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Conversas em torno da Terra - ICT Instituto de Ciências da Terra Todas as Ciências são estruturadas e evoluem essencialmente em torno de conceitos que, pela sua simplicidade, parecem óbvios. No entanto, frequentemente temos verifi- cado que existe alguma confusão sobre estes conceitos. Com efeito, por parecerem tão óbvios, muitas vezes acabam por ser explicados de uma forma mais superficial, o que lhes retira a clareza. Além disso, o que parecia óbvio, muitas vezes vai revelando uma complexidade não prevista; quantas vezes depois da explicação de um conceito tantas vezes repetido, uma dúvida de um aluno, ou até a utilização de uma frase ligeiramente diferente revela uma maior riqueza dos conceitos ligados às Ciências da Terra... Conversas em torno da Terra é uma coleção de textos sobre os processos naturais que ocorrem no nosso planeta; escritos ao sabor das circunstâncias pretendem abor- dar o que... é óbvio... Embora tenhamos já planeado uma série de temas das próximas conversas estamos disponíveis para, na medida do possível, abordar temas que nos venham a ser sugeridos. Apesar da sua simplicidade, estes pequenos textos talvez possam vir a ajudar a com- preender melhor a maravilhosa diversidade da Natureza, contribuindo para desfazer alguns mal-entendidos e até erros que por vezes surgem em alguns manuais esco- lares. Se pretender outro material didático, incluindo as imagens deste documento com maior resolução, visite a página do Centro Ciência Viva de Estremoz em: www.ccvestremoz.uevora.pt opção Escolas Materiais de Apoio Centro Ciência Viva de Estremoz setembro de 2014

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Todas as Ciências são estruturadas e evoluem essencialmente em torno de conceitos que, pela sua simplicidade, parecem óbvios. No entanto, frequentemente temos verifi-cado que existe alguma confusão sobre estes conceitos. Com efeito, por parecerem tão óbvios, muitas vezes acabam por ser explicados de uma forma mais superficial, o que lhes retira a clareza. Além disso, o que parecia óbvio, muitas vezes vai revelando uma complexidade não prevista; quantas vezes depois da explicação de um conceito tantas vezes repetido, uma dúvida de um aluno, ou até a utilização de uma frase ligeiramente diferente revela uma maior riqueza dos conceitos ligados às Ciências da Terra...

Conversas em torno da Terra é uma coleção de textos sobre os processos naturais que ocorrem no nosso planeta; escritos ao sabor das circunstâncias pretendem abor-dar o que... é óbvio... Embora tenhamos já planeado uma série de temas das próximas conversas estamos disponíveis para, na medida do possível, abordar temas que nos venham a ser sugeridos.Apesar da sua simplicidade, estes pequenos textos talvez possam vir a ajudar a com-preender melhor a maravilhosa diversidade da Natureza, contribuindo para desfazer alguns mal-entendidos e até erros que por vezes surgem em alguns manuais esco-lares.

Se pretender outro material didático, incluindo as imagens deste documento com maior resolução, visite a página do Centro Ciência Viva de Estremoz em:

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// ANTIFORMAS & SINFORMAS

As placas litosféricas, de uma forma aproximada, podem ser consideradas como enor-mes corpos tabulares subparalelos à superfície topográfica e que se deslocam umas em relação às outras. Numa Terra esférica estes movimentos incluem quase sempre uma componente de aproximação ou de afastamento. A maioria das dobras são geradas pelos movimentos de aproximação entre as placas e surgem devido ao encurtamento que estes movimentos provocam. Como as forças compressivas induzidas pela convergência de placas tendem a ser subhorizontais e as camadas quando não estão deformadas também o são, o seu dobramento origina dobras cujas zonas de charneira também são horizontais.

Figura 1- As dobras são o resultado da distorção de camadas originalmente horizontais:

A - Situação inicial;

B - Situação após a deformação.

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O princípio da horizontalidade inicial das camadas, que corresponde à primeira das três leis fundamentais da estratigrafia estabelecidas por Nicholas Steno (1638-1686), afirma que os sedimentos depositados em água originam camadas horizontais (ou quase hori-zontais), devido à influência que a gravidade tem no processo de sedimentação. Por isso, quando observamos camadas subhorizontais (fig. 1A) tendemos a concluir que não existem evidências de ter ocorrido deformação após a sedimentação. Pelo mesmo motivo, quando observamos uma dobra (fig. 1B) podemos afirmar que a actuação de forças levou à distorção da forma original das camadas. Neste pequeno texto não iremos abordar nem a génese dessas forças, nem das dobras (talvez num próximo texto...), mas apenas os principais processos de classificação das dobras.

