Copa do mundo 2014 em Curitiba: os discursos do legado de
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
GEORGE LUIS FRANÇA SOARES DE MELO
COPA DO MUNDO 2014 EM CURITIBA: OS DISCURSOS DO LEGADO DE
MOBILIDADE URBANA
CURITIBA 2015
GEORGE LUIS FRANÇA SOARES DE MELO
COPA DO MUNDO 2014 EM CURITIBA: OS DISCURSOS DO LEGADO DE
MOBILIDADE URBANA.
CURITIBA 2015
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em História – Memória e Imagem pelo Curso de História – Memória e Imagem do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. LUIZ CARLOS RIBEIRO
À minha esposa e minhas filhas, por todo apoio.
AGRADECIMENTOS
Ao Criador do universo pela sua infinita graça que me fortaleceu durante
esses longos oito anos, onde a jornada diária iniciava as 07:00 h, com as minhas
atividades profissionais e terminava as 22:30 h, quando chegava em casa da
universidade. Dias longos e cansativos, mas cheios de realizações. Obrigado Pai!
À minha esposa Josélia e as minhas filhas Lídia, Rebeca e Isabela, pela
compreensão e apoio incondicional. Sei que sem a ajuda de vocês não teria
conseguido conquistar mais esse objetivo.
Ao Prof. Luiz Carlos Ribeiro, meu orientador, por sempre ter me atendido
prontamente e pelas orientações efetivas. Sei o quanto foi importante para esta
monografia a primeira correção, tornou-se uma bússola para minha escrita. Amigo,
fica minha gratidão e admiração!
Aos coordenadores, professores e a secretária Isabelle, do Curso de História
- Memória e Imagem da UFPR, pelo exemplo, dedicação e amizade. Ressalto que
das três universidades federais frequentadas, foi a que todos os professores me
conheciam pelo nome. Aos(s) senhores(as), o meu respeito!
Aos professores e alunos do Curso de História da UFPE e da UFAM, pelos
bons momentos de convivência. À distância nos separou, mas continuou a amizade.
Aos amigos de trabalho da 7º Região Militar, em Recife-PE; do Centro de
Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus-AM e do Colégio Militar de
Curitiba, com quem compartilhei essa caminhada. Obrigado pelo apoio.
Eu não tenho a alma covarde
Eu não tenho a alma covarde, Pois frente aos vendavais, eu nunca tremo:
O Paraíso brilha, arde, Como a fé, pela qual eu nada temo.
Deus, meu peito Te abrigou.
Deidade poderosa e onipresente! Vida – que em mim repousou.
Como eu – Vida Imortal – em Ti, potente!
Movem-nos o peito em vão Mil credos que não são mais do que enganos;
Sem valor, brotos mal sãos, Ou a ociosa espuma do Oceano,
A pôr dúvidas num ente.
Pego assim pela Tua infinidade; Preso tão seguramente
Na firme Rocha da imortalidade!
Com o amor de um grande enleio Teu espírito o tempo eterno anima,
Para cima e de permeio, Muda, apoia, dissolve, cria e ensina.
Se a Terra e a lua findassem,
Se não houvesse sóis nem universos, E se, só, Te abandonassem,
Haveria existência em Ti, por certo.
A Morte não tem lugar, Nem pode um único átomo abater:
És o Sopro mais o Ser Nada pode jamais Te exterminar.
Emily Brontë
RESUMO
O presente trabalho busca analisar os discursos sobre o legado de mobilidade urbana da Copa do Mundo 2014 em Curitiba, a partir do posicionamento dos diversos agentes envolvidos no projeto, como entidades governamentais, grupos sociais organizados e imprensa. O trabalho se estrutura abordando conceito de megaevento esportivo, mobilidade urbana e legado; indica projetos e obras; aponta os protagonistas, as instituições e os principais discursos e faz um balanço do que efetivamente ficou para a cidade de Curitiba. Desta análise, pode-se verificar um discurso homogêneo das entidades governamentais, em torno da perspectiva do desenvolvimento socioeconômico decorrente do megaevento esportivo e discursos divergentes por parte dos demais agentes.
Palavras-chave: Megaevento Esportivo; Copa do Mundo; Mobilidade Urbana;
Legado.
ABSTRACT
This study seeks to analyze discourses about the legacy of urban mobility of the World Cup 2014 in Curitiba, from the positioning of the various agents involved in the project, such as government entities, organized social groups and the media. The work is structured addressing concept of mega sports events, urban mobility and legacy; indicates projects and works; It points out the protagonists, institutions and major speeches and makes an assessment of what actually went to the city of Curitiba. From this analysis, one can check a homogeneous discourse of government agencies around the perspective of socio-economic development resulting from the mega sports events and divergent speeches by the other agents.
Keywords: Mega Sports Event; World Cup; Urban mobility; Legacy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - PROJETO DE MOBILIDADE URBANA DE CURITIBA COPA 2014.................................................. 26
FIGURA 2 - ESPAÇO LUMINOSO - MAPA DE CURITIBA COM OBRAS DA COPA 2014................................................. 30
FIGURA 3 - VIADUTO ESTAIADO DE CURITIBA.......................... 41
LISTA DE ABREVEATURAS E/OU SIGLAS
BRT - Bus Rapid Transit
CBF - Confederação Brasileira de Futebol
CEAC - Comitê Executivo para Assuntos da Copa
CIC - Cidade Industrial de Curitiba
COMEC - Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
CPC - Comitê Popular da Copa 2014
FGV - Fundação Getúlio Vargas
FIFA - Federação Internacional de Futebol
GECOPA - Grupo Executivo da Copa
IDDH - Instituto de Defesa dos Direitos Humanos
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPPUC - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
MINUSTAH - Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti
PAC - Programa de Aceleração do Crescimento
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PUCPR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná
RMC - Região Metropolitana de Curitiba
SECOPA - Secretaria Extraordinária da Copa 2014
SIMM - Sistema Integrado de Monitoramento Metropolitano
TCU - Tribunal de Contas da União
UFPR - Universidade Federal do Paraná
URBS - Urbanização de Curitiba S/A
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 13
2 APRESENTAÇÃO E CONCEITUALIZAÇÃO................................................ 16
2.1 Os Megaeventos Esportivos........................................................................ 16
2.2 Conceitos de Legado e Mobilidade Urbana................................................. 17
2.3 O Projeto da Copa do Mundo 2014 no Brasil e em Curitiba........................ 19
3 O PROJETO E AS OBRAS DE MOBILIDADE URBANA.............................. 22
3.1 PAC da Copa................................................................................................ 22
3.2 A Matriz de Responsabilidade...................................................................... 23
3.3 As principais obras........................................................................................ 25
3.4 Obras excluídas da Matriz de Responsabilidades........................................ 28
4 OS DISCURSOS DO LEGADO DE MOBILIDADE URBANA......................... 31
4.1 Os protagonistas nos discursos do legado da copa...................................... 31
4.2 As instituições nos discursos do legado da copa.......................................... 33
4.3 Os Pontos mais discutidos............................................................................ 35
4.3.1 Os discursos sobre a candidatura de Curitiba............................................ 35
4.3.2 O metrô de Curitiba e os Debates Populares............................................. 37
4.3.3 Alto preço das obras e o Viaduto Estaiado................................................. 39
4.3.4 O que efetivamente ficou para Curitiba...................................................... 42
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 45
FONTES.............................................................................................................. 47
REFERÊNCIAS................................................................................................... 48
13
1 INTRODUÇÃO
Na última década no Brasil, a realização de megaeventos esportivos vem
encontrando mais espaço nos discursos sobre a possibilidade da projeção de
impacto econômico e a geração de empregos; muito, devido à internacionalização
da economia nacional, mesmo com a sua fragilidade político-social. A partir da
realização dos Jogos Pan-americanos de 2007, dos preparativos da campanha do
Brasil para sediar a Copa da FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, os
discursos sobre os impactos e os legados possíveis de megaeventos ganharam
mais consistência no país.
A preparação da Copa do Mundo 2014 foi marcada por diversos problemas
em todas as cidades-sede e, consequentemente, por muitas críticas, principalmente,
na fase final da preparação, merecendo destaque a reprovação da população por
conta do emprego pouco transparente do dinheiro público nas construções e
reformas de estádios e arenas; os atrasos e superfaturamentos das obras de
mobilidade urbana e, até mesmo, discussões sobre a viabilidade do megaevento.
Constituindo-se uma situação contrária à projetada pelos governantes brasileiros,
que previa um grande lucro oriundo dos investimentos privados que o megaevento
proporcionaria ao crescimento econômico-social. Curitiba, como uma das doze
sedes, também vivenciou esses contratempos, particularmente, um aguçamento nos
discursos por parte das lideranças governamentais envolvidas no projeto e de uma
mobilização de entidades sociais organizadas a fim de assegurar os direitos dos
cidadãos.
A escolha do tema deste trabalho se deu a partir do contato com o Núcleo
de Estudos Futebol e Sociedade da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de
discussões com seu coordenador. Assim, o tema escolhido foi: Copa do Mundo
2014 em Curitiba: os discursos do legado de mobilidade urbana.
O estudo objetiva verificar projetos e obras de mobilidade urbana, com a
finalidade de possibilitar a análise dos discursos sobre o seu legado, a partir dos
pronunciamentos dos agentes envolvidos no projeto da Copa, tais como: imprensa,
órgãos públicos, núcleos acadêmicos e da sociedade organizada, compreendidos
entre o período da confirmação do Brasil como anfitrião do megaevento esportivo,
14
outubro de 2007 a julho de 2015, um ano após a realização do Mundial de Futebol.
Dentre as diversas possibilidades de abordagens da Copa do Mundo 2014, a opção
pelo tema se deu em virtude de sua notória relevância, pois na última década, os
estudos multi e interdisciplinares destacam a importância do tema para as cidades
envolvidas nos megaeventos esportivos. Saliente-se, ainda, que em Curitiba mais de
60% da população acreditavam que a cidade teria sua infraestrutura de mobilidade
urbana melhorada com o legado da copa, de acordo com pesquisa encomendada
pelo Ministério dos Esportes1.
