Conversas paralelas sobre outro assunto ou de outras pessoas. · faculdade de teatro aqui, tem...
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(...) – Conversas paralelas sobre outro assunto ou de outras pessoas.
(?) – Um ponto de interrogação: uma palavra não compreendida.
(???) – Três pontos de interrogação: Uma frase ou mais não compreendidas.
Arquivo 01
Édio – Então, com o Murphy, aqui no Espaço Plural, vamos falar um pouco
sobre as memórias-NuTE dele. Acho que a gente podia começar do teu
encontro, como é que tu conheceu, como é que tu te aproximou do NuTE, ou
talvez um pouco antes até, o que o Murphy estava fazendo naquela época, o
que aconteceu pra tu te encontrar esse grupo, experimentar o grupo, curtir e
ficar ali...
Murphy – Bom... O NuTE, eu não sei, ele deve ter iniciado por volta de 1986...
Édio – 1984 eles iniciaram...
Murphy – Eu, na verdade, comecei a fazer teatro em 1986. Eu trabalhava na
Sulfabril, e tinha um rapaz lá dentro, o Elias Gomes, ele tinha um grupo lá
dentro chamado GATE, Grupo de Arte Teatrais, que era da Sulfabril. E eu
escrevia poesias, escrevia e guardava, tinha essas poesias lá numa gaveta.
Até que a Sulfabril promoveu um concurso de... era de várias coisas, de
desenho, de pintura, de várias artes, e de poesia. E eu me inscrevi com essas
poesias. E uma comissão foi pra Sulfabril, e nessa comissão estava o
Alexandre, e foram premiadas lá duas poesias dessas que eu escrevi. E aquilo
me despertou. Foi ali que eu tomei contato com o Alexandre, com a Rosane
Magali Martins. E ele me convidou pra assistir o espetáculo Veias Cativas, que
era do NuTE, na época acho até que a Rosane Magali Martins fazia parte, o
Alan Kardec... E eu fui, assisti o espetáculo. E aquilo mexeu muito comigo, era
um espetáculo que misturava poesias com músicas do Ney Matogrosso, do
repertório dele, do Secos e Molhados também, se não me engano. E eu achei
aquilo muito legal. Poxa, tão próximo! Eu me senti muito próximo da
possibilidade de fazer arte... eu nunca tinha... Eu fui conduzido, de alguma
forma, pra área econômica, pra outras áreas, pela minha família, etc.
Édio – Tu chegou a formar em economia?
Murphy – Não, não, eu fiz dois anos de economia na FURB. Bom, aí depois
disso minha vida nunca mais foi a mesma, depois desse concurso, desse
contato com essas pessoas, de ter assistido o espetáculo, e tal.
Édio – E na Sulfabril o teu cargo era de...
Murphy – Eu trabalhava como analista de produtos pra exportação. Bom, nada
a ver. Na verdade eu fazia aquilo de uma maneira automática, obrigatória, não
tinha outra referência, enfim.
Édio – Você estava ali com uns vinte anos...
Murphy – É, vinte e tantos, vinte e um, vinte e dois. E ali começou a me dar
essa... Até que um dia eu fui pra praia, fiquei acampado, foi no final desse
ano...
Édio – Em 1986...
Murphy – Não, isso foi em 1985, esses contatos, esse concurso e tudo mais. E
aí eu fui pra praia, e lá eu tive vários sonhos assim... de que eu estava diante
de uma platéia, de que essa platéia me acolhia muito legal... esses sonhos. E
aquilo começou a me despertar, e porque não? O que me impedia de conhecer
isso... E aí eu fui falar com o Elias, com esse diretor de teatro da Sulfabril, e
disse “olha, eu tenho essas poesias”, e tal. E ele “ah, vamos construir um
espetáculo”, gostou muito das poesias, achou que tinha muito a ver e tal. E aí a
gente foi intercalando e tal, e construímos um espetáculo chamado Fel. Que
falava muito de coisas como as amarguras da vida e tal. E ouvimos falar do
primeiro Festival Universitário de Teatro de Blumenau. Ah, aí ficamos
empolgado e tal, vamos tentar participar... e fomos. Fizemos a inscrição, o
Faleiro era o coordenador, e era a pessoa que também fazia as inscrições, que
recebia as pessoas. No primeiro era tudo muito rudimentar, era bem... E o
Faleiro então olhou a peça, e tudo mais. E ele foi muito franco, disse que era
uma peça que tinha um conteúdo bacana só que não tava teatral, não era uma
obra pra estar no Festival. Aí se criou a Mostra, a Primeira Mostra de Teatro
Blumenauense, que fez a abertura do Festival Universitário, do primeiro. Essa
mostra foi um evento paralelo ao Festival um dia ou dois antes de começar o
Festival.
Édio – Mas não era a Carlos Magno ainda?
Murphy – Não, era uma Mostra Blumenauense, ou regional. O Alexandre
trouxe O Homem do Capote e os Outros Seres, que foi uma experimentação
muito louca, muito ousada pra época, o Alexandre sempre trouxe isso no
trabalho dele. Lembro que eles tinham ido a Florianópolis e lá tinha sido
criticados e elogiados por um lado e por outro. E nós, na verdade, entramos
com aquele trabalho. Era um trabalho que se formos ver hoje, lógico, era muito
fraco...
Édio – Esse Fel...
Murphy – Fel, isso. Mas, foi ali que começou. E daí eu comecei a ter contato
com o pessoal do NuTE, um contato mais de boteco, de início eu não entrei
direto. Até por que... Em 1986 começou o primeiro Festival, em que nós
participamos dessa Mostra e tal...
Édio – O primeiro Festival é de 1986 né?
