Concepções sobre os processos de ensino e de aprendizagem ... · aluno em Matemática, sendo...

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0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ALEXANDRE KRÜGER ZOCOLOTTI Concepções sobre os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática: Um estudo de caso com professores graduados em áreas afins DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

ALEXANDRE KRÜGER ZOCOLOTTI

Concepções sobre os processos de ensino e de

aprendizagem de Matemática: Um estudo de

caso com professores graduados em áreas afins

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

SÃO PAULO

2015

0

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

ALEXANDRE KRÜGER ZOCOLOTTI

Concepções sobre os processos de ensino e de

aprendizagem de Matemática: Um estudo de

caso com professores graduados em áreas afins

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Educação

Matemática, sob a orientação do Prof. Dr.

Saddo Ag Almouloud.

SÃO PAULO

2015

0

1

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta dissertação por qualquer meio de

fotocopiadoras ou eletrônicos, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Assinatura: ------------------------------------ Local e Data: -------------------------------------

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Para minha esposa Geicine e meu filho Klaus, presentes que Deus concedeu-me e com os quais aprendo a cada dia.

Para os meus sobrinhos Antônio, Alice e Cecília, símbolos da continuidade do elo fundamental, a família.

De modo especial à memória de meu saudoso pai, de quem recebi os preceitos da ética e da retidão moral.

0

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, acima de tudo, pela graça de viver e ter vida em plenitude.

À minha esposa e a meu filho, pelo imenso amor que me dedicaram ao longo dos últimos anos, demonstrando esse amor inúmeras vezes, quer seja entendendo minha ausência, quer seja me apoiando, de modo incondicional, nos momentos mais difíceis dessa caminhada;

À minha mãe, por todo o zelo e carinho com minha educação;

Às minhas irmãs Cristiane, Luciana e Letícia, companheiras e amigas, pontos de apoio sempre presentes em minha caminhada.

À família Stein Meirelles, que me acolheu como filho e que jamais duvidou da minha capacidade, incentivando-me a ir à busca dos meus sonhos.

Ao meu orientador, Professor Doutor Saddo Ag Almouloud, pela paciência e incentivo, fundamentais para a realização do sonho de concluir este trabalho;

Aos componentes da Banca Examinadora, Professoras Doutoras Ana Lúcia Manrique, Cláudia Regina Flores, Maria Auxiliadora Vilela Paiva e Maria Cristina Souza de Albuquerque Maranhão, por todas as críticas construtivas feitas e pelas sugestões dadas;

À professora Maria Auxiliadora Vilela Paiva, querida professora Dôra, por tanto acreditar em mim e pelo auxílio e apoio dados em um momento delicado e crucial de minha carreira profissional;

Aos quatro professores que aceitaram participar da pesquisa, elementos fundamentais para a realização da mesma.

Ao amigo Elson Ferreira, pela revisão gramatical e pelas inúmeras sugestões dadas.

Aos colegas do Centro Educacional Charles Darwin pela constante preocupação com o andamento da tese e pelo incentivo dado em todos os momentos. De modo especial, aos amigos Alessandro do Nascimento Pinto, Hamilton Henrique Campos e Victor Loyola Perini pelo incondicional apoio e ajuda que sempre me prestaram.

A todos a quem, por esquecimento, não me referi, e que contribuíram para esta minha realização.

0

Ninguém começa a ser educador numa

certa terça – feira às quatro da tarde.

Ninguém nasce educador ou marcado para

ser educador. A gente se faz educador, a

gente se forma, como educador,

permanentemente, na prática e na reflexão

sobre a prática. (FREIRE, 1991, p. 32)

1

RESUMO

A pesquisa aqui apresentada teve como foco investigar concepções sobre os

processos de ensino e de aprendizagem de professores de Matemática

formados em áreas afins a essa disciplina e que frequentaram um curso de

Complementação Pedagógica. Um estudo empírico foi conduzido com quatro

professores de Matemática – duas docentes que atuavam no Ensino

Fundamental II e dois docentes que atuavam no Ensino Médio - que possuíam

formação nos moldes citados. O referencial teórico estudado envolveu

concepções, saberes docentes e formação de professores de Matemática, com

especial atenção aos modelos de formação docente vigentes no Brasil. Para a

coleta de dados, foram utilizados dois elementos diferentes: entrevistas

semiestruturadas e observações da prática de cada um dos professores

pesquisados. Na análise dos dados, foram percebidos detalhes que permitiram

identificar como cada um dos participantes entende os processos de ensino e

de aprendizagem da Matemática. Esses detalhes, que reúnem aspectos que

revelam saberes de cada um dos docentes, mostraram diferenças no

conhecimento matemático manifestado ou na prática cotidiana observada, de

cada um dos participantes. A conclusão do trabalho aponta a necessidade de

uma discussão sobre a reestruturação dos Cursos de Complementação

Pedagógica, bem como a urgência de um levantamento que revele, a nível

nacional, o número de professores de Matemática que foram formados por

esses cursos.

Palavras-chave: Concepção; Complementação Pedagógica; Formação de

Professores de Matemática.