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Podemos ter uma ideia do que se acabou de dizer com uma experiência muito simples... Se esticarmos um pedaço de tecido em cima de uma mesa horizontal, colocarmos as mãos nas suas extremidades e as aproximarmos, formam-se uma série de rugas (fig. 2); estas pregas do tecido não são mais do que dobras e, embora possa existir alguma ligeira ondulação das zonas de charneira, elas são predominantemente horizontais.

Pelo que se acabou de referir, é fácil de perceber que o dobramento de camadas sedi-mentares subhorizontais tende sempre a originar dobras cujos flancos convergem para cima ou para baixo (fig. 3); às primeiras chamamos antiformas e às segundas sinformas.

Figura 2 - Dobras em tecido provocadas pelo movimento horizontal de aproximação entre as suas extremidades:

A - Situação inicial;

B - Situação após aproximação das mãos o que provoca a deformação do tecido e a formação inevitável de rugas

que não são mais do que antiformas e sinformas, com charneiras subhorizontais.

Figura 3- Sequência de dobras mostrando alternância entre antiformas e sinformas

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No entanto, por vezes a deformação é mais complexa e podem gerar-se dobras que não podem ser classificadas nem como antiformas nem como sinformas, sendo por vezes designadas como dobras neutras. Uma abordagem completa das possíveis complexida-des que conduzem a estas situações ultrapassa os objectivos deste pequeno texto que apenas aborda os processos sistemáticos das dobras. Por isso, limitamo-nos a referir duas situações que conduzem a dobras que não podem ser classificadas em nenhum dos tipos abordados.As dobras associadas à movimentação ao longo de cavalgamentos tendem por vezes a apresentar planos axiais que, devido à deformação associada a essa movimentação rodam tendendo a paralelizar-se com o plano de cavalgamento (fig. 4). Nesta situação as dobras podem apresentar planos axiais subhorizontais e charneiras também subhorizon-tais. Se os planos axiais estão próximos da horizontal, isto significa que os flancos da dobra não convergem nem para cima nem para baixo, mas sim para o lado; deste modo, estas dobras não podem ser classificadas nem como antiformas nem como sinformas, sendo classificadas como dobras deitadas.

Figura 4- Possível relação geométrica entre dobras e cavalgamentos, coexistindo antiformas, sinformas e dobras deitadas

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Figura 5- Exemplo de um padrão de dobramento complexo resultado da sobreposição de duas fases de dobramento:A- Situação inicial;B- Situação após a deformação, coexistindo antiformas, sinformas e dobras com charneiras verticais.

Uma outra situação que gera também dobras que não seguem o esquema simplificado de classificação em antiformas e sinformas, resulta de uma sequência de camadas que já tinham sido deformadas anteriormente. Por exemplo, imaginemos uma região onde a atuação de uma primeira fase de deformação tenha originado dobras muito apertadas com flancos subverticais (fig. 5A). Se uma segunda fase de dobramento afectar esta região, embora a direção de encurtamento máximo possa continuar a ser subhorizontal, como as camadas já estavam verticais as dobras de segunda fase vão ter localmente planos axiais e charneiras verticais (fig. 5B); nestas últimas situações também aqui não faz sentido falar em antiformas e sinformas, pois os flancos não convergem nem para cima nem para baixo mas, sim para o lado.

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//ANTICLINAIS & SINCLINAIS

Repare-se que os conceitos de antiformas e sinformas dizem apenas respeito à forma das dobras, enquanto os termos anticlinais e sinclinais são conceitos que apenas consideram a idade relativa das camadas. Por isso se não se conhecer a idade relativa entre as cama-das de uma dobra não é possível classificar uma dobra como sendo anticlinal ou sinclinal.No entanto, por vezes a deformação de uma região é complexa o que se traduz por estru-turas mais complicadas do que as representadas na figura 6B.

Figura 6- Relação de idades entre as várias camadas de dobras afectando uma sequência de camadas não deforma-

das anteriormente:A- Situação inicial;B- Situação após o dobramento.

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A segunda lei de Steno, normalmente conhecida como princípio da sobreposição das camadas, afirma que numa sequência de camadas não deformadas as que estão por cima são mais recentes (fig. 6A). Quando esta sequência é dobrada, nos núcleos dos antiformas estão as camadas mais antigas e nos núcleos dos sinformas as mais recentes (fig. 6B). Esta relação de idades entre as camadas de uma dobra levou à proposta de uma sistemática que considera que as dobras que têm as camadas mais antigas no núcleo se chamam anticlinais e as que têm no núcleo as mais recentes se chamam sincli-nais (fig. 6B).

