Conto de Perom, o Melhor Cavaleiro Do Mundo

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PeromMatéria da BretanhaLiteratura Portuguesa MedievalO Livro de José de Arimateia

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  • ' I

    .Jose Carlos Ribeiro Miranda

    CONTO DE PEROM, 0 MELHOR CA V ALEIRO DO MUNDO

    Tcxto c comcntario de um:t narrativn do Livro de Jose de Arimateia,

    vcrsao portuguesa d:1 Estoire del Saim Graa/

    23 cdi~ao, rcvista

    fUNDO CERAL

    ~LUP - BIBLIOTE~

    1111~1 111111!11111~ ~~~ IIIII I~ 1111 919476

  • Picha tecnica:

    Autor: Jose Carlos Ribeiro Miranda Titulo: Conlo de Perom, o Melhor Cavaleiro do

    lvfundo. J'exto e coment6rio de uma narmfiva do "Livro de .Jose de Al'imatcia", vcrsao portuguesa do "Hstoirc del Saint l1raal"

    2" edir;ao, revista. Editor: Granito, J:ditorcs e /,/vreiro.\, Uda, Porto. I" cdir;ao: Porro, Casado Livro, 1994. ISBN 972 - 97530 - I - 6 Dep6sito legal nC) 12 1107/98 Jmprcssao: l?iagrtifica, Artes Grilfica.\, Ucla Fcvcrciro de 1998

    APRESENTA(;AO

    A est6ria que nos propornos editar e comcntar nao tcm uma existencia autonoma em qualcJuer colectan&'l medieval de contos ou narrativas breves - ali as, tao pouco reprcscntadas entre nos - , scndo antes um pequeno relato que e parte integrante de urn todo muito mais vasto - o romance a1tu ri ano em prosa - , possuindo ernbora uma estrutura suficien-temente coerente para justificar urna aten~ao propria . Mio oxistindo duvidas de que a sua primiti va rcdac~o se efectuou ern frances medieval, sendo sobejamente conhecidos os manus-critos em que so conscrva, ccdo transitou para o rcino do Portuga l, tendo sido traduzida provavelmcnte ainda no sec.XIII. Se nao lhe podemos recl

  • J - 0 CICLO ARTURIANO EM PROSA NO REINO DE PORTUGAL

    Os romances arturianos constitui rarn, durante a ldade Media, um vasto unjvcrso litorario, possuidor de uma dimensao e de uma estrutura intema de tal modo s61 idas que o tornaram quaso num sector a parte no scio das manifestay(ies literarias deste periodo. Em alguma medida por acyao da Fortuna que a tudo preside, em parte por uma tcmpora e profunda integrac;:3o no contcxto cultural do Ocidente europeu, o reino de Portugal foi uma das regioes onde aqueles tcxtos, nas versoes em prosa, conhecerarn uma nao negligenciavel divulgayao e, sobretudo, urna particular configurayao, cujo conhecimento esta Ionge de poder considerar-se como adquirido.

    Por circunstancias que se prendern com a nao oxistencia integral do tcxto frances corrcspondt.'llte, tem cabide a Demanda c/o Santo Graa/ o maior quinhao de fama o de roc.onhecirncnto1, por parte de criticos c cstudiosos contern-

    1 !1. Damcmdo do Santo Gm cd, existcnte actuabncnte em manuscrito lmico - o MS. 2594 da Bibliotcco Nacional do Vicna - conhcccu, atti hoje, quatro cdiryocs i11tcgmis: A Damondo do Samo Groal, ed. Augusto Mngne, 3 voll. , Rio de J:meiro, Jmprcnsa Nacional, 1944 (3 vol. : Glossario): A Dcmrmda do Santo Craa/, ed. Augusto Mngnc, 2 voll., Rio de Janeiro. lmprcnsa Nacional, 1955 (J vol.); 1971. (2 vol.); A Dqmanda do Srmto Groat, ediryiio de Joseph Piel c de Irene F. N1mcs . Lisboa, Jm)nensa Nacional Casa da Moeda, 1988; /I Damtmda do Santo Graal, ediryfa o de Irene F. N1mcs, Lisbon, lmprensa Nacionnl Casn da Mocda,

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  • porancos, c uma atcn~o que nom1alrncntc rclcga para a penumbra da indifcrcnya os restantes romances corn os quais aquclc convivia num contcxto que e usual designar-sc por "ciclico". Antes, porem, do avcriguar qual o senti do que na prcscntc scde convEhn atribuir a noyao de ciclo, vejamos quai s cram osscs romances a que a Demanda andava tao iuti mamcntc associad
  • atras mencionada Demanda do Santo Grcwl que, como c sabido, contempla, na sua parte final, llllla narravao da qucda do mundo arturiano e da norte das personagcns de proa desso uni verso narrativo, nomeadamente Lancelot, o rei A1t ur c a rainha Gcnevra. Este "ciclo" nfio mais seria do que tuna vcrsao abreviada do mais extenso Cicio da Vulgata, hipoteticarnente centrada na hist6ria da corte do rei Artur e nao ja na problematica dos amorcs adtlteros havidos entre a rainha Gencvra c LancelotG.

    Vejamos, porem, que outros romances arturianos em prosa terao ainda existido em Portugal e quais as rela9(5es que apresentam com estes que acabamos de mencionar. Comecemos pelo Lance/ot. Oeste romance os tra

  • ciclo de romances arturianos em prosa existente no reino de Portugal, do qual alguns textos se rcclamam da fal sa autoria de Robert de Boron. conteria t:-unbcm uma reda~io do Lrmrelot em prosa, fundamentalmentc idcntica pelo menos na poryno conservad::~ que dele constitui vestigio no romance que integra o Cicio da Vulgata .

    Porcm, ha mais. E cc1to que a porsonagem Tristao, bem como um punhado de outras que com ela contraccmun, no romance em prosa que a tcm como protagoni sta , n5o sao alhcias aos varios textos do ciclo que cstamos a considerar. 0 Ltvro de Josr de Arimafe/(1 menciona as raizes remotas da gcncalogia de Tristao: se a Contimmflio do Merlim contcm

    abund~111tc materia que visa fomcccr :mtecedcntcs ao enrcdo do Uvro d(! Tristoo, o tcxto que dcvcria anteceder a Demrmda do Santo Gmal - a ch:'lntada Folie Lancelot - contcmpb episodios que tem por funyao desenvolver e conclui r fi os narrativos que partcm desse romance; situayoes idcnticas podem faci lmente ser encontradas na Dt>mmtda: ate mesmo o seu cpilogo concluira com a mo1te do grande rival de Tristao, o rei Marc da Comualha.

    Perante cstas ci rcunst5ncias, 6 quase obrigatorio questionar qual a natureza das relay(5es que tmiriam o Uvro de 7iistao no rcstante ciclo em prosa. Ai nda aqui, o colo.fon do !.ancelot do MS 96 11 da B. N. de Madrid podc elucidar tal questao, so ti vennos bcm prcsentc a sua alcgayao. segundo a qunl "Aqui se acaua cl segundo y tcrcero li bro do Don Lanyarote de Lago y aso de comcnzar el Libro de Don T1istan "1 2 Ou seja. o Tristao em pros a constituiria tnmbcm parte do ciclo. devendo a sua leatum, ou pelo menos a de uma

    12 MS ll.N.M 9611. fol. 355v.

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    sua poryao final, ter Iugar apos a conclusao da do .Livro dt> Lrmcelot.

    Esta conclusao surprcendente, a primcira vista tem, no cnt;mto, mais pontos do apoio que a podem confirmar, como s~jam os testemunhos oxtcrnos aos tcxtos, fomccidos pcla pocsia dos nossos trovadorcs, quo constituiu uma privi lcgiada caixa de ressonancia para a literatura arturiana , sendo varios OS cantares que documentam 0 processo de rcccpyao dos diferentes romances em prosa. 0 mais signi ficativo gnapo dcsscs cantares, os l.ais da Bretanlw anonilllOS 11 reproduzem textOS OU cen::i rios de alguns desscs romances. Ora nao tera sido, porvcntura, acidentalmeutc que, so o primciro dclcs se referc a tnn episodio da Contimmfiio do Merlim o o ultimo a urn outro da Folie Lancelot, os tres intcrm6dios se relacionam eli recta mente como o Tristiio em prosa, apontando para o intimo convivio em que so situavalll todos estes romances nas cxpectativas do ptablico medieval. cste facto vem confinnar que, pelo menos mama 6poca recuada, em que estes textos alcanyaram uma lllaior divulgay.1o e um mais detalhado entendimento por parte do ptablico, em caso algum era conccbivcl a lcitura destc romance fora do contexto romancsco constituido pelas restantcs partes do ciclo.

