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CONTE-ME SUA HISTÓRIA: ENTRE LEMBRANÇAS E MEMÓRIAS DE
CACHOEIRA DO SAPO
RODRIGO WANTUIR ALVES DE ARAÚJO 1
RESUMO
Este é um trabalho que contém uma experiência de história oral com os alunos do 6° Ano “A”
da Escola Municipal Francisquinho Caetano, distrito de Cachoeira do Sapo, município de
Riachuelo-RN. Com objetivo de aprender sobre a disciplina de história realizando um
trabalho dinâmico e interativo e de que o homem é sujeito da história, a partir das aulas sobre
o ofício de historiador, e o papel do homem na comunidade em que vive, percebeu-se que a
história oral de vida dos familiares dos discentes era uma possibilidade muito interessante
para alcançar tais objetivos. Dessa forma, foi feito um projeto de história oral sob o título
“Vovô, conte-me sua história” para que os alunos desenvolvessem um trabalho escolar tendo
a participação dos seus avós a partir da metodologia da história oral. Além desses objetivos,
pensou-se que a partir dos relatos orais podemos conhecer mais sobre as histórias de vida,
memória história local, produzir material didático, valorizar aspectos da realidade local e
consequentemente aprendendo mais sobre história. Isso porque numa comunidade em que a
memória através da oralidade é muito forte, a história oral se constitui como uma importante
forma de construção historiográfica. Mediante projeto construído e discutido em sala de aula,
aparelho de gravador digital, roteiro de perguntas e acompanhamento pelo professor de
história da escola, os alunos foram até as casas dos avós para entrevistá-los. Aprenderam
sobre a história de sua família, da sua comunidade, outras realidades que não vivenciaram,
ouvindo outras experiências e conhecendo mais da história da sua comunidade. Na verdade,
ouvindo relatos da vida dos seus avós e de suas vivências há cerca de quarenta, cinquenta
anos passados. O registro final culminou na produção de uma fonte histórica, material
didático para instituição anteriormente citada e uma experiência pedagógica rica para
professor e alunos com informações dos seus avós sobre a comunidade de Cachoeira do Sapo.
Palavras-chave: História Oral, Escola, Cachoeira do Sapo.
1 Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e professor de História da Escola
Municipal Francisquinho Caetano, distrito de Cachoeira do Sapo, Riachuelo-RN.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto de uma experiência docente com os alunos do 6° Ano “A” da
Escola Municipal Francisquinho Caetano, distrito de Cachoeira do Sapo, município de
Riachuelo-RN, no ano de 2012. Com objetivo de aprender sobre a disciplina de história, o
ofício de historiador, e o papel do homem na comunidade em que vive e o homem como
sujeito de sua história, percebeu-se que a história oral de vida poderia ser uma possibilidade
interessante para alcançar tais objetivos.
Sendo assim, os familiares dos discentes surgiram como uma opção natural, pois não
teriam nossos pais, avôs, ascendentes, feito história também? Dessa forma foi elaborado um
projeto de história oral sob título “Vovô, conte-me sua história” para que os alunos
desenvolvessem um trabalho escolar com seus avós a partir da metodologia da história oral.
Além desses objetivos, pensou-se que a partir dos relatos orais podemos conhecer
mais sobre a história local, memória e, além disso, produzir material didático disponibilizando
as informações colhidas nesse trabalho. Isso porque numa comunidade em que a memória
através da oralidade é muito forte, a história oral se constitui como uma importante forma de
construção historiográfica. Mediante projeto construído e discutido em sala de aula, aparelho
de gravador digital, roteiro de perguntas e acompanhamento pelo professor de história da
escola, os alunos foram até as casas dos avós para entrevistá-los.
Dentro desse trabalho, surgiu também outra vertente, que é muito atual e bastante
pesquisada na atualidade que é a história do cotidiano, porém não foi muito aprofundada e
discutida entre os alunos.
Contudo, já há muitos indícios que podem ser trabalhados posteriormente, pois os
alunos já aprenderam sobre a história de sua família, da sua comunidade, outras realidades,
ouvindo outras experiências e conhecendo mais da história da sua comunidade. Na verdade,
ouvindo relatos da vida dos seus avós e de suas vivências e experiências.
O registo final culminou na produção de uma fonte histórica, material didático para
instituição anteriormente citada e uma experiência pedagógica rica para professor e alunos
com informações dos seus avós sobre a comunidade de Cachoeira do Sapo.