0

ABSTRACT

The research presented here focused on investigating conceptions of the

processes of teaching and learning mathematics teachers trained in areas

related to this discipline and who have attended a course in Educational

Complementation. An empirical study was conducted with four teachers of

mathematics - two teachers who worked in the Secondary School and two

teachers who worked in high school - who had training in those molds. The

theoretical study involved conceptions, teaching knowledge and training of

mathematics teachers, with special attention to the models of teacher education

in force in Brazil. For data collection, two different elements were used: semi-

structured interviews and observations of the practice of each of the surveyed

teachers. In the data analysis, it was perceived details that have identified how

each participant understands the processes of teaching and learning of

mathematics. These details, which combine aspects that reveal knowledge of

each of the teachers showed differences in expressed or mathematical

knowledge in everyday practice observed, each of the participants. The

conclusion of the study highlights the need for a discussion on the restructuring

of Pedagogical Supplementary courses, as well as the urgency of a survey that

reveals, at national level, the number of mathematics teachers who have been

trained through these courses.

Keywords: Design; Pedagogical complementing; Mathematics Teacher

Education.

0

LISTA DOS QUADROS Quadro 1: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 29 Quadro 2: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 29 Quadro 3: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 29 Quadro 4: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 30 Quadro 5: Revisão de operações e seus termos ....................................................... 50

0

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Relação entre concepção e saber da experiência ........................................ 23 Figura 2: Exemplo usado pela professora Marcela para divisão ................................. 51 Figura 3: Exercício sobre divisão ................................................................................ 52 Figura 4: Exercícios sobre divisão .............................................................................. 53 Figura 5: Exercícios sobre divisão .............................................................................. 53 Figura 6: Exercícios sobre divisão .............................................................................. 54 Figura 7: Prova aplicada pela professora Luísa – 1 de 5 ............................................ 55 Figura 8: Prova aplicada pela professora Luísa – 2 de 5 ............................................ 56 Figura 9: Prova aplicada pela professora Luísa – 3 de 5 ............................................ 57 Figura 10: Prova aplicada pela professora Luísa – 4 de 5 .......................................... 58 Figura 11: Prova aplicada pela professora Luísa – 5 de 5 .......................................... 59 Figura 12: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 1 de 3 ..................................... 69 Figura 13: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 2 de 3 ..................................... 69 Figura 14: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 3 de 3 ..................................... 70 Figura 15: Trapézio ABCD .......................................................................................... 73 Figura 16: Ilustração relativa à questão 6 ................................................................... 73 Figura 17: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 1 de 6 .......................... 75 Figura 18: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 2 de 6 .......................... 76 Figura 19: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 3 de 6 .......................... 76 Figura 20: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 4 de 6 .......................... 77 Figura 21: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 5 de 6 .......................... 77 Figura 22: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 6 de 6 .......................... 77 Figura 23: Representação de função feita pelo professor Roberto.............................. 98 Figura 24: Exercício corrigido pelo professor Roberto ............................................... 100 Figura 25: Exercício corrigido pelo professor Roberto ............................................... 101 Figura 26: Exercício corrigido pelo professor Roberto ............................................... 102 Figura 27: Exercícios propostos ................................................................................ 110 Figura 28: Exercício proposto ................................................................................... 111 Figura 29: Exercício porposto ................................................................................... 111 Figura 30: Exercício proposto ................................................................................... 112

1

Sumário Introdução .................................................................................................................................. 12

Capítulo I: Definindo a pesquisa - Problema e Objetivo..................................................... 16

1) Problema ........................................................................................................................ 16

2) Objetivo .......................................................................................................................... 19

Capítulo II: Concepções .......................................................................................................... 20

Capítulo III: Professor de Matemática – Processos de Formação ................................... 25

Capítulo IV: Metodologia e Procedimentos Metodológicos ............................................... 33

1) O ato de pesquisar concepções ................................................................................. 33

2) Caracterizando a pesquisa ......................................................................................... 34

3) Os sujeitos da pesquisa .............................................................................................. 36

4) Instrumentos para a coleta de dados ........................................................................ 37

4.1) Entrevistas ................................................................................................................. 38

4.2) Observações da prática ........................................................................................... 39

5) Procedimentos de tratamento e análise de dados .................................................. 40

Capítulo V: Dados Coletados ................................................................................................. 41

1) Professora Marcela ...................................................................................................... 41

1.1) Entrevista ............................................................................................................... 42

1.2) Observações da Prática ...................................................................................... 50

2) Professora Luísa ........................................................................................................... 61

2.1) Entrevista ................................................................................................................... 61

2.2) Observações da Prática .......................................................................................... 68

3) Professor Caio .............................................................................................................. 79

3.1) Entrevista ................................................................................................................... 79

3.2) Observações da Prática .......................................................................................... 79

4) Professor Roberto ........................................................................................................ 89

4.1) Entrevista ................................................................................................................... 89

4.2) Observações da Prática .......................................................................................... 97

Capítulo VI: A análise dos dados ......................................................................................... 113

Concepção � ......................................................................................................................... 113

Concepção � .......................................................................................................................... 115

Concepção � ......................................................................................................................... 116

Os Professores pesquisados e suas concepções......................................................... 117

Professora Marcela ............................................................................................................ 117

2

Professora Luísa ................................................................................................................. 121

Professor Caio .................................................................................................................... 126

Professor Roberto .............................................................................................................. 131

Capítulo VII: Considerações e perspectivas ...................................................................... 137

Referências: ............................................................................................................................ 143

12

Introdução

Desde o início de minha escolarização ouço que “Matemática é difícil” ou

que “Matemática é apenas para quem tem dom; não é qualquer um que

aprende Matemática”.

Do pouco que ainda me recordo, são vivas as lembranças de um aluno

que para aprender Matemática não questionava as regras que lhe eram

ensinadas: eu apenas seguia o modelo. Não me interessava de onde vinham

as regras: o importante era que eu “sabia como usá-las”.