    A pcrspcctiva assumida pela maioria dos estudiosos da actualidado, quo pretcnde Clle

  • com as refercncias cmzadas que cada urn deles comporta rclativamcnte aos rcstantcs o nao tem em conta o modo como cada um contribui para cstruturar um universo romancsco que a todos 6 cornum - e. enfim, uma perspectiva eivada de profundo anacronismo.

    Oeste modo, 6 possivel afinnar com alguma seguranya que a partir da scgw1da rnctadc do soc. X ILI se encontrou no rcino de Portugal urn extenso ciclo de romances arturianos em prosa, que contemplava, na sua pri mitj va fonna francesa, a Estoire del Saint Gmnl; o Merlin e sua extens~ Suite; os dois grandcs romances biogrMicos - o Lnncelot en prose e o Tristan en prose - ; tml toxto intennc:Xlio .que visava preparar a chcgada a busca do Graal a Folie Lancelot - ; e a Queste del Saint Gran/ do Pseudo-Boron, com o seu cpilogo que relatava a quoda do mundo arturiano. Um extenso ciclo, tal vez o mais amplo quo o sec. X I II viu nascer em terras do Franya, o nao tun ciclo abreviado para uso em rcgioos pcrifcricas, como ccrtos cstudiosos pret.endem fazer crer.

    Tal ciclo, que, nao tendo a tmidadc de um t'mico romance, era todavia dotado de uma coerencia intema que levava a que 16gicas bcm discemi vcis tomasscm cada parte necessaria ao entendimcnto do todo, colocava necessariamento scrios problemas de organizayao da escrita e, obviamcntc. tambem da leitura . Os romances biograficos - o Lancelot eo Tristan , dada a sua unidade, devcriam ocupar dois ou tres livros cada um, cmbora pudcsscm ser correntemcnte dcsignados por Livre de l.nncelot14 e Livre de 1iistan15. Os

    14 Vcjn-sc. por cxcmplo. o cpilouo do Tristan en prose, in LOSETII, E.-U.: roman en pm .ve do TrlsU111 et Ia compfffl t lo11 de /(ust tel en de l'lso. tlnnlyso crit ique d 'atJri:s lcs mfiiiiiSCrit.v de Paris . Paris, 1890, p. 404.

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    rcstantes romances, embora tambern corpulcntos, nao apcnas possuiam uma mcnor dimensao como nao fonnavam uma unidadc narrativa continua. Tudo leva a crer, porcm, quo so organizavam numa sequencia t'mica o "livro em trcs partes", que tantas vezes 6 referido em todos clcs - que os instituia nurna esp6cie de tronco central do ciclo, no qual so iam cnxertar os romances biograficos rcfcrcntcs a Lancelot e a Tristao.

    Nfio possujndo o mcsmo tipo de unidadc dos romances biogn\fi cos. aquelcs tinharn contudo a uni-los uma conti -nuidade tcmatica irnportantc, que era confcrida polo Graal. Com efcito, o tema dominante que pcrcorria a t:'itoire del Saint Gmnl, o Merlin c a sua Suite, a Foli1> /,nncelot e a Queste/Mort Artu do Pseudo-Boron era o Graal o suas vicissitudes. E possivclmcnte devido a cstc facto que tai s romances sao por vezes dcsignados por oxpressocs como "Haute cscriture del Saint Graal"l(i ou outras afins. 0 conJunto assim organizado nao mais fazia, a lias, do quo fomcccr uma replica ampliada de Lnn outro "livro em tres partes" anlerior, no qual fundamenl almcnto so inspirou, que era a trilogia de Robert de Boron.

    IS V . ' I d T . CJ:lSC o pro ogo o n.vum .:11 prose, 111 LOSI!l ll A11aly.,c. p. I. 0 MS 96 11 da 0 . N. de Madrid, no fol. 3.5.5v, rcfcrc it;un lmcntc " ... cl Libro de Don Tristan ... ". A Demanda portugucsn. em born optnndo na maior p:u1c das vczcs por fomwlas do tipo "Grnndc Estorin de Tristnm", tambcrn numa ocnsiiio a idcntifica como um t'mico livro: " ... csto nom divisa om na Estoria do Santo Gmnl. ca nom tnngc n scu livro. mns a G1 an de Storia de Oorn Trislam o eli visa no livro", Dcmmula, eel. Pic I /Nunes, p. 8. l6 Alcdut. Nrmwn en prose du Xlllc siilc/c publtc r1Vcc Ia ml.~c en pro.~.: d11 poome do t UI.RICII, vol. II . Paris. 1886. p. 57.

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  • Acrescente-se ainda que o ciclo era uma unidadc fortemente instavel, ja que dificilmcntc resistia, mantendo a mcsma forma, ao natural proccsso de c6pia c de aclimata~o em ambicutcs di vcrsos que 6 tipico do modo de cxistcncia dos toxtos modievais em prosa. Como pudcmos verifi car, pclo tcstemunho do MS 96 I I da B.N do Madtid, o Lrmcelot - o mais antigo dcstes romances - possivclmentc sofria ja, no contcxto do ciclo que cstamos a considerar, de tmla certa usura c dcgradayao textual. Com cfcito. a auscncia da parte fina l dcste romance dove prender-se com o surgimcnto da Folie Lancelot, que utiliza alguns dos epis6dios dele clididos para construi r unf texto novo incluindo materia relacionada com o 1iistan e a ColltimwftiO do Merlim. Mas o 7iistrm e11 prose , pelo seu tado, cncontrava-so em fasc do progrcssiva cxpans5o, que viri a mais tarde a culminar em cnrodos rcalmcntc aut6nomos, como scrao as chamadas "vcrsocs longas" deste romance17. .

    Embora a critica arturiana seja nonnalmcnto parct-moniosa no que di z rcspeito ao estudo da forma como tcra sido rodigido este romance, crcmos ser defensavel que a sua pnnutlva fonna nao possuiria uma finalizayao propria, scndo cssa tarcfa assegurada por uma versao extensa da Queste del Sai11t Gmal atribuida ao Pseudo-Boron, que devcria contcr, para o efcito, o relato da mortc de Tristan e lscut1ll . Como a tlossa Demanda nao contcm jil csscs epis6di os, 6 do crcr que a

    17 Sobrc tiS duns vcrsocs llo Tn.wm en prose. tal como hojc em el i:~ subsistem. veja-se LOSETII Ana~sc. pp. III/XXVI. Pam uma dcscric;:iio lll:lis dclalhnda de C:ldtl UOI:l dcssns versocs. veja-sc BAUMGARTNER. c mm:mui:lc Lc Triswn en prose. J;.f.ff/1 d'mtcqJrl:ratwn d'rm raman mcidiCwrl. Gencvc. 1975. 111 Cfr. MIRANDA - A l)amamla, pp. 45/52.

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    vcrsao do 7iistrm en prose conhccida em Portugal dcvcria scr semelhante a chamada "vcrsao breve" dcstc romance que. alcm do mais, contcm men~cs explicitas a Qucste do Pseudo-Boron c refercncias a um nt:unero significativo de epis6dios cspccificos dcsta tllti ma 19. Ou scja, o Tristan en prose cncetava j:l o processo que o leva ria a instituir-se roalmcnte em romance aut6nomo, mas gua rdava ainda, apcsar disso, uma incgavcl dependencia rclativamcnto ao ciclo c ao seu univcrso dicgetico.

    Pelos escassos dados de que se di spoe, c tambcm possivcl afi rmar que a tradu~o dcstes textos tera sido iniciadn na s. 39/14. 2 Cfr . /,11'ro do: .lose dclfrimatda. C

  • conde de Bolonha do Norte da Franya por alturas da cri se de 1245.

    Desconhecemos, todavia, sc o Joam Vivas, freire de Santiago, ten\ sido o responsavel pcla traduyao integral clos "livros do Graal" , incluindo o !.ivro de Merlim e a sua Continuafao, bcm como o texto intennedio conhecido por Folie Lance/or, ou se ten1mesmo estendido essa sua tarcfa de tradu~Yao ao Livro de 1i'israo ou ao Livro de Lance/or Como referimos atnis, todos estes romances estariam, todavia, ja traduzidos durante o sec. X IV.

    E tambem verosimil o quadro segundo o qual estes toxtos tcrao circulado - numa primeira fase. pclo menos - nos meios da corte regia, tendo-sc feito sentir a necessidade do os traduzir a medida que ia crescendo o ntnnero daqueles que, por nao terem portencido ao sequito particular do conde de Bolonha, nao tinham acesso aos tcxtos na lingua original. Os tcstemunhos t rovadorcscos. que atest.am que a maioria dos romances se encontrava ja traduzida pelos finais do sec. XIII Oll inicios do sec. XfV, conquanto essa tarefa dcva ler sido morosa, confinnam tambcm a circula~YaO desta literatura predominantcmente na corte regia, ate finais do sec. XIII , ja que 6 a este mcio que a poesia trovadoresca maiorita riamcnt:e sc confina, no periodo em questao.