Murphy – Isso. Acho que é. Bom, depois dessa experiência eu pensei “vou
fazer teatro!”. Saí e fui fazer teatro. E até me perguntaram... “tu tá louco,
trabalha aí com exportação, o que tu vai fazer...”. E eu falei “vou dar aula de
teatro quatro horas por dia em algum lugar...”. Assim, falei. E depois de dois
meses, me contrataram pelo SESI pra dar aula de teatro por quatro horas,
como eu tinha falado pra eles tinha se concretizado meses depois. Então, eu
não tive de início um trabalho dentro do NuTE porque eu fui pro SESI, e
montamos lá um Núcleo de Teatro. A gente começou a trabalhar lá e tal. Só
que sempre trabalhando junto com o NuTE. Até o dia que nós, no segundo
Festival Universitário, tivemos uma... eu fazia parte do Grupo Tebas, junto com
a Margareth Diniz, o Carlinhos Santos, e ganhamos treze dos quinze prêmios
do JOTE-Titac com a peça Os de Preto e os de Branco, eu fiz a sonoplastia,
ajudei na direção... foi assim um espetáculo...
Édio – O Tebas é pré década de 90 ou...
Murphy – Muito mais. O Tebas já existe desde a época do Coutinho, que foi o
fundador do Tebas, que eu nem sei onde está.
Édio – Na tua cabeça tá por volta de quando o começo do Tebas?
Murphy – Olha, se eu comecei em 1986 e já comecei a ter uma ligação com o
Tebas, antes do SESI, porque eu entrei no SESI, na verdade, em 1988, então
eu fiquei dois anos só junto com o Tebas. E se eu não me engano o JOTE-
Titac começou em 1987...
Édio – Acho que em 1989 começou o JOTE...
Murphy – 1989? Bom, eu sei que em 1987 nós montamos Há Vagas Para
Moças de Fino Trato, dirigida pelo Alexandre, que foi inscrita, pela FURB, no
segundo Festival Universitário. Aí eu entrei pro NuTE, não efetivamente, mas
de coração, por acreditar muito no Alexandre. Ele pra mim, eu tinha muito
aquela coisa... muito imaturo também, mas muito cheio de sonhos, cheio de...
sabe... sempre fui um cara envolvido. E o Alexandre era sempre uma
referência, o NuTE era uma referência. Eles trouxeram o Simioni do LUME,
começou a haver parcerias, e ali eu comecei a me aprofundar. O Alexandre pra
mim era uma referência, ele pode nem saber disso. E eu tinha um respeito
imenso por ele. Pra eu trocar uma palavra com ele eu... sabe aquela coisa do
ídolo... E aí meu coração começou a ser do NuTE também, apesar de que eu
não estava lá dentro como professor, nunca integrei um elenco definitivo, ou
fixo. Mas fiz... bom essa experiência com o Alexandre foi demais, no segundo
Festival...
Édio – Nessa peça Há Vagas Para Moças de Fino Trato, que tinha o Pépe
Sedrez também ou não?
Murphy – O Pépe fazia uma mulher, a Lúcia, a Rita fazia a Gertrudes, e o
Carlinhos fazia a Madalena. Essa peça na verdade é do (???). E o Alexandre
convenceu todo mundo, porque ele pegou aquele texto, aparentemente água
com açúcar, uma dramaturgia convencional e tal, e ele levou e pirou todo
mundo. Ele fez uma cama enorme, do tamanho do palco do Carlos Gomes,
imenso, ela era meio caída pra frente, onde o público estava. Era uma baita
cama, e tudo acontecia ali em cima, porque ele (?) aqueles personagens eram
(?) demais. Então ele colocou todos em cima da cama, e a iluminação jogada
em cima da cama, que tinha oito metros por seis, uma coisa assim. E atrás
tinha aquelas cadeiras de salva-vidas, ficava bem no alto, tinha um guarda-sol
e um cara o tempo inteiro vigiando dela. Umas pirações do Alexandre. E aí eu
comecei a entender o Alexandre como um puta artista, não convencional, e um
artista extremamente revolucionário. Aí começou essa diversão. Eu tive essa
experiência com o Alexandre, e logo depois ele abriu a inscrição pro elenco pra
Apocalypsis Cum Figuris. Aí como eu tinha projetos com o Tebas eu não entrei,
lamentavelmente, porque foi a peça que mais revolucionou o teatro de Santa
Catarina, no meu modo de ver.
Édio – É mesmo?
Murphy – Eu acho, porque foi um divisor de águas. Por que foi o primeiro cara
que teve a coragem de encarar Grotowski no estado. Eu tô falando do estado
de Santa Catarina, eu tô falando do final dos anos 80, em que não era... quem
fazia teatro era um herói, não é como hoje, quer dizer, hoje a gente tem muita
dificuldade também, mas com aquela época nem se compara. Hoje tem uma
faculdade de teatro aqui, tem vários grupos, tem pessoas que saíram daqui,
foram pra fora, vieram pessoas, o Festival Universitário foi a grande escola do
Pépe, minha, do Giba, do próprio Alexandre, e de vários outros caras que
vieram morar aqui. O Roberto Mallet, que veio morar aqui, antes disso já tinha
a Olga Reverbel, da FURB, já começou com a própria Edith Kormann e tudo
mais. Mas o Festival foi (?) assim como a vinda do Faleiro. Quando o Faleiro
vem, via Olga Reverbel, nossa o teatro de Blumenau era... Ele trouxe uma
biblioteca de teatro. Recém vindo da França (???). Todas as paredes da casa
dele eram repletas de livros. E tinha um palco no meio onde tudo era livro de
teatro de arte em geral, mas basicamente teatro. O banheiro da casa dele era
cheio daqueles... aquelas coisas de guardar sapatos, aquilo era cheio de livros.
E a gente ia pra lá, passava a tarde lá, ele fazia uma torta de maçã com mel e
chá de não sei o que... e conversa, conversa... Aquilo foi nutrindo muito a
gente. E ele começou a ter contato com o Wilfried, com todos os fundadores lá
do NuTE, e começou a haver um fervo mútuo... aquilo ali foi revolucionário. O
contato do Faleiro com o Alexandre foi demais. E isso provocou em todos nós,
porque eu me considero um discípulo deles todos, desses dois principalmente,
assim como Giba é também, como Pépe é, como todos os caras que... E nós,
essa geração começou a... “se nós não fizermos algo pelo teatro aqui da nossa
cidade, nunca vai ter nada...”. Então a gente foi, com todas as dificuldades.
