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Roger Olson
Contra o
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Prefácio de Michael Horton
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Contra ο
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Roger Olson
Contra o
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tyLt&Ão
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Sumário
Prolusão (por Michael Horton) 9
Prefácio 15
1. Introdução: Por que este livro agora? 21
2. Calvinismo de quem? Qual teologia reformada? 39
3. Calvinismo puro e simples: O sistema TULIP 59
4. Sim para a soberania divina; não para 0 determinismo divino 109
5. Sim para a eleição; não para a dupla predestinação 159
6. Sim para a expiação; não para a expiação limitada/ redenção particular 211
7. Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo 241
8. Conclusão: Os enigmas do calvinismo 271
Apêndice 1. Tentativas calvinistas de resgatar a reputação de Deus 281
Apêndice 2. Respostas às alegações calvinistas 293
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Prolusão(por Michael Horton)
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O LIVRO DE ROGER OLSON Contra 0 Calvinismo representa uma
apresentação e defesa contemporânea do arminianismo evangélico que
não apenas merece, mas que também exige uma leitura cuidadosa e
simpática da parte dos não arminianos.
O Roger está correto ao afirmar que atualmente está cada vez mais
difícil saber o significado do termo “reformado”. Principalmente nos EUA
onde todos gostam de selecionar e escolher os aspectos do credo de
alguém, soa arrogante dizer à outras pessoas que elas não são, na ver-
dade, reformadas caso sustentem visões que difiram substancialmente
de nossas confissões e catecismos. Entretanto, como outras tradições
confessionais, o ensino reformado é determinado por uma confissão
comum de cristãos em igrejas reais, não pelas ênfases de certos ensi-
nadores ou movimentos populares. Os credos e confissões não falam por nós; nós falamos como igrejas através deles e com eles. Portanto, os
não calvinistas deveriam avaliar estas sínteses e os sistemas doutrinários
que são consistentes com eles em vez de depender de apresentações
idiossincráticas.
No que diz respeito às doutrinas da graça, nossas confissões rejei-
tam tanto o hipercalvinismo quanto o arminianismo. Além do mais, ateologia do pacto — incluindo 0 batismo de filhos do pacto e o governo
eclesiástico presbiterial [representativo] liderado por ministros e presbí
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Contra 0 Calvinismo
teros — pertencem à nossa confissão comum juntamente com o famoso
acróstico TULIP. A gloriosa graça de Deus é tão evidente quanto nossa
visão de batismo e a Ceia do Senhor mais como meios de graça do que
como atos meramente humanos de comprometimento e lembrança.Para as igrejas Reformadas e Presbiterianas confessionais, a adoração
regulamentada, ministério, missões, e disciplina embasados na Escritura
é tão fundamental para glorificar e desfrutar de Deus quanto a doutrina
da eleição ou justificação.
Mas este desafio é uma faca de dois gumes. Embora a maioria dos ar-
minianos não possua uma confissão comum ou um conjunto de padrões
doutrinários, existem claramente representações padrões de, ao menos,
convicções arminianas evangélicas. Roger Olson lida efetivamente com
as caricaturas, desafiando as concepções errôneas. Se a crítica popular
contra 0 calvinismo frequentemente gira em torno de equívocos ou re-
presentações exageradas, então os calvinistas também deveriam sentir
empatia pelos arminianos por possuírem entendimento de causa quando
estes são, por exemplo, acusados de serem “pelagianos”, que negam a
graça em favor de obras de justiça.
Nenhum de nós está imune da tentação das acusações falsas, mas Roger
e eu concordamos que tem havido muito mais discussões improdutivas
do que avanços nos debates entre calvinismo e arminianismo. Nenhum
de nós sucumbe à ilusão de que ambos [sistemas soteriológicosj repre-
sentam verdades parciais que possam ser equilibradas em uma mesclaharmoniosa e sem contradições. “Calminianismo” não existe. Onde estas
duas posições clássicas colidem, o Roger é um arminiano genuíno e eu
estou muito convencido que a Escritura ensina 0 que é infelizmente ape-
lidado de “calvinismo”. Todavia, concordamos que nada se ganha — na
verdade, muito se perde — ao representarmos erroneamente as visões
um do outro. Uma coisa é dizer que alguém defende certa visão sendo
que a mesma é explicitamente rejeitada e outra coisa é argumentar que
a visão leva, em termos lógicos, à determinada conclusão. É exatamente
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Contra o Calvinismo
Também partilho da avaliação do Roger da situação de muitas coisas
no evangelicalismo moderno. Muito além do arminianismo, ele sustenta,
as prem issas pelagianas parecem prevalecer de maneira espantosa. Ele
concorda que o “Cristianismo sem Cristo” está “simplesmente impreg-nado na vida eclesiástica estadunidense”. Quando amigos arminianos
como Tom Oden, William Willimon e Roger Olson desafiam este esta-
do geral das coisas ao passo que alguns pregadores que se professam
reformados vendem seu direito de primogenitura por um mortal prato
de lentilha de religião popular, nossas diferenças — embora importan-
tes — são colocadas na perspectiva correta. Não tenho dúvidas de que
Jacó Armínio ou João Wesley ficariam tão ofendidos quanto 0 Roger em
relação ao que atualmente e com frequência é apresentado erroneamente
como “arminianismo” em muitos círculos.
Sou grato ao Roger pela imparcialidade, paixão e a argumentação
informada que este livro representa. No final das contas, Roger e eu
partilhamos da concordância mais importante: que as questões vitais
envolvidas aqui ou em outro debate devem ser trazidas ao escrutínio da
Escritura. Ambos acreditamos que a Escritura é clara e suficiente, mesmo
se formos confusos e fracos. Somos todos peregrinos no caminho, ainda
não fazemos parte daqueles que chegaram ao nosso glorioso destino.
Apenas ao nos esforçarmos mais e mais para dialogarmos uns com os
outros como coerdeiros com Cristo em vez de tratarmos uns aos outros
como adversários é que poderemos lidar com sérias discordâncias — ecom 0 anseio de que também podem os nos surpreender com as praze-
rosas concordâncias durante 0 caminho.
MICHAEL HORTON
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Prefácio
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ESCREVO ESTE LIVRO com relutância; polêmica não é o meu estilo
preferido de assuntos acadêmicos. O que quero dizer é que preferiria
proclamar o que sou a favor a denunciar o que eu sou contra. Valorizo
a abordagem conciliadora à teologia e espero ser contra 0 calvinismo
o mais conciliador possível. Quero deixar claro “desde 0 início” que eu
não sou contra os calvinistas. Muitos de meus parentes são calvinistas
e eu os amo profundamente. Embora minha família imediata não fosse
teologicamente desta persuasão, sabíamos que nossos familiares eram
tão cristãos quanto nós éramos. Ainda acredito que este seja 0 caso;
uma pessoa pode ser maravilhosamente salva e tão dedicada quanto
um cristão possivelmente pode ser e ser calvinista. Deixe-me repetir:
não sou contra os calvinistas.
Estou bastante cônscio, entretanto, de quão difícil pode ser separar
a visão que alguém tem de sua auto-estima das crenças defendidas
apaixonadamente por alguém. Espero que minha tia Margaret não role
no túmulo quando este livro for lançado! E oro para que meus primos
e amigos calvinistas não se sintam ofendidos. Tento 0 máximo possível
fazer separação entre minha pessoa e minha teologia a fim de aceitarcríticas à minha teologia sem se tornar pessoalmente defensivo. Só posso
esperar e orar que meus amigos e familiares calvinistas façam 0 mesmo.
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Contra o Calvinismo
Esta esperança por uma audiência imparcial requer que eu seja
escrupulosamente justo em meu tratamento do calvinismo. Esta é a
intenção deste livro. Prometo oferecer meu melhor na representação do
calvinismo assim como os próprios calvinistas o representariam — semdistorção ou caricatura. Prometo não criar um espantalho que seja facil-
mente destroçado e queimado. Meu lema é: “Antes de dizer ‘eu discordo’ ,
certifique-se de que possa dizer ‘eu entendo”’. Outro princípio que tento
seguir é: “Sempre represente 0 ponto de vista alheio da maneira como
os melhores proponentes do mesmo 0 descreveriam”. É desta forma que
quero que eu o meu arminianismo seja tratado e prometo dar 0 melhorde mim para que este seja 0 tratamento dispensado ao calvinismo.
Considero os calvinistas meus irmãos e irmãs em Cristo e me en-
tristeço por ter que escrever contra a teologia destes meus irmãos, pois
ela possui uma história e tradição ricas. Confesso que 0 calvinismo,
que estudei a partir de suas fontes primárias-(de Calvino, passando por
Jonathan Edwards e chegando a John Piper e inúmeros outros teólogos
reformados entre eles) possui muitos aspectos positivos. Como muitos
calvinistas gostam de enfatizar, o calvinismo (ou teologia reformada) não
está reduzido às doutrinas popularmente associadas a ele — depravação
total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e per-
severança dos santos (TULIP). Alguns destes pontos (principalmente os
três pontos do meio) são crenças que criticarei neste livro. Entretanto,
o pensamento reformado, no geral, transcende tais pontos e é parte deum todo maior do qual a TULIP é apenas uma parte. Quão essenciais
estes cinco pontos são para a teologia reformada é algo muito debatido
tanto pelos próprios calvinistas quanto por outros.
Meu objetivo aqui é simplesmente admitir que quando eu disser que
“sou contra o calvinismo” que estou apenas me referindo a determina-
dos aspectos da teologia reformada e não a tudo quanto ela representa.Em virtude da tradição reformada (talvez muito diferente de algumas
de suas doutrinas contestáveis) ser cristocêntrica, eu a considero parte
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Prefácio
da rica diversidade do cristianismo clássico. Posso e realmente adoro a
Deus ao lado de calvinistas sem me sentir incomodado.
Caso alguém precise de mais persuasão acerca desta questão, quero
enfatizar que trabalhei e adorei a Deus ao lado de calvinistas em trêsuniversidades cristãs e várias igrejas (Batista e Presbiteriana) durante os
últimos trinta anos sem dificuldade. Votei a favor da contratação de pro-
fessores calvinistas e também para que tivessem estabilidade acadêmica.
Não tenho problemas com calvinistas sendo cristãos genuínos, acadêmi-
cos e professores cristãos fiéis. Sei, de primeira mão, que geralmente eles
são fiéis. Admito que fico ofendido com alguns calvinistas. Estes são os
que consideram sua teologia o único cristianismo (ou evangelicalismo)
autêntico e que interpretam erroneamente outras teologias que não a
sua — principalmente o arminianismo. Infelizmente, especialmente
nos últimos anos, eu tenho encontrado estas características com muita
facilidade entre os “novos calvinistas”.
Alguns leitores podem questionar minhas credenciais para escrever
acerca do calvinismo. Permita-me reafirmá-las. Por inúmeros motivos eu
me considero apto para escrever imparcial e precisamente sobre uma
teologia que eu discordo. Lecionei teologia histórica em três universida-
des cristãs por quase trinta anos. Estudei Calvino, Jonathan Edwards e
outros teólogos reformados no seminário e na pós-graduação e sempre
exigi que meus alunos os lessem como parte de sua formação nos cursos
de teologia histórica. Também me esforcei para convidar “calvinistasrígidos” (os comprometidos com todo o esquema da TULIP) para fala-
rem e interagirem em minhas aulas. Li as Institutas da Religião Cristã de
João Calvino assim com o também li os tratados de Jonathan Edwards
cuidadosamente e com extrema atenção para que a leitura não fosse
preconceituosa.
Estou muito bem familiarizado com o maior proponente contempo-
râneo do calvinismo — John Piper — e li muitos de seus livros. Estudei
os escritos de vários outros calvinistas, incluindo Charles Hodge, Loraine
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Contra o Calvinismo
Boettner, Louis Berkhof, Anthony Hoekema, R. C. Sproul e Paul Helm.
Participei de conferências teológicas calvinistas, contribui com publi-
cações calvinistas, me ocupei com diálogos longos com pensadores
reformados e publiquei um importante livro-texto de teologia históricaque lida profundamente com a teologia reformada.
Meu conhecimento do calvinismo e da teologia reformada é mais
do que algo passageiro. Tornou-se uma paixão — e não apenas com a
intenção de refutá-lo. Meu estudo de fontes reformadas tem enriqueci-
do grandemente minha vida teológica e espiritual. Não reivindico ser
um especialista em calvinismo, mas defenderei minha habilidade de
descrevê-lo e avaliá-lo embasado em estudo meticuloso de suas fontes
primárias tanto arcaicas (século XVI) quanto contemporâneas. Espero e
anseio que calvinistas bem informados considerem minhas descrições
aqui justas, se não profundas.
Desejo agradecer inúmeras pessoas por suas ajudas inestimáveis
na realização desta publicação. Todos os calvinistas que me ajudaram
involuntariamente ao simplesmente responderem minhas indagações e
por participarem comigo em diálogos teológicos. Não havia subterfúgio
da minha parte; a ideia deste livro foi posterior a muitos destes eventos.
Primeiramente eu quero agradecer ao Michael Horton, editor da revista
Modem Reformation e um astuto acadêmico, que graciosamente con-
versou (às vezes debateu) comigo acerca destes assuntos durante vários
anos. Aprendi muito com ele. Também quero agradecer meus amigoscalvinistas da igreja Redeemer Presbyterian Church de Waco, Texas, e
da Reformed University Fellowship local. Eles nobremente aguentaram
minhas despreocupadas interferências quando estes falavam com meus
alunos e sempre me corrigiram meus erros de maneira cordial. Por fim,
quero agradecer a muitos de meus alunos calvinistas que cursaram disci-
plinas comigo apesar de conhecerem muito bem acerca de meus receios
em relação à teologia reformada e que frequentemente contribuíram
com 0 meu entendimento concernente a sua tradição de fé.
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Introdução
Por que este
livro agora?
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LOGO APÓS EU COMEÇAR a lecionar teologia, um jovem aluno an-
sioso me seguiu até minha sala e pediu para conversar comigo a sós.
Sem hesitar eu 0 convidei a sentar ao lado de minha mesa e pedi para
que ele dissesse o que se tratava. Ele se inclinou em minha direção e
com um semblante sério disse: “Professor Olson, não acredito que 0
senhor seja cristão”. Não é preciso dizer que eu fiquei, de certa forma,desconcertado.
“Por que está me dizendo isto?”, indaguei.
“Porque o senhor não é calvinista”, foi sua resposta.
Perguntei de onde ele havia tirado essa ideia de que apenas um
calvinista possa ser um cristão e ele me deu 0 nome de um pastor pre-
eminente e autor cuja igreja tornou-se famosa mundialmente por sua
promoção do calvinismo rígido. Encorajei meu aluno a conversar com
seu pastor acerca deste assunto e confirmei minha confiança em ser
cristão em virtude de minha fé em Jesus Cristo. O aluno jamais retirou
sua acusação de que eu não era cristão. Anos mais tarde, entretanto, o
pastor deveras negou ter alguma vez ensinado que apenas calvinistas
poderiam ser cristãos.
Este foi, por assim dizer, a primeira salva (de tiros) em meu longoembate com o “novo calvinismo” celebrado pela revista Time (12 de maio
de 2009) como uma das dez maiores ideias mudando 0 mundo “agora
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Contra o Calvinismo
mesmo”. Meu aluno acusador foi um dos primeiros de um movimento
de uma geração de cristãos denominado “jovem, incansável e reforma-
do”. Naquela época tudo 0 que eu sabia era que meus melhores e mais
inteligentes alunos de teologia estavam gravitando em direção ao calvi-nismo sob a influência do pastor que 0 aluno havia mencionado. Muitos
dos docentes em nossa instituição os chamavam de “crias do Piper”.
Mas esta tribo estava destinada a aumentar durante os anos sequentes.
O FENÔMENO JOVEM, INCANSÁVEL E REFORMADO
Em 2008 o jornalista cristão Collin Hansen publicou a primeira ex-ploração de proporções de livro de um fenômeno que a maioria dos
líderes cristãos evangélicos estavam discutindo: Young, Restless, Refor-
med: A Journ alist ’s Journe y with the New Calvinists (Jovem, Incansável e
Reformado: A Jornada de um Jornalista com os Novos Calvinistas As
raízes deste movimento estão bem alicerçadas na história protestante.
O calvinismo, claro, oriunda seu'nome do reformador protestante João
Calvino (1509 - 1564), cujo aniversário de quinhentos anos [de nasci-
mentojfoi recentemente comemorado ao redor da América do Norte
com conferências e eventos de admiração dedicados a sua memória. Um
incentivador mais recente foi 0 pregador puritano, teólogo e educador
Jonathan Edwards (1703 - 1758), da Nova Inglaterra, que notoriamente
defendeu uma versão da teologia de Calvino contra o que ele enxergava
como0
crescente racionalismo do deísmo em seus dias. Um aspecto
aparente do movimento jovem neo-calvinista (não confinado apenas
aos jovens) é a popularidade de camisetas com estampas do rosto de
Jonathan Edwards com 0 lema: Jonathan Edwards is my homeboy (Jo-
nathan Edwards é meu parceiro).
Um catalisador contemporâneo do movimento é o pastor batista de
Mineápolis, autor e conferencista popular John Piper (η. 1946), cujos inú
. Collin Hansen,Young , Restless, Reformed: A Journalist’sJourney with the New Calvinists
(Wheaton, IL: Crossway, 2008).
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Por que este livro agora?
meros livros teológicos são excepcionalmente fáceis de ler e acadêm icos
— uma rara combinação. Seu livro Em Busca de Deus (Teologia da Alegria)2
perde apenas para a Bíblia em termos de inspiração e autoridade para
muitos dos cristãos jovens, incansáveis e reformados que avidamentedevoram os livros e os sermões de Piper (facilmente encontrados online).
Piper fala para grandes públicos em conferências jovens nas “Passion
Conferences” e eventos “One Day” — às vezes atingindo um número
de quarenta mil pessoas com menos de vinte e seis anos. O que muitos
de seus seguidores desconhecem é algo que 0 Piper não esconde de
ninguém — que ele está simplesmente tornando mais atraente a teo-
logia calvinista de Jonathan Edwards para a juventude contemporânea.
(A leitura dos escritos de Edwards pode ser difícil!)
Para leitores não familiarizados com este “novo calvinismo” (ou tal-
vez até mesmo com 0 próprio calvinismo), eu apresentarei a concisa e
hábil descrição do jornalista Hansen. (Uma explicação mais completa do
calvinismo e da teologia reformada será desenvolvida durante o curso
deste livro). De acordo com Hansen:
Calvinistas — que recebem 0 nome do teólogo reformador João
Calvino — enfatizam que a iniciativa, soberania e poder de Deus são a
única esperança inquestionável para os seres humanos pecam inosos,
instáveis e moralmente fracos. Além do mais, eles ensinam que a
glória de Deus é 0 tema último da pregação e a ênfase da adoração 3.
Além disso, Hansen explica : “o calvinismo estim a muitíssimo atranscendência que extrai temas bíblicos tais como a santidade, glória
e majestade de Deus”4. Mas se estas fossem as únicas ênfases do novo
calvinismo (ou o velho calvinismo, tratando-se desta questão), poucos
cristãos protestantes evangélicos sinceros fariam questão de discutir com
2. PIPER, John. Em busca de Deus: a plenitude da alegria cristã. Tradução de Hans Udo
Fuchs. 2. ed. São Paulo: Shedd, 2008.
3. Hansen, Young, Restless, Reformed, 5.
4. Ibid., 2 .
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Contra 0 Calvinismo
esse sistema. Quais cristãos evangélicos negam os atributos citados? Para
Hansen e as pessoas a quem ele estuda, todavia, tal pode ser uma questão
de destaque. De acordo com ele, os novos calvinistas estão reagindo ao
que ele considera um esm orecimento geral da teologia e, principalmente,da ênfase na glória de Deus na vida eclesiástica estadunidense contempo-
rânea. Seus objetos de estudo, ele diz, estão reagindo contra a “teologia
do bem-estar” de muitas igrejas evangélicas contemporâneas 5.
Hansen está se referindo a estudos sociológicos dos jovens cristãos
que classificam a visão padrão de Deus como “Deísmo Terapêutico
Moralista” 6 — um termo sofisticado para descrever uma visão de Deus
como uma figura de um avô no céu que exige perfeição, mas que, no
final, sempre perdoa. Este “Deus” é tanto um juiz quanto um coach de
autoestima. Ele não pode ser agradado, mas sempre perdoa. Esta é
uma visão fraca e diluída de Deus pelos padrões cristãos históricos e
muitos jovens cristãos se deram conta disto e se voltaram para a única
alternativa que lhes estava disponível — as robustas e espessas doutrinas
do calvinismo.Como um professor experiente de faculdades cristãs e de univer-
sitários cristãos eu aceito esta crítica feita a muito da vida eclesiástica
evangélica contemporânea e pregação. É demasiado alto 0 número de
jovens cristãos que crescem praticam ente sem nenhum conhecimento
bíblico ou teológico, pensando que Deus existe para dar-lhes conforto
e sucesso na vida ainda que ele estabeleça um padrão que ninguém
possa realmente atingir. Como um amável avô que demonstra ternura
excessiva para com seus descendentes pré-adolescentes, Deus pode até
5. Ibid., 20 - 2 . O que exatamente constitui a “teologia do bem estar” nem sempre
é fácil de dizer, mas muitos dos novos calvinistas (e outros, incluindo este autor não
calvinista!) veem isso manifesto na pregação e publicação populares que promovem 0
cristianismo como o caminho para a auto-realização e sucesso, se não a prosperidade
material.
6. Ver Christian Smith e Melinda Lundquist Denton, “Summary Interpretation:
Therapeutic Deism,” em Soul Searching: The Religious and Spiritual Lives of American
Teenagers (New York: Oxford Univ. Press, 2005), 02 - 7 .
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Por que este livro agora?
se desapontar conosco, mas Seu objetivo último, de qualquer forma, é
de nos trazer satisfação.
Isso pode ser uma espécie de caricatura; pouquíssimos pastores ou
professores evangélicos diriam tal coisa. Mas minha experiência corro-
bora com 0 que Hansen argumenta — que de alguma forma ou outra
a maioria dos jovens cristãos acaba por se apegar a tal visão de Deus e
fracassa plenamente na busca das riquezas da Bíblia ou da teologia cristã
de sorte que aprofundem o entendimento acerca de si e de Deus. Muitos
dos mais inteligentes e melhores jovens adquirem uma vaga percepção
de que falta algo em sua educação cristã, e quando ouvem a mensagemdo calvinismo, eles se apegam a ela como se fosse um bote salva-vidas
que os livra de uma espiritualidade culturalmente acomodada e rala.
Quem pode culpá-los? Todavia, 0 calvinismo não é a única alternativa,
a maioria deles sabe muito pouco ou nada acerca da fraqueza deste
sistema ou sobre teologias alternativas moderadas historicamente ricas
e biblicamente fiéis.
RAÍZES DO NOVO CALVINISMO
Nesta altura os leitores podem estar se perguntando se este fenôme-
no do novo calvinismo é um modismo de jovens que surgiu do nada.
Já insinuei fortemente que não se trata disso. Mas algo novo está em
curso nele — o apelo de uma antiga teologia para uma platéia bastante
jovem. O calvinismo e teologia reform ada (uma diferenciação e relação
destes termos será feita no capítulo 2) costumavam ser uma tradição
cristã grandemente atrelada principalmente a pessoas idosas. Anos atrás
até mesmo muitos cristãos evangélicos pensavam no calvinismo como
que quase restrito às regiões de Grand Rapids, Michigan e Pella, Iowa
(e comunidades semelhantes povoadas principalmente por imigrantes
holandeses). A Holanda era, afinal de contas, um país onde 0 calvinismoespecialmente pegou. Grand Rapids oferece uma gama de instituições
calvinistas influentes, tais como 0 Calvin College e Seminary, inúmeras
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Contra o Calvinismo
editoras de viés calvinista e várias igrejas calvinistas grandes. Em Pella,
Iowa, onde acontece um festival anual de tulipa bastante freqüentado,
podemos encontrar Primeira, Segunda e Terceiras igrejas reformadas
com poucas quadras de distância uma das outras. E a cidade se orgulhado excelente Central College — uma faculdade de artes liberal reformada.
A descrição anterior em nada visa desmerecer as igrejas reform adas
ou a teologia calvinista; elas possuem uma rica tradição histórica e uma
grande presença dentro do cristianismo evangélico estadunidense. Mui-
tos líderes e pensadores preeminentes têm sido reformados desde os
dias dos puritanos (que eram calvinistas ingleses). Todavia, por várias
gerações durante 0 século XX a vitalidade do calvinismo parecia estar
se esvanecendo. Alguém pode perceber isso nos tons defensivos do
massivo tomo do nobre teólogo calvinista Loraine Boettner (1901 -
1990), The Reformed Doctrine o f Predestination.7, (o livro de Boettner foi
tratado a muito como uma fonte magistral acerca do calvinismo rígido
por inúmeros cristãos reformados, ainda que livros mais populares que
tratam da mesma teologia sejam melhores que este).Boettner, que declarou que “uma exposição plena e completa do sis-
tema cristão só pode ser dada com base na verdade conforme estipulada
no sistema calvinista” 8 e que “nossa doutrina é a doutrina claramente
revelada das Escrituras” 9, denunciou o declínio da forte crença calvinista
entre os evangélicos estadunidenses. Ele ficaria satisfeito em ver a atual
renascença do calvinismo. Mas ele estava certo. Entre a década de 40 até
a década de 80 o calvinismo enfrentou dificuldades com o público jovem;
na década de 70 o Je sus Movement era qualquer coisa menos calvinista,
e os movimentos carismáticos e a Terceira Onda também foram, em sua
maioria, não calvinistas. Estes foram os movimentos populares de minha
7. Loraine Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination (Grand Rapids: Eerdmans,
948).
8. Ibid., 7.
9. Ibid., 248.
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Por que este livro agora?
juventude, muitos dos adolescentes cristãos de hoje e alunos universi-
tãrios (e pessoas mais velhas também) estão tão empolgados com essa
sua recém-encontrada fé na soberania absoluta de Deus como os jovens
cristãos de minha geração estavam em relação a “ ficar doidão em Jesu s”.Entretanto, o calvinismo jam ais desapareceu ou ficou obscurecido. Ele
sempre foi uma força robusta em certos segmentos da vida eclesiástica
estadunidense. E os cristãos jovens, incansáveis e reformados estão larga-
mente inconscientes de calvinistas anteriores ajohn Piper (e seus jovens
pregadores e escritores popularizantes) que prepararam 0 caminho para
a redescoberta desta mensagem e estilo de vida. Um desses calvinistas
foi Boettner — pouco conhecido, mas influente. Outro foi James Mon-
tgomery Boice (1938 - 2000), um de meus professores do seminário e
que pastoreou a Décima Igreja Presbiteriana em Filadélfia, Pensilvânia,
uma igreja evangélica e fortemente calvinista. Também foi pregador de
rádio, comentarista bíblico, editor de revista cristã (Eternity) e autor de
vários livros principalmente acerca da teologia reformada. (Boice tirou
um período sabático de sua igreja na metade dos anos 70 durante 0 qual
ele lecionou um curso no North American Baptist Seminary em Sioux
Falls, Dakota do Sul; eu fui um de seus alunos durante aquele curso de
mini semestre sobre pregação). A maioria dos jovens novos calvinistas
jamais ouviu falar de Boice, mas ele foi um pastor-autor-teólogo-orador
incrivelmente prolífico, quase que uma força da natureza na vida evan-
gélica estadunidense, o mesmo que o Piper representa atualmente.Outro precursor e pioneiro do novo calvinismo é o teólogo reforma-
do e apologista R. C. Sproul (n. 1939), fundador do influente Ligonier
Ministries, cuja especialidade é apologética cristã. (Nem todos os calvi-
nistas gostam tanto de apologética racional quanto 0 Sproul, mas não
há dúvidas acerca de suas credenciais calvinistas). Sproul atuou como
docente em vários seminários calvinistas conservadores preeminentes
e apareceu em pessoa e via mídia em inúmeras conferências cristãs e
eventos eclesiásticos. Entre suas amplamente lidas exposições e defe-
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Contra o CaK/inismo
provavelmente mais remota. Além disso, alguns pensadores reformados
estadunidenses associados a estas instituições expressaram certas reser-
vas acerca do novo calvinismo que, interpretado de certa forma, poderia
ser visto como lançando dúvida sobre seus precursores já mencionados. A edição da revista Christian Magazine de 1 de dezembro de 2009
continha um artigo do teólogo reformado Todd Billings do Western
Theological Seminary of Holland, Michigan (que, assim como o Calvin
College e Seminary, é um centro mais antigo da tradição reformada
estabelecido na Holanda). Em seu artigo “O Retorno de Calvino? O
Reformador Irresistível”, Billings dènunciou o foco unilateral do novo
calvinismo em algumas doutrinas reformadas mais incomuns e, prin-
cipalmente 0 esq uem a TULIP: depravaçáo total, eleição incondicional,
exp iação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Ele
asseverou que os novos calvinistas utilizam a TULIP como um teste
decisivo no qual se testa a autenticidade de alguém como reformado.
Em resposta ele alega que 0 acróstico TULIP não fornece uma redução
à essência adequada ou acurada da teologia reformada 14 e critica os
neocalvinistas por colocar no centro 0 que é periférico à tradição.
Para Billings e para muitos outros “calvinistas litúrgicos” (um termo
para os que estão associados às denominações sacramentais e liturgias
holandesas, escocesas reformadas e presbiterianas mais antigas) os
novos calvinistas estão cometendo um erro. “Reformado” não designa
uma ênfase na predestinação e certamente também não na reprovação(predestinação de algumas pessoas ao inferno) — 0 que Calvino notoria-
mente chamou de “decreto horrível [de Deus]” — mas em certas visões
católicas (aqui, significando universal) e sacramentais do cristianismo
que realmente enfatizam a soberania de Deus, mas que não o esgota
em celebração do controle absoluto de Deus dos mais pormenorizados
acontecimentos, incluindo 0 mal.
4. J. Todd Billings, “Calvin’s Comeback? The Irresistible Reformer,” Christian Century
(December , 2009), 22 - 25.
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Por que este livro agora?
A objeção de Billings irá, sem dúvida, ser debatida por outros autopro-
clamados cristãos reformados. Só a mencionei aqui porque ela expressa
bem um murmúrio contra o novo calvinismo que pode ser ouvido das
instituições estadunidenses e europeias reformadas mais antigas que,em certa extensão, minimizam o sistema TULIP da teologia reformada.
Eu explorarei mais acerca do assunto e outros aspectos da diversidade
reformada e calvinista nos próximos dois capítulos.
A NECESSIDADE DE UMA RESPOSTA AGORA
Esta introdução tem 0 título “Por quê Este Livro Agora?”. De fato, porquê um livro Contra o Calvinismo? O aumento da reflexão teológica séria
e comprometim ento entre jovens cristãos não é uma coisa boa? Por quê
derramar água fria sobre as chamas de espiritualidade do avivamento
entre a juventude? Levo esta consideração muito a sério.
Todavia, creio que é chegado o tempo para que alguém aponte as fa-
lhas e fraquezas neste tipo específico de calvinismo — 0 tipo amplamente
abraçado e promovido por líderes e seguidores do movimento jovem,
incansável e reformado. Mas a promoção do que considero um sistema
falho não advêm apenas deles. A mesm a teologia da soberania absoluta
de Deus pode ser encontrada em Calvino (talvez sem 0 aspecto da expiação
limitada), Edwards (de maneira extrema, conforme explicarei), Boettner,
Boice, Sproul e inúmeros outros popularizadores do calvinismo. Mas então,
qual é o erro em acreditar e celebrar a soberania de Deus? Absolutamente
nenhum! Mas, a soberania pode e frequentemente é levada a excessos
— fazendo de Deus o autor do pecado e do mal — que é algo que poucos
calvinistas admitem, mas é o que se segue do que eles ensinam como a
“conseqüência lógica e necessária” (uma expressão técnica de certa forma
confusa geralmente utilizada pelos próprios calvinistas para salientar os
efeitos temerosos que enxergam nas teologias não calvinistas). Você pode acessar o fenômeno da Internet chamado Youtube e assis-
tir vários clipes de vídeos de proponentes do novo calvinismo fazendo
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Contra o Calvinismo
declarações chocantes acerca da soberania de Deus, incluindo que Deus
causa calamidades e horrores “para sua glória”. John Piper publicou um
sermão, hoje muito conhecido, poucos dias após os acontecimentos
terroristas nas Torres Gêmeas de 11 de setembro de 2001, declarandoque Deus não apenas permitiu tais eventos, mas que os causou '5. Ele
desde então tem publicado outras declarações sem elhantes em que atri-
bui a Deus desastres naturais e calamidades horrendas. Piper não está
sozinho; muitos dos novos calvinistas e seus mentores estão afirmando
agressivamente que esta visão de Deus é a única que é bíblica e razoável.
O calvinismo popular contemporâneo pode ser, no geral, consisten-
te com Calvino e muito de seus seguidores (embora eu pense que ele
seja ainda mais moldado por seu sucessor e 0 pastor chefe de Genebra,
Theodore Beza [1 5 19 - 160 5] e seus seguidores), mas ele não é a única
versão da teologia reform ada e do calvinismo. Explicarei mais sobre
isso no capítulo seguinte. Por agora nos basta dizer que mesmo muitos
cristãos reformados estão chocados e horrorizados com as implicações
da ênfase extremada na soberania de Deus do novo calvinismo.
Claro, a definição de “reformado” depende grandemente da igreja e
do pensador que reivindica 0 termo. Na verdade, a organização mundial
chamada Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas (CMIR) inclui muitas
denominações e igrejas que, de forma alguma, abraçam todo 0 sistema
da TULIP. (De fato, surpreendendo a muitos calvinistas, a CMIR inclui
algumas igrejas arminianas que acreditam no livre-arbítrio e que negam 0controle meticuloso e providencial de Deus de todos os acontecimentos!)
Eu me considero reformado no sentido amplo — não luterano inserido
na ampla corrente protestante que se estende da reforma suíça liderada
originalmente por Ulrico Zuínglio (1484 - 1531).
5. John Piper, “Why I Do Not Say, ‘God Did Not Cause the Calamity, but He Can Use
It for Good.’ ” www.desiringgod.org/ResourceLibrary/TasteAndSee/ByDate/200 / 8 _
Why_I_Do_Not_Say_God_Did_Not_Cause_the_Calamity_but_He_Can_Use_It_for_
Good/.
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Por que este livro agora?
Acredito que alguém precise, por fim, se levantar e, em amor, dizer
um “Não!” com firmeza às afirmações ofensivas frequentemente feitas
por calvinistas acerca da soberania de Deus. Levadas a sua conclusão
lógica, até mesmo o inferno e os que sofrerão eternamente nele são
preordenados por Deus, Deus é, desse modo, retratado, no melhor
cenário, como moralmente ambíguo e, no pior cenário, um monstro
moral. Cheguei ao ponto de dizer que este tipo de calvinismo, que
atribui tudo à vontade e 0 controle de Deus, torna difícil (pelo menos
para mim) enxergar a diferença entre Deus e o diabo. Alguns de meus
amigos calvinistas se sentiram ofendido com essa afirmação, mas eucontinuo a acreditar que ela seja uma questão válida que valha a pena
ser acompanhada. Quando digo isso quero dizer que se eu fosse calvi-
nista e acreditasse no que estas pessoas ensinam, eu teria dificuldade
em dizer a diferença entre Deus e Satanás. Falarei mais a esse respeito
de maneira pormenorizada durante o curso deste livro.
Alguns calvinistas acusam os não calvinistas de rejeitarem sua teologia
da soberania de Deus em razão do amor humanista latente pelo livre-
-arbítrio. Um colega calvinista, que se tornou um autor bem conhecido de
livros reformados, uma vez me indagou se eu considerava a possibilidade
de que minha crença no livre-arbítrio fosse uma prova de humanismo
não reconhecido em meu pensam ento. Não é necessário dizer que rejeito
essa suposição. A questão é que eu, assim como a maioria dos cristãos
não calvinistas, abraço 0 livre-arbítrio por dois motivos (além do fato deacreditarmos que 0 conceito esteja suposto na Bíblia): 0 livre-arbítrio é
necessário para conservar a responsabilidade humana pelo pecado e o
mal e também por ele ser necessário para eximir Deus da responsabili-
dade pelo pecado e o mal. Posso dizer com toda a sinceridade (como a
maioria dos evangélicos não calvinistas 0 faz) que eu não dou a mínima
para o livre-arbítrio a não ser por estes motivos.Não tenho o interesse em uma teologia centrada no homem; estou
intensamente interessado em adorar um Deus que é verdadeiramente
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Contra 0 Calvinismo
bom e acima da repreensão pelo Holocausto e todos os outros males
que são por demais numerosos para serem mencionados. Um elevado
número de autores calvinistas interpreta equivocadamente as teologias
não calvinistas como se elas fossem antropocêntricas, humanistas,desonrosas a Deus, e até mesmo não bíblicas sem jamais admitir os
problemas em sua própria teologia. Muitíssimos seguidores jovens e
impressionáveis ainda não se deram conta de quais sejam estes proble-
mas16. Escrevo isso para ajudá-los.
É chegada a hora de um “Não” conciliador e amável para a versão
extrem a do calvinismo sendo promovida pelos líderes da geração jovem ,
incansável e reformada e que é frequentemente abraçada sem análise
crítica por seus seguidores. Demonstrarei que o “Não” pode ser dito
dentro da própria teologia reformada e que ele tem sido dito por alguns
teólogos reformados e acadêm icos bíblicos preeminentes. Mostrarei que
este calvinismo extrem ado, que juntamente com 0 partidário Hansel eu
chamo de “ radical” 17 é inerentemente defeituoso bíblica e logicamente
e em termos da tradição cristã mais ampla.
Colocarei todas as minhas cartas na mesa aqui e confessarei que
opero com quatro critérios de verdade teológica: Escritura, tradição,
razão e experiência (o então chamado Quadrilátero Wesleyano). Es-
critura é a fonte e norma primária de teologia. Tradição é a “norma
normatizada” — um respeitado mecanismo de orientação. Razão é
uma ferramenta crítica para interpretar a Escritura e eliminar alegaçõesteológicas absolutamente inacreditáveis que são contraditórias entre si
6. Escrevi um livro inteiro sobre a teologia arminiana, uma tradição que frequentemente
representada equivocadamente pelos críticos calvinistas como uma teologia centrada no
homem (entre outras coisas. OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades;
tradução Wellington Carvalho Mariano. São Paulo: Editora Reflexão, 20 3. Nesta obra
eu provo que a maioria das críticas feitas pelos calvinistas à teologia evangélica não
calvinista (e talvez algumas outras) é falsa.
7. Hansen, Young, Restless, Reformed, 9.
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Por que este livro agora?
ou que levem a conseqüências que são insustentáveis à luz do que mais
é crido. Experiência é 0 teste inevitável na qual a teologia é feita, mas
embora ela seja um critério para avaliação, ela não é uma autoridade,
portanto, dificilmente apelarei a ela. O que eu deveras acredito acerca
da experiência é que nenhuma teologia é criada ou adotada no vácuo;
experiência sempre afeta o que acreditamos e como acreditamos.
Argumentarei no decorrer deste livro que o calvinismo rígido não é a
única e nem a melhor forma de se interpretar a Bíblia. Ele é uma inter-
pretação possível de textos isolados, mas à luz de todo o testemunho da
Escritura ele não é viável. Além do mais, argumentarei que o calvinismorígido permanece em tensão com a antiga fé da igreja cristã e muito da
herança da fé evangélica. Alguns de seus princípios fundamentais não
podem ser encontrados antes de Agostinho, pai da igreja, no século V,
e outros não podem ser encontrados antes de um herético chamado
Gottschalk (aproximadamente 867) ou a partir dele até o sucessor de
Calvino, Theodore Beza.
Por fim, argumentarei que 0 calvinismo rígido entra em contradições;
ele não pode ser feito inteligível — e o cristianismo deve ser inteligível.
Por “inteligível” eu não quero dizer filosoficamente racional; quero di-
zer capaz de ser entendido. Uma contradição pura é evidente sinal de
erro; até mesmo a maioria dos calvinistas concorda com isso. A maior
contradição é a de que Deus é confessado como perfeitamente bom ao
mesmo tempo em que é descrito como autor do pecado e do mal. Nãodigo que todos os calvinistas admitem que sua teologia torna Deus o
autor do pecado e do mal; muitos negam isso. Mas mostrarei que tal é
a “conseqüência lógica e necessária” do que dizem sobre Deus.
Alguém disse que nenhum a teologia que não possa ser pregada na
frente dos portões de Auschwitz é digna de ser crida. Eu, sob meu ponto
de vista, não poderia ficar de pé na frente daqueles portões e pregar uma versão da soberania de Deus que faça do exterm ínio de seis milhões de
judeus, incluindo muitas crianças, parte da vontade e plano de Deus de
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Contra o Calvinismo
maneira que Deus 0 tenha preordenado e o tornado certo18. Quero que
os jovens calvinistas (e outros) saibam e, ao menos passem a reconhe-
cer e lidar com as conseqüências inevitáveis e insuperáveis do que esta
forma radical de teologia reformada ensina. E quero dar a seus amigos,familiares e mentores espirituais a munição a ser utilizada para solapar
esta, por vezes, exagerada confiança na solidez de seu sistema de crença.
8. Em todo esse livro eu utilizarei a frase “ tornado certo” para descrever o que os
calvinistas rígidos acreditam acerca do papel de Deus em causar o pecado e o mal.
Poucos calvinistas rígidos dizem que Deus causou o Holocausto, mas eles dirão que
Deus
0 preordenou e (para fazer uso da terminologia de John Piper) garantiu que ele
acontecesse. “Tornado certo” é uma forma de evitar a linguagem de causação, pois os
calvinistas não se sentem à vontade com isso, mas essa linguagem, ao mesmo tempo,
expressa 0 que deve ser crido dentro da visão calvinista rígida da providência.
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capítulo 2
Calvinismo de quem?
Qual teologia reformada?
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FREQÜENTEI UMA ASSOCIAÇÃO profissional de teólogos cristãos na
qual um acadêmico calvinista preeminente e teólogo reformado leu uma
dissertação acerca da teologia calvinista. Em nenhum lugar ele mencio-
nou as doutrinas da providência meticulosa (de que Deus controla todos
os acontecimentos incluindo 0 pecado e o mal) ou a predestinação. Na
verdade, todo o esquema da TULIP estava com pletamente ausente desua descrição da teologia de Calvino. A ênfase estava preferivelmente
na gratidão para com Deus como o grande tema de Calvino. Durante 0
período de discussão que se seguiu eu perguntei ao acadêmico por que
ele não havia dito nada concernente à doutrina de Calvino da soberania
divina absoluta e toda abrangente. Ele respondeu quase que condescen-
dentemente que tal faceta não é parte essencial da teologia de Calvino
ou da teologia reformada.
Essa resposta surpreenderia a muitos calvinistas jovens, incansáveis
e reformados! Minha experiência é a de que a maioria deles se espe-
cializa nesta doutrina; ela é para eles a doutrina de grande conforto e
o motivo pelo qual eles, em primeiro lugar, abraçaram 0 calvinismo.
Alguém me disse que ele teve um a segunda conversão — sendo esta
segunda conversão ao calvinismo em razão de uma repentina e im-pressionante experiência de conforto e de acreditar que a salvação é
um ato plenamente de Deus e que não tem nenhuma relação com suas
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Contra o Calvinismo
decisões, exceto 0 fato de Deus lhe conceder o dom da fé para crer em
Jesu s Cristo. Para outros jovens calvinistas (e outros) a forte doutrina da
soberania de Deus permite ao mundo caótico fazer sentido — tudo faz
parte do desenrolar de um plano mestre divino.Em suma, a maioria dos participantes no movimento do novo cal-
vinismo acredita firm emente que a soberania absoluta de Deus, que
exclui a contingência e 0 livre-arbítrio, é central a sua recém-descoberta
fé reformada. Será um choque para eles descobrir que “reformado” é
essencialmente um conceito contestado. O que eles estão chamando
de “reformado” não é a única versão da tradição reformada e é ainda
mais debatível se o que eles estão chamando de calvinismo era acre-
ditado em sua totalidade por Calvino.
O QUE SÃO CALVINISMO E TEOLOGIA REFORMADA?
Antes de mergulhar em minha crítica ao calvinism o, cabe a mim
explicar com a maior cautela e acurácia possíveis qual calvinismo estou
criticando e qual teologia reformada eu sou contra. Mas as próprias cate-
gorias são utilizadas de maneiras tão diferentes por diferentes teólogos
e historiadores que é difícil tratar estes termos como caixas (pacotes)
— categorias fechadas na qual cada crença ou se encaixa plenamente
ou não se encaixa. Há muita fluidez e ambigüidade nestes termos e os
fenômenos que eles descrevem.
Comparo a situação a tentar separar conceitos tais como “liberal”
e “conservador” na vida política estadunidense. Dizem que os repu-
blicanos são conservadores. Entretanto, historicamente, muitos dos
primeiros republicanos eram radicais. Abraham Lincoln foi um dos
primeiros republicanos dos Estados Unidos e foi um infame icono-
clasta e destruidor do status quo. Por conseguinte, ele foi tudo exceto
conservador em qualquer sentido comum da palavra. Durante a dé-cada de 60 vários políticos republicanos preeminentes eram notáveis
liberais política e socialmente. Nelson Rockefeller (1908 - 1997) foi
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CaJvinismo de quem? Qual teologia reformada?
vice-presiden te de Gerald R. Ford e foi famoso por ser, de certa form a,
liberal. Entretanto, ele foi 0 líder do partido republicano. Também
durante as décadas de 60 e 70 muitos democratas, principalmente do
sul, eram arquiconservadores política e socialmente. Eram chamadosde “Dixie Democrats”* e, às vezes, “Boll Weevil Democrats”** em
virtude se suas tradições sulistas e recusa de votar a favor de reform as
sociais progressivas.
Categorias políticas não são nem de perto tão organizadas quanto
muitas pessoas pensam. Nem os termos calvinista e reformado. Quan-
do as pessoas me dizem que são teologicamente reformadas, eu tenhouma pequena ideia do que elas querem dizer. Entre os novos e jovens
calvinistas isso geralmente significa que a pessoa é calvinista no sentido
forte da crença em todo 0 sistema da TULIP de soteriologia (doutrina
da salvação). Entretanto, conheço pessoas que são robustamente re-
formadas em suas próprias mentes e que rejeitam aspectos cruciais da
TULIP. De maneira semelhante, conheço pessoas que orgulhosamente se
identificam como calvinistas que não seriam consideradas reformadas
por autoridades preeminentes acerca do que reformado significa. Em
alguns círculos batistas, calvinista indica apenas que a pessoa acredita
na doutrina da segurança eterna dos verdadeiros crentes — que uma
pessoa genuinamente salva não pode se apostatar e terminar no infer-
no independente do que façam ou deixem de fazer. Em alguns círculos
reformados (principalmente no que chamei de “reformados litúrgicos”)batistas não podem ser verdadeiramente reformados. A Comunhão
Mundial de Igrejas Reformadas (CMIR), um órgão ecumênico de 214 de-
nominações em 107 países — não inclui quaisquer grupos batistas ainda
que alguns batistas declarem a si mesmos e suas igrejas como “batistas
* Partido político segregacionista dos EUA de curta duração.
** Nome dado aos políticos estadunidenses na década de 920 em referência aos de-
mocratas sulistas conservadores.
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Calvinismo de quem? Qual teologia reformada?
reformado e da teologia reformada. Muitos deles reivindicam que eles
ou seus líderes são os genuínos portadores do verdadeiro calvinismo
e da teologia reformada, e tendem a colocar o esquema da TULIP no
centro do que significa ser calvinista e reformado. Quero deixar claroque não me oponho a toda a teologia reformada, assim como também
não me oponho a todo o espectro da forma de vida cristã reformada.
Sou contra o esquema da TULIP do calvinismo e da teologia reformada
radical que 0 abraça e o força até o seu limite. Chamo isso de “teologia
reformada radical” em oposição à teologia reformada moderada, que é
mais inclusiva e menos enfática acerca da TULIP.
TEOLOGIA REFORMADA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Uma maneira de lidar com a decisão de quem verdadeiramente é
reformado é olhar para a CMIR. Todos apresentam certas reivindicações
a ancestralidade espiritual e teológica na ala suíça da reforma do século
XVI liderada por Zuínglio e Calvino. (Todavia, historicam ente falando, o
reformador de Estrasburgo, Martin Bucer [1491 - 1551], é comumente
considerado pelos teólogos históricos um líder antigo do movimento re-
formado igualmente importante). A CMIR sem dúvida e, de fato, celebra
a vida e pensamento de João Calvino; algo que ficou evidente durante
2009 — aniversário de quinhentos anos do nascimento de Calvino.
Todavia, sua membresia inclui denominações que não particularmente
exaltam Calvino ou sua teologia, mas cuja linhagem histórica, assim
por dizer, remontam da Reform a Suíça, da qual Calvino fez parte. A
AM1R (Aliança Mundial de Igrejas Reformadas) fundiu-se com outra or-
ganização reformada para formar a CMIR em 2010; 0 website da CMIR
apresentava a seguinte descrição, que alguém pode presumir que esteja
mais ou menos correta acerca da CMIR;
A AMIR é uma associação de mais de 200 igrejas com raízes na
Reforma do século XVI liderada por João Calvino, João Knox, UlricoZuínglio e muitos outros e os primeiros movimentos reformadores
de João Huss e Pedro Valdes. Nossas igrejas são Congregacionais,
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Contra 0 Calvinismo
Presbiterianas, Reformada e Unida. A maioria vive e testemunha
no hemisfério sul; muitas são minorias religiosas em seus países. A
Aliança é uma rede interdependente de pessoas e igrejas trabalhan-
do e adorando juntos com fé na promessa de Deus de sempre estar
com sua criação2.
A CMIR, como a AMIR antes dela, inclui a todos, desde a Igreja Pro-
testante da Algéria (primeira igreja mem bro listada em ordem alfabética
por país) à Igreja Presbiteriana da África do Sul3. Entre as denominações
membro estão a Igreja Evangélica Valdense do Rio da Prata, Uruguai,
uma ramificação do movimento valdense mais amplo que remonta ao
ministério do reformador italiano Pedro Waldo (1140 - 1218), que viveubem antes de Calvino, e a Irmandade Remonstrante da Holanda — a
mais antiga igreja arminiana no mundo. (Jacó Armínio [1560 - 1609] e
seus seguidores, os remonstrantes, eram opositores ferrenhos de, pelo
menos, os três pontos do meio do acróstico TULIP).
Notadamente ausentes da lista estão todas as igrejas batistas, e,
entretanto, conforme dito antes, muitos dos líderes dos jovens, incan-sáveis e reformados são batistas. A exclusão dos batistas da CMIR mais
do que sugere que os cristãos reformados do mundo não consideram
“batista reform ado” um termo historicamente preciso. Claro, os batistas
reformados (e outros) sempre podem dizer que a CMIR não possui auto-
ridade de decidir quem é e quem não é reformado — e isso é verdade.
Entretanto, é interessante que a CMIR exclui batistas, mas inclui muitas
[outras] igrejas, tais como as igrejas valdenses e remonstrantes, que
não consideram a si mesmas calvinistas! Quais igrejas são ou podem
ser inclusas na CMIR? De acordo com sua constituição, pode se filiar
qualquer órgão (denominação) que:
• Aceita a Jesus Cristo como Senhor e Salvador;
2. www.warc.ch.
3. www.warc.ch/who/mc.html
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Contra 0 Calvinismo
versus Arminianismo: The Great Debate: Calvinism, Arminianism, and
Salvation. No livro ele criticou alguns aspectos do calvinismo tradicional
sem tomar partido do arminianismo. De acordo com ele, “o protesto
ético arminiano [contra a doutrina da dupla predestinação] não podeser facilmente colocada de lado”5 e “após consideração sentimos que
é preferível uma melhora do calvinismo a uma rendição a extremos
arm inian os” 6 O contexto deixa claro que ele não tanto se opõe ao ar-
minianismo comum (ex. conforme o ensinado pelo próprio Armínio)
quanto aos extremos racionais que foram adotados por alguns. Ele faz
distinção entre “arminianismo de coração”, que ele pensa ser muito
mais aceitável, e “arminianismo de cabeça” — uma espécie de religiãoracionalista e até mesmo deísta, que ele considera ser objetável.
Mas 0 comentário intrigante feito pelo Sell em The Great Debate é a
citação acima acerca de uma “melhora do calvinismo”. Em outras palavras,
como muitos outros no movimento reformado moderno, Sell acredita
que alguns aspectos do “calvinismo rígido” clássico deve ser modificado.
Ele não deixa dúvida acerca de quem ele se refere quando cita o teólogo
escocês presbiteriano James Orr (1844 - 1913), que criticou a ideia de
Calvino da soberania de Deus porque nela “0 amor está subordinado à
soberania, em vez de a soberania ao am or” 7. Como Orr e muitos outros
pensadores reformados, Sell acredita que Calvino estava, em se tratando
de teologia, parcialmente correto e parcialmente errado. Em um comen-
tário surpreendente Sell sugere que a doutrina de Calvino da eleição deva
ser reinterpretada de tal maneira que Deus chame não apenas pessoas,
mas um povo para o seu louvor” (ex. eleição corporativa) 8. Isto é o que
Armínio acreditava em relação a eleição; a maioria dos arminianos no
decorrer da história interpretaram a eleição desta maneira.
5. Alan P. F. Sell, The Great Debate: Calvinism, Arminianism, and Salvation (Grand
Rapids: Baker, 982), 2 .
6. Ibid., 23.
7. Ibid., 22.
8. Ibid., 23.
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Contra o Calvinismo
Outros além de Sell poderiam ser mencionados: C. Berkouwer (1903 -
1996), um dos teólogos reformados mais influentes do século XX, lutou
contra o que considerava um calvinismo rígido que insistia na soberania
de Deus até o limite de afirmar o decreto de reprovação contra certaspessoas (ou seja, que Deus preordenou para o inferno alguns seres hu-
manos em específico). Hendrikus Berkhof (1914 - 1995) (que não deve
ser confundido com 0 teólogo calvinista Louis Berkhof [1873 - 1957],
com quem ele não possuía parentesco) um teólogo reformado holandês
prolífico, rejeitava radicalmente a visão calvinista tradicional da soberania
de Deus, enfatizando, em seu lugar, a autolimitação de Deus e a parceria
pactuai humana com Deus no reino e salvação".
Outro teólogo reformado bastante conhecido que revisou a teologia
reformada afastando-a do calvinismo clássico foi James Daane, que atuou
como professor de teologia e ministério no Fuller Theological Seminary
por muitos anos. Sua publicação The Freedom o f God: A Study o f Election
and Pulpit'2 é um ataque vigoroso no determinismo e, principalmente,
na doutrina do decreto de Deus da dupla predestinação. Para Daane a
eleição divina incondicional é somente de uma pessoa, Jesus Cristo, e,
por outro lado, do povo corporativo de Deus — Israel e a igreja. E Daane
rejeita absolutamente qualquer decreto de reprovação.
Conclusivamente, outro teólogo reformado revisionista influente
crítico do calvinismo rígido é 0 sulafricano Adrio Kónig, professor
aposentado na UNISA (University of South Africa), cuja obra Here Am I! A Believer’s Reflection on God 13 atacou toda versão determinista da so-
. Ver principalmente a magistral teologia sistemática de um volume de Berkhof,
Christian Faith: An Introduction to the Study of the Faith (Grand Rapids: Eerdmans, 99 ),
onde ele expõe uma teologia reformada radicalmente revisada que praticamente
qualquer arminiano poderia adotar.
2. James Daane, The Freedom of God: A Study of Election and Pulpit (Grand Rapids:
Eerdmans, 973).
3. Adrio Kõnig, Here Am I! A Believer's Refection on God (Grand Rapids: Eerdmans,
982).
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Calvinismo de quem? Qual teologia reformada?
berania de Deus e afirmou, em seu lugar, um Deus que se autolimita,
que sofre a rejeição humana e 0 mal e que convida as pessoas para um
relacionamento pactuai consigo mesmo sem preordenar ou determinar
suas escolhas. Novamente, assim como com Berkhof e outros teólogosreformados revisionistas aqui mencionados, a maioria dos arminianos,
se não todos, assinariam de bom grado em concordância com estas
visões reform adas da soberania de Deus.
Estou bastante cônscio, claro, que os teólogos calvinistas reformados
mais tradicionalistas e seus seguidores tratarão estes revisionistas des-
controlados como desertores da tradição [reformada]. Os revisionistas
provavelmente responderiam que os tradicionalistas estão esquecendo o
lema reformado “reformado e sempre reformando”. Até mesmo a própria
tradição reformada precisa de reforma e, de acordo com os revisionistas,
ela nunca esteve tão frágil a ponto de ser incapaz de mudar. Contudo, é
preciso admitir que, especialmente nos EUA nos anos recentes, com a
ascensão do novo calvinismo, o termo “reformado” é mais comumente
utilizado nos círculos protestantes evangélicos para o sistema soterio-
lógico da TULIP (sem, naturalmente, excluir outros aspectos da crença
reformada). Mas tal utilização é necessariamente uma definição precisa
do termo reformado? Até mesmo entre os evangélicos nos EUA 0 termo
“reformado” é descrito de maneiras bastante distintas.
Como minha primeira testemunha eu chamo 0 conhecidíssimo e am-
piamente reconhecido teólogo e historiador reformado Donald McKim,editor de um livro de referência para a editora presbiteriana Westminster
John Knox Press e ex-professor de teologia em vários seminários reforma-
dos e presbiterianos, incluindo 0 Memphis Theological Seminary (onde
ele também atuou como reitor) e a University of Dubuque Theological
Seminary. McKim formou-se bacharel pelo Westminster Theological Se-
minary (um baluarte de teologia reformada conservadora) e obteve PhD
pela University of Pittsburgh. Durante sua carreira ele editou e escreveu
inúmeros livros sobre a teologia reformada, incluindo The Encyclopedia
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Contra o Calvinismo
o f the Reform ed Faith, The Westminster Handbook to Reform ed Theology,
and Introducing the Reformed Faith.'4. Praticamente por todos os aspec-
tos, McKim é uma autoridade confiável acerca da teologia reformada.
