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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEILE SÍLVIA CÂNDIDO TEIXEIRA
COOPERATIVISMO E TRABALHO:
A EXPERIÊNCIA DA COOPERATIVA DE RECICLAGEM
DE LIXO (COOPREC)
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2007
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEILE SÍLVIA CÂNDIDO TEIXEIRA
COOPERATIVISMO E TRABALHO:
A EXPERIÊNCIA DA COOPERATIVA DE RECICLAGEM DE
LIXO (COOPREC)
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção de título de Mestre em Serviço Social, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Carmelita Yazbek.
SÃO PAULO
2007
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
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A Maja e Benê, com amor.
Agradecimentos
Eu não ando só, só ando em boa companhia....
Vinícius de Moraes e Toquinho
A Maja, Benê (meus pais), Lenea (Nana), Rogério (Nano), Fernando
(Nandinho), Eduardo (Dudu) e Maitha (Tininha) (minha irmã, irmãos e
cunhada), pela tolerância, carinho, compreensão e apoio irrestrito. “Eu sem
[eles] não sei nem chorar, sou chama sem luz, jardim sem luar,(...) tristeza que
vai, tristeza que vem, sem [eles] meus amores, eu não sou ninguém...”
À Gláucia (Maria) e Cristina (Cris Maria), juntas tecemos nossas vidas
ao tempo do amadurecimento nessa profissão, dividimos tudo, sorrisos e
angústias, expectativas e frustrações, elas são: “colo que acolhe, braço que
envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia”.
À Maria Paixão, Ângela Cristina, Marcelo Ribeiro, Joamara, Maria José,
Marla, Gledson, Renata Linhares, Patrícia, Sandra Oliveira, Rodrigo, Daniel (a
turma). Alessandra Castro, Karina Rodrigues, Valéria Rosa, Thatiane Coleta,
Omari Ludovido, Regina Sueli, Walderez Loureiro, Conceição Padial, Meire Lia,
Vitor e Iolanda.”A gente não faz amigos: reconhece-os”.
À Marilene por todos os ensinamentos, incentivos, orientações e
partilhas, por acompanhar minha trajetória profissional com tanto carinho e
amizade.
À Ana Lívia (Aninha) que me acolheu em sua casa e em sua vida,
transportando para São Paulo toda leveza e alegria do povo do Nordeste,
tantas músicas, poesias, conversas, vinhos, cafés... tantas gargalhadas...
tantos ensinamentos que o cotidiano proporciona. “De tudo ficou um pouco”.
Levo comigo, para a vida, sua generosidade, a certeza de que “se fizer bom
tempo amanhã... Eu vou!”.
Ao Rodrigo (Rô) e Augusto (Gu). Ro, a urbis, o agito, as luzes e cores
da cidade que pulsa e vibra em nós, o frenesi urbano cravejado de transeuntes
em que a vida se confunde com arte, cinema e literatura. Com ele descobri São
Paulo, levantei os olhos do rio da minha aldeia para aprender que ”pelo Tejo
vais-se ao mundo”. Gu, toda a lembrança alegre da primeira infância, a paz do
rural, da água no fundo do sítio, a poesia que nasce das silhuetas das
montanhas, o tempo lento que permite sonhar com um mundo justo, e levantar-
se para construí-lo “sem perder a ternura jamais!”.
Ao Carlos Alberto (Beto), Maria Lúcia e toda família do Rodrigo, por me
receberem com tanto carinho inúmeras vezes.
Ao Bruno Simões, Anahí, Mileni Secon, Maira, Simão, Michelly, Juciléia
(Leia), Sandra, Núbia, e toda a turma da PUC/SP, pelo aprendizado, a partilha,
as discussões e debates, as baladas e bares, os causos!
À Eliana, Renata e Maria Grossi, que foram a presença mais intensa
nas ausências que provoquei voluntária e involuntariamente, o seu apoio foi
além, muito além do que eu podia um dia sonhar.
Aos cooperativados da Cooprec, pela paciência e carinho ao me
receberem em inúmeras visitas, perguntas, entrevistas. Em especial, à Nair,
Lúcia, Laíde, Rosalino, Júlio, Mel, Sebastião Evangelista, Viviane, Marinete,
pela disposição em serem sujeitos desse estudo.
À professora Maria Carmelita Yazbek, pelos ensinamentos e
companheirismo, mas, acima de tudo pela acolhida. “Há se todos fossem iguais
a você, que maravilha viver”...
Às professoras Maria Lúcia Martinelli e Maria Lúcia Carvalho pela
participação na banca de qualificação, pela leitura atenta e sugestões que
muito contribuíram para o resultado final desse estudo.
À Kátia, secretária do Programa de Pós-graduação em Serviço Social
da PUC-SP, pela paciência, dedicação e compromisso cotidianos.
À Universidade Católica de Goiás, e ao Instituto Dom Fernando, pela
licença para assuntos pessoais.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (Cnpq) pelo
incentivo financeiro à pesquisa.
RESUMO
Esta pesquisa relata a experiência da Cooperativa de Reciclagem de
Lixo (Cooprec) em sua história, desafios, inquietudes, contradições e
possibilidades. Trata-se de uma cooperativa de trabalhadores que dela retiram
seu sustento, ao tempo em que realizam um trabalho de educação e
preservação ambiental por meio da redução dos resíduos sólidos no aterro
sanitário. Os objetivos da investigação consistiram em apreender a concepção
de cooperativismo na sua gênese; o significado do cooperativismo, no contexto
das mudanças do/no mundo do trabalho brasileiro; e como essas mudanças se
efetivam no interior de uma cooperativa de trabalho, com base na experiência
da Cooprec. Utiliza-se da história oral, metodologia qualitativa de pesquisa
centrada na narrativa de experiência por meio de depoimentos orais. Os
sujeitos da pesquisa foram os próprios cooperados. Buscou-se saber a história
da cooperativa, como os cooperados nela ingressam, os desafios e as
potencialidades do trabalho. O estudo revela que o cooperativismo popular no
Brasil, nos anos recentes, mescla-se com a economia solidária e se insere em
uma perspectiva de geração de emprego e renda, financiada pelo Estado ou
por instituições de fomento. O resultado, do ponto de vista do trabalho, é a
possibilidade de subsistência, e do ponto de vista do capital, engendra-se uma
cooperação complexa com a qual ele se beneficia e se sustenta.
Palavras-chave: cooperativismo, trabalho e desemprego
ABSTRACT
This research deals with the Garbage Recycling Cooperative Firm (Cooperativa
de Reciclagem de Lixo, Cooprec) in its history, challenges, worries,
contradictions and possibilities. It is a workers’ cooperative firm who take from it
their sustenance at the same time they carry an educational work and
environmental preservation out through the reduction of the solid waste in the
sanitary landfill. The goals of the investigation have consisted in grasping the
conception of the cooperative firms in its genesis; the meaning of cooperative
firms, in the context of changing in/the world of Brazilian labor; and how these
changes effect in the interior of a labor cooperative firm, based on the
experience of Cooprec. It has used the oral history, qualitative methodology of
research centered in the narrative of experience through oral speech. The
cooperators themselves were the research characters. It has searched to know
the history of the cooperative firm, how the cooperators get into it, the
challenges and the possibilities of work. The study reveals that the popular
cooperative in Brazil, in the recent years, mixes to the supportive economy and
it gets in a perspective of job generation and income, financed or by the State or
by the fomentation institutions. The result, in the labor point of view, is the
possibility of subsistence and in the capital point of view, it goes into a complex
cooperation which with it is itself benefited and supported.
Key-words: cooperative firm, work and unemployment
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11
CAPÍTULO I
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO COOPERATIVISMO:
“Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos” ......................... 24
1.1 “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. ....................... 27
1.2 Cooperativismo no Brasil e economia solidária ...................................... 44
CAPÍTULO II
“ERA UM SONHO A COOPERATIVA, UM SONHO DA GENTE”:
A EXPERIÊNCIA DA COOPREC .................................................................... 58
2.1 Processo de constituição da Cooprec .................................................... 59
2.2 O processo de trabalho na Cooprec ....................................................... 77
2.3 Relação com o IDF e com a prefeitura ................................................... 86
CAPÍTULO III
“VIDA É TRABALHO” COOPERATIVISMO, TRABALHO, DESEMPREGO.................................................................................................92
3.1 Emprego e desemprego ....................................................................... 100
3.2 Mudanças, conquistas e perspectivas .................................................. 108
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................122
LISTA DE SIGLAS
ADS
Anteag
Bird
Cooprec
Comurg
CUT
Ecosol
EES
Embrapa
FAI
Fase
Ibase
Ibrace
ITCPs
IDF
MST
MTE
Neas
NIR
PEA
PIB
PIS
PNAD
PND
PPP
Proex
Agência de Desenvolvimento Social
Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de
Auto-Gestão
Banco Interamericano de desenvolvimento
Cooperativa de Reciclagem de Lixo
Companhia Municipal de Limpeza Urbana
Central Única dos Trabalhadores
Economia Solidária
Economia Solidária
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Fundo de Amparo ao Trabalhador
Federação de Órgãos para a Assistência Social e
Educacional
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
Instituto Brasil Central
Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares
Instituto Dom Fernando
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
Ministério do Trabalho e Emprego
Núcleo de Educação Ambiental e Saúde
Núcleo Industrial de Reciclagem
População Economicamente Ativa
Produto Interno Bruto
Programa de Incubadora Social
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Plano Nacional de Desenvolvimento
Programa de Pequenos Projetos
Pró-Reitoria de Extensão e Apoio Estudantil
OCB
OIT
ONG
SCA
SEC
SEL
Senaes
SGC
SMO/Comob
UCG
UFG
Organização das Cooperativas Brasileiras
Organização Internacional do Trabalho
Organização Não-governamental
Sistema Cooperativista os Assentamentos
Sistemas de Intercâmbio
Sistemas Locais de Trocas
Secretaria Nacional de Economia Solidária
Sociedade Goiana de Cultura
Secretaria Municipal de Obras / Companhia Municipal de
Habitação de Goiânia
Universidade Católica de Goiás
Universidade Federal de Goiás
INTRODUÇÃO
Talvez nossa reflexão deva começar por aí: pelo fato de que nossa sobrevivência está ameaçada. [...]
Temos a chave do futuro da humanidade, mas para poder usá-la temos que
compreender o presente. [...] Não nos permitir desviar os olhos
Sebastião Salgado
12
Este estudo tem como objeto a experiência da Cooperativa de
Reciclagem de Lixo (Cooprec). O esforço é de apreender as determinações,
contradições e mediações, existentes entre a experiência da Cooprec e o atual
estágio de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, aproximando-se da
totalidade da relação capital trabalho, em um movimento que parte do particular
para o universal. Para tanto, faz-se imprescindível a realização de dois
movimentos, o primeiro, refere-se a uma breve exposição da história do
cooperativismo, e o segundo, à problematização necessária da conjuntura da
qual surge a Cooprec especificamente.
Um pouquinho de história
As primeiras aproximações ao debate do cooperativismo surgiram no
período da graduação em Serviço Social (1998-2002), realizada na
Universidade Católica de Goiás (UCG). Em meados do curso, houve o ingresso
no grupo de estudos da pesquisa Memória dos idosos sem-terra3. Além dos
debates sobre os desafios do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST),
discutiam-se os aspectos teóricos pertinentes à questão agrária, a memória e
história oral, e cooperativismo, uma vez que o MST utiliza a cooperativa como
forma de organizar a produção agropecuária em alguns de seus
assentamentos.
Ainda por essa época ocorreu o estágio curricular no Instituto Brasil
Central (Ibrace), cujas atividades se constituíam em assessoria a pequenos
proprietários rurais no município de Caldazinha-GO4 .Os agricultores
assessorados organizavam-se em quatorze associações, cujo principal objetivo
era fortalecer suas possibilidades de produção de produtos agropecuários e
comercialização.
3 Pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Estado, Sociedade e Cidadania (Nupesc), do Departamento de Serviço Social, coordenada pela Profa. Dra. Regina Sueli de Sousa. A permanência da pesquisa durou de fevereiro de 2000 a março de 2001. 4 Caldazinha localiza-se a 40 km do município de Goiânia-GO. Possui 312 km² e 3.435 habitantes, população estimada em julho de 2005; IBGE, 2006.
13
Em 2000, ao tempo em que realizava o estágio e participava do grupo
de estudo citado, desenvolveu-se um estudo monográfico cujo título era
Desemprego estrutural e capacitação continuada: desafios do sindicalismo na
contemporaneidade, estudo exploratório do sindicalismo goianiense. Este
estudo proporcionou contato com a Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Força Sindical e alguns de seus sindicatos.
O resultado desse estudo mostrou que, em decorrência do que
Antunes (1999) chama de crise no mundo do trabalho, o movimento sindical
tomou o seguinte caminho: a Força Sindical investiu em cursos de capacitação
e bancos de emprego, e a CUT, em formação cooperativista, com ênfase na
economia solidária. Em outros termos, a CUT incentiva a auto-organização do
trabalhador para enfrentamento do desemprego estrutural, e chegou a criar a
Agência de Desenvolvimento Social (ADS), cujo principal objetivo é o fomento
dessas iniciativas.
Concluído o curso de Serviço Social, houve uma participação no
Projeto Dom Fernando5 da Secretaria Municipal de Obras/Companhia
Municipal de Habitação de Goiânia (SMO/Comob). Tratava-se da transferência
de 256 famílias das margens do Córrego Cascavel para o Residencial
Itamaracá, construído pela prefeitura de Goiânia no Setor Perim (Região
Campinas)6, com recursos oriundos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (Bird), por intermédio da Caixa Econômica Federal.
O trabalho social desenvolvia-se em quatro eixos: Organização e
Mobilização de Comunidade; Educação e Cidadania; Educação Ambiental e
Geração de Trabalho e Renda. Este último tinha como ferramenta principal de
intervenção a proposta de formação de grupos de produção e cooperativas de
trabalho. Esta atividade possuía dotação orçamentária específica aprovada e
incentivada pelo Bird.
5 Dom Fernando foi o primeiro arcebispo metropolitano de Goiânia, responsável pela fundação da Universidade Católica de Goiás. Atuou na defesa da posse de terra urbana para comunidades de baixa renda. Existem, em Goiânia, dois bairros com seu nome: Dom Fernando I e Dom Fernando II já regularizados e localizados na Região Leste do município, além do Dom Fernando III, não regularizado, que se localiza na Região de Campinas, às margens do Córrego Cascavel. Este último dá nome ao Projeto. 6 A cidade de Goiânia é dividida em doze regiões, e a Região Campinas situa-se nas proximidades da Região Central da cidade.
14
Alguns meses depois, ocorreu trabalhar no Instituto Dom Fernando
(IDF) mantido, à época, pela Sociedade Goiana de Cultura (SGC)7. Dentre as
atividades realizadas pelo instituto, havia a assessoria a uma Cooperativa de
Reciclagem de Lixo (Cooprec), formada por moradores da Região Leste de
Goiânia, que fora fomentada pelo próprio Instituto.
A inserção profissional, portanto, recolocou repetidamente a
problemática do cooperativismo. É, portanto, da inserção profissional na
realidade social, que se impõe a necessidade de apreender as determinações,
contradições e as mediações da vida social, na busca de elementos teórico-
analíticos que possibilitem distinguir o papel sócio-político das cooperativas que
agregam trabalhadores.
O trabalho de assessoria8 permitiu estar em contato com a
documentação do instituto, desde projetos, contratos de convênios e relatórios,
bem como participar de várias reuniões com a equipe nas áreas de atuação.
Esse trabalho oportunizou estabelecer uma relação cotidiana com a Cooprec e
com a problemática do trabalho em uma cooperativa. Permitiu também
problematizar a relação com uma instituição de fomento como é o caso do IDF.
A implementação do cooperativismo se apresenta com inúmeras
contradições, desde a baixíssima capacitação da população, falta de recursos
para iniciar o negócio, a necessidade do fomento técnico e financeiro, ora pelo
Estado, como política pública, ora pela própria universidade, ou outras
instituições de apoio. Por outro lado, a expectativa de poder intervir na
realidade, a esperança das pessoas em obterem algum rendimento e a
necessidade, como profissional, de lidar com essas questões propondo
estratégias de intervenção, objetivaram-se na proposta de investigação
7 Entidade da Arquidiocese de Goiânia, que também mantém a Universidade Católica de Goiás. O IDF é responsável pela idéia e criação da Usina Industrial de Reciclagem no Jardim Conquista e pelo fomento da Cooperativa de Reciclagem de Lixo (Cooprec) cuja experiência intenta-se apresentar nesta dissertação. Atualmente, o Instituto Dom Fernando compõe a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Católica de Goiás. 8 Durante o período de acompanhamento como funcionária dos trabalhos do IDF (fev. 2003 a dez. 2006), estiveram na diretoria: Ms. Marilene Aparecida Coelho (dez. 2002 a dez. 2003); Maria Aparecida Coelho Vaz – a Cidoca (jan. 2004 a jul. 2005), ambas assistentes sociais professoras do Departamento de Serviço Social da Universidade Católica de Goiás, e a atual diretora, Dra. Sônia Margarida Gomes Sousa (ago. 2005), professora do Departamento de Psicologia da UCG.
15
apresentada para o Curso de Mestrado em Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
O caminho se faz ao caminhar9...
A motivação da caminhada pelo mestrado ancora-se, portanto, na
busca de apreender a experiência da Cooperativa de Reciclagem de Lixo
(Cooprec) e, por meio dela, conhecer uma cooperativa de trabalhadores,
escutar de quem a vivencia a história como ela ocorre e procurar apreender a
relação entre o cooperativismo contemporâneo e o mundo do trabalho.
Nessa trilha, busca-se a experiência dos cooperativados da Cooprec,
sua história, desafios, inquietudes, contradições e possibilidades, o seu jeito de
trabalhar e sobreviver, com o intuito de apreender e apresentar os
condicionantes dessa forma de organização do trabalho. Faz-se, portanto,
necessário para o desenvolvimento da pesquisa ouvir as histórias dos sujeitos
imbricados com a trajetória dessa cooperativa.
Os objetivos do estudo são: a) apreender a concepção de
cooperativismo na sua gênese, em suas dimensões econômica, histórica,
cultural e política; b) apreender o significado do cooperativismo, no contexto
das mudanças do/no mundo do trabalho brasileiro; c) analisar, com base na
experiência da Cooprec, como vêm se efetivando as relações de trabalho no
interior de uma cooperativa na contemporaneidade.
Para o estudo da experiência da Cooprec, faz-se imprescindível
desvelar as conexões existentes no movimento do real, entre, a) trabalho, seu
conteúdo, a natureza da Cooprec e sua identidade, b) cooperativismo, como
forma de organização; c) desemprego, cuja temática perpassa as atividades da
cooperativa e determina sua história em muitos momentos. Essas dimensões
9 Caminhante, são teus rastos o caminho, e nada mais; caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar. Antônio Machado.
16
não se encontram de forma dissociada, mas apresentam peculiaridades que se
devem apreender.
A aproximação do objeto ocorreu primeiramente por meio de
documentos tanto do Instituto Dom Fernando quanto da Cooperativa de
Reciclagem de Lixo (Cooprec), e pela leitura de bibliografia que versava sobre
o tema.
Concomitantemente, em janeiro de 2006, foram entrevistados sete
cooperados. As questões elaboradas não permitiram que o relato da
experiência se explicitasse, contudo apareceram questões interessantes que
permitiram identificar o caminho a percorrer a partir de então, e, posteriormente
foram realizadas mais três entrevistas.
No primeiro movimento de entrevistas, a amostra orientou-se pelas
divisões (áreas) de trabalho no interior da cooperativa, que são: coleta externa,
triagem, telha (papel), plástico, educação ambiental e conselho administrativo,
contemplando todas elas. Os sujeitos da amostra são os seguintes: um
cooperado pertencente à diretoria (Nair); triagem (Maria Meonice, a Mel); área
da telha (Júlio); área do plástico (Marinete); educação ambiental (Viviane) e
dois cooperados da coleta externa (Sebastião e Rosalino). Optou-se por
entrevistar dois cooperados envolvidos na coleta externa por essa atividade ser
considerada pelos cooperados a mais desgastante no processo de trabalho.
A amostra foi não-probabilística e nenhum dos entrevistados tinha, no
momento das entrevistas, menos de um ano de cooperativa, pois os ditos
novatos podem não ter ainda tempo suficiente de trabalho para ter opinião
sobre os processos internos. Por outro lado, buscou-se não entrevistar apenas
cooperados que estivessem presentes desde a fundação, da Cooprec,
priorizaram-se cooperados que se situassem entre esses dois grupos.
Dessa forma, do grupo entrevistado são sócios-fundadores: Nair, Mel e
Rosalino (ingressaram portanto, em 1998), Júlio (em 2002), Sebastião (em
2003), Marinete (em 2004) e Viviane (em 2005).
O roteiro de entrevistas buscou identificar como os cooperados
percebem o trabalho na cooperativa, o que entendem sobre cooperativismo,
quais suas perspectivas sobre o futuro da Cooprec e sobre o seu próprio.
17
Todas as entrevistas formam gravadas.
A aproximação com os cooperados ocorreu na própria cooperativa, local
onde foram realizadas as entrevistas, e de modo geral, todos receberam bem a
proposta.
Maria Meonice (Mel), a primeira a ser entrevistada, demonstrou
dificuldade com o gravador, respondendo sucintamente às questões. Houve
uma interrupção pois a chegada de um caminhão impedia a audição. Após o
desligamento do gravador, ela retomou a fala e de forma mais livre recolocou
questões que estavam presentes no roteiro. Anotou-se essa fala, para melhor
compreensão, embora o seu conteúdo não seja utilizado no texto. A entrevista
com seu Rosalino foi a mais longa, marcada por um tom de desabafo, de
cansaço, em relação às dificuldades do trabalho. Marinete e Julio
demonstraram receio em não saberem responder às questões, mas após
esclarecimento do que se tratava e do incentivo de Maria Meonice, resolveram
participar do estudo. A entrevista com Nair foi marcada pela emoção, nos
momentos em que se perguntou se ela pensa em sair da cooperativa. ela
chorou muito, antes de responder afirmativamente. Como seu Rosalino,
demonstrou tristeza pelas dificuldades da cooperativa. A entrevista com
Viviane, foi tranqüila, alegre e empolgante. Ela respondeu com entusiasmo a
todas as questões e declarou muita alegria por participar da Cooprec.
Sebastião ao contrário, relutou muito em dar a entrevista, após ser esclarecido
que sua opinião era importante, mas que só seria entrevistado se sentisse à
vontade, assentiu na realização.
Percebeu-se, entretanto, que o questionário não foi suficientemente
adequado para apreender a história da Cooprec e sua relação com os sujeitos
que a construíram. As questões demasiadamente fechadas implicam
respostas monossilábicas. Uma das questões não foi compreendida pelos
cooperados, que tiveram muita dificuldade em respondê-la, por tratar-se de
uma valoração acerca das ocupações da sociedade capitalista e na
cooperativa.
As transcrições foram realizadas pela pesquisadora, mas, como a
gravação foi feita na própria usina, houve dificuldades na transcrição, pois em
18
todas há ruído ao fundo, ora de caminhões, ora do maquinário, por vezes de
cachorros e de aviões (a cooperativa localiza-se nas proximidades do
aeroporto de Goiânia).
Ainda assim, parte das narrativas obtidas nessa fase de aproximação
foi utilizada e compõe o texto nos capítulos II e III com as narrativas de outras
três entrevistas realizadas com base na metodologia de história oral.
História oral
A utilização da metodologia de história oral apresenta-se como a mais
adequada para a apreensão da experiência dos sujeitos. Essa apreensão
ocorre por meio da escuta de narrativas, que são intercâmbios de experiências,
portanto, impregnadas pela visão do narrador. Benjamin (1994, p. 205), acerca
da narrativa, diz que
ela não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.
O relato oral constitui, a maior fonte humana de conservação e difusão
do saber. Em todas as épocas, a educação humana baseava-se na narrativa
que encerra a experiência que se procura traduzir em vocábulos. E “tudo
quanto se narra oralmente é história, seja a história de alguém, seja a história
de um grupo, seja a história real, seja ela mítica” (Queiroz, 1991, p. 5).
Utiliza-se dessa feita a história oral, por ser uma metodologia qualitativa
de pesquisa que permite conhecer a realidade passada e presente, por meio
da experiência e da voz daqueles que a viveram (Lang, 2000). Trata-se, neste
estudo, dos depoimentos orais dos sujeitos, acerca de sua vivência na
Cooprec, com o objetivo de explicitar sua versão qualificada.
Portelli (2004, p.11), ressalta que as narrativas constituem uma auto-
representação do narrador, impregnada de subjetividade e de memória, do
modo como deseja ser visto, constituem também uma auto-representação da
instituição a que se reportam. A narrativa implica necessariamente o uso da
19
memória, o autor destaca que
a memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. Em vista disso, as recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém em hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas são – assim como as impressões digitais, ou, a bem da verdade, como as vozes – exatamente iguais. (Portelli, 1997, p. 16)
Com a história oral, buscam-se os significados que os sujeitos atribuem
às suas experiências, a intensidade de suas vivências: não importa o número
de entrevistas realizadas, mas a apreensão do significado dos relatos para os
sujeitos, tendo em vista os propósitos da pesquisa. (Martinelli, 1999). A
definição dos sujeitos, portanto, é intencional, e os critérios de eleição são
estabelecidos de acordo com os objetivos da pesquisa.
Nessa trilha, a definição dos sujeitos para um novo momento de
entrevistas, orientou-se pelo seu tempo de cooperativa, por sua relação
orgânica nos debates e encaminhamentos referentes à gestão da cooperativa e
dos desafios encontrados desde sua fundação.
A aproximação com os cooperados, como já foi dito, é anterior à
formulação do projeto de pesquisa. O trabalho por dois anos no IDF
oportunizou inúmeras visitas, reuniões, acompanhamento de eventos,
discussões sobre a usina, contratos e parcerias. Em uma das reuniões
ordinárias foram explicitadas as razões para o afastamento do trabalho no IDF
para a realização do curso de mestrado e a escolha do objeto de estudo, a qual
foi recebida com entusiasmo.
Durante o segundo semestre de 2005, as visitas à cooperativa e ao IDF
visaram a apropriação da documentação: estatuto e regimento da Cooprec,
projeto de construção da usina, relatório de execução do projeto, contrato de
comodato entre Cooprec e IDF, contrato entre Cooprec e a Companhia
Municipal de Limpeza Urbana de Goiânia (Comurg), plano de trabalho do IDF,
com intuito de esclarecer a relação entre as instituições.
Em janeiro, de 2006, como já explicitado, procedeu-se a feitura de sete
20
entrevistas. Após um ano de afastamento10, o contato foi reestabelecido em
janeiro de 2007.Primeiramente foram realizadas visitas, afim de apreender a
conjuntura, tomar conhecimento de como fora o ano de 2006. Observou-se que
muitos sócios-fundadores haviam saído da cooperativa. Em 2005, por ocasião
do início do estudo, a Cooprec tinha 30 cooperados, dos quais 50% eram
sócios-fundadores, em janeiro de 2007, o número de cooperados é de 32, dos
quais 28% são sócios-fundadores e 53% têm menos de um ano de trabalho na
cooperativa. Para obtenção de informações complementares foi realizado o
levantamento do perfil socioeconômico dos cooperados em fevereiro e março
de 2007.
Após um primeiro momento de (re)aproximação, marcado por
conversas, participação em alguns eventos de formação dos cooperados,
reuniões e uma assembléia, explicitou-se aos sujeitos, a necessidade de
realização de outras entrevistas. A amostra priorizou cooperadas sócio-
fundadoras, que estiveram ativamente presentes em momentos decisivos da
cooperativa em seu processo histórico. A quantidade, local e data das
entrevistas, foram definidas após consulta à Diretoria.
Nessa perspectiva, o segundo momento de entrevistas, realizado em
março de 2007, teve como sujeitos: Nair Rodrigues Vieira; Laíde da Silva
Oliveira e Lúcia Ivani Pinheiro, todas pertencentes ao conselho administrativo.
Nair Rodrigues Vieira tem 49 anos, nasceu em Poções, Bahia. Ainda
adolescente passou a residir em Goiânia, com a família. Há 20 anos mora com
o esposo, que é pedreiro, no Jardim Dom Fernando I. Tem três filhos, o mais
velho Igo (22 anos) é servidor público concursado e trabalha na Universidade
Federal de Goiás (UFG), onde faz o curso superior de computação, Bruna (19)
trabalha como operadora de caixa e faz curso técnico e Márcia (17) está
concluindo o ensino médio. Nair tem o ensino médio e está na Cooprec desde
sua fundação. Por duas gestões esteve na presidência da cooperativa. Tem
ainda outro trabalho, é servidora pública estadual e trabalha à noite, em uma
escola da região. A entrevista com Nair foi realizada no Núcleo de Educação
Ambiental e Saúde (Neas) do IDF, que fica ao lado da Cooprec e é utilizado por
10 Para cursar os créditos obrigatórios do curso de mestrado, em São Paulo.
21
ambas as instituições. É um local agradável, com muito verde, e a sala onde se
fez a entrevista, permite isolamento e ambientação adequados. A entrevista foi
longa e rica em detalhes sobre a sua história e a relação com o instituto.
Lúcia Ivani Pinheiro tem 58 anos, nasceu em Pires do Rio, interior de
Goiás. É viúva e mora atualmente com o filho, Roberto, que trabalha na
cooperativa como ajudante de caminhão, embora não seja cooperado. Os
outros filhos, já casados, moram em Goiânia. Lúcia é sócio-fundadora da
Cooprec e sempre esteve diretamente vinculada à educação ambiental, e
atualmente está na presidência da cooperativa. É também ativista da economia
solidária participando de fóruns e debates por todo o país. A entrevista de
Lúcia, ocorrida no mesmo local, foi breve, contudo rica em significados.
Laíde da Silva Oliveira tem 38 anos e casada com seu Francisco,
taxista. Tem dois filhos, Jacqueline (18 anos), que cursa direito e estagia na
área, e Lucas (13 anos), estudante do ensino fundamental. Lucas recebe
salário-escola do governo estadual. Laíde mora há 15 anos no Jardim Aroeiras.
Tem uma incrível habilidade manual e sempre gostou muito de artesanato, e
atualmente está na diretoria financeira da Cooprec. A entrevista com Laíde foi
realizada em sua casa com seu filho nos servindo café. Sua filha e esposo
chegaram à casa durante a entrevista, momentos em que se processaram
breves interrupções que não alteraram o conteúdo da narrativa.
As questões instigadoras para essas três entrevistas foram: o
surgimento da Cooprec e o relato contando como cada uma ingressou na
cooperativa; o que se recordam dos anos de trabalho; as percepções no
tocante ao momento pelo qual passa a cooperativa e suas perspectivas futuras.
Todas entrevistas foram gravadas e transcritas pela pesquisadora e
devolvidas aos os sujeitos para verificação11. Na edição, buscou-se não alterar
a fala original dos sujeitos, deixando-as o mais próximo da maneira como se
expressaram. Pretende-se com isso reproduzir o sotaque goiano, com suas
palavras incompletas, entonação, recortes e concordância peculiares.
Justifica-se essa decisão, pois as oralidades, então repletas de “signos,
sentimentos, significados e emoções, expressa pelo narrador ao pesquisador”,
11 Também o foram as entrevistas realizadas em 2006.
22
de forma que se busca na construção do texto minorar a defasagem entre
escuta e a escrita. No mesmo sentido a não-observância rígida das normas
gramaticais, busca revelar o tom, o ritmo, a entonação, e se atenta “para [o]
teor emocional existente nos conteúdos das narrativas, quanto a velocidade,
pausa, pontuação, intenção, mudanças de discursos e oscilações, que se
desvelam mais pelo ato de ouvir, que de escrever” (Cassab, 1999/2000, p. 10).
