ambientais do manejo porque exige que as empresas florestais deixem c

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pelo menos três árvores de cada espécie em cada 100 hectares e 10% das árvo-res em tamanho de corte para garantir continuidade das espécies.”

As regras atuais para exploração de florestas nativas implicam a divisão da área a ser explorada em 30 partes. A cada ano é permitido aproveitar apenas 1/30 e as empresas têm de manter uma reserva de 5% de cada tipo florestal em cada área. “Hoje o Ibama utiliza 140 verificadores de boas práticas de manejo”, diz Natali-no. O plano de trabalho, a ser aprovado pelo governo federal, apoia-se em um inventário com a identificação botânica – autenticada por um herbário oficial – das árvores de cada área a ser explorada.

Na sede de Amata, em São Paulo, no 17o andar de um prédio próximo ao rio Pinheiros, Roberto Waack conta que sua equipe identificou a espécie, a altura e o diâmetro de cerca de 27 mil árvores do primeiro lote que deve começar a explo-rar depois de o Ibama aprovar seu plano de que árvores cortar. Segundo ele, mes-mo com todo esse trabalho prévio, essa operação compensa economicamente porque o custo de explorar uma floresta já formada é bem menor do que o de uma de eucalipto ou pinus que precisa ser plantada e só produz madeira após pelo menos sete anos. Além disso, co-mo o espaço das madeiras de origem ilegal está se reduzindo, “a demanda por madeira de origem certificada tem sido maior do que a oferta”, diz Waack.

Seu plano é produzir os chamados plainados secos – peças tratadas para uso em pisos e batentes – ainda este ano em uma serraria que está montando em Rondônia. Em 2011 ele quer co-meçar a usar os rejeitos da exploração da madeira para produzir blocos que lembram ração para cães e são usados como combustíveis em fornos. “O manejo tem de estar integrado com a adição de valor aos produtos da flo-resta”, diz Waack. “Não entramos na mata pensando em tirar tudo rápido e ir embora. Estamos sob a proteção de um contrato de 40 anos.”

A visão de longo prazo faz dife-rença. Uma das sócias da Amata é a designer Etel Carmona, que começou a trabalhar há 20 anos com madeiras tropicais e hoje vende no Brasil e na Europa móveis e objetos como um vaso exclusivo de madeira pelo equi-valente a quase R$ 5 mil. n

A Transamazônica, principal estrada

da região: fio de terra em

meio à mata

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Energia expandida

o uso de terras ociosas pode ampliar a produção de biocombustíveis e de alimentos

[ políticas públicas ]

Especialistas do Brasil e de outros países reunidos em maio em São Paulo concluíram que a pro-dução de biocombustíveis – em especial o etanol – pode se expandir sem disputar espaço com a produção de alimentos e causando menos impac-to ambiental se houver mais pesquisa científica e tecnológica e mais interação com as políticas

públicas de desenvolvimento econômico e social. “Os formuladores de políticas públicas estão confu-

sos, diante de tantas incertezas sobre a viabilidade de um futuro sustentável”, comentou Lee Lyndt, pesquisador do Dartmouth College, Estados Unidos, em uma das apresentações do workshop Scientific Issues on Ethanol, realizado nos dias 24 e 25 de maio na sede da FAPESP. Ele e outros palestrantes ressaltaram os impactos ambientais negativos do atual modelo de produção de energia no mundo, fundamentado em combustíveis não renováveis, principalmente petróleo, carvão e gás natural.

“Nosso conforto depende de combustíveis fósseis”, disse José Goldemberg, da Universidade de São Paulo. Ocorre que, segundo ele, esse modelo energético não só está sujeito ao esgotamento, à medida que as reservas de petróleo se exaurem, mas também é socialmente injusto, já que os habitantes dos países europeus consomem o equivalente a seis toneladas de petróleo por ano e os da África, 10 vezes menos. “O uso de fontes renováveis mo-

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debates promovidos pela FAPESP, Aca-demia Brasileira de Ciências (ABC) e o InterAcademy Panel (IAP), esse conflito se desfez e a limitação de terras deixou de ser considerada um obstáculo para a expansão da produção de etanol. Hi-poteticamente, dobrar a produtividade da pecuária brasileira – de um para dois bois por hectare – poderia acrescentar 100 milhões de hectares aos atuais 4 milhões de hectares de cana-de-açúcar, suprindo assim dois terços da demanda mundial de etanol.

Mudanças à vista - Além disso, 1 bi-lhão de acres poderiam ser usados para agricultura no mundo. “O Brasil apro-veita apenas 1% da área que poderia ser aproveitada para agricultura”, afirmou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. Vários palestran-tes observaram que o melhor uso das terras poderia ampliar a produção de etanol e, ao mesmo tempo, atender à demanda crescente por alimentos e re-duzir a pobreza no mundo.

Patricia Osseweijer, pesquisadora do Delft University of Technology, da Holanda, contou que o atual portfólio de fontes de energia na Europa não é ambientalmente seguro nem susten-tável, mas há sérias limitações para a implantação de fontes alterna tivas. Segundo ela, mesmo que os países europeus usassem 40 milhões de hec-tares para a produção de biocombus-tíveis, apenas um terço da de manda seria atendido.

“Encontrar soluções duráveis, bio-degradáveis, ambientalmente amigá-veis e economicamente viáveis é muito difícil”, reconheceu. “Os políticos têm medo do impacto das medidas a se-rem tomadas.” Patricia disse que o que ela tem visto na Europa sugere que a produção de mais conhecimento não implica necessariamente mais apoio do governo ou da opinião pública.

“Precisamos aumentar a participa-ção pública e melhorar a qualidade da comunicação. Os debates ainda carecem de clareza e refletem apenas um dos la-dos.” Horward Alper, da Universidade de Ottawa, Canadá, reiterou: “Comu-nicar-se de um modo claro e conciso é absolutamente crucial. Você tem de ser entendido por sua filha de 16 anos”.

Mudanças profundas em outros hábitos parecem ser indispensáveis na busca de um planeta com menos poluição. Como atualmente o setor de transportes consome um terço da energia produzida no mundo, Cylon Gonçalves, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coor denador adjunto da FAPESP, comentou: “Só uma radical transformação dos meios de transpor-te e das necessidades da humanidade nos levará a uma sustentabilidade. Há limites científicos e técnicos para um crescimento contínuo da demanda”.

Algumas mudanças poderiam ser imediatas. “Se países em desenvolvimen-to como a China e a Índia continuassem usando carvão, mas com tecnologia dos Estados Unidos ou do Japão, ganhariam em eficiência energética e a emissão de gases do efeito estufa cairia um terço”, sugeriu Goldemberg. n

Carlos Fioravanti

dernas, sonho dos ambientalistas, está crescendo, mas ainda tem um caminho longo para ser adotado mais ampla-mente. O futuro pertence às energias renováveis, definitivamente, mas daqui a 20 ou 30 anos.”

Goldemberg foi um dos autores de um relatório solicitado há dois anos pelo Conselho InterAcademias a 15 academias de ciência, o Lighting the way: toward a sustainable energy futu-re. Recém-publicado pela FAPESP (Um futuro com energia sustentável: ilumi-nando o caminho, 300 páginas), esse documento ressalta o papel dos gover-nos para apoiar investimentos de longo prazo em infraestrutura energética e pesquisas que ajudem a disseminar as fontes de energia renovável, incluindo os biocombustíveis.

“A expansão da produção de bio-combustíveis no Brasil e nos Estados Unidos levantou uma séria contro-vérsia sobre a incompatibilidade entre alimentos e combustíveis”, lembrou Goldemberg. Ao longo dos dois dias de

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Paciente na ponta da linha

Celular inteligente é testado na coleta de dados de campo para abastecer prontuário on-line 

Desde fevereiro deste ano alguns agentes de um posto de saú-de localizado na periferia do município de São Paulo saem a campo para coletar infor-mações sobre a população local carregando um potente

aliado de bolso: um celular inteligente, daqueles que se conectam à internet pela rede de dados 3G, possuem um tecladinho para escrever, têm GPS e são acionados por comandos numa tela sensível ao toque. Com o apare-lhinho em mãos, as equipes de saúde da família da Unidade Básica de Saúde (UBS) Paulo VI, localizada nas proxi-midades da rodovia Raposo Tavares, nos confins da Zona Oeste paulistana, podem deixar de lado caneta e papel e registrar diretamente no smartphone as informações de cada casa visitada e de seus habitantes. No telefone ro-da um aplicativo desenvolvido pelo Projeto Região Oeste da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), apelidado provisoriamente de GeoHealth, que carrega uma ficha médica eletrônica. Se não houver nome formal na rua onde reside o morador, situação que não é impossível de ocor-rer, não há problema. O GPS do celular sempre registra as coordenadas geográ-ficas de cada ficha criada pelos agentes de saúde. Terminada a visita, a equipe da UBS salva a ficha e, na própria resi-dência do morador, a envia com a ajuda

Marcos Pivetta

do telefoninho ao banco de dados do projeto. Em segundos, o perfil médico de uma família da Paulo IV está num computador da FMUSP.

O uso do celular inteligente como forma de abastecer o embrião de um futuro prontuário on-line faz parte de uma série de iniciativas destinadas a reorganizar e humanizar o atendimen-to do Sistema Único de Saúde (SUS) numa parte da Zona Oeste da capital paulista, na microrregião que inclui os bairros do Butantã e do Jaguaré, on-de moram aproximadamente 420 mil pessoas. Esse é o principal objetivo do Projeto Região Oeste, que também de-senvolve ações de pesquisa científica e de ensino de medicina. Em outubro de 2008 a FMUSP assinou um contrato de gestão com a Secretaria Municipal da Saúde da cidade de São Paulo e passou a administrar, por meio do projeto, a estrutura primária de postos de saúde e de ambulatórios e também os pronto- -socorros existentes nesses dois bairros (ver reportagem na edição 164 de Pes-quisa FAPESP). Nessa área da cidade, que começa a virar um laboratório de novas práticas do SUS, a implantação

do projeto é gradual. Por ora, cinco das 14 UBS da região já estão sob o coman-do da equipe do projeto. Na Paulo VI, os pesquisadores da FMUSP decidiram atacar uma das fraquezas do sistema público de saúde: a baixa qualidade da informação médica a respeito dos pacientes que usam o SUS. “Uma base de dados eficiente vai fazer o sistema in-tegrado de saúde fruir melhor”, afirma Sandra Grisi, presidente do conselho diretor do Projeto Região Oeste. “Assim como o paciente, a informação também tem de circular no sistema.”

Segundo Alexandra Brentani, di-retora executiva do projeto, há atual-mente uma grande escassez de dados sobre a população que mora na área de atuação de uma UBS ou de um posto de saúde na cidade de São Paulo. Quando existem equipes de saúde da família que visitam regularmente as casas da região, toda a informação coletada é anotada numa ficha de papel. O problema é que às vezes essa informação se perde pelo caminho – não chega a ser digitalizada – e nem entra em sistemas informatiza-dos. “Mesmo quando os dados são in-seridos no Siab [Sistema de Informação de Atenção Básica, mantido pelo Mi-nistério da Saúde], eles não se tornam perenes”, comenta a administradora da FMUSP especializada na gestão de recursos de saúde. “Depois de um mês eles são apagados.” Para resolver esse entrave, a equipe do Região Oeste se

[ SAúde públicA ]

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 39

Região Oeste criou uma ficha em que o preenchimento se dá apenas por to-ques na tela do aparelho. Praticamente todas as informações sobre a moradia e o histórico de saúde de seus habitantes são inseridas dessa forma. Nos testes na UBS Paulo VI, os agentes de saúde estão usando cinco aparelhos (três da Moto-rola e dois da LG, empresas que fizeram parcerias com o projeto) e transmitindo os dados pela rede 3G da Tim, que tam-bém apoia a iniciativa. “Se na área em que o agente está não há sinal da rede, o GeoHealth salva automaticamente os dados na memória do celular”, diz João Henrique Gonçalves de Sá, analista de sistemas do Região Oeste. “Assim que o aparelho encontra o sinal, a ficha salva é automaticamente transmitida para nosso banco de dados.”

Com a ajuda dos celulares, que são bloqueados para fazer ligações telefôni-cas, os registros de cerca de 150 famílias que habitam na área de atuação da UBS Paulo VI, algo como 700 pessoas, já fo-ram inseridos no sistema criado pela FMUSP. Como todos os dados são geor-refenciados, é possível visualizar no sis-

tema de mapas do Google a situação de saúde dos moradores de uma única casa e também o quadro médico mais geral de todas as residências da região. Essa ferramenta será de grande valia para a elaboração de estudos epidemiológicos no futuro, sobretudo quando o banco de dados do projeto tomar corpo e pas-sar a incluir informações de moradores atendidos por outras UBS do Butantã e do Jaguaré. Quando alguém quiser saber onde estão, por exemplo, locali-zados os casos de grávidas com dengue num bairro, bastará fazer uma pesqui-sa no banco de dados para encontrar a resposta. “Tivemos também a preocu-pação de fazer um sistema que pode ser totalmente integrado ao banco de dados do Ministério da Saúde, inclusive à fi-cha médica adotada no Siab”, comenta Alexandra. Embora um smartphone ain-da não seja um item barato a ser incluí-do entre os equipamentos fornecidos pelo SUS a seus agentes, os pesquisado-res da FMUSP acreditam que, a longo prazo, eles se pagam e podem ser a base de um sistema mais eficiente de coleta de dados médicos. n

Tela de celular com sistema GeoHealth: fácil inserção de dados médicos de pacientes

pôs a pensar numa forma alternativa de os próprios agentes comunitários abastecerem diretamente, sem inter-mediários, o banco de dados médicos durante suas idas a campo. Fornecer um laptop para os agentes seria uma possibilidade, mas o risco de os micros serem roubados na rua seria grande. Sobraram os smartphones, mais dis-cretos, mas que dão conta do serviço. “As pessoas já sabem usar os celulares e, com um mínimo de treinamento, con-seguem preencher a ficha eletrônica”, diz Marco Antonio Gutierrez, coorde-nador de informática do projeto.

Salvamento automático - O passo se-guinte foi definir que tipo de aparelho seria o mais adequado para ser testado no trabalho das equipes de saúde da fa-mília. Os pesquisadores optaram por ce-lulares que rodam o sistema operacional Android, desenvolvido pelo Google, e criaram um software de coleta de dados, o GeoHealth, que funciona nessa plata-forma. O acesso à programação que faz o Android funcionar é totalmente aberta e gratuita, característica que facilita o trabalho dos desenvolvedores de apli-cativos. Isso faz com que o GeoHealth se integre facilmente ao celular e per-mite um uso amigável. Com exceção do nome das pessoas, não é preciso digitar quase nada no GeoHealth. Escrever nos diminutos teclados dos smartphones não é tarefa cômoda. Por isso o pessoal do

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LABORATÓRIO MUNDO

CavernaVindija, naCroácia,abrigavaossos deneandertais(ao lado)

IMAIS CALOR,MENOS PEIXES

o lago Tanganica, no lesteda África, está mais quente.Em 2003 a temperaturaem sua superfície chegoua 26 graus Celsius - a maisquente já registrada nesselago que está entre os maisantigos e profundos doplaneta, segundo umgrupo de geólogos lideradopor Iessica Tierney, daUniversidade Brown, EstadosUnidos. Os resultadosforam publicados naNature Geoscience e levamem conta cilindros desedimento que retêm umahistória de 1.500 anos

da temperatura das águas.As mudanças mais drásticasaconteceram ao longo doséculo XX e devem afetara produtividade do lago:más notícias para os quase10 milhões de pessoas quevivem em seus arredores edependem dele para pesca ecomo fonte de água potável.

ILlNIjAÇA CONTRAO CANCER

A cada ano, cerca de 25 milmulheres recebem odiagnóstico de câncer nosovários, e 15 mil morremem consequência da doença.Um estudo com galinhas, o

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PRIMOS PRÓXIMOS

Seres humanos e neandertais podem ter tidorelações sexuais e gerado filhos. O grupo dopaleogeneticista Svante Pââbo, do InstitutoMax Planck, na Alemanha, sequenciou o DNAde ossos de neandertais achados numa ca-verna da Croácia e comparou a informaçõesgenéticas de humanos modernos (Science).Europeus e asiáticos de hoje carregam emseu DNA de 1% a 4% de material genéticoneandertal (Homo neandertalensis), hominí-deo que viveu na Europa e na Ásia entre 200mil e 30 mil anos atrás. O cruzamento comhumanos (H. sapiens) teria ocorrido no OrienteMédio, antes que nossa espécie, surgida naÁfrica, chegasse à Europa e à Ásia. Essa não éa única polêmica envolvendo os neandertais. Opaleoarqueólogo João Zilhão, da Universidadede Bristol, Inglaterra, analisou conchas de 50

mil anos atrás (10 mil anos antes da entrada dos humanos naEuropa) achadas na Espanha e viu que haviam sido pintadas eperfuradas, sinal de que podem ter servido de adorno. À Scien-tific American, Zilhão afirmou: do ponto de vista cognitivo, osneandertais eram tão ou mais avançados que os humanos.

único animal que desenvolvecâncer semelhante aohumano na superfície dosovários, trouxe resultadosanimadores, ainda quenão seja a cura: uma dietaenriquecida em linhaçadiminui a gravidade dadoença e aumenta a sobrevida(Gynecologic Oncology).A linhaça é rica em ácidoalfa-linolênico, um tipo deômega-3, e outros estudosjá mostraram que inibea formação de outros tiposde tumor. As galinhas queconsumiram linhaça porum ano apresentaram câncermenos avançado e maiscontido nos ovários,evitando a metástase -

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a principal causa de morte emmulheres. A recomendação,caso o benefício se confirme,seria incluir a linhaça nadieta normal. Depois queo câncer é diagnosticado,em geral em estadoavançado, é tarde demais.

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ININHOS EMPERIGO

independentemente dalocalização dos ninhos. Porterem mais fronteiras entrefloresta e zonas desmatadas(as bordas, mais ensolaradas),as ilhas de florestas abrigammais cobras e se tornampor isso menos propíciaspara as aves, segundo artigona Ecological Applications."É possível que osresultados sejam válidospara outras florestas alémda que estudamos emIllinois, no sentido de queas bordas poderiam afetara ecologia dos predadoresde ninhos de forma aalterar as taxas de predação",comenta Weatherhead."Se as mudanças seriamas mesmas, é difícil prever."

o esforço despendido.Os resultados revelamestratégias bem diferentes:as mulheres são minuciosase não desprezamagrupamentos pequenosde cogumelos; já os homensandam grandes distânciase sobem encostas, embusca de recompensas maisabundantes e concentradas(Evolution and HumanBehaviour). Os métodoscondizem com o que sesupõe ser o comportamentohumano ancestral, quandohomens iam longe embusca de caça e as mulherescumpriam função decoletoras mais perto de casa.

A vida é difícil para avesem florestas fragmentadas.Um grupo liderado porPatrick Weatherhead,da Universidade de Illinois,Estados Unidos, fixoutransmissores de rádioem 12 cobras-pretas(Elaphe obsoleta) e12 corredoras-azuis(Coluber constrictor) emonitorou ninhos de avespara detectar sumiço deovos. Os níveis de atividadeda primeira cobra,responsável por 36% doscasos documentados depredação, se revelou umindício do risco para as aves,

SUBTERFÚGIO DE SEDUÇÃOOlhar atento ao longe e orelhas apontadas para a frente, oantílope-topi (Damaliscus lunatus) produz uma série de sonsparecidos com roncos. A fêmea, que andava na direção vigiadapelo macho, desiste e volta para o meio do grupo. A vocaliza-ção é típica de quando há perigo à vista, mas em alguns casospassa longe de ser cavalheirismo. Jakob Bro-J0rgensen, daUniversidade de Liverpool, no Reino Unido, e Wiline Pangle, daUniversidade Estadual de Ohio,nos Estados Unidos, observa-ram esses animais na ReservaNacional Masai Mara, no Quê-nia, e viram que os machos dãoo alerta mesmo quando não háinimigos à vista. E isso quasesó acontece quando fêmeasno cio ameaçam afastar-se. Oalarme falso em geral tem oefeito de manter a pretendidapor perto e dar ao macho pelomenos mais uma oportunidadede copular com ela, conformeartigo on-tine na AmericanNaturalist. Os pesquisadoresrefletem que a comunicaçãoentre animais às vezes temestratégias semelhantes à dosseres humanos.

IESTRATÉGIASDE COLETA

Quando um homem e umamulher saem para colhercogumelos, é provávelque voltem com cestas depesos semelhantes. Mas ohomem terá gasto 70% maisenergia. É o que observouLuis Pacheco-Cobos,da Universidade NacionalAutônoma do México,enquanto seguia catadoresde cogumelos no estadomexicano de Tlaxcalamunido de um aparelhode GPS, para mapear ostrajetos, e de monitores deritmo cardíaco, para avaliar

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LABORATÓRIO BRASIL

HIDRELÉTRICASNA AMAZÔNIA

As conclusões de duas equipes doprograma Experimento de LargaEscala da Biosfera-Atmosfera naAmazônia (LBA) devem irrigaro debate sobre hidrelétricas naAmazônia. Um estudo coordena-do por Ralph Trancoso mostrouque a crescente eliminação davegetação natural nas principaisbacias hidrográficas da regiãodeve reduzir a vazão dos rios e,consequentemente, o potencial de geração de eletricidade.A bacia do rio Araguaia já perdeu 25% de suas florestas;a bacia do rio Tapajós, 20%; e a bacia do Tocantins, outros20%. Alexandre Kemenes e Bruce Forsberg, também doLBA, mostraram que as hidrelétricas da Amazônia não sãoambientalmente inócuas, porque podem liberar metano e gáscarbônico, contribuindo para o aquecimento global. "Não sãotodas as hidrelétricas que liberam esses gases", diz Kemenes."As da Amazônia liberam, porque a floresta alagada demoramuito para se decompor:' Ele examinou grandes represas nosestados de Pará, Rondônia e Amazonas e concluiu que boaparte dos gases sai das turbinas que movimentam as águaspara produzir energia elétrica. Na Região Norte, a seu ver, asrepresas são como "biodigestores a céu aberto".

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Liolaemuslutzae, em riscode desaparecer •.

ISEM TEMPOPARA PROCRIAR

Só depois de um tempoestirados ao sol, os lagartostêm energia para correratrás de comida e do sexooposto. Depois, para nãoaquecer demais, voltam aoabrigo fresco. Uma equipeinternacional liderada pelonorte-americano BarrySinervo, da Universidadeda Califórnia em SantaCruz, mostrou que oaquecimento global jáameaça esses animais eprevê que até 2080 asalterações do clima terãovarrido da face da Terra20% das espécies delagartos. Uma explicaçãoprovável vem de estudosde campo com a espéciemexicana Sceloporus serrifer:as populações correm riscode serem extintas quandotemperaturas altas deixamaos lagartos poucas horasdisponíveis para comere se reproduzir, atividadesindispensáveis àsobrevivência de qualquerespécie. "Em muitos lugares

o período ativo ficou tãoreduzido que assim que olagarto sai já precisa voltar",conta o ecólogo CarlosFrederico Duarte Rocha,do Instituto de Biologiada Universidade do Estadodo Rio de Janeiro (Uerj),coautor do artigo publicadona Science. De 24 populaçõesestudadas por ele do lagartoLiolaemus lutzae, típicode matas de restinga,sete já desapareceram."O problema maior deveráacontecer em espéciestípicas de áreas abertas,como o Cerrado, a Caatingae as restingas", prevê.

VEíCULOS EMMINIATURA

Esferas minúsculas podemse tornar uma arma contraa leishmaniose visceral,doença causada peloprotozoário Leishmaniachagasi que, semtratamento, é fatal em 90%dos casos. A principalterapia disponível empregaantimônio, um metal

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bastante tóxico parao paciente. Agora umgrupo coordenado pelofarmacologista AndréGustavo Tempone, doInstituto Adolfo Lutz, testoucom sucesso a furazolidona,um medicamento usadocontra a giardíase, umaparasitose intestinal, e contraa Helicobacter pylori, bactériacausadora da úlcera gástrica(International [ournalaf Antimicrobial Agents).As nanoesferas funcionamcomo veículos quetransportam a substânciaaté a célula infectada,permitindo uma açãolocalizada usando dosesbaixas do medicamento. "Afurazolidona foi encapsuladaem nanolipossomoscom 150 nanômetros. Aformulação foi pensada parase ligar ao macrófago, célulahospedeira do protozoário.Além de carregar o fármacopara essa célula, ela fez comque o medicamento sefundisse com o parasita.Foi um direcionamentoseletivo", disse Temponeà Agência FAPESP.

QUANDO CAFÉÉ VENENO

Consumir café pode serperigoso - para algunsinsetos. Um grupo lideradopelo agrônomo PauloMazzafera, da UniversidadeEstadual de Campinas,extraiu de duas espéciesde café - Coffea arabica,plantada comercialmente, eCoffea racemosa - proteínasdo tipo das leguminas,que acrescentou à dietado caruncho-do-feijão.Bastaram doses baixas,semelhantes às encontradasnos grãos do café, paraa proteína duplicar amortalidade dos insetos eafetar o crescimento de suaslarvas ijoumal of Agriculturaland Food Chemistry).Para que o conhecimentodê origem a um inseticida,agora é preciso entendercomo funciona a ação tóxicadessas proteínas e descobrirpor que outro inseto, abroca-do-café, consegueatacar ambas as espéciesde café estudadas. Coffearacemosa, não domesticada,

se defende melhor e podeajudar nesse trabalho.Amantes do cafezinho,não se preocupem: a torraelimina o efeito tóxico.

dinossauros que viveuno Triássico, entre250 milhões e 205 milhõesde anos atrás. O fóssil quasecompleto desenterradopor pesquisadores daUniversidade Luterana doBrasil (Ulbra), no Rio Grandedo Sul, permite calcular queo réptil tinha cerca de setemetros de comprimentoe pesava até 900 quilogramas.O local onde foi encontradoera, na época, um lagoonde os predadoresencontravam herbívorosincautos bebendo água.