De acordo com McKim, “cada igreja ou grupo de igrejas... tem suaprópria definição do que significa ser “‘reformado’” 15 Em outras palavras,
de acordo com este perito, “ reform ado” não é uma categoria monolítica
ou fechada; 0 termo é, na verdade, um conceito essencialm ente contes-
tado. E ele afirma que 0 termo é uma tradição viva ainda em processo16.
Todavia, isso não significa que 0 termo seja vazio ou pertença a uma
categoria vazia. Antes, de acordo com McKim, devemos tratar 0 termo
como uma família diversificada — a “família reformada” que traça sua
ancestralidade à João Calvino de Genebra e a um período ainda mais
remoto. “A fé reformada...tem sua árvore genealógica”, declara McKim,
e como todas as árvores genealógicas, ela é repleta de diversidade17.
Um aspecto desta diversidade, de acordo com McKim, pode ser visto
nas diferenças entre a própria abordagem de Calvino para a teologia e
a de seus seguidores. “Embora Calvino tivesse uma mente sistemática
brilhante, seus sucessores no século XVII sistematizaram sua teologia
ainda mais. Ela tornou-se mais detalhada e fundiu-se ao modelo cha-
mado escolasticismo” '8. O restante do livro de McKim revela que não
considera este desenvolvimento como algo bom.
Como muitos outros acadêmicos da tradição reformada, McKim 0
descreve em termos de “semelhanças familiares” em vez de um sistema
4. Donald K. McKim,The Encyclopedia of the Reformed Faith (Louisville, KY: Westminster
John Knox, 992); idem, The Westminster Handbook to Reformed Theology (Louisville,
KY: Westminster John Knox, 200 ); idem, Introducing the Reformed Faith (Louisville, KY:
Westminster John Knox, 200 ).
5. McKim, Introducing the Reformed Faith, xiii.
6. Ibid.,XV.
7. Ibid., 2.
8. Ibid.
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Calvinismo de quem? Qual teologia reformada?
fechado. Uma semelhança familiar é 0 confessionalismo — cristãos
reformados frequentemente confessam sua fé fazendo uso das dos
credos históricos do cristianismo (principalmente o Credo Niceno) e
as confissões reformadas históricas, tais como a Fórmula Helvética deConsenso de 16 7 5 19. Entretanto, de acordo com McKim, estas confis-
sões de fé são sempre “relativas”, “temporárias” e “provisionais” 20. Ele
percebe que nem todas as pessoas reformadas concordarão e dirão:
“Embora alguns órgãos reformados tenham uma tendência de se tor-
narem mais restritos e quase presumem que suas formulações sejam
os únicos meios de se expressar a verdade de Deus, este impulso está
na contramão da verdadeira força vital da fé reformada”21. Um exemplo
da abordagem “mais restrita” com as confissões reformadas pode ser
a obra de Sproul, cujos livros, tal como O Que é Teologia Reformada?
que quase trata a Confissão de Westminster como em par de igualdade,
em termos de autoridade, com a própria Escritura. (Claro que Sproul
negaria isso, mas ele apela à confissão com tanta frequência como
se ela fosse uma autoridade incorrigível para 0 cristão e, em especial,
para o pensamento reformado).
O tratamento de McKim, da fé reformada ressalta seus pontos em
comuns com outras ramificações do cristianismo; ele inclui capítulos
acerca da Escritura como a Palavra de Deus, Trindade e a pessoa de
Cristo, onde nada particularmente calvinista é encontrado. Nos capítu-
los acerca da providência e salvação, onde alguém esperaria encontraruma forte ênfase nas particularidades calvinistas, McKim fornece relatos
modestos da doutrina reformada. Por exemplo, ao discutir a soberania
de Deus na história (providência), ele reconhece que os reformados tradi-
cionalmente enfatizam que 0 plano e os propósitos de Deus conduzem a
9. Ibid., 7.
20. Ibid., 8.
2 . Ibid., 7.
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Contra o Calvinismo
criação, história humana e as vidas humanas. O Deus que conhece todas
as coisas também deseja todas as coisas “22. Todavia, quando volta-se
para o problema de Deus e 0 mal, ele explicitamente nega 0 que muitos
consideram o ponto controverso central do calvinismo rígido — queDeus até mesmo preordena e torna certo (“envia”) 0 mal: “Não falamos
de Deus enviando 0 mal sobre nós ou causando tais coisas em nossas
vidas que são contrários aos propósitos graciosos, am orosos e de justiça
de Deus conforme vemos tais aspectos em Jesus Cristo” 23.
Claro, a maioria dos teólogos reformados nega que Deus realmente
“causa” 0 mal em qualquer sentido direto, mas como mostrarei abaixo,muitos calvinistas de fato afirmam que até mesmo 0 pecado e o mal são
partes do plano divino preordenado e tornado certo por Deus para se
encaixar nos propósitos de Deus para a história. McKim parece querer
evitar qualquer implicação de que o mal seja parte do plano de Deus ou
que Deus 0 torne certo. Sua versão da soberania de Deus é uma versão
abrandada que provavelmente não deixaria muitos dos novos calvinistas
e seus teólogos mentores satisfeitos.
Mais surpreendente ainda, talvez, é que McKim sequer menciona
a expiação limitada (o “L” na TULIP), também chamada de “redenção
particular” por muitos calvinistas. Seu livro inclui um capítulo inteiro
acerca da “Obra de Cristo” na qual ele discute a doutrina reformada da
expiação. Mas podem procurar em vão pela expiação limitada — algo
que chocaria muitos calvinistas.Em seu capítulo acerca da “Salvação: Recebendo 0 Dom de Deus”,
McKim alega descrever “ênfases reformadas”, mas diz pouco acerca da
eleição ou graça irresistível. Ele coloca mais ênfase na eleição corpora-
tiva para serviço do que na eleição incondicional de indivíduos, apenas
mencionando resumidamente a última: “Alguns acreditam; outros não.
22. Ibid., 5 - 52.
23. Ibid., 52.
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Calvinismo de quem? Qual teologia reformada?
A explicação para isso está na eterna eleição de Deus” 24. Por fim, pró-
ximo do final de seu livro, McKim explica de maneira clara: “Nem todos
os cristãos reformados aderem [aos] ‘Cinco Pontos do Calvinismo’”25.
O contraste entre esta descrição da fé reformada e a de Sproul em OQue é Teologia Reformada? (e em outros livros semelhantes) é descon-
certante. No livro Sproul praticamente iguala a teologia reformada ao
calvinismo rígido da TULIP e com uma doutrina da soberania de Deus
tão forte e tão absoluta quanto possível: “Se Deus não é soberano, en-
tão ele não é Deus. Pertence a Deus como Deus ser soberano” 26. O
contexto deixa claro que por “soberano” Sproul quer dizer que Deus é o
determinador e controlador absoluto de tudo até os mínimos detalhes.
O restante do livro apresenta algo bem diferente da que é exposto por
McKim; mostra a fé reformada em termos de TULIP, incluindo a dupla
predestinação — o decreto de Deus de reprovação de alguns para o
tormento eterno no inferno 27.
Temos, portanto, dois acadêmicos renomados da tradição reformada,
Donald McKim e R. C. Sproul, definindo e descrevendo-a de maneiras
bem distintas. As únicas coisas que eles parecem ter em comum sáo
linhagem histórica da herança reformada, incluindo, mas não exclusi-
vãmente determ inada por Calvino e um a ênfase na soberania divina
considerada como de alguma forma ausente em teologias não reforma-
das. Claro, até mesmo Sproul admitiria que “reformado” inclui mais do
que apenas a TULIP (como McKim incansavelmente argumenta), masque 0 sistema soteriológico lhe serve como a característica peculiar da
teologia reformada ao passo que este mesmo sistema soteriológico não
é peculiar para McKim.
24. Ibid., 24.
25. Ibid., 83.
26. SPROUL, R C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p 22.
27. Ibid., 4
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Contra o Calvinismo
Um teólogo reformado estadunidense que parece andar em uma linha
entre McKim e Sproul é Richard Mouw, presidente do Fuller Theological
Seminary, cujo livro Calvinism in the Las Vegas Airport28 é uma prazerosa
viagem pela teologia reformada conforme entendida pelo autor. Mouwafirma a TULIP sem a colocar na dianteira ou centro como o “elemento
mais importante e supremo” da teologia reformada; para ele a visão
reformada de uma sociedade transformada parece mais importante do
que uma doutrina particular da soberania de Deus. Contudo, ele diz que
ele abraça as doutrinas da TULIP ao passo que admite que há um “gosto
ruim acerca destas doutrinas” 29 É fácil discernir que Mouw sente-se des-
confortável com a ênfase do calvinista clássico na TULIP e, em especial,
com as maneiras na qual a ênfase é geralmente expressada. “Devo...
dizer francamente que... vejo muitas calvinistas que carecem de man-
sidão e respeito. Até mesmo encontro essa ausência de qualidades nas
interações de calvinistas com outros cristãos. De fato, os calvinistas não
são comumente muito gentis e respeitosos ao debater pontos delicados
da doutrina com colegas calvinistas” 30.
O desconforto de Mouw com alguns pontos da TULIP é aparente
em seu capítulo sobre 0 “L” da TULIP — expiação limitada ou redenção
particular, ou seja, a ideia de que a morte expiatória de Cristo na cruz
foi intencionada por Deus apenas para alguns pecadores (os eleitos). Ele
a chama de “doutrina de prateleira”, e que com essa expressão quer
dizer que ela é parte de seu sistema de crença, mas que não funcionaem sua vida no seu cotidiano31. Enquanto continua a afirmá-la (ainda
que de certa forma revisada), Mouw deseja que a doutrina fique “em
28. Richard J. Mouw, Calvinism in the Las Vegas Airport (Grand Rapids: Zondervan,
2004).
29. Ibid., 4.
30. Ibid., 5.
3 . Ibid., 39 - 40.
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Calvinismo de quem? Qual teologia reformada?
paz” e que só a “retire da prateleira” de vez em quando, e então, para
colocá-la de volta à prateleira. Pode-se imaginar porque alguém gostaria
de se apegar a uma “doutrina de prateleira”.
O que quero dizer é que Mouw representa um terceiro tipo de teólo-go reformado nos EUA (e talvez em todo o mundo). O primeiro tipo é
representado por McKim, cuja teologia reformada é flexível e aberta à
revisão e não considera 0 esquema da TULIP como essencial. O segundo
tipo é representado por Sproul, cuja teologia reformada parece um tanto
fechada e gira em torno de uma forte visão da soberania de Deus (que eu
chamo de determinismo humano) e0
esquema da TULIP. O terceiro tipo
é representado por Mouw, que afirma todos os elementos históricos do
calvinismo, mas que fica, de certa forma, constrangido com, no mínimo,
alguns destes elementos e que não considera 0 esquema da TULIP ou a
soberania divina absoluta com os temas mais importantes da fé reformada.
Deste modo, 0 problema de definir “reformado” persiste e provável-
mente sempre persistirá. Como disse anteriormente (e espero agora ter
provado) o termo “reformado” é, em essência, um conceito contestado.
Ainda assim , o termo não é vazio ou sem sentido. Abordando os recur-
sos que mencionei até 0 momento estas são as minhas teses acerca do
significado de “reformado”. Primeiro, ele é um tipo ideal de teologia pro-
testante atrelado à ramificação histórica da reforma protestante oriunda
principalmente dos esforços reformadores dos teólogos suíços Ulrico
Zuínglio e João Calvino (e seus companheiros), mas também do teólogoMartin Bucer, de Estrasburgo. Tais características podem ser encontradas
em denominações tão diversas quanto congregacionais e anglicanas.
Segundo, a ênfase na supremacia e soberania de Deus é comum em
todas as teologias reformadas, embora ela seja interpretada de maneiras
diferentes. “Reformado” não é sinônimo de TULIP, embora a TULIP esteja
presente dentro da tradição reformada e todos os reformados tendem a
lidar com ela de certa forma (ainda que seja apenas ao rejeitá-la como
a característica central de sua fé).
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capítulo 3
Calvinismo puro e simples:
O sistema TULIP
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Contra o Calvinismo
Entretanto, antes de adentrar nestas áreas de diversidade, quero
permitir que proeminentes calvinistas expliquem 0 que eu chamo de
“calvinismo geral” ou “calvinismo puro e simples” Surpreendentemente,
o calvinismo não está atrelado precisamente ou exatamente a tudo oque Calvino veio a ensinar, embora 0 sistema tenha um débito histórico
e teológico para com Calvino. O que eu cham o de “calvinismo” hoje
inclui alguns elementos que 0 próprio Calvino não enfatizou, isso se
ele acreditou neles de alguma forma. Um exemplo disso é a “expiação
limitada”. Alguns teólogos históricos acreditam que Calvino ficaria des-
contente com a natureza extremamente sistemática e escolástica do
calvinismo desenvolvido por seus seguidores. Explicarei estas questões
mais a fundo neste capítulo.
Um teólogo calvinista preeminente e guia confiável para esse ponto
de vista geral calvinista acerca da soberania é Loraine Boettner. Embora
ele não seja conhecido, meio século após o cume de sua produtivida-
de como autor, sua influência sobre os calvinistas contemporâneos é
profunda. Ele é amplamente considerado pelos teólogos calvinistas nos
EUA uma grande “figura paterna” que lhes empacotou e entregou a fé
calvinista. Ele certamente não é considerado infalível, e alguns calvinistas
discordarão de alguns de seus ensinos, mas poucos teólogos calvinistas
do século XX podem permanecer ombro a ombro com ele em termos
de influência e respeito.
De acordo com Boettner, 0 calvinismo começa com uma visão deDeus derivada da Escritura que também é consistente com 0 teísmo
filosófico: “A própria essência do teísmo consistente é que Deus teria um
plano exato para 0 mundo, conheceria de antemão as ações de todas as
criaturas que Ele propôs criar e através de Sua providência toda-inclusiva
Ele controlaria todo 0 sistema” '. Boettner finaliza a questão adiante ao
afirmar que Deus “muito obviamente predeterminou todo evento que
. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 23.
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Contra o Calvinismo
pois “o mundo como um todo, e em todas suas partes e movimentos e
mudanças, foi colocado como unidade pela atividade governante, toda-
-harmonizante e toda-dominante da vontade divina, e seu propósito foi
de manifestar a glória divina” 5. Poucos calvinistas verdadeiros, e isso sehouver algum, disputariam com qualquer parte desta definição. (Digo
calvinistas verdadeiros porque não é difícil encontrar pessoas que alegam
ser calvinistas, mas que não 0 são. Por exemplo, muitos batistas do sul
pensam que são calvinistas só porque acreditam na segurança eterna
do crente - 0 quinto ponto do sistema TULIP. Mas acreditar nisso, por
si só, dificilmente faz de alguém um calvinista!).
Explicarei e criticarei esta visão calvinista da soberania de Deus no
capítulo seguinte. Ela não é o que todos os cristãos acreditam. Todos os
cristãos sempre acreditaram que nada, de jeito algum, pode acontecer
sem a permissão de Deus, e quase todos os cristãos sempre acreditaram
que Deus conhece de antemão tudo o que acontecerá. Mas os calvinistas
normalmente vão além e alegam que tudo 0 que acontece é planejado
e tornado certo por Deus. Calvino negou explicitamente a simples pres-
ciência ou permissão de Deus - até mesmo para 0 mal 6.
Alguns leitores podem imaginar se eu simplesm ente escolhi um cal-
vinista extremado - Boettner - para representar 0 “calvinismo geral” ou
o calvinismo puro e simples. De forma alguma.Todas estas ideias acerca
da soberania de Deus na história e salvação podem ser encontradas em
calvinistas contemporâneos, tal como Sproul e Piper. Irei fazer citaçõesdestes calvinistas quando voltar para minha crítica no capítulo seguinte.
Aqui eu sim plesmente estou utilizando 0 Boettner como um modelo para
apresentar 0 calvinismo dominante, geral.
De acordo com Boettner (e a maioria dos calvinistas), Deus não é
apenas supremo e absoluto em controle (e controlador) da história; ele
5. Ibid., 4.
6. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol.2, p. 78.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
também está no controle absoluto acerca de quem irá e quem não irá ser
salvo. É aqui que voltamos para o famoso (ou infame) acróstico TULIP
para descrever o sistema calvinista de soteriologia. Os leitores devem
saber a origem da TULIP. É um acróstico desenvolvido no século XIXpara ajudar os alunos a se lembrar dos então chamados “cinco pontos
do calvinismo” conforme eles foram afirmados nos Cânones do Sínodo
de Dort em 1618/1619.
Dort foi uma reunião de “clérigos” calvinistas (teólogos, eruditos,
pastores) na cidade holandesa de Dordrech para responder às crenças
dos Remonstrantes - seguidores de Jacó Armínio. Os Remonstran-
tes apresentaram aos líderes da Igreja Reformada da Holanda uma
“remonstrância” ou protesto contra certas ideias calvinistas comuns.
Alguns historiadores (principalmente calvinistas) tiraram conclusões
equivocadas deste documento como se ele rejeitasse todos as cinco
crenças representadas pela TULIP (depravação total, eleição incondicio-
nal, expiação limitada, graça irresistível, perseverança dos santos). Na
verdade, 0 documento só rejeitou os três pontos do meio, deixando a
depravação total e a perseverança dos santos abertas à discussão futura.
(Houve várias versões da “remonstrância” escritas e publicadas em toda
a década após 0 falecimento de Armínio e o Sínodo de Dort, e algumas
deixavam a perseverança aberta ao passo que outras pareciam fechar 0
caso como se a perseverança estivesse errada. Mas todos os documentos
da remonstrância afirmaram a depravação total).O Sínodo de Dort rejeitou a “remonstrância” dos Remonstrantes afirmou
os entào denominados cinco pontos do calvinismo que mais tarde vieram
a ser resumidos fazendo uso do heurístico dispositivo TULIP. Os Cânones
(decretos) de Dort incluíram muito mais que a TULIP, mas estas cinco crenças
foram as consideradas negadas pelos Remonstrantes de maneira que elas
foram tratadas como a essência dos pronunciamentos do Sínodo de Dort.
Desde Dort 0 calvinismo tem sido resumido pelos próprios calvinistas
pelo uso dos cinco pontos e Boettner os segue bem de perto em sua
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Contra o Calvinismo
exposição da fé calvinista. O mesmo faz um grande número de outros
autores calvinistas cujos títulos das obras revelam a centralidade da
TULIP. The Five Points of Calvinism (Os Cinco Pontos do Calvinismo) do
pastor-teólogo cristão Edwin H. Palmer7 e The Five Points o f Calvinism: Defined, Defended and Documented (Os Cinco Pontos do Calvinismo: Defi-
nido, Defendido e Documentado) de David N. Steele e Curtis C. Thomas.8
Outros livros não apresentam os cinco pontos em seus títulos, mas,
entretanto, organizam suas exposições do calvinismo de acordo com a
TULIP. Um exemplo disso é a obra de Sproul O que é Teologia Reformada?
(Uma notável exceção é a obra de H. Henry Meeter, The Basic Ideas of
Calvinism,9 que mal menciona a TULIP. Este livro parece ser mais uma
exposição da teologia reformada e do pensamento social em geral do
que a soteriologia calvinista em particular).
Muitos calvinistas, se não todos, concordam com Boettner acerca dos
cinco pontos como um sistema. Eles são, ele escreveu, um “sistema
simples, harmonioso e autoconsistente” e “prove que qualquer um destes
pontos seja falso e 0 sistema como um todo precisa ser abandonado”10.
Uma questão que surgirá posteriormente é se este sistema pode ser
encontrado em Calvino. Argumentarei que ele não pode ser encontrado
e que pelo menos 0 “L” foi criado e inserido no sistema após Calvino.
Mas isso não incomoda a maioria dos calvinistas, pois estes não pensam
que seu calvinismo deva aderir submissamente a tudo 0 que Calvino
acreditava ou escreveu.
7. Edwin H. Palmer, The Five Points of Calvinism (Grand Rapids: Baker, 972).
8. David N. Steele e Curtis C. Thomas, The Five Points of Calvinism: Defined, Defended
and Documented (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed, 963).
9. H. Henry Meeter, The Basic Ideas of Calvinism (Grand Rapids: Baker, 990).
0. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 59.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TUUP
“T” DE DEPRAVAÇÃO TOTAL
O primeiro ponto do sistema calvinista é 0 T, que corresponde a
depravaçáo total. Este conceito é amplamente mal-entendido; ele não
significa que os seres humanos são tão maus quanto possivelmente
podem ser. O “total” é que faz com que as pessoas entendam erro-
neamente este ponto. Antes, no geral, ele significa que toda parte da
pessoa humana (exceto Jesus Cristo, claro) está infectado e tão afetado
pelo pecado que a pessoa é completamente incapaz de agradar a Deus
antes de ser regenerada (nascida de novo) pelo Espírito de Deus. De
acordo com Boettner, a pessoa natural, antes e separada da graça rege-neradora de Deus, peca sempre e livremente e se deleita no pecado ",
pois a pessoa “é estrangeira por nascimento e pecadora por escolha”12.
As “virtudes naturais” das pessoas não contam como algo bom, pois
são realizadas pelos motivos errados; a depravaçáo jaz na condição
do coração herdado de Adão '3. Os seres humanos nascem com uma
natureza corrupta, mas são, entretanto, plenamente responsáveis pelospecados que não podem evitar em virtude de sua condição '4. Boettner
alega que “apenas os calvinistas parecem levar esta doutrina da queda
[pecado origina] a sério” '5.
Mais uma vez, esta visão fortemente pessimista da humanidade é
consistente com os próprios ensinos de Calvino? Sem sombra de dúvi-
da que é. Calvino escreveu que em razão da queda de Adão “o homem
inteiro, da cabeça aos pés, foi, como por um dilúvio, de tal modo asso-
lado, que nenhuma parte ficou isenta de pecado, e em conseqüência
. Ibid., 63.
2. Ibid., 62. Esta é uma citação da Confissão de Fé de Westminster.
3. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 72.
4. Ibid., 63.
5. Ibid., 72. Contestei esta alegação em Teologia Arminiana: Mitos e Realidades;
tradução Wellington Carvalho Mariano. São Paulo: Editora Reflexão, 20 3, 75 - 203.
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Contra o Calvinismo
tudo quanto dele procede deve ser imputado ao pecado. Como Paulo
diz [Rm 8.6, 7]: todos os afetos ou cogitações da carne são inimizades
contra Deus; e por isso, morte” 16.
Isso também é consistente com 0 ensino calvinista contemporâneo
após Boettner? Certamente é. Sproul o expressa de maneira sucinta:
“em nossa humanidade corrupta nunca fazemos uma só coisa boa” 17.
Assim como Boetneer e Calvino antes dele, Sproul atribui essa condição
desesperançada e incapaz da pessoa natural separada da graça regene-
radora de Deus ã queda de Adão. Para todos os calvinistas - pelo menos
para a maioria, se não todos - todos os humanos, com exceção de Jesus
Cristo, herdam a natureza corrupta de Adão e são culpados pelo pecado
de Adão. Boettner escreve: “O pecado de Adão é imputado a seus des-
cendentes” '8. Sproul resume a severa visão calvinista da humanidade
em razão da queda desta forma: “O homem é incapaz de elevar a si
mesmo ao bem sem a obra da graça de Deus em seu interior. “Nós não
temos mais capacidade de retornar a Deus do que um vaso vazio tem
de ficar cheio de água novamente” 19.Muitos calvinistas explicam a condição humana após a queda e antes
da regeneração pelo Espírito Santo, de maneira literal, como uma morte
espiritual, e fazem isso tendo por base Efésios 2. Em outras palavras,
para o calvinismo típico, a pessoa humana caída é totalmente incapaz de
até mesmo desejar Deus ou as coisas de Deus. Não há habilidade moral
(em oposição a uma hipotética habilidade natural que não existe em
questões espirituais) para alcançar a Deus ou aceitar a oferta divina de
salvação. Tudo o que flui da pessoa morta é pútrido e sujo, ainda que tal
pareça ser virtuoso. A razão disso é que a verdadeira virtude é definida
6. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol.2, p. 25.
7. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 03.
8. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 77.
9. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009,p. 05.
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pelo motivo, e o coração do pecador, escurecido pelo pecado, tem uma
constante disposição para 0 eu em vez de para Deus ou o seu próximo.
Esta descrição da condição humana é importante ter em mente, pois é
por causa dela que muitos calvinistas argumentam que ninguém pode
ser salvo sem a eleição incondicional e a graça irresistível.
Assim como Calvino, os calvinistas geralmente reconhecem a existên-
cia de “virtudes civis” na pessoa natural caída que está espiritualmente
morta. Calvino falou com eloqüência acerca dos “dons naturais” das
pessoas caídas, que são capazes, pela ajuda do Espírito de Deus, atra-
vês da graça comum , de realizar grandes coisas nas artes e ciências20.
Claro, nenhuma destas habilidades ou realizações possui qualquer re-
lação com a salvação. Sproul comenta acerca da realidade da “virtude
civil” pela qual as pessoas externamente se conformam à lei de Deus
e realizam atos de caridade, mas ele nega que tais atos sejam sinais de
vida espiritual, pois eles são todos feitos a partir do interesse próprio 21.
A pessoa natural caída pode realizar coisas grandes, mas ela não pode
agradar a Deus porque seu coração ainda é corrupto e centrado em simesmo. O pecado jaz nos motivos, e eles são plenamente errados até
que 0 Espírito Santo regenere a pessoa.
“U”, DE ELEIÇÃO INCONDICIONAL
O Segundo ponto da TULIP é a eleição incondicional. “Eleição” é outra
palavra bíblica para predestinação para salvação (ou serviço); elas sãosinônimas. Todos os cristãos acreditam na eleição; os calvinistas acredi-
tam nela de uma forma específica. Boettner a expressa claramente: “A
fé reformada tem defendido a existência de um decreto divino eterno
que, anterior a qualquer diferença ou deserção nos próprios homens,
separa a raça humana em duas porções e ordena uma para a vida eterna
20. CALVINO, Joâo. As Institutas: edição clássica, vol.2, pp. 42-45.
2 . SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 03.
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Contra o Calvinismo
e outra para a morte eterna [inferno]”22. Isto é, claro, 0 que é comumente
conhecido como “dupla predestinação”.
Alguns calvinistas negarão este ensinamento em favor de uma “única
predestinação” frequentemente chamada de “calvinismo moderado” ou
ameno. (Estes termos também são, às vezes, utilizados para outras per-
mutações do calvinismo). A predestinação única é a crença de que Deus
escolhe algumas pessoas caídas para as salvar ao passo que simplesmente
“ignora” outras, “abandonando-as” a sua merecida condenação. Em outras
palavras, de acordo com esta ideia, não há decreto de Deus pela qual ele
ordene qualquer pessoa para 0 inferno. Ou seja, não há “decreto para
reprovação”, mas apenas um decreto de eleição para salvação.Boetnner e outros calvinistas zombam da ideia de uma única predes-
tinação. Ele enfatizou, corretamente julgo eu, que a predestinação de
alguns para a salvação, da parte de Deus, é a predestinação de alguns
para a condenação. Ele escreveu acerca da reprovação que “ela, tam-
bém, é de Deus” 23. Ele explicou 0 caso desta maneira: “Nós [calvinistas]
acreditamos que desde toda a eternidade Deus planejou deixar alguns
da posteridade de Adão em seus pecados; e que o fator decisivo na vida
de cada um encontra-se apenas na vontade de Deus” 24. Isso pode ser
colocar as coisas de maneira um pouco mais forte do que a maioria
dos calvinistas deseja colocar, mas a descrição corajosamente adere de
maneira consistente à crença da soberania absoluta de Deus em todas
as coisas. Observe 0 que Boettner está dizendo aqui: 0 “fator decisivo”
na ida de algumas pessoas para 0 inferno é a vontade de Deus. Boettnerera impaciente, para dizer o mínimo, com calvinistas que defendem
a predestinação única: “Calvinismo brando é sinônimo de calvinismo
enfermo, e a enfermidade, se não curada, é o início do fim” 25.
22. Boettner, The Reformed Doctrine o f Predestination, 83.
23. Ibid., 02.
24. Ibid., 04.
25. Ibid., 05.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
O que Calvino disse? Ele acreditava nesta dupla predestinação, incluin-
do a reprovação soberana divina de certas pessoas para o inferno? Ele
escreveu: “que [Deus] designou de uma vez para sempre, em seu eterno
e imutável desígnio, àqueles que ele quer que se salvem, e também
àqueles que quer que se percam” 26. A fim de que ninguém 0 interprete
de maneira equivocada, Calvino enfatizou esta posição ao ridicularizar
os que aceitam a eleição, mas que rejeitam a reprovação, chamando tal
coisa de “notável desvario”: “Portanto, aqueles a quem Deus pretere os
reprova; não por outra causa, mas porque os quer excluir da herança
para a qual predestina a seus filhos” 27. Calvino notoriamente reconhe-
ceu e afirmou 0 caráter altamente objetável desta dupla predestinação
e, em especial, o lado reprobatório da predestinação, chamando-o de
“decreto espantoso”. 28
O que dizer de outros calvinistas? Sproul afirma inequivocamente a
eleição incondicional de alguns para a salvação e a predestinação de
outros para a condenação:
Ensina [a visão calvinista da predestinação] que desde a eternidade
Deus escolheu intervir nas vidas de algumas pessoas e trazê-las à fé
salvadora, e esco lheu não fazer isso para outras pessoas. Desde toda
a eternidade, sem nenhuma visão prévia de nosso comportamento
humano, Deus escolheu alguns para a eleição e outros para a repro-
vação... A base para a escolha hum ana não está somente no homem,
mas no beneplácito da vontade divina 29.
Aos que dizem que Deus elege alguns para a salvação, mas que não
predestina ninguém para a condenação, Sproul responde: Se é que real-
mente existe uma coisa tal como predestinação, e se essa predestinação
26. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol.3, p. 393.
27. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol.3, p. 409,
28. Ibid., vol. 3, p. 4 6. As palavras exatas que Calvino utilizou no original foram
“decretum horribile.” Ela foi traduzida, nesta versão, como “decreto espantoso”.
29. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 0 .
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Contra o Calvinismo
não inclui todas as pessoas, então não podemos escapar da necessária
influência de que há dois lados para a predestinação. Não é suficiente
falar sobre Jacó; precisamos também considerar Esaú [em referência à
Romanos 9]” 30.
Sproul explica cuidadosamente que estes dois decretos de Deus -
eleição e reprovação - não são iguais. Ele rejeita o que ele chama de
“hipercalvinismo”, que acredita na “ultimação igual” dos decretos da
eleição e reprovação. (Aqui há uma área de diversidade entre os calvi-
nistas, embora Sproul declare o que ele chama de “hipercalvinismo”
como sendo “anticalvinismo”! 3') Conforme ele explica, o decreto de
eleição é positivo ao passo que o decreto de reprovação é negativo. Em
outras palavras, Deus, de maneira positiva, coloca a fé nos corações dos
eleitos enquanto que, de maneira proposital, negligência fazer o mesmo
com os réprobos. A única diferença é que Deus não cria a descrença
nos corações dos réprobos; ele simplesmente os abandona em suas
condenações ao passo que Ele cria a crença nos corações dos eleitos 32.
Alguém só pode se perguntar quão grande é esta diferença. Como é queDeus não torna estes dois decretos igualmente finais? Ambos são incondi-
cionais no sentido de que a escolha de Deus não está embasada em nada
que Deus veja nas pessoas escolhidas ou ignoradas. Conforme explicarei
no capítulo 5, chamar um decreto de “positivo” e 0 outro de “negativo” não
parece diminuir a atrocidade da reprovação. Sproul acusa 0 hipercalvinismo
de fazer “uma drástica violência à integridade de Deus”33. Um crítico do
calvinismo rígido de Sproul diria 0 mesmo acerca de sua visão.
Alguns leitores que vieram a abraçar o calvinismo (ou estão consi-
derando isso) ao ouvirem ou lerem John Piper podem se perguntar se
30. Ibid., 03.
3 . Ibid., 04.
32. Ibid., 04 - 05.
33. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p 05.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
ele abraça este “decreto horrível” de reprovação. Ou seja, o Piper acre-
dita que a predestinação é incondicional e dupla? Sem dúvida que ele
acredita. Em The Pleasures of God (Os Prazeres de Deus) ele discute “O
Prazer de Deus na Eleição” e não deixa dúvida de que ele concorda comCaivino, Boettnner e Sproul. A eleição, ele diz, é incondicional porque
“ela não é embasada naquilo que alguém faz após nascer. Ela é livre e
incondicional” 34. Ele não trata muito dos não eleitos, mas afirma que
Deus escolhe alguns para não salvar, embora ele tenha compaixão deles”
35. Tratarei desta alegação no capítulo seguinte; tal alegação parece con-
traditória para mim e para a maioria dos não calvinistas, se não todos 36.
O ponto principal do “U” da TULIP, para os calvinistas, é a natureza
incondicional da eleição para a salvação (que também seria verdadeiro
da reprovação). A predestinação de Deus dos destinos eternos de seres
humanos individuais não tem qualquer relação com a presciência do caráter
ou escolhas.Todo autor calvinista enfatiza e destaca este ponto. Boettner
declara que a escolha de Deus náo é embasada em nada que Deus veja
em uma pessoa, incluindo sua presciência de sua fé ou arrependimento. Até mesm o a fé e o arrependimento são dons de Deus para o eleito e
não podem ser a base de sua eleição 37. Para os calvinistas isto é uma
doutrina de misericórdia e graça - que Deus soberanamente escolhe
salvar alguns pecadores imerecedores e ele mesmo realiza toda a sal-
vação sem qualquer cooperação dos pecadores. Os críticos acreditam
que eles escolhem não dar a importância e ignoram o lado negro desta
34. John Piper, The Pleasures of Cod (Portland, OR: Multnomah, 99 ), 32.
35. Ibid., 44.
36. Aqui eu gostaria de observar que alguns luteranos acreditam na eleição
incondicional, mas a maioria não acredita em um decreto de reprovação. Isto é o que
os calvinistas consistentes, de qualquer forma, acham que é logicamente impossível.
Então, os calvinistas não são os únicos que acreditam na eleição incondicional, mas
aparentemente apenas os calvinistas acreditam em um decreto de reprovação.
37. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 98 - 0 .
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Contra o Calvinismo
doutrina, que é a de que Deus poderia salvar a todos - uma vez que a
eleição para a salvação é incondicional - mas ele não o faz. Boettner
tenta explicar a razão disto:
A condenação dos não eleitos é projetada primariamente para
fornecer uma exibição eterna, diante dos homens e anjos, do ódio
de Deus ao pecado, em outras palavras, é para ser uma manifesta-
ção eterna da justiça de Deus... Este decreto exibe um dos atributos
divinos que, sem condenação [dos não eleitos], jamais poderia ser
apreciado de m ane ira adequada 38
Muitos calvinistas, neste ponto, preferem apelar ao mistério e não
oferecem qualquer sugestão de a razão pela qual Deus não salva a todos.
Talvez este seja um elemento isolado na teologia de alguns calvinistas
que poderia corretamente ser chamada de extrema ou radical. A crença
de Boetnner (e respostas semelhantes de outros calvinistas) levanta esta
questão: A cruz de Cristo não foi uma manifestação suficiente da justiça
de Deus e de seu ódio para com o pecado? (Não que Jesus tenha sido
um pecador, mas que 0 pecado do mundo foi posto sobre ele, parcial-
mente, para exibir 0 quão sério Deus considera 0 pecado). O motivo
especulativo de Boettner e de outros calvinistas para a reprovação parece
diminuir a glória da cruz.
“L” DE EXPIAÇÃO LIMITADA
O terceiro elemento da TULIP é a “expiação limitada” - que também échamada de maneira preferível por muitos calvinistas de “redenção parti-
cular”. Este é 0 ponto da TULIP contestado por muitos que se auto-identi-
ficam como calvinistas e que talvez seja 0 ponto totalmente ausente no
pensamento de Calvino. Muitos calvinistas dizem que eles são de “quatro
pontos” ou “calvinistas de quatro pontos”. O que eles querem dizer é que
acreditam no “T”, “U”, “I” e “P”, mas que não acreditam no “L”. Todavia,
38. Ibid., 117.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
0 L - expiação limitada, redenção particular - é parte do sistema histórico
calvinista de soteriologia, e muitos calvinistas rígidos argumentam que
este ponto não pode ser retirado sem que faça violência a todo esquema
calvinista de salvação. Antes de expor este ponto da TULIP, eu devo pontuar que todos os
calvinistas aceitam a “teoria da substituição penal” da expiação. Ou
seja, eles acreditam juntamente com Calvino e os puritanos e a maio-
ria dos cristãos evangélicos, que Deus puniu Jesus pelos pecados das
pessoas que Deus queria salvar - ou 0 mundo inteiro incluindo todas
as pessoas (a visão arminiana típica) ou os eleitos (a visão calvinistatípica). Em outras palavras, Jesus Cristo satisfez a justiça de Deus ao
suportar a punição merecida de todas as pessoas que Deus queria
salvar. É isso que torna tais pessoas “salváveis”. Muitos não calvinistas
também afirmam esta doutrina da expiação, mas os calvinistas geral-
mente argúem que a crença de que Cristo suportou a punição pelos
pecados de todas as pessoas leva inevitavelmente ao universalismo -
crença na salvação de todos.
Boettner fortemente endossa a expiação limitada, defendendo que
ela está logicamente conectada à eleição incondicional. Juntamente
com a maioria dos calvinistas, ele enfaticamente afirma que 0 valor
da morte de Cristo foi suficiente para a salvação de todas as pessoas,
mas que é foi eficaz para salvar apenas os eleitos 39. Outra forma de
expressar isso é que os benefícios da morte de Cristo na cruz, emborasuficiente para a salvação de todas as pessoas, foram intencionados por
Deus apenas para os eleitos. A natureza limitada da expiação, então,
foi em seu escopo e não em seu valor. É por esta razão que muitos
calvinistas preferem o termo “redenção particular” ou “expiação defi-
nitiva”. Ela foi particularmente intencionada por Deus para um povo
particular (em oposição à todos indiscriminadamente), e ela garantiu
39. Ibid., 152.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
se encontra no supremo propósito ou vontade de Deus. Esse propósito
ou intento não inclui a raça humana inteira. Se incluísse, a raça humana
inteira certamente seria redimida” 43.
As respostas às acusações destes calvinistas contra a crença na expia-
ção universal (ex. que ela logicamente exige crença na salvação universal)
será respondida no capítulo 6. Em minha opinião, elas são simplesmente
erradas. Não existe conexão lógica entre expiação universal e salvação
universal mais do que existe uma conexão lógica entre 0 presidente dos
Estados Unidos declarando uma anistia incondicional para os protes-
tantes da Guerra do Vietnã que fugiram para 0 Canadá para escapar do
recrutamento e todos eles automaticamente se apropriando desta anistia
e voltando aos EUA (Isso na verdade aconteceu sob o Presidente Jimmy
Carter e muitos que poderiam ter voltado para casa, em razão de todos
terem sido perdoados, não voltaram). Isso é apenas um breve panorama
da TULIP Eu tratarei de assuntos com plexos em maior profundidade nos
capítulos subsequentes. Aqui, é importante observar, para o entendimento
do calvinismo por parte dos leitores, que a maioria dos calvinistas negaque Deus intencionou a cruz para todas as pessoas, 0 que significa, natu-
ralmente, que ele não ama a todos da mesma maneira.
Boettner e Piper realmente afirmam os benefícios da cruz para todos,
de alguma forma. Deste modo, é verdadeiro dizer (pelo menos para eles)
que Cristo morreu por todos. Boettner escreveu que “certos benefícios”
da cruz foram estendidos a toda humanidade em geral. Estes benefícios
são as “bênçãos temporais” apenas e não possuem nenhuma relação
com a salvação” 44. Piper ensina que Cristo realmente morreu “por to-
dos”, mas não no mesmo sentido. Ao tentar levar a sério as passagens
bíblicas que tratam de “todos” (que serão lidas de maneira pormenori-
zada posteriormente), ele diz:
43. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 5 .
44. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 60.
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Contra 0 Calvinismo
Nós não negamos que, em certo sentido, todos os homens são os
beneficiários pretendidos da cruz. Timóteo 4. 0 diz que Cristo é
“o Salvador de todos os homens, principalmente dos que creem”. O
que negamos é que todos os homens são intencionados como bene-
ficiários da morte de Cristo da mesm a m aneira. Toda a misericó rdia
de Deus para com os descrentes - desde o nascer do sol (Mateus
5.45) à pregação do evangelho a todo 0 mundo (João 3 . 6)- torna-se
possível em razão da cruz 45.
Claro, como enfatizarei e discutirei em mais detalhes no capítulo 6,
alguém pode legitimamente imaginar quão benéfica a cruz realmente
é para aqueles aos quais Deus nega seu poder salvífico. Como a cruz
realiza qualquer coisa para os não eleitos? Como é que 0 raiar do sol é
realizado pela cruz de Cristo e qual é benefício da pregação do evangelho
para os não eleitos? Como é que a cruz realiza 0 raiar do sol e qual é 0
benefício da pregação para os não eleitos? Alguém só pode suspeitar que
tanto Piper quanto Boettner (e outros calvinistas que alegam que Cristo
morreu para os não eleitos “em algum sentido”) simplesmente querem
desviar as acusações que a visão que defendem da expiação limitada se
choca com as passagens bíblicas que Cristo morreu por todos.
Ademais, principalmente o Piper (e indubitavelmente outros calvinis-
tas) deseja(m) dizer que Deus tem uma compaixão genuína com os não
eleitos para os quais Cristo não morreu como um sacrifício expiatório.
“Há um am or geral de Deus que ele concede a todas as suas criaturas”46
mas tal não é 0 amor que Deus tem por seus eleitos. E, de acordo comPiper, Deus tem uma compaixão sincera até mesmo para com os não
eleitos de sorte que ele deseja a salvação destas pessoas, ainda que ele
se recuse a prover esta salvação na cruz 47. Parafraseando João Wesley,
este amor e esta compaixão são de gelar 0 sangue nas veias. Que amor
45. Piper, “For Whom Did Christ Die?”
46. Piper, The Pleasures of God, 48.
47. Ibid., 44 - 46.
78
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
se recusa a salvar aqueles que poderiam ser salvos, uma vez que a sal-
vação é incondicional? Que com paixão se recusa a prover pela salvação
quando ela poderia ser fornecida?
A questão é que 0 “calvinismo geral” do calvinismo puro e simples,geralmente, mas nem sempre, restringe a intenção salvífica de Deus na
cruz de Cristo aos eleitos; Deus não planejou a salvação dos réprobos, os
não eleitos. Eles estão excluídos da expiação exceto em algum sentido
atenuado de receber algum tipo de bênçãos temporais da cruz, sendo
que tais bênçãos ficam, geralmente, sem explicação. Assim sendo,
alguns calvinistas recusarão a dizer a um grupo de pessoas ou para
desconhecidos as seguintes frases: “Cristo morreu de sorte que você
possa ser salvo” ou “Cristo morreu por seus pecados”. Tais afirmações
seriam presunçosas; não há como saber isso. Todavia, astutamente,
Piper e alguns outros calvinistas que acreditam na expiação limitada
podem dizer a qualquer um e a todos: “Cristo morreu por você”, sem
querer dizer “Cristo morreu por seus pecados” ou “Porque Cristo morreu
por você, você pode ser salvo”. Alguns consideram isso um subterfúgio;uma insinceridade.
Com base em quais versículos bíblicos os calvinistas afirmam a
expiação limitada? Muitos críticos, incluindo alguns calvinistas que se
denom inam “de quatro pontos” , defendem que esta doutrina não possui
base escriturística. Todavia, Boettner, Sproul, Piper e outros apontam para
passagens tais como João 10 .15 ; 11 .5 1- 5 2 e 17 .6, 9, 19, na qual Jesusdiz frases como “dou a minha vida pelas ovelhas”. O ponto principal do
capítulo 6, dedicado à expiação limitada, será que 0 versículo aqui que
fala acerca de Cristo morrendo por seu povo, suas ovelhas, ou os que
lhe foram dados por seu Pai não necessariamente 0 exclui de morrer
pelos outros. Na verdade, 1 João 2.2 claramente afirma que ele, Jesus,
é a propiciação pelos pecados de todo 0 mundo. Piper e outros alegam
que esta passagem se refere aos filhos de Deus espalhados por todo o
mundo e que ela não se refere a todo mundo.
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Contra 0 Calvinismo
“I” DE GRAÇA IRRESISTÍVEL
O quarto ponto da TULIP é, de maneira variada, chamado de graça
irresistível, graça eficaz (o termo favorito de Sproul para este ponto) ou
graça efetiva (0 termo favorito de Boettner para 0 ponto). Um termo
relacionado bastante próximo é 0 monergismo - crença de que Deus é
0 único agente ativo na salvação. Monergismo é 0 oposto de sinergismo
- a crença de que a salvação inclui a cooperação da pessoa sendo salva.
A graça irresistível não significa que toda a graça sempre é irresistível
ou eficaz. Antes, apenas a graça salvífica dada aos eleitos para regenerá-
-los e dar a eles um novo nascimento é irresistível e eficaz. Uma pessoaescolhida por Deus para a salvação não irá, pelo fato dela não poder,
resistir à “chamada interior” de Deus porque Deus “verga a sua vontade”.
Não é uma questão de coerção; 0 Espírito Santo não esmaga e força a
pessoa a se arrepender e crer; antes, o Espírito Santo transforma o co-
ração da pessoa de maneira que ela quer se arrepender e crer. Boettner
e outros calvinistas conectam este aspecto de sua soteriologia bem de
perto com a depravação total:
Como calvinistas nós mantemos que a condição dos homensdesde a queda é tal que se o homem fosse deixado como está elecontinuaria em seu estado de rebelião e recusa ã todas as ofertas dasalvação. Cristo, então, teria morrido em vão. Mas uma vez que foiprometido... a obra de Deus na redenção foi tornada eficaz atravésda missão do Espírito Santo que opera de tal forma na pessoa que ela
é trazida ao arrependimento e fé, e, deste modo, feita participanteda vida eterna 48.
Eles embasam isto na doutrina da depravação total como morte espi-
ritual absoluta tal que nem mesmo uma pessoa eleita tem a habilidade
de responder a Deus, muito menos buscar a Deus, até que e a menos
que Deus sopre nova vida nela em regeneração e Escritura. A principal
48. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 63.
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Contra o Calvinismo
salvação universal. Na passagem em questão Jesu s diz: “ Mas eu, quando
for levantado da terra, atrairei todos a mim”. A palavra grega traduzida
por “atrair”, neste versículo, é a mesma utilizada em João 6.44. Deste
modo, se a palavra utilizada precisa ser interpretada como “compelir”
ou “arrastar”, então em João 12.32 Jesus estava dizendo que ele atrairia
ou traria todas as pessoas para si. Mas 0 versículo não é entendido assim
até mesmo pelos calvinistas!
Calvino acreditou e ensinou a graça irresistível? Embora ele não tenha
utilizado 0 termo, Calvino claramente ensinou o conceito no final de uma
longa discussão de com o Deus opera nos eleitos para trazê-los para si: “A
síntese é: Deus, por uma adoção graciosa, cria aqueles a quem quer ter
por filhos. A causa intrínseca disto, porém, está nele próprio, porque não
leva em conta nada mais além de seu secreto e singular beneplácito” 52.
Sproul expressa fortemente esta doutrina: “Deus, unilateralmente
e monergisticamente, faz para nós 0 que nós não podemos fazer para
nós mesmos” 53. À verdadeira moda calvinista ele coloca a regeneração
pelo Espírito Santo (ser nascido de novo) antes da conversão (na ordemlógica dos eventos da salvação). Ou seja, antes que uma pessoa seja até
mesmo capaz de receber os dons da fé e arrependimento, ela deve ser
feita nova criatura em Cristo Jesus através do “cham ado interno eficaz” ,
que é comparável à criação a partir do nada 54. Em outras palavras, Deus
não pega algum potencial existente e constrói sobre ele ou extrai dele
para operar a salvação na vida da pessoa. Antes, Deus pega uma pessoa
morta em delitos e pecados e a traz para a vida, em termos espirituais.
Sproul, assim como todos os calvinistas, faz distinção entre 0 “cha-
mado externo”, que é 0 evangelho pregado a todos, e o “chamado
interno”, pela qual o Espírito Santo regenera uma pessoa. Apenas os
52. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol.3, p. 402.
53. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 60.
54. Ibid., 63.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
eleitos recebem 0 “chamado interno” e ela sempre resulta na salvação
das pessoas e o resultado não pode ser 0 contrário 55. A regeneração,
então, deve preceder a conversão (arrependimento e fé), pois ninguém
jamais responderia a Deus com arrependimento e fé a menos que apessoa tenha nascido de novo. A pessoa salva, geralmente, não está
cônscia da prioridade da regeneração, ela pode sentir que ser nascida
de novo vem após a fé e o arrependimento, mas, teologicamente, o cal-
vinista sabe que este não é 0 caso.
Esta é uma característica do esquema calvinista e, até onde sei, todos
os calvinistas aderem a ela. Outros podem aderir a ela também, mas
apenas se acreditarem que o batismo infantil regenera uma criança (re-
generação batismal), como nas teologias episcopal e luterana. Todavia,
muitos protestantes, tais como os batistas e pentecostais, acreditam que
a fé precede a regeneração na ordem lógica da salvação. A mensagem
simples do evangelho para a maioria dos cristãos evangélicos é “creia e
seja salvo” embasado nas passagens bíblicas tais como João 3.1 - 21,
na qual Jesus diz a Nicodemos que ele deve nascer de novo e que a fénele realizará isso (v. 14). Não há nenhuma form a de reconciliar esta
passagem com a crença de que a regeneração precede a fé.
“P” DE PERSEVERANÇA
O quinto aspecto da TULIP é a perseverança dos santos. Esta é talvez
0 aspecto menos controverso do calvinismo, pois muitos não calvinistasacreditam nele também, e isso embasado nas passagens bíblicas tais
como Romanos 8.35-39. Até mesmo Jacó Armínio (156 0-16 09), 0 grande
oponente do calvinismo, declarou que ele era incapaz de se decidir acerca
desta doutrina e a deixou para estudos subsequentes 56. Ele morreu antes
de, por hm, tomar uma posição. A primeira declaração de fé remonstrante
55. Ibid., 62.
56. Ver “Declaration of the Sentiments of Arminius” em The Works ofJames Arminius
(trad., James Nichols; Grand Rapids: Baker, 996), :667.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
seguinte explorarei mais profundamente a diversidade entre calvinistas
ao examinar algumas variedades de “calvinismo puro e simples”.
VARIEDADES DA TULIP
Já deveria estar claro, até 0 momento, que considero “reformado”
uma categoria mais flexível e com diversidade muito maior que “calvi-
nismo”. Claramente, pelos padrões mundiais contemporâneos, tais como
a AMIR, as duas categorias não são intrinsecamente ligadas exceto no
sentido de que todas as pessoas reformadas alegam uma árvore gene-
alógica religiosa que remonta à reforma suíça do século XVI, incluindoa obra de João Calvino. Mas nem todos concordam com a TULIP ou até
mesm o muito do que Calvino disse acerca da soberania de Deus. O
calvinismo não é tanto uma família ou herança como é um sistema de
crenças teológicas. O calvinismo está firmemente inserido na tradição
reformada, mas não é a mesma coisa que reformado.
Muitos na tradição reformada estão incomodados com 0 calvinismo
(assim como estavam alguns reformadores suíços na época de Calvino!),
e o calvinismo se estende para fora da comunidade reformada de igrejas
para, por exemplo, a vida batista. Pode ser encontrado aqui e acolá entre as
denominadas Igrejas Livres (ex. Evangelical Free Church of America [Igreja
Evangélica Livre da América], que, recentemente, tem se inclinado cada vez
mais para o calvinismo) e, ocasionalmente, até mesmo entre pentecostais.
Eu recentemente conheci um pastor calvinista de uma grande igreja As-sembleia de Deus; isso era sem precedentes no passado e provavelmente
ainda abalaria a hierarquia da denominação Assembleia de Deus! O pastor
assistente do pastor titular é claramente um membro do movimento jovem,
incansável e reformado. Movimento reformado até mesmo para um assem-
bleiano, isto é um termo errôneo e definitivamente uma anomalia. Chamar
alguém tanto de “reformado” e pentecostal parece mais que esquisito.
Irei escrever aqui acerca da diversidade entre calvinistas concer-
nente ao calvinismo em vez de diversidade de calvinismo. Por quê?
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Contra o Calvinismo
A diversidade é sempre de pessoas; 0 calvinismo não é um grupo de
pessoas, mas uma construção teológica que é interpretada e vivida de
várias form as por várias pessoas - alguns dentro da família reform ada
e alguns fora dela. O esboço do calvinismo geral ou calvinismo puroe simples apresentado acima está focado em um tipo ideal de calvi-
nismo compartilhado por muitos calvinistas, mas não todos. Todos os
verdadeiros calvinistas olham para a TULIP com o um a descrição rela-
tivamente acurada de sua soteriologia, mas alguns rejeitam um ponto
(sempre o L) e alguns que aceitam todos os cinco pontos os aplicam
à práticas, tais como evangelismo, de formas diferentes. E então há 0
velho argumento entre calvinistas “supralapsarianos” e “ infralapsaria-
nos”, que eu discutirei brevemente.
Já mencionei 0 fato de que muitos cristãos rejeitam 0 “L” do acrósti-
co TULIP em favor de uma combinação de expiação universal, eleição
particular e graça eficaz. Estes calvinistas de “quatro pontos” destoam
do grupo e argumentam que apesar de eleger apenas algumas pessoas
para a salvação e apenas atrair algumas pessoas irresistivelmente para
a fé, Deus enviou Cristo para morrer pelos pecados de todo 0 mundo
e não apenas pelos pecados dos eleitos. A crítica à expiação limitada
virá posteriormente, mas, no momento, me restringirei simplesm ente
a enfatizar que muitos calvinistas concordam com os arminianos e lute-
ranos (e talvez outros) que a morte substitutiva de Cristo na cruz foi, na
verdade, projetada por Deus para todas as pessoas. Em outras palavras,ele suportou a punição pelos pecados de todo 0 mundo, sem exceção.
Um eminente teólogo calvinista de tradição batista que aceitou todos
os pontos da TULIP exceto o “L” foi August Hopkins Strong (18 36 - 19 21) ,
professor de teologia por muito tempo no Rochester Theological Semi-
nary e autor de inúmeros livros, incluindo um livro didático amplam ente
utilizado e influente, Systematic Theology. Tendo por base passagens
bíblicas tais como 1 João 2.2, Strong argumentava que a “expiaçáo de
Cristo fez provisão objetiva para a salvação de todos, ao remover da
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
mente divina todo obstáculo ao perdão e restauração de pecadores,
exceto sua oposição obstinada à Deus e recusa à se voltar para Ele” 58.
Seguindo Strong ao verdadeiro estilo batista, Millard Erickson
(η. 1932), teólogo calvinista batista posterior, argumentava de maneira
semelhante: “Concluímos que a hipótese de expiação universal é capaz
de explicar um segmento maior de testemunho bíblico com menos
distorção do que a hipótese de expiação limitada” 59. Inúmeros outros.
Principalmente batistas e calvinistas de Igrejas Livres, concordam com
Strong e Erickson. Era provavelmente 0 calvinismo majoritário entre
os evangélicos não reformados por grande parte do século XX - até a
ascensão do movimento jovem , incansável e reformado sob a influênciade John Piper e outros que defendem fortemente a expiação limitada.
Mas o que dizer dos teólogos dentro de comunidades tradicionalmente
reformadas, tais como presbiterianos conservadores e cristãos reforma-
dos? Todos eles afirmam 0 “L” na TULIP? Dificilmente. Um eminente
exemplo é 0 teólogo James Daane, mencionado acima, um membro
da Igreja Cristã Reformada. Em The Freedom of God este professor do
Fuller Seminary criticava veementemente o Sínodo de Dort por nãocitar nenhum versículo bíblico que prova a “expiação limitada” e por
virtualmente eliminar o mistério da teologia reformada através de modos
de pensamento escolásticos que focam em um número em vez de uma
comunidade. Do calvinismo muito tradicional, ele escreveu:
Todas... as tentativas de empregar o número - a ideia de limi-
tação - para entender a natureza da eleição, a eleição da igreja, a
natureza da graça divina e não da exp iação de Cristo são, na verdade,
tentativas de reduzir o mistério das verdades cristãs para limites que
podemos racionalmente administrar. Por este caminho 0 mistério
desaparece - 0 mistério da descrença e não menos 0 mistério de
Cristo e da igreja 60.
58. Augustus Hopkins Strong, Systematic Theology (Valley Forge, PA: Judson, 907), 772.
59. Millard Erickson, Christian Theology (Grand Rapids: Baker, 984), 2:835.
60. Daane, The Freedom o f God, 38.
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Contra o Calvinismo
Os críticos rejeitam Daane como influenciado pelo teólogo reformado
revisionista suíço Karl Barth (1886 - 1968), mas sua principal influência foi
o teólogo reformado holandês Berkouwer, que é geralmente considerado
muito mais tradicional que Barth. De qualquer forma, Daane represen-
ta alguém não batista e plenamente dentro da família reformada e um
evangélico (não liberal ou neo-ortodoxo) que rejeitava a expiação limitada.
Talvez a mais antiga e mais profunda divisão entre os calvinistas seja
acerca da ordem dos decretos divinos. O debate remonta, pelo menos,
a Theodore Beza, o sucessor de Calvino em Genebra. Esta é uma área
tênue de teologia que afasta muitos principiantes, portanto, devotarei
certo tempo e espaço aqui para explicar cuidadosamente do que isso setrata e a razão pela qual os calvinistas se dividem nesta área.
Logo após a morte de Calvino alguns de seus seguidores adotaram um
estilo de obra teológica desconhecida pelo próprio Calvino. Tal tem sido
geralmente rotulado de “escolástico”, remontando a tendência dos teólo-
gos m edievais de fazer uso da filosofia e lógica para especular acerca de
questões deixadas sem menção na Bíblia. (O exemplo comum, embora
de certa forma extremo, é: “Quantos anjos podem dançar sobre a ponta
de um alfinete?”) Uma manifestação desta abordagem escolástica para
0 calvinismo foi uma tentativa de discernir a ordem lógica (não tempo-
ral ou cronológica) dos decretos de Deus que expressam sua soberania
sobre a criação e redenção. O pano de fundo da pergunta era: “Deus
decretou a eleição e a reprovação de pessoas antes ou depois do decreto
de permitir a queda? Eis aqui outra pergunta, e talvez uma melhor formade expressá-la: “Deus decretou a eleição e reprovação de pessoas ã luz
da queda ou anterior a ela e não à luz dela?