PLANEJAMENTO COM OS ALUNOS
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A sala de aula é um universo rico, pois nela descobrimos e aprendemos muito
diariamente. É preciso estar sempre sensível as questões, as discussões e acontecimentos da
sala de aula, pois, este trabalho surgiu a partir de inquietações dos alunos que durante sua
participação nas aulas de história, estimularam a criação de um projeto de história oral quando
questionavam o ofício do historiador e o trabalho com fontes. Em discussões, sugeriram a
ideia de conhecer mais sobre a comunidade em que vivem, pois não há muitas informações e
nem materiais didáticos que possam ser usados no ensino.
Outro motivo pelo qual se escolheu o trabalho com a história oral se dá porque o
distrito de Cachoeira do Sapo (Riachuelo-RN) não dispõe de documentos oficiais,
documentos escritos, exceto poucos projetos de lei da Câmara Municipal de Riachuelo, sobre
esta localidade. Sendo assim, comunidade como essas, a oralidade e a memória das pessoas
ganham ainda mais notoriedade na compreensão da história, memória e cultura local.
Com os objetivos definidos para realização de um trabalho de pesquisa e intervenção,
na construção de um material didático pedagógico que contemplasse a memória, história e
vivências dentro da problemática da memória individual e coletiva, a importância da história
oral para produção de documentos e como ele se constitui como fonte histórica, iniciou-se o
trabalho com a metodologia de entrevistar os membros da comunidade com roteiro de
entrevistas e gravador digital acompanhados do professor de história.
Foram realizadas 7 (sete) entrevistas, entre as quais foram entrevistadas 5 (cinco)
mulheres e 2 (dois) homens com idades que variavam de 55 até 78 anos de idade. Os contatos
sempre foram muito positivos. Os “avós” sempre colaboraram participando e falando do seu
“tempo” e da sua história em Cachoeira do Sapo.
O trabalho durou aproximadamente dois bimestres escolares. Vale ressaltar que foi um
trabalho intenso que envolveu os alunos, escola, família e foi uma boa oportunidade para
aprender mais sobre a comunidade e aprender sobre a família. Com a execução deste trabalho
foi possível compreender que realizar um trabalho produtivo e envolvente com os alunos
dentro e fora de sala de aula, na aprendizagem em história e utilizando o envolvimento total
dos alunos em todas é uma excelente oportunidade para o desenvolvimento cognitivo.
EXECUÇÃO DA EXPERIENCIA
Durante as aulas de história, o professor ministra sua aula para os alunos sobre o
trabalho do historiador, utilizando os recursos que lhe são disponíveis: quadro, giz, livro
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didático. Até então, parece ser mais uma sala de aula normal. Mas, essa aula específica, foi o
inicio do trabalho pedagógico que mudaria a rotina escolar daquela turma. Num momento em
que se estudava sobre as “Fontes Históricas”, e discutia-se como é feito o trabalho do
historiador e a importância que para se construir a história, em que se precisa de registros, de
vestígios, de fontes que nesse sentido se constitui como as ditas fontes históricas.
Fonte histórica é todo vestígio da vida humana no passado utilizado pelo
historiador. Os vestígios se tornam fonte histórica a partir do momento em que o
historiador os estuda. Por meio dessas fontes, ele aprende sobre o passado e produz
um conhecimento histórico sobre o que investigou. (APOLINÁRIO, 2007, p. 12)
Ora, o conceito de fonte adotado é o de “vestígio” humano. Um conceito de que
podemos analisar as mais variadas formas desses “vestígios” para respondermos as perguntas
feitas e satisfazer ou não os nossos problemas. As fontes por si só não respondem as nossas
questões, elas são importantes, mas a intervenção do homem é fundamental para
compreender, aprender e solucionar as nossas indagações. Nesse sentido, discutiu-se o
estatuto de fonte desde o inicio do século XIX e com as “novas fontes” incorporadas mais
recentemente na historiografia.
Então, nas discussões sobre o estatuto do historiador, um aluno disse que uma pessoa,
era uma fonte. Os demais alunos da sala ficaram bastante intrigados. Como uma pessoa pode
ser uma fonte? Se naquele momento eles entendiam fonte como se fossem “vestígios”,
registros deixados pelo intencionalmente ou não. Nesse sentido, destacaram-se aspectos
conceituais sobre História. O que é história? Como se faz a história? Qual a base das
informações para fazer história? O conceito adotado é o do historiador Marc Bloch que
afirma: “a história é a ciência do homem no tempo (BLOCH, 2001, p.55)”. Assim, o objeto
dessa “ciência” é o estudo, análise, reflexão, conhecimento sobre o homem com uma
categoria que a identifica e unifica a história muito bem, o tempo. Aliás, a discussão sobre
tempo é muito cara e importante a compreensão do conceito de tempo, que nesse sentido se
configura como uma criação humana, uma unidade de medida que serve para compreensão e
organização da vida do homem.