IPREDADORSOTERRADO

Rochas sedimentares nomunicípio gaúcho de DonaFrancisca escondiam atérecentemente um formidávelpredador. Era o Prestosuchuschiniquensis, representantede um grupo ancestral dos

SOBRE VULCÕES E CANAVIAIS

o físico Sérgio Mascarenhas, da Universidade de São Pauloem São Carlos, e Luiz Mattoso, da Embrapa InstrumentaçãoAgropecuária, também em São Carlos, alertam em carta àNature: é preciso investigar os efeitos das cinzas expelidaspelo vulcão islandês Eyjafjallaj6kuII sobre a saúde humana e omeio ambiente. "Micro e nanopartículas e resíduos poderiamcontaminar os alimentos, os campos e a água", escreveram. Anuvem de cinzas despejada na atmosfera pelo vulcão, queentrou em erupção em abril, pode conter mate~ii'1 radioativodas profundezas geológicas. "É dever das autoridades públicasinvestigar isso e dar um retorno ao público." No interior paulis-ta, Mascarenhas estuda outra fonte de poluição atmosférica: járecolheu cinzas da queimada da cana-de-açúcar em RibeirãoPreto. "Vou usar protocolos biológicos para compará-Ias comas cinzas vulcânicas", afirma o físico.

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A síntese da criação

Primeiro organismo controlado por genoma artificial prova que o DnA é realmente a receita química da vida

Marcos Pivetta

Quando anunciou no dia 20 do mês passado a criação da primeira linhagem de células viáveis de um ser vivo controlada por um genoma to-talmente sintetizado em laboratório, o cientista norte-americano Craig Venter não economizou palavras para descrever o feito. Lembrou a todos que, nunca antes na história deste mundo, a hu-

manidade tinha sido apresentada a uma criatura desprovida de ancestrais. Sem pais. A mensagem era clara: a Mycoplas-ma mycoides JCVI-syn1.0 – nome dado à variedade dessa bactéria cujo DNA fora produzido por químicos de uma empresa de biotecnologia, a Blue Heron – era filha de uma nova era. Da biologia sintética. “É a primeira espécie do planeta que se autorreplica cujo pai é um computador”, afirmou o ousado pesquisador-empresário, que, anos atrás, já havia se tornado famoso ao liderar um projeto privado de sequenciamento do genoma humano capaz de rivalizar (e acelerar) o trabalho feito pelo consórcio público.

A alusão à máquina como o pai da bactéria não é gratuita. Afinal, as informações necessárias para fabricar um genoma, na forma de uma enorme sequência de bases químicas (A, C, T e G), ficam guardadas em computadores. No caso da varie-dade natural da bactéria M. mycoides, trata-se da se quência composta de 1,08 milhão de pares de bases (com cerca de mil genes) presentes em seu único cromossomo. Foi com essa receita química que se fez, em laboratório, uma cópia sintética do DNA natural da bactéria, seguindo uma série de especificações da equipe do J. Craig Venter Institute (JCVI), instituto fundado por Venter. O genoma não foi sintetizado como uma única grande sequência de DNA, mas em mais de mil pequenos pedaços. O conjunto de fragmentos foi inserido numa levedura, onde foram reunidos e retomaram a forma do cromossomo. Por fim, os cientistas retiraram o genoma

sintético da levedura e o transplantaram para as células de uma outra bactéria, a Mycoplasma capricolum. O cromossomo artificial conseguiu tomar o controle das células receptoras, que passaram a produzir todas as proteínas típicas da M. mycoides. Dois dias após o transplante, as células deixaram de conter o DNA original da M. capricolum (seja porque ele foi destruído ou diluído no processo de replicação) e apre-sentavam um único tipo de material genético, o cromossomo sintético da M. mycoides. Em toda essa operação (ver infográfico na página 46), apenas 14 genes sem muita importância da M. mycoides se perderam ou foram anulados. “Trata-se de um avanço tanto filosófico como técnico”, disse Venter, resumindo, a seu ver, as implicações da empreitada.

Ápice de um esforço que consumiu US$ 40 milhões e quase 15 anos de pesquisa de um time de 24 pesquisadores do JCVI, entre os quais Ham Smith, Prêmio Nobel de Medi-cina em 1978, o surgimento da linhagem de bactéria com genoma sintético foi elogiado por cientistas de todo o mundo. Alguns pre-feriram situar o trabalho, que foi publicado eletronicamente na revista científica Science, como um grande feito tecnológico, uma mu-dança de escala na capacidade de o homem modificar o DNA de organismos, mas não como uma revolução científica. Outros pes-quisadores, embora reconheçam o caráter téc-nico da empreitada, salientam que o trabalho tem, sim, relevância para a ciência. A visão

[ Biologia ]

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Linhagem sintética da bactéria Mycoplasma mycoides: vida artificial

de três desses cientistas está publicada em artigos especialmente escritos para esta edição de Pesquisa FAPESP, entre as páginas 47 e 51.

O biólogo Fernando Reinach não tira os méritos científicos do experi-mento de Venter. Segundo ele, o tra-balho é a prova cabal de um conceito, o de que a matéria viva não tem nada de especial e também está submetida às leis da química e da física. Apenas com a informação do DNA é possível recriar um genoma e, por tabela, uma forma de vida. “Isso todo mundo já sabia em tese, mas faltava alguém de-monstrar na prática essa teoria ampla-mente aceita”, afirma Reinach. “Depois da publicação do genoma humano, o trabalho de Venter é o de maior rele-vância que saiu. Não há por que tentar relativizar sua importância”, diz José Fernando Perez, presidente da Recepta Biopharma e diretor científico da FA-PESP entre 1993 e 2005. “Ele coroa todo um esforço de entendimento científico do DNA. Os grandes avanços científi-cos não vêm de grandes ideias, mas de feitos tecnológicos.” Reinach também salienta um segundo ponto importan-te, igualmente de ordem científica, que emerge da análise do artigo na Science. Até agora, a vida sempre foi vista como algo contínuo. Todo ser descende de

outros organismos semelhantes que viveram no passado. “O trabalho de Venter demonstra que a vida pode ser interrompida e reiniciada”, afirma Rei-nach, fazendo alusão ao fato de que a bactéria não tem ancestrais biológicos, é fruto da sequência de letras químicas armazenadas num computador.

A geneticista Mayana Zatz, coorde-nadora do Centro de Estudos do Ge-noma Humano da Universidade de São Paulo (USP), comparou a repercussão causada pelo trabalho de Venter a um episódio semelhante ocorrido há 14 anos. “Esse feito me lembrou da clona-gem da ovelha Dolly, por Ian Wilmut, em 1996. Os dois causaram uma revo-lução midiática”, escreve Mayana num artigo publicado na página 47.

Grande parte do financiamento das pesquisas do JCVI vem da Synthetic Genomics Inc (SGI), empresa fundada por Venter que fez 13 pedidos de paten-te sobre métodos usados nos trabalhos com biologia sintética. Venter diz que o experimento com a M. mycoides vai per-mitir desenhar microrganismos úteis ao homem, capazes de, por exemplo, produzir vacinas e biocombustíveis. A empresa petrolífera Exxon já se com-prometeu a investir US$ 600 milhões na SGI para o desenvolvimento de algas que consigam produzir etanol.

Segundo a geneticista Lygia da Vei-ga Pereira, da USP, Venter terá mui-to trabalho pela frente para exercer a biologia sintética em sua plenitude. “O maior desafio será desenhar um geno-ma totalmente novo e escolher que ge-nes serão colocados para que um orga-nismo desempenhe uma determinada tarefa”, diz Lygia. Ainda que os esfor-ços do cientista americano demorem para gerar frutos palpáveis, a simples presença no ambiente de pesquisa de um sujeito como Venter, polêmico e provocativo, sem dúvida, é vista como salutar por alguns de seus pares. “Para entender Venter, eu costumo pensar no ser humano como uma criança, uma criança largada numa sala bem grande chamada mundo. Ela fica mexendo em tudo, às vezes se queima ao colocar o dedo numa tomada, mas outras vezes acaba descobrindo como subir numa cadeira para alcançar as guloseimas lá em cima”, escreve João Meidanis, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em artigo na página 48.

artigo científico

GIBSON, D.G. et al. Creation of a bacterial cell controlled by a chemically synthesized genome. Science. publicado on-line em 20 mai. 2010.

CiênCia

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46 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

O transplante de DNA passo a passoComo os cientistas fizeram a célula de uma bactéria ser controlada pelo genoma sintético de outra

O cromossomo foi então retirado da levedura e transplantado para células de uma bactéria semelhante, a Mycoplasma capricolum. As células receptoras aceitaram o DNA implantado, passaram a produzir as proteínas da M. mycoides e a se replicar normalmente. Nascia o primeiro organismo regido por um genoma sintético, a bactéria M. mycoides JCVI-syn1.0.

Os pesquisadores do JCVI sequenciaram o genoma da bactéria Mycoplasma mycoides, um único cromossomo com cerca de 1,1 milhão de pares de bases, e armazenaram os dados num computador.

Em seguida, pediram a um laboratório que todo o DNA do organismo fosse sintetizado em 1.078 fragmentos de acordo com especificações bastante precisas. Denominado tecnicamente cassette, cada fragmento tinha 1.080 pares de bases e mais uma determinada sequência de 80 pares de bases em cada extremidade, útil para a remontagem de todo o genoma.

Quebrado em pedaços, o genoma sintético foi inserido na Saccharomyces cerevisiae. Dentro da levedura, os fragmentos de DNA foram unidos progressivamente na ordem correta com o auxílio do sistema genético do fungo. Primeiro, os cientistas juntaram todos os cassettes em trechos de DNA com 10 mil pares de bases. Depois, cada trecho foi ligado até originar 11 segmentos com 100 mil pares de bases. Por fim, os segmentos foram unidos e o cromossomo, remontado na célula de levedura.

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 47

O impacto da transformação de uma vida em outra

Feito tecnológico de venter causou revolução midiática como a clonagem da ovelha Dolly em 1996 | Mayana Zatz

Criada vida artificial”, “Ciência cria primeira célula sintética” foram algumas das manchetes citando o trabalho de Craig Venter, publicado na revista Science, “Creation of a bacterial cell controlled by a chemically synthesized geno-

me”. Na realidade foi uma bela obra de engenharia gené-tica, mas não se criou vida. A equipe de cientistas utilizou vidas existentes, tanto de bactérias como de leveduras, para conseguir esse feito. É importante deixar isso muito claro. O que os pesquisadores fizeram foi transformar uma vida em outra, no caso uma bactéria Mycoplasma capricolum em outra, a Mycoplasma mycoides. Esse feito me lembrou a clonagem da ovelha Dolly, por Ian Wilmut, em 1996. Os dois causaram uma revolução midiática e podem até ser comparados. Wilmut transferiu o genoma retirado de uma célula – no caso, da glândula mamária da ovelha Dolly – para um óvulo sem núcleo e, após inseri-lo em útero, gerou um clone de Dolly. Venter transferiu o genoma de uma bactéria em outra que assumiu o com-portamento da primeira.

Não poderia haver ninguém mais capacitado do que Venter para montar o quebra-cabeça do genoma de uma bactéria – com 1 milhão de pares de bases – e sintetizá-lo no laboratório. Afinal, foi ele que inventou um método para desmontar o quebra-cabeça do genoma humano – o

que permitiu acelerar muito o seu se-quenciamento. Para quem desenvolveu tecnologias capazes de sequenciar um genoma de 3 bilhões de pares de ba-ses – o genoma humano – remontar os pedaços de DNA de um genoma de 1 milhão de pares de bases, como é o caso da bactéria Mycoplasma mycoides, pare-cia fácil. Afinal, ela é 3 mil vezes menor. Mas, mesmo assim, foram 15 anos de trabalho envolvendo 24 cientistas, a um custo de US$ 40 milhões. Nada trivial! A sequência do genoma da Mycoplasma mycoides já estava disponível no banco de dados do computador. Mas, para co-piar a receita e sintetizar um cromos-somo artificial no laboratório, os pes-quisadores tiveram que usar leveduras – que também são organismos vivos – e que têm a capacidade de unir pequenos pedaços de DNA. Uma vez sintetizado o DNA, o próximo obstáculo era inseri-lo em outra bactéria, conseguir que a cé-lula receptora não destruísse o genoma exógeno e o incorporasse como se fosse seu. Sem dúvida, um grande feito de engenharia genética.

Trata-se de uma revolução? Midiá-tica, sem dúvida. A repercussão na imprensa do trabalho de Venter me lembrou da clonagem da ovelha Dolly por Ian Wilmut em 1996. Vocês devem se lembrar. “Vão clonar seres humanos! Estão brincando de Deus. Vamos criar imediatamente comitês científicos para proibir a clonagem reprodutiva huma-na.” Isso era repetido constantemente pela mídia. Lembro-me muito bem porque fui convidada a fazer parte de um desses comitês, todos preocupadís-simos em proibir a clonagem humana.

Dolly e DNA sintético: polêmicas

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Eu estava muito menos temerosa com os riscos de se fazerem clones huma-nos e muito mais interessada em que se aprovassem as pesquisas com células- -tronco embrionárias. E foi o que acabou acontecendo. Hoje, 14 anos depois, nin-guém mais fala de clonagem reproduti-va humana. Mas estamos revendo esse filme, agora com o suposto risco de se criar “vida em laboratório”. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já determinou a instituição de comitês de ética para que sejam identificados os li-mites éticos e minimizados os possíveis riscos. Por outro lado, o pediatra Carlo Bellieni, no diário do vaticano L’ Osser-vatore Romano, diz que “a pesquisa é um trabalho de engenharia genética de alto nível, mais um passo na substituição de parte de DNA, mas na realidade não se criou vida”. Concordo com ele.

Quais são as implicações futuras? Quais serão as aplicações? É difícil pre-ver. No caso da ovelha Dolly a grande revolução foi descobrir que uma célula adulta poderia ser reprogramada e vol-tar a ser totipotente, o que abriu cami-nho para as pesquisas com células-tron-co. Já a estratégia para criar a bactéria de Craig Venter poderá permitir apri-morar as técnicas de engenharia genéti-ca, produzindo novos microrganismos úteis ao homem, como por exemplo bactérias mais eficientes em degradar a celulose ou o plástico, gerando novas formas de combustível biodegradável. Ou bactérias intestinais que nos permi-tissem digerir a celulose tão bem como os ruminantes. Além disso, ela poderia contribuir para melhorar as técnicas de terapia gênica, corrigindo genes defeituosos em pacientes com doen-ças genéticas. Um outro grande feito do qual se falou pouco foi a estratégia utilizada por Venter para que a bactéria receptora não destruísse o genoma da bactéria doadora e o adotasse como se fosse seu. Essa tecnologia poderia abrir novos caminhos para impedir a rejeição no caso de transplantes alogê-nicos ou talvez até xenotransplantes. O futuro dirá. Deu-se mais um salto qualitativo tecnológico que certamente merece ser aplaudido. »

Mayana Zatz é professora titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.

Craig Venter está novamente nas notícias de jornais e revistas do mundo intei-ro, desta vez por causa do artigo sobre uma célula bacteriana guiada por um genoma que seu grupo sintetizou em

laboratório. Esse é o capítulo mais recente de um projeto ao qual Venter tem se dedicado por mais de uma década: criar um organismo vivo do zero. E há vários competidores perseguindo a mesma coisa.

Grande descoberta? Ou impensada ousadia, cai-xa de Pandora que pode nos levar à autodestruição? As reações ao artigo que ele publicou na Science vão de rasgados elogios a severos ataques, como sempre parece acontecer com Venter. Ele é um tipo raro de cientista, incômodo para muitos, mas a meu ver extremamente necessário.

Para começar, está em boa companhia. Seu grande parceiro de longa data, Hamilton Smith, ou Ham Smith, como é carinhosamente conheci-do, é um gênio da biologia molecular. No artigo da primeira bactéria sequenciada vemos lá Venter e Smith. Na diretoria da Celera, a empresa criada para competir com o projeto público (mas lento) de sequenciar o genoma humano, encontramos de novo Venter e Smith. E agora, neste recente artigo, quem são os cabeças? Venter e Smith, é claro, agora também incorporando um outro peso-pesado da biologia molecular: Clyde A. Hutchison III, que eles trouxeram para o time em 2003.

Os especialistas lembrarão de Hutchison como um dos pioneiros na introdução de mutações diri-gidas em genomas. Por sua vez, Ham Smith rece-

Craig Venter, um bem necessário

cientista é como um moleque travesso atrás das guloseimas, sejam elas terminar o genoma humano o mais rápido possível ou fabricar uma bactéria do zero | João Meidanis

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beu o Prêmio Nobel muitos anos atrás (1978) pela descoberta de nada mais, nada menos que as enzimas de restri-ção, uma das ferramentas mais básicas de manipulação genômica. As enzimas de restrição são para a engenharia gené-tica o que lápis e papel são para estudar na escola fundamental.

Para entender Venter, eu costumo pensar no ser humano como uma criança, uma criança largada numa sala bem grande chamada mundo. Ela fica mexendo em tudo, às vezes se queima ao colocar o dedo numa tomada, mas outras vezes acaba descobrindo como subir numa cadeira para alcançar as guloseimas lá em cima. Venter é esse moleque travesso que vai atrás das guloseimas, sejam elas terminar o ge-noma humano o mais rápido possível ou fabricar uma bactéria do zero. Se essa busca desenfreada vai nos levar à autodestruição? É possível. Mas parece que há algo mais forte dentro de nós, uma curiosidade tão violenta que faz esquecer tudo. É claro que existe todo tipo de gente no mundo. Alguns têm esta curiosidade implacável, outros preferem ser meros espectadores da vida sem mexer em muita coisa, e a

maioria é um meio-termo entre estes dois extremos.

E, cá entre nós, a espécie humana não vai durar para sempre, com ou sem Venter. As espécies evoluem, umas de-saparecem, outras surgem. É preciso ter uma visão mais sóbria, menos apai-xonada da vida. Embora tenhamos a tendência natural de achar que o ser humano é central e importante para o mundo, é mais provável que o ser hu-mano seja só mais uma espécie, que veio e irá. Já passamos por outros epi-sódios onde nos colocamos em posição de destaque não merecida: achávamos que a Terra era o centro do Universo, achávamos que Deus nos tinha criado especiais. Duas grandes decepções da humanidade, que até hoje muitos não engolem (principalmente a segunda).

Contra proibir pesquisaDois papéis fundamentais da ciência são aumentar o conhecimento da hu-manidade e descobrir novas tecnolo-gias. Se essas tecnologias serão usadas para salvar vidas, construir armas ou outras finalidades, não compete somen-te aos cientistas determinar: trata-se de uma decisão da sociedade como um todo, geralmente ao nível dos países. No mundo atual, cada país tem sobe-rania para decidir como vai utilizar as tecnologias que possui. Embora exista uma forte pressão internacional contra

As reações ao

artigo que ele

publicou na

Science vão

de rasgados

elogios a

severos ataques,

como sempre

acontece

usos considerados prejudiciais, não há neste momento um organismo multi-lateral suficientemente forte para fazer valer suas resoluções contra a vontade individual dos países.

A meu ver não caberia, como de-fendem alguns, proibir pesquisas nessa linha. Acredito que a geração do co-nhecimento deve ser livre, desde que respeitadas as normas éticas vigentes. Do ponto de vista da ética científi-ca, Venter e seu grupo fizeram o que manda o figurino: não utilizaram seres humanos, não impuseram sofrimento desnecessário a cobaias e publicaram seus resultados em veículo de ampla circulação internacional, que inclusive tomou a decisão de disponibilizar esse artigo a qualquer um que tenha acesso à internet, independentemente de ter ou não assinatura da revista. Dessa forma, todos terão acesso: pesquisadores, estu-dantes, terroristas, curiosos etc.

Então, gente, relaxa. Não vamos exis-tir para sempre. Se vamos sumir mesmo, pelo menos tentemos influenciar um pouco o futuro, dando nosso pitaco sobre quais serão as novas espécies que habitarão o planeta. Eu, pelo menos, não abro mão de acompanhar isso, e agora, graças ao trabalho de Venter e seu grupo, me sinto mais próximo de fazê-lo. »

João Meidanis é diretor da Scylla Bioin-formática e professor titular da Unicamp.

Venter (à esq.) e o Nobel Ham Smith: dupla fez o primeiro genoma sintético

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A biologia sintética e a bioenergia

como a descoberta de que é possível transferir um genoma criado em laboratório pode afetar as tecnologias para biocombustíveis | Marcos Buckeridge

Já pensou se, a partir da sequência com-pleta do seu genoma, o leitor conseguisse sintetizar o seu próprio DNA, introdu-zi-lo em uma célula humana e depois fazer com que o seu DNA assumisse o

comando dessa célula, formando tecidos, ór-gãos e até uma cópia idêntica de si mesmo, para a qual você poderia transferir suas memórias? Como no romance de ficção científica de Phillip K. Dick, que originou o roteiro do filme Blade Runner, parece que pelo menos uma impor-tante prova de conceito foi conseguida. O J. Craig Venter Institute (JCVI) publicou em 20 de maio no site da revista Science um artigo em que reporta a ativação de um genoma sintéti-co de um microrganismo em outro, a bactéria Mycoplasma mycoides. A medida de sucesso, nesse caso, foi o fato de que o genoma sintético adquiriu o controle de uma outra célula e essa célula passou a se reproduzir em laboratório.

Fundador do JCVI, o cientista Craig Ven-ter, em várias entrevistas, diz que agora vai atrás do genoma de uma alga para produzir bioenergia. Eu o ouvi dizer algo similar em uma palestra no último Congresso Mundial de Biotecnologia em Barcelona em 2009. Um dos grandes desafios que temos atualmente é pro-duzir bioenergia de forma barata e ambiental-mente sustentável. A descoberta do JCVI abre caminho para que pesquisadores consigam microrganismos “engenheirados” que façam o trabalho de produção de etanol ou biodiesel com excelentes padrões.

Aqui no Brasil, no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas, já estamos “engenheirando” bacté-rias e fungos com enzimas que atacam a parede celular vegetal e podem ajudar no desenvol-vimento da rota tecnológica da segunda gera ção do etanol. Um dos laboratórios do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT do Bioetanol), comandado pelo pes-

Algas: aposta da biologia sintética para produzir combustíveis

quisador Richard Ward, reportou no último workshop do INCT, em abril, ensaios com uma enzima quimérica, ou seja, uma proteína montada arti-ficialmente que tem a capacidade de atacar dois componentes da parede celular ao mesmo tempo, a lignina e a hemicelulose.

Assim, mesmo que não tenhamos feito (ainda) algo tão espetacular co-mo Venter, a bioenergia brasileira já começa a mergulhar na era da biologia sintética. Há várias vias a escolher e

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problemas a resolver usando essa tec-nologia. Uma delas é “engenheirar” o metabolismo da Saccharomices cerevi-siae, a levedura que usamos para fazer álcool, de forma que ela seja capaz de usar os açúcares de cinco carbonos que vêm das hemiceluloses, algo que ela não faz muito bem.

Com microrganismos, as aplicações da biologia sintética serão bem mais rápidas e deverão produzir resultados impressionantes. Por outro lado, com organismos mais complexos, podem

demorar bem mais. Mesmo assim, os biólogos já estão se movimentando nesse sentido e o estão fazendo através da compreensão dos organismos como sistemas complexos.

Um grande passo, mas ainda inicial Colocar um genoma sintético numa célula é, sem dúvida, um passo im -portante na área da biologia. Se consi-derarmos que um gene corresponde, em média, a 10 a 15 kbps (1 kbp equi-vale a mil bases do DNA), o que o gru-po do JCVI fez foi construir um geno-ma com 600 a mil genes, transferi-lo para uma célula cujo DNA tinha sido retirado, e fazer com que essa célula bacteriana receptora do genoma sinté-tico funcionasse.

É um avanço técnico sensacional e as implicações disso são enormes. Porém, a dificuldade de aplicar isso em organismos mais complexos é maior ainda. Isso porque no genoma de uma planta de milho estima-se que exis-tam 32 mil genes, ou seja, é 32 vezes maior do que o do genoma sintético que o JCVI utilizou. É provável que na nossa cana-de-açúcar tenhamos aproximadamente o mesmo número de genes que no milho. No entanto, di-ferentemente da Mycoplama mycoides, na cana há oito cópias de cada gene. Isso quer dizer que há, nominalmente, cerca de 240 mil genes interagindo no genoma do organismo e fazendo com que ele funcione perfeitamente bem a ponto de produzirmos o etanol que usamos para encher os nossos tanques. Se o grau de dificuldade fosse linear em relação ao tamanho do genoma, fazer com a cana o que foi feito com a bactéria M. mycoides seria 400 vezes mais difícil. Porém há dificuldades adicionais que tornam a relação mais complexa e difícil ainda.

A bioenergia de que necessitamos, em parte por contingência da nossa tec-nologia de motores, está armazenada em ligações entre átomos de carbono e a única forma de guardar a energia desse modo é através do processo de fotos-síntese.Há bactérias capazes de realizar fotossíntese e elas são geralmente colo-cadas como um dos alvos da biologia sintética. As cianobactérias, por exem-plo, são boas produtoras de lipídios que podem funcionar como biodiesel, o que indica que podemos pensar em montar

sistemas industriais com elas para pro-dução de bioenergia.