    C01tos passes do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro22, revelam, por outro lado, que na primeira metadc do sec. XIV, esta literatura veio a circul ~1r noutros mcios,

    22 Referimo-nos a ccrtas alusoes 11 pcrsonagcns :u1uri:mas, nomcndn-mentc a morte de Galviio dcpois do combatc com Lancclot. que so podcm prQvir do conhecimento da par1c final da Ocmrmda do Sonlo Gmal. Cfr. J>oriiiJ!Oiiaa i\lomtmcntrt 1/istori~rt. Nova SJria. /,11no d

  • n - ESTRUTURA E FORMA(;AO DO CICLO AR'l'URlANO EM PROSA

    Com tal co11figura~o, difi cilmente o ciclo de romances

  • possuem uma conclusao difcrente da encontrada nas vcrsocs dclicas, que da a obra como tenninada num ponto bem anterior aquele onde nonnalmente findarn estas 1:1ltimas versoes26.

    0 Lancelot nao-cicl ico podera tor sido o p1i meiro grande monumento da prosa rornanesca escrito no Norte da Franva, numa epoca quo do vera rcmonta r a decada de I 2 I 0 . Tendo como mais ilustre antecedente o Chevalier de In Charretre, de Chretien de Troyes, seguia contudo rumos bcm mais ambiciosos no tocanto a alguns aspectos da tecnica de escrita . Com efeito, a prosa propiciava uma narrati va mais pausada, com uma noyao quasc cronistica do tempo e uma paleta de pcrsonagcns mais ampla, dando corpo a wna ma10r diversidade de acvao. E marcante ncstc tcxto o gost.o, pelos pianos panoramicos dos grandcs enfrentamentos beli cos e o detalhe do quadro cfescriti VO em que se situam OS varies ccnarios, atingindo a racionali zavao do recurso ao mara-vilhoso, que e patrim6nio cspccifico do romance alt miano, proporvocs muito elevadas27. Mesmo o enredo. conquanto retomando, num momento ja terminal, o poema de Chretien de Troyes, era agora tota lmente novo e obediente a um intenyao de rnaior vcrosimilhanva na reproduyao das situay()es cia vida feuda l e dos mt1ltiplos conflitos que a atravcssavam.

    Lancclot continua, como ern Chretien, a ser o cavaleiro que, dcsdc o momento em que comparecc na corte do rei Attur, faz da devoy5o a rainha a principal motivayao da sua

    26 Referimo,nos, entre outros. no MS D.N.P. 768, que scrviu de base a ediviio do romance: Lancclot do t ac, The Non-Ciclic Old ,..ranch /'rose l?omancc, edited by Elspeth Kennedy, 2 voll., Oxford, 1980. 27 Sollrc algtms aspectos dn tC::cnicn narrativa do romnnce, ver t:unbem LOT, ferdinand - !~'tude sur/c /.,tmcclot en prose, Paris, 1954 (reprint da cdi~:lo de 1.91.8).

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    temivcl proe:(l cavaleircsca. Mas agora 6 tambem o filho de Lun vassalo do rei Artur. dcsapossado dos dominios que deve1iam ser seus e remctido a condivao de "povre chcvalicr"28 pcla incapacidade demonstrada pclo rei de prestar auxilio ::10 seu pai , o rei Ban de Benoic. numa altura em que cstc deJa carecia.

    0 rei Artur nao so mantcm o perfil , herdado de Chreti en de Troyes. de rei escassamente intervenientc nos conflitos do seu reino e na vida social do llllu1do da cavala1ia , mas vc ate evolui r ncgativamcnte a sua imagem, transfonnando-se agora em rei nao cuntpridor dos scus dcvcres para com os vassalos. grandcs ou pequcnos, bem como presa facil de cnganos luxuriosos e incapaz de, com as suas t:micas foryas, defender mesmo a sua coroa2? . Com o surgimento da personagem

    G~llehot, o grande ri val do rei na di sputa da fi delidade da cavala ria e de Lancelol, o romance transfonna-sc numa extensa abordagem da problematica do amor como lavo de vassa lagcm c tambcm numa clara apologia da cavalaria - ou s~ja , da nobreza investida de ftuly(jes militares - no seu conflito de supremacia com a rcaleza. Em Llltima anali se, a institucionali zac;;3o da relavao adLIItera entre a rainha e o melhor cavaleiro do rei, aquele de cuja oxcclcncia fica ra a dependcr a sua coroa, rcp rcsenta bem os termos em que quem redigiu o romance CJUis colocar o conflito entre aquclas duas instituiy(jcs do mundo feudal.

    28 Lancelot.

  • A primeirn fasc do ciclo em llrosn

    Possivelmcntc num contcxto mental rnarcado pelas conscquencias da batalha de Bouvines, ondo uma parte do rmmdo senhorial do Norte da Fran~ medira fon;as com o seu rei, perdcndo a refrcga30, terc\ surgido a injciativa que iria desembocar na primeira fonua do cido de romances arturianos gerados em tomo do Lance/or em prosn. A ideia era dotar csto romance do urn conjunto do continuayocs prospectivas o rctrospectivas que, retomando e ampliando o universo rornanesco por si instituido, rcorientassc o enredo num sentido diverso, corrigindo o modo como era apresen-tada a cxcclencia cavaleiresca na figura de Lancelot que assumia um car:lcter quase provocat6rio para com a rcaleza de Artur, exprcsso no adliltcrio com a rainha - , mas tambcm rcfazcndo o perfi l deste ttl timo c clevando-o wna vez mais ao nivel que ja atingira na Jlistorin Regum Britmmine, de Geoffrey de Monmouth, ou no Romnn de Bmt, de Waco. De facto, e csta a grande estrat6gia que a continua~o imcdiata do romance pcrsegue, ate mais do que duplicar a sua dimensao iniciaP 1.

    Todavia, o projecto dclico era mais ambicioso. So 6 verdade que so tratava, antes de mais, de condenar Lancclot, a sua rela~o com a rainha e tudo o que esta reprcsentava, havia simultancamentc o intuito de manter a cavalaria, as suas prerrogativ:ts o, sobretudo, a sua lcgitimidade num plano elevado. A grande ideia introduzida pclos textos ciclicos para o conscguir foi o tema da linhagem. Lancelot passa agora a

    30 Vcr DUBY, Gcorccs Lc dimnnclrc de /Jouvmcs, Paris. 1973. 31 Cfr. KENNEDY - Ltmcclot nnd tire Gnu/, pp.259 c scg.: MIRANDA A Dcmanda, pp. 450/453.

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    ser o chefo de uma linhagem com particulares respon-sabilidades na manutenvfio da ordem social cri sta, j:l que so tratava de uma linhagcm snnta sobre a qual recaia um particular favor divino. 0 seu pecado sora, por isso, reprovado de um modo rnais sali cnte, ate porque reprcsentara o abandono de um destino de gloria terrena e espiritual que lhe estava reservado. E nestc contcxto-que so comprecnde o surgimcnto do seu fi lho Galaaz, uma esp6cie de Lancelot limpo de todos os antcriores crros e fracassos .

    So o romance ondc serao rovelacb s as r~izes mais remotas da linhagem santa de Lancelot, bcm assim como narrado o proccsso de conversao do mundo pagao a ordern de Cristo, 6 a Estoire del Snint GrnnP2, aquele on de a grande triagcm da cavalaria ser:l fcita , scparanclo os louvaveis, a quem cstadio rcservados os segredos do Graal, dos

    ccnsur~lVei s , quo se encarrcgarao de ir afundando o reino arturi ano nas suas dissidcncias intemas. ter:i sido uma primitiva rcdacyao da busc:t do santo Graal, interpretada por Galaaz, irncdiatarnente scguida de tuna narra~o da qucda do mundo arturiano, texto hojc perdido. Este texto niio podera con fundi r-sc com nenhum dos romances horn61ogos actua 1-mente existentcs, mas sirn com 11111a vorsao anterior que lhcs ter~i estado na origem c da qual r. Demnndn do Snw o Gmn/ tera conservado cxtensas poryees intactas ou pouco reftmdidas, sobretudo em alguns cpis6dios quo dtrcctamentc

    32 Cfr. SZKILNIK, Michelle /,'(lrc/llf i

  • dizern rcspcito as principals personagens do ciclo - Boorz de Gauncs, Perceval, Lancelot, Gauvain, para a tern de Galaaz 13 .

    Esta primeim fasc da constru~o ciclica, a mais hornogenca e tambcm a mais ambiciosa, no seu equilibria entre as condicionantcs da escrita rornanesca c o recurso a significantcs si mbolicos c alcgoricos, apresenta-se como uma vcrsao cavaleircsca e ficcional da historia da humanidadc. A homologia com a estrutura do texto biblico e flagrante, correspondendo a E.~toire del Saint Gmal e o Lrmcelot ao Antigo Testamento c QIIPSte!Mort Artu ao Novo Testamento, scndo Galnaz o Cristo da c.wal:uia c a conclusao da busca do Grant tllll autentico Jui zo Final.