Até a conclusão do antigo segundo grau eu era considerado um bom

aluno em Matemática, sendo sempre indicado como monitor dessa disciplina.

Mantendo minha prática de seguir a regra de aprender como se fazia, sem

questionar o porquê, acabei sendo aprovado no vestibular de 1990 da

Universidade Federal do Espírito Santo, no curso de Engenharia Elétrica. Logo

no primeiro semestre do curso, uma reprovação em Cálculo I revelou que eu

não era tão bom em Matemática.

Adaptando-me da maneira que podia e que conseguia, conclui o período

básico do curso. Mas antes mesmo da conclusão desse período, iniciei minha

carreira docente, ministrando aulas em um pequeno curso pré-vestibular.

Ensinava aos meus alunos a fórmula que havia dado “certo” comigo: bastava

saber como fazer e mais nada.

Talvez porque esse fosse o “método” adequado ao modelo de curso em

que atuava, alcancei certo destaque nesse meio, sendo convidado para

assumir aulas em outros cursos pré-vestibulares. Ao fim de três anos, acabei

largando a Engenharia para que pudesse assumir mais aulas, atuando não

apenas como professor de pré-vestibular, mas também como professor do

Ensino Médio. Nessa época, fim da década de 1990, era permitido que alunos

de cursos de áreas afins assumissem aulas de Matemática por meio de um

documento chamado “Licença Precária” 1. Para continuar sendo aluno de um

1 Esse documento era emitido pela Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo e concedia a autorização para que um aluno de graduação atuasse como professor no ensino básico.

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curso superior e para poder ter direito a essa licença, ingressei em um curso de

Tecnólogo em Processamento de Dados de uma instituição privada.

A rotina de professor e a não identificação com a área de informática me

levaram, após cinco anos, a abandonar o segundo curso superior. Mesmo sem

uma formação superior, continuava como professor em diferentes escolas.

Hoje, olhando sob outra perspectiva, percebo o quão inconsequente fui e como

posso ter afetado a vida de muitos daqueles que foram meus alunos naquela

época. Ainda que tenha agido de boa fé, o desconhecimento pode ter me

levado por caminhos errados.

Em 2003, preocupado em obter um diploma de um curso superior,

ingressei em um curso de Licenciatura em Matemática de uma instituição

particular. Admito que meu pensamento era: “estou aqui para ter o diploma,

pois Matemática eu já sei e ser professor eu já sou”. Ledo engano que durou

10 minutos da minha primeira aula.

Meu modo de ver a Matemática e os seus processos de ensino e de

aprendizagem de Matemática, além do meu próprio saber matemático, foram

sendo modificados com o decorrer do curso. Eram nítidas as mudanças:

abandonei algumas práticas e adotei novas metodologias de trabalho,

assumindo uma postura mais reflexiva sobre aquilo que ocorria em sala de

aula.

A Licenciatura, além de abrir meu olhar para os processos de ensino e

de aprendizagem de Matemática, me impulsionou aos estudos de Mestrado e,

posteriormente, aos de Doutorado.

Sei que não posso afirmar que a docência foi uma escolha, pois ela

surgiu como uma alternativa, algo que faria durante certo tempo: “estaria” como

professor pelo período em que estivesse fazendo Engenharia e, após a

conclusão do curso, abandonaria o “bico”.

Alguns anos depois, ao recordar essa experiência, um questionamento

surgiu: quais as concepções sobre Matemática, e sobre o seu ensino, possuem

um professor de Matemática graduado de uma área afim a essa disciplina?

Para elaborar respostas a esse questionamento, apresento o trabalho a

seguir, realizado com professores que, após a graduação, frequentaram um

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curso de Complementação Pedagógica em Matemática. A proposta foi

entrevistar e acompanhar a prática desses professores, na tentativa de

descobrir qual concepção cada um possui sobre a Matemática e sobre os seus

processos de ensino e de aprendizagem.

O trabalho foi estruturado em sete capítulos. No capítulo I foi feita a

formulação do problema de pesquisa e o seu objetivo. O texto procura mostrar

ao leitor um pouco das leituras e reflexões feitas para a sua definição.

A revisão bibliográfica sobre concepções, encontrada no capítulo II, traz

contribuições de diferentes autores como Ponte (1992), Thompson (1997) e

Garnica (2008). Durante sua elaboração, à medida que a leitura e a escrita

avançavam, foi possível, por meio de processos reflexivos, estruturar como a

ideia de concepção utilizada neste trabalho.

A questão da formação do professor de Matemática é debatida no

capítulo III. Além de uma discussão sobre as diferentes possibilidades de

formação para um professor de Matemática, também é apresentado um

panorama da situação desses cursos no Estado do Espirito Santo.

Os procedimentos metodológicos são descritos no capítulo IV. Além de

uma consideração inicial sobre o ato de pesquisar concepções, nele são

encontradas as principais caracterizações da natureza da pesquisa, os

detalhes sobre os seus participantes e os motivos para a escolha desses

participantes. Em sua parte final são apresentados os instrumentos de coleta e

de análise dos dados.

Se no capítulo anterior foram citados os instrumentos de coleta de

dados, no capítulo V foi descrito o processo da coleta de dados. Procurou - se

fazer uma caracterização que permitisse esclarecer ao leitor em que condições

os dados foram coletados. Essa caraterização foi feita de modo individual para

cada um dos participantes, pois entendeu - se que as diferentes condições em

que um docente realizou seu trabalho também deveriam ser um dos elementos

de análise.