Mas há uma reflexão biológica im-portante a ser considerada. Se as ciano-bactérias são assim tão boas para pro-duzir bioenergia, por que a civilização não é baseada nelas para obter comida e energia até hoje? Por que nossa comida é baseada principalmente em plantas terrestres? Uma das respostas é que o aumento de complexidade que houve, com a evolução da multicelularidade e o desenvolvimento de sistemas fotos-sintéticos cada vez mais eficientes, fez com que as plantas dominassem o pla-neta. Dentre elas, as gramíneas, como o milho e a cana-de-açúcar, produziram um dos sistemas fotossintéticos mais eficientes que existem. Elas têm um sistema de fotossíntese chamado C4, com o qual produzem maior quanti-dade de biomassa em menos tempo do que outras plantas. E é por isso que a civilização como a conhecemos é for-temente baseada nessas espécies.

A biologia sintética já vem sendo adotada para alterar a fotossíntese em plantas. A soja, por exemplo, não tem fotossíntese tão eficiente quanto as gra-míneas. Mas um grupo internacional de pesquisadores já vem traçando es-tratégias de como fazer para “implan-tar”, utilizando biologia sintética, um sistema C4 nas folhas dessa leguminosa. Esse é um objetivo imensamente mais difícil do que o que o JCVI alcançou. Isso porque não estamos lidando com um genoma apenas, mas, no caso do sistema C4, com três genomas diferen-tes: um que fica no núcleo da célula e mais dois que ficam nos dois tipos de cloroplastos encontrados nas diferentes células das folhas das plantas C4.

Venter deu um grande passo, mas ainda falta muita investigação e criati-vidade para que possamos realmente quebrar o código da complexidade que a vida esconde. Há um grande número de pesquisadores, inclusive no Brasil, se movendo na direção do uso da biologia sintética como principal arma para de-senvolver novas biotecnologias. O que vem por aí promete ser extremamente divertido e interessante. n

Marcos Buckeridge é um dos coordena-dores do programa Bioen-FAPESP e diretor científico do Laboratório Nacional de Ciên-cia e Tecnologia do Bioetanol (CTBE).

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Biólogos identificam proteínas que indicam a camundongos presença de predadores

Ricardo Zorzetto

Medo no ar

Não é preciso ensinar um camundongo ou um rato a ter medo de um gato. Tão logo começam a andar, os roedores são capazes de reconhecer os sinais deixados no am-biente pelo predador – e perceber quando é hora de sumir. Já se sabia que para eles, como para a maioria dos animais, as pistas

de que há perigo por perto quase sempre chegam pelo ar: compostos químicos liberados pelo preda-dor penetram nas narinas e disparam uma sequên-cia de sinais elétricos no cérebro que preparam o corpo do roedor para enfrentá-lo ou fugir. Mas não se conheciam quais eram os compostos liberados nem em qual parte do sistema olfativo agiam. De-pois de realizar experimentos que consumiram três anos de trabalho, o biólogo brasileiro Fabio Papes e dois pesquisadores dos Estados Unidos apresenta-ram na edição de 14 de maio da revista Cell, num artigo que mereceu a capa do periódico, a resposta para algumas dessas perguntas.

Em parceria com Darren Logan e Lisa Stowers, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia, Pa-pes, pesquisador da Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp), realizou uma sequência de testes em que colocou camundongos em contato com uma gaze que havia sido friccionada no pescoço de um gato, umedecida com urina de rato ou roçada na pele de uma cobra – três dos predadores naturais dos camundongos. Em todas as situações a simples percepção do odor aumentava nos camundongos a produção de um hormônio ligado ao estresse e os tornava mais cautelosos: depois de sentir o cheiro de um dos predadores, os roedores passavam a explorar o ambiente com muito mais cuidado.

Investigando o sistema olfativo dos camundon-gos, Papes notou que algo no odor exalado pelos predadores estimulava uma área nasal específica: o chamado órgão vomeronasal, uma estrutura ainda muito enigmática formada por alguns milhares de células nervosas (neurônios) capazes de captar a informação química carregada pelo ar e transformá- -la em impulsos elétricos, resultando na ativação dos circuitos cerebrais do medo. A importância desse órgão se tornou evidente quando os pesquisadores verificaram que camundongos transgênicos, com uma alteração genética que inativa os neurônios do

Em amarelo, neurônios de área nasal ativada pelo cheiro do predador

[ Fisiologia ]

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artigo científico

PAPES, F.; LOGAN, D.W.; STOWERS, L. The vomeronasal organ mediates interspe-cies defensive behaviors through detection of protein pheromone homologs. Cell. v. 141 (4), p. 692-703. 14 mai. 2010.

Biologia molecular do sistema olfativo em mamíferos: estudo da detecção de odores e sua representação neural no cérebro – nº 2009/00473-0

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jovem Pesquisador

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Fabio Papes – IB/unicamp

InvEStImEnto

R$ 725.763,03 (FAPESP)

O PrOjetO proteínas isoladas, os camundongos se mostravam tão cautelosos quanto após sentir odor da urina do gato ou da sali-va do gato. “Essas proteínas funcionam como cairomônios, moléculas liberadas por um organismo de uma espécie que atuam sobre outra espécie, em prejuízo da que as liberou e em benefício da que recebe as informações”, explica Papes, que compartilha com Logan a autoria do artigo da Cell.

Atualmente Papes trabalha na identificação dos circuitos cerebrais ativados por esses odores. Ele acredita que usando essa estratégia, num futuro talvez não tão próximo, será possível obter um mapa do acionamento senso-rial associado a comportamentos como os de defesa, maternal e reprodutivo, entre outros. “Conhecer como o cére-bro reconhece, interpreta e responde a estímulos como os odores”, comenta, “pode até mesmo ajudar a compreen-der melhor enfermidades relacionadas a alterações sensoriais”. n

órgão vomeronasal, não demonstravam medo quando expostos ao cheiro de rato, cobra ou gato.

Cheiro de perigo - Para descobrir se esse órgão participava apenas na identi-ficação do cheiro dos predadores ou se atuava na percepção de outros odores desagradáveis, os biólogos repetiram os testes, expondo os camundongos ao naftaleno, o principal componente das pastilhas de naftalina, liberado na queima da madeira e associado por ani-mais ao odor do fogo. Tanto os roedo-res com o vomeronasal ativo quanto os com o órgão desativado evitaram a gaze

com naftaleno, sinal de que os neurô-nios desligados agiam na identificação dos inimigos naturais. “Esse resultado mostra que o órgão está envolvido na detecção, se não específica, ao menos direcionada, do odor dos predadores”, conta Papes, professor do Instituto de Biologia da Unicamp.

Como secreções de animais de es-pécies distintas provocaram a mesma reação nos camundongos, os pesqui-sadores começaram a suspeitar que houvesse algum composto em comum na urina do rato, no muco que recobre a pele da cobra e na saliva que o gato deixa nos pelos ao se lamber. De volta à Unicamp, depois de passar sete anos nos Estados Unidos, parte no laborató-rio de Lisa Stowers, Papes partiu para uma etapa arriscada, com uma chance de obtenção de resultados muito incer-ta: a purificação dos componentes da urina do rato e da saliva do gato – não foi possível analisar o muco da cobra, pois essa fonte de odores mostrou-se ser intratável. E deu sorte. Encontrou na saliva do gato uma proteína – a Feld4 – bastante semelhante à que era a mais abundante na urina do rato, a Mup13 (Major Urinary Protein 13).

Em uma nova bateria de testes, Papes e Darren Logan verificaram que, depois de inalar soluções contendo apenas as

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Passos incertos

Novos estudos mostram como detectar e reduzir o risco de quedas em idosos

A maior ameaça à saúde e à vida dos idosos circula dentro de casa e nas ruas, sobretu-do pela manhã e à tarde. São os tombos, responsáveis por 61% das admissões em pronto-socorro de pessoas com mais de 60 anos, de acordo com dados de 2007 do Ministério da Saúde. As quedas são um

drama comum entre idosos, mas costumam ser vistas pelo resto da sociedade como inerente ao avanço da idade. As consequências são sérias demais, porém, para que o pro-blema não seja tratado como questão primordial de saúde pública. Por volta de 16% das quedas causam fraturas, e a cada quatro idosos internados para cirurgia no fêmur um morre no prazo de um ano, de acordo com o reumatologista Marcelo Pinheiro, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos coordenadores do Estudo Brasileiro sobre Osteoporose (Brazos), o primeiro a avaliar a extensão do problema no país. Felizmente, uma série de estudos vem mostrando que exercícios simples podem evitar boa parte desses acidentes e de fato melhorar a qualidade do período da vida que alguns preferem chamar de “melhor idade”.

As consequências mais sérias das quedas se devem à osteoporose, a perda gradual de densidade óssea que amea-ça sobretudo as mulheres. Ela pode ser a causa inicial da queda – algo aparentemente banal como um movimento súbito estilhaça o fêmur e a pessoa cai muitas vezes sem saber por quê. Mas em mais de 90% dos casos de fratura associada a quedas o tombo é a causa da fratura, e não vice-versa, de acordo com Pinheiro.

Levando em conta questionários respondidos em 2006 por 2.420 pessoas com mais de 40 anos, o Brazos avaliou quedas recorrentes e fraturas em 150 cidades das cinco re giões brasileiras. Além da prevalência da osteoporose e de suas consequências, os resultados mostram também

Maria Guimarães

fotos Gabriel Bitar

[ epidemiologia ]

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P ara o reumatologista da Unifesp, outro achado relevante diz res-peito à alimentação. Nossa dieta é

bastante equilibrada em termos de pro-teínas, carboidratos e gorduras, mas dei-xa muito a desejar em micronutrientes e vitaminas. “O brasileiro consome 400 miligramas de cálcio por dia, quando a recomendação internacional é de 1.200 miligramas”, conta. É um problema cul-tural, mais do que socioeconômico, já que até os mais abastados, das classes A e B, ingerem cerca de metade do cálcio que deveriam. Para Pinheiro, uma estra-tégia interessante seria fortificar alguns

alimentos, como é comum em países como os Estados Unidos, ou fazer su-plementação de micronutrientes.

Outra deficiência importante, dire-tamente ligada à incorporação do cálcio nos ossos, é a vitamina D, abundante em peixes como o arenque, o atum e o salmão, além de nozes, amêndoas e azeite. “Comer esses itens é um hábito do hemisfério Norte, aqui consumimos cinco vezes menos do que a recomen-dação diária, cerca de dois microgramas por dia.” Além da dieta, a produção de vitamina D depende do sol, mas mes-mo em países tropicais as pessoas não se expõem o bastante – passam pouco tempo ao ar livre e, quando isso acon-tece, passam protetor solar com medo dos malefícios dos raios solares, como câncer de pele. “É preciso expor pelo menos os braços e o colo ao sol por no mínimo 20 minutos ao dia, sem prote-tor solar”, recomenda Pinheiro.

O impacto desses tombos e fraturas na qualidade de vida é dramático, con-forme mostram dados do Brazos. O que causa a morte, no prazo de um ano, de um quarto dos idosos que fraturam o fêmur são as consequências da interna-ção, como úlceras de pressão (escaras), embolia pulmonar e infecção. Ficar in-ternado também pode causar depres-são, abrindo as portas para demências e ampliando a dependência causada pelas limitações físicas. “É como uma panela de pressão”, compara, “a pessoa estava bem e de repente a fratura faz aflorarem os problemas que estavam latentes”.

Para prevenir a osteoporose, não bas-ta tratar os idosos. “É uma doença geriá-trica cuja prevenção tem que começar na infância, com dieta correta e atividade física.” O Brazos, que incluiu adultos a partir dos 40 anos, revelou que os mais jovens não têm consciência do problema iminente e não tomam medidas preven-tivas. A principal causa dos acidentes que deixam milhares de idosos praticamente inválidos a cada ano, segundo Pinheiro, é o desconhecimento. Além da prevenção, que deveria incluir parar de fumar e de beber álcool e café em excesso, hoje exis-tem tratamentos eficazes para manter a densidade óssea. Em alguns estados, como é o caso de São Paulo, tanto os medicamentos como o exame para diag-nosticar a osteoporose – a densitometria óssea – estão gratuitamente disponíveis pelo Sistema Único de Saúde.

a desinformação sobre o assunto. En-tre os adultos entrevistados, 15% dos homens e 30% das mulheres que já haviam sofrido fraturas tinham um histórico compatível com a osteopo-rose, mas 85% deles e 70% delas não estavam informados sobre a doença. “Muitas vezes a fratura é tratada e não se faz a densitometria para avaliar o es-tado dos ossos”, conta Pinheiro. Com base no conhecimento acumulado por outros estudos e nos indícios clínicos, os pesquisadores do Brazos estimam uma prevalência de osteoporose muito maior do que a relatada nos questioná-rios, de acordo com artigos publicados recentemente nos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia e nos Cadernos de Saúde Pública.

O problema se torna ainda mais alarmante diante das projeções de au-mento na população idosa brasileira ao longo das próximas décadas. De acordo com o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), em 2025 o país terá 35 milhões de habitantes com mais de 60 anos de idade, mais de 2 milhões só na cidade de São Paulo. Entre 2000 e 2050, a previsão é que quase tripli-que a proporção de idosos em relação à população total – passando de 5,1% para 14,2% –, resultado de uma taxa de natalidade decrescente e uma ex-pectativa de vida maior.

“A osteoporose é uma doença geriátrica cuja prevenção deve começar na infância”

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Fraqueza - Mas diagnosticar e medicar não basta. A osteoporose e a probabi-lidade de quedas não estão ligadas só pela má sorte – e entender isso pode ser crucial para a prevenção de fratu-ras. É que a atividade muscular ajuda a manter os ossos saudáveis. E a perda de musculatura associada à osteopo-rose tem efeitos diretos no equilíbrio, segundo estudo feito pela fisioterapeuta Daniela Abreu, da Faculdade de Me-dicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, publicado on-line em 2009 na Osteoporosis Inter-national. “Acreditamos que a perda de músculo se dê junto com a perda óssea”, conjectura Daniela. Ela usou sensores eletromagnéticos para avaliar o equilí-brio de mulheres com osteoporose, com osteopenia – um estágio intermediário de perda óssea – e com ossos íntegros e verificou que quanto mais frágeis os ossos, maior a instabilidade.

“A fraqueza em grupos musculares específicos causa tipos diferentes de instabilidade”, explica Daniela. Mesmo tendo perdido pouco da massa óssea, as mulheres com osteopenia já mostraram uma oscilação para a frente e para trás igual à que o estudo verificou naquelas com osteoporose, e maior do que nas mulheres sem problemas nos ossos. À medida que o osso se degrada, outros músculos também perdem massa, o que dá origem a um ciclo vicioso. De acordo com os sensores, as mulheres com osteo-porose não só balançam para a frente e para trás, mas também para os lados. O próximo passo, segundo Daniela, é detalhar quais são os grupos musculares mais afetados para delinear treinamen-tos de recuperação específicos.

Enquanto não se detalha esse mapa dos músculos enfraquecidos, o grupo da reumatologista Rosa Pereira, da Faculdade de Medicina do campus paulistano da USP, comprovou que exercícios físicos de equilíbrio, além de reduzir a incidência de quedas, são eficazes também para melhorar vários aspectos como o bem-estar, as funções físicas e as interações sociais. Durante o trabalho de doutorado, a fisioterapeu-ta Melisa Madureira desenvolveu um método para melhorar o equilíbrio de pacientes com osteoporose. Com sé-ries de exercícios simples – como andar para a frente, de lado, levantando uma perna e o braço oposto, na ponta dos

pés e nos calcanhares –, por 30 minutos uma vez por semana, associadas a alon-gamento e caminhada, ela já conseguiu melhorar a qualidade de vida e reduzir a incidência de quedas nos 30 pacien-tes do grupo experimental em relação aos 30 pacientes que não fizeram o treinamento, de acordo com artigo já disponível no site da revista científica Maturitas. Os participantes do estudo também recebiam uma cartilha para fazer os exercícios em casa, melhorando ainda mais os resultados. “Ao contrário de musculação, que requer acompa-nhamento individualizado, para esse tipo de exercícios não é necessário su-pervisão constante. Depois de aprendi-dos, eles podem ser feitos em casa sem problemas”, conta Rosa, que já incluiu a cartilha no atendimento rotineiro aos pacientes do ambulatório de osteopo-rose do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da USP. “Medi-car contra osteoporose sem reduzir as quedas não adianta, porque as fraturas continuam acontecendo”, completa.

De fato, não adianta se concen-trar apenas na osteoporose, já que inúmeros fatores levam

aos tombos. Um estudo coordenado pelo epidemiologista Evandro Couti-nho, da Fundação Oswaldo Cruz (Fio-cruz), comparou 250 casos de quedas atendidos em cinco hospitais no Rio de Janeiro a 250 controles com idade, sexo e local de residência semelhantes, e apontou baixo índice de massa corpo-ral, déficit cognitivo, derrames, incon-tinência urinária, uso de medicamen-tos benzodiazepínicos e de relaxantes musculares como fatores de risco para quedas com fraturas sérias, segundo artigo de 2008 na BMC Geriatrics. O grupo não levou a osteoporose em con-ta porque nos hospitais selecionados não era rotineiro diagnosticar a doença. “O mais surpreendente foi detectar o efeito dos relaxantes musculares”, conta Coutinho, “a maior parte dos estudos não leva em conta esse tipo de medi-camento”. Esses remédios, muitas vezes prescritos para aliviar dores nas costas dos idosos, podem quadruplicar o risco de quedas. Já os benzodiazepínicos são usados como tranquilizantes, e costu-mam ser prescritos para quem tem di-ficuldade de dormir. O problema é que causam tonturas, sonolência e reduzem

a força e a contração musculares, dupli-cando o risco de queda e fratura.

“Os idosos têm um metabolismo mais lento, por isso quando acordam ainda sofrem os efeitos da medicação”, explica o epidemiologista, que também se surpreendeu ao verificar que a maior parte dos acidentes acontece de ma-nhã e à tarde e não, como ele esperava, quando a pessoa se levanta no escuro da noite para ir ao banheiro. Para ele, antes de receitar esses tipos de medica-mento aos idosos, os médicos deveriam pesquisar melhor as causas das dores e da dificuldade em cair no sono, em vez de só tratar os sintomas. E, completa, hoje existem benzodiazepínicos mais adequados aos idosos, que duram me-nos tempo no organismo.

“A cada 100 idosos, 30 cairão num dado ano”, avalia Coutinho. Mas o ris-co é maior para aqueles que já caíram: 60% dos idosos que caem e se machu-cam voltarão a cair no prazo de um ano, de acordo com dados levantados pelo

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projeto Saúde, Bem-Estar e Envelheci-mento (Sabe), um estudo que acompa-nha ao longo do tempo as condições de vida e de saúde dos idosos residentes na cidade de São Paulo. “Uma queda é um indício de que a pessoa pode cair outra vez”, comenta a médica Maria Lúcia Lebrão, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), coordenadora do projeto.

Para a pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública, é preciso avaliar com cuidado as causas dos tombos para cor-rigi-las. Muitos idosos sentem tonturas e perdem o equilíbrio mesmo sem obs-táculos no caminho. Com menos força muscular e reflexos mais lentos, fica bem mais difícil corrigir posições instáveis e aqueles tropeços que, na juventude, pas-savam despercebidos. Somam-se a isso fatores ambientais como calçadas irre-gulares, sapatos que desafiam o equilí-brio e tapetes escorregadios. Iniciado em 2000 (ver Pesquisa FAPESP nº 87), o estudo de que já participaram quase 2.500 pessoas acompanha as tendên-cias do envelhecimento do paulistano e agora inicia sua terceira fase.

D ois terços dos entrevistados relataram pelo menos uma queda desde que completaram

60 anos. Quanto maior a idade, maior o risco de cair, mas o mais surpreen-dente é que os fatores ambientais são um risco ainda maior do que os anos acumulados: idosos que se mudaram

idosos a partir dos 75 anos de idade, alternando visitas em domicílio e en-trevistas por telefone.

Verificaram que a síndrome da fra-gilidade é mais presente entre as mu-lheres – 17,3% delas, ante 12,3% dos homens – e entre os idosos mais lon-gevos. “As mulheres vivem mais tempo do que os homens mas, nesses anos que vivem a mais, muitas delas podem ter uma qualidade de vida pior, uma vez que a sobrevida pode vir acompanhada por períodos de incapacidade”, comen-ta Maria Lúcia.

Segundo a pesquisa, a população paulistana parece estar se fragilizando mais cedo do que se observa em países desenvolvidos, onde a síndrome é mais frequente depois dos 85 anos. No estu-do da USP foi observado que, em São Paulo, a condição muitas vezes já está instalada desde os 65 anos. Será preciso incluir idosos mais jovens na pesquisa para entender melhor como a síndrome se instala nessa população.

A fragilidade em si se torna uma li-mitação séria quando a pessoa não tem forças para manter a rotina normal e leva meia hora para chegar à esquina. Mas a associação com as quedas torna o problema ainda mais grave, sobretudo quando elas resultam em fraturas que exigem cirurgia, hospitalização e imobi-lização mais prolongada, que contribui para agravar o quadro de fragilidade.

“É preciso quebrar esse ciclo”, resu-me Maria Lúcia, que mantém parcerias com o Ministério da Saúde e com as secretarias correspondentes no esta-do e no município de São Paulo para, a partir da pesquisa, contribuir para implantar intervenções que ajudem a evitar ou reverter a fragilidade.

Academia - Um dos principais agravan-tes da predisposição às quedas é a falta de força muscular, de acordo com tra-balho de André Rodacki, especialista em biomecânica da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na caminhada comum, explica o pesquisador, a flexibilidade da musculatura dos quadris é essencial pa-ra melhorar o controle das pernas, e a força dos músculos extensores do joelho garante passadas mais largas e firmes. Num estudo com 20 mulheres idosas fazendo exercícios de alongamento di-recionados para a região do quadril três vezes por semana, publicado em 2009

“Uma queda é um indício de que a pessoa pode cair outra vez”

recentemente têm maior risco de cair na casa que conhecem mal do que aqueles que residem há muitos anos no mesmo local e já gravaram na me-mória os possíveis obstáculos.

O estudo mostrou também que um fator importante em torno das que-das é a síndrome da fragilidade, que tanto pode causar tombos como ser consequên cia deles. A síndrome pode ser identificada quando se observa pelo menos três de cinco sinais: perda de peso sem causa, diminuição da força muscular, fadiga, velocidade cada vez menor na caminhada e baixa na ativi-dade física. Yeda Duarte, da Escola de Enfermagem da USP, vem analisando essa questão em um subprojeto do estudo Sabe coordenado por ela, em colaboração com Maria Lúcia. A cada seis meses, desde 2008, elas avaliaram

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PESQUISA FAPESP 172 n juNho DE 2010 n 59

1. Efeito do treinamento de força muscular associado ou não à terapia de reposição hormonal em mulheres peri e pós-menopausais sobre os tecidos muscular, ósseo e equilíbrio - nº 07/54596-02. Estudo Sabe-2005: saúde, bem-estar e envelhecimento. Estudo longitudinal sobre as condições de vida e a saúde dos idosos no município de São Paulo - nº 05/54947-2

modAlIdAdE

1. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa 2. Projeto Temático

Co or dE nA dorES

1. Daniela de Abreu – FMRP/uSP 2. Ruy Laurenti – FSP/uSP

InvEStImEnto

1. R$ 59.571,39 2. R$ 472.509,34

Os PrOjetOs

artigos científicos

1. VOOS, M.C. et al. Relationship of executi-ve function and educational status with functional balance in older adults. Journal of Geriatric Physical Therapy. no prelo. 2. ABREU, D.C. et al. The association between osteoporosis and static balance in elderly women. Osteoporosis International. no prelo. 3. PINHEIRO, M.M. et al. Risk factors for recurrent falls among Brazilian women and men: the Brazilian Osteoporosis Study. Cadernos de Saúde Pública. v. 26, n. 1, p. 89-96. jan. 2010.4. BENTO, P. C. B. et al. Peak torque and rate of torque development in elderly with and without fall history. Clinical Biomechanics. v. 25, p. 450-4. jun. 2010.

na Gerontology, ele mostrou que bastam quatro semanas para melhorar o quanto a pessoa levanta os pés, o tamanho da passada e a velocidade.

Já é um belo passo no sentido de reduzir o risco de tombos, mas não o único. Quando se trata de evitar que um molho de chaves caia no chão ou de corrigir um tropeço, é preciso que os músculos sejam capazes de gerar força muito depressa, explica Rodacki. Me-lhorar essa capacidade, conforme ele mostra este mês na Clinical Biomecha-nics, envolve treino de potência para os músculos do joelho, fazendo movimen-tos rápidos num aparelho com pouco peso, um tipo de exercício raramente proposto a idosos. Ele agora vem pes-quisando maneiras mais interessantes de manter uma boa caminhada e um bom equilíbrio. “Esses exercícios são eficazes mas são muito chatos”, conta o pesquisador, que espera melhorar a adesão ao programa de exercícios com uma forma especialmente desafiadora de hidroginástica ou dança de salão com coreografias direcionadas.

Não limitado a ossos e músculos, o problema chega também à mente e abala a segurança do idoso. O medo de cair faz parte do dia a dia de 42% dos

homens e 60% das mulheres com mais de 60 anos, de acordo com resultados do Brazos publicados este ano nos Ca-dernos de Saúde Pública. Não é à toa: os idosos de fato têm mais dificuldade em integrar as informações do ambiente e correm mais risco de cair, segundo mostrou a fisioterapeuta Mariana Callil Voos na tese de doutorado em neuro-ciência defendida em janeiro pelo Ins-tituto de Psicologia da USP. “Confie na auto-avaliação do idoso”, aconselha a pesquisadora. “A não ser nos casos de demência, ele sabe o risco que corre.”