Procurou-se, também, recortar o mínimo possível as entrevistas,
excluindo-se apenas trechos que não se vinculavam diretamente à temática do
estudo, ou, ainda, as repetições. Para a exposição, procedeu-se ao
agrupamento de trechos em tópicos, cujos conteúdos apresentam tendências
semelhantes nas narrativas dos sujeitos. A intenção é mostrar a Cooprec e
como foram esses anos de trabalho.
Lang (2000) ressalta que, em relação à análise das narrativas, em que
se utiliza a metodologia da história oral, há dois procedimentos bastante
distintos. Alguns pesquisadores expõem as narrativas na integra, depois de
transcritas e editadas, com uma introdução, na qual se aponta o problema da
pesquisa. Para outros, dentre os quais a autora se inclui, o trabalho da história
oral não se esgota na realização da entrevista, gravação, transcrição, edição e
arquivamento, ele precisa ser interpretado, analisado.
Neste estudo, optou-se pela analise das narrativas. Nas palavras de
Queiroz (1991, p.92),
por análise, no sentido operacional do termo, entende-se o recorte de uma totalidade nas partes que a formam, que são então apreendidas na seqüência apresentada em sua naturalidade para, num segundo momento, serem restabelecidas numa nova coordenação. Num e noutro momento, isto é, na decomposição e na subseqüente recomposição, obedece-se tanto quanto possível às relações existentes entre as partes. (Queiroz, 1991, p.92)
A utilização dos nomes verdadeiros no relatório da pesquisa foi uma
opção dos sujeitos entrevistados.
As entrevistas estão dispostas no segundo e terceiro capítulos. Como
foram realizadas duas entrevistas com Nair, a primeira, de janeiro de 2006 foi
grafada assim Nair (1ª), e a segunda, de março de 2007, Nair (2ª).
23
O estudo está disposto da forma que segue. O primeiro capítulo trata
rapidamente a história do cooperativismo, sua relação com a revolução
industrial inglesa, pontua sua inserção no Brasil, com as particularidades
brasileiras e chega até o período em que se desenvolvem experiências de
economia solidária. O segundo relata o surgimento da Cooprec, sua forma de
funcionamento e o contexto na qual se insere. O terceiro versa sobre o mundo
do trabalho, a problemática do desemprego seus vínculos com a experiência
da Cooprec e com o cooperativismo de produção e trabalho. Por último, são
apresentadas as considerações finais.
CAPÍTULO I
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO COOPERATIVISMO:
“Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”
Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade
da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a
época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a
primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante
de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o Paraíso,
íamos todos direto no sentido contrário – em suma, o período era em tal
medida semelhante ao presente que algumas de suas mais ruidosas
autoridades insistiram em seu recebimento para o bem ou para o mal,
apenas em grau superlativo de comparação
Charles Dickens
25
A trajetória histórica do cooperativismo é fundamental para a
apreensão de como a Cooperativa de Reciclagem de Lixo12 (Cooprec) se
insere nas relações próprias da sociedade capitalista. A Cooprec é uma
cooperativa de produção, uma forma de organização do trabalho própria de um
determinado período histórico e só se tonra possível pela necessidade de
encontrar respostas para alguns dilemas contemporâneos, como a produção
de lixo urbano e o desemprego estrutural.
Por ser uma experiência de trabalho, é imprescindível situar, ainda que
brevemente, o lugar deste estudo no que diz respeito ao debate sobre a
categoria trabalho.
Entende-se que a discussão do trabalho e sua dimensão ontológica na
constituição do ser social é imprescindível para a apreensão da sociedade
moderna, da experiência da Cooprec e da identidade do trabalhador. Dessa
forma podem-se compreender as conexões com a situação de desemprego
que se agrava desde a década de 1980, sobretudo nos anos 1990, e apontar
indicativos para a análise do cooperativismo nessa conjuntura econômica.
A categoria trabalho é entendida em Marx como fundante do Ser
Social. É por meio do trabalho que o homem se distingue do meio natural,
puramente biológico, transformando-o em bens necessários à reprodução
social. Nas palavras de Lessa (2002, p. 29-30), o trabalho
é a atividade humana que transforma a natureza nos bens necessários à reprodução social. Nesse preciso sentido, é a categoria fundante do mundo dos homens. É no e pelo trabalho que se efetiva o salto ontológico que retira a existência humana das determinações meramente biológicas. Sendo assim, não pode haver existência social sem trabalho. (...) O trabalho enquanto categoria fundante é o complexo que cumpre a função social de realizar o intercâmbio orgânico do homem com a natureza, é o conjunto de relações sociais encarregado da reprodução da base material da sociedade.
12 Faz-se necessário, de antemão, explicitar que embora no nome da cooperativa conste reciclagem de lixo os cooperados esclarecem que trabalham com resíduos sólidos, chamados no interior da cooperativa de material, matéria-prima, que lixo é o rejeito levado para o aterro sanitário.
26
É, portanto, o trabalho o componente distintivo do homem como ser
prático-social, por conseguinte histórico: produto e criador da vida em
sociedade (Iamamoto, 2006).
De acordo com a teoria social de Marx homem é um ser genérico, pois
se relaciona consigo mesmo como tal, e com a natureza como universal, como
ser livre. Essa universalidade está presente a medida que ela é um meio de
vida imediato e a matéria, o objeto e o instrumento da atividade vital. A
atividade física e mental do homem estabelece constante processo com a
natureza, para não morrer, o homem está intimamente ligado à natureza, pois
ele é parte integrante dela (Marx, 2003a).
O trabalho é a atividade vital, racional, específica do homem, pela qual
ele mediatiza a satisfação da suas necessidades humanas pela transformação
da realidade material, modificando sua forma natural e produzindo valor de uso.
O trabalho concreto, formador de valor de uso, é condição da vida humana,
independentemente da forma de sociedade (Iamamoto, 2006).
Na sociedade capitalista, entretanto, o trabalho concreto com sua
qualidade, teleologia, valor de uso, atribuições, assume os componentes do
trabalho abstrato, cujo valor de troca superdimensiona o valor de uso, e o
trabalho passa a ter para o trabalhador a característica de gerar estranhamento
e desumanização.
O trabalho abstrato é uma atividade social mensurada pelo tempo de
trabalho socialmente necessário e produtor de mais-valia. Resulta na
submissão dos homens à lógica produtiva capitalista, forma social que nos
transforma a todos em coisas articulando a vida pelo fetichismo da mercadoria.
(Lessa, 2002).
Na sociedade capitalista, o trabalho é moldado de tal forma que se
apresenta como exterior ao trabalhador, não pertencendo à sua essência,
portanto, ele não se afirma no trabalho, antes se nega nele, não se sente bem,
mas infeliz, não desenvolve energia mental e física livre. Não se trata de
trabalho voluntário, mas compulsório, não é satisfação de necessidade, mas
apenas um meio para satisfazer necessidades fora dele (Marx, 2003a).
A exterioridade do trabalho decorre de o trabalho não ser do próprio
27
trabalhador, mas sim de outro. A relação do trabalhador com o produto do
trabalho é percebida como um objeto alheio que tem poder sobre ele; a
relação, do trabalhador com o ato de trabalho, que também se torna uma
atividade alheia a ele, é realizada com sofrimento, como uma atividade voltada
contra ele, independente dele, não pertencente a ele e, por fim; aliena do
homem o gênero, faz da vida do gênero um meio de vida individual, tornando a
vida individual um fim da vida do gênero (Marx, 2003a).
Mas se o trabalho está alheio ao trabalhador, o ser alheio ao qual
pertence o trabalho só pode ser o próprio homem. Em outras palavras, se o
trabalho se apresenta ao trabalhador como atividade não-livre, então está a
serviço, sob o domínio de outro homem (Marx, 2003a).
Na sociedade capitalista, a relação de defasagem entre os homens se
dá por intermédio da propriedade privada. É ela que justifica que um homem se
distinga de outro homem, podendo subjugá-lo. Segundo Marx (2003a, p. 161)
“a propriedade privada resulta, portanto por análise a partir do conceito de
trabalho exteriorizado, isto é, de homem exteriorizado, de trabalho alienado, de
vida alienada, de homem alienado”. A propriedade privada é, ao mesmo tempo,
produto do trabalho exteriorizado, e meio pelo qual o trabalho se exterioriza.
Trata-se da realização dessa exteriorização.
Na perspectiva de apreender a natureza do trabalho no interior das
cooperativas, a seguir será apresentado brevemente a origem do modo de
produção onde a propriedade privada é o meio de exploração de um homem
por outro homem. E nos capítulos subseqüentes a experiência da Cooprec.
1.1 “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”.
A apreensão do cooperativismo contemporâneo ancora-se na trajetória
socioeconômica e histórica do surgimento do modo de produção capitalista, e
do confronto entre o capital e o trabalho. Faz-se imprescindível, portanto,
descrever sucintamente o surgimento do modo de produção capitalista, o
confronto com o proletariado, as primeiras cooperativas. No Brasil, busca-se
pontuar os traços da revolução burguesa nacional, a relação do Estado
28
Nacional com as cooperativas, o movimento de economia solidária.
No que pese o conhecimento de que a cooperação existe em todas as
sociedades de que se tem notícias, incluindo as mais antigas, o cooperativismo
moderno, tema deste estudo, germina-se ao tempo em que floresce o que se
chama de modo de produção capitalista, ou sistema capitalista.
Trata-se de um período de tal ebulição econômica, política e social,
que seus efeitos alteraram profundamente a composição da sociabilidade da
sociedade moderna. Em período relativamente curto de tempo, alterou-se o
modus de produzir, criou-se a indústria, e, com ela, tomaram forma conceitos,
nomenclaturas, objetos e maquinário impossíveis de se imaginar até então. Foi,
portanto, um período das grandes revoluções, no dizer de Hobsbawm (2005).
Essa quadra histórica foi marcada por mudanças rápidas nas forma de
viver e produzir mercadorias, pela substituição do artesanato pela produção
industrial, do campo pelas cidades, grandes invenções que revolucionam a
produção, o trabalho feminino e infantil. A demanda da indústria que produziu
com força mecânica e a vapor implicava dura realidade de jornadas exaustivas
de trabalho, condições desumanas de produção e salários miseráveis,
apresentando como saldo miséria, fome, doenças e mortes prematuras para os
trabalhadores (Hobsbawm, 2005).
Cidades surgiram em poucos anos, em um verdadeiro frenesi urbano-
industrial. Pessoas amontoavam-se em moradias inadequadas, e muitos
dormiam na própria fabrica. Inexistia legislação trabalhista, quaisquer questões
eram resolvidas pela polícia.
Engels (1990, p.227), escrevendo sobre os abusos sociais do período
chama a atenção para o
amontoado de uma população arrancada de seu solo nas mais sórdidas habitações das grandes cidades; a dissolução de todos os lucros tradicionais do costume, da submissão patriarcal, da família; a exploração abusiva do trabalho, que, para as mulheres e para os menores, principalmente, tomava proporções assustadoras: a corrupção de massas de trabalhadores lançadas, de súbito, em condições de vida totalmente novas.
29
A inserção das máquinas na produção provocou desemprego e miséria
de uma quantidade significativa de artesãos e trabalhadores da manufatura,
pois a grande indústria foi impulsionada pela força de trabalho provinda dos
campos.
A utilização de maquinaria permitiu a produção em escala. A ao fazer
desaparecer a figura do artesão, o capital revolucionou também a forma de
produção. A fábrica caracterizava-se por acomodar em um mesmo ambiente
uma significativa quantidade de trabalhadores, que passaram a colaborar um
com o outro na produção, em uma forma de cooperação simples.
A força coletiva concentrada em um mesmo lugar é maior que a soma
das forças individuais de trabalhadores isolados, em outras palavras, o que se
produz com o trabalho combinado não seria possível com o trabalho individual,
seria necessário a utilização de um tempo muito superior ou contentar-se com
uma escala de produção muito reduzida.
A produção capitalista surgiu quando o capital particular ocupou, ao
mesmo tempo, uma quantidade considerável de trabalhadores, livres, portanto,
capazes de vender sua força de trabalho, e capazes de somá-la em um
trabalho coletivo. Nessa circunstancia, o processo de trabalho ampliou sua
escala e forneceu produtos em quantidade exacerbada (Marx, 2003b).
De acordo com Marx (2003b, 378)
chama-se cooperação a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos.
A jornada de trabalho coletiva produz maior quantidade de valor-de-
uso que a soma das jornadas individuais de trabalho e reduz o tempo de
trabalho necessário para a produção de determinado bem. Nas palavras de
Marx (2003b, p.382)
a jornada coletiva tem essa maior produtividade, ou por ter elevado a potência mecânica do trabalho; ou por ter ampliado o espaço em que atua o trabalho; ou por ter reduzido esse espaço em relação à escala da produção; ou por mobilizar muito trabalho no momento crítico; ou por despertar a emulação entre os indivíduos e animá-los, ou por imprimir às
30
tarefas semelhantes de muitos o cunho da continuidade e da multiformidade; ou por realizar diversas operações ao mesmo tempo; ou por poupar os meios de produção em virtude do seu uso em comum; ou por emprestar ao trabalho individual o caráter de trabalho social médio.
É de toda forma, “a produtividade específica da jornada de trabalho
coletiva” a força produtiva do trabalho social. É na cooperação que o
trabalhador se desvencilha dos limites da individualidade e desenvolve as
capacidades genéricas (Marx, 2003b, p. 382).
A cooperação para o processo de produção é encontrada nas origens
da civilização humana. Tem como características a propriedade comum dos
meios de produção e o vínculo do indivíduo ao grupo. No modo de produção
capitalista, ao contrário, a cooperação toma outras formas. A cooperação
capitalista pressupõe a existência do assalariado livre para vender sua força de
trabalho ao capital e se desenvolve historicamente em confronto com a
economia camponesa e ao exercício independente dos ofícios. Desta forma, “a
cooperação capitalista não se manifesta como forma histórica especial de
cooperação, mas a cooperação é que se manifesta como forma histórica
peculiar do processo de produção capitalista, como forma histórica que o
distingue especificamente” (Marx, 2003b, p. 387-388).
A inserção das máquinas na produção encontrou o enclave da
resistência dos trabalhadores. Os artesãos antepuseram-se à inserção de
máquinas, destruíram casas, empresas, e tentaram de todas as formas impedir
a efetivação do uso da maquinaria na produção. Muitos inventores foram
obrigados a sair da Inglaterra, mas ainda assim era inevitável a difusão do
maquinário. O desenvolvimento da maquinaria naturalmente foi financiado pelo
burguês, que passou a ser proprietário dos meios de produção.
Com a separação entre trabalhador e instrumentos de produção, cada
vez mais o trabalhador passou a depender da venda de sua força de trabalho
para conseguir o sustento de sua família.
Também a terra tinha que ser transformada em mercadoria, passível
de negociação; por outro lado, a grande massa de trabalhadores rurais
precisava ser transformada, ao menos em parte, em trabalhadores
31
assalariados, com liberdade de movimento.
Atordoada pelo tumulto da produção, a classe trabalhadora principiou
sua organização, entre 1802 e 1833. Na Inglaterra, foram promulgadas cinco
leis sobre o trabalho, porém não se destinaram recursos para sua aplicação
compulsória, o que reduzia à letra morta essa incipiente legislação fabril13.
Marx (2003b, p. 485) descreve, sucintamente, a situação nas fábricas inglesas:
Os órgãos dos sentidos são, todos eles, igualmente prejudicados pela temperatura artificialmente elevada, pela atmosfera poluída com os resíduos das matérias-primas, pelo barulho ensurdecedor etc., para não falarmos do perigo de vida que advém das máquinas muito próximas umas das outras, as quais produzem sua lista de acidentes da batalha industrial com a regularidade das estações do ano. A diretriz de economizar os meios sociais de produção, diretriz que se concretiza, de maneira cabal e forçada, no sistema de fábrica, leva o capital ao roubo sistemático das condições de vida do trabalhador durante o trabalho. O capital usurpa-lhe o espaço, o ar; a luz e os meios de proteção contra condições perigosas ou insalubres do processo de trabalho.
Neste período, chamado por Dickens (2002) de melhor e pior dos
tempos, afloraram pensadores, militantes, ativistas, teóricos e movimentos de
trabalhadores que se opunham às mazelas sociais produzidas pelo sistema.
Surgiram os socialistas utópicos, as lutas e resistências dos trabalhadores,
intensifica-se a correlação de forças entre capital e trabalho à temperatura da
indústria a vapor.
Tanto na França, como na Inglaterra emergiram tendências teórico-
políticas, que se inscreveram na agenda de enfrentamento entre capital e
trabalho, muitos deles imprescindíveis para a compreensão dos avanços
angariados pelos trabalhadores no período, outros, ainda, indispensáveis para
13 “A história da legislação fabril inglesa de 1833 a 1864 caracteriza bem o espírito do capital. A lei de 1833 estabelece que, a jornada normal de trabalho começa às 5h30 da manhã e termina às 8h30 da noite, e que é legal, dentro desses limites de um período de 15 horas, empregar menores, isto é, pessoas entre 13 e 18 anos, a qualquer hora do dia, desde que o menor empregado não trabalhe, durante um dia, mais de 12 horas, com exceção de casos expressamente previstos. O artigo 6 da lei determina que ‘no curso de cada dia, cada uma das pessoas enquadradas no horário limitado de trabalho terá pelo menos 1h30 para as refeições’. Foi proibido o emprego de crianças com menos de 9 anos, salvo exceção (...) e foi limitado a 8 horas por dia o trabalho de meninos entre 9 e 13 anos. O trabalho noturno, que, segundo essa lei, vai das 8h30 da noite às 5h30 da manhã, foi proibido a todos os menores de 9 a 18 anos” (Marx, 2003b, p.321).
32
a compreensão dos enfrentamentos sociais na contemporaneidade.
A reação da classe operária dá-se em três níveis: a) oposição ao
próprio processo de industrialização, defendendo os fundamentos do antigo
regime; b) defesa da democracia; c) criação de formas próprias de organização
social, como os sindicatos e de organização da produção, como as
cooperativas, potencialmente anticapitalistas (Singer, 1998).
A insurreição contra as máquinas ocorreu súbita e violentamente,
como reações explosivas de desespero diante da fome e da miséria. A luta de
classes no período, redundava correntemente em violência, “incêndios,
ataques físicos e até assassinatos de traidores, patrões cruéis e capatazes
odiados”. O movimento que se apresentou com características de organização
foi o dos ludditas, um “seleto bando de homens ousados e desesperados, que
receberam o apoio e a aprovação de seus companheiros trabalhadores”
(Singer, 1998, p. 69).
A luta pela legislação trabalhista ocupou lugar significativo na
Inglaterra que se industrializava. Por volta de 1830/1832, a Grã-Bretanha
esteve à beira de guerra, que não ocorreu porque o rei e a aristocracia
cederam o exercício do poder governamental à burguesia nascente, que
intensificou a exclusão da classe operária do poder. Não obstante, em 1833, foi
aprovada a primeira lei fabril que criava quatro cargos de inspetores de fábricas
(Singer, 1998).
A deterioração da saúde das pessoas em razão do excesso de
trabalho era assustadora, mesmo confrontando-a com períodos escravistas.
Alguns relatos ilustram a situação:
às vezes os garotos não podiam abrir os olhos, o mesmo ocorrendo conosco”; (...) “tenho 13 anos (...) e no último inverno trabalhamos até as 9 horas da noite e no inverno anterior até as 10. No inverno passado, meus pés feridos doíam tanto que eu gritava de dor todas as noites” (...) “Este meu filho, quando tinha 7 anos de idade, eu o carregava nas costas através da neve, na ida e na volta, e ele trabalhava 16 horas. (...) Muitas vezes ajoelhei-me para lhe dar comida enquanto ele estava junto à máquina, pois não devia abandona-la nem deixa-la parar. (Marx, 2003, p. 287)
33
A lei dos pobres de 183414 foi elaborada de tal forma que a vida no
campo ficou insuportável. O auxílio-pobreza era oferecido apenas dentro das
novas workhouses15, locais em que os maridos eram separados das esposas e
filhos para evitar o sentimentalismo. Nesse período, as pessoas saíam dos
campos e aceitavam qualquer emprego que lhes fosse oferecido na cidade, e
“na década de 1840, vários condados já estavam à beira de uma perda
absoluta de população, a partir de 1850 a fuga do campo se tornou
generalizada” (Hobsbawm, 2005, p.215).
Em 1836, em Londres, surgiu o movimento pela Carta do Povo, que
ficou conhecido como Cartismo, e que se iniciou com a formação da London
Workingmen1s Association for Benefiting Politically, Socially and Morally the
Usuful Classes – LWMA (Associação Londrina de Trabalhadores para
Beneficiar Política, Social e Moralmente as Classes Úteis). A associação
entregou ao parlamento inglês, em 1837, uma petição na qual constavam os
pontos que posteriormente comporiam a carta: “sufrágio universal masculino,
distritos eleitorais iguais, parlamentos anuais, remuneração dos parlamentares,
voto secreto e nenhuma exigência de propriedade para pertencer ao
parlamento” (Singer,1998, p. 82).
O Cartismo era composto por homens que queriam utilizar a
persuasão e de outros que acreditavam ser inevitável a utilização da força e
propunham, a insurreição. Em um primeiro momento, os moderados
organizaram uma ação de “coleta nacional de assinaturas para uma petição ao
parlamento, pedindo a aprovação da Carta do Povo” (Singer, 1998, p. 82).
Caso a carta não fosse aceita seria desencadeada uma greve geral. Na
primeira tentativa, em 1939, a petição angariou 1.280.000 assinaturas, mas foi
14A lei dos pobres de 1834, considerada a Nova Lei dos Pobres revogou a lei Speenhamland de 1795 que possuía um caráter menos repressor que as leis anteriores: Estatuto dos Trabalhadores (1349), Estatuto dos Artesãos (1563), Lei dos Pobres elisabetanas (entre 1531 e 1601) e Lei de Domicílio (1662). A Lei de Speenhamland “garantia assistência social a empregados ou desempregados que recebessem abaixo de determinado rendimento”. Com sua revogação e a instituição da Lei de 1834, que instituiu a obrigatoriedade do trabalho forçado para trabalhadores pobres capazes de trabalhar, reforçou-se o “predomínio, no capitalismo, do primado liberal do trabalho como fonte única e exclusiva de renda” (Behring; Boschetti, 2006, p. 49-50). 15 “Workhouses: uma casa, quase de detenção, onde eram abrigados os desempregados e os pobres aptos ao trabalho (resultado das leis contra a vagabundagem)” (Hobsbawm, 2005, p. 233).
34
rejeitada pelo parlamento. Tentou-se então a insurreição, em 4 de novembro do
mesmo ano 4.000 insurretos atacaram um hotel em que se encontravam trinta
soldados. As tropas cartistas atacavam, mas eram ceifadas pelas armas de
fogo dos legalistas. Após inúmeras baixas os atacantes desistiram, a liderança
acabou presa (Singer, 1998).
Em 1840, o movimento reorganizou-se e preparou um novo abaixo-
assinado, a petição era ainda mais direta que a antecedente, fora assinada por
3.317.702 pessoas, mas, ainda assim, foi rejeitada. Eclodiu no período, mas
por outras razões, uma greve geral, na segunda semana de agosto de 1842,
que foi transformada em luta pelo cumprimento da carta e se alastrou por
várias cidades. Denunciada por O’Connor líder cartista que mudou de posição
durante a greve. O movimento acabou, e ainda assim, representou o primeiro
grande movimento político das massas operárias em defesa da democracia, e
também o primeiro movimento marcadamente antiburguês (Singer, 1998)16.
Os sindicatos nesse período eram formados por trabalhadores
qualificados, artesãos ou operadores de máquinas. Os não qualificados eram
constituídos em sua maioria por mulheres e crianças vivenciando uma
realidade marcada pela pobreza e pelo desamparo, barreiras que dificultavam
a organização. Os trabalhadores qualificados organizavam-se em espécies de
associações chamadas trades ou trade club que tinham como base
organizativa os ofícios. A trade union era composta pela associação de clubes
do mesmo ofício, de diversas cidades, que abrangiam uma região ou um país.
As trade unions podem ser consideradas as precursoras dos
sindicatos, contra elas foram criadas leis que proibiam a associação, no
entanto o próprio avanço da industrialização criava novos ofícios que geravam
novos clubes. De 1799 a 1824, porém a organização econômica dos
trabalhadores em defesa de direitos e contra a industrialização foi tornada
ilegal.
16 Os movimentos ludditas e cartistas precederam as revoluções de 1848 que foram a cabo na Europa Central, constituindo um significativo momento de confronto entre os trabalhadores e o capital (Singer, 1988).
35
O ressurgimento dos sindicatos se dá sobre forte influência de Robert
Owen (1771-1858)17, já que a oposição ao avanço da industrialização não
surtia efeitos, os trabalhadores passam a desenvolver um projeto de sociedade
que utilizasse as forças produtivas desencadeadas pelas máquinas e pelos
motores (Singer, 1998).
É nessa quadra histórica que surgiram as cooperativas modernas, com
um viés de reação defensiva diante a degradação das condições de trabalho e
subsistência, as primeiras cooperativas documentadas insurgiram-se contra o
alto preço das mercadorias e bens de primeira necessidade e sua baixa
qualidade. Existem registros documentais de uma cooperativa formada por
trabalhadores dos estaleiros de Woolwich e Chatham, em 1760, que fundaram
moinhos de cereais para não terem que pagar preços injustos aos moleiros. No
mesmo ano, o moinho foi incendiado. A cooperativa de consumo mais antiga
foi a Sociedade dos Tecelões de Fenwick, datada de 1769. A mais antiga
cooperativa de consumo inglesa foi a Oldhan Co-operative Supply Company,
de 1795. Registra-se como cooperativa de produção a formada pelos alfaiates
de Birmingham, em 1777 (Singer, 1998).
Infere-se que as cooperativas possam ter se originado de um
desdobramento das atividades dos trade clubs, como sociedades mutualistas.
Tratava-se de trabalhadores que criaram fundos coletivos para emergências,
como doenças e óbitos, e passaram a organizar fundos para a aquisição de
produtos em comum. Antes da generalização do uso do maquinário a vapor, as
fábricas localizavam-se nas proximidades de correntes d’água, por vezes
afastadas dos centros urbanos.
Os trabalhadores adquiriam bens de primeira necessidade dos
proprietários das fábricas, que os vendiam acima do preço e por vezes com 17 Robert Owen, industrial inglês, filantropo e reformador é um expoente do socialismo utópico inglês e considerado grande influenciador do cooperativismo. Nasceu em Newton, norte do País de Gales, em uma família pobre. Tornou-se proprietário de uma indústria têxtil em New Lanark onde desenvolveu uma série de reformas, com o objetivo de melhorar a vida dos operários. Posteriormente, fundou uma colônia comunitária nos Estados Unidos da América com o nome de New Harmony, que foi um fracasso e consumiu parte de seus bens. Retornou a Grã-Bretanha e se tornou ativista do movimento operário inglês, participando ativamente das Traide Unions. Entre os anos de 1836 e 1844, escreveu e publicou o Livro do novo mundo real. Morreu em 1858, aos 87 anos, ainda em atividade política (Russ, 1991). Sobre Owen, ver Engels (1990), Singer (2002) Magnani (1987).
36
adulteração. Ocorria de os trabalhadores não terem provisões para realizar o
pagamento, de forma que, o proprietário funcionava também como financiador,
cobrando altos juros. De modo que a proposta das cooperativas desvencilhava
os trabalhadores dessa relação tripla de exploração pelo capital, “enquanto
empregador, fornecedor e agiota” (Singer 1998, p.91).
Historicamente, a difusão das cooperativas coincide com a Revolução
Industrial. Singer (1998. p. 91) salienta que “tal qual os sindicatos, também as
cooperativas foram sempre iniciativas de trabalhadores qualificados”, que,
possivelmente, dispunham de reservas financeiras para financiar as nascentes
cooperativas. Sua situação ficou crítica com o fim das guerras napoleônicas,
quando tiveram início crises e depressões.
Ao tempo em que se formavam cooperativas com base nos clubes de
ofícios, as idéias de Owen ganharam aceitação dentro e fora da Inglaterra.
Sobre ele, escreveu Engels (1990; p. 227),
um homem cuja pureza infantil atingia o sublime, e que era, ao mesmo tempo, um inato condutor de homens, como poucos. Robert Owen assimilara os ensinamentos dos materialistas do racionalismo, segundo os quais se o caráter do homem é por um lado o produto de sua organização inata, é, por outro, o fruto das circunstâncias que o rodeiam durante sua vida, e, principalmente, durante o período de seu desenvolvimento.
Inspirado parcialmente por Owen, George Mudie reuniu um grupo de
jornalistas e publicou em 1821 e 1822, o primeiro jornal cooperativo, cujo título
era The Economist. Fundaram também a Sociedade Cooperativa e Econômica
de Londres, a primeira cooperativa conhecida na área de Londres. Nessa
época, vários experimentos cooperativos, alguns bastante ambiciosos, foram
efetivados. Centenas de owenistas estabeleceram-se em Orbiston, em 1826,
formando uma comunidade que teve êxito até o falecimento de seu idealizador:
Abraham Combe, em 1827. Dentre as comunidades cooperativas formadas no
período, duas foram dirigidas pelo próprio Owen (Singer, 1998; 2002).
A primeira New Harmony, fundada por Owen, funcionou entre 1825 e
1829 em Indiana, Estados Unidos da América, a outra, Harmony Hall, iniciou-se
em 1839 e durou até 1846. Ambas não tiveram sustentação financeira. New
Harmony levou grande parte da fortuna de Owen e implicou a perda do apoio
37
que tinha entre os industriais europeus. Engels (1990, p. 228), ao tratar das
colônias propostas por Owen, observa que
ao abraçar o comunismo, a vida de Owen transformou-se radicalmente. Enquanto se limitara a agir como filantropo, colheu riquezas, aplausos, honrarias e fama. Era o homem mais popular na Europa. (...) Mas, quando formulou suas teorias comunistas, a coisa mudou de aspecto. Segundo ele, os grandes obstáculos que se antepunham à reforma social eram principalmente três: a propriedade, a religião e a forma atual do matrimônio.
Esta posição provocou a perda de seu prestígio e o alijamento da
sociedade oficial. Não obstante, sua ação continuou. Owen dedicou-se
integralmente às lutas da classe operária, nas quais agiu por trinta anos.
“Todos os movimentos sociais e seus melhoramentos reais tentados pela
Inglaterra em prol da classe trabalhadora estão associados ao nome de Owen”,
assinala Engels (1990, p. 229).
Entre 1826 e 1835, mais de 250 sociedades cooperativas foram
criadas, e esse período é considerado como de “máximo florescimento do
cooperativismo owenista” (Singer, 1998, p. 93). A relação entre sindicatos e
cooperativas, no período, era intensa. Os trabalhadores começaram a
reinterpretar o owenismo à sua maneira, transformando a idéia da comunidade
cooperativas em associações operárias autogovernadas, criadas pelos próprios
operários. Essas cooperativas, formadas com base no movimento sindical,
integravam-se diretamente com a luta de classes. Um de seus principais
dirigentes, John Doherty, organizou em 1829 os fiandeiros de algodão em um
sindicato nacional e em 1833-1834, fundou o “Grand National Consolidated
Trades Union (sucessora da Grand National Moral Union de Owen,
possivelmente a primeira central sindical do mundo)” (Singer, 2000, p. 28-29).
