Contribuição da interpretação da radiografia simples de tórax na ...

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64 Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2008; 53(2):64-76 ARTIGO DE REVISÃO 1. Acadêmica do 6º Ano do Curso de Graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo 2. Médico Assistente do Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professor Convidado da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – De- partamento de Clínica Médica 3. Médico Pneumologista responsável pelos laudos de radiografia convencional de tórax da Irmandade da Santa Casa de Misericór- dia de São Paulo 4. Coordenadora Clínica do Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professor Assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – Departamento de Clínica Médica Trabalho Realizado: Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Endereço para correspondência: Pronto Socorro Central. Dr. Edson Braga de Souza Junior. Rua Dr. Cesário Mota Junior, 112 – Vila Buarque - São Paulo - SP - Fax: (11) 2176.7262 / e@mail: [email protected] Contribuição da interpretação da radiografia simples de tórax na sala de emergência Contribution of the chest radiograph interpretation in the emergency room Lygia de Souza Lima Lauand (1) , Edson Braga de Souza Junior (2) , Benedito Juarez Andrade (3) , Sandra Regina Schwarzwälder Sprovieri (4) Resumo Mesmo o grande avanço tecnológico obtido nas últimas dé- cadas com outros métodos de imagem, como tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética e ultra- sonografia, não foi capaz de diminuir a importância da ra- diografia simples de tórax no atendimento emergencial. Sua ampla disponibilidade, baixo custo e rapidez, podendo ser realizada “no leito” em paciente com instabilidade clínica, fazem da radiografia simples de tórax um dos primeiros exa- mes complementares a serem solicitados na maioria dos ca- sos atendidos no Serviço de Emergência. É enorme a quantidade de informação obtida com esse exa- me, principalmente quando avaliado por médico treinado, auxiliando, por vezes, de forma decisiva no diagnóstico e na determinação da conduta para o paciente crítico. Porém, o deslumbramento com os novos métodos de diagnóstico por imagem tem contribuído para a perda progressiva da habili- dade do médico na interpretação de tão valioso instrumen- to. Apenas a interpretação sistematizada e o treinamento constante permitem a utilização plena do método. O objeti- vo deste artigo é revisar conceitos importantes para a avali- ação da radiografia de tórax, partindo da anatomia, passan- do pela interpretação de padrões radiológicos e finalizando com a exposição de exemplos das principais afecções torácicas atendidas no Serviço de Emergência. Descritores: Radiografia torácica, Tórax, Diagnóstico, Di- agnóstico por imagem, Técnicas de diagnóstico e procedi- mentos, Serviços médicos de emergência Abstract In spite of the great development of other imaging diagnosis methods, such as tomography, nuclear magnetic resonance and ultrasound, we have seen in the last decades the chest radiograph still has great importance in the evaluation of patients at the emergency room. The chest radiograph is one of the first exams to be asked for the majority of cases at the emergency room, because it’s wide available, is cheap and is rapid to be done. Another advantage really helpful for critical patients is that the unstable patients don’t need to be transported to do the exam. It is really impressing how much information a well trained physician can get from this exam, influencing, sometimes decisively, the diagnosis and treatment of the patient at the emergency room. However, this scenario is changing, the physicians are fascinated by the new technology, loosing the skill necessary to interpret this exam completely, missing important information. Only the systematic evaluation and the continuous training allow the complete usage of the chest radiograph. The objective of this article is to review important concepts for the full interpretation of this valuable exam, beginning from the chest anatomy, passing through a systematic interpretation suggestion, and finishing with some examples of the princi- pal thoracic diagnosis seen at the emergency room. Key Words: Radiography, thoracic; Thorax; Diagnosis; Diagnosis imaging; Diagnosis technique and procedure; Emergency medical services Introdução Raios X são ondas eletromagnéticas de compri-

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Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo2008; 53(2):64-76

ARTIGO DE REVISÃO

1. Acadêmica do 6º Ano do Curso de Graduação em Medicina daFaculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo2. Médico Assistente do Serviço de Emergência da Irmandade daSanta Casa de Misericórdia de São Paulo. Professor Convidado daFaculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – De-partamento de Clínica Médica3. Médico Pneumologista responsável pelos laudos de radiografiaconvencional de tórax da Irmandade da Santa Casa de Misericór-dia de São Paulo4. Coordenadora Clínica do Serviço de Emergência da Irmandadeda Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professor Assistenteda Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo –Departamento de Clínica MédicaTrabalho Realizado: Serviço de Emergência da Irmandade daSanta Casa de Misericórdia de São PauloEndereço para correspondência: Pronto Socorro Central. Dr.Edson Braga de Souza Junior. Rua Dr. Cesário Mota Junior, 112 –Vila Buarque - São Paulo - SP - Fax: (11) 2176.7262 / e@mail:[email protected]

Contribuição da interpretação da radiografia simples de tóraxna sala de emergência

Contribution of the chest radiograph interpretation in the emergency room

Lygia de Souza Lima Lauand(1), Edson Braga de Souza Junior(2), Benedito Juarez Andrade(3),Sandra Regina Schwarzwälder Sprovieri(4)

Resumo

Mesmo o grande avanço tecnológico obtido nas últimas dé-cadas com outros métodos de imagem, como tomografiacomputadorizada, ressonância nuclear magnética e ultra-sonografia, não foi capaz de diminuir a importância da ra-diografia simples de tórax no atendimento emergencial. Suaampla disponibilidade, baixo custo e rapidez, podendo serrealizada “no leito” em paciente com instabilidade clínica,fazem da radiografia simples de tórax um dos primeiros exa-mes complementares a serem solicitados na maioria dos ca-sos atendidos no Serviço de Emergência.É enorme a quantidade de informação obtida com esse exa-me, principalmente quando avaliado por médico treinado,auxiliando, por vezes, de forma decisiva no diagnóstico e nadeterminação da conduta para o paciente crítico. Porém, odeslumbramento com os novos métodos de diagnóstico porimagem tem contribuído para a perda progressiva da habili-dade do médico na interpretação de tão valioso instrumen-to. Apenas a interpretação sistematizada e o treinamentoconstante permitem a utilização plena do método. O objeti-vo deste artigo é revisar conceitos importantes para a avali-ação da radiografia de tórax, partindo da anatomia, passan-

do pela interpretação de padrões radiológicos e finalizandocom a exposição de exemplos das principais afecções torácicasatendidas no Serviço de Emergência.