Os dados levantados pelos diferentes instrumentos foram analisados, no

sexto capítulo, da mesma forma que no capítulo anterior: cada participante teve

sua análise separada dos demais. É nesse capítulo que surgem as categorias

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de análise que permitiram perceber as concepções de cada um dos

participantes.

O último capítulo traz as conclusões da pesquisa. De modo reflexivo,

foram apontados os indicativos que podem ser entendidos como conclusivos a

respeito das concepções dos participantes, bem como as limitações

encontradas. Também foram apontadas algumas sugestões de pesquisa que

podem ser desenvolvidas por aqueles que desejam trabalhar na pesquisa

sobre a formação do professor de Matemática e sobre o estudo das

concepções.

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Capítulo I: Definindo a pesquisa - Problema e Objet ivo

1) Problema

É comum encontrar em sala de aula professores de Matemática,

habilitados e legalmente amparados para o exercício da docência, que não

frequentaram um curso de Licenciatura Plena em Matemática. Esses

professores, graduados em cursos que compõem as chamadas “áreas afins à

Matemática”, tornam-se habilitados ao exercício da docência após a conclusão

de um curso de complementação pedagógica de 540 horas. Segundo Paz:

Objetivando atender as demandas de formação de professores dos níveis Fundamental e Médio, são autorizados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) os Programas Especiais de Formação Pedagógica de Docentes (PEFPD), os quais devem ser desenvolvidos com no mínimo 540 horas (LDB, art. 63, inciso I; Parecer CNE nº04/97); disponibilizados a profissionais de áreas diversificadas, que são submetidos à complementação pedagógica. (PAZ, 2007, p.1)

Essa medida, que a princípio tinha caráter emergencial e que se

mostrava uma alternativa para combater a falta de professores que se

verificava na década de 1990 no Brasil, tornou-se, aparentemente, uma política

permanente em nosso país já que, ainda hoje, mais de 20 anos após a sua

entrada em vigor, continua válida. A continuidade dessa medida indica que

nossos cursos de licenciatura ainda não formam o contingente de professores

requeridos pelo nosso sistema educacional, mesmo com todos os esforços

governamentais para a captação de um número maior de alunos para os

cursos de licenciatura.

O processo de formação de professores a partir da permissão de que

profissionais de áreas chamadas afins frequentem cursos de complementação

pedagógica (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1997) vem chamando

a atenção de pesquisadores nacionais como mostram, por exemplo, os estudos

de Passos e Oliveira (2008), Freitas (2007), Dias-da-Silva (2005), Linhares

(2001) e Patinha (1999), entre outros. Discutindo informações obtidas por

Freitas (2007) e os possíveis resultados que os novos programas de formação

podem trazer para a identificação profissional dos professores, Passos e

Oliveira (2008, p.107) afirmam que “tais informações são provocativas e vêm

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confirmar a necessidade de estudos sobre o Programa Especial de Formação

de Professores”.

Mas, o que esses estudos devem abordar? Certamente, essa pergunta

possui um número considerável de respostas. Optamos por uma abordagem do

tema seguindo a ideia de que nenhum saber por si mesmo é formador de seu

processo de ensino (Tardif, 2011). Assim, por mais que se afirme ou acredite

que um profissional de uma das áreas chamadas afins à Matemática “sabe

Matemática”, parece óbvio que esse profissional não foi formado para ensinar

Matemática. Usando as palavras do próprio Tardif (2011, p.43): “saber alguma

coisa não é mais suficiente, é preciso também saber ensinar”. Nesse cenário,

parece-nos que os cursos de complementação pedagógica teriam o objetivo de

oferecer a esse profissional – que se presume já saber Matemática –

conhecimentos sobre como ensinar Matemática.

Entretanto, essa lógica de que um graduado em área afim já sabe

Matemática carece de uma análise mais aprofundada: ainda que esses cursos

ofereçam disciplinas relacionadas à Matemática, quais são essas disciplinas e

como são ministradas essas disciplinas? A estruturação e a execução dos

cursos de complementação pedagógica vêm permitindo a esse docente

conhecer particularidades dos processos de ensino e de aprendizagem de

Matemática?

Se for verdade que “a formação inicial de professores visa a formar

profissionais competentes para o exercício da profissão” (Ponte, 2002, p.3),

então, a graduação em uma área afim, juntamente com a complementação

pedagógica, equivale ao curso de formação inicial pelo qual passam os

licenciados em Matemática, pelo menos nos termos de lei. Mas, em termos de

prática: como é o “fazer” de um professor que frequentou um curso de

complementação pedagógica?

Questionar o “fazer” do professor leva em conta o fato de que a ação do

professor é um ato intencional.

Um acto que, portanto, pressupõe no professor razões e motivos, propósitos e objectivos, eventualmente nem sempre claramente definidos e explícitos, que o orientam nos juízos que faz e nas opções e decisões que toma na sua prática de ensino. (GUIMARÃES, p.81, 2010)

18

Ainda que o professor tenha que seguir uma série de normas e rotinas a

ele impostas, ele também carrega consigo algumas certezas – as razões e os

motivos citados por Guimarães (2010). Essas certezas, construídas ao longo

da sua vida, estão “guardadas” em seus pensamentos; uma vez dentro de sala

de aula, tais pensamentos influenciam suas ações. Por isso, “entender” o modo

como o professor pensa pode auxiliar no entendimento de suas ações

cotidianas. E para “tentar entender” o pensamento do professor, optamos por

estudar suas concepções2.