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Figura 7- Exemplo de um padrão de dobramento complexo resultado da sobreposição de duas fases de dobramento:A- Estruturas D1 resultantes da deformação de uma sequência horizontal de camadas;B- Redobramento das estruturas D1 por um antiforma D2.

Tal como já foi referido, neste curto texto não se pretende descrever e sistematizar a gene-ralidade das situações resultantes de histórias de deformação complexas; no entanto, é possível exemplificar algumas implicações estas podem ter na sistemática das dobras.

Mais uma vez comecemos por considerar o caso de uma dobra deitada associada a um cavalgamento subhorizontal (fig. 7A), que por corresponder à primeira deformação da região são consideradas como estruturas de primeira fase (D1). Apesar de esta dobra não poder ser classificada nem como antiforma nem como sinforma (porque fecha para o lado) ela pode ser facilmente classificada como anticlinal pois as camadas mais antigas afloram no seu núcleo e neste caso conhece-se a idade relativa das camadas. Aliás, é importante salientar que, todas as dobras são sempre anticlinais ou sinclinais (não havendo situações "neutras"), e o máximo que pode acontecer é que não seja possível classificá-las como tal por desconhecimento dessas idades.

Se a estrutura anterior for de novo encurtada, pode ocorrer a formação de novas dobras (neste caso um antiforma), que podemos considerar de segunda fase (D2), que redobram as estruturas geradas durante a primeira fase de deformação (fig. 7B). Apesar da comple-xidade da estrutura final, esta situação não coloca qualquer problema do ponto de vista da classificação das dobras D1 como anticlinais ou sinclinais, visto que qualquer que sejam as rotações posteriores que venham a afectar um anticlinal (ou sinclinal) ele continuará a ser sempre anticlinal (ou sinclinal).

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Figura 8- Relação entre processos de dobramento e de metamorfismo:A- Situação inicial;B- Situação final.

Uma outra situação que pode gerar alguma confusão na aplicação dos conceitos de anti-clinal e de sinclinal resulta da existência de processos de metamorfismo. Consideremos (fig. 8A) uma sequência de rochas sedimentares não deformadas onde a uma camada de calcários cristalinos depositados aos 489 milhões de anos (i.e. no Ordovícico inferior) se sobrepõe uma camada de arenito silicioso depositada aos 465 milhões de anos (i.e. no

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Ordovícico médio).

Contudo, os efeitos das deformações mais recentes podem alterar a classificação das dobras D1 no que diz respeito à sua forma; no caso representado a dobra neutra inicial passou a um sinforma. No entanto, no que diz respeito às dobras D2 a sua classificação é muito mais complexa. Com efeito, embora no caso representado a dobra D2 possa ser classificada sem problemas como sendo um antiforma (pois os flancos convergem para cima), quando se tenta classificá-la tendo em consideração a idade relativa das cama-das, verifica-se que a situação varia de um lado e de outro do plano axial da dobra D1; acima do plano axial as camadas tornam-se mais recentes quando nos afastamos do núcleo (e por isso seria um anticlinal D2), enquanto na parte inferior elas são mais recen-tes em direção ao núcleo (e por isso será um sinclinal D2). Verifica-se assim que, no caso de dobramentos sobrepostos classificar uma dobra como anticlinal ou sinclinal é de pouco interesse visto que vai depender da posição na estrutura D1 (fig. 7B).

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Algo semelhante acontece quando temos uma intrusão ígnea. Imaginemos (fig. 9A) uma sequência de rochas sedimentares com camadas do Cretácico inferior (i.e. depositadas entre os 145,5 e os 99,6 milhões de anos) sobrepostas a camadas do Jurássico superior (i.e. depositadas entre os 161,1 e os 145,5 milhões de anos). No Cretácico superior (i.e. entre os 99,6 e os 65,5 milhões de anos) ocorre a ascensão de um magma ácido que pro-voca o dobramento em antiforma da sequência sedimentar anterior, ao mesmo tempo que cristalização origina um batólito de granito no núcleo desta dobra (fig. 9B). Também neste caso, apesar da rocha mais recente (i.e. o granito) estar no núcleo do grande antiforma, esta dobra deve ser considerado um anticlinal, pois neste tipo de classificação o que inte-ressa é a idade relativa das camadas que constituem a sequência sedimentar e as rochas intrusivas que a intersectam não devem ser consideradas

Figura 9- Exemplo de um padrão de dobramento complexo resultado da sobreposição de duas fases de dobramento:A- Situação inicial;B- Situação final após a actuação dos processos de dobramento e metamorfismo.