Descritores: Radiografia torácica, Tórax, Diagnóstico, Di-agnóstico por imagem, Técnicas de diagnóstico e procedi-mentos, Serviços médicos de emergência

Abstract

In spite of the great development of other imaging diagnosismethods, such as tomography, nuclear magnetic resonanceand ultrasound, we have seen in the last decades the chestradiograph still has great importance in the evaluation ofpatients at the emergency room.The chest radiograph is one of the first exams to be asked forthe majority of cases at the emergency room, because it’swide available, is cheap and is rapid to be done. Anotheradvantage really helpful for critical patients is that theunstable patients don’t need to be transported to do the exam.It is really impressing how much information a well trainedphysician can get from this exam, influencing, sometimesdecisively, the diagnosis and treatment of the patient at theemergency room. However, this scenario is changing, thephysicians are fascinated by the new technology, loosingthe skill necessary to interpret this exam completely, missingimportant information.Only the systematic evaluation and the continuous trainingallow the complete usage of the chest radiograph. The objectiveof this article is to review important concepts for the fullinterpretation of this valuable exam, beginning from the chestanatomy, passing through a systematic interpretationsuggestion, and finishing with some examples of the princi-pal thoracic diagnosis seen at the emergency room.

Key Words: Radiography, thoracic; Thorax; Diagnosis;Diagnosis imaging; Diagnosis technique and procedure;Emergency medical services

Introdução

Raios X são ondas eletromagnéticas de compri-

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mento muito curto, cerca de um milhão de vezes me-nor do que um milímetro, aproximadamente a distân-cia que separa um átomo de outro num sólido1. Atin-gido por um feixe de raios X, um corpo opaco trans-mite e absorve a radiação de maneira diversa, de acor-do com as características dos materiais que o formam.

Atrás do objeto examinado coloca-se a tela sobrea qual será feito o registro da imagem, podendo sertanto um filme fotográfico sensível à radiação X comouma placa de material que, atingido pelos raios X,emita luz. Se uma parte do corpo em exame for maisespessa ou mais absorvente para os raios X, estes vi-rão a faltar nessa região, produzindo na tela uma som-bra que assinala essa heterogeneidade. Os ossos, porexemplo, contêm cálcio e são, portanto, muito maisopacos à radiação que as partes musculares.

Os “Raios-X” foram descobertos em 1895 pelo fí-sico alemão Wilhelm Conrad Roentgen, reitor da Uni-versidade Wurzburg na Alemanha, ao realizar umexperimento com um tubo de raios catódicos criadosanos antes pelo inglês William Crookes1. Este era umtubo de vidro dentro do qual um condutor metálicoaquecido emitia elétrons, então chamados raioscatódicos, em direção a outro condutor. Roentgen li-gou o tubo de raios catódicos e percebeu que uma placade platino cianeto de bário, um material fluorescente,colocada próximo ao tubo brilhou, voltando ao seuestado inicial ao desligar o aparelho1. O físico perce-bera que “algo” saía do tubo em direção ao platinocianeto, e continuou a investigar.

Em 22 de dezembro de 1895, Roentgen fez a radi-ação atravessar por 15 minutos a mão de sua mulherBertha, atingindo, do outro lado, uma chapa fotográ-fica. Revelada a chapa, viam-se nela as sombras dosossos de Bertha na primeira radiografia da historia1.Roentgen decidiu então chamar os raios de “X”, sím-bolo usado em ciência para designar o desconhecido.

As radiografias de tórax foram uma das primei-ras utilizações clínicas desta técnica e continua, aindahoje, a ser um dos exames mais solicitados. O métodoé capaz de fornecer grande quantidade de informa-ções anatômicas e fisiológicas, porém sua interpreta-ção objetiva muitas vezes é difícil, uma vez que varia-ções da técnica, idade e status fisiológico do pacientepodem influenciar sua avaliação.

O objetivo deste trabalho é rever conceitos funda-mentais para a interpretação da radiografia simplesde tórax, além da apresentação de algumas situaçõesno atendimento de emergência onde o exame podefornecer informações de grande valia.

Anatomia do Tórax

Para uma interpretação adequada da radiografiade tórax é necessário que sejam consideradas todas as

suas estruturas, desde a pele até as mais profundas.Limites: A caixa torácica é delimitada superior-

mente pela abertura superior do tórax, constituídoposteriormente pela primeira vértebra torácica, ante-riormente pela borda superior do esterno e lateralmen-te pelas primeiras costelas e suas cartilagens. Inferior-mente o tórax é delimitado por sua abertura inferior,fechada pelo diafragma e constituída por T12, 12ª cos-telas, seis cartilagens costais inferiores e pela articula-ção xifoesternal2.