Dificuldades mesmo, de grana, de comida inclusive, coisas assim, pra se
manter, problemas com a família gravíssimos por ter escolhido esse caminho,
mas foi. E a partir dali Giba, Pépe, Dennis Radünz, o Wilfried, o Claus, que eu
acho um puta ator, um cara fantástico, o Álvaro, eles lá, no NuTE, e eu na
minha caminhada no SESI. Eu fiquei quatro anos no SESI.
Bom, aí o Apocalypsis circulou o estado inteiro, revolucionou o estado inteiro.
Todo mundo que fazia teatro, pode perguntar pra os mais velhos aí, o que foi o
Apocalypsis Cum Figuris.
Édio – O que foi o Apocalypsis Cum Figuris Murphy?
Murphy – Foi uma quebra de todos os paradigmas que tu imagina. Tudo. Não
se tinha... pra nós claro, já se tinha lido, já se tinha visto vídeo, já se tinha visto
espetáculos lá fora e tal, mas quando aquilo apareceu em Blumenau, como
fruto de Blumenau, como fruto dessa junção Faleiro, recém vindo da França,
com o Alexandre com aquela cabeça e aquela sensibilidade artística dele,
surgiu um espetáculo indefinível, e quebrou tudo. Ninguém mais foi igual
depois daquilo. Ninguém que eu falo... todo mundo que faz teatro no estado de
Santa Catarina. Fez uma carreira imensa, nem posso te dizer... eu acho que
isso foi em 1989, se não me engano...
Édio – Quando tu assistiu o que te atravessou, cenas que tu lembra até hoje, o
que te marcou...
Murphy – Ah, sim... Aquela proximidade do ator com o público, aquela
visceralidade dos atores, porque houve um trabalho de preparação imenso,
fantástico, com todo o apoio do Faleiro que estava por trás dos panos ali, e ele
foi muito determinante. E aquela linguagem nova que o teatro tem feito no
sentido de uma estética bonitinha... ele quebrou com isso, ele colocou atores e
eles eram como Grotowski propunha. O ator ser a luz, a sonoplastia, ser tudo,
o ator... o foco no ator, e como uma celebração o espetáculo, como um ritual,
não só como uma peça de teatro. Então a gente viveu ali, de alguma forma, o
que caras assim como... hoje eu sabendo o que eu sei de teatro, sei que se
concretizou muito do que o Antonin Artaud queria do teatro, o que o Grotowski
queria. Claro, levando sempre em consideração que era um grupo amador,
eram atores iniciantes, que não tinham toda aquela bagagem, mas foram,
enfim. E depois do Apocalypsis... Aí... bom, aí eu fiz as duas últimas
apresentações do Apocalypsis como ator, substituindo o Giba, em Rezende, no
Rio de Janeiro, e antes disso na Universidade Federal, em Florianópolis, de
onde nós fomos pra Rezende. E lá pegou fogo, cara. Nós apresentamos e nós
dividimos o público, a cidade, nós dividimos. Eu lembro que depois, eu
caminhando lá pelo Festival, pessoas nos agrediam verbalmente, sobre o que
nós tínhamos feito, e pessoas que nos idolatravam. Pela forma que a gente
propôs...
Édio – Tu lembra disso, qual a frase de agressão, qual a frase de elogio...
Murphy – Ah... que nós viemos de uma terra branca, de brancos, que nós
éramos nazistas, porque nós... O Apocalypsis ele quebrava com dogmas,
pegava dogmas ferrenhos e dava na cara de todo mundo, e foi uma coisa
muito... foram agressões muito severas, indo além até do que a gente
compreendia. O Alexandre não estava conosco em Rezende, foi só o grupo. E
na hora do debate ficou visível, a metade da platéia amou profundamente, e a
outra metade odiou, mas não um ódio assim, de querer confrontar mesmo...
trazer um espetáculo da capital, do Rio de Janeiro, que também trabalhava em
cima de Grotowski, pra tentar provar que o que nós tínhamos feito era algo que
não devia ser considerado... ou coisa assim... Por isso que eu digo que o
Apocalypsis era um divisor de águas.
Édio – E os elogios, você trouxe uma frase negativa, de crítica, “ah, vocês vem
de uma terra branca, são uns nazistas...”, e quando eles elogiavam a peça era
como?
Murphy – Ah, eu me sentia (???), puxa eu mexi, eu contribuí com alguém. As
pessoas... “nossa, eu estou até agora com coisas que mexeram comigo, coisas
que modificaram... muito abrigado por isso, obrigado por vocês terem vindo
mostrar isso aqui...”. E pessoas muito cabeça assim, pessoas de outros
grupos, de grupos bem mais conceituados que o nosso, a gente não tinha nem
expressão, mas...
Então nesse aspecto acho que o NuTE cumpriu a sua função de teatro
experimental, como era no início, e depois passou a ser Núcleo de Teatro
Escola, é isso, não é?
Édio – Perfeito, é isso.
Murphy – Aí trouxe o LUME, começou a haver ali uma preocupação não só
com o resultado artístico, a peça em si, com o resultado do espetáculo, mas
com o ator, como esse ator devia estar preparado pra esse tipo de teatro. E aí
começou a vir outras coisas. Eu fui pra Brasília e fiz lá uns cursos, trouxe pra
cá... a gente fazia muito isso. Eu digo a gente, esse núcleo, essa interação
entre o Pépe, o Giba, eu, o Carlinhos Crescêncio, o Dennis Radünz, o Álvaro, o
Claus, esse pessoal, principalmente do Apocalypsis, e o Alexandre com a base
por trás do Faleiro, e não se pode esquecer do Wilfried também. Então... Aí foi
uma quebra total. E com essa peça que a gente ganhou o JOTE-Titac, era uma
peça do Alexandre, Os de Branco e Os de Preto, que também era uma grande
loucura, na experimentação, era uma coisa que... E aquilo pra nós era... Eu
lembro muito bem quando esse texto chegou na minha mão, tanto pra
Margareth quanto pra mim, meu... A gente ficou tão deslumbrado com a idéia
de estarmos quebrando com aquilo, com a nossa idéia de teatro também,
porque era uma dramaturgia muito diferente de tudo o que a gente tinha visto.