Escrevendo sobre concepções de professores de Matemática, Carvalho

e César (1996) afirmam que elas são formadas antes do início de sua atuação

como docente, “sendo influenciadas pelas suas vivências como alunos e pelas

problemáticas debatidas durante a sua formação inicial universitária,

nomeadamente a que se realiza nas Licenciaturas em Ensino de Matemática”

(p. 1). Em tese, a Licenciatura em Matemática é o curso que prepara o

professor para o exercício da docência em Matemática. Ora, se as concepções

dos professores de Matemática sofrem influência daquilo que é trabalhado

durante a Licenciatura – como formação inicial – essas concepções serão

diferentes das concepções dos professores de Matemática, formados em uma

área afim e que frequentaram um curso de complementação pedagógica?

Sabemos que o estudo das concepções dos professores não é algo

novo no âmbito da Educação Matemática.

No que diz respeito ao ensino da Matemática, trata-se de uma área de investigação em desenvolvimento sensivelmente desde o início dos anos oitenta, e que, desde então, foi merecendo uma atenção crescente. (Guimarães, p. 82, 2010)

Entretanto, a maioria dos trabalhos opta por seguir em duas direções:

estudos de concepções de professores em formação ou estudos de

concepções de professores em exercício. Não conseguimos encontrar estudos

sobre concepções de professores de Matemática que levem em conta o curso

feito na graduação (as pesquisas feitas com professores em formação são

realizadas em Licenciaturas, e as pesquisas com professores em exercício os

veem como professores já formados, não importando o modo como se

tornaram licenciados). Desse modo, uma pesquisa sobre concepções feita,

2 A definição do termo concepção a ser usado neste trabalho será apresentada posteriormente.

19

especificamente, com professores de Matemática que tiveram como formação

inicial um curso de uma área afim à Matemática pode contribuir para as

discussões sobre o campo de formação de professores de Matemática no

Brasil.

As leituras feitas e os apontamentos até aqui colocados nos permitiram

elaborar a seguinte questão de pesquisa:

Que concepções sobre os processos de ensino e de ap rendizagem da

Matemática têm professores de Matemática cuja forma ção inicial seja um

curso em uma área afim à Matemática e que fizeram C omplementação

Pedagógica?

2) Objetivo

A busca por uma resposta ao problema proposto permite definir que o

objetivo principal desta pesquisa será: Identificar concepções sobre os

processos de ensino e de aprendizagem de Matemática de professores de

Matemática cuja formação inicial seja um curso em u ma área afim à

Matemática e que fizeram Complementação Pedagógica.

Dada à importância que o conceito de concepção possui nesta pesquisa,

será feita, no próximo capítulo, uma discussão a respeito desse assunto; do

mesmo modo, a questão da formação de professores de Matemática, nas

diferentes formas até aqui levantadas – Licenciatura em Matemática ou Cursos

de Complementação Pedagógica – também serão debatidas ao longo desse

trabalho.

20

Capítulo II: Concepções

Em sua prática cotidiana, o professor, por diversas vezes, precisa tomar

decisões. São, por exemplo, perguntas corriqueiras para um professor: qual a

melhor forma de abordar um conteúdo novo? Qual metodologia de avaliação

aplicar para verificar a aprendizagem dos alunos? Quais materiais didáticos

utilizar durante as aulas?

Ainda que a elaboração de algumas dessas respostas não conte com a

participação dos professores – algumas escolas, por exemplo, definem o valor

de uma avaliação ou o uso de certo material didático sem levar em conta a

opinião dos docentes – inevitavelmente o professor, ao longo de sua atuação,

acabará tomando decisões, escolhendo rumos de ação. Para tomar essas

decisões, o professor lança mão de uma série de recursos pessoais:

“elementos” que ele foi construindo ao longo de sua vida, por meio de suas

experiências, quer sejam individuais – suas interpretações dos fatos – quer

sejam sociais, nas quais o contato com outras pessoas e com outros modos de

pensar acaba por exercer influência sobre as suas visões de mundo. Os

elementos que possuem tais características, a nosso ver, são as concepções.

Mas o que são concepções?

Concepção é, na verdade, um termo difícil de definir e cujo significado nos escapa com facilidade. Em linguagem corrente, quando perguntamos a alguém qual é a sua concepção disto ou daquilo, o que, de um modo geral, queremos saber é o que a pessoa pensa sobre determinada coisa, qual é a forma como ela a vê ou encara. (GUIMARÃES, 2010, p. 84)

Para alguns autores, (Ponte, 1992; Sztajn, 1998; Guimarães, 2010), Alba

Thompson é a primeira autora a se dedicar a esse campo de pesquisa na

Educação Matemática. Contrariando as tendências da época – início da

década de 1980 - a pesquisadora investiu numa linha de trabalho baseada na

seguinte afirmativa:

Os professores desenvolvem padrões de comportamento característicos de sua pratica pedagógica. Em alguns casos, estes padrões podem ser manifestações de noções, crenças e preferências, conscientemente sustentadas, que agem como “forças motrizes” na formação do seu comportamento. Em outros casos, as forças motrizes podem ser crenças ou instituições, inconscientemente sustentadas, que podem ter evoluído fora da experiência do professor. (THOMPSON, 1997, p. 12)

21

A partir da definição dada pela autora para concepções – visões,

crenças, e preferências, conscientemente sustentadas – neste trabalho

exploraremos apenas suas duas últimas componentes.

Pelo que se pode perceber da citação anterior, a autora acredita que as

concepções exercem forte influência na prática cotidiana do professor,

interferindo de modo direto na sua atuação como “mediadores primários entre o

conteúdo e os alunos” (p. 12). É sabido que a atuação docente é constituída de

uma série de ações. E, para “ordenar” essas ações, as concepções entram em

cena.