Entre os participantes de seu es-tudo, aqueles que completaram em menor tempo um teste cognitivo – em que o idoso precisa localizar números e letras impressos numa folha de pa-pel na ordem certa – também se saí-ram melhor na escala de equilíbrio, que envolve tarefas como girar, ficar de pé e levantar-se, conforme mostra artigo que será publicado em breve no Journal of Geriatric Physical Therapy. Mariana – que trabalha no Departamento de Fi-sioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da USP – também encon-trou uma correlação clara entre o medo de cair, medido por um questionário sobre tarefas normais do cotidiano, e dificuldades cognitivas.

Além do medo de cair, Mariana percebeu que a escolaridade tem um efeito importante sobre o risco de que-das, conforme indica a dificuldade em completar o teste cognitivo. “A média

de escolaridade entre os idosos brasi-leiros é de aproximadamente quatro anos”, afirma. O estudo mostrou que pessoas com menos anos de estudo têm mais dificuldades em integrar informa-ções, menos memória e coordenação, e portanto um equilíbrio mais precário. Além disso, completa a pesquisadora, elas têm menor poder aquisitivo e aces-so mais limitado a serviços de saúde e medicamentos, o que provavelmente agrava o problema.

Amelhor solução, de acordo com a fisioterapeuta, não é mandar os idosos de volta para a esco-

la. Ela viu que exercícios simples que treinam a integração cognitiva motora – fazer ao mesmo tempo um movimen-to e prestar atenção em algum ponto no ambiente, por exemplo – tornam os idosos mais ágeis em pouco tempo. Mariana planeja implantar um sistema de visitas em domicílio que ajude as pessoas mais velhas a integrar as infor-mações de seu próprio mundo. Para ela, a proposta é viável até financeiramente. “É muito mais barato para o país fazer uma intervenção pontual uma vez por mês do que manter um idoso hospita-lizado com fratura de fêmur.”

Um ponto em comum parece reunir pesquisadores de áreas de especializa-ção diversas em torno da mobilidade e equilíbrio dos idosos: andar pela rua, enfrentando calçadas esburacadas e degraus, não precisa ser mais difícil do que uma gincana com obstáculos e trechos percorridos com as pernas enfiadas num saco. Medidas simples e eficazes podem devolver vigor e prazer ao dia a dia depois dos 60 anos. n

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Preguiças estudadas tinham alga do gênero Trichophilus

O amigo oculto dapreguiça

Pelo de mamífero abriga um tipo de alga verde que vive em simbiose e não existe em mais nenhum lugar da natureza

[ ecologia ]

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PESQUISA FAPESP 172 n junho de 2010 n 61

Não é segredo para os biológos que o tom marrom-esverdea-do dos grossos pelos das pre-guiças se deve à presença de organismos clorofilados. Algas verdes e cianobactérias (algas azuis) escondidas na pelagem

ajudam esses lentos mamíferos que vi-vem trepados nas árvores a se camuflar na mata e despistar seus predadores. Mas os pesquisadores não imaginavam que essa parte do corpo das preguiças pu-desse abrigar um miniecossistema tão variado. Um estudo filogenético feito com amostras da pelagem de 71 animais, pertencentes às seis espécies de preguiça existentes, encontrou material molecular oriundo de 72 grupos distintos de or-ganismos – desde aranhas, mariposas, besouros e baratas até um grande núme-ro de micróbios. “Havia seres que eram produtores (algas), consumidores (pro-tozoários) e decompositores (fungos) de alimentos”, afirma o ecólogo Adriano Chiarello, da Pontifícia Universidade Ca-tólica de Minas Gerais (PUC-MG), um dos autores do trabalho, publicado em 30 de março deste ano na revista BMC Evolutionary Biology. “Isso não era espe-rado.” Outra informação interessante foi a grande incidência de um grupo de al-gas verdes do gênero Trichophilus, identi-ficadas na pelagem de 73% das preguiças analisadas, independentemente de sua origem geográfica.

O dado reforça a ideia de que há realmente uma antiga relação de sim-biose entre as preguiças e as algas. Esse tipo de mamífero só ocorre nas florestas tropicais da América Central e do Sul e os animais analisados no trabalho eram provenientes de quatro países: Brasil, Guiana Francesa, Costa Rica e Panamá. Os pesquisadores acreditam que uma espécie de alga verde, a Trichophilus wel-ckeri, descoberta há mais de um século e meio, seja encontrada na natureza apenas nos pelos das preguiças. “A alga foi descrita em 1841 em amostras da pelagem desses animais e nunca mais foi documentada em outros hábitats”, comenta a finlandesa Milla Suutari, da Universidade de Helsinque, outra autora do estudo. “Provavelmente ela não está presente em mais nenhum ambiente.” Se essa hipótese estiver correta, trata-se de uma alga que acabou se desenvolvendo

em paralelo à história evolutiva desses solitários escaladores de árvores, talvez estabelecendo uma estreita relação com seu hospedeiro por excelência.

Fonte de nutrientes - A pelagem das preguiças parece ser realmente um bom meio de cultura de algas. Tem estrias e fissuras e, ao contrário do pelo de ou-tros mamíferos, absorve água. Além de fornecer um despiste cromático para os mamíferos, as algas talvez sejam uma pequena fonte extra de nutrientes que seriam absorvidos via difusão pela pele das preguiças. Outras hipóteses ainda não testadas têm sido propostas para explicar essa estreita ligação entre algas e pregui-ças. As algas poderiam, por exemplo, produzir substâncias que deixariam os pelos com a textura mais apropriada para o crescimento de bactérias benéficas. Ou ainda produzir certos tipos de aminoáci-dos que absorveriam raios ultravioleta, ou seja, atuariam como protetores solares para as preguiças. As algas do gênero Tri-chophilus se perpetuam entre as preguiças passando provavelmente das mães para os filhotes, quando estes alcançam algu-mas semanas de vida, sugere o estudo. Entre os 19 animais que não abrigavam essas algas, sete eram bebês. Talvez no momento em que as amostras de pelo foram recolhidas para o estudo esses ten-ros filhotes ainda não tinham tido tempo de contato suficiente com as mães para adquirir o amigo verde.

As preguiças se dividem em dois gêneros: o Bradypus, em que estão as chamadas preguiças de três dedos, com quatro espécies (B. tridactylus, B. tor-quatus, B. variegatus e B. pygmaeus); e o Choloepus, as preguiças de dois dedos,

com duas espécies (C. didactylus e C. hoff-manni). A presença das algas verdes tam-bém parece seguir esse padrão, visto que as espécies de Trichophilus identificadas num gênero são aparentemente distintas das achadas no outro. Com exceção da B. pygmaeus, existente apenas numa ilha do Panamá, as outras cinco espécies são en-contradas no Brasil. Uma delas, a B. tor-quatus, popularmente conhecida como preguiça-de-coleira e que está ameaçada de extinção, só existe na Mata Atlântica brasileira. Por ser um bicho exclusivo das florestas nacionais, a preguiça-de-coleira foi a única representante brasileira no estudo sobre algas que vivem na pela-gem desse mamífero. Embora tenham sido identificados vários tipos de algas terrestres no pelo da B. torquatus, exem-plares do gênero Trichophilus não foram achados. Também na C. didactylus algas desse gênero não foram encontradas. Mas, como havia amostras de pelos de somente dois exemplares dessa espécie, não foi possível fazer uma análise mais definitiva nesse caso. “Gostaríamos agora de estudar a presença de algas em pregui-ças-comuns (B. variegatus) que têm uma ampla distribuição no Brasil, incluindo a Mata Atlântica e boa parte da Amazônia brasileira”, diz Chiarello. n

artigo científico

SUUTARI. M. et al. Molecular evidence for a diverse green algal community growing in the hair of sloths and a specific association with Trichophilus welckeri (Chlorophyta, Ulvophyceae). BMC Evolutionary Biology. publicado on-line em 30 mai. 2010.

Amostras da Trichophilus

welckeri: misteriosa

simbiose com a preguiça

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Marcos Pivetta

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O segredo de

Perseu

Simulações ajudam a explicar temperatura elevada do gás em aglomerados de galáxias

Salvador Nogueira

Uma galáxia gorda, velha e decadente que parece ter tomado emprestado gás de suas vizinhas para voltar a fabricar estrelas está ajudando um grupo de astrônomos a decifrar os mistérios dos aglome-rados de galáxias, os tijolos formadores das maiores estruturas do Universo. Com a forma de uma esfera achatada, a galáxia se localiza na direção da cons-

telação de Perseu, o mitológico herói grego que decapitou a Medusa, e é imensa: abriga de 10 a 100 vezes mais matéria do que a nossa galáxia – a Via Láctea, formada por cerca de 200 bilhões de estrelas – e mantém outras aprisionadas gra-vitacionalmente ao seu redor. Conhecido como aglomerado de Perseu, esse grupo de galáxias tem uma característica marcante que há tempos intriga quem o estuda: é permeado por uma gigantesca nuvem de gás muito rarefeito e quente, com algumas regiões apresentando temperaturas bem mais elevadas do que seria de esperar.

As leis da física preveem que, à medida que o gás das galá-xias vizinhas é atraído pela gravidade rumo à galáxia central – no caso, a NGC 1275, distante 235 milhões de anos-luz da Terra –, sua densidade deve aumentar enquanto sua tempe-ratura diminui acentuadamente. “Como o gás se torna mais denso próximo ao centro do aglomerado, as partículas que o formam colidem mais facilmente umas com as outras e perdem energia na forma de radiação”, explica a astrofísica Eli-sabete de Gouveia Dal Pino, que vem estudando o aglomerado n

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[ astrofísica ]

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 63

nGc 1275: galáxia gigante no coração do aglomerado de Perseu

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64 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

mais simples, isso pode acontecer se o buraco negro bambolear como um pião que perde velocidade.

A s simulações realizadas por Diego Falceta-Gonçalves, da Universi-dade Cruzeiro do Sul (Unicsul),

em São Paulo, produziram resultados similares aos observados na natureza quando o ângulo de variação do ei-xo era grande: 60 graus. No artigo do Astrophysical Journal Letters em que apresentaram os resultados no início de 2010, os pesquisadores explicam: como os jatos oscilam com o tempo, a energia liberada é aproximadamente igual em todas as direções. É como se os feixes de radiação funcionassem como as pás de uma batedeira que misturam os ingredientes do bolo para tornar a massa homogênea. Mas essa pode não ser a única explicação.

Em meados de 2008, Elisabete Dal Pino visitava a Universidade de Wiscon-sin em Madison, nos Estados Unidos, quando o astrônomo americano John Gallagher mostrou a ela um resultado que havia acabado de obter e nem se-quer havia publicado. Gallagher e seu grupo tinham feito medições dos fila-mentos de gás que existem ao redor da NGC 1275. “Ele ficou intrigado porque eles obtiveram mapas das velocidades dos filamentos e perceberam que alguns deles estavam se afastando da galáxia, e não se aproximando, como seria o esperado”, conta a astrofísica.

O resultado, publicado no ano se-guinte na Nature, era uma medição

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Vizinhança luminosa: milhares de galáxias orbitam a nGc 1275 (destaque)

de Perseu nos últimos anos. Assim, quanto maior a densidade e a proximi-dade da galáxia central, mais frio deve se tornar o gás. Isso, no entanto, não é bem o que acontece com Perseu.

A temperatura do gás do aglome-rado até diminui, é verdade. Mas não tanto quanto – nem como – deveria. Medições feitas por telescópios em ter-ra e no espaço revelaram que ela pas-sa de quase 10 milhões de graus nas regiões mais distantes da NGC 1275 para cerca de 3 milhões de graus por volta da metade do caminho. E depois se estabiliza, quando o esperado era que baixasse para algumas centenas de mi-lhares de graus. Esse efeito só se justifi-caria se algo estivesse reaquecendo o gás na região mais central do aglomerado, equilibrando a perda de calor.

H á algum tempo os pesquisadores até têm um candidato: um gigan-tesco buraco negro, com massa

equivalente à de centenas de milhões de estrelas como o Sol, situado bem no centro da NGC 1275. Os buracos negros são objetos tão densos e compactos que impedem que qualquer coisa escape de sua superfície, inclusive a luz. Mas na sua vizinhança é liberada muita energia. Antes de ser sugada e absorvida, a ma-téria que espirala ao redor do buraco

negro é acelerada pela gravidade. Parte dela, auxiliada por campos magnéticos, escapa em dois feixes estreitos que saem dos polos do buraco negro, originando os jatos de partículas que se deslocam a velocidades próximas à da luz. Esses jatos emitem ondas de rádio que são detectadas pelos astrônomos.

Imagens feitas a partir de outra for-ma de radiação, os raios X, mostravam que as proximidades do buraco negro da NGC 1275 – região do espaço tam-bém conhecida como núcleo galáctico ativo por emitir mais energia do que o restante da galáxia – liberavam energia suficiente para manter o gás aquecido na porção mais central do aglomera-do. Mas havia um mistério: como as temperaturas do gás podiam ser mais ou menos homogêneas, se os jatos de radiação gerados a partir do buraco negro eram tão estreitos?

Ao conduzir simulações em compu-tador, o grupo coordenado por Elisabete Dal Pino e Zulema Abraham, pesquisa-doras do Instituto de Astronomia, Geo-física e Ciências Atmosféricas da Uni-versidade de São Paulo (IAG-USP), na capital paulista, encontrou uma possível resposta. “As temperaturas poderiam ser as observadas, caso o núcleo galáctico ativo estivesse em precessão [mudança de inclinação no eixo de rotação]”, afir-ma Elisabete. A ideia pode ser traduzida assim: para manter a temperatura apro-ximadamente homogênea, é preciso que o eixo de rotação do objeto central varie de inclinação e os jatos oscilem distri-buindo melhor a energia. Ou, de modo

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 65

fonte de calor: jatos de partículas, à esquerda, aquecem o gás entre galáxias, ao lado

Artigos científicos

1. FALCETA-GONÇALVES, D. et al. Turbulence and the formation of filaments, loops and shock fronts in NGC 1275. The Astrophysical Journal Letters. v. 708 (1), p. L57-L60. 1 jan. 2010.2. FALCETA-GONÇALVES, D. et al. Precessing jets and X-ray bubbles from NGC 1275 (3C84) in the Perseus galaxy cluster: a view from 3D numerical simula-tions. The Astrophysical Journal Letters. v. 713 (1), p. L74-L78. 10 abr. 2010.

1. Investigation of high energy and plasma astrophysics phenomena: theory, observation, and numerical simulations – nº 2006/50654-32. Estudo numérico de plasmas magnetizados colisionais e não colisionais em astrofísica – nº 2009/10102-0

modAlIdAdE

1. Projeto temático2. auxílio regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dorES

1. Elisabete de gouveia Dal Pino – iag-uSP2. Diego falceta-gonçalves – unicsul

InvEStImEnto

1. r$ 342.429,602. r$ 110.400,00

Os PrOjetOs

supernovas poderia explicar o formato dos filamentos ao redor da galáxia cen-tral do aglomerado. O único problema é que supernovas recentes implicam formação estelar recente. E uma galá-xia como a NGC 1275 não tem mais matéria-prima para fabricar estrelas com massa elevada.

Em outra série de simulações, dessa vez em parceria com John Gallagher e Alex Lazarian, ambos de Wisconsin, Falceta-Gonçalves e Elisabete mostra-ram que o gás em queda proveniente das galáxias vizinhas poderia produzir uma onda de choque na superfície da NGC 1275 e gerar um súbito episódio de formação estelar. Estrelas com muita massa queimam seu combustível mais rapidamente do que astros menores co-mo o Sol, que precisam de bilhões de anos para esgotá-lo. Por isso, poderia haver uma onda de explosões de super-novas uns poucos milhões de anos após o processo de formação estelar.

C om auxílio de computadores, os pesquisadores reproduziram o que acontecia 120 milhões de anos –

simulados, é claro – após o nascimento das estrelas. O trabalho, também publi-cado no Astrophysical Journal Letters, indicou que a interação da radiação emitida pelo núcleo galáctico ativo com as turbulências geradas pelas superno-vas produz um padrão de filamentos muito parecido com o observado ao re-dor da NGC 1275. “Cada simulação, em resolução máxima, de 100 milhões de pixels, demora cerca de 20 dias para ser completada”, conta Falceta-Gonçalves, que conduziu a maior parte dos testes e é o primeiro autor dos artigos.

Esses trabalhos apresentam, sem dúvida, explicações plausíveis para os mistérios da NGC 1275. Mas como sa-ber qual é a real causa da distribuição homo gênea de temperatura do gás e dos filamentos observados ao redor da galá-xia? Uma das formas de comprovar essas explicações seria procurar, com o auxílio de telescópios, sinais deixa-dos por estrelas com massa muito elevada e por supernovas nas regiões mais externas da NGC 1275. Outra estratégia, mais ao alcance da equipe brasileira, é realizar novas simula-ções, dessa vez combinando o efeito da precessão do núcleo galáctico ativo com a explosão das supernovas nas bordas da galáxia e verificar o que acontece.

De toda forma, já se avançou um pouco mais na compreensão da dinâ-mica de aglomerados de galáxias como o de Perseu – e, por extensão, do aglo-merado do qual faz parte a Via Láctea. Esses tijolos do Universo, que numa escala maior se organizam em supe-raglomerados, ainda guardam muitos segredos. Mas, por sorte, os astrônomos não desistem facilmente. n

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inesperada. Indicava que alguma força estava contrabalançando a gravidade e empurrando o gás para fora da NGC 1275. Além disso, forças magnéticas fa-ziam os filamentos arquear. Era pouco provável que o núcleo galáctico ativo, por mais poderoso que fosse, estivesse produzindo o fenômeno sozinho. O que estaria acontecendo?

“Foi aí que eu tive a ideia das su-pernovas”, diz a pesquisadora brasilei-ra. Supernova é o nome que se dá a uma estrela com massa muito elevada que consumiu todo o seu combustí-vel e explodiu. É um dos eventos mais energéticos do Universo. Uma série de

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Biblioteca deRevistas Científicasdisponível na internetwww.scielo.orgo

das foram analisados seis setores ao longo da quebra daplataforma continental brasileira: Sul (Wl), Sudeste (W2),Central (W3), Leste (W4), Nordeste (W5) e Norte (W6).W1, W2 e W3 possuem os regimes de ondas controladospela alta subtropical do Atlântico Sul e pela passagem defrentes frias sinóticas; W4, W5 e W6 são controlados pelazona de convergência intertropical e sua oscilação meri-dional. As ondas mais energéticas são as geradas por ventosintensos associados à passagem de frentes frias, afetandoprincipalmente as regiões Sul e Sudeste do país. A energiadas ondas apresenta um decréscimo de sul para norte, com asua variação anual mostrando que no período de inverno asondas são mais energéticas nos setores W1 a W4, enquantonos setores W5 e W6 as condições mais energéticas ocorremnos meses de verão do hemisfério Sul.

BRAZILIAN JOURNAL OF OCEANOGRAPHY - VOL. 58 - NO 1-

SÃO PAULO - JAN.!MAR. 2010

• Tecnologia de alimentos

Vinhos brasileiroso trabalho "Discriminação de vinhos tintos brasileiros

de acordo com a região vitícola, varietal e vinícola': de Al-berto Miele, Luiz Antenor Rizzon e Mauro Celso Zanus, daEmbrapa Uva e Vinho, avaliou a composição físico-quími-ca de 171 vinhos tintos brasileiros feitos na safra de 2006,representados por 21 varietais (feitos por um tipo de uvapredominantemente ou exclusivamente). Os vinhos forampreparados por 58 vinícolas localizadas em sete regiões dopaís com latitudes variando de 9° a 31° Sul. Os resultadosmostraram que, ao se considerar as regiões vitícolas, as be-bidas de São Joaquim caracterizaram-se por valores maiselevados de A420, A520,A620, intensidade de cor, compostosfenólicos totais, antocianinas e extrato seco, enquanto as deToledo apresentaram valores mais baixos dessas variáveis; asdo Vale do São Francisco tiveram valores mais elevados depotássio, pH, densidade e acidez volátil; as da Serra do Nor-deste A, maior acidez titulável; e as do Planalto Superior B,matiz mais elevado. No que se relaciona aos vinhos varietais,a análise de componentes principais discriminou os vinhosfeitos com as variedades Ancellotta, Teroldego, Egiodola,Refosco, Marselan, Cabernet Sauvignon, Pinotage, PinotNoir, Malbec, Arinarnoa, Barbera e Alfrocheiro.

CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS - VOL. 30 - N° 1 -

CAMPINAS - JAN.!MAR. 2010

Notícias

• Zoologia

Aves da Mata AtlânticaA Estação Ecológica dos Cae-

tetus possui um dos maiores re-manescentes de mata estacionalsemidecídua (que perde partedas folhas) ainda presentes noestado de São Paulo. Poucosestudos foram realizados nessalocalidade, extremamente im-portante no que diz respeito àsaves da Mata Atlântica do inte-rior paulista. Para caracterizara avifauna da estação com dados recentes e contribuir comnovos registros, foi realizado um levantamento da avifaunaentre outubro de 2005 e dezembro de 2006. Foram registradas226 espécies, enquanto diversos autores registraram outras68, para um total de 293 (acima um Leucochloris albicollis,o beija-flor-do-papo-branco). Muitas delas são endêmicas daMata Atlântica ou do Cerrado e algumas são ameaçadas noestado, justificando a existência dessa unidade de conservaçãoe provando a necessidade de inventários em longo prazo e dapreservação de fragmentos de mata estacional semidecíduanativa. O trabalho está no artigo "Avifauna da Estação Eco-lógica dos Caetetus, interior de São Paulo, Brasil", de VagnerCavarzere, Gabriel Parmezani Moraes e Reginaldo José Do-natelli, da Universidade Estadual Paulista (Bauru).

PAPÉIS AVULSOS DE ZOOLOGIA (SÃO PAULO) - VOL. 49-NO 35 - SÃo PAULO - 2009

• Oceanografia

Clima de ondas ao largo da costaO artigo "Brazilian offshore wave climate based on NWW3

reanalysis", de Cássia Pianca e Eduardo Siegle, do InstitutoOceanográfico da Universidade de São Paulo, e Piero LuigiF. Mazzini, do College of Oceanic & Atmospheric Sciences(Estados Unidos), apresenta o clima de ondas da região aolargo da costa brasileira com base em uma série temporal de11 anos (janeiro de 1997 a dezembro de 2007). Informaçõessobre o regime de ondas no Brasil são escassas e baseadas emobservações ocasionais de curto período, sendo a presenteanálise inédita na escala espaço-temporal apresentada, deacordo com os autores. Para a definição do clima de on-

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• Jornalismo científico que realizam missões na selva. Foram selecionados 51 milita-res da região amazônica que responderam um questionárioem junho/2008. Os resultados mostraram que 63,7% delesusaram produtos contendo Deet (composto químico queserve como repelente de insetos) na concentração máximade apenas 15%, que possui mínima ação de repelência; 36%relataram usar protetor solar associado; 36,4% fizeram usode um repelente natu-ral em suas missões;dois militares usaramvitamina B e conside-raram a sua ação derepelência ineficaz. Osrepelentes à base deDeet utilizados pelogrupo estudado apre-sentam concentraçõesinferiores às consideradas seguras para uso em ambientede selva. Foi frequente a associação do Deet com protetorsolar, uma combinação potencialmente tóxica. Os repelentesnaturais à base de andiroba e copaíba apresentaram o maiorgrau de percepção de proteção.

ANAIS BRASILEIROS DE DERMATOLOGIA - VOL. 85 - NO 1-

RIO DE JANEIRO - JAN.!FEV. 2010

• Saúde coletiva

Sintomas indefinidosOs sofredores de sintomas indefinidos - pacientes que apre-

sentam sintomas sem uma lesão orgânica ou uma causalidadereconhecida - correspondem a uma parcela importante dademanda ambulatorial e podem ser considerados uma "ano-malia" para o modelo biomédico. O atendimento qualificadodesta demanda representa, ainda hoje, um desafio para a aten-ção médica. No artigo "Os sofredores de sintomas indefinidos:um desafio para a atenção médica?'; de Cada Ribeiro Guedese Kenneth R. de Camargo Ir., do Instituto de Medicina Socialda Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Maria InêsNogueira, do Instituto de Saúde da Comunidade da Universi-dade Federal Fluminense, os autores apresentam as principaisestratégias utilizadas por médicos de diferentes especialidadesdo hospital-escola de uma faculdade de medicina do Rio deJaneiro, para lidar com essa demanda. A partir de uma análisequalitativa de 10 entrevistas com os médicos, os pesquisadoresconstataram que a maioria deles apresenta estratégias limitadase não resolutivas ao abordar essespacientes. Uma das principaisconclusões do presente estudo é que tais dificuldades podemestar atreladas à formação médica, visto que as questões ligadasà relação médico-paciente, sobretudo no que diz respeito aosaspectos subjetivos e à singularidade do sofrimento humano,não são valorizadas no ensino.