    A scgunda fasc do ciclo em prosa

    A scgundn faso da constituiyao do ciclo quo veio a cncontrar-sc no rcino de Portugal 6 marcada essencialmcnto pcla rcdacyao do 7iisfrm en prose . Trata-se do l lln romance que, em muitos aspectos, prctendc dccalcar a estrutura do Lance/of en prose. do qual passa ra a constituir como que uma replica simctrica. Ate mcsmo 0 SCll titmo temporal e paul~ldO por succssivas cvocac;ocs de epis6dios deste ttlt.imo romance que dccorrcriam simultancamentc34 . A estrutura diegetica. que refaz os cnrcdos dos tcxtos em verso, acabara por levar os her6is que lhc sao pr6prios, sobrctudo Tristao, lseu e Palamedes, a conflui r para o espayo do ciclo previamentc existcntc, !ovando a que pory()cs deste ttl timo ti vess.cm de scr totalmente refundidas para acolher tais novidades. E isso que vira a succder com a parte final do Lancelot, donde saira a

    33 Cfr. MIRANDA A l)cmam/a, pr>. 1271275. 34 Cfr. OAUMGARTN C:R I.e TnM(//1 en w osc, pp. 118/132.

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    atr:ls mcncionada Folie Lance/of, c sobretudo com a primitiv::~ redacyao da busca do Graal por Galaad, rcsuftando dai a Queste del Saint Gran/ do Pseudo-Boron, nctualmente rcprcsentada, na sua fom1a mais cornplcta, pcla Demanda do Santo Gmaf35.

    0 Tristan en prose, como romance denso c amplo que 6, contcm tambem outros eixos tcrm\ticos que lhe vao organizando a acyao. Tomando como ponto de partida a

    reprova~.ao da conduta de Gauvain. ja pi:ltente no ciclo prcviamentc existcnte, o novo texto ira transformar csta personagem no cxemplo acabado dos piores vicios. :10 rncsmo tempo que, retomando e ampli ficando a idcia de linhagem, ira impli car nas suas mltlt.iplas traic;ocs c impicdades o conjunto do grupo linh::~gistico ao qual este ca va lciro pct1cncia. Os scus oponentes privilegiados vi rao a ser os mom bros da linhagcm do rei Pclinor, que terao em Perceval a sua figma de rnaior rclcvo:lr..

    Ora 6 essencialmentc eta ncccssidade de fund::~mentar os antecedentes desta temiltica. bem como de outras situay()es presentes nos varios textos do ciclo, que surgi r:l a rcdacc;ao cia Sui/(' rlu Merlin e, mais adiante, da Folie Lancelot. A Suite du Merlin nao apcnas dctalha o conflito entre os reis Lot e Pelinor, envolvendo a mortc de :unbos37, que 6 o ponto de

    n r 1 d a como atrns eucamos exprcsso. crcmos. nn sequencia do C(UC foi .J:i outrorn anotndo por LOSETH tlnalysc, p. 260. que o r cdac~iio in rcial do 1 l'l.fUIII c11 prose dcveria dar-se por concluida antes de ter atingido o l'cntccostes do Grnal. 16 Cfr. OOGI)ANOW, f:mny - .. n,c charncter of G:mvnin in the thi r1ccnth century prose romnnces". Mcdmm IIWI/111, XXVII ( 1958). pp. I W I61. 17 Embora dndn como ncontecidn nos restantcs romances, ncnhum numuscrito conserva nctunhncntc o rclnto dn morto do rei Pclinor.

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  • partida daqucla tematica do Tristiio em prosa. como pretendc, por exemplo, explicar, por rncio da hist6ria de Balain3x, tllll ponto delicado quo comparccc sucessivamcnte na Estoire del S(lint Gm(l/. no L(lncelot ciclico e na Queste del Gmal as circunstancias em que tinha sido vibrado o golpc que vitimara 0 rei tolhido do castclo do Graal - , ou aind
  • obediente a prop6sitos que pouco tem a ver com a problcma-tica ciclica do romance arturiano em prosa. Trata-so ate de um texto claramcntc hostil a muitos dos ideais do cido arturiano em prosa, tal como o ternos vindo a dcscrever, e redigido na perspectiva de vir a constituir urn romance aut6nomo, razao pela qual se cornpreende que tenha incorporado no scu seio algumas poryacs da E:ifoire del Saint Gran/ imprescindiveis ao scu
  • et1umcrayao de gera96es, num estilo a que a litcratura gCilcalogica nos habituou49.

    Ora e exactamcnte nestc contexto que so inscrc a menci onada narrati va, protagonizada pcla personagcm Perom. Antes, porem, de avan93rmos mais sobre o seu signifi cado, nao apenas no contexto do ciclo, mas tendo tambem em

    aten~o as rcla96cs que tecc com o dominio mais geral do registo medieval da memoria gencalogica, vcjamos de que ingrcdientes se compoc.

    0 ponto de partida do Conto de Perom50 nao 6 propliamet1te muito auspicioso, j:i que o seu futuro heroi come93 por se encontrar numa situa~o franc.1tnCiltc prccalia. Na sequencia de dissensoes de nntureza familiar o relato

    49 Cfr. pp. 329 c seg. dn ed. C:trtcr. SO Niio Iemos dtividns que Perom. ou llieron ou ale Pierre. confonne os m:umscritos frnnccses que se considemr cfr. The l'uiJ.:Mc l'c,:uon of tlrthrmnn l?ommrcc.v. vol. I 1)/:.'storn: del Somt G'mol pp. 264/280 . c a recupemviio do nome Petrus, quo cstavn j t\ prcs

  • persuadido de que tal fora obra do rei Orcauz, convoca este a corte de Luccs, rei da Gra-Bretanha, ai o acusando public.1mente de tal crime c dcsafiando-o a que so defendcssc em duclo judicial. Orcauz, sabcndo que nao podia veneer o seu antagonista, come93 por procurar na sua linhagem quem lutasse pcla sua causa. Em vao. Experimenta depois. protcgtdo pelo anoni mato, o valor de annas dos mclhores cavaleiros da sua mesnada. Mas ncnhurn sc mostra a al tura. Por t'tl timo, manda aprcgoar que conccdetia qualquer dom a quem quer que fosse capaz de o derrubar. embom o fa93 mantendo ainda escondida a sua identidade.

    E ai que intervcm de novo Perom. Annado pcla donzela. qltC nao duvidava ja da sua excelcncia cava lei rcsca, vai

  • os lug.ares comuns a que a cscrita romanesca habituou o seu publico quando se trata de construir o ideal do compor-tamento do cavaleiro. 0 dcsternor perante o desafio mais ousado e a sequencia de dois combates singularcs, sendo o primeiro particulannente bern servido de detalhes narrativos, sao circunstancias que dccidcm irrcmediavelrnente da sorte individual do cavaleiro e tambem do senhorio que o acolheu.

    De facto, o quadro em que vi ra a mover-se o cavaleiro 6 tao importante como o trajecto cavaleircsco em si . E porque Pcrom veio a acha r-so no cora

  • se se cle nom tivesse por de tam grande bondade d'am1as, que sc nom cntrcmeteria a comcc;;.1r tam grande fcito , como de justar como cavalciro a que nhiiunom poderia durar ... ".

    A excelencia guerrcira 6, scm dt'1vida, a pcy.'\-chave de todo o conto. E cssa aptidao que todos perseguem, como o rei Orcauz quando poe a prova OS scus tambem simb6licos doze cavalei ros. Constitui uma das foryas motoras que alimcntarao as rcJac;;ocs entre OS varios intcrvcnicntcs, como 6 patcntc 110 aprcc;;o quo a donzcla revela pclo cavaleiro, a que aludimos. Mais adiante, sera csta aptidao que l evan~ o rei Orcauz a ofc'reccr a Pcrom qualquer dom que cste the pedisso, mcsmo que fosse o seu reino - e, como vimos, tratava-sc de u1na oferta que dcvia ser entendida literalmcnte ... Por Llltimo, o proprio rei Luccs pretcndcn\, a todo o custo, obter o amor do cavalei ro, cxactamcnte pelo alto aprcyo que the suscitara a proe:a por clc dcmonstrada5.5.

    E tambcm sintomatico que, no nosso breve conto. o tcm1o amor nao surja nunca para dcfinir o interesse reciproco do cava lei ro pel a donzcla, mas apcnas comparcya quando sc trata do favor que une o cavalciro ao scnhor de Orcauz ou ao rei Luces. Vclhos usos institucionais do tenno que afinmun a qui os scus di rcitos, como que lcmbrando que a sua utilizac;;ao Clll ambito particul nr C nas reJac;;ocs heterosscxuais era talvcz rcccnte c. Clll todo 0 caso, nao gcncralizada. A poesia trovadorcsca. que o tratou cxtcnsamcntc, penmmecia ainda um modclo cxpressi vo poctico-musical confinado a uma gcografi a socinl restrita .