Da diversidade de fontes disponíveis, foram escolhidas três instâncias que
comportam o recorte da discussão proposta, possibilitando a sua análise de forma
mais prática, que são: os pareceres de órgãos governamentais, como a Secretaria
Especial da Copa 2014 e o os relatórios do Tribunal de Contas do Estado do
Paraná; a posição da sociedade civil organizada, como os Boletins do Grupo Copa
em Discussão2, do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles e do Comitê
Popular da Copa em Curitiba3; e a imprensa local, com base nas publicações do
jornal Gazeta do Povo. Também, a fim de alcançar os objetivos definidos no
trabalho, foi realizada uma pesquisa descritiva na literatura existente sobre
megaeventos esportivos e uma análise secundária nos artigos científicos, relatórios
e dossiês produzidos em Curitiba sobre a Copa do Mundo 2014 e o legado de
mobilidade urbana.
Desta forma, da análise do conteúdo das fontes citadas em conjunto com a
pesquisa bibliográfica, o trabalho foi estruturado em quatro capítulos. O Primeiro traz
os conceitos de categorias como megaeventos, mobilidade urbana, legado e analisa
o projeto da Copa 2014 no Brasil e em Curitiba. O Segundo Capítulo verifica os
1 RABELO, A. Copa em Curitiba, benefícios para todos. Gazeta do Povo. Opinião. 19.09.2013. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/copa-em-curitiba-beneficios-para-todos-cb1wx1ykqg5qctksrbh9rit72. Acesso em: 18.08.2015 2 Copa em Discussão é uma iniciativa do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, do Projeto de Extensão Cidade em Debates (UFPR/Direito – Universidade Positivo – Ministério Público do Estado do Paraná) e do LaDiMe – Laboratório de Dinâmicas Metropolitanas do Departamento de Geografia da UFPR. É um meio de divulgação das ações relativas ao desenvolvimento do projeto Metropolização e Megaeventos Esportivos, coordenado pelo Observatório das Metrópoles e financiado pela FINEP. 3 Comitê Popular da Copa é uma frente de entidades, movimentos sociais urbanos, coletivos, pesquisadores e estudantes, que desde 2010 denuncia e mobiliza ações em protestos às violações em nome da Copa do Mundo. Desde o início dos debates e constituição dos comitês, o questionamento central é “Copa pra Quem?”.
15
projetos e obras de mobilidade urbana, como a importância do PAC da Copa e da
Matriz de Responsabilidades. O Terceiro Capítulo expõe os discursos do legado de
mobilidade urbana, destacando as lideranças protagonistas e as principais entidades
envolvidas, bem como os pontos mais debatidos – metrô de Curitiba, alto custo das
obras, viaduto estaiado - e o que ficou como legado para Curitiba. Nas
considerações finais é feito uma abordagem geral dos pontos mais significativos da
pesquisa.
16
2. APRESENTAÇÃO E CONCEITUALIZAÇÃO
2.1 MEGAEVENTO ESPORTIVO
Os megaeventos esportivos são eventos de caráter espetaculoso, sedutor de
grande público e de reconhecimento internacional, relevante para as cidades que os
sediam, em virtude da possibilidade do desenvolvimento econômico, da regeneração
urbana, dos impactos sociais positivos ao crescimento e a consolidação urbana,
sendo úteis para o gerenciamento das cidades em todos os seus aspectos (COSTA,
2013).
Nas últimas décadas, no Brasil e no plano internacional, tem se aprimorado
o conhecimento sobre impacto, viabilidade e organização dos megaeventos
esportivos, a partir de análises de empresas de consultoria especializa e de
negócios dos esportes. Estes estudos indicam uma polarização quando visto a partir
dos fatores econômicos e políticos dos países anfitriões, pois quando realizados em
países que apresentam vulnerabilidade na política e economia ou por se
encontrarem fora do eixo dos países desenvolvidos, megaeventos como os Jogos
Olímpicos de Atenas (2004), de Pequim (2008) e a Copa do Mundo de Futebol da
África do Sul (2010), são considerados pelos organizadores e investidores como
eventos de risco. Mas, quando realizados em países com perfis socioeconômicos já
consolidados, como: a Copa do Mundo de Futebol da Alemanha (2006) e os Jogos
Olímpicos de Londres (2012) são vistos de forma contrária, não lhes atribuindo risco.
Portanto, dentro destes critérios políticos e econômicos, a Copa da FIFA (2014) e as
Olimpíadas do Rio de Janeiro (2016), no Brasil, são megaeventos considerados de
alto risco. (RIBEIRO. 2014)
É importante frisar que em qualquer megaevento esportivo temas como os
impactos socioeconômicos e ambientais, o contexto político e os meios tecnológicos
são amplamente debatidos, mostrando como essa produção é uma teia
interdisciplinar que rompe a esfera do ambiente esportivo, tal é sua complexidade.
Assim, a vasta literatura sobre o assunto salienta essas transformações
socioeconômicas, a criação ou renovação da imagem do lugar e o desenvolvimento
17
de infraestrutura, como o principal legado desses eventos e, consequentemente, a
busca das cidades em sediá-los (VILLANO; TERRA, 2008).
Um bom exemplo a ser ilustrado é o de Barcelona, que ao se propor a sediar
as Olimpíadas de 1992, mesmo em momentos de dificuldade que a cidade passava,
definiu-se a visibilidade como oportunidade, um catalisador, para projetar a cidade
internacionalmente, buscar recursos para melhoria da malha urbana, estimular o
turismo e desenvolver e promover o esporte (TRUÑO, 2008).
Assim, a literatura da análise dos megaeventos alerta para o risco dos
eventos em países com fragilidades em sua política e economia, mesmo sendo eles
um catalisador de oportunidades para o desenvolvimento socioeconômico dos
países anfitriões, destacando Barcelona como um bom exemplo de legado de
megaevento.
2.2 CONCEITO DE LEGADO E MOBILIDADE URBANA
Em virtude das cidades sedes considerarem de forma significativa os
retornos sociais, econômicos e ambientais dos megaeventos, tem-se colocado os
legados no mesmo nível de importância que os jogos propriamente ditos. Não há na
literatura especializada uma clara e única definição para legado, devida sua
complexidade. Mas, pode-se atribuí-lo o “sentido de duradoura e positiva herança”
(VILLANO, TERRA, 2008, p. 106). Estas ocasionadas por diversas ações oriundas
de um minucioso projeto de planejamento e execução de intervenções.
Entende-se que o legado tem sentido multidimensional, variando de uma
cidade para outra, construções, museus, selos, placas, nomes de rua, e outros, que
pela grandiosidade do evento poderão ser lembrados pelo testemunho oral da
população, decorrente das experiências vividas no período do megaevento. Para
Poynter (2007), dentre a variedade de legados possíveis, pode-se categorizá-los em
tangíveis e intangíveis, sendo os primeiros enquadrados como de infraestrutura, por
ser passível a análise econômica de custo-benefício; e os últimos como de aspecto
cultural, pois seu resultado repercute de modo diverso, legitimando mudanças
positivas ou lançando sombra sobre um projeto mal feito e falho.
18
Ainda, destaca-se que as experiências adquiridas têm demonstrado que o
desenvolvimento urbano é modificado a partir da implantação de estruturas
primárias, como esporte e lazer; estruturas secundárias, como habitação e
recreação; e estruturas terciárias, incluindo tráfico e obras. As primárias e algumas
secundárias frequentemente construídas especialmente para os megaeventos,
enquanto as terciárias contemplam as já existentes ou previstas no plano diretor
urbano da cidade, independente de sua realização, tendo seu desenvolvimento
apenas antecipado ou acelerado, bem como a possibilidade de melhoria, em
decorrência do megaevento (PREUSS, 2005 como citado em RIBEIRO, 2008, p.
110).
Pela importância da infraestrutura de mobilidade urbana, é relevante
entender o seu significado. De acordo com as diretrizes da Política Nacional de
Mobilidade Urbana é definida como: a condição em que se realizam os
deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano; sendo infraestrutura de
mobilidade urbana: vias e demais logradouros públicos, inclusive metroferrovias,
hidrovias e ciclovias, estacionamentos, terminais, estações, pontos para embarque e
desembarque de passageiros e cargas, sinalização viária e de trânsito, instrumentos
de controle, fiscalização e arrecadação de taxas4.
Portanto, pela abrangência do termo infraestrutura de mobilidade urbana há
necessidade de um continuado planejamento pelos administradores públicos a fim
de possibilitar a melhor utilização dos recursos e eficiências dos aparelhos urbanos,
cabendo ao município o planejamento e a execução dos sensíveis serviços de
transporte público coletivo urbano.
Com esses conceitos, percebe-se de forma geral que infraestrutura de
mobilidade urbana depende de um minucioso planejamento e execução continuada
pelos governantes. Ao que parece, os aproximadamente cinco anos de preparação
para o megaevento se distanciam de uma base para a implementação da
infraestrutura, pelo sabido histórico de planejamento deficiente das cidades
brasileiras, levando a perceber a grande possibilidade de uma frustração das
expectativas no legado de mobilidade urbana.
4 A Política Nacional de Mobilidade Urbana, Lei nº 12.587, 03 JAN 12, é instrumento da política de desenvolvimento que objetiva a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município.
19
2.3 O PROJETO DA COPA DO MUNDO 2014 NO BRASIL E EM CURITIBA
No Brasil, os megaeventos esportivos tomaram mais visibilidade a partir da
criação do Ministério dos Esportes (2003) e os seus desdobramentos a fim de
garantir, pelo estado, o acesso ao esporte e ao lazer, de acordo com o disposto na
Política Nacional do Esporte5. Portanto, há mais de uma década que os
megaeventos integram as pautas de instituições públicas e privadas no país.
Estes megaeventos, como a Copa 2014 e as Olimpíadas de 2016,
considerados os maiores do mundo, são resultados do uso do esporte como
ferramenta de política externa do país, iniciada no primeiro mandato do Governo
Lula em 2003. A mídia nacional passou a apelidar essa política de “diplomacia da
bola”, tendo seu início no Jogo da Paz - Porto Príncipe, em agosto de 2004 –
envolvendo a seleção do Brasil e do Haiti, dentro do contexto da Missão das Nações
Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH); vindo posteriormente os Jogos
Pan-Americano (2007) e os Jogos Mundiais Militares (2011), este organizado em
parceria com o Conselho Internacional de Esportes Militares, ambos na cidade do
Rio de Janeiro. (RESENDE, 2010).