Que tal trabalho parece um empenho totalmente especulativo, até
mesmo muitos calvinistas concordariam. Todavia, uma vez que alguns
calvinistas mais tarde chamaram de “supralapsarianos” - os que defen-
diam que Deus primeiro e principal decreto foi salvar algumas pessoas
ainda por serem criadas e condenar outras - apareceram com sua versão
de calvinismo, todos tiveram de participar. Os “infralapsarianos” eram
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
e são os que defendem que Deus decretou criar e permitir a queda
(que todos concordam que ele, na verdade, a preordenou!) primeiro e
somente então decretou eleger algumas pessoas caídas para a salvação
e predestinar outras para a condenação.
Quando 0 Sínodo de Dort se reuniu em 1618/1619, isto foi debatido
e a assembleía dos clérigos reformados por fim decidiu permitir ambas
as visões sem marginalizar qualquer uma como heresia. Havia alguns
presentes, todavia, que consideravam a visão supralapsariana herética,
pois ela parecia fazer de Deus 0 autor do pecado e do mal. Boettner
se coloca do lado do supralapsarianismo, chamando-o de “calvinismo
rígido” 61. (Deve ser observado, contudo, que isto de forma nenhumatorna sua descrição geral do calvinismo, que é a TULIP, diferente do in-
fralapsarianismo). Sproul, por contraste, condena 0 supralapsarianismo
chamando-o de “hipercalvinismo” e “anticalvinismo”. Esta visão, ele diz,
faz de Deus 0 autor do pecado ao “envolver Deus na coerção do pecado”
e, portanto, faz grande violência ao... caráter de Deus” 62.
Um supralapsariano poderia facilmente argumentar que Sproul é
culpado de viver em uma casa de vidro enquanto atira pedras. De que
maneira 0 supralapsarianismo faz de Deus mais autor do pecado do
que 0 infralapsarianismo? A diferença parece jazer em outro lugar. O
supralapsariano simplesmente deseja exaltar a supremacia de Deus ao
não fazer nada dele, incluindo seus decretos, dependente de algo que
acontece no mundo. O supralapsariano pensa que o infralapsariano
fez exatamente isso ao subordinar 0 decreto da eleição e reprovação aodecreto de permitir a queda. Se apenas à luz da queda é que Deus opera
seu plano de redenção, então, 0 supralapsariano diz que a redenção é
uma espécie de “Plano” B na mente de Deus. Isso chega a se parecer
muito com o arminianismo, assim diz 0 supralapsariano, pois faz Deus
depender indiretamente do mundo.
6 . Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 29.
62. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 05.
89
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Contra o Calvinismo
Todavia, como mostrarei, fazer Deus dependente do mundo pode ser
parte e parcela do calvinismo - principalmente o que chamo de calvinismo
radical ou extremo, seja o supra ou 0 infralapsarianismo. Isso se dá em
virtude de que alguns em ambos os campos enfatizam que todo o programa
da criação e redenção (incluindo a reprovação e 0 inferno) foi feito “para
a glória de Deus”. Deus precisa do mundo para glorificar a si mesmo? Ou
antes é a criação o resultado do transbordante amor trinitariano de Deus?
Mais uma área de diversidade entre calvinistas tem a ver com se Deus
apenas “permite” o pecado e 0 mal ou, na verdade, em certo sentido
ele os causa. Todos os calvinistas concordam que Deus preordena o pe-
cado e 0 mal porque tudo é preordenado por Deus. (Reconhecidamentealgumas pessoas sem formação que pensam que são calvinistas podem
não acreditar nisso, mas todo teólogo calvinista, remontando ao próprio
Calvino, afirma essa preordenação). Sproul representa aqueles calvinistas
que insistentemente negam que Deus é, em qualquer sentido, o autor
do pecado e do mal. Calamidades, sim, mal moral, não.
A situação problemática é estabelecida pela afirmação de Sproul (e de
outros calvinistas) da soberania divina absoluta (providência meticulosa
e o que chamo de determinismo divino ainda que ele não goste desta
terminologia): “Se há uma única molécula neste universo correndo sol-
ta, totalmente livre da soberania de Deus, então não temos nenhuma
garantia de que uma simples promessa de Deus jam ais seja cumprida...
Talvez essa única molécula seja a coisa que impede Cristo de voltar”63.
Então a questão inevitavelmente surge: “É Deus, então, 0 autor do male do pecado?” Sproul diz que não: “Uma coisa é absolutamente impen-
sável, que Deus possa ser 0 autor ou executor do pecado” 64. Ele afirma
que Deus permitiu a entrada do pecado e do mal em sua criação boa,
mas não 0 forçou” 65.
63. Ibid., 7- 8.
64. Ibid., 2 .
65. Ibid.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
Outro calvinista bastante conhecido que diz que Deus aquiesce ou
permite 0 pecado e o mal sem o causar ou ser seu autor é Paul Hem,
um filósofo e teólogo britânico que leciona no Regent College, Canadá.
Em seu livro The Providence o f God este calvinista, assim como Sproul,
expressa uma elevada visâo da soberania de Deus: “Não somente todo
átomo e molécula, todo pensamento e desejo, é mantido em existência
por Deus, mas cada curva e cada volta de tudo isso está debaixo do
controle direto de Deus”66.
Mas, claro, tal entendimento promove a questão do relacionamento de
Deus com o pecado e o mal a outro nível. É Deus 0 autor deles? Helm diz
que não. Em virtude da “natureza impecável” de Deus, ele não pode ser o
autor do mal, m as em razão dele ser soberano, ele deve permitir 0 pecado
e 0 mal se eles forem existir. Mas Helm argumenta que esta permissão de
pecado e mal é “permissão específica” (semelhante ou idêntica ao que
Boettner chama de “permissão desejosa”). Ou seja, Deus jamais assume
a postura de espectador quando ele permite as coisas, incluindo 0 pecado
e 0 mal. Sem causá-los ele especificamente os deseja de tal forma a pontode garantir que eles acontecerão sem, na verdade, causá-los:
Deus ordena todas estas circunstâncias que são necessárias para a
performance de uma pessoa de uma determinada ação moralmente
má (digamos, uma ação de crueldade em determinado lugar e tem-
po). O próprio Deus não realiza aquela ação, nem ele poderia, por
razões já apresentadas [a saber, sua natureza impecável]. Contudo, ele
permite que esta ação aconteça. Ele não a impede ou a para. Então,
em circunstâncias ordenadas por Deus alguém faz uma ação má; as
circunstâncias são ordenadas, mas 0 mal é perm itido” 67.
Muitos calvinistas diriam “amém” para esta descrição do relaciona-
mento de Deus com 0 pecado e o mal. Eles, assim como todos os demais,
não querem dizer que Deus é a causa ou 0 autor do pecado e do mal.
66. HELM, Paul. A providência de Deus. São Paulo; Cultura Cristã, 2007. p. 19.
67. Ibid., 72.
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Contra 0 Calvinismo
Boettner inclui um extenso capítulo em sua edição em The Reformed
Doctrine o f Providence e, como Helm, argumenta (mas de forma ainda
mais veemente) que embora Deus ordene tudo, ele não é a causa ou
autor do pecado ou do mal. Investigarei isso mais adiante, no capítulo
4, então, por agora, colocarei de lado qualquer discussão mais longa
dos problemas inerentes nesta visão. Que seja sabido agora que con-
cordo com a segunda visão mantida por alguns calvinistas de que sua
doutrina da soberania de Deus necessariamente implica ou ensina que
Deus é o autor do pecado ou que pelo menos ativamente 0 garante em
certo sentido causai de sorte que 0 termo “permissão” não é suficiente.
Não é nada difícil encontrar calvinistas na Internet (ex. blogueiros)
que corajosamente afirmam que 0 calvinismo exige a confissão de que
Deus é o autor do pecado e do mal. Tal pessoa é Vincent Cheung, que
escreve acerca do calvinismo como calvinista em seu website www.
vincentcheung.com. (Sei muito pouco desta pessoa exceto que ele é
um comentarista prolífico em assuntos relacionados à teologia a partir
de uma perspectiva calvinista). Assim como muitos outros autores quepodem ser facilmente encontrados na web, Cheung ridiculariza seus
companheiros calvinistas que dizem que Deus não é 0 autor do pecado68.
Ele então diz que “quando alguém alega que minha visão da soberania
divina torna Deus o autor do pecado, minha primeira reação tende a ser
a seguinte Έ daí?’ ... não há problema bíblico ou racional no fato dele ser
0 autor do pecado” 69. Cheung prossegue argumentando que a descrição
calvinista típica da soberania absoluta de Deus necessariamente leva a
Deus a ser 0 autor do pecado em qualquer sentido comum de “autor”.
Outro calvinista que afirma que Deus mais do que meramente per-
mite 0 pecado e 0 mal, mas sem, na verdade, chamar Deus 0 “autor do
pecado” é John Frame (n. 1939). Frame lecionou por muitos anos no
68. Vincent Cheung, “The Author of Sin.” www.vincentcheung.c0m/2005/05/3 /the-
author-of-sin/.
69. Ibid.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
Westminster Theological Sem inary e agora é professor de teologia no
Reformed Theological Seminary. É autor de vários livros, muitos deles
acerca da teologia reformada (a partir de uma forte perspectiva calvi-
nista). Em uma entrevista com Andy Naselli publicada na Internet em
2009, Frame respondeu a uma pergunta acerca de Deus não causar, mas
permitir o mal. Embora ele demore e se recuse a dizer que Deus causa
ou é o autor do mal, Frame diz que a terminologia de permissão não é
forte 0 bastante e prefere dizer que Deus, na verdade, efetua 0 mal 70.
Outro calvinista que não acha que a linguagem de Deus meramente
permitir 0 pecado e 0 mal seja forte o bastante para fazer justiça à so-
berania de Deus é John Piper. Enquanto ele não rejeita a terminologia
de permissão, ele frequentemente vai além dela ao explicar o papel de
Deus em desastres, mal e até mesmo 0 pecado. Em um sermão publi-
cado em seu website logo após os ataques terroristas em Nova York
e Washington, D.C., no dia 11 de setembro de 2001, Piper rejeitou as
meras explicações de permissão do papel de Deus e afirmou que, em
certo sentido, Deus “planejou”, “ordenou” e “governou” tais eventos71.Durante um sermão pregado para uma conferência de jovens em 2005
ele enfatizou a soberania absoluta de Deus sobre todas as coisas e disse:
“Até mesmo uma ‘bomba com material radioativo’ que destrua Mineá-
polis seria de Deus” 72.
Muitos calvinistas ficam embaraçados com tais afirmações como a
de Cheung, Frame e de Piper, mas outros as consideram a dura verda-
de que necessariamente segue do próprio ensinamento da Bíblia. Por
exemplo, José disse a seus irmãos que 0 ato de vendê-lo como escravo
70. “Entrevista com John Frame acerca do problema do mal”. http://thegospelcoalition.
org/blogs/justintaylor/2008/08/20/interview-with־john-frame־on-problem־of/.
7 . Tal afirmação encontra-se no sermão já mencionado anteriormente “Why I Do Not
Say, ‘God Did Not Cause the Calamity’. . . . ”
72. John Piper, “God’s God-centeredness,” sermão pregado na Passion conference
(Nashville, TN; Jan. 2 - 5, 2005).
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Contra o Calvinismo
para 0 Egito, que eles intentaram como mal, Deus tornou em bem
(Gn. 50.20). Então há 0 evento da cruz de Cristo, que foi preordenado
por Deus “desde a fundação do mundo”. Ambos os eventos envolveram
pecados. Deus não foi 0 autor destes pecados? Não importa como você
tente sair disso, alguns calvinistas dirão, não há como fugir do fato de
que Deus preordenou e tornou estes eventos certos, então ele é 0 autor
deles, se não a sua causa direta. Enquanto discorde que tais histórias
exijam a crença de que Deus tornou 0 pecado ou 0 mal certos, concordo
com os calvinistas que dizem que a visão calvinista comum de soberania
exige a confissão de Deus como o autor do pecado e do mal.
Há uma esfera final de diversidade no calvinismo a ser mencionada.
E é o debate acerca do verdadeiro “hipercalvinismo” - corretamente uti-
lizado (de acordo com a maioria dos teólogos reformados) da versão do
calvinismo de Herman Hoeksema (1886 - 1965) que rejeitava a prática
de apresentar, de maneira indiscriminada, o convite do evangelho para
a salvação de todas as pessoas. Hoeksema nasceu na Holanda, mas
imigrou para os EUA quando criança e se estabeleceu em Grand Rapidsonde ele, por fim, pastoreou uma grande Igreja Cristã Reformada. Entre
outras obras ele escreveu Reform ed Dogmatics.73 Hoeksema iniciou uma
controvérsia dentro das igrejas reformadas ao argumentar que 0 evan-
gelismo indiscriminado, com apelos abertos voltados para a salvação,
viola a doutrina da soberania de Deus na salvação.
A controvérsia foi descrita como concernente a “oferta sincera do
evangelho” por Anthony Hoekema (1913 - 1988), eminente teólogo e
professor do Calvin Theological Seminary (observe aqui a diferença de
grafia para o nome Hoeksema; eles não são parentes). De acordo com
Hoekema, Hoeksema ensinava que “a chamada do evangelho jamais
é uma oferta” de salvação 74. É antes uma proclamação do que Deus
73. Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics (Jenison, MI: Reformed Free Publishing
Association, repr. 985).
74. Anthony Hoekema, Saved by Grace (Grand Rapids: Eerdmans, 989), 72.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
tem feito; só Deus decidirá o que fazer com ela, e ele sempre decide
utilizá-la para atrair o eleito para si. Mas ela não é uma oferta sincera
de salvação para todos, pois “Deus não deseja a salvação de todos aos
qual0
evangelho chega; ele deseja a salvação apenas dos eleitos” 75.
A Igreja Cristã Reformada expulsou Hoeksema por este motivo, sus-
tentando que “a pregação do evangelho é uma oferta sincera de salvação,
não apenas da parte do pregador, mas também da parte de Deus, para
todos os que a ouvem, e que Deus seria e sinceramente deseja a salvação
de todos ao qual a chamada do evangelho atinge” 76.
O teólogo reformado Daane atribui 0 calvinismo extreme de Ho-
eksema não a uma interpretação anômala do calvinismo rígido, mas
àquela própria teologia - uma teologia que ele chama de “teologia
decretai”, que inclui a reprovação como um decreto de Deus 77. Alguém
precisa imaginar qual lógica impede uma pessoa que acredita na TULIP
de mudar para a posição de Hoeksema. Por que Deus sinceramente
desejaria a salvação de todos e como pode a chamada do evangelho
ser chamada de uma oferta sincera de salvação para todos indiscri-minadamente, incluindo os não eleitos, se Deus decretou que apenas
alguns serão salvos?
TEOLOGIA REFORMADA /RADICAL
Dada a evidente diversidade da comunidade reformada e entre cal-
vinistas, quando digo que sou “contra 0 calvinismo” e quero resgatar areputação de Deus da “teologia reformada radical”, de qual calvinismo
e de qual teologia reformada estou falando? Existem tantos tipos! Isso é
verdade. Bem, aqui eu quero explicar qual é 0 tipo que eu estou contra;
0 restante do livro explicará a razão em detalhes.
75. ibid., 73.
76. Ibid.
77. Daane, The Freedom of Cod, 24.
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Contra o Calvinismo
O “calvinism o” que sou contra e que me refiro é 0 “calvinismo rígido”
da TULIP, quer seja infralapsariano ou supralapsariano. Tais diferencia-
ções, se examinadas de perto, não fazem diferença: ambas as visões
farão que Deus seja, no melhor dos cenários, moralmente ambíguoe, no pior dos cenários, um monstro moral (apesar das alegações dos
calvinistas do contrário!). Mais uma vez desejo enfatizar que não é 0 livre-arbítrio que me preocupa, exceto o livre-arbítrio que é necessário
para proteger 0 caráter de Deus de ser impugnado. O que me preocupa,
e eu deixarei explicitamente claro, é o ensino bíblico de que “Deus é
amor” (1 João 4.16).
Por favor, não rejeite isso como sendo superficial demais; irei des-
compactar minha alegação de que 0 calvinismo rígido, 0 calvinismo que
afirma a maioria ou todos os pontos da TULIP, contradiz diretamente que
Deus é amor. Estou bastante consciente das objeções calvinistas de que
0 amor de Deus é diferente de nosso tipo de amor. Já ouvi isso inúmeras
vezes. Enquanto há certa verdade nesta afirm ação, ela é exagerada pela
maioria dos calvinistas. Se 0 amor de Deus é absolutamente diferentede nossas mais elevadas e melhores noções de amor na medida em
que as extraímos da própria Escritura (principalmente de Jesus Cristo),
então 0 termo é simplesmente sem sentido quando em relação à Deus.
Alguém pode também dizer que “Deus é creech-creech” - um a afirma-
ção vazia de sentido.
Conforme espero demonstrar, alguns calvinistas concordam comigo
acerca da analogia entre a bondade e amor de Deus e nossas melhores
e mais elevadas ideias de bondade e amor. Paul Hem, por exemplo,
rejeita qualquer ideia de que a bondade e ao amor de Deus seja qua-
litativamente diferente do nosso (uma vez que 0 nosso seja derivado
da Escritura, claro). Entretanto, argumentarei, que até mesmo os que
concordam comigo não podem explicar adequadamente como a des-
crição sua descrição da soberania de Deus, principalmente em relação
ao pecado, mal e reprovação, é consistente com a bondade ou amor.
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
Mais uma vez, eu sou contra o quê? Ao dizer “contra 0 calvinismo”
eu quero dizer que me oponho a toda e qualquer sistema de crença que
inclua 0 "U”, 0 “L ” e o “I” da TULIP. O “U” e ο “I” sempre aparecem juntos
mesmo quando o “L” é rejeitado. Eu me oponho mais energicamenteao “L”, mas penso que ele seja necessariamente conseqüência do “U” e
do “1”, então eu concordo com aqueles calvinistas que defendem que é
inconsistente deixar 0 “L” de fora. A “flor”, por assim dizer, é danificada
e fica irreconhecível ou irrecuperável ao tirar dela essa pétala!
Acredito também que a afirmação da eleição incondicional neces-
sariamente implica na afirmação da reprovação, apesar da negação de
alguns calvinistas. A reprovação é a “conseqüência lógica e necessária”
da eleição incondicional a menos que alguém afirme a salvação universal.
(Um exemplo disto é o grande teólogo reformado Karl Barth, que, acre-
dito eu, afirmava 0 universalismo). Como não posso afirmar a salvação
universal, julgo que a eleição incondicional seja, com sua necessária
correlata, a reprovação, inaceitável pelo fato de ela impugnar o caráter
de Deus como incondicionalmente bom. A graça irresistível faz a mesm a coisa. Ela impugna a bondade de
Deus. Se Deus chama e atrai pecadores irresistivelmente para si de ma-
neira que eles escapam do inferno por que ele os domina e os regenera
sem qualquer ato de livre-arbítrio da parte deles, então um Deus bom
faria o mesm o para todos! Não estou contente em deixar a pergunta do
“por quê” na esfera do mistério. Reconheço 0 mistério na revelação, masnão o que exige crença em uma vontade escondida ou secreta de Deus
que faz dele um monstro moral. Somente um monstro moral recusaria
salvar pessoas quando a salvação é absolutamente incondicional e uni-
camente um ato de Deus que não depende do livre-arbítrio.
Quando digo que sou contra 0 calvinismo, então, me refiro às crenças
principais do calvinismo geral, calvinismo puro e simples, na medida
em que tais crenças são levadas às suas conclusões lógicas. Percebo
que nem todos os calvinistas as levam a sua conclusão lógica; em
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Contra o Calvinismo
vários estágios, no processo de raciocínio, certos calvinistas param e
apelam ao mistério e recusam ser logicamente consistentes ao afirmar
as conseqüências lógicas e necessárias de seu sistema de crença. Não
sou contra eles ou ao seu calvinismo altamente modificado e atenuado! (Eisto é provavelmente o caso com a maioria das pessoas que eu conheço
que se consideram calvinistas).
Todavia, dentro do movimento jovem, incansável e reformado do ne-
ocalvinismo e entre seus mentores (as pessoas que eles leem e escutam
e os consideram seus heróis), a maioria deles, em minha experiência,
tem levado 0 calvinismo às suas conclusões lógicas - ou pelo menos
caminharam bastante nesta direção. Há uma ousadia e até mesmo
agressividade entre eles que eu não encontro entre a maioria dos cal-
vinistas das gerações mais velhas. Eu sou contra qualquer calvinismo
(e qualquer teologia) que impugne a bondade de Deus em favor da
soberania absoluta, levando à conclusão que o mal, pecado e todos os
horrores da história humana são planejados e tornados certos por Deus.
E a “teologia reformada radical”? O que eu quero dizer com isso epor que a reputação de Deus precisa ser resgatada dela? Por teologia
reformada radical eu quero dizer o mesmo que o calvinismo consistente
descrito acima. Quero dizer 0 calvinismo extremado tão evidente em
alguns palestrantes e escritores calvinistas e seus ávidos seguidores que
inevitavelmente acabam por fazer de Deus o autor do pecado e do mal,
ainda que a linguagem (ex. “autor” ) seja ou não utilizada. O fato de JohnPiper preferir dizer que Deus “projeta” e “governa” 0 mal, não faz dife-
rença quando 0 contexto necessariamente implica que Deus quer que
tal aconteça e 0 torna certo - principalmente quando se diz que isso é
necessário para sua plena glorificação.
Para ser direto e sem rodeios, conforme diz 0 ditado, meu problema é
primeira e principalmente com o determinismo divino que leva a repro-
vação incondicional de Deus de certas pessoas para o sofrimento eterno
no inferno para sua glória. Me oponho a qualquer ideia que, conforme
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
0 velho ditado calvinista diz: “aqueles que se encontram sofrendo no
inferno podem, ao menos, se confortar com 0 fato de que eles estão
lá para uma maior glória de Deus”. Eu reconheço e livremente admito
que poucos calvinistas diriam isso. Mas meu argumento é que eles deve-riam encontrar a coragem de dizer isso, pois isto está necessariamente
implícito pelo 0 que eles, de fato, falam. Explicarei e defenderei essa
alegação em todo esse livro.
A teologia reform ada radical, então, é qualquer teologia que faz
afirmações acerca de Deus que necessária e logicamente implicam que
Deus é menos do que perfeitamente bom no mais elevado sentido de
bondade encontrado no Novo Testamento e, principalmente, em Jesus
Cristo, a mais completa revelação de Deus para nós. É o infralapsaria-
nismo ou supralapsarianismo consistente, quer seja hipercalvinista ou
0 calvinismo normal, puro e simples.
Então, qual é a teologia reformada a qual não sou contra? Acho que
terei de dizer que a única teologia reformada que não sou contra é a
teologia reformada revisionista - o tipo que encontro em Sell, Berkhof,Daane e Kõnig (embora eu possa não concordar com tudo o que qualquer
um deles ensine). É a teologia reformada que explicitamente rejeita
um decreto divino de reprovação e que a usa de embasamento para
corajosamente rejeitar outras alegações calvinistas que necessariamente
exijam a reprovação divina. É a teologia reformada que explicitamente
rejeita 0 determinismo divino de cada evento único, sem exceção, nãodeixando espaço para 0 livre-arbítrio, e que utiliza isso como base para
afirmar uma autolimitação divina e amorosa tal que Deus não é, de ma-
neira alguma, responsável pelo sofrimento de inocentes no holocausto
ou horrores semelhantes da história.
Creio que seja possível encontrar teologia reformada náo radical
comumente entre pessoas reformadas e até mesmo entre alguns que
se consideram calvinistas. Eles apelam ao mistério e não para decretos
divinos que governam todos os eventos, incluindo a queda. Eles afirmam
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Contra o Calvinismo
a soberania de Deus sem estendê-la ao pecado e ao mal exceto à medida
em que Deus os permite (sem aquela permissão desejosa positiva falada
por calvinistas consistentes e o teólogo reformado radical que fala acer-
ca de Deus os tornado certos). Eles afirmam a eleição como a escolhagraciosa e incondicional de um povo para 0 serviço sem a determinação
incondicional dos destinos eternos das pessoas, incluindo algumas para
o inferno. Eles são pessoas reform adas que concordam com Adrio Kõnig,
ele próprio sendo de linhagem reformada, que escreveu:
Qualquer um que nivela em vagas generalizações ao tentar explicar
tudo e todas as possíveis circunstâncias como a vontade de Deus sempre
acaba na impossível situação de que há mais exceções do que regras, mais
coisas que são inexplicáveis e que tais colidirão com 0 retrato de Deus que
nos é dado em sua palavra, do que há confirmações confortantes de que
ele está dirigindo tudo... Qualquer um que tentar utilizar a onipotência e
providência de Deus para propor um plano divino preparado e meticuloso
que está se desenrolando na história do mundo (L. Boettner) será sempre
deixado com o problema que outros crentes podem não ser capazes dediscernir 0 Deus de amor no atual curso dos eventos do mundo... Deve
ser afirmado enfaticamente que... as Escrituras não apresentam 0 futu-
ro como algo que materializa [sic] de acordo com um “plano”, mas de
acordo com o pacto... Há muitas coisas angustiantes que acontecem na
terra que não são a vontade de Deus (Lucas 7.30 e todos outros pecados
mencionados na Bíblia), que são contra sua vontade, e que se originamdo pecado incompreensível e sem sentido no qual nós nascem os, no qual
a maior parte da humanidade vive, e no qual Israel persistiu e contra a
qual até mesmo ‘os mais santos homens’ lutaram todos os seus dias...
Tentar interpretar todas estas coisas por meios do conceito de um plano
de Deus, cria dificuldades intoleráveis e dá surgimento á mais exceções
do que a regularidades. Mas a objeção mais importante é que a ideia de
um plano é contra a mensagem da Bíblia uma vez que 0 próprio Deus
se torna implausível, se 0 que ele com poder combate, e pelo qual ele
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
sacrificou seu próprio Filho, foi, contudo, de algum jeito, parte e parcela
de seu conselho eterno 78.
ALTERNATIVAS A TEOLOGIA REFORMADA /RADICAL
Um motivo pelo qual muitos jovens (e talvez outros) abracem 0 novo
calvinismo que é de longe a teologia reformada radical que acabou de
ser descrita é porque eles estão convencidos que ele seja a única teo-
logia bíblica e intelectualmente séria que esteja disponível. É verdade,
conforme alguns calvinistas defendem, que muitas igrejas evangélicas
estadunidenses estão quase que totalmente desprovidas de teologia.Tenho lecionado teologia para milhares de alunos em três universidades
cristãs há mais de 30 anos. Durante esta época eu percebi que há uma
tendência de baixa em termos da consciência bíblica e teológica nos
alunos cristãos.
Também percebi essa tendência nas igrejas que freqüentei. Consi-
derando que há 30 anos e antes disso a maioria das igrejas evangélicas
ensinava histórias bíblicas e realizava alguma espécie de catequese com
jovens, a maioria das igrejas passou a adotar 0 mais insípido “estudo”
de questões éticas e morais - geralmente substituindo a discussão da
possível interpretação espiritual de filmes para 0 ensino bíblico e 0 es-
tudo de doutrinas 79.
78. Konig, Here Am Π 98 - 99.
79. Acredito que uma análise estatística não seja necessária, pois 0 fenômeno é visto
universalmente como desta maneira pelas pessoas que ensinam estudos bíblicos
e teológicos em faculdades e universidades cristãs. Poucos estudantes conhecem
quaisquer hinos, e os hinos eram uma forma que a fé cristã era passada de geração
à geração. A música cristã contemporânea é notoriamente rasa no que diz respeito à
doutrina e à teologia (com algumas exceções, claro). Encontrei alunos que cresceram
em lares e igrejas cristãs e até mesmo filhos de pastores e missionários que alegaram
jamais ter ouvido acerca da ressurreição do corpo como uma fé cristã. Poucos sequer
podem apresentar uma breve explicação da trindade ou deidade e humanidade de
Jesus além de slogans da religião popular, tais como Jesus era “Deus em pele humana”
- uma expressão popular da heresia antiga do apolinarianismo.
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Muitas igrejas e organizações cristãs de jovens simplesmente abdi-
caram de sua responsabilidade de ensinar as crenças básicas cristãs de
sorte que o cristianismo, para muitos cristãos jovens, parece uma religião
raza de autorealização com o auxílio de Deus. Isso é o que 0 intelectual
calvinista Michael Horton chama de “Cristianismo sem Cristo” 80 e eu
concordo com ele. Isto está simplesmente difundido na vida eclesiástica
estadunidense. Então, quando jovens intelectualmente curiosos que estão
convencidos que de que deve haver algo a mais em sua fé do que a religião
popular que eles receberam, eles encontram o calvinismo pela primeira
vez (geralmente sob o nome de teologia reformada), e eles geralmente
ficam tão impressionados e, ás vezes, totalmente arrebatados por ele. Emminha experiência, isto se dá parcialmente sob a influência de sermões
extremamente apaixonados pregados por popularizadores eruditos do
calvinismo que pregam em conferências de jovens (os sermões sendo
transmitidos via podcast para que possam ser ouvido outras vezes), como
se a teologia pregada fosse a única que verdadeiramente honra a Deus.
Descobri que muitos dos novos calvinistas simplesmente não es-
tão conscientes de que há outras alternativas viáveis para sua recémdescoberta fé doutrinai. Através da leitura de livros de seus pastores e
professores favoritos, muitos deles estão convencidos que todas as al-
ternativas - e, principalmente o temido “arminianismo” - são centradas
no homem, sem fundamentação bíblica ou intelectualmente débeis.
Quase todas as alternativas ao calvinismo são agrupadas juntas como
arminianismo ou semipelagianismo ou ambos (muitos calvinistas, tais
como Sproul, igualam as duas coisas). Em seu sermão acerca de “Porquem Cristo Morreu?”, Piper ataca o arminianismo como uma teologia da
salvação própria. Ele diz: “A fim de que Cristo tenha morrido por todos
os homens da mesma forma, o arminiano deve limitar a expiação para
uma oportunidade impotente para os homens de salvarem a si mesmos
da terrível má situação da depravação” 81.
80. O título de seu livro publicado em 20 0 pela Editora Cultura Cristã.
8 . Piper, “For Whom Did Christ Die?”
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
Isto é, claro, uma caricatura do arminianismo, como demonstrei em
Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Alguém precisa imaginar 0 que 0
Piper estava pensando quando ele tirou conclusões errôneas acerca do
arminianismo desta forma. A teologia arminiana não diz que as pessoassalvam a si m esm as ou que a expiação é impotente. A teologia arminia-
na tradicional diz que na cruz e através da cruz de Cristo o pecado de
Adão herdado por todos foi perdoado (Romanos 5) de maneira que as
pessoas só são condenáveis por seus próprios pecados. A cruz remove
completamente todo obstáculo para a salvação de todo ser humano,
exceto sua resistência à graça de Deus livremente ofertada, que é dada
a todos em certa medida, mas principalmente através da pregação da
palavra. Acredito que o Piper saiba isso, pois nós nos comunicamos a
esse respeito e ele me disse que já foi arm inian o!82
O que Piper e quase todos os críticos calvinistas do arminianismo
(e outras teologias alternativas da soberania de Deus e salvação) geral-
mente deixam de mencionar duas coisas que são cruciais: (1) qualquer
limitação da soberania de Deus é uma autolimitação voluntária porqueDeus é soberano acerca de sua soberania, e (2) se alguém vem a Cristo
82. Quando entrei em contato com Piper acerca desta citação, ele enfatizou que no
sermão ele não disse que os arminianos realmente dizem isso sobre a expiação e
salvação, mas apenas que eles devem dizer isso. Deixarei a decisão a cargo dos leitores
e que a maioria de seus ouvintes e leitores pensou que ele quis dizer. Conheço algumas
pessoas que pensaram que o que ele, de fato, quis dizer, foi a teologia arminiana. Em
minha opinião, a declaração do Piper aqui e as muitas afirmações semelhantes feitas
por calvinistas concernente 0 arminianismo violam a regra básica de debate civilizado
que deveria reger não apenas os cristãos, mas todas as pessoas sérias: sempre descreva
a visão de seu oponente conforme eles a descrevem, e se você for acusá-los de que
a visão deles leva a uma conclusão que eles, na realidade, não adotam, diga que
eles, na verdade, não a adotam. Me parece que o Piper, em seu sermão, faz 0 que
muitos calvinistas fazem com o arminianismo - descrevem־no da forma mais infame
ao atribuir a ele conclusões consideradas logicamente necessárias, mas que não são
verdadeiramente abraçadas por seus adeptos. Não me oponho a discutir contra uma
teologia pelo fato de ela levar necessariamente a algum lugar considerado ruim. É
desta forma que atacarei 0 calvinismo. Mas me oponho a atribuir aos adeptos de uma
teologia certas crenças que eles explicitamente rejeitam. Tal coisa é, em seu melhor
cenário, injusta, e, desonesta, no seu pior cenário.
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Contra o Calvinismo
com arrependimento e fé, é apenas porque foram capacitados pela
graça “preveniente” de Deus para que assim agissem. Eu raramente
encontro calvinistas que descrevam a doutrina arminiana da graça
preveniente de maneira justa ainda que ela seja central e crucial àteologia arminiana.
Então, o que é o arminianismo ou a teologia arminiana? É a muito
caluniada, mas inocente, principal alternativa evangélica ao calvinismo.
Para dar suporte à apresentação do arminianismo que darei aqui quero
que os leitores leiam o livro Teologia Arminiana, que contem centenas
de citações de apoio dos principais teólogos arminianos, remontando
do próprio Jacó Armínio, que atribuiu toda a salvação à graça de Deus
e que negou calorosamente que ele tenha atribuído qualquer parte da
obra da salvação ao “homem” (a pessoa humana que se arrepende e crê
para a salvação). Contrária às deturpações de muitos críticos calvinistas,
0 arminianismo não “limita a soberania de Deus” ou atribui mérito ao
“homem” na salvação.
A teologia arm iniana clássica, tal como a de João Wesley (1703 -
1791), afirma a depravação total dos seres humanos e sua total inca-
pacidade de até mesmo exercer uma boa vontade para com Deus em
separado da graça sobrenatural e auxiliadora de Deus. Ela atribui a ha-
bilidade do pecador de responder ao evangelho com arrependimento e
fé à graça preveniente - o poder iluminador, convincente, capacitador e
convidativo do Espírito Santo na alma do pecador e tornando o pecadorlivre para escolher a graça salvífica (ou para rejeitá-la). Esta é a interpreta-
ção arminiana para as “atrações” de Deus mencionada no evangelho de
João. Deus não atrai irresistivelmente, mas persuasivamente, deixando
os humanos capazes de dizer não.
A teologia arminiana realmente afirma a eleição divina, mas ela
a interpreta como corporativa e não como individual. Romanos 9, a
passagem alicerce do calvinismo rígido, é interpretada, assim como os
primeiros pais da igreja fizeram - como se referindo ao serviço de Isra-
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el e os crentes gentios no plano de Deus, não aos destinos eternos de
indivíduos. Arminianos afirmam a predestinação, interpretando-a com
Romanos 8 como a presciência de Deus da fé. Eles rejeitam a reprovação,
exceto na medida em que ela é livremente escolhida pelas pessoas que vivem contrariamente à vontade de Deus revelada em natureza e na lei
escrita em seus corações (Romanos 1 - 2)
Acima de tudo os arminianos insistem que Deus é um Deus bom e
amável, que verdadeiramente deseja a salvação de todas as pessoas.
Observem 1 Timóteo 2.3-4: “ Isso é bom e agradável perante Deus, nos-
so Salvador, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem
ao conhecimento da verdade”; e 2 Pedro 3.9: “O Senhor não demora
em cumprir sua promessa, como julgam alguns. Pelo contrário, ele é
paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos
cheguem ao arrependimento”. Os arminianos consideram estas e outras
passagens bíblicas semelhantes a estas como clara e inequivocamente
apontando para 0 desejo universal de Deus para a salvação de todas
as pessoas. O versículo de 1 Timóteo 2.4, na língua grega, não pode ser interpretado de qualquer outra forma além de se referir a todas as
pessoas, sem limite. Alguns calvinistas interpretam 2 Pedro 2.4 como
se referindo apenas aos eleitos, mas à luz de 1 Timóteo 2.4, tal inter-
pretação dificilmente funciona.
Os arminianos acreditam que qualquer limitação da intenção de Deus
para a salvação de todos, incluindo a “expiação limitada”, necessária eintrinsecamente impugna 0 caráter de Deus até mesmo onde os calvi-
nistas insistem 0 contrário. Os arminianos não alegam que os calvinistas
dizem que Deus não é bom ou amável; eles dizem que 0 calvinismo
implica isso necessariamente, então que os calvinistas deveriam dizer
isso a fim de serem consistentes com eles mesmos.
A principal alternativa ao calvinism o é 0 arminianismo clássico (que
é diferente do que, às vezes, vai sob esse rótulo!) conforme descrito
brevemente acima. Mais uma vez, eu encorajo os leitores que estão
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interessados em explorar o tema um pouco mais, que leiam o livro
Teologia Arminiana e outros livros escritos por arminianos acerca do
arminianismo - assim como eu e muitos arminianos lemos as Institutas
de Calvino e muitos livros acerca do calvinismo escrito por calvinistas. Você não deve acreditar no que os calvinistas dizem acerca do arminia-
nismo sem averiguar 0 fato por si mesmo ao ler as fontes primárias 83.
A teologia arminiana é bíblica e intelectualmente respeitável? É uma
séria concorrente do calvinismo? Claro que só poderão ter certeza disso
as pessoas que analisarem o arminianismo profunda e imparcialmente
a partir das fontes primárias. Mas meu argumento é que a única razão
que isto é levado em conta é em virtude das repetidas calúnias contra o
arminianismo que foram levantadas pelos calvinistas através dos anos; a
maioria do que os calvinistas dizem acerca do arminianismo é simples-
mente inverídico ou, no mínimo, apenas parcialmente verdadeiro. Um
dos principais ofensores é Sproul, que iguala o arminianismo à heresia
de semipelagianismo 84, heresia esta que foi condenada no Segundo Con-
cílio ou Sínodo de Orange em 529 dC (que também condenou qualquercrença que Deus predestinou 0 pecado). Praticamente todo livro de um
calvinista que expõe a teologia calvinista que eu li (e li dezenas deles)
acabam por disseminar uma forte crítica contra o arminianismo como
uma mensagem rasa de salvação própria, se não heresia real.
83. Duas exposições importantes da teologia arminiana que também são prazerosas
de se ler sáo Thomas Oden, The Transforming Power of Grace (Nashville, TN: Abingdon,
993), e Robert E. Picirilli, Grace, Faith, Free Will (Nashville, TN: Randall, 2002).
84. Esta equação pode ser encontrada em muitas páginas das obras publicadas do
Sproul, tal como O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, 39,
58 -60. Sproul, de fato, reconhece a crença arminiana na grace preveniente, mas ele
então apresenta erroneamente a visão arminiana quando pergunta aos arminianos:
“Se a carne pode, por si mesma, se inclinar à graça, qual é a necessidade da graça?”
( 88). Nenhum arminiano verdadeiro diz que a carne (o ser humano caído, natural)
pode se inclinar para a graça; tal inclinação sempre vem do Espírito Santo. A
diferença entre isso e o calvinismo é que, de acordo com o arminianismo, esta obra
do Espírito Santo chamada graça preveniente, é resistível (pois Deus escolhe permitir
que a graça seja resistida!)
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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP
Eu conclamo aos jovens, incansáveis e novos calvinistas reformados
que pensem por eles mesmos acerca das alternativas ao calvinismo,
incluindo e, principalmente, o arminianismo. Mas eu também recomen-
do a investigação em teólogos reformados não calvinistas, tais como
Berkhof, Kõnig e Daane, mas talvez, acima de tudo, 0 grande teólogo
reformado holandês G. C. Berkouwer que publicou muitos volumes
de teologia sistemática nas décadas de 1950 e 1960. Alguns podem
considerá-lo um calvinista, mas ele definitivamente não era no sentido
de ser “calvinista rígido” e/ou que adota toda a TULIP, principalmente
pelo fato de rejeitar qualquer noção de reprovação divina como inclusa
na soberania de Deus 85. Outras alternativas protestantes são 0 lutera-
nismo, que rejeita a expiação limitada e a perseverança incondicional e
a teologia anabatista, que foca principalmente em discipulado em vez
da teologia sistemática, mas que claramente inclui a crença na liberda-
de da vontade concedida por Deus e que rejeita a TULIP quase em sua
totalidade. (Alguns anabatistas aceitam a depravação total).
Por fim, espero que as alternativas ao calvinismo justifiquem umaséria análise em virtude dos sérios enigmas apresentados pela extensão
lógica do calvinismo clássico, ao qual este livro agora se dedica.
85. Ver a obra de vários volumes de Berkouwer com 0 título abrangente “Estudos em
Dogmática” publicado pela Eerdmans.
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capítulo 4
Sim para a soberania divina;
Não para o determinismo divino
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FUI OUVIR UM FAMOSO OFICIAL do governo, que também era um
cristão evangélico bastante conhecido, discursar na capela de nossa
faculdade. Eu esperava que ele abordasse os perigos do hábito de fumar
cigarros, porque era exatamente por isso que ele era principalmente
conhecido, ele era um guerreiro contra o tabaco. Mas não foi esse 0
tópico que ele abordou em sua fala na capela. Em vez disso, por cercade uma hora, ele discorreu acerca do seguinte assunto: “Deus matou
meu filho”. Eu não fiquei totalmente surpreso, pois eu sabia que ele
era membro de uma grande e influente igreja reformada. Entretanto,
eu jam ais havia ouvido nenhum calvinista apresentar 0 assunto de ma-
neira tão direta. O médico falou de maneira eloqüente e tocante acerca
da trágica morte de seu filho, um jovem adulto, em um acidente de
alpinismo e, em vários momentos ele parou, olhou intencionalmente
para 0 público jovem e afirmou: “Deus matou meu filho”.
O orador deixou extremamente claro o que ele quis dizer. Ele não
quis dizer que Deus permitiu a morte de seu filho ou que simplesmente
permitiu que ela acontecesse. Pelo contrário, ele quis dizer que Deus pia-
nejou a morte e a tornou certa. Ele náo disse que Deus causou a morte,
mas a sua mais que freqüente repetição do título da palestra certamentedeixava isso implícito: “Deus matou meu filho”. Ele também deixou muito
claro de que 0 evento não foi uma ocorrência incomum da intervenção
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
por Deus?”. O que ele diria? Se ele fosse consistente consigo mesmo e
sua teologia, ele teria que dizer sim.
Certo dia estava trabalhando em meu escritório quando o telefone
tocou. Era um pastor que havia lido no jornal estudantil acerca de mi-
nha rejeição ao calvinismo. Ele exigiu saber: “Como você pode não
acreditar na soberania de Deus?” Eu lhe perguntei 0 que ele queria dizer
com soberania de Deus e ele respondeu: “Quero dizer, ao fato de Deus
controlar tudo 0 que acontece”
Eu lhe respondi com uma pergunta: “Essa soberania inclui 0 pecado
e 0 mal?”
Ele pausou: “Não”.Então, perguntei: “Você realmente acredita na soberania de Deus?”
Ele pediu desculpas e desligou 0 telefone.
O que eu queria dizer ao pastor era que eu realmente acredito na so-
berania de Deus - de todo o meu coração, alma e mente. Eu acredito,
como a Bíblia ensina e todos os cristãos devem acreditar, que nada pode
acontecer sem a permissão de Deus. Isso é 0 que alguns chamam de
uma "visão fraca” da soberania de Deus (embora ela nada tenha a ver
com qualquer “fraqueza” de Deus), onde 0 calvinismo normalmente
afirma uma “visão forte” da soberania de Deus. Vamos analisar a dou-
trina calvinista da providência divina - a doutrina da soberania de Deus
sobre a natureza e história.
A DOUTRINA CALVINISTA DA PROVIDÊNCIA DE DEUS
Ulrico Zuínglio e João Calvino
Muitos eruditos consideram que 0 verdadeiro fundador da tradição
reformada seja Ulrico Zuínglio, que escreveu um extenso ensaio intitulado
Da Providência. Este ensaio veio a influenciar Calvino e, através dele, toda
a tradição reformada (embora muitos reformados, principalmente os que
se autodenominam “revisionistas” vieram a rejeitar muito desse ensaio).Zuínglio definiu a providência como “0 domínio e direção de Deus de
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Contra o Calvinismo
todas as coisas no universo. Pois se qualquer coisa fosse guiada por seu
próprio poder ou insight, assim também seria a sabedoria e poder de
nossa Deidade muito deficientes”1. Zuínglio continuou sua exposição ao
negar que nada neste mundo é “contingente, fortuito ou acidental”, pois
Deus sozinho é a “única causa” sobre tudo, de maneira que outras assim
chamadas causas são simplesmente “instrumentos do trabalhar divino” 2.
Zuínglio embasou muito de sua forte doutrina da soberania na filoso-
fia; ele começou com uma ideia pressuposta de Deus como a necessaria-
mente a realidade toda-determinante e tirou dela a conclusão que tudo
deve ser uma manifestação do poder de Deus ou, caso contrário, Deus
não seria Deus. Claro, Zuínglio também apelou para a Escritura, assim
como todos os defensores da forte doutrina da soberania de Deus. Será
útil analisar algumas supostamente passagens bíblicas de suporte antes
de mergulharmos na análise da doutrina de Calvino e das interpretações
de providência dos calvinistas posteriores.
No capítulo 3, vimos que os calvinistas apelam para as histórias de
Jo sé e da crucificação de Jesus para dar suporte à visão da soberaniaprovidencial de Deus como detalhada e meticulosa, incluindo o mal.
Claro, nem todos os eruditos bíblicos ou interpretes deduzem essa
doutrina a partir destas histórias e eventos. Por exemplo, não é possível
que Deus tenha dito “o tornou em bem” no sentido de que ele poderia
ter impedido os eventos, mas, antes, escolheu permití-los? A maioria
dos calvinistas alegará aqui que há pouca diferença, isso se não houver
nenhuma, entre essa visão e a que eles defendem, mas argumentarei
que a diferença é grande.
Os calvinistas apelam para afirmações de profetas do Antigo Tes-
tamento, tais como a já citada passagem de Amós 3.6. Mas há outras
passagens, tais como Provérbios 16.33; Isaías 14.27; 43.13; 45.7. Todas
. Ulrich Zwingli,
On Providence and Other Essays, eds. Samuel Jackson and William
John Hinke (Durham, NC: Labyrinth, 983), 37.
2. Ibid., 57.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
estas passagens indicam a autoridade supervisora de Deus e domínio
até aos detalhes. Por exemplo, Provérbios 16.33: “A sorte é lançada no
colo, mas a decisão vem do Senhor”, enquanto que Isaías 45.7 diz: “Eu
formo a luz e crio as trevas, promovo a paz e causo a desgraça; eu, 0
Senhor, faço todas estas coisas”. Dificilmente há qualquer necessidade de
mais citações; estas duas passagens sozinhas parecem fornecer prova da
forte visão da providência de Deus. Mais adiante neste capítulo, natural-
mente, eu argumentarei que há interpretações alternativas que melhor
expressam a soberania de Deus que não fazem de Deus 0 autor do mal.
Calvino continuou com sua doutrina da soberania de Deus sobre a
história e a providência meticulosa de Deus de onde Zuínglio parou, em-bora ele não a tenha defendido a partir da filosofia, mas primariamente
a partir das Escrituras (o que não é dizer que ele não foi influenciado
pela filosofia!). Em uma vivida ilustração ele escreveu:
Imaginem os, por exemplo, um mercador que, havendo entrado em
uma zona de mata com um grupo de homens de confiança, impru-
dentemente se desgarre dos companheiros, em seu próprio divagar
seja levado a um covil de salteadores, caia nas mãos dos ladrões,
tenha o pescoço cortado. Sua morte fora não meramente antevista
pelo olho de Deus, mas, além disso, é estabelecida por seu decreto.
Ora, não se diz haver ele antevisto quanto se estenderia a vida de
cada um; ao contrário, diz haver estabelecido e fixado os limites que
não poderão ser ultrapassados [Jó 4.5].
Quanto, porém, 0 alcance de nossa mente apreende, tudo neste
acontecimento parece acidental. Que pensará aqui o cristão? Provável-
mente isto: tudo quanto ocorreu em morte desse gênero era casual por
sua natureza; contudo não terá dúvida de que a providência de Deus
esteve a presidir, a fim de dirigir a seu term o essa contingencialidade 3.
Calvino resume toda a doutrina da providência de Deus desta ma-
neira: “vento algum jamais surge ou se desencadeia a não ser por de-
terminação especial de Deus” 4. Em outros lugares, ele argumenta que
3. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. , p. 209.
4. Ibid., Vol. . (p. 206).
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Contra o Calvinismo
0 governo providencial de Deus da história não pode ser expresso por
meios de permissão; Deus não simplesmente permite qualquer coisa,
mas ordena e mais que certamente as efetua. Para Calvino, isto é visto
mais claramente na queda de Adão, que foi preordenada por Deus. Casohaja qualquer picuinha acerca de quão forte era, para Calvino, a doutrina
da providência, eu citarei esta passagem de suas Institutas:
Seja esta a síntese: uma vez se diz que a vontade de Deus é a
causa de todas as coisas, a providênc ia é estatuída com o m oderatriz
em todos os planos e ações dos homens, de sorte que não apenas
comprove sua eficiência nos eleitos, que são regidos pelo Espírito
Santo, mas ainda obrigue os réprobos à obediência 5.
Como Calvino poderia se colocar de maneira mais direta e mais forte
do que essa? Deus compeli os réprobos, os ímpios, para obedecer sua
vontade. Em outras palavras, até mesm o 0 mal feito pelas pessoas per-
versas é preordenado e tornado certo por Deus. Calvinistas posteriores,
tais como Sproul, alegarão que 0 calvinismo não diz que Deus coage os
ímpios para que façam atos malignos. Calvino parecia pensar que sim,
ele até mesmo argumenta que Deus permanece imaculado pelo mal
de tais pessoas, pois seus motivos são bons ao passo que os motivos
destes ímpios são maus. (Claro, isso simplesmente levanta a questão
dos motivos da origem do mal!)
Jonathan Edwards
As visões dos calvinistas posteriores da providência de Deus são, em
grande parte, consistentes com a de Zuínglio e de Calvino. Em outras
palavras, no geral, 0 calvinismo rígido de Zuínglio a Calvino, de Calvino
a Edwards, de Edwards a Boettner, de Boettner a Sproul e de Sproul até 0
Piper, constitui determinismo divino, apesar das fortes objeções de alguns
calvinistas à essa terminologia. Começamos com Jonathan Edwards.
5. Ibid., Vol. 1, pp. 232, 33.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
Edwards ensinou a doutrina mais forte possível do domínio de Deus.
Para ele Deus não é apenas a realidade totalmente determinante; ele
cria todo 0 mundo ex nihilo (a partir do nada) em todo momento e não
trabalha por meio de causas secundárias 6. Tudo, sem exceção, é direta e
imediatamente causado por Deus, incluindo o mal. Edwards insistia que
todas as coisas, incluindo 0 pecado e o mal, seguem de “uma prévia e
infalível fixidez da futuridade do evento [significando todos os eventos]” ,
de forma que tudo acontece de acordo com uma “providência deter-
minante universal” que impõe “algum tipo de necessidade de todos os
eventos” 7. Edwards fecha 0 assunto:
Deus, em sua providência, de fato e decisivamente ordena todas
as volições dos agentes morais, seja por influência positiva ou per-
missão: e sendo permitido universalmente, que 0 que Deus faz no
assunto das volições virtuosas do homem, quer seja mais ou menos,
é por alguma influência positiva, e não por mera permissão, como
na questão da volição pecaminosa s.
Os leitores não devem se confundir com 0 uso do termo permissão por
Edwards, pois tal deve ser entendido no contexto de suas afirmações citadas
anteriormente acerca da “providência determinante” e a “necessidade de
todos os eventos”. Claramente, por “perm issão” Edwards apenas quer dizer
que, no caso do mal, Deus não força ou coage as pessoas para pecar, mas
ele 0 torna certo. Alguém pode se perguntar por que Edwards (e outros
calvinistas) recua(m) e faz(em) uso de “permissão” quando sua (e a deles)explicação geral da providência de Deus exige algo mais direto e ativo?
Não apenas Edward de fato afirmou a soberania determinante e
absoluta de Deus sobre todos os eventos no mundo, como ele também
6. Jonathan Edwards, The Great Christian Doctrine of Original Sin, ed. Clyde A. Holbrook
(New Haven, CT: Yale Univ. Press, 970), 402.
7. Jonathan Edwards,
Freedom of the Will, in The Works of Jonathan Edwards (New
Haven, CT: Yale Univ. Press, 957), :43 .
8. Ibid., 434.
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Contra o Calvinismo
afirmou a necessidade das próprias decisões de Deus. Isso faz com que
sua crença seja 0 que chamo de determinismo divino. Para ele, tudo 0
que acontece, até mesmo na própria mente e volição de Deus, é neces-
sário. Para os que duvidam disso, considerem que Edwards afirmava “a
necessidade de atos da vontade de Deus” 9. Claro, Edwards não queria
dizer que alguma força fora de Deus ou até mesmo dentro de Deus coage
a Deus a decidir e agir como ele o faz. Antes, “a determinação necessária
da vontade de Deus em todas as coisas, [é] pelo 0 que ele considera ser
0 melhor e mais apropriado” 10. Em outras palavras, “a vontade de Deus
é determinada por sua própria sabedoria infinita e totalmente suficiente
em tudo”". O resultado inexorável disto deve ser que a criação do mun-do, por Deus, é necessária e não contingente. Ou seja, ela não é livre.
Alguns defensores de Edwards podem objetar que o teólogo puritano
reivindicava que as ações de Deus são livres. De fato ele reivindicava
isso. Mas como ele reconciliava estas coisas? Edwards argumentava que
0 livre-arbítrio apenas significa fazer o que está de acordo com ou motivo
ou disposição mais forte. Para ele, como para a maioria dos calvinistas
que desejam abraçar certo sentido de livre-arbítrio tanto em Deus quan-
to nas criaturas, 0 livre-arbítrio não é ser capaz de fazer o contrário do
que alguém faz (poder da escolha contrária), que é 0 sentido libertário
do livre-arbítrio, mas apenas fazer 0 que alguém quer faz er mesmo se a
pessoa não pu der fazer o contrário. De acordo com Edwards, até mesmo
os desejos de alguém são sempre determinados por algo. O coração,
a sede das disposições, determina os atos da vontade humana tão cer-tamente quanto a sabedoria divina determina suas decisões e ações.
Isso é 0 que os filósofos vieram a chamar de “compatibilismo” -
crença de que 0 livre-arbítrio é compatível com 0 determinismo. Isto
9. Ibid., 395.
0. Ibid., 377.
. Ibid., 380.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
provavelmente nâo é o que a maioria das pessoas querem dizer por
livre-arbítrio, a habilidade de fazer 0 contrário do que alguém, de fato,
faz. Mas de acordo com o compatibilismo, a única vez que alguém não
é livre é quando a pessoa está sendo forçada a fazer algo que ela não
quer fazer. Neste sentido, então, a criação de Deus do mundo é “livre”
porque é o que Deus queria fazer. Mas isso não quer dizer que Deus
poderia ter feito 0 contrário.
Alguém precisa questionar a visão ortodoxa de Edwards. Toda a
questão da ortodoxia cristã tradicionalmente afirmando a liberdade da
criação é para garantir que ela esteja dentro da esfera da graça, e não
da necessidade. Tudo 0 que é necessário não pode ser gracioso. Além
do mais, se a criação de Deus do mundo foi necessária, então 0 mundo
é, em certo sentido, parte de Deus - um aspecto da própria existência
de Deus. Isso é conhecido como panenteísmo: a crença de que Deus
e 0 mundo são realidades interdependentes. A maioria dos cristãos
ortodoxos sempre considerou 0 pananteísmo uma heresia '2.
Não estou, na verdade, acusando Edwards de heresia; antes, estouacusando-o de inconsistência, pois ele claramente não tinha a intenção
de fazer Deus, de qualquer forma, dependente do mundo. A questão é
que suas reflexões especulativas acerca da soberania de Deus 0 levaram a
conclusões com as quais ele provavelmente não estava confortável e pro-
vavelmente não mantinha da mesma maneira em todo 0 tempo. Contudo,
apesar das intenções de Edwards, sua forte doutrina da soberania - de-
terminismo divino - é um terreno escorregadio que leva ao panenteísmo.
Outra questão que Edwards tem de lidar é o problema de relaciona-
mento de Deus com 0 pecado e o mal. A sua forte doutrina da providência
não leva inevitavelmente a Deus ser o autor do pecado e do mal? Edwar-
ds estava claramente desconfortável com isso, mas, ao mesmo tempo,
2. Ver John W. Cooper,Panentheism: The Other God of the Philosophers (Grand Rapids:
Baker, 2006). Cooper explica bem porque o panenteísmo é considerado herético pelos
padrões doutrinários ortodoxos e defende que a visão de Edwards da relação entre
Deus e o mundo é panenteísta (77).
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Contra o Calvinismo
ele admitiu isso em certo sentido. Primeiro, sua explicação de como
Deus tornou a queda de Adão certa é que Deus reteve de Adão “aquelas
influências, sem as quais a natureza será corrupta”, mas isso não faz
de Deus o autor do pecado 13. Para deixar 0 ponto mais claro, Edwardsafirmou que “a primeira chegada ou existência daquela disposição má no
coração de Adão, foi por perm issão de Deus; que poderia ter impedido
isso, se ele assim 0 quisesse, ao prover tais influências de seu Espírito,
como teriam sido absolutamente eficazes para impedir a disposição má,
que, na verdade, ele, de fato, reteve”14. Ainda que Deus tenha tornado
certo a primeira disposição que deu origem a todas as outras, Edwards
argumenta, Deus não é culpado. Apenas Adão foi culpado, pois suas
intenções eram más. As intenções de Deus em tornar 0 pecado e 0 mal
certos eram boas. “Ao desejar 0 mal Deus não faz o mal” '5.