E foi muito legal, e perceber como nós levantamos o público no primeiro JOTE-
Titac, porque era... Não sei se isso se manteve até o final, mas era um
representante de cada grupo que dava uma nota sobre o outro, era assim. E foi
um momento de unanimidade naquilo, sabe, em relação àquele espetáculo.
Mas é um trabalho que tem muito a ver porque o Alexandre, nos textos dele,
ele sempre imprimia a marca dele de encenador, na dramaturgia dele. Então
também tem um pouco da própria... enfim. E depois disso então veio o
Apocalypsis, do qual eu participei das últimas apresentações em Festivais.
Ainda bem que eu tive essa oportunidade...
Édio – Eu tenho corrido muito atrás de alguma filmagem do Apocalypsis, eu
gostaria muito de ver... Todo mundo que fala, fala com essa energia, dessa
visceralidade do espetáculo. Tu tem idéia de se alguém gravou, quem poderia
ter...
Murphy – Poxa... O Festival de Rezende...
Édio – Eles gravaram?
Murphy – Segundo Festival de Teatro de Rezende... FENACER, é Festival
Nacional de Artes Cênicas de Rezende. Eu nem sei se esse festival ainda
existe...
Édio – Vou procurar então...
Murphy – É... Através da Fundação Cultural lá de Rezende. Acho que é por
ali... Não sei se na Federal (???), até que houve um incidente na cena, em que
o Dennis Radünz estava trabalhando com a idéia de sangue, vinho e sangue, e
coisas assim, e ele próprio tinha sangue nele, ele tinha se cortado e tal, com
uma garrafa, eu não lembro bem... e aquilo impressionou muito o público...
Aliás... fala também com aquela moça, não me lembro o nome dela, é de
Floripa, eu digo moça, mas já é uma senhora, a Fossari, Carmen Fossari. Fala
com ela sobre o Apocalypsis, ela vai te dar um...
Édio – Ela que fez a crítica no Festival?
Murphy – Não, não. Ela teve uma reação... Porque tinha momentos em que os
atores vinham e era muito... e tinha uma cena em que o Dennis subia nas
costas, nos ombros de um ator, que eu não lembro se era o Álvaro, e ele fazia
A Besta, né... e em contraponto a essa Besta, que ia pra cima do público com
as unhas enormes e coisas assim, ela começou a gritar loucamente assim,
até... eu tô arrepiado, olha aqui... risos... foi uma coisa muito, muito, muito
intensa pra mim. Poxa o teatro provocando isso... e era uma pessoa que sabia
de teatro, ela já tinha anos de teatro, era professora da Federal inclusive, uma
figurona do teatro da época. Enfim...
Édio – Ela assistiu na UFSC...
Murphy – Não, ela assistiu aqui no Festival, no Terceiro Festival, numa Mostra
paralela em que o Apocalypsis estava. As datas eu não lembro...
Édio – Tranqüilo... É no Festival de Blumenau?
Murphy – De Blumenau. E foi naquele salão da frente do Hans Greyer, naquela
sala, fechado num canto, lá é que foi feito. Houve coisas muito assim... Tinha
também um momento em que eles lavavam os pés da platéia, a comoção que
aquilo dava... o momento em que a platéia era instigada a apedrejar a
Madalena... O Apocalypsis era todo em cima de figuras bíblicas, e havia Jesus
também, que era tratado como O Obscuro... O Venera trabalhava com coisas
extremamente... E isso tudo mexia demais com o público... e tudo mesmo... Do
que eu ouvia das pessoas que faziam teatro na época, e atualmente. Se isso já
existe entre nós... Porque naquela época era todo mundo (???) hoje já mudou
isso aí entre uns e outros, mas existe muita gente que faz teatro... Temos
quatro faculdade de teatro hoje no estado, Floripa duas, Federal e UDESC,
FURB e Joaçaba. Quer dizer, isso vai vibrando e vai trazendo... enfim. Hoje é
muito diferente daquela época.
E depois disso eu me inscrevi no elenco pra Variante Woyzek-Mauser,
que também foi outra coisa... foi a fusão de dois textos, do Woyzek, do...
Édio – Heiner Müller...
Murphy – Isso, e do Jorge Büchner com o Mauser. A dramaturgia não foi o
Alexandre sozinho que fez, o Giba e o Pépe também... Eu fazia o Bispo, o
Bispo de Cimento. E eu vim de uma família que é extremamente católica, e tem
um tio meu que (???), fundou a FURB, fundou a FEBE, e eu fazendo um Bispo
de cimento foi uma outra quebra... o NuTE ajudou a quebrar também outros
paradigmas, familiares... coisas, enfim... E aquilo pra mim foi uma
experiência.... eu me descobri como ator. Foi ali que eu comecei a perceber
que eu conseguia fazer teatro (???) como ator. E me ajudou muito porque eu
comecei a saber no momento de dirigir um ator, o que ele precisava de mim.
Isso foi através desse trabalho. E foi uma... E cenograficamente esse
espetáculo foi... Nós fomos aplaudidos em Cena Aberta, no CIC, isso só pra tu
ter uma... uma platéia repleta de especialistas em teatro. Nós fomos
aplaudidos... nós tivemos que parar o espetáculo pro público aplaudir o que
viu... Então essas coisas... E isso tudo me emociona muito, porque eu acho
que nesse aspecto o NuTE foi revolucionário, foi, não tem essa coisa... No
nosso (???)... Não dá pra gente querer ser revolucionário num âmbito que já tá
há séculos à nossa frente...
Édio – Se comparar com Zé Celso...
Murphy – Lógico... Eu estou falando da nossa realidade... E eu vou te dizer, se
eu estou há vinte e três anos fazendo teatro aqui, eu conheço o teatro daqui,
eu sei o que... Claro que... Mas eu sei a realidade, eu sei dessa evolução do
teatro, eu sei na pele o que é isso. Então... Eu posso dizer isso, o NuTE foi... E
dali começou a pipocar muita coisa, dali se começou a trazer pessoas pra
ensinar técnicas circenses, porque não era somente aqueles professores ali
dando aulas, eram intercâmbios que se fazia...