Ainda, sobre a diplomacia da bola, Resende (2010, p. 41) observa que ela
pode ser entendida como uma das ferramentas do Soft Power6 do Brasil e uma
estratégia que buscou posicionar o país na linha de frente das principais questões
internacionais da época, colocando-o no foco da mídia internacional e,
consequentemente, facilitar os investimentos públicos e privados a partir de uma
maior inserção na economia internacional.
De acordo com essa perspectiva e para subsidiar a análise da possibilidade
desses impactos na economia nacional, o governo encomendou estudos com
empresas especializadas, como a Value Partners, a Ernst & Young Brasil e a FVG
Projetos; como, também, diversas empresas independentes de pesquisas. Portanto,
“o que se percebe é um discurso próximo ao marketing político, em detrimento a
5 Política Nacional do Esporte, Resolução nº 05, do Conselho Nacional do Esporte, de 14 de junho de
2005. 6 Soft Power, ou poder brando, termo usado na teoria das relações internacionais para descrever a influência indireta no comportamento ou interesse de um corpo político por meios culturais ou ideológicos. O termo foi usado pela primeira vez pelo professor de Harvard Joseph Nye, no livro Soft Power: os meios para o sucesso na política Mundial (2004).
20
uma análise mais técnica” (RIBEIRO, 2014). Assim, observa-se que os discursos da
possibilidade de negócios e do aquecimento da economia nacional suplantaram
qualquer alerta sobre os riscos na sustentabilidade socioeconômica, sendo essas
informações ocultadas da população, principalmente, menos favorecida, que de
alguma forma seria envolvida no processo. De forma emblemática, pode-se citar
como exemplo dessa perspectiva, o discurso do então ministro dos esportes Orlando
Silva:
“A Copa é excelente plataforma para a promoção de nosso país em âmbito global. O mundo verá uma nação moderna e inovadora. Uma democracia forte. Um lugar marcado pela diversidade, pela tolerância e pela cultura de paz. Uma nação com economia complexa, estável, que permite desenvolvimento sustentado e forte política de inclusão social e distribuição de renda (...) A Copa gera empregos. Estudo contratado pelo Ministério do Esporte estima que serão criados 330 mil empregos permanentes até 2014 e que o evento produzirá outros 380 mil empregos temporários (...) A Copa estimula a melhoria do transporte coletivo nas nossas principais cidades. São 54 projetos para aperfeiçoar a mobilidade urbana”7.
Portanto, é nesta expectativa da oportunidade de aceleração do crescimento
econômico nacional e a da possibilidade da melhoria da infraestrutura das cidades,
que o Brasil se candidatou a sediar a Copa do Mundo de 2014. A escolha do Brasil
como país-sede não foi cercado de surpresa e no dia 30 de outubro de 2007, em
Zurique na Suíça, a FIFA confirmou o Brasil como país anfitrião do Mundial8.
A partir do anúncio, a disputa se acirrou entra a maioria das capitais
brasileiras para participação no megaevento esportivo de maior visualização
mundial. Com essa disputa, nota-se que os governos estaduais e municipais
incorporaram o programa do governo federal e vislumbraram a oportunidade de
desenvolvimento socioeconômico e da melhoria de infraestrutura. Portanto, é nessa
expectativa que 22, das 27 capitais brasileiras, incluindo Curitiba, candidataram-se a
subsede da copa9.
7 SILVA, O. “Faremos a melhor copa da história”. Folha de São Paulo. São Paulo 02 ABR 11.
Disponível em:<//www.folha.com.br/fsp/opinião/fz0204201108.htm>. Acesso: 01 Out 15. 8 Disponível em: <http://www.fifa.com/worldcup/news/y=2007/m=10/news=brazil-confirmed-2014-hosts-625695.htm>. Acessado:01 Out 15. 9 Copa 2014: Curitiba concorre com 21 cidades. Gazeta do Povo. Disponível em:< http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/arquibancada-virtual/copa-2014-curitiba-concorre-com-21-cidades/>. Acesso em 18 Ago 15.
21
Curitiba, pela sua infraestrutura hoteleira, de transporte e de comunicações,
além de contar na época com um estádio modelo no país (Arena da Baixada),
desponta como uma das favoritas, sendo difícil ficar fora do mundial, ao que parece,
esse era o sentimento dos governantes e da população paranaense.10 Expectativa
confirmada no dia 31 de maio de 2009, com o anúncio do presidente da FIFA
Joseph Blatter, em Nassau, nas Bahamas, de Curitiba como uma das subsedes do
Mundial. Assim, a capital paranaense pela segunda vez sediaria uma edição da
Copa do Mundo, fato já ocorrido em 195011.
É com esta confirmação que começaram os trabalhos para os
detalhamentos das ações que seriam desenvolvidas. Cléver de Almeida, presidente
do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), observa que
“estamos trabalhando há anos na implantação de algumas destas obras, e o
importante será o legado que elas deixarão para Curitiba”, ficando claro nas palavras
do presidente do IPPUC o que o megaevento representava como expectativa de
melhoria da infraestrutura para Curitiba.
Percebe-se, assim, que o processo foi carregado de expectativa positiva dos
governantes, onde mais de 2/3 das capitais se candidatou a subsediar o
megaevento. Lembrando, que para os brasileiros receber a copa do mundo já era
vantajoso, um motivo de “orgulho” por tudo que representa o futebol para o país,
somado com a expectativa do ganho financeiro decorrente do aquecimento da
economia, o sentimento da população se alinhou ao dos governantes na aprovação
do mundial de futebol do Brasil. Assim, nesse projeto, todos falavam em copa do
mundo, um sentimento de conquista no futebol que se aliou ao então crescimento
econômico do país.
10 FERNANDES, R. Curitiba concorre com 21 cidades. Gazeta do Povo. Curitiba, 01 Jun 2007. Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/arquibancada-virtual/copa-2014-curitiba-concorre-com-21-cidades/>. Acesso: em 18 Ago 15. 11 ARAÚJO, T. Curitiba é confirmada como uma das 12 subsedes do mundial. Gazeta do Povo. Curitiba, 31 Maio 2009. Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/curitiba-e-confirmada-como-uma-das-12-subsedes-do-mundial-bll4t9s7ltuog8rg789rubjv2>. Acesso: em 18 Ago 15.
22
3 O PROJETO E AS OBRAS
3.1 PAC DA COPA
Na fase de preparação, o grande projeto do Governo Federal com a
finalidade de discutir ações conjuntas pelos ministérios envolvidos para a
preparação adequada das doze cidades-sede do megaevento esportivo foi o PAC da
Copa, lançado em 11 de agosto de 2007. Este projeto fez parte do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), criado, também em 2007, no segundo mandato
do Presidente Lula e teve como objetivo promover a retomada do planejamento e
execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energia do
país, contribuindo para o desenvolvimento e sustentabilidade12.
Entre as diversas pastas diretamente envolvidas, o Ministério das Cidades
ficou responsável pela área da mobilidade, saneamento e pavimentação, a fim de
dar suporte ao transporte urbano. Para Márcio Fontes, chefe desta pasta, “terão
prioridade no PAC da Copa os projetos considerados estruturantes, que são mais
módicos e tem entrosamento entre os diferentes modais de transporte. Que possam
ficar como legado para a população e que tenham relação direta com a Copa”,
afirmou o ministro, sobre os critérios a serem adotados para a contemplação dos
projetos13. Portanto, com o PAC da Copa houve um aporte de R$ 220,12 bilhões de
reais para melhoria de infraestrutura, principalmente de mobilidade urbana para as
doze cidades-sede do mundial. Para a cidade de Curitiba foram previstos 7 bilhões
de reais14.
Também, foram em meio a inúmeras controvérsias, denúncias e
irregularidades do PAC, que o programa da copa foi lançado, considerando que o
Tribunal de Contas da União (TCU) já havia apontado irregularidades em 30 obras
12Sobre o PAC. Programa de Aceleração do Crescimento. Disponível em:<http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac>. Acesso em: 12 Out 15. 13 PRADA, R. Governo lança PAC da Copa. Portal 2014. São Paulo, 11 Ago 2009. Disponível em:<http://www.portal2014.org.br/noticias/888/GOVERNO+LANCA+O+PAC+DA+COPA.html>. Acesso em: 18 Ago 15. 14 Conheça os investimentos do PAC nas doze sedes da Copa. Portal Brasil.12 Jun 2014. Disponível em:<http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/06/conheca-os-investimentos-do-pac-nas-12-cidades-sede-da-copa>. Acesso em: 18 Ago 15.
23
fiscalizadas15. Ainda, crítica ao programa por ser vinculado à pré-candidata do
governo à presidência, Dilma Russeff, então ministra da Casa Civil e por privilegiar
candidatos aliados ao Governo Federal nos estados e municípios. Portanto,
percebesse que com o PAC da Copa o governo federal deu continuidade ao projeto
político de vincular os programas assistenciais à ministra da Casa Civil, escolhida
pelo presidente Lula para sua sucessão, onde fica claro quando o mesmo ratifica
essa situação, ao chamar Dilma Rosseff de “Mãe do PAC”. Cenário, este,
explorados pela oposição, mas rebatidos pelo governo. Desta feita, não seria
estranho pensar que o governo ao lançar o PAC da Copa tê-lo vinculado ao seu
projeto político partidário de sucessão presidencial para as eleições de 2010.
Diante do que foi posto, entende-se que é nesse contexto de escândalos e
jogo político da sucessão presidencial que há a indicação da abertura dos cofres
federais para as obras de infraestrutura de mobilidade urbana, levando a entender
que recurso não faltaria para financiamento de obras.