PHYSIS: REVISTA DE SA ÚDE COLETIVA - VOL. 19 - NO3 - RroDE JANEIRO - 2009

> O fink para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo'níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br

Revistas de divulgaçãoNo artigo "Especificidades do jornalismo científico na

leitura de textos de divulgação científica por estudantes delicenciatura em física'; de Ricardo Henrique Almeida Diase Maria José P.M. de Almeida, da Universidade Estadual deCampinas, os autores fazem uma síntese sobre elementosespecíficos do jornalismo científico e identificam a presençade alguns desses elementos nas interpretações de licenciandosem física ao lerem textos de divulgação científica das revistasPesquisa FAPESP e Ciência Hoje.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE F/SICA - VOL. 31 -

N° 4 - SÃo PAULO - OUT.!DEZ. 2009

• Administração

Sistema de franquiasO sistema de franquias movimenta na economia brasileira

cerca de R$ 46 bilhões/ano por meio de 1.197 redes quelicenciam 65.500 unidades, gerando quase 600 mil empre-gos diretos. Nos Estados Unidos o número é muito maior,com cerca de 760 mil unidades franqueadas e movimentode US$ 1,53 trilhão/ano. O objetivo do estudo "Publicaçãocientífica nacional e internacional sobre franchising: levan-tamento e análise do período 1998 - 2007", de Pedro Lucasde Resende Melo, da Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo, e Tales Andreassi, da Fundação Getúlio Vargas, édesenvolver uma meta-análise sobre franchising, envolvendo61 artigos científicos nacionais e internacionais publicadosde 1998 a 2007. São abordadas as seguintes questões: co-mo tem evoluído a pesquisa científica em franchising; emquais veículos acadêmicos estão vinculados; as principaistemáticas abordadas; os vínculos institucionais dos auto-res; a participação de estados e países; a predominância dedeterminados autores; os métodos de pesquisa utilizadose os segmentos econômicos de aplicação.

REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO CONTEMPORÂNEA - VOL. 14-NO 2 - CURITIBA - ABR. 2010

• Dermatoloqia

Uso de repelentes na selvaNo Brasil, doenças provocadas por picadas de insetos são

frequentes, o que torna importante a execução de medidasprofiláticas de forma adequada, sobretudo em áreas endê-micas como a Amazônia, que recebe um grande contingentede visitantes, a trabalho ou turismo (na foto mosquito dogênero Anopheles). O objetivo do estudo "Avaliação do usode repelentes contra picada de mosquitos em militares nabacia Amazônica", de lonas Ribas, da Universidade Federaldo Amazonas, e Ana Maria Carrefio, médica do ComandoAéreo Regional da Força Aérea Brasileira, foi avaliar o uso dosrepelentes de insetos disponíveis no mercado por militares

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:LlNHA DE PRODUÇÃO MUNDO

IVACINAEM ADESIVOS

Um dos mais gravesproblemas de saúde denações subdesenvolvidas éa baixa taxa de imunizaçãode suas populações a doençaspara as quais já existemvacinas. Uma questão sériaé a necessidade de manteras vacinas sob refrigeração,para que não percamsua eficácia, o que nemsempre é possível em razãodas condições existentesem lugares mais remotosdesses países. Estima-seque metade das vacinasusadas na África é insegurapor conta desse problema.Pensando nisso, umgrupo de pesquisadoresda Universidade deQueensland, na Austrália,desenvolveu um métodoalternativo que dispensao uso de agulhas e mesmode refrigeração. A novavacina vem em adesivoscutâneos menores do queum selo de carta e, segundoseus inventores, usa

100 vezes menos materialde imunização do queas vacinas convencionais,com os mesmos resultados.Batizada de Nanopatch,a técnica é eficiente porquemira em uma camadalogo abaixo da superfícieda pele rica em células quegeram uma resposta deimunização do organismo.Outra vantagem é queo Nanopatch não requermão de obra especializadapara sua aplicação.O produto funcionou bemem camundongos e apróxima etapa é a realizaçãode testes em humanos. Setudo correr bem, deve entrarno mercado em cinco anos.

Injeçãointramuscular Injeção

intratérmica

- Camada externa- Epiderme_Derme

Subcutânea__ Músculo-Vacina

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AViÕES MAISSUSTENTÁVEISDois projetos de aeronaves que usam 70%menos combustível em relação aos modelosem atividade, além de serem mais silenciosas eemitirem bem menos óxido de nitrogênio (NOx),um dos gases responsáveis pelo efeito estufa,foram elaborados por uma equipe liderada porengenheiros do departamento de aeronáuticae astronáutica do Instituto de Tecnologia deMassachusetts (MIT). Eles contaram tambémcom pesquisadores das empresas Boeing, GE,Northrop Grumman, Lockheed-Martin, AuroraFlíght e Pratt & Whitney. Os modelos trazemmodificações radicais na fuselagem e nas asas

a fim de obter melhor sustentação. Um dos aparelhos foi pro-jetado para transportar 180 passageiros em voos domésticose pode, um dia, substituir os aviões da família do Boeing 737.O outro, para 350 passageiros, é destinado a viagens inter-nacionais e concorreria com o Boeing 777. Os projetos foramapresentados à Agência Espacial Norte-americana (Nasa) emmaio e fazem parte de um programa de pesquisa, orçado emUS$ 2,1milhões, cujo objetivo é desenvolver projetos de aviõesmais econômicos e menos agressivos ao ambiente.

FUNDOS DAINOVAÇÃO

e a Escola de NegóciosFox da Universidade deTemple, ambas dos EstadosUnidos, mostra que, emrelação a um estudode 2009, aumentou em 40%o percentual de fundos decapital de risco e angels(financiadores individuais)

Uma pesquisa feita pelaNational Associationof Seed and Venture Funds(NASVF), que reúneempresas e investidores defundos de capital de risco,

Microaqulha

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focados no investimentode companhias nascentes.A NASVF é uma organizaçãonão governamental queapoia investimentosem empresas por meiode programas de capitalpara inovação, enquantoa Fox é uma das líderes emempreendedorismo nosEstados Unidos. Entre osfundos citados, 69% têmaté US$ 20 milhões sobsua gestão e 85% delesfocam empresas dasáreas de tecnologia,de base científica, software,internet, comunicaçãoe mídia. Metade (51%)dos profissionais dosfundos pretende investirmais dinheiro no futuroe 18% afirmam que ovalor médio investido(entre US$ 500 mil eUS$ 1milhão) aumentou18% quando comparadoao estudo anterior.

IENZIMAS PARABIOCOMBUSTíVEIS

Elevar a produção debiocombustíveis, tornandoo processo mais eficiente,e, ao mesmo tempo,reduzir os custos deprodução. Esses são osprincipais objetivos daparceria estabelecida entrea empresa Ceres, dosEstados Unidos, produtorade culturas agrícolas comobjetivo energético, e aNovozymes, da Dinamarca,fabricante de enzimasindustriais. O acordo,firmado no final de maio,prevê que as duas empresasirão intensificar pesquisasvisando ao desenvolvimentode variedade de plantase coquetéis de enzimasmais eficazes para produçãode biocombustívela partir da celulose devárias culturas. Segundo

MICROSCÓPIO ILUMINADOUm microscópio minúsculo é a mais nova promessa para me-lhorar o diagnóstico de doenças e monitorár com mais eficáciaa qualidade da água em países subdesenvolvidos que sofre-ram desastres naturais, como terremotos e tsunamis. Comapenas 46 gramas, o aparelho é fácil de operar e pode sermanuseado por qualquer pessoa que consiga preparar umalâmina de microscopia. O funcionamento é simples: o diodoemissor de luz (LED) do microscópio ilumina a amostra e criauma imagem holográfica, que é capturadadigitalmente e enviada via celular ou e-mailpara um computador onde as informaçõesserão processadas. O projeto utiliza umatecnologia conhecida como Lucas (sigla eminglês para sistema de monitorização celularsem lentes de ultrarresolução) e destina-seà detecção de doenças como malária, debactérias ou para contagem de células desangue. Segundo o coordenador do estudo,professor Aydogan Ozcan, da Universidadeda Califórnia, em Los Angeles (Ucla), testesde campo devem ocorrer ainda neste ano.

comunicado divulgadopelas empresas, as culturasenergéticas, como sorgo,miscanto e um capimchamado de switchgrass,têm um papel importantea desempenhar nofuturo mix de energiasustentável do mundo.Os pesquisadores da Ceresplanejam desenvolvervariedades de plantas quepossam ser mais facilmentedegradadas pelas enzimasdas Novozymes. Ascompanhias trabalharãoinicialmente paraidentificar os melhorescoquetéis de enzimas parao biorrefino dos produtosde sementes de switchgrasscomercial da Ceres.

ICATALlSADORDO HIDROGÊNIO

Pesquisadores daUniversidade da Califórnia,em Berkeley, nos EstadosUnidos, descobriram umcatalisador, substânciaque acelera reações químicas,feito de um metal debaixo custo capaz de gerarhidrogênio a partirde água poluída. A substânciatambém funciona comágua marinha. De acordocom líderes da pesquisa,que envolveu tambémpesquisadores doLaboratório NacionalLawrence Berkeley, ocatalisador é baseado numcomplexo metálico deoxo-molibidênio e tornao processo 70 vezes maisbarato do que a eletróliseusada atualmente paraquebrar a molécula de água.O novo catalisador nãorequer aditivos e torna-seimportante no cenáriofuturo de energias renováveisporque o uso do hidrogêniopara produzir eletricidadegera, como resíduo,apenas vapor-d'água.

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:LlNHA Df PRODUÇÃO BRASIL

LíDER ENTREOS GRANDES

Primeiro lugar em confiabilidadee disponibilidade. Na avaliaçãodo mês de abril feita pela Orga-nização Europeia de PesquisaNuclear (Cern), o Centro Re-gional de Análises de São Pau-lo (Sprace, na sigla em inglês),instalado no Instituto de FísicaTeórica da Universidade EstadualPaulista (Unesp) em São Paulo,ficou à frente de instituições co-mo o Instituto de Tecnologia daCalifórnia (Caltech) e o Institutode Tecnologia de Massachusetts(MIT), nos Estados Unidos, pelotrabalho realizado no processa-mento de dados do acelerador departículas Large Hadron Collider(LHC) ou grande colisor de hádrons instalado na divisa daSuíça com a França. Esse experimento necessita de 165grupos de computadores em todo o mundo para processaras informações. A conexão com o Cern é feita por cabosde fibras ópticas, inclusive submarinos, numa velocidadede transmissão de 10 gigabits por segundo (Gbps) dispo-nibilizados para os pesquisadores pela Rede Acadêmicado Estado de São Paulo (Ansp), financiada pela FAPESP.Os pesquisadores do Sprace também desenvolveram umgame educativo para transmissão de conceitos de física departículas, destinado a alunos do ensino médio. Ele podeser acessado no site <www.sprace.org.br>.

IAPARELHO MEDESAÚDE DE PLANTAS

Agropecuária, de SãoCarlos, no interior paulista ..Registrado com o nomecomercial de Wiltmeter,uma junção das palavraswilt (murchar) e meter(medidor), o instrumentoindica o grau de saúdedas plantas e o seucomportamento em relaçãoàs variedades de clima,solo, temperatura, umidade

Um equipamento portátile fácil de usar, destinadoa medir a firmeza das folhasde verduras após a colheitano campo e duranteo armazenamento, está emprocesso de licenciamentode patente pela EmbrapaInstrumentação

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de ar e disponibilidadede água. A avaliação como equipamento demora cercade dois a três minutosapenas. Atualmente, a medidada pressão da. água dasplantas é feita no campotocando as folhas, de maneirasubjetiva. O processo delicenciamento envolve desdeo desenvolvimento até acomercialização datecnologia. Estudos feitosna Embrapa mostraramque o equipamento produzresultados próximos aosobtidos com a sondade pressão, utilizada emlaboratórios para medira hidratação das folhas.O Wiltmeter poderá serusado ainda para medir aqualidade comercial de florese plantas ornamentais e paraestudos de fisiologia vegetale ecofisiologia em instituiçõesde ensino e pesquisa.

IBANHOECONÔMICO

O chuveiro elétrico é umaopção econômica também nogasto de água se comparadocom outros sistemas.Um estudo do CentroInternacional de Referênciaem Reúso de Água, ligadoà Escola Politécnica daUniversidade de São Paulo,sob a coordenação doprofessor Ivanildo Hespanhol,mostrou que um banho deoito minutos custa, em média,R$ 0,27, valor relativo aoconsumo de água e energiacom chuveiro elétrico. Comaquecedor solar combinadoao chuveiro elétrico o valoré de R$ 0,30. Banho idênticosai por R$ 0,46 apenas comaquecedor solar, R$ 0,59com aquecedor a gás eR$ 1,08 com boiler elétrico.O estudo teve apoioda Associação Brasileira daIndústria Elétrica e Eletrônica.

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ICAPACIDADEAMPLIADA

o Centro Nacionalde Processamento deAlto Desempenho(Cenapad) de São Paulo,instalado na UniversidadeEstadual de Campinas(Unicamp), terá umacapacidade computacional24 vezes maior do quea atual a partir dosegundo semestre desteano. Atualmente, oCenapad conta com1,5 teraflop (trilhão deoperações) por segundode capacidade e comos novos equipamentosIBM, comprados comapoio da FAPESP novalor de US$ 1,35 milhão,chegará a 37 teraflops.A computação de altodesempenho permiteo desenvolvimentode pesquisas em física,química, engenharia,nanociência, simulaçãode fármacos e genoma.O Cenapad-SP éum dos oito centrosque compõem oSistema Nacional deProcessamento de AltoDesempenho (Sinapad),implantado peloMinistério da Ciênciae Tecnologia.

Os livros didáticos da Funda-ção Paula Souza serão im-pressos em papel sintéticoproduzido a partir de plásticosreciclados. A empresa Vitopel,fabricante de filmes flexíveis edetentora da tecnologia mun-dial para produzir o Vitopaper,vai fornecer 170 toneladas dopapel que não molha, não ras-ga e pode ser reciclado paraimpressão de 261 mil livrosda fundação. A tecnologia foidesenvolvida pela professoraSati Manrich, do Departamen-

to de Engenharia de Materiais da Universidade Federal deSão Carlos (UFSCar), em colaboração com a Vitopel ttetemais sobre o assunto na edição nO 155 de Pesquisa FAPESP)e apoio da FAPESP.A matéria-prima utilizada para fabrica-ção são garrafas de água, potes de alimento e embalagensde limpeza descartados após o consumo. Além de livros, opapel sintético pode ser usado em cadernos, rótulos e outrasaplicações. Desde que a empresa lançou o papel sintético noano passado, já foram fabricadas mais de mil toneladas e aexpectativa é, ainda este ano, triplicar a produção.

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ISUCESSODOS JOVENS

Os estudantes brasileirosque participaram da FeiraInternacional de Ciênciase Engenharia Intel Isefrealizada nos dias 13 e 14de maio em San Jose, naCalifórnia, nos EstadosUnidos, voltaram para casacom 19 prêmios e duasmenções honrosas. Entreos premiados estãoKaroline Elis Lopes Martins,do Centro Federal deEducação Tecnológicade Belo Horizonte (MG),com o projeto "Construçãode um sistema de fluxo

contínuo com garrafas PETintegrado a um sistema deágua e de jratamento deresíduos", e William Lopes,da Fundação Escola TécnicaLiberato Salzano Vieira daCunha, de Novo Hamburgo(RS), com "Utilização do

Estudantesbrasileirosganham19 prêmiosem feiranos EstadosUnidos

LIVROS DEPAPEL PLÁSTICO

fungo Aspergillus nígerem tratamento de águasresiduais': Eles conquistaramo primeiro lugar na categoriaAgentes da Mudança doPrêmio Google, uma dasprincipais da competição, ereceberam US$ 10 mil cadaum. Dos 27 estudantes deensino médio de escolasbrasileiras que participaramda Intel Isef, 13 deles foramselecionados por meio daFeira Brasileira de Ciênciase Engenharia (Febrace),realizada entre os dias9 e 11 de março na EscolaPolitécnica (Poli) daUniversidade de São Paulo,e o restante pela MostraInternacional de Ciênciae Tecnologia (Mostratec) epela Escola Americanade Campinas.

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tecnologia

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pESQUISA FApESp 172 n junho DE 2010 n 73

Brilho maiorLaboratório finaliza projeto de um novo anel para produção de luz síncrotron

Marcos de Oliveira

[ Física ]

Elétrons produzem radiação visível, raios X e ultravioleta

O maior instrumento de pesquisa científi-ca e tecnológica do país deverá ganhar uma versão maior e mais potente até 2015. O projeto para uma nova fonte de luz que terá soluções inovadoras na sua construção está quase finaliza-do por pesquisadores do Laboratório

Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) localizado em Campinas, no interior paulista. Aberto a pesquisadores de instituições acadêmicas e de empresas, brasileiros ou estrangeiros, com estu-dos ou projetos tecnológicos que contemplem a necessidade de desvendar, por meio do uso da radiação síncrotron, a estrutura atômica de materiais como polímeros, rochas, metais, além de proteínas, moléculas para medicamentos e cosméticos, ou mesmo imagens tridimensio-nais de fósseis ou até de células. Essa radiação é gerada por elétrons que são produzidos num acelerador e inseridos dentro de um anel metá-lico com 93 metros (m) de circunferência – o novo terá 460 m de circunferência – em meio a um ambiente de ultra-alto vácuo. Eles ficam circulando quase na velocidade da luz e quan-do passam por ímãs ao longo do anel sofrem uma deflexão provocada pelo campo magnético. Como consequência dessa alteração, fótons são emitidos resultando na chamada luz síncrotron. São ondas eletromagnéticas como frequências de raios X, ultravioleta e até de luz visível – esta última pouco usada em experimentos científicos – que são aproveitadas pelos pesquisadores no LNLS em 14 estações de trabalho ou linhas de luz espalhadas em pontos do anel.

A nova fonte já ganhou o nome de Sirius – escolhido entre sugestões de funcionários – em referência à estrela mais brilhante no céu notur-no. A construção desse instrumento é impor-tante porque o atual está se tornando obsoleto. O Síncrotron brasileiro completa 13 anos de serviço em 2010, e as exigências científicas e tecnológicas indicam a necessidade de um equi-pamento mais atualizado. “A evolução é neces-sária porque a ciência, no fundo, é competição. As perguntas importantes e relevantes, nessas áreas atendidas pelo Síncrotron, são sempre novas, porque parte das antigas já foi respondi-da. Então, as novas exigem equipamentos mais sofisticados”, diz o físico Antônio José Roque da Silva, diretor do LNLS desde julho de 2009 e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Uma das vantagens de um laboratório como o Síncrotron é o caráter in-terdisciplinar com pesquisadores em biologia,

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nm.rad. Isso significa maior brilho num feixe de radiação menor e com ângulo de abertura também menor. Ela deverá ser uma das fontes mais brilhan-tes do mundo. O Synchrotron Soleil, por exemplo, construído na cidade de Saint-Aubin, na França, inaugurado em 2006, tem emitância de 3,7 nm.rad e o Diamond, localizado em Oxfordshire, na Inglaterra, que começou a funcionar em 2007, possui 2,7 nm.rad.

“Das 50 fontes de radiação síncro-tron no mundo apenas 30 são abertas a pesquisadores de fora da instituição a que pertence o laboratório. São 11 na Europa, 7 nos Estados Unidos, 10 na Ásia, 1 na Austrália e 1 na América do Sul, que é o LNLS. Se a segunda fonte não for construída, o Brasil e a Amé-rica do Sul vão desaparecer do mapa da radiação síncrotron do mundo’’, diz o físico francês Yves Petroff, dire-tor científico do LNLS desde dezembro de 2009 e responsável pelos objetivos científicos do projeto da nova fonte. Dos 1.656 usuários do LNLS em 2009, 20% eram de países latino-americanos e, desse total, 14% argentinos. Desses estudos resultaram cerca de 250 artigos publicados em revistas científicas.

Produzidos em canhões (1) com um sistema de alta voltagem, os elétrons são lançados num acelerador linear (2), acelerados na velocidade próxima à da luz no anel injetor (3) e inseridos no anel de armazenamento (4). nesse anel, os elétrons perdem energia ao formarem a radiação síncrotron depois de serem desviados pelo campo eletromagnético dos dipolos (5). Para repor a energia, os elétrons recebem uma alta frequência eletromagnética nas cavidades de radiofrequência (6). A luz síncrotron é captada nas linhas de luz (7) e utilizada nas estações de trabalho (8).

Diagrama Do síncrotron atual

ciências dos materiais, tecnologia, ener-gia e paleontologia. “Com o LNLS, o país pode competir em várias áreas e utilizar o mesmo laboratório, simulta-neamente, ao longo do ano inteiro para fazer seus experimentos.”

O projeto do novo Síncrotron está sendo totalmente desenhado no Brasil para ser um laboratório de

terceira geração. O atual é de segun-da. Hoje existem cerca de 50 fontes de luz síncrotron no mundo, sendo 16 de terceira geração que começaram a fun-cionar a partir de 1994. Elas são carac-terizadas por possuírem uma radiação mais brilhante, com maior quantidade de luz gerada e baixa emitância, unida-de de grandeza usada para determinar o tamanho e a divergência (espalhamen-to) do foco da fonte de luz. “Quanto menor a emitância, maior é a possibi-lidade de focalização do feixe produzi-do”, explica o engenheiro civil e físico Ricardo Rodrigues, diretor técnico do projeto da nova fonte, que participou da construção da primeira, inaugura-da em 1997. A Sirius está sendo proje-tada para ter 1,7 nanômetro-radiano (nm.rad), enquanto a atual possui 100

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“Países menores como Espanha, Co-reia do Sul e Taiwan estão construindo fontes de terceira geração”, diz Petroff. Com 73 anos, ele tem um longo per-curso em laboratórios síncrotrons do mundo. Foi diretor-geral do European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), em Grenoble, na França, de 1993 a 2001, além de ter trabalhado em laboratórios semelhantes nos Estados Unidos. Tam-bém assumiu as diretorias científicas do Laboratório para Utilização da Ra-diação Eletromagnética (Lure, na sigla em francês) e do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês). Participa de vários comitês científicos de síncrotrons, inclusive o do LNLS desde a fase de implantação em 1988. “É interessante notar que o número de usuários do Departamento de Energia em quatro síncrotrons nos Estados Unidos cresceu 40%, de 6 mil para 8.400, entre 2000 e 2008, enquanto os usuários do francês ESRF cresceram 36% entre 2003 e 2009”, diz. “Grande parte desse crescimento se deve ao uso dessa radiação para estudos de estru-turas biológicas. Todas as companhias farmacêuticas, por exemplo, utilizam as linhas de luz para esse fim.” Ele lembra também que recentemente a exploração de específicas propriedades do raio X produzido pelas máquinas síncro-tron estão permitindo obter imagens tridimensionais de qualquer objeto com resolução abaixo do micrômetro (um milímetro dividido por mil) como em estudos de paleontologia, arqueolo-gia e meio ambiente. “Convidei o Yves Petroff para reestruturarmos a divisão científica do LNLS e para ele ajudar nos objetivos da ciência que se quer fazer com a nova fonte e as novas linhas de luz que estão ficando cada vez mais so-fisticadas”, diz Roque.

Ímãs permanentes – Além de atingir as especificações exigidas de uma fonte de luz síncrotron de terceira geração, o projeto contempla uma profunda redu-ção no consumo de eletricidade. Para isso novas soluções já estão sendo testa-das dentro do LNLS utilizando tecnolo-gias inovadoras. A primeira é a adoção de ímãs permanentes, uma novidade mundial para esse tipo de laboratório. Esses ímãs serão utilizados na constru-ção dos dipolos, responsáveis pela pro-dução do campo magnético que serve

para desviar a trajetória dos elétrons no interior do anel. Assim formam-se os fótons, chamados de luz síncrotron, captada e filtrada, entre as várias ondas eletromagnéticas presentes no feixe nas linhas de luz. Esses dipolos hoje funcio-nam por meio de eletroímãs, que são formados por metais envoltos por fios que quando recebem corrente elétrica se transformam em ímãs. Eles exigem uma série de outros instrumentos aco-plados como sistema de refrigeração e bobinas que gastam muita eletricidade. “Os ímãs permanentes são semelhantes aos ímãs de geladeira”, compara Rodri-gues. Eles não necessitam de energia elétrica para funcionar e são vendidos comercialmente no mundo inteiro. São feitos de ferrite, um material barato, e de ligas com neodímio, ferro e boro. Até agora existe apenas uma máquina no mundo, um acumulador de antipró-tons, no Fermilab, nos Estados Unidos, que funciona com ímãs permanentes. “Ninguém ainda teve coragem de fazer

linhas de luz: áreas de

trabalho para pesquisadores de instituições acadêmicas ou

de empresas ED

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isso em síncrotrons, embora o conheci-mento desses materiais tenha avançado bastante”, diz Rodrigues. A redução do consumo de energia pesa muito nessa decisão. Com os ímãs permanentes espera-se uma economia de 6,5 giga-watts-hora (GWh) por ano – cerca de R$ 4,5 milhões por ano.

O utra inovação desenvolvida no Sín-crotron, em colaboração com o la-boratório francês Soleil, vai servir

tanto à nova quanto à atual fonte. É um sistema de radiofrequência (RF) radi-calmente diferente, que irá economizar mais de R$ 1 milhão em energia elétrica por ano. A conta de luz atual do labora-tório gira em torno de R$ 3,5 milhões anuais. O sistema RF é o responsável por repor a energia perdida pelos elé-trons na forma de luz síncrotron. Em-bora contando com o que há de mais avançado em tecnologias, a quase to-talidade desses laboratórios no mundo funciona com uma válvula eletrônica de

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quase um metro de comprimento que custa US$ 150 mil a unidade. As válvulas eram muito usadas em aparelhos eletrô-nicos antes do aparecimento comercial dos transistores de potência. No caso dos síncrotrons, elas são fabricadas es-pecialmente na Inglaterra para suprir a alta energia usada para amplificar a frequência de 476 mega-hertz (MHz). Essa onda eletromagnética, em vez de se expandir no espaço, como numa esta-ção de rádio, por exemplo, é aprisionada dentro de câmaras, chamadas de cavi-dades ressonantes, ao longo do anel. A fonte atual utiliza dois desses geradores de RF de 30 quilowatts (kW) cada um. “Até agora a única maneira de juntar altas potências e altas frequências era essa válvula”, diz o técnico eletrônico Claudio Pardine, coordenador do labo-ratório de radiofrequência do LNLS.