Todo professor possui concepções que permitem a ele interpretar

situações de seu dia a dia da sala de aula e do convívio escolar, assim como

definir modos de atuação para alcançar os objetivos que o trabalho docente

impõe. Em qualquer um desses casos, essas concepções foram sendo

“construídas” a partir de situações por ele vivenciadas, quer seja durante o seu

processo de formação inicial, quer seja durante a sua própria atuação como

docente. Assim, dois professores, que frequentem um mesmo curso de

formação docente, não necessariamente construirão as mesmas concepções

sobre um determinado assunto já que, cada um, em sua individualidade,

recebe e processa a mesma informação de modos diferentes.

O interesse em estudar as concepções, para Ponte (1992), também

pode ser reforçado pelo fato:

de que existe um substrato conceitual que joga um papel determinante no pensamento e na ação. Esse substrato é de natureza diferente dos conceitos específicos – não diz respeito a objetos ou ações bem determinadas, mas antes constitui uma forma de os organizar, de ver o mundo, de pensar. Não se reduz aos aspectos mais imediatamente observáveis do comportamento e não se revela com facilidade – nem aos outros nem a nós mesmos. (PONTE, 1992, p. 01)

Dessa forma, ao estudarmos as concepções de um professor, temos

acesso ao seu modo particular de organizar o conteúdo e ao modo que julga

ser pertinente torná-lo objeto de aprendizagem de seus alunos. É interessante

notar que existe uma distinção entre conhecimento específico e concepções3·:

3 Na distinção entre saberes específicos e concepções, o trabalho de Thompson é um dos

pioneiros, pois abandona a pesquisa vigente na época – conhecimentos matemáticos dos

22

enquanto o primeiro é passível de aprendizagem e de medição – são comuns

os processos de avaliação de aprendizagem de conteúdos em todos os nossos

níveis de ensino – o segundo é formado por meio de uma construção pessoal,

não momentâneo, em que pesam as situações vividas ao longo do processo de

formação, quer seja pessoal, quer seja profissional. Além disso, as

concepções, como afirma Ponte (1992), não são elementos que possam ser

medidos por meio de exames ou de avaliações: ao contrário, sua descoberta

demanda processos mais subjetivos, e que, por isso mesmo, nem sempre são

simples ou de respostas imediatas.

Nos textos de Ponte (1992), Guimarães (2010), assim como em

Thompson (1982), existe a indicação de que as concepções possuem, na vida

docente, uma dupla função:

- De um lado surge a ideia de que as concepções servem como “elementos de

adaptação” à situação, influenciando diretamente a ação do professor. Assim,

quando um professor é apresentado a uma nova proposta de trabalho, suas

concepções entram em cena, auxiliando-o na adaptação do seu trabalho a

essa nova condição;

- De outro lado, encontra-se a ideia de que as concepções atuam como um

fator de mediação entre a situação e o professor. Assim, por exemplo, quando

um professor é apresentado a uma informação, suas concepções servem como

um “elemento antecipador”, auxiliando sua percepção e sua interpretação

dessa informação.

A associação entre concepção e interpretação antecipadora é

compartilhada por Dewey (1910). Para ele, as atividades: (i) de interpretação

antecipada de uma situação – tomando como base a experiências adquirida

com situações anteriores - e (ii) confronto dessa interpretação com a

experiência – aqui podendo ser entendido como a realidade na qual se está

inserido - é que permite à pessoa a formação de uma concepção. O autor

ainda afirma que “(...) à medida que este processo de pressuposição e

experimentação constante é completado e refutado pelos resultados [que] as

suas concepções ganham corpo e clareza” (DEWEY, 1910, p.129)

professores – para investigar como suas concepções interferiam nos seus afazeres de sala de aula.

23

Gostaríamos de propor aqui uma relação entre os trabalhos de Dewey

(1910) e de Thompson (1997), a partir da situação de um professor iniciante;

mesmo iniciante, esse professor possui concepções formadas muito mais por

crenças do que por experiências anteriores. Essas concepções permitem a

interpretação antecipada da situação e indicam caminhos de ação, conforme a

proposta de Dewey (1910). Porém, para esse autor, é somente no confronto

com a experiência vivida que a concepção se forma.

Nesse ponto, discordamos do autor por entendermos, apoiados em

Thompson (1997), que o professor iniciante possui suas concepções, ainda

que sejam formadas quase que, exclusivamente, por crenças que foram sendo

formadas durante os seus anos como aluno. Entretanto, as situações que ele

começará a viver como docente irão gerar um saber da experiência, nos

termos de Shulman (1986) e de Tardif (2002). E esse saber da experiência,

incorporado ao conjunto de outros saberes desse professor, influenciará as

preferências conscientemente sustentadas defendidas por Thompson (1997).

Assim, existe uma interação entre as concepções e os saberes da experiência:

as concepções influenciam as ações do docente; essas ações permitirão a

aquisição dos saberes da experiência; e esses saberes exercerão influência

nas concepções, alterando-as.

Esquematicamente:

Figura 1: Relação entre concepção e saber da experi ência

Fonte: acervo do autor

Pelo esquema, ao deparar com uma situação – que pode ser o

planejamento de um curso ou de uma aula, por exemplo - o professor, apoiado

24

em suas concepções, adota uma ou mais ações que julga serem adequadas

para a sua condução. Essas ações trarão uma série de resultados. E, a partir

da análise desses resultados, novos saberes serão obtidos pelo professor – os

saberes da prática ou da experiência.