Owen implantou, como medida de transição, enquanto a sociedade
não se organizava em totalidade comunitariamente, “duas espécies de
organismos: as cooperativas de consumo e produção”, que mostraram a
inutilidade do comerciante e do fabricante, e “os bazares operários18”, locais
18 “Cumpre notar que a instituição era notadamente engenhosa, na maioria como combinava intermediação comercial e crédito. Os produtos não só tinham acesso a um mercado organizado, formado por eles próprios, como recebiam crédito imediato em notas de tempo de
38
nos quais se trocavam os produtos do trabalho por bônus, que funcionavam
como papel-moeda, tendo como unidade a hora de trabalho despendida. Para
Engels (1990), elas necessariamente estavam fadadas ao fracasso, contudo
eram superiores ao banco do povo proudhoniano de intercâmbio, criado
posteriormente.
Singer (1998, p. 94) reconhece que a idéia das cooperativas operárias,
que muitas vezes foram criadas para enfrentar a empresa capitalista, eram
uma iniciativa ingênua, mas acentua que constituíram um “genuíno movimento
de massas, participando diretamente das lutas sindicais”.
A simbiose entre cooperativismo owenista e lutas sindicais provocaram
entre os anos 1833 e 1834 uma represália do capital que, unido ao Estado
aprovou uma lei segundo a qual todos os empregados eram obrigados a
assinar um documento comprometendo-se a renunciar ao sindicato e a negar
apoio aos seus membros. O que provocou um refluxo tanto dos sindicados,
quanto do movimento cooperativista (Singer, 1998).
O movimento cooperativista entrou em um período de letargia, no
período que se seguiu. As ações do operariado contra o capital foram
marcadas pela precariedade. Em 1844, na cidade industrial inglesa de
Rochdale, próxima a Manchester, um grupo de tecelões criou a Society of
Equitable Pioneers. A Cooperativa dos Pioneiros Eqüitativos de Rochdale
tornou-se a matriz das cooperativas modernas. Formada por 28 trabalhadores
de ofício, grande parte tecelões, entre seus fundadores havia líderes owenistas
e cartistas, e há indícios de que a motivação para a criação da sociedade fora
uma longa e desditosa greve, ocorrida em 1844 (Singer, 1998).
A sociedade tinha como objetivo criar um armazém que abastecesse
seus sócios, construir moradias para eles, manufaturar artigos, comprar ou
arrendar terras para se auto-sustentar com o trabalho dos membros.
Primeiramente, foi criado o armazém, e, com ele estabeleceu-se a primeira
regra, a do governo democrático – cada membro representaria um voto,
independentemente do capital investido. A segunda regra era a livre adesão,
trabalho, o que permitia o giro rápido dos produtos sem uso de dinheiro externo. A avaliação em tempo de trabalho cumpria o que seria mais tarde codificado como um dos princípios do cooperativismo de consumo: a prática de preços justos” (Singer, 1998, p. 95).
39
desde que a pessoa integrasse uma cota-parte de capital que, no caso, era de
uma libra. A divisão do excedente ocorria da seguinte forma: o valor investido
era remunerado com uma taxa fixa de juros, de 10%, e essa era a terceira
regra. A quarta e correlata à terceira, determinava que as sobras, após
remunerado o investimento, era dividida proporcionalmente às compras de
cada cooperado. A quinta estabeleceu a venda à vista. A sexta determinava a
venda de produtos puros e de boa qualidade. Essas últimas duas regras
excluíram da Sociedade dos Pioneiros os trabalhadores mais pobres que não
possuíam recursos para comprar à vista e pagar por um produto puro. A sétima
cuidava do desenvolvimento educacional dos cooperados, herança owenista, e
a oitava versava sobre a neutralidade política e religiosa dos seus membros
(Singer, 1998).
O autor esclarece que
nenhuma destas regras em si é original; todas elas já tinham sido inventadas e aplicadas por diferentes cooperativas antes dos Pioneiros. Mas, nenhuma cooperativa tinha se regido pelo conjunto das oito e nisso está a inovação que separa o cooperativismo moderno do antigo. É que o conjunto assegura ao mesmo tempo a autenticidade socialista da cooperativa (autogoverno democrático, abertura a novos sócios, educação cooperativa e neutralidade política e religiosa) e a sua viabilidade enquanto empreendimento econômico (taxa fixa de juros, dividendos proporcionais às compras, vendas exclusivamente a dinheiro e venda de produtos puros). (Singer, 1998, p, 102)
Após uns primeiros anos de pouco crescimento, a Sociedade dos
Pioneiros, começou a contar com uma crescente quantidade de sócios, o que
implicava um capital em rápida expansão. De posse de capital, os pioneiros
passaram a diversificar os serviços. Em 1846, iniciaram debates aos sábados;
em 1848, abriram uma sala de leitura de jornais; criaram posteriormente uma
alfaiataria e uma biblioteca; em 1850, fundaram uma cooperativa de produção,
que se chamava Moinho Cooperativo de Rochdale, – que, após problemas
iniciais, passou a suprir os Pioneiros e outras cooperativas da área. Em 1856,
passaram a ter um moinho construído por eles próprios, e as vendas já
atingiram 133 mil libras e os lucros alcançaram 10 mil libras. Abriram um
departamento de confecção de tamancos, fundaram uma segunda cooperativa
40
de produção e, entre 1850 e 1855, mantiveram uma escola em sua sede e
transformaram a sala de leitura de jornais e a biblioteca em centro de educação
de adultos (Singer, 1998, p.103).
Contudo, os Pioneiros não conseguiram fugir dos conflitos. Com a
depressão de 1857/1858 e, posteriormente com a guerra civil norte-americana,
em 1862, que provocou escassez de algodão, houve uma fricção entre os
acionistas e os trabalhadores, pois mesmo durante a crise a cooperativa
continuava pagando integralmente os salários. Em votação, decidiu-se retirar o
bônus dos trabalhadores, decepcionados, os pioneiros desertaram do
empreendimento, o que provocou um golpe na causa cooperativista. Ocorre
que sem o bônus, a Sociedade foi transformada em uma empresa capitalista
como outra qualquer, objetivando lucros e dominada pelos acionistas. Ainda
assim, ela continuou crescendo até ser absorvida pela Co-opertive Wholesale
Society (Sociedade Cooperativa Atacadista), em 1906 (Siger, 1998).
Ao mostrar capacidade de adaptação à economia de mercado, com
seus riscos e intempéries, a Sociedade dos Pioneiros de Rochdale tornou-se
modelo para as cooperativas que se formaram posteriormente na Grã-Bretanha
e em todos os países em que o capitalismo se estabelece como modo de
produção. Seu desfecho, contudo, demonstra que o capital coopta as
experiências econômicas bem-sucedidas, transformando-as em empresas
capitalistas.
Ao longo do tempo, movimentos de matizes socialista, comunista,
anarquista, religiosos, realizaram experiências cooperativas. Dentre elas,
destacam-se os assentamentos coletivos judaicos em Israel, chamados Kibutz
que atravessaram todo o século XX, com crescente adesão populacional19.
19 A adesão os Kibutz é livre e a gestão da sociedade é realizada de forma democrática. Os sócios reúnem-se em assembléias, e cada um tem direito a um voto, os membros da administração e do conselho fiscal são eleitos. Não existe distinção entre os associados, e as sobras líquidas são distribuídas de acordo com o princípio: “de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades”. De acordo com Pinho (1968?, p. 134) “O Kibutz, por sua organização comunitária total, apresenta originalidades interessantes que convém destacar: como a produção e o consumo são realizados em comum, a vida familiar sofreu modificações. Assim, as famílias não dispõem de casas onde há convivência entre seus diversos membros. Estes são alojados em quartos especiais para casados ou solteiros e as crianças na chamada ‘Casa das Crianças’. As refeições são tomadas em comum em grandes refeitórios, que servem também de sala de reuniões recreativas ou reuniões de assembléias, etc. As crianças possuem refeitório separado e ficam sob os cuidados (...) especiais. Há Kibutz
41
Do exposto, ressalta-se o vínculo estreito entre movimento
cooperativista e revolução industrial. A pontuação da história inglesa foi
fundamental, posto que, durante muitos anos, em seu território travava-se
intensamente o confronto entre capital e trabalho que, neste período histórico
teve o movimento cooperativista como uma tentativa de resistência, do
trabalhador aos desmandos do capital.
No Brasil, para compreender o cooperativismo, faz-se mister indicar os
pressupostos da revolução burguesa desencadeada aqui com as
especificidades nacionais.
A revolução burguesa no Brasil
Para Ianni (1985), do ponto de vista histórico, pode-se considerar que
a revolução burguesa no Brasil se situa entre a abolição da escravatura (1888)
e o desfecho da ditadura militar.
De acordo com Ianni (1985), a análise da revolução burguesa
brasileira implica um fértil debate com alguns expoentes20: Sérgio Buarque de
Holanda dedica atenção especial à abolição da escravidão e à ascensão do
trabalho livre, para o autor nessa ocasião ocorre uma transição ou ruptura
qualitativa fundamental. Holanda pondera que não se pode falar de um instante
preciso para a revolução brasileira, mas sim de um processo demorado que
tenha durado ao menos três quartos de século.
Caio Prado Júnior acentua a importância da ruptura com a escravatura
que se somou à imigração de trabalhadores europeus e generalizou o trabalho
livre, ao tempo que o Estado se abriu para as exigências do capitalismo. A
economia brasileira que era voltada para a produção extensiva e em larga
escala de matérias-primas, passou a desenvolver as condições apropriadas
para a produção mercantil.
em que o sistema comunitário é levado ao máximo: o indivíduo tem de seu apenas a escova de dentes e o par de sapatos” 20 As anotações que se seguem sobre a análise da historicidade brasileira encontram-se na obra de Ianni (1985).
42
Nelson Werneck Sodré concentra sua análise na burguesia nacional,
que para ele, começou a aparecer ainda antes da proclamação da República,
quando emergiu a acumulação e alargaram-se as relações capitalistas no
campo. Para o autor as principais características da revolução burguesa foram:
existência de massa camponesa numericamente preponderante e principal como produtora de bens econômicos; de numerosa pequena burguesia, com função política destacada; de proletariado pouco numeroso mas crescente, com formas de organziação em desenvolvimento mas ainda fracas; de burguesia recente, ascensional, com amplas perspectivas nacionais e fracas perspectivas internacionais. (Sodré apud Ianni, 1985, p. 30)
Florestan Fernandes ressalta a figura do fazendeiro de café e do
imigrante, estes agentes humanos, que se constituem como protagonistas
históricos da revolução burguesa. Assim, o processo da revolução burguesa
brasileira tornou-se lenta, descontínua, só atingindo as esferas da vida social
organizada nas áreas urbanas de industrialização intensa. No restante da
sociedade brasileira prevaleceu as características históricas anteriores, ao que
as mudanças políticas, ocorridas na década de 1930, procuraram responder,
acelerando as transformações necessárias à revolução burguesa.
Carlos Nelson Coutinho também situa o processo histórico da
revolução burguesa brasileira com a questão da formação de uma economia
caracteristicamente capitalista, com base no salário livre. Para o autor, a
passagem para o capitalismo no Brasil deu-se sem alterações na estrutura
agrária e de forma marcadamente autoritária. A revolução não se aconteceu
autenticamente de baixo para cima, mas como decisão de cúpula de cima para
baixo, para todas as grandes alternativas concretas ligadas à transição –
Independência, abolição, República, modificações do bloco de poder em 1930
e 1937, passagem para um novo patamar de acumulação em 1964. Todas elas
resultaram de decisões de cúpulas que mantiveram marginalizadas ou
reprimidas as classes chamadas sociais, ocorrendo no país uma modernização
conservadora.
43
De todas essas interpretações, infere-se que, no Brasil, ocorre uma
modernização conservadora, marcada pelo autoritarismo de Estado, com
alianças de parte das classes dominantes com o poder econômico
internacional em detrimento da população pobre, e manutenção da estrutura
agrária e suas implicações econômicas.
O autoritarismo de Estado no Brasil tem vários exemplos na história
desde os primeiros anos da República (1889-1930), com o domínio no
panorama político nacional da política dos governadores, sob forte influência
das oligarquias rurais destacando-se a cafeeira. O Brasil entrou no século XX,
com baixas taxas de industrialização, e a nascente questão operária21 era
tratada como caso de polícia, como no violento tratamento à greve geral de
1917.
Na década de 1930, no Estado Populista (1930-1964), predominavam
os interesses do bloco industrial-agrário, ainda vinculado ao cultivo do café e à
indústria de bens de consumo duráveis. Contudo, nesse período ocorreu a
criação do parque industrial nacional, cresceu também o setor de serviços, e
por outro lado, cresceu e se generalizou a movimentação de empregados,
operários, funcionários, nas cidades, e, no campo, a insatisfação de colonos,
sitiantes e caboclos com as flutuações da economia cafeeira. Aumentou
também a insatisfação com o despotismo do Estado.
Diante desse quadro, a elite nacional inaugurou uma espécie de
contra-revolução, fez a revolução de cima, para evitar que ela ocorresse de
baixo, em outras palavras, cedeu-se ao povo migalhas que o apazigúe (Ianni,
1985).
Na mudança governamental de 1930, com a ascensão do governo
Getúlio Vargas, operou-se um arranjo entre as classes urbanas e a oligarquia
agrária, pautado na
21 Fala-se de questão operária pois mesmo o país tendo uma baixa taxa de industrialização, já no começo do século XX organizaram-se movimentos de trabalhadores em busca de direitos, inspirados fortemente em idéias anarquistas trazidas ao Brasil por imigrantes europeus.
44
industrialização, participação do Estado em assuntos econômicos, tanto para proteger atividades econômicas preexistentes como pra favorecer novas; sindicalismo atrelado ao aparelho estatal; formalização jurídico-política das relações de produção, segundo exigências do capitalismo industrial, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); fortalecimento do Estado, em face das exigências do capital e do controle das classes assalariadas, tanto operários como empregados e funcionários. (Ianni, 1985, p. 18)
A marca do Estado getulista foi o autoritarismo e a freqüente repressão
contra operários e camponeses. O poder executivo tinha primazia sobre os
demais, e os espaços democráticos existentes eram restritos. A despeito da
intensificação da industrialização, não se tocou na questão rural embora no
campo vivessem 70% da população nacional (Ianni, 1985).
A partir de 1964, sob a batuta do Estado militar, ancorado em um
poderoso bloco industrial, e sob os ditames do capitalismo financeiro e
monopolista, predominam os interesses da burguesia financeira e monopolista
estrangeira: “Em todas as épocas, os imperialismos inglês, alemão, norte-
americano e outros estão presentes e são decisivos” (Ianni, 1985, p. 21).
Dito isto, e considerando a estrutura histórica do Estado brasileiro e
sua relação violentamente repressora para com os movimentos sociais, parece
historicamente explicável que o cooperativismo brasileiro tenha uma forte
intervenção estatal, com uma legislação nitidamente de cunho liberal e que a
maiorias das cooperativas até a década de 1980 tenham sido criadas no
campo.
1.2 Cooperativismo no Brasil e economia solidária
Registra-se como primeira cooperativa brasileira a Sociedade
Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, fundada em
27 de outubro de 1889. Ela constituía-se como uma espécie de banco, que
previa para seus sócios caixa de auxílio para socorro de sua necessidades e
construção de casas, semelhante aos princípios dos Pioneiros de Rochdale. No
início do século XX, existem registros de cooperativas do ramo de crédito e de
consumo, sobretudo no Rio Grande do Sul, vinculadas ao setor agrário (Pinho,
45
2004).
Em 19 de dezembro de 1932, o governo Getúlio Vargas, aprovou a
primeira lei cooperativista brasileira, arrolando as suas características básicas e
criou-se o Departamento de Assistência ao Cooperativismo (DAC’s),
subordinado à Secretaria de Agricultura dos Estados. (Pinho, 2004).
Em 1967, o Decreto-lei nº. 59/66 e seu regulamento, o Decreto n.º
60.567, de 19 de abril, impôs forte controle estatal às cooperativas e
eliminaram a maior parte dos incentivos fiscais de que elas dispunham. (Pinho,
2004).
O período no qual o país foi governado pela ditadura militar foi
marcado por um intenso controle estatal sobre as cooperativas. Em dezembro
de 1971, foi promulgada a Lei n.º 5.764, que definia a política nacional de
cooperativismo e instituía o regime jurídico das sociedades cooperativas.
Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 revogou vários dos artigos
dessa lei ao proibir a interferência estatal em associações, mas ela ainda
continua em vigor. (Pinho, 2004).
Um aspecto importante da Lei n.º 5.764/71, foi a criação da
Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), como representação única
do cooperativismo nacional, o que provoca uma grande polêmica nas diversas
forças que compõem o cooperativismo brasileiro na atualidade. Para
organizações da sociedade civil como o Movimento dos Trabalhadores Sem-
Terra (MST) e o Movimento de Economia Solidária, a OCB não representa os
interesses das cooperativas populares, e, por isso, recusam-se a se filiar a ela.
Explicita-se uma das contradições do sistema cooperativista brasileiro,
que criado sob uma forte estrutura de controle estatal e a ele vinculado. A
OCB, de fato, representa um cooperativismo empresarial, que se apropria, de
um lado, dos incentivos estatais e, de outro, do baixo custo trabalhista22 das
cooperativas. Nesse sentido, as cooperativas ditas do campo popular afastam-
se do sistema OCB, buscando independência e autonomia.23
22 Como a relação jurídica de trabalho na cooperativa não gera vínculos trabalhistas para os associados, elas não recolhem impostos trabalhistas, ressalva feita a trabalhadores contratados com carteira assinada. 23 Essa polêmica com a OCB aparece intensamente nos debates da revisão da lei do cooperativismo em tramitação no Congresso Nacional.
46
O cooperativismo brasileiro ganhou força com a política de Estado
para o campo, e não é de se espantar que a responsabilidade em relação às
cooperativas, até 2003, estivesse sob a tutela do Ministério da Agricultura e
Abastecimento. Diferentemente do que ocorreu na revolução burguesa inglesa
que destruiu o campesinato, o Brasil industrializou-se, mantendo intacta a
estrutura rural. As cooperativas apresentam-se como política pública para o
rural, e não como movimento de oposição ao capital. Vinculadas à estrutura de
Estado, as cooperativas não se apresentam como forma diferenciada de
organização de trabalho, mas tão-somente, como forma de organização de
produtores para alcançar financiamento público.
A revisão do Código Civil Brasileiro (Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de
2002) introduziu modificações na percepção da cooperativa, como por
exemplo, a não-obrigatoriedade taxativa de um mínimo de vinte associados
para a constituição de uma cooperativa. Entretanto, a Lei n.º 5.764 continua em
vigor, e as alterações do novo Código Civil ainda não estão regulamentadas
(Pinho, 2004).
Nas décadas de 1980/1990 eclodiu um movimento intitulado
Movimento de Economia Solidária, na conjuntura econômica decorrente da
crise da década de 1970 e seus efeitos na economia brasileira, que serão
tratados posteriormente. O Movimento de Economia Solidária compreende as
cooperativas populares que são o foco de discussão deste estudo, além de
articular uma série de movimentos, organizações não-governamentais (ONG’s)
e organizações dos mais diversos matizes.
Ao assumir a Presidência da República, o Governo Luiz Inácio Lula da
Silva, criou a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), subordinada
ao Ministério do Trabalho, cujo objetivo é o fomento da economia solidária e do
cooperativismo. A partir de então, o cooperativismo passou a ser tratado pelo
governo como problema do mundo do trabalho, mais precisamente de geração
de emprego.
47
Economia solidária
Para Singer (2000; 2002), a economia solidária é uma criação em
processo contínuo de trabalhadores em oposição e confronto com o
capitalismo. Desta forma, ela começou a existir concomitantemente ao
capitalismo industrial. O autor identifica a história da economia solidária com a
própria história do cooperativismo que surgiu como modo de produção e
distribuição alternativo ao capitalismo.
Essa análise leva a uma linearidade na história do cooperativismo que
pode encobrir diferenças significativas. O movimento cooperativista inglês
aflorou como uma forte contestação ao capital, porém, ao difundir-se pelo
mundo, o cooperativismo adaptou-se satisfatoriamente às necessidades do
sistema capitalista.
Singer (2000) percebe a economia solidária como modo de produção
alternativo ao capitalismo, que reúne, além do princípio da unidade entre posse
e uso dos meios de produção e distribuição de bens, o da sua socialização. O
autor alerta que o modo solidário de produção aparentemente constitui-se
como um híbrido entre o capitalismo e a pequena produção de mercadorias,
“mas na realidade, ele constitui uma síntese que supera a ambos” (Singer,
2000, p. 13). A cooperativa de produção é a unidade típica da economia
solidária, e seus princípios organizativos são:
posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de cooperados não é demasiado) ou por representação; repartição da receita líquida entre os cooperadores por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados entre todos os cooperadores. (Singer, 2000, p.13)
Luxemburgo (1990), ao tratar das cooperativas de produção inglesa,
parte da mesma constatação elas se constituem como instituições de natureza
híbrida, mas chega ao resultado inverso do exposto por Singer (2000). Para a
autora, as cooperativas
48
constituem uma produção em miniatura que é acompanhada por uma troca capitalista. Mas na economia capitalista a troca domina a produção; por causa da concorrência exige, para que a empresa possa sobreviver, uma impiedosa exploração da força de trabalho, quer dizer, a dominação completa do processo de produção pelos interesses capitalistas. (Luxemburgo, 1990, p. 87)
Desse modo, a forma de organização das cooperativas traduz-se na
necessidade de intensificação do trabalho, na duração da jornada de trabalho,
que se encurta ou se alonga em razão da conjuntura, na contratação ou
dispensa de força de trabalho conforme as necessidades do mercado. Ou seja,
praticam-se os mesmos métodos que permitem a uma empresa capitalista
sustentar a concorrência das outras empresas. A cooperativa de produção tem
a “necessidade contraditória para os operários, de se governar a si própria,
com toda a autoridade absoluta necessária e de os seus elementos
desempenharem entre si o papel de empresários capitalistas” (Luxemburgo,
1990, p. 88).
A economia solidária recebeu uma influência significativa das
cooperativas de produção, sobretudo, no que diz respeito à organização
administrativa do trabalho, e, nesse sentido, são pertinentes para a economia
solidária os dilemas e contradições que o cooperativismo enfrenta, mas a
economia solidária constitui uma realidade extremamente complexa, na qual se
observa uma imensa variedade de iniciativas, como
Sistemas Locais de Emprego e Comércio (...), Sistemas Locais de Trocas (SEL), Sistemas Comunitários de Intercâmbio (SEC), Rede Global de Trocas, Economia de Comunhão, Autogestão de Empresas pelos Trabalhadores, Sistemas de Micro-Crédito, Sistemas de Crédito Recíproco, Bancos do Povo, Bancos Éticos, Fair Trade ou Comércio Ético e Solidário, Agricultura Ecológica, Consumo Crítico, Consumo Solidário, Grupos de Compras Comunitárias, Movimentos de Boicote, Sistemas Locais de Moedas Alternativas, difusão de Softwares Livres (Free Softwares) e inúmeras outras. (Gomes; Mance, 2002, p.15)
49
Dentre as cooperativas existe, também, significativa diferença entre
elas. Há cooperativas de grande porte24, que detêm alta tecnologia, se
mostram competitivas no mercado nacional e internacional e movimentam
grande volume financeiro. Há cooperativas de pequeno porte, com um capital
modesto, que empregam tecnologias obsoletas e enfrentam relativa dificuldade
para manter-se no mercado. Há cooperativas de trabalho que dispõem apenas
da força-de-trabalho de seus sócios como capital, e que normalmente,
procuram vender serviços de limpeza, manutenção, coleta de resíduos sólidos,
dentre outros. Há ainda as pequenas associações, algumas ainda sem estatuto
jurídico, formadas por trabalhadores com grande dificuldade para inserirem-se
no mercado de trabalho, como ex-dependentes químicos, ex-detentos, que
normalmente precisam de doações ou apoio externo para sobreviver25.
No Brasil, a economia solidária teve uma trajetória peculiar. Conta com
uma forte presença de instituições externas aos empreendimentos,
universidades, instituições de assessoria e o próprio Estado, e encerra
concepções teórico-políticas heterogêneas para o enfrentamento desse
momento histórico.
Entretanto, não há consenso entre as instituições, nem mesmo no
tocante à denominação de economia solidária. Alguns utilizam socioeconomia
popular e solidária, outros, economia popular e solidária, e outros, ainda,
economia de solidariedade.
O conceito que fundamenta a economia solidária também está em
debate. Para Nuñez (1997), a economia solidária (ecosol) não pode ser
concebida ou desenvolvida fora de um contexto de projeto revolucionário; para
o autor, a diferença entre a economia solidária e as revoluções anteriores é que
não é necessário esperar a tomada de poder político para iniciar o processo
revolucionário. Como nas revoluções burguesas, é preciso criar as bases
econômicas para a tomada de poder político, papel potencial da ecosol.
24 O Complexo Cooperativo de Mondragón, no País Basco, Espanha, é integrado por mais de cem cooperativas de produção e conta com um grande banco (Cajá Laboral Popular), além de uma das maiores redes de supermercados da Espanha, uma universidade e diversas cooperativas de investigação tecnológicas (Singer, 2002). 25 Além das cooperativas de produção, destaca-se a existência de diversos tipos de cooperativas de consumo, crédito, habitacionais e muitas outras, que não são objeto deste estudo.
50
Razeto (1997) analisa a questão, dizendo que é necessário colocar o
trabalho acima do capital. O autor insiste na centralidade do trabalho e no
predomínio da solidariedade sobre o individualismo e do ser humano sobre os
produtos e fatores materiais. A economia de solidariedade enuncia, para o
autor, um projeto, ou uma orientação teórica e prática, fundamentalmente
transformadora.
Icaza (2004) distingue os empreendimentos de economia solidária
(EES) do cooperativismo tradicional. Segundo a autora, a economia solidária
começou suas atividades na década de 1980 e se multiplicou na década de
1990, em decorrência do contexto de desemprego que se intensificava no
Brasil, diferenciando-se, dessa forma, do cooperativismo tradicional, que para a
autora, constitui-se em uma opção organizativa e jurídica de acordo com os
limites permitidos pelo capital. A economia solidária, ao contrário, apresenta-se
como um campo de construção de alternativas econômicas ao modelo
dominante.
Para Barbosa (2005), a economia solidária apresenta-se como um
modo de produzir, mas não um modo de produção diferente do capitalista, e só
pode ser compreendida como totalidade inserida no capitalismo. A economia
solidária denota uma perspectiva voluntarista do trabalho com discursos de
exaltação da liberdade, independência do trabalho por conta própria,
argumentando que essa modalidade de trabalho subverte a opressão da
condição de empregado subordinado. Para a autora, a cultura do auto-emprego
apresentada como alternativa positiva, pela cooperação para auto-suficiência
local e grupal, provoca diminuição da pressão por assistência pública.
Barbosa (2005) considera, ainda, que essas velhas práticas, aparecem
como resposta para a crise e estão centralizadas na baixa do custo do
trabalhador “por meio de processos de informalização e precarização” e
destaca ser esse um diferencial importante no estudo da economia social (e
solidária)26.
O debate teórico acerca da economia solidária é bastante fértil, e no
interior do próprio movimento podem-se distinguir tendências teórico-políticas 26 A autora refere-se a crise do capital que se iniciou nos países de economia capitalismo avançado na década de 1970. Assunto que será tratado no capítulo II deste estudo.
51
distintas. Dentre elas, destacam-se: a ação social da Igreja, as ações das
incubadoras sociais, as entidades de apoio, que grosso modo, podem-se
caracterizar como organizações não-governamentais (ONGs) como o Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Economias (Ibase), Associação Nacional de
Trabalhadores de Empresas de Auto-Gestão (Anteag), Federação de Órgãos
para a Assistência Social e Educacional (Fase), movimentos sociais, como o
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e a Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e órgãos públicos como o Ministério do Trabalho e
Emprego, por meio da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes).
Barbosa (2005, p.174) considera que
a vinculação da economia solidária a movimento social e a narrativas anticapitalistas indicia uma proposição distinta de enfrentamento do desemprego estrutural e da informalidade do trabalho. Entretanto, uma controvérsia se instala na base argumentativa e de atuação dos sujeitos políticos envolvidos. A economia solidária acompanha as recentes tendências dominantes no mundo capitalista contemporâneo quanto a programas de geração de renda em consonância com a reestruturação produtiva e desregulação no campo da proteção social. Responde a isso material e ideologicamente, fomentando formas de ocupação, algumas vezes ampliando o espaço econômico nas periferias e áreas empobrecidas do campo e da cidade, enquanto, igualmente, fomenta a cultura do auto-emprego, contribuindo para essas novas idéias das classes dominantes.
No Brasil, o crescimento da economia solidária está vinculado ao
desemprego estrutural, que começou a se intensificar no país em meados da
década de 1990, vinculado ao problema da crise capitalista da década de
197027. Um de seus expoentes é a Associação Nacional dos Trabalhadores em
Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag), fundada em 1991,
para assessorar empreendimentos de trabalhadores que organizam
cooperativas a partir da massa falida de empresas.
Outro forte representante da economia solidária são as Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), vinculadas às universidades
brasileiras. Existe em todo país uma grande variedade de instituições que
27 Sobre este tema conferir: Antunes (1999); Harvey (1992) e Hobsbawm (1994).
52
prestam assessoria aos empreendimentos, algumas ligadas à Central Única
dos Trabalhadores (CUT).
A CUT criou em 1999 a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS),
cujo intuito é “promover a constituição, fortalecimento e articulação de
empreendimentos autogestionários, buscando a geração de trabalho e renda,
através da organização econômica, social e política dos trabalhadores,
inseridos num processo de desenvolvimento sustentável e solidário” (CUT,
2007). A ADS articula-se com o movimento de economia solidária, fomentando
ações de economia solidária e desenvolvimento sustentável e de constituição
de cooperativas e empreendimentos coletivos solidários “como um meio de
gerar trabalho e renda para trabalhadores que buscam formas alternativas de
inserção social”28 (CUT, 2007).
O MST, por sua vez, em sua forma de organização, optou, em alguns
de seus assentamentos, pela organização coletiva da produção, obtida pela
criação de associações, grupos coletivos de trabalho e cooperativas:
optou-se pela criação do Sistema Cooperativista dos Assentados – SCA, com objetivo de buscar maior articulação e afinidade entre as diversas formas de cooperação, elaborar e aplicar políticas homogêneas de desenvolvimento, formar quadros organizadores da cooperação, elaborar programas de capacitação em todos os níveis, elevar a produção agropecuária, melhorar a produtividade do trabalho nos assentamentos, e com tudo isto atingir melhorias significativas nas condições de vida das famílias assentadas. (MST, Apud Barbosa, 2005, p. 195)
No que se refere ao caráter ideopolítico, percebe-se que a economia
solidária encerra uma complexidade reveladora de contradições e dilemas.
Existem divergências e congruências que merecem atenção.
Singer (1998) chama a atenção para a necessidade de reconceituar a
revolução social socialista. Para o autor, o fracasso do socialismo real implica a
necessidade de construção do socialismo pela livre iniciativa dos trabalhadores
de baixo para cima. Reafirma que o socialismo pressupõe a transferência do
controle efetivo dos meios de produção para os trabalhadores, mas essa
transferência não pode se dar por um ato jurídico-político e sim pelo desejo dos 28 Disponível em www.cut.org.br, acessado em: 16 jul. 2007.
53
trabalhadores, o que pressupõe longo tempo, pois implica uma revolução
cultural da qual, trabalhadores assalariados se transformem em
empreendedores coletivos.
O socialismo a ser construído por meio da economia solidária, tem
como principal fundamento o conceito de autogestão. Nesse sentido, faz-se
necessário destacá-lo e apreender seu significado.
Autogestão
O termo autogestão é recente, aparece em língua francesa no início
dos anos 1960, e foi utilizado para designar a experiência político-econômico-
social da Iugoslávia de Tito29, em ruptura com o stalinismo (Guillerm; Bourdet,
1976).