P ardine, em colaboração com os franceses do Soleil, desenvolveu o novo sistema chamado de ampli-

ficador de estado sólido, formado por centenas de pequenas caixas eletrônicas com potência de 250 watts. “Já em 2001, o LNLS foi o primeiro laboratório do mundo a substituir a válvula pelo am-plificador de estado sólido em um sis-tema de um kW para um injetor de luz síncrotron”, diz Pardine. As vantagens

de várias dezenas de quilowatts. “Nós construímos alguns componentes des-ses amplificadores no LNLS para eles em 2005”, lembra Pardine. “Vendemos a preço de custo as peças para fazer protó-tipos que eles e nós desenvolvemos em parceria.” Pardine tem como mestre o pesquisador chinês Ti Ruan, que hoje trabalha no Soleil e era professor da Universidade de Paris. Ruan conven-ceu os diretores do laboratório fran-cês, durante a construção, a utilizarem o amplificador de estado sólido. Outro grande laboratório, o Diamond, na In-glaterra, inaugurado em 2007, preferiu a válvula. Pardine ressalta que a ideia de usar os amplificadores de estado sólido é antiga, mas só agora é possível pela evolução dos materiais e equipamentos eletrônicos. Para desenvolver e construir as novas torres de RF, ele conseguiu um financiamento da Financiadora de Estu-dos e Projetos (Finep), num programa para equipamentos de energia elétrica, no valor de R$ 1 milhão.

Chão firme - Para funcionar de forma exemplar, a Sirius precisará de uma superestabilidade do grande anel de armazenamento para que os elétrons não desviem mais que um milésimo de milímetro (micrômetro) da órbita projetada. A mesma superestabilidade vale também para as linhas de luz. Qual-quer variação ou dilatação dos metais pode perturbar o feixe de elétrons. O equipamento de ar condicionado, por exemplo, ao variar a temperatura em meio grau dilata o suporte de concreto e

Filtros de luz para analisar plásticos, fósseis e células

Novo equipamento de radiofrequência: inovação para economizar energia

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são inúmeras, mas a maior é mesmo a economia de energia elétrica. “Para suprir os 30 kW, o sistema tradicional com válvula precisa de uma potência de 170 kW; o novo, em estado sólido, necessita de 60 kW.” Atualmente, o sis-tema de RF utiliza quase 1,8 gigawatt--hora (GWh) por ano que representa um gasto com eletricidade referente ao equipamento de RF de R$ 1,3 milhão no ano. Com a implantação do novo sistema, a economia vai ser de 50%, sem contar a economia em ter que trocar a válvula a cada cinco anos. “Não ficamos reféns do fabricante. A manutenção torna-se mais fácil e barata.”

O francês Soleil foi o primeiro a ins-talar um amplificador de estado sólido

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pESQUISA FApESp 172 n junho DE 2010 n 77

aço do anel em micrômetros, condição indesejável para os elétrons. “Há peque-nas variações do solo imperceptíveis em condições normais, mas quando se trabalha em medidas de micrômetros elas se tornam muito importantes”, diz Ricardo Rodrigues. O projeto prevê um superpiso enrijecido que terá 200 metros de diâmetro e 1 metro de espessura, sem emenda. “Ninguém fez esse piso no Brasil. São 20 mil metros cúbicos de concreto que precisam ser produzidos em uma semana, durante 24 horas por dia. As camadas vão sendo colocadas uma sobre a outra e a cura (secagem) do material não pode ser rápida.” São camadas úmidas que não podem curar enquanto outras não forem adicionadas e por isso vão receber gelo ao longo do processo. Uma logística especial deverá ser montada, com a instalação de uma fábrica de concreto e outra de gelo ao lado da construção da nova fonte.

O orçamento inicial previsto para a Si-rius é de aproximadamente R$ 400 milhões distribuídos ao longo de

seis anos. Dinheiro que deverá ser ban-cado de forma independente pelo Mi-nistério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou em parceria com outras instituições federais. O MCT possui um contrato de gestão com a Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLuS), uma organização social que mantém o Síncrotron e mais dois outros labora-tórios no mesmo campus do LNLS, o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), um ex-centro do Síncrotron que ganhou autonomia, e o Laborató-rio Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), que também se valem da radiação síncrotron para alguns de seus experimentos. Todos os três estão sob a coordenação do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), que em junho passa a ser comandado pelo professor Walter Colli, ex-professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).

À frente do projeto, o LNLS tem uma equipe experiente que já sabe co-mo se constrói um síncrotron. Ricardo Rodrigues foi um dos três primeiros pesquisadores contratados em agosto de 1986 pelo Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na época o gestor do LNLS, para construir o laboratório. “Eram o

Nova fonte, em forma circular, será instalada ao lado da atual

Cylon Gonçalves da Silva, como diretor, o Aldo Craievich, para cuidar do uso do laboratório pelos pesquisadores e eu para cuidar do projeto e construção que levou 10 anos”, lembra Rodrigues. Para ele não foram somente os constan-tes contingenciamentos de verbas que atrasaram o projeto. “Não vou jogar toda a culpa no orçamento. Adquirir a experiência e o conhecimento foi de-morado. Acho que usamos o melhor método para aprender alguma coisa. O pessoal contratado, um engenheiro ou um físico que acabava de sair da univer-sidade, recebia o seguinte recado: ‘Você vai ter que fazer isso. Vamos ajudar no que puder, vamos trabalhar juntos.’ Ninguém foi fazer um doutorado, um curso especial. Nós mandávamos fazer viagens, as pessoas iam visitar outros laboratórios e perguntavam: ‘Como é que você faz?’”, diz Rodrigues.

A física Liu Lin foi uma dessas pro-fissionais que fizeram parte da equi-

pe inicial. “Em 1985, quando eu fazia mestrado no Instituto de Física da USP, em São Carlos, trabalhei no projeto da rede magnética do anel onde fiz simu-lações da dinâmica do feixe de elétrons. Depois estive na equipe que ficou por três meses no Stanford Linear Accele-rator Center (Slac), da Universidade de Stanford, na Califórnia, nos Estados Unidos”, diz Liu. “Aprendemos muito porque lá eles fazem os instrumentos e nós tivemos a oportunidade de pro-jetar uma máquina fictícia que nos fez conhecer a física dos aceleradores”, diz Rodrigues. Esse mesmo propósito de construir instrumentos e sistemas que esteve na construção do primeiro anel permanece para o próximo. “Nós pro-jetamos e compramos uma série de coi-sas, mas financeiramente apenas 16% da primeira máquina foi importado.”

Atual líder do Grupo de Física de Aceleradores do LNLS, Liu estuda a dinâmica dos elétrons sob a ação do campo eletromagnético. “Projetamos esses campos para assegurar que um feixe intenso de elétrons com alta ener-gia possa ficar armazenado de maneira estável produzindo luz síncrotron du-rante várias horas. Para conseguirmos isso precisamos especificar, entre ou-tros, uma rede magnética que vai definir todas as propriedades do feixe de luz síncrotron produzido”, diz Liu. Para Ro-drigues, o projeto está quase finalizado e a perspectiva é que a construção demore metade do tempo da primeira máquina. “Agora não é urgente formar pessoal, o núcleo de pessoas que coordenam o projeto ainda está jovem.” n

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adquirir experiência e conhecimento foi demorado. usamos o melhor método para aprender

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78 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

Imagem tridimensionaltridimensional

Protótipo de TV 3D dispensa o uso de óculos especiais

A tecnologia televisiva em três dimensões (3D) é um dos grandes atrativos da Copa do Mundo da África do Sul para os torcedores que não tiverem a oportunidade de viajar e assistir aos jogos nos estádios sul-africanos. Vinte e cinco partidas do tor-neio – inclusive as três do Brasil na primeira fase da competição – estão sendo transmitidas em 3D, a

mesma que conquistou milhões de espectadores mundo afora com a exibição do filme Avatar nos cinemas. A exemplo da superprodução dirigida por James Cameron, o telespectador precisa usar óculos especiais para ver as partidas em imagens tridimensionais, que dão a sensação de profundidade e relevo. No futuro, entretanto, especialistas estimam que a tecnologia 3D não será mais refém desse incômodo artefato no rosto, que gera desconforto e causa cansaço visual e dores de cabeça em algumas pessoas – sem falar no problema de higiene em compartilhar óculos no cinema. Em vários países estão sendo desenvolvidas pesquisas visando à criação de uma TV tridi-mensional que dispense o uso de óculos especiais. No Brasil, essa tecnologia ganha formato nos estudos de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Liderados pelo professor Jose Joaquin Lunazzi, eles desenvolveram vários protótipos de um televisor tridimensional que exibe imagens holográficas. A holografia é uma imagem em três dimensões formada por um filme, chamado de holograma, gravado por meio de feixes de laser incididos sobre uma pessoa ou objeto. Na reprodução, utiliza-se laser ou luz branca.

“Nossa tecnologia, batizada de Holo TV, pretende liberar o uso de óculos e oferecer total conforto de visão. Ela não tem semelhança com sistema nenhum existente no mundo, mes-mo em se tratando de protótipos”, explica Lunazzi. “Trata-se de imagens projetadas sobre telas quase transparentes, em que a falta de visão do suporte gera uma figura fantasma que as torna semelhantes às holográficas. A cena filmada pode ser vista sem óculos com a suavidade e a naturalidade de um

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[ ÓPTICA ]

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tela. Essa mesma tecnologia foi usada pela fabricante coreana Samsung em um protótipo mostrado ao público em janeiro deste ano durante a Consumer Electronics Show (CES) 2010, maior fei-ra de eletrônicos do mundo, realizada em Las Vegas, nos Estados Unidos. Mais recentemente, em abril último, a empre-sa japonesa VMJ apresentou, numa feira de tecnologia em Tóquio, uma TV de 65 polegadas que exibe produções 3D sem a exigência de óculos. O protótipo possui sobre a tela uma espécie de pe-lícula cheia de fendas, que leva o olho a ver uma imagem diferente, dando a noção de profundidade. A tecnologia fez sucesso, mas precisa vencer alguns obstáculos para se tornar comercial, co-mo a redução de custo de produção e a dispensa da exigência de o telespectador permanecer em determinadas posições em relação ao visor para ver a imagem corretamente – mesma barreira enfren-tada pelos modelos da Philips.

A tecnologia criada na Unicamp, de acordo com Lunazzi, não padece des-sa dificuldade. “A pessoa pode mudar de posição quando quiser sem perder a ilusão da tridimensionalidade”, ga-rante. Isso se deve à descoberta de um

princípio óptico chamado de codifi-cação-decodificação de profundidade por difração da luz. “Esse princípio foi desenvolvido por mim ao voltar de uma exposição de holografia na Alemanha, em 1984, e foi divulgado em um arti-go na revista Optical Engineering, em 1990. Desde então não foi aplicado por ninguém. Temos avançado em nossas pesquisas, mas até agora só consegui-mos criar imagens tridimensionais monocromáticas, sem cor nem brilho.” No começo do ano passado, Lunazzi escreveu, em conjunto com três colegas de seu grupo, um novo artigo na revista Optics Letters, descrevendo o sistema criado por eles, que tem uma tela de 30 por 60 centímetros. Um detalhe importante da tecnologia é que a tela, transparente e feita de filme fotográfico com sais de prata de alta resolução, é iluminada obliquamente de lado – dife-rentemente das telas convencionais que são iluminadas por trás ou pela frente. Esse aspecto é fundamental, segundo o pesquisador, para que o processo acon-teça e o telespectador tenha liberdade de movimento sem perda da ilusão tridimensional das imagens.

Lunazzi já apresentou sua tecnolo-gia em congressos realizados no Japão, China, Estados Unidos, Coreia do Sul e países da Europa. “A Holo TV tem ca-ráter experimental, de protótipo. É útil para incentivar a pesquisa no mundo e mostrar que podemos ter pesquisa tec-nológica de ponta no Brasil.” No estágio atual, ela poderia ser usada em estandes promocionais de empresas em feiras. Em 2008, pesquisadores da Samsung visitaram o laboratório de Lunazzi, no Instituto de Física da Unicamp, para conhecer uma nova técnica de holo-grafia por dupla difração de luz branca sem a intermediação da lente existente na Holo TV. Mas não foi fechado ne-nhum acordo. O pesquisador acredita que a viabilidade comercial de sua TV tridimensional passe por uma parceria com um grande fabricante mundial de eletroeletrônicos que se interesse em investir nessa pesquisa. n

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Esquema de projeção de imagens da Holo TV

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holograma”, diz. Um dos pioneiros no país no estudo da holografia, Lunazzi iniciou suas pesquisas para a criação de uma TV tridimensional em 1984. Dez anos depois conseguiu apoio da FAPESP e adquiriu uma filmadora, um projetor, um filme holográfico, um aparelho de laser e uma objetiva fotográfica. Com esses instrumentos constituiu um sis-tema de geração e reprodução de ima-gens holográficas. Em 1988 apresentou o primeiro protótipo de seu televisor 3D holográfico.

Fora da tela - Assim como os aparelhos dotados da tecnologia 3D tradicional, que exigem o uso de óculos especiais, as TVs tridimensionais holográficas tam-bém projetam imagens para fora da tela, mas ainda precisam de certos ajustes pa-ra serem colocadas no mercado. Centros de pesquisa, como o Instituto de Tecno-logia de Massachusetts (MIT), empre-sas de alta tecnologia, como a húngara Holografika, e grandes fabricantes de aparelhos eletrônicos trabalham para construir modelos comerciais. No ano passado, a fabricante holandesa Philips realizou testes de um televisor 3D que dispensava o uso de óculos, mas exigia que o telespectador se sentasse numa posição fixa diante do aparelho, sob ris-co de ver as imagens embaralhadas. Por conta dessa limitação, o desenvolvimen-to foi interrompido. O aparelho utili-zava uma tecnologia conhecida como autoestereoscopia, em que as lentes da tela do aparelho criam múltiplas regiões alternadamente em frente à própria

Artigo científico

LUNAZZI, J.J.; MAGALHÃES, D.S.F.; RIVERA, N.I.R.; SERRA, R.L.. Holo-television system with a single plane. Optics Letters. v. 34, p. 533-35 (2009).

Geração de figuras e imagens tridimensionais - nº 93/02501-1

modAlIdAdE

auxilio regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dor

jose joaquin lunazzi – unicamp

InvEStImEnto

r$ 23.874,65 (faPEsP)

O PrOjetO

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ConvergênCiavirtualMicrosoft Research usa lógica de filtros anti-spam para encontrar pontos vulneráveis do vírus HIV

Dinorah Ereno | Ilustrações Nelson Provazi

[ Computação ]

A mesma estratégia utilizada para criar os filtros que bar-ram os spams, as mensagens eletrônicas não solicitadas que invadem as nossas caixas de e-mails, está sendo usada pela equipe do pesquisador David Heckerman, diretor sênior do Grupo de Pesquisa em eScience da Microsoft Research, para desenvolver uma vacina con-tra o HIV, o vírus da aids. “Percebemos que para ter

sucesso em uma vacina seria necessário atacar pontos específicos do vírus, da mesma forma que os filtros anti-spam fazem quando selecionam os e-mails”, disse Heckerman, durante conferência no Faculty Summit 2010 da América Latina. O evento foi reali-zado em parceria entre a Microsoft Research e a FAPESP de 12 a 14 de maio no Guarujá, no litoral paulista, e teve como tema “Computação: fazendo a diferença”. Mais de 200 especialistas em computação de 13 países estiveram presentes na sexta edição do Faculty Summit, acompanhando as apresentações de projetos inovadores em vários campos do conhecimento. Médico de for-mação com doutorado em ciência da computação, Heckerman foi um dos responsáveis pela criação do primeiro programa de detecção e filtragem de spam em 1997. “Assim como os spammers mudaram os seus e-mails para passar pelos nossos filtros, o HIV também passa por mutações para enganar o sistema imunoló-gico e conseguir se reproduzir livremente”, comparou. A grande dificuldade em desenvolver uma vacina para o vírus que causa a aids é que ele muda constantemente. “Mas acreditamos que existam algumas regiões do genoma do HIV que seriam vulne-ráveis à mutação”, disse o pesquisador.

Encontrar essas regiões é uma tarefa bastante complexa, porque é preciso mapear todas as possíveis mutações do vírus

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e das configurações da proteína HLA (antígenos de leucócitos humanos, na sigla em inglês), que é a ferramenta usada pelo sistema imunológico para impedir a reprodução do HIV. A HLA invade o vírus e retira o epitopo, um fragmento de proteína responsável pela informação genética do HIV. “Estamos procurando essas regiões chamadas de epitopos vulneráveis”, disse Heckerman. “O nosso objetivo é desenvolver uma vacina que ensine o sistema imune a reconhecer apenas os pontos vulnerá-veis ao longo da sequência do material genético do HIV.”

Para isso, mais de uma centena de pesquisadores no mundo todo es-tá usando uma ferramenta chamada PhyloD, desenvolvida pelo grupo de Heckerman, para avaliar como o HIV se comporta a partir do momento em que infecta uma pessoa. Computadores cru-zam os dados do sistema imunológico das pessoas e da evolução e mutação do HIV em seus corpos, indicando assim quais características genéticas ajudam a combater o vírus. As estatísticas geradas até agora resultaram na criação de uma vacina experimental, que deverá come-çar a ser testada dentro de seis meses. “Se tudo der certo, talvez tenhamos um resultado efetivo em dois anos.”

Aliado móvel - Enquanto não se con-segue uma vacina eficaz contra a aids, os pacientes têm que seguir um rígido esquema de horários para tomar os me-dicamentos antirretrovirais. Mas essa tarefa nem sempre é seguida à risca. Uma experiência feita no Peru com pes-soas infectadas com o HIV, coordenada pelo pesquisador Walter Curioso, da Universidad Peruana Cayetano Here-dia, que também é professor assistente

afiliado à Universidade de Washington, Estados Unidos, mostrou que o celular pode ajudar os pacientes a seguir corre-tamente o tratamento prescrito. “Mes-mo quando os remédios são fornecidos gratuitamente, 88% não se medicam por diversas razões”, disse.

O principal motivo alegado para não seguir o tratamento é o esquecimento, já que são vários tipos de remédio toma-dos ao longo do dia. Morar distante dos centros de saúde e preocupação com a discriminação ao ser identificado como portador do vírus foram outras razões citadas. Como o celular já se tornou um item indispensável para a maioria das pessoas, o grupo de pesquisa resolveu recorrer a mensagens SMS (sigla em in-glês para serviço de mensagens curtas) para conseguir a adesão ao tratamento. Dessa forma, eles deram a um instru-mento popular um uso inovador.

“Os pacientes estavam interessados não só em receber um lembrete para tomar os medicamentos, mas também em algo motivador, como ‘agora é a ho-ra da sua vida’”, relatou o pesquisador. A frase funciona como um código, porque preserva a privacidade do paciente. A pesquisa de caráter qualitativo foi feita com 20 homens e seis mulheres porta-dores de HIV, que avaliaram de manei-ra positiva o sistema de mensagens via SMS. A experiência resultou no Projeto Cell Pos, desenvolvido pela universi-dade peruana em colaboração com a norte-americana e apoio da Microsoft Research, que envia mensagens para os participantes inscritos.

Programas semelhantes de auxílio à saúde têm sido empregados com su-cesso em países em desenvolvimento como Botsuana, África do Sul e Filipi-nas. “Nas Filipinas houve um aumento de 90% de adesão ao tratamento entre pessoas com tuberculose que recebe-ram mensagens via celular”, disse.

Sistema preventivo - No Brasil, o grupo de pesquisa coordenado pelo pro-fessor Jacques Wainer, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trabalha no desenvolvimento de um sistema capaz de detectar alterações na imagem de fun-do de olho indicativas de algum grau de retinopatia diabética, doença que pode levar à cegueira. “As estatísticas indicam que no Brasil há 15% de diabéticos en-tre a população, dos quais 40% têm re-tinopatia e para 8% deles ela representa uma ameaça para a visão”, disse Wainer, que também mostrou o seu trabalho no Faculty Summit. O diabetes afeta a passagem de sangue na retina, devido ao enfraquecimento das veias e artérias locais, provocando hemorragias e cica-trizes, que interferem na visão.

A proposta do projeto, aprovado em 2008 na segunda chamada lançada pelo Instituto Microsoft Research-FAPESP de Pesquisas em Tecnologia da Infor-mação, é facilitar a triagem dos pacien-tes que devem ser submetidos a exames especializados. Desde 2007, quando o instituto foi criado, as duas instituições já investiram mais de R$ 3,5 milhões em 11 projetos brasileiros nas áreas de saúde, educação, inclusão digital, agricultura, governo eletrônico, biodiversidade, bioe-nergia e mudanças climáticas globais.

1. Triagem automática de retinopatias diabéticas: tecnologia da informação contra a cegueira prevenível - nº 08/54443-22. eFarms: uma estrada de mão de dupla de pequenas fazendas para o mundo em rede - nº 07/54558-1

modAlidAde

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

Co or de nA doreS

1. Jacques Wainer - Unicamp 2. Claudia Maria Bauzer Medeiros - Unicamp

inveStimento

1. R$ 290.966,00 (FAPESP) 2. R$ 153.313,60 (FAPESP)

Os PrOjetOs

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PeSQUiSA FAPeSP 172 n JUnHo DE 2010 n 83

A pesquisa do grupo de Wainer está usando uma técnica não comum em processamento de imagens médicas, que se baseia em descobrir pontos onde há mudanças significativas de cor e tex-tura. “Os pontos onde houve mudança de cor ou de textura equivalem a uma palavra”, disse Wainer.

A ideia é que cada tipo de ponto re-presente “palavras” nessas imagens. Ca-da imagem tem, em média, 300 desses pontos. A partir dessas palavras visuais a pesquisa se desenvolve em duas linhas distintas. Uma delas trabalha com cada tipo de anomalia da retina, a partir de 8 mil imagens previamente classificadas. “As imagens mais frequentes do nosso conjunto de dados relacionam-se ao exsudato, um líquido com alto teor de proteínas produzido como reação a danos nos tecidos e vasos sanguíneos”, disse Wainer. Usando esse método, des-cobre-se que palavras visuais são mais indicativas da presença de exsudatos na imagem. “É uma técnica bastante precisa, mas demorada, pois é preciso adaptá-la para cada um dos vários tipos de anomalia possíveis nas retinopatias diabéticas.” O sistema tem 90% de sensi-bilidade, ou seja, 10% de falsos negativos para a detecção de exsudatos.

A outra vertente do projeto de pes-quisa tenta descobrir quais são as pala-vras visuais que distinguem quais são as imagens normais e anormais, sem precisar buscar anomalias particulares como exsudatos ou microaneurismas. “Estamos ainda na fase de pesquisa dos pontos-chave, que vão permitir fazer a abordagem da normal e anormal”, relatou. A previsão é que, no primeiro semestre de 2011, o sistema esteja to-talmente pronto.

Na estrada de mão

dupla o agricultor

recebe informação

e participa

ativamente do

processo de geração

de conhecimento

Campo em rede - As necessidades dos pequenos proprietários rurais também estão contempladas em um dos pro-jetos iniciados em 2007 pela parceria Microsoft-FAPESP, chamado “eFarms: uma estrada de mão dupla de peque-nas fazendas para o mundo em rede”, coordenado pela professora Claudia Maria Bauzer Medeiros, do Instituto de Computação da Unicamp, e desen-volvido em parceira com a Cooperativa de Cafeicultores de Guaxupé (Cooxu-pé), que tem cerca de 11 mil associados nos estados de São Paulo e Minas Ge-rais. “Um dos principais objetivos do projeto, do ponto de vista social, é criar uma infraestrutura de comunicação de dados, de baixo custo, para permitir a ligação entre as fazendas e a cooperativa e, assim, o acesso das fazendas à inter-net”, disse Claudia. O projeto envolve pesquisadores em computação e em

ciências agrárias. Os novos softwares que estão sendo criados vão cruzar e tratar dados fornecidos tanto por sen-sores instalados no campo, que medirão variáveis como temperatura, umidade e luminosidade, quanto por satélites, que darão informações como biomassa ou as condições da cobertura vegetal.

Com as ferramentas computacionais desenvolvidas, especialistas poderão fa-zer um melhor planejamento das ativi-dades da cadeia produtiva, otimizando recursos e, portanto, auxiliando os pe-quenos agricultores em suas tarefas. Os produtores também poderão participar do processo decisório, a partir da rede de comunicação de dados, fornecendo informações para os especialistas – no caso, a cooperativa –, recebendo de volta e fornecendo feedback sobre os dados. “Isso é a estrada de mão dupla do títu-lo do projeto, em que o agricultor não apenas recebe informação, mas participa ativamente de todo o processo de gera-ção de conhecimento para melhorar o seu trabalho”, disse Claudia. O eFarms já está com vários módulos em funciona-mento e outros serão integrados ainda este ano. “O projeto permitiu o treina-mento de pesquisadores em um traba-lho multidisciplinar, formando vários mestrandos e alunos de doutorado.”