Dentro dessa expectativa somos nós, homens comuns, aos que criamos, recriamos e
que estamos a cada dia fazendo história. Somos sujeitos determinantes no curso da nossa
história. Sendo assim, não teria nossos pais, avôs, ascendentes, feito história também? Nesse
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sentido de valorização do homem, a partir de um trabalho organizado pode-se ter o homem
como fonte. Estamos falando do estatuto da história oral.
História oral é um conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um
projeto e que continua com o estabelecimento de um grupo de pessoas a serem
entrevistadas. O projeto prevê: planejamento da condução das gravações, com
definição de locais, tempo de duração e demais fatores ambientais, transcrição e
estabelecimento dos textos; conferencia do produto escrito, autorização para uso;
arquivamento e, sempre que possível, a publicação dos resultados que devem, em
primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas. (MEHY, 2007, p. 15)
Então, ao explicar essas questões para sala de aula, os alunos ficaram bastante curiosos
para saber mais sobre isso e como poderiam “obter” essa fonte, já que identificaram que carta,
foto, roupas, brinquedos, moveis, objetos pessoais são fontes. Como poderia ter a fonte tendo
o homem como elemento? Como poderia acontecer isso? Construiu-se o projeto de história
oral e desenvolveu com os alunos.
A partir de inúmeras discussões, os alunos entraram num consenso que saber mais
sobre a comunidade deles seria muito interessante. Então, como membro mais antigo das suas
famílias recorreu aos avós para saber das experiências de vida em Cachoeira do Sapo,
sobretudo na infância e adolescência. Dessa maneira, eles saberiam como era a vida, as
brincadeiras, a escola, o trabalho, a rotina diária do mesmo lugar em que vivem
experimentados em outra época.
Assim, a comunidade é rica de experiências e por que
O espaço que se constrói uma cidade nos convida para o reconhecimento de um
espectro infinito de determinações/relações. É nesse plano intricado que homens,
mulheres, crianças, velhos e velhas estabelecem, projetam, realizam suas vidas. O
que trazem, o que inventam, o que transformam está além de qualquer possibilidade
positiva de determinação. (MONTENEGRO, 2007, p. 09)
A vida do homem ao longo do tempo dentro de um espaço social é carregada de vida,
tensões, histórias, informações e muito aprendizado. A escolha do público, no caso os avós e
do tema, a comunidade, foram estrategicamente pensadas mediante essas possibilidades bem
como pela facilidade dos próprios alunos terem acesso.
O trabalho se desenvolveu a partir de visitas aos avós dos alunos em que se explicou
do trabalho e pediu autorização para gravar a entrevista e utilizá-la para fins didáticos e
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pedagógicos. Não houve empecilhos por parte dos avós que se dispuseram a participar sem
restrições. O trabalho iniciou ainda em sala de aula com uma explicação e discussão sobre a
história oral, sobre procedimentos da pesquisa, entrevista, postura dos alunos, seriedade com
o trabalho e da elaboração do próprio questionário elaborado pelos alunos.
Posteriormente, iniciou-se o processo com as entrevistas gravadas, sempre
acompanhadas de professor e dois alunos, e estes faziam as perguntas que foram estabelecidas
em sala de aula aos seus avós. As entrevistas foram muito tranquilas e não houve dificuldade
para realiza-las, pois vale ressaltar que houve debates e explicações de como os alunos
deveriam se comportar e proceder na hora das entrevistas.
Optou-se assim por uma história oral de vida em que ao ouvir as experiências dos avós
dos alunos, contando para eles sobre a vida na comunidade de Cachoeira do Sapo há algumas
décadas seria a melhor maneira de se conhecer mais sobre a história local.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
A duração das entrevistas foi em média de 12 minutos para cada entrevistado. Uma
média de 75 minutos, pois algumas foram mais rápidas do que o previsto e outras excederam
um pouco do tempo limite. Contudo, deixamos os entrevistados à vontade para falar aquilo
que quisessem dentro do âmbito das perguntas. O roteiro das entrevistas era elaborado
antecipadamente, contudo mediante a cada entrevista, perguntas novas se encaixavam no
roteiro inicial.