Édio – Isso pra produção do Woyzek-Mauser?
Murphy – Não, não. Eu estou falando de coisas que aconteceram. O Woyzek-
Mauser teve um elenco imenso, mesclando pessoas que já tinham mais
experiência, com bailarinos, com músicos, com atores novíssimos, recém
saídos do curso básico. E ali eu fui me experimentar como ator e foi uma
experiência demais... O Alexandre, se a gente foi ver, ele sempre teve uma
pegada muito firme, muito determinante, na encenação. Aquela peça... a
questão do trabalho com o ator, talvez havia ali algo que pudesse ser... Mas eu
tenho a impressão de que o Alexandre nunca descobriu isso porque ele nunca
se desafiou a ser um ator. Eu me desafiei fazendo aquele Bispo de pedra,
mesmo sabendo que tinha uma dificuldade imensa, achava que tinha uma
dificuldade imensa de decorar um texto, achava que aquilo não iria ser... e tal...
Mas fui me desafiando cada dia. Então, ali eu acho que teve uma lacuna no
trabalho do Alexandre, que é ele nunca ter se desafiado como ator, pra poder
saber aonde chegar em ti como ator, entendeu? Nada é perfeito. Talvez nesse
sentido... Agora em termos de encenação, de ruptura com padrões, total...
Édio – Como é que tu tá fazendo essa diferenciação entre o trabalho do ator e
a encenação?
Murphy – Eu vejo assim... Porque, claro, sem um ator capacitado e preparado
o espetáculo não existe, mas eu falo assim, a dramaturgia do Alexandre.
Quando eu falo de encenador eu falo não só do diretor, mas do pensador, do
filósofo teatral que compõe a cena. Entendeu? Junto também, não dá pra
esquecer, do Tadeu Bittencourt, do Douglas Zunino, de figuras paralelas que
não estavam necessariamente dentro do âmbito teatral, mas estavam
instigando de fora. O Tadeu sempre foi um cara... o Tadeu é um visionário
também, mesmo que eu ache que ele tomou uns rumos que não nos cabe...
Mas eu acho que de certa forma ele também foi determinante pra cabeça do
Alexandre. Artaud também foi muito determinante pra cabeça do Alexandre, ele
soube disso que ele propunha né, enfim... Então essas partes assim eu acho
que fizeram o NuTE acontecer, até que... começou um momento em que isso
começou a incomodar, eu acho.
Édio – Isso?
Murphy – Esse jeito de ser...
Édio – Isso da transgressão, da revolução...
Murphy – Da transgressão, da revolução, da maneira de ser... começou a
incomodar... Lógico, é uma opinião muito pessoal... Começou a incomodar as
figuras que comandavam o próprio Teatro Carlos Gomes, as instituições
culturais, de alguma forma... Porque não era nada muito seguro ter o Alexandre
ali, seguro no sentido de ser algo estável, controlável. E aí ele veio com essa
história do JOTE-Titac, que eu acho que o JOTE foi a grande escola mesmo.
Todo mundo que passou pelo JOTE-Titac aprendeu a fazer teatro. A Pita acho
que fala um pouco disso, de como ela se emocionou com muitas coisas que viu
e tal. Um jogo rápido, (???) de resultados. O processo até não dava tempo, de
ser um processo (???). Então, nesse sentido, o JOTE, os espetáculos do
NuTE, tudo era revolucionário pra nós, pro nosso âmbito era, não dá pra dizer
que não. Então eu penso dessa forma.
E depois... como é que foi... Depois começou a sair um, sair outro do NuTE, e
eu comecei a... Como é que foi... Eu saí do SESI, fui pra Fundação Cultural. E
aí por questões políticas o NuTE se voltou contra a prefeitura, contra a minha
pessoa, de alguma forma... Eu não entendi muito bem assim... a coisa assim...
não sei se pelo fato de eu ter assumido o convite da Elke Hering, que...
Édio – Convite para...
Murphy - Pra assumir a chefia da área de Artes Cênicas da Fundação. Eu
assumi em 1992. Vou te dizer assim, no dia em que apareceu a lista das
pessoas da equipe dela, no dia seguinte eu me vi diante de inimigos que eu
não conhecia. Não sei se... talvez nem pela minha pessoa, mas pelo que eu
representava naquele momento, de estar integrando a equipe da Elke Hering
que pra esse pessoal representava de alguma forma algo meio antagônico, não
sei te dizer. E aí começou, talvez assim, um afastamento meu né, lá do NuTE,
com aquele amor e aquela essência do NuTE no início, mas...
Édio – Falamos agora em 1993...
Murphy – 1993 eu acho, foi o ano em que aconteceu isso. Foi quando eles
montaram um espetáculo chamado Senhoras e Senhores...
Édio – Uhum. Aquele da Kombi.
Murphy – É, isso. E que na verdade, no fundo no fundo, claro, eu estava do
outro lado da trincheira, mesmo que eu não tivesse me colocado lá. Então eu
fui, eu fui porque eu tinha acabado de sair do SESI e precisava trabalhar, e eu
não sei nem se eu poderia, naquele momento, ter dito não à Elke, por
necessidade também. Nunca me vinculei partidariamente, nem ela, e sabia
também que ela vinha de uma classe social diferente da minha, que ela
representava outra coisa, mas eu fui pra lá pelo desafio também. Eu fui porque,
pela primeira vez, existia uma estrutura administrativa dentro da Fundação que
privilegiava alguém só para o teatro, alguém só para a dança, a música, pra
artes plásticas, tinha um profissional para cada área. E aí nesse aspecto a Elke
foi revolucionária na Fundação, porque nós dividíamos o espaço com o
trânsito, não sei se tu lembras disso, se é da tua época ou não, mas a
Fundação Cultural, toda aquela parte de baixo e dos fundos era usada pela
SETERB e pelos guardas, só aquela parte lá de cima era da Cultura. E ela
conseguiu com que aquilo tudo fosse da Cultura. E aí começou, enfim, aí
começou esses entraves e tal. E aí começou a ser negado pro pessoal de tetro
determinadas coisas, como uma Kombi pra ir não sei aonde, porque o pessoal
da Fundação não tinha Kombi, ela dependia da prefeitura, enfim. Esses
entraves aí e tal. E eu quando me vi estava dentro de uma (???), eu não sabia
nem como agir, enfim. Aí a Elke morreu, logo depois de um ano. E aí quando
outra gestão assumiu a Fundação eu perdi o tesão, “o que eu vou...”. Ele
queria que a gente fosse fazer coisas naquelas Ruas de Lazer, e tal. Enquanto
nós estávamos fazendo projetos como o Arte nos Bairros, que até pouco tempo
atrás existia, em que a gente ia lá no meio dos bairros, lá nas periferias e
encontrávamos grupos de teatro de dança, foi um movimento muito
interessante, mas enfim, esse é outro papo.