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EM JEITO DE CONCLUSÃO

Deste modo, importa salientar que os conceitos de antiformas, sinformas, anticlinais e sin-clinais não são sinónimos e que, embora os antiformas sejam frequentemente anticlinais e os sinformas sinclinais, é possível todas as combinações (fig. 10).

Figura 10- Síntese das relações entre os principais tipos de dobras.

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Rui DiasDepartamento de Geociências,

Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de ÉvoraCentro Ciência Viva de Estremoz

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O princípio da continuidade lateral das camadas, que corresponde à última das três leis fundamentais da estratigrafia estabelecidas por Nicholas Steno (1638-1686), afirma que as camadas horizontais se prolongam lateralmente até as suas espessu-ras se anularem nos limites das bacias de sedimentação onde se depositaram. Por isso, sempre que observamos (fig. 1A) que as camadas se interrompem bruscamen-te contra estruturas planares que as deslocam (i.e. rejeitam), podemos considerar que estas estruturas correspondem a falhas que são posteriores ao processo de sedimentação. Estas falhas resultaram das rochas terem sido sujeitas a tensões superiores à sua resistência.

Evidentemente que as falhas não afetam apenas rochas sedimentares estratificadas e podem ser encontradas em todos os tipos de rochas (i.e. sedimentares, ígneas ou metamórficas).Um outro aspecto que importa referir desde já é que a utilização do termo falha restringe-se a estruturas essencialmente planares, isto é, estruturas em que a "es-pessura" é muito inferior à "extensão" do plano de falha. Verifica-se que em profundi-dade (i.e. em regiões onde a pressão litostática e a temperatura são maiores) os ma-teriais rochosos quando sujeitos a deformação não apresentam uma descontinuida-de brusca como acontece com as falhas referidas anteriormente.

2.1

Figura 1- Diferentes tipos de estruturas associadas à rutura de materiais rochosos deformados naturalmente:A- Sequência de falhas afetando camadas de arenitos do Triásico (Praia da Ponta Ruiva, região de Sagres);B- Zona de cisalhamento afetando um filão ácido intruído em granodiorito (Roses, Cabo Creus, NE de Espanha).

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Com efeito, a deformação deixa de se concentrar num "plano" passando a haver uma zona mais larga na qual os materiais sofrem estiramento a qual é denominada zona de cisalhamento (fig. 1B). Se pensarmos em estruturas importantes à escala crustal (e.g. a falha de Santo André nos Estados Unidos, ou a da Vilariça no Noroeste de Portugal) é de esperar que nas zonas mais superficiais quando o limite de rutura das rochas é ultrapassado se gerem falhas e que em profundidade a deformação seja acomodada por zonas de cisalhamento (fig. 2). As falhas estão associadas a um regime de deformação que consideramos frágil, enquanto as zonas de cisalhamento são típicas dos regimes dúcteis caracterizadas por um comportamento plástico acentuado dos materiais. Evidentemente que, como acontece em quase todos os processos naturais existe uma transição gradual entre estes dois tipos de regime, falando-se então em regimes semi-frágeis, semi-dúcteis ou comportamentos frágil-dúctil e dúctil-frágil.

Figura 2- Relação entre falhas e zonas de cisalhamento com a profundidade assinalando-se de um modo esquemá-tico as regiões de comportamento frágil, semi-frágil e dúctil

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Contudo é importante referir que são frequentes situações (fig. 3) em que a zona de-formada apresenta alguma espessura (e) mas em que a deformação que se observa é essencialmente frágil, caracterizando-se por fragmentos angulosos das litologias mais competentes. Nestas situações não se pode falar em zonas de cisalhamento onde a deformação é predominantemente dúctil, dizendo-se então que estamos em presença de uma caixa de falha.

A classificação de falhas mais utilizada tem em consideração essencialmente os aspetos relacionados com a sua cinemática, isto, é, com a movimentação relativa entre os blocos adjacentes ao plano de falha. Neste tipo de abordagem é possível considerar três tipos principais de falhas (fig. 4):

- Uma falha diz-se normal (fig. 4A) quando o bloco que assenta por cima do plano de falha (a que geralmente se chama teto) desceu em relação ao outro bloco (que é normalmente designado por muro);

Figura 3- Caixa de falha afetando uma bancada de calcários (Praia da Ponta Ruiva, região de Sagres).