3.2 A MATRIZ DE RESPONSABILIDADE
Com a finalidade de definir o papel do governo federal, estadual e municipal,
bem como de agentes privados, na liberação de recursos e execução de ações,
foram realizadas Matrizes de Responsabilidades, acompanhadas de Termos de
Compromisso16. A matriz referente à copa em Curitiba foi assinada em 13 de janeiro
de 2010, pelo ministro de Estado do Esporte Orlando Silva, pelo governado Roberto
Requião e pelo prefeito de Curitiba, Beto Richa. Nela, destacou-se, na Cláusula
Terceira – Das Responsabilidades dos Partícipes, que ficou na competência do
Estado e Município, executar e custear as intervenções associadas à mobilidade
urbana, estádio e entorno, entorno de aeroportos e entorno de terminais turísticos
portuários; estando, assim, definidas as responsabilidades e os recursos para as
obras. Infelizmente, no decorrer da preparação, o que se percebeu foi uma 15SUWWAN, R.; DOCA, G.; GOIS, C. TCU recomenda paralisação de 41obras sendo 13 do PAC. O Globo. Rio de Janeiro, 10 Dez 2010. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/mat/2009/09/29/tcu-recomenda-paralisacao-de-41-obras-sendo-13-do-pac-paulo-bernardo-critica-tribunal-767823373.asp>. Acesso em: 18 Ago 15. 16Matriz de Responsabilidades. Copa 2014. Portal da Transparência. Disponível: <http://www.portaltransparencia.gov.br/copa2014/saibamais.seam?textoIdTexto=24>. Acesso em: 20 OUT 15.
24
constante mudança deste planejamento, com muitas supressões e acréscimos,
realizados através dos diversos Termos Aditivos.
Para a mobilidade urbana, a Matriz de Responsabilidade no seu Anexo “A”17,
estimou inicialmente as seguintes obras e valores:
OBRA Total do Projeto (R$)
BRT: Corredor Aeroporto/Rodoferroviária 107,2 milhões
Sistema Integrado de Monitoramento 69,1 milhões
BRT: Avenida Cândido de Abreu 5,1 milhões
Requalificação da Rodoferroviária 36,2 milhões
BRT: Extensão da Linha Verde Sul 18,8 milhões
Requalificação do Terminal Santa Cândida 12,1 milhões
Requalificação do Corredor Marechal Floriano 30,3 milhões
Corredor Metropolitano 130,7 milhões
Vias de Integração Radial 36,5 milhões
Como se percebe, logo, na Matriz de Responsabilidades ficou de fora o
metrô, o “sonho” dos curitibanos. É bom lembrar que, na fase de candidatura, o
projeto do metrô foi o “coração” da campanha paranaense, pois a expectativa era
que, pelo menos, um braço do corredor que ligaria a CIC Sul ao Bairro do Santa
Cândida, chamada pelo poder municipal de Linha Azul, abrigando 650 mil
passageiros, com 22 km e orçada em R$ 2 bilhões, ficasse pronto até 2014. Após
muita negociação com o governo federal a fim de possibilitar financiamento, o
projeto do metrô ficou inviável, não sendo contemplado nos recursos do PAC da
Copa, sendo prometido para inclusão do PAC 218.
Ressalta-se, ainda, que a previsão de investimento na Matriz de
Responsabilidade em mobilidade urbana foi de R$ 446 milhões, lembrando que a
perspectiva era muito maior, chegavam a “ilusão” de R$ 6 bilhões, recursos oriundos 17 Matriz de Responsabilidades. Copa 2014. Portal da Transparência. Disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/copa2014/arquivos/15%20-%20Curitiba%20-%20Arena%20e%20Mobilidade%20Urbana.pdf.> Acesso em: 21 OUT 15. 18 CABRAL, T. PAC da Copa pode dobrar e incluir o metrô de Curitiba. Gazeta do Povo. Curitiba 28 Nov 2009. Disponível: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pac-da-copa-pode-dobrar-e-incluir-o-metro-de-curitiba-c0nsmfqvh7dd2ee02nfpfqfda. Acesso em: 20 OUT 15.
25
dos cofres públicos, de acordo com a COMEC19. As cifras mostram que para a
obtenção dos tão discutido legado de mobilidade, não haveria limites para o
investimento, pois seria a grande oportunidade de resolver os problemas de
mobilidade de Curitiba.
3.3 AS PRINCIPAIS OBRAS DE MOBILIDADE URBANA
O Comitê Executivo para Assuntos da Copa (CEAC) em reunião com
representantes da Prefeitura, da COMEC e do IPPUC, concluiu em novembro de
2008, o projeto de mobilidade urbana de Curitiba para a Copa 2014 (FIGURA 1),
prevendo as obras e construções que atenderiam o Caderno de Encargos da FIFA,
a fim de possibilitar a candidatura da capital paranaense como subsede do
megaevento. O projeto pleiteava verbas para as obras de mobilidade que facilitariam
ou modernizariam o acesso e o trânsito de pessoas durante a copa, estabelecendo,
ainda, como foco principal das obras o acesso de torcedores entre o aeroporto, a
rodoferroviária e o local da realização dos jogos20.
19 MARCHIORI, R. A cidade quer mobilidade. Gazeta do Povo. Curitiba, 28 Jul 2012. Disponível: <http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/copa/2014/a-cidade-quer-mobilidade-2v47cu5n4xylkdmy9rybfopqm>. Acessado em: 20 OUT 15. 20 Reunião conclui projeto de mobilidade urbana para Curitiba. Gazeta do Povo. Curitiba 07 Nov 2008. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/reuniao-conclui-projeto-de-mobilidade-urbana-de-curitiba-para-copa-2014-b9mp6xddjchwpdcnrx5mtl5ce>. Acesso em: 20 OUT 15.
26
FIGURA 1. Projeto de Mobilidade Urbana de Curitiba – Copa 2014
Fonte: Gazeta do Povo
A partir deste projeto até a Matriz de Responsabilidades, ficaram definidas
as obras de mobilidade para a cidade de Curitiba. Desta feita, acordou-se que as
obras de responsabilidade do Governo do Estado do Paraná teriam seus projetos
elaborados pela COMEC, que são: Sistema Integrado de Monitoramento
Metropolitano (SIMM), Requalificação do Corredor Av. Marechal Floriano, Projeto de
Vias de Integração Radiais Metropolitanas, Corredor Metropolitano – Diversas Vias
Existentes e Corredor Aeroporto-Rodoviária; as de responsabilidade da Prefeitura de
Curitiba, com o projeto do IPPUC: Corredor Av. Marechal Floriano, Av. Cândido de
Abreu, Extensão da Linha Verde Sul, Requalificação da Rodoferroviária e seus
27
anexos e o Corredor Aeroporto-Rodoferroviária; com projeto do IPPUC e URBS:
Sistema Integrado de Monitoramento e Reforma e Ampliação do Terminal Santa
Cândida.
É importante, também, citar o que constituía cada uma destas intervenções
nesse projeto de mobilidade21:
1. O Sistema Integrado de Monitoramento Metropolitano (SIMM): previa
executar ações e atividades de planejamento, operação, fiscalização, controle e coleta
de dados, além de informações aos usuários, através de sistemas e equipamentos, com
prioridade para o transporte coletivo;
2. Requalificação do Corredor Av. Marechal Floriano: previa recuperar o eixo
no trecho entre o Terminal do Carmo e a Rua Pastor Antônio Polito, duplicarem a via e
implantar canaleta exclusiva para ônibus, e alargar o viaduto que cruza a estrada férrea.
A obra de requalificação com extensão de 8 km seria realizada nos trechos Linha
Verde/Divisa Municipal/Aeroporto.
3. Projeto de Vias de Integração Radiais Metropolitanas: previa que as obras
radiais facilitariam o acesso ao centro de Curitiba, interligando a malha urbana local ao
Corredor Metropolitano. Estavam previstos 27,1 km de obras, sendo na alça de acesso
Avenida Salgado Filho; na Rua Francisco Derosso, trecho Curitiba-São José dos
Pinhais; na Via da Integração, trecho Curitiba-Pinhais; e na Rua da Pedreira, trecho
Curitiba/Colombo;
4. Corredor Metropolitano: prevista como a obra de mobilidade urbana mais
cara, requalificando várias vias, numa extensão de 52 km, com a execução de obras
viárias e implantação de faixa exclusiva para ônibus. O corredor interliga os municípios
de Curitiba, Almirante Tamandaré, Pinhais, Colombo, Piraquara, São José dos Pinhais,
Fazenda Rio Grande e Araucária;
5. Avenida Cândido de Abreu: previa que fossem refeitos os passeios laterais
da via, e criado um calçadão central para pedestres com largura média de 17 metros,
onde seriam implantadas as estações de embarque e desembarque de passageiros e
equipamentos públicos;
21 CASTO, F. Obras de Mobilidade para Copa 2014 em Curitiba estão só no Papel. G1 Paraná. Curitiba 2012. Disponível: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2011/06/obras-de-mobilidade-para-copa-2014-em-curitiba-estao-no-papel.html. Acessado: 20 OUT 15.
28
6. Requalificação da Rodoferroviária: previa a reforma e ampliação do prédio
da Rodoferroviária (subsolo, térreo, pavimento superior e cobertura), das áreas de
estacionamento, do acesso de veículos e pedestres, além da construção de um viaduto
ligando Av. Affonso Camargo à Av. Comendador Franco;
7. Extensão da Linha Verde Sul: previa a ampliação em três quilômetros,
entre o Pinheirinho e o Contorno Sul de Curitiba, com a criação de uma nova linha
BRT22;
8. Corredor Aeroporto-Rodoferroviária: previa a construção de uma nova linha
BRT entre o Aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais e a Rodoferroviária de
Curitiba. É nesse corredor que se estabeleceu uma das obras mais discutidas, o Viaduto
Francisco dos Santos (viaduto estaiado), no bairro do Guabirotuba, obra que será
abordada com mais profundidade no capítulo seguinte; e
9. Reforma e Ampliação do Terminal Santa Cândida: previa, além da ampliação,
a recuperação da cobertura, substituição dos pisos das plataformas e melhoria das
condições de acesso e segurança dos usuários.
Considerando as diversas fontes que abordaram os projetos e as obras de
Mobilidade Urbana em Curitiba, o Relatório nº 01, da Comissão de Fiscalização da
Copa 2014, do TCE/PR23, foi a fonte analisada por se tratar de órgão público e
possibilitar a comparação, na continuidade do trabalho, com dados contidos no
último relatório do tribunal, expedido em janeiro de 2015.