Mas, continuei trabalhando, fazendo trabalhos por JOTE-Titac. Teve aquela
ocasião desse... que tu comentou antes... aquela questão do Giba com o texto
que já estava montado há algum tempo antes. E caiu, justamente logo depois
disso que havia rolado com o Senhoras e Senhores, caiu esse texto na minha
mão, e eu me apaixono pelo texto! Risos... Pô! Baquianas! Cara, Muito Legal! E
eu nem sabia de quem era, tirava de um sorteio e ninguém sabia quem era o
autor. Me apaixonei pelo texto e então “vamos montar” né. Saí de lá
imediatamente pra começar a montar esse trabalho, e a Poli Vendrami veio
pedir pra gente trocar o texto, e eu nem sabia do que estava rolando lá, que
eles já estavam com o espetáculo já montado. E aí eu disse não, a gente foi
sorteado com um puta texto desse e vamos lá. E fizemos um trabalho muito
legal, muito bom. Eu não sei se tu chegaste a ver, era uma caixa de tule em
cima do palco, era teatro de arena, enfim, foi muito legal. E o Giba, de pirraça,
não sei como é que foi, apresentou a peça que eles já tinham ensaiado o mês
inteiro, apresentou e enfim... Fomos indicados também pra cenário e tal... E é
isso, eu participei de vários JOTEs... Falei demais?
Édio – Risos... E final do NuTE Murphy, tu acompanhou alguma coisa...
Murphy – Acompanhei... e por pouco não dei continuidade né, por pouco. Por
que... Bom, aí começou a decadência né, o NuTE entrou em decadência, e eu
acho que...
Édio – O que aconteceu que levou a essa decadência?
Murphy – Eu acho que desmotivação. Desmotivação do próprio Alexandre, não
sei, eu tô falando alto aqui... é minha impressão né. Mas eu tenho impressão
que foi desmotivação do próprio Alexandre, cansaço, porque no fim também
era... e também essa coisa assim... o NuTE começou em uma salinha lá no
final, no sótão, não sei aonde né, aí passou lá pelo labirinto... quer dizer, eu
acho que a própria administração do teatro começou a sacanear um pouco
com o NuTE ou com o próprio Alexandre. O próprio NuTE em si começou a
dispersar, porque saiu o Pépe, saiu o Giba, e me parece que o Giba até teve
uma ocasião que saiu de lá levando todos os alunos dele pra Fundação
Cultural... Sabe, esse tipo de coisas assim, enfim, não me cabe também julgar
ninguém, mas isso começou a desestruturar o NuTE, a escola em si. Vários
fatores... E acho que o Alexandre também perdeu um pouco o tesão da coisa e
entrou num automático. Começou a entrar um ou outro pra dar aula, eu acho
que o nível caiu muito, o nível dos professores, das atividades em si, enfim. Aí,
como é que foi... Um dia eu estava em casa e o Alexandre telefona, e me
convidou pra fazer uma parceria, porque o Teatro Carlos Gomes iria fazer a tal
da reforma, que fizeram, e estavam então em negociação com o Alexandre pra
ele reestruturar a escola dentro desse novo espaço. Aí o Alexandre
desmotivado, sei lá porque, ele pensou em dar um toque pra mim. Ele pediu se
eu não queria assumir com ele o NuTE, fazer um novo NuTE, uma nova
experiência, e tal...
Édio – Nisso tu já estavas com o Espaço Plural...
Murphy – Já estava como o Espaço Plural... Mas eu não lembro disso... Como
é que foi isso mesmo... Tem que ver quando é que começou a escola Carona...
no ano anterior...
Édio – Eu acho que é ali por 2002, 2003 mais ou menos...
Murphy – Eu acho que é. No ano anterior ao início da escola Carona surgiu o
Espaço Plural... e aí eu comecei a me envolver... eu estava fazendo o
mestrado, era na época entre 2001 e 2004, acho que foi isso... E nesse meio
tempo eu lembro muito que eu ia sempre com a Pita para as aulas em
Florianópolis, no mestrado, e ali a gente começou a trocar figurinhas de que
tinha essa oportunidade de eu estar assumindo... só que daí eu fui lá falar com
a diretoria do Teatro e eles queriam que eu ajudasse a reorganizar o NuTE, a
escola, mas que nós tínhamos que trazer junto o Carlos Jardim com o Vira-Lata
e formar um núcleo só... E aí eu envolvido com a administração do Espaço
Plural, com a administração do Projeto Embrião-casulo Teatral, que foram dois
anos em que a gente foi subsidiado pelo governo do estado numa pesquisa,
que foi muito bom, e ao mesmo tempo a dissertação de mestrado. Então, meus
cabelos brancos vieram todos naquele momento. E aí eu ai pegar mais essa
história do NuTE, sabendo que eu ia ter que ter uma responsabilidade imensa
ali, porque não era só uma coisa que eu estava dependendo daquilo, não,
eram outras estruturas dependendo da minha efetiva... mão na massa, vamos
dizer assim. E aí chegou um momento em que eu disse não, não posso, não
tenho como... E aí... o que aconteceu...