// SISTEMÁTICA DAS FALHAS

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Figura 4- Principais tipos de falhas quanto à movimenta-ção relativa entre os blocos:A- Falha normal;B- Falha inversa;C- Desligamento esquerdo;D- Desligamento direito.

- Uma falha diz-se inversa (fig. 4B) quando o bloco situado por cima do plano de falha subiu em relação ao outro bloco;

- Uma falha diz-se um desligamento quando os dois blocos adjacentes se movem um em relação ao outro sem que haja subidas ou descidas de um em relação ao outro. Os desligamentos podem ser esquerdos (fig. 4C) ou direitos (fig. 4D), conso-ante a movimentação relativa entre os blocos; existem diversos modos de distinguir os esquerdos dos direitos, um deles imagina a existência de um eixo de rotação entre os blocos (a vermelho na imagem) bastando então observar o sentido de rotação desse eixo.

É importante referir que, como se pode verificar nas definições anteriores, se fala sempre de movimentos relativos entre blocos pois muito dificilmente se consegue saber se ambos se moveram ou se foi apenas um deles; no entanto, em termos desta sistemática o que está em causa são apenas os movimentos relativos entre os blocos.

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Figura 5 - Principais tipos de falhas com movimentação mista:A- Falha normal esquerda;B- Falha inversa esquerda;C- Falha normal direita;D- Falha inversa direita.

Importa também esclarecer que a designação normal não tem qualquer significado estatístico e por isso as falhas normais não são nem mais nem menos abundantes que os outros tipos de falhas; conforme veremos mais à frente, são mais abundantes em determinados ambientes tectónicos e menos noutro tipo de ambientes. O que acontece é que este tipo de falhas foi inicialmente definido numa região onde predo-minavam e por isso foram consideradas a situação "normal".Um caso particular de falhas inversas e que, pela sua importância convém salientar, são os chamados carreamentos e cavalgamentos; em ambos os casos trata-se de falhas com movimentação do tipo inverso, muito pouco inclinadas e que tiveram um transporte do bloco superior em relação ao bloco inferior de vários quilómetros. A distinção entre estes dois tipos de falhas é um pouco arbitrária, aplicando-se o termo cavalgamento se o deslocamento é inferior a 20 km e o termo carreamento para mo-vimentações superiores.É evidente que os casos representados na figura anterior são situações extremas e, na maior parte dos casos, as falhas apresentam diversas componentes de movimen-tação; na figura 5 apresentam-se as principais situações.

Apesar dos casos já referidos abranger um leque extremamente variado de situa-ções, existem outros que não podem ser classificadas de acordo com o esquema an-terior.

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Figura 6 - Alguns tipos de falhas associadas a orientações particulares dos planos:A- Falha vertical;B- Falha horizontal.

No caso do plano da falha ser vertical e haver apenas uma componente de movimen-tação vertical (fig. 6A), não faz sentido esta ser considerada como falha normal ou inversa pois nenhum dos blocos está situado sobre o plano de falha; nesta situação a falha é classificada apenas como vertical, sendo esta informação complementada com indicações sobre a movimentação dos blocos (e.g. falha vertical com subida do bloco NW em relação ao bloco SE).Por outro lado, se a falha é horizontal (fig. 6B) ela não pode ser considerada normal ou inversa, pois embora haja claramente um bloco sobre o plano de falha este não subiu ou desceu em relação ao outro; também aqui se descreve a falha como hori-zontal indicando para onde se deslocaram os blocos (e.g. falha horizontal com o bloco superior a deslocar-se para SW em relação ao inferior).

Existem falhas cuja inclinação diminui em profundidade chegando a horizontalizar--se (fig. 7); tais falhas são designadas de lístricas. Se na parte mais inclinada ela for, por exemplo normal, nos setores onde ela é horizontal a sua classificação tem que ser diferente, não fazendo sentido em termos cinemáticos ser classificada como um todo. No entanto, repare-se que mais importante do que classificar uma falha, é per-ceber a sua génese, sendo a sistemática apenas uma forma de facilitar a descrição do observado.

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Figura 7- Falha lístrica associada a um regime extensivo.

Figura 8 - Exemplo de dobramento de uma falha pré-existente:A- Falha inversa inicial;B- Dobramento em antiforma da estrutura anterior.