O conceito, entretanto, possui raízes mais antigas, ancoradas no
ideário libertário, sobretudo nas anotações de Pierre-Joseph Proudhon30 (1808-
1865), sobre a democracia industrial (Motta, 1981). Autogestão significa a
organização direta da vida coletiva em todos os níveis, por meio de conselhos
e assembléias, nas quais todas as questões são decididas democraticamente
(Bottomore, 1988).
O pensamento proudhoniano tem como pilar central o debate sobre o
tema da posse privada da propriedade, anunciado em seu livro O que é a
propriedade? (Proudhon, 1988). Ele demonstra que a propriedade é irracional,
injusta, não passando de uma apropriação operada pelo capital em detrimento
do trabalho. Segundo Motta (1981), cabe salientar que a propriedade pode ser
entendida tanto como o direito que uma pessoa tem de utilizar um bem pelo
29 Josip Broz Tito, primeiro ministro Iugoslavo de 1945 a 1953 e presidente de 1953 a 1980 durante a ocupação iugoslava por Mussolini e Hitler na segunda guerra mundial, conseguiu libertá-la sem a ajuda do exército vermelho russo. Fundou a República Socialista Federal da Iugoslávia, que agrupava seis repúblicas: Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedônia. Criou um sistema rotativo para o governo, no qual cada uma das repúblicas indicava o presidente por um período. Tito manteve um conduta de independência em relação a Moscou. Em 1948, os dois paises romperam oficialmente. 30 Escritor francês, considerado o patriarca do anarquismo. Envolveu-se em uma polêmica com Marx em 1846. Marx, em resposta ao seu livro Filosofia da miséria, escreveu a crítica intitulada Miséria da filosofia. Sobre este assunto conferir: Jackson, (1963), Gurvitch (1960/1970?.); Netto (2004); Motta (1981). Os dois primeiros apresentam a síntese biográfica de Proudhon e Marx; os demais fazem análises da contenda. A obra de Motta (1981) traz a integra das cartas trocadas entre os autores dois anos antes.
54
qual é responsável, quanto pelo fato econômico de que a propriedade dá o
direito a alguém de usufruir de riquezas pelas quais não trabalhou.
De acordo com Motta (1981), para Proudhon a sociedade é fundada
na organização do trabalho. É o trabalho que gera a riqueza socialmente
distribuída, e o trabalho coletivo é o motor que impulsiona a sociedade
moderna. O trabalho coletivo é superior e diferente da soma dos trabalhos
individuais, embora o trabalhador seja remunerado apenas pelo trabalho
individual e não pelo trabalho coletivo. A apropriação do excedente gerado pelo
trabalho coletivo é realizada pelo proprietário dos meios de produção.
Desta forma, Proudhon elabora uma proposta de submissão da posse
da propriedade a um novo tipo de sistema econômico, no qual o trabalhador se
apropria coletivamente do trabalho realizado coletivamente. A esse novo
sistema econômico Proudhon denomina de mutualismo, ou democracia
econômica (Motta, 1981).
O trabalho, para Proudhon, produz e reproduz relações de
cooperação. Dessa forma, repele incessantemente a autoridade e a hierarquia,
e, por conseguinte, o governo. A ordem decorre, naturalmente, da ação dos
trabalhadores e da sua autogestão em uma sociedade contratual, livre das
desigualdades (Motta, 1981).
A idéia de mutualidade, para Proudhon, é tão antiga quanto o estado
social. Para ele pode-se perceber, de tempos em tempos, sua potência
orgânica e sua dimensão revolucionária. Diz Proudhon (1986, p. 118) que o
princípio de mutualidade foi expresso pela primeira vez na Declaração dos
Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão, nos seguintes termos: “Não façais
aos outros o que não desejaríeis que vos fizessem; Fazei constantemente aos
outros o bem que gostaríeis de receber”. Ele supõe que o indivíduo seja livre e
tenha discernimento do bem e do mal, ou seja, possua em seu íntimo a justiça.
A mutualidade funda-se no princípio de que a realidade econômica é
pluralista, ou seja, é constituída espontaneamente por um conjunto de grupos e
pessoas, autônomos e solidários que compõem o tecido social. Assim a
reorganização da indústria deve efetivar-se sob a
55
jurisdição de todos aqueles que a compõem, isto é, de todos os grupos e de todas as pessoas qu dela participam, seja como produtores ou consumidores. Reconhecer a autonomia desses grupos e dessas pessoas por uma organização autogestonária e sua solidariedade por um regime federativo, serão os dois princípios dessa constituição pluralista. (Motta, 1981, p. 153)
Dessa forma, a mutualidade expressa-se na democracia econômica,
que se estrutura pela posse e a gestão coletiva dos meios de produção. Seu
correspondente político é o princípio federativo, sinônimo de mutualidade, que
se expressa pela organização federalitiva dos grupos geográficos. A República
Federativa é um corolário da democracia econômica, fundada na federação
agrícola-industrial e no sindicato da produção e do consumo (Motta, 1981).
Na trajetória histórica moderna, a autogestão veio a curso em alguns
momentos, dentre eles, destaca-se: a Comuna de Paris (1871), insurreição de
trabalhadores franceses que durou dois meses, nos quais a produção
capitalista foi substituída por uma nova organização:
as oficinas da Comuna foram, (...) modelos de democracia proletária. Os operários nomeavam-se seus gerentes, seus chefes de oficina, seus chefes de equipe. Reservavam-se o direito de demiti-los se o rendimento ou as condições de trabalho não fossem satisfatórios. Fixavam seus salários e horários, as condições de trabalho; melhor ainda, um comitê de fábrica se reunia todas as tardes para decidir o trabalho do dia seguinte. (Guillerm; Bourdet, 1976, p. 111)31
Entre os anos 1917 e 1937, os conselhos de fábricas na Europa
Central, Itália e Espanha também apresentavam vieses autogestionários. Na
Espanha, as comunas, nas primeiras décadas do século XX sob forte influencia
anarquista, organizaram conselhos operários que autogeriram as fábricas em
Barcelona. A Federação Anarquista Ibérica (FAI) criou a Coluna, cujo objetivo
era lutar contra o exército de Franco e realizar imediatamente o comunismo. A
Coluna fundou coletividades inteiramente autogeridas, “às vezes a
participação dos lucros se fazia com a ajuda de um ‘salário’, igual para todos,
sob forma de bônus; outras vezes, sem moeda alguma, as pessoas pegavam o
31 Grifos nosos.
56
que precisavam no armazém comunal” (Guillerm; Bourdet, 1976, p. 122).
Na Iugoslávia, a burocracia concedeu a (co)gestão das fábricas aos
operários, mas manteve a gestão política central nas repúblicas e na
federação. O sistema era híbrido, e, embora houvesse conselhos operários, a
assembléia geral não delegava poder. Na realidade, o termo conselho era
utilizado para designar a Comissão Executiva da Empresa, que compreendia
aproximadamente quinze membros e eram a representação máxima. A
Assembléia Geral era designada como coletivo operário cujo poder era a
eleição com voto secreto do “conselho operário”. Receando a burocratização,
os iugoslavos criaram unidades de trabalho, encarregadas de organizar a
produção nas oficinas, e fazer emergir o poder da própria fábrica. Em 1960,
instituiu-se uma conferência das unidades de trabalho de toda a empresa, com
poder de controle sobre a direção. O período de 1960 a 1966 é considerado o
apogeu da autogestão iugoslava (Guillerm; Bourdet, 1976)32.
No Brasil, a economia solidária (ecosol) tem na autogestão o cerne do
debate sobre a organização e gestão dos empreendimentos. Sua constituição,
entretanto, guarda especificidades nacionais que devem ser explicitadas. A
ecosol é herdeira de movimentos associativistas, que na sua origem e
desenvolvimento históricos, atuam na perspectiva de movimentos sociais
apresentando potencialidades, ainda que utópicas, de transformação societal.
Em algumas tendências da economia solidária esse traço aparece com
bastante ênfase.
Por outro lado, na conjuntura brasileira a economia solidária adquire
aspectos de variante da política pública, e implica um tensionamento com o
Estado e a resposabilização dele pela geração de emprego e renda.33
Em 2005, a Senaes comandou um levantamento nacional da situação
da economia solidária e produziu o Atlas da Economia Solidária no Brasil
(Brasil, Senaes, 2005). Esse documento indica a existência de 14.954
empreendimentos no país, dos quais 44% estão no Nordeste, 17% na região
Sul, 14% na Região Sudeste, 13% na Região Norte e 12% na Região Centro-
32 Existem outros exemplos de países que utilizaram a autogestão de forma generalizada, como a Argélia (Guillerm; Bourdet, 1976). 33 Sobre Economia Solidária e política pública ver Barbosa (2005).
57
Oeste.
Destes empreendimentos, 54% são associações; 33% grupos
informais; 11% Cooperativas e 2%, outro tipo de organização. Quanto ao
motivo de criação do empreendimento, foi solicitado que indicassem três
razões. As respostas foram as seguintes: 45% declaram que são motivados por
uma alternativa ao desemprego; 44% por uma fonte complementar de renda;
41% declararam obterem maiores ganhos; 31% para desenvolver atividade em
que são donos do empreendimento, e 29% por ser condição exigida para obter
financiamento.
A Cooperativa de Reciclagem de Lixo (Cooprec), no qual trabalham os
sujeitos dessa pesquisa, surgiu com uma orientação do cooperativismo popular
tradicional. Desde 2005, integra o Movimento de Economia Solidária,
participando ativamente, do Fórum Goiano de ecosol.
O Movimento de Economia Solidária brasileira agrega o
cooperativismo popular tradicional, mas não se restringe a ele, abarca também
uma série de instituições e organizações envolvidas com a discussão do
consumo justo, sustentabilidade, preservação ambiental e geração de emprego
e renda. Portanto, falar em cooperativismo popular no Brasil, atualmente, é
falar em economia solidária.
CAPÍTULO II
“ERA UM SONHO A COOPERATIVA, UM SONHO DA GENTE”:
A EXPERIÊNCIA DA COOPREC
Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. (...)
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade
“Eu fico, sabe, eu fico às vezes... chego em casa, as vezes cansado, e fico pensando puxa vida! Tantos anos assim né, era um sonho a cooperativa, um sonho da gente.”
Rosalino Gomes do Carmo (cooperado 26 jan. 2006).
59
Ao tratar a experiência dos cooperativados da Cooperativa de
Reciclagem de Lixo (Cooprec), buscam-se os indivíduos reais, nas palavras de
Drummond, “o homem presente, a vida presente”, suas ações e condições
materiais de existência, tanto as que já existiam e que eles encontram prontas,
como as que engendram em sua própria ação. Marx e Engels (2002, p. 10)
sustentam que os homens se distinguem dos animais pela consciência, pela
religião, dentre outras características, “mas eles próprios começam a distinguir
dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência”. Ao
produzirem seu meio de existência, os homens produzem seu meio material.
Entretanto, a forma como os homens produzem seu meio de existência
depende da natureza dos meios que eles já encontram prontos, mas precisam
reproduzir, e se apresenta um modo determinado de atividade dos indivíduos,
um modo de vida determinado: “A maneira como os indivíduos manifestam sua
vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com a
maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das
condições materiais de sua produção” (Marx, Engels, 2002, p.11).
Os homens, ao desenvolverem sua produção material, suas relações
sociais, transformam, com a sua realidade própria, seu pensamento e os
produtos do seu pensamento, pois “não é a consciência que determina a vida,
mas sim a vida que determina a consciência”. Parte-se, dessa forma, dos
indivíduos reais e considera-se a consciência unicamente como a sua
consciência (Marx, Engels, 2002, p. 11).
A realidade é, portanto, o lugar da experiência, com seus valores,
subjetividades, significados, sentidos. Ela é determinada pelas relações de
produção nas quais os homens estão dialeticamente inseridos e com a qual
formam sua consciência do mundo e de si próprios. É com essa perspectiva
que se busca ouvir a experiência dos sujeitos participantes da Cooprec.
2.1 Processo de constituição da Cooprec
Chega-se à Cooprec, por meio de uma estrada sinuosa. À primeira
visita, a impressão é de estar em um labirinto. É comum ouvir de quem faz pela
60
primeira vez o percurso que não seria capaz de retornar ao centro de Goiânia,
porque a Cooprec se localiza em uma travessa, sem número do Jardim
Conquista, em uma área de preservação ambiental (APA) do bairro, fruto de
ocupação urbana. O seu nome, Jardim Conquista, expressa essa luta.
A população que se deslocou para o local enfrenta a problemática de
baixos rendimentos, como, ademais, ocorre em todas as áreas de posse
urbana. Percebe-se uma série de expressões da questão social, como
desemprego, baixa qualificação, crianças em situação de risco social e
pessoal. A região é marcada ainda pela proximidade com o Rio Meia Ponte,
principal rio de Goiás e responsável pelo abastecimento de Goiânia.
Nair mora no Jardim Dom Fernando I e relata como obteve a sua
moradia:
Nair (2ª) – Oh, o bairro Dom Fernando I ele foi um bairro muito interessante, eu me lembro que eu tinha dois anos de casada, menos de dois anos, e eu morava de aluguel lá no Novo Mundo, (...) [Jardim Novo Mundo]. Eu tava lá em casa dia de sábado e minha vizinha disse assim: “Nair vamo ali invadir um lote”. E eu falei: Não minha filha eu não mexo com isso aí não, eu tenho que trabalhá e comprar meu lote. Aí ela veio no sábado, aí ela chegou à noite e disse: “Êh boba cê perdeu, lá os lote é dos padre, e eles vão doar”, [e] eu falei: Não, então eu vou uai”. Aí eu vim no domingo, (...) quando eu cheguei (...) era uma roça de arroz, o Dom Fernando I, e tava cheia de barraquinha preta eu não achei mais nenhum lugar. Só que daí tinha uns aproveitadores que tinham cercado uma área entorno mais ou menos de uns dez lotes e eles acamparam e estavam vendendo esses lotes. (...) Aí o que é que eu fiz, eu tava saindo da Americana34 e acertando... (...) Aí cheguei conversei com os caras né, aí falei: “Olha, tal dia vou receber o acerto e a gente compra seu lote”. E aí ficou fechado com eles. Mais um zumzumzum começou a surgir que a justiça ia tirá quem comprou e ia prendê quem vendeu. Tá, mas eu precisava do lote, né!? Como eu fiquei com medo de perder o lote, eu cheguei na pessoa e falei assim: “Olha, eu não vou te pagar mil não, eu vou te pagar quinhentos”. Aí ele começou... Eu: “Oh, se você não querer, eu vou denunciá”. Enfim acertou por quinhentos reais.
Os bairros vizinhos também possuem histórias de ocupação: Jardim
Aroeiras I, Jardim Aroeiras II, Jardim Dom Fernando II e Jardim Conquista. Os
dois bairros que receberam o nome de Dom Fernando eram uma ocupação de
34 Refere-se ao antigo trabalho nas Lojas Americanas.
61
terrenos pertencentes à Igreja Católica. Nesses cinco bairros residem 77,3%
dos cooperados, muitos deles fizeram parte do processo de ocupação dos
bairros, especialmente os que fundaram a cooperativa (IDF, 2003a).
Esses bairros situam-se na Região Leste do município de Goiânia, que
conta com doze Regiões. Goiânia foi planejada para ser a capital do estado de
Goiás, construída a partir de 193335. Possui uma área de 739km². Localiza-se
no Centro-sul do estado, na antiga região de Campinas, que se tornou um
bairro da capital. Projetada para abrigar 50 mil habitantes, em 2005 contava
com 1.201.006 habitantes36. O processo de ocupação do solo urbano
caracteriza-se pela ocupação desordenada, que se agrava nas áreas próximas
aos córregos e fundos de vales, Goiânia é cortada por 55 cursos d’água, cujo
maior expoente é o Rio Meia Ponte.
Na maioria dos cursos d’água encontram-se pessoas residindo às suas
margens sem a menor qualidade de vida. As casas comumente possuem sua
estrutura comprometida pela proximidade dos córregos, as inundações são
freqüentes, bem como as doenças. Além disso, as margens dos córregos e rios
constituem-se em áreas de preservação ambiental.
As ocupações de áreas de preservação ambiental para fins de
moradia, ocasionam graves transtornos ambientais para a cidade, e riscos para
a população que, em sua totalidade, é marcada pela vulnerabilidade econômica
e social.
Uma das características importantes da região em que se localiza a
Cooprec, é que parte da área que deu origem aos bairros onde moram os
cooperados era uma fazenda de propriedade da Arquidiocese de Goiânia. Esta
área foi ocupada na década de 1980 para fins de moradia. Diante da situação,
a arquidiocese efetua a doação do terreno para as famílias e a prefeitura a
35 A mudança da capital do estado era uma discussão antiga em Goiás. Havia duas razões fundamentais, uma diz respeito à localização geográfica de Vila Boa de Goiás, atualmente Cidade de Goiás, antiga capital. A cidade localiza-se no fundo de vale, e não comportaria o crescimento demográfico, especialmente no tocante ao abastecimento de água, mas o aspecto decisivo, entretanto, era a disputa política entre Pedro Ludovico Teixeira, então governador do Estado e a família Caiado, uma das oligarquias existentes no estado, cujo centro político era a cidade de Vila Boa. O Planejamento da cidade foi realizado pelo arquiteto Atílio Correia Lima e a obra acompanhada pelo engenheiro Armando Augusto de Godói. A transferência definitiva da capital deu-se pelo Decreto nº1816 de 23 de maio de 1937 (Monteiro, 1979. 36 Dados obtidos em http://www.ibge.gov.br, acesso em: 01 jul. 2005.
62
urbanização da região, como assinala Nair:
Nair (2ª) – E o curioso do Dom Fernando [o bairro] é que foi feito um trabalho pela arquidiocese, excelente, foi mapeado todos os lotes. (...) Na época o Dom Fernando37 tinha falecido, ele tinha deixado assinado um documento pra doar as terras. Aí eu acho que as pessoas nessas reuniões de Igreja mesmo, nessas plenárias, deve ter soltado que tinha essa terra e o povo resolveu invadir, mais rápido, né. A Arquidiocese atuou direitim, mapeou os lotes... Aí começou as equipe... As mulheres, muitas das mulheres, sempre lutou pra isso aí, fazia as reuniões debaixo das árvores pra decidir o que a gente queria, os nomes das ruas são tudim o nome das pessoas que trabalhou, ó tem Irmã Eneida, Irmã Claudina, Dom Antônio, Dom Fernando – 23 de janeiro – foi a data da invasão, cinco de março foi a data do primeiro lote, a gente fazia uma festa quando saia o lote. Tem um de 27 de março também que eu não me lembro. E aí o que é que aconteceu, passou o lote pra cada um e cada um fez seu barraco. E pra construir o do outro a gente fazia mutirão38, aí, por exemplo, fazia mutirão, construía a sua casa provisória e amanhã construía a minha, então tem muita casa que foi feita assim nesse trabalho. Menina, era ótimo! Depois que o pessoal começou a construir a sua casa e a evolução veio, foi estreitando o grupo comunitário. Mas já teve assim uma equipe muito grande dentro desse bairro Dom Fernando I [Jardim Dom Fernando I], foi uma história e tanto que teve!
Na década de 1980, a Igreja Católica em Goiânia estava imbuída da
teologia da libertação, segundo a qual “a fé cristã não despreza a atividade
política; pelo contrário, a valoriza e a tem em alta estima” (CNBB, 1987, p.167).
A doutrina social da Igreja conduz a uma intervenção nos problemas sociais da
comunidade. Para que a doutrina social seja aceita por todos, a Igreja deve
responder eficazmente aos desafios e aos problemas graves que surgem na
realidade latino-americana, na qual os homens são diminuídos por toda
espécie de carências que reclamam a promoção urgente das obras
assistenciais cristãs. Segundo a CNBB (1987, 160), a doutrina social da igreja
exige coerência, criatividade, audácia e entrega total e a “evangelização não
seria completa se não levasse em conta a interpretação recíproca que ao longo
dos tempos se estabelece entre o Evangelho e a vida concreta, pessoal e
social do homem”.
37 Dom Fernando Gomes dos Santos foi o primeiro Arcebispo Metropolitano de Goiânia de 1957 a 1985 quando falece. Seu lema era: “Sem violência e sem medo”. 38 Forma de organização do trabalho em que todos se reúnem para realizar uma tarefa, comoa construção de casa. Os mutirões são muito comuns na cultura nacional, sobretudo no meio rural. Sobre esse assunto ver: Cândido (2003).
63
A fala de Nair explicita a ação da arquidiocese no bairro em que mora:
Nair (2ª) – Olha, quando as pessoas invadiram, veio uma equipe da arquidiocese pra visitar cada família. Toda família foi visitada, inclusive a minha. Perguntou do que a gente vivia, o que que tinha o que que não tinha. Mapearam os lotes, tirou muita gente que não precisava. A justiça vinha e tirava mesmo, pessoas às vezes que tinha supermercado, que tinha casa, eles tiraram tudinho. (...)
Eu acredito que dentro do propósito do Dom Fernando, que ele deixou pra ser doado... Que ele deixou pras pessoas que não tinha moradia, a arquidiocese comprou que além disso ia fazer um bairro nobre nesses bairros, porque o [Jardim] Dom Fernando I, ele foi assim desse modelo que eu te contei, o [Jardim] Dom Fernando II e o [Jardim] Aroeira39 foi uma parceria entre governo ou prefeitura não sei, não foi invasão. O [Jardim] Conquista foi invasão, (...). Foi quando, por exemplo, o Washington Novaes fez o projeto da usina, na verdade ele foi o criador da usina, mas ele era o Coordenador do Instituto Dom Fernando, né, que tava dentro do projeto, aí foi criado esse projeto com o Programa Usina de Reciclagem, Escola de Circo, Centro de Formação e Horto de Plantas Medicinais.
No contexto da ocupação da área, a Pastoral da Arquidiocese
começou um trabalho de desenvolvimento comunitário. A Sociedade Goiana de
Cultura, “entidade filantrópica e comunitária, sem fins lucrativos, criada em
1958 pela Arquidiocese de Goiânia, mantenedora da Universidade Católica de
Goiás” (IDF, Projeto Meia Ponte, s/d, p. 4) criou , em 1995, o Instituto Dom
Fernando, com a finalidade de buscar o “pleno desenvolvimento e
aperfeiçoamento do ser humano, mediante ações que contemplem o
relacionamento e o desenvolvimento dos aspectos educacionais, culturais, do
bem estar social e do desenvolvimento sustentável do meio ambiente”
(Estatuto da Sociedade Goiana de Cultura, apud IDF, 2003b).
A concepção do trabalho do IDF foi elaborada pelo jornalista e
ambientalista Washington Novaes, referência nacional na discussão ambiental,
e está registrada no Projeto Meia Ponte, que se volta
39 No Jardim Aroeiras encontra-se um dos pontos críticos da habitação em Goiânia, conhecido como Buracão. Trata-se de uma erosão do Rio Meia Ponte que foi ocupada por moradores, é um lugar de acesso dificultado, e as casas se amontoam uma sobre as outras. Entre 2000 e 2004, a prefeitura retirou as famílias cujas casas estavam em risco eminente de desabamento, porém nenhum projeto para a área foi concluído até o momento. Os moradores ainda acreditam que a prefeitura irá removê-los para uma área adequada.
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prioritariamente para a geração de empregos e renda; recuperação do meio ambiente; educação e saúde; resgate cultural dos moradores; proteção e formação das crianças e adolescentes; integração do esporte na atividade comunitária, tudo isso convergindo para o fortalecimento da consciência e exercício da cidadania. (IDF, Projeto Meia Ponte, s.d, p. 4)
A denominação do projeto, segundo sua apresentação, não se deu
apenas pela localização física de sua área de atuação, margeada pelo rio de
mesmo nome, mas também pela expectativa da construção de um caminho-
ponte que favoreça oportunidades de mudança nas condições
socioeconômicas e ambientais que beneficiem as comunidades envolvidas40
(IDF, Projeto Meia Ponte, s.d).
O Projeto Meia Ponte prevê e realiza: a implantação de um trabalho de
educação ambiental nos bairros, a instalação de um Centro de Formação
Profissional (Dom Fernando)41, a construção de uma Escola de Circo para
crianças e adolescentes, a implantação de um Horto de Plantas Medicinais, e a
construção de uma Usina de Reciclagem de Resíduos Sólidos a ser
administrada por uma cooperativa de trabalho formada por moradores da
região. Foi então que se iniciou a constituição da Cooprec. Os recursos para a
instalação e implementação desses trabalhos provém do setor público,
captados por meio de projetos com os quais o IDF se manteve até 1999. Os
exemplos mais expressivos são: Brasil Criança Cidadã, financiado pelo Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT); Programa de Pequenos Projetos (PPP), pelo
Ministério do Meio Ambiente; Projeto Viver, pela Secretaria Municipal de
Educação de Goiânia (IDF, 2003b).
A existência da Cooprec é tributária, portanto, da militância
ambientalista e da projeção nacional de Washington Novaes, que possuía
conhecimentos, vontade e articulação política suficientes para a obtenção de
recursos estatais para a construção da Usina de Reciclagem e de toda a
estrutura física do IDF.
40 Os bairros prioritários da ação do Instituto são: Jardim Dom Fernando I, Jardim Dom Fernando II, Jardim Aroeiras I, Jardim Aroeiras II e Jardim Conquista, todos da Região Leste de Goiânia. 41 O Cento de Formação Profissional Dom Fernando oferecia cursos de computação, cabeleireiro, eletricista e pedreiro (IDF, 2003b).
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A mobilização dos moradores para participar das reuniões de
discussão da cooperativa era feita nos espaços de atuação do IDF e pela
Igreja, nas missas e reuniões, e, posteriormente, pelos próprios moradores,
que começaram a participar dos debates. Como a idéia da Cooprec é externa
aos cooperados, eles não conseguem precisar a sua criação e dizem que só
tomaram conhecimento dela, após sua instalação, embora tenham sido eles os
sócios-fundadores. A questão do fomento da cooperativa por uma instituição
externa é crucial para apreender as mediações da experiência da Cooprec.
Nair (2ª) – Eu... A Cooprec pra mim, sempre nas minhas histórias. Eu falo que Cooprec pra mim surgiu na sala de aula de computação, lá no Centro Profissional Dom Fernando, né, e chegou uma senhora e falou muita coisa. Ela deu um sermão na turma, dizendo, que as pessoas eram muito mal agradecidas, porque vinha as coisas boas pra comunidade a gente não escutava, e assim...(...) Daí, ela falando, falando, eu acabei grilando com aquilo, porque assim... Eu sou uma das pessoas fundadoras do [Jardim] Dom Fernando I, e falou no [Jardim] Dom Fernando I eu tô apelando, né. Aí como ela tava assim... Que a gente [não] ia, aí eu falei: “Não, eu vou ver o que essa senhora tá tanto falando que a gente não valoriza”. Aí eu passei a me informar e descobri que a Sociedade Goiana de Cultura tava criando um projeto, e que tinha umas reuniões de apoio, que a gente participaria das reuniões e criaria alguma coisa, né. Aí participei da primeira, tinha muito trabalho em grupo, ai eu fui me interessando, devo ter participado dessas reuniões em torno de uns seis meses, que eu não me lembro direitinho, aí já começava a se falar na Usina de Reciclagem, (...), mas assim, nunca falava em salário, ninguém falava em salário.
Laíde –. Bem! Na verdade quando eu soube do surgimento da Cooprec... A Cooprec já tava sendo iniciada, o grupo já tava sendo formado, então eu não participei do processo inicial mesmo, como se diz... (...) Eu soube através do Seu Miguel... Então, na época, eu estava estudando, estava concluindo o ensino médio, (...), seu Miguel estudava comigo e ele me convidou. (...) Seu Miguel já participava do grupo inicial e ele me convidô, ele me convidô não... Ele comentô na sala de aula que estava sendo criado essa cooperativa, que estaria gerando trabalho para algumas pessoas, quem quisesse estar se interessando, e aí surgiu aquele interesse, né. Em participá. Só que a cooperativa tava sendo construída lá, né, a estrutura e tudo e tava aquele processo de reuniões ainda, onde os moradores tava sendo convidados a participarem do processo mesmo de formação do grupo, para estarem trabalhando na cooperativa. (...) Bem, na época, esse convite era feito pelo... Através dos moradores mesmo, da Igreja, principalmente Igreja Católica! Nas igrejas eram feitos os convites e a partir daí os moradores, que iam tendo interesse iam chegando pro grupo. (...) Os multiplicadores, por exemplo, na Igreja geralmente o padre falava desse trabalho que tava sendo feito e as pessoas saíam dali divulgando. Então foi
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assim que começô, depois que eu passei a participar do grupo, eu também passei a tá divulgando, né, que a cooperativa tava sendo construída, e assim, no primeiro momento, eu... Porque eu sempre fui muito louca por artesanato. E eu achava que a cooperativa quando falava de reciclagem que o trabalho ia sê só com artesanato. Eu fui mais assim por curiosidade, aí, quando eu cheguei lá, eu vi que não era só isso, que era uma coisa além... Daí eu me interessei, na época eu tava só em casa mesmo cuidando dos meninos, né, e como não tava trabalhando, eu pensei que podia sê uma oportunidade deu tá trabalhando e aprendendo alguma coisa, foi a partir daí que eu me interessei e fui ficando no grupo.
Lúcia – Eu pra te falar a verdade eu entrei na Cooprec já depois de um trabalho todo realizado, eu entrei bem depois... Então o surgimento da Cooprec em si, só o que eu ouvi falar, né. Por que foi assim através dos moradores que fizeram reunião juntamente com o pessoal da Universidade Católica [de Goiás], o Instituto Dom Fernando propriamente, né, que começou... Sugeriu que seria trazido pra cá uma usina de reciclagem. E os moradores gostaram da idéia e aderiram a essa idéia, e nós começamos a fazer reuniões já no centro comunitário aos finais de semana. Aí, nisso eu já comecei, eu já entrei nas reuniões, que eu tava fazendo um curso de cabeleireiro no Centro de Educação, e fiquei sabendo que tava fazendo reuniões já com a intenção de fundar a Cooprec. Então nessa época eu tirei o curso de cabeleireiro, e engavetei o diploma e vim pra Cooprec, nunca pus o meu diploma, assim na parede. Que aí ao invés deu fazer o cabeleireiro eu vim trabalhar na Cooprec.
Questionada se a Cooprec havia sido fundada antes de seu ingresso, respondeu:
Lúcia – Não ainda tava acontecendo, foi antes da fundação. (...) É. Assim... já tinha feito outras reunião antes, né, eu entrei lá pra quinta, sexta reunião.
Todo o primeiro grupo de cooperados participou de um curso de
cooperativismo, e de muitas reuniões para a formação da Cooprec, como relata
Maria Meonice.
Maria Meonice – Através de um curso de cooperativismo, fiquei durante um ano participando do curso e é onde surgiu o NIR – Núcleo Industrial de Reciclagem, que hoje é a Cooprec.
Após as reuniões para a formação, os cooperados foram conhecer o
Núcleo Industrial de Reciclagem (NIR) 42que já estava em construção:
42 Núcleo Industrial de Reciclagem (NIR) é a denominação da unidade de trabalho do IDF, que corresponde `a Usina de Reciclagem de Resíduos (IDF, 2003b).
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Nair (2ª) – Daí, logo depois dessa reunião de apoio a gente já veio pro NIR conhecer o Núcleo Industrial. Aí marcou uma reunião para gente discutir, as reunião já passou a ser no NIR, já era as pessoas interessadas, e foi reunindo as pessoas, eu sei que quando foi realmente para registrar a cooperativa nois já era assim... Me parece, (...) em torno, uns quarenta e cinco a cinqüenta.