Esses novos saberes, ao serem incorporados ao conjunto de

conhecimentos dos professores, acabam por alterar não apenas os próprios

saberes, mas também as crenças e as suas concepções.

Assim, assumimos que entendemos que as concepções – no caso dos

professores – são os suportes do trabalho docente. Esses suportes podem ser

pontos de vista, opiniões, crenças ou conhecimentos prévios que cada

professor possui e que manifesta por intermédio de suas ações, moldando algo

que se pode definir como “estilo próprio”. Desse modo, a prática cotidiana pode

ser entendida como uma das formas de manifestação das concepções de um

professor.

Também acreditamos que as concepções são passíveis de mutações ao

longo do tempo de exercício da docência: ao iniciar a carreira, o docente

apresenta concepções que podem ser modificadas ao longo do tempo. Não

cabem aqui afirmações como: “com o tempo, as concepções se tornam

melhores” ou “esse docente melhorou suas concepções”. Acreditamos apenas

que, com o tempo, as concepções se modificam.

O “estilo próprio” é revelado pelo modo como o professor conduz os

processos de ensino e de aprendizagem: quais atividades são propostas, como

divide os tempos de aula, qual relação estabelece com seus alunos e quais

materiais são utilizados em suas aulas, entre outros. Desse modo, se for

possível elencar algumas particularidades desse “estilo próprio”, acredita-se

estar em um caminho adequado na tentativa de caracterização (momentânea)

das concepções de um professor.

No próximo capítulo, abordaremos a questão da formação do professor

de Matemática. Nessa discussão, daremos ênfase a questão da formação fora

dos cursos de Licenciatura em Matemática: nosso foco estará nos cursos de

Complementação Pedagógica, oferecidos a graduados em áreas afins à

Matemática.

25

Capítulo III: Professor de Matemática – Processos d e Formação

Discutir a formação de um professor é algo bastante complexo, pois se

trata de um profissional que não deve apenas ter domínio do conteúdo da

disciplina que irá ministrar. Também deverá ser detentor de conhecimento

produzido em diferentes áreas – Psicologia da Educação, História da

Educação, Sociologia da Educação, Políticas Educacionais, entre outras.

Talvez, por conta de tudo que se tenha conseguido conhecer desse processo

formativo, é que muitos autores afirmam que o professor é um profissional de

formação contínua, cujo aprendizado se dá todos os dias, em diferentes

espaços formativos. Nesse sentido, Tardif (2011) afirma que:

Em suma, o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos (TARDIF, 2011, p 39).

Qual o “modelo legal” de formação inicial de um docente vigente no

Brasil? De acordo com a Lei nº 9.294/96 – Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far–se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de professores para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram dedicar-se à educação básica; III – programas de educação continuada para os profissionais de educação nos diversos níveis. (BRASIL, 1996, p. 35)

Do texto, podemos extrair que, no Brasil, atualmente, há dois caminhos

a serem seguidos por aquele que deseja se tornar professor de Matemática: ou

fazer o curso de licenciatura em Matemática ou frequentar, caso já seja

portador de diploma de curso superior, um programa de formação pedagógica.

Sobre a licenciatura em Matemática, no Brasil, a discussão é longa e

multifacetada. Encontramos discussões sobre o formato do curso, sobre qual

Matemática deve ser ensinada, sobre os estágios obrigatórios, entre outros

26

assuntos relacionados a esse curso. Ainda que a lista seja longa, essa parece

ser uma discussão longe de ser encerrada. E nem poderia ser diferente, por

toda a complexa rede de fatores envolvida. Entretanto, raras são as discussões

envolvendo o outro modelo de formação docente.

Foi por meio da resolução nº 02/97 que o Conselho Nacional de

Educação regulamentou os programas especiais de formação docente:

Art. 1º - A formação de docentes no nível superior para as disciplinas que integram as quatro séries finais do ensino fundamental, o ensino médio e a educação profissional em nível médio, será feita em cursos regulares de licenciatura, em cursos regulares para portadores de diplomas de educação superior e, bem assim, em programas especiais de formação pedagógica estabelecidos por esta Resolução (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO,1997, página 1)

Pelo texto, parece ficar claro que o CNE entende que o que falta ao

portador de diploma de curso superior não é o conhecimento da disciplina, mas

sim o conhecimento pedagógico, pois regulamenta apenas programas de

formação pedagógica, que, até hoje, são conhecidos como cursos de

complementação pedagógica.

Essa questão – formação específica versus formação pedagógica – é

algo que vem sendo discutido há bastante tempo pelos pesquisadores na área

de formação de professores de Matemática. Inúmeros são os textos que tratam

da questão da dicotomia entre teoria e prática nos cursos de formação inicial e

a tentativa de romper com o formato “3+1”.

Mesmo com toda essa discussão, o fato é que a dicotomia entre teoria e

prática ainda se encontra presente nos nossos cursos de licenciatura em

Matemática, na visão de Moreira (2012). Para esse autor, “a licenciatura saiu

do 3+1, mas o 3+1 não saiu da licenciatura” (p. 1137), pois o princípio

norteador ainda é o mesmo: as disciplinas de Matemática estão separadas das

disciplinas de ensino. Para ele:

Não podemos continuar separando conteúdo e ensino na formação do professor, uma vez que na prática docente esses elementos não são separáveis. Se os separamos no processo de formação, não estamos preparando o profissional para a sua prática real (MOREIRA, 2012, p. 1142)

Se, como comunidade científica, discutimos modos pelos quais podemos

resolver essa dicotomia na licenciatura, então precisamos, também, por

questão de coerência, pensar nessa dicotomia nos cursos de complementação

27

pedagógica, pois eles continuarão a formar professores, uma vez que sua

existência4 se encontra prevista em lei.