3.4 OBRAS EXCLUÍDAS DA MATRIZ DE RESPONSABILIDADES
Com a necessidade dos projetos tomarem forma e com o tempo para a
execução das obras já se tornarem escassos, os órgãos responsáveis necessitavam
reavaliar tempo e custo, pois na expectativa de não perder a oportunidade de
melhorar a infraestrutura de mobilidade urbana da cidade, as entidades
governamentais envolvidas no planejamento não mensuraram, é o que se pode
22 BRT (Bus Rapid Transit) – é um sistema de transporte público baseado no uso de ônibus de tráfego rápido. 23 Relatório nº 01. TCE/PR. TCEPR. Curitiba 2012. 11 ABR 12. Disponível em: <http://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/copa-de-2014-relatorios-e-atas/236810/area/52>. Acesso: 18 AGO 15.
29
constatar com a exclusão de duas grandes intervenções previstas na Matriz de
Responsabilidades.
A primeira a se tornar inviável foi o Corredor Metropolitano, obra de
responsabilidade do governo estadual mais problemático do PAC da Copa, foi
orçada em R$ 130,7 milhões, mas seu custo chegaria a R$ 505 milhões. Para o
presidente da COMEC Gil Polidoro: “é o projeto mais equivocado, com inviabilidade
técnica e financeira”24 e para o secretário municipal da copa, Luiz de Carvalho: “foi
um erro lá atrás. Não havia um projeto definitivo. Trabalhava-se sobre estimativas e
os valores foram aumentando. A exclusão já era esperada”25, afirmaram.
Consequentemente, a obra foi excluída da Matriz de Responsabilidades por meio da
Resolução GECOPA nº 22, de 26 DEZ 1226.
Em seguida, o Corredor da Avenida Cândido de Abreu também foi excluído.
Obra de responsabilidade do governo municipal, avaliada em R$ 5.157.894,74, mas
com a conclusão do detalhamento do projeto executivo e a necessidade de mais
intervenções, que não estavam previstas inicialmente, o valor da obra chegaria a R$
26.242.000,00. Assim analisou o Presidente do IPPUC Sérgio Póvoa Pires:
“Não temos como arcar com esses valores e tampouco conseguiríamos cumprir os prazos legais previstos na Matriz de Responsabilidade. E investir mais de R$ 26 milhões em 900 metros de uma única avenida, é algo que nos faz pensar uma, duas, vinte vezes. Por isso, a melhor decisão foi pedir a rescisão do contrato de financiamento”27.
Sendo a obra excluída da Matriz de Responsabilidades por meio da
Resolução GECOPA nº 25, de 25 NOV 1328.
Efetivamente, era de se esperar o acréscimo nos valores e a inviabilidade de
tempo para a conclusão das obras, mas fica evidente o fraco planejamento e a
prioridade na concentração do investimento, pois houve exclusão de obras pelo auto
24Paraná tem obra excluída do PAC. Gazeta do Povo. Curitiba 2012. Disponível: http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/parana-tem-obra-excluida-do-pac-108czfwy2hzirkcyiujfxb3gu. Acessado: 18 Ago 15. 25 Idem 25. 26Relatório nº 14, de 22 Jan 15, do TCE/PR. TCEPR. Curitiba 2015. Disponível: http://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/copa-de-2014-relatorios-e-atas/236810/area/52. Acessado em: 20 Ago 15. 27Elevação de custo faz prefeitura cancelar obra da Cândido de Abreu. Prefeitura de Curitiba. Curitiba 2013. Disponível: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/elevacao-do-custo-faz-prefeitura-cancelar-obra-da-candido-de-abreu/28973. Acessado: 18 AGO 15. 28 Idem 27.
30
custo e implantação de outras, como o Viaduto Estaiado no corredor principal de
passagens de turistas Aeroporto-Rodoferroviária-Arena, estabelecendo-se o
“Espaço Luminoso” (SANTOS, 2002, p. 264), ou seja, o lugar onde se concentra os
maiores investimentos. (FIGURA 2).
FIGURA 2. “Espaço Luminoso” - Mapa de Curitiba com as obras da Copa 2014 Fonte: Comitê Popular da Copa - Curitiba
31
4 OS DISCURSOS DO LEGADO DE MOBILIDADE URBANA
4.1 AS LIDERANÇAS QUE PROTAGONIZARAM OS DISCURSOS
Desde início do processo de candidatura da cidade de Curitiba para subsediar
o mundial de futebol, sobressaiu-se nos debates sobre os legados da Copa 2014
políticos, administradores públicos e profissionais interessados no tema, sendo os mais
relevantes:
Beto Richa (PSDB), prefeito de Curitiba de janeiro de 2005 a março de 2010 e
governador do Estado desde janeiro de 2011, teve papel de destaque no processo e
nas discussões, pois em sua administração os projetos foram apresentados e
realizados os principais planejamentos das obras de mobilidade urbana da copa.
Roberto Requião (PMDB), governador do Paraná de janeiro de 2007 a abril de
2010 (terceiro mandato) e senador pelo Paraná desde 2011. O então governador criou
em 2008 o Comitê da Copa 2014.
Álvaro Dias (PSDB), ex-governador do Estado do Paraná e senador da
republica desde fevereiro de 1999, destacou-se pelas críticas ao Governo Federal, em
virtude dos atrasos nas obras da copa, citados nos relatórios do IPEA, observando
que, pela incompetência do governo para tocar as obras, deveria se desistir do evento:
“A continuar neste ritmo, é melhor que o governo brasileiro assuma sua incapacidade de empreender, peça desculpas ao país e devolva a primazia de organizar uma copa do mundo para que a FIFA possa destinar essa incumbência a outro país”.29
Gustavo Fruet (PDT), prefeito de Curitiba desde janeiro de 2012, criou em
março de 2013 a Comissão Executiva e o Comitê Gestor da Copa do Mundo, com a
finalidade de integrar as ações desenvolvidas pelos diversos órgãos do município,
junto com a Câmara Municipal. “A Copa é de Curitiba e temos que pensar
institucionalmente”30, afirmou o prefeito na ocasião da assinatura do decreto.
29Álvaro Dias quer que o Brasil desista da Copa. E você?. Gazeta do Povo. Curitiba 15 Abr 2011. Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/caixa-zero/alvaro-dias-quer-que-brasil-desista-da-copa-e-voce/>. Acesso: 07 Set 15. 30 Prefeito promete “cumprir prazos e compromissos e fazer bem feito”. Gazeta do Povo. Curitiba, 19 Mar 2013. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/copa/2014/dados-das-sedes/curitiba/prefeito-promete-cumprir-prazos-e-compromissos-e-fazer-bem-feito-b26dqmnu1qv4fhxchcas63o7i>. Acesso: 07 Set 15.
32
Orlando Pessuti (PMDB), vice-governador a partir de 2002, assumiu o
governo do estado em 1º de abril de 2010, em consequência da renúncia
do governador Roberto Requião, para concorrer ao Senado Federal; transmitiu o
cargo, em janeiro de 2011, a Beto Richa, governador eleito. Foi o presidente do
Comitê local para assuntos da Copa do Mundo de 2014, destacando-se como um dos
principais articuladores no processo de candidatura de Curitiba como uma das
subsedes do Mundial.
Luciano Ducci (PSB), vice-prefeito de Curitiba de janeiro 2005 a março de
2010. Assumiu a Prefeitura em março de 2010, em virtude da renúncia do prefeito Beto
Richa, para se candidatar ao governo do estado, permanecendo no cargo até
dezembro de 2012, sendo sucedido por Gustavo Fruet, prefeito atual. Foi membro do
Comitê Local para Assuntos da Copa do Mundo de 2014.
Pode-se, citar, ainda, Luiz de Carvalho, Secretário Municipal Extraordinária da
Copa do Mundo (SECOPA), nomeado em 2007 pelo então prefeito Beto Richa, sendo
substituído em 2013, por Reginaldo Cordeiro, durante o mandato do prefeito Gustavo
Fruet.
Os posicionamentos dessas lideranças foram carregados de um forte teor
político-partidário, muito em decorrência das desavenças entre o então prefeito de
Curitiba Beto Richa e o ex-governador Roberto Requião; do senador Álvaro Dias com o
Governo Federal, exemplos emblemáticos do contexto político da época. Ainda,
ressalta-se, que pegando carona nas manifestações de junho de 2013, alguns políticos
de partidos que não estavam inseridos diretamente na gestão pública, levantaram-se
com discursos oportunistas para criticar os altos gastos e o emprego do dinheiro
público nas obras da copa.
Apesar das divergências citadas, nota-se que houve um discurso homogêneo
dessas lideranças em favor da realização do megaevento na mesma vertente do
Governo Federal, no discurso da oportunidade de desenvolvimento socioeconômico.
É importante destacar, que mesmo sem um discurso direto sobre legado de
mobilidade urbana, o cargo ocupado representou relevância nas discussões do
tema.
33
4.2 AS INSTITUIÇÕES ENVOLVIDAS NOS DISCURSOS
Em razão das perspectivas dos impactos socioeconômicos no espaço
urbano da cidade, foram criadas diversas entidades governamentais com a
finalidade de coordenar as ações preparatórias e acompanhar as questões
relacionadas à realização do megaevento. Paralelamente, houve a mobilização da
sociedade civil organizada com grupos que buscavam maior participação nestes
processos. As mais atuantes foram:31
Secretaria Especial para Assuntos da Copa do Mundo de 2014 no Paraná,
com a função de coordenar as ações do megaevento no âmbito estadual,
gerenciada por Mario Celso Cunha. A secretária foi extinta em outubro de 2013, em
virtude de contenção de gastos, sendo incorporada a Secretaria de Esporte e Turismo.
Secretaria Municipal Extraordinária da Copa 2014, com a missão de articular
as ações preparatórias para o mundial na esfera municipal, gerenciado por Luiz
Carlos de Carvalho e, posteriormente, Reginaldo Cordeiro.