Compartimentos torácicos: A cavidade torácicapode ser dividida em um compartimento mediano,chamado mediastino, e dois laterais, constituídos pe-las pleuras e pulmões. O mediastino, por sua vez, édividido em superior e inferior, sendo o último sub-dividido em anterior, médio e posterior3. O mediastinosuperior é limitado anteriormente pelo manúbrioesternal e posteriormente pelas quatro primeiras vér-tebras torácicas, sendo composto pelo timo, grandesveias, grandes artérias, traquéia, esôfago, ductotorácico e troncos simpáticos. O mediastino inferior élimitado anteriormente pelo corpo do esterno e pos-teriormente pelas oito vértebras torácicas inferiores.A sua porção anterior contém o timo, na parte médiaestá o coração dentro do pericárdio, com os nervosfrênicos de cada lado e o início dos grandes vasos, ena parte posterior encontram-se o esôfago, ductotorácico, parte descendente da aorta, veias ázigo ehemiázigo, veia cava inferior, troncos simpáticos, ner-vos intercostais e nervos esplâncnicos maior e menor3.

Cissuras e Lobos Pulmonares: O pulmão direitopossui duas cissuras (oblíqua e horizontal) que o di-videm em lobos superior, médio e inferior. O pulmãoesquerdo possui somente uma cissura (oblíqua) que odivide em lobos superior e inferior4.

Segmentos pulmonares: Por sua vez, cada lobopulmonar é subdividido em segmentos. É necessário

Figura 1. Radiografia de tórax normal em AP apontando asprincipais estruturas anatômicas identificáveis. VC – VeiaCava Superior; AE – Átrio Esquerdo.

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conhecer a anatomia segmentar do pulmão para iden-tificar os orifícios bronquiais e extrair corpos estranhospela broncoscopia, encontrar a lesão na mesa opera-tória, prescrever a drenagem postural adequada paraos abscessos pulmonares e para auxílio na investiga-ção diagnóstica.

O lobo superior do pulmão direito contém o seg-mento apical, posterior e anterior, o lobo médio é sub-dividido em segmento lateral e medial e o lobo inferi-or D em segmento apical, basal anterior, basal poste-rior, basal lateral e basal medial4. Já o lobo superiordo pulmão esquerdo é subdividido em segmentosapico-posterior, anterior, lingular superior e lingularinferior. O lobo inferior E, por sua vez, é subdivididoem segmentos apical, basal anterior, basal lateral, basalposterior e basal medial4. Cada segmento possui umbrônquio segmentar, uma artéria segmentar, vasos lin-fáticos e nervos autonômicos.

Anatomia cardiovascular do tórax: Na radiogra-fia em PA o diâmetro cardíaco é normalmente menorque a metade do diâmetro transverso do tórax (índicecardiotorácico)3,5. O coração recobre a coluna torácica,grosseiramente ¾ para esquerda e ¼ para a direita. Aaorta ascendente não é visualizada nem no PA nemno perfil, pois é encoberta pelos átrios e artéria pul-monar, já sua porção descendente pode seridentificada do arco aórtico até o diafragma. Abaixodo arco aórtico o hilo pulmonar pode ser visto ligeira-mente mais alto à esquerda3,5. Na radiografia simplesde tórax não é possível definir as câmaras cardíacasindividualmente, porém é imperativo saber tanto a sualocalização normal quanto determinar se o tamanho ea disposição de cada uma delas estão na faixa de nor-malidade.

A face esternocostal do coração é formada peloátrio e ventrículo direitos. Na incidência póstero-an-terior (PA) o contorno direito do mediastino é deter-minado de forma ascendente pelo átrio direito, veiacava superior e aorta ascendente3,5. A margem esquer-da, por sua vez, é determinada pelo ventrículo esquer-do (ápice cardíaco) e pela aurícula esquerda logo aci-ma, seguida pelo hilo pulmonar e o botão aórtico. Emcondições normais existe uma concavidade logo abai-xo do hilo pulmonar esquerdo, sendo identificável oátrio esquerdo apenas nos casos em que haja aumen-to de suas dimensões3,5. A face diafragmática é forma-da pelos ventrículos direito e esquerdo e face inferiordo átrio direito.

No perfil, o átrio esquerdo constitui a porção su-perior do contorno posterior do coração, porém nãopode ser separado do ventrículo esquerdo, que com-pleta esta margem inferiormente. Já a margem anteri-or do coração no perfil é determinada pelo ventrículodireito e átrio direito, seguidos da veia cava superi-or3,5.

Quanto à circulação pulmonar normal, em PA,devido à ação da gravidade sobre os vasos pulmona-res que são de baixa pressão, a uma mesma distânciado hilo, os vasos da base são mais largos do que os doápice5.

Essas são as estruturas que compõem o tórax epodem apresentar-se lesadas. Infelizmente a radiogra-fia torácica não é capaz de evidenciar lesões em todosesses órgãos e o médico do serviço de emergência deveem alguns casos lançar mão de outros métodos deimagem, como a Tomografia Computadorizada, Res-sonância Nuclear Magnética e o Ultra-som. A radio-grafia convencional demonstra apenas a diferença dedensidade radiológica das estruturas normais ou le-sões patológicas. Discutiremos a seguir a melhor ma-neira de utilizar a radiografia torácica no auxílio diag-nóstico e suas indicações e interpretações nos princi-pais casos da sala de emergência.

Figura 2. Radiografia de tórax normal em perfil apontando asprincipais estruturas anatômicas identificáveis. AE – átrioesquerdo; AO – arco aórtico; PU – artéria pulmonar; VD –Ventrículo direito; VE – ventrículo esquerdo.

Figura 3. Radiografia de tórax em perfil mostrando ascissuras e as divisões dos lobos pulmonares.