A cooperativa foi fundada em 1998, e segundo seu Estatuto Social, se
denomina:
Cooperativa de Reciclagem de Lixo, sociedade cooperativa com forma e natureza jurídica própria, de natureza civil, rege-se pelas disposições legais, lei nº 5764 de 16/12/1971, pelas diretrizes de autogestão e por este estatuto, tendo como sigla COOPREC. Tem como objetivos:
a) Promover a melhoria das condições de vida de seus Cooperados, através de projetos.
b) Realizar trabalho operacional quanto à coleta seletiva de lixo, captação de matéria-prima, separação e seleção de insumos, fabricação de produtos derivados da reciclagem de lixo.
c) Manter sempre em perfeitas condições de trabalho os equipamentos consignados43 à disposição da COOPREC.
d) Desenvolver ações de conscientização ambiental na região atendida pela Cooprec.
e) Manter a qualidade dos produtos fabricados mediante a reciclagem de lixo, observando controles de impacto ambiental e as necessidades dos clientes compradores.
f) Criar novos produtos a partir dos insumos e materiais disponíveis no lixo.
g) Prestar, por si ou mediante convênio com outras entidades, assistência técnica, educacional e social aos seus cooperados e respectivos familiares, bem como o quadro funcional da Cooprec.
h) Conseguir financiamento para repasse aos Cooperados para que possam adquirir máquinas e equipamentos necessários ao desenvolvimento das suas atividades de trabalho. (Cooprec, Estatuto Social, s.d )
A Cooprec funciona em uma Usina de Reciclagem, localizada em área
de utilidade pública, cedida pela prefeitura para fins de reciclagem. À esquerda
do portão de entrada há a identificação da Cooperativa e, à direita, uma cerca
viva. Entrando na usina, observa-se, à esquerda, uma edificação térrea que
constitui a administração da cooperativa. É dividida em três partes: os
banheiros e sanitários, masculinos e femininos; o refeitório, também utilizado
43 A consignação é feita por um contrato de comodato entre SGC/IDF e Cooprec.
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como sala de reuniões, e o escritório. Em frente ao prédio da administração,
existe uma balança, para pesar os caminhões que chegam com a coleta de
resíduo sólido. A Cooprec possui dois caminhões-caçamba tipo basculante
para a coleta dos resíduos.
À direita, localiza-se o galpão, onde está a usina propriamente dita. O
galpão é aberto, coberto com telha fibro-asfáltica e dividido por um pequeno
corredor. À esquerda do corredor, há uma rampa na qual os motoristas
despejam os resíduos. Na base da rampa, existe um balcão, utilizado para a
triagem do material. Separam-se: o plástico e o papel, que são encaminhados
para as respectivas unidades de processamento, e os materiais que não são
processados, mas que podem ser vendidos para empresas especializadas em
reciclagem como latinhas, garrafas PET, ferragens diversas (vendidos como
sucata). O rejeito que não serve a reciclagem é encaminhado para o aterro
sanitário de Goiânia.
À direita do corredor, localiza-se a unidade de papel, na qual se fabrica
a telha fibro-asfáltica. A unidade é composta por um moedor industrial que
derrete o papel com a utilização de água. Na saída deste moedor, há uma
esteira na qual se delimita a manta de papel, que é cortada por um cooperado.
Mais ao fundo, é realizada a ondulação da manta, e o corte, para o tamanho
desejado. Em seguida, a telha é levada ao sol. Após o galpão, existem grades
onde se empilham as telhas de papel para a secagem. Em seguida a telha e
impermeabilizada com piche em um forno industrial apropriado que se localiza
dentro do galpão ao lado do moedor.
Ainda dentro do galpão, mas com o acesso pelos fundos, encontra-se
a unidade de processamento de plástico. O plástico, primeiramente, é lavado,
secado por uma centrífuga, picotado por uma moenda, em seguida, é colocado
em um aglutinador, que utilizando de temperatura elevada derrete o plástico.
Na seqüência o plástico passa por uma extrusora que o transforma em uma
forma alongada e filamentosa e, por fim, ele é picotado em uma picotadeira. O
produto final é o grânulo, matéria-prima da indústria de sacos de lixos e
mangueiras de jardinagem.
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Ao fundo da cooperativa, localiza-se o espaço utilizado para a
produção de húmus e a lagoa de decantação. Atualmente produz-se pouco
húmus, pois não se faz a coleta do resíduo orgânico das residências.
O recurso financeiro para a construção da Usina de Reciclagem é
oriundo de um convênio com o então Ministério de Previdência e Assistência
Social na ordem de seiscentos mil reais. Outros convênios foram firmados para
a qualificação dos cooperados, chegando-se à cifra de um milhão de reais.
A usina, portanto, foi construída com recursos federais e se localiza em
uma área municipal. A Sociedade Goiana de Cultura/IDF/UCG44, como
propositoras do projeto têm a responsabilidade pelo seu uso e manutenção,
cedida em comodato para a Cooprec. O contrato de comodato regulamenta o
vínculo entre as duas entidades, e condiciona a transferência à Cooprec da
responsabilidade pelo uso e manutenção da usina.
Em síntese: a Cooprec foi idealizada por pessoas externas à
comunidade que desenharam a metodologia do trabalho. O IDF convidou os
moradores para fundarem a cooperativa, e por meio da mobilização
característica da Igreja, realizou o curso do cooperativismo, para esclarecer do
que se tratava, cedeu o espaço para o trabalho, proporcionou a qualificação
adequada e financiou os cooperados por alguns meses.
A ação do Instituto Dom Fernando é semelhante ao que ocorre com as
Incubadoras de Cooperativas Populares (ITCPs), e as organizações de
assessoria à economia solidária, com uma ressalva, nos fomentos aos grupos
de economia solidária, discute-se, com o grupo, o tipo de atividade que será
realizado e se assessora a qualificação e captação de recursos. A Cooprec já
apareceu pronta para os cooperados que assumiram na íntegra essa
propositura.
O processo de fundação da Cooprec iniciou-se com uma discussão de
educação ambiental. Formou-se um grupo de moradores, que durante um ano
se reuniu para discutir acerca do meio ambiente e realizar atividades nos
bairros, como limpeza, coleta de lixo e atividades educativas. Portanto, não se
trata, em seu início, de um grupo de trabalhadores que buscam formas de 44 Juridicamente IDF e UCG fazem parte da Sociedade Goiana de Cultura. A inserção do IDF nas atividades de extensão da UCG em nada altera a relação jurídica dos convênios firmados.
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sobrevivência. Obviamente todos queriam aferir renda do empreendimento,
mas a questão ambiental era tão determinante quanto a renda.
Este grupo foi convidado posteriormente para realizar um curso de
cooperativismo, e para a fundação de uma cooperativa de reciclagem de lixo.
Os objetivos da cooperativa eram dar continuidade ao trabalho de educação
ambiental, coletar os resíduos domiciliares, processar os resíduos e produzir:
a) do papel, telha fibro-asfáltica para a construção civil em geral; b) do plástico,
grânulo, matéria prima para a indústria de mangueiras e sacos de lixo e c) dos
resíduos orgânicos, húmus. Laíde comenta a sua inserção na cooperativa:
Laíde – De certo que quando a cooperativa ficou pronta, algumas pessoas se deslocaram para tá fazendo treinamento em outras cidades. Alguns cooperados foram pra Curitiba, outros foram pra Mato Grosso, outros foram pra Brasília, mas assim eu não fui, no início mesmo assim... Eu não entrei em nenhum grupo desses pra tá indo, porque eu assim... Não tava ainda muito decidida, né, até então, tanto que eu nem tô entre aqueles sócios fundadores, aqueles que participaram de todo aquele processo de construção do regimento interno, aquelas coisas, eu entrei no segundo momento.
Alguns moradores participaram do curso de cooperativismo e das
reuniões, mas preferiram não fazer parte da cooperativa Laíde, por exemplo,
relutou um pouco e diz que trabalhar com lixo era uma questão negativa que
pesava na sua decisão, sobretudo nas conversas familiares. Com o tempo
conseguiu convencer o marido:
Laíde – Até porque meu marido né, ele tinha uma resistência muito grande, quando falei pra ele que eu ia trabalhá com lixo, ele não queria que eu fosse de jeito nenhum: “Você não precisa disso!” E eu fui ficando... Aí chegou um momento que eu pensei: “Ah! Eu já tô no grupo há tanto tempo, participando de reunião e tudo, eu vou tentá pelo menos. (...) Eu até fiz curso de cooperativismo e assim... De certo que a cooperativa foi fundada, o primeiro grupo começou a trabalhar em março?!, Abril... Eu entrei dois meses depois. Aí eu convenci meu marido, que eu tava só em casa sem trabalhar dependendo dele, né... Apesar que no início foi muito difícil pra gente, a gente passou muito tempo sem recebê nada, a gente tinha só uma ajuda de custo.
Esta ajuda de custo está presente também nos empreendimentos de
economia solidária fomentados por iniciativas de instituições de assessoria,
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que normalmente captam recursos públicos para iniciar o empreendimento.
Nas cooperativas tradicionais, a ajuda traduz-se na cota-parte com que cada
cooperado integraliza o capital por ocasião do seu ingresso na cooperativa. Na
Cooprec, os cooperados integralizam a cota-parte posteriormente, com os
recursos retirados do próprio trabalho na cooperativa.
Laíde – A gente tinha uma cesta básica e eu não me lembro se esse valor que a gente recebia, se era cinqüenta reais, era coisa pouca... Era só o simbólico mesmo, e esse valor era passado pela Sociedade Goiana de Cultura. Até então a gente recebia do Instituto Dom Fernando.
O IDF também assessorou toda a estruturação do trabalho. O início foi
marcado por desafios como, por exemplo, a falta de conhecimentos da
população, em relação a, educação ambiental, o processamento de resíduos
sólidos, a administração da cooperativa, além da falta de recursos financeiros e
o receio em manusear o material, que, com o tempo, os cooperados foram
vencendo:
Laíde – Bem, é como eu falei, a gente começou esse trabalho na cooperativa, a gente não tinha experiência nenhuma, a gente tinha a equipe técnica que era quem acompanhava, dirigindo né, os cooperados, dizendo como fazê... A educação ambiental né... Que eu fiz parte desse grupo de educação ambiental, que é esse trabalho que é feito até hoje de porta em porta, e assim como a gente não tinha experiência, a gente tinha todo esse acompanhamento de abordagem do morador... Daí a gente saía de porta em porta, nem os caminhões não tinha chegado pra gente, a gente fazia a coleta em uma carroça, a gente fazia o trabalho de visita nas residências e marcava o dia de fazê a coleta, aí a gente saía aquele grupo, tinha um sino [ri] até hoje tem esse sino lá. A gente saía tocando esse sino e com uma carroça, aí o morador ouvia a musiquinha do sino, saía e entregava o material pra gente, sempre junto, né, aquele grupo grande. Na medida que a carroça ia enchendo, o carroceiro ia lá despejava o material, não tinha as mesas que ainda não estavam prontas, aí jogava lá no chão mesmo, aí assim... Foi muito difícil no início. A gente tinha muito receio, de mexer com lixo ali, mas... Até porque a gente recolhia todo o material não era só o reciclável como é hoje. A gente recolhia tudo, a gente fazia a limpeza de quintais, tudo... E chegando lá, a gente fazia a separação desse material, inclusive o orgânico, né. Aí, a partir do momento que chegou o maquinário, aí começou a melhorá pra gente, aí já não tinha mais a necessidade da gente usar a carroça, né, e aí foi aumentando a quantidade de material e tinha mais gente também. Na época, tinha em torno de sessenta pessoas, era muita gente que trabalhava na época... Mas dinheiro mesmo, até então a gente não tinha conhecimento nenhum assim de... Pra tá vendendo esse material, e o que entrava também era muito pouco (...), então o que a gente tinha mais era uma
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ajuda de custo, não tinha um rateio fixo, um valor determinado não(...) Eu creio que pelo menos uns seis meses a gente ficou assim. A partir daí que a gente começa a produzir a telha né, começou a comercializar os produtos, a gente começou a ter os rateios, eu não lembro exatamente, mas era de um salário mínimo que a gente recebia na época (...).
Lúcia relata da seguinte forma seu início na Cooprec:
Lúcia – No inicio eu tinha um pouco de dificuldade porque eu não tinha experiência, né, então eu comecei a trabalhar junto... Na época tinha duas biólogas que eram a Patrícia e Isleide. Então eu sempre acompanhava elas em todos os trabalhos que tinham para fora, palestras essas coisas, e a Isleide dizia: “Um dia, a senhora vai ter que assumir isso”. Eu dizia que eu nunca ia dar conta, porque eu tinha a quarta série [do ensino fundamental] quando eu comecei a trabalhar na cooperativa. [Dizia] “Eu não dou conta de falar nunca na vida”, [a resposta era] “não, a senhora vai ter que assumir, nois não vai ficar aqui para toda vida não”.
Nair – Eu me lembro um dia, que eu falando com o meu marido, ele falando, né, se eu ia entrá no projeto, eu falando: “Oh, eu vou entrar no projeto, mas eu tenho muito medo de entrar nesse projeto, porque, se fala que quem vai dirigi esse projeto é a comunidade, né, pelo que eu saiba a gente não tem ninguém formado em administração, são pessoas diferentes, né, e eu não sei como vai ser isso”. Mas me interessei e comecei realmente.
Percebe-se que o início das atividades da Cooprec foi marcado por
desafios e superações nas relações familiares, no que diz respeito ao trabalho
feminino, na desmistificação do trabalho com o lixo e no exíguo retorno
financeiro. Por outro lado, Muitos dos primeiros cooperados voltaram a estudar
e se capacitaram para as atividades da cooperativa, como o fez Lúcia.
Lúcia – Aí, quando eu percebi que eu não tinha coragem nem de conversar com as pessoas, como eu ia dar palestras, né? Eu voltei a estudar [ri] eu fiz supletivo na época era telecurso 2000 que tinha, depois eu fiz supletivo segundo grau [correspondente do ensino médio], fazia pesquisa direto em biblioteca sobre a questão ambiental, tudo sobre meio ambiente. A gente ia nas palestras, as pessoas distribuíam na palestra tudo quanto é panfleto... Lá em casa tem um monte, tem um monte na Cooprec. Aí tudo pra mim eu ia lendo, lendo, lendo, porque eu queria saber mais e mais. Aí eu comecei a desinibir. Comecei a falar de pouquinho, atendendo às crianças que vêm e passei a dar palestra até pra doutores, lá na Embrapa45, por exemplo. Quando eu cheguei lá, tava cheio de cientistas... [Ri] e eu lá dando palestra. Mas para mim, é muito gratificante esse trabalho.
45 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
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Os cooperados que ingressaram nos anos seguintes foram convidados
pelos próprios cooperados:
Júlio – Eu entrei através dos meninos que trabalhou aqui já há muitos tempos atrás, né. Falou assim que era ótimo trabalhá aqui com reciclagem e que tava precisando de um parceiro na equipe da telha. E eu comecei a trabalhar e gostei, né, tô sendo quase coordenador da área, que ta faltando só eu da equipe da telha, tá sendo maravilhoso.
Viviane – Bom, foi mais assim por curiosidade, eu era muito curiosa. Apesar deu morar aqui perto, já conhecia muita gente que trabalhava aqui, mas eu nunca tinha vindo, não sabia como era o trabalho.
Sebastião – Na cooperativa aqui eu entrei, porque eu cheguei [de Rondônia], tava desempregado. O Wilson que era um cara que trabalha aqui há muitos tempos, aí me chamou, falou: “Vamo lá falá com as muié que às veiz dá certo”. Aí eu vim, falei, era uma sexta-feira, elas disse que eu podia vir na segunda aí continuei, tô aí até hoje. Marinete – Eu trabalhava de doméstica, né, era longe, aí eu falei com a Lindalva46 pra ela arrumar aqui porque era pertinho para eu ficar mais com meus filhos. Foi isso. Foi ela que arrumou pra mim.
As falas de Marinete e Sebastião revelam a realidade da maioria dos
cooperados que ingressam atualmente na Cooprec, expressa em situações de
desemprego ou precarização do trabalho. Seu vínculo com a cooperativa se dá
mais por uma falta de opção que por uma adesão consciente.
Essa realidade implica vários problemas para a administração da
Cooprec, como falta de formação cooperativista, vícios no que diz respeito à
relação de assalariamento, o que provoca pouca ou nenhuma participação nas
decisões da cooperativa.
A rotatividade do grupo também é muito grande, sobretudo os que
ingressaram nos anos seguintes à fundação. Durante o ano de 2006, Júlio e
Viviane saíram da cooperativa. Júlio está trabalhando em uma fábrica de
mangueiras, de pequeno porte, localizada nas proximidades da usina. A
Cooprec vende o grânulo que é a matéria-prima utilizada na pequena fábrica.
Entretanto, é possível encontrar recorrentemente Júlio nas dependências da
cooperativa. Diz ter sido necessário sair por causa das dificuldades do rateio, e
como tem família para cuidar, precisava de outro trabalho. A Cooprec perdeu o
46 Lindalva também é do grupo fundador e participou da diretoria por duas gestões.
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contato com Viviane.
O debate da experiência da Cooprec, assim, redunda da discussão do
desemprego originário na crise de 1970, nos países de capitalismo avançado.
Contudo, a experiência brasileira, com sua formação econômica e política
peculiar, não permite que se façam comparações simplistas com o que ocorreu
na Europa e EUA nesse período.
Na década de 1970, o Brasil encontrava-se sob o domínio da ditadura
militar. No plano econômico, houve o chamado Milagre Brasileiro, que se
estendeu de 1969 a 1973 e combinou um extraordinário crescimento
econômico com taxas relativamente baixas de inflação. O produto interno bruto
(PIB) cresceu a uma média anual de 11,2%. Em parte, esse quadro era
sustentado pela situação da economia mundial caracterizada pela ampla
disponibilidade de recursos, que implicou investimentos do capital estrangeiro
no Brasil, sobretudo no setor automobilístico. Outros fatores foram a política de
importações e exportações (diversificaram-se e intensificaram-se exportações
de produtos industriais nacionais) e o aumento da capacidade arrecadadora de
tributos (Fausto, 1996).
Como pontos vulneráveis, haviam a excessiva dependência do
sistema financeiro e do comércio internacional e a necessidade de contar com
produtos importados, como o petróleo, e negativos foram sobretudo de
natureza social47. O milagre privilegiou a acumulação de capital e comprimiu os
salários dos trabalhadores de baixa qualificação.
Em outubro de 1973, ocorreu a primeira crise do petróleo (aumento
significativo do preço do produto em um curto período de tempo). O Brasil
importava mais de 80% do total de seu consumo de petróleo, e foi
significativamente afetado pela crise, embora o clima de euforia com o Milagre
ainda persistisse. Em 1974, o governo Gaisel (1974-79) lançou o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (PND)48, com o objetivo de completar o processo
de substituição de importações das ultimas décadas e com forte preocupação
com o problema energético, propondo avanços nas pesquisas de petróleo,
47 Fausto (1996) ressalta que o PIB é um bom indicador geral de economia, mas, seja em números brutos, seja em números per capita, não indica distribuição de renda. 48 O primeiro PND fora lançado pelo governo Médici (1969-1974).
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programa nuclear, substituição da gasolina pelo álcool. O plano promoveu o
investimento da grande empresa privada na produção de bens de capital, e,
também aumentou o investimento em indústrias estatais como Eletrobrás,
Petrobrás, Embratel (Fausto, 1996).
Continuar crescendo, implicava, todavia a busca de recursos externos,
pois a poupança interna era insuficiente, e esses recursos entraram no país na
forma de empréstimos, o que resultou no aumento da dívida externa, tanto
publica, quanto privada. Os juros da dívida passaram a pesar intensamente
sobre o balanço de pagamentos, sobretudo com a elevação da taxa
internacional de juros, resultante da política dos EUA, para cobrir seu próprio
déficit comercial. O Brasil entrou na década de 1980 com recessão econômica,
que atingiu as indústrias de bens de consumo, acarretando desemprego e
declínio nas rendas mais graves que o ocorrido após a crise de 1929 (Fausto,
1996).
Malaguti (2000, p. 34) afirma que, ao longo dos anos 1980, ocorreu
uma “contínua deterioração da qualidade dos produtos e uma estagnação da
produtividade da maior parte do parque produtivo nacional” que perduraram até
os primeiros anos da década de 1990. Essa situação, após a implantação do
primeiro Plano Cruzado (1986), acentuou-se na perda da qualidade quanto a
diminuição dos índices de crescimento da produtividade. Ao impor um estrito
controle dos preços a heterodoxia econômica levou os empresários a
diminuírem os investimentos e manterem apenas a manutenção de
equipamentos. De acordo com o autor,
da mesma forma, as empresas começaram a: 1) incorporar materiais cada vez menos nobres (e mais baratos) na composição de suas mercadorias, a 2) alterar o peso declarado nas embalagens, 3) lançar novos produtos de fachada (visando burlar o controle de preços), a 4) diminuir os teores das substâncias ativas de medicamentos e alimentos, a 5) descuidar dos índices de poluição provocados. A 6) burlar com mais constância as obrigações de segurança do trabalho (aumentando os índices de ausência por acidentes de trabalho) e a 7) desrespeitar direitos trabalhistas estabelecidos (criando um clima de insegurança e descontentamento no mundo do trabalho). (Malaguti, 2000, p, 35)
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O Plano Cruzado foi responsável também pelo recrudescimento do
processo inflacionário, cuja conseqüência foi o aumento da perda do poder
aquisitivo dos salários e remunerações do trabalho. Malaguti (2000)
fundamenta-se em dados para demonstrar que houve um rebaixamento dos
salários em geral e do salário mínimo em particular. Em 1991, o salário mínimo
valia em média 43% menos que em 1940. Ao contrário, a renda dos 20% mais
ricos aumentou significativamente atingindo, no final dos anos 1980, 65% do
total da renda nacional, o que evidenciava elevadíssimo índice de
desigualdade, no país.
Parte significativa da população brasileira passou os anos 1980 em
miserabilidade, obtendo seu sustento por meio de bicos ou trabalhos precários,
às vezes completados pela coleta de lixo, mendicância e prostituição de ambos
os sexos, e toda sorte de contravenções49.
Já no final da década de 1980, o desemprego em massa começou a
fazer sentir suas conseqüências e, além da população que sofre com a
pobreza, atingiu também a classe média.
Nessa conjuntura, lançou-se o Plano Real50, e, com ele, o controle da
inflação e o crescimento econômico que proporcionam reorganização do
parque nacional, porém sem o desaparecimento das mazelas dos anos 1980.
Malaguti (2000) assinala que existe uma incompatibilidade entre o plano real e
o desenvolvimento social, pois não houve uma política de geração de emprego,
de melhorias salariais ou de distribuição fundiária. Além disso, implementaram-
se medidas de cunho neoliberal, como a privatização de estatais, flexibilização
das leis trabalhistas (contrato temporário de trabalho), e o Brasil entrou, com
sua própria conjuntura histórica, no período do desemprego estrutural.
A crise da década de 1970 e suas influências, especialmente no
continente europeu,51 impulsionaram vários analistas a apontarem o fim do
49 Malaguti (2000) ressalta que a população vivendo em estado de pobreza absoluta (os que têm renda per capita de um quarto de salário mínimo) saltou de 29,4 milhões e, 1980, para 39,2 milhões e, 1990. 50 O plano real foi lançado em 1994, pelo governo Itamar Franco (1992-1995). 51 Para assinalar as influências econômicas da crise no continente europeu, Mattoso (1995) apresenta uma análise detalhada por países, discutindo os efeitos do desemprego. Sobre as saídas políticas, retomada do liberalismo sobre a forma neoliberal e efeitos nos sindicatos, ver Anderson (2000) e Antunes (1999a).
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trabalho, dentre eles Antunes (2005) destaca: Gorz, que contundentemente
afirma o fim do proletariado; Offe, que, ancorando-se na sociedade de serviços,
tematizou a retração e mesmo perda da centralidade do trabalho; Habermas,
que, analiticamente distingue a esfera do trabalho e da razão instrumental e o
mundo da vida, esfera intersubjetiva, razão comunicacional, transferindo para
essa última o mundo da vida e as possibilidades emancipatórias que não se
encontram no mundo do trabalho. Destaca-se ainda Rifkin, com suas análises
do fim do emprego, estímulo do terceiro setor e o réquiem da classe
trabalhadora.
2.2 O processo de trabalho na Cooprec
A Cooprec é uma cooperativa de trabalho, e sua organização,
portanto, realiza-se com vistas à compreensão de seus integrantes do
cooperativismo, como assinalam alguns cooperados:
Rosalino – Cooperativismo já é uma empresa que não existe patrão, proprietário, a visão da gente vai ser sempre crescimento, uma empresa que a gente vai ser sempre o proprietário, se funcionasse como manda quando a gente faz o curso de cooperativismo talvez a realidade seria outra, a gente ta em dificuldade é porque não cumpre, o curso que nois fez de cooperativismos na época. Depois muda muito, não fica praticamente aquilo que a gente fez.
Nair (1ª) – Olha, eu assim, até já falei aqui pro pessoal que a cooperativa é a única no mundo. Eu tenho essa visão, eu já participei de reunião de cooperativa pela OCB. Eu vejo assim o jeito que é colocado, as pessoas falam assim que os cooperados, ele que define, e eu vejo assim que às vezes, quando os diretores de cooperativa coloca, é que a cooperativa, por exemplo, ela tem lá trezentos membro, mas três, quatro define. E a Cooprec é diferente aqui, a gente talvez não consegue, resolver uma questão só com a administração, a gente coloca muito pro cooperado definir junto. Qualquer coisa que se vai comprar o cooperado ta junto, o rateio ele é basicamente rateado igual, eu tava até comentando com a Lindalva, que uma diretoria, uma presidente hoje ela ganha em torno de quatrocentos e vinte reais enquanto o ajudante de caminhão ele ganha, quatrocentos e cinco [reais], então é uma diferença de quinze reais que a diretoria ganha para o ajudante de caminhão. Pra mim isso é inédito, isso não existe no mundo, e às vezes eu penso assim, que isso aí é bom pela igualdade que a gente ver que o grupo precisa crescer junto, por outro lado, você não valoriza o trabalho que a pessoa ta fazendo. Eu não tenho coragem de chegar na assembléia e falar oh, eu preciso ganhar mais,
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porque eu vou fazer meu trabalho melhor, não, [o] tanto que eu ganhar não tem nada a ver, se eu ganhar dez reais eu vou fazer meu trabalho bem feito, se eu ganhar, 1000 reais eu vou fazer igual se eu ganhasse dez reais. Então eu acho assim, que isso é uma coisa que não existe, não existe no mundo, esse tipo de trabalho que existe aqui na cooperativa.
Viviane – Cooperativismo? Ah é tão difícil explicá! Deixa eu ver aqui...cooperativismo que eu vejo por mim, é assim, como se diz, é você fazer aquilo com todos, cooperar com todos, por exemplo, se a triagem tá precisando de mim, se eu tiver mais desocupada eu venho e ajudo, entendeu? Você fazer um trabalho com todos, pra mim isso é que é cooperativismo (...). Como se diz, é um trabalho assim que, você faz pra você, entendeu? Cada um faz sua parte, não tem essa coisa de dono! – “Ah, eu vou chamar o dono!” Cê não tem patrão, por isso cê pega amor por fazer aquilo, não tem aquela pessoa pra ficar te enchendo o saco o dia inteiro: “Fulano cê precisa fazer isso”, entendeu? Ta certo nois tem nossos coordenadores. É uma coisa que cê faz com amor, que cê sabe que esta fazendo pra você.
Júlio – A gente ouve mais que pra gente ser unido né, que a cooperativa precisa mais de união, de doação essas coisas né. (...) Nós somos donos, somos empresários e nós dependemos de nosso serviço pra sobreviver, pra tocar a Cooprec, né.
Marinete – Eu não entendo muito não, nunca tive curso, assim, eu tendo o que eu aprendi aqui mesmo já né.(...) Porque aqui é uma associação né, quem trabalha é o dono, até quando não ta ne´, quando sai aí não é mais, o que eu entendo é isso.
O que aparece como central para os cooperados é o fato de não ter
patrão, eles afirmam que mandam em seu trabalho. Os sócios-fundadores,
como já foi dito, tiveram um curso de formação sobre cooperativismo, o que os
leva a entender a cooperativa como uma empresa na qual todos mandam. Já
os que ingressaram depois e não tiveram formação alguma, trazem da
experiência do dia-a-dia, a necessidade de união, da ajuda-mútua, da
colaboração e a convicção de que o resultado do trabalho é de todos.
Não há uma elaboração teórica, nem mesmo uma apreensão histórica
sobre o cooperativismo, as referências dos cooperados são construídas no
cotidiano. A organização do trabalho, segue os princípios de autogestão,
embora isso não seja verbalizado.
A forma de trabalho das cooperativas elimina, no plano da produção a
figura do patrão, dono do capital, aquele que extrai mais-valia do trabalho de
seus funcionários. De fato, se todos são iguais, se as divisões de trabalho são
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apenas divisões de tarefas dispostas em sistema rotativo, e se o recurso
financeiro obtido do processo de produção é divido segundo a intensidade e a
natureza dos trabalhos, pode-se dizer que não há apropriação da mais-valia
pela figura do patrão imediato. Entretanto, não se elimina a extração de mais-
valia. Marx (s.d.b, p.445) assinala que “a produção capitalista chegou a um
ponto em que frequentemente se vê o trabalho de direção por inteiro
dissociado da propriedade do capital”, ou seja, não é mais necessário que o
capitalista exerça o papel de direção. Afirma o autor que as fabricas
cooperativas demonstram que o capitalista, como funcionário da produção
torna-se supérfluo. E, se o trabalho do capitalista não resulta do processo de
produção, “ultrapassa a função de explorar trabalho alheio e deriva, portanto da
forma social do trabalho, da combinação e da cooperação de muitos para
atingir um resultado comum” (Marx,s.d.b, p.445).
O trabalho na Cooprec consiste na coleta e processamento de
resíduos sólidos oriundos do material domiciliar. A cooperativa desenvolve um
trabalho de educação ambiental nos bairros que coletam o material. Esse
trabalho, feito de porta em porta, consiste em explicar aos moradores a
necessidade de reduzir a produção de lixo, reutilizar o que for possível e
reciclar o restante – princípio dos três Rs. Atualmente, esse trabalho é
realizado em dez bairros da Região Leste de Goiânia. Além desses bairros, a
Cooprec coleta o resíduo sólido da Universidade Católica de Goiás e do
Goiânia Shopping52. Existem parcerias eventuais para coleta do resíduo, em
feiras e exposições, por exemplo.
Para o trabalho de educação ambiental, anteriormente escolhia-se
uma rua para o fechamento do mês, quando se realizava uma comemoração
com atividades culturais e explicativas quanto à educação ambiental, além de
palestras e atividades nas escolas da região. Posteriormente manteve-se
apenas o trabalho de coleta domiciliar. (IDF, 2003b). A esse respeito, Lúcia
comenta:
52 Shopping de médio porte da cidade.
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Lúcia –. É aquele trabalho de porta em porta, que a gente fazia, faz ainda, só que em outros bairros, porque a gente expandiu. É aquele trabalho que a gente pega a dona de casa, uma por uma, e conversa... A gente tem pessoas muito abertas, a gente acha pessoas que [são] bem fechadas, a gente acha pessoas superignorante tudo isso a gente encontra. A gente tem que saber conversar com a pessoa, sem ter aquele bate-boca, tem que saber convencer a pessoa sem agredir, é um pouco difícil, porque a pessoa tem que ter percepção pra isso.
Existem também alguns catadores que levam o material até a usina.