Comissão Especial para Assuntos da Copa, da Câmara Municipal de
Curitiba, de âmbito do legislativo municipal, para o acompanhamento das questões
relacionadas ao megaevento, presidida pelo Vereador Pedro Paulo. A comissão se
aproximou da comunidade através de diversas audiências públicas, onde buscou
informar as ações do município para a população.
Grupo de Trabalho do Tribunal de Contas do Estado Paraná (TCEPR),32
com a finalidade de realizar a fiscalização das prestações de contas relacionadas ao
megaevento, presidido pelo conselheiro Heinz Herwing e com a fiscalização do
procurador do Ministério Público Flávio Berti, nos trabalhos referentes ao governo
estadual e municipal.
Grupo de Trabalho do Ministério Público Federal, para acompanhar os
preparativos da copa, tendo como coordenador o procurador da República Athayde
Ribeiro e o procurador João Akira Omoto de Londrina como representante do
31 GORSDORF, L.; HIRAMI, A. Quem é quem na Copa. Copa em Discussão. Boletim Eletrônico, Ano 1, nº 1, Curitiba, 31 AGO 2011. 32 O TCE-PR criou um Grupo de Trabalho, em 2009, com a missão específica de fiscalizar todos os atos relativos à Copa 2014, em Curitiba.
34
Paraná e a procuradora regional dos direitos do cidadão Antônia Lélia Neves
Sanches, responsável em Curitiba.
O Ministério Público do Estado do Paraná, através do procurado geral de
justiça, Olimpio de Sá Sotto Maior, com diversas representações das promotorias de
justiça, verificaram as possíveis violações dos direitos humanos.
A Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC), criada para
coordenar as ações de interesse público e planejar soluções conjuntas para as
necessidades da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), ficou responsável pelos
projetos que melhorariam a mobilidade, proporcionando maior fluidez e segurança
nas vias de comunicação com o Aeroporto Internacional Afonso Pena, em São José
dos Pinhais.
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), órgão
vinculado a Prefeitura de Curitiba, responsável pelo planejamento e preparação da
cidade para a Copa 2014.
Comitê Popular da Copa 2014 Curitiba (CPC), composto por movimentos
sociais e entidades que buscavam maior participação no processo decisório de
maneira ampliada, com transparência e respeito aos direitos humanos. Articulado a
uma rede nacional, realizou ações e monitoramentos de políticas públicas e
mobilização da sociedade civil. Só em Curitiba, mais de vinte e cinco entidades
participaram dessa iniciativa, dentre elas, destacaram-se o Observatório das
Metrópoles, Observatório de Políticas Públicas do Paraná, Terra de Direitos,
Ambiens Sociedade Cooperativa e diversos núcleos de estudo da Universidade
Federal do Paraná (UFPR).
Jogos Limpos Dentro e Fora dos Gramados, um projeto liderado pelo
Instituto Ethos, com apoio da Siemens Integrity Initiative, com comitês nas subsedes,
buscaram acordo com empresas, compromisso de transparência entre governantes
e ofereceram uma ferramenta para ações coletivas de vigilância, monitoramento e
controle social sobre os investimentos destinados ao mundial em Curitiba.
O Jornal Gazeta do Povo foi um dos primeiros periódicos do Brasil a se
preocupar em acompanhar a movimentação do mundial, tendo uma página na
internet exclusiva para a Copa, desde junho de 2011. A equipe do jornal dedicada à
35
cobertura do megaevento teve um olhar de avaliador, informando por meio de seus
editais os pontos mais discutidos do megaevento.
Pode-se perceber que pela quantidade de órgãos envolvidos e por suas
relevâncias, a importância do megaevento para Curitiba. Ressalta-se, também, que
houve um número expressivo de manifestações e debates na cidade, bem como a
participação de diversas entidades não mencionada no presente trabalho.
Entretanto, as mencionadas representam os grupos de maior participação nos
discursos do legado de mobilidade urbana.
4.3 PONTOS MAIS DISCUTIDOS
Os discursos em torno do legado de mobilidade urbana da Copa 2014 em
Curitiba começaram antes da confirmação pela FIFA, em 2007, do Brasil como o
anfitrião do mundial de futebol e se estenderam para além da realização da
competição em 2014. Esse contexto se desenhou em virtude de Curitiba ter
despontado como candidata favorita a subsede do megaevento, graças à
infraestrutura da cidade e por possuir, na época, um dos estádios mais modernos do
Brasil, a Arena da Baixada do Clube Atlético Paranaense. Assim, por mais de sete
anos ao se falar da Copa do Mundo, discutiu-se o legado de mobilidade urbana para
Curitiba. Um vasto material com posicionamentos diversos, que vezes se opõem ou
se aliam, sendo necessária a escolha dos mais relevantes ou representativos.
Assim, serão apresentados os discursos de representantes de entidades
governamentais, da sociedade civil organizada e de núcleos acadêmicos.
4.3.1 DISCURSOS SOBRE A CANDIDATURA DE CURITIBA
A apresentação da candidatura de Curitiba como subsede da Copa 2014 foi
carregada de otimismo, visto que o jornal Gazeta do Povo quando noticia a
oficialização, em junho de 2007, da capital paranaense junto a CBF, destaca que:
“pela infraestrutura hoteleira, de transporte e de comunicações que temos, além da localização geográfica privilegiada e de contar com um estádio
36
modelo, mesmo que ainda inacabado, é difícil que Curitiba fique fora do Mundial”33.
Essa expectativa fica clara quando o mesmo periódico ao se referir aos
projetos das cidades candidatas, ressalta que “em vez de 12 locais de jogos, o
Comitê Executivo escolherá 12 legados à espera de uma robusta injeção de dinheiro
público e privado” e as “estimativas de momento indicam que o legado de Curitiba
custará pelo menos R$ 6,5 bilhões”34.
Portanto, o mundial seria a oportunidade para alavancar obras importantes
de mobilidade urbana e, então, seguir o exemplo das Olimpíadas de Barcelona
(1992), que se tornaram o emblema do aproveitamento das oportunidades trazidas
por um megaevento esportivo. A Gazeta do Povo cita a observação da Professora
Fernanda Sânchez, do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal
Fluminense: “Barcelona fez uma intervenção complexa, com estratégias bem
definidas e polos bem estruturados”; e o arquiteto Clóvis Ultramari, professor de
gestão urbana da PUCPR:
“As Olimpíadas de Barcelona representaram uma mudança de paradigma. Desde então, passou-se a aplicar o princípio de utilização posterior dos projetos. É uma segunda geração de projetos urbanísticos. Temos lições aprendidas no passado”35.
Portanto, além da posição homogênia das entidades governamentais do
desenvolvimento socioeconômico, pode-se perceber nos discursos mostrados, em
especial do professor da PUCPR, que a expectativa era de um legado de mobilidade
urbana que transformaria a capital paranaense. O que parece é que existiu por
partes dos agentes envolvidos um alinhamento dos discursos de modo favoráveis à
realização do mundial em Curitiba.
33Copa 2014: Curitiba concorre com 21 cidades. Gazeta do Povo. Curitiba 01 Jun 07. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/arquibancada-virtual/copa-2014-curitiba-concorre-com-21-cidades/>. Acesso em: 02 Nov 15. 34 ARAÚJO, T. Projeto Desenha a Curitiba 2014. Gazeta do Povo. Curitiba 15 Mar 2009. Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/projeto-desenha-a-curitiba-de-2014-bh4xl1a0galvus21ayzx3fs5q>. Acesso em: 02 Nov 12. 35 CABRAL, T.; BOREKI, V. Copa 2014 Tira do Papel Velhos Projetos para Curitiba. Gazeta do Povo. Curitiba 05 Fev 2009. Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/copa-de-2014-tira-do-papel-velhos-projetos-para-curitiba-bet5fq1lwlx4bsv8na1lh1qvi>. Acesso em: 03 NOV 15.
37
4.3.2 O METRÔ DE CURITIBA E OS DEBATES POPULARES
Tirar do papel velhos projetos era possibilitar a realização do sonho dos
curitibanos: o metrô, que se tornara, também, o “coração da candidatura”. A
promessa era que, pelo menos, a Linha Azul, ligando o CIC ao Santa Cândida, com
três estações na Avenida Sete de Setembro, próximo a Arena da Baixada, ficasse
pronta até o início do megaevento. Obra orçada pelo IPPUC em R$ 2 bilhões, para
um trecho de 22 km.
Nas discussões sobre a efetividade do metrô de Curitiba, podem-se citar as
declarações de Eduardo Ratton, engenheiro civil e titular do Departamento de
Transporte da UFPR, que considera a obra como uma “necessidade incontestável e
cujo alcance ultrapassa seus usuários”; do arquiteto Carlos Hardt, diretor do Curso
de Arquitetura da PUCPR: “o metrô estava na agenda da cidade independente da
copa, e agora será contemplada com os recursos necessários para solucionar as
deficiências de um sistema projetado na década de 70 e que está ultrapassado”,
informou; e de Luis Henrique Cavalcante Fragomeni, arquiteto, urbanista e professor
da UFPR, mesmo duvidando da efetivação do projeto, ressalta que: “(...) Curitiba
continuará dormindo em berço esplêndido em termos de visão internacional de
novas propostas de integração da cidade com a região metropolitana, que é a
grande transformação necessária”36. Deste modo, constata-se que os discursos se
alinharam em torno da importância do metrô para a mobilidade urbana da cidade e
que o megaevento possibilitaria essa realização. Mas, como não houve acordo entre
a Prefeitura de Curitiba e o Governo Federal sobre as condições do financiamento
do metrô, a obra não foi incluída no PAC da Copa. A posição do então prefeito Beto
Richa foi que se o financiamento fosse aceito nos termos propostos haveria um
comprometimento das finanças do município, pois:
“sendo um financiamento e considerando a alto custo do metrô, comprometeria a capacidade de endividamento da prefeitura. Parte do custo do metrô tem de ser recurso do governo federal a fundo perdido, como aconteceu em outras cidades”37
36MIKOS, A. Obras necessárias, mas ainda insuficientes. Gazeta do Povo. Curitiba 14 Mar 2009. Disponívelem:<http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/obras-necessarias-mas-ainda-insuficientes-bh4z8ayzg8u1snxc2askkip1q>. Acesso em: 03 Nov 15. 37
CABRAL, T. Metrô está fora da Copa. Gazeta do Povo. Curitiba 18 Dez 2009. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/metro-esta-fora-do-pac-da-copa-c23sjlg8x78dzhq3iqwlh4n66>. Acesso: 12 Nov 15.