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Interpretação

O primeiro passo é escolher o tipo de incidênciaradiográfica apropriada. As incidências mais solicita-das na sala de emergência são: frontal (PA ou AP) eperfil. Os termos AP (antero-posterior) e PA (póstero-anterior) referem-se à direção da penetração dos rai-os, de sua fonte ao filme.1. Ao solicitar PA, o paciente é colocado em posição

ortostática e em máxima inspiração. Os raios X sãodirigidos horizontalmente e atravessam o pacien-te de trás para frente6. A incidência AP é geralmen-te obtida com uma unidade de raios X portátil, empacientes acamados ou em crianças, sendo reali-zada com a colocação do filme no dorso do paci-ente, e os feixes de raios X entram por via anteri-or. A incidência PA é preferível e diferencia-se daAP por ser mais nítida, apresentar menormagnificação das estruturas, principalmente docoração, e por ser feita em inspiração máxima6,7. Amagnificação das imagens ocorre, pois os raios Xassumem rumos divergentes. Isso acontece de for-ma mais evidente quanto mais próxima estiver aestruturada da fonte. Além disso,quando a radio-grafia é realizada em expiração, a trama pulmo-nar torna-se mais densa, o pulmão aparece maisclaro e o coração fica elevado e parece maior, po-dendo levar a interpretações equivocadas6,7. A ra-diografia em expiração está indicada apenas nasuspeita de aprisionamento aéreo focal de umenfisema assimétrico ou de obstrução brônquicae pneumotórax de pequeno volume.

2. A incidência em perfil deve ser sempre solicitadae realizada juntamente com a PA. Por convenção,a incidência perfil é obtida com o lado esquerdodo paciente contra o chassi e os raios X atraves-sam o paciente da direita para a esquerda.

3. O decúbito lateral (esquerdo ou direito) com rai-os horizontais é geralmente solicitado na suspei-ta de líquido na cavidade pleural, devido à mu-dança do nível hidroaéreo com a alteração do

decúbito. O paciente é colocado em decúbito late-ral sobre o lado a ser examinado e o feixe entra emsentido horizontal.A incidência apicolordótica é utilizada para me-

lhor avaliação dos ápices pulmonares, lobo médio elíngula, pois retira as clavículas dos campos pulmo-nares. O paciente assume uma posição emhiperlordose, com o feixe de raios X entrando anteri-ormente e encontrando o filme que está em contatocom o dorso.

4. As incidências oblíquas podem ser realizadas paramelhor localização ou caracterização de lesõesparcialmente encobertas por outras estruturas.

O segundo passo é avaliar a qualidade técnica doexame, uma vez que variações na intensidade e no tem-po de exposição aos raios X, além de mudanças noposicionamento correto do paciente, podem levar a fal-sas conclusões. São três os parâmetros técnicos a seremobservados: 1. Se a dose de radiação aplicada foi ade-quada; 2. Se o paciente estava em inspiração máxima;3. Se o paciente estava bem posicionado, centrado.

Figura 5. A imagem A mostra radiografia de tórax em PAcom hidropneumotórax à direita. A imagem B mostra radio-grafia de tórax em decúbito lateral direito com raios horizon-tais do mesmo paciente de A, evidenciando a mudança donível líquido.

Figura 6. Radiografia de tórax em ápico-lordótica mostrandomelhor visualização dos ápices pulmonares.

Figura 7. Radiografia de tórax em oblíqua.

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1. Em uma boa radiografia, os pulmões não devemestar completamente escurecidos. Deve-sevisualizar a sombra da coluna vertebral apenas emsuas porções superiores (até dois corpos vertebraisabaixo da projeção da clavícula) e os vasos do hilopulmonar devem ser facilmente identificáveis6.

2. O ideal é que o exame seja realizado em apnéiainspiratória máxima. Quando o exame é feito nes-ta condição, podem ser visualizadas de 9 a 11 cos-telas posteriores projetando-se sobre os campospulmonares6.

3. Para que o exame esteja bem centrado, as bordasmediais das clavículas devem estar eqüidistantesdo centro da coluna (processos espinhosos). Alémdisso, as escápulas não devem se sobrepor às ima-gens pulmonares.O terceiro passo - Não existe uma forma única

para a interpretação da radiografia simples de tórax,porém uma sistematização da avaliação é sempre re-comendada, com o intuito de evitar o esquecimentode algum item a ser observado.

É sugestão dos autores começar pela parte supe-rior do abdômen, seguir para a caixa torácica (partesmoles e ossos), depois para as estruturas do medias-tino, pulmão, pleura e seios costofrênicos e diafrag-ma6. Cada pulmão deve ser observado individualmen-te e, a seguir, comparado entre si em busca deassimetrias.

A interpretação da radiografia simples de tórax érealizada com a identificação das estruturas radiográ-ficas do tórax através das diferentes densidades deacordo com o tecido irradiado. A apresentação da ima-gem radiográfica de acordo com o tipo de tecido irra-diado é descrita na tabela 1.

Os contornos do mediastino e do diafragma tor-nam-se radiologicamente visíveis devido a seu con-traste com o pulmão aerado contíguo.

O coração, a aorta e o sangue apresentam densi-dade intermediária, da mesma forma que o pulmãodoente, sem ar. Assim, duas estruturas distintas, mascom a mesma densidade, estando em contato diretonão podem ser diferenciadas.

A borda cardíaca ficará mal definida se houvercontato anatômico do coração com a condensação deuma pneumonia, com tumores mediastinais ou der-rame pleural. Esse é o chamado Sinal da Silhueta,

caracterizado pelo apagamento do contorno de umaestrutura que deixou de estar em contato com outrade densidade diferente8. As bordas direita e esquerdado coração e a aorta ascendente são anteriores, enquan-to que o botão aórtico e aorta descendente são poste-riores.