Continuando o trabalho, ao fim das entrevistas, os envolvidos neste trabalho partiram
para as transcrições. Ouviram as entrevistas e digitaram seu teor. Esse momento foi o que
durou mais tempo e deu mais trabalho para ser concluído, pois a falta de prática dos alunos e a
falta de equipamentos adequados2 para este fim fez passar muito tempo nessa etapa do
projeto. Além disso, houve dificuldade devido às próprias dificuldades do trabalho da
transcrição.
Este trabalho da transcrição foi muito penoso, pois os alunos nunca haviam tido essa
experiência e sem falar nem todos tinham habilidades com a digitação. Então, essa parte do
2 Os equipamentos são computadores, gravadores e aparelhos de MP3. Havia apenas um computador e gravador
disponível
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projeto fez com que o cronograma se excedesse. Contudo foi possível concluir essa etapa e
voltar ao público, pois
O compromisso com a ‘devolução’ dos resultados do projeto é condição básica
para se justificar um projeto de história oral. A condição ‘para quem’ deve ficar
explicita, pois projetos que se valem de entrevistas cumprem sempre um papel
social. [...] em primeiro lugar, devem ser devolvidos aos protagonistas geradores e,
conforme o caso, a comunidade que os provocou. (MEHY, 2007, p. 17)
Nesse caso, os trabalhos voltaram aos avós, transcritos e com termo de autorização
para uso, além de terem sido entregues também em cds, para que assim, os avós que não
sabiam ler fluentemente pudessem ouvir as suas entrevistas e tivessem o retorno da sua
participação nesse trabalho.
REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
A entrevistada dona Severina Rodrigues, aposentada, dona de casa, 74 anos destacou
com muita ênfase na sua entrevista o trabalho na agricultura e como sua infância foi tomada
por essa experiência. Casou muito jovem e teve muitos filhos. Na região onde morava, era
muito árida e seca e ela já tinha saído de Cachoeira do Sapo, quando casara, mas voltou.
Gosta muito do lugar e tem muita saudade de sua época de moça. D. Nenca, como é
conhecida é muito extrovertida e gostou muito de sua participação neste trabalho.
IMAGEM 01
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ARAUJO, R.W.A. de. Alunos Ícaro Hugo e Jânio Sérgio realizando entrevista com
Severina Rodrigues. 2012. 01 Fotografia
D. Nenca gostou muito da entrevista e sempre bem humorada agradeceu pela
oportunidade de falar sobre sua vida. Continuando as entrevistas, foi entrevistado o Sr.
Adegício Alves, aposentado, 78 anos, ele informou que as festas na comunidade eram muito
divertidas e que as pessoas gostavam muito de ir aos bailes e forrós “eram a única diversão
das pessoas. Se não tivesse baile, todo mundo ia dormir às 7 horas porque trabalhava logo
cedo.” Isso sem falar que este senhor também relatou para os alunos que esta era a única
forma de diversão era festas, já que trabalhavam muito. Gostou muito de falar sobre as festas
na comunidade. Foi muito entusiasta e pediu logo pra ouvir a entrevista no gravador.
Na entrevista com Dona Maria Rodrigues, aposentada, 75 anos, foi a mais longa das
entrevistas, ela abordou questões ligadas às histórias das mentalidades. Ela colocou questões
que suscitaram a curiosidade do alunado quando disse: “o final do ano era o tempo ideal para
se casar, pois era o tempo da colheita e as pessoas já haviam vendido o algodão e os maridos
podiam pagar pelo dote.” Os alunos ficaram bastante curiosos em relação a isso. Então ao
explicar eles acharam aquilo “bem estranho”, mas como havia dito a eles, compreenderam
como costume da época. Ainda destacando “as missas, as procissões como única forma de se
animar e saírem de casa. Papai só deixava se fosse com meu tio”.
IMAGEM 02
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ARAÚJO, R.W.A. de. Aluno Robert Lira entrevistando Maria Rodrigues. 2012. 01
Fotografia
Ela falou uma coisa que foi ao encontro de alguns entrevistados e que também deixou
os alunos surpresos que foi o fato dela ter mencionado “que seu tempo era muito bom e ela
era muito feliz”. Embora tenha reconhecido que atualmente as “coisas estão mais fáceis”,
contudo preferia seu tempo. Nesse sentido, discordava da outra senhora que falou que seu
tempo era muito difícil e da conclusão que os alunos tiveram da dificuldade do tempo.