    55 /\qui tambcm c cc110 o eco do / .(lllt'dol em prosa. j~ CjUC dcvcrnos lcmbrar

  • proccdimentos que c verdadei ramcnte a cortesia$6 . 0 c6gido de comportamento ttltimo a que todas as persona~cns que vimos a referir obedeccm 6, scm dirvida, a cortesia. E cortes o modo como a donzcla reconhoco e trata o cavalciro; 6 cortes Pcrom quando. embora vencendo o rei Orcauz em combate singular, sc coloca ao scrvivo do seu adversario; 6 cortes estc {rltimo quando mobili:t..a a pratica do dom para retribuir o scrviyo do cavalciro; 6 aindn cortes o rei Luces quando chama o melhor dos cavaleiros para a sua mesnada regia .

    To'das estas acy()cs visam wn t'tnico fim: contribuir para a coesao de um nHtndo que tern de conviver com a crise ciclica e ameayadora no seu interior, porque 6 um mundo que se apoia no exercicio da violcncia . Por isso, a sua dcpendcncia da actividade cavalcircsca 6 tilo visivel e a neccssidadc de a pronrovcr, alimcntando os ::~nscios e as mais ambiciosas expcctativas dos que a i11terp ret::un, 6 tao prerncnte. A c

  • para este ttltimo, quo interessava nao apenas aos senhores, rnas tamb6m a extensa piramide dos seus dependentcs. Era uma acyao que evitava quo viesse a instalar-sc a guerra e o pagamcnto de exacy()es incomportivcis, circunstancias que levavam o conjunto dessc pcqucno cosmos, que era o senhorio, a fomc 0 a miseria , com todo 0 seu enonne rol de sofrirnentos. A acyao do cavaleiro impedia quo sc assistisse ao cemi rio da "terra gasta" tao conhccido dos romances do Graal59 .

    Nestas circw1stancias, o paralelo entre a acyao li bertadora do Cristo para corn a humanidade e a do cavalciro para com o senhorio era vista com particular legitimidadc, abrindo carninho, sem dt:rvida, a que outras analogias cristo16gicas rnais cxtcnsas, e porventma de scntido mais amplo, viosscm mais adiante a insinuar-se no ciclo em prosa.

    59 Cfr. OLOCI 1, Ho\vard - /~'tymologle et gcnaalogle. Unc (lllth,.opolo>:lc l ifleralrcdrt Moyen llgejianfnls, Paris, 19&9. p. 275.

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    JV - LJTEEtATUJtA E liiSTcr, na Alta ld~1de Media, pcrtcnya das dinastias rcinantes e andam associadas as vissicitudcs do poder, da su2 lcgitimidade e da sua transmissao61. A mcdida que se

  • surgimcnto, acompanhando os fenomenos de dcslocayao do podcr da rcaleza para as mais altas camadas da nobreza, de uma literatura gencalogica de condcs c principes territoriais62 Trata-sc comprecnsivclmente de lllll fenorneno que ocorre em especial nas rcgiocs que outrora h:wiam feito parte do imp~rio ca rolingio, com especial rclevo para o Norte da Franya .. so ao Iongo do sec. XII se assiste ao surgimento de gencalog_~as de familias de mcnor relcvo, ou entao ao rcgisto mais atento dos ramos colaterai s das f:uni lias condais, evolu~o que levara, em ccrtos casos, ao rcgisto de linhagens de simples cavalciros63.

    Toda a literatura gencalogic.-'1 manifesta urna atenao nnuto especial ils origcns das familias, narrando su~ssos ocorrrdos corn os mai s remotos antepassados como mcro de afirnr:lr prestigio o lcgitimidadc. E assirn que, cnquanto as primeiras li stas de gcra

  • por parte do filho do conde, seu avt'mculo, permitindo a instala~1o definitiva da linhagem. Hipergamia masculina69 interprctada por um cavaleiro dado a erdincia c a aventura quo, se nao vem a stutir ofeitos imcdiatos para si, dan\ fru tos na gera~o seguinte, originando urn novo arr.anjo numa ordem social tipicamcnte feudal.

    A hist6ria gcnea16gica dcsta linhagem 6 sintoma-ticamente marcada por sucessivas tcntativas hipergami cas, bern succdidas ou nao70, no sentido do aumcutar e fortalocer o patrim6nio quo dctinha, transfonnando a procura da mulher numa das suas mais ccntrais prcocupa~oes. Os jovens, os nao instalados dcsta linhagem e do outras ern situa~o afim7 1, mostravam-so pcrmanentemente dispostos a dcscncadcar a~es que, tendo por alvo o mundo ferninino, visavam na rcalidado atingir algo que o transcendia: tun cnriquccimcnto patrimonial ou ate a funda~o de uma nova casa. Embora as mulheros da nobreza ncm scmpro so mostrassem suficientemente rcsguardadas perantc tais situa90es - os raptos, as barrcganias c a proliferayao do bastardos cvidenciam-no com clareza , a rcac~o das linhagens envolvidas nao rcconheccndo oficacin matrimonial a essas

    ' iniciativas ou, o quo era mais pcrigoso, suscitando a vingan~ privada, frustravn com facilidade as aspira90cs quo as envoi vi am.

    69 Cfr. LI~VJ-STRAUSS, Claude - 1-

  • particularmente o roman courtois, com a sua vigorosa ideali zayao do oficio guerreiro como meio de afirmnyao social e de accsso ao mundo fcminino7.S, torao sido os gcnoros da literatura ficcional privilcgiados para rcalizar esse intuito.

    Assim, nao surpreende que, entre os finais do sec. XII e os inicios do sec. Xlll. a reprcscnta~o dos rnomcntos cmciais da hi st6ria de uma linhagem, sobrctudo das de rnenor importancia, so fizcsse com recurso aos modelos o as imagens ja elaboradas pel a literatura 76, fundindo o tempo mitico da origem com a actualidade de quem as redigia c com clas se identifi cava 77. A final o drama dos j uvenes possuia compo-nentes que cratn pennanentes na hist6ria das linhagcns c que pcnnitiam dar corpo a uma particul ar forma de consciencia geneal6gica. A aventura transitava do romance para a memoria ficcionalmente rcprcsentada, transfonnando-se em cvento fundador da linhagem c em fcrmento pcrmancntc da

    preserva~o dos scus dorninios o da sua irnportancia c poder. Cremos, porcm, que a transp lanta~o das as pi ra~es da

    cavalaria crrante e consagrada a aventura para o campo da consciencia gcncal6gica difi cilmcntc poderi a scr accite pelas linhagens mais importantcs, ciosas das suas origcns que nada tinham de avcnturoso. E certo que o ponto de vista dos } INenes, veiculado atraves da literatura c das reprcscnta~es que esta ia produzindo, podcria scr facilmentc acolhido, na

    (1964) pp. 27/51; OLIVEIRA, A. Rcscndc/MlRANOA, J. C:~rlos - "A Scgw1da Gcrn~iio de Trovadorcs Galcgo-Pot11tt;ucscs: Tcmas. Formas c Rc:1 lidades", in Do is h'studos Trovadorescos, Po110, 1993, pp. 25/49. 75 Cfr. KOEIILER, Erich - L'tlVonturc chavalorcsquc. lddol et nial1t f: dans lc roman cou11of.v. Paris, .1 974. 76 Cfr. DUOY - "Rcmarqucs sur Ia liuernturc gtnC.1logiquc", p. 180. 77 Cfr. RUIZ DOMENEC - lA"' momorfn. p. 222: LE GOFF. Jacques -1/fs totre et mdmo,rc. Paris. 1988. p. 11 2.

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    medida em que constituia uma contcn~o dos impulsos socialmcnte corrosivos e uma escapadela para a fantasia. Ponhn, tor:l sido ccrtamcntc rccus

  • divinos. Mais adiante, a "precioso linhagem"78 vcr-scra cnriquccida, por via fcminina, com tuna asccndencia que rcrnontar:i aos reis do Antigo Testamento, complctando uma imponcncia e uma supremacia que a fara prcdcstinada pam o dcscmpcnho de tarefas do mais alto prestigio, no dominio tcrrcno, c do 1nais complcto louvor, no ambito cspiritual. E a linhngcm de Nascien c de Cclidoncs mas t;\mbcm, rnais a frcnto, a de Lancclot c de Galaaz79.

    Ao lado desta, que ocupa a maior fatia das atcny()cs do redactor do romance, surgem outras linhagcns que tcdio os scus rcpresentantcs no mtmdo arturiano, como lvain, Gauvain c os Rcis Pcscadorcs. Embora cntroncando todas clas na dcsccndcncia directa ou indirccta de Jose de Ari mateia , est ~s linhagcns nao possuirao ncm o prestigio, nern a imponcncia cia asccndcncia, nem mcsmo a atenyao quo scd1 resorvad

  • courtois. 0 rei Luces pas sa bem por um hom61ogo do rei Artur, do mesmo modo que os valorcs que todos parecem seguir - fundados na observancia do costume e nas modalidadcs de relay()es pcssoais quo, como atras dissemos, nonnalmente so designam por cortesia - sao os mcsmos que provalecem no mundo artwiano. No fim, ate todos se torna rao cristaos.