Com a presença dos catadores, a Cooprec cogita ampliar o trabalho, pois
consegue pagá-los melhor do que eles conseguem com a venda para a
indústria de processamento, no entanto, como a cooperativa não consegue
pagar à vista, os catadores preferem vender para a empresa privada.
A prefeitura de Goiânia mantém um convênio com a Cooprec para a
coleta do material nos bairros onde ela desenvolve o trabalho de educação
ambiental. Nesses bairros, o caminhão de coleta da prefeitura recolhe apenas
o material orgânico.
Os cooperados passam por todas as áreas de trabalho da cooperativa,
e se fixam no que mais se identificam, como revelam alguns entrevistados:
Nair (2ª) – E após o ingresso foi criada a diretoria, foi criado a chapa dentro da assembléia e tal... Na época três diretores homens passaram a fazer parte da diretoria (...) E nois começamos a trabalhar, né. E daí tinha uma política que nois passaria em toda área, nois passaria em todas as áreas da cooperativa. Por exemplo, hoje eu trabalho na triagem, amanhã eu trabalho na telha, e assim muito livre, não tinha pressão de jeito nenhum e a gente escolhia o lugar que queria ficá depois discutia com o conselho, mas geralmente era muito livre. (...)
Maria Meonice – Eu trabalhei no começo na parte do plástico, aí passei pra a triagem e passei pro meio ambiente, depois do meio ambiente, voltei pra a triagem de novo, onde estou até hoje.
Viviane – Eu, trabalho na área do plástico, do grânulo, e trabalho no meio ambiente.(...) O plástico é um trabalho que você não pára, é uma coisa que todo dia você faz, já diferente do meio ambiente, que tem dia certo pra ir pra rua, é tudo elaborado. Lá no plástico não, na mesma hora que cê está fazendo uma coisa, cê tem que fazer outra, um trabalho assim que cê tem que ter pique.(...)
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A gente separa os plásticos, muitos a gente corta também, aí leva pro picador, prá picá, lavá, aí depois a gente aglutina, aí depois a gente extrusa, faz o grânulo... No meio ambiente a gente faz um trabalho com o morador sobre a coleta, a gente sai de casa em casa, explica pra ele como é o trabalho de separação do material, [pergunta o] que ele já faz com o material, se ele doa, vende, se quer doar para a cooperativa.
Rosalino – Eu tenho um compromisso com a sociedade, com os fornecedor pra nois, na época que o pessoal criou o trabalho ambiental, supermercado, residência né.. eu assumi o trabalho que o caminhão fazia, então eu não tenho hora, supermercado é sempre antes do supermercado abrir. Então a rotina do dia é essa, supermercado, residência, as pessoas liga aqui falando que tem material. Do [Rio] Meia Ponte pra cá, o [a fábrica] Itambé também eu faço.
Rosalino utilizava, até o final de 2006, uma pequena carreta acoplada
a uma tobata53 para coletar o material reciclável em supermercados da região,
sobretudo o orgânico, deve ser recolhido antes da abertura do supermercado.
Percorria, nesse trabalho, todos os bairros vizinhos da Cooprec até o limite do
Rio Meia Ponte, e da fábrica de leite Itambé (que, algumas vezes, encaminha
para a cooperativa material a ser reciclado).
Além de Rosalino, existe uma equipe de coleta que trabalha com os
caminhões Sebastião é responsável pela coleta do Goiânia Shopping, um
ponto de coleta de material. O trabalho de Sebastião tem uma dinâmica
própria, que o deixa a maior parte do tempo isolado do restante do grupo da
cooperativa, de fato, ele acaba prestando serviços diretamente ao Shopping.
Sebastião – Lá, dez prás seis [5h 50 mim] eu já to trabalhano, varrendo lá e depois que eu varro tudim, tem que lavá, e depois que lava tem que jogá um negoço lá pra fica cherano, um sabão. E depois vô pegar algum papel na loja, desce, eu vô pega algum papel lá na entrada do shopping. Algum ferro véi e colocá lá pra dento e tudo que aparece eu vou juntano é o meu serviço. Aí vou colocando lá, quando é lá pras 2 horas, 2 e 45 [2h 45min], no máximo 3 horas eu tô saíno. Agora quando elas [a diretoria da Cooprec] marca que o caminhão vai, como anteontem, que marcou que o caminhão ia, eu fiquei lá até as 6 e 10 [6h 10min]. Aí juntô, eu fui embora.
A cooperativa recolhe o resíduo sólido do shopping que pode ser
reciclado, e o restante é levado para o aterro sanitário da cidade.
53 Microtrator movido a diesel.
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Na cooperativa o processo de trabalho é dividido por áreas, mas os
cooperados têm conhecimentos sobre todas elas se movimentam quando
necessário.
Marinete – Uai, eu faço serviços gerais, eu fico lá em cima, eu trio plástico, eu corto. Fico no aglutinador, serviços gerais.(...) É porque a gente faz o processo do material todinho, até chegar ao ponto final. Que é passar no picadô, depois no aglutinadô, depois na extrusora, aí chega o ponto final, aí a gente vem com o produto pra outras fabricas né. Que nem as meninas que também da triagem, elas tria, e o produto já vai pra outras fábricas, como os pet, papelão essas coisas.
Nair (1ª) – Aqui na cooperativa é um pouco misto, né eu trabalho... Quando eu entrei, eu trabalhava na produção, achava interessante a área do plástico, depois tinha uma certa dificuldade na triagem, porque as pessoas tinham problemas de relacionamento e a direção achou importante, eu estar na triagem, porque disse que eu era mais firme, para ta conversando com as pessoas. Eu trabalhei na triagem uns oito, nove meses, aí fui convidada pra subir e trabalhar, não na administração, mas nessa área de vendas essa coisa toda, aí, após eu subir, eu fiquei uns oito meses. O diretor financeiro, como eu era do conselho da administração eu fui promovida pra diretora administrativo-financeira, aí eu fui convidada para ser presidente (...). Mas aí eu achava que era muito pesado, que isso era coisa mais era de homem, e não entrei. (...) Às vezes eu ficava com medo, porque eu achava que era uma responsabilidade muito grande. Às vezes, na assembléia eles citavam isso... E eu fiquei, por que não? Vou testar pra ver como é isso, como é que é, acho um trabalho muito importante, é uma responsabilidade muito grande, mas eu me sinto muito respeitada pelo grupo. (...) Então meu trabalho é esse, uma hora eu vendo, uma hora eu compro, uma hora eu administro, é muito misto, não tem uma coisa assim muito definida, a gente tentou definir cada uma na sua área, mas acaba uma fazendo a área da outra, não tem muito isso de eu sou e não posso mudar não. Trabalha mais ou menos assim.
Do material produzido, a telha é o único vendido para o consumidor
final; o grânulo oriundo do processamento do plástico é vendido para um
industrial que o transforma em mangueira de jardinagem ou sacos de lixo, e o
restante de material que é recolhido na usina, é vendido para depósitos de
materiais que os revendem para a indústria de reciclagem.
A produtividade do trabalho da Cooprec, dessa forma, barateia os
meios de produção e eleva a taxa de lucro da grande indústria de reciclagem.
Essa interdependência do trabalho social, tem que a produtividade do trabalho
em uma unidade produtiva aparece em outra, é completamente estranha ao
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trabalhador, e de fato, diz respeito apenas ao capitalista, “o único que compra
esses meios e deles se aproveita. Compra o produto dos trabalhadores de
outra indústria com o produto dos trabalhadores de sua própria indústria”
(Marx, s.b.a, 96). De forma que o processo de circulação dissimula a relação
de exploração do capital e a economia de capital constante.
Do recurso obtido com as vendas, são pagas as contas de
manutenção da usina e a sobra é dividida entre os cooperados, como rateio
mensal. A Cooprec mantém atualmente o fundo natalino, que corresponde ao
décimo terceiro salário, os cooperados gozam um mês de férias por ano, mas
não recebem adicional de férias. Além do recurso das vendas, a cooperativa
possui um convênio com a Companhia de Limpeza Urbana de Goiânia
(Comurg), pora coletar o lixo em dez bairros da Região Leste da cidade.
O rateio é, portanto, o repasse financeiro do qual os cooperados tiram
seu sustento. Contudo, em razão das dificuldades de produção da telha
principal produto da Cooprec, e de atrasos nos recebimentos dos convênios o
rateio não acontece com regularidade, o que se torna um problema crucial da
cooperativa.
Nair (1ª) – Olha a remuneração dos cooperados é garantida, através da venda dos produtos, mais algum convênio que a gente tem, como o convênio que a gente tem é o da Comurg e esse convênio demora muito a sair. Pra você ter uma idéia, tem seis meses que o convênio está atrasado, mais treis meses da gestão passada, isso acaba causando uma insatisfação grande porque atrasa o rateio. E quando atrasa o rateio a cooperativa fica sem estrutura até de estar propondo pros cooperados o trabalho em conjunto, porque eles falam que não está recebendo então eles não vai trabalhar. E isso eu acho se fosse uma empresa privava... Eu acho que as pessoas aqui são até muito tolerantes, se fosse uma empresa privada, não teria ninguém mais. Ficar dois meses sem recebê, dificilmente um mês você consiga. Mas a cooperativa tem uma política de chamar os cooperados e dizer: “Olha, nós não pagamos até hoje, porque as vendas foi pouca, nossa produção”... Começar a conscientizar ele que ele não recebeu porque a produção também caiu, é preciso ter uma produção X, para ele conseguir ter um X de rateio e no dia certo. Então o que eu acho mais complicado é não ter um dia certo de repassar o rateio para os cooperados. Isso pra pessoa que tá na administração, isso é muito ruim pra ela. Às vezes a pessoa fala... que às vezes, a gente ouve: “Ah que ceis não ta nem aí, ceis tem outro emprego”. Não, não é assim, porque o dinheiro que entra ele não é meu, eu fico muito mais frustrada de não passar para o dono do dinheiro, o meu pode até faltar, porque eu tenho de onde tirá pra mim, mas o deles não. E é lógico se a gente consegue passar o rateio no
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dia certinho, a administração tem uma auto-estima muito grande. O que frustra é você não ter o rateio, não ter o convênio, às vezes eu nem durmo quando acontece isso aí. Não é brinquedo não, né, [risos].
Maria Meonice – Não tem data fixa de recebê, mas como se fosse se a gente tivesse recebendo, todo mês, todo dia treis, libera duzentos reais de supermercado, então eu não acho difícil, e o resto que fica, recebe depois, no caso, passa um mês, dois, três, mas pra mim a gente recebe todo mês, que é trezentos e cinqüenta reais, tirando duzentos reais todo mês que é de compra e fica o restante, pra mim não é atraso não, eu vejo isso de minha parte, mas a maioria não vê.
A Cooprec fixou o rateio em trezentos e cinqüenta reais, dois quais duzentos
reais são retirados em vale supermercado. Além desse valor fixo, cada área tem um
meta de trabalho mensal, que, superada implica porcentagens de bônus. Duas áreas
têm bônus contínuo a coleta externa, considerada por eles o trabalho mais penoso na
cooperativa, e a diretoria.
Viviane – O dinheiro sempre atrasa, mas todo mês a gente tem o supermercado, a farmácia e quando a gente tá precisando de dinheiro, a gente fala com as meninas da diretoria que ta precisando de um vale, elas arruma. Dá pra levar, não é tão ruim assim. [O rateio é garantido] da gente aqui mesmo, do nosso próprio serviço, dos materiais que a gente busca lá na casa do morador, e tem o processo todinho, a triagem... Do nosso próprio suor mesmo.
Rosalino – Aqui, por exemplo, pode ser que em outra cooperativa tem diferença, mas aqui, é mais assim pra mulher, uma ajuda a mais pro marido, que pro homem, o rateio da cooperativa é pouco. Pra mulher, por exemplo, que é casada, o rateio de trezentos e cinqüenta já é uma ajuda boa. Que pra nois não dá, se for pra fica só nesse rateio, não dá, eu, por exemplo, tenho esse bônus, cê sabe que eu não tenho lazer, meu lazer é trabalho, eu ganho quinhentos e cinqüenta54. Mais a maioria ganha trezentos e cinqüenta, trezentos e quinze, né. (...) Repassa assim, às vezes não repassa (...).A cooperativa deixa às vezes a desejar nesse sentido, porque a parte das despesas... Às vezes a diretora não tem como repassar o que a pessoa ganha. Eu sei que a cooperativa ta devendo de mais da conta, às vezes o dinheiro que entra da produção não é suficiente, né. (...)
Sebastião – Ah, sei lá, aí é quando tem né, quando tem repassa e quando não tem fazer o quê? Que tem vez que não consegue pagar nem as conta né. É difícil.
54 Rosalino recebe mais que o restante dos cooperados, pois é da coleta externa e possui bônus por isso e, nos finais de semana, faz a segurança da Cooprec, ou seja, Rosalino não tem nenhum dia de folga.
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Júlio – Olha o padrão maior daqui é a telha, quando tem a telha, as contas fica em dia, o rateio também fica em dia, mas se não tiver telha... Pro cê vê, essas coisas pequenas que tem aí não [dá] pra fazer rateio não, dá mal pra pagá as conta né, papelão, papelão picado, o PET [garrafa plástica], garrafa, o grânulo agora que ta sendo um padrão pros cooperados, e a gente depende mais também e da Comurg né, mas se não me engano, tem uns oito meses que não acerta com a gente, por enquanto ta sendo um padrão alto, né, a telha e o grânulo.
Marinete – Uai! Aqui, daqui mesmo, a gente só livra o ganha pão né, pra comprar as coisas assim, aqui é fraco pra gente comprar as coisas, atrasa. Aí quando a gente recebe a maior parte já foi, pra farmácia, pro supermercado, né então é isso.
É notório que os cooperados não conseguem auferir da cooperativa
recurso financeiro suficiente para seu sustento. Uma das estratégias
encontradas para a garantia da subsistência é o convênio estabelecido com um
supermercado e uma farmácia que funcionam com uma autorização de
compra, que, no limite, garante a alimentação e ação curativa. A falta de
dinheiro em espécie, porém, provoca desgastes de toda ordem, como: corte de
água e eletricidade, constrangimentos pelo não-pagamento de alugueis, além
de desânimo com a situação do trabalho. Há pessoas que vendem parte das
compras do supermercado para familiares, com o intuito de angariar recursos
para o pagamento de dívidas, o que demonstra a gravidade da situação
econômica da cooperativa.
As famílias que se encontram em melhores condições financeiras
contam com a participação no orçamento dos rendimentos de outras pessoas
da família ou de algum programa social. Alguns possuem outros trabalhos em
sua maioria “bicos”. Os trabalhos dos familiares também são trabalhos
precarizados ou de curta duração (Levantamento do perfil do Cooperado,
2007)55.
Essa situação provocou a saída de muitos cooperados, que estavam
entre os sócios-fundadores. No início do estudo em 2005, 50% dos sócios-
fundandores permaneciam na Cooprec, e, em março de 2007, havia 25%.
Aqueles que permanecem alegam muito cansaço em razão de não ter sido
55 Realizou-se em 2007 o levantamento do perfil do cooperado, por meio de um questionário, com o objetivo de angariar informações socioeconômicas. Do universo de 32 cooperados 70% responderam ao questionário.
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alterada a realidade dos rateios, e vai desaparecendo a esperança em
melhorar de vida com o trabalho da cooperativa.
2.3 Relação com o IDF e com a prefeitura
O IDF, nos primeiros anos do trabalho, disponibilizou uma equipe
profissional para a orientação dos cooperados. A equipe contava com biólogas,
assistentes sociais, pessoal de apoio administrativo.
Essa equipe foi se desfazendo com as mudanças de diretoria,
restando, em 2002, apenas um técnico responsável pela fiscalização
administrativa do trabalho da cooperativa, que, posteriormente, também foi
afastado. Essas mudanças afetam o trabalho de educação ambiental no bairro,
e também a administração da cooperativa.
O fato de ter sido fomentada por um agente externo e não pela
organização dos próprios trabalhadores é crucial no entendimento das tensões
da Cooprec, sobretudo, porque o Instituto Dom Fernando, no inicio, influenciou
todas as decisões da cooperativa. Por alguns anos, as ações do IDF tutelaram
a cooperativa, depois esse se afastou, deixando um vácuo que os cooperados
ainda tentam preencher, buscando estabelecer a relação em outro patamar de
autonomia.
A SGC/UCG/IDF cede em comodato à Cooprec o complexo
denominado Núcleo Industrial de Reciclagem, que consiste nas dependências
e maquinaria da Usina, podendo rescindi-lo, sem indenização nos seguintes
casos:
a) Inobservância de qualquer dispositivo legal e/ou contratual; b) Contratação por parte da Cooperativa de empregados para desempenharem qualquer atividade na área produtiva ou recolhimento de lixo (parte operacional) – Art. 34 parágrafo 3º do Estatuto Social da Cooperativa; c) Dobra de turno com os mesmos cooperados e a contratação de empregados para essa finalidade, necessidades que a cooperativa deverá resolver admitindo novos cooperados para sanar as suas necessidades. Artigo 34 parágrafo 2º do Estatuto Social; d) Qualquer alteração estatutária que seja caracterizada como nociva ou contrária às finalidades do Projeto Meia Ponte. (SGC, Contrato de Comodato SGC/Cooprec, 1998)
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O contrato prevê que a Cooprec deverá se reportar à SGC para
receber anuência sempre que for necessária a execução de despesas
extraordinárias para solucionar de urgência, procedimento estendido quando se
tratar de benfeitorias necessárias. Todas as obras e benfeitorias são
incorporadas ao patrimônio da SGC, ficando a Cooprec obrigada às despesas
de uso e gozo dos bens colocados à sua disposição, bem como às despesas
inerentes a toda e qualquer nova aquisição de bens e serviços. (SGC, Contato
de Comodato SGC/Cooprec, 1998). Esse contrato continua em vigor, porém,
está em processo de revisão.
Nair (2ª) – Olha, no primeiro ano... Porque assim, na minha visão, o Instituto Dom Fernando criou o projeto e assim, a gente... o primeiro convênio que houve assim... Entre Cooprec e Comurg, na verdade, ele não foi Cooprec e Comurg, ele foi Comurg, Sociedade Goiana de Cultura barra Cooprec. Ficou assim um convênio onde os cooperados não entendiam a discussão. (...) Mas assim, a cooperativa começou a colocar na cabeça da direção que quem negociava era o Instituto Dom Fernando, acho que o pior erro foi esse que aconteceu na Cooprec. (...) Mas assim, a cooperativa sempre... Nunca entendeu, hoje assim eu acho muito mais tranqüilo porque a cooperativa já sabe o que ela quer. Aí foi, discutiu, aí ficou o seguinte, ficô sete mil reais, decidiu por sete mil real, tirou as tonelada... Não... Não tirou não... Ficou as toneladas, vinte e cinco [reais] por tonelada, mas o que nois coletássemos. Aí fez, e a gente começou a coletá e chegou o final do meis, só que a gente tinha que pagar imposto sobre esse lixo que era coletado, aí o imposto parece assim que dava mil e duzentos reais, aí dava sete, sete mil e pouco, caia pra cinco. Aí fomo discutir e achou melhor fazê pela Sociedade Goiana de Cultura que não tinha imposto pelo caráter social dela né. Aí fez com a Universidade Católica e não foi por tonelada mais, aí passou a ser acho que sete mil reais, seis mil reais. Aí esse convênio veio, pela Sociedade Goiana de Cultura. O professor Zeuxis [diretor técnico do IDF] sempre na frente né.
Ao longo dos anos de trabalho com a Cooprec, o Instituto Dom
Fernando contratou um técnico para trabalhar exclusivamente com a ela. O
primeiro foi o Augusto, depois, o André e por último, o Cássio. Esse último teve
alguns desentendimentos com a diretoria da cooperativa, mesmo porque a
orientação que recebera da direção do IDF era que ele deveria fiscalizar o
trabalho da Coopec. Com a saída do Cássio, o IDF convidou a direção da
Cooprec para participar das reuniões da equipe técnica do IDF para que a
relação fosse realizada sem intermediadores.
88
Nair (2ª) – Com a saída do Cássio a gente ficô sem pessoa pra comunicá, aí começô a vim as reuniões de extensão, que é aquela que vinha toda quarta-feira, né,. Eu comecei a participá, aí o que é que eu percebi, primeiro a cooperativa numa correria danada que a gente não consegue fazê as coisa que a gente quê; segundo os problema que a gente levava pra lá acabava sendo discussão e mágoa passada, dentro da reunião, principalmente com a professora Cidoca56, né, acho que ela não teve um conhecimento assim do nosso trabalho, acho que a Marilene57 foi muito mais tranqüila, a Cidoca eu já acho que não foi...(...). Eu só sei que a gente chegava lá nas reuniões, eu não sei se é a pessoa que tá coordenando que não tem condições de chegar aos objetivo ou se é a pessoa coordenando que não se importa pra tentar resolvê os objetivo. (...) Aí a gente começa a percebê isso... talvez também porque as ações da universidade que ela é muito lenta. Ela faz um planejamento hoje, daqui um ano saia a direção, aquele planejamento não vale, aí tem que sê outro planejamento, quer dizer, ao invés das pessoa pegá aquele planejamento que existe tentá colocá em prática ou tentá melhorá ele, não, começa tudo do zero. Mas a pessoa que eu acho que contribuiu muito na questão foi a professora Marilene, acho que ela era mais assim... Acho que ela conseguia compreender o problema da cooperativa. Apesar que é lógico a cooperativa tem suas falhas também, talvez é a falta de informação.
O IDF passou por quatro mudanças na direção geral, e cada uma
delas implicou uma forma de trabalho e um tratamento específico na relação
com a Cooprec. Sob a direção de Washington Novaes (1995-1998) foi
construída a Usina de Reciclagem e toda a estrutura física do IDF. O trabalho
foi iniciado com forte matiz ambiental, um grande envolvimento comunitário, e o
IDF teve boa visibilidade, com muitas entrevistas e reportagens que colocaram
o trabalho comunitário em evidência. Nesse momento, a relação com a
Cooprec tinha característica de tutela, a SGC/IDF era a mãe que cuidava,
incentivava e acertava as diferenças financeiras, quando necessário.
Com a saída de Washington Novaes a administração passou às mãos
do Professor Anderson Lima da Silveira (1998-2002). Foi um período em que
surgem muitos conflitos com a comunidade, especialmente com a Cooprec. O
IDF passou a identificar-se como uma organização não-governamental, com
56 Professora Maria Aparecida Coelho (Cidoca), diretora do IDF de janeiro de 2004 a julho de 2005. 57 Professora Marilene Aparecida Coelho, diretor do IDF de novembro de 2002 a dezembro de 2003.
89
todas as questões teóricas implicadas nessa concepção58. A relação com a
Cooprec continuou de tutela, porém, iniciou-se uma ação fiscalizadora, e todas
as questões pertinentes à administração da cooperativa, sobretudo as de
ordem financeiras eram resolvidas com a interferência do instituto, de forma
notoriamente autoritária. O IDF designou um funcionário especificamente para
fiscalizar o trabalho da cooperativa.
Em 2002, a administração da Sociedade Goiana de Cultura passou por
mudanças ocorridas em razão do início do bispado de Dom Washington Cruz.
Toda a direção da Universidade Católica de Goiás foi substituída e,
concomitantemente, a diretoria do IDF. A administração do IDF ficou a cargo da
Professora Marilene Aparecida Coelho. Tentou-se refazer a relação com a
Cooprec, respeitando a sua autonomia, em um processo lento, em virtude das
mágoas e vícios existentes de ambas as partes. Começou-se a discutir a
natureza do IDF. No final de 2003, a SGC, UCG e IDF, decidem incorporar à
extensão da UCG, o IDF.
Inicia-se um período de transição para o IDF, que passou à direção da
Profª Maria Aparecida Coelho Vaz (Cidoca). Montou-se uma comissão de
transição para elaborar um documento em que se estuda a situação do IDF
para sua inserção no projeto de Extensão da UCG. Esse período de transição,
de janeiro de 2004 a julho de 2005, provocou um distanciamento entre IDF e
Cooprec, pois se afirmava que a Cooprec possuía uma organização própria. O
IDF preocupou-se, nesse período, com a busca da redefinição de sua própria
identidade. A cooperativa se vê percebeu então a necessidade de resolver
seus problemas sozinha, o que em muitos momentos ocorreu com dificuldade,
pois de uma forma ou de outra, para as outras instituições, a cooperativa era
apoiada pela UCG, o que, em muitos momentos, impediu a realização de
convênios e parcerias que poderiam auxiliar a gestão da Cooprec.
Findo o período de transição, o IDF passou a vincular-se à Pró-Reitoria
de Extensão e Apoio Estudantil (Proex), constituindo-se em unidade
acadêmico-administrativa da UCG. Em março de 2006, foi lançado como um
instituto especializado nas temáticas da infância, adolescência, juventude e
58 Conferir: Montaño (2005).
90
família. Elabora-se o Programa de Incubadora Social (PIS), vinculado
diretamente à Coordenação Geral de Estágio e Extensão da Universidade que
se tornou o responsável pela relação com a Cooprec, que em virtude da própria
organização do PIS ainda se encontra indefinida.
Além da relação com o IDF a Cooprec possui um convênio com a
prefeitura de Goiânia para coleta do resíduo domiciliar.
Laíde – Bem, foi bom, embora a gente tenha tido muita dificuldade, principalmente na parte financeira, que sempre teve essas coisas... desde o início... que embora a gente tenha esse convênio com a prefeitura, que o convênio com a prefeitura mesmo vem dois anos, três anos após, que a gente já tava trabalhando.(...) Então eu acho que ele é muito bom, ajuda bastante todo mundo sabe disso, mas a gente não precisa ficá só dependendo dele não, a gente tem muitas formas de tá conseguindo gerar dinheiro ali dentro, eu não sei... Talvez a gente não esteja conseguindo prepará bem preparado pra tá indo em busca de recursos pra isso, eu vejo como positivo porém, a gente deveria contá com esse convênio apenas pra tá ajudano mesmo, porque agora a gente vê que se a Comurg não paga a gente, acaba que vai ficando sem a gente conseguir fazê o rateio, sem pagá algumas contas da cooperativa, né, então, eu acho isso... não sei bem como, qual seria o caminho.
O convênio com a prefeitura consiste em um repasse financeiro
mensal, para a Cooprec realizar a coleta dos resíduos nos bairros de
abrangência do projeto59. No entanto, esse recurso atrasa constantemente, o
que dificulta a realização do rateio.
Laíde –. [Sem o convênio] ficaria muito pior do que tá hoje né, com certeza, porque a gente vê até pela questão dos cooperados não terem... Você sabe, a maioria não tem assim estudo, às vezes para andá ali, se a diretoria não tivé ali incentivando, em cima, é falta de iniciativa as vezes, porque o trabalho tá ali pra sê feito e se não tivé alguém ali cutucano não sai, talvez é falta de visão. Eu acho que é isso que tá faltano, tanto do pessoal da produção, quanto a gente mesmo que tá na administração. Eu acho que se a gente acordá mesmo, pra importância do nosso trabalho, que se a gente unir as forças e trabalhá todo mundo mesmo, com seriedade a gente consegue vencê e não ficá só dependeno do convênio da Comurg.
Em relação aos recursos financeiros da Cooprec, Laíde comenta as
dificuldades com o maquinário obsoleto, a falta de telhas para a venda (ela é 59 No inicio eram: Jardim Dom Fernando I, Jardim Dom Fernando II, Jardim Aroeiras I, Jardim Aroeiras II e Jardim Conquista. Posteriormente foi estendido para mais cinco bairros próximos a esses.
91
secada ao sol, de forma que, durante o período chuvoso, o produto não é
fabricado), e. Nair fala dos problemas com o atraso nos repasses de recursos
da prefeitura:
Laíde – Bem as vendas hoje, a gente não.... A situação hoje a venda é muito pouca, até devido ao período que a gente tá hoje, hoje, por exemplo, a gente não tem telha.... Devido ao estado que tá o maquinário da área do plástico, a área tá praticamente parada, então eu vejo que a maior dificuldade é o fato do maquinário não tá funcionando como deveria, porque se o maquinário do plástico... Esse maquinário tá funcionando devidamente, eu tenho certeza que só com a produção do plástico mesmo... Agora mesmo, a gente mandou arrumar a extrusora, a extrusora tá boa tem possibilidade até de dobrá a nossa produção, estragou outra máquina [ri], então acaba que vai ficando sabe? Devido ao tempo que a gente fica parado, isso é o que atrapalha a nossa renda mesmo, é o que dificulta... Porque quando a gente arruma uma máquina, estraga outra, a gente manda arrumá, sabe? Vai virano uma bola de neve, até devido ao maquinário tá muito sucateado, eu acho que se a gente conseguisse trocá esse maquinário, a nossa produção daria para colocá esse rateio em dia sem a gente tá recebeno esse rateio da prefeitura.
Nair (1ª) – Acho que trabalhar um pouco na questão da produção, tá convencendo as pessoas que a cooperativa ela precisa produzir, porque a gente trabalha muito nessa questão da confiança em convênio e eu vejo assim que, o convênio precisa existir, mas a cooperativa precisa criar produtos, precisa buscar algum meio que ela sobreviva sem convênio e que o convênio seja uma coisa pra somar.
Foi apresentada a Cooprec, com sua experiência, sua história, as
questões acerca do fomento por uma instituição filantrópica, que capta
recursos do Estado para um projeto de geração de emprego e renda. A
necessidade do convênio com o setor público para a coleta do resíduo, mas
também, para a realização do rateio.
Essa experiência de trabalho insere-se em um momento específico da
relação capital e trabalho, qual seja, a crise da década de 1970. A resposta à
crise ocorreu, por parte do capital, com uma forte ofensiva contra os
trabalhares com objetivo de manter o processo de acumulação ao reduzir
custos de produção. Os trabalhadores pressionados por processos de
pauperização buscam estratégias de sobrevivência.
CAPÍTULO III
“VIDA É TRABALHO” COOPERATIVISMO, TRABALHO, DESEMPREGO
Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida
E a vida é trabalho E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra E sem a sua honra Se morre, se mata
Não dá pra ser feliz Não dá pra ser feliz...
Gonzaguinha
93
Vida é trabalho, mas não qualquer, é o trabalho em seu atributo
ontológico, concreto, criador de valores de uso, no necessário intercâmbio
entre homem e natureza, indispensável à manutenção da vida humana, em
qualquer forma de sociedade (Marx, 2003a). No entanto, o trabalho expresso
na experiência da Cooprec, extrato do trabalho no modo de produção
capitalista, apresenta-se como trabalho abstrato58.
Já foi exposto que, para este estudo, a discussão do trabalho é central
para a compreensão da contemporaneidade. Faz-se necessário, contudo,
retomar a discussão de como o trabalho abstrato se organiza na sociedade
moderna, para que se possa seguir com a apreensão das mediações
existentes entre a experiência da Cooprec e o atual estágio da organização do
trabalho.
O capitalismo organiza-se primeiramente sob a forma de cooperação
simples59, fundada na divisão trabalho. Essa cooperação adquire sua forma
clássica na manufatura, e se apresenta de duas maneiras: a) concentrados na
mesma oficina, sob o comando do mesmo capitalista, há trabalhadores de
diferentes especialidades, por cujas mãos passam o mesmo produto até o
acabamento final, ou b) no mesmo lugar, sob a tutela de um único capitalista,
muitos trabalhadores exercem a mesma função, a mesma espécie de trabalho.
A mercadoria deixa de ser produto individual de um artesão apenas, para
transformar-se em produto social de um conjunto de trabalhadores, cada um
dos quais realiza a mesma e única tarefa parcial (Marx, 2003b).