Nesse sentido, tal depoimento colabora na ideia de desmitificar as opiniões e
impressões sobre o mesmo local e permite que os alunos compreendam a complexidade de
uma época e as impressões diferenciadas. Isso fez eles pensarem como na atualidade as
experiências que eles adquirem e o que vão “registrar” em suas mentes sobre tais aspectos.
A entrevista com Dona Maria Duarte de Lima ou comumente chamada Dona Maria de
Lídio, aposentada, 56 anos, trouxe um aspecto para reflexão sobre a pobreza, pois conforme
ela falou “a vida era muito dura, tanto que nem saía pras festas. Nossa vida era só trabalho”.
Ela relatou que a vida era muito difícil e que o trabalho começava cedo, desde criança.
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ARAÚJO, R.W.A. de. Professor Rodrigo Wantuir e alunos Jobson Jordas e José Carlos
entrevistando Maria Máximo. 2012. 01 Fotografia
Dona Maria de Lídio, como é chamada, talvez tenha tido as experiências mais difíceis
e tem uma história muito forte e de muitas batalhas vencidas, pois se tornou mãe de mais de
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20 filhos, avós de muitos netos e ficou viúva muito cedo. Batalhou muito, mas conseguiu
vencer e criar seus filhos. Um verdadeiro exemplo de luta e garra. Dona Maria Eunice Soares,
conhecida como Dona Nicinha, aposentada, 71 anos, relatou que apenas há dois anos morava
em Cachoeira do Sapo e que gostava muito do lugar. Isso porque ela era moradora de uma
localidade próxima chamada Serra da Melosa. Mas, mesmo assim contou um pouco da sua
infância, dos bailes, do trabalho. Contudo, percebeu-se que não foi tanto ao trabalho como os
demais entrevistados e que ela realmente chegou há pouco tempo e nesse sentido é
contemporânea como os alunos assim também o são. Mas, sua contribuição foi relacionada à
sua experiência morando próximo a comunidade.
O Sr. José Dantas de Souza, aposentado, 70 anos, conhecido como “Dedé Rosa”
abordou elementos de história local, como a localização das casas de Cachoeira do Sapo, as
construções e os proprietários. Essa questão foi muito interessante, pois os alunos puderam
identificar a partir dos proprietários atuais. O Sr. “Dedé Rosa” se emocionou muito quando
falou que “amava sua terra e que não trocaria seu lugar por nenhum outro”, inclusive
chorando, o que consideramos muito comovente e forte no contexto do trabalho e fez com que
os alunos refletissem acerca disto.
Tivemos também uma entrevista com a Sra. Zuleide, doméstica, 56 anos que mora nas
proximidades de Cachoeira do Sapo e destacou a escola como uma necessidade e que
infelizmente não pode aproveitar porque onde morava era muito longe e trabalhava bastante.
Além disso, havia se casado muito cedo. E destacou que sempre “ouvia falar em Cachoeira
do Sapo e adorava passar as tardes por lá, resolvendo as coisas”.
A contribuição destas entrevistas na construção de uma história local se deu a partir
das diversas experiências que os familiares dos alunos tiveram nessa comunidade em que
moram até hoje. Há muita informação interessante e em alguns momentos os entrevistados
concordam e discordam de pontos de vistas. O que aconteceu é que eles ficaram bastante a
vontade para discutir sobre tais aspectos e nesta parte foi feito um pequeno registro de temas
variados e colocados em questão no momento da entrevista e que agora estão documentados.
Percebe-se que todos os elementos citados, características são muito interessantes e
que esse registro agora se encontra disponível na Escola Municipal Francisquinho Caetano
para leituras, discussões, análises e futuros trabalhos que envolva temática semelhante.
DE VOLTA A SALA DE AULA
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Os alunos tiveram acesso a todas as entrevistas transcritas e impressas. Vale ressaltar
que eles foram responsáveis, embora supervisionados pelo professor, pelas transcrições das
entrevistas e o professor realizou o debate e a discussão em sala de aula sobre tais
documentos.
IMAGEM 04
.
ARAUJO, R.W.A. de. Alunos realizando as transcrições na sala de audiovisual da Escola.