    Perom, pelo seu lado, assume bem identica condi

  • Encarado dcstc modo, vemos entao que o Conto de Perom resume os idcais que pautavarn a acyao de tuna linhagem cujo ni vcl nao era o tnais elevado c que vira a scr a I vo de forte rcprovayao e rcmetida para uma condi~ao de definiti va subaltemidadc. Do ponte de vista da cxigcntc perspcctiva da busca do Graal. sera uma linhagem repleta de manchas e de vicios. Avali ada em ftul
  • Para a transcri~o do tcxto, utilizamos a ja mencion.ada cdiyao paleografica de Henry H. Carter, tendo procedido as scguintes transfonnacocs: separa~o do palavras; dcsen-volvimcnto de abroviaturas ; introdu~o de pontua~o; cmprcgo de maiusculas nos nomos pr6prios c nos inicios de periodo; utiliza~o de accntua~o nos casos susccptivcis de originar duvidas do leitura; rcdu~o dos y oj vocalicos o semi-vocalicos a i, do i conson~ntico a j e do u conson~ntico a v ; rcproducao da nasala~o das vogais simples por mcio de 11 ou m consccutivos; climinacao dos h iniciais nao etimo16gicos; climinacfio das vogais duplas nao ctimo16gicas. Alcm dis so, para facilitar a leitura do toxto, regularizamos a forma dos nomes pr6prios, adoptando a mats frequcnte. Nos casos em que ha manifesto lapso do manuscrito, completamo-lo, tendo como ponto de apoio as licocs da fi:stoire del Saint Gmal, publicada por H. Oskar Sommer, ja que esta edi~o. et~tbor~ reproduza um manuscrito da vcrsao breve do romance, mchu em nota as variantes da vcrsao longa, sendo ambas pertincntcs para a fixayao do nosso texto. Tudo o quo foi ::~crcscenta.do vai coloc.-'\do entre barras obliquas.

    56

    A VENTURAS DE PEROM, ANTEPASSADO DE GALVAO E 0 MELHOR

    CA VALEIRO 1>0 SF:U TEMI,O

    ( ... ) Perom, que era fcrido pi or do que homem cuidava, comoyou a empiorar muito porque a peconha que a chagua trazia inchou tao feiamente naqucles tres dias, que nenhiiu que o antes visse nom o conheycria, se aduro nam. Aqucle Farras sabia muito de chaguas, mas nam foi tam sabedor que naquela chaga podcsso conhecer a pcyonha que nola jazia, do que era maravilhado quo a chaga nom fazia senam piora r dll dia en dia . Quando Porom, que coiUldO :t morte ora, vio que nom achava rcmedio nem conselho en Farras, comoyou a chora r porquc vio quo por fa lccimcnto de mcstre morria . E dissc: "Ai , Farras amigo, bem vejo que rnc nom sarai s porque non apraz a Doos c por que cuido que algiiu bcm se faria que so nom fara so cu agora morrcssc. Eu vos rogo que me leveis ao mar, quo assaz 6 pcrto daqui , e eu vos digo que acharemos ai algiiu consclho milhor que ca, que v6s bcm vedcs que eu cada vcz peioro" .

    Oc como Farras lcvou pcl'(uu ao mar c o mctco soo cu ua barca c de como aportou na insola d'el-re.i Orcauz c do

  • achou liu asno e po-lo nelc c levou ate o mar. E nam acharao na praia senam lia barca sen nhiia companha que tinha a vc~a estendida como se togo ouvessc de partir. Quando Pcrom v10 a barca deu grayas a Nosso Senhor, que bcm entcndco que por Dcos viera ali . Entao di ssc a Fanas : "Amigo, mctedc-m~ naqudn barca c, se Dcos quiser, eu irei a Iuga r ondo ach~ue1 saude a minha dor".

    Entao comeyou Farras de d1orar o diser: "Amigo, ass1 vos quercis ir soo e tao cnfcnno como sondes e por aventura nunca vos verei, rogo-vos que me lcixcis ir corn vosquo" . E Pcrom the dissc: "Metcdc-mc na bnrca c entao vos chrc1 a minha vontadc" . F arras o tomou o o met co na barca. E dcpois que 0 i motoo o mais manso quo podo, disso Perom: ."Amigo Farras, idc-vos que eu quero aqui ficar soo o vos 1rcdes a vossn capela onde roga redcs a Dcos por min , que me .t ov~ a Iuga r ondo ache saude do minha chaga. E se vos pnmc1ro ochardcs Joscfes S3 quo cu. saudadc-mo c di zcde-lhc que ISLO fiz por que cuidei que em outra guisa nom podcria aver snudc c porquc cuidei que Deos me lcvaria a Iugar ondc ach~ssc mcizinha".

    Entao se ~a 1o Farras da bare

  • "cristao scm faltal" . "E sondes v6s cavalciro?", dissc cia . "Si , per boa fc" , di sse etc, "cavaleiro sam" . "Pois vos cristao sondes" , dissc cia, "nom aportastcs a bom Iugar, que ncsta insola dondc v6s portastcs nom ha senant pagaos, que mui asinha vos matarao sc sabcm que sondes cristao. Mas. porquc andais c vos vcjo docntc c pior trcito do que nw1ca vi homcm, trabalharci por ond
  • sarar. Entao disse o prcso a donzcla: "Fazcde-o levar. aquelc prado pera que melhor I he vcja a chaga". E ela_ o fez Ia levar. Elc ao Sol lhe catou a fcrida e conhecco que ttnha pe~onha e por isso o nom poderi a sarar tam asinha. Entao di sse _a Pcrom: "Amigo, vos sondes mui mal emp~nhado e por tsso nom saravades, mas cu vos fa~ seguro que daqui a liu mes v~s sararci com ajuda de Doos. Entam tomou ervas e o que vto que era boo pera a p~nha c pos-lho na chaga tantas ~czes que, ante quo fosso o mes saido, o deu sao. E a donzcla dt sso a Perom que era iiu dos fcnnosos homcns do mundo c, ccrto. que des que sc elo partira do Gcrusah~rn mmca fora tam fennoso como cntao.

    l)c como Marao, rei de lrlanda, desafion a cl-rci Ocau7. 11or a mortc de sen filho.

    Naquclc tempo, acontccco que el-rci de hlanda , que avia nome Mar5o, veio tcr /a/ el-rei Orcauz, que era seu parcntc, c trouxe consigo iiu seu filho, novel cavalciro, que por ( ... ) da sua idade era tido por muito boo. Aquelc dia foi no castelo grao alcgria, mas a noutc, por um traidor servidor da copa d'el-rei Orcauz foi o fi lho d'el-rei d' lrlanda assi cmpc-

    ~nhentado, qu~ morroo na messa onde comia. Q_uando el-rci de trlanda vio quo scu filho era morto, ~tudou ~erda~ dci ramento que fora por mandado e consentunento d cl-rct Orcauz. E foi-se logo direito a el-rci da Grao Brctanha, que avia nome Luccs, que cl-rei d'lrlanda e el-rei Orcauz cram ambos seus vassalos, que tinharn dele terra .

    Quando Madio veio ante el-rei Luccs e lhe fez scu queixumc d'el-rei Orc.'luz, que scu filho fizera matar. mandot ~ togo Luccs por Orc.'luz e vcio logo a Londres, onde el-ret

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    Luccs era e i se pagava mais estar que em outrn parte. Entao vcio Ma rao ante el -rei e retou Orcauz, que matnra seu filho em sua casa. E Orcauz dcu logo scu gage, por sc defender destc torto por si ou por outrcm, e Marao deu o scu. E sabcdc que naquela terra a custumc que o rctado da a luva c o retador estcnde a aba da luriga ou outra cousa em Iugar de pcnhor da batalha. E isto fetto, depois nom sc pode fazcr afora. E a cste penhor chamam gage. Este gage dcu Orcauz por si, mas na m porque clc ouvcsse d'cntrar na batalha contra Marfio, que bcm sabin vcrdadei ramente que Ma r5o era fiu dos ntilhorcs c.walciros c mais duvidado do ruundo que pagano fosse, mas queria i por si meter fiu scu irmao, que era mui boo e

  • em sua cama. E quando clcs vieram, pcrguntaram-lhc que a via . Etc lhcs disse que jazia doentc com pcsar de fiuas novas que lhc vieram. "E quo nova's?", disseram cles. "Enviou-me cl-rci Marao um seu cavalei ro que se louva que ribara de justa os milhorcs doze cavaleiros de minha terra . E por provar csto, a-de vir amanha, a ora de prima, ao pinhciro redondo. Agora vcde o que faredcs, que nom mandci por v6s scnam pcm the britardcs scu argulho, que nom qucria que sc loasse em sua terra esta mcntim", lhes pos el-rci por os provar. Eles di sseranr "Senhor, sabcdes v6s bem que ha o cavalei ro de vi r amanha ao pinhciro redondo?". "St, scm falta". disse cl -rci . "Pois", di sscram clcs, "nos ircmos Ia e justaremos com clc" .