Um outro caso da complexidade de classificação de falhas resulta de uma falha que é posteriormente dobrada. Considere-se, por exemplo, uma falha inversa (fig. 8A) que posteriormente é dobrada em antiforma (fig. 8B); a interferência de deformações sobrepostas leva a que, a falha passe a possuir setores que, do ponto de vista cine-mático podem ser considerados como inversos adjacentes a outros que apresentam uma cinemática normal. Apesar da classificação desta falha ser difícil de enquadrar nos tipos considerados no início, mais uma vez é de realçar que as sistemáticas são apenas auxiliares na descrição da Natureza e que, o que é importante é a compreen-são da génese das estruturas observadas.

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A movimentação induzida pela falha leva a que dois pontos que estavam previamen-te adjacentes (A e A' na figura 9) tenham ficado separados; esta distância é designa-da por rejeito real da falha ou simplesmente rejeito da falha (Rr). Por vezes utilizam--se também as designações de rejeito horizontal (Rh) e de rejeito vertical (Rv) para as separações dos pontos A e A' medidas, respetivamente, na horizontal e na vertical.

A análise geométrica realizada até agora tratou as falhas como estruturas isoladas. No entanto, por motivos que ultrapassam este texto, um mesmo campo de tensões tende a gerar duas famílias de falhas do mesmo tipo (i.e. normais ou inversas), simé-tricas em relação a um plano vertical e que são designadas por falhas conjugadas. Quando consideradas no seu conjunto estas falhas tendem a definir blocos que se movimentam uns em relação aos outros. Tanto no caso dos ambientes convergentes como nos divergentes, as falhas conjugadas tendem a gerar (fig. 10) associações de blocos levantados (horsts) intercalados com blocos abatidos (grabens).

Figura 9 - Tipos de rejeito asso-ciados a uma falha.

// REJEITOS E REJEITOS

A adição vetorial do rejeito horizontal e do vertical dá o rejeito real.

// RELAÇÕES ENTRE FALHAS

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Figura 10 - Associações de blocos levantados e abatidos obtidos em ambientes divergentes (A) e convergentes (B).

Figura 11 - Desligamentos conjugados.

A diferença principal é que as associações associadas a situações extensivas (fig. 10A) levam a um aumento do comprimento medido perpendicularmente à direção das falhas, enquanto as situações compressivas (fig. 10B) originam a diminuição do mesmo comprimento.

No que diz respeito às falhas conjugadas do tipo desligamento, elas tendem a ocor-rer em duas famílias subverticais, uma com movimentação esquerda e a outra direita (fig. 11).

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Por motivos que não iremos aprofundar neste texto, verifica-se que os eixos princi-pais das tensões tectónicas tendem a ser perpendiculares ou paralelos às superfí-cies livres, isto é, a superfícies através das quais não é possível transmitir tensões entre os blocos que estão em contacto; ora a superfície da Terra é uma superfície livre. Deste modo os elipsoides de tensão (que representam o estado de tensão em cada ponto) possíveis de aqui ocorrerem são aqueles que apresentam uma das ten-sões principais verticais (teoria de Anderson). Isto leva a três orientações possíveis dos elipsoides de tensão e, por conseguinte, a três tipos principais de falhas conju-gadas (fig. 12):

- inversas se a tensão máxima (σ3) está vertical;- normais se a tensão mínima (σ1) está vertical;- desligamentos se a tensão intermédia (σ2) está vertical.

// FALHAS E TECTÓNICA DE PLACAS

Fig. 12- Orientação dos principais campos de tensão existentes à superfície da Terra de acordo com a teoria de Anderson e geometria dos sistemas de falhas conjugadas por eles originados.A- Ambientes convergentes;B- Ambientes divergentes;C- Ambientes conservativos.

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Repare-se que o conceito de superfície livre não se aplica apenas à superfície de contacto entre a Terra sólida e a atmosfera/hidrosfera. Com efeito, na litosfera exis-tem outras superfícies subhorizontais que, de um modo aproximado podem ser apro-ximadas a superfícies livres; é o que acontece com numerosos contactos litológicos ou até com descontinuidades principais como a de Mohorovicic. Por isto, mesmo quando se observam estruturas formadas a maior profundidade, os campos de tensão que as produziram continuam a tendencialmente apresentarem as tensões principais subhorizontais e verticais.De tudo o que já foi referido, em especial da teoria de Anderson, é possível concluir que:

- Nas fronteiras de placas onde existe convergência existe tendência acentuada gerarem-se falhas do tipo inverso, pois a direção de compressão máxima está hori-zontal;- Nas fronteiras de placas onde existe divergência, as falhas tendem a ser do tipo normal, pois a direção de compressão máxima está agora vertical;- Nas fronteiras de placas conservativas, como acontece na zona da falha de Santo André, tendem a predominar os desligamentos, pois é a tensão intermédia que está agora na vertical.