A manufatura cria o trabalhador parcial para o qual se desenvolve um
instrumento específico de trabalho. Essa modalidade, portanto,
simplifica, aperfeiçoa e diversifica as ferramentas, adaptando-as às funções exclusivas especiais do trabalhador parcial. Com isso, cria uma das condições materiais para a existência da maquinaria, que consiste numa combinação de instrumentos simples. (Marx, 2003 b, p. 396)
58 O trabalho abstrato é a atividade social mensurada pelo tempo de trabalho socialmente necessário e produtor de mais-valia. Cf. Capítulo I deste estudo. 59 Este assunto foi tratado no primeiro capítulo.
94
Nesse caso, a maquinaria é adequada ao trabalhador coletivo, fazendo
diminuir o tempo de trabalho necessário para a produção de mercadorias, mas
o principal fator do processo de produção do período centra-se na figura do
trabalhador coletivo, cujo resultado do trabalho realizado coletivamente
pertence ao capitalista.
Se na manufatura revoluciona-se o modo de produção com base na
força de trabalho, na indústria moderna, ela é feita com o instrumento de
trabalho. O emprego de maquinaria no processo produtivo tem obviamente
como objetivo baratear o custo das mercadorias. De fato, é notório que o
aumento da maquinaria intensifica o trabalho, gerando aumento da extração da
mais-valia por meio do aumento do capital constante. Por outro lado,
proporciona a utilização de mão-de-obra feminina e infantil o que reduz gastos
com a remuneração do trabalho.
A invenção de máquinas e o conseqüente aprimoramento da
maquinaria conferem forma à industria moderna. Nela, a divisão do trabalho
aparece como distribuição dos trabalhadores nas diferentes máquinas
especializadas, e a esse conjunto de trabalhadores soma-se um pequeno
quantitativo para auxiliar o processo de produção. Esse contingente possui
algumas características diferenciadoras, como formação científica, domínio do
ofício, cuja divisão do trabalho é puramente técnica, como, por exemplo,
engenheiros, mecânicos e marceneiros (Marx, 2003b).
A produção mecanizada altera a divisão do trabalho, pois se antes
havia um trabalhador treinado e adaptado para a operação de um maquinário
específico, posteriormente pode-se, a qualquer momento mudar o trabalhador
de função, uma vez que a maquinaria60 determina o movimento para a
produção da mercadoria e, não mais o trabalhador conhecedor do ofício. A
esse respeito, Marx (2003b, p.482) esclarece:
60 Ressalta-se, todavia que maquinário é trabalho humano cristalizado, trabalho morto.
95
Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, serve à máquina. Naqueles, procede dele o movimento do instrumental. Na manufatura, os trabalhadores são membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, eles se tornam complementos vivos de um mecanismo morto que existe independente deles.
A grande indústria tornou-se complexa à medida que incorporou
maquinaria cada vez mais sofisticada e automatizada. Complexificou-se
também o processo de divisão social e técnica do trabalho, aliado a uma
extrema especialização do trabalho. Aprimorou-se o sistema de gerenciamento
do trabalho. A partir do século XX constituiu-se, como resultado desse
movimento, a produção em massa, padronizada, para a qual é necessário que
se criem mercados apropriados de consumo, também de massa.
A base da grande indústria que provoca sempre crescentes processos
de urbanização e concentração de aglomerados humanos intensificou com o
passar dos anos, o consumo de mercadorias no mercado mundial. Já não é
preponderante o lugar onde se produz a mercadoria em relação ao mercado
que a irá consumir. De fato, o próprio processo de produção é descentralizado,
e o capital, não possui fronteiras e se desloca sempre em busca de força-de-
trabalho mais barata esteja onde ela onde estiver.
Sob a égide do capital monopolista, a produção também tornou-se
complexa. As indústrias distribuem sua filiais pelos países de capitalismo
tardio, e alcançam ganhos sempre crescentes de produção. Vários fatores
interferiram nesse processo, dentre eles: a vitória dos aliados na Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), o reconhecimento dos Estados Unidos da
América como grande potência mundial. Por outro lado, a dizimação da Europa
pela guerra, a derrota alemã/italiana/japonesa, o modelo fordista/taylorista
como determinante do funcionamento das fábricas, gestaram o padrão de
acumulação fordista/keynesiano e a assunção, por parte, sobretudo dos países
europeus após o embate das idéias keynesianas acerca do controle do Estado
na relação com o desemprego61.
61 Sobre este assunto, ver Harvey (1992), Antunes (1999a) e Hobsbawm (1994).
96
Essa situação agravou-se até inícios dos anos 1970, quando ocorreu
mais uma das crises cíclicas do capital62. Nessa década, convergiram fatores
que alteraram a forma de acumulação do capital, refletindo-se na classe
trabalhadora: crise do petróleo, recuperação financeira do Japão e países
europeus com abertura para o mercado externo, excesso de gastos
provocados pela corrida espacial63, queda de lucratividade das indústrias
americanas e conseqüente crise fiscal, o que provocou uma aceleração da
inflação; contração do crédito; desvalorização do dólar e câmbios flutuantes
(Harvey, 1992).
A rigidez da produção fordista não mais conseguia garantir índices
satisfatórios de crescimento. Diante da crise, os países centrais adotaram
medidas neoliberais: enfraquecem sindicatos e sindicalistas, privatizam
parques industriais nacionais, desregulamentam a legislação trabalhista. À
retração do Estado de Bem-Estar Social, somam-se processos crescentes de
automação e reengenharia das empresas, e todos os países de capitalismo
avançado enfrentam índices altos de desemprego (Antunes, 1999a; Mattoso,
1995).
Na trilha da desregulamentação do trabalho e da acumulação
flexível64, altera-se a forma de organização da produção. No modelo fordista, a
empresa especializava-se em determinadas áreas, contendo todas as fases do
processo de produção, atualmente descentraliza-se a produção entre
diferentes empresas. Inverte-se a lógica da produção – antes a produção
ocorria em escala e as mercadorias eram padronizadas para na seqüência,
gerar mercados consumidores: na atualidade, produz-se ao gosto do cliente e
geram-se mercados nos quais se consome o mesmo bem repetidas vezes,
inventa-se a indústria do descartável, reduzindo o tempo de consumo da 62 Este estudo não trata da história do capitalismo, entretanto, deve-se ressaltar que esse modo de produção enfrenta, de tempos em tempos, crises, que alguns autores denominam de crises cíclicas do capital, embora ele sempre encontre meios refazer-se notavelmente das perdas com a exploração cada vez mais intensa daqueles que vendem sua força de trabalho. 63 Com o final da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos da América e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas iniciam uma corrida espacial e armamentista que dura até a década de 1990. 64 A inserção do padrão de acumulação flexível ocorre de forma diferenciada em cada país, co-existindo com outras formas de organização do trabalho, mas, com o passar dos anos, a desregulamentação do trabalho ocorre tanto em países de capitalismo avançado, como nas economias de capitalismo tardio.
97
mesma mercadoria (Harvey, 1992).
Do ponto de vista da organização do trabalho, desenvolve-se um
processo dinâmico de cooperação entre empresas, ou seja, partes de
determinada mercadoria são produzidas separadamente, e a empresa que
venderá determinada marca se responsabiliza apenas pela montagem final do
produto, e em alguns casos, apenas pelo marketing de venda.
Ao produzir em processo de automação intensificado e ocupado com o
marketing de vendas, o capital dispensa os grandes quantitativos de força de
trabalho. Exige, de um lado, trabalhadores altamente especializados, capazes
de operar equipamentos sofisticados e responder a quaisquer problemas que
surjam, isto é, trabalhadores polivalentes. De outro, surge uma massa de
trabalhadores precarizados: subempregados, trabalhadores por conta própria,
diaristas, trabalhadores informais, que, ligados a empresas terceirizadas65 ou
trabalhando informalmente, se encontram em níveis crescentes de
pauperização. Antunes (2005) chama esses trabalhadores de classe-que-vive-
do-trabalho. Para o autor, inserem-se na classe-que-vive-do-trabalho
aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, como o enorme leque de trabalhadores precarizados, terceirizados, fabris e de serviços, part-time, que se caracterizam pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo. Deve incluir também o proletariado rural, os chamados bóias-frias das regiões agroindustriais, além naturalmente, da totalidade dos trabalhadores desempregados que se constituem nesse monumental exército de reserva. (Antunes, 2005, p.52)
Desse modo, a forma flexível de acumulação capitalista provoca
conseqüências enormes no mundo do trabalho, Antunes (2005) enumera
algumas delas: a) decréscimo do proletariado fabril estável que havia se
consolidado na vigência do taylorismo/fordismo; b) incremento do proletariado
precarizado, subcontratado, part-time; c) crescimento do número de
assalariados médios e de serviços, embora já apresentando níveis de
65 Chama-se terceirizada a empresa que é contratada por outra para a prestação de um determinado serviço, como limpeza, por exemplo. Os trabalhadores da empresa terceirizada recebem salários muito aquém dos trabalhadores da empresa contratante.
98
desemprego; d) exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho; e)
inclusão de crianças no mercado de trabalho, especialmente nos países de
industrialização intermediária, como os asiáticos e latino-americanos; f)
aumento do trabalho feminino com remuneração inferior à mão-de-obra
masculina; g) expansão do terceiro setor com geração de ocupações
motivadas por trabalho voluntário; h) expansão do trabalho realizado em
domicílio; i) reconfiguração tanto do tempo quanto do espaço da produção com
uma re-territorialização e também uma des-territorialização da produção.
Participam do mesmo processo de produção, trabalhadores alocados
em diferentes territórios. O capitalismo passa a ser organizado nas bases de
uma cooperação complexa66, que altera significativamente a relação de
produção, que se descentraliza e se torna mais complexa, bem como se
fragmenta a classe trabalhadora, que passa a ser mais heterogênea e
complexa também.
Para que uma grande marca da megaindústria mundial consiga
colocar seus produtos no mercado, ela utiliza força de trabalho alocada em
qualquer local do planeta, por vezes, em mais de um local. O capital que
compõe as empresas, se já não tinha fronteiras, agora se movimenta pelo
globo quase que instantaneamente.
Ocorre um reordenamento na divisão técnica do trabalho, porém entre
trabalhadores estabelecidos em qualquer lugar do mundo. Às grandes
corporações não mais interessam tarefas corriqueiras de simples manutenção,
como segurança, transporte e limpeza. Deixam-na a cargo de empresas
especializadas no assunto, que funcionam como atravessadores modernos na
relação capital e trabalho.
Grandes corporações preocupam-se com grandes investimentos e
estratégias de marketing para a venda de produtos. É na produção que se cria
riqueza, “a partir da combinação social de trabalho humano, de diferentes
qualificações. Mas é a esfera financeira que comanda, cada vez mais, a
repartição e a destinação social dessa riqueza” (Chesnais, 1996, p.15).
66 A expressão cooperação complexa é de Teixeira (2004), e alguns dos apontamentos desse capítulo são inspirados em suas idéias.
99
Cresce a produção de descartáveis, que provoca um problema
monumental, o que fazer com o lixo, mas significa também mudança de
valores, estilos de vida e modos de agir e de viver (Harvey, 1992).
Acelera-se as taxas de desemprego, o que agrava a pauperização da
população. Um gigantesco contingente populacional mundial perde as
perspectivas de um emprego estável, seguro. Para estes surgem apenas
postos precarizados de trabalho.
De acordo com Barbosa (2005) a alternativa escolhida para a crise
estabelecida pelo capital, após a década de 1970, foi a desvalorização do
trabalho, que se apresenta em duas formas: a subsistência, que não interessa
ao capital, e a informalização, que reduz os custos de produção, o que redunda
em uma rentável forma de acumulação.
Nessa conjuntura econômica, cresce no Brasil a função de coleta de
lixo urbano. Muitos trabalhadores deslocam-se para essa atividade e o fazem
por já não terem mais nenhuma outra possibilidade de sustento, e alguns
retiram do próprio lixão o alimento com o qual sustentam suas famílias.
Esses trabalhadores organizam-se em cooperativas e associações
produtivas, muitas delas vinculadas diretamente à economia solidária. A maior
parte das atividades dessas cooperativas consiste na coleta do material nas
ruas prensagem e venda para sucateiros, que por sua vez, os venderão para a
indústria de recicláveis. Magera (2005) destaca algumas dessas indústrias de
processamento das latinhas de alumínio: ALCAN, LATASA, Albras, Alcoa,
Billiton, CBA e Aluvale. Em alguns municípios, a prefeitura coleta ela própria o
material e o leva para galpões, nos quais esteiras levam até o trabalhador o
material que é triado e prensado. Na maioria dos locais, no entanto, as pessoas
saem à rua, com carrinhos e ou carroças para a realização da tarefa.
Essas experiências exercem uma funcionalidade ao capital em três
perspectivas: a) ao se auto-empregarem, os trabalhadores diminuem a pressão
social sobre o problema do desemprego, que caso contrário recairia sobre o
Estado, demandando providências de políticas públicas; b) amenizam o
problema da geração de lixo, provocada pelo consumo crescente de
descartáveis; e d) participam do processo de acumulação do capital.
100
3.1 Emprego e desemprego
Nas entrevistas realizadas com os cooperados, a questão do
emprego/desemprego aparece com algumas tendências: a) a crença de que a
cooperativa prepara para o mercado de trabalho; b) o desejo de conseguir um
trabalho com carteira assinada; c) a vantagem por não ter quem manda, isto é,
o patrão; c) desejo de continuar a atividade, caso melhorem as condições
financeiras da Cooprec.
Maria Meonice – Eu trabalhava em outro serviço, trabalhava no Jaó, durante três anos, saí do Jaó pra entrar aqui. Aí muda alguma coisa... Mas é bom. Futuramente pretendo [sair] (...) É... Muitas pessoas que trabalham aqui, que tem um cargo melhor, quando saem fica definitivo num serviço melhor, eu pretendo isso... o que aprendi aqui, eu saí quem sabe? Eu ter um futuro melhor lá fora?(...) Uai, porque eu quero ter alguma coisa melhor, ter futuro, né, trabalhar de carteira assinada porque a gente não trabalha... Mas é bom! Que às vezes daqui pra frente, quem sabe se não melhora eu continuo aqui.
Viviane – Porque tem muita gente lá fora, como se diz, o mercado de trabalho tá muito difícil, mesmo pra quem tem estudo e pra quem não tem também. Então tem gente que nunca teve uma chance, eu já tive, já trabalhei fora, mas tem muita gente que não tem aquele meio de trabalhar fora. A cooperativa ajuda muito pras pessoas que precisam.
Rosalino – Agora, outra coisa a cooperativa... a pessoa às vezes se acomoda demais de acordo com o relaxamento que tem aqui. Às vezes, a pessoa pensa assim: “Eu vou ganhar um salário mínimo lá na empresa, levantar cinco horas da manhã, quatro e meia, pegar o ônibus cinco horas, né, trabaiá até cinco horas da tarde, tem que leva uma marmitinha”. A visão de muitos é assim. Na cooperativa, ele chega às oito horas, trabalha de segunda a sexta, dói uma ponta de dedo, [e ele diz]: “Oi tá doendo, aqui eu vou embora pra casa”. [A resposta é]: “Pode ir”. Às vezes, é uma terapia muito boa pra quem tem essa visão, né, e existe pessoas assim. De primeiro, aqui tinha farmacinha, a pessoa tava lá embaixo67, [e dizia]: “vou subir”, [na diretoria dizia]: “Tem remédio pra dor de cabeça?” (...) Toma o remédio e vai embora para casa, o que adiantou?
Laíde – hoje em dia a gente vê que algumas pessoas tão ali porque não tem outra oportunidade de tá conseguindo alguma coisa melhor lá fora. Tão ali até por falta de perspectiva mesmo (...) Que muitos (..) não têm estudo nenhum, não têm muito conhecimento e o pouco que a gente sabe tá
67 O terreno no qual se localiza a usina tem um desnível, por isso, se diz que a produção é “lá em baixo” e o escritório, “lá em cima”.
101
passando pra’queles outros, tá incentivando a voltá a estudá, pr’aqueles que não sabe tá voltando pra sala de aula, que eu acho que a partir daí é que surge o interesse, né, talvez pra tá melhorando a cooperativa.
Sebastião – É uma forma boa de trabalhar, porque se a pessoa não tem emprego, ele vindo aqui ele emprega, né. Aí começa a trabalhar e sai bem, que ele não fica sem despesa. Que a pessoa, que nem eu tava aí, o dinheiro foi acabando, e vai indo, vai indo, os menino desempregado, a mulher nem se fala. Aí tinha que pedi pro meu sogro lá na Rondônia. (...) ele mandô, pra cobrir umas contas aí, e foi passando. Aí peguei amizade com o Wilson68 e ele falô pra mim: “Não, vamô lá que eu acho que vai dá certo”. E nois vei e eu to aqui até hoje.
Nair (1ª) – Eu acho que a cooperativa, a Cooprec, é uma alternativa pro trabalhador. Em primeiro lugar eu acho que ele se encontra como pessoa aqui. Em segundo lugar ele se prepara para o mercado de trabalho. Eu acho que várias pessoas, em torno de umas cento e poucas pessoas, já passou por aqui e que talvez ele pode considerar como primeiro emprego, como a Valdiná69, né. A Valdiná trabalhou aqui, foi o primeiro emprego dela, e que hoje ela está na Brasil Telecom70. Quando ela entrou aqui, ela fez curso, ela se capacitou. Só que precisa, o cooperado ele precisa entendê que a cooperativa é o meio para ele conseguir algumas coisas boa, ele não pode ficar esperando que a cooperativa, ela faça tudo por ele. Eu acho que seria um calço mesmo, ela vai ta calçando ele, e ele vai buscando conhecimento no mercado e até mesmo com os próprios cooperados. Eu acho oportunidades, é excelente, pra todas as profissões, pra estagiários, pra motorista, então nem se discute, é excelente. A oportunidade que a cooperativa dá.
A cooperativa, assim como as experiências de economia solidária,
configura-se como espaço ocupacional para a parcela da população que não
consegue trabalho no mercado. Muitos cooperados que ingressaram
recentemente declaram que estão na Cooprec porque não conseguiram
nenhum outro posto de trabalho e precisam de alguma renda, alguns deles
nunca receberam dinheiro, apenas o auxílio supermercado71.
É possível notar uma nítida divisão entre os cooperados que fundaram
a Cooprec e os que ingressaram posteriormente. Os primeiros denotam em
suas falas uma esperança já envelhecida em relação às possibilidades de
alterar a comunidade em que vivem com as atividades de educação ambiental, 68 Wilson era sócio-fundador da Cooprec, deixou a cooperativa, em 2006, em decorrência de problemas de saúde. 69 Valdiná foi sócio-fundadora, saiu em 2005 para trabalhar na Brasil Telecom (empresa de telefonia). Trabalha seis horas por dia, no tele atendimento. 70 Empresa telefônica. 71 Dados do perfil socioeconômico 2007.
102
mas possuem a convicção de que sua atividade contribui para toda a
sociedade. Os mais novos integrantes precisam sobreviver e vêem na Cooprec
a única possibilidade que encontraram após um período de buscas por trabalho
sem obter sucesso. As narrativas são esclarecedoras:
Nair (2ª) – Olha hoje eu vejo a cooperativa... (...) Com um lado muito social, com uma preocupação muito social, preocupação produtiva a cooperativa não tá preocupada. Assim... Devido ela perdê algumas pessoas que tinha habilidade na produção, aí eu vejo ela assim mais no lado social. [simula um diálogo] “Ah mas nos vamos chamá seu José?”, “Mas seu José é uma pessoa com a aparência tão cansada”, “Mas Seu José como é que vai ficá ele?” A gente pega seu José. Aí cê pega a D. Maria Aparecida, a D. Aparecida não dá conta de abaixá, não da conta disso, mas coitada. Então, a gente tá assim, com esse lado social. (...) Agora tá acontecendo umas coisas assim de sumi uma roupa, sumi sapato, eu fico assim sem sabê até o porquê de acontecê isso. Porque, assim... tá, lógico que a cooperativa não tá saíno dinheiro, mas duzentos e cinqüenta reais todo mês é liberado pra eles. Quer dizer, tem gente que vem vende as coisas do supermercado, tem as pessoas que compra. E tem pessoas que, às vezes, que tá lá fora que não tem nem isso aí uai! Por exemplo, porque que tem essa coisa de ficá pegando uma sandália, pegando uma roupinha, então eu acho muito pequeno. Eu acho que a gente precisa descobrir o quê que tá acontecendo, que antes, antigamente a gente tinha um grupo mais resistente. (...) Mas o grupo, por exemplo, dentro do conhecimento produção tá fraco, enfraqueceu muito a cooperativa. São pessoas que tá ainda muito jovens, são pessoas que não tem visão de mercado, então assim, cê acaba de falá pra eles as coisas tudim, passa um pouquinho eles não sabe o que você falô, quer dizer... Ele não tá preocupado na questão financeira. (...)
Laíde – Bem, eu acho que para a cooperativa funcioná mesmo, a gente precisa tá junto, e lutá pelo mesmo objetivo né, (...) eu acho que a partir do momento que a gente vê a cooperativa como uma oportunidade de trabalho, eu creio que vai melhora. Se a gente tivé junto e com o mesmo objetivo eu creio que a gente vai tê grandes chances de mudá aquele quadro que tá ali hoje. Eu acho que é a união mesmo, é a força de vontade de cada um, né, porque as coisas que acontecem, a gente vai ficando desmotivado. E eu acho que o caminho não é esse, principalmente a gente que tá na administração, tá levando força pra aqueles que tá lá na produção.
Lúcia – Olha, pra te falar a verdade eu tô um pouco assim... Como é que eu falo? Decepcionada, por causa da falta de cooperativismo que nós tamo vendo entre os cooperados. Infelizmente, o grupo que hoje tá aqui, eles ainda... Até mesmo por falta de um trabalho, porque eles não têm o cooperativismo dentro deles de jeito nenhum, são muito individuais, são infelizmente até egoísta mesmo. O que é deles, ele quer pra ele, só pra ele não pensa no outro. Então isso me decepciona muito. Há poucos dias nós tivemos uma reunião, que [eu] estava mostrando pra eles o quanto que
103
antes era mais unido, né, porque o que a gente achava na triagem a gente compartilhava com os outros, agora o que é achado é só dele e pronto. Eu espero que isso melhore. [Isso ocorre] um pouco mais falta mesmo de formação, a gente não pode jogar a culpa na própria cooperativa, que a cooperativa cê sabe, tá passando por trabalho muito difícil, situação financeira muito difícil. Então nois tivemos um ano inteirinho que não tivemos nada, nada de capacitação, e nesse período entrou muito cooperado novo, saiu muito cooperado antigo, né, que era aquela pessoa que dava tudo de si, na questão financeira não deu pra essa pessoas segurar e ela saiu. Esse grupo novo que entrou infelizmente não tivemos esse cuidado de fazer um curso de capacitação antes. Que nós tivemos! Antes pra poder iniciar, e nem assim logo depois que tivessem ingressado, para se capacitar. Então provavelmente tá faltando isso [para] poder melhorar. (...) [Os novatos] não tem idéia assim do tanto que é importante esse trabalho para nós. Ele acha que é importante para ele, porque ele tirando o sustento dele, mas eles não têm idéia do tanto esse trabalho beneficia o meio ambiente, dando qualidade de vida para todos nós. Eles não vêem isso na cooperativa.
Rosalino – Aqui existem pessoas de boa visão, pessoas que querem lutar, mas a maioria não que. Tem pessoa que não sabe o que é a cooperativa, vai ver o que é cooperativismo, não sabe. Cê procura pro cooperado o que é cooperativa, se eu to sozinho com um trem pesado e tem três ali, se eu não falar: “Oh fulano, ajuda”, eles não têm a visão de cooperativa, de cooperativismos de chegar e te ajudar, eu chego a carregar um trator aqui, tem cinco, seis sentado lá, fumando, olhando, zombando da gente, sentado lá, quer dizer, isso não é cooperativismo. Dá assim um enfraquecimento no cê de acreditar.(...) Aqui já funcionou com 70 cooperados, teve uma baixa muito grande nesse sentido, aí veio baixando, baixando, eu ainda acho que tá alto ainda. Minha família sempre fala do meu trabalho. Eu não quero, por exemplo, pensar que eu não ganho nesse trabalho, que eu trabalho de segunda a segunda, eu tenho bônus, enquanto as pessoas faz oito horas, eu faço doze horas por dia, e quando é seis horas da manhã eu tô aqui e quando é seis e meia eu já to saindo pra rua. Eu tenho bônus, minha meta é dez toneladas eu pego doze, treze, então quanto mais eu... Tem a tendência é melhorar mais. Então dia de domingo eu trabalho das seis da manhã às seis da tarde, não tem como eu sair na rua. Se eu sair, eu pegaria mais material ainda, né?
Rosalino trabalha sem parar, recusa descansos e férias. Além de seu
trabalho normal, de segunda a sexta, ele ainda faz a segurança da usina no
final de semana e recebe o recurso que seria destinado à contratação de um
segurança. Dessa forma, consegue um pouco mais de dinheiro para manter
sua família. Seu caso não é isolado. Muitos cooperados complementam o que
recebem na cooperativa com outros bicos, ou mesmo outro trabalho noturno.
104
Os que possuem uma renda famíliar acima dos índices de pobreza72
complementam-na por meio do trabalho de esposos, filhos e filhas.
A precarização do trabalho evidência-se na cooperativa, tensionada
pelas condições próprias do sistema do capital sem que haja a
responsabilização de um agente como ocorre na relação patrão-empregado.
Em outras palavras, a relação de auto-ajuda, de ajuda-mútua, encobre uma
auto-exploração, ainda mais perversa que a da relação patrão-empregado, pois
o trabalhador revolta-se contra si mesmo, o que implica perda de auto-estima,
e do ânimo ante na confrontação com os problemas.
A experiência da Cooprec insere-se, como foi mencionado, em num
momento de crescente precarização do trabalho. Essa realidade fez-se sentir
especialmente nos últimos anos e na relação com os novos cooperados que
ingressam mês a mês. Pode ser observado também na alta rotatividade de
cooperados.
É necessário ressaltar que os sócios-fundadores da cooperativa, com
os quais teve contato esta pesquisadora, demonstram uma internalização do
discurso ambiental e da importância do trabalho de reciclagem dos resíduos
sólidos. Em alguns momentos sobrepõem esse valor ao próprio valor do
trabalho despendido na tarefa de reciclar os materiais e deixam em segundo
plano o ganho monetário oriundo do empreendimento.
Contudo, observa-se que, com o passar dos anos, a idéia de ter um
trabalho e dele aferir renda, constitui a única motivação para a inserção no
trabalho da Cooprec. Os novos cooperados não apreenderam o debate
ambiental, e, ao contrário, relacionam-se com a cooperativa apenas como uma
oportunidade de trabalho, para alguns, a única.
Pode-se afirmar que se trata de pessoas que procuram sobreviver, que
sofrem os efeitos do desemprego estrutural (Antunes, 2005). No limiar da
exaustão, por não conseguirem trabalho, eles se apegam a uma possibilidade,
mesmo que seja só de alimentação, considerando que durante o ano de 2006 e
72 Utiliza-se como referência para índice de pobreza os valores estabelecidos pelo governo federal para fins do Programa Bolsa Família, que são: renda per capita de cento e vinte reais e extrema pobreza sessenta reais. (Brasil, Decreto 5.749, de 11 de abril de 2006, dispõe sobre o art. 2 da Lei 10.836 de 9 de janeiro de 2004).
105
início de 2007 o recurso oriundo do trabalho da Cooprec referiu-se somente ao
vale supermercado.
A experiência da Cooprec insere-se em um momento do sistema
capitalista, em que estão em curso, no plano produtivo, novos modos de
organização da produção, de mundialização do capital, nos quais se
combinam: liberalização, desregulamentação e possibilidades proporcionadas
pelas novas tecnologias de comunicação, que intensificam a capacidade do
capital produtivo de se
comprometer e descomprometer, de investir e desisvestir; numa palavra, sua propensão à mobilidade. Agora o capital está à vontade para pôr em concorrência as diferenças de preço da força de trabalho entre um país – e, se for o caso, uma parte do mundo – e outro. Para isso, o capital concetrado pode atuar, seja pela via do investimento seja pela da terceirização. (Chesnais, 1996, p. 28)
Segundo Chesnais (1996, p. 34), a mundialização do capital é
resultado de dois movimentos extremamente interligados, mas distintos. O
primeiro é caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do
capital já conhecida pelo capitalismo desde 1914. O segundo, relaciona-se “à
política de liberalização, da privatização, de desregulamentações e de
desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas
desde o inicio da década de 1980”. Sem eles, não seria possível ao capital
financeiro internacional e aos grandes grupos multinacionais, destruir “tão
depressa e tão radicalmente” os entraves a sua liberdade de expandirem-se à
vontade e de “explorarem os recursos econômicos, humanos e naturais, onde
lhes for conveniente”.
O efeito combinado de novas tecnologias e da situação imposta aos
trabalhadores, no que se refere à intensidade do trabalho e à precarização do
emprego, proporciona a grupos norte-americanos e europeus a possibilidade
de construir, em conjunto com a ação de seus Estados, zonas de baixos
salários e de reduzida proteção social, localizadas nas proximidades de suas
bases principais. Todavia, isso não significa que se eliminou o interesse das
multinacionais por locais de produção de baixos salários, mas elas já não
106
precisam, necessariamente, deslocarem-se milhares de quilômetros para
encontrá-los (Chesnais, 1996).
A mundialização integra, como componente central, um duplo
movimento de polarização. De um lado, no interior de cada país, os efeitos do
desemprego resultam no distanciamento entre os mais altos e os mais baixos
rendimentos, em virtude da ascensão do capital monetário e desmonte das
relações salariais estabelecidas. De outro, há uma polarização entre os países
situados no âmago do oligopólio mundial e os países de periferia (Chesnais,
1996).
Os países de periferia não são apenas subordinados, reservas de
matérias-primas, são países que praticamente não apresentam maior interesse
nem econômicos nem estratégicos, são áreas de pobreza, que ameaçam com
seus emigrantes os países democráticos (Chesnais, 1996).
A intensificação da mundialização aparece nos aspectos da
financeirização do Capital. Chesnais (1996) afirma que, é na esfera financeira
que o avanço do movimento de mundialização do capital, apresenta o mais alto
grau de mobilidade, e na qual a a defasagem entre as prioridades dos
operados e as necessidades mundiais são mais acentuadas.
A esfera financeira, que deve gerar lucro ao capital como qualquer
outro setor, contém problemas de ordem macroeconômico e também ético-
social, – os lucros nessa esfera são formados pelas transferências
provenientes da esfera da produção, na qual se cria o valor e os rendimentos
fundamentais. Nas palavras de Chesnais (1996, p. 241),
a autonomia do setor financeiro nunca pode ser senão uma autonomia relativa73. Os capitais que se valorizam na esfera financeira nasceram – e continuam nascendo – no setor produtivo. Eles começam por tomar forma, seja de lucros (...); salários ou rendimentos de camponeses ou artesãos, os quais depois foram objeto de retenções por via fiscal, ou sofreram a forma de agiotagem moderna dos “créditos ao consumidor”; (...). A esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplos níveis de qualificação. Ela mesma não cria nada.
73 Grifos do autor.
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Dessa forma, se a esfera financeira deixa de ser alimentada pelos
fluxos substanciais originários exclusivamente da esfera da produção,
intensificam-se tensões no circuito financeiro, e, com elas, crises financeiras.
Ao abordar a relação entre a mundialização do capital e a “crise do modo de
desenvolvimento74”, Chesnais (1996, p. 313) ressalta que, durante várias
décadas, prevaleceu a idéia de que o modelo de desenvolvimento capitalista
do Ocidente poderia ser generalizado para todos os países, porém as
“transformações tecnológicas, econômicas e políticas dos últimos anos”
mostraram o contrário. Atualmente, esse tipo de desenvolvimento não é mais
desejado pelos “que eram outrora chamados de agentes externos”. Por outro
lado, “sabe-se que ele se choca a limites ecológicos incontornáveis, na medida
em que sempre foi concebido como extensão mundial dos modos de produção
e consumo estabelecidos nos países avançados.”