Dois principais desafios do projeto, que terminou no dia 31 de maio, mas terá continuidade com financiamento da Cooxupé, ainda precisam ser ven-cidos. O primeiro deles é reproduzir em algumas fazendas da cooperativa a infraestrutura de redes de comuni-cação de dados que foram testadas no ambiente controlado da Unicamp. “Isso envolve um trabalho de levantamento de terreno, especificação de infraestru-tura, definição de onde colocar antenas e pontos de coleta.” O segundo desafio é continuar a coleta e processamento de dados de sensores, mostrando os resul-tados coletados na rede de diversas for-mas. “Os dados coletados já podem ser vistos em tempo real, na web, sob forma de gráfico. Agora queremos continuar a pesquisa, incluindo o uso de mapas”, disse Claudia. Atualmente o trabalho envolve testar a rede em quatro proprie-dades rurais de difícil acesso. A partir dos resultados dessa etapa, a cooperativa poderá estimar os custos de implantação em escala, atingindo potencialmente 14 mil propriedades. n

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84 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

Otempo gasto pelo caixa de um supermercado de Campinas para localizar numa lista im­pressa os códigos referentes a frutas e legumes chamou a atenção do professor de ciên­cia da computação Anderson

de Rezende Rocha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). En­quanto os produtos com códigos de bar­ra em suas embalagens eram registrados rapidamente, a identificação daqueles vegetais atravancava o andamento da fila. Surgiu ali a ideia de desenvolver um sistema capaz de distinguir esse tipo de produto vendido a granel, difícil de ser identificado pelo leitor eletrônico do caixa porque não possui um código.

A solução encontrada por Rocha em conjunto com os pesquisadores Da­niel Hauagge, Jacques Wainer e Siome Goldenstein, também do Instituto de Computação da Unicamp, foi desen­volver um sistema, com uma câmera instalada sobre a balança do caixa, pa­ m

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[ engenharia da Computação ]

Código vegetalum sistema para identificação automática de frutas e legumes

Evanildo da Silveira

ra analisar imagens do produto a ser classificado. A invenção leva em consi­deração diversos tipos de informação, como, por exemplo, cor, forma, textura, silhueta, aparência de frutas e legumes, e combina­os de maneira a criar um discriminador poderoso para cada um desses produtos. O software desenvol­vido por eles é capaz de diferenciar os vários vegetais a partir da combinação de características de cada um.

Rocha explica que a câmera cap­tura apenas a imagem do produto. As informações são extraídas pelo sistema utilizando­se de algoritmos (cálculos matemáticos) de processamento de imagens e reconhecimento de padrões. Apesar de parecer complicado, o fun­cionamento da invenção desenvolvida durante o doutorado de Rocha – orien­tado pelo professor Siome Goldenstein e com bolsa da FAPESP – é simples. Ele possui dois estágios: treinamento e teste. Durante o treinamento, várias imagens de produtos vendidos no supermerca­

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PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 85

tos, tomando­se dois de cada vez. No caso, pode ser “laranja x maçã”, “laranja x abacaxi” e “maçã x abacaxi”. Diversas outras possibilidades podem existir. Por exemplo, o sistema poderia ser treina­do para comparar um tipo de produto contra todos os outros. Nesse cenário seria possível ter “laranja x resto”, “maçã x resto” e “abacaxi x resto”. “O importan­te aqui é tratar o problema dividindo­o em partes menores”, diz Rocha.

Candidatos na balança - Quando o sistema entra em operação, começa a fase de teste. A cada imagem capturada e fornecida para classificação ele extrai o mesmo conjunto de características do vegetal. Elas são comparadas com aquelas armazenadas previamente na etapa de treinamento. Com isso, ele po­derá fornecer ao operador do caixa uma lista de candidatos prováveis a ser uma determinada fruta ou legume. Após a confirmação do funcionário, basta verifi­car o preço do quilograma do produto e multiplicar pelo seu peso. Essa forma de resolver o problema é a grande inovação do sistema, que resultou em uma paten­te depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Segundo Rocha, os sistemas existentes são diferen­tes e menos precisos. Há, por exemplo, um nos Estados Unidos, chamado Veg­gieVision. “Esse sistema extrai o fundo, identifica o tamanho dos objetos inde­pendentemente do número deles na cena e compara com as referências”, explica Rocha. “Ele se baseia em propriedades de cor, textura e densidade, o que requer informações extras da balança.” Na comparação do índice de acerto na classificação de frutas e legumes, o

Classificadores e aprendizado em processamento de imagem e visão computacional - nº 05/58103-3

modAlIdAdE

bolsa de doutorado

orIEntAdor

siome Klein goldenstein - unicamp

BolSIStA

anderson de rezende rocha – unicamp

InvEStImEnto

r$ 95.443,92 (faPEsP)

O PrOjetO

artigo científico

ROCHA, ANDERSON; HAUAGGE, DANIEL, C.; WAINER, JACQUES; GOLDENSTEIN, SIOME. Automatic fruit and vegetable classification from images. Computer and Electronics in Agriculture (Compag). v. 70, n. 1, p. 96­104. 2010.

do são fornecidas ao sistema de modo que ele possa aprender as características descritivas de cada um. Isso é feito iden­tificando­se especificidades de cada tipo de fruta ou legume. “Em seguida, cada tipo de produto é treinado [compara­do] contra um outro, em vez de treinar todos contra todos de uma vez.”

O sistema utiliza um método que divide o problema de categorizar mui­tos produtos diferentes em problemas menores e mais tratáveis. “Isso pode ser mais bem entendido se for considerada uma situação com três classes, como três frutas diferentes, por exemplo, laranja, maçã e abacaxi”, diz Rocha. Nesse exem­plo, pode­se definir duas classes de cada vez e dizer que uma delas será considera­da como classe virtual positiva e a outra como negativa, ou, simplificando, que uma é maçã e a outra laranja. Isso é feito para as diversas combinações de produ­

VeggieVision perde para o sistema bra­sileiro. “O índice de acerto do similar americano, mostrando os quatro pro­dutos mais prováveis ao caixa, é de 95%”, diz Rocha. “Enquanto o nosso, mostran­do as duas respostas mais prováveis, é de 99%.” Para Rocha, uma comparação mais completa também deveria levar em conta outros fatores. Outra desvanta­gem do VeggieVision é que ele incor­pora no equipamento de aquisição dos dados mecanismos especiais para lidar com variações em iluminação e supres­são de reflexões provocadas pela luz na balança e nos sacos plásticos. Em um cenário real, tais mecanismos podem encarecer a adoção do produto pelo supermercado.

O próximo passo é desenvolver um protótipo físico. Por enquanto, o que foi desenvolvido é um software e algo­ritmos para a identificação de frutas e legumes. Para testar a eficiência desse sistema, Rocha e a equipe usaram uma câmera digital para capturar 2.633 ima­gens de 15 diferentes espécies, entre as quais cebola, laranja, limão, melancia, pera, maçã, caju, quiuí e batata, expostas para venda na Central de Abastecimen­tos de Campinas (Ceasa). “No momento estamos negociando uma parceria com uma empresa americana para dar conti­nuidade ao projeto”, revela Rocha.

O objetivo agora é melhorar as eta­pas de separação de variedades dentro de um mesmo tipo de produto, tornan­do o sistema capaz de diferenciar, por exemplo, dois tipos de banana, como a nanica e a prata. Além disso, os pes­quisadores querem incorporar o apren­dizado em tempo de operação, ou seja, que a cada resposta confirmada pelo operador do caixa o sistema aprenda com essa confirmação, de modo a ter mais qualidade em classificações fu­turas. “A última etapa do projeto será integrar o nosso sistema aos existentes nos supermercados baseados em códi­gos de barra e conectados às impresso­ras fiscais”, explica Rocha. n

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A saudadeque mata

pesquisa discute a polêmica questão do banzo como “nostalgia mortal” dos escravos | Carlos Haag

ai com a sombra crescendo o vulto enorme/ Do baobá.../ E cresce na alma o vulto de uma tristeza, imensa, imen-samente...”, escreveu o poeta parnasia-no Raimundo Correia no soneto Banzo. Essa tristeza, batizada de banzo, era um estado de depressão psicológica que tomava conta dos africanos escraviza-

dos assim que desembarcavam no Brasil e seria uma enfermidade crônica: a nostalgia profunda que levava os negros à morte. “No século XIX, obras como as do médico francês François Sigaud e do naturalista Carl F. von Martius, bem como crônicas de viajantes europeus, veicularam essa ideia de uma nostalgia fatal dos escravos. Nestes relatos, as mortes voluntárias dos cativos são descritas como uma forma passiva de suicídio – recusar alimentos e deixar-se morrer de inanição e tristeza – e também pelos métodos universais, como enforcamen-to, afogamento, uso de armas brancas etc.”, explica a psiquiatra Ana Maria Galdini Oda, professora adjunta do Departamento de Medicina do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), que analisou o banzo em sua pesquisa Dos desgostos provenientes do cativeiro: uma história da psicopatologia dos escravos brasileiros no século XIX, que recebeu da FAPESP uma bolsa do Programa de Jovem Pesquisador em Centro Emergente. “Invariavelmente, os narradores atribuíam esse desejo de morrer a uma enfermidade melancólica, relacionada à situação de ca-tiveiro: o desgosto causado pelo afastamento violento da África, a revolta pela perda de liberdade e as reações aos castigos pesados e injustos.”

Segundo a pesquisadora, a análise histórica da enfer-midade reafirma a necessidade de desfazer explicações simplificadoras sobre os males de escravos, seja o banzo,

[ História ]

Os castigos cruéis seriam responsáveis pelo banzo

Vseja a sua forma extrema, o suicídio, como decorrentes dos “desgostos pro-venientes do cativeiro”, fórmula usada no século XIX para encobrir a natureza violenta da relação entre escravos e se-nhores. Na história do banzo, então, se cruzam várias rotas da história: histó-rias da psicopatologia, do tráfico tran-satlântico de escravos e das doenças. “A enfermidade sempre aparece numa dupla posição: ela é uma entidade clíni-ca, uma variação da nostalgia europeia nos trópicos, associada a outras doenças dos negros e, ao mesmo tempo, não se dissocia dos debates políticos sobre o ca-tiveiro negro”, observa a pesquisadora. Segundo o Vocabulário, de Bluteau, de 1712, um jogo está banzeiro quando nem uma das partes ganha, uma indefinição enervante. “A história do banzo remete a um jogo assim, de escravos contra se-nhores, da vida contra a morte, em longa e tensa peleja.” Curiosamente, o conceito de banzo deve sua origem a uma formu-lação europeia sobre a nostalgia como doença. O ponto inicial dessa história é a dissertação do médico suíço Johan-nes Hofer (Basileia, 1678), De nostal-gia, que descreve a “nostalgia”, palavra composta a partir dos radicais gregos nóstos (regresso) e álgos (dor física ou moral), como uma enfermidade a que os suíços seriam predispostos, conhecida como Heimweh (ou maladie du pays, na França, ou mal del corazón na Espanha).

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A melancolia seria uma indisposição por se estar ausente do lar que se transfor-mava em enfermidade mortal.

No decorrer dos séculos XVIII e XIX, a nostalgia tornou-se objeto de muitos trabalhos médicos e, aos poucos, a me-lancolia helvética foi rapidamente se tor-nando menos suíça: a elevada ocorrên-cia dessa enfermidade nos exércitos de várias nações europeias tornara a pato-logia um objeto de especial interesse dos médicos militares (como o cirurgião do exército de Napoleão, Larrey), que rela-tavam verdadeiras epidemias de nostal-gia. Até o célebre Phillipe Pinel dedicou- -se ao tema na Encyclopédie méthodique. “Certamente, os postulados dos vários médicos militares e outros cientistas foram estendidos para os africanos es-cravizados. Assim, pode-se considerar o banzo como uma aplicação do conceito de nostalgia, desenvolvido na Europa”, diz a autora. Mas o primeiro ilustrado a analisar a questão sob o ponto de vista dos escravos e descrever o banzo foi o advogado português, nascido na Bahia, Luis Antonio de Oliveira Mendes, na sua Memória (1793) sobre a grande morta-lidade dos africanos transportados ao Brasil, feita a pedido da Academia Real de Ciências de Lisboa. “Seu trabalho foi a primeira publicação em língua portu-guesa a se ocupar da saúde dos escravos e é a principal fonte para as descrições do banzo no século XIX”, diz Ana Maria. Destacando as ligações entre as enfermi-dades mortais e o péssimo tratamento dado aos cativos, Oliveira Mendes assi-nala que, mesmo bárbaros, os africanos eram sinceros e constantes nos afetos.

O banzo é apresentado como uma “gra-víssima doença, causada pela exacerba-ção do sentimento de saudades”.

Essa imagem do banzo como fruto da crueldade do tráfico estendeu-se à primeira metade do século XIX e foi incorporada às narrativas de viagem, aos compêndios de medicina tropical e a teses de medicina. “É a vocação do banzo para ser um tipo de ‘enfermi-dade-argumento’, mobilizada na luta contra a escravidão”, lembra a autora. Sigaud, em Do clima e das doenças do Brasil (1844), lançado pela primeira vez em português este ano pela edito-ra Fiocruz, considerava o banzo como uma doença mental, uma variante da nostalgia-melancolia desencadeada por causas morais tais como as saudades da África ou o ressentimento por cas-tigos injustos. Já Martius, em Natureza, doen ças, medicina e remédios dos índios brasileiros (1844), faz uma compara-ção entre o banzo do negro e do índio, afirmando que em ambos a melanco-lia reina como causa da morte, com a ressalva de que os negros pareciam sentir mais do que os indígenas os sen-timentos dolorosos, já que estes últimos seriam frios e distantes em oposição aos africanos, emotivos e passionais. Joaquim Manuel de Macedo, em sua monografia sobre a nostalgia, escrita em 1844 (o mesmo ano da publicação de A moreninha) como tese apresen-

tada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro para a obtenção do título de doutor, considera o banzo como uma moléstia mental originada das saudades da pátria, tendo como sede o cérebro. “Identificado com a classe senhorial, o escritor romântico não demonstra sim-patia alguma pelos escravos, mas pen-sava que a nostalgia dos negros merecia ser estudada, pois a considerava como potencial ameaça à economia nacional”, relata a pesquisadora. Além dos três, outros estrangeiros trataram da ques-tão da morte voluntária entre escravos no século XIX: Debret, Henry Koster, Rugendas, Thomas Ewbank, Robert Walsh, F. Dabadie, entre outros. “De-pois desse interesse, o banzo permane-cerá quase adormecido até os anos 1930 e 1940, quando os chamados estudos afro-brasileiros o recolocaram como potencial objeto de investigação. Ele se-rá tomado como algo real, uma doença um pouco misteriosa, mas sem muita problematização”, conta a autora.

Lar - Surge mesmo uma nova etimo-logia para a palavra: banzo seria ligado ao quimbundo mbanza, aldeia, e assim significaria a “saudade da aldeia” e, por extensão, do lar. “A origem africana da palavra me parece um pouco incerta. No Vocabulário, de Bluteau, por exemplo, a palavra “banzar” aparece como a ação de ‘pasmar com pena’ e “banzeiro” seria algo ‘inquieto, mal seguro’. Há quem acredite na origem portuguesa da palavra.” Em 1933, o conceito reapareceu nas páginas finais de Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre, cuja visão marcou

Escravos sem sua liberdade e vítimas de sistema violento

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os relatos modernos da palavra: “Não foi de todo alegria a vida dos negros. Houve os que se suicidaram comendo terra, enforcando-se, envenenando-se. O banzo, a saudade da África, deu cabo de muitos. Houve os que de tão ban-zeiros ficaram lesos, idiotas”, escreveu Freyre. Em 1939 começaram a surgir visões médicas da moléstia, como a do parasitologista Manoel Augusto Pirajá, que afirmava ser o banzo uma forma da doença do sono, a tripanossomíase africana, hipótese descartada atualmen-te. “Uma proposta a se considerar é a do psiquiatra Álvaro Rubim de Pinho, da Faculdade de Medicina da Bahia, expos-ta em Aspectos históricos da psiquiatria folclórica no Brasil (1982). Segundo ele, o banzo seria aproximado das chamadas ‘síndromes de campo de concentração’, diz a autora. O modelo é multicausal: o mal dos escravos seria um quadro em que se superporia um estado mental depressivo (característico de situações de terror, fome, confinamento etc.) a sintomas decorrentes de acentuada ca-rência nutricional e de vulnerabilidade a doenças graves, várias das quais seriam as responsáveis pelos sintomas físicos e mentais do banzo.”

A produção historiográfica dos anos 1960 e 1970, contestando o que se cha-mou de “mito da escravidão branda”, preconizado por Freyre, enfatizou o ca-ráter violento das relações entre senhores e escravos e deu nova acepção ao banzo. “Estudos desse período associam atos como suicídios, homicídios e agressões físicas à excessiva carga imposta pelo cativeiro e para alguns autores (como Alípio Goulart em Da fuga ao suicídio, de 1972, ou Fernando Henrique Cardo-so em Capitalismo e escravidão no Brasil

Máscara de ferro de escravos seria por causa da geofagia

meridional, de 1962) eles eram evidentes manifestações de rebeldia, das poucas facultadas aos escravos. Os suicídios se-riam sinais de rebelião individual, assim como os quilombos e as insurreições, de rebeldia coletiva”, explica a pesquisadora. Para ela, porém, seja na perspectiva de Freyre, seja nesta, mais engajada, se deu pouco espaço aos fatores subjetivos en-volvidos nas ações dos sujeitos históricos. Assim, o suicídio cativo pode ser visto também, mas jamais unicamente, como forma de protesto ou fuga da situação de cativeiro, sempre considerando a com-plexidade da experiência do cativeiro e a capacidade humana de descobrir formas de viver em situações adversas. “Atribuir a motivação para a morte apenas à con-dição cativa é uma abordagem simplis-ta. Os atos suicidas são manifestações extremas que não podem ser reduzidas a uma explicação única, seja ela socioló-gica, antropológica ou psicopatológica”, assegura o historiador Saulo Veiga Oli-veira, que analisou a questão no artigo “O suicídio de escravos em São Paulo”, publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. “Basta ver que o alto índice de suicídios entre escravos nas últimas duas décadas da escravidão é, em geral, atribuído aos ‘desgostos do cativeiro’, como reação à condição servil. Mas há muitos outros motivos: proble-mas com a Justiça ou o medo de castigos impostos pelo senhor.” Assassinatos - “O índice de ‘mortes voluntárias’ entre escravos, quando comparado ao de homens livres, era duas ou três vezes mais elevado e, em geral, atribuído ao banzo”, afirma o

historiador Renato Pinto Venâncio, da Universidade Federal de Ouro Preto e autor de Ancestrais: uma in-trodução à história da África Atlântica (Editora Campus). “Mas, como todo testemunho do passado, isso deve ser lido com olhos críticos: o registro de suicídio pode encobrir assassinatos praticados por senhores. Isso não im-plica diminuir o banzo como uma das expressões trágicas da loucura comum a milhões de pessoas vítimas do tráfico de escravos. A divulgação desse sofri-mento nos jornais deve ter contribuído para a formação da sensibilidade abo-licionista na sociedade imperial. Daí se entender o banzo como uma forma não intencional de protesto político, um exemplo primário de luta pela não violência.” Os números esconderiam outras motivações. “Os homens livres ocultavam seus casos procurando evitar sanções morais e religiosas, que impediam o sepultamento em cemi-térios, o que pode explicar o número elevado de mortes de cativos”, explica o historiador Jackson Ferreira, da Uni-versidade Federal da Bahia e autor do artigo “Por hoje se acaba a lida: suicí-dio escravo na Bahia (1850-1888)”. “Os atos suicidas foram mais que expressão e mecanismos de desespero, mas for-mas de negociar melhores condições, de resistir às condições de cativeiro ou libertar-se dele, abandonando defini-tivamente esta ‘terra de vivos’, como escreveu o escravo Timóteo em sua nota de suicídio.”

Ana Maria Oda está pesquisando atualmente o curioso “suicídio por in-gestão de terra”, citado com frequência por viajantes, no projeto Geofagia e escravidão, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-fico e Tecnológico (CNPq) e vinculado ao Grupo de Pesquisa Escravidão, Raça e Saúde, sediado na Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. “A pica (alteração do hábito alimentar que inclui a ingestão de terra ou barro – a geofagia –, de cal, madeira etc.) é interpretada como uma deliberada ação em direção à morte, um método de suicídio lento dos negros es-cravos”, diz a pesquisadora. Debret re-tratou escravos com máscaras de ferro colocadas para evitar a prática. “A geo-fagia como suicídio não se sustenta. Não se determinaram as suas consequên cias sobre a saúde, más ou boas.” n

dos desgostos provenientes do cativeiro - nº 2004/07810-9

modALIdAdE

Bolsa jovem pesquisador

Co or dE nA dorA

Ana Maria oda - uFscar

InvEStImEnto

r$ 230.994,90 (FApesp)

O PrOjetO

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Canções que são para sempre

Tango, bolero e fado permanecem vivos por causa de sua ligação com as mídias eletrônicas

Antes havia o disco de 78 rotações e o rádio; de-pois o vinil; e hoje o CD e o MP3. Mudam as mídias, mas algumas canções, apesar de antigas, permanecem. Como Carinhoso, de Pixinguinha, I’ve got you under my skin, de Cole Porter, Por una cabeza, de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera. Gê-neros que passaram décadas esquecidos voltam

a fazer sucesso, como o tango. E algumas interpretações, embora ligadas a uma época específica, são sempre lem-bradas. Acaso existiria algum, ou talvez mais de um, traço particular em comum que lhes garanta a sobrevida?

Com essa pergunta nada simples e um vasto território musical a percorrer, Heloísa de Araújo Duarte Valente iniciou há mais de uma década um projeto de pesquisa amplo, multidisciplinar, que resultou em tese de douto-rado e pós-doutorado, originou artigos, livros e docu-mentário e hoje envolve outros pesquisadores, com apoio da FAPESP (Bolsa Jovem Pesquisador) e do CNPq. “Há músicas que insistem em não morrer”, diz. Seu projeto A canção das mídias: memória e nomadismo, o nome atual, é desenvolvido no núcleo Musimid, que faz parte do De-partamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

E o que seria uma “canção das mídias”? A esse conceito Heloísa Valente recorre para definir um tipo de canção que

[ Música ]

Joselia Aguiar Ilustrações Guilherme Lepca

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difere dos demais que o precederam por impor condições distintas de escuta e performance. Parece óbvio, pois é a canção que conhecemos. Porém esse tipo de canção é recente, se se pensar que o rádio e o registro fonográfico têm cerca de um século apenas. “A canção é o gênero mu-sical mais presente nas mídias, desde que estas existem; e a presença da canção é crescente. A canção das mídias pode ser aquilo que se denomina como ‘música popular urbana’, mas também inclui, por exemplo, árias de ópera e até canções de origem tradicional”, explica a pesquisadora. Para o estudo foram escolhidos três gêneros “nômades”, ou seja, que atravessam diferentes culturas – o tango, o fado e o bolero –, e uma abordagem que envolve desde musicologia e antropologia a história e semiótica.

Em mais de uma década de documentação e análise do material coletado, o projeto A canção das mídias já obteve algumas respostas. A primeira é que há, sim, uma estrutura musical que favorece a permanência. “Canções que têm um grau maior de complexidade não raro permitem aos arranjadores, músicos e intérpretes efetuar mudanças, das mais sutis às mais drásticas”, explica a pesquisadora. Ou seja, quanto mais elaborada uma canção, mais poderá ser reno-vada. Essa complexidade, segundo ela, pode ser verificada em elementos como densidade harmônica, perfil melódico, formulação rítmica e outros elementos da forma musical.

Porém, não são somente as obras de maior complexi-dade musical que sobrevivem. Outro fator importante é o próprio sucesso que a canção alcança em determinada época – tempos depois poderá voltar à baila, ou, literal-mente, ao baile, de um jeito novo e muitas vezes em outros países. “As ‘modas’, criadas pelo hit parade, fazem com que títulos consagrados em determinado gênero se tornem conhecidos em outro”, diz Heloísa Valente. Um exemplo é o samba Vingança, de Lupicínio Rodrigues, que se tor-nou Venganza, em forma de tango, bem talhado ao gosto portenho. Caminhemos, de Herivelto Martins, também estourou nas paradas de sucesso em sua versão hispâni-ca, Caminemos, com o Trio Los Panchos. “O sucesso é o motivo para que sejam criadas as novas versões”, reforça a pesquisadora. É comum, hoje, que as canções reapareçam no formato techno, que é o atual. Dos gêneros que estuda, encontrou não apenas o electrotango, mas também o fado electrónico, nos quais as gravações-matrizes são manipu-ladas eletroacusticamente.

A sobrevivência das canções pode ocorrer também devido a um traço que a pesquisadora denomina de “autoridade da performance”. Para explicar melhor: há intérpretes – ou compositores e letristas, em menor fre-quência – que adquirem notoriedade com determinados hits, e essa combinação de intérprete e canção favorece sua

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presença na paisagem sonora. Emoções, de Roberto e Erasmo Carlos, é um des-ses exemplos. É nessa categoria que ela enquadra também intérpretes e canções como Frank Sinatra e I’ve got you under my skin, Yves Montand e Feuilles mortes, Nat King Cole e Stardust. Estabelecem-se, assim, como standards marcados pelas vozes que os interpretaram.