Isso, de fato, inocenta a Deus, por assim dizer, de ser o autor do
pecado e do mal? Edwards, por fim, concluiu:
Se por “autor do pecado” queremos dizer o permissor ou 0 não
impossibilitador do pecado; e, ao mesmo tempo, um organizador doestado dos eventos, de tal maneira que, para fins e propósitos sábios,santos e mais que excelentes, aquele pecado, se permitido ou nãoimpedido, mais que certa e infalivelmente acontecerá: eu digo, seisso for tudo 0 que se entende por ser autor do mal, eu não negoque Deus é 0 autor do mal '6.
Sugiro que a maioria das pessoas consideraria isso como sendo 0
autor do mal. Mas muitos calvinistas, percebendo que, para a maioria
das pessoas “autor do mal” significa que Deus coagiu Adão a pecar
contra sua vontade, rejeitam esta linguagem enquanto que concordam
3. Edwards,Original Sin, 384.
4. Ibid., 393.
5. Edwards,Freedom of the Will, 4 - 2.
6. Ibid., 399.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
com Edwards. Nem Edwards e nem nenhum calvinista acredita que
Deus tenha forçado Adão a pecar contra sua vontade, mas a linguagem
simples dita que alguém é 0 “autor” de algo simplesmente por torná-lo
certo. Assim sendo, eu argumento, o calvinismo, de fato, faz de Deus 0
autor do mal no sentido de que, de acordo com sua descrição da soberaniade Deus, Deus tornou certo o pecado de Adão.
Minha questão aqui é simplesmente esta: quando os calvinistas negam
que sua doutrina faz de Deus 0 “autor do pecado” , 0 que eles geralmente
querem dizer é que Deus não coagiu Adão (ou ninguém) a pecar contra
sua vontade. Todavia, eles devem admitir, juntamente com Edwards,
que sua doutrina realmente faz de Deus 0 autor do pecado no sentido
de que Deus tornou certo que Adão (e toda sua posteridade) pecaria.
R. C. Sproul
De maneira semelhante a Edwards, Sproul rejeita 0 rótulo “determi-
nismo” para sua forte visão da soberania divina porque ele entende que
“determinismo” quer dizer “força externa” '7. Ele admite, juntamente
com Edwards e todos os outros calvinistas rígidos, que Deus determi-
na todas as coisas, mas ele prefere não chamar essa “determinação”
divina de “determinismo” 18. Podemos só nos perguntar que diferença
isso realmente faz. Continuarei a chamar esta visão de determinismo
divino seguindo a definição simples de “determinismo” (conforme dada
em vários dicionários e enciclopédias), de que “todo evento se torna
necessário por eventos e condições antecedentes” 19. Esse certamenteé 0 caso com a crença de Edwards e de Sproul e da maioria dos outros
calvinistas acerca da soberania de Deus.
7. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 39-40.
8. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 63.
9. VerStanford Encyclopedia o f Philosophy (http://plato.stanford.edu/).
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Contra o Calvinismo
Vamos agora nos voltar para a descrição de Sproul da soberania provi-
dencial de Deus. Sproul é bem conhecido por fazer afirmações um tanto
quanto enfáticas e extremas acerca da doutrina calvinista. Por exemplo, em
Eleitos de Deus, ele escreve que qualquer pessoa que não concorde com suacrença (conforme expressa na Confissão de Fé de Westminster) acerca da
predestinação deve ser um “ateu convicto” 20. Para Sproul (e muitos outros
calvinistas) a predestinação é mais do que um conceito acerca da soberania
de Deus em decidir quem será salvo e quem não será salvo; ela também
é um conceito acerca da “soberania total” de Deus em todas as cosias. No
capítulo 3 eu citei a afirmação de Sproul que não pode haver uma única
molécula sequer no universo que não esteja sob 0 controle de Deus. Ele é
famoso por perguntar ao público se eles acreditam na soberania total de
Deus, no sentido de que eu aqui, chamo de determinismo divino. Então
ele pergunta quantos são ateus. As pessoas que não levantaram suas mãos
em resposta à sua primeira pergunta, ele diz, deveriam levantar suas mãos
na segunda pergunta. Sua conclusão, claro, é que “se Deus não é soberano,
então ele não é Deus. Pertence a Deus como Deus ser soberano”21.
O que é estranho acerca disto é que em Eleitos de Deus, Sproul afirma
que “eruditos e líderes cristãos” podem discordar acerca desta doutrina,
mas então ele diz que qualquer um que não concordar com ele deve ser
um ateu convicto. Ele não deveria se surpreender se alguns “eruditos
e líderes cristãos” se ofendessem com essa sugestão!22 Muitos cristãos
concordam com ele que a soberania de Deus é uma parte essencial danatureza de Deus sem concordar com sua interpretação dessa soberania.
20. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 6. A passagem da
Confissão de Fé de Westminster referida por Sproul como exigindo concordância a
fim de não ser um “ateu convicto" é que “Desde toda a eternidade. Deus, pelo muito
sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalterável tudo quanto
acontece”.
2 . SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 22.
22. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 9- 0, 6.
122
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
Então, qual é realmente a doutrina de Sproul da predestinação/pro-
vidência? Obtem os uma forte dica em sua definição de predestinação:
“Ela inclui tudo 0 que vem a acontecer no tempo e espaço” 23. Em outras
palavras, a predestinação, em seu sentido mais amplo, é simplesmenteoutra palavra para a determinação de Deus de todos os eventos: provi-
dência meticulosa. Ele afirma que tudo o que acontece é a vontade de
Deus 24. Para concluir isso, ele escreve:
O movimento de cada molécula, as ações de cada planta, 0cair de cada estrela, as escolhas de cada criatura volitiva, todosestes estão sujeitos à sua vontade soberana. Não há moléculasindisciplinadas correndo soltas no universo fora do controle doCriador. Se tal molécula existisse, ela poderia ser a mosca críticano azeite eterno.25
Em outras palavras, “uma molécula indisciplinada poderia destruir
todas as promessas que Deus já fez acerca do desfecho da história” 26.
Sproul continua a fazer uma distinção entre os dois sentidos da vontade
de Deus: a vontade deeretiva de Deus e a vontade permissiva de Deus27. Tal
distinção pode aliviar alguma ansiedade acerca do papel de Deus no mal,
mas então ele tira com uma mão aquilo que ele deu com a outra: “o que
Deus permite, ele decreta permitir” 28. Em outras palavras, a permissão
de Deus é disposta e até mesmo permissão determinante; ela meramente
reflete e promulga os decretos eternos de Deus. Assim, até mesmo 0
pecado jaz tanto dentro da vontade deeretiva de Deus quanto da vontadepermissiva de Deus. A última, não determina a primeira em nenhuma
23. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 2 .
24. Ibid., 47.
25. Ibid.
26. Ibid.
27. Ibid.
28. Ibid.
123
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Contra 0 Calvinismo
forma ou caso contrário Deus não seria soberano. O que Deus permite,
ele decretou permitir - incluindo o pecado. A forma como Sproul explica 0
relacionamento entre a vontade decretiva de Deus e a vontade permissiva
de Deus tende a desmoronar as duas juntas. O espectro de um Deus quedeseja o pecado e 0 mal ainda paira sobre ele.
A fim de obter um entendimento mais completo da doutrina do
Sproul da soberania providencial de Deus, é útil olhar para sua visão de
livre-arbítrio. Por um lado, diferente de alguns calvinistas, Sproul afirma
que Adão e Eva caíram por seu próprio livre-arbítrio: “0 calvinismo vê
Adão pecando por seu próprio livre-arbítrio, e não por coação divina.”29.
Ademais, sobre a queda, ele diz:
“Adão lançou-se no poço [da depravação e morte espiritual]. Em
Adão, nós todos nos lançam os no poço. Deus não nos atirou dentro do
poço” 30. Alguns dos leitores de Sproul são falsamente consolados por
isso - como se isso aliviasse 0 problema da escolha soberana de Deus
de que Adão pecaria. Mas isso não está claro de jeito algum.
É importante analisar mais atentamente 0 que Sproul quer dizer por“livre-arbítrio”. Lá ele se volta ao compatibilismo de Edwards, no qual
0 “livre-arbítrio” é simplesmente fazer 0 que você quer fazer mesmo
se você não puder fazer 0 contrário. Assim como Edwards (em muitas
formas, 0 mentor de Sproul), Sproul argumenta que “sempre escolhe-
mos de acordo com a inclinação que é mais forte no momento” 31. Isso
também seria verdadeiro para Adão, pois tanto Edwards quanto Sproul
estão simplesmente explicando 0 que “livre-arbítrio” sempre significa. Sproul explica ainda mais: “Há um motivo para toda escolha que fazemos.
Em um sentido limitado, toda escolha que fazemos é determinada”32.
Determinada pelo quê? Pelas nossas inclinações e motivos interiores.
29. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002. p. 7 .
30. Ibid., 72.
3 . SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 3.
32. Ibid.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
para resultar em seus pecados, isso não faz de Deus o autor dos pecados
deles? Se sim, como é que eles são responsáveis e Deus não é?
Paul Helm
Agora analisaremos Paul Hem, outra testemunha calvinista para a forte
doutrina da providência que eu acredito que coloca 0 calvinismo em apuros
ao inexoravelmente levar a “conseqüência lógica e necessária” de que Deus
é 0 autor do pecado e do mal e até mesmo de todo 0 sofrimento inocente.
A obra de Helm, A Providência de Deus, é amplamente considerada
um clássico contemporâneo do pensamento calvinista. Veja aqui comoele expressa a soberania de Deus em providência: “Não somente todo
átomo e molécula, todo pensamento e desejo, é mantido em existência
por Deus, mas cada curva e cada volta de tudo isso está debaixo do con-
trole direto de Deus” 36. Então, “a providência de Deus é ‘refinada’, ela
se estende à ocorrência de ações individuais e a cada aspecto de cada
ação”37. Claro, Helm reconhece que para muitos de seus leitores esta
forte visão da soberania de Deus irá promover ainda mais o debate do
problema do mal. É Deus, então, 0 autor do pecado e do mal? O que
dizer da bondade de Deus?
Este problema do mal e do papel de Deus nele torna-se ainda mais
problemático quando Helm volta-se para descrever como Deus rege 0
mal no mundo:
Pois, de acordo com a visão “isenta de risco” [a visão de Helm da
providência de Deus na qual Deus não se arrisca], Deus controla todos
os eventos e também dá mandamentos morais que são desobede-
cidos em alguns dos muitos eventos que ele controla. Por exemplo,
ele ordena que homens e mulheres amem seu próximo enquanto ao
mesmo tempo controla ações que são maliciosas e odiosas38.
36. HELM, Paul. A providência de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 9.
37. Ibid., 91.
38. Ibid., 117.
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Contra o Calvinismo
De acordo com Helm, Deus tem duas vontades: “a que acontece” (a
que ele decreta e torna certa) e “a que deve acontecer” (que ele ordena
e que frequentemente vai contra o que ele decreta). Alguns calvinis-
tas referem-se a estas vontades como “vontade decretiva” e “vontadepreceptiva” de Deus. Em outras palavras, de acordo com esta visâo da
providência de Deus, Deus ordenou que Adão e Eva não comessem da
árvore do conhecimento do bem e mal (vontade preceptiva) ao passo
que ao mesmo tempo (ou desde toda a eternidade) decretou que eles
comeriam da árvore. A questáo crucial que é levantada é como Deus
pode ser bom e não estar em conflito consigo mesmo? Deus garante
que suas ordenanças morais serão desobedecidas. Como Deus pode
fazer isso sem coagir as pessoas a pecar? E como ele faz isso sem ser
responsável pelo pecado?
Nesta altura, Helm, assim como muitos calvinistas, voltam-se para a
retenção de Deus da influência divina de maneira que as pessoas pecam
naturalmente sem que Deus as faça pecar: “O que determina a ação [ex.
a queda] na medida em que ela é má é a negação divina. Deus retém
sua bondade ou graça, e em seguida 0 agente forma uma motivação ou
razão moralmente deficiente e age de acordo com ela” 39.
Em outras palavras, Deus torna certo 0 mau sem que, ele mesmo,
faça 0 mal. O mal, afinal de contas, está no motivo com a qual a ação
preordenada é realizada pela criatura. O motivo do pecador é mal ao
passo que 0 motivo de Deus em preordenar e tornar certo o mai é bom.O pecador está pecando porque, a partir de um motivo mal (ex. de ego-
ísmo) ele desobedece a vontade preceptiva de Deus ainda que ele não
faça o contrário porque Deus retém a provisão necessária para não pecar.
Isso suscita muitas perguntas acerca da bondade de Deus, responsa-
bilidade humana e a fonte do primeiro motivo mal. Helm afirma que,
apesar do envolvimento de Deus em tornar certo o mal, ele é um Deus
39. Ibid., 152.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
perfeitamente bom de maneira que “a bondade de Deus deve ter alguma
relação positiva com os tipos de ações humanas que consideramos boas.
Caso contrário, por que atribuir bondade a Deus? 40Lidarei com os problemas
inerentes a este relato de providência de Deus mais tarde neste capítulo. Por
agora nos basta dizer que, em seu melhor cenário, tal relato é incoerente.
John Piper
E o influente John Piper - provavelmente o mentor mais importante do
novo calvinismo entre a geração de jovens, incansáveis e reformados? O
que ele diz acerca da soberania de Deus e providência, incluindo 0 mal? Ele
segue Edwards e é muito parecido a Helm. Conforme explicado anterior-
mente, Piper acredita que tudo, sem exceção, vem a acontecer de acordo
com o plano e propósito preordenados por Deus e que Deus torna tudo
isso certo sem que ele mesmo participe do mal: “De alguma maneira (que
nós não podemos entender plenamente) Deus é capaz, sem ser culpado de
“tentar”, de garantir que uma pessoa faça 0 que Deus ordena que ele faça
ainda que isso envolva o mal” 41. Com Helm, Piper afirma duas vontadesem Deus: “Deus decreta um estado das coisas [incluindo 0 mal] ao passo
que também deseja e ensina que um estado de coisas diferentes deva acon-
tecer” 42. Piper nega, em seu relato de providência, que Deus seja 0 autor
do pecado e do mal ainda que ele, de fato, certifique-se de que as coisas
que são contrárias as ordens de Deus venham a acontecer.
Cada um dos autores citados até aqui nesta seção em algum lugar dizque tudo 0 que Deus preordena e torna certo, incluindo 0 pecado e 0 mal,
glorifica a Deus. Boettner é quem diz de maneira mais sucinta: “Deus
tem um propósito definido na permissão [!] de todo pecado individual,
40. Ibid., 49.
4 . John Piper, “Are There Two Wills in God,” in Still Sovereign: Contemporary
Perspectives on Election. Foreknowledge, and Grace, eds., Thomas R. Schreiner and Bruce
Ware (Grand Rapids: Baker, 2000), 23.
42. Ibid., 09.
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Contra o Calvinismo
tendo o ordenado [!] ‘para sua própria glória’ ”43. Até mesmo as obras
de Satanás são preordenadas e controladas por Deus para sua glória! 44.
Vamos resumir a típica visão do calvinismo rígido da soberania de Deus.
Enquanto possa haver nuances de diferença em cada relato, é seguro dizer
que há características comuns compartilhadas muito abrangentes de ma-neira que uma descrição geral possa ser oferecida. No calvinismo rígido a
soberania de Deus em sua providência significa que tudo, até os mínimos
detalhes da história e vidas individuais, incluindo 0 pensamento e ações das
pessoas, são preordenados e tornado certos por Deus. Até mesmo ações
más e pensamentos maus são planejados e efetivados de sorte que Deus
“garante” que eles aconteçam para realizar sua vontade. Nada, de jeito ne-
nhum, seja 0 que for, está fora do plano e destino predestinadores de Deus.
Contudo, Deus não é manchado pelo mal que as criaturas fazem ainda
que ele o torne certo, pois seus motivos são sempre bons, até mesmo em
efetivar o mal que ele proíbe. E o plano final de Deus é bom de tal sorte
que 0 mal serve seu propósito. “Deus deseja corretamente estas coisas que
os homens fazem impiamente” 45. Todavia, as criaturas são unicamente
responsáveis pelo mal que cometem 46. Deus torna 0 pecado e o mal certos
não por coagir ou forçar as pessoas para que os cometam, mas ao retirar
ou reter essa influência divina que eles precisariam para não pecar e não
fazer 0 mal. Tudo 0 que acontece, incluindo o pecado, é ordenado por Deus
para sua própria glória.
O PROBLEMA DA REPUTAÇÃO DE DEUS
Sproul afirma que “qualquer distorção do caráter de Deus envenena 0
restante de nossa teologia” 47. De fato, os cristãos não calvinistas concor
43. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 25 .
44. Ibid., 243.
45. Ibid., 229.
46. Craig R. Brown,
The Five Dilemmas of Calvinism (Orlando, FL: Ligonier, 2007), 45 - 58.
47. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.33.
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Contra o Calvinismo
Alguém pode se perguntar como Deus poderia estar certo que tais
coisas aconteceriam. Deus conhece os corações das pessoas e pode
prever que, dadas certas circunstâncias previstas, eles farão coisas peca-
minosas. Deus não precisa manipular as coisas; ele pode simplesmenteprevê-las de maneira infalível. Os calvinistas zombarão disso, mas a
forma como os calvinistas lidam com o envolvimento de Deus suscita
problemas maiores que eles precisam enfrentar do que se deixassem a
questão sem solução.
Resumindo, o relato calvinista da soberania de Deus apresentado
anteriormente neste capítulo inevitavelmente faz de Deus o autor do
pecado, mal e do sofrimento inocente (tais como os das crianças do Ho-
locausto) e, desse modo, impugna a integridade o caráter de Deus como
bondoso e amoroso. O Deus deste calvinismo (em oposição, digamos, a
teologia reformada revisionista) é, em seu melhor cenário, moralmente
ambíguo e, no seu pior cenário, um monstro moral dificilmente de ser
distinto do diabo. Lembre, de acordo este relato da soberania de Deus
e providência, até mesmo o diabo está apenas fazendo as obras que lhe fo ra m dadas por Deus para que ele as fizesse. Isso, também, como todo
0 resto, foi preordenado, planejado, desejado por Deus e tornado certo
por Deus para sua glória. Só posso concordar de todo 0 coração com
o filósofo evangélico Jerry Walls que diz: “O calvinista deve sacrificar
uma clara noção da bondade de Deus a fim de manter sua visão dos
decretos soberanos de Deus” 50. Acerca da reivindicação calvinista de
que até mesmo 0 mal é desejado e tornado certo por Deus, Walls corre-
tamente diz: “Neste ponto a ideia de bondade, conforme a conhecem os,
simplesmente perde sua forma” 51.
Deixe-me ser extremamente claro que sejam lá quais forem as obje-
ções que Sproul e outros possam levantar, 0 relato calvinista da soberania
50. Jerry Walls, “The Free Will Defense, Calvinism, Wesley, and the Goodness of God,”
Christian Scholar’s Review 3/ ( 983): 29.
5 . Ibid., 32.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
de Deus é determinismo divino. Nenhuma quantidade de cavilação pode
resolver a questão. Afirmar que tudo 0 que acontece, até os mínimos
detalhes, incluindo até mesmo os próprios pensamentos e ações de Deus,
são determinados, é por definição, afirmar 0 determinismo. Mesmo seSproul não seguisse Edwards em argumentar que os próprios pensa-
mentos e ações de Deus são determinados (que, dada sua concordância
com a ideia compatibilista de Edwards de livre-arbítrio, ele parece ter),
ele enfaticamente afirma que tudo no mundo é determinado por Deus.
Todos os calvinistas citados acima, ás vezes, recuam e utilizam a
linguagem de permissão quando falam da soberania de Deus sobre 0
pecado e o mal, mas uma análise rigorosa do que eles querem dizer revela
que a ideia deles da permissão de Deus é diferente do que uma simples
permissão. É permissão desejosa [voluntária] e até mesmo determinante.
Lembre-se de que Deus permite a queda de Adão, mas que também a
torna certa, pois a queda está em sua vontade e propósito ao reter ou
retirar o poder moral que faria com Adão não precisasse ter de pecar.
De fato, esta permissão é esquisita. Quem acreditaria que um professor,que retém uma informação necessária para que os alunos sejam aprovados
em um curso, simplesmente tenha permitido que eles fossem reprovados?
E se esse professor, quando convocado pelos pais e oficiais da escola,
dissesse: “Eu náo fiz com que fossem reprovados. Eles mesmos é que se
reprovaram”. Alguém aceitaria essa explicação ou acusaria o professor de
meramente permitir que os alunos fossem reprovados e, ao mesmo tempo,
também de ter causado a reprovação? E se 0 professor argumentasse que
ele planejou e tornou a reprovação de seus alunos certa por um bom moti-
vo - para manter os padrões acadêmicos e mostrar o quão bom professor
ele é ao demonstrar quão necessário sua informação é para que os alunos
passem? Estas admissões não aprofundariam ainda mais as convicções de
que este professor está moral e profissionalmente errado?
Muitos críticos do calvinismo, talvez a maioria, ficam extrem amente
pasmados com 0 determinismo divino calvinista. Há muitas razões, mas
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Contra o Calvinismo
a primeira e mais importante é que ele faz com que Deus seja moral-
mente impuro, se não repugnante.
Um dia, no final de uma aula que tratava da doutrina calvinista da
soberania de Deus, um aluno me fez uma pergunta que eu havia adiado
sua consideração. Ele indagou: “Se te fosse revelado de uma maneira
que você não pudesse questionar ou negar que o verdadeiro Deus, na
verdade, é 0 que 0 calvinismo diz e que domina como 0 calvinismo
afirma, ainda assim você 0 adoraria?” Sabia a única resposta possível,
sem pestanejar, ainda que soubesse que chocaria muitas pessoas. Eu
disse não, eu não adoraria, pois eu não conseguiria. Tal Deus seria um
monstro moral. Claro, eu percebo que os calvinistas não pensam quesua visão da soberania de Deus 0 torna em um monstro moral, mas eu
só posso concluir que eles não levaram 0 calvinismo à sua conclusão
lógica ou até mesmo pensaram seriamente o bastante nas coisas que
eles dizem acerca de Deus e do mal e do sofrimento inocente no mundo.
Talvez ninguém tenha uma postura mais forte contra a doutrina calvinista
da providência de Deus do que o teólogo David Bentley Hart, que examinou
0 papel de Deus no sofrimento inocente em The Doors o f the Sea: Where Was
God in the Tsunami?52 Nesta obra ela chama a visão adotada pelos calvinistas
rígidos de “fatalismo teológico” e diz que as pessoas que mantém essa visão
“difamam 0 amor e a bondade de Deus em razão de uma fascinação servil
e doentia com sua ‘soberania medonha’”53. No livro, ele diz:
Se, de fato, houvesse um Deus cuja natureza verdadeira - cuja
just iça ou soberania - fosse revelada na morte de uma criança ou no
abandono de uma alma ou um inferno predestinado, então não seria
uma grande transgressão pensar nele como uma espécie de demiurgo
malevolente ou desprezível, e de odiá-lo e de negá-lo adoração e de
buscar um Deus melhor que ele” 54,
52. David Bentley Hart, The Doors o f the Sea: Where Was God in the Tsunami? (Grand
Rapids: Eerdmans, 2005).
53. Ibid., 89.
54. Ibid., 9 .
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
Considero útil citar Hart com certa extensão conforme ele expressa
meus sentimentos e os sentimentos da maioria dos não calvinistas acerca
do determinismo divino do calvinismo, incluindo 0 pecado, 0 mal e 0
sofrimento inocente, de maneira tão clara e corajosa:
Alguém precisa considerar 0 preço no qual este conforto [a saber,
de que 0 orador calvinista que pregou “Deus matou meu filho”] foi
comprado: ele exige que acreditemos e que amemos um Deus cujos
fins bondosos serão realizados não apenas apesar de - mas totalmente
por forma de - toda crueldade, cada miséria fortuita, cada catástrofe,
cada traição, cada pecado que 0 mundo já conheceu, ela exige que
acreditemos na necessidade espiritual eterna de uma criança morrem
do uma morte agonizante de difteria, de uma jovem mãe devastadapelo câncer, de dezenas de milhares de Asiáticos engolidos em um
instante pelo mar, de milhões assassinados em campos de exter-
mínio e campos de trabalhos forçados [gulags] e fomes forçadas (e
assim por diante). De fato é uma coisa estranha buscar a paz em um
universo tornado m oralmente inteligível á custo de um Deus tornado
moralmente repugnante 55.
Com grande relutância, pois sei que isso pode ofender profundamente
alguns calvinistas, eu só posso dizer amém!
Sem dúvida, alguns calvinistas objetarão e dirão que Deus apenas per-
mite 0 pecado e 0 mal e 0 sofrimento inocente: ele, de fato, não os causa.
E ele os permite sem culpa, sem participar do próprio pecado e do mal. A
resposta para esta objeção à crítica devastadora de Hart deveria ser óbvia
a partir das citações de calvinistas fornecidas acima. Os pensadores evan-gélicos Jerry Walls e Joseph Dongell corretamente enfatizam em Why I Am
Not a Calvinist que a linguagem frequentemente utilizada de permissão “não
cai bem com o calvinismo sério”56, ainda que alguns calvinistas, tais como
Sproul e Helm, recuam e fazem uso dela para evitar qualquer implicação
de que Deus seja a causa do pecado, mal ou 0 sofrimento inocente.
55. Ibid., 99.
56. Jerry Walls and Joseph Dongell, Why I Am Not a Calvinist (Downers Grove, IL;
InterVarsity Press, 2004), 25.
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Contra o Calvinismo
Walls e Dongell corretam ente enfatizam que o próprio Calvino rejei-
tava essa linguagem de permissão de Deus como inapropriada para a
soberania de Deus 57. É verdade, alguns calvinistas utilizam esta lingua
gem, mas “se Deus apenas permite certas coisas sem especificamenteas causar, é difícil ver como isso se encaixaria com a reivindicação
calvinista de determinismo todo abrangente” 58(O filósofo Walls define
determinismo como “a visão de que todo evento deve acontecer exata-
mente como aconteceu em razão de condições prévias”59)
De acordo com Walls e Dungell e muitos outros críticos meticulosos
do calvinismo, uma profunda incoerência jaz no cerne da afirmação
calvinista de soberania divina exaustiva, determinismo divino e mera
permissão do mal: “Para um determinista - e esta é uma questão cru-
ciai - nenhum evento pode ser visto em isolamento a partir dos eventos
que 0 causam. Quando mantemos isso em mente, é difícil ver como os
calvinistas podem falar de quaisquer eventos ou escolhas como sendo
permitidos" 60. Eles pegam a alegação de Sproul de que o mal se origina
do caráter mal feito de disposições más. Esta é a tentativa de Sproul (e
de outros calvinistas) de impedir fazer de Deus o autor do mal porque
é dito que Deus preordena e torna certo certas ações ao passo que 0
mal deles flui dos desejos pecaminosos dos atores finitos. O motivo de
Deus na preordenação e no ato de tornar certo o pecado é moralmente
puro, e ele não coage ninguém a pecar. Assim sendo, diz-se que Deus
meramente permite o pecado e a ação má ao passo que ao mesmotempo Ele 0 torna certo.
Walls e Dungell corretam ente questionam a incoerência deste relato
do papel de Deus no mal, pois a questão inevitavelmente surge: De
57. Ibid., 126.
58. Ibid.
59. Ibid., 98 - 99.
60. Ibid., 129.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
onde vêm a disposição má e os desejos maus da criatura? Aqui está um
dos calcanhares de Aquiles do calvinismo ao fazer uso de Faraó como
éstudo de caso (pois Sproul culpa as más ações de Faraó como resultado
de seu caráter mau e não em Deus que as preordenou). Walls e Dungellenfatizam que “Faraó não se tornou a pessoa que ele era em um vá-
cuo. Antes, 0 caráter dele foi formado por uma longa série de eventos
e escolhas, sendo que todas as escolhas e eventos foram determinados
por Deus (de acordo com 0 calvinismo)”61. Em outras palavras, para ser
consistente, o calvinismo deve dizer que até mesmo 0 caráter mal de
Faraó, no final das contas, vem de Deus. (Imagine um universo em queapenas Deus e a primeira criatura existem. De onde 0 primeiro impulso
mal vem, se não do livre-arbítrio da criatura, que 0 calvinismo nega,
exceto no sentido compatibilista, ou de Deus?
Walls e Dongell, então, perguntam: “Qual é 0 sentido, então, de dizer
que Deus permitiu as ações de Faraó, dado este cenário” do papel de
Deus em tornar tudo certo, sem exceção? 62Eles ressaltam que “a noção
de permissão perde todo 0 significado importante em uma estrutura
calvinista. Portanto, não é de se surpreender que 0 próprio Calvino es-
tivesse duvidoso da ideia e que advertiu contra 0 uso dela” 63. Por fim,
Walls e Dungel resumem todo o problema de maneira concisa e vigorosa:
“o calvinismo enfrenta problemas para descrever 0 pecado e 0 mal de
maneira que seja moralmente plausível. Pois se Deus determina tudo
que acontece, então é difícil entender por que há tanto pecado e mal nomundo e por que Deus não é responsável por isso” M.
Apelar, então, para a permissão de Deus do pecado e do mal não se
enquadra com a forte doutrina do calvinismo rígido da soberania de Deus.
61. Ibid., 130.
62. Ibid., 3 .
63. Ibid., 32.
64. Ibid.. 33.
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Contra 0 Calvinismo
Reconhecidamente, muitos calvinistas, de fato, apelam para a permissão,
mas isso não torna melhor as outras coisas que dizem do plano e ação
totalmente determinante de Deus em tornar tudo, sem exceção, certo.
Alguns calvinistas defendem a bondade de Deus em basada no que échamada na teodiceia de “bem maior”. (Teodiceia é qualquer tentativa
teológica ou filosófica para justificar as ações de Deus em face do mal).
Na verdade, até onde posso dizer, todos os calvinistas incorporam algu-
mas versões de defesa do bem maior da bondade de Deus em face do
pecado e do mal em suas doutrinas da providência. Walls e Dungell se
referem especificamente a Paul Helm. O problema, eles enfatizam (e eudiria outro calcanhar de Aquiles do calvinismo), é a crença na decisão
divina de reprovar muitas pessoas para 0 inferno ao soberanamente
“ignorá-los” ao passo que escolhe salvar alguns. Em qual sentido pode-
-se dizer que 0 inferno serve a um bem maior? Qual bem? Falarei mais
sobre isso no capítulo 5, que lida com a eleição incondicional.
Gostaria de fazer uma pausa aqui e de deixar algo claro. Se 0 calvi-
nismo rígido estiver dizendo qualquer coisa diferente em sua doutrina
da providência, é que Deus intencionalmente planeja e torna certo e
controla tudo sem exceção. Falar de Deus como meramente permitindo
0 pecado e 0 mal e 0 sofrimento inocente fica em contraste extremo
com sua forte doutrina da providência. Se fo r lógico para os calvinistas
dizer que Deus permite ou concede 0 mal, eles só podem querer dizer
isso em um sentido altamente atenuado e incomum de “permitir” e“conceder” - um sentido que está fora da categoria de linguagem da
maioria das pessoas. Dizendo de maneira direta, mas clara, de acordo
com 0 calvinismo rígido, Deus quer 0 pecado, o mal e que 0 sofrimento
inocente aconteçam ainda que, como alguns calvinistas tal como John
Piper diz, que isto machuque a Deus. E ele quer que estas coisas acon-
teçam de maneira causai; ele as torna certas.
Vamos exam inar um estudo de caso que a maioria dos calvinistas
fica relutante em lidar. Vejo que a maioria de seus estudos de caso da
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Contra o Calvinismo
o sofrimento daquela criança?” Eu queria correr pelo corredor e ver se
poderia ajudar, mas posso dizer que havia muitas pessoas ao redor da-
quela criança naquela sala. O que eu ouvi me assombra até hoje. Parece
que a criança estava possivelmente morrendo uma morte agonizante.Se 0 calvinismo for verdadeiro, Deus náo apenas planejou e ordenou,
mas também tornou certo aquele sofrimento horrível daquela pequena
criança. Ele náo apenas planejou e ordenou e tornou certa a doença da
criança, mas também a agonia resultante. Não vai funcionar responder
que Deus sofre com ela, como Piper diz. Em The Pleasures o f God Piper
oferece seu próprio estudo de caso da soberania de Deus na tragédia. Ele
conta, com certos detalhes, acerca da morte de sua mãe em um terrível
acidente de carro. (Ele explica o fato de que ela sofreu pouco, mas e se
ela tivesse sofrido igual àquela criança que eu ouvi no hospital?) Piper faz
uso da morte de sua mãe para ilustrar como tudo o que acontece agrada
a Deus, mesmo se isso 0 entristecer 66. Deus, ele assegura, planejou e
garantiu que o acidente de carro de sua mãe e a morte dela aconteceriam
para a sua glória. Mas como esse evento torna Deus menos monstruosoao dizer que Deus planeja, ordena e torna certo a agonia de uma criança
moribunda, mas que ele se entristece? Piper diz que tudo na criação,
incluindo 0 pecado, mal e o sofrimento, é uma expressão da glória de
Deus67. Ele diz que Deus “ama ser reconhecido mundialmente” 68e que
faz tudo para fazer seu poderoso poder conhecido 69.
Em The Doors of the Sea o teólogo Hart fala sobre um homem de Sri
Lanka de enorme força física cujos cinco filhos foram mortos pelo tsunami
asiático de 2004. O homem foi apresentado em um artigo no New York
Times. Ele foi incapaz de impedir seus filhos de perecer e, conforme ele
recontava suas fúteis tentativas, ele está “completamente dominado por
66. John Piper, The Pleasures of Cod (Portland, OR: Multnomah, 1991), 67 - 69.
67. Ibid., 89.
68. Ibid., 102.
69. Ibid., 108.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
seu próprio choro” 70 Então Hart escreve: “Só um cretino moral... teria
tentado amenizar a angústia dele ao garanti-lo que seus filhos morreram
como resultado de conselhos eternos, inescrutáveis e justos de Deus e que,
na verdade, suas mortes haviam misteriosamente servido aos propósitosde Deus na história” 71. Claro, a maioria dos calvinistas aconselharia seus
seguidores a não dizer tais coisas em tais momentos para tais pessoas.
Todavia, Hart reflete que “ se consideramos vergonhosamente tolo e cruel
dizer tais coisas no momento quando a tristeza de alguém é mais real e
irresistivelmente dolorosa, então não devemos dizer tais coisas jam ais” 72.
Acom panhe comigo agora o segundo estudo de caso imaginário
(mas frequentemente verdadeiro) do sofrimento inocente. Este aqui
envolve o mal moral. Imagine uma menininha sendo seqüestrada por
um maníaco sexual vil que a coloca em seu carro e que se locomove
da vizinhança e vai até uma floresta isolada ás margens de um lago.
Apesar do choro e do protesto da menina, ele a leva até a margem do
rio onde ele a estupra, a estrangula e lança seu corpo no rio. (Isso não é
simplesmente imaginário; é embasado em uma história verídica que viem um programa televisivo chamado Cold Case Files [Arquivo Morto])
Calvino nos oferece 0 caso de um mercador que, de maneira tola,
se afasta de seus companheiros e acidentalmente chega a um covil de
salteadores e é roubado e assassinado. Conforme citado anteriormente,
ele diz que este evento, como todos os eventos, não foi apenas previsto
e permitido por Deus, mas, na verdade, causado e governado pelo plano
secreto de Deus. Em lugar nenhum ele sugere ou permite que esta seja
uma exceção à soberania de Deus; antes, ele deixa claro que é uma ilus-
tração de como Deus trabalha todas as coisas que são sempre “dirigidas
pela mão sempre presente de Deus” 73. Lemos acerca desse mercador tolo
70. Hart, The Doors of the Sea, 99.
7 . Ibid., 00.
72. Ibid.
73. CALVINO, João. As Institutes: edição clássica, vol. , p. 200.
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Contra o Calvinismo
ou de um evento semelhante hoje e balançamos nossas cabeças e dizemos:
“Sim, posso ver Deus preordenando isso. Que homem tolo. E Deus poderia
facilmente ter uma boa razão para causar este acontecimento”. Mas se
Calvino estiver certo (e se os calvinistas rígidos tais como os que citamosacima estiverem certos), não é apenas a morte do mercador tolo que é
tornada certa por Deus; também o é 0 seqüestro, o estupro e 0 assassinato
da garotinha, tudo isso foi “dirigido pela mão sempre presente de Deus”.
Observe que este evento não foi um desastre excêntrico de natureza ou
resultado da estupidez de alguém. Foi puramente mal. Mas se podemos
pegar a ilustração de Calvino do mercador assassinado ou a ilustração
bem real da garotinha, de acordo com a visão calvinista da soberania de
Deus ambas são idênticas no sentido de que Deus a planejou, ordenou,
governou e as tornou certo. Hart está certo que isso inexoravelmente faz
Deus “0 arquiteto secreto do mal”74.
Mas ainda pior, de acordo com Piper, isto faz com que Deus, por trás
de toda “providência carrancuda” esconda uma “face sorridente”. Em
O Sorriso Escondido de Deus, ele cita 0 hino “Deus Trabalha de Maneira
Misteriosa” , escrito por um compositor calvinista do século XVIII, William
Cowper, com aprovação: “Não julgue 0 Senhor com débil entendimento,
mas confie nele por sua graça; por trás de uma providência carrancuda
ele oculta uma face sorridente” 75. Isso fica muito bem quando se fala
das aflições que Deus traz para as vidas de seus heróis para fazer deles
cristãos mais fortes. Mas e quando isso se aplica igualmente, como deveser se Piper estiver correto acerca da providência de Deus, a cena de um
maníaco sexual estuprando uma garotinha, depois a estrangulando e a
jogando em um rio? Não vai dar para escapar da dificuldade ao dizer que
em tais casos Deus meramente permite 0 pecado e 0 mal e 0 sofrimento
inocente. Se 0 calvinismo estiver certo, Deus também aprova a ação do
74. Hart,
The Doors of the Sea, 0 .
75. PIPER, John. O Sorriso Escondido de Deus. Traduzido por Augustus Nicodemus. São
Paulo: Shedd Publicações, 2002, p.25.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
maníaco sexual e torna a ação certa ainda que ele se entristeça com 0
caso. Que tipo de Deus é esse?
Piper e outros calvinistas falam muito do grande renome e reputação
de Deus. O que muitos de seus ouvintes e seguidores não conseguemperceber é que a descrição da soberania de Deus dos calvinistas torna
a reputação de Deus dúbia, no seu melhor - a menos que, claro, que
tudo que alguém queira dizer por reputação de Deus seja poder. Mas é
isso é realmente 0 que queremos dizer com reputação de Deus? Não se
trata mais de uma questão de seu caráter como bom? Como observado
anteriormente, Helm diz que a bondade de Deus não pode ser tão dife-rente de nossas mais elevadas e boas ideias de bondade, caso contrário
0 sentido de bondade seria totalmente perdido. Mas não é 0 que acon-
teceu aqui - com as ideias de Piper e ideias semelhantes de calvinistas
do papel de Deus no mal e sofrimento inocente? Penso que sim.
Quero registrar 0 fato de que alguns dentro da comunidade reformada
concordam com esta avaliação da doutrina do calvinismo rígido da so-
berania de Deus. James Daane, entre outros, critica severamente 0 que
ele chama de “teologia decretai” (que é o que chamo de determinismo
divino) por falhar em levar 0 mal a sério. Extraindo as conseqüências
lógicas e necessárias da explicação desta teologia acerca do papel de
Deus no pecado e no mal, Daane diz: “Com 0 olho da fé 0 teólogo de-
cretal pode olhar para uma humanidade sangrando e partida, para um
mundo em guerra consigo mesmo, e ver apenas beleza e paz” 76.
76. Daane, The Freedom of God, 8 . Claro, os calvinistas frequentemente usam passagens
bíblicas que parecem retratar Deus como um ser monstruoso. Já citei algumas destas
passagens veterotestamentárias próximas ao início desse livro. Daane e a maioria dos
críticos do calvinismo acreditam que o caráter de Deus é perfeitamente revelado em
Jesus Cristo e que devemos interpretar outras descrições de Deus à luz disto. Jesus se
lamentou, de maneira genuína, em relação ao pecado e ao mal e buscou claramente
aliviar o sofrimento. Os calvinistas geralmente acusam os não calvinistas de não levar
a Bíblia a sério 0 bastante. O que querem dizer é que eles levam os “textos de terror”
do Antigo Testamento mais a sério do que levam a Jesus! Pelo menos é desta maneira
que a maioria dos calvinistas veem a questão.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
Estas ideias de Deus nâo são exclusivas do calvinismo; pois em sua
maioria, elas são ideias comuns no que é chamado de “teísmo cristão
clássico” - uma figura de Deus desenvolvida através dos séculos, mas
principalmente na igreja primitiva e universidades medievais. No teísmocristão clássico diz-se que Deus é incapaz de qualquer tipo de mudança
ou dependência de qualquer coisa ou qualquer pessoa fora de si mesmo
para qualquer coisa. Deus é actus purus, para utilizar 0 termo de Tomás
de Aquino, o grande teólogo e filósofo escolástico medieval. Isso significa
que não existe potencialidade em Deus, apenas realidade.
A pergunta é, todavia, se ao menos algumas versões do calvinism oinadvertidamente tornam Deus dependente do mundo para algo que
ele precise - sua própria autoglorificação através da manifestação de
todos os seus atributos de maneira igual. Este é um tema que perpassa
a maioria do calvinismo rígido - que tudo 0 que Deus faz na criação e
redenção é para sua glória. Esta ideia do propósito de Deus é traçada, ao
menos, a Edwards, mas Boettner a expressa melhor com sua resposta
ao motivo pelo qual Deus permitiu o pecado no mundo:
O pecado... é permitido a fim de que a misericórdia de Deus possa
ser mostrada em seu perdão, e que Sua justiça possa ser mostrada em
sua punição. Sua entrada é o resultado de um projeto estabelecido que
Deus formou na eternidade, e através do qual Ele planejou revelar-se
a Si mesmo para Sua criaturas racionais como completo e totalmente
iluminado em todas as perfeições concebíveis” 80.
Piper, assim como Edwards, defende que 0 propósito de Deus em tudo
0 que acontece é a exibição de sua glória. Edwards explicou claramente,
e Piper concorda, que 0 propósito em tudo, incluindo o mal, é a plena
manifestação de todos os seus atributos, incluindo a justiça e a ira”8'.
80. Boettner,
The Reformed Doctrine of Predestination, 234.
8 . John E. Smith, “God the Author of Sin,” introduction to Edwards’ The Great Christian
Doctrine of Original Sin, 64.
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Contra o Calvinismo
Em uma reviravolta irônica, esta explicação do propósito de Deus na
criação e redenção, incluindo o pecado e 0 mal, volta para assombrar
Edwards e a maioria dos calvinistas após ele. (Sugestões disso também
podem ser encontradas em Calvino). Aparentemente, Deus precisa queo mundo seja como ele é, incluindo o pecado, mal, sofrimento inocente,
redenção e reprovação (inferno), a fim de manifestar seus atributos e,
assim, glorificar a si mesmo. Deus poderia ter se abstido disso? Não,
de acordo com Edwards, que afirmou a “a determinação necessária da
vontade de Deus em todas as coisas pelas quais ele entende como mais
apropriadas e melhores” 82. As negações de Edwards e de outros calvinistas da liberdade libertária
como incoerente e a adoção do compatibilismo, mesmo em Deus (ex. 0
livre-arbítrio de Deus é controlado por seus motivos mais fortes) levam
diretamente para a ideia de que a criação do mundo, por Deus, como
o “teatro de sua glória” era necessária e não verdadeiramente livre no
sentido de que tal não poderia ter sido de maneira contrária. Esta con-
clusão lógica a partir desta forte visão de soberania é contrária à forte
ênfase na transcendência de Deus e liberdade de condicionamento. Ela
também é contrária à ortodoxia cristã tradicional! E ela também mini-
miza toda a ideia de criação e redenção sendo apenas unicamente pela
graça, pois 0 que é necessário não pode ser pela graça.
O filósofo evangélico Bruce A. Little corretamente critica Piper e outros
que pensam como ele. De acordo com Piper, ele corretamente observa,Deus ordena 0 mal (assim como todas as demais coisas) para glorificar
a si mesmo 83. Ele nota que “Piper cuidadosamente utiliza suas palavras
para dizer que Deus tem um propósito para todo 0 mal nesta terra: fazer
com que a glória de Cristo brilhe mais claramente... a morte tortuosa
82. Edwards, Freedom of the Will, 377.
83. Bruce A. Little, “ Evil and God’s Sovereignty,” em Whosoever Will: A Biblical-
Theological Critique of Five-Point Calvinism, eds. David L. Allen and Steve W. Lemke
(Nashville, TN: Broadman &. Holman, 20 0), 283.
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Contra 0 Calvinismo
ele diz: fora com essa petulância canina, a qual na realidade pode
ladrar, à distância, contra a justiça de Deus, não, porém, tocá-laV’ 87. Sua
explicação é que embora as pessoas não façam coisas más “a menos
que ele [Deus] as tenha desejado”, eles as fazem motivados por uma“inclinação má”. Portanto, ainda que eles não possam fazer 0 contrário
do que fazem, e ainda que “suas maldades sejam cometidas unicamente
pela dispensação de Deus” 88, Deus não é culpado e eles são.
O que Calvino claramente quer dizer é que 0 “mal” jaz nas intenções
do coração e que não nas próprias ações. Uma vez que Deus preordena
e torna certas as ações com um bom motivo (indubitavelmente para
sua glória!), ele não pode ser tido como responsável pelos males deles. Antes, a pessoa que faz 0 mal, o faz por não poder deixar de fazer (pois é
compelida por um motivo mau e, por fim, por Deus) 89, é a única culpada.
O que Edwards disse a esse respeito? Já vimos que Edwards acreditava
e argumentava que Deus “torna o pecado certo de maneira infalível”
ao “reter sua ação e energia”90. Acerca dos pecadores, ele escreveu que
“Deus os abandona para com eles mesmos [de maneira que eles] neces-
sariamente pecam” 91. Mas, Edwards alegava, Deus não faz 0 mal por
desejar o m a l92. Isto porque a culpa jaz inteiramente na disposição má
do coração que se formou em Adão e em nós, pela permissão de Deus,
tornando-a necessária. Aqui está a citação de Edwards mais clara acerca
do assunto: “Para Deus... ter a disposição [controle] deste assunto [a
queda], concernente a reter estas influências, sem as quais a natureza
será corrupta, não é ser 0 autor do pecado” 93
87. Ibid., p. 2 7.
88. Ibid.
89. Lembre-se da citação feita anteriormente das Institutas de que Deus “obriga os
réprobos à obediência”.
90. Edwards, Freedom of the Will, 404.
9 . Ibid.
92. Ibid., 4 2 ־ .
93. Edwards, Original Sin, 384.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
Observem algumas coisas aqui. Primeiro, Edwards acreditava
e ensinava que a natureza humana (e talvez a natureza criada em
geral, incluindo os anjos) se tornariam necessariamente corruptos e
pecariam sem a influência divina sobrenatural. Todos os calvinistasque seguem a linha Edwards nesse ponto (e a maioria segue) devem
estar fazendo a mesma suposição. O correlato necessário disso é que
a natureza humana não foi criada boa. Isso equipara a finitude a algo
que “não é bom”. Claro, ninguém jamais pensou que a natureza finita
é metafisicamente perfeita assim como Deus é perfeito. Ela é capaz
de corrupção. Mas dizer que ela necessariamente se tornará corruptasem a influência sobrenatural de Deus é colocar em xeque a bondade
da criação de Deus.
Segundo, Edwards está dizendo que Deus reteve a influência neces-
sária, e ele deve querer dizer que ele a retirou, pois caso contrário a que-
da teria acontecido imediatamente. De qualquer forma, Deus poderia
ter preservado Adão de pecar; ele escolheu não preservá-la, sabendo
infalivelmente que Adão cairia se ele retirasse seu poder sobrenatural
preservador.
Terceiro, a queda de Adão e todas suas conseqüências (incluindo 0
seqüestro, estupro e morte da garotinha) foram desejados por Deus e
tornado certo por Deus. Quarto, Edwards em nenhum lugar explica a
origem da disposição má de Adão que o tornou culpado, e não Deus.
Mas sua doutrina da providência divina, que é soberania exaustiva atéos mínimos detalhes, parece exigir que tudo na criação, incluindo todos
os motivos e disposições, está sob 0 controle de Deus e é tornado certo
por Deus. Entretanto, neste argumento Edwards parece estar dizendo
que a disposição má de Adáo simplesmente veio a existir do nada. Mas
isso é proibido pela forte doutrina de Edwards da soberania de Deus e
por sua negação do livre-arbítrio libertário. Tudo vem de algum lugar! Se
a inclinação má que levou Adão a pecar veio dele mesmo, de maneira
autônoma, tal seria uma enorme concessão ao arminianismo!
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
são. Todos desde Adão herdaram essa natureza corrompida e também se
expressam pecaminosamente em razão dela.
Assim, de acordo com Boettner, a única maneira de Deus ter sido
0 responsável pelo primeiro pecado de Adão é se ele 0 houvesse com-
pelido a pecar. Simplesmente tornar certo seu pecado ao reter “a graça
coerciva” de forma alguma faz de Deus 0 responsável por ele. Duas
perguntas surgem. Primeiro, quem acredita que uma pessoa que torna
certa que outra pessoa irá cometer um crime, de maneira que a pessoa
que, na verdade, comete 0 crime por não poder fazer 0 contrário, não é
cúmplice do crime? Qualquer um que assiste a série de televisão Law & Order sabe que a pessoa ou a companhia que seduz uma pessoa para
cometer um crime, ainda que indiretamente, é tão culpada quando a
pessoa que comete 0 crime. E a pessoa que comete 0 crime é culpada
apenas na medida em que ela era capaz de evitar cometer tal crime.
Eu pergunto, se você estivesse em um júri e se tornasse convencido (a)
pelas provas que 0 réu não poderia ter feito senão cometer a ofensa,
você votaria pela condenação ou pela absolvição? Eu me arrisco que 0
senso comum dita que os jurados, em tais casos, votam pela absolvição.
Segundo, Boettner acredita que Deus de forma alguma devia a Adão
a graça coerciva necessária para não pecar. Considero tal coisa debatível.
Mas a questão aqui não é se Deus devia a graça a ele, mas se 0 Deus que
é amor, revelado mais plenamente em Jesus Cristo, teria removido a
graça, e assim, portanto, tornando certo que Adão cairia e com todas as
conseqüências advindas da queda. O argumento de Boetnner que Deus de
forma alguma devia a graça coerciva a Adão certamente faz Deus parecer
indiferente, principalmente quando Deus então culpa a Adão por pecar
quando ele lhe criou com uma natureza tão fraca que 0 pecar era inevitável.
Parece que, neste relato, Deus configurou Adão para pecar. Me lembra 0
antigo poema humorístico acerca do teólogo holandês supralapsarianoFrancisco Gomaro, que atormentou Armínio por não aceitar este relato
rígido da soberania de Deus e de tudo que a acompanha:
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
Muitos críticos do calvinismo rígido, incluindo este escritor, acreditam
que uma grave contradição jaz no cerne desta forte visão da soberania
de Deus que inclui 0 ato de Deus preordenar e tornar 0 mal certo - prin-
cipalmente quando ela é explicada pelo mecanism o de “ retenção” ou“retirada” da parte de Deus da graça necessária de sorte que Adão caiu
(e toda sua posteridade com ele) infalivelmente por desígnio de Deus.
Eu levo a sério 0 fato de que os calvinistas raramente atribuem a culpa
do pecado a Deus; eles quase sempre dizem que Deus é moralmente
puro e imaculado e que toda a culpa pelo pecado está com as criaturas
pecaminosas. Mas 0 problema é que isso contradiz sua forte visão da
soberania de Deus que inclui a determinação de Deus para o mal.
Quem pode culpar os que temem que isso inevitavelmente leve a
conseqüência lógica e necessária de que Deus seja 0 autor do pecado e
do mal e que Deus, portanto, assume a responsabilidade primária por
eles? Exceto por um simples ato de força de vontade para abraçar 0 que
é ininteligível, 0 que impede alguém que acredita nisso de ir adiante e
dizer que as criaturas não são responsáveis e que Deus é? O que alguémprecisa enfrentar é a pergunta concernente a qual lado desta doutrina
de dois lados; a saber, a soberania determinante e absoluta de Deus e a
responsabilidade única dos humanos pelo mal, a pessoa deva abraçar. A
pessoa não pode, de fato, abraçar as duas sem que caia em contradição.
Apelar para o mistério não é apropriado; a contradição não é um mis-
tério, assim como Sproul enfaticamente argumenta em Eleitos de Deus,
eu concordo com ele quando ele escreve que “para os cristãos, abraçar
ambos os pólos de uma clara contradição é cometer suicídio intelectu-
al”104. Lidarei mais com este problema da inteligibilidade na conclusão.
ALTERNATIVAS AO DETERMINISMO DIVINO
A Bíblia exige aceitação da doutrina calvinista rígida do determinism o
divino? Ela não exige. O que dizer de todas as passagens bíblicas que os
04. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 29.
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Contra o Calvinismo
calvinistas utilizam para argumentar a favor da preordenação exaustiva e
determinação de todos os eventos, incluindo 0 pecado e o mal? Algumas
destas passagens foram mencionadas anteriormente. Cada passagem
que supostamente ensina a determinação divina do mal, sofrimento ino-cente e o pecado pode ser interpretada como se referindo ã permissão
de Deus. Praticamente todos os cristãos concordam que nada acontece
sem a permissão de Deus. A pergunta é se o calvinismo está realmente
permitido a recuar e utilizar a linguagem de permissão quando já diz
que Deus deseja tudo 0 que acontece, incluindo 0 pecado e 0 mal, e
que a permissão de Deus é “permissão desejosa” que ativamente torna
tanto 0 pecado quanto 0 mal certos. A principal alternativa a esta forte
doutrina da soberania de Deus é a autolimitação divina.
Primeiro, que fique entendido de maneira clara que os que apelam
para a autolimitação divina e a permissão passiva como explicação para
0 pecado e 0 mal no mundo do Deus criador e onipotente não dizem que
Deus jam ais manipula circunstâncias históricas para realizar sua vonta-
de. O que Deus nunca faz é causar 0 mal. Deus pode e, sem dúvida, ás
vezes, realiza algum evento ao colocar pessoas em circunstâncias onde
ele sabe o que eles farão livremente, pois ele precisa que elas façam tal
coisa para que seu plano seja realizado. Tal parece ser 0 caso com a cru-
cificação de Jesus. Mesmo nesta situação, entretanto, não foi Deus quem
tentou ou manipulou as pessoas para que pecassem. Antes, ele sabia
quais eventos, tal como a entrada triunfante, resultariam na crucificação.Mas 0 que não devemos dizer é que a queda de Adão, que deu ori-
gem a toda a história do pecado e do mal, foi desejada, planejada e
tornada certa por Deus. Deus não preordenou e nem tornou a queda
certa, e ela também não era parte de sua vontade, exceto no sentido de
relutantemente a permitir. Como sabemos disso? Sabemos disso porque
conhecemos 0 caráter de Deus através de Jesus Cristo. A doutrina da
encarnação prova que o caráter de Deus é plenamente revelado em Jesus
de sorte que “nenhuma interpretação de qualquer passagem [na Bíblia]
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
que destrua as revelações da mente divina inculcadas por Jesus pode
ser aceita como válida. O que ele diz e faz é 0 que Deus diz e faz. Ele
não tem decretos escondidos para acobertar, nenhum lado obscuro de
seu Pai para proteger da exposição, nenhuma razão para ser defensivoacerca de [os caminhos de] Deus” 105.
A doutrina calvinista rígida da soberania de Deus, incluindo 0 mal
como parte do plano, propósito e poder determinante de Deus, contradiz
evidentemente as passagens bíblicas que revelam que “Deus é amor”
( João 4.8), que Deus não se deleita na morte do ímpio (Ez. 8.32),
quer que todos sejam salvos (Ez. 8.32; Tm. 2.4, 2 Pe. 3.9) e jamais
tenta a ninguém (Tg. . 3). De fato, os calvinistas possuem explicações
inteligentes, mas não convincentes, destas e inúmeras outras passagens
bíblicas. Por exemplo, John Piper argumenta que Deus tem “sentimen-
tos e motivos complexos” 06de sorte que genuinamente lamenta que
0 pecado e 0 mal façam parte deste mundo, deseja genuinamente que
todas as pessoas possam ser salvas e que se entristece quando os que
ele predestinou a morrer e até mesmo a sofrer no inferno pela eterni-
dade, para sua glória, experimentam esse destino. Mas estas não são
explicações convincentes destas passagens importantes que revelam o
coração de Deus. Elas fazem de Deus um ser de mente dividida.
Então como devemos lidar com a realidade do pecado e do mal no
mundo de Deus sem colocar limites indevidos ao poder e a soberania de
Deus? A única forma é postular aquilo que a Bíblia presume em todos oslugares - uma autolimitação divina em relação ao mundo da liberdade
moral, incluindo particularmente a liberdade libertária. Esta liberdade é
um maravilhoso e terrível dom de Deus para os seres humanos criados
a sua imagem e semelhança. Em outras palavras, Deus permite que sua
05. William G. MacDonald, “The Biblical Doctrine of Election," em The Grace of
God, Che Will of Man: A Case for Arminianism, ed., Clark H. Pinnock (Grand Rapids:
Zondervan, 989), 2 3.
06. Piper, The Pleasures o f God, 46.
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Contra o Calvinismo
perfeita vontade seja frustrada por suas criaturas humanas aos quais ele
ama e as respeita 0 bastante a ponto para não controlá-las.
Desta forma, Deus realmente possui duas vontades, mas elas não
são as postuladas pelo calvinismo. Como resultado da escolha livre de Adão para cair em pecado (escolha livre aqui significa que ele poderia ter
feito o contrário), Deus tem uma vontade perfeita - também conhecida
como sua vontade antecedente. (“Perfeito” aqui significa “0 que Deus ver-
dadeiramente deseja que aconteça”). A perfeita vontade de Deus é que
ninguém se perca; esta é a vontade antecedente de Deus (antecedente
à queda e a sua corrupção resultante no mundo). Deus também tem
uma vontade conseqüente - conseqüente à rebelião das criaturas. É ela
que permite alguns a livremente escolher perecer. Mas sua permissão
é genuinamente relutante e não manipulativa.