Assim, o borramento da borda direita do coraçãosignifica que há comprometimento do lobo médio di-reito (LMD), que está em contato anatômico com estaestrutura8. Isso acontece da mesma forma com o aco-metimento do segmento anterior do lobo superior di-reito (LSD), que também está próximo da borda car-díaca direita, além de se relacionar com a aorta ascen-dente. Quando há uma condensação na mesma loca-lização, mas sem perda da definição do contorno car-díaco, a lesão é de lobo inferior que tem localizaçãoposterior. Do lado contra lateral, a língula tem posi-ção muito semelhante ao lobo médio direito, manten-do contato direto com a maior parte da borda esquer-da do coração. A porção superior da borda cardíacaesquerda está em contato com o segmento anterior dolobo superior esquerdo (LSE), enquanto o segmentoapical posterior do LSE está em contato com o botãoaórtico (Figura 8).

O mesmo raciocínio pode ser utilizado nas ima-gens em perfil, onde é possível a identificação do dia-fragma direito em sua totalidade e apenas a metadeposterior do diafragma esquerdo. A parte anterior dodiafragma esquerdo está naturalmente apagada de-vido ao contato anatômico com o coração (a apresen-tação normal dos diafragmas em perfil é mostrada na

Tabela 1Apresentação da imagem de acordo com o tecido irradiado

Tecido irradiado Densidade

Ar HipoatenuanteGordura Atenuação intermediária (menor que a água)Tecidos não gordurosos e fluidos corporais como o sangue Atenuação intermediária (maior que a água)Ossos e corpos metálicos Hiperatenuante

Figura 8. A figura A mostra uma pneumonia de lobo médiodireito, com borramento da margem cardíaca (Sinal da Silhu-eta), e a figura B uma pneumonia de lobo inferior esquerdo,com a manutenção da nitidez do contorno cardíaco.

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figura 9). Vasos pulmonares ou coxins gordurosos dopericárdio podem apagar uma pequena parte do con-torno cardíaco e pacientes normais podem apresentaro sinal da silhueta8.

Sinal do Broncograma aéreo - A árvore brônquicaintrapulmonar não é visualizada habitualmente emuma radiografia simples, por apresentar paredes fi-nas e estar preenchida por ar e circundada pelo aralveolar. É necessário que o brônquio esteja cercadopor estruturas de densidade diferente para servisualizado. Quando isso ocorre, diz-se broncogramaaéreo, como, por exemplo, nas pneumonias, edemapulmonar e infarto pulmonar7. A visualização dessesinal demonstra lesão alveolar com a substituição doar por outro material de densidade diferente (edema,pus, sangue, etc.). O broncograma aéreo não estarápresente em situações onde o brônquio está repletode secreção, destruído ou congenitamente ausente (Fi-gura 10)7.

Colapso Lobar/Segmentar – Ocorre quando háredução de volume do lobo ou segmento pulmonar,

decorrente de obstrução, compressão ou contra-ção7,9,23,24,25. O deslocamento das cissuras em direção àárea colapsada, o aparecimento de brônquios e estru-turas vasculares aglomeradas e a mudança de posi-ção de uma “estrutura de referência” (um nódulo,granuloma, etc.) são sinais diretos de colapso. O des-locamento do hilo pulmonar (o esquerdo é natural-mente mais alto que o direito, portanto a alteração deseu nível pode indicar colapso pulmonar), a elevaçãodo diafragma do lado lesado e o deslocamento de es-truturas mediastinais para o lado da lesão são sinaisindiretos do colapso7,9. Carcinoma broncogênico, cor-pos estranhos, doenças inflamatórias, compressão(aneurisma, linfonodos aumentados, tumoresmediastinais, cardiomegalia), presença de secreções ea cicatrização de processos inflamatórios crônicos,como silicose, podem causar colapso pulmonar (Fi-gura 11).

Classificação das lesões pulmonares

As alterações radiológicas pulmonares podem serclassificadas em quatro categorias principais:

1. Aumento da densidade pulmonar2. Diminuição da densidade pulmonar3. Atelectasia4. Anormalidades pleuraisA maioria das doenças que aumentam a densida-

de pulmonar acomete os espaços alveolares e o teci-do intersticial de forma variável, todavia é interessanteidentificar três padrões radiológicos gerais, dependen-do do componente que predomina: doença alveolar,doença intersticial e doença mista10.

Define-se consolidação parenquimatosa como asubstituição do ar existente nos alvéolos por líquido,células ou uma combinação dos dois4. A doençaalveolar caracteriza-se nas radiografias de tórax pela

Figura 9. É possível a visualização do diafragma direito cru-zando todo o diâmetro antero-posterior do tórax, enquantoapenas a porção posterior do diafragma esquerdo éidentificável.

Figura10. Pneumonia de lobo superior direito combroncograma aéreo evidenciado na ponta da seta. Imagemampliada à direita.

Figura 11. Radiografia de tórax mostrando grande colapsolobar com desvio do mediastino para a direita, com sinal dacoluna desnuda, e elevação de cúpula diafragmática.

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presença de uma ou mais imagens opacas, algo homo-gêneas, causando apagamento dos vasos pulmonares,com pequena ou nenhuma perda de volume10. Os con-tornos das opacidades são mal definidos, exceto noponto de contato com a pleura, sendo possível a identi-ficação de broncogramas aéreos (figura 12)7,10. As prin-cipais doenças que cursam com padrão acinar na radi-ografia simples de tórax estão listadas na tabela 2.

O interstício é uma rede de tecido conectivo quedá suporte aos pulmões e normalmente não é visívelna radiografia simples de tórax10. Compreende as pa-redes de brônquios e alvéolos, além dos septosinterlobulares e do tecido que acompanha brônquiose vasos pulmonares. Na avaliação das doençasintersticiais é importante observar a perda dadicotomização vascular habitual por alteração da ar-quitetura do interstício. Várias doenças podem cau-sar alterações intersticiais (doenças intersticiais), quese manifestam como micronódulos, opacidadesreticulares ou alterações retículo-nodulares7.

O padrão micronodular é decorrente de múltiplosnódulos medindo de 1 a 5 mm, que podem se tornarcoalescentes, ocorrendo devido à expansão do inters-tício de maneira quase esférica secundária a presençade infiltrado celular, tecido fibroso ou ambos7. As prin-cipais causas deste padrão são doenças infecciosas,como a tuberculose miliar, pneumocistose e a histo-

plasmose. São causas também a sarcoidose, pneumo-conioses, como a silicose e algumas neoplasias.

O padrão reticular, por sua vez, caracteríza-se porinúmeras imagens lineares entrelaçadas que lembramuma rede. Ocorrem principalmente no edema pulmo-nar, linfangite carcinomatosa, infecções, especialmentevirais, asbestose, e pneumonia intersticial linfóide7,10.

O padrão reticulonodular é o mais freqüente dostrês, caracterizando-se por uma mistura dos dois pri-meiros padrões, com micronódulos associados a opa-cidades lineares7. Pode ser encontrado em pneumo-conioses, infecções, pneumopatias intersticiais eneoplasias.

A densidade pulmonar diminuída pode ser re-sultante de hiperinsuflação obstrutiva sem destruiçãopulmonar, como na asma; no aumento do volume dear associado à diminuição de sangue no tecido, comono enfisema pulmonar; e na redução do volume desangue, na ausência de hiperinsuflação, como no

Tabela 2Principais causas de padrão alveolar à radiografia

simples de tórax

AGUDAS CRÔNICAS

Pneumonias bacterianas Infecções (tuberculose;fungicas).

Tuberculose SarcoidoseEdema agudo pulmonar NeoplasiasHemorragias ColagenosesTromboembolismo pulmonar Proteinose alveolar

Silicose

Figura 12. Radiografia simples de tórax com pneumonia emlobo superior direito (Doença alveolar). Imagem ampliada àdireita.

Figura 13. A radiografia A mostra imagem em PA de pacien-te com tuberculose miliar e a imagem B em detalhes oinfiltrado micronodular.

Figura 14. Radiografia simples de tórax de paciente com in-suficiência cardíaca descompensada, mostrando infiltradointersticial com padrão reticular, além de aumento da artériapulmonar visto à esquerda, e apontada pela seta. A regiãodelimitada pelo quadrado mostra opacidade intersticial evelamento do seio costofrênico.

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tromboembolismo pulmonar (figura 15 mostra áreade densidade pulmonar diminuída em um caso detromboembolismo pulmonar)7.

As atelectasias e as afecções pleurais serão des-critas mais adiante.

São inúmeras as situações clínicas, no serviço deemergência, que têm sua investigação diagnósticaauxiliada pela radiografia simples de tórax. Neste textodiscutiremos algumas das mais prevalentes e commaior morbidade.

Diagnósticos mais freqüentes na emergência

Atelectasia

Colapso de parte ou de todo o pulmão com des-vio do brônquio fonte para o lado da regiãocolapsada11. A Radiografia evidencia regiões pulmo-nares radiodensas com desvio das estruturas em di-reção à lesão nos casos graves11. Podem existir os si-nais diretos e indiretos de colapso. Atelectasiaslaminares ocorrem quando uma população de alvéo-los (geralmente nas bases) está hipoventilada por obs-trução (impactação mucóide) ou por redução da

expansibilidade pulmonar (ascite, cirurgias abdomi-nais, decúbito, etc.)11.

Derrame pleural

A periferia da base de cada cavidade pleural for-ma um sulco bastante profundo ao redor dohemidiafragma correspondente12. Este sulco é chama-do seio ou ângulo costofrênico. O seio costofrênico temquatro porções: anterior, posterior, lateral e medial. Aporção mais profunda e mais caudal é o seiocostofrênico posterior. É por esta razão que se justifi-ca a obrigatoriedade da radiografia de perfil para tercerteza da ausência de derrame pleural. Derramepleural é a invasão da cavidade por coleção líquida,podendo ser esta livre ou septada12. São necessários300 – 400 ml de líquido na cavidade para que o reces-so costofrênico lateral seja atingido12. Na dúvida, en-tre presença de líquido ou fibrose pleural, está indica-do o uso da incidência em decúbito lateral com raioshorizontais.

O derrame pleural na radiografia em PA podeaparecer de três formas:

a) Preenchendo os seios costofrênicos,b) Formando um menisco lateralmente com cur-

vatura voltada para cima,c) Ocultando-se na região subpulmonar.d) Formando opacidades periféricas em “calota”

quando está septado ou encistado (derrames inflama-tórios).

O derrame pleural freqüentemente apresenta umaborda superior côncava, ou menisco, que parece maisalta lateralmente do que medialmente. O derramepleural torna-se característico com menisco quandotem mais de 175 ml de líquido12. Contrariamente aocolapso pulmonar, o derrame pleural desvia as estru-turas pulmonares para o lado oposto. Já o derramesubpulmonar fica retido entre o diafragma e o pul-mão. Pode assemelhar-se a elevação do hemidia-

Figura 15. As linhas delimitam área de diminuição de densi-dade pulmonar devido a um TEP.

Figura 16. Radiografia de tórax em PA mostrando em A áreade atelectasia laminar em base de hemitórax direito (aponta-da pela seta), e grande colapso pulmonar direito com desviode estruturas na imagem B.

Figura 17. Radiografia de tórax em AP evidenciando volu-moso derrame pleural à esquerda, com menisco apontadopela seta.

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fragma em vez da imagem do menisco curvo. Paradiferenciar o derrame subpulmonar da elevação dodiafragma deve-se observar a distância entre a bolhagástrica e a cúpula do diafragma, que geralmente es-tão em contato íntimo12.

Pneumotórax

Nesta condição clínica, além das incidências emPA e perfil, o decúbito lateral com o lado afetado paracima pode ajudar no diagnóstico. Nos casos depneumotórax de pequeno volume é útil a realizaçãoda radiografia expirada para facilitar a visualizaçãoda linha da pleura visceral13.

O pulmão parece estar deslocado da paredetorácica, não havendo trama vascular em sua perife-ria. O sinal do sulco profundo é um importante sinal,visto que pode ser o único indício da presença de arno espaço pleural13. Pacientes com pneumotórax emposição ortostática tem o ar pleural preferencialmen-te ocupando as regiões súpero-laterais do hemitórax,sendo a sua visualização relativamente facilitada. Noentanto, pacientes em posição supina têm o ar desvia-

do para regiões mais basais e mediais, dificultando asua visualização. O sinal descrito ocorre justamentena posição supina e representa a hiperlucescência eaprofundamento do ângulo costofrênico13.

Dissecção de aorta

A radiografia simples de tórax geralmente nãofornece grandes informações nos casos de dissecçãode aorta. O achado mais comum é o alargamento demediastino inespecífico, que, porém, aparece em ape-nas 35% dos casos14. O contorno aórtico anormal (si-nal do duplo contorno) e sinais de derrame pericárdicoou pleural são possíveis, no entanto menos freqüen-tes.

Congestão pulmonar

Quando há aumento da pressão pulmonar, asmargens dos vasos passam a ter limites mal definidosdevido ao extravasamento de líquido para o interstício,os vasos dos ápices ficam mais alargados e a circula-ção é visível até a periferia11,15. Ocorre também o au-mento difuso da radiodensidade nas regiões hilares.O septo interlobular pode se espessar com o acúmulode líquido e surgem linhas curtas, horizontais e per-pendiculares à pleura, as “linhas de Kerley”, que in-dicam edema intersticial11,15. Quando existe edemaalveolar, os vasos pulmonares podem não ser maisvistos, porque o pulmão adquire densidade de líqui-do, que é a mesma densidade dos vasos.

Aumento de câmaras cardíacas

O aumento do átrio direito é praticamente impos-sível de ser visualizado, uma vez que raramente acon-tece isoladamente. Ele pode aumentar na presença dehipertensão pulmonar ou na insuficiência tricúspide,

Figura 18. Por vezes o líquido pleural pode se acumular nacissura assumindo forma arredondada, nodular, o que podeser mal interpretado como possível tumor. A imagem emperfil é útil nestes casos, pois permite evidenciar a localiza-ção cissural deste achado. Estes casos são denominados “tu-mores fantasmas”, uma vez que desaparecem com a resolu-ção do quadro congestivo.

Figura 19. Radiografia de tórax em AP mostrando dois casosde pneumotórax. As setas mostram as linhas de pleuravisceral.

Figura 20. Radiografia de tórax em PA mostrando alarga-mento de mediastino, em caso de dissecção de aorta.

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porém nestas condições o aumento do ventrículo di-reito predomina, impedindo a definição do átrio14. Oaumento do ventrículo direito apresenta como sinaisclássicos o coração em forma de bota e o preenchimen-to do espaço retroesternal3,14. Uma vez que em adul-tos é raro o aumento desta câmara sem o acometimen-to simultâneo do ventrículo esquerdo, a forma de botanem sempre é identificada. O preenchimento do es-paço retroesternal ocorre, pois o aumento doventrículo direito se faz superiormente, lateralmentee posteriormente3,14. No perfil de pacientes normais ocoração ocupa menos de 1/3 do espaço retroesternal.Caso haja o preenchimento de mais da metade desteespaço, isso representa um sinal claro do aumento doventrículo direito. Entram como diagnóstico diferen-cial nestes casos adenomegalias retroesternais, tumo-res de mediastino, como linfomas e timomas, e o au-mento da aorta ascendente ou da artéria pulmonar.Vários sinais clássicos definem o aumento do átrioesquerdo. O primeiro é o aumento da auriculeta es-querda, que é identificado quando da visualização deuma convexidade entre a artéria pulmonar esquerdae a borda do ventrículo esquerdo, local onde normal-mente teríamos uma concavidade 3,14. O segundo si-nal é a mudança do ângulo da carina devido à eleva-ção do brônquio fonte esquerdo. O terceiro é o sinaldo duplo contorno, que aparece nos grandes aumen-tos desta câmara, e é identificado com a presença deuma dupla densidade na sombra cardíaca, vista ao PA,à medida que o átrio esquerdo cresce para a direita. Oúltimo sinal é o aumento posterior da câmara visto aoperfil. O aumento do ventrículo esquerdo, por sua vez,é caracterizado por um aumento proeminente do ápi-ce cardíaco para baixo, distinguível da disposiçãotransversa vista com o aumento do ventrículo direi-to14. O aumento do ventrículo esquerdo também podeser visto no perfil com a dilatação do terço inferior damargem posterior do coração.

Derrame pericárdico

Apresenta-se como um aumento difuso da ima-gem cardíaca, classicamente com a forma de “coraçãoem moringa”, no entanto esta apresentação não épatognomônica desta condição clínica.

Figura 21. Radiografia de tórax em AP mostrando em A acentuação da trama vascular em ápices e até a periferia. É possível vertambém um aumento do tronco da artéria pulmonar. Em B é possível a visualização não apenas da alteração vascular, mastambém o aumento da área cardíaca e um derrame cisural à direita. E em C caso mais grave de congestão pulmonar com aco-metimento alveolar.

Figura 22. Radiografia de tórax em AP mostrando em A au-mento de átrio e ventrículo esquerdos, e em B aumentodifuso de câmaras cardíacas. AE - átrio esquerdo; VE -ventrículo esquerdo.