De forma que, após um intenso salto de produtividade do trabalho na
indústria, por meio da difusão das tecnologias de informática, da implantação
de formas toyotistas de organizar a produção industrial e da intensificação da
concorrência entre os países da tríade75, eles passam a se interessar apenas
por relações seletivas que abrangem um número limitado de países de terceiro
mundo:
Certos países ainda podem ser requeridos como fontes de matérias-primas (...). Outros são procurados, sobretudo pelo capital comercial concentrado, com bases de terceirização deslocada a custos salariais muito baixos (...). Mais uns poucos países. Por fim, são atrativos devido a seu enorme mercado interno potencial (por exemplo, a China). Mas, fora esses casos, as companhias da Tríade precisam de mercados e, sobretudo, não precisam de concorrentes industriais de primeira linha: já lhes bastam a Coréia e Taiwan! Foi assim (...) que o tema da administração da pobreza foi assumindo espaço cada vez maior nos relatórios do Banco Mundial, enquanto o tema do desenvolvimento foi colocado em surdina. (Chesnais, 1996, p. 313).
A situação da Cooprec expressa uma parte de uma questão profunda
e contundente da contemporaneidade, qual seja o debate sobre o mundo do
74 Grifos do autor. 75 Fazem parte da Tríade os Estados Unidos da América, o Japão e a Europa. (Chesnais, 1996).
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trabalho, o desemprego e as respostas construídas pelos sujeitos sociais no
processo organizativo (nas esferas social, econômica e política) de formas de
enfrentamentos gestados pela sociedade e pelo poder público.
3.2 Mudanças, conquistas e perspectivas
Os cooperados atribuem algumas mudanças e conquistas aos anos de
trabalho. Essas conquistas estão no plano na experiência de trabalho, nas
relações pessoais, na ajuda ao próximo, em não ter patrão:
Rosalino – Pra mim era uma experiência a mais, que meu trabalho era de segurança. Eu entrei aqui nessa cooperativa para ter uma experiência a mais e, ao mesmo tempo, eu tava desempregado. Tinha aquela visão que seria talvez melhor, né, pra mim, ser dono do meu próprio negócio, que eu toda vida trabalhei, mais de vinte anos trabalhei de empregado, né, cê vai sê patrão. Então, para mim, mudou assim no início, que eu tinha garra, tinha luta, aquela ganância, aquela ambição, sabe? De vê, por exemplo, o meu negócio crescer e ganhar dinheiro. Ai teve essa mudança, aí mudou e desmudou, né, [ri]. Cê vai perdendo a esperança que já vai aí pra oito, nove anos, quer dizer, não saiu tudo né, tem aí sessenta por cento da esperança ainda, o importante é isso, ter força de vontade pra lutar, que no início nois tinha.
Viviane – Ah! Com certeza. Pelo menos a minha mudou totalmente, mudou não só a questão financeira, mas meu jeito de pensar vê a vida de outro jeito.(...) Porque quando cê trabalha em outros lugares, é muito estressante, porque você tem patrão, cê tem que dá satisfação pras pessoas e a correria é muito grande, e eu sou uma pessoa muito estressada. Pra mim, mudou muito. O mundo, pra mim, era só aquele mundinho, pra mim não existia outro mundo, outras coisas, entendeu? Eu achava que eu ia viver aquela rotina toda vida. Depois que eu entrei pra cooperativa, vixe! Mudou muito, eu vejo o mundo mais além do que eu posso, muito bom! Júlio – Com certeza muda. Eu era muito lento pra trabalhá, entendeu? Hoje eu sei fazer de tudo. Através da Cooprec, eu aprendi a mais trabalhar e dar mais valor nas coisas. (...) Você entrando aqui aprendendo, ela não é uma alternativa não, mas já ajuda bastante. Você desenvolver, aprender a respeitar as pessoas. Aqui as pessoas são mais idosas, mas tem jovem também e pra pessoa trabalhar aqui é uma alternativa boa e a gente aprende.
Marinete – Eu gosto de trabalhar aqui, o serviço de doméstica que é o que eu sei fazer... prefiro aqui, que ser mandada pelos outros é ruim de mais.
109
Laíde – Mas teve um lado bom também, que a gente conseguiu adquirir conhecimentos. A gente teve muito treinamento. (...) Principalmente nois que tá lá desde o início, nois teve muito treinamento, nois feiz muito curso. Eu creio que pelo menos isso os veteranos foram muito capacitados. (...) [Fizemos] curso de capacitação pras áreas que cada um trabalhava né, por exemplo, na área do plástico, teve uma época que todos os cooperados que trabalhava... Não foi só pros que trabalhava na área, mas pra todos os cooperados. Veio pessoas de fora pra tá dando curso especificamente pra área do plástico, pra que todos soubessem trabalhar com o plástico e reconhecer cada tipo de plástico, por exemplo, pra quê que serve. Então a gente ficou uma semana inteira fazendo esse curso, me parece que a pessoa que veio fazê esse curso veio de São Paulo, tinha muita experiência, né. Então todo mundo fez esse curso, e curso de... Assim na área de artesanato, eu não me lembro assim exatamente, mas foram muitos, nos tivemos muito treinamento. Lúcia – Para mim, foi muito gratificante por causa que é um trabalho que eu faço em benefício da natureza. Para mim não tem um valor, como fala, monetário, porque para mim o valor da qualidade de vida é muito mais que isso aí. Foi aqui que tive a oportunidade de fazer um curso pra trabalhar com o minhocário, que eu trabalhei durante dois anos inteiros na vermicultura e cada vez que eu me aprofundava eu queria aprofundar mais ainda. Então me apaixonei mesmo pelo meio ambiente através dessa experiência que eu tive com a vermicultura, e fui despertando mais e mais. (...) A curiosidade, o que eu poderia tá contribuindo com a natureza, foi quando eu comecei a trabalhar com a vermicultura.(...) Pra mim a questão ambiental é mais marcante, mas as minhas viagens foi mais ainda [ri bastante]. As minhas viagens foi mais ainda! Que as viagens que eu fiz, tudo por conta de algum projeto, as pessoas ligam pra cá, entravam em contato com a gente... eu tive a oportunidade até de andar de avião coisa que eu nunca tinha feito e era meu grande sonho, né. Então agora, né... já viajei muito, então, pra mim, cê andar de avião por conta de palestras que eu ia dar em outros estados, pra você vê até aonde eu cheguei, né! Sair daqui de avião e ir dar palestras em outros lugares com tudo pago, isso pra mim ficou marcado pra sempre, né.
Nair (1ª) – Eu acho que muda muito. Eu acho que principalmente no crescimento pessoal, muda bastante as pessoas e a questão do resgate. Veja bem nos temos um cooperado aqui, que ele tem mais ou menos uns cinco mês que ele trabalha conosco e quando ele entrou aqui (...) pra ele falar com você ele já falava exigindo. (...) Então assim, eu acho que, a partir do momento que o cooperado entenda isso já é um crescimento muito grande pra ele. Hoje ele já conversa direito, ele chega na diretoria, já fala o que ele quer, já chega na diretoria pedindo um vale, se a gente falar para ele que não tem como, ele entende, porque ele não entendia, ele achava que ele tinha que chegar sexta-feira e receber e os outros... Então, como pessoal o cooperativismo ele muda a pessoa completamente, tem pessoa que a gente já recuperou ele para respeitar o outro, eu acho uns 80%. Eu tenho uns cooperados aqui, que às vezes a pessoa fala: “Não esse aqui não tem jeito”, eu falo: “Tem, claro que tem jeito, se você souber conversar com ele, respeitando ele do jeito que ele é,
110
você consegue melhorar ele”, eu vejo muita gente mudada aqui, pra melhor. Mudou, minha vida assim... Eu acho assim... Que eu aprendi a respeitar o ser humano, tem uma parte que mudou muito em minha vida. A outra parte que mudou em minha vida foi a questão de conhecimento, acho que lutar pelos direitos, eu acho que financeiramente não, eu acho que se eu estivesse trabalhando em outro lugar, eu conseguiria o que eu consegui, mas no conhecimento que eu tive com o ser humano, em buscar meus direitos, eu acho que mudou assim, eu acho que em torno de cento e tantos por cento.
Nair (2º) – A minha satisfação é ver aquela pessoa que não penteava o cabelo começar a pentear, aquela que não falava começar a falar, então, pra mim, isso é uma supergratificação, por que ela já tá, por exemplo, a gente conseguiu que ela conquiste o espaço dela. Talvez isso é o que mais me segura na cooperativa, pensar: “Não, eu tô contribuindo com alguma coisa, porque fulano não falava e hoje ele tá falando”. (...) Eu acho que valeu a pena e vale a pena, é melhor eu receber essa graça que eu receber dinheiro, porque eu acho que isso, nenhum dinheiro na vida paga. Então assim eu estou realizada nos meus propósitos de vida, né, não sou tão ligada à questão material, meu negócio é o humano mesmo.
Percebe-se que as conquistas, situam-se no plano da subjetividade, da
solidariedade, da ajuda ao próximo, do acesso a possibilidades de
conhecimento que lhes foram negados por meio da educação formal. Há
também o aprendizado obtido pelas próprias relações de trabalho, uma vez que
qualquer cooperado pode participar da direção, da gestão do trabalho, pois não
existe o mando autoritário, nem a ameaça de demissão. Outro aspecto diz
respeito à realização, no sentido de que o trabalho de reciclagem que
executam constitui-se em uma contribuição para a sociedade.
Quanto às perspectivas, existe um desejo de renovação dos produtos,
parcerias com outras iniciativas de coleta na cidade, criação de uma rede onde
os catadores possam também se beneficiar, porém o traço marcante está no
fato de se querer e necessitar de aporte financeiro estatal para que o trabalho
funcione.
Nair (2ª) – Eu, às vezes, penso um futuro da Cooprec bem lá em cima. Eu acho que ela tem condição de renovar o produto dela, eu vejo assim que um saco de lixo. Eu não sei, mas é um objetivo meu que se ela fizesse o saco de lixo, os cooperado, dentro do pouco conhecimento deles colocaria no mercado. (...) Eu acho supertranqüilo essa questão do saco de lixo tá investindo nisso.
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Teve um mês, a mais ou menos nove meses atrás, eu pensei que a área do plástico ia fechá, né, porque saiu todos os homens, saiu toda a equipe, ficou só a Marinete. Aí eu pensei mais a Preta, Preta, nois vamo tê que vesti a camisa e ir pra lá, por que se nois formos para la´ a gente começa a forma´ a equipe. Aí, hoje, graças a Deus nois já tamo com a equipe completa de novo em sete pessoas. Isso significa que a Cooprec consegue, né, que ela tem potência para isso, mesmo com mulhé. Que ela consegue, porque não precisa... A ventoinha, toda veiz que entupia, a Mariazinha parava a máquina porque quem desentupia era só homem, pois agora nois fomo para lá não precisa homem, porque a ventoinha é tranqüila desentupir... A mulher desentupi. Aí tem só a questão do moinho que tem que virá ele, que tem que sê homem. Mas a questão da extrusora de trocá a peneira tudo a mulher dá conta. Então a gente começou a percebê que a área do plástico funciona sem homem, que a mulher consegue fazer isso. Quando eu vejo, porque eu, Leile, há uns anos atrás, há uns sete anos atrás eu tive essa visão de hoje, que a cooperativa ela vai trabalhar com homem só com serviço prestado. Que as mulheres vão dirigir, que as mulheres vão fazer as coisas e os homens vão fazer alguma coisa dentro da cooperativa. Tem mais ou menos uns sete anos que eu pensava assim, pela resistência do homem de conversar com ele, às veiz cê vai falá eles começa a dizê que não vai fazê porque as mulhé também da conta. Então assim eu comecei... E a realidade que eu vejo é essa. E acho que ela vai hoje do jeito que ela tá aí. Agora, o que eu acho que a cooperativa precisava era de um grande parceiro, que ela precisava de algum parceiro forte ali, um parceiro assim, por exemplo, quando a prefeitura fala que a gente tá com um processo de coleta seletiva, que nois tá... Por exemplo, a Beija-Flor76, o PEVs77 e outra cooperativa que só cata e vende, que a cooperativa [Cooprec] já industrializa. Então podia tê uma parceria, com essas empresa, catadô e tudo, que a cooperativa podia sê o final, que ela reciclasse isso, quer dizé que ela poderia até coletá, mas que o auge dela fosse o final aqui, com inovação de produtos. Aí assim, eu não sei, como é a melhor forma de fazê isso pra que as outras cooperativa venha também ganhá. Porque também não é justo que elas cata, passa pra cooperativa, a cooperativa cresce e elas não cresce, né. Então eu acho que precisa isso, precisa talvez um parceiro forte, que tem essa visão e que faz essa ligação, consiga fazê essa ligação. Mas eu acho que tem futuro né, eu fico pensando assim que várias dificuldades, que a gente já passou e a gente vê, por exemplo, o grupo hoje, né, a área da telha que eu falo, Lúcia, a gente tem que colocá essa área da telha pra funcioná e ela fala: “Ah será que ainda vai funcioná um dia?” Falei: “Vai se você buscá vai, agora de você acreditá que ela vai fechá ela vai fechá, você precisa buscá, enquanto cê tá vendo um fiozinho, cê precisa buscá esse fio”. Aí quando cê reuni seu conselho e fala: “Nós temos essa realidade e como é que nois vamos fazê?” E deixa eles falarem que eu tenho certeza que cada um vai tê uma idéia pra falá e você pega essa idéia e junta com a sua e vê o que você faz. Aí hoje a gente reuniu e
76 Beija-Flor é uma cooperativa de catadores de Goiânia, que recolhe e prensa o material reciclável. 77 PEVs são pontos de entrega voluntária. A proposta da prefeitura é, com a coleta seletiva ter PEVs espalhados pela cidade, e os moradores entregarem nesses lugares seus resíduos recicláveis.
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sentamo e discutimo, falei: “Tá aqui, como é que nois vamo fazê? Vai buscá fulano e sicrano?” Aí, hoje, a gente já viu que já apareceu lá umas pessoas que dá pra formá uma equipe e ativar a área da telha. Então cada vez... dentro do plástico, da telha, da educação ambiental, então assim a cooperativa se a gente senta e faz, vai!
Faz-se necessário destacar dois aspectos referentes à compreensão
das experiências de cooperativismo popular – o trabalho feminino, e o aporte
financeiro estatal.
A Cooprec iniciou o ano de 2007 com 70% do seu quadro de
cooperados do sexo feminino78. Segundo o mapeamento realizado pela
Senaes acerca dos empreendimentos de economia solidária, no espaço
urbano, a presença de força de trabalho feminina é superior à masculina em
quase todas as regiões do Brasil. No cômputo geral, porém, prepondera o
trabalho masculino, pois os empreendimentos são majoritariamente rurais79.
Antunes (1999) pondera que, nos últimos anos, e em virtude da
retração do capital, intensificou-se o trabalho feminino, com um traço
acentuadamente precarizado80. As atribuições femininas concentram-se em
atividades manuais e repetitivas, ao passo que aos homens cabem atividades
que requerem conhecimento técnico. Dessa forma, o capital apropria-se
também da capacidade de polivalência e multiatividade do trabalho feminino.
Na década de 1990, no Brasil, houve uma contínua ampliação das
taxas de participação feminina na economia, particularmente de mulheres
78 Dado coletado no levantamento de perfil realizado em janeiro e fevereiro de 2007, como informações complementares ao estudo. 79 Na Região Centro-Oeste, dos empreendimentos de economia solidária, no âmbito rural, 28,4% são mulheres e 71.6% homens; no âmbito urbano, 59,7% mulheres e 40,3% homens. Dados disponíveis no sitio do Ministério do Trabalho e Emprego, www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies_ATLAS_PARTE_2.pdf. acesso em: 16 jul.2007. 80 Na literatura especializada, entende-se por precarizado o emprego não-assalariado formalmente contratado, portanto, sem proteção por leis ou contratos coletivos, como o conquistado durante o século XX: “É precário aquele trabalho que se realiza sob uma ou mais das seguintes condições: a) tempo parcial do dia/semana/mês, extensas jornadas de trabalho, pagamento por produção/serviço; b) sem garantias legais de estabilidade ou proteção contra dispensas, carga horária definida, descanso semanal, férias, condições salubres, seguridade social, seguro-desemprego, aposentadoria, licença maternidade, licença doença, acidentes de trabalho entre outros requisitos. É precário porque submete o trabalhador a condições arriscadas no mercado, sem ações coletivas de enfrentamento, sem segurança de cobertura social no futuro ou de quando não mais puder dispor de força de trabalho” (Barbosa, 2005, p. 21).
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adultas81, e esse foi o fator de crescimento da população economicamente
ativa (PEA) na última década. Essa inserção, no entanto, é caracterizada pela
precarização, informalização e baixos salários (Leone, 2003).
A respeito das perspectivas de atuação da Cooprec, as narrativas trazem o seguinte:
Lúcia – Eu acredito que ela [a Cooprec] vai superar essa crise, principalmente se a gente conseguir receber tudo que a gente tem para receber, e eu tenho esperança que ela continue sendo modelo no Brasil, porque ela já foi [ri] ainda continua sendo porque tem muitas pessoas que não sabe a crise que ela tá passando. Às veiz, ainda continua sendo, eu quero, que Deus ajuda que ela continua sendo modelo pro Brasil.
Nair (2ª) – Às vezes eu penso, se a gente tivesse um conhecimento político, tivesse uma inserção dentro dos órgãos, talvez pudesse tá buscando um caminho melhor pra cooperativa. Nós cooperadas mesmo, nós fica muito no nosso mundim, e acaba que não tem esse conhecimento. (...) Eu falo assim, por exemplo, conhecer uma pessoa lá dentro, aí eu vejo, que é interessada, por exemplo, em trabalhos sociais e que consiga trazer essa pessoa pra fazer parte da cooperativa, nem que seja voluntário. Aí eu acho que a cooperativa não tem esse caminho, a gente não consegue, trazer esse caminho e que vem começa a percebê e começa a mostrá. Igual por exemplo, eu tava falando com o Emerson la do PEVs, da Coopersol que teve um bagunça danada e que hoje a gente não sabe o que é... Aí ele vei visitá a cooperativa aqui, que era um negócio da Lúcia aí né! E ele falando, ele disse que já conseguiu cesta básica não sei da onde, ele já conseguiu umas assistência médica, né, aí eu acho que isso falta na cooperativa, que nenhum dos diretores que passou não deu conta de fazê isso.
Laíde – Ah eu não sei sinceramente! Eu espero que melhore, a gente tem muitas oportunidades, né, que a gente pode tá mandando projetos, e se a gente conseguir tá elaborando projetos pra aquisição de novos maquinários. Eu tenho fé que ali um dia ainda vai sê uma grande cooperativa que pode tá gerando muito trabalho, trabalho pra muitas pessoas, né, e que não esteja toda essa dificuldade não, mas eu acho que isso depende da gente tá recebendo ajuda mesmo por parte das autoridades né, de tá vendo aquilo lá como... Eu não sei, que as autoridades, hoje se vê muito falá em preservação do meio ambiente, hoje se discute a questão da reciclagem, e eu creio que se as autoridades, centraliza´ naquilo ali mesmo e levá a sério eu acho que ainda tem muita chance da cooperativa crescê, e de sê uma grande cooperativa mesmo e que mude esse quadro.
81 Considera-se adulta a mulher acima de 25 anos de idade. O estudo de Leone (2003) tem como fonte de dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
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A busca do aporte financeiro do Estado situa-se em um contexto de
contra-reforma expresso pelo neoliberalismo.
No plano do Estado brasileiro, Behring (2003) diz que a reestruturação
produtiva e a mundialização configuram linhas gerais de uma verdadeira
contra-reforma, uma vez que existe uma evocação do passado no pensamento
neoliberal, e um aspecto regressivo quando da implementação de seu
receituário.
Essas linhas gerais implicam tensionamentos, do ponto de vista do
capital, no que se refere à “configuração de padrões universalistas e
redistributivos de proteção social” (Behring, 2003b, p. 103) por algumas
tendências em operação:
pelas estratégias de extração de superlucros, com a flexibilização das relações de trabalho, onde se incluem as tendências de contração dos encargos sociais e previdenciários, vistos como custos para a produção ou gastos dispendiosos do Estado; pela supercapitalização, com a privatização explícita ou induzida (passiva) de setores de utilidade pública, onde se incluem saúde, educação e previdência; e especialmente, pelo desprezo burguês para com o pacto social dos anos de crescimento, agora no contexto da estagnação, configurando um ambiente ideológico individualista, consumista e hedonista ao extremo, tudo isso num contexto no qual as forças de resistência encontram-se fragmentadas, particularmente o movimento operário. (Behring, 2003b, p. 103)
A tendência geral, portanto, é de redução de direitos. Dependendo da
correlação de forças entre as classes sociais e segmentos de classe, e da
intensidade da consolidação da democracia, a política social reduz-se a ações
pontuais e compensatórias. O Brasil, que estava a meio caminho na tentativa
tardia de montagem de um Estado de Bem-Estar Social, terminou sendo
atropelado pelo ajuste neoliberal, alimentado pela heteronomia e pelo
conservadorismo político, próprio, delineando um projeto antidemocrático,
antipopular, antinacional, em que a seguridade social ocupa lugar secundário
(Behring, 2003b).
Montaño (2002, p. 232) assinala que, de um lado, ocorre o constante
aumento do desemprego estrutural, a da precarização do trabalho, da redução
do sistema de proteção legal do trabalhador, que precisam ser ocultados,
115
relativizados, para serem aceitáveis à população. De outro lado, o
“esvaziamento dos princípios democráticos nacionais”, as reformas
administrativas do Estado, a perda de direitos cidadãos, exigem “mecanismos
pseudocompensadores, ideológicos, que impeçam a clara identificação das
causas das mazelas das populações”.
Nesse sentido, o Estado assumiu a economia solidária como política
pública de geração de emprego e renda, no Ministério do Trabalho, e organizou
sua ação por meio do levantamento dos empreendimentos existentes no país e
a articulação de feiras de vendas dos produtos. Busca-se conferir uma certa
institucionalidade à auto-organização do trabalhador. Em outras palavras, o
Estado aproveita-se das estratégias de sobrevivência da população ao
“socorrê-las” com repasses financeiros mínimos, focalizados, e por meio deles,
busca encobrir a lacuna da política social e da sua opção por não responder à
demanda do mundo do trabalho e emprego.
As cooperativas possuem característica hibrida, de por um lado,
organizam coletivamente o trabalho e, assim, aparentam inexistir a exploração
com o uso da autogestão do processo produtivo e, de outro, servem ao capital
no processo de acumulação, pois comprime o valor dos salários e intensifica a
mais-valia agregada às mercadorias, que são repassadas a baixos custos para
a grande indústria. A exploração do trabalho, portanto, oculta-se na produção,
pois a cooperativa pertence aos trabalhadores, mas aparece na circulação de
mercadorias.
As cooperativas de reciclagem, ou de coleta de materiais recicláveis,
iniciam um processo de produção de mercadorias, que, por meio da
cooperação complexa do capital, termina na grande indústria de reciclagem.
Portanto, o lixo que degrada, polui, transforma-se em valor. A mercadoria final,
que adquire forma na indústria de reciclagem carrega mais-valia extraída desde
a coleta, pois comprime no seu baixo valor, o salários dos catadores e, no caso
da Cooprec, cooperados, a redução dos custos de produção, pois elimina
capital constante. Aos catadores e cooperados, a remuneração financeira
recolhida do trabalho permite apenas o limite da subsistência, ou seja, a
reprodução básica da própria força de trabalho.
116
No que se refere à Cooprec, o estudo realizado evidencia o movimento
contraditório na experiência. De um lado, ressalta-se a relevância na
contemporaneidade no que se refere ao objeto de trabalho da Cooprec, qual
seja a reciclagem de resíduos sólidos e a educação ambiental, haja vista que o
modelo de produção e de consumo atuais dos países avançados não podem
ser generalizados, e os prejuízos do consumo de energia, das emissões de
gases na atmosfera, da poluição das águas, estabelecem limites sociais,
políticos e geográficos (Chesnais, 1996), para os quais a humanidade precisa
estar atenta. A experiência de autogestão e de organização coletiva do
trabalho, que aparece nas narrativas como conquistas, podem ser apreendidas
em três perspectivas: a) conquista material, expressa na qualificação para o
trabalho; b) mudanças nas relações sociais propiciada pela produção coletiva;
c) ajuda ao próximo.
Por outro lado, (re)produz-se e se intensifica a exploração do trabalho,
pois o situa nos patamares mínimos de sobrevivência, contribuindo para os
processos alienantes das relações sociais de produção. Ao apresentar-se
como limite da sobrevivência, o trabalho na cooperativa configura-se como
alternativa à miserabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,(...)
Miúdas certezas de empréstimo, (...)
Calo-me, espero decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal, (...)
Perderam o sentido, apenas querem explodir.
Carlos Drummond de Andrade
118
Ao estudar a experiência da Cooperativa de Reciclagem de Lixo
(Cooprec) buscou-se primeiramente ouvir as narrativas dos sujeitos, suas
observações, os aspectos que julgam marcantes e relevantes, suas
dificuldades e potencialidades, seu jeito impresso em anos de trabalho árduo e
esperanças e expectativas, hora frustradas, hora concretizadas.
A convicção ética é que a experiência pertence aos sujeitos e eles
possuem uma memória e leitura dessa experiência, portanto, não se trata,
neste estudo de buscar verdades ou se estabelecerem confrontações.
Buscou-se com afinco desvelar as mediações existentes na realidade
para aprender as determinações que circunstanciam experiências de
organização do trabalho no sistema capitalista.
Nessa trilha, percorreu-se o caminho da historicidade do
cooperativismo, retornando à revolução industrial inglesa, aos conflitos entre
capital e trabalho e aos primeiros anos do cooperativismo inglês, constatando
sua híbrida constituição peculiar, que lhe permite vivenciar uma relação
autogestionária no aspecto endógeno, e capitalista no aspecto exógeno.
Posteriormente, procurou-se, apreender, na particularidade da
formação histórica, econômica e política brasileira, a inserção das cooperativas
e o movimento de economia solidária, com sua miríade de componentes,
tendências e formatações e até mesmo como meio pelo qual o Estado
intermedeia sua relação com o cooperativismo.
Na história da Cooprec, apreende-se a riqueza da proposta de
educação ambiental e reciclagem de resíduos sólidos, a trajetória de
superações pessoais e coletivas, em nove anos de verdadeiro trabalho de
Sísifo, tanto no que tange ao recolhimento dos resíduos produzidos pela vida
urbana, quanto na tentativa de conseguir auferir renda por meio do trabalho na
cooperativa.
Como resultado, em que pese a possibilidade de analisar o trabalho no
interior de uma cooperativa fundado em uma organização diferenciada do
trabalho, apreende-se da experiência da Cooprec que a intensificação da
exploração do trabalho e conseqüentemente extração de mais-valia ocorre em
decorrência da inserção da cooperativa no modo de produção capitalista. Por
119
meio da complexa cooperação do atual estágio da relação capital e trabalho,
que ao capitalismo descentralizar a produção de mercadorias, a exploração do
trabalho ocorre, também no tocante à terceirização do trabalho e sua
precarização, que comprime os salários, permitindo o barateamento do custo
das mercadorias que a grande indústria processa.
Ocultando-se na circulação de mercadorias a apropriação do
capitalista da mais-valia extraída no processo produtivo de cooperativas e
experiências de economia solidária.
Em outras palavras, a cooperativa serve ao sistema capitalista de três
formas: a) garante subsistência para uma parcela da população que não
alcança outros postos de trabalho, e, em alguns casos, a prepara para
consegui-lo: de qualquer feita, ameniza os impactos da crise do capital; b)
realiza o trabalho dispendioso de separação do rejeito e do resíduo sólido que
pode ser reciclado, entregando ao grande capitalista, a baixo custo, a matéria-
prima com a qual ele fará seu marketing de empresa recicladora, tão bem visto
pela sociedade; c) colabora com a acumulação do capital.
Engendra-se um mecanismo complexo no qual os próprios
trabalhadores sujeitam-se à auto-exploração, em um trabalho cujo resultado
material redunda em subsistência, ao extremamente necessário para sua
reprodução. Contudo, esse tipo de trabalho pode ser visto como estratégia de
sobrevivência, pois que há parcelas da população que não alcançam o
mercado de trabalho, não são alcançadas pela política social, e estão fadadas
à pauperização absoluta, expressa na miséria.
O desenvolvimento do capitalismo complexifica a divisão social do
trabalho, que não se restringe às unidades produtivas, mas que se mundializa.
Também no interior das sociedades, essa divisão processa-se com a
destinação do trabalho desgastante, braçal, mecânico à parcela mais pobre da
população. Nesse sentido, pode-se perceber o trabalho de coleta e de
reciclagem de resíduos sólidos como integrante de uma complexa divisão
social do trabalho que destina à população que tem acesso a outros postos de
trabalho a tarefa de buscar reverter as ações destrutivas impingidas pelo
sistema capitalista à natureza.
120
A possibilidade de geração de subsistência à população pauperizada
une-se ao discurso da educação ambiental, aceito amplamente pela sociedade.
Não se quer com essa observação desmerecer a necessidade proeminente de
preservação ambiental. Busca-se apenas ressaltar o fato que esta tarefa fica a
cargo da população pauperizada, cujos índices de consumo são
significativamente minorados. E, se sabe, não é possível reverter a degradação
ambiental sem a superação do sistema capitalista.
A circulação de mercadorias no sistema capitalista encobre a relação
de exploração do capital em relação às iniciativas cooperativistas. Essas
iniciativas, sobretudo as cooperativas de recicladores, realizam um trabalho
árduo de coleta do lixo e sua transformação em matéria-prima, em mercadoria,
repassando-o a preços mínimos, à grande indústria, constituindo-se em forma
concreta de extração de mais-valia e exploração do trabalho humano.
Não se pode negar, ao ouvir os cooperados, que a experiência é rica
em ganhos referentes à capacidade de convivência, à aprendizagem sobre
gestão e organização do trabalho, ao exercício democrático e às lutas por
direitos.
Entretanto, não se pode deixar de salientar que é extremamente
receber um recurso financeiro que garante apenas as compras mensais de
bens de primeira necessidade expressa no vale supermercado. Apesar das
dificuldades, os cooperados insistem na experiência, aguardando incentivo
governamental para melhorar as condições de trabalho.
As narrativas evidenciam a ênfase na implementação, por parte do
poder público, de políticas sociais com características compensatórias,
focalistas e antidemocráticas, ao transferir para a sociedade civil a
responsabilidade pela gestão da política social.
Ressalta-se, ainda, a assunção da sociedade civil da gestão da política
de geração de emprego e renda, por meio do fomento de cooperativas trabalho
e grupos produtivos. Na experiência da Cooprec, a relação com a Sociedade
Goiana de Cultura, e com o Instituto Dom Fernando é crucial para o
desenvolvimento do trabalho e no estabelecimento de autonomia.
Este estudo, portanto, permitiu conhecer uma experiência concreta de
121
cooperativa, ouvir seus integrantes, com eles conviver e apreender as
determinações e mediações existentes nessa experiência e o mundo do
trabalho, e desse modo, reconhecer que
só quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela humanidade e, portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de ser ‘não apenas meio de vida’, mas ‘o primeiro carecimento de vida’, só quando a humanidade tiver superado qualquer caráter coercitivo em sua própria autoprodução, só então terá sido aberto o caminho social da atividade humana com fim autônomo (Lukács, 1997,p.39-40)
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