Uma situação particular que por vezes é confundida com desligamentos, é o que acontece com as chamadas falhas transformantes que segmentam as cristas oceâ-nicas (fig. 13). Em virtude da génese de crosta oceânica ao longo das cristas, verifica-se que a movimentação de desligamento está apenas restrita aos setores entre cristas (assinalados a amarelos), pois fora das cristas os fundos oceânicos de um e de outro lado das falhas deslocam-se no mesmo sentido; por isto, a sismicida-de concentra-se apenas nos troços entre as zonas de rifte onde os dois blocos se deslocam em sentido contrário.

Figura 13 - As transformantes são um caso muito particular de desligamento, pois ao longo da direção do plano de falha as movimentações relativas entre os blocos vão variando.

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Contudo, importa salientar que apesar dos diferentes tipos de falhas terem tendência em ocorrerem em ambientes tectónicos diferentes, verifica-se que muitas vezes surgem juntos devido a problemas de compatibilização da deformação; no entanto, mesmo nestas situações um dos tipos de falhas tende a dominar.

Importa referir que muitas vezes os conceitos anteriores são difíceis de aplicar em situações reais devido à falta de elementos. Com efeito, quando se observa as figu-ras 4 a 6, a movimentação entre os blocos não oferece dúvida apenas porque estão desenhados os contornos dos blocos; ora estes blocos não têm existência real e apenas são desenhados por facilidade de visualizar os conceitos. Conforme é fácil de deduzir, a classificação do tipo de falha implica sempre o conhecimento do movi-mento relativo entre os blocos adjacentes; é pois imprescindível possuir-se indicado-res desse movimento. Um dos indicadores mais comuns é a existência de estrias no plano de falha; com efeito, o atrito entre os blocos durante o seu deslocamento fica muitas vezes materializado por estrias induzidas pelas asperezas existentes nas pa-redes das falhas (fig. 14). A existência e o estudo destas estrias são extremamente importantes pois elas marcam a direção de movimento (e por vezes o sentido); nas figuras 4 a 6 as estrias estão assinaladas por traços curtos azuis.

// CLASSIFICAÇÃO; NEM SEMPRE POSSÍVEL

Figura 14 - Estrias num plano de falha em calcários, notando-se igualmente o aspeto brecheado da superfície igualmente induzi-

do pela movimentação relativa entre os blocos; por serem sub-horizontais indicam tratar-se de um desligamento.

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Figura 13 - As transformantes são um caso muito particular de desligamento, pois ao longo da direção do plano de falha as movimentações relativas entre os blocos vão variando.

Ao se estudarem falhas (quer no campo, quer na análise de mapas geológicos) um dos erros mais frequentes que se cometem é proceder-se à sua classificação sem que na realidade se saiba qual é a direção de movimento. Embora as situações de erro sejam inúmeras, alguns exemplos ajudam a ilustrar os perigos inerentes a uma classificação sem a existência de marcadores de movimento.Considere-se o caso de um monoclinal afectado por um desligamento esquerdo puro (i.e. apenas com movimentação segundo a horizontal; fig. 15); se esta estrutura aparecer cortada por uma arriba vertical veremos uma situação de falha normal apa-rente. Se não houver o cuidado de procurar indicadores de movimento (e.g. estrias, que terão que estar subhorizontais) a falha será classificada como normal o que está errado.

Considere-se agora a interpretação de um mapa que mostra um monoclinal cortado por uma falha com uma separação esquerda aparente (fig. 16). No entanto, como se trata de um monoclinal, esta separação pode ter resultado de vários tipos de movi-mento. Com efeito, por exemplo, quer um desligamento esquerdo puro quer uma falha inclinando para leste e normal podem explicar o padrão observado em planta; e estas são apenas algumas das soluções possíveis, pois se considerarmos falhas com movimentação mista são possíveis muitas outras soluções. Por isso, na ausên-cia de outros dados não é possível optar por uma solução.

Figura 15 - Movimentação normal aparente

induzida por um desligamento a afetar um

monoclinal.