    Entao se partiram os doze cavalciros e foram-sc pera suas pousadas. Quando foi noutc, chamou el-rci scu mordomo o. depois que the tomou juramento, disso-lhe: "Trazei-me iias armas que ningucm vo-las v~ja e co bride o mcu cava to . em manei ra que se n5o conhc~a, que me qucro i r daqut mui cncubcrtamcntc e vi rci amanha a noulC. E an1anha os que pcrguntarcm por mim dezci-lhc que sam docnte e nom lcixedcs cntrar ningucrn na camara, ainda que scja muito meu privado. Asi como el-rei dissc, assi o fez o mordomo. E, iiu pouco ante que amanheccsse, annou-se el-rci c sobio em seu cavalo e fez jurar ao mordomo que o nom dcscobnria . Entam sc partio dati e passou a ponte c foi -sc ao pinhciro redondo e cspcrou ata hora da prima. Entao vicram os doze cavalciros e nhum dclcs nom trazia lanya , porque a todo o tempo. de noute e de din , estava aquele pinheiro ccrcado de lanyas, porquc todos os cavaleiros da terra vinham muitas vezcs provar-sc, os uns com os outros.

    Quando os doze cavaleiros viram o que cstava soo so o pinheiro, cada iiu tomou sua tanya. como the a mao vcio. e cl-

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    rei outrossi. E lcixou-se correr ao prirneiro c fcri-o tam rijo que lhe fez na coxa iia grao chaga, e dcrribou-o tam

    br~wamento que sc nom podc lovantar, tanto foi da caida quebrantado. Quando el-rei vio aqucle em terra, lcixou-se correr ao outro e dcrribou-o como fez ao primeiro, afora que o ferio pior. Depois derribou ao tercciro em tal guisa como os outros.

    Assi derribou todos os doze cavalciros. E, como o ribava, tomava-lhc o cavalo o dava-lho. Depois que todos os doze ribou e cles sobiram em seus cavalos. disso-lhcs cl-rei: "Amigos, v6s sabedcs bem, por custume desta terra, sondes meus presos em manei ra que cu posso de v6s fazcr o que me aprouvor, salvo vossas vidas" . Eles disscram que era verdade. "Po is ora vos mando". dissc clc. "que vades a cl-rei Orcauz e vos I he rcndadcs por presos da minha parte". Elcs Jho perguntaram como avia nome. Ele lhes dissc: "De mcu nome nom vos di rei nada, mas ido-vos render por prcsos aquclc que vos eu mando c eu cui do bcm quo, quando ele ouvi r fa tar dcsta prcssa. que clc me conhcccni, que ja fui muitas vczcs cni tais lugares com etc" . E clcs disscrarn que esto fariao de grado. Mas eles avi5o gr5o clor e pesa r porque forao assi dcrribados de iiu soo cavaleiro.

    Entao se partiram os doze cavalei ros dele c tomaram-se as suas pousadas. E cl-rei se foi meter em iia mata ca nom ) qucria quo ningucm soubessc dele parte. Ali jouvc todo o dia . E quando foi noutc, foi-sc a fia horta do cabo do seu alcayer onde o scu mordomo o csperava e decco c deu-lhe o cava lo c as annas c foi-se a sua camara . E saio-se cia camara c foi-sc ao payo fazcndo mostra que era doente. Quando os do pat;o o vi ram, aprouve-lhes o a col hera m-no mui bem e pcrgunta ram-the como I he ia; e clc lhcs dissc que bcn1 cuidava sara r.

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  • Ao outro d.ia, a ora de prima, vierarn ante ele os doze cavalei ros que ele ribara e doram-se-lhe por presos da pa rte daqucle cavalciro que os ribara que cles nom conheciarn. E contarao-lhe como com ole lhes acontecera e que nhfi o nom podera mover da sela. "Agora sei", djsse el-rei "Orcauz, quem eo cavalciro. Mal o fizestes quo vos escapou". E mostrou que fazia grao pesar e mandou por toda sua terra apregoar que quem viosse justar com o cavalciro do pinheiro e o ribasse, que el-rei lhc daria qualqucr dorn quo lhe pedisse, se fossc dom que lhe devesse dar. E se caisse soria degradado fiu ano c liu dia . Quando os cavaleiros da terra isto ouviram e souberao a verdade dos doze cavaleiros que foram ribados, ouveram-lhcs pouca envcja que duvidavam de porderem o que tinharn se fossem denibados.

    De como l'crom pcdio annas e cavalo it donzcla c da bat:1lh:1 que ouvc com cl-rci que gu:wdav:t o pinbeiro.

    Quando Perom, que era com a fi lha d'cl-rei, ja bern sao e lcdo, ouvio osto, corncyou de cuidar. E a donzela lhe perguntou porque cuidava rna is do que soia: "Paroco-rne que nom sondes ledo como soiades. Dizede-me que avedes c eu vos fa rei ledo, se poder" . "Donzcla", dis so elc, "ligeiramente o podedes fazcr. E pois me prometestcs de o fazcr, vo-lo di rei : sabcdo que a proeza daquelc cavaleiro por que vosso padre fez dar progao me faz entrar nestc cuidar. E eu sei, tempo nom ha inda cinco anos, quo so tal cavalciro fossc em nossa terra, e tao prezado d'annas, que eu por iiu reino nom leixaria do justar com ole. E assi o faria ncsta terra ainda, que c ostranha se tivesse annas e cavalo. E nisto cuidava e por isto

    ' era triste" .

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    Quando a donzela lhe ouvio isto, cuidou que se se ele nom tivesse por de tarn grande bondade d'armas que se nom entromctcria a corneyar tam grande fcito, como de justa r corn o cavalei ro que a que nhfiu nom podoria durar. Entam disse /a/ Perom: "Ja por desfalecimento de cavalo c armas nom scjadcs v6s tristc, quo dosto todo vos guamccorci eu antes que a noutc soja c tam ricarnento como so fossodos fi lho do lllll rei. Mas, certo, por meu conselho v6s nom iredes com ele justar, ca eu nom cuido que contra ele podessedos dura r" . "Donzola", disse ele, "fazede-me dar o que me prometestes e nom vos pose quo ou bern cuido que clo nonr me fa ra loixa r a sola ... ".

    Quando o ela ouvio fa lar tam atrevidamente, foi mais lcda que dantes. E quando foi noute, deu-lhe booas annas e boo cavalo e foi com ele ata a /o/rt:..t e dali lhe ensinou onde acharia o pinhci ro. E tanto quo so partio da donzcla, andou tanto que chegou ao pinheiro; e foi-se a mata por folgar ata por a manha o docco-so do cavalo e ti rou-lhe o frcio c a sela per que comosso; o ole tirou o elmo o o escudo c donnio ata que o dia foi formoso o claro. Entao so orguco e sclou o enfrcou seu cavalo e enlazou o elmo e tomou seu escudo e cavalgou. E tanto quo saio da mata, vio o cavalciro quo viora ja pera ver se t~via quem quisessc justar.

    E quando .Perom vio que o cavaleiro cstava ja ali , docco por vor se a seu cavalo ou a suas armas faltava algua cousa. E quando vio que todo ostava bern, cavalgou c foi-so ao pinhciro e salvou o cavalci ro o tomou i'ia tanya c disso-lhc quo de justar lhc convinha . E ole disse que lhc prazia muito c leixaram ir contra si os cavalos a grao correr, bern assi como o cervo quando fogo diantc dos caos. E fi ri ram-so de tam grandes golpes que os escudos nem as annas nom gua rdaram quo os fcrros agudos c talhadoros nom entrasscm nas camos,

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  • assi que se fizeram grandes chagas. E el-rei fez sua tanya em pcdayos, mas J>erom o firio assi bravamentc que, por cima das anuas do cavalo, o pos em terra tam mal treito, que aduro so podia erguer.

    Quando Perom o vio em terra, dccco e tirou a espada . E cl-rei se erguco e Perom lhi disse: "Senhor cavaleiro, vos perdestcs a justa das lanyas . Agora provai, se vos aprouver, o que podedes ganhar na batalha das espadas" . Entao erguco sua espada c o escudo sobre a cabcya. Quando cl-rci vio quo de combater so convinha, guisou-so do mostrar sou poder c tirou outrossi a espada e cobrio-se de seu escudo o melhor que pode, porque era tam mal ferido que mais the era mister folgar que trabalhar.