Édio – Foi um golpe fatal no Alexandre...
Murphy – Foi, acho que foi... Mas assim... e também o Alexandre
desmotivado... Eu acho que no fundo ele estava meio que já passando a coisa,
meio que olha, estou passando pra ti, porque acredito em ti... Mas acho que já
estava se desfazendo...
Édio – E o que acontece que quem assume é o Pépe? O Murphy não quer, eu
quero?
Murphy - O que aconteceu foi assim... Eu estava em negociação com a
bilheteria do teatro, o Paulo, que é arquiteto aqui da nossa equipe, eu e ele
fomos acompanhar o... Só um minuto...
Arquivo 02
Murphy - Pra acompanhar o arquiteto que estava fazendo o projeto da escola.
Fomos nós que acompanhamos, fomos nós que dissemos “olha, essas
questões técnicas... do piso precisa disso, precisa tirar aquela parede, precisa
mais espaço aqui, precisamos disso, precisamos de uma sala...”. Quer dizer,
isso tudo eu acompanhei junto com o Paulo que é arquiteto, e com o objetivo
de estar assumindo junto com o Alexandre e com o Jardim. Só que chegou um
momento em que não tinha mais... ou eu largava o Espaço Plural, Projeto
Embrião e meu mestrado e ia pra lá, pra assumir aquilo, ou vice-versa. E eu
disse não, não tem como, não vou ser assim... nesse aspecto, enfim. E aí foi
feita uma reunião com a diretoria, e aí de repente eu comentei isso com o
Ricardo Stodiek, com a Elizete (?), que não daria, não teria como eu fazer. Aí
“Ah, então vai lá e faz uma parceria com o Pépe, a gente já contatou o Pépe...
Édio – Ah, ele contatou o Pépe...
Murphy – É, o Ricardo e o... a diretoria. Diante da minha recusa. Porque eu
encontrei um dia a Elizete e ela estava muito... sabe quando tu tá desesperado
não conseguindo cumprir com o que já estava agendado há um mês... eu
pensei, cara, eu vou estragar tudo, eu vou queimar até o meu próprio trabalho
diante disso tudo, eu tenho que optar por alguma coisa. E aí o Ricardo depois
disse, “olha, já que tu tens já todo esse envolvimento aqui, tu te envolveu na
ajuda da recomposição do Teatro e tudo mais, faz uma parceria junto com o
grupo do Pépe pra vocês fazerem o festival acontecer, e tal...”. A conversa que
eu estava tendo com o Ricardo era muito boa, muito producente. Tanto é que o
próprio Ricardo foi determinante no patrocínio da CELESC pro Projeto
Embrião, enfim. Iríamos levar o Embrião depois, na seqüência, pra dentro do
Teatro, enfim, várias coisas. Até que um dia o Pépe ligou pra mim pra gente
sentar e conversar sobre essa parceria que a gente faria juntos. E eles fora lá,
a equipe do Pépe inteira, o Fábio, o James, o Roberto acho que foi também... e
fizemos essa reunião lá no Espaço Plural, mas o Alexandre não pode ir, enfim,
nem o Alexandre e nem o Carlos Jardim estavam lá. E eu sozinho, enfim. E aí
tinha um monte de propostas em torno dessa parceria, e aí eu disse, “olha, eu
acho que não, acho que na verdade vocês devem encaminhar uma proposta
de vocês por que vocês tem uma maneira de ser, muito distinta, enfim. E eu
vou propor aquilo que eu posso dentro do que eu faço hoje. Então foram duas
propostas. E acabou que o Ricardo me falou que eles estavam optando por
uma gestão mais profissional, porque era o auge também do Camaradas, da
peça Os Camaradas, com apresentações pelo Brasil, então, enfim. Acho que
aquilo impressionou muito o Ricardo e eles optaram pela Cia Carona. Foi o que
aconteceu. Mas assim, eu não me considero o algoz do NuTE, não, na verdade
eu tentei, nós ficamos algum tempo nessa negociação, o Alexandre e eu, e aí
no fim das contas eu achei que eu estava me sobrecarregando... bom, eu falei
né, foi impossível, era uma coisa ou outra.
Aí foi (???) pro Pépe, eu disse assim, “nesse momento eu estou vivendo um
momento muito (?) no Espaço Plural”. Era um momento muito legal, nós
tínhamos um movimento lá dentro, uma união de artistas muito interessante,
nós tínhamos a Helena Braun, a Lygia Roussenq Neves, a Roseli Hoffmann lá
com estética, enfim. E falei pra eles “olha, eu vou ficar com o Espaço nesse
momento. Eu vou focar aqui”. E no fundo eu sempre gostei muito dessa auto-
gestão, e lá nós estaríamos vinculados a uma diretoria, entendeu... Eu sempre
fui muito independente nesse sentido. E aí, logo depois, eu fui pra FURB como
professor da FURB, e aí sepultei mesmo essa possibilidade de fazer uma
parceria com o NuTE.
Édio – Uhum... Tu acha que se tivesse acontecido do Murphy estar lá com a
escola no lugar do Carona, teria... Se isso tivesse... se o acordo com o
Alexandre tivesse sido fechado... o nome estaria NuTE, ou mais provável que
estaria “Escola Espaço Plural”...
Murphy – Nós tínhamos falado, o Alexandre e eu, de fazer uma junção também
no nome. Eu não estou agora lembrando muito disso, mas apareceria “NuTE
Plural”, alguma coisa assim. Seria uma fusão também de nomes. Agora eu não
lembro pra te dizer qual seria o título, mas de forma alguma eu imaginei de
deixar o NuTE de lado, isso nunca, até porque o Alexandre estava lá, estava
junto...
Arquivo 03
Édio – A Cida que incentivou a procurar...
Murphy – É. Porque ele estava, me parece, parece que ele comentou alguma
coisa da não motivação dele, que estava querendo encontrar parceiros, e daí
ela comentou com ele, porque não o Murphy, que tem uma experiência com o
Espaço Plural e tal. Então ele tomou a decisão de me procurar, segundo o que
eu lembro do comentário feito. Enfim, se isso é real ou como foi acontecer eu
não sei. A Cida hoje está em Floripa. Você já fez contato com ela?