2012. 01 Fotografia
Nesse momento, analisamos as expectativas e reações dos alunos em relações as
fontes que eles tinham em mãos. Nesse sentido, foi informado aos alunos que eles tinham em
mãos eram transcrições de entrevistas e que o conjunto dessas transcrições formariam as
fontes orais do projeto que eles colaboraram para realizar. Ao ler as transcrições, eles
identificaram aspectos que não fazem parte do seu cotidiano ou ritmo de vida. Em comum em
todas as entrevistas, sobressaiu o tema trabalho, festas e amor à comunidade de Cachoeira do
Sapo. De uma maneira geral todos os entrevistados mencionaram esses aspectos nas suas
entrevistas.
Como por exemplo, nas transcrições, os alunos destacaram que “as pessoas daquela
época não tiveram boa infância”, “que trabalhavam demais”, “que nesse tempo não tinha as
coisas que têm hoje”, ou seja, eles analisaram diretamente uma característica fazendo uma
comparação com a vida deles.
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Esse trabalho iniciou com essa discussão e reflexão sobre o anacronismo histórico,
um dos maiores problemas com a análise de estudos sobre história. Por isso foi necessário
explicar que não se pode pensar em determinados grupos da sociedade com emissão de juízo
de valores, pois cada momento, cada época traz a vida e as circunstâncias sociais, políticas e
econômicas. Logo se iniciou na sala um debate em relação a isso.
Foi um momento interessante porque se falou em relação ao anacronismo. Explicou-se
não se pode julgar ou comparar duas épocas diferentes ao afirmar que uma época seria melhor
que a outra. Podemos sim, analisar as dificuldades, contextualiza-las, debater os problemas de
cada época, entre outras questões.
Nesse sentido, analisaram as condições da época e a situação familiar dos
entrevistados. Em alguns parágrafos, discorreremos sobre algumas questões colocadas pelos
entrevistados e que chamaram atenção dos alunos na hora da leitura e debate em sala de aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho do professor em sala de aula, mediante a tantas questões que perpassam a
escola pública é sempre um desafio. Desafio este que é preciso aceitar e estar disposto a
colaborar muito com o processo de ensino aprendizagem. Como estamos sempre interagindo
com os alunos, eles mesmos muitas vezes nos dão as pistas pelas quais devemos traçar nosso
olhar docente e enfocar mais um ou outro assunto.
As fontes históricas, história oral, memória e história local despertou nos alunos o
gosto pelo estudo e debate da história. Além de ter iniciado um trabalho didático e
demonstrar que com participação e envolvimento podemos compreender mais linguagens e
utilizá-las a favor da educação. Não que tenha sido a “tábua de salvação”, mas atendeu as
expectativas. Além de tudo isso, a possibilidade de colaborar para que alunos possam
construir seu aprendizado é muito gratificante para qualquer professor.
Este trabalho foi concluído com sucesso e teve um excelente resultado com a turma do
6° ano “A” da Escola Municipal Francisquinho Caetano. Podemos a partir de agora, ver que a
história é viva, presente e está em todos os lugares. Que as respostas para muitas perguntas
estão muitas vezes próximas, sendo necessário realizar o trabalho de historiador.
Contudo, não queremos afirmar que a partir de agora os alunos serão historiadores ou
que todos os problemas didáticos da sala de aula possam ser resolvidos dessa forma. Na
realidade esse trabalho foi uma alternativa e uma experimentação que só deu certo pelo
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envolvimento docente e discente. Nesse momento, acreditamos que os alunos efetivamente
conheceram como se faz o trabalho com história oral e sua utilidade no seu contexto local.
Finalmente, pode-se perceber a partir dos relatos dos alunos que eles aprenderam na
prática história e que a partir dessa linguagem pudemos enriquecer as aulas de história,
possibilitando, sem dúvida mais qualidade e melhor aprendizagem. O produto final deste
trabalho culminou em uma produção de um material didático, uma fonte oral que servirá para
compreender mais da história local. Os frutos desse trabalho foram muito positivos,
alcançando os objetivos propostos.
REFERENCIAS
BLOCH, Marc. Apologia da História: ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar,
2001.
MEIHY, José Carlos Sebe B.;HOLANDA, Fabiola. História Oral: como fazer, como pensar.
São Paulo: Contexto, 2007.
MONTENEGRO, Antonio Torres. Introdução. In: História Oral e Memória: a cultura
popular revisitada. São Paulo: Contexto, 2007.
LIVRO DIDÁTICO
APOLINÁRIO, Maria Raquel. Projeto Araribá: História. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2007.