    Entao sc comeyou a batalha antre ambos. tam crua c tam porigosa que nom avia i tal deles a que nom saisse o sangue por muitos lugarcs . E cram de mais do dcz chagas feridos. E achou iiu ao outro comprido de tam grao ardimcnto c bondadc d'armas que se maravithavao. El-rei nom podia cuidar que homem era aqucle; e Perorn cuidava que naqueles dous reinos nom avia tam boo cavalei ro. E porem, a fim nom podc el-rci dm::tr, tanto era Perom fo rte e ardido. E tal parou el-rei que se nom podc ter o caio em terra de focinhos dianto Peroni , ta l mal treito que nom h~ homem que o visse que dele nom tivcssc doo.

    E Perom, que nom cuidava que aquele fosse cl-rei, tomou-o por o el mo e tirou-lho por forya e disse que o mataria so so tlOm outorgasse por vencido. E el-rei entao abri o os olhos c oulhou Peroni o dissc-lho: "Matar-me podcs, so tc apras. que teu 6 ora o poder" . "Por Dcos", disse Peroni, "vos sondes morto se vos nom outorgades por vencido". "Eu ante quero morrer", disse el-rei. "e mais me apraz que de fazer o que me pedes, que seria cousa mui vergonhosa de dizer e seria

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    vergonha de todos os reis terrcais . E por isto queri a antes morrer cern vczcs, se tantas pudessc morrer, que dizer tal palavra" .

    Quando Perom entendco que aquele, que ele cuid:wa que era cavaleiro de iia tanya c iiu escudo, era rei , disse-lhe: "Senhor, dizei-me quem sois, que me parecc em vossas palavras que sois rei" . "Certo, cavalei ro", disse cl-rei, "eu sam rei e ei nome Orcauz". E Perom o conheceo logo o ouve tao grao pcsa r de que the fizera tanto mal que nom soube que fizesse. afora que the estendeo a cspada e di ssc,'-lhc: " Ai , por Deos, senhor, perdoai-rne o torto que vos ei feito, ca por boa fee nom vos conhecia. Yedes aqui minha espada. Eu vo-la dou e rneto meu corpo em vosso poder pera fazerdes dele o que quiserdes por vinganya do torto que vos fiz".

    Quando el-rei ouvio o que tho dezia, disse-lhe: "Quem cs tu que desta batalha as o milhor e pedes-me morco? Nunca tal rnaravilha vi que o vencedor demande merce ao vencidol". "Senhor", disse Perom, "eu sam homem natural de longas terras, da cidade de Jemsalcm, c hei nome Perom e sao cristao e a ventura me trouxe a esta terra, ainda nom ha grao tempo, chagado de iia fcrida pe

  • El-rci lhe pcrdoou mui de grado c por preito que cnt rasse corn Marao em campo por ele. Perom lhe dissc quo, por aver seu amor, cntraria em aventma ondo ole quisesse. E el-rei lho disse que dcpois da batalha lhc daria qualquer cousa que elc quisesse, ainda que todo seu reino lhe pcdisse. "Mas convir-nos-ha", disse cl-rei , "que ata li nos encubramos tam bcm que nhii nom possa saber de v6s. E sabcdes porque vo-lo digo? Qpe se Marao soubcsse que erades cristao nom cntraria convosco em batalha. E por direito, que nom sondes de sua Lei e por tanto nom se devia convosco combater" . r:: Pcrom lhe disse e promctco que se cncubriria o milhor que podcsse. E entao meteram suas cspadas nas bainhas e foram-se assentar so o pinheiro por folgarern. E estivemm i a~a noute escura, assi mal feridos como estavam.

    A noute, sobiram sobre scus cavalos e tomaram-se pcra o castelo tam encubcrtamente que ningucrn o sentio, afora o mordomo que espcrava el-rei na or1a. E cl-rei levou consigo Porom e o mordomo os deceo ambos. E depois que foram em sua camara, el-rei mandou por sua fi lha e mostrou-lhe Perorn e dissc-lhe: "Conhcccdcs v6s este cavalciro?" Ela ouvc pavor o quiscra-se encubrir. Elc dissc: "Filha, nom ha mister em cubrirde-vos que, so lhe bern fizestes, agora lhe fazei ccm tanto, que este 6 o milhor cavalei ro do mundo. Este me vencco oje e demais promctco-mc que so combateria por mirn com Marao" . A donzela foi mui leda com est a aventura e disse que o serviria como podesse". E depois mandarao por o cristao que curara Perom. E depois que lhcs oulhou as feridas , disse-lhes que nom ouvessem pavor que os daria saos ante de quinzo dias. Assi se conhecoo Pcrom com el-rei e foi sorvido e honrado E> mais que ele podia.

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    Como Perom fez a batalha em Loudrcs com el-rei Marao e o vencco e matou c do que mnis lhe aconteceo.

    Quando o dia da batalha chcgou, cl-rei Orc.'luz se foi a Londres e levou consigo Perom com outra rnuita companha. E quando for5o ante el-rei Luces, acharao ja i Marao que queria scu preito levar ao cabo como o com~ra. E quando Luccs vio Orcauz dissc-lhe se entraria na batalha Clo ou outrcm por cle. E Perom, quo era mui fcnnoso cavaleiro o parocia mui bcm, cstcndco sou gage por Orcauz e Marao por si . El-rci os recebeo ambos. Entao comcyarao a pcrguntar os do payo quem era aquclc que se queria combater com Marao, mas nom poderao mais saber que ser cavaleiro de Orcauz. "Per boa .f6", di sscram clcs, "que Perom tern sandeo ardimcnto! Que Marao, com quem quer lidar, 6 o n1jlhor cavaleiro do mundo e mais valcria quitar-sc da batalha".

    Assi falavam os que o nom conheciao. Mas, quando ambos forao no campo, sua batalha foi mui forte c mui crua c rnui maravilhosa de ver, que ambos os cavaleiros cram cornpridos de gram bondade. E durou a batalha des hora da p1irna ata hora da nona. E Marao sobejo se dcfcndia bern. quando conhccco a gram bondadc que avia em Perom. Mas nom lhc valco nada que Perom o matou e talhou-lhc a cabeya e levou-a a el-rei Luces. E dissc-lho: "Scnhor, tcnho tanto feito per que el-rei Orcauz deva de ser livre do alcive de quo cste o retava?" . "Certo, amigo", disso el-rei, "vos sondes bcm quite. Tanto avcdes fcito ante mim e ante minha companha quo cu vos dou por o milhor cavalei ro quo cu nunca vi . E portanto dcsojo, so vos aprouver, que fosscdes meu morador. E Pcrom disse que seu amigo e seu morador qucria ele ser, mas que aquela sazao nom podia i ficar. Dcpois que el-rei Luccs vio que Perom nom queria ficar com ele, tirou 3 parte cl-rei

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  • Orcauz o di sso-lhc: "Fazci de manci ra como de oje em oito dias vos ache em vosso castelo e este cavaleiro cstc ai convosquo, que qucro com ele f:-~la r que descjo muito saber quem 6 e aver scu amor". E el-rei dissc que assi o fa ria.

    E cnt5o sc partirao de Londrcs mui ledos e com grao prazer e foram-se pcra o castefo. E nunca vio ninguern maior honra da quo faziam a Pcrom. E di ziam: "Bcm vcnha o milhor dos boos cavaleiros!" . Ao tcrcci ro dia, quando todos fodio folg.ados, dissc cl-rci Orcauz a Perom: "Vos me servistes tanto que eu nom vo-lo poderia galardoar. Pcro pedi o que quiserdes e dar-vo-lo-hei assi como vo-lo promcti". "Scnhor", di sse Pcrom, "cu nom vcjo de vosso cousa que quisesse, afora somcnto iia , so ma quiscsscis dar. E sabcdc que maior honra o maior prol di sso avcrcdcs do que v6s cui clades". El-rei dissc que j ~1 cous

  • BREVE GLOSSARIO

    Asinha - dcpressa Aduro - (gal-port. "ad.ur") dificilmente Ardido - (fran. "ardit") corajoso Britar - derrubar, quebrar Cc1to - (fran."certes") certamente Duvidar - (fran. "dulter") terncr Durar - rcsistir Falocer - faltar Guarecer - curar-se Luriga - vestimenta de malha de metal. Mestre - medico Rctar - desafiar Ribar - dermbar

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  • iNDICE

    l 0 CICLO ARTURlANO l~M PROSA

    NO REJNO DE PORTUGAL

    Jl ESTRUTURA E FORMACAO DO CJ'CLO

    AUTURIANO EM PROSA

    01 PEROM, 0 ANTEPASSAOO OE GALVAO.

    IV OA UTERATURA A HJST6RfA:

    MOOELOS E IMAGENS .OA JDEOLOGlA OA NOJlll.EZA SENHORJAL

    v TEXTO .00 CONTO DE PEROM