38
Embora nessa face inicial, de candidatura e preparação, os discursos se
homogeneizaram em torno da importância do legado de mobilidade urbana para a
transformação da cidade, houve, também, vozes que buscaram abrir espaço para
que a população pudesse conhecer e discutir como estavam sendo feito os
investimentos governamentais para o mundial de futebol. Neste sentido, destacam-
se iniciativas como o do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, com o seu
boletim mensal Copa em Discussão, do Comitê Popular da Copa e de diversos
eventos como o (De) Bate-bola Curitiba.
Tratando de debate popular, dos diversos realizados, destaca-se o (De)
Bate-Bola. O primeiro38 teve a coordenação da professora Olga Firkowski, do Núcleo
Curitiba do INCT/Observatório das Metrópoles. Nele, o Sr. Quito, representante do
Centro de Solidariedade aos Povos, ponderou afirmando que a universidade é um
“lugar de crítica” e que “diante de tudo consumado em termos de infraestrutura,
faltavam discutir investimentos na educação e saúde. Ficar preocupado só com a
infraestrutura é negar a população”, concluiu; o Sr. Bruno, da Ambiens Sociedade
Corporativa, fez uma análise do ponto de vista da população e questionou “o que
estamos ganhando?”, colocou em dúvidas a verdade das exigências que
desrespeitam a população, posto que o metrô já tenha sido apontado como uma
exigência, e não era mais; questiona, ainda, porque demandas básicas como água,
luz elétrica, saúde, educação e moradia não estavam no debate e conclui sua
participação na discussão indagando: “qual o nosso benefício?”.
Entretanto, o discurso que expressa de forma mais evidente essa posição é
da Juliana Cabral, advogada do Centro de Referência do Instituto de Defesa dos
Direitos Humanos (IDDEHA) e integrante do Observatório de Políticas Públicas do
Paraná, em sua palestra no II (De) Bate-bola39 ressaltou algumas preocupações a
serem observadas, como: evitar violações de Direitos Humanos, impedir
superendividamentos, denunciar os superfaturamentos, conquistar transparência
pública e superar as consequências sociais nocivas, entre outras. Questionando
38 I (De) Bate-Bola Curitiba. Realizado no 1º de setembro de 2010, no anfiteatro 100, do prédio Dom Pedro II, da UFPR, discutiu sobre os Impactos Metropolitanos da copa 2014 em Curitiba. Fizeram-se presentes 70 pessoas que acompanharam e levantaram questões às apresentações dos projetos que seriam realizados na RMC para Copa 2014. 39 II (De) Bate-Bola Curitiba. Realizado em 7 de abril de 2011, no mesmo local e abordou a temática dos Direitos Humanos e a Copa de 2014.
39
enfaticamente que: “vamos admitir essas violações e a suspensão dos direitos em
nome de um megaevento?”. A palestrante lamenta, também, que debates como este
sejam vistos como contrários à copa - um inimigo do megaevento - e não às suas
prováveis sequelas. Nesse sentido, narra que lhe perguntou uma aluna: “qual o
objetivo de vocês, só incomodar?”.
Desta forma, percebe-se que não pensar em mobilidade urbana no período
ou introduzir discursos sobre direitos humanos, como verificados nos (De) Bate-
Bolas, era não participar, incomodar ou ser inimigo da realização da copa, como
citado por Juliana Cabral. Portanto, forma-se uma imaginária polarização dos
discursos na fase inicial dos discursos sobre o legado do megaevento. Tendo de um
lado os grupos citados e do outro as entidades governamentais, a imprensa e
grande parte da população que apoiavam o megaevento sem ressalvas, em virtude
da importância deste para a transformação da cidade.
4.3.3 O ALTO PREÇO DAS OBRAS E O VIADUTO ESTAIADO
Os discursos giraram, também, em torno dos atrasos e alto custo das obras.
Tornaram-se corriqueiros na mídia curitibana os noticiários como: “atrasos
inflacionam obras”, “atrasos em pagamento paralisam três obras”, “TCU aponta
atrasos nas obras da Copa 2014”, “Curitiba descobre custo real da Copa”, “o alto
preço do viaduto estaiado” e “projeto de Curitiba para copa inflacionou 40%”, todos
do jornal Gazeta do Povo.
Tomando como referência a Matriz de Responsabilidades de 2010, todas as
obras de mobilidade urbana, tanto sob a responsabilidade do estado, quando do
município tiveram atraso nas suas execuções. Os principais fatores deste retardo
foram: termos aditivos, reajustes, atraso no pagamento e inclusão de
desapropriação nas obras previstas no PAC da Copa, contribuindo para inflacionar o
valor final das obras e, consequentemente, a necessidade de exclusão de
intervenções importantes, como: o Corredor Metropolitano e a requalificação da
Avenida Cândido de Abreu, já tratadas anteriormente.
Sobre o atraso e as exclusões, a professora Olga Firkowski, do
Departamento de Geografia da UFPR, analisa que houve uma inversão de
40
prioridades, pois “as obras foram sendo retiradas do planejamento porque não
ficariam prontas a tempo. Eram obras que davam sentido à mobilização de recursos,
trariam ganhos para o conjunto da cidade”40. Ainda, as exclusões foram geradas
pelo mau planejamento das obras, tempo hábil para realização e o crescente custo
para os cofres do Estado e Município. Ainda, nota-se que nessas exclusões outros
fatores foram relevantes, como o já mencionado “espaço luminoso”.
Esse crescente reajuste se tornou um grande problema, pois o PAC da copa
previa investimentos financiados pela Caixa Econômica na ordem de 95% e de
recursos próprios estaduais e municipais na ordem de 5%. Sendo os excedentes
bancados pelos cofres locais. Questionado sobre os gastos, o presidente do Ippuc
Sérgio Póvoa Pires, fez a seguinte observação:
“quanto se faz projetos sem muitos detalhes, tem uma estimativa de custo. Quando detalha esse projeto, tem-se uma estimativa real. O que aconteceu foi isso. Quando se começou a detalhar a proposta viu-se que a situação era diferente”.41
Na opinião do ex-secretário municipal da copa, Luiz de Carvalho “não é tão
astronômica e exorbitante como aconteceu em outras sedes”, afirmou ao ser
questionado sobre o aumento de mais de R$135 milhões entre o orçamento inicial e
o final das obras de Curitiba42.
Todas as obras de mobilidade tiveram seus valores reajustados, algumas
com valores mais que duplicados como: o projeto estadual do Corredor Marechal
Floriano 134% e do Sistema Integrado de Monitoramento 104%: os trechos
municipais do Corredor Aeroporto-Rodoviária 102,9% e Marechal Floriano 90,1%43.
Portanto, verifica-se que a vinculação pela mídia de noticiários que jogaram
luzes sobre o real preço das obras de mobilidade urbana e seu aumento significativo
não foram capazes de desfazer o velho discurso hegemônico do legado dos órgãos
governamentais, exemplificados nas afirmações do Sérgio Póvoa e Luiz de
Carvalho. 40 MARCHIORI, R. Curitiba deixou 1bilhão para trás. Gazeta do Povo. Curitiba 02 Jun 14. Disponível em:< http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/copa/2014/curitiba-deixou-r-1-bilhao-para-tras-90si0pfugd27jxwj61ate9efi>. Acessado em: 12 Nov 15. 41
JUNIOR, L. Curitiba descobre custo real da Copa. Gazeta do Povo. Curitiba 24 Fev 13. Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/copa/2014/dados-das-sedes/curitiba/curitiba-descobre-custo-real-da-copa-aqrfla4tc18d9ffpbzhxdbrga>. Acessado em 11 Nov 15. 42 Idem 40. 43 Acréscimos considerados no período compreendido entre a Matriz de Responsabilidades, janeiro de 2010, e o Relatório do Tribunal de Contas do Estado do Paraná de novembro de 2013.
41
Destaca-se, também, pelo seu alto custo e por ser uma obra emblemática, o
viaduto estaiado da Avenida Coronel Francisco H. dos Santos. Obra que não estava
prevista na Matriz de responsabilidades e fora incluída no Corredor Aeroporto-
Rodoferroviária, orçada no valor de R$ 84,49 milhões, que de acordo com o
engenheiro Edson Navarro, auditor externo do TCU, daria para construir 20 viadutos
comuns, contribuindo para elevar a participação da prefeitura de Curitiba de R$ 11,1
milhões para 146,8 milhões44. (Figura 3).
FIGURA 3. Viaduto Estaiado de Curitiba – Rua Cel. Francisco H. dos Santos
Fonte: Prefeitura de Curitiba – Infografia: Gazeta do Povo
Os discursos sobre o viaduto estaiado não se limitaram ao seu alto preço.
Pode-se destacar a posição de Carlos Hardt, Diretor do Curso de Arquitetura e
Urbanismo da PUC, que aprovou o investimento afirmando que “às vezes vale
investir mais em uma obra vistosa que melhora a paisagem”. Para os moradores da
região o “estaiado é mais caro, mas é uma obra que atende uma necessidade mais
44 MARCHIORI, R. O alto preço do Viaduto Estaiado. Gazeta do Povo. Curitiba 26 Abr 2012. Disponível em: https://www.google.com/url?q=http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-alto-preco-do-viaduto-estaiado-21luss1srh0n89bs1pj2yywjy&sa=U&ved>. Acesso em: 18 Ago 15.
42
rápida. Além disso, é bonita e valoriza uma região por onde passam muitos turistas”,
depoimento colhido do jornal Gazeta do Povo na época. 45
Mas, também, o viaduto foi analisado sobre seu valor representativo; pois
sua escolha pode ser entendida dentro da estratégia do City Marketing de Curitiba,
preservando sua imagem de cidade modelo e bem planejada a partir de
equipamentos urbanos simbólicos (BRANDENBURG; CHIMENES, 2015). Destaca-
se, ainda, sua posição no corredor Aeroporto-Rodoferroviária, que se tornou a vitrine
da cidade para os turistas, a partir do projeto de embelezamento desse espaço,
onde se concentrou os maiores investimentos de mobilidade urbana, compondo o
que Santos (2009) nomeia de “espaço luminoso” (Figura 2).