O teólogo evangélico Stanley Grenz ( 950 - 2005) ofereceu uma útil
distinção na providência de Deus que corresponde às duas vontades -
perfeita/antecedente e conseqüente - mencionadas acima. É a distinção
entre “soberania de facto ” e “soberania de ju re" '07. De acordo com Grenz,
com quem concordo, devido a autolimitação voluntária de Deus, ele agora
é soberano de jure (por direito), mas não é soberano de facto (em realida-
de). Sua soberania de facto é futura. Isto reflete a narrativa bíblica na qual
Satanás é 0 “deus deste século” (2 Co 4.4) (onde “mundo” claramente
significa “este presente século mau”) e Deus irá derrotá-lo na era vindoura
para tornar-se “tudo em todos”(
Co.5
.28
). A totalidade de Coríntios5
não pode ser interpretada de outra forma; ela presume a distinção entre
a regência soberana de Deus de jure agora e de facto no futuro. Isto não é
dizer, claro, que Deus não é agora, na verdade, soberano de forma nenhu-
ma; isto só diz que Deus está permitindo que sua soberania seja desafiada
e sua vontade seja parcialmente frustrada até então.
07. Stanley J. Grenz, Theoloqy for the Community of God (Nashville, TN: Broadman &
Holman, 994), 40.
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Sim para a soberania divina; não para o determinismo divino
Isso não limita o poder e a soberania de Deus? Não, pois Deus perma-
nece onipotente, ele poderia controlar tudo e todos se assim o escolhesse.
Mas visando ter criaturas reais e pessoas que podem livremente escolher
amá-lo ou nâo, Deus limita seu controle. Ainda mais, Deus é soberanono sentido de que nada, de forma nenhuma, jam ais pode acontecer sem
que Deus permita. Nada cai fora de sua supervisão e governo interven-
tor. Mas nem tudo o que acontece é o que Deus quer que aconteça ou
determina que aconteça. Não há determinismo divino exaustivo.
Claro, Jesus, sendo Deus, poderia ter curado todos em Nazaré quan-
do esteve no local (Marcos 6.5), mas ele “não podia” realizar milagres
lá em razão de falta de fé que ali havia. Como Deus, ele tinha o poder
absoluto de realizar milagres. Mas ele havia limitado seu poder simples-
mente para realizar milagres na presença da fé. Ele não queria sair e
curar as pessoas aleatoriamente, sem certa medida de fé cooperante e
receptiva da parte dos moradores de Nazaré. Assim é com a soberania
de Deus. Ele poderia exercer 0 controle determinista, mas ele escolheu
não 0 fazer. Como o teólogo E. Frank Tupper diz, Deus não é um Deus
do tipo “faz tudo, a toda hora, em todo lugar”, pois ele escolheu não ser
este tipo de Deus '08. Ele escolheu se fazer parcialmente dependente de
seus parceiros humanos do pacto enquanto que preservando 0 “poder
pactuai superior do santo amor” 109. Este livro tem por intenção enfatizar
as fraquezas e até mesmo erros fatais do calvinismo rígido, ou seja, a
teologia reformada radical. Não tem por intenção ser uma defesa doarminianismo ou qualquer alternativa ao calvinismo. Tal faria com que
0 livro fosse muito mais extenso e, portanto, por esse motivo, alguém
poderia se recusar a lê-lo. O que está faltando nas prateleiras das livra-
rias e bibliotecas não são livros sobre o arminianismo ou até mesmo
108. E. Frank Tupper, A Scandalous Providence: The Jesus Story of the Compassion of God
(Macon, GA: Mercer Univ. Press, 1995), 334 - 35.
109. Hendrikus Berkhof, The Christian Faith: An Introduction to the Study of the Faith
(Grand Rapids: Eerdmans, 1991), 146.
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Contra 0 Calvinismo
sobre a soberania autolimitante de Deus em oposição ao calvinismo.
O que está faltando é um livro que demonstra o porquê o calvinismo
rígido não é sustentável bíblica, teológica e logicamente. Isso é tudo 0
que este livro almeja ser. Ocasionalmente eu mencionarei alternativasao calvinismo rígido, tal como os livros (acerca da soberania de Deus)
de E. Frank Tupper, Λ Scandalous Providence ; Gregory Boyd, Is God to
Blame? Jack Cottrell, What the Bible Says about God the Ruler;n0 e prin-
cipalmente David Bentley Hart, The Doors of the Sea: Where Was God in
the Tsunami? Aqui eu oferecerei um gostinho do ultimo livro citado, que
bem expressa a minha alternativa (ao calvinismo) e de muitos outros
cristãos da visão da providência de Deus. Hart explica:
Quão radicalmente 0 evangelho está permeado por um sentido
de que a falência do mundo caído é a obra do livre-arbítrio racional
rebelde, que Deus permite reinar, e também por um sentido de que
Cristo vem genuinamente para salvar a criação, conquistar, resgatar,
derrotar o poder do mal em todas as coisas. Esta grande narrativa da
queda e redenção não é uma farsa, não é simplesmente uma lição
dramatúrgica concernente as prerrogativas absolutas de Deus prepa-radas para nós desde a eternidade, mas uma conseqüência real do
mistério da liberdade criada e da plenitude da graça 111.
0. Frank E. Tupper, A Scandalous Providence , Gregory A. Boyd, Is God to Blame?
(Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2003); Jack Cottrell,
What the Bible Says about God the Ruler (Eugene, OR: Wipf & Stock, 200 ).
. Hart, The Doors of the Sea, 97.
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NUNCA DESCOBRI O AUTOR DA FAÇANHA, mas devo dizer que foi
inteligente e intrigante, se não de certa forma bizarro. Minha esposa e
eu retornávamos à minha sala para que pegássemos nossos casacos
após um programa de noite de natal e banquete no campus. Afixado na
porta da minha sala estava um bilhete dobrado. Isso não é incomum;
eu geralmente recebo bilhetes dos alunos, colegas ou visitantes. Então
eu retirei o bilhete da porta, abri a porta e acendi a luz. Após isso li 0
bilhete: “Professor Olson, eu conversei com Deus; você está condenado.
Achei que o senhor quisesse saber”. O bilhete não estava assinado. Claro,
eu encarei aquilo como uma piada; eu havia feito parte de um debate
tranqüilo sobre “predestinação versus livre-arbítrio” , então presumi que
0 bilhete era a tentativa de alguém de fazer piada. Por outro lado, jáconheci calvinistas que pensam que é possível saber, com certeza, quem
é predestinado ao céu e quem é predestinado ao inferno.
Isso pode não ser tão bizarro quanto alguns calvinistas pensam. Eles
deveriam estudar sua própria história. No capítulo anterior eu mencionei
0 livro de John Piper que inclui um capítulo sobre compositor calvinista
William Cowper (pronuncia-se “Cooper”) ( 73 - 800), autor de “There
Is a Fountain Filled with Blood” (Há uma Fonte Cheia de Sangue) e “God
Moves in a Mysterious Way (Deus Trabalha de Maneira Misteriosa),” assim
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Contra o Calvinismo
como centenas de outros hinos. Cowper foi um calvinista que acreditava
fortemente na “dupla predestinação” - que Deus, desde a eternidade,
escolheu salvar algumas pessoas e condenar outras. Em grande parte
de sua vida adulta ele sofreu períodos de depressão extrema e até pas-sou um tempo em um asilo. Durante algumas destas fases ele estava
convencido de que de alguma forma ele sabia que estava predestinado
ao inferno. Se sua convicção de condenação 0 conduziu a depressão ou
vice-versa é, claro, desconhecida.
Falei para uma sala de adultos da Escola Bíblica Dominical, cujo
tema era doutrina cristã, e em parte da aula eu falei sobre a doutrina
da eleição, explicando como os calvinistas a entendem como incondi-
cional e arminianos (e outros) a entendem como condicional (quando
se referindo a indivíduos e os destinos eternos dos mesmos). Falamos
sobre os pontos fortes e fracos desta doutrina e, particularmente, do
problema da bondade de Deus à luz de seu suposto decreto de “ ignorar”
ou até mesmo positivamente selecionar alguns para a perdição eterna.
Os alunos da classe debateram entre si se tal visão é consistente como amor de Deus mostrado em Jesus Cristo. Após a aula, um cavalheiro
de meia idade com um PhD em psicologia, que também era autor de
alguns livros bastante conhecidos sobre a área matrimonial veio até
mim para um “bate-papo a sós comigo”. Ele explicou que não consi-
derava a seleção de Deus de alguns para a condenação um problema,
pois ele veio a acreditar que os réprobos não são, de fato, pessoas, mas
autômatos (máquinas, robôs). Jam ais havia ouvido tal explicação e teria
suspeitado que isso fosse resultado da imaginação de uma mentalidade
de certa forma não sofisticada, caso a frase não fosse dita por quem,
de fato, a disse.
Sem dúvida a doutrina da eleição incondicional, 0 “U”, da TULIP, tem
sido objeto de muito debate e controvérsia entre os cristãos conservado-
res e evangélicos. Mas é crucial para todos os verdadeiros calvinistas; é
0 cerne de seu sistema de soteriologia. Para eles, é uma doutrina doce
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
e confortante, pois ela lhes diz que sua salvação não depende de nada
que eles façam, mas apenas da graça de Deus. Para os calvinistas ela
está intrinsecamente relacionada à doutrina basilar da reforma da justi-
ficação pela graça por meio da fé somente. Eles acreditam que qualquer visão exceto a deles leva inexoravelmente a um enfraquecimento dessa
doutrina da reforma. Para outros, entretanto, (assim como Calvinistas
iguais ao Cowper), ela é uma doutrina de terror, em virtude do inevitável
outro lado da moeda - que Deus escolheu alguns, a quem ele poderia
salvar, para que sofram eternamente no inferno (ainda que apenas por
ignorá-los quando seleciona outros para a salvação).
Enquanto os defensores da eleição incondicional a entendem como
uma expressão da grande bondade e misericórdia de Deus, os oponentes
(tal como João Wesley) a entendem como uma expressão de um Deus
obscuro e escondido (0 termo de Lutero para 0 lado de Deus que pre-
destina alguns para 0 inferno) que se preocupa mais com sua própria
glória do que o bem-estar de todas as pessoas. Os oponentes dizem que
a eleição incondicional não pode ser reconciliada com passagens bíbli-cos tais como “Deus é amor” e “Deus [não quer] que ninguém pereça”
( João 4.8, 6, 2 Pe. 3.9). Acima de tudo, a eleição incondicional não
pode ser reconciliada com 0 caráter de Deus revelado em Jesus Cristo,
que chorou sobre Jerusalém quando seus habitantes não 0 aceitaram
como seu Messias (Lucas 9.4 -44).
Poucas pessoas que sabem acerca da doutrina calvinista da eleição
incondicional (geralmente expressa pelos não teólogos simplesmente
como “predestinação”) são indiferentes; a maioria ou é contra (assim
como João Wesley) ou insistentemente a favor (assim como Jonathan
Edwards). (Menciono Wesley e Edwards aqui porque eles nasceram no
mesmo ano [ 703], tendo suas vidas sobrepostas de maneira significan-
te, durante o Grande Avivamento na Grã-Bretanha e América do Norte,
e eles geralmente são considerados os dois tataravôs do movimento
evangélico). Conforme explicarei mais plenamente neste capítulo, sou
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Contra 0 Calvinismo
a favor da eleição incondicional no que tange ao povo de Deus, mas não a
pessoas específicas, e sou a favor eleição condicional de pessoas. Mas me
oponho de maneira firme e inalterável à inevitável correlata da eleição
incondicional de pessoas - reprovação. Eu acredito a assim chamada
dupla predestinação de pessoas por Deus seja inconsistente com seu
amor e ao ensiná-la, fica difícil fazer distinção entre Deus e 0 diabo.
ELEIÇÃO INCONDICIONAL É DUPLA PREDESTINAÇÃO
Alguns calvinistas dizem que acreditam na “predestinação única”.
O que querem dizer é que não acreditam que Deus escolha condenar
ninguém. Ele apenas seleciona alguns, dentre a humanidade caída
(“a massa da condenação” de Santo Agostinho) para salvar, e deixa 0
restante para seu destino no inferno, algo que é merecido e livremente
escolhido. Mas isso faz sentido?
Começo, como de costume, com Calvino, que escreveu nas Institutas
“que Deus ordenou desde a eternidade a quem quer abraçar em amor,
exerce sua ira contra quem quer” 1. O contexto ao redor da afirmação dei-
xa claro que ele concorda com o que foi dito. Seria difícil argumentar que
Calvino defendia qualquer coisa diferente do que a dupla predestinação.
Trechos das Institutas citados no capítulo 3 deixam isso claro; ele fala acerca
dos réprobos sendo compelidos à obediência por Deus. (Novamente, 0 con-
texto deixa claro que ele não quer dizer compelido à obediência à vontade
preceptiva de Deus, ou seja, as ordens morais de Deus, mas compelidos àobediência à vontade decretiva de Deus, ou seja, os decretos de Deus do que
será incluindo a pecaminosidade dos réprobos). Calvino, eu acredito, ficaria
chocado ao ouvir que as pessoas que chamam a si mesmas de calvinistas,
mas que argumentam que a predestinação é apenas única, que ela se apli-
ca apenas à eleição e não à reprovação - como se as duas pudessem ser
separadas ou como se Deus pudesse ser soberano nesta situação.
. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 3, p. 444.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
Boettner também afirmou a reprovação divina de algumas pessoas e
até mesmo que a vontade de Deus é o "fator decisivo” na condenação
dos mesmos. Primeiro, ele escreveu da reprovação que: “esta, tam bém”,
assim como a eleição para a salvação, “é de Deus” 2. Além do mais, “nós
acreditamos que desde a eternidade Deus intencionou deixar alguns da
posteridade de Adão em seus pecados e que 0 fator decisivo na vida de
cada um é ser encontrado na vontade de Deus” 3. É importante lembrar
que para Boettner, como aparentemente para outros autores calvinistas
que citei, “os escritores bíblicos não hesitaram em afirmar “a influên-
cia absoluta de Deus sobre os pensamentos e intenções do coração
[do homem ]” 4. Também, “Deus governa os sentimentos internos, o
ambiente externo, hábitos, desejos, motivos etc. dos homens que eles
são livres para fazer 0 que Ele designa”5Deus, ele confessou, “em um
sentido real” determina as escolhas das pessoas e não existe tal coisa
como “autodeterminação” 6. Assim sendo, 0 motivo é claro para a rei-
vindicação de Boettner que de a reprovação é necessariamente parte
do plano e propósito soberano de Deus e que não é, no final das contas,condicionada por qualquer coisa fora do próprio Deus. A vontade de
Deus [obviamente sua “vontade deeretiva”] é 0 “fator decisivo” na vida
do réprobo e em sua reprovação.
Todavia, ao mesmo tempo, assim como todos os calvinistas que te-
nho conhecimento, Boettner alega que os réprobos merecem sua punição
(sofrimento eterno no inferno), pois eles “voluntariamente escolhem 0
pecado” 7. No fim das contas, ele deixa esta aparente contradição na esfera
2. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 04.
3. Ibid.
4. Ibid., 209.
5. Ibid., 2 4.
6. Ibid., 2 5, 2 7.
7. Ibid., 25.
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Contra o Calvinismo
do mistério: “A predestinação [incluindo a reprovação] e a livre agência
são duas colunas de um grande templo, e elas se encontram acima das
nuvens, onde o olhar humano não pode penetrar” 8. Parece-me, todavia,
que este mistério é uma completa contradição, algo que até mesmo o
Sproul excluiu como fora dos limites para o discurso cristão. Devemos
enfatizar aqui a diferença entre mistério e contradição; 0 mistério é algo
que não pode ser plenamente explicado ou compreendido pela mente
humana ao passo que a contradição é simplesmente algo sem sentido
- dois conceitos que se anulam e que juntos tornam-se um absurdo. A
teologia cristã jamais deve descansar confortavelmente com a contradição
ao passo que 0 mistério sempre estará presente na fala humana de Deus.
Boettner tem palavras duras para aqueles calvinistas que optam pela
predestinação única: ‘“ Calvinismo brando’ é sinônimo de calvinismo
enfermo, e a enfermidade, se não curada, é 0 início do fim” 9. Enquanto
admite que a reprovação é “admitidamente uma doutrina desagradá-
vel” 10, Boettner tenta provar a necessidade dela. Para ele, sem ela a
justiça de Deus não será plenamente exibida e, desta forma, Deus nãoserá plenamente glorificado no mundo e diante dos anjos.
Outra testemunha que a eleição incondicional necessariamente
inclui a reprovação como seu “outro lado da m oeda” é 0 pastor e teó-
logo calvinista Edwin Palmer, autor de The Five Points o f Calvinism, no
qual ele expõe e defende “Doze Teses Sobre a Reprovação”. Primeiro,
ele define reprovação como 0 decreto eterno, soberano, incondicional,
imutável, sábio, santo e misterioso por meio do qual, ao eleger alguns
para á vida eterna, Ele ignora outros, e então justamente os condena
por seus próprios pecados - tudo para Sua própria glória” Assim
8. Ibid., 222.
9. Ibid., 05.
0. Ibid., 08.
. Palmer, The Five Points of Calvinism, 95.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
como Boettner e outros, ele admite que esta é uma doutrina difícil,
mas diz que “nosso Deus infinito nos apresenta algumas verdades im-
pressionantes - verdades estas à quais nossas mentes pecaminosas e
finitas se rebelam contra”12. Ele argumenta que 0 pecado acontece pela
“permissão eficaz de Deus” - algo que nós já observamos em outros
teólogos calvinistas que relutam em dizer que o pecado é causado por
Deus . Parece que a “permissão eficaz” deve significar, assim como a
permissão de Deus do pecado e 0 mal significa em Edwards, Boettner
e outros, que Deus 0 torna certo sem forçar as pessoas a pecar. Palmer
diz: “Todas as coisas, incluindo o pecado, são realizados por Deus - sem
Deus violar Sua santidade”3
Palmer defende que a predestinação de alguns necessariamente
implica na reprovação de outros: “Se Deus escolhe alguns, então Ele
necessariamente ignora outras”. Para cima sugere para baixo; atrás
sugere a frente; 0 molhado sugere 0 seco; 0 mais tarde sugere 0 mais
cedo, escolher sugere deixar outros sem que sejam escolhidos”14. Ele
então prossegue para argumentar que Deus não “efetua” o pecado e adescrença da mesm a forma que ele efetua a fé '5. “Deus deseja o pecado
e a descrença indesejosamente; ele não se deleita neles”16. Alguém pode
se perguntar o porquê disso se for verdade que Deus faz tudo “para a sua
glória”. Como Deus pode não se deleitar naquilo que 0 glorifica? Palmer
prossegue de maneira ousada e afirma que a reprovação de Deus é tanto
condicional quanto incondicional:
A reprovação como condenação é condicional no sentido de que
uma vez que alguém é ignorado, então ele é condenado por Deus
2. Ibid.. 97.
3. Ibid., 0 .
4. Ibid., 06.
5. Ibid.
6. Ibid., 07.
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Contra o Calvinismo
por seus pecados e descrença. Embora todas as coisas - descrença e
o pecado inclusos - procedam do decreto eterno de Deus, 0 homem
ainda é culpado por seus pecados. Ele é culpado; 0 erro é dele e não
de Deus '7.
Isto é 0 suficiente para deixar qualquer um confuso. E Palmer concorda
e se deleita nisso. “ Ele [0 calvinista] percebe que 0 que ele advoga é ridícu-
10... O calvinista livremente admite que sua posição é ilógica, ridícula, sem
sentido e tola” 8Todavia, “esta questão secreta pertence ao Senhor, nosso
Deus, e devemos deixar as coisas como estão. Não devemos investigar
este conselho secreto de Deus” 9. Aparentemente Palmer concorda com
Martinho Lutero que, quando pressionado contra a parede por Erasmo
em seu debate sobre livre-arbítrio, encorajou seus ouvintes a “adorarem
os mistérios” e não tentar usar a lógica. Palmer também ecoa o teólogo
cristão primitivo Tertuliano, que disse: “Acredito porque é absurdo!” Talvez
muitos calvinistas não concordem com Palmer, mas eles deveriam caso
queiram manter 0 ensinamento de que Deus reprova as pessoas incon-
dicionalmente (pois ele mesmo preordenou o pecado e o tornou certo) eainda assim os réprobos são os únicos responsáveis e merecem a punição
eterna, pois sua reprovação é “condicional”.
O que leva Palmer e outros calvinistas rígidos a tamanho sacrifício do
intelecto? Ele não faz segredo que é: Romanos 9 - a passagem bíblica
basilar para a crença calvinista na eleição e reprovação incondicionais:
Quando Deus fala - como ele claramente fez em Romanos 9 - então nós
devemos simplesmente seguir e crer, mesm o se não possam os entender,
e ainda que isso pareça contraditório para nossas mentes débeis” 20.
Romanos 9 diz que Deus escolheu Jacó em detrimento de Esaú e amou a
7. Ibid., 05 - 6.
8. Ibid., 85.
9. Ibid., 87.
20. Ibid., 09.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
Jacó e odiou a Esau antes que eles nascessem ou que fizessem qualquer
coisa boa ou má “ a fim de que 0 propósito de Deus, na eleição, ficasse
firme: não por obras, mas por aquele que chama” (Romanos 9. - 2)
Então Paulo cita Êxodo onde Deus diz a Moisés: “Terei misericórdia de
quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser
ter compaixão” (9. 5). Então lemos: “Deus tem misericórdia de quem
ele quer, e endurece a quem ele quer” (9. 8)
Claro, Romanos 9 diz muito mais e eu encorajo os leitores para que
leiam e estudem todo 0 livro de Romanos e interpretem 0 capítulo 9 no
contexto de todo 0 livro. Assim como todos os calvinistas, Palmer interpreta
estas afirmações literalmente como se aplicando a salvação e reprovaçãode indivíduos. Todavia, conforme mostrarei mais tarde neste capítulo,
existem outras interpretações válidas que não acabam por exigir 0 sa-
crifício do intelecto ou considerar Deus como arbitrário ou monstruoso.
Sproul é outro calvinista que argumenta que não pode haver eleição
incondicional para a salvação sem reprovação, de maneira que a “predes-
tinação única” é um conceito impossível. Ele corajosamente promove a
dupla predestinação ao passo que faz algumas advertências importantes:
“Se é que realmente existe uma coisa tal como predestinação, e se essa
predestinação não inclui todas as pessoas, então não podemos escapar
da necessária influência de que há dois lados para a predestinação. Não
é suficiente falar sobre Jacó; precisamos também considerar Esaú” 21.
A fim de am enizar 0 golpe (na bondade de Deus) Sproul defende que
estes dois decretos de Deus - 0 de salvar alguns e condenar outros - nãodevem ser levados como “igualmente últimos” ou ambos positivos. Ele
critica 0 que chama de hipercalvinismo por transformar a eleição e a
reprovação igualmente últimas - colocando-as no mesmo plano de Deus
e realização deste plano por Deus 22. Contra 0 hipercalvinismo Sproul
expressa o que ele acredita que seja a verdadeira doutrina reformada:
2 . SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 0 .
22. Ibid., 04.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
por retirar ou reter a graça suficiente. Deus escolhe certas pessoas para
endurecer seus corações de maneira que elas não se arrependerão e
não crerão. Então ele diz:
É assim que nós devemos entender a dupla predestinação. Deusdá misericórdia a seus eleitos operando fé em seus corações. Ele dá
justiça aos reprovados deixando-os em seus próprios pecados. Não há
simetria aqui. Um grupo recebe misericórdia. O outro grupo recebe
justiça. Ninguém recebe injustiça. Ninguém pode queixar-se de que
há injustiça em Deus 25.
Isto faz algum sentido? Não. Primeiro, como isto não é simétrico à
luz do fato de que a pecaminosidade dos pecadores é preordenada etornada certa por Deus de sorte que os réprobos não podem fazer 0
contrário? Como que 0 decreto divino da reprovação, de ignorar certos
indivíduos é meramente negativo e passivo se Deus endurece seus co-
rações? Como que 0 relato de Sproul realmente difere do que ele chama
de hipercalvinismo?
O teólogo reformado James Daane, um arquiinimigo da dupla predestina-
ção, chama este tipo de fala de “verbalismo” - “um jogo teatral na qual as
palavras, de fato, não carregam nenhum sentido averiguável”26. Para Daane,
conforme irei mencionar mais tarde neste capítulo, isso se aplica a muitas
palavras utilizadas para os predestinadores duplos, a quem ele chama de
“teólogos decretais”. Parece se aplicar bem com a fala de Sproul dos decretos
de Deus não sendo igualmente finais, pois um [decreto] é positivo e 0 outro
negativo e também se aplica à noção de justiça e imparcialidade de Sproul.
Todos os teólogos calvinistas que são favoráveis a dupla predestina-
ção e contra a “predestinação única” abraçam e afirmam a ideia de que
Deus soberanamente predestina alguns dentre suas próprias criaturas
humanas, criados á sua imagem e semelhança, para 0 inferno, e que
isso é consistente com a bondade, justiça e amor de Deus. Eu concordo
com eles de todo o meu coração que não pode existir tal coisa como
25. Ibid., 08.
26. Daane, The Freedom of Cod, 7 .
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Contra o Calvinismo
predestinação única na medida em que a predestinação é a eleição
incondicional de certas pessoas, de certo número dentre 0 total, para
0 céu. O correlato automático e inevitável para essa predestinação é a
predestinação ao inferno. As duas coisas ou nada.
Onde eu discordo deles é que a dupla predestinação possa ser de-
fendida como boa ou que um Deus que faz isso possa ser considerado
bom, amável e justo em qualquer sentido análogo às estas virtudes
conform e as mesm as nos são reveladas em Jesu s Cristo e na Bíblia.
Se Deus faz desta maneira que eles descrevem, então a “bondade” de
Deus, 0 “amor” de Deus, a “justiça” de Deus são simples palavras com
nenhum sentido averiguável. Daane está certo; seria mero verbalismocontinuar a falar de Deus tendo estes atributos como aspectos de sua
natureza e caráter eternos - algo que quase todos os calvinistas fazem.
Além do mais, ainda que Deus meramente ignorasse alguns a quem
ele poderia salvar, por que faria isso se ele é bom, amável e justo? Qual
significado estes atributos poderiam ter, mesmo quando aplicados a
Deus, se Deus faz 0 que o calvinismo reivindica? Em outras palavras,
isso não é apenas uma questão de reprovação, embora eu realmenteacredite que a reprovação esteja necessariamente implícita na doutrina
calvinista da eleição. Ainda que fosse possível manter a ideia de que Deus
não reprova ninguém positivamente, mas apenas escolhe, de maneira
misericordiosa, salvar alguns e deixar outros para sua “ merecida conde-
nação”, quais seriam os significados de “bondade”, “amor” e “justiça”
quando atribuídos a um Deus que poderia salvar a todos pelo fato de a
salvação ser absolutamente incondicional (a saber, não dependente dequalquer coisa que Deus veja ou acerca das pessoas sendo salvas)?”27.
27. Alguns calvinistas podem objetar à minha forma de expressão aqui e dizer que,
enquanto a “eleição” é incondicional, a “salvação” não é. Em outras palavras, de acordo
com a teologia calvinista. Deus escolhe salvar pessoas sem considerar nada acerca
delas, mas ele salva tais pessoas apenas tendo por base a condição de arrependimento
e fé (conversão) das mesmas. Todavia, parece certo e justo dizer que a própria salvação
também é incondicional, pois Deus é quem dá até mesmo o arrependimento e a fé
para eleger antes, não considerando quaisquer decisões ou ações que as pessoas
façam. Em minha opinião, a distinção entre eleição para salvação como incondicional
e a própria salvação como condicional é uma distinção sem uma diferença.
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Contra o Calvinismo
resposta. Estranhamente, quase todos os calvinistas, entretanto, real-
mente tentam defender a bondade de Deus, então alguém se pergunta
0 quão sério devemos responder a esta crítica. Além do mais, não é a
Deus quem os críticos do calvinismo estão questionando. As crenças
calvinistas acerca de Deus é que estão sendo questionadas! Há uma di-
ferença. A frequência com a qual alguém se depara com esta rejeição de
crítica leva a conclusão de que pelo menos alguns calvinistas enfrentam
problemas em distinguir entre sua própria doutrina de Deus e 0 próprio
Deus. Como todos os demais, os calvinistas deveriam estar dispostos
a, ao menos, considerar a possibilidade de que há deficiências e falhas
graves nas crenças doutrinárias calvinistas.Muitos teólogos calvinistas vão além da tentativa de colocar de lado
as críticas com afirmações acerca de “não questionar a Deus”. Muitos
oferecem estratégias para defender 0 caráter bom de Deus, a reputação
de Deus, em face de perguntas críticas de não calvinistas. A principal
questão que tratam é simplesmente essa: Como pode ser dito que Deus
é bom, amável e justo em fa ce destas doutrinas do calvinismo rígido? Como
Deus é bom, amável e justo com os réprobos? Como Deus não é arbi-
trário em sua escolha de alguns para a salvação incondicional enquanto
abandona outros para a perdição? E uma pergunta crítica relacionada
é: Como o evangelho pode ser oferecido como uma oferta sincera para
todos se alguns já foram escolhidos por Deus para a condenação e, desta
forma, não possuem nenhuma chance, de modo algum, de serem aceitos
por Deus? (Esta última pergunta geralmente alcança uma força maiorem relação ao próximo ponto da TULIP - expiação limitada).
Outra forma de fazer 0 mesmo conjunto de perguntas é apresentar
passagens bíblicas para calvinistas e perguntar como eles reconciliam
suas crenças na reprovação - predestinação com as mesmas? Por exem-
pio, João 3. 6: “Porque Deus tanto amou 0 mundo que deu seu Filho
Unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eter-
na”. Observe também os versículos citados anteriormente: Timóteo 2.4;
2 Pedro 3.9 e João 4.8. Como Deus é amor se ele preordena muitas
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Contra o Calvinismo
perfeitamente, pois, assim prometendo, outra coisa não pretende senão
que sua misericórdia seja oferecida somente a todos os que a buscam e
imploram, o que outros não fazem, a não ser aqueles a quem ilumina.
Entretanto, Deus ilumina aqueles a quem predestinou para a sal-
vação . A estes, afirmo, patenteia-se a veracidade certa e inconcussadas promessas, de modo que não se pode dizer que houve alguma
discrepância entre a eterna eleição de Deus e 0 testemunho que
oferece aos fiéis de sua graça 31.
Isso só parece aprofundar 0 mistério. Se esta citação tinha por objetivo
responder a pergunta de como estas afirmações concordam perfeita-
mente uma com as outras, eu não vejo como isso alcança seu objetivo.
Como um grande pensador e comunicador que Calvino foi, eu, às vezes,
considero suas explicações obscuras, se não evasivas.
Calvino diz mais acerca do problema. Primeiro, ele defende que “nin-
guém perece sem que 0 mereça” 32. É por isso que Deus é justo em punir
os réprobos; eles merecem a punição. Por que eles merecem a punição?
Por causa de sua “malícia e perversidade” 33. Por que eles continuam
em sua malícia e perversidade e não se arrependem e creem como oseleitos o fazem? “Para que atinjam a seu fim, ora os priva da faculdade
de ouvir sua palavra, ora mais os cega e os endurece por meio de sua
pregação”34. Por que Deus age assim para com os réprobos? “ Em vão
se atormenta aquele que aqui procure causa mais alta que o conselho
secreto e inescrutável de Deus” 35.
Calvino está chegando em algum lugar no sentido de resolver 0 pro-blema? Não vejo como esse possa ser 0 caso; ele parece simplesmente
estar aprofundando 0 dilema da bondade de Deus.
3 . CALVINO, Joáo. As Institutas: edição clássica, vol. 3, p. 444.
32. Ibid., p. 438.
33 CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 3, p. 440.
34. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 3, p. 438.
35. Ibid.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
Como Calvino interpreta Timóteo 2.3-4, a revelação mais clara
de que Deus deseja a salvação de todos os homens? “Com isto Paulo
certamente quer dizer que Deus não fechou o caminho da salvação
para qualquer ordem de homens; antes, ele derramou tanto de sua
misericórdia que ele não quer ninguém fora dela”. Em outras palavras,
todos em Timóteo 2. 3-4 (e sem dúvida em 2 Pe. 3.9) significa que
Deus quer pessoas de toda tribo e nação sejam salvos, mas não todas
as pessoas. Isso dificilmente se encaixa na linguagem de Timóteo 2.4,
todavia, que especificamente diz “todos os homens”, significando “todas
as pessoas” - não todos os tipos de pessoas.
Então, porque Deus reprova alguns e não elege todos para a salvação?Em alguns lugares Calvino deixa esta questão na esfera do mistério, mas
em pelo menos em uma ocasião ele especula: “foram suscitados para
ilustrar sua glória através de sua própria condenação”36. Os que acusam
Deus de ser injusto (ou só acusam esta doutrina de fazer de Deus um
ser injusto!) são rejeitados por Calvino como “discípulo[s] de Porfírio
[que] corroem impunemente ajustiça de Deus” 37. Ele impacientem ente
declara que tudo o que Deus faz é certo e justo simplesmente porque
é Deus quem faz, e não há explicação nenhuma para o que Deus faz
além de “porque assim lhe apraz” 38. Em lugar algum ele sequer tenta
justificar a Deus ou reconciliar sua doutrina com 0 amor de Deus. O
único amor de Deus que ele menciona é 0 amor de Deus pelos eleitos.
Felizmente, muitos calvinistas não se satisfizeram em deixar a questão
como está. Ao passo que alguém adentra a era moderna e para 0 mundopós-moderno do início do século XXI, encontramos muitos calvinistas,
cada vez mais, interessados em justificar os caminhos de Deus.
Jonathan Edwards escreveu um ensaio completo sobre “Aju stiça de
Deus na Condenação de Pecadores”. No ensaio ele ficou bem perto da
36. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 3, p. 440.
37. CALVINO, João. As Institutas: ediçào clássica, vol. 3, p. 438.
38. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 3, p. 408.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
0 único propósito de Deus na reprovação é a sua glória; sem ela a justiça
de Deus não poderia ser exibida de maneira suficiente - e que é um dos
propósitos da criação e redenção 40. Claro, isto levanta a pergunta de por
que é justo para Deus punir os réprobos, e Boettner simplesmente asseguraque eles pecaram “voluntariamente” 41. A luz destas explicações, citadas
e discutidas no capítulo anterior, parece um uso estranho de “voluntaria-
mente”, uma vez que é Deus quem determinou. Para ele, obviamente,
“voluntariamente” não significa que eles poderiam fazer 0 contrário do
que fazem. Isso é um significado natural de “voluntário” e isto responde
ou suscita mais perguntas acerca da justiça de Deus? Boettner não parece
reconhecer este problema, ou ele prefere fazer vistas grossas. E ele não pa-
rece, de fato, lidar com o amor de Deus, exceto em dizer (estranhamente)
que “Deus em seu amor salva tantos homens da raça pecadora quanto Ele
pode obter 0 consentimento de Sua toda natureza para salvar”42. Alguém
pode apenas responder de maneira perplexa: “O quê?”
Pelo menos Boettner, contrastado com Calvino, Edwards e alguns
outros calvinistas, tenta responder a pergunta. Mas a resposta nãosuscita mais perguntas? Deus é, de alguma forma, limitado? Por que
ele não pode ter 0 consentimento de “toda sua natureza” para salvar a
todos? A implicação óbvia, considerando tudo mais 0 que Boettner diz,
é que Deus deve condenar alguns a fim de exibir seu atributo de justiça
e, desta forma, glorificar a si mesmo. Então a necessidade de Deus de
glorificar a si mesmo (e “necessidade” é a palavra correta, considerando
a linguagem utilizada por Boettner acerca da limitação divina em relação
à extensão da salvação) sobrepuja e controla seu amor.
Isto é exatamente 0 que os não calvinistas se preocupam concernente
ao calvinismo: que sua lógica interna e profunda leva inflexivelmente
40. Boettner, The Reformed Doctrine o f Predestination, 79, 7.
4 . Ibid., 25
42. Ibid., 306.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
na parede e ninguém além de você esteve no seu quarto desde a última
vez que vi a parede limpa”. Seu filho (a) responde: “Tudo bem, eu não
escrevi, mas também não foi ninguém que escreveu”. Qual será a sua
resposta? Você acreditaria nesta explicação dada pela criança? Por que
não? Não poderia haver uma terceira possibilidade? A menos que você
acredite que a casa seja assombrada ou algo do tipo, você provavelmente
não levará a sério a explicação de seu filho (a). A pessoa que escreveu na
parede precisa ser o seu filho (a) ou outra pessoa; não há uma terceira
opção plausível. O mesmo se aplica com a “explicação” de Boettner (a
mesma explicação utilizada pela maioria dos calvinistas) de que Deus
não escolhe arbitrariamente, mas que também não escolhe embasado
em nada especial acerca das pessoas que ele escolhe. Não existe uma
terceira alternativa. A escolha precisa ser arbitrária para que seja abso-
lutamente incondicional.
Diferente de Boettner e outros calvinistas, Edwards parece ter aceita-
do, ao menos, que a escolha de Deus entre os eleitos e os não eleitos é
arbitrária. Isto pode ser um choque para muitos calvinistas posterioresque contestam veementem ente esta acusação acerca do Deus calvinista.
Em seu famoso (ou infame) sermão “Pecadores nas Mãos de um Deus
Irado”, Edwards apelou para a “vontade arbitrária de Deus” para explicar
0 tratamento de Deus com os não eleitos 46. Tal admissão é, ao menos,
honesta, corajosa e consistente, mas ela suscita sérios problemas para
o caráter e os caminhos de Deus.
Como Boettner lida com as passagens bíblicas que trazem a palavra
“todos”? Em relação a João 3. 6 e versículos semelhantes, ele diz que
este “mundo” não significa todas as pessoas. Significa todos os tipos
de pessoas 47. Uma vez que muitos calvinistas dão esta explicação, eu
46. Jonathan Edwards, “Sinners in the Hands of an Angry God,” in Jonathan Edwards:
Representative Selections, 56.
47. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 293.
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Contra o Calvinismo
deixarei a maioria da minha critica contra ela para mais tarde neste
capítulo quando resumo os problemas com as explicações calvinistas
da reprovação de Deus. Por agora, basta dizer que esta interpretação de
“mundo” dificilmente funciona, pois isso exigiria que inúmeras referên-cias à todo o mundo como caído significasse apenas todos os tipos de
pessoas que são caídos.
Por exemplo, em João . 0 está escrito que 0 “mundo” (mesma pa-
lavra grega utilizada em João 3. 6) não reconheceu a Palavra quando
a Palavra veio. Se “mundo” em João 3. 6 significa “todos os tipos de
pessoas”, então João.
possivelmente significa que apenas algumaspessoas - de todos os tipos de pessoas, mas não todo mundo - não
reconheceu Jesus como 0 Filho de Deus. Nenhum calvinista interpreta
João . desta forma! A interpretação de Boettner de João 3. 6 parece
forçada. Embora ele não tenha coragem de dizer: “Deus odeia os não
eleitos e este é 0 motivo pelo qual ele os reprova”, ele mais do que deixa
isso implícito. Portanto, julgo justo e seguro dizer que Boettner, como
muitos calvinistas, não pensa que Deus é amor conforme João 4.8 diz,
ou ele é, no mínimo, inconsistente ao lidar com a questão. Se a própria
natureza de Deus é amor, então ele ama a todos e não apenas algumas
pessoas de “todos os tipos”. (Claro, isso pressupõe mais uma vez que
“amor” em Deus é análogo e não totalmente diferente do melhor amor
conforme 0 conhecemos. Juntamente com Helm eu suponho isso, caso
contrário a palavra amor não significa nada.E em relação a Timóteo 2.4 que diz, que Deus quer que “todos os ho-
mens” se salvem? Boettner explica: “Versículos tais como Timóteo 2.4, ao
que parece, são melhores entendidos não como se referindo a homens
individualmente, mas como ensinando a verdade geral de que Deus é
benevolente que Ele não se deleita nos sofrimentos e morte de Suas
criaturas” 48. Alguém só pode se perguntar: como é possível extrair
essa interpretação desse versículo? E mais, como Deus não se deleita
48. Ibid., 295.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
naquilo que ele mesmo preordenou e tornou certo para a sua glória? Ele
não se deleita em ser glorificado? Este é, certamente, um enigma calvi-
nista. Mas Boettner acrescenta isso: “É verdade que alguns versículos,
interpretados por eles mesmos, realmente parecem sugerir a posição
arminiana [a saber, que Deus realmente deseja a salvação de todos e a
torna possível] Isto, entretanto, reduziria a Bíblia a uma massa de con-
tradições”49. Alguém poderia simplesmente inverter a afirmação acima
e substituir a “posição calvinista” pela “posição arminiana” e isso seria
mais verdadeiro.
Sproul se esforça admiravelmente, mas, no fim das contas, não tem
sucesso com 0 problema da bondade, amor e justiça de Deus em face de
sua reprovação de muitas pessoas a quem ele poderia salvar. Primeiro, ele
admite que Deus preordenou 0 pecado, e estou certo de que 0 citei 0 bas-
tante para deixar claro que ele também acredita que Deus tornou 0 pecado
certo 50. Entretanto, ele defende, Deus não é responsável pelo pecado; nós
somos 51. Deus é justo em condenar os réprobos porque eles 0 odeiam e
são maus: “Há alguma razão pela qual um Deus justo precise ser amorosopara com uma criatura que 0 odeia e que se rebela constantemente contra
sua divina autoridade e santidade?”52. Alguém só pode responder... sim.
Porque a sua natureza é amar1 (1 João 4.8) Além do mais, Romanos 5.8-10
diz que Deus amou os pecadores quando eles ainda eram pecadores e
entregou Cristo por Eles! Sproul tende a descrever a Deus não como ten-
do uma natureza amável; ele mais do que sugere que Deus ama alguns e
odeia outros quando todos 0 odiaram e rebelaram contra sua autoridade e
santidade 53. Isso nos traz de volta à questão da arbitrariedade.
49. Ibid.
50. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristá, 2002, p. 20-2 .
5 . Ibid.
52. Ibid., 23.
53. Na verdade, em O que é teologia reformada? 38, Sproul diz que Deus odeia o
réprobo.
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Contra 0 Calvinismo
Sproul enfrenta 0 problema da aparente arbitrariedade e falta de im-
parcialidade de Deus (e eu acrescentaria a aparente ausência de amor)
na dupla predestinação: “ 0 desagradável problema para 0 calvinista [é]...
se Deus pode e realmente escolhe assegurar a salvação de alguns, porque então ele não assegura a salvação de todos?” 54 De fato, por que
não? Eis aqui a resposta de Sproul:
A única resposta que eu posso dar a esta pergunta é que eu não
sei. Não tenho ideia por que Deus salva alguns e não todos. Não du-
vido por um m om ento que Deus tenha o poder de salvar todos, mas
eu sei que Ele não escolhe salvar todos. Realmente não sei por quê...
Uma coisa sei. Se agrada a Deus salvar alguns e não todos, não há
nada de errado com isso. Deus não está obrigado a salvar ninguém.
Se Ele escolhe salvar alguns, isso de modo algum O obriga a salvar
0 restante.55
Sproul então se opõe aos não calvinistas que levantam essa questão
como uma questão de tratamento igualitário e diz que Deus não preci-
sa atender a nossos padrões de justiça 56. Tudo bem. Mas a justiça não
é 0 cerne do problema. O cerne, que Sproul evita, é 0 amor. Se Deus
pode(ria) salvar a todos pelo fato de a eleição para a salvação ser in-
condicional e se Deus, por natureza, é amor, por que ele não salva? As
únicas respostas que o Sproul pode oferecer são: (1) ele não ama a todos
e, (2) Deus pode fazer 0 que quiser fazer, pois ele não tem obrigação de
fazer nada para ninguém. Estas respostas degradam a Deus e impugna
sua bondade e causam dano a sua reputação, que é embasada em seu
caráter moralmente perfeito.
O que Sproul diz acerca de 1 Timóteo 2.4? Nada, não fui capaz de
encontrar nenhuma explicação da importante passagem bíblica nos
escritos de Sproul, mas ele escreveu tanta coisa que é possível que eu
54. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 26.
55. Ibid.
56. Ibid., 26-27.
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Sim para a eleição; nao para a dupla predestinação
não tenha encontrado seu comentário sobre a passagem em questão.
Todavia, em Eleitos de Deus, ele, de fato, lida com 2 Pedro 3.9, que diz
praticamente a mesma coisa, mas talvez não de maneira tão vigorosa.
A medida em que Deus não quer que “ninguém pereça, mas que todoscheguem ao arrependimento”, Sproul diz que “ninguém” significa “os
eleitos” 57. Contudo, tal explicação não funciona à luz de 1 Timóteo 2.4,
que claramente se refere a todas as pessoas, sem exceções. (É por isso
que Sproul ignora esse versículo bíblico, deixando-o sem comentário
algum?).
Sproul também pega outra rota. Ele sugere que a Bíblia fala “mais
de uma maneira” acerca da vontade de Deus” 58. Primeiro, ele diz, há a
vontade soberana eficaz” de Deus. Esta vontade é a que os calvinistas
chamam de “vontade decretiva” de Deus. Então há a “vontade precep-
tiva” de Deus (suas ordenanças). Por fim, há a disposição de Deus — o
que lhe agrada” 59. Assim, de acordo com esta interpretação de 2 Pedro 3.9
(e por extensão 1 Tm. 2.4), ela está dizendo que Deus deseja que todos
sejam salvos ainda que ele não tenha por intenção salvar a todos.Sproul diz que Deus se entristece em punir os ímpios 60. Ele faz uso
de uma analogia de um juiz que deve sentenciar seu amado filho a
prisão. Ele precisa sentenciar, mas aquilo o machuca. A analogia, claro,
se quebra inteiramente. O juiz na ilustração não preordenou e nem tor-
nou certo 0 crime de seu filho. Caso ele assim tivesse feito, ele estaria
errado em sentenciá-lo à prisão! E mais, 0 juiz na analogia é obrigado
a sentenciar seu filho à prisão; de acordo com Sproul, Deus não é obri-
gado a salvar ninguém e poderia salvar a todos. Por fim, e se 0 juiz de
Sproul que sentenciou seu próprio filho à prisão tivesse libertado outro
57. Ibid., 46.
58. Ibid., 44- 45.
59. Ibid., 45.
60. Ibid.
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Contra o Calvinismo
homem que cometeu 0 m esmo crime? Todos não questionariam 0 amor
do juiz por seu filho?
Vamos mudar a analogia um pouquinho. Suponha que um juiz tenha
sentado em seu assento e chorado enquanto sentenciava seu próprio
filho ã prisão por roubo a mão armada. Então fosse descoberto que 0
juiz fazia uso de condicionamento comportam ental para fazer seu filho
acreditar que roubo a mão armada é bom e correto e que levou seu
filho, de carro, até 0 banco para que seu filho 0 roubasse. E que fosse
descoberto também que o juiz havia concedido clemência a outro jo-
vem que também havia roubado o banco da mesm a maneira que seu
filho 0 fez. Quem pensaria que 0 juiz era bom? E esta analogia da dupla
predestinação é melhor do que a que foi utilizada pelo Sproul!
E concernente ao problema da aparente arbitrariedade de Deus a
eleição e reprovação? Sproul diz: “Deus não faz nada sem uma razão.
Ele não é caprichoso nem frívolo 61. Mas qual razão ele pode ter para
escolher 0 João para a salvação e o Roberto para a condenação? Ele
deixa claro por demais que a eleição e a reprovação são absolutamenteincondicionais. Então, sua palavra final sobre o assunto é que Deus
escolhe “segundo 0 beneplácito de sua vontade... Deus nos predestina
de acordo com o que lhe agrada... O que agrada Deus é bondade...
Embora a razão para nos escolher não esteja em nós, mas no divino
prazer soberano, devemos ficar certos de que 0 divino prazer soberano
é um beneplácito” 62 Mais uma vez, eu só posso responder de maneira
chocada ou perplexa com um “hã”?
De volta à analogia que ofereci acima em resposta a reivindicação de
Boettner de que a escolha de Deus não é arbitrária, mas que também
não tem por base nada acerca das pessoas a quem ele escolhe. O apelo
de Sproul para a “boa vontade” de Deus não diz nada acerca de como ele
6 . Ibid., 5.
62. Ibid., 6.
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Contra o Calvinismo
compaixão deles. Ele alega que Deus tem um “amor universal por todas
as criaturas” que não é 0 amor que ele tem pelos eleitos. Então essa é
a sua explicação para João 3.16 e 1 João 4.8. “Existe um amor geral de
Deus que ele concede para todas as suas criaturas” 68. Mas apesar de
amar todas as pessoas de alguma maneira, Deus apenas ama algumas
pessoas da melhor maneira. Seu amor pelos não eleitos aparece nas
bênçãos temporais que ele lhes concede. (Não consigo resistir e aqui digo
que a visão do Piper eqüivale a dizer que Deus fornece aos não eleitos
um pouquinho do céu para que depois sejam lançados no inferno!)
E concernente ao amor e a compaixão de Deus pelos eleitos? Piper
assegura que Deus tem uma “compaixão verdadeira, que ainda estáreprimida, no caso dos não eleitos, por razões consistentes e santas, de
assumir a forma de uma volição para regenerar” 69. Além do mais, “afir-
mo que Deus ama o mundo com uma profunda compaixão que deseja
a salvação do mundo; todavia, também afirmo que ele escolheu desde
antes da fundação do mundo os que ele salvará do pecado. A eleição é
a boa nova que a salvação não apenas é uma oferta sincera para todos,mas um efeito certo na vida dos eleitos” 70.
Para ilustrar e defender esta ideia das duas vontades em Deus, Piper
conta a história de George Washington e certo Major Andre, que havia
cometido alguns atos de traição durante a Guerra Revolucionária71. Con-
forme a história se desenvolve, Washington sentenciou o Major Andre à
morte ainda que ele tivesse 0 poder de perdoá-lo. O futuro presidente e
comandante supremo do Exército Continental teve grande compaixão do
Major Andre enquanto assinava seu mandado de morte, que foi julgado
necessária para sustentar a responsabilidade de seu cargo e as regras.
68. Ibid., 48.
69. Ibid., 45.
70. Ibid., 46.
7 . Piper, “Are There Two Wills in God?” 28.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
Piper compara esta situação às emoções e sentimentos complexos de
Deus ao passo que ele condena os réprobos.
Mas esta analogia funciona melhor do que a analogia do Sproul em
que 0 juiz sentencia seu filho? A resposta é não, ela não funciona. Pri-meiro, se o Piper estiver certo, se Washington fosse verdadeiramente
comparável a Deus, ele teria projetado e governado 0 crime do Major
Andre e garantido que ele cometesse 0 crime. Quem consideraria Wa-
shington bom por sentenciar o Major Andre à morte, se este fosse o
caso - independente de quão “necessário” isso fosse para sustentar a
responsabilidade de seu cargo e as regras?
Segundo, se 0 Major Andre fosse verdadeiramente comparável aos
réprobos na teologia de Piper, ele não teria sido capaz de fazer 0 con-
trário do que cometer o crime. Piper nega o livre-arbítrio libertário.
Quem consideraria 0 Major Andre merecedor de morte caso ele fosse
controlado por outra pessoa? (Lembre-se que, ainda que Piper acredite
que as pessoas sempre ajam de acordo com seus motivos mais fortes
- a visão de Edwards de “livre-arbítrio” - seu Deus também é a realida-de totalmente determinante e, desta forma, deve ser a causa final dos
motivos controladores das criaturas)
Terceiro, a analogia sugere uma limitação de Deus - algo que certamen-
te Piper não quer admitir considerando seu poderoso engrandecimento
da supremacia de Deus em todas as coisas. Washington foi obrigado a
sentenciar 0 Major Andre a morte: ele sentiu que a responsabilidade de
sua posição lhe obrigava a fazer isso ao passo que ele devia satisfações ao
Congresso Continental, seus companheiros oficiais e soldados e os cida-
dáos das colônias. A quem Deus deve satisfações? Se ele sente tamanha
compaixão pelos réprobos, por que ele não simplesmente os perdoa?
Ele poderia, a menos que ele seja limitado e controlado por algo sobre
o qual ele não tenha nenhum poder. Afinal de contas, a eleição de Deus
para a salvação, no calvinismo, é absolutamente incondicional. Voltamos
ao problema de Edwards da dependência implícita de Deus do mundo!
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Contra o Calvinismo
Por fim, a analogia se desmonta, pois para ser uma analogia válida,
Washington já teria de ter perdoado, pelo menos, outra pessoa que
tenha cometido exatamente 0 mesmo crime que 0 Major Andre. Afinal
de contas, de acordo com Piper, é isso 0 que Deus faz perdoa (elege
para a salvação incondicionalmente) muitas pessoas que não são em
nada melhores que as pessoas que ele reprova. Quem consideraria Wa-
shington “compassivo” neste caso? Ele não seria considerado arbitrário
e caprichoso e suspeito de só querer mostrar sua severidade? 72
E concernente ao problema da chamada e convite do evangelho se
Deus já tem escolhido alguns para a condenação? Muitos dos autores
calvinistas aqui pesquisados não lidam diretamente com 0 problema.
Como a chamada do evangelho poder ser oferecida de maneira since-
ra a todos (0 que a maioria dos calvinistas afirma) se alguns já foram
escolhidos por Deus para a condenação e não têm nenhuma chance
de serem aceitos por Deus? Piper responde a questão, de forma breve,
em “Are There Two Wills in God? (Existe Duas Vontades em Deus?)”
Ele diz: “A eleição incondicional [e por extensão, claro, a reprovação]...não anula as ofertas sinceras da salvação para todos que estão perdidos
entre todos os povos do mundo” 73 Claro, tal é apenas uma declaração;
ela carece de uma explicação.
Este é um problema enorme para qualquer um que acredite que seja
apropriado para 0 pregador do evangelho fazer uma oferta de salvação
a todos que estiverem ao alcance de sua voz. Todavia, a maioria dos
72. Alguns calvinistas, e suspeito que Piper seja um deles, sem dúvida responderiam
às minhas reivindicações de que sua doutrina torna Deus em um ser arbitrário ao dizer
que Deus tem “motivos consistentes e santos” para suas decisões, motivos estes que
não podemos compreender. Todavia, isto é apenas uma frase, ela não nos informa de
nada. Uma vez que Piper e outros calvinistas desqualificam tudo que Deus possa ver em
nós ou acerca de nós como base para a sua escolha, a única alternativa que nos resta
é a escolha arbitrária. Eu desafio os calvinistas a dizer quais “motivos consistentes e
santos” de Deus para escolher uma pessoa em detrimento de outra uma vez que tudo
acerca da pessoa escolhida é eliminado como uma causa da escolha de Deus.
73. John Piper, “Are There Two Wills in God?” 07.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
calvinistas evangélicos, de/ato, acredita que seja legítimo, ainda que 0
pregador saiba que há muitas pessoas entre os presentes que não podem
responder ao convite e para os quais o convite é impossível de ser aceito
em razão de Deus ter fechado a porta da possibilidade de sua chegadaà fé e pelo fato de Jesus não ter morrido por eles! (Este é 0 assunto do
capítulo seguinte).
TESTEMUNHAS CONTRA A DUPLA PREDESTINAÇÃO
Embora eu já tenha tornado conhecido meus receios (para dizer 0
mínimo!) acerca da dupla predestinação e principalmente 0 lado da
reprovação da predestinação, agora quero convocar outras testemunhas
para que deem seus testemunhos de por que a dupla predestinação não
é bíblica e indigna do caráter de Deus conforme revelado na Escritura e
principalmente em Jesus Cristo, e também porque ela é simplesmente iló-
gica em termos de suas indesejadas “conseqüências lógicas e necessárias”.
Minha primeira testemunha é 0 teólogo G. C. Berkouwer - aquele
grande e influente pensador reformado do século XX. Em seu livro Divi-
ne Election, Berkouwer expressa grande incômodo com qualquer forma
de determinismo divino e, principalmente, qualquer preordenação de
indivíduos para a condenação eterna. Ele argumenta que a doutrina calvi-
nista de predestinação deve ser interpretada de forma não determinista:
“Por um lado, queremos manter a liberdade de Deus na eleição, e, por
outro, evitar qualquer conclusão que faça de Deus a causa do pecado eda descrença” 74. Ele expressa frustração com a abordagem de Calvino,
que diz, por um lado, que os seres humanos são a única causa de sua
rejeição, mas que também diz, por outro lado, que Deus é a fonte final
da “ruína e condenação” dos mesmos 75.
74. G. C. Berkouwer,
Studies in Dogmatics: Divine Election (Grand Rapids: Eerdmans,
I960), 8 .
75. Ibid., 87.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
do homem, ele alega que “toda forma de competição torna-se impossi-
vel. Há relações aqui que não possuem analogias humanas” 80. A crítica
mordaz de Sproul da predestinação única pode se aplicar á explicação
de Berkouwer (se ela puder ser cham ada de explicação!), mas a questãoaqui é simplesmente que um dos teólogos reformados mais influentes
do século XX lutou veementemente contra a reprovação divina como
sendo inconcebível, considerando 0 caráter de Deus revelado em Jesus
e através de toda a Bíblia.
Uma das principais razões pela qual Berkouwer rejeita a dupla predes-
tinação ou qualquer forma de determinismo divino é que ela minimiza a
pregação do evangelho. Eu irei prosseguir e voltarei mais tarde com mais
detalhes para esse importante tópico quando for considerar as objeções
do principal discípulo estadunidense de Berkouwer, James Daane, que
escreveu um livro inteiro acerca do conflito entre 0 determinismo divino
e a pregação do evangelho.
Berkouwer leva as passagens bíblicas que apresentam a palavra “todos”
com extrema seriedade e afirma 0 amor de Deus pelo mundo inteiro,sem exceção. Ele rejeita a noção dualista de duas vontades em Deus 81.