A s músicas se fixam na memória de uma comunidade, de maior ou menor extensão, também devido a

suas relações simbólicas, como explica a musicóloga. Em Portugal, a canção tradicional Grândola, vila morena, com-posta e cantada por Zeca Afonso, serviu como senha para a instauração da Re-volução dos Cravos, em 1975. No Brasil, O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, consagrou-se na voz de Elis Regina como símbolo da reabertura política, no começo dos anos de 1980. Pouco depois, Coração de estudante, de Milton Nascimento, associou-se à campanha das Diretas-já, a Tancredo Neves e à volta da democracia brasileira. “Há nesses casos fatos memoráveis, de origem sociocultural, que acabam por determinar essas obras como ‘lugares de memória’, no sentido postulado pe-lo historiador Pierre Nora. Tornam-se, de um modo ou de outro, história. Na maioria dos casos, a vinculação se faz diretamente pela letra da canção, na mensagem veiculada por ela”, acres-

por exemplo, contém elementos da ha-banera cubana e do flamenco, combina-dos à tradição dos payadores gaúchos. É um gênero característico de uma região específica da Argentina, a foz do rio da Prata, o eixo compreendido entre Montevidéu e Buenos Aires. Nos primeiros anos do século XX, ganha a Europa. O desembarque se dá por Paris. Para lá seguem os músicos argentinos, para gravar seus discos e fazer turnês de música e dança pelas metrópoles circunvizinhas. O tango virou mo da e passa a ser executado por músicos

europeus. As bandas ves-tem-se com trajes gaúchos e dão títulos em espanhol às composições. Logo foi escrito com letras em idio-mas locais, como francês, alemão e grego.

Entre as décadas de 1930 e 1940, as big bands

consagram um novo tipo de tango. O estilo de cantar e de dançar se modifica, com arranjos modernos ou híbridos. Os filmes de Hollywood que apresentam o tango contribuem para divulgar uma vi-são estereotipada, sinônimo de música apaixonada, sensual e extravagante. Ao mesmo tempo, sob influência alemã, o tango adotado na Europa passa a ter o ritmo de marcha, sem o chamado tempi rubati, e agrega metais. Seria, assim, um som muito próximo ao de banda militar. Tal influência se propagaria em todos os cabarés berlinenses: é o que se vê no clássico O Anjo Azul, de Josef von Stern-berg. Da Europa, alcançará a América do Norte e Oriente.

N o Brasil, o tango chega na década de 1920, como explica Heloísa Va-lente: está em versão original ou

local, com texto traduzido para o por-tuguês, cantado tanto por brasileiros quanto por falantes do espanhol. Em alguns casos, compositores e letristas brasileiros fizeram os daqui de acordo com os estilemas (marca distintiva do estilo de um autor) do tango portenho. Existe, porém, uma variante do tango que surge no Brasil e que teve, por sua vez, outros desdobramentos, de acor-do com a pesquisadora: sofreu influên-cia da habanera, que, por sua vez, se mesclou à polca e ao lundu. Há quem diga que o tango brasileiro e o maxixe designam um mesmo gênero musical

centa. Por fim, rituais de calendário e festas também têm seu próprio repertó-rio, capaz de atravessar gerações: Noite feliz, de Gruber, e Máscara negra, de Zé Ketti, são dois exemplos para Natal e Carnaval, respectivamente.

Ainda há muito a estudar, diz Heloísa Valente, que concentrou mais as pesqui-sas no tango e no fado. Como resultado, publicou As vozes da canção na mídia (Via Lettera/FAPESP, 2003), organizou Música e mídia: novas abordagens sobre a canção (Via Lettera; FAPESP, 2007), Canção d’Além-mar: o fado e a cidade de Santos (Realejo/ CNPq, 2008); Canção d’Além-mar: o fado na cidade de Santos: sua gente, seus lugares (Realejo/ FAPESP, 2009) e produziu o documentário Can-ção d’Além-mar: o fado na cidade de San-tos, pela voz de seus protagonistas (2008). Em fase final de preparação, está Donde estás, corazón? O tango no Brasil, o tango do Brasil. Dos três gêneros, o bolero é aquele em que levantamento e análise devem ainda avançar.

O estudo dos três gêneros a partir de sua característica “nômade” – conceito baseado em Paul Zunthor (1915-1995), scholar de origem suíça que produziu obras importantes sobre o tema – é um dos grandes desafios da fase atual da pesquisa. Cada um dos gêneros “viaja” e assume novas feições, às vezes estilos diferentes e simultâneos. De origem ainda pouco esclarecida, apesar do es-forço de seus vários estudiosos, o tango,

O fado é um gênero nômade: se hoje é cartão de visita de Lisboa, tem sua origem no Brasil

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– a palavra “tango” seria usada, assim, para ate nuar o tom lascivo do maxixe. Um dos seus principais estudiosos, no entanto, o musicólogo Luiz Heitor Cor-reia de Azevedo, autor do clássico 150 anos de música no Brasil (1800-1950), escreveu que o maxixe não constitui gênero musical, mas coreografia.

Em sua origem brasileira, o primei-ro tango seria Olhos matadores (1871), de Henrique Alves de Mesquita, como afirma o pesquisador e compositor Bruno Kiefer, autor de Música e dan-ça popular: sua influência na música erudita. Ainda na mesma década, Chi-quinha Gonzaga criará vários tangos brasileiros, de grande sucesso. “Esses dados provam que o tango brasileiro é anterior ao argentino – o que implica dizer que não há tango, mas tangos. De todo modo, o tango brasileiro é associa-do a um gênero instrumental e à figura de Ernesto Nazareth que, embora não tenha sido o responsável direto pela sua fixação, pelo menos foi ele quem con-solidou o gênero, deixando inúmeras obras definitivas para piano”, explica Heloísa Valente.

O fado é outro gênero que tem forte característica “nômade”. Se hoje é cartão-postal sonoro de Lisboa, tem sua origem no Brasil, como explica José Ramos Tinhorão, autor de obras sobre música popular brasileira que se tor-naram clássicas. Em seu Fado: dança do Brasil, cantar de Lisboa, diz que o gênero nasceu aqui, do extenso contingente po-pulacional de imigrantes portugueses, para territorializar-se depois em Portu-gal, com outra feição, mas teve de voltar ao Brasil para popularizar-se em âmbito mundial. Amália Rodrigues, a primeira dama do fado, gravou pela primeira vez no Rio de Janeiro, em 1945.

Santos foi a cidade escolhida pa ra concentrar essa vertente do projeto A canção das mídias porque é a que abri-ga, proporcionalmente, o maior núme-ro de imigrantes portugueses no país e onde o fado tem até hoje grande pre-sença. Tem-se, assim, um “fado castiço” que é recomposto incessantemente, pe-la inserção de novas letras, novas ma-neiras de performance – o “estilar” dos fadistas-cantores, as improvisações, as condições de apresentação ao vivo. Em seu estudo, a pesquisadora investigou como o fado deu origem a várias rami-ficações – fado de revista, fado operário, fado-canção –, criando novos públicos, novos arranjos, novos temas.

O fado imigrante tem, porém, uma vida diferente, como explica a musicóloga: em grande parte da

comunidade portuguesa que vive em Santos e em outras partes do Brasil, o fado continuou sendo ouvido e execu-tado como elo com o país de origem. “Esta canção nômade criou uma ponte imaginária que liga os portugueses imi-grantes ao seu país de origem”, afirma Heloísa Valente.

O fado sobrevive, assim, devido a fatores de ordem emotiva, memorialís-tica, intelectual. E tal per manência está vinculada também ao tipo de experiên-

cia que o seu público tem, no local onde se encontra. “A recepção do imigran-te, pelo menos até o tempo anterior à internet, é diferenciada. Para essas comunidades, o fado, assim como ou-tros gêneros, é vivenciado, relembrado, reconstituído, tendo como referência as versões mais tradicionais”, afirma a pesquisadora. O mais curioso é que os registros fonográficos converteram-se em uma espécie de “partitura a ser lida através da escuta atenta”.

A importância das mídias – como rádio em ondas curtas, disco, cinema – na consolidação do gênero também pode ser vista na história do bolero no Brasil. Embora nascido em Cuba, se tornou conhecido como canção ro-mântica mexicana. Assume principal-mente a variante ranchera, próxima à tradição folclórica do México. Seu su-cesso é grande a partir da década de 1920, e Augustín Lara (1897-1970) será o primeiro artista mexicano a se apre-sentar no Brasil. Jairo Severiano, autor de obras importantes sobre história da música popular brasileira, como os volumes A canção no tempo, diz que se inaugura, assim, um período de mexi-canização na cultura brasileira. “Ainda temos de avançar no estudo sobre o bo-lero, é a nova etapa da nossa pesquisa”, diz Heloísa Valente. n

PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 93

A canção das mídias - nº 2006/60786-4

modAlIdAdE

Bolsa jovem Pesquisador

Co or dE nA dorA

heloísa de Araújo Valente - uSP

InvEStImEnto

R$ 178.876,80 (FAPESP)

O PrOjetO

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resenha

94 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

A publicação de obras completas de cientistas eminentes é prática bem estabelecida em países com forte

tradição científica. O volume com a obra do físico teórico Mario Schönberg (1914-1990) organizado por Amélia Hamburger é uma contribuição para instaurar entre nós tal tradição. Schönberg nasceu em Recife, em família judaica. Veio para São Paulo atraído pela criação da USP em 1934 e pelas promessas de pesquisas em física e matemática que estavam associa-das a essa criação. A física na recém-criada USP desenvolveu-se rapidamente sob a liderança de Gleb Wataghin, trazido da Universidade de Turim com a missão es-pecífica de criar o departamento de física da nova universidade. A física desenvol-vida na USP floresceu rapidamente ad-quirindo projeção internacional ainda no final da década de 1930. A primeira área a adquirir relevo foi a pesquisa em raios cósmicos, gerando os primeiros trabalhos publicados em revistas internacionais. Foi nesse ambiente pleno de motivações e de desafios que Schönberg se projetou como físico teórico no Brasil e no exterior.

No cenário da cultura brasileira Schönberg destacou-se não só como cientista e liderança acadêmica, mas tam-bém como crítico de arte e como político, tendo sido eleito no pós-Segunda Guerra deputado estadual constituinte por São Paulo pelo Partido Comunista. Schön-berg foi um dos intelectuais perseguidos pelo regime de arbítrio instaurado em 1964. Aposentado compulsoriamente com base no AI-5, viu-se afastado da universidade que ajudara a construir.

O livro organizado por Amélia Ham-burger, física da USP e pesquisadora em história e epistemologia da física, reúne 50 artigos científicos do período entre 1936 e 1948 e deverá ser seguido por um segundo volume com o período poste-rior. A edição é primorosa, com todos

os artigos cuidadosamente redigitados. Além dos textos científicos, o volume tem como destaque um prefácio in-trodutório escrito pela organizadora, que realça tanto a tra-jetória científica quanto a atividade cultural multifacetada de Schönberg. A autora faz largo uso tanto de material já publicado quanto de documentos inéditos, principalmente correspondências dos arquivos de Schönberg, que contri-buem para lançar novas luzes sobre a sua vida e obra. Dentre os interlocutores cuja correspondência inédita aparece na introdução encontramos Wataghin, M. Damy, L. Freire, S. Chandrasekhar, J. L. Lopes, A. de Moraes, L. Rosenfeld, C. Dilworth, G. Occhialini e G. Beck. Para a produção desse volume Amélia Hamburger dedicou quase 10 anos de traba-lho, de modo que a obra era esperada com expectativa por todos que sabiam da sua preparação. O trabalho foi possível graças ao apoio na USP do Instituto de Física, do Instituto de Estudos Avançados e da Edusp, além da FAPESP.

Da obra publicada, o trabalho mais conhecido, pelo menos o mais citado, é aquele em colaboração com Chan-drasekhar, escrito e publicado em 1942. O trabalho versou sobre a evolução das estrelas e estabeleceu o limite Schön-berg-Chandrasekhar, o qual impõe um máximo de massa às estrelas a partir do qual elas se contraem por colapso gravi-tacional dando início à fusão nuclear do elemento químico hélio. Em estudo histórico sobre teorias da evolução estelar, Davide Cenadelli (Archives for history of exact sciences, v. 64, p. 203-267, 2010), da Universidade de Milão, afirmou que o “artigo de Schönberg e Chandrasekhar é amplamente reconhecido como uma referência no desenvolvimento da astrofísica estelar”. Afirmou ainda que a ideia nova introdu-zida foi tratar diferentemente o núcleo e a camada exterior, devido às inomogeneidades químicas. Desde então a ino-mogeneidade “tornou-se um ingrediente básico em modelos estelares”. O trabalho foi realizado no Observatório de Yerkes, em Chicago. Schönberg tinha 28 anos e estava nos Estados Unidos como bolsista da Fundação Guggenheim. Antes havia publicado com George Gamow sobre o papel dos neutrinos na formação das estrelas supernovas, propondo um processo que denominaram de efeito Urca. Chandrasekhar era um físico teórico indiano, tendo recebido o Prêmio Nobel em 1983 por suas contribuições à astrofísica. Esses trabalhos de Schönberg são clássicos da cultura científica brasileira.

novas luzes sobre schönbergPublicado primeiro volume com obra do físico pernambucano

Obra científica de Mario Schönberg– Volume 1 – 1936 a 1948

Amélia Império hamburger (coord.)

Edusp

604 páginas R$ 89,00

Olival Freire é pesquisador do Instituto de Física da Uni-versidade Federal da Bahia (UFBA).

Olival Freire

Page 95: Coração flácido

livros

PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 95

A fortuna dos inconfidentesAndré Figueiredo Rodrigues Editora Globo 320 páginas, R$ 59,90

André Figueiredo Rodrigues fornece uma nova leitura dos acontecimentos que envol-veram a Inconfidência mineira. Percorrendo vasta documentação inédita a respeito da condição material dos homens envolvidos na conjura, o autor conclui que alguns deles eram possuidores de riqueza e que lançaram mão de suborno e outras práticas ilegais para preservarem seu patrimônio.

Editora Globo (11) 3767-7880 www.globolivros.com.br

os três dedos de AdãoHilário Franco Júnior Edusp 420 páginas, R$ 65,00

Dividido em 12 ensaios, o livro é composto por diferentes estudos a respeito da mito-logia medieval, particularmente entre os séculos XI e XIII. O autor procura dar des-taque ao diálogo travado entre o cristianis-mo e as mitologias judaica, greco-romana e céltica, bem como à maneira com que este conjunto se manifestava nas práticas políticas, sociais e culturais da época através de ritos, símbolos e valores.

Edusp (11) 3091-2911 www.edusp.com.br

História e música no BrasilJosé Geraldo Vinci de Moraes e Elias Thomé Saliba (orgs.) Alameda Casa Editorial 412 páginas, R$ 78,00

Composto por oito artigos de autores di-ferentes, o trabalho reúne algumas recen-tes incursões de historiadores no universo musical brasileiro. Longe de fornecer uma reconstrução linear, História e música no Brasil propõe fazer o resgate de apenas al-guns flagrantes mais significativos do nosso passado musical; para isso, diferentes épocas, lugares e gostos musicais são analisados. O livro vem acompanhado por um CD.

Alameda Casa Editorial (11) 3012-2400 www.alamedaeditorial.com.br

Estudos em psicologiaDante Moreira Leite Editora Unesp 256 páginas, R$ 40,00

Nesta coletânea estão reunidos textos iné-ditos de Dante Moreira Leite, autor que in-troduziu a psicologia social no Brasil e que figura como referência para pesquisadores da educação, literatura e história da cultura brasileira. Dentre os textos, encontram-se artigos teóricos, verbetes para um dicionário de psicologia, relatos de experimentos, além de capítulos de sua obra inacabada História da psicologia contemporânea.

Editora unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Tempo, espaço e passado na mesoaméricaEduardo Natalino dos Santos Alameda Casa Editorial 432 páginas, R$ 55,00

O livro é o resultado de uma diligente e extraordinária pesquisa realizada pelo his-toriador Eduardo Natalino dos Santos. Pro-curando fornecer chaves de compreensão do universo indígena, durante anos ele se debruçou sobre os chamados códices me-soamericanos, tipo de escrita pictográfica através da qual os povos originários do cen-tro e do sul do México abordavam temas históricos e religiosos.

Alameda Casa Editorial (11) 3012-2400 www.alamedaeditorial.com.br

A vingança da HileiaFrancisco Foot Hardman Editora Unesp 376 páginas, R$ 54,00

Nestes 20 ensaios, Francisco Foot Hardman analisa as experiências vividas pelo escritor Euclides da Cunha em sua viagem ao norte do país quando encarou o desafio de “escrever a Amazônia”. O autor ainda parte para o estudo de outras representações do Brasil feitas por escritores nativos importantes com o objetivo de avaliar como a literatura moderna contri-buiu para a formação de um retrato do país.

Editora unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

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96 n junho DE 2010 n PESQUISA FAPESP 172

ficção

O centésimo em Roma [fragmento]

...

H avia um componente curioso, eu arriscaria dizer ridí-culo, na personalidade de Dolens: quando ouvia falar de alguma doença, ele imediatamente se imaginava

vitimado por ela. Se alguém tossisse perto dele, ele tam-bém tossiria. Assim, tão logo soube do mal que atingira a Castra Praetoria, ele passou a atribuir suas ocasionais dores de cabeça, seu cansaço intermitente e suas raras náuseas ao contágio da Febre.

Tentei convencê-lo de que esses pequenos padecimentos se deviam ao consumo de vinho em excesso e às noites em claro, mas ele não quis me dar ouvidos. Fez um testamento, distribuindo o pouco que tinha às mulheres da sua casa, e se tornou muito querido pelos sacerdotes de Febris, deus dos enfermos, pois doou dinheiro aos três altares consagrados a Febris em Roma: o do Monte Palatino, o do Esquilino e o do Quirinal. Bem verdade que suas oferendas não eram só em seu nome; ele pediu a bênção da cura a todos os doentes da Castra Praetoria e arredores. Mesmo assim, continuou temeroso, em primeiro lugar porque, no íntimo, ele não confiava, ou sequer acreditava, nos deuses. E, em segundo, porque Febris era um deus menor. Em busca de auxílio mais efetivo, ele resolveu sacrificar um porco a Esculápio, deus dos médicos, cujo templo fica na ilha Tiberina.

Duzentos sestércios mais pobre, sem contar o preço do porco, e com a túnica salpicada do sangue do sacrifício, Dolens voltava para casa, já noite alta, quando, ao cruzar a Ponte Fabrícia, deparou-se com o destino.

Vita Dolentis, de Quintus Trebellius Nepos.

XVICobrindo de maldições os escravos que se recusam a

obedecer-lhe, Salvius Otho manda embora a escolta e a li-teira. Sozinho sob a lua, entupido de ódio e vinho, ele sobe no parapeito da ponte, oscilando ebriamente entre a vida e as águas lodosas. Um bom patrício, quando quer ou quando precisa se matar, deita numa banheira de água quente, para que as veias dilatem com o calor, e corta os pulsos. A morte vem lenta e lânguida, com tempo para pensar numa bela frase final. Se não há chance de botar água para aquecer, co-mo em batalhas perdidas ou danações instantâneas, convém

meter uma faca na garganta ou uma espada no abdome. Em qualquer caso, o suicídio é um ato privado. Contrariando o costume, Otho resolveu se jogar da Ponte Fabrícia.

É o momento das últimas palavras, mas não há nin-guém para ouvi-las. E, mesmo que houvesse, ele não tem nada de seu para dizer. Espremendo os miolos em busca da citação adequada, ele destila da memória os versos da Eneida que falam do desespero da rainha Dido, após a par-tida de Enéas:

— “Acolham esta alma, curem minha angústia!Vivi. Sob o auspício da Fortuna, marchei.Sumirá nas profundezas meu grande nome”.Ao dar o passo em direção ao oblívio, em vez do frio

das águas turvas ele sente duas mãos ossudas agarrando-o pela túnica.

Desiderius Dolens chega a pensar que puxou o suicida com força excessiva: “Arranquei a cabeça dele!”. O susto dura até que Dolens se dê conta de que foi a peruca, e não a cabeça do suicida, que caiu a seus pés.

O suicida, bêbado como um bode oferecido a Baco, se desvencilha de Dolens, recolhe a peruca e a mete de qualquer jeito na cabeça:

— Quem lhe deu o direito de me tocar, verme?— Ave! — Dolens faz a saudação dos nobres, porque a

roupa e os anéis do suicida mostram que ele é alguém im-portante. — Sou Publius Desiderius Dolens, centurião pilus prior da primeira centúria da primeira coorte das coortes urbanas.

— Você é um monte de merda, isso que você é. Sabe com quem está falando?

Max Mallmann

Page 97: Coração flácido

PESQUISA FAPESP 172 n junho DE 2010 n 97

— Gostaria de saber.— Otho! Marcus Salvius Otho, governador da Lacede-

mônia... da Lenocínia...— Lusitânia?— E por acaso falei outra coisa? Você é surdo?— O senhor é tio de Sálvia Othonis?— Conhece a monstrinha?— O irmão da mãe dela é meu patrono. O enteado dela

é meu optio.— Enteado? A monstrinha tem um enteado? Ah, sim, eu

a dei em casamento para aquele velho... Porcinus.— Longinus.— Foi o que eu disse. Você tem mesmo um problema

de audição, não tem?— É possível, senador.— Vá embora. Pode ir. Está dispensado. E me deixe morrer.— Para ser franco, eu adoraria, mas não posso. Infeliz-

mente para nós dois, sou pago para proteger senadores.— Ah, é? Então me dê uma boa razão para que eu con-

tinue vivo.Dolens faz menção de falar e trava, porque nada lhe

vem à mente:— Espere — ele se encosta no parapeito da ponte e

apoia o queixo na mão. — Vou pensar.Otho, com a peruca torta e um semblante atarantado,

fica olhando para ele. E assim permanecem os dois, imóveis, por um tempo quase infindo.

— Dinheiro? — Dolens arrisca um palpite.— Boa tentativa — diz Otho. — Mas não.— Sexo — o rosto de Dolens se ilumina com a lem-

brança. — A pele sedosa das gaulesas, a carne tenra das itálicas, as cavidades rosadas das germanas, os mamilos duros das ibéricas!

— O falo de ébano dos núbios...— Se o senhor gosta, vá em frente.— Não basta. De tudo o que existe, já provei. Nada mais

a vida tem para me dar.— Poder, talvez?— Ah, o poder... — Otho resmunga. — Eu merecia go-

vernar o Império!— Tente.— Galba não confia em mim.— Nero não confiava em Galba. E hoje Galba é o imperador.— Você acha que devo trair Galba?— Estou apenas tentando salvar sua vida.— Se eu quisesse, poderia acabar com o velhote. Tenho

metade da idade dele. Sou mais inteligente. Mais culto. Mais bonito. E, mesmo que não fosse, eu, ao contrário dele, consigo limpar minha própria bunda depois de cagar. Nasci para ser imperador!

— Já é uma razão para continuar vivo, não é?— Limpar a bunda?— Também.— Quem sabe ainda não seja minha hora de morrer?— É hora de ir para casa, senador.— Hoje minha casa é minha casa, mas em breve minha

casa será o Palácio. Pelos deuses, eu juro! O velhote lamentará muito ter me desprezado.

— Deixe-me escoltá-lo até sua casa.— Escoltar, só, não. Você é meu convidado.— Convidado?— Vou dar uma festa. Não sabia?

XVIIMarcus Salvius Otho, com duas ou três ordens berra-

das a seus escravos, conseguia organizar banquetes que fariam uma orgia de Calígula parecer frugal. Se ele soubesse administrar o Império com a mesma eficiência com que promovia festas, teria sido maior que o divino Augustus.

Desiderius Dolens estava longe de ser um homem casto, mas experimentara somente a luxúria compatível com seu salário de centurião. Otho chamou uma dúzia de escravos e mandou que “seu amigo plebeu” fosse banhado, perfumado e embrulhado numa túnica de seda. Dolens nunca havia sequer tocado numa peça de seda. Mais tarde ele me disse que o tecido era tão leve que, mesmo vestido, ainda se sentia nu. E foi com tal sensação que ele entrou no peristylium da casa othoniana.

Britanas pintadas de azul, germanas tatuadas, asiáticas de pele amarela, egípcias acobreadas, númidas cor da noite, iberos hirsutos, gregos depilados, capadócios de longos bi-godes, lagostas grelhadas, ostras frescas, faisões fumegantes, polvos semivivos, todos ofertando sua carne aos convida-dos, no ritmo da orquestra escrava e do coro dos eunucos cantantes. Para outro senador, seria uma esbórnia sacrílega. Para Otho, era uma noite qualquer.

Dolens e Otho nasceram no mesmo ano, setecentos e oitenta e cinco da fundação da Cidade, com diferença de um mês e meio: Dolens veio ao mundo na véspera dos idos de março, e Otho no quarto dia antes das calendas de maio. Um era plebeu, o outro aristocrata. Um sonhava se tornar reles cavaleiro, o outro queria ser imperador. Um era alto e sarcástico, o outro, baixo e hiperbólico. Ainda assim, eles se pareciam: eram vítimas dos próprios impulsos, ao ponto de arriscarem sem motivo lógico a vida, a reputação ou ambas. Dolens ainda conseguia moderar seus desatinos, em parte pela falta de recursos, em parte pelo medo de morrer louco como seu pai. Otho, ao contrário, não tinha freios, nem para impedi-lo de escalar a morada dos deuses, nem para evitar que caísse no inferno.

Havia banheiras de vinho, chafarizes de ópio e turíbulos de cânhamo nos jardins da casa de Otho. Dolens me disse que sua última lembrança daquela noite foi arrastar para um divã uma contorcionista, uma virgem vestal e um eunuco tocador de címbalo.

Vita Dolentis, de Quintus Trebellius Nepos.

Max Mallmann divide suas palavras entre a literatura e a televi-são. Desde 2005, é um dos roteiristas do seriado A grande família. O centésimo em Roma é seu quinto romance.

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