A motivação para a criação dos programas especiais – há grande

necessidade de formação de professores para atender a falta deles nas quatro

últimas séries do primeiro grau e no segundo grau (Parecer CNE Nº 4/97,

p.283) – ainda continua presente na realidade nacional. Dados retirados do

documento Escassez de professores no Ensino Médio: Propostas Estruturais e

Emergenciais (Ruiz, Ramos, Hingel, 2007) mostram que a carência de

professores de Matemática, ainda hoje, é grande.

De acordo com o documento citado, o aumento do número de matrículas

nos últimos anos do Ensino Fundamental e no Ensino Médio gerou um

aumento na demanda de professores habilitados para atuarem nesses

segmentos. Entretanto, a formação desses profissionais não acompanhou o

progresso do número de matrículas, gerando um déficit de 235 mil professores

no país somente nas disciplinas de: Física, Química, Matemática e Biologia

(Ruiz, Ramos, Hingel, 2007).

Percebe-se que, mesmo com a criação dos Programas Especiais de

Formação Docente, quer sejam eles uma política permanente ou não, a falta de

professores continua a ser alvo de preocupações. Mesmo com todos os

esforços governamentais, os cursos de licenciatura não conseguem atrair um

grande número de ingressantes, não sendo raros os casos de fechamento de

cursos Licenciatura em Matemática por falta de interessados. A discussão

sobre os motivos pelos quais a profissão docente não é atraente para os jovens

que ingressam na universidade e qual o perfil daqueles que ingressam nas

licenciaturas (Moreira et al, 2012) deve permanecer na agenda de discussões

da formação docente, assim como a discussão sobre os modelos de curso de

formação, algo que já citamos anteriormente. Porém, pensamos que essas

discussões também devem incluir os Programas Especiais de Formação, visto

que eles podem ser um elemento de auxílio no combate à escassez de

professores vivida nos dias atuais.

4 Enquanto alguns conselheiros entendiam, no parecer CNE nº 4/97, que os programas especiais de formação de professores que ora discutiam eram de caráter emergencial, o conselheiro Ulysses de Oliveira Panisset ressalvava que tal discussão era sem sentido, pois a existência de tais cursos já estava prevista em esfera maior, no caso a LDB. Particularmente, concordamos com a observação feita pelo conselheiro Ulysses.

28

Incluir os Programas Especiais nas discussões sobre a formação do

professor de Matemática alinha-se com a preocupação manifestada pelos

conselheiros que elaboraram o Parecer CNE Nº4/97:

Sendo assim equacionada, dentro do quadro geral de formação e de valorização do magistério, tal proposta deverá representar uma possibilidade de abertura e flexibilização das atuais estruturas dos cursos de licenciatura, procurando atender às necessidades prementes, mas atentando para as inúmeras experiências que vem sendo desenvolvidas com o intuito de verificar quais alternativas vem sendo bem sucedidas, no todo ou em parte (BRASIL, 1997, pp. 283 e 284)

Na tentativa de entender um pouco mais do funcionamento e da

estrutura dos Programas de Especiais de Formação de Professores, fizemos

um levantamento dos cursos que são oferecidos no Estado do Espírito Santo.

De acordo com o site do MEC (in http://mec.gov.br, acessado em 02 de

fevereiro de 2015), nesse estado existem vinte e três instituições autorizadas a

oferecerem o curso em Licenciatura em Matemática, sendo que vinte

efetivamente o fazem5. Entre essas, duas são instituições federais, uma

municipal, nove são privadas com fins lucrativos e outras nove privadas sem

fins lucrativos.

O tempo de curso, nas instituições federais e na municipal, é de quatro

anos. Em todas as demais instituições, o curso possui duração de três anos.

Apenas seis instituições – as duas federais, a municipal e as três privadas -

oferecem cursos presenciais, sendo que as restantes oferecem cursos a

distância com encontros presenciais de periodicidade variável.

Das vinte instituições que oferecem o curso de Licenciatura em

Matemática, oito também oferecem o Curso de Complementação Pedagógica,

sendo uma federal, cinco privadas com fins lucrativos e duas privadas sem fins

lucrativos. Todos esses cursos são oferecidos na modalidade a distância, com

encontros presenciais variados.

Mantivemos contato com essas oito instituições, solicitando informações

sobre o curso e sua ementa disciplinar. Das oito, quatro – a federal e três

privadas – responderam-nos positivamente, enviando-nos suas matrizes

curriculares, que apresentamos a seguir:

5 Todas as instituições que não oferecem o curso são privadas com fins lucrativos.

29

Quadro 1: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica

Disciplina Carga Horária

Desafios e demandas da formação de professores 80 horas Didática 120 horas

Avaliação e planejamento da Aprendizagem 60 horas Estágio e Práticas Docentes 300 horas

Práticas Pedagógicas 90 horas Projeto de Complementação (Artigo Científico) 50 horas

Estrutura, Organização e Funcionamento da Educação Nacional

100 horas

Fundamentos Teóricos da Matemática 60 horas Metodologia do Ensino da Matemática 100 horas

Carga Horária Total 960 horas Fonte: Instituição A

Quadro 2: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica

Disciplina Carga Horária

Educação a Distância