Ele diz que os textos universalistas devem ser levados a sério sem que se
afirme 0 “universalismo objetivo” - a visão de que, por fim, não existem
condenados. Na análise final, a abordagem de Berkouwer só é útil em
criticar a dupla predestinação, mas não em oferecer uma alternativa viável,
pois, embora ele leve os textos que apresentam a palavra “todos” muito asério, ele se prende a ideia de predestinação única, que é, por fim, insus-
tentável. Não acredito que seja possível levar os textos que apresentem
a palavra “todos” a sério enquanto se possa abraçar qualquer forma de
eleição incondicional - mesma visão inconsistente de eleição única de
Berkouwer (a menos que alguém opte pelo universalismo).
193
80. Ibid., 2 6.
8 . Ibid., 238 - 39.
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Contra o Calvinismo
Um teólogo reformado que se afasta mais da eleição incondicional
que Berkouwer, mas pelas mesmas razões, é James Daane. Em The
Freedom o f God ele critica severamente todo o sistema de pensamento
do calvinismo rígido da eleição incondicional em termos de escolha de
Deus de indivíduos e, principalmente em termos de números. Ele chama
0 calvinismo rígido de “teologia decretai”, “teologia do decreto único”
e “escolasticismo reformado”, sendo que todos estes nomes significam
0 que chamo de “determinismo divino”. Esta teologia, ele diz, não
pregará, e é por isso que há tão pouca pregação da eleição nas igrejas
reformadas. (Ele escreveu isso bem antes da renascença do calvinismo
do movimento neocalvinista dos jovens, incansáveis e reformados).
Para ele, (como para mim) a eleição incondicional de indivíduos não é,
de fato, boas novas, pois ela necessariamente sugere a reprovação de
indivíduos: “Uma vez que alguém se compromete com 0 decreto da te-
ologia decretai, é teologicamente impossível para ele permitir, justificar
ou explicar a pregação do evangelho para todos os homens” 82.
Daane argumenta que os seguidores de Calvino, cada vez mais, de-finiram a eleição em separado da graça ao incorporar a reprovação em
suas teologias. Para ele: “A Escritura fala de predestinação para á vida,
mas não para a morte” 83. E ele reconhece que a predestinação para
a morte é automaticamente 0 outro lado da eleição incondicional de
indivíduos para a salvação. Daane rejeita toda a abordagem do calvinis-
mo tradicional ao passo que ele inevitavelmente torna Deus 0 autor do
pecado e condenação e que precisa apelar para duas ou três vontades
em Deus, incluindo uma vontade secreta (para condenar alguns apesar
de revelar sua vontade de salvar todos) 84. A abordagem do calvinism o
tradicional também se contradiz ao culpar os humanos por sua depra-
82. Daane, The Freedom of God, 33.
83. Ibid., 37.
84. Ibid., 39.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
vação e condenação quando Deus decretou tudo isso desde 0 início 85.
A análise de Daane do calvinismo rígido penetra bem em seu alicer-
ce básico: a doutrina de Deus. “A fraqueza básica da teologia decretai
parece ser precisamente seu entendimento do relacionamento de Deuscom o mundo” 86. Esta teologia escolástica, ele corretamente argumenta,
faz de Deus e 0 relacionamento de Deus com 0 mundo, não histórico,
onde a Bíblia retrata Deus como entrando na história de maneira livre.
“A possibilidade de levar a história a sério, como real e não meramente
aparente, é executada pela definição escolástica do decreto único” 87. Para
a teologia decretai escolástica, ele diz, nada no mundo pode realmente
afetar a Deus; tudo, incluindo 0 pecado e o mal e a condenação são
determinados por Deus. O resultado, ele diz, é que a “teologia decretai
é uma profunda racionalização de tudo 0 que há” 89.
E mais, nessa teologia, 0 amor de Deus é realmente seu amor para
ele mesmo e Cristo morreu para Deus em vez de pelo mundo 89. O pior
de tudo, de acordo com Daane, esta teologia acaba por privar Deus de
sua liberdade, tudo 0 que é, é o que deve ser - até mesmo para Deus.Para Daane, a teologia reformada precisa recuar e levar a narrativa
bíblica mais a sério que seu escolasticismo. O Deus da Bíblia realmente
decreta algo; ele decreta “entrar na história ao sair de Si, de maneira
criativa, para e adentro tanto da criação quanto da redenção”90 Daane
diz que “ao criar o mundo, Deus condicionou a si mesmo, mas com esta
condição - que ele continuasse sendo Deus” 91. Essa é a liberdade de
85. Ibid.
86. Ibid., 63.
87. Ibid., 86.
88. Ibid.. 8 .
89. Ibid., 67. 92.
90. Ibid.. 49.
9 . Ibid., 63 - 64.
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Contra o Calvinismo
Deus; envolver a si mesmo no mundo, seu tempo e história, seu sofri-
mento e dor, a fim de tomar a responsabilidade para si e, deste modo,
redimir o mundo. O pecado, então, não é preordenado por Deus como
o calvinismo rígido diz. Daane rejeita essa noção: “A teologia decretai é
muito vulnerável em sua inabilidade em manter a gravidade do peca-
do”92. Ele quer dizer que ela faz do pecado, assim com o todas as demais
coisas, uma questão de curso; ele é decretado e preordenado necessaria-
mente por Deus e, portanto, não é algo, de fato, que se oponha a Deus.
Daane parece se mover em direção a uma teologia de Deus como
assumindo riscos, embora não chegue a se posicionar do lado arminia-
no nem do teísmo aberto (a visão de que Deus não conhece 0 futuro
de maneira absoluta). Por que ele caminha para essa direção? Porque
ele leva a história a sério - a história bíblica de redenção que inclui
Deus nela como muito envolvido em vez de pairando sobre ela como
seu autor. Além do mais, ele leva o amor de Deus em Jesus Cristo
muito a sério; ele leva a liberdade de Deus muito a sério não como
sua liberdade de ser afetado pelo mundo, mas sua liberdade para serafetado pelo mundo.
E concernente à eleição? Se Daane é “reformado”, ele deve explicar a
eleição. E ele explica. Daane a chama de eleição incondicional. Mas ela
é a eleição incondicional de Deus de Jesus Cristo e seu povo, Israel e a
igreja. Não é a aceitação incondicional de Deus de algumas pessoas para
a salvação e a correspondente rejeição de outros para a condenação. “A
Bíblia nada fala de uma doutrina de eleição isolada e individualista” 93.
E ela nada tem a ver com 0 determinismo histórico.
Para Daane, a eleição não possui relação com números, transformá-la em
números é inevitavelmente fazer da reprovação uma parte da eleição, o
que torna a eleição impregável. “A eleição no pensamento bíblico jamais
é uma seleção, uma aceitação disto e uma rejeição daquilo dentro de
92. Ibid., 80.
93. Ibid., 4.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
múltiplas realidades”. Antes, “a eleição é uma chamada para o serviço,
uma convocação para ser colaborador com Deus na realização do pro-
pósito e objetivo eletivo de Deus”94. Este propósito e objetivo eletivo de
Deus gira em torno de Jesus Cristo como a missão de Deus no mundopara salvá-lo 95.
E Romanos 9-11 e Efésios 1 ? Dizem que estas duas passagens bíblicas
neotestamentárias são as provas da doutrina calvinista rígida da dupla
predestinação. Daane corretamente diz que Romanos 9- 11 não forma
um comentário bíblico sobre a verdade da eleição individual. Em vez
disso, é um comentário sobre 0 fato da inviolabilidade da eleição de
Deus de Israel como uma nação” 96. Eleição para o quê? Para serviço
de abençoar todas as nações ao apresentar Jesus Cristo - o verdadeiro
sujeito e objeto da graça eletiva de Deus. Efésios 1, que fala muito de
eleição, não trata-se de indivíduos e de seus destinos eternos, mas de
um povo de Deus. O “nós” repetido em todo 0 capítulo, em referência
ao povo de Deus, é plural: o novo povo de Deus, a igreja 97.
A abordagem reform ada revisionista de Daane é muito mais prefe-rível ao determinismo divino do calvinismo e a dupla predestinação,
incluindo a reprovação. E ela vai consideravelmente além de Berkower
na anulação do escolasticismo calvinista. É correto focar na inabilida-
de de pregar essa teologia como boas novas, pois ela inevitavelmente
inclui o pecado, mal, sofrimento inocente e 0 inferno como a vontade
de Deus - tudo 0 que os seus defensores possam dizer. Além disso, sua“conseqüência lógica e necessária” faz de Deus menos do que amável,
menos do que livre e menos do que bom. Ela também faz com que a
história não seja real, pois nada, de fato, acontece; tudo é simplesmente
94. Ibid., 50.
95. Ibid., 09.
96. Ibid., 4.
97. Ibid., 39 - 40.
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Contra o Calvinismo
Wesley continua em seu sermão “Predestinação Calmamente Considera
da” (que talvez devesse ter sido mais bem chamada de “Predestinação Não
Tão Calmamente Considerada!) para argumentar que Deus não é exaltado
pela eleição incondicional, mas, em vez disso, é desonrado, e isso no mais
elevado nível, ao supor que Ele despreza as obras de suas próprias m ãos” 105.
Mas, mais uma vez, para os calvinistas rígidos que dizem que Deus ama os
não eleitos e é bom para com eles, ele, desdenhosamente, indaga:
O que a voz universal da humanidade pronunciaria a respeito do
hom em que age desta man eira? Que, sendo capaz de libertar milhões
de homens da morte com um único sopro de sua boca, se recuse a
salvar mais do que um em um a centena e diga: “ Não salvarei porque
não salvarei!” Como então você exalta a misericórdia de Deus, quan-
do você atribui tal comportamento a ele? Que comentário estranho
é esse ern sua própria palavra diz que “suas misericórdias são sobre
todas as suas ob ras!” 06
Na conclusão de sua longa crítica, Wesley chama a dupla predesti-
nação (que é necessariamente 0 outro lado da moeda da eleição incon-
dicional) de “um erro tão pernicioso para as mentes dos homens” 107.
O que dizer de Romanos 9? Como Wesley lida com a passagem bíblica
crucial (para os calvinistas)? Ele a interpreta do jeito que praticamente
todos os não calvinistas a interpretam:
A passagem é inegavelmente clara, que ambas as escrituras
[versículos 2 e 3] tratam, não das pessoas d e jacó e Esaú, mas de
seus descendentes; os israelitas; descendentes dejacó e os edomitas;
descendentes de Esaú. Somente neste sentido é que o “mais velho”
(Esaú) “ serviu ao mais novo ” ; não em sua pessoa (pois Esaú jam ais
serviu a Jacó ), mas em sua posteridade. A posteridade do irmão mais
velho serviu a posteridade do irmão m ais novo 08.
05. Ibid., 255.
06. Ibid., 235.
07. Ibid., 256.
08. Ibid., 237.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
Em outras palavras, “Jacó” e “Esaú” são símbolos para Israel e Edom,
e para Paulo em Romanos 9 os dois nomes se referem a Israel e aos Gen-
tios, que é tudo 0 que Paulo trata na seção de Romanos! Wesley conclui:
“Então aqui também não temos um exemplo de qualquer homem sendo,em última instância, condenado pela mera vontade soberana de Deus” '09.
Para Wesley, a doutrina da dupla predestinação é “uma doutrina cheia
de blasfêmia”110 “tal que faz [ou deveria fazer] os ouvidos dos cristãos
formigarem” 111. Ela destrói todos os atributos de Deus (amor, justiça,
compaixão etc.) e representa 0 Deus santíssimo como “pior que o diabo,
mais falso, mais cruel e mais injusto” " 2. É por isso que Wesley, por fim,
conclui acerca de Romanos 9 e de passagens semelhantes reivindicadas
por calvinistas como prova de sua doutrina: “Seja lá o que a passagem
provar, ela jamais pode provar isso. Seja lá qual for seu verdadeiro signifi-
cado, isso não pode ser seu verdadeiro significado... Nenhuma passagem
bíblica pode provar que Deus não é amor ou que sua misericórdia não
está sobre toda a sua criação. Ou seja, seja lá 0 que ela provar além disso,
nenhuma passagem bíblica pode provar a predestinação” 1'3.
ALTERNATIVAS À ELEIÇÃO INCONDICIONAL/REPROVAÇÃO
Felizmente, Wesley não deixou 0 assunto apenas nisso; ele ofereceu
uma alternativa à doutrina que ele chamava de “blasfêm ia”. Sua alterna-
tiva é 0 arminianismo clássico, que não é o que a maioria dos calvinistas
pensa. Geralmente a situação é apresentada como uma situação definidaentre ou isso ou aquilo: ou salvação por obras de justiça ou salvação por
eleição incondicional. Assim como todos os verdadeiros arminianos
09. Ibid.
0. Wesley, “Free Grace,” 554.
. Ibid., 555.
2. Ibid.
3. Ibid., 556.
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Contra o Calvinismo
clássicos, Wesley afirmava como o início seu primeiro princípio: “Tudo
o que for bom no homem ou for feito pelo homem, Deus é o autor e
o realizador disso” 1'4. Contrário ao que muitos pensam, Wesley, como
um arminiano clássico, afirmava que a salvação é inteiramente da graça e que não possui nenhuma relação com 0 mérito do homem:
[A salvação] é livre em todos a quem ela é dada. Ela não depen-
de de qualquer poder ou mérito no homem, não depende em nível
nenhum, nem no todo, nem em parte. Ela não depende de modo
nenhum nem das boas obras ou justiça do recebedor; nem de nada
que ele tenha feito ou qualquer coisa que ele seja. Ela não depende
de seus empenhos. Ela não depende de sua boa disposição, bons
desejos ou boas intenções; pois todas estas coisas derivam da graça
livre de Deus " 5.
Todavia, Wesley não acreditava que essa posição de “graça livre”
acerca da salvação exigisse a eleição incondicional. Para ele, a salvação
é dada por Deus à pessoa que livremente responde ao evangelho com
arrependimento e fé, que não são dons de Deus ou “boas obras”, mas
respostas humanas ao dom de Deus da graça preveniente. Ele afirmava 0
pecado original, incluindo a depravação total no sentido de incapacidade
espiritual. Mas ele também afirmava 0 dom universal de Deus da graça
preveniente ou capacitadora que restaura a liberdade da vontade: “O
próprio poder de ‘trabalhar juntamente com Ele’ veio de Deus” " 6. Este
pode trabalhar juntamente com Deus para a salvação (que é inteiramente
obra de Deus) é simplesmente a graça convidativa, iluminadora e capa-citadora que Deus implanta em um coração humano em razão de seu
amor e em razão da obra de Cristo'"7. Mas esta graça é resistível, não
irresistível. Ela é dada em certa medida para todos. A eleição é simples
114. Ibid., 545.
115. Ibid.
6. Wesley, “Predestination Calmly Considered,” 230.
7. Ibid., 232 33 ־.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
mente a presciência de Deus de quem livremente receberá esta graça
para a salvação (Rm. 8.29) " 8. A reprovação é simplesmente a rejeição
do homem desta graça e a presciência de Deus disso.
Wesley pergunta aos calvinistas e aqueles tentados a se juntar a elespelo fato deles parecerem fazer de Deus mais glorioso: “De que maneira
Deus recebe mais glória ao salvar o homem irresistivelmente do que ao
salvá-lo como agente livre, através de uma graça que pode ser coope-
rada ou resistida?” 119 Para Wesley, a salvação do homem como agente
livre faz com que Deus seja mais glorioso, pois tal não exige que Deus
odeie ninguém ou que trate ninguém de maneira injusta. Para Wesley,
a glória de Deus jaz em seu caráter moralmente perfeito mais do que
em sua unicausalidade - algo que ele rejeita como impróprio para Deus,
considerando 0 mal no mundo.
Alguém que trabalhou sobre o problema de Romanos 9 e outras pas-
sagens acerca da eleição sem concluir que elas exijam crença em uma
predestinação incondicional e individual é o erudito bíblico arminiano
William Klein, autor de The New Chosen People. Nesta obra ele realizaum estudo detalhado das línguas originais de passagens bíblicas que
são reivindicadas como dando suporte à predestinação individual para
0 céu ou para 0 inferno e conclui que “os escritores do Novo Testamento
lidam com a eleição salvífica, primeiramente, se não exclusivamente,
em termos cooperativos” '20. Sua conclusão teológica sistemática é que
“Deus escolheu a igreja como um corpo em vez de pessoas em específicoque populam 0 corpo” 121. Klein encontra base para esta visão em toda
a Bíblia, mas, principalmente, menciona 2 João 1 e 13.
8. Ibid., 2 0.
9. Ibid., 23 .
20. William Klein, The New Chosen People (Eugene, OR; Wipf & Stock, 200 ), 257.
2 . Ibid., 259.
203
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Contra o Calvinismo
Ainda mais básico que a eleição corporativa, todavia, de acordo
com Klein, é a eleição de Deus de Jesus Cristo: “Cristo é 0 Escolhido de
Deus, e a igreja é escolhida nele” '22. As duas coisas estão intrínseca-
mente ligadas. Ele faz uso de Romanos 5 onde Paulo fala sobre “Adão”
e “Cristo” como representantes e, em um sentido, como personalidades
corporativas '23. Romanos 9, então, pressupõe esta ideia de uma unida-
de corporativa, que Klein diz que está pressuposta em todos os lugares
no mundo do pensamento bíblico 124. Assim como 0 “primeiro Adão”
representa a humanidade caída em Romanos 5 e na mesma passagem
“Cristo, o novo Adão”, representa a nova humanidade, assim em Ro-
manos 9 “Jacó” representa 0 povo de Deus e “Esaú” não representa 0
povo de Deus. De acordo com Klein, então, como alguém se torna uma
das pessoas eleitas? “Assim como Israel tornou-se o povo escolhido de
Deus quando Deus escolheu Abraão e Abraão respondeu com fé, assim
a igreja encontra sua eleição em unidade com Cristo, ou seja, em sua
igreja e, assim, torna-se um eleito”. “Exercer a fé em Cristo é entrar em
seu corpo e tornar um dos ‘escolhidos’” '26. Aqui será útil, quase necessário, citar 0 Klein extensivamente, pois
várias passagens em seu livro resumem muito bem a principal alternativa
à visão calvinista rígida da eleição e salvação. É uma afirmação breve
da teologia arminiana clássica:
Quando se trata da provisão da salvação e a determinação de seus
benefícios e bênçãos, a linguagem dos escritores neotestam entários é
dominante. Deus decretou, em sua soberana vontade, prover a salva-
ção e então ele estabeleceu Jesus para garantir a salvação através de
sua vida hu mana e ressurreição (Hb. 0.9- 0). Ele planejou estender
22. Ibid., 260.
23. Ibid., 262.
24. Ibid., 260-6 .
25. Ibid., 264.
26. Ibid., 265.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
sua misericórdia ao seu povo e de endurecer e punir os que não ere ·em. Ele predestinou ou predeterminou o que os que creem gozarãopor virtude da posição deles em Cristo. Podemos traçar a salvação etudo o que ela abarca unicamente ao beneplácito da vontade de Deus.
A vontade de Deus não determina especificamente as pessoas que receberão a salvação. A linguagem de “querer” abrange a todos, nãoum número seleto. A vontade de Deus não é restritiva; ele quer quetodos sejam salvos. Todavia, as pessoas só podem obter a salvação nostermos de Deus. Embora Jesus deseje revelar Deus a todos, apenas osque vêm até ele em fé encontram Deus e a salvação que ele oferece.O fato de que alguns falham em encontrar a salvação, tal só podeser atribuída a indisposição deles de acreditar - à preferência deles
por seus próprios caminhos ao caminho de Deus. Se Deus deseja asalvação para todos, ele quer (no sentido mais forte) dar vida aos queacreditam. Estas duas coisas não são incompatíveis. Elas colocam ainiciativa em Deus por prover a salvação e a obrigação das pessoasem recebê-la nos termos de Deus - fé em Cristo. Deus fez mais doque meramente prover a salvação; ele “atrai” as pessoas (Jo. 6.44)de sorte que elas vêm à Cristo. Na verdade, as pessoas vêm à Cristoporque Deus as capacita (Jo. 6.65). Entretanto, estas ações de atraire capacitar não são seletivas (apenas alguns são escolhidos para ela)e nem são irresistíveis. A crucificação de Jesus foi o meio de Deus deatrair todas as pessoas à Cristo (Jo. 12.32). Foi a provisão de Deuspara sua salvação. Todos podem responder a proposta de Deus, maseles devem fazer de maneira que depositem sua confiança em Cristo.Uma vez que Deus atrai a todos pela Cruz e ele deseja que todos searrependam de seus pecados e encontrem a salvação, não é a vontadede Deus que determina precisamente quais pessoas encontrarão asalvação. Embora Deus certamente saiba quem estes serão, e embo
ra ele os escolheu como um corpo em Cristo, as pessoas devem searrepender e acreditar na vontade de Deus para que seja feito” 127.
Alguém pode dizer: “Bem, tudo está bem, exceto - que isso faz de
Deus menos glorioso!” A resposta certa é: “De que maneira?” O crítico
pode dizer: “Ela limita a Deus” A resposta é: “Deus não é soberano so״
bre sua soberania? Deus não pode limitar-se para dar livre-arbítrio para
as pessoas? Se Deus, ao tornar a salvação dependente das decisões das
127. Ibid., 281 82 .
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Contra o Calvinismo
pessoas for totalmente embasado na própria escolha voluntária de Deus,
como isso pode ser menos glorioso? A cruz foi menos gloriosa porque
ela não foi uma demonstração de poder e força ou majestade, mas de
servilidade sofredora? Talvez seja 0 caso que a visão da glória de Deus
do calvinista rígido seja embasada em uma noção humana de glória?”
Um teólogo que coloca a ideia da autolimitação de Deus em uso
para falar acerca da grandeza e bondade de Deus, incluindo a eleição
condicional de pessoas, é Jack Cottrell, autor de muitos livros de teologia
arminiana. Como muitos outros críticos do calvinismo rígido, ele defende
que a eleição incondicional e reprovação levam ao determinismo e, desta
forma, distante do livre-arbítrio e de um Deus de amor e compaixão. ODeus do calvinismo, ele assevera, é um cuja soberania é marcada pela
unicausalidade e incondicionalidade128. À luz do pecado, mal e sofrimento
inocente da história e, principalmente à luz da realidade do inferno, tais
coisas são inconsistentes com a bondade de Deus. Um Deus soberano
unicausal e incondicional seria 0 autor do mal e de tudo isso. A única
forma de evitar isso, Cottrell corretamente argumenta, é acreditar na
autolimitação divina e uma tal além do que os calvinistas geralmente
permitem. De acordo com Cottrell:
Deus limita a si mesmo não apenas por criar um mundo como tal,
mas também e ainda mais longe pelo tipo de mundo que escolheu criar.
Ou seja, ele escolheu fazer um mundo que é relativamente independente
dele... Isso significa que Deus criou os seres humanos como pessoas com
um poder inato de iniciar ações. Quer dizer, 0 homem é livre para agir
sem que seus atos precisem ser predeterminados por Deus e sem coa-
ções simultâneas e eficazes de Deus. Em termos simples, é permitido ao
homem exercer seu poder de livre escolha sem interferência, coerção ou
preordenação. Ao não interferir em suas decisões a menos que propósitos
especiais exijam, Deus respeita tanto a integridade da liberdade que ele
concedeu aos seres humanos quanto à integridade de sua própria escolha
soberana de, em primeiro lugar, criar criaturas livres '29.
28. Jack Cottrell, “The Nature of Divine Sovereignty” em The Grace of God,
The Will of Man, ed. Clark H. Pinnock (Grand Rapids: Zondervan, 989), 06 - 7.
29. Ibid., 08.
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
Claro, Cottrell não é 0 primeiro teólogo a pensar isso. Tal pensamento
pode ser encontrado, por exemplo, no teólogo reformado suíço Emil
Brunner (e Cottrell cita Brunner como fonte). Todavia, Cottrell explica
a ideia de autolimitação divina clara e concisamente e a defende bem
como necessária a fim de entender como Deus é soberano e, entretanto,
não está deterministicamente no controle de tudo, 0 que levaria direto
à dupla predestinação e, deste modo, minimizaria, isso se não destruir,
a bondade de Deus.
Ao criar, em especial, este mundo com sua liberdade hum ana conce-
dida por Deus para se rebelar e pecar, Deus obrigou-se a reagir apenasem certas situações e não em outras. Isso não significa, de maneira
nenhuma, uma diminuição de sua soberania, pois ela é uma expressão
de sua soberania! De acordo com Cottrell, e eu concordo com ele, en-
quanto isso pode não ser ensinado de maneira explícita nas Escrituras,
0 conceito está pressuposto em toda a Bíblia. Por exemplo, na narrati-
va bíblica Deus se entristece, abranda, promete e reage, e todas estassão expressões de condicionalidade, 0 que sugere limitação voluntária.
Deus obviamente concedeu aos seres humanos um grau de liberdade
até mesmo para machucá-lo e frustrar sua vontade (apenas até certo
ponto, claro). Deus permanece onipotente e onisciente e ele é, portanto,
totalmente habilidoso e capaz de responder a quaisquer coisas que as
pessoas livres façam e da maneira mais sábia para preservar seu plano
e realizar os fins que ele decidiu.
Uma área que discordo levemente do Cottrell é que ele declara que
nesta autolimitação Deus retém o “controle soberano”. Ao passo que
rejeita o determinismo, ele diz que “Deus permanece completamente em
controle de tudo”, pois “a menos que Deus esteja em total controle, ele
não é soberano” '30. Isso me parece, a priori, uma afirmação (totalmente
pressuposta) e não, de fato, assegurada por sua própria sugestão de au-tolimtação divina. Um Deus que náo exerce 0 poder determinista não está
130. Ibid., 111.
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Contra o Calvinismo
totalmente em controle. Prefiro dizer que Deus está “no comando, mas
não no controle”. Parece-me que “completamente em controle de tudo”
sugere algo que nem eu ou o Cottrell acreditamos - determinismo divino.
Afinal de contas,0
contexto da afirmação de Cottrell acerca da autoli-mitação divina é a doutrina de eleição (pelo menos na fonte em que cito
aqui). Se alguém disser que Deus está “completamente em controle de
tudo” e isso inclui quem será salvo e quem não será, este ensinamento
não é 0 que Cottrell ou qualquer outro não calvinista acredita. Se vamos
explorar a idéia de autolimitação divina para evitar a dupla predestinação,
devemos também descartar 0 conceito de controle total, caso contrário
estamos tirando com uma mão tudo o que demos com a outra.
Neste momento algum leitor calvinista (ou outro) pode estar se
descabelando e gritando (figurativamente falando): “E esse negócio de
livre-arbítrio? O que é livre-arbítrio? O Edwards já não provou que o
livre-arbítrio sequer existe, exceto no conceito de fazer de acordo com
0 motivo mais forte?”. Cottrell e outros críticos do calvinismo rígido ape-
Iam para 0 livre-arbítrio mesmo até ao ponto de dizer que ele limita aDeus (ou, melhor colocado, Deus permite que 0 livre-arbítrio limite suas
ações). Para Edwards e a maioria dos calvinistas, claro, o livre-arbítrio
não limita a Deus, pois Deus controla até mesmo as decisões e ações
de livre-arbítrio dos seres humanos.
Mas isso leva diretamente ao determinismo divino - algo que muitos
calvinistas negam, mas sem sem proveito nenhum. Afinal de contas,
como Deus pode controlar ou até mesmo governar as decisões e ações
humanas a menos que ele transmita os motivos? Eles são, afinal de
contas, os que controlam as decisões e ações. Isso faz de Deus a fonte
do pecado e do mal, pois estes se originam e jazem dentro dos motivos
(ou 0 que Edwards chamava de disposições).
Quero levantar a questão do livre-arbítrio em sua forma calvinista
(compatibilista) e sua forma não calvinista (não-compatibilista) no capítulo
7 (sobre a graça irresistível). Por agora nos basta dizer que eu admito que 0
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Sim para a eleição; não para a dupla predestinação
livre-arbítrio libertário (a vontade não totalmente governada por motivos e
capaz de agir de maneira contrária ao que age) é, de certa forma, misterioso,
mas eu não penso que ele seja impossível ou ilógico. Muitos filósofos pen-
sam o mesmo. E eu realmente penso que, juntamente com Cottrell, Wesleye outros não calvinistas citados aqui, que sem a liberdade libertária, que
pressupõe soberania divina autolimitadora, todos nós caímos de novo no
determinismo divino com todas as suas conseqüências lógicas e necessárias.
Portanto, qual mistério é melhor? Com qual a pessoa pode viver?
O mistério de como Deus é bom apesar de sua preordenação e deter-
minação do pecado, mal e sofrimento inocente assim como também 0
sofrimento eterno dos réprobos (que são réprobos pelo projeto e controle
de Deus), ou 0 mistério de onde vêm as escolhas livres libertárias? Eu
me preocupo mais em preservar e defender a reputação de Deus como
incondicionalmente bom do que resolver 0 problema do livre-arbítrio.
Quero terminar este capítulo acerca da eleição incondicional (e
sua correlata necessária, a reprovação) ao apelar para certos textos
específicos da Bíblia. Vamos olhar mais uma vez para João 3.16. Todomundo conhece o versículo de cor. Ele diz que Deus ama o “mundo”.
Os calvinistas ou não acreditam que o mundo se refira a todos, sem
exceção, ou eles dizem (assim como o Piper) que Deus ama até mesmo
os não eleitos em certos sentidos. Ambas as explicações de João 3.16
falham em fazer sentido. A melhor exegese crítica de João 3.16 significa
“toda a raça humana” 131. Até mesmo alguns calvinistas não conseguem
concordar com seus companheiros calvinistas que nesta passagem a
palavra “mundo” refere-se apenas aos eleitos. Todos eles reconhecem
muito bem 0 que a interpretação que limita “mundo” a apenas algumas
pessoas de todas as tribos e nações faria com os outros versículos no
evangelho de João que mencionam a palavra “mundo”.
3 . Por exemplo, A. T. Robertson conforme citado por Jerry Vines, “Sermon on John
3: 6,” em Whosoever Will: A Biblical-Theological Critique of Five-Point Calvinism , ed.
David L. Allen and Steve W. Lemke (Nashville, TN: Broadman & Holman, 20 0), 7.
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Contra o Calvinismo
Quanto aos calvinistas que pensam que Deus ama “ 0 mundo todo”,
mas não do mesmo jeito, este amor é muito estranho e dificilmente se
encaixa no contexto de João 3 .16 . “Pois Deus enviou seu Filho ao mundo,
não para condenar 0 mundo, mas que este fosse salvo por meio dele”(3.17). Se “mundo” no versículo 16 significa todas as pessoas, então 0
versículo 1 7 claram ente diz que Jesu s veio para salvar a todos (ou dar
a todos essa possibilidade). Tal entendimento contradiz a interpretação
de Piper e de outros que reivindicam que Deus ama os não eleitos (in-
clusos no “mundo” no versículo 16), pois ele certamente não enviaria
Jesu s para salvar os não eleitos! Ambas as interpretações calvinistas de João 3 .16 acabam por ser impossíveis. O versículo perm anece como
um monumento contra a eleição incondicional e seu necessário lado
sombrio da reprovação.
Concluindo, 0 que dizer de 1 Timóteo 2.4, que diz que Deus quer
que “todos os homens” sejam salvos e onde o grego não pode ser inter-
pretado de nenhuma outra forma a não ser como se referindo a cada
pessoa sem exceção? Afinal de contas, a mesma palavra grega para
“todos” é utilizada em 2 Timóteo 3.16 para dizer que “toda” a Escritura
é inspirada. Se a palavra não significar literalmente “todos” em 1 Ti-
móteo 2.4, então ela também não significa “toda” em 2 Timóteo 3.16
(“toda a Escritura é inspirada”). 1 Timóteo 2.4 (que não está sozinho em
universalizar a vontade de Deus pela salvação, mas está, pelo menos,
aberta à qualquer outra interpretação) permanece lado a lado de João3.16 como um texto prova contra a eleição incondicional, que, exceto
no caso do universalismo, necessariamente inclui a reprovação.
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capítulo 6
Sim para a expiação;
Não para a expiação limitada/
redenção particular
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Contra o Calvinismo
seriam eleitas incondicionalmente por Deus? Porque elas são totalmente
depravadas e não possuem outra esperança além da eleição de Deus
e a morte de Cristo por elas. E como Deus atrairá estas pessoas pelas
quais Cristo morreu para que elas se beneficiem de sua morte por elas? Ao atraí-las irresistivelmente para si. Como pode um eleito e atraído por
Deus, cujos pecados já estão pagos, se perder? É impossível.
Inteligente. Mas isso funciona? A expiação limitada, que a maioria
dos calvinistas prefere chamar de “ redenção particular” , é bíblica? Ela é
consistente com 0 am or de Deus demonstrado em Jesus Cristo e expres-
so no Novo Testamento muitas vezes de muitas formas (ex. João 3.16)?
Calvino acreditava na expiação limitada? Alguma pessoa na história cristã
antes dos seguidores escolásticos de Calvino acreditava nela? Ela é talvez
mais uma dedução feita a partir do T, U, 1 e 0 P do que uma verdadeira
revelação? Os calvinistas rígidos, na verdade, a abraçam por ela ser es-
criturística ou porque a lógica exige a crença nela e eles pensam que a
Escritura permite a expiação limitada? A rejeição da expiação limitada
exige 0 universalismo como uma “conseqüência lógica e necessária”,como 0 orador alegou? Estas e outras perguntas serão consideradas aqui
de maneira detalhada.
Minha conclusão será que a expiação limitada é outro calcanhar de
Aquiles do calvinismo rígido. Ela não pode ser em basada pela Bíblia ou
a Grande Tradição da crença Cristã (fora do calvinismo escolástico após
Calvino). Ela contradiz 0 amor de Deus, fazendo de Deus não apenas
parcial, mas odioso (para com os não eleitos). Sua rejeição não exige
logicamente 0 universalismo, e os que a defendem assim 0 fazem porque
(pensam que) a lógica a exige e que a Escritura a permite, não porque
qualquer passagem bíblica, de maneira clara, a ensina.
Outra conclusão aqui será que o T, o U, ο I e o P da TULIP realmente
exigem 0 L e que os calvinistas que alegam ser “de quatro pontos” e
que rejeitam o L estão sendo inconsistentes. Ironicamente, nesta ques-
tão, eu me posiciono em concordância com todos os calvinistas rígidos
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
da variedade TULIP! Também argumentarei que a crença na expiação
limitada, redenção particular, impossibilita, de maneira sensata, que
a oferta sincera do evangelho de salvação para todos, indiscriminada-
mente. Ironicamente, nesta questão, eu me posiciono em concordância
com os hipercalvinistas!
Por fim, o orador calvinista da minha aula dirigiu seu último argumen-
to calvinista comum a mim e aos alunos que concordam que a expiação
não pode ser limitada. “Talvez vocês não saibam, mas vocês também
limitam a expiação. Na verdade, vocês a limitam mais do que os calvi-
nistas 0 fazem. São vocês, na verdade, arminianos [e ele quis dizer são
todas as pessoas que dizem que Cristo morreu por todos] que acreditam
na expiação limitada”. Isso chamou a atenção dos alunos! Eu já tinha
ouvido esse argumento antes e sabia onde ele queria chegar. “Vocês
limitam a expiação ao roubar dela 0 poder de, de fato, salvar alguém;
para vocês a morte de Cristo na cruz só proporcionou uma oportunidade
para que as pessoas sejam salvas. Nós, calvinistas, acreditamos que a
expiação, na verdade, garantiu a salvação para os eleitos”. Aqui, como antes, objetarei a esta tentativa e utilizarei o feitiço contra
0 feiticeiro. Eu não concordo que os não calvinistas limitam a expiação.
Essa reclamação comumente ouvida simplesmente não se sustenta
mesmo porque até 0 próprio Calvino não acreditava que a expiação
salvasse alguém até que certas condições fossem atendidas - a saber,
arrependimento e fé. Ainda que estes sejam dons de Deus para os elei-
tos, 0 resultado é que a expiação não “salvou” mais pessoas do que os
arminianos (e outros não calvinistas) acreditam.
A DOUTRINA CALVINISTA DA EXPIAÇÃO
Até onde pude ser capaz de averiguar, todos os verdadeiros calvinistas
(em oposição a alguns teólogos reformados revisionistas), abraçam a
então chamada “teoria da substituição penal” da expiação. Claro, eles
não pensam que ela seja “apenas uma teoria”. Com muitos não calvinis-
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Contra o Calvinismo
tas (tal como Wesley), eles a consideram como 0 ensinamento bíblico
acerca da morte salvífica de Cristo na cruz. De acordo com esta doutrina,
a morte de Jesus foi principalmente um sacrifício substitutivo oferecido
à Deus por Jesus (ou seja, para o Pai pelo Filho) como a “propiciação”pelos pecados. “Propiciação” significa apaziguamento [conciliação].
Nesta visão, 0 acontecimento da cruz é visto como o apaziguamento de
Cristo da ira de Deus. Ele sofreu 0 castigo pelos pecados dos que Deus
intencionou salvar de sua merecida condenação ao inferno. Calvino
resume a questão desta maneira:
Esta é nossa absolvição: que a culpa que nos mantinha sujeitosà pena foi transferida para a cabeça do Filho de Deus [Is 53.12].Pois se deve ter em mente, acima de tudo, esta permuta, para quenão tremamos e estejamos ansiosos por toda a vida, como se ainda pendesse sobre nós ajusta vingança de Deus, a qual 0 Filho de Deustransferiu para si 1.
Calvino e a maioria dos calvinistas acreditavam que a morte de
Cristo realizou mais (ex. a “transmutação de natureza das coisas” outransformação de nossa natureza pecam inosa 2 e cumprimento da lei
de Deus em nosso lugar)3, mas a conquista essencial de Cristo na cruz
foi 0 sofrimento de nosso castigo.
Outras teorias da expiação surgiram na história da cristandade e
algumas delas encontram ecos na teologia de Calvino. Por exemplo,
a visão da morte salvífica de Cristo chamada de “Christus Victor” é
popular principalmente a partir das publicações da clássica obra sobre
a expiação, Christus Victor4, escrita pelo teólogo sueco Gustaf Aulén.
. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 2, p. 263.
2. Ibid., p. 269.
3. Ibid., p. 264.
4. Gustaf Aulén, Christus Victor: An Historical Study of the Three Main Types of the Idea of
the Atonement (New York: Macmillan, 969).
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
Calvino assente com esta imagem da morte expiatória de Cristo, que
ela dominou a Satanás e liberou os pecadores da escravidão5, mas seu
foco principal está na satisfação de Cristo da justiça de Deus ao sofrer a
punição merecida pelos pecadores de sorte que Deus pode, de maneira
justa, perdoá-los. Contrário à muitos críticos desta teoria da substituição
penal, ela não se apóia em uma visão de Deus como sanguinário ou
molestador de crianças! Calvino corretamente ressalta 0 amor como 0
motivo de Deus para enviar seu Filho para morrer pelos pecadores 6.
Os calvinistas rígidos desde Calvino, quase sem exceção, defendem
firmemente esta visão da expiação e sua realização em prol de Deus
e os pecadores. Eles não rejeitam outras dimensões da expiação, masesta é central e essencial à toda a soteriologia calvinista. Muitos não
calvinistas concordam. Mas a questão em jogo aqui é se Cristo morreu
desta forma para todas as pessoas ou apenas por alguns - os eleitos.
Nenhum calvinista nega a suficiência da morte de Cristo em termos
de valor para salvar toda a raça humana. O que alguns vieram a negar
é que Cristo, na verdade, sofreu a punição merecida por todas as pes-
soas - algo claramente ensinado pela patrística grega e a maioria dos
teólogos medievais e até mesmo Lutero. O calvinismo rígido clássico
acredita e ensina que Deus apenas planejou a cruz para ser propiciação
para algumas pessoas e não para outras; Cristo não sofreu por todos
(pelo menos não da mesma forma, Piper gostaria de acrescentar), mas
apenas por aqueles a quem Deus escolheu salvar.
Esta é a doutrina da “expiação limitada” ou o que alguns calvinistaspreferem chamar de expiação “definitiva”, “particular” ou “eficaz”.
Boettner expressa bem a doutrina: “Enquanto 0 valor da expiação foi
suficiente para salvar toda a humanidade, ela foi eficaz para salvar apenas
os eleitos” 7. A fim de que ninguém entenda e pense que isso significa
5. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 2, p. 269.
6. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 2, p. 270.
7. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 52.
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Contra o Calvinismo
que Deus planejou a expiação para todos, mas que ela só efetua a sal-
vação dos que a recebem com fé (a visão da maioria dos evangélicos
não calvinistas), Boettner diz que os não eleitos foram excluídos de sua
obra por Deus: “Não foi, portanto, um amor geral e indiscriminado de
que todos os homens são igualmente participantes [que enviou Jesusa cruz], mas um amor particular, misterioso e infinito pelos eleitos que
fez com que Deus enviasse Seu Filho ao mundo para sofrer e morrer”,
e ele morreu apenas por eles 8. Assim como muitos calvinistas, Boettner
alega que “certos benefícios” da cruz se estendem a todas as pessoas
em geral, mas estes benefícios são simplesmente “bênçãos temporais
e não quaisquer coisas salvíficas 9.Os não calvinistas olham para declarações como estas e tremem. Isto se-
ria, de fato, um “amor excêntrico” que exclui algumas das mesmas criaturas
que Deus criou à sua própria imagem e semelhança de qualquer esperança
de salvação. Além do mais, estas “bênçãos temporais”, que alegam que se
originam da cruz e das quais os não eleitos são participantes, dificilmente
valem a pena ser mencionadas. Como enfatizei no capítulo anterior, tais
bênçãos, para os não eleitos, se eqüivalem a receber um pouquinho do céu
para que depois sejam lançados no inferno! Steele e Thomas, autores de
The Five Points of Calvinism, definem e descrevem a expiação limitada, que
eles preferem chamar de redenção particular, desta maneira:
O calvinismo histórico ou principal tem man tido, de maneira
consistente, que a obra redentora de Cristo foi definitiva em plano e
realização - que ela teve por intenção executar plena satisfação para
certos pecadores específicos e que ela verdadeiramente garantiu a
salvação para estes indivíduos e para ninguém mais. A salvação que
Cristo ganhou para Seu povo inclui tudo 0 que está envolvido em
trazê-los ao relacionamento correto com Deus, incluindo os dons da
fé e do arrependimento '0.
8. Ibid., 57.
9. Ibid., 60.
0. Steele and Thomas,The Five Points of Calvinism, 39.
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
Assim como Boettner, estes teólogos asseguram que a expiação de
Cristo não foi limitada em valor, mas apenas em plano [intenção], E eles
alegam que os arminianos (e outros não calvinistas) também limitam a
expiação da maneira mencionada acima ",Steele e Thomas reivindicam embasamento para a expiação limitada em
passagens bíblicas tais como João 10 .11 , 1 4 - 18 e Romanos 5.12 , 17-19 .
Todavia, mesmo uma análise superficial destas passagens revela que elas
não limitam a expiação, mas que apenas dizem que ela visa e foi aplicada
ao povo de Deus. Elas não negam que a expiação não é para os outros.
O que dizer das passagens bíblicas que mencionam as palavras “to-
dos” e “mundo”, tal como 1 João 2.22: “Ele é a propiciação pelos nossos
pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos pecados de
todo o mundo” Steele e Thomas explicam isto desta maneira:
Um motivo para o uso destas expressões era para corrigir a falsa
noção de que a salvação era apenas para os judeus... Estas expressões
têm por intenção mostrar que Cristo morreu por todos os homens sem
distinção (a saber, Ele morreu por judeus e, de mesmo modo, pelos
gentios), mas elas não intencionam indicam que Cristo morreu por
todos os homens sem exceção (a saber, E le não morreu pelo propósito
de salvar a cada e todo último pecador) '2.
Uma pergunta crucial que surge em resposta a estas alegações é a
distinção entre 0 valor da morte expiatória de Cristo e seu plano e pro-
pósito. Aparentemente, Boetnner, Steele e Thomas (e outros calvinistas
que citarei) acreditam que a morte de Cristo na cruz foi um sacrifício
suficiente pelos pecados de todo 0 mundo. O que, então, eles querem
dizer ao dizer que Cristo não morreu por todas as pessoas? Se ela foi um
sacrifício suficiente pelos pecados de todo 0 mundo, incluindo todas as
pessoas, e teve valor 0 bastante para todos, como é que não é contradi-
tório então dizer que Cristo náo morreu por todos?
11. íbid.
12. Ibid., 46.
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
tanto amou o mundo que deu seu Filho Unigênito, para que todo 0 que
nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou seu
Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse
salvo por meio dele”. De acordo com Palmer, “nesta passagem a palavra
‘mundo’ não significa todas as pessoas... mas... pessoas de todas as
tribos e nações” '4. Acerca das passagens que dizem que Cristo morreu
por “todos”, ele diz: “Todos não são todos” '5.
Palmer chama 0 fato de Cristo ter morrido apenas pelos eleitos, mas
que, todavia, “Deus, de maneira sincera e livre, oferece a salvação a
todos” de um “mistério fundamental” '6. Como mostrarei, entretanto,
os críticos da visão calvinista defendem que isto não é um mistério,mas uma contradição - uma distinção que R. C. Sproul descreve (e ele
rejeita contradições na teologia). Como que um calvinista, pregador do
evangelho, isso sem mencionar Deus, pode dizer a uma congregação
ou a outro ajuntamento de pessoas: “Deus te ama e Jesus morreu por
você para que você possa ser salvo, isso se você se arrepender e crer no
Senhor Jesus Cristo”, sem acrescentar a advertência, “se você for um
dos eleitos de Deus”? O pregador calvinista não pode fazer isso com a
consciência limpa.
Sproul, um calvinista particularmente convicto na expiação limitada,
chama esta doutrina de “expiação intencional de Cristo” '7. Isto é, claro, um
pouco insincero na medida em que o termo visa expressar o que é nítido na
visão calvinista, pois, claro, todos os cristãos acreditam que a expiação de
Cristo foi “intencional”. Logo de cara, no início de sua exposição desta dou-trina, Sproul interpreta de maneira errônea e até mesmo faz caricaturas das
visões não calvinistas. A fim de embasar sua crença na expiação limitada,
14. Ibid., 45.
5. Ibid., 53.
6. Ibid., 5 .
7. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 39.
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Sim para a expiação; não para a expiaçao limitada/redenção particular
verdadeiramente sofrido o castigo por todos? Não há, de fato, diferença
alguma; o primeiro ponto inclui 0 último!
Sproul lida com a passagem bíblica clássica da expiação universal
(2 Pe. 3.9), mas ignora passagens universais igualmente importantes,
1 Timóteo 2.5-6 e 1 João 2.2. De acordo com ele e muitos outros que
aderem à expiação limitada, 2 Pedro 3.9 deveria ser interpretado como
fazendo referência a “vontade de disposição”, que é diferente de sua
“vontade decretiva” 20. Em outras palavras, este versículo não expressa
0 que Deus decreta ser o caso, mas o que Deus deseja que fosse 0 caso.
Enquanto tal pode ser uma interpretação possível de 2 Pedro 3.9 (em-
bora eu duvide que seja essa a interpretação), não se pode interpretar
1 Timóteo 2.5-6 desta maneira nem muitas outras passagens universais
onde se diz que Cristo dá sua vida para “todos” ou 0 “mundo” ou “todo o
mundo”. Sproul também sugere que em 2 Pedro 3.9 a palavra “ninguém”
se refere aos eleitos de Deus 21. Mais uma vez, por mais forçada quanto
esta interpretação seja, ela pode ser concebivelm ente possível. Todavia,
ela não é possível como uma interpretação para as outras passagens queincluem a palavra “todos”, incluindo 1 Timóteo 2.5-6.
O estadista evangelico Vernon Grounds (1914 - 2010), que presidiu
por muito tempo 0 Denver Seminary e autor de muitos livros teológicos,
menciona as seguintes passagens universais acerca da expiação de Cris-
to: João 1.29; Romanos 5.1 7 - 21; 11.32, 1 Timóteo 2.6; Hebreus 2.9 e
João 2.2 (além de, claro, 2 Pe. 3.9). Então ele diz da visão adotada por
Sproul e outros calvinistas de 5 pontos: “É necessária uma ingenuidade
exegética, que é algo senão uma virtuosidade aprendida para esvaziar
estes textos de seus significados óbvios: é preciso uma ingenuidade bei-
rando ao sofism a para negar a explícita universalidade destes textos” 22.
20. Ibid., 43- 44.
2 . Ibid., 45- 46.
22. Vernon C. Grounds, “God’s Universal Salvific Grace,” in Grace Unlimited, ed. Clark
H. Pinnock (Minneapolis: Bethany, 975), 27.
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Contra 0 Calvinismo
Esta observação é, talvez, o motivo pelo qual John Piper tem enfatizado
tanto a ideia de que Cristo morreu por todos, mas não da mesma ma-
neira. Duvido que tal explicação satisfaça a Grounds ou a qualquer outro
crítico da expiação limitada. Ela apenas suscita mais questões acerca doamor, sinceridade e bondade de Deus, assim como também em relação
ao valor das “bênçãos temporais” proporcionadas pela expiação para os
não eleitos quando melhor seria que eles não tivessem nascidos.
John Piper defende arduam ente a expiação limitada enquanto que ao
mesmo tempo argumenta que também há certa universidade na expia-
ção. Esta é a forma dele, ao que parece, de resolver o dilema proposto
pelas passagens que apresentam a palavra “todos” diante da crença na
redenção particular e de resolver 0 problema de como a pessoa que
acredita na expiação limitada pode pregar para seu público que Cristo
morreu por todos. A doutrina de Piper do propósito da expiação é inte-
ressante porque ela vai além da teoria da substituição penal comum e
adentra em algo como a teoria governamental. Pensa-se, geralmente, que
a teoria governamental da expiação seja uma doutrina típica arminiana,embora nem Armínio e nem Wesley a tenham ensinado.
De acordo com a visão da teoria governamental, Cristo não sofreu a
punição exata merecida por cada ser humano, mas uma punição equi-
valente a isso. Tal visão foi formulada pelo pensador arminiano Hugo
Grócio (1583 - 1645) para resolver 0 problema de como a expiação po-
deria ser universal e, entretanto, nem todos serem salvos. (Como muitos
arminianos, penso que há uma resposta mais fácil para este problema
do que desenvolver uma teoria nova de como a morte de Cristo satisfez
a ira de Deus). De acordo com Grócio e outros que defendem esta visão,
0 propósito principal da expiação era sustentar o governo moral de Deus
do universo diante de duas realidades: (1) nossa pecaminosidade, e (2)
0 perdão de Deus de nossa pecaminosidade. Como Deus pode ser reto,
governador moral do universo e fingir não ver o pecado ao perdoar os
pecadores? Ele não pode ser. Então Deus resolve este dilema interior ao
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
enviar Cristo para sofrer uma punição exatamente como a que os peca-
dores merecem - mas não a punição deles (que Grócio acreditava que
seria injusto e resultaria em todos eles sendo salvos). Tal visão defende
a retidão de Deus quando ele perdoa os pecadores.Piper não rejeita a visão da substituição penal em favor da teoria do
governo moral, mas ele realmente enfatiza 0 intuito do governo moral.
Ele indaga: “Por que Deus feriu [a saber, matou] seu Filho e lhe trouxe
aflição?” e então responde: “para salvar pecadores e, ao mesmo tempo,
magnificar 0 valor de sua glória”23. Ao colocar “nossos pecados sobre
Jesus e o abandoná-lo à vergonha e ao massacre da cruz” , “Deus desviou
sua própria ira” 24. Piper também deixa claro que a cruz é principalmente
uma vindicação da Retidão de Deus para perdoar os pecadores. Muitos
dos arminianos e outros evangélicos não calvinistas, se não a maioria,
podem dar um forte amém a isso. Os únicos problemas são (1) quando
Piper prossegue e diz, como ele ocasionalmente faz em seus sermões,
que Jesus morreu “para Deus” e (2) que o benefício salvífico de sua
morte foi intencionado apenas para os eleitos. Romanos 5.8 clara einequivocamente afirma que Cristo morreu “pelos pecadores” e muitos
versículos já citados, incluindo e especialmente 1 João 2.2 , dizem que
sua morte foi um sacrifício propiciatório pelos pecados de todo 0 mundo.
Piper prega que Cristo morreu tal morte apenas para alguns - os elei-
tos. Para eles e apenas eles a morte garantiu a justificação por Deus. Ela
não apenas a tornou possível; ela, na verdade, a realizou. É por isso, ele
argumenta, se Cristo morreu por todos, todos seriam justificados e não
haveria inferno. Então como ele explica versículos tal como 1 João 2.2?
“A expressão ‘todo 0 mundo’ refere-se aos filhos de Deus espalhados
ao redor de todo 0 m undo” 25. Mas ele também reivindica que “nós não
23. Piper, The Pleasures of God, 65.
24. Ibid., 65, 67.
25. Piper, “For Whom Did Christ Die?"
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
utiliza a maioria de seus argumentos, juntamente com outros, em um
artigo chamado “Was Calvin a ‘Calvinist’? John Calvin on the Extent of
the Atonement.” (Calvino foi um Calvinista? João Calvino acerca da Ex-
tensão da Expiação). Seguindo Kendall, Kennedy admite que Calvino,em lugar nenhum, explicitamente aborda a questão; ele aparentemente
sequer pensou nela como uma questão ou ele teria ousadamente se
posicionado de um lado ou de outro (algo que Calvino era famoso por
fazer!). Mas ninguém consegue encontrar nos escritos de Calvino uma
afirmação tal como “Cristo padeceu a punição por cada pessoa”, um
fato de que os calvinistas que defendem que ele acreditava na redenção
particular usam em seu benefício.
Todavia, conforme Kennedy entusiasticamente ressalta, Calvino real·
mente diz coisas que ninguém que acreditara na expiação limitada diria:
Por exemplo, se Calvino realmente professasse a expiação limi-tada, alguém não poderia esperar encontrá-lo universalizando, demaneira intencional, passagens escriturísticas que teólogos da tra-dição reformada posterior alegam que estão, a partir de uma leitura
simples do texto, claramente ensinando que Cristo morreu apenaspelos eleitos. Além do mais, se Calvino verdadeiramente acreditavaque Cristo morreu apenas pelos eleitos, então alguém não esperariaencontrar Calvino alegando que descrentes que rejeitam o evangelhoestão rejeitando uma provisão real que Cristo fez para eles na cruz.Nem alguém esperaria que Calvino, caso ele fosse um proponenteda expiação limitada, falhar em refutar fortes alegações de que Cris-to morreu por toda a humanidade quando ele estava engajado em
argumentos polêmicos com católicos romanos e outros. Todavia, a verdade é que, Calvino faz isso tudo e mais 30.
Mas Kennedy não precisa inferir a crença de Calvino na expiação
universal a partir do que ele não diz; ele apresenta muitas citações de
Calvino, principalmente de seus comentários, que são afirmações univer
30. Kevin Kennedy, “Was Calvin a ‘Calvinist’? John Calvin on the extent of the atonement,”
em Whosoever Will: A Biblical-Theological Critique of Five-Point Calvinism , ed. David L.
Allen and Steven W. Lemke (Nashville, TN: Broadman & Holman, 20 0), 95.
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Sim para a expiação; não para a expiaçao limitada/redenção particular
sagens que lidam com a extensão da expiação, dificilmente deveria
ser levada a contradizer as demais.
É realmente importante 0 fato de Calvino acreditar na expiação uni-
versai ou expiação limitada? Não. Ninguém duvida que Calvino fossefortemente a favor dos outros quatro pontos da TULIP. Se ele tivesse
vivido mais ele teria chegado ao “L” ? Talvez. Certamente alguns de seus
sucessores imediatos chegaram. Todavia, o fato de que Calvino aparem
temente não viu a expiação limitada ensinada de maneira explícita na
Escritura minimiza as reivindicações dos calvinistas rígidos que dizem
que ela é claramente ensinada na Bíblia.
Mais importante do que se Calvino acreditava na expiação limitada
é se Paulo acreditava. Há um versículo nas cartas de Paulo que clara e
inequivocamente contradiz a doutrina da redenção particular. Eu acredito
que há. Em todas as minhas leituras de literaturas calvinistas e antical-
vinistas eu não me deparei com nenhuma menção de 1 Coríntios 8. 11 ,
ainda que este único versículo pareça contradizer a expiação limitada.
Nesta passagem Paulo escreve ao cristão que insiste em ostentar sualiberdade para comer carne em um templo pagão, mesmo em vista dos
cristãos que possuem uma consciência mais fraca e que podem, deste
modo, “tropeçar”: “Assim, esse irmão fraco, por quem Cristo morreu, é
destruído por causa do conhecimento que você tem”. Claramente, Paulo
está dando uma advertência aterrorizante aos que possuem uma “fé for-
te” para que evitem ofender as consciências de seus irmãos mais fracos.
Sua advertência é que ao exercer a liberdade cristã do legalismo muito
publicamente, um “cristão forte” pode, na verdade, fazer com que uma
pessoa amada por Deus, por quem Cristo morreu, seja “destruída” 36.
36. Alguns leitores podem se perguntar acerca da relevância desta passagem com o
que às vezes é chamada de “segurança eterna” - a perseverança incondicional dos
santos. Me parece ser possível interpretá-la das duas formas - como se referindo a
alguém que já é um cristão e pode perder sua salvação em razão da ofensa do irmão
mais forte, ou como fazendo referência à pessoa que ainda não é cristã (mas por quem
Cristo morreu) que pode ser afastada pela ofensa.
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Contra o Calvinismo
Agora, se a expiação limitada for verdadeira, a advertência de Paulo é uma
ameaça vazia, pois ela não pode acontecer. Uma pessoa por quem Cristo
morreu não pode ser destruída. Cristo morreu apenas pelos eleitos, e os elei-
tos são atraídos irresistivelmente a Deus (0 assunto do próximo capítulo) eserão preservados por Deus (0 “P” na TULIP) independente do que acontecer.
Os crentes na expiação limitada levantam duas objeções. Primeiro, 0
que “destruído” significa; a palavra não pode significar apenas “danifica-
do” ou “ferido”? A palavra grega traduzida por “destruído” é apollytai, que
significa “destruir, perecer, morrer”. É improvável, isso se não impossível,
que a palavra pudesse significar qualquer outra coisa, principalmente neste
contexto. Segundo, eu ouvi calvinistas insistirem que ela apenas significa
“danificar” ou “ferir”. Mas por que a advertência de Paulo seria tão terrível
neste caso? “Por quem Cristo morreu” - soa como se Paulo estivesse dizendo
que esta ofensa é assunto sério. A conjunção de “por quem Cristo morreu”
com “danificar” simplesmente não carrega muito peso.