Portanto, mesmo com o seu custo superando 60% do valor previsto no
projeto original e não havendo consulta ou qualquer participação popular, o que se
verifica é uma justificava da obra pela importância do significado imagético para a
promoção da cidade, tornando-se um ícone do legado de mobilidade urbana da
Copa 2014 em Curitiba.
4.3.4 O QUE EFETIVAMENTE FICOU PARA CURITIBA
Para abordar os discursos do que ficou como legado é importante resgatar o
contexto do projeto copa; assim, com a escolha de Curitiba como uma das sedes da
copa 2014, o que se observou foi uma aposta nos projetos de infraestrutura que
transformariam ou resolveriam os problemas de mobilidade urbana de Curitiba. Mas,
com o passar do tempo, o que se viu foram alterações, atrasos, paralisações,
exclusões, aumento do custo e outros problemas que não só mudaram
completamente projeto inicial, como a opinião da população em relação ao
megaevento. Além dos problemas inerentes as obras, uma forte crise política
decorrente da corrupção na Petrobras, contribuiu para esse descrédito ou mudança
de ânimo.
Pode-se perceber essa mudança quando se analisa os dados da Paraná
Pesquisas, onde em dezembro de 2014, com a pergunta “o investimento realizado
pelo governo do estado e pela prefeitura para fazer a copa para Curitiba valeu a
45
Idem 43.
43
pena?”, 80% responderam negativamente e 20% positivamente46; muito diferente da
realizada em junho de 2011, onde 30,9% responderam que não apoiariam a copa e
66,5% da população apoiariam47. Um aumento na desaprovação de
aproximadamente 50%, em três anos.
Essa reprovação da população encontra amparo nas palavras da professora
da UFPR Olga Firkowski, coordenadora do Núcleo Curitiba do Observatório das
Metrópoles, quando analisou o que ficou de legado:
“O discurso do legado foi assumido como algo positivo. Havia uma expectativa imensa em ampliação de vias, construção do metrô e outras obras. Mas o legado não vem por antecipação, só dá para avaliar depois. E ficou muito pouca coisa.”48
Entretanto, os discursos sobre o que realmente ficou para a cidade são
polarizados, pois a desaprovação da população e da sociedade civil organizada
diverge com a posição das entidades governamentais, como o parecer do secretário
de urbanismo de Curitiba: “a copa foi muito importante porque resolveu alguns
problemas do sistema viário, principalmente dos acessos para quem chega via
aeroporto. A cidade ganhou em tudo”49, observou Reginaldo Cordeiro. Outra
avaliação associada a essa é a do coordenador da copa em Curitiba, Mario Celso
Cunha, que pondera a reprovação da população, ressaltando que o momento
político de corrupção do país contribuiu para as críticas ao evento e que “o mundial
trouxe mais de R$ 2 bilhões em investimentos para o estado. (...) A reformulação da
Avenida das Torres foi graças à copa, assim como a reforma da Rodoviária que não
se fazia há 30 anos.”50
Ainda, é importante ressaltar nesses discursos a análise feita por Firkowski
(2015) sobre a copa 2014 e as transformações em Curitiba, e sua opção da não
utilização do termo “legado” quando discute o tema:
“Prefiro não utilizar ao longo do texto o termo legado, por duas razões principais: primeiro, porque tal termo passou a compor os discursos hegemônicos e de legitimação da realização dos megaeventos no Brasil, portanto, o legado estava dado de modo apriorístico; em segundo lugar,
46 KOMARCHESQUI, B. População reprova gastos feitos na copa. Gazeta do Povo. Curitiba 01 Jan 2015. Disponível em:< http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/populacao-reprova-gastos-feitos-na-copa-ehwjntgfb0hlb0vwaorcp2lou>. Acessado em: 12 Nov 15. 47 CHIMENEZ, A. Copa em Análise. Copa em Discussão. Boletim nº 30, Curitiba 30 ABR 14. 48 RIBEIRO, G. Legado da Copa ficou pela metade em Curitiba. Gazeta do Povo. Curitiba 28 Dez 2014. Disponível em: < http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/legado-da-copa-ficou-pela-metade-em-curitiba-ehs8wi1cwokf60u2eajd2ynv2>. Acessado em: 12 NOV 15. 49 Idem 45. 50 Idem 45.
44
porque temos dificuldade de entender como legado obras realizadas com o dinheiro público e que, para ser realizadas, tiveram que se impor sobre outras necessidades e urgências da sociedade, inverter ou adiantar a ordem de prioridades de modo a acelerar aquilo que interessa para a viabilização de megaevento.” (FIRKOWSKI, 2015).
Efetivamente o que ficou como legado de mobilidade urbana, oriundo do
projeto de transformação da copa, foi o Viaduto Estaiado, com seu simbolismo; o
Corredor Aeroporto-Rodoferroviária, com a remodelação da Avenida das Torres; a
reforma da Rodoferroviária; e o Sistema Integrado de Monitoramento de Tráfego
(SIM). Portanto, como analisa Firkowski (2015) não houve implantação de novos
núcleos de mobilidade, como seria o caso do metrô e do corredor metropolitano,
mas sim um melhoramento ou adequação das estruturas já existentes na cidade.
Ressalta-se que com o término do megaevento esportivo as discussões
foram cessando, mas não se pode apagar tudo aquilo que foi discutido, produzindo
um valioso legado documental para Curitiba. Destacando-se os diversos
documentos governamentais como: o Relatório nº 14-TCEPR51, da Comissão de
Fiscalização da Copa 2014, último relatório publicado que verificou o andamento dos
projetos, desapropriações e obras de responsabilidade do Município e do Estado,
referente aos dados de novembro de 2014. Existe, ainda, a previsão do relatório final
do TCEPR, sem data prevista para sua divulgação. E de documentos elaborados
pela sociedade organizada, como dossiês e trabalhos acadêmicos sobre o legado de
mobilidade urbana, entre estes se destaca “Curitiba: os impactos da Copa do Mundo
2014”52, do núcleo de Curitiba do Observatório das Metrópoles.
51 Relatório nº 14- TCEPR. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Curitiba 01 Jan 2015. Disponível em: <http://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/relatorios-de-auditoria/236830>. Acesso em: 12 Nov 15. 52
FIRKOWSKI, O.L.C.F. (org.). Curitiba: os impactos da Copa do Mundo 2014. Curitiba 2015. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_abook&view=book&catid=1%3Alivros&id=167%3Acuritiba&Itemid=123&lang=pt>. Acesso em: 12 Nov 15.
45
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar os discursos do legado de mobilidade urbana da Copa 2014, em
Curitiba, verificou-se que, conceitualmente, os megaeventos esportivos têm sido
associados ao desenvolvimento econômico e social, como a divulgação
internacional e a melhoria da infraestrutura das cidades que os sediam.
A candidatura do Brasil para sediar a Copa de 2014 foi carregada desta
expectativa, que, também, estenderam-se as cidades sedes. Curitiba vislumbrou no
legado do mundial de futebol a possibilidade da realização do “sonhado” metrô, bem
como da solução dos problemas de um sistema de mobilidade que já apresenta
seus desgastes.
Assim, ao analisar os discursos do legado de mobilidade urbana, verificou-se
uma posição homogênica dos órgãos governamentais em todas as fases da copa -
da candidatura ao pós-copa – onde, os recursos empregados se justificariam pelo
legado do megaevento, “fechando os olhos” para o crescente custo das obras
herdado pelo poder público local e, também, para os problemas enfrentados pela
população, em decorrência dos impactos sociais. A mídia, tendo como base o Jornal
Gazeta do Povo, destacou, inicialmente, nos seus editoriais a importância do
megaevento para a Curitiba; mas, com os atrasos e superfaturamento das obras, foi
uma voz denunciadora destes problemas. A sociedade organizada e os acadêmicos
tiveram um discurso que, ao analisar projetos e obras, denunciaram erros e
violações dos direitos humanos; sendo, muitas vezes, criticados por serem
“contrários” ao evento. Programaram, também, simpósios, conferências e debates
com diversas lideranças da sociedade para discussões dos temas citados. A
população curitibana viveu a expectativa inicial da importância do legado, alinhando
seu discurso com as entidades governamentais e a mídia, mas desaprovou o
megaevento à medida que os gastos foram aumentando e os problemas se
multiplicando, fato observado nas diversas pesquisas sobre o mundial.
Como legado do megaevento, podem-se nomear obras pontuais como: a
construção do Viaduto Estaiado, o melhoramento do Corredor Aeroporto-
Rodoferroviária, a reforma da Rodoferroviária e a implantação do Sistema Integrado
46
de Monitoramento Metropolitano (SIMM). Ficando muito a desejar em relação a toda
expectativa gerada para a solução da mobilidade urbana da cidade.
Vale ressaltar, que por tudo que se falou sobre o assunto por mais de meia
década, a seleção das fontes deste trabalho proporcionou um panorama dos
discursos sobre o referido legado, carecendo de uma maior profundidade nos
discursos de segmentos importantes da sociedade. Também, evitaram-se as
estatísticas, ou gráficos e demais mostradores, pois mesmo sendo facilitadores para
uma melhor compreensão do assunto, poderiam ofuscar o objetivo do trabalho que
são os discursos do legado de mobilidade urbana.
Finalizo, contrapondo o discurso governamental que afirma que Curitiba
aprendeu com a Copa 2014, a fazer megaevento esportivo. Creio que aprendemos,
como legado, como não se fazer megaevento esportivo.
47
FONTES
Boletim Copa em Discussão. Boletim Eletrônico editado pelo Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles. Disponível em: http://copa2014curitiba.wordpress.com/ Jornal Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br. Relatórios do TCE/PR. Disponível em: http://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/copa-de-2014-relatorios-e-atas.
48
REFERÊNCIAS
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