Édio – Não, não fiz contato com ela não. Uma curiosidade... Você disse que o
primeiro espetáculo que vocês montaram lá na Sulfabril chamava Fel. Tem
alguma ligação com o livro da Rosane Magali Martins, que a data é muito
próxima, do Fel do Cio. Nenhum conhecido trabalhou no outro...
Murphy – Conhecia, ela fazia parte do Veias Cativas, e aí nós fizemos o Fel e
ela estava de novo com a gente. E o Fel do Cio veio logo depois, e eu participei
também da direção com a (?). ela fez uma intervenção sobre a mulher, era na
verdade uma releitura teatral do próprio livro. E também foi muito louco, a gente
foi proibido de apresentar aqui, porque ela ficava nua, completamente, e era
pra apresentar no Mausoléu Dr. Blumenau, e aí soube-se, não sei como, quem
foi na coordenação da Fundação Cultural, e rejeitaram. Blumenau não viu.
Agora, pra outros lugares a gente foi, São Paulo, todo o estado. E até teve uma
situação em Itajaí, muito engraçada, porque a gente apresentou na Casa Didi
Brandão, e ela nua lá no meio, enfim. E aí depois do lançamento a gente foi,
todo o grupo, tomar vinho, e tal, e saímos pelas ruas, e fomos pra um pontal,
dentro do mar, e tinha um farol. A gente foi caminhando lá. E de repente tiros
caem pra cima da gente, e o cara, a gente não via... (???). “Saiam todo mundo
(???)”. Ele tinha visto a performance dela lá na Casa Didi Brandão, nos seguiu
e queria que nós deixássemos ela lá pra... sei lá... Sei que foi assim... Acabou
que todo mundo se abraçou e “se é pra morrer alguém, vai morrer todo
mundo...”...
Édio – Risos...
Murphy – E tinha o Edson, bailarino, que tá no Rio de Janeiro, o pessoal do
Apocalypsis, que apresentava uma performance, nós apresentávamos, tinha
um músico, o Marcelo... E o cara queria que aquela moça que ficou pelada lá
na apresentação ficasse lá e nós fôssemos embora... Mas claro que não né. E
a reação de todo mundo foi ir embora, e depois nós rimos um monte, e tal...
Risos... Foi engraçado...
Édio – Que legal... Mais alguma cena que tu lembra, experimentações NuTE,
algo triste ou engraçado, algo desse tipo que foi marcante, intenso...
Murphy – Olha, os bastidores do teatro sempre são muito ricos, mas eu não
lembro de coisas que possam ser... Eu lembro que o NuTE tinha uma sala, lá
num canto, bem no final, lá em cima onde era o (O) Caso, não sei se tu chegou
a conhecer onde era o (O) Caso, lá no fundo tinha uma salinha, e a galera
quando queria se reunir pra umas sessões proibidas iam pra lá, e tal...
Édio – Sessões proibidas?...
Murphy – É. Inclusive o Alexandre queria entrar na sala e ninguém deixou,
ficaram segurando a porta... coisas assim...
Édio – Quem tentou entrar?
Murphy – O Alexandre queria entrar, ele como diretor e a galera toda lá...
Édio – Mas a galera fumava um ou fazia o que?
Murphy – Ah não... sei lá, coisas proibidas...
Édio – Risos...
Murphy – Então... coisas assim... Mas o que lembro mais é das relações
mesmo. Teve um dia que o Alexandre brigou comigo, ele saiu de cima do palco
e disse “então tá cara, não quero mais saber...”. Aqueles estresses... Mas em
dois minutos ele já tava de volta, vamos fazer...
Édio – Durante o ensaio do...
Murphy – Do Woyzek-Mauser.
Édio – E o que ele te disse?
Murphy – Não... foi alguma coisa, eu não lembro muito... Eu sei que foi uma
coisa... ele pegou muito firme, e eu não estava legal naquele dia, e ele foi lá pra
fora... mas já voltou... É porque foi uma montagem muito difícil, tinha os
cenários, não sei se tu chegou a ver alguma imagem...
Édio – Eu vi algumas fotos...
Murphy – Era uma plataforma imensa que dividia o palco ao meio, com uma
escadaria... então era... E era muito, o ensaio era muito diferente. E isso
gerou... problemas eu não digo, mas gera aquela coisa de estresse mesmo,
vinte pessoas no grupo... Enfim. Essas coisas assim, essas histórias. São
Paulo também foi... E ali que o Marcos Suchara ficou, no lançamento do livro
da Rosane, como é que é... não lembro o nome. Foi em São Paulo, e o Marcos
fazia parte do início do Apocalypsis. Ele disse que era ali que queria fica, ele
tinha 18 anos. Voltou só pra pegar as roupas dele e foi pra São Paulo e tá até
hoje lá. O Marcos também seria um cara interessante com quem conversar.
Até porque ele tem contato, ele tá no meio de todos os figurões né, ele já
trabalhou com todos os grandes diretores, com Paulo Autran ele fazia aquele
personagem... o bobo da corte do (???).
Édio – Tu tens contato com ele ainda?
Murphy – Eu não, mas o Pépe deve ter, porque eles são muito... de família já,
amigos de família, eles começaram juntos no Vira-Lata, eles estudaram juntos.
E o Marcos Suchara já fez Globo, novelas e minisséries. Ele se consolidou na
profissão.
Édio – O que mais... Alguma coisa que você acha importante colocar, que a
gente ainda não falou...
Murphy – Não, acho que eu tentei lembrar cada momento desse... Eu acho que
o NuTE foi muito importante, dali surgiram muitas figuras que foram semeando
outros lugares, nesse sentido a importância do NuTE é muito legal. Mesmo que
eu tenha tido um... como é que é... eu não fui um integrante do NuTE desde
sempre né. Mas lá dentro, depois no SESI, na parceria que eu fazia até o
momento do Senhoras e Senhores, onde aconteceu aquilo tudo... Mas acho
que é isso...