O sentido óbvio do texto é que Paulo está advertindo os cristãos
de consciência mais forte a tomarem cuidado para que não causema completa destruição e ruína, em termos espirituais, do cristão mais
fraco ou, pelo menos, de alguém por quem Cristo morreu. Se esse for 0
caso, eu estou firmemente convencido de que nenhuma outra exegese
é possível, este versículo destrói a doutrina da expiação limitada ao
demonstrar que Paulo não acreditava nela.
Antes de continuar com outras objeções à expiação limitada, quero
eliminar 0 argumento de que a expiação universal necessariamente im-
plica em universalismo. Ela não leva ao universalismo. Primeiro, mesmo
Calvino sabia que há uma diferença entre a morte expiatória de Cristo
no lugar de alguém e os benefícios desta expiação sendo aplicados na
vida da pessoa para o perdão. Perdão, para Calvino, é claramente con-
dicional; 0 perdão exige fé e arrependimento 37. Ou seja, a pessoa eleita
37. CALVINO, João. As Institutes: edição clássica, vol. 3, pp. 89-92.
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
não é salva no momento que Cristo morreu por ela; aquela salvação
pessoal é uma obra do Espírito Santo por meio da Palavra quando Deus
concede os dons de fé e arrependimento para 0 perdão. Até mesmo a
regeneração acontece simultaneamente com 0 arrependimento e não,naturalmente, quando Cristo morreu pela pessoa eleita 38. Praticamente
todo calvinista que conheço acredita que a “salvação” é a experiência
de uma pessoa apenas quando os benefícios da morte de Cristo são
aplicados na vida dela; as pessoas ainda não estão salvas no momento
em que Cristo morreu por elas.
Assim sendo, o argumento de que a expiação universal necessaria-
mente implica em salvação universal falha em levar em conta a lacuna,
por assim dizer, entre a morte de Cristo por alguém e a aplicação de
seus benefícios à vida da pessoa. Todos por quem Cristo morreu já não
estavam salvos quando ele morreu. Até mesmo no calvinismo de cinco
pontos, a morte de Cristo não “realiza” a salvação das pessoas, mas a
“garante” , conform e Piper e outros dizem. Mas até mesmo Piper e outros
proponentes da expiação limitada concordam que as pessoas por quem
Cristo morreu, no sentido de padecer o castigo dessas,pessoas, devem
ter fé para que sejam salvas pela morte de Cristo.
Acredito, assim como todos os arm inianos e outros protestantes
não calvinistas acreditam, que Cristo morreu por cada pessoa humana
de maneira a garantir a salvação destes sem exigir ou torná-la certa. A
apropriação subjetiva da salvação destas pessoas é uma condição da
dita salvação segura sendo posse de alguém. Isso significa que parte
do sangue de Cristo foi desperdiçado? Talvez. E é isso que faz da morte
espiritual e o inferno tão trágicos - eles são absolutamente desnecessá-
rios. Mas Deus, em seu amor, preferiu gastar parte do sangue de Cristo,
por assim dizer, a ser egoísta com o sangue.
Uma analogia ilustrará 0 que quero dizer. Apenas um dia após a posse
do presidente Jim my Carter, ele deu prosseguimento a sua promessa de
38. Ibid., pp. 77-8.
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Contra o Calvinismo
campanha e concedeu perdão total a todos os que resistiram ao recru-
tamento durante a Guerra do Vietnã ao fugir dos EUA para 0 Canadá e
outros países. O momento em que ele assinou aquela ordem executiva,
cada exilado estava livre para retornar aos EUA com a garantia legal deque ele não seria processado. “Todos estão perdoados, voltem para casa”
foi a mensagem para cada um deles.
Tal ação custou muito ao presidente Carter; alguns acreditam que
a lei foi tão controversa; principalmente entre os veteranos, que ela
contribuiu para a sua perda para Ronald Reagan na eleição seguinte.
Ainda que houvesse uma anistia e perdão total, todavia, muitos exilados
escolheram permanecer no Canadá ou outros países para os quais elesfugiram. Alguns morrereram sem sequer fazer uso da oportunidade de
estar em casa com os familiares e amigos novamente. O custoso perdão
não lhes fez bem algum, pois ele precisava ser subjetivamente apropriado
a fim de ser usufruído objetivamente. Colocando de outra forma, embora
0 perdão era objetivamente deles, para que pudessem se beneficiar dele,
eles precisavam tê-lo aceitado subjetivamente. Muitos não o fizeram.
A reivindicação que a expiação objetiva necessariamente inclui ou
exige a salvação subjetiva e pessoal é falha. O argumento, feito com
muita frequência ao menos desde a obra The Death o f Death in the Death
o f Christ [Por quem Cristo Morreu: A Morte da Morte na Morte de Cristo]39,
escrita por John Owen, que diz que Cristo ou morreu por todos e, por-
tanto, todos são salvos ou que ele morreu por alguns e, portanto, alguns
são salvos, é logicamente absurdo. Este argumento simplesmente ignora
a real possibilidade que Cristo sofreu a punição por muitas pessoas que
jamais usufruem desta liberação da punição. Por que Cristo sofreria a
punição por pessoas que jamais gozam de seus benefícios? Por causa
do amor de Deus por todos.
39. Muitas edições deste livro escrito por John Owen ( 6 6 - 683) estão disponíveis,
tais como: The Death of Death in the Death of Christ, ed. J. I. Packer (London: Banner of
Truth Trust, 963).
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
Ainda há outra questão do argumento de Owen (e da maioria dos
calvinistas rígidos) que o mesmo pecado não pode ser punido duas ve-
zes. Mais uma vez, isso é simplesmente falso. Imagine uma pessoa que
é multada por uma corte em mil reais por um mau comportamento e
alguém entra e paga a multa. E se a pessoa multada se recusar a aceitar
aquele pagamento e insistir que ela mesma pague a multa? A corte irá
automaticamente restituir os primeiros mil reais? Provavelmente não. É
o risco que a primeira pessoa corre em pagar a multa de seu amigo (a)
por ele (a). Em uma situação como essa, a mesma punição poderia ser
paga duas vezes. Não é que Deus cobre a mesma punição duas vezes;
é 0 pecador que, à revelia, recusou a oferta livre de salvação, sujeitando
a si mesmo à punição que já foi sofrida por ele. E, conforme observado
acima é isso que torna 0 inferno tão terrivelmente trágico.
Então, há uma diferença entre a provisão de perdão de pecados e
a aplicação de perdão de pecados. Calvino sabia disso. Suspeito que a
maioria dos calvinistas sabe disso, mas tal conhecimento assume uma
posição secundária em relação ao desejo de exercer 0 argumento de quea expiação universal exigiria salvação universal. O teólogo arminiano Ro-
bert Picirilli (η. 1932) está certo quando, em relação à 1 Timóteo 4.10, ele
diz: “Que ele [Jesus] é 0 salvador de todos os homens, fala de provisão;
que Ele é 0 salvador especialmente dos que creem, fala de aplicação” 40.
Muitos calvinistas argumentaram que a crença na expiação universal
leva ao universalismo. Eles apontam para certos arminianos dos sécu-
los XVIII e XIX que formaram a base do movimento Universalista (que
posteriormente se uniram a Igreja Unitária). Todavia, minha visão é a
de que o calvinismo, com sua doutrina da expiação como garantindo a
salvação em uma forma necessária de sorte que todos por quem Cris-
to morreu devam ser salvos, é que leva ao universalismo. O motivo é
que para alguém que leva muito a sério 0 claro testemunho bíblico do
amor universal de Deus por todas as pessoas e acredita que a expiação
40. Picirilli, Grace, Faith, Free Will, 36.
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Contra 0 Calvinismo
necessariamente garante a salvação, o universalismo está apenas a um
passo. A única forma de se afastar do universalismo é negando 0 amor
de Deus em seu sentido mais pleno e verdadeiro ou negando que a
expiação necessariamente garante a salvação para a pessoa expiada.
Um estudo de caso nesta trajetória do calvinismo ao universalismo
é Karl Barth, que, estou convencido, realmente veio a acreditar na dou-
trina do apokatastasis — que todos são ou serão salvos. Ele fez isso sem
sacrificar 0 T, 0 U, ο I e o P da TULIP. Mas ele reteve a noção errônea
calvinista de que a substituição penal necessariamente garante a salva-
ção subjetiva pessoal41. Uma vez que ele passou a acreditar que Cristo
morreu por todos sem exceção, pois Deus é “o que ama em liberdade”,
0 universalismo foi o que, logicamente, veio depois.
Me parece, e para muitos outros não calvinistas, que qualquer pes-
soa que tenha uma profunda compreensão do testemunho bíblico de
Deus como revelado especificamente em Jesus Cristo, mas também em
versículos tais como João 3 . 1 6 e 1 João 4.8 terão que desistir da reden-
ção particular e, a fim de evitar 0 universalismo, de qualquer relaçãonecessária entre redenção realizada e redenção aplicada. Calvinistas de
quatro pontos, que tentam negar 0 “L”, mas que aderem ao restante da
TULIP, têm de explicar por que Cristo sofreria a punição pelos réprobos
- pecadores que Deus, de maneira intencional, recusa a possibilidade
de salvação.
A maioria dos calvinistas rígidos, incluindo Boettner, Steele e Thomas,
Sproul e Piper, acreditam apaixonadamente no evangelismo universal;
eles rejeitam 0 hipercalvinismo, que diz que uma oferta sincera de sal-
vação não pode ser feita a todos nem por Deus e nem pelos pregadores.
Como já sugeri, todavia, há tensão e até conflito entre expiação parti-
4 . Para uma análise detalhada e completa da mudança de Barth do calvinismo de
cinco pontos para 0 universalismo, ver G. C. Berkouwer, The Triumph of Grace in the
Theology of Karl Barth (Grand Rapids: Eerdmans, 956). Embora Berkouwer não acuse
Barth de universalismo evidente, ele realmente indica que a salvação universal está
implícita na doutrina de eleição de Barth. Concordo com esta avaliação.
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
cular e evangelismo indiscriminado. Entre outros críticos da expiação
limitada, Gary Schultz argumentou de maneira convincente que não há
sinceridade em uma pregação indiscriminada do evangelho e convite
ao arrependimento, crença e salvação, se a expiação limitada for ver-dadeira. “O x da questão”, ele corretamente enfatiza:
e como o evangelho pode ser genuinamente oferecido aos nãoeleitos se Deus não fez nenhum pagamento pelos seus pecados... SeCristo não pagou pelos pecados dos não eleitos, então é impossíveloferecer genuinamente a salvação aos não eleitos, uma vez que nãohá salvação disponível para que lhes sejam oferecidos. Em um sen-tido, quando o evangelho é oferecido, os não eleitos receberiam a
oferta de algo que nunca existiu para que eles para que, para iníciode conversa, pudessem receber 42.
Então Schultz deixa a questão extremamente clara e fácil de se en-
tender: “Se a expiação foi apenas para os eleitos, pregar esta mensagem
aos não eleitos seria, no seu melhor, dar a eles uma falsa esperança e,
no seu pior, falso” 43.
Alguns calvinistas podem responder que um pregador jam ais sabe,
de maneira exata, quem dentre os seus ouvintes, são os eleitos e quem
são os não eleitos, portanto, ele ou ela devem oferecer a salvação a to-
dos enquanto que pensando consigo mesmo que apenas os eleitos irão
responder. Mas duas coisas impedem esta objeção. Primeira, a maioria
dos calvinistas não hipercalvinistas, isso se não todos, acredita que não
apenas 0 próprio Deus oferece salvação a todos como uma “oferta sin-cera” (conforme mencionado anteriormente como uma declaração da
Igreja Cristã Reformada contra 0 hipercalvinismo). Certamente Deus sabe
quem são os eleitos e os não eleitos. Por que Deus, tendo esse conhe-
cimento, ofereceria a salvação aos que ele não tem intenção de salvar
42. Gary L. Schultz, Jr., “Why a Genuine Universal Gospel Call Requires an Atonement
That Paid for the Sins of All People,” Evangelical Quarterly 82:2 (20 0): 22.
43. Ibid., 5.
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
certos pontos do calvinismo, mas não a expiação limitada (por mais
inconsistente que isso possa ser).
A maioria esm agadora dos cristãos através dos séculos, incluindo
todos os pais da igreja dos primeiros quatro séculos (a saber, antes de
Agostinho) acreditava na expiação universal. Atanásio, 0 grande pai da
igreja, altamente estimado por todos os cristãos, incluindo os ortodoxos
orientais, católicos romanos e protestantes, insistia de maneira determl·
nada que Cristo, por sua morte, trouxe salvação a todos sem exceção:
A Palavra percebeu que a corrupção não poderia ser removidasenão através da morte; todavia Ele mesmo, como a Palavra, sendo
imortal e o Filho do Pai, era tal que não podia morrer. Por esta razão,portanto, Ele assumiu um corpo capaz de morte, a fim de que estecorpo, através do pertencimento à Palavra que é acima de todos, possase tornar na morte, uma troca suficiente para todos, e, ele mesmopermanecendo incorruptível através de Sua habitação, pudesse, de-pois disso, por um fim á corrupção para todos os outros também, pelagraça da ressurreição. Foi entregue à morte do corpo que ele haviaassumido, como uma oferta e sacrifício livre de qualquer mácula,que Ele em seguida aboliu a morte para seus irmãos humanos pela
oferta do equivalente. Pois, naturalmente, uma vez que a Palavra deDeus está acima de todos, quando Ele ofereceu Seu próprio templo e instrumento corpóreo como um substituto para a vida de todos, Elecumpriu em morte todo o que era exigido. Também fica claro que,através desta união do Filho de Deus imortal com nossa naturezahumana, todos os homens foram revestidos com incorrupção napromessa de ressurreição. Pois a solidariedade da humanidade é talque, por virtude da habitação do Verbo [Palavra] em um único corpo
humano, a corrupção que acompanha a morte perdeu seu poder sobretodos. Sabemos como isso se dá quando um grande rei entra em umagrande cidade e se hospeda em uma das casas daquela cidade; emrazão de sua presença em uma única casa, toda a cidade é honradae os inimigos e salteadores deixam de molestá-la. O mesmo sucedecom 0 Rei de todos; Ele veio ao nosso mundo e habitou em um corpono meio de muitos, e, como conseqüência, os desígnios do inimigocontra a humanidade foram frustrados e a corrupção da morte, que
anteriormente detinha poder sobre a humanidade, simplesmentedeixou de existir. Pois a raça humana teria perecido completamente
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Sim para a expiação; não para a expiação limitada/redenção particular
mais altas e mais insistentes ganharam a batalha apesar de não estarem
em posse da verdade. Até hoje muitos reformados e muitos calvinistas
não suportam este ponto do sistema TULIP, o extraem e 0 rejeitam,
ainda que isso os coloque em conflito com 0 restante do que acreditame também com seus companheiros cristãos reformados e calvinistas.
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capítulo 7
Sim para a graça;
Não para a graça irresistível/
monergismo
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AINDA QUE EU TENHA LHE PROVADO que minha teologia, armi-
nianismo clássico, não diz que as pessoas salvam a si mesmas através
de suas boas obras ou que contribuam com qualquer coisa meritória
para sua salvação, meu interlocutor calvinista não estava convencido.
“Sua teologia”, ele acusou, “ainda é semipelagiana, se não plenamentepelagiana”.
Ligeiramente ofendido pelo fato de considerar 0 pelagianismo e o
semipelagianismo como heresias, eu lhe pedi para que explicasse mais
plenamente. Pensei que ele tivesse a consciência que os arminianos
não acreditam em obras de retidão e que realmente acreditam que a
salvação é inteiramente da graça e que não possui nenhuma relação
com obras meritórias. Mas sua resposta foi a seguinte: “Pelo fato de
vocês colocarem o fator decisivo na salvação em sua própria decisão
de livre-arbítrio”.
Na época, anos atrás, eu jamais havia ouvido essa acusação, mas eu
tinha certeza de que nenhum arminiano diz isso. Quando pressiona-
do, meu amigo calvinista disse: “Sabe, se a salvação não for uma obra
inteiramente de Deus e não tiver relação alguma com 0 que fizermos,ela não é inteiramente da graça e não é um dom”. Ao tornar a salvação
dependente da livre aceitação da pessoa da graça de Deus, você trans-
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
pretam “atrair” como “compelir”, mas sem a conotação de força externa
contra a vontade da pessoa. Em outras palavras, Deus verga a vontade da
pessoa eleita de maneira que ela quer vir a Jesus com arrependimento e fé.
Quanto à lógica, o argumento é que pelo fato de as pessoas serem to-talmente depravadas e mortas em pecados e delitos, a menos que Deus
elege a pessoa, essa pessoa jamais responderá à chamada interna do
Espírito Santo. Assim, o Espírito Santo precisa mudar a pessoa inter-
namente de uma maneira eficaz, que é a regeneração. Então a pessoa
nascida de novo deseja vir a Cristo, e, neste caso, a pessoa recebe
arrependimento e fé (conversão) e justificação (perdão e imputação da
justiça de Cristo). Este processo é cham ado de “graça monergista” ou
simplesmente “monergismo”.
O teólogo reformado Henry Meeter, no livro The Basic Ideas of Calvi-
nism, define 0 monergismo desta maneira:
Alguém pode dizer, Deus planejou a salvação e ele a obteve em Cris-
to. Agora, a escolha de aceitação ou rejeição é somente minha. Em
certo sentido, isso é verdade. Mas quem é a causa que faz com que
0 Cristão aceite a Cristo? “Não há ninguém que entenda, ninguém
que busque a Deus”. Então Cristo envia 0 Espírito Santo aos nossos
corações obstinados, nos regenera, coloca a fé e 0 amor de Deus,
assim como novas ambições e desejos. Isto ele faz com poder irre-
sistível - não, como os arminianos dizem, se nós 0 deixarmos; nós
jamais permitiríamos que isso acontecesse de maneira espontânea.
Nós somente operamos nossa própria salvação porque é Deus quem
opera em nós... Deste modo, toda a obra de redenção, em sua essên-
cia, é obra de Deus. Deus, 0 Pai, a planejou. Deus, 0 Filho, a obteve.
E Deus, 0 Espírito Santo, a aplicou, regenerando0 coração e a vida.
Se Meeter apresentou o arminianismo de maneira correta é debati-
vel, e eu tenho desafiado descrições semelhantes a esta em meu livro
Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Contudo, a descrição acima é
uma expressão clara e concisa do monergismo universalmente mantidoe defendido entre os calvinistas.
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1. Meeter, The Basic Ideas of Calvinism. 45.
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Contra o Calvinismo
A questão é que, para o calvinista, qualquer contribuição que a pessoa
humana fizer à sua salvação é, na verdade, embora imperceptível, uma
obra de Deus nele ou nela. Meeter parcialmente cita Filipenses 2.12, que
diz: "De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não
só na minha presença, mas muito mais agora em minha ausência - assim
também operai a vossa salvação com temor e tremor”. O versículo 13, que
Meeter omite (possivelmente por engano), diz: “ Por que Deus é 0 que opera
em vós tanto o querer como 0 efetuar, segundo a sua boa vontade”. Para
ele e todos os calvinistas que encontrei, 0 que Paulo quer dizer é isto: “Se
você estiver operando a sua salvação com temor e tremor, lembre-se de
que é Deus quem está fazendo tudo isso em e através de você” Somente
desta forma é que se pode atribuir toda a glória para Deus na salvação.
Será que Calvino acreditava na graça monergista? Que ele acreditava
está revelado em suas Institutas da Religião Cristã onde ele faz referência
ao “chamado interior”, ele declarou:
“A própria adm inistração da vocação eficaz ...evidencia ser ela obra
da graça divina ” Ele continua: “Além disso, também a própria natureza
e administração da vocação demonstram isto claramente, as quais não
subsistem só pela pregação da Palavra, mas também da iluminação do
Espírito... Quando Deus se mostra com a luz de sua Palavra aos que
não 0 mereciam, nisso exibe evidência mui luminosa de sua graciosa
bondade. Aqui, pois, já se manifesta a imensa bondade de Deus, mas
não a todos para salvação, porque aos réprobos espera juízo mais grave,
porquanto rejeitam o testemunho do amor de Deus [Claro, Ca lvino já
havia anteriorm ente deixado claro que isto se dá em razão deles serem
predestinados para tal] . E também Deus, a fim de realçar sua glória,
subtrai deles a eficiência de seu Espírito. Portanto, esta vocação interior
é 0 penhor da salvação, 0 qual não pode enganar. O que é pertinente
essa afirmação de João: “ Daí sabemos que somos seus filhos: que nos
deu de seu Espírito” [ J0 3.24; também 4. 3]. E para que a carne não
se glorie de que ao menos lhe respondeu ao chamado e se ofereceu
espontaneamente, afirma que não havia nenhum ouvido para ouvir,
nem olhos para ver, senão aqueles queele próprio fez. E le os fez, porém,
não segundo a gratidão de cada um, mas em função de sua eleição 2.
2. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol. 3, p. 427.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
Na citação anterior Calvino claramente expressa o monergismo ou
a graça irresistível. Deus “ faz” com que os ouvidos do pecador eleito
ouça e que os olhos vejam 0 evangelho e ele “retira” aquela “atuação
eficaz” (graça irresistível) dos não eleitos, os réprobos.Como explicarei posteriormente, a maioria dos calvinistas alegam
que os sinergistas querem ser capazes de se vangloriar, mesmo que
apenas por um pouquinho, dizendo que contribuíram com algo para
sua salvação e/ou estão tão enamorados com 0 livre-arbítrio que não
podem convencer a si mesmos em aceitar o fato de que Deus faz tudo
na salvação e que eles não contribuem com nada. Tal descrição, entre-tanto, não reflete as verdadeiras declarações feitas pelos sinergistas. A
questão é que a maioria dos sinergistas rejeita o monergismo em razão
da implicação necessária afirmada abertamente por Calvino de que ela
exige que Deus retenha ou retire a graça monergística de muitos das
inúmeras pessoas que ele criou à sua imagem e semelhança para a
condenação e sofrimento eterno “para sua glória”.
Este Calvino afirma claramente acerca dos réprobos: “são suscitados
para este fim, ou seja, para que através deles a glória de Deus resplan-
deça”3. A fim de que ninguém entenda mal a fonte de sua reprovação:
“Quando, pois, se diz ou que Deus endurece, ou cumula de misericórdia
a quem quis, com isso são os homens admoestados a não buscar ne-
nhuma outra causa que esteja fora de sua vontade” 4. A única razão pela
qual os cristãos evangélicos não calvinistas se opõem ao monergismo éporque 0 monergismo faz de Deus a causa última, ainda que de forma
indireta, da descrença e condenação dos réprobos. O monergismo fere
seriamente a reputação de Deus.
Lorraine Boettner segue Calvino bem de perto ao atribuir tudo na
salvação a Deus à exclusão de qualquer cooperação humana livre com a
3.. Ibid.. 3. p. 408.
4. Ibid.
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Contra o Calvinismo
graça. Ele em basa esta visão nas doutrinas da depravação total e eleição
incondicional. “Se 0 homem está morto em pecado, então nada menos
que... poder doador de vida do Espírito Santo irá fazer com que faça
aquilo que é espiritualmente bom” 5. Desta forma, a regeneração deve
preceder a conversão: “A regeneração é um dom soberano de Deus gra-
ciosamente concedido àqueles a quem Ele escolheu” 6. Ela envolve uma
mudança essencial de caráter de sorte que a pessoa regenerada quer se
arrepender, acreditar e servir a Deus. Boettner assegura que esta doutrina
da graça irresistível é a única teologia evangélica porque somente ela
atribui toda a obra da salvação à Deus, portanto, dando a glória apenas
a Deus 7. O autor alega que o arminianismo não é evangélico porque ele
faz com que 0 homem, no final das contas, tenha “o fator de decisão”
e não Deus 8. É por isso que ele e outros calvinistas atacam a teologia
arminiana como “centrada no homem” em vez de “centrada em Deus”.
Entretanto, precisamos imaginar quem é 0 Deus no centro desta
teologia. Boettner admite que Deus poderia salvar a todos, pois a elei-
ção para a salvação é incondicional e a regeneração e a fé são donsunicamente de Deus dados apenas para os eleitos: “Mas por razões
que foram reveladas apenas parcialmente, Ele deixa muitos impeni-
tentes”9. Enquanto os não calvinistas estão dispostos a admitir que
o calvinismo rígido é centrado em Deus, eles tem bons motivos para
se indagar como exatamente fazer distinção entre o Deus que ele se
centra e entre Satanás - exceto no fato de que Satanás quer que todas
as pessoas vão para o inferno e Deus quer que apenas certo número
de pessoas seja condenado ao inferno. Isso pode parecer severo, mas é
5. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 63.
6. Ibid., 64.
7. Ibid., 73 - 74.
8. Ibid., 75.
9. Ibid., 69.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
esta a razão pela qual a maioria dos cristãos não é calvinista. E isso não
é menos severo do que a freqüente acusação feita pelos calvinistas de
que os arminianos (e outros não calvinistas) colocam 0 homem, e não
Deus, no centro de sua teologia, pois estes querem se gloriar e roubar
a merecida glória de Deus.
De maneira irônica e confusa, Boettner prossegue para alegar que 0
monergismo não exige nenhuma violação da livre agência do pecador.
“Esta mudança [isto é, regeneração] não é realizada por meio de qual-
quer compulsão externa, mas através de um novo princípio de vida que
foi criado dentro da alma e que busca pelo único alimento que pode
satisfazê-la [isto é, a Palavra de Deus]”10. Então ele aumenta a confusão
ainda mais ao dizer que “os eleitos são influenciados de tal maneira
pela força divina que sua chegada é um ato da escolha voluntária” 11.
Alguém pode se indagar qual 0 significado de “escolha voluntária” nes-
te contexto; eu presumo que Boettner esteja se referindo à liberdade
compatibilista de Edwards e de outros calvinistas - liberdade compatível
com o determinismo.Steele e Thomas opinam sobre esta doutrina que eles chamam de
“a chamada eficaz do Espírito”. Explicada de maneira simples, esta
doutrina declara que 0 Espírito Santo jamais falha em trazer à salvação
os pecadores a quem Ele pessoalmente chama para Cristo. Ele inevita-
velm ente aplica a salvação a todo pecador a quem Ele intenciona salvar
e é Sua intenção salvar todos os eleitos” 12. Assim como Calvino, Boet-
tner e a maioria dos calvinistas, eles fazem uma distinção entre uma
“chamada geral e externa” do evangelho, que é um convite universal
para a salvação a todas as pessoas e uma “chamada especial e interna”
que é enviada apenas aos eleitos e que afeta a regeneração dos eleitos
10. Ibid., 177.
11. Ibid., 178.
12. Steele and Thomas, The Five Points of Calvinism, 48.
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Contra o Calvinismo
antes que estes respondam com arrependimento e fé. Esta chamada
especial é irresistível: “A graça que o Espírito Santo estende aos eleitos
não pode ser frustrada ou recusada, ela jam ais falha em trazer os eleitos
à verdadeira fé em Cristo” '3.Como embasamento bíblico Sttele e Thomas fazem uso de Romanos
8 .30 : “E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou
a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou”
A om issão de 8.29 é conveniente ao propósito deles de mostrar Deus
completa e unicamente responsável pela regeneração. O versículo diz:
“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja 0 primogênito
entre muitos irmãos”. Aqui a eleição está embasada na presciência de
Deus - algo que os calvinistas rejeitam como erro. Isso sem contar
que 0 versículo 30 nada diz acerca da graça como sendo irresistível.
Além do mais, Paulo pula a regeneração e vai para a justificação. Este
verso, em seu contexto e não tratado eisegeticam ente (inserindo signi-
ficados no texto que não estão lá), não corroboram a graça irresistível.O calvinista Palmer concorda totalmente com Calvino, Boettner, Steele
e Thomas acerca da graça irresistível, e pelos mesmos motivos; mas
ele enfatiza mais a resposta ativa à graça que é necessária da parte da
pessoa eleita caso ela deva ser salva. Como já temos visto, assim como
alguns calvinistas, Palmer se deleita no paradoxo. Eis aqui outro caso:
Embora seja verdadeiro que ninguém poderia ser salvo se nãofosse pela graça irresistível de Deus, ninguém pode jamais cair na
armadilha racionalista de dizer que a pessoa não tem nenhum papel
a fazer. Não é possível raciocinar assim uma vez que tudo depende
do Espírito Santo, que a pessoa não precise crer ou que deva sim-
plesmente esperar pelo Espírito Santo para movê-lo e não há nada
que a pessoa possa fazer para ser salva '4.
13. Ibid., 49.
14. Palmer, The Five Points of Calvinism, 66.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
Esta advertência parece calvinista e arminiana ao mesmo tempo;
Palmer aparentemente quer ficar com o bolo intacto e ao mesmo tem-
po quer comer uma fatia dele. Observem especificamente as palavras
finais de sua afirmação onde ele adverte contra acreditar que não hajanada que uma pessoa possa fazer para ser salva. Após isso ele escreve:
Se você assim 0 fizer [acreditar] agradeça a Deus por fazer com que
aja assim” '5. Então, por um lado Deus “faz” com que o eleito creia, e
somos proibidos de sugerir que tal ação seja de qualquer forma um ato
do livre-arbítrio '6. Por outro lado, somos impedidos de sugerir que a
pessoa não precisa, de fato, fazer nada. Estas ideias são difíceis, se não
impossíveis, de serem reconciliadas.
R. C. Sproul também defende a graça irresistível: “Deus, unilateral-
mente e monergisticamente, faz para nós 0 que nós não podemos fazer
para nós mesmos” 17. Ele prefere chamar tal ação de “graça eficaz” a fim
de que ninguém seja levado a entender errado 0 conceito ao pensar que
Deus força alguém a ser salvo contra sua vontade. Antes, Deus graciosa-
mente comunica o dom da fé de maneira que a pessoa quer acreditar: “Afé pelo qual somos salvos [eleitos] é um dom. Quando o apóstolo diz [em
Ef.2.8-9] que não é por nós mesmos, ele não quer dizer que não seja nossa
fé. Novamente, Deus não crê por nós. É nossa fé, mas não se origina de
nós. É dada a nós. O dom não é merecido. É um dom de pura graça” 18.
Além do mais, “ toda a questão da graça irresistível é que o renascimento
vivifica a pessoa para a vida espiritual de tal maneira que Jesus agora é
visto em sua irresistível doçura” '9.
Para Sproul, então, Deus “monergistica e unilateralmente” salva a
15. Ibid.
16. Ibid., 60.
17. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 160.
18. SPROUL, R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 88.
19. Ibid., 91.
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Contra o Calvinismo
pessoa eleita ao dar-lhe o dom da fé, que então é a própria fé da pessoa
e Deus regenera a pessoa de m aneira que ela, pela primeira vez, vê Jesus
“em sua doçura irresistível”. Tudo isso sem violar a vontade da pessoa.
Assim como Boettner, Sproul considera a graça irresistível ou graça eficaz
como uma questão ainda mais essencial e básica da teologia protestante (e,
portanto, evangélica) do que a justificação só pela fé. Afinal de contas, ele
argumenta, se uma pessoa contribui com qualquer coisa para a salvação,
incluindo uma mera permissão para consentir que Deus trabalhe, então a
justificação não é só pela graça. A questão da graciosidade da salvação é
mais importante, pois ela é mais elementar do que a questão da salvação
só pela fé. “Aqui chegamos ao ponto final entre semipelagianismo e agos-tinianismo, entre arminianismo e calvinismo, entre Roma e a Reforma” 20.
Observem como Sproul está colocando 0 arminianismo, no qual ele
quer dizer qualquer visão protestante que não seja o calvinismo rígido, está
do lado de “Roma” - e com isso quer dizer 0 catolicismo romano - em
contraste com a Reforma. O que ele está dizendo é que o arminianismo
(ou seja, qualquer visão além da sua) não é realmente protestante e, por-
tanto, também não é evangélica. Eu moro no Texas e aqui nós podemos
dizer: “Isso vai dar briga!” Sério, precisamos imaginar qual é o motivo que
leva Sproul a ser tão descaradamente ofensivo com seus companheiros
cristãos protestantes, incluindo todos dentro da tradição wesleyana, todos
os pentecostais, muitos, se não todos os batistas e muitos outros cristãos
evangélicos que, por boas razões, não aceitam seu ponto de vista.
Sproul continua:“Na visão da Reforma, a obra de regeneração é realizada por Deus
e por ele sozinho. O pecador é completamente passivo em receberesta ação. A regeneração é um exemplo da graça operativa. Qualquercooperação que demonstrarmos para com Deus ocorre apenas depois que a obra de regeneração tem sido completada” 21.
20. SPROUL, R. C. O que é teologia reformada? São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 58
2 . Ibid., p. 58-59
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
O único suporte que Sproul apresenta para esta alegação de que esta
seja a “visão reformada” é a dura resposta de Lutero dada a Desidério
Erasmo (1466-1536) intitulada “A Escravidão da Vontade”. Neste docu-
mento Lutero reconhecidamente expressou essa visão. O fato de ele ter
expressado essa visão faz com que ela seja a “visão reformada”? Difícil-
mente, 0 braço direito de Lutero, Philip Melanchthon (1497 1560 ), era
mais um sinergista, concordando com Erasmo que a salvação envolve
alguma cooperação com a graça de Deus pela pessoa humana ainda que
ele tenha insistido energicamente que não existe mérito nesta coopera-
ção 22. Os anabatistas da reforma, tais como Balthasar Hubmaier (1480
1528 ) e Menno Simons (1496 - 1561) enfatizaram 0 livre-arbítrio em
detrimento da graça monergística. A apresentação de Sproul da visão de
salvação monergista em oposição a todas as outras como sendo visões
católicas romanas é, no melhor dos casos, enganoso e, no pior, hipócrita.
John Piper pode ser contado entre os que concordam com Calvino,
Boettner, Steele e Thomas, Palmer e Sproul. Mergulhando no paradoxo
juntam ente com eles, ele escreve: “Deus fará com que os eleitos ouçamo convite e que respondam de maneira apropriada... Mas ele não faz
isso de maneira que diminua nossa responsabilidade de ouvir e crer” 23.
Ele também argumenta que a graça irresistível, aliada à eleição incondi-
cional, formam 0 único motivo razoável para a oração intercessória e a
batalha espiritual. Isso se dá, ele defende, pois não faz sentido orar pela
salvação dos perdidos ou pela derrota de Satanás, a quem ele admite
que é 0 “0 deus deste mundo”, a menos que Deus intervenha poderosa
22. Ver a obra de Melanchthon Commentarius De Anima ( 540) (Whitefish, MT: Kessinger
Publishing, 2009) na qual ele identifica três “causas cooperantes [e simultâneas]”
de justificação: palavra, Espírito e livre-arbítrio. Embora alguns monergistas rígidos
desejem “resgatar” a reputação de Melanchthon da alegação de que ele adotava uma
visão sinergista da salvação, a maioria dos eruditos em Melanchthon reconhece sua
concordância essencial com Erasmo acerca desta questão, ainda que ele sempre tenha
rejeitado qualquer noção de que a livre aceitação humana da graça seja equivalente a
um ato de mérito.
23. Piper, The Pleasures of God, 202.
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Contra o Calvinismo
mente para que tais coisas aconteçam. Se as pessoas possuem o livre-
-arbítrio, Piper argumenta, não há motivos para orarmos pela salvação
destas pessoas ou que elas não suportam Satanás em sua “devastação”
do mundo. “Ou desistimos de orar para que Deus converta pecadores
ou desistimos da autodeterminação humana suprema” 24.
Claro, qualquer um pode enxergar a profunda ironia em tais alega-
ções. Em outro lugar desta obra Piper afirmou inequivocamente que
Deus ordena, governa e até causa tudo 0 que acontece 25. Seja lá qual
for o caso, foi quem Deus ordenou. Se ele responder a uma oração -
por exemplo, para a salvação de um ente querido perdido - é porque
ele a preordenou. A oração, na verdade, não muda coisa alguma; ela é
apenas um meio preordenado para um fim preordenado. Piper é um
determinista divino, quer ele goste do rótulo ou não. Então, qual papel
a oração ou a batalha espiritual têm em sua teologia? Certamente a
oração e a batalha espiritual não podem realmente fazer com que algo
aconteça diferente do que Deus, de uma forma ou de outra, já tenha
planejado agir e que necessariamente irá agir.
MAIS DANO A REPUTAÇÃO DE DEUS
Na próxima seção deste capítulo, “Alternativas à Graça Irresistível/
Monergismo”, eu mostrarei que muitas das acusações feitas pelos cal-
vinistas, tal como a do Sproul contra todas as visões não calvinistas e,
em especial, a visão arminiana, todas estas acusações erram o alvo porcompleto. Nesta seção quero mais uma vez expor as falácias dos argu-
mentos calvinistas para 0 monergismo e demonstrar que 0 monergismo,
24. Ibid., 226.
25. Ver seu sermão (ou postagem no blog) com a data de 7 de setembro de 200 ,
logo após os ataques terroristas em Nova York e Washington, D.C., cujo o título é:
“Why I do not say, ‘God did not cause the calamity, but he can use it for good.’ ” (www.
desiringgod.org/ResourceLibrary/TasteAndSee/ByDate/200 / 8 _Why_l_D0_N0t_
Say_God_Did_Not_Cause_the_Calamity_but_He_Can_Use_It_for_Good/). Claramente,
então, ele realmente diz que Deus causa o pecado e o mal!
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
na verdade, traz danos a reputação de Deus ao necessariamente solapar
a bondade e 0 amor de Deus.
Inicio com refutações às interpretações de passagens bíblicas comu-
mente feitas por calvinistas que supostamente exigem 0 monergismo.
Tais versículos mais importantes se encontram em João 6.44-45 onde
Jesus diz que ninguém pode vir a Ele a menos que o Pai o “traga” para
Ele. Sproul e outros calvinistas argumentam que o verbo grego aqui tra-
duzido por “atrair” sempre e unicamente significa “compelir” 26. Em uma
dissertação brilhante, mas não publicada, cujo título é The ‘Drawings’ of
God,” (“As Atrações’ de Deus”), 0 pastor e teólogo Steve Witzki prova
conclusivamente que Sproul está errado. Ele faz citações de vários léxicos
gregos dizendo que a palavra grega nem sempre significa “compelir”,
mas que frequentemente significa “trazer, atrair” 27.
Sproul cita uma obra de referência que muitos consideram autorida-
de em assuntos de interpretação do grego neotestamentário — Kittel’s
Theological Dictionary o f the New Testament (Dicionário Teológico do Novo
Testamento de Kittel) — para corroborar sua definição do termo por todo0 Novo Testamento, incluindo João 6.44 e passagens cognatas. Todavia,
Witzki cita Kittel como permitindo um a possibilidade mais am pla de
possíveis significados. Em referência a João 6.44 e 12.33, o autor do
artigo de Kittel (Albrecht Oepke) escreve:
Aqui não há o pensam ento de força ou mágica. O termo figurativa-
mente expressa 0 poder sobrenatural do amor de Deus ou Cristo que
é estendido a todos... mas sem 0 qual ninguém pode vir... A aparen te
contradição mostra que tanto a eleição quanto a universalidade da
graça devem ser levadas a sério; a compulsão não é automática 28.
26. SPROUL. R.C. Eleitos de Deus, Editora Cultura Cristã, 2002, pp. 51-52.
27. Steve Witzki, “The ‘Drawings’ of God” (unpub. paper, 2003), 2 - 3.
28. Ver Theological Dictionary o f the New Testament (Abridged Edition), ed. Gerhard Kittel
and Gerhard Friedrich; trans., Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids: Eerdmans, 1985),227.
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Contra o Calvinismo
O argumento mais devastador contra 0 exemplo de Sproul como o
termo sempre significando “compelir” é João 12.32. Na passagem em
questão Jesus diz: “quando for levantado da terra, atrairei todos a mim”. O
verbo grego aqui é 0 mesm o de João 6.44 e 65. Se Sproul estiver correto
e o verbo deva sempre significar “compelir”, então este verso ensina o
universalismo. Na verdade, a palavra pode significar simplesmente tra-
zer ou atrair em vez de compelir ou arrastar. A interpretação arminiana
destes versículos em João 6 e 12 é sensata: que ninguém pode vir a
Jesu s Cristo a menos que a pessoa seja atraída pela graça preveniente
de Deus que chama e capacita, mas que não compele.
Existem versículos que contradizem a graça irresistível? Steve Lemke
compilou muitas passagens que a desaprovam. Por exemplo, Mateus 23
e Lucas 13 descrevem o lamento de Jesus sobre Jerusalém:
“Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os
que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos,
com o a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas
vocês não quiseram. Eis que a casa de vocês ficará deserta. Pois eu
lhes digo que vocês não me verão desde agora, até que digam: ‘Ben-
dito é 0 que vem em nom e do Senh or” ’(Mateus 23.37-39)
Lemke corretamente observa que se 0 calvinismo estiver correto, “o
lamento de Jesus deveria teria sido sobre a dureza do coração de Deus” 29.
Existem muitas passagens como esta na Bíblia onde Deus, Jesus ou um
profeta denuncia pesarosamente a dureza de coração do povo como se
o povo pudesse agir de maneira contrária. Se a graça irresistível fosse
verdadeira, claro, Jesu s poderia simplesm ente ter atraído eficazmente
o povo de Jerusalém para Si. Por que ele assim não 0 fez se estava tão
pesaroso acerca de sua rejeição? E por que ele estaria triste acerca da
rejeição se ela, assim como tudo, foi preordenado por Deus?
29. Lemke, "A Biblical and Theological Critique of Irresistible Grace,” in Whosoever Will: A Biblical-Theological Critique of Five-Point Calvinism, ed. David L. Allen and Steve W. Lemke (Nashville, TN: Broadman & Holman, 2010), 120.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
A resposta comum dos calvinistas para estas passagens é que Deus
está triste em relação ã dureza de coração do povo e a rejeição dEle.
Que Deus não faz nada a esse respeito só pode ser porque ele escolhe
não fazer e que ele escolhe não fazer só pode ser em razão de que seumotivo mais forte (definição de livre-arbítrio de Edwards) não quer.
Em suma, ele não quer, mas deseja que poderia. A única pista que os
calvinistas nos dão para explicar o motivo pelo qual Deus não faz 0 que
ele deseja é que isto é para “ sua glória”. Que tipo de Deus é glorificado
por pessoas que 0 rejeitam quando ele escolhe não vencer essa rejeição
quando ele poderia vencer tal rejeição? Além disso, por que Deus ficaria triste ou pesaroso acerca daquilo
que lhe glorifica? Que analogia possível poderia existir para tal em se
tratando de experiência humana? Imagine que um pai possui uma po-
ção do amor que faria com que todos os seus filhos 0 amassem e que
jamais se rebelassem contra ele. Ele dá a poção à alguns de seus filhos,
mas não a dá a outros e então chora pelo fato de que alguns de seus
filhos 0 rejeitam e não o amam. Quem levaria esse pai a sério? Ou, se 0
levássemos a sério, quem não pensaria que ele é insincero ou um tanto
quanto louco? Lemke conclui a partir da história do lamento de Jesus
sobre Jerusalém:
Se Jesus acreditasse na graça irresistível, tanto na chamada exter-
nas quanto na interna, seu lamento aparente sobre Jerusalém teria
sido apenas um ato insincero, um show de dissimulação pelo fato
dele saber que Deus não iria e que não daria a tais pessoas perdidas
as condições necessárias para a salvação das m esmas” .30.
Outra passagem bíblica interessante mencionada por Lemke é Mateus
19.24, onde Jesus diz aos discípulos: “E lhes digo ainda: é mais fácil
passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no
Reino de Deus”. Qual é 0 sentido deste versículo à luz da graça irresis
30. Ibid.
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Contra o Calvinismo
tível? Jesus está dizendo que é mais difícil para Deus salvar um rico do
que um pobre? Como pode isso? Se todos, sem exceção, apenas entram
no reino de Deus pela obra de Deus apenas sem nenhuma cooperação
exigida da parte da pessoa, então a fala de Jesus não faz sentido algum.
Novamente, o comentário de Lemke é preciso:
Claro, se Jesus fosse calvinista Ele jamais teria sugerido que é
mais difícil para os ricos serem salvos pela graça irresistível de Deus
do que os pobres. Suas vontades teriam sido mudadas imediata e
invencivelm ente no mom ento da cham ada eficaz de Deus. Não seria
mais difícil para um rico ser salvo pela chamada monergista e irresis-
tível de Deus do que seria para qualquer outro pecador. Mas o Jesus
real estava sugerindo que a salvação das pessoas estava, em certa
medida, atrelada a sua resposta e compromisso com Sua ch am ad a3 .
Lemke também aponta para as inúmeras chamadas totalmente in-
clusivistas na Bíblia que pedem para que as pessoas venham a Deus e
a Cristo, principalmente as passagens já discutidas sobre 0 “todo” que
expressam o desejo de Deus para que todos sejam salvos e que ninguém
pereça (Mateus 18.14; 1 Timóteo 2;4; 2 Pedro 3.9 e 1 João 2.2). Como já demonstrei, estas passagens não podem ser interpretadas como se
referindo apenas a algumas pessoas.
Mais devastador de tudo, Lemke corretamente enfatiza que “os
calvinistas essencialmente culpam a Deus por aqueles que não vêm [à
salvaçãoj” 32. Afinal de contas, enquanto dizem que os que rejeitam 0
evangelho simplesmente recebem o abandono merecido quando são
condenados, “há muito mais nesta questão do que meramente isso.
Os calvinistas dizem que Deus elegeu alguns para a glória por motivos
pessoais próprios desde que o mundo começou, e que Ele concedeu
graça irresistível através de Seu Espírito de maneira que estes inevitável-
mente serão salvos” 33. Essa é a questão principal contra esta doutrina
31. Ibid., 121.
32. Ibid., 122.
33. Ibid., 122 - 23.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
do calvinismo (assim como é o ponto principal contra todas as doutrinas
calvinistas!). Tal entendimento retrata Deus como uma pessoa que faz
acepção de pessoas porque ele escolhe salvar alguns irresistivelmente e
escolhe que outros não recebam este dom crucial, que como resultadodisso, fará com que sejam condenados para sempre. O fato de merece-
rem a condenação não é a questão. A questão é que todos merecem a
condenação, mas Deus é seletivo de forma a salvar alguns de maneira
irresistível e abandona outros para que sofram no inferno uma separação
eterna de Deus. Os calvinistas não apresentam nenhum motivo para isso
além do “para o Seu beneplácito” e/ou “para a glória Deus”
Todavia, todos os calvinistas alegam que Deus é bom e amável. Que
bondade e que amor é esses? Na verdade, para dizer sem rodeios, o
calvinismo necessariamente implica, quer qualquer calvinista diga ou
não, que Deus exige uma melhor qualidade de amor de nossa parte
do que o amor que ele mesmo exerce! Em Lucas 6.35 e em passagens
paralelas, Jesus pede para que amemos nossos inimigos; não há uma
única sugestão de qualquer exceção. Mas, de acordo com o calvinismo,Deus não faz isso. Claro, alguns calvinistas insistem que Deus realmente
ama até mesmo seus inimigos réprobos. Mas não há nenhuma analogia
para este tipo de amor na experiência humana. Seria um amor na qual
a pessoa poderia resgatar alguns de mortes terríveis, mas que escolhe
não salvá-las a fim de mostrar quão grande ele é. Há alguma analogia
para esta “bondade” e “amor” na experiência humana? Se não, então eu
sugiro, com Paul Hem, que este amor e esta bondade são insignificantes.
Walls e Dongell oferecem um a analogia para testar se qualquer ser
humano poderia ser considerado amável ou bom caso ele agisse con-
forme o calvinismo diz que Deus age ao conceder a graça irresistível
apenas a algumas de suas criaturas humanas caídas. (Lembre-se, ele
criou tudo a sua imagem e semelhança). Na ilustração desses autores,
um médico descobre uma cura para uma doença mortal que está dizi-
mando um grupo de crianças de um acampamento e dá a cura ao diretor
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Contra o Calvinismo
do acampamento. O diretor aplica a cura em algumas das crianças de
maneira que elas são curadas e nega a cura para as outras crianças de
sorte que elas morrem de maneira terrível. Ele não está com 0 remédio
em falta; não há nada que impeça 0 diretor de curar todas as crianças.
Ainda que algumas crianças tenham resistido à cura, 0 diretor tinha a
habilidade de persuadir a todas elas para que tomassem o remédio; ele
só persuadiu algumas das crianças. Quando os pais confrontarem 0 di-
retor, ele defende apaixonadamente que ele amava a todas as crianças
- até mesmo as que morreram. Ele cuidou delas quando elas estavam
doentes e as deixou da maneira mais confortável possível 34. Walls e
Dongell corretamente concluem:
A alegação do diretor de amar todas as crianças é, no seu melhor, vazia e, no seu pior, enganadora. Se 0 amor não emprega todos osmeios disponíveis para resgatar alguém da sua perda definitiva, é di-fícil ouvir que tal seja amor de alguma forma. Em nosso julgamento,torna-se sem sentido alegar que Deus quer salvar a todos ao passo queinsistimos que Deus se abstém de tornar a salvar possível a todos. O
que devemos fazer com um Deus que pede para que façamos aquiloque ele mesmo não faz? 35
A questão pura e simples é que a doutrina da graça irresistível, sem a
salvação universal que a maioria dos calvinistas rejeita, leva à “conseqüência
lógica e necessária” de que Deus não é bom e que não é amável. Agora,
claro, nenhum calvinista admitiria isso! Mas o ensinamento deles de-
veria levar um a pessoa pensante a esta conclusão. E 0 que eles dizemé inconsistente e, portanto, altamente problemático, se não completa-
mente incoerente. Quando escuto ou leio um calvinista rígido dizendo
que Deus ama a todos e que é um Deus bom, eu não tenho a mínima
ideia do que isso significa.
34. Walls and Dongell, Why I Am Not a Calvinist, 54 - 55.
35. Ibid., 55.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
Outro problema com a graça irresistível é que os relacionamentos
pessoais exigem mutualidade. O filósofo-teólogo holandês Vincent
Brümmer demosntrou isso conclusivamente em seu ensaio Speaking
of a Personal God. (Falando de um Deus Pessoal), onde ele apresenta um
argumento passo-a-passo que a mutualidade, no sentido de resposta
livre que é resistível, é parte de qualquer relacionamento pessoal. Sem
liberdade da vontade, que inclui a habilidade de resistir, os atos de uma
pessoa não são realmente “atos” de jeito algum, mas “eventos36 . Por״
definição, a realização de um relacionamento pessoal exige atos livres
de ambas as partes em relação de uma para com a outra:
Para a realização de um
relacionamento pessoal a iniciativa de ambas
as partes no relacionamento é necessária. Dado que ambas as partes
em tal relacionamento são pessoas, ambas possuem, por definição, a
liberdade da vontade, na qual deve ser factualmente possível para ambas
as partes dizer “não” para a outra e assim impedir 0 relacionamento de
entrar em existência. Apenas pelos meios do “s im ” de uma parte que a
outra recebe a liberdade de habilidade para realizar o relacionamento.
Neste aspecto, os relacionamentos pessoais são simétricos e diferem
dos relacionamentos puramente causais, que são assimétricos, pois
apenas uma parte (a causa) possa ser 0 iniciador. A outra parte em um
relacionamento puramente causai é um objeto de manipulação causai
e, portanto, carece de liberdade da vontade para ser capaz de dizer
“ nã o” no que diz respeito ao que lhe acontece” 37.
Brümmer argumenta adiante que em nosso relacionamento com
Deus, Deus pode ser 0 iniciador e deve ser em virtude de nossa carência
de “liberdade de habilidade” devido a nossa pecaminosidade. Todavia,
“um relacionamento pessoal com Deus supõe que a parte humana
também permanece uma pessoa no relacionamento e que sua livre es-
colha é igualmente uma condição necessária para que o relacionamento
aconteça” 38. Por fim, Brümmer nega a ideia de graça irresistível ao dizer
36. Vincent Brümmer, Speaking o f a Personal God (Cambridge, UK: Cambridge University
Press, 1992), 75.37. Ibid.
38. Ibid.
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Contra 0 Calvinismo
que mesmo Deus não pode realizar nossa escolha sem fazer com que
ela deixe de ser nossa. Por definição, um relacionamento pessoal com
Deus não pode ser factualmente [realistamente] inevitável para parte
humana. Por esta razão a doutrina da irresistibilidade factual [real] exclui
um relacionamento pessoal entre Deus e as pessoas humanas 39.
Não é preciso ser filósofo para estabelecer estes fatos; eles são do sen-
so comum. Mas ajuda ter um filósofo que sustente tais fatos. E em nada
ajudará o fato de os calvinistas reclamarem com os críticos pelo fato de
apelarem à filosofia; eles são bons em usar a filosofia quando ela corrobora
seus argumentos 40. O senso comum apenas dita que um relacionamento
verdadeiramente pessoal sempre envolve o livre-arbítrio; na medida em
que uma parte controla a outra de tal forma que a outra não tem uma
escolha real de estar ou não no relacionamento, não é um relacionamento
real. Não faz diferença se ambas as partes queiram estar no relaciona-
mento. Imagine uma amizade onde uma pessoa manipula a outra para
que a outra seja sua amiga. Talvez a pessoa tenha dado dinheiro ou até
mesmo tenha drogado a outra pessoa para torná-la amigável. Qualquerobservador imparcial de tal “amizade” diria que ela não é uma amizade
legítima - pelo menos não é uma amizade saudável. O consentimento
mútuo e informado é um pré-requisito para qualquer bom relacionamento.
Mas Brümmer não abandona a questão neste ponto. Ele concentra
sua crítica bem na própria noção de salvação do calvinismo rígido.
Referindo-se ao calvinismo rígido com a metonímia de “Dordt” (fazendo
referência ao Sínodo de Dort), ele diz:
39. Ibid., 75 - 76.
40. Qualquer um que duvidar disso jamais estudou a teologia de Jonathan Edwards, que viu no empirismo de Locke um aliado para estabelecer a soberania de Deus e
a ausência de livre-arbítrio libertário. Um dos intérpretes mais célebres de Edwards
diz: “ o tratamento de Locke das faculdades humanas e sua teoria da ‘ideia simples’
tornaram-se úteis para Edwards em uma descrição das dinâmicas internas do ato da
fé”. Ver Conrad Cherry, T he Theology of Jonathan Edwards: A Reappraisal (Bloomington, IN: Indiana Univ. Press, 1966), 15.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
Me surpreende que as dificuldades aqui tenham sua fonte no fato
de que os teólogos de Dort não viram a salvação hu mana em termos
de um relacionamento pessoal com Deus, mas em termos de uma
condição renascida em nós. A única questão então diz respeito àcausa
desta condição: é Deus ou nós, graça ou livre-arbítrio? 4 .
Mas quando a salvação é considerada não como uma condição me-
ramente causai, mas também e ainda mais uma relação pessoal, como
a maioria dos evangélicos de fato a consideram, a ideia que a salvação
pode ser fundada tanto na graça quanto na vontade humana (com a
graça tendo superioridade) é convincente.
Irei encorpar esta descrição e crítica da doutrina calvinista da graça
irresistível, monergismo, com uma citação apropriada de Vernon Groun-
ds, um teólogo evangélico que concorda completamente com Brümmer:
“Deus lida pessoalmente com seres pessoais... a graça que não
deixa opção algum a não é graça, é outra coisa. Devemos dizer: ‘Pela
força fomos salvos e não de nós mesmos’”42.
ALTERNATIVAS À GRAÇA IRRESISTÍVEL/MONERGISMO
Agora abordarei algumas das objeções ao “sinergism o evangélico”
feita por calvinistas. Por “sinergismo evangélico” eu me refiro, em termos
próximos, à teologia arminiana, embora muitos que mantém esta visão
de salvação não desejam ser chamados de arminianos. Respeito essa
opção ao passo que respeitosamente peço para que estes considerem
que 0 rótulo pode ser mais apropriado do que pensam .
Há séculos que os teólogos calvinistas, pela mera repetiçãoedetur-
pação, criaram uma situação onde o termo “arminiano” é amplamente
visto como a designação de um a heresia. Demonstrei conclusivamente
41. Brümmer, Speaking o f a Personal Cod, 75, 76 - 77.
42. Grounds, “God’s Universal Salvific Grace,” 28.
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Contra o Calvinismo
em meu livro Teologia Arminiana - Mitos e Realidades que 0 arminianismo
não é o que eles dizem. Por exemplo, contrário ao que Sproul e outros
críticos calvinistas mal informados ou insinceros, o arminianismo não
é semipelagiano. Semipelagianismo é a heresia que diz que a iniciativa
na salvação é nossa, da parte pessoa humana, e não de Deus 43. O ar-
minianismo sempre insistiu que a iniciativa na salvação é de Deus, ela
se chama “graça preveniente” e é capacitadora, mas resistível. Seria um
choque para muitos calvinistas saber 0 quanto da salvação e o quanto
da vida cristã tanto Armínio quanto Wesley atribuíram à graça - exata-
mente tudo.
Mas a teologia arminiana supõe, pelo fato de a Bíblia em sua totalidade
supor, que Deus, em razão do amor, se limita de maneira que sua graça
iniciadora e capacitadora seja resistível. Ela é poderosa e persuasiva, mas
não é compulsiva no sentido determinista. Ela deixa 0 pecador como
uma pessoa e não um objeto. O teólogo batista Robert E. Picirilli diz:
O que Arm ínio quis dizer com “graça preven iente ” é que é aquela
graça que precede a real regeneração e que, exceto quando resistida
em último estágio, inevitavelmente conduz à regeneração. Ele foi
rápido em observar que esta “assistência do Espírito Santo” é de tal
suficiência a ponto de se manter o mais distante possível do Pela-
gianismo” 44.
Outro teólogo batista, Stanley J. Grenz, foi um arminiano sem rotular-
-se a si mesmo como tal. Em sua teologia sistemática, Theology fo r the
Community of God (Teologia para a Comunidade de Deus), ele descreve a
graça preveniente de três formas: iluminadora, convencedora e como
convidativa e capacitadora45. Ele deixa claro que ela é sempre resistível
43. Ver Rebecca Harden Weaver, Divine Grace and Human Agency: A Study of the Semi- Pelagian Controversy (Macon, GA: Mercer Univ. Press, 1996), 110 - 11.