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No entanto, existem algumas situações muito particulares em que é possível tirar algumas conclusões mesmo na ausência de indicadores cinemáticos. Considere-se um corte em que camadas horizontais aparecem cortadas por uma falha (fig. 17) e onde é possível observar uma separação de falha normal. Neste caso podemos con-cluir que teve que haver sem dúvida uma componente de falha normal, pois apenas movimentações de desligamento são incapazes de alterar as cotas de camadas ho-rizontais. Mas mesmo assim, não é possível garantir que não tenha havido também uma qualquer componente de desligamento associada.

Figura 16 - Algumas das soluções tridimensio-

nais possíveis para um mapa onde um mono-

clinal cortado por uma falha apresenta uma

separação esquerda aparente.

Fig. 17- Um desligamento a afetar camadas horizontais nunca poderá explicar por si só componentes de movi-mentação normal (ou inversa) identificadas em corte.

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A existência de dobras representa também normalmente uma situação favorável para a interpretação da cinemática das falhas. Consideremos a situação mais geral com os flancos a inclinar em sentidos opostos. Se tivermos um antiforma cortado por uma falha normal e erosão posterior (fig. 19), a representação desta situa-ção em mapa mostra que o padrão de afloramento mais extenso corres-ponde sempre ao bloco que teve uma movimentação relativa de subida.

Figura 18 - Apenas movimentações na vertical são incapazes de produzir separações horizontais num marcador vertical.

Do mesmo modo, a existência de superfícies de referência verticais são particular-mente úteis na interpretação de regiões afetadas por falhas (fig. 18).Com efeito, se apenas houver movimentações na vertical, as superfícies de referên-cia nunca serão rejeitadas; por isso, se num mapa for visível, por exemplo um filão vertical rejeitado, isto implica necessariamente que teve que haver uma componente de desligamento.

Figura 19 - Padrão de afloramento característico de um antiforma cortado por uma dobra com movimenta-ção segundo a vertical.

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Figura 20 - Padrão de afloramento característico de um sinforma cortado por uma dobra com movimentação segundo a vertical.

No caso de um sinforma cortado por uma falha normal e tendo sofrido erosão poste-rior, a situação é semelhante só que agora em mapa o padrão de afloramento mais largo corresponde ao bloco que teve uma movimentação relativa de descida (fig. 20).

Finalmente, se considerarmos uma dobra, qualquer que seja a sua forma (i.e. sinfor-ma ou antiforma), cortada por um desligamento puro, verifica-se que a largura do padrão de afloramento em mapa se mantém constante de um lado e doutro da falha (fig. 21).

Figura 21 - Os desligamentos puros a afetarem dobras, quando observados em mapa por si só nunca produzem variações de espessura do padrão de afloramento entre ambos os blocos.

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Os exemplos anteriores levam a perceber a enorme diversidade de situações possí-veis, o que torna extremamente difícil ilustrar todos os casos. No entanto, tendo em consideração o que foi exemplificado torna-se fácil a interpretação de novas situa-ções.

Rui DiasDepartamento de Geociências,

Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de ÉvoraCentro Ciência Viva de Estremoz

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Todas as Ciências são estruturadas e evoluem essencialmente em torno de conceitos que, pela sua simplicidade, parecem óbvios. No entanto, frequentemente temos verifi-cado que existe alguma confusão sobre estes conceitos. Com efeito, por parecerem tão óbvios, muitas vezes acabam por ser explicados de uma forma mais superficial, o que lhes retira a clareza. Além disso, o que parecia óbvio, muitas vezes vai revelando uma complexidade não prevista; quantas vezes depois da explicação de um conceito tantas vezes repetido, uma dúvida de um aluno, ou até a utilização de uma frase ligeiramente diferente revela uma maior riqueza dos conceitos ligados às Ciências da Terra...

Conversas em torno da Terra é uma coleção de textos sobre os processos naturais que ocorrem no nosso planeta; escritos ao sabor das circunstâncias pretendem abor-dar o que... é óbvio... Embora tenhamos já planeado uma série de temas das próximas conversas estamos disponíveis para, na medida do possível, abordar temas que nos venham a ser sugeridos.Apesar da sua simplicidade, estes pequenos textos talvez possam vir a ajudar a com-preender melhor a maravilhosa diversidade da Natureza, contribuindo para desfazer alguns mal-entendidos e até erros que por vezes surgem em alguns manuais esco-lares.

Se pretender outro material didático, incluindo as imagens deste documento com maior resolução, visite a página do Centro Ciência Viva de Estremoz em:

www.ccvestremoz.uevora.pt → opção Escolas → Materiais de Apoio

Centro Ciência Viva de Estremozoutubro de 2016

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3.7

Rui Dias e Noel MoreiraEscola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora

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