Figura 23. Radiografia de tórax em PA (A) e perfil (B) mos-trando imagem de “coração em moringa” em um caso detamponamento cardíaco.

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Embolia pulmonar

Raramente é demonstrada nas radiografias de tó-rax e, quando há alterações, geralmente sãoinespecíficas. Podem existir atelectasias laminares,derrame pleural, elevação da cúpula diafragmática eaumento do tronco da artéria pulmonar. Classicamen-te dois sinais podem ser identificados:

Sinal de Westermark: Sinal de oligoemia pulmo-nar. Caracteriza-se através da imagem radiográfica dotórax por uma dilatação proximal de um vasoembolizado, associado ao colapso dos vasos distais16.Uma radiografia em PA mostra uma relativahipertransparência na região, devido à hipoperfusãodistal ao êmbolo.

Sinal da Corcova de Hampton: Trata-se de umaconsolidação em forma de cone, localizada especifi-camente em um ângulo costofrênico, com a base vol-tada para a pleura e o ápice para o hilo pulmonar. Essaconsolidação periférica focal ocorre secundária àtransudação hemorrágica ou infarto pulmonar16. É umsinal raro e não específico, mas, associado a outrosachados, corrobora para o diagnóstico detromboembolismo pulmonar.

Pneumonia

A radiografia pode apresentar consolidaçãoparenquimatosa, infiltrado focal com aumento daradiodensidade, onde é possível por vezes avisualização de broncograma aéreo, o que sugere con-solidação alveolar17. O infiltrado difuso com padrãointersticial ou interstício-alveolar pode sugerir quadroviral. Nas fases iniciais da doença é difícil a definiçãoda etiologia do processo, se viral ou bacteriana.

Abscesso pulmonar

Cavitação no parênquima pulmonar com centroradiotransparente (presença de ar), geralmente bemdelimitada por um contorno radiopaco. Pode conternível líquido em seu interior. Importante diagnósticodiferencial com neoplasia escavada.

Pneumonia por Pneumocistis jiroveci

A radiografia pode ser normal em 5 a 10% dos ca-sos, mas o achado clássico é o infiltrado reticular he-terogêneo, difuso, bilateral, e simétrico18. Podem serencontrados menos freqüentemente infiltrado unila-teral ou focal, condensações ou pneumotórax.

Tuberculose

Pode ter diversas apresentações, desde o achadotípico da doença cavitária e apical até infiltradoretículo-nodular difuso19. Adenopatia hilar pode serencontrada, assim como derrame pleural.

Figura 24 Radiografia de tórax em AP mostrando área deoligoemia apontada pela seta em um caso detromboembolismo pulmonar. Comparando com o ladocontralateral é evidente a diferença na trama vascular.

Figura 25. Radiografia de tórax em AP mostrando consolida-ção em lobo médio do pulmão direito em A, e em lobo superi-or do mesmo lado em B. A seta indica um broncograma aé-reo.

Figura 26. Radiografia de tórax em PA (imagem A) e perfil(imagem B) evidenciando a presença de cisto aéreo pulmo-nar com nível líquido apontado com a seta. Observar as pare-des finas.

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Intubação seletiva

A radiografia evidencia o tubo muito introduzidona via aérea, geralmente localizado no brônquio fontedireito. O pulmão que não é ventilado apresenta-seatelectasiado, com radiopacidade aumentada, poden-do ter o desvio das estruturas mediastinais para estelado. Podem existir enfisema subcutâneo e pneu-motórax no hemitórax ventilado11.

Enfisema subcutâneo/pneumomediastino

Radiografia que evidencia ar dissecando o tecidocelular subcutâneo. Também se evidencia a disseca-ção das fibras dos músculos peitorais pelo ar20. Opneumomediastino caracteriza-se por um contornoradiotransparente ao redor da imagem cardíaca, va-sos mediastinais, vias aéreas principais e esôfago, de-limitado externamente por uma tênue linha de orien-tação vertical que corresponde à pleura. Outro sinalimportante é o “sinal do diafragma contínuo”, queevidencia a porção central do diafragma (infra-

cardíaco) devido à interposição de uma coluna de arentre o coração e o diafragma20,21.

Pulmão urêmico

Nos casos de uremia é possível encontrar padrãoradiológico bastante característico, com infiltradoreticular, e por vezes com acometimento alveolar elocalização parahilar, preservando a periferia22. Diz-se que este padrão tem aspecto de “asa de borboleta”.A imagem não é patognomônica e pode ocorrer emoutras doenças como hipersensibilidade e sarcoidose.

Figura 27. Radiografia de tórax em AP mostrando três casos de tuberculose pulmonar. Em A é possível a visualização de uminfiltrado micronodular em um caso de tuberculose miliar, em B é visto infiltrado alveolar em ambos os ápices pulmonares,com áreas de cavitação e estrias fibróticas, e em C presença de infiltrado em ápice direito com grandes áreas cavitadas e redu-ção de volume com desvio de estruturas para aquela região. As setas apontam áreas de cavitação.

Figura 28. Radiografia de tórax em AP evidenciando em Aintubação seletiva com atelectasia de todo o pulmão esquer-do e desvio das estruturas mediastinais para este lado. Aimagem B mostra a expansão do pulmão esquerdo após atração da cânula.

Figura 29. Radiografia de tórax em AP mostrando enfisemasubcutâneo em ápice direito e pneumomediastino apontadopela seta em A, e em detalhe a dissecção das fibras muscula-res do peitoral em B.

Figura 30. Radiografia de tórax em AP mostrando infiltradointerstício-alveolar parahilar com preservação da periferiaem casos de uremia.

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Trabalho recebido: 15/02/2008Trabalho aprovado: 28/07/2008