44. Picirilli, Grace, Faith, Free Will. 153.
45. Stanley J. Grenz, Theology for the Community of God (Grand Rapids: Eerdmans, 2000).
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
porque ela é voltada para pessoas e não máquinas, por meio do ouvir a
Palavra de Deus. A questáo aqui é simplesmente esta: a teologia armi-
niana (e muitas outras teologias não calvinistas que não são rotuladas
assim )46colocam a iniciativa na salvação e toda a obra de salvação ime-diatamente do lado divino da equação. A graça de Deus é a causa eficaz
da salvação, mas a fé da pessoa humana em resposta à graça preveniente
é a causa instrumental da salvação. O que é esta fé? É simplesmente a
confiança em Deus; não é uma “boa obra” ou qualquer coisa meritória
da qual 0 pecador pode se gabar.
Mas e quanto aos ataques dos calvinistas contra a teologia arminiana
como uma forma de autosalvação e obras de retidão análogas a (eles
diriam) teologia católica romana? Calvinistas eruditos não dizem que os
arminianos acreditam que eles precisam trabalhar para sua salvação;
eles dizem que 0 arminianismo e outros não calvinistas tornam a decisão
humana da fé no “fator decisivo” na salvação e, portanto, trazem de
volta, ainda que sem intenção, a salvação por boas obras.
Para os arminianos, entretanto, esta acusação é ridícula. Imagineum aluno que esteja passando fome e prestes a ser despejado de seu
dormitório por falta de dinheiro. Um professor bondoso dá a esse aluno
um cheque de R$ 1.000,00 - 0 suficiente para que ele pague seu aluguel
e coloque uma boa quantidade de comida em sua dispensa. Imagine,
pensando mais além, que o aluno que foi resgatado leve o cheque até
0 banco, assine e deposite 0 cheque em sua conta (o que faz com que
seu extrato fique com R$ 1.000,00 positivos). Imagine também que
0 aluno então começa a andar pelo campus se gabando de que ele
mereceu receber a quantia de R$ 1.000,00. Qual seria a resposta das
pessoas caso soubessem a verdade acerca da situação? Eles acusariam
0 aluno de ser miserável e ingrato. Mas suponha que o aluno diga: “Mas
46. Por exemplo, anabatistas, tais como os menonitas, não se intitulam arminianos,
mas sua soteriologia também é sinergista. Quando utilizo os termos “arminiano” e
“sinergismo evangélico”, eu tenho por intenção a inclusão destes.
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Contra o Calvinismo
0 fato de eu endossar o cheque e 0 depositar em minha conta é 0 fator
decisivo para que eu conseguisse o dinheiro, então eu fiz uma boa obra
que mereceu, ao menos, parte do dinheiro, não mereci?” Ele seria ridi-
cularizado e possivelmente ainda seria ignorado pelos demais por seruma pessoa insensata.
Em qual situação na experiência humana que o simples ato de aceitar
um presente é o “fator decisivo” para recebê-lo? Isso é um fator, sim -
mas dificilmente é 0 fator decisivo. A mera aceitação de um presente não
dá 0 direito ao presenteado de se gabar. Ah, mas o calvinista dirá que
ao aluno da ilustração acima poderia se gabar caso o professor tivesse
oferecido um presente de dinheiro semelhante ao dele a outros alunos
que estejam passando fome e estes alunos tenham rejeitado 0 presente.
Ele poderia se orgulhar que, de alguma forma, ele é melhor que os outros
alunos. Duvido. Ele pode tentar, mas quem acreditará nele? As pessoas
lhe dirão: “Pare de querer ganhar crédito por ter sido resgatado! O fato
de os outros não terem aceitado 0 dinheiro e terem sido despejados e
estarem mendigando por comida nas ruas não diz nada em relação à você. Dê todo 0 crédito a quem ele pertence - ao professor bondoso”.
Quem pode argumentar com isso?
Por que os arminianos e outros não calvinistas rejeitam a graça ir-
resistível? Porque eles amam o livre-arbítrio e não querem dar toda a
glória a Deus, com o sugerem alguns calvinistas? De jeito nenhum. Essa
é uma calúnia indigna de qualquer um que tenha se dado 0 trabalho de
estudar 0 assunto. Todo arminiano, de Armínio até hoje, sempre deixou
claro 0 verdadeiro motivo por trás da rejeição à doutrina da graça irre-
sistível: a preservação do caráter bondoso e amoroso de Deus. Claro, se
uma pessoa pudesse ser universalista, náo haveria obstáculo necessário
para a graça irresistível exceto possivelmente a questão levantada acima
acerca da natureza dos relacionamentos pessoais. Todavia, se a única
forma possível na qual as pessoas possam ser salvas é que Deus as
vença e as arraste para aceitar sua misericórdia, eu náo teria nenhuma
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
objeção essencial em acreditar nela conquanto que Deus agisse assim para
com todo mundo. Felizmente, existe outra forma: a graça preveniente. E
uma vez que não posso acreditar na salvação universal, essa é a única
alternativa ao monergismo que preserva o caráter de amor perfeito deDeus, revelado em Jesus Cristo.
Outra objeção calvinista comum ao sinergismo evangélico / arminia-
nismo é que ele não leva a depravação total a sério o bastante. Afinal
de contas, os calvinistas afirmam, humanos caídos são literalmente
mortos em delitos e pecados. A única esperança desses caídos é que
Deus os ressuscite. Isso é verdade, mas esse ato de Deus, a ressurreição
dos caídos, não os deixa sem opção de aceitá-lo ou não. Na verdade, os
arminianos e outros sinergistas realmente acreditam que a graça preve-
niente restaura vida à pessoa morta em delitos e pecados. Todavia, ela
não os força a aceitarem a misericórdia de Deus para a salvação, que
exige arrependimento e fé (conversão).
Assim, na teologia arminiana, um a regeneração parcial realmente
precede a conversão, mas ela não é uma regeneração completa. É umdespertamento e uma capacitação, mas não uma força irresistível. É
assim que sinergistas evangélicos interpretam as “atrações” do evan-
gelho de João, incluindo as palavras de Jesus acerca de atrair todas as
pessoas para si quando fosse levantado da terra. Na verdade, apenas
estas interpretações destas atrações mantêm-nas juntas significando a
mesma coisa - 0 poderoso poder de atração e persuasão de Deus quena realidade partilha livre-arbítrio para ser salvo ou não. Ser salvo não é
uma questão de fazer uma obra; é apenas uma questão de não resistência.
Quando uma pessoa decide permitir que a graça de Deus a salve, ela se
arrepende e confia apenas e completamente em Cristo. Esse é um ato
passivo; poderia ser comparado a uma pessoa se afogando que decide
relaxar e permitir que 0 salva-vidas a salve do afogamento.
É assim que os arminianos/sinergistas evangélicos entendem Filipen-
ses 2.12-13 citado anteriormente. O apóstolo Paulo, sob a inspiração
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Contra o Calvinismo
do Espírito Santo, diz a seus leitores cristãos para que se lembrem de
“operar” sua salvação “com temor e tremor”. Os críticos pensam que os
arminianos e os sinergistas evangélicos geralmente param aqui e que
ignoram 0 verso seguinte. Mas eles não fazem isso. Eles percebem e
ensinam que se as pessoas estiverem operando sua salvação, do início
ao fim, é apenas porque “Deus está trabalhando” nelas. Esta é a graça
preveniente e auxiliadora: preveniente que leva à conversão e auxiliadora
por toda a vida cristã. Mas não faria sentido algum para Paulo exortar
seus leitores para que operassem sua salvação com temor e tremor se
Deus estivesse fazendo tudo e eles sequer tivessem de cooperar permi-
tindo que a graça de Deus trabalhasse neles.Peço a tolerância do leitor no momento em que chego á conclusão
deste capítulo para apresentar duas ilustrações bem despretensiosas do
sinergismo evangélico que eu acredito que façam mais justiça ao texto
bíblico e a experiência cristã e ao caráter de Deus do que as imagens e
analogias calvinistas. Primeiro, imagine um poço fundo com lados ín-
grem es e escorregadios. Várias pessoas estão deitadas débeis e feridas,
completamente impotentes, no fundo do poço.
• Semipelagianismo diz que Deus se aproxima e que joga uma corda
para 0 fundo do poço e espera que a pessoa comece a puxar a
corda. Quando a pessoa assim 0 faz, Deus responde gritando:
“Segure bem firme na corda e a amarre em seu corpo. Juntos,
nós te tiraremos daí”. O problema é que a pessoa está demasiada
machucada para fazer isso, a corda é fraca demais e Deus é bom
demais para esperar que a pessoa inicie o processo.
• Monergismo diz que Deus se aproxima, lança a corda para dentro
do poço e que desce até o fundo do poço, enrola a corda em al-
gumas das pessoas e então sai do poço e puxa aquelas pessoas
para a segurança sem qualquer cooperação. O problema aqui é
que o Deus de Jesus Cristo é bom e amável demais para resgatar
apenas algumas das pessoas impotentes.
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Sim para a graça; não para a graça irresistível/ monergismo
• Sinergismo Evangélico diz que Deus se aproxima, lança uma corda
e grita: “Segurem na corda e puxem e juntos nós iremos tirar
vocês daí”. Ninguém se mexe. Eles estão severamente feridos. Na
verdade, para todos os propósitos práticos, eles estão “mortos” ,pois estão completamente incapazes. Então Deus derrama água
no poço e grita: “Relaxem e deixem que a água os faça boiar até
que saiam do poço!” Em outras palavras: “Boiem!”. Tudo que a
pessoa no poço precisa fazer para ser resgatada é deixar que a
água 0 faça subir e sair do poço. A ação exige uma decisão, mas
não um esforço. A água, claro, é a graça preveniente 47.
Segundo, aqui temos uma ilustração da graça e “operação da vossa sal-
vação” por toda a vida cristã. Durante os verões quentes eu preciso regar
minhas plantas com frequência. Então vou até a torneira externa onde
a mangueira está acoplada, abro toda a torneira e então vou até a outra
extremidade da mangueira e arrasto a mangueira pela lateral da casa para
regar um arbusto. Invariavelmente, quando chego no arbusto e pressiono 0cabo da mangueira que está acoplado à ponta da mangueira, não sai nada.
Volto até a torneira e descubro que não há nada de errado lá. A pressão da
água é forte; a água está fluindo na mangueira com toda a força. Ah, eu
me dou conta, há um nó na mangueira. Então eu encontro 0 nó que está
impedindo a água que está dentro da mangueira de fluir e de funcionar.
Nesta ilustração a água representa a graça auxiliadora de Deus; ela
sempre é “força total” na vida cristã. Não há “doses de reforço de gra-
ça”. A graça é plena e livre a partir da conversão e regeneração para a
vida de santificação. Mas se eu não estou experim entando o fluxo da
graça de Deus em confiança e poder para 0 serviço, isso não se dá pela
ausência da graça; mas devido a nós na mangueira da minha vida. O
47. Outro aspecto desta ilustração que eu acho útil é que a água que visa à salvação das
pessoas incapazes dentro do poço também se torna um meio de destruição, caso as
pessoas queiram resistir a ela - uma imagem da ira de Deus?
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Contra o Calvinismo
que são nós? Atitudes, pecados que nos assediam, ausência de oração.
Tudo o que preciso fazer é decidir remover estes nós e a graça que já
está lá terá seu fluxo restabelecido.
Esta é uma ilustração imperfeita de Filipenses 2. 12-13 a partir de
uma perspectiva sinergista evangélica. A única alteração necessária para
fazer com que a ilustração realmente “funcione” é que mesmo minha
habilidade de remover estes “nós” é um dom de Deus. Mas eu preciso
fazer algo - não uma obra boa e meritória da qual eu possa me gabar,
mas simplesmente admitir minha incapacidade e total dependência da
graça de Deus e pedir a Deus para que me dê a habilidade e o desejo
de remover os nós.
A melhor exposição desta soteriologia sinergista evangélica/ arminia-
na em língua moderna é 0 livro Transforming Power of Grace (O poder
transformador da graça) de Thomas Oden. De acordo com a opinião
geral, o ortodoxo e biblicamente sério teólogo Oden, de maneira encan-
tadora e bíblica articula a teologia brevemente esboçada acima, que eu
chamo de sinergismo evangélico 48. Da graça Oden diz: “Deus preparaa vontade e coopera com a vontade preparada. Na medida em que a
graça precede e prepara 0 livre-arbítrio, ela se chama preveniente. Na
medida em que a graça acompanha e capacita a vontade humana para
operar com a vontade divina, ela se chama graça cooperante” 49. “Ape-
nas quando os pecadores são auxiliados pela graça preveniente é que
eles podem começar a ceder seus corações para a cooperação com as
formas subsequentes de graça”. “A necessidade da graça ser preveniente
é grande, pois é precisamente quando ‘estando vós mortos em ofensas
e pecados’ (Ef. 2.1) que ‘pela graça sois salvos’ (Ef.2.8)” 50.
48. Quero deixar claro que minhas ilustrações simples não foram extraídas de Oden e
que não sei 0 que ele pensaria acerca delas. A culpa pelas imperfeições da ilustração
não deve ser atribuída a ele.
49. Oden, The Transforming Power of Grace, 47. 50. Ibid.
50. Ibid.
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conclusão
Os enigmas do
Calvinismo
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A LÓGICA É IMPORTANTE. A maioria dos calvinistas concorda. Sproul,
por exemplo, insiste que a teologia não deve possuir quaisquer contra-
dições. Mistérios - sim; contradições - não. Mais uma vez, um mistério
é algo além de nossa completa compreensão - como a trindade, por
exemplo. Uma contradição é algo impossível - um solteiro casado, umquadrado redondo, dois mais três é igual a quatro. Poucos calvinistas
querem adotar contradições. Qualquer um que adotar ou expressar uma
contradição está adentrando no absurdo. O que é um paradoxo? É uma
aparente contradição e, portanto, sempre uma tarefa que exige reflexão
mais aprofundada.
Mas eu gostaria de sugerir que há uma categoria entre o mistério e
a contradição ou entre 0 mistério e 0 paradoxo enigma. Um enigma
é um quebra-cabeça mental - algo que estremece a mente. Pode ser
uma contradição, mas é difícil de saber. Pode ser um sinal de mistério,
mas beira à insensatez. Em todos os lugares e para todo mundo, um
enigma é um sinal de algo errado, algo a ser examinado e refletido e,
esperançosamente, resolvido.
Um exemplo extraído da ciência é a luz. Ela manifesta tanto aspec-tos de partículas quanto de ondas. Como ela pode ser as duas coisas
até mesmo os melhores físicos não estão certos. Ela parece ser as
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Contra o Calvinismo
duas coisas, mas não há nenhuma forma conhecida de que ela possa
ser ambas as coisas. Assim sendo, a ciência continua a trabalhar na
resolução do problema. Simplesmente sentar e dizer: “Bem, isso não
é maravilhoso; a luz é um mistério, portanto, vamos deixar as coisascomo estão e vamos prosseguir” não satisfaria a ninguém com uma
mente sensata. Mentes investigadoras querem saber como um enigma
pode ser resolvido.
Acredito que 0 calvinismo tenha muitíssimos en igmas e enigmas
profundos que não possuem soluções aparentes. Eles chegam, às vezes,
até mesmo a parecer contradições, embora não sejam contradições ló-
gicas, formais. O enigma mais óbvio e mencionado com frequência, até
mesmo por calvinistas, é a combinação de soberania absoluta divina e
a responsabilidade humana. Como já visto, até mesmo John Piper, um
erudito detentor de um doutorado em estudos do Novô Testamento de
uma das maiores universidades europeias, admite que ele não compre-
ende essa questão. Ele simplesmente aceita 0 enigma por pensar que
a Escritura 0 exige.
A maioria dos calvinistas admite que isso seja um problema, um
enigma, pois como as pessoas podem ser ordenadas a pecar e o pecado
delas é tornado certo por Deus de tal maneira que elas não possam fazer
o contrário (ex. Adão) e, ainda assim, as pessoas sejam responsáveis pelo
pecado no sentido de culpa? Sob nenhuma circunstância em situações
humanas uma pessoa seria tida por responsável e seria punida por algoque ela não poderia evitar fazer. Entretanto, isso é o que o calvinismo
diz acerca de Deus e dos pecadores. Isto é, de fato, um enigma. Alguns
o chamam de “antinomia” , que é simplesmente mais uma palavra para
enigma. Não há nada estritamente ilógico no sentido formal acerca da
combinação de determinismo e responsabilidade, mas ele vai contra 0
caráter de toda experiência e pensamento humano.
Para muitos de nós este enigma está por demais repleto com ten-
são para que seja aceito. Ele precisa ser resolvido ao ser modificado e,
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Os enigmas do Calvinismo
felizmente, a Escritura permite isso Como? A preordenação de Deus
das decisões e ações das pessoas não é nada mais que sua decisão de
permiti-las. E ele as permite pela autolimitação, não “permissão dese-
josa, específica” que as tornam certas. Os que pecam são responsáveise devem prestar contas porque eles poderiam ter agido de maneira
diferente com 0 livre-arbítrio que Deus lhes deu.
Outro enigma do calvinismo que está cheio de tensão: se 0 determi-
nismo divino for verdadeiro, nada é, de fato, mau. Pense a respeito. Se
0 Deus todo poderoso e bom desejou, de maneira específica, e tornou
certo cada evento da história, como algo pode ser realmente mau? Essenão deve ser o melhor de todos os mundos possíveis? Por que Deus
preordenaria e tornaria certo qualquer coisa que não fosse o melhor
de todos os mundos possíveis? E como qualquer coisa, no melhor dos
mundos possíveis, pode ser, de fato, ontologicamente (em oposição à
simplesmente nossa percepção) mau? Se eu fosse calvinista (no sentido
determinista divino e forte) eu teria dificuldade em ficar bravo ou afetado
em relação à qualquer coisa, pois eu tentaria ver tudo como a vontade
de Deus - planejada e intencionada por Deus por uma boa razão, ainda
que esta razão seja simplesmente “a maior glória de Deus”. Até mesmo
o próprio inferno deve ser bom, pois ele manifesta a justiça de Deus e,
consequentemente, glorifica a Deus. Então por que pensar que o inferno
é um lugar ruim? De mesma sorte, o abuso infantil, assassinato, estupro,
genocídio - todos desejados e tornados certos por Deus. Então por quepensar que tais coisas são ruins?
1. Em The Pleasures of Cod John Piper critica o teólogo Clark Pinnock por adotar o
teísmo aberto em razão da “lógica exigida e pelo fato de a Bíblia o permitir”. Mas
considero a crítica como inválida. Todo cristão, até mesmo John Piper, acredita em
certas coisas pelo fato de a razão exigi-las e a Bíblia as permitir. Talvez ele não esteja
cônscio disto, mas me parece claro que ele acredita na expiação limitada da mesma
forma que Pinnock acredita no teísmo aberto. Afinal de contas, em nenhum lugar a
Bíblia explicitamente diz ou exige a crença de que Jesus tenha morrido apenas pelos
eleitos; a expiação limitada é uma inferência feita a partir de algumas passagens
bíblicas [do evangelho] de João. Por que as pessoas, tais como o Piper, gostam da
expiação limitada? Penso que seja em razão da lógica que acróstico TU LIP exige.
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Contra o Calvinismo
Aqui é onde os calvinistas respondem ao apelar para as duas vontades
de Deus - a decretiva e a preceptiva. Deus decreta tudo o que vem a
acontecer e, portanto, ela é, em certo sentido, para uma maior glória de
Deus. Mas ele também ordena que não façamos certas coisas e, portan-to, fazê-las, é mau. O resultado, claro, é que quando uma pessoa mata
outra, a pessoa está fazendo tanto algo mau quanto algo bom. Qual é
a realidade mais elevada? Bem, obviamente, o beneplácito de Deus é
a lente mais ampla pela qual o acontecimento deve ser visto. Portanto,
0 acontecimento não é totalmente mau, é? Então alguns calvinistas
responderão dizendo que 0 mal em um ato como assassinato jaz na
disposição, intenção e motivo do assassino e não no próprio ato em si.
Deus preordena e torna 0 ato certo (0 assassino levantando a faca e a
cravando no peito na vítima). Mas o motivo de Deus é bom ao passo
que 0 motivo do assassino é mau. Como que essa explicação nos ajuda?
Afinal de contas, de onde veio a intenção e disposição do assassino?
Simplesmente dizer “nós não sabemos” só irá suscitar uma pergunta
ainda mais complicada: Como pode ser isso quando 0 calvinista já dis-se que Deus preordena e torna certo tudo, sem exceção, incluindo as
intenções e os pensamentos das criaturas? Como que isso não inclui o
motivo mau do coração do assassino? E mais, como Deus pode tornar o
assassinato certo sem garantir que 0 assassino tenha um motivo mau?
Então a maioria dos calvinistas dirá que 0 motivo ou intenção má surgiu
em razão de Deus retirar ou reter sua graça inibidora. Como que isso
ajuda? Deus ainda é 0 autor do motivo mau ao, de maneira intencional,
proposital e ativa, retirar ou reter aquilo que ele sabia que teria impedido
0 assassinato. E ele supostamente é 0 autor do assassinato com um mo-
tivo e um propósito bom - seja lá o que isso realmente signifique. Isso
também sugere um erro na criação, de maneira que ela não foi criada
inerentemente boa. Parece que a explicação calvinista está dando voltas,
andando em círculos, sem jamais conseguir explicar como alguma coisa
é verdadeiramente má. Penso que a maioria dos calvinistas ainda não
começou a aceitar e a lidar com este enigma.
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Os enigmas do Calvinismo
Outro enigma intimamente relacionado é que se 0 calvinismo for
verdadeiro, nada, de jeito nenhum, pode ferir ou diminuir a glória de
Deus. Um amigo calvinista escreveu um livro acerca de uma suposta
heresia que diminui a glória de Deus 2. Mas como isso pode acontecer?Não pode. Cada heresia, como todas as demais coisas, é preordenada
por Deus para a sua glória. Assim, em termos lógicos, ela contribui para
uma maior glória de Deus. Mesmo que a heresia diga que Deus não é
glorioso, tal afirmação também glorifica a Deus - assim como todas as
demais coisas. Logicamente, parece que um calvinista consistente jamais
pode dizer que algo prejudica ou diminui a glória de Deus e isso no me-lhor sentido possível, pois caso contrário, Deus não teria preordenado
tal coisa para sua glória.
Neste exato momento alguns leitores podem estar dizendo: “Espera
um pouco. Eu não ligo para os enigmas. E daí? Não é espiritual aceitar
todas as verdades bíblicas ainda que elas sejam confusas e até mesmo
aparentemente contraditórias?”
Primeiro, ninguém está te dizendo para não aceitar as verdades
bíblicas. A questão é se a Palavra de Deus na verdade exige crença em
enigmas ou se os enigmas são sempre um sinal de algo errado em nos-
sa interpretação da Palavra de Deus. Presume-se que Deus seja o autor
da lógica e da razão (tais, no seu melhor, como funções da imagem de
Deus). Todas as interpretações bíblicas sérias procuram resolver as in-
consistências presumindo que Deus apela tanto a nossas mentes quantoa nossos corações.
Segundo, até mesmo a maioria dos teólogos calvinistas quer evitar
ou resolver os enigmas enquanto que rara e relutantemente admitindo
que alguns parecem ser inevitáveis.
Terceiro, mesmo os calvinistas tentam diminuir outras teologias ao
apontar para os enigmas que elas possuem. Certamente seria utilizar dois
2. Bruce Ware, Gods Lesser Glory: The Diminished God of Open Theism (Wheaton, IL: Crossway, 2000).
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Contra 0 Calvinismo
pesos e duas medidas ao adotar enigmas de maneira confortável enquan-
to que, ao mesmo tempo, utilizar enigmas contra 0 arminianismo. Por
exemplo, muitos calvinistas usam a crença dos arminianos de que Deus
conhece 0 futuro de maneira exaustiva e infalível como um enigma aocombinar a crença em livre-arbítrio e a habilidade de fazer 0 contrário do
que alguém faz. Como Deus pode saber 0 futuro sem preordená-lo. Uma
vez que os calvinistas utilizam tal tática quando criticam outras teologias,
eles não podem adotar enigmas em suas teologias sem buscar resolvê-los.
Um enigma que eu já enfatizei anteriormente é a crença calvinista de que
Deus escolhe salvar algumas pessoas e “ignorar” outras, e que esta seleção
não tem nenhuma relação com qualquer coisa que ele veja nas pessoas ou
que seja acerca destas pessoas. Todavia, esta seleção não é arbitrária. Eu
já argumentei anteriormente que não existe um meio termo entre arbitra-
riedade e algo acerca das pessoas que faz com que Deus as selecione (tal
como uma resposta livre para o convite de Deus para ser salvo). Apelar
para 0 mistério é incorreto; isto não é um mistério, mas um enigma.
Mas 0 maior enigma de todos tem a ver com 0 caráter de Deus. Prati-
camente todos os calvinistas confessam que Deus é 0 padrão de bondade
moral, a fonte de todos os valores, a fonte perfeitamente terna do amor.
Então eles também confessam que Deus ordena, planeja, controla e torna
certo os atos malignos mais ofensivos, tais como seqüestro, estupro e o
assassinato de uma criancinha e 0 massacre genocida de centenas de
milhares em Ruanda. Eles confessam que Deus “certifica-se” de que ohomem peque, como na queda de Adão e Eva. E confessam que toda
a salvação é um ato absolutamente de Deus e que não depende das
decisões do livre-arbítrio das pessoas (monergismo) e que Deus salva
apenas alguns, quando ele poderia salvar todos - garantindo que grande
parte da humanidade venha a passar a eternidade no inferno quando
Ele poderia salvar as pessoas do inferno.
Todas as teologias não possuem enigmas na medida em que tentam
ser abrangentes e sistemáticas? Provavelmente sim. Uma forma de
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Os enigmas do Calvinismo
analisar a escolha entre as teologias concorrentes (quando a Escritura
não é absolutamente clara)3é decidir à base de quais enigmas alguém
consegue viver. Para mim, e para a maioria dos não calvinistas, nada
é mais importante do que preservar, proteger e promover o bom nomede Deus - a reputação de Deus que tem por base 0 seu caráter bom.
Na medida em que o calvinismo minimiza isso, eu não posso viver com
seus enigmas porque eles, no final das contas, causam danos à reputação
de Deus - tornando difícil fazer uma distinção entre Deus e 0 diabo.
Alguns leitores podem questionar a sinceridade de meu apelo ou
0 sucesso de meu esforço em escrever acerca do calvinismo com umespírito conciliador. Eu, todavia, peço que você tenha em mente uma
nítida diferença entre pessoas e crenças. De forma alguma eu desejo
denegrir os calvinistas; 0 fato de eu defender que a crença calvinista,
em última estância, minimiza a reputação de Deus não causa nenhum
reflexo na integridade, sinceridade, espiritualidade ou sucesso como
ministros e evangelistas. Eu não possuo hostilidade contra nenhum dos
meus irmãos e irmãs calvinistas em virtude de suas crenças equivocadas.
Eu enfrento dificuldades com algumas de suas interpretações errôneas
acerca de minha própria teologia, mas tento não ficar ressentido com
eles, apesar disso.
Claro que eu gostaria de persuadir os cristãos para que evitem 0 cal-
vinismo, não porque penso que ele irá matar a fé ou a espiritualidade
dos cristãos, mas porque quero que as pessoas pensem melhor acercade Deus do que o calvinismo permite. Acredito que Deus se importa com
3. Claro, algumas pessoas de ambos os lados da divisão monergismo/sinergismo
argumentarão que a Escritura é absolutamente clara acerca destes assuntos em
disputa. Mas como pode ser tal coisa, se, de maneira igual, cristãos sinceros, tementes
a Deus, que amam a Jesus e acreditam na Bíblia têm discordado há centenas de anos
e continuam discordando, apesar de análises igualmente profundas de textos bíblicos?
Um orador calvinista declarou publicamente que os não calvinistas não “honram” a
Bíblia. Declarações semelhantes podem ser ouvidas de não calvinistas em relação aos
calvinistas. Eu não penso que os calvinistas, até mesmo calvinistas rígidos do tipo
de “cinco pontos", desonram a Bíblia. O que penso é que eles estão cegos para as
"conseqüências lógicas e necessárias” resultantes de seu sistema teológico.
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Contra 0 Calvinismo
o que pensamos acerca dele, e, pelo fato de eu amar a Deus, eu quero
que todas as pessoas pensem corretamente acerca dele.
Como busquei deixar claro em todo esse livro, acredito que o calvinis-
mo rígido, inadvertida, mas inescapavelmente, impugna o bom caráterde Deus. Que eu quero persuadir as pessoas a evitarem 0 calvinismo não
significa que eu quero que eles evitem os calvinistas. Para ser honesto,
penso que os evangélicos calvinistas são alguns dos melhores cristãos do
mundo. Eu só acho que eles são terrivelmente inconsistentes e ensinam
e acreditam em doutrinas que contradizem à Bíblia, a maioria da tradi-
ção cristã e a razão. E penso que algumas destas doutrinas desonram a
Deus ainda que esta não seja a intenção dos calvinistas. Também penso
que algumas destas doutrinas levarão ao menos alguns jovens cristãos
a impasses teológicos e espirituais.
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apêndice 1
Tentativas Calvinistas de
resgatar a reputação de Deus
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EM TODAS AS ÉPOCAS, mas principalmente na época em que vive-
mos, certos calvinistas reconheceram os problemas que sua visão da
soberania de Deus apresenta para a reputação de Deus e ofereceram
soluções que supostamente abrandam a situação de Deus ser o autor do
pecado e do mal. Em outras palavras, estas são tentativas de resgatar a
bondade de Deus à luz da preordenação divina absoluta e 0 ato de Deus
tornar certo todas as coisas, até seus mínimos detalhes, mas, principal-
mente, as decisões e ações más das pessoas. Se Deus é absolutamente
soberano sobre tudo, sem autolimitação que visa o livre-arbítrio das
criaturas (habilidade de fazer 0 contrário, incluindo a habilidade de frus-
trar a vontade de Deus), como é que Deus não é 0 autor do pecado e do
mal? E como é que as criaturas são responsáveis pelo mal e não Deus?
Vamos com eçar com um precedente legal que será utilizado por
completo para examinar se estas estratégias funcionam para abrandar
0 problema: a queda de Adão no jardim do Éden. Todos os calvinistas
concordam que Deus preordenou e tornou certa a queda com suas con-
seqüências. Já vimos algumas das formas em que os calvinistas tentam
tirar a culpa de Deus, assim por dizer, de ser culpado pelo pecado de
Adão. Como é que Deus não é culpado e Adão foi? A primeira estratégia comumente utilizada é a de apelar para causas se-
cundárias. Este é um conceito filosófico oriundo da filosofia de Aristóteles;
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Contra o Calvinismo
o teólogo medieval Tomás de Aquino (1225 - 1274) 0 utilizou para explicar
como Deus garante que tudo aconteça, mas que não é culpado do pecado
e do mal. Calvino fez uso deste conceito para distanciar 0 poder soberano
de Deus operando todas as coisas de acordo com seu propósito das deci-sões e ações más das criaturas. O calvinista contemporâneo Paul Hem diz:
Há um a longa e honorável tradição segundo a qual existem causas
primárias e secundárias. A causa (ou causas) prim ária é 0 sustento
divino; as causa secundárias são os poderes causais das coisas criadas:
o poder da semente germinar, de uma pessoa sentir fome ou descer
a rua, e assim por diante '.
Poucos cristãos (ou teístas em geral) discordariam deste uso dos con-
ceitos de causas prim árias e secundárias. Deus é, naturalmente, o criador
e sustentador de tudo fora de si mesmo e, portanto, precisa sustentar e
até mesmo cooperar (mesmo que se apenas pela mera permissão) com
qualquer coisa que aconteça na esfera das criaturas. As criaturas não
possuem poder absoluto ou autônomo de si mesmas em contraste com
Deus de forma que possam ser e agir totalmente à parte dele.
Todavia, os problemas surgem quando esta distinção entre causas
primárias e secundárias é aplicada à providência divina para resolver
0 problema da bondade de Deus e o mal das criaturas. Por exemplo, 0
calvinista Loraine Boettner argumenta que Satanás foi a “causa [mais]
próxima” (0 mesmo que causa secundária) da queda de Adão. Isto, ele
diz, remove toda a culpa de Deus ainda que Deus seja a causa final (omesmo que causa primária) 2. Entretanto anteriormente, ele admite
que Satanás era o “instrumento” de Deus 3. Ele também diz que Deus
jam ais é a “causa eficaz” do pecado 4. Este em aranhado de causas surge
1. HELM, Paul. A providência de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 76.
2. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 251.
3. Ibid., 241.
4. Ibid.
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Contra o Calvinismo
ordena o mal, mas ele náo planeja 0 mal como mal, como o agente hu-
mano 0 faz. No caso de Deus há outra descrição da ação moralmente
má que ele quer que a ação má preencha. Deus tem em vista outros
fins e propósitos” 6.Então, Deus planejou, preordenou, tornou certo e controlou a queda,
mas Deus não é culpado e Adão é em razão das intenções diferentes de
Adão e de Deus como causas primárias e secundárias. Mas Deus não
age como 0 instigador último da intenção má de Adão? De onde mais
a intenção poderia vir? Se traçamos toda a origem à Deus, como Meeter
insiste que devemos fazer, Deus ainda não é o iniciador e 0 instigador
e a causa última da vontade má de Adão? O ato de simplesmente dizer
que Deus planejou a queda para 0 bem é 0 suficiente para isentar Deus
da responsabilidade neste caso? Penso que não.
Há uma analogia para esta explicação calvinista do papel inocente
de Deus no pecado e no mal na experiência humana? Penso que não.
Lembre-se da analogia que ofereci anteriormente do pai que manipulava
seu filho para roubar dinheiro. Não consigo pensar em um único exemplo
onde uma pessoa que torna certo que outra pessoa faça algo mau seja
considerada inocente - mesmo que a intenção seja para o bem. Em
minha analogia este pai manipulador planejou utilizar o dinheiro que seu
filho roubou para ajudar 0 pobre, 0 que não diminui sua responsabilidade
legal no assalto. Como Evans (citou anteriormente): “A responsabilidade
última... reside onde a causa última está” 7.Parece que o apelo para a distinção entre causas primárias e secun-
dárias fracassa em ajudar o calvinista a resolver 0 problema de Deus e
o mal. Deus ainda é a causa última do mal em mais do que no sentido
simples de ser 0 criador e sustentador do universo e 0 ser poderoso que
deve cooperar com a ação do praticante do mal.
6. HELM, Paul. A providência de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 169
7. Evans, “Reflections on Determinism and Freedom,” 263.
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Tentativas Calvinistas de resgatar a reputação de Deus
Outra estratégia empregada por alguns calvinistas para resgatar a re-
putação de Deus apesar do determinismo divino do pecado e do mal, é
apelar para o que é chamado de “ molinismo” ou “conhecimento médio”.
O teólogo calvinista Bruce Ware utiliza esse método para explicar comoDeus preordena e torna certo até mesmo as ações más das pessoas, tal
como Adão em sua rebelião, e, entretanto, não é culpado e não carrega
nenhuma culpa 8. O molinismo (que recebeu o nome do teólogo jesuíta
do século XVI Luis de Molina [1535 - 1600]) é a crença de que Deus
possui “conhecimento médio” - conhecimento de que qualquer criatura
poderia fazer livremente em qualquer conjunto de circunstâncias. A cria-tura pode possuir liberdade libertária - liberdade não compatível com
o determinismo e capaz de fazer o contrário do que ela faz - mas Deus
sabe 0 que a criatura faria com aquela habilidade em qualquer situação
concebível (a saber, logicamente possível). Um calvinista molinista, tal
como Ware, deve alterar a visão molinista tradicional de conhecimento
médio, pois ele não acredita em liberdade libertária - 0 poder da escolha
contrária. Então Ware tenta construir uma versão de molinismo que não
utilize a liberdade libertária, mas que utilize a liberdade compatibilista
com o conhecimento médio.
Ware emprega esta ideia de conhecimento médio para explicar a
soberania imaculada de Deus sobre 0 mal. De acordo com Ware, Deus
tem a habilidade
de prever, pelo conhecimento médio, um conjunto de situações
no qual suas criaturas morais (angélicas e humanas) escolheriam e
agiriam conform e escolheriam e agiriam. Mais especificamente, Deus
8. A visão discutida aqui também é a sugerida pelo teólogo evangélico Millard Erickson
em Christian Theology (Grand Rapids, Mich.: Baker, 1983), 1:356 - 62. Erickson a chama
de “modelo moderadamente calvinista”. É difícil enxergar o que há de “moderado” nesta visão ao passo que Erickson termina onde todos os calvinistas terminam
- com o determinismo divino. Mas, mais tarde, assim como Ware, Erickson usa o
conhecimento médio para tentar reconciliar o determinismo divino com a liberdade
humana (compatibilista) e resgatar a reputação de Deus ao isentar Deus de causar o
pecado e o mal.
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Contra 0 Calvinismo
[é] capaz de saber exatamente o que um agente moral faria em uma
situação, com seus fatores complexos particulares, em oposição ao
que o agente faria em uma situação levemente diferente, com um
conjunto de fatores levemente diferentes 9.
A fim de garantir que o pecado que Deus quer que aconteça não
aconteça sem que ele seja a sua causa direta ou responsável por ele
(no sentido de culpa), Deus simplesmente coloca a criatura (ex. Adão)
em uma situação onde ele sabe que a criatura, de maneira voluntária,
desenvolverá um motivo controlador e que agirá pecaminosamente a
partir deste motivo. Ware chama tal coisa de uma “agência divina pas-
siva indireta”, que controla as escolhas pecaminosas humanas sem as
causar. Ware fornece mais explicações:
Quando Deus prevê vários conjuntos de fatores dentro do que
um agente desenvolverá uma inclinação mais forte para fazer uma
coisa ou outra, a inclinação mais forte que emerge destes fatores
não é causada pelos fatores e nem é causada por Deus. Antes, à luz
da natureza da pessoa, quando certos fatores estão presentes, sua
natureza responderá a estes fatores e buscará fazer 0 que ele, por
natureza, ma is quer fazer. Em suma, a causa da inclinação mais forte
e a escolha resultante é a natureza da pessoa em resposta aos fatores
que lhe foram apresentados 0.
Ware pen sa que tal abordagem inocenta Deus do mal enquanto que,
ao mesmo tempo, deixa Deus com soberania absoluta até mesmo sobre
0 mal. Ele sugere que, nesta descrição, nós devemos pensar em Deus
como “ocasionando” as ações e decisões pecaminosas de uma pessoa
ao mesmo tempo em que Ele não as “causa”.
Em razão de Deus conhecer, de maneira perfeita, a natureza de cada
pessoa, ele sabe como estas naturezas responderão a conjuntos específi-
9. Bruce Ware, God's Greater Glory: The Exalted God of Scripture and the Christian Faith (Wheaton, IL.: Crossway, 2004), 120.
10. Ibid., 122.
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Tentativas Calvinistas de resgatar a reputação de Deus
cos de fatores que lhe são apresentados. Assim sendo, sem causar uma
pessoa a fazer 0 mal, ele, todavia, controla 0 mal que as pessoas fazem.
Ele controla se 0 mal é feito, qual mal é feito e em qual (is) e todo(s)
0(s) caso(s) ele poderia impedir 0 mal de ser feito. Desta forma, Deus
mantém 0 controle meticuloso sobre o mal enquanto que suas criaturas
morais, unicamente, são os agentes que cometem o mal, e apenas elas
carregam a responsabilidade moral pelo mal que livremente cometem. "
Várias perguntas surgem a partir da explicação de Ware (e de outros
calvinistas) do envolvimento de Deus no pecado e no mal. Primeiro, dada
a forte visão da soberania de Deus, como é possível para uma criaturater uma natureza que deseja e então automaticamente desenvolve uma
inclinação maligna dominante independente da causalidade final divina?
De onde tal natureza se origina? Qual é a fonte do mal nela que a causa
a desenvolver uma inclinação ou motivo mal controlador e então a agir
de acordo com esta inclinação ou motivo? Esta explicação da natureza
humana não apresenta um elemento de autonomia das criaturas quenão é permitido no calvinismo tradicional?
Para ser específico, qual erro na natureza de Adão tornou inevitável
que ele pecasse que, caso ele fosse colocado em certas circunstâncias
(a saber, 0 jardim do Éden com a serpente etc.), ele poderia pecar? E
de onde este falha veio senão de Deus? A explicação de Ware parece
apresentar um defeito na existência humana dada por Deus ou um
nível de autonomia de Deus que não é consistente com a própria visão
calvinista rígida de Ware acerca da soberania.
Segundo, e talvez mais óbvio, como esta descrição da soberania de
Deus sobre o mal, de fato, isenta Deus, por assim dizer? Afinal de contas,
Deus ainda é o ser que manipula as decisões e ações que acontecem.
Por exemplo, de acordo com Ware, Deus conhecia Adão tão bem que ele
sabia que ele desenvolveria um motivo mal controlador e, conseqüente-mente, pecaria, caso fosse colocado no jardim com a serpente e a árvore.
11. Ibid., 124.
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Contra 0 Calvinismo
Em qual experiência humana tal pessoa manipuladora e controladora
não seria, ao menos, igualmente culpada juntamente com a pessoa que
pecou (ou cometeu o crime)? Ware oferece algumas ilustrações de tal
experiência, mas elas falham em pontos essenciais. Por exemplo, ele
pede a seus leitores que imaginem uma operação policial à paisana em
que 0 policial sabe, com certeza, que certo criminoso irá infringir a lei,
caso seja atraído para certa situação.
Tal cenário não é difícil de ser imaginado; qualquer telespectador do
programa Dateline já viu várias vezes algo do gênero na série To Catch
a Predator (Prendendo Aliciadores de Menores). No programa, oficiais
(ou pessoas orientadas por eles) utilizam salas de bate-papo para atrairpredadores sexuais para uma casa para ter relações sexuais com um
menor de idade. Quando 0 predador aparece, a polícia está lá para
cumprimentá-lo e prendê-lo. A polícia, claro, é inocente, ainda que ela
tenha manipulado 0 predador a tentar cometer um crime. Ware oferece
um exemplo assim (sem ser tão específico). Mas isso funciona? Isto é
realmente uma analogia do uso divino do conhecimento médio para
controlar 0 mau em sua visão da soberania de Deus?
Digo que esta explicação não funciona. Primeiro, a polícia que seduz
os predadores não tem relação nenhuma com o fato de eles terem se
tornado pervertidos sexuais. A polícia não é criadora de pessoas e não
é regente soberana do universo dos predadores. Aqui há autonomia
genuína; os predadores, assim como suas naturezas, não dependem da
polícia de forma alguma para que existam. Ware parece se esquecer,por um instante, que, de acordo com o calvinismo, sistema este que ele
plenamente adota, Deus é 0 criador de tudo, incluindo cada natureza.
O calvinismo rejeita radicalmente a autonomia das criaturas. Ele pare-
ce pensar que é compatível com o calvinismo dizer que certa natureza
inclinada para 0 mal pode existir sem que Deus seja sua fonte. (Apenas
0 livre-arbítrio libertário pode realmente explicar como uma natureza
boa torna-se má sem que Deus seja responsável por essa mudança. Mas
0 calvinismo de Ware rejeita o livre-arbítrio libertário)
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Tentativas Calvinistas de resgatar a reputação de Deus
Segundo, e intimamente ligado à primeira objeção, para que a ana-
logia funcione, você teria que imaginar a polícia não apenas atraindo
uma pessoa desconhecida, conhecida pela Internet, para uma casa,
Você precisaria imaginar a polícia também estabelecendo que a pessoaentre na Internet e que busque um menor de idade para que tenha
relações sexuais. E precisaríam os continuar a retroceder [na analogia]
para fazer com que a analogia entre Deus e a polícia funcione. A po-
lícia teria que, de alguma forma, manipular 0 predador em potencial
a ter pensamentos, sentimentos e desejos anormais. Afinal de contas,
Ware não acredita que Deus simplesm ente “encontra” um a pessoa, tal
como Adão, e então faz uso de sua natureza deturpada, que já existe
de maneira independente, e que fará surgir inevitavelmente uma incli-
nação rebelde. Deus é 0 Criador de Adão; tudo acerca de Adão é criação
de Deus. Dizer o contrário é introduzir um elemento de autonomia das
criaturas que é excluído pelo forte entendimento calvinista concernente
a soberania de Deus.
Terceiro, em uma operação policial à paisana, tal como To Catch a Preda- tor, o policial, na relidade, jam ais permite que 0 predador prejudique alguém.
Os policiais apenas permitem que os predadores cheguem até determinado
ponto da situação. Se 0 policial ou até mesmo os agentes do programa te-
levisivo que estão sob 0 olhar vigilante da polícia alguma vez permitissem
que um menor fosse prejudicado, eles mesmos seriam responsáveis pelas
acusações criminais das quais os predadores serão indiciados. A principal objeção à utilização de Ware do conhecimento médio
como ferramenta para explicar a soberania de Deus sobre 0 mal é que
ele faz de Deus o manipulador mestre que torna o pecado e o mal cer-
tos. Em sua visão, Adão foi colocado em uma situação precária onde
Deus sabia que Adão indubitavelmente cairia. Não importa 0 fato de ele
ter caído voluntariamente ou não; ele não teria caído caso Deus não o
tivesse colocado naquela situação específica com o propósito de garantir
que ele pecasse.
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Contra o Calvinismo
Não importa 0 quanto ele insistentemente assegure 0 contrário, Ware
ainda faz de Deus o autor do pecado e do mal. Ainda que ele pudesse
nos explicar como, de alguma forma e em um sentido puramente legal,
Deus não era responsável pelo pecado real e que Adão fosse 0 único
responsável pelo pecado (que eu duvido que seja possível), ainda have-
ria 0 problema da intenção de Deus em tornar o pecado certo. Por que
um Deus bom, um Deus de amor perfeito, iria querer tornar 0 pecado
certo mesmo de uma maneira indireta (mas manipulativa)? A explicação
que a intenção de Deus em tornar 0 pecado certo é boa simplesmente
não é convincente pelas razões já explicadas, principalmente quando 0
sofrimento eterno no inferno espera aqueles a quem Deus manipulou
para que pecassem.
Em suma, muitas das defesas padrões do calvinismo, quando colo-
cadas seriamente à prova, revelam uma confiança chocante em noções
da soberania de Deus que O tornam o autor final do pecado e do mal.
Apesar de suas intenções, eles não são bem sucedidos em isentar a
Deus, por assim dizer, do mal. Ou seja, eles não resgatam a reputaçãode Deus dos efeitos corrosivos do determinismo divino.
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1. Qualquer outra visão da soberania de Deus que não seja a visão
calvinista diminui a glória de Deus; apenas “as doutrinas da graça”
honram e sustentam plenamente a glória de Deus.
Tudo depende do significado de “Glória de Deus”. Se ele significa po-
der, então talvez a afirmação esteja correta. Mas o poder não é glorioso
exceto quando guiado pela bondade e amor. Hitler era poderoso, mas
obviamente, não glorioso. Jesus Cristo revelou Deus como “nosso Pai”
e, portanto, como bondoso e amoroso. Na verdade, o calvinismo rígido
(TULIP), erroneamente rotulado como “as doutrinas da graça” pelos
calvinistas, diminui a glória de Deus ao representá-lo como perverso
e arbitrário. Além do mais, se o calvinismo estiver correto, nada pode“diminuir a glória de Deus”, pois Deus preordenou tudo para a sua glória.
2. As teologias não calvinistas da salvação, tal como o arminianismo,
tornam a salvação dependente das boas obras, pois a decisão do pe-
cador de aceitar a Cristo torna-se o fator decisivo em sua salvação.
Parece mais o caso que o calvinismo torna a salvação dependente dasboas obras ou de algo bom acerca das pessoas eleitas para a salvação,
senão, como é que Deus as escolhe dentre a massa de pessoas destinadas
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Contra o Calvinismo
ao inferno? Ou é algo que Deus vê nessas pessoas senão a escolha de
Deus destas pessoas é arbitrária e caprichosa. Além do mais, a teologia
arminiana náo torna a salvação dependente das boas obras; toda a
“obra” de salvação é de Deus. O pecador é capacitado a se arrependere a crer pela graça preveniente de Deus e a mera decisão de aceitar a
salvação de Deus não é uma boa obra; ela é simplesmente a aceitação
de um dom da graça. Em caso nenhum a aceitação de um presente é
considerada 0 “fator decisivo” para que o presente seja usufruído.
3. Apenas o calvinismo pode explicar como Deus garantiu que Cris-
to morreria sua morte expiatória na cruz. A menos que Deus tenha
preordenado que certos homens pecadores 0 crucificariam, Deus nâo
poderia ter assegurado a crucificação.
Supor isso é totalmente desnecessário. Certamente que Deus, em sua
sabedoria e poder, pode garantir que certo evento aconteça sem precisar
manipular certas pessoas para que pequem. Sim, Deus preordenou a
cruz de Cristo, mas ele não fez com que certos homens (ou “garantiu”
que eles) pecassem. Uma alternativa é a de que, no momento certo,
Jesus Cristo entrou em Jerusalém em sua “entrada triunfal” , sabendo que
isso provocaria sua crucificação. Não havia necessidade de manipular
certos indivíduos para que pecassem.
4. A menos que o calvinismo seja verdadeiro, não podemos confiar que a Bíblia seja inerrante. A Bíblia só pode ser a Palavra de Deus
caso Deus tenha anulado o livre-arbítrio do autor.
Nem o arminianismo ou quaisquer teologias não calvinistas dizem
que Deus jamais anula o livre-arbítrio de uma pessoa. O que elas dizem
é que Deus jamais preordena ou torna certo 0 pecado ou a escolha de
aceitar a graça de Deus. Deus faz pressão nas pessoas para que façam0 bem, incluindo receber a Cristo, mas jamais as influencia para que
façam 0 mal ou anula 0 livre-arbítrio na questão da salvação.
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Respostas às alegações Calvinistas
5. Só o calvinismo pode explicar a soberania de Deus sobre a natureza
e história; a menos que Deus preordene e controle cada evento, até
os mínimos detalhes da existência e até cada pensamento e intenção
da mente e coração, Deus não pode ser soberano.
Este não é 0 significado de “soberania” em nenhum contexto huma-
no. Uma pessoa soberana está no comando, mas não no controle do
que acontece em seu domínio. Deus pode guiar o curso da natureza e
história para seu objetivo planejado e garantir que a natureza e história
cheguem ao fim desejado sem controlar tudo. Deus é como 0 mestre
de xadrez que sabe como responder a cada jogada que seu oponentefaz. Não há perigo de que a vontade final divina não seja feita. Na ver-
dade, 0 calvinismo não consegue explicar a Oração do Pai Nosso que
nos ensina a orar “seja feita sua vontade, assim na terra como no céu”,
que sugere que a vontade de Deus não é sempre realizada na terra. De
acordo com 0 calvinismo, ela é!
6. Só o calvinismo pode explicar passagens tais como Romanos 9, que
diz que Deus tem misericórdia de quem ele quer ter misericórdia.
Vista de maneira descontextualizada de todo o livro de Romanos,
0 capítulo 9 pode parecer apresentar um problema para a crença no
livre-arbítrio. Todavia, a interpretação calvinista, que ensina a escolha
incondicional e até arbitrária de pessoas, por parte de Deus, de sorteque algumas são salvas e outras condenadas, jamais foi ouvida antes
de Agostinho, e isso no século V. Toda a patrística grega interpretava
Romanos 9 de maneira diferente. Uma interpretação alternativa perfei-
tamente sensata diz que a passagem de Romano 9 não está se referindo
à indivíduos ou à salvação pessoal, mas à grupos e ao serviço. Deus é
soberano em escolher Israel e então a igreja gentia para que cumpram
seus respectivos papeis em seu plano de redenção.
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Contra o Calvinismo
7. A teologia reformada, calvinismo, é a única base para a teologia
cristã bíblica ortodoxa. Todas as demais abordagens, tal como o armi-
nianismo, uma teologia centrada no homem, levam inevitavelmente
à teologia liberal.
O arminianismo não é uma “teologia centrada no hom em ” , mas uma
teologia centrada em Deus. Ele é movido total e exclusivamente por uma
visão da bondade e am or incondicionais de Deus. A principal razão pela
qual os arminianos e outros não calvinistas acreditam no livre-arbítrio é
para preservar e proteger a bondade de Deus de maneira a não fazer dele
0 autor do pecado e do mal. O calvinismo dificulta traçar uma diferençaentre Deus e 0 diabo, exceto no sentido de que 0 diabo quer que todos
vão para 0 inferno e Deus quer que alguns vão para 0 inferno. A teologia
arminiana não leva à teologia liberal. Na verdade, 0 calvinismo leva. Frie-
drich Schleiermacher, o pai da teologia liberal moderna, era calvinista!
Ele jamais sequer considerou 0 arminianismo; ele foi do calvinismo rígi-
do e conservador direto para 0 universalismo enquanto que manteve a
providência meticulosa divina até mesmo sobre 0 pecado. A maioria dos
teólogos liberais do século XIX eram ex-calvinistas que vieram a abominar
sua visão de Deus e desenvolveram a teologia liberal sem qualquer ajuda
do arminianismo clássico. O arminianismo clássico foi preservado por
muitos fundamentalistas, cristãos pentecostais, de movimentos de santida-
de e batistas livres, nenhum dos quais podendo ser considerados liberais.
8. Deus tem o direito de fazer o que quiser com suas criaturas e, princi-
palmente, com os pecadores que merecem a condenação. Sua bondade
é mostrada em seu resgate misericordioso de alguns pecadores; ele não
deve nada a ninguém. As pessoas que Ele ignora merecem o inferno.
Enquanto pode ser verdadeiro que todos mereçam 0 inferno, embora
até mesmo muitos calvinistas hesitem em dizer isso acerca das crianças,
Deus é um Deus de amor que genuinamente deseja que todas as pessoas
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Respostas às alegações Calvinistas
sejam salvas, conforme o Novo Testamento claramente testifica em 1
Timóteo 2 .4 : “que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem
ao conhecimento da verdade”. Não há como fugir do fato de que “todos
os homens” signifique todas as pessoas, sem exceção. A questão não éimparcialidade, mas amor. Um Deus que poderia salvar a todos porque
ele sempre salva incondicionalmente, mas escolhe salvar apenas alguns
não seria um Deus bom ou amável. Ele certamente não seria 0 Deus de
1 Timóteo 2.4 e de passagens semelhantes.
9. Se Deus conhece de antemão o que acontecerá no mundo que ele
irá criar, incluindo a queda e todas as suas conseqüências, isto é o
mesmo que preordenar tudo, incluindo o pecado e o mal.
Deus conhece previamente porque algo vai acontecer; ele não conhe-
ce previamente porque ele preordena. Em outras palavras, de acordo com
a Escritura, tradição e a razão, 0 pecado de Adão é 0 que fez com que
Deus 0 conhecesse. Deus não previu o pecado de Adão e então decidiucriar 0 mundo no qual Adão pecaria. A diferença jaz na intenção de Deus.
O calvinista deve acreditar que Deus teve por intenção que Adão pecasse
e tornou 0 pecado certo, fazendo de Deus 0 autor do pecado. Arminianos
e outros não calvinistas acreditam que Deus jamais teve por intenção
que Adão pecasse ainda que soubesse que isso aconteceria. O pecado
não foi sua vontade. O calvinismo faz do pecado a vontade de Deus.
10. Teologias não calvinistas minimizam a segurança e a confiança
da salvação porque elas tornam a salvação dependente das decisões
humanas. Só o calvinismo proporciona conforto e segurança, pois ele
diz que tudo é de Deus, incluindo os dons de arrependimento e fé.
Na verdade, o calvinismo enfraquece 0 conforto e a segurança ao tornar
Deus arbitrário e moralmente ambíguo. Um Deus que predestinaria muitas
pessoas ao inferno quando poderia salvá-las, uma vez que sua escolha
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sempre é incondicional, não é confiável. E mais, como que as pessoas
podem saber, com certeza, que são eleitas? Muitos calvinistas duvidaram
de suas eleições. Os calvinistas falam de “sinais de graça” que provam
que alguém é eleito, mas e se a pessoa não tiver certeza ou não mostrar
sinais de graça suficientes? O calvinismo não proporciona mais conforto
e segurança do que 0 arminianismo ou teologias não calvinistas que ga-
rantem que as pessoas são salvas se confiarem unicamente em Cristo.
11. As teologias não calvinistas, tal como o arminianismo, acreditam
que o livre-arbítrio libertário, crença de que decisões e ações livres
simplesmente não vêm de lugar nenhum, seja impossível. O calvi- nismo e outras teologias, assim como muitos filósofos, sabem que o
“livre-arbítrio” simplesmente significa fazer o que você quer fazer e as
pessoas sempre são controladas por seus motivos mais fortes, então,
ser capaz de fazer o contrário - livre-arbítrio libertário, é uma ilusão.
Se “livre-arbítrio” só significa fazer 0 que você quer fazer ainda que
não possa fazer 0 contrário, como é que alguém é responsável por aqui-10 que faz? Se um assassino, por exemplo, não pode fazer outra coisa
senão matar, então um juiz ou um júri deve declará-lo inocente - talvez
por razão de insanidade. A responsabilidade moral, prestação de con-
tas e a culpa dependem da habilidade de fazer o contrário - liberdade
libertária. A visão calvinista de “livre-arbítrio” não é, de fato, livre, de
maneira nenhuma.
Outrossim, se não existe tal coisa como 0 livre-arbítrio libertário,
então Deus também não o tem, e isso faz com que criação de Deus do
mundo seja necessária e não escolhida livremente, neste caso, não pela
graça, mas pela necessidade. A visão calvinista de “livre-arbítrio” rouba
tanto a habilidade de Deus quanto a das pessoas de fazerem 0 contrário
e, consequentemente, suas ações e decisões não são louváveis e nem
culpáveis. O que é, é, e 0 que será, será. Isso caminha na contramão
de nossos instintos e intuições acerca da responsabilidade moral e a
liberdade transcendente de Deus de criar ou não criar.
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“Nenhum de nós está imune da tentação das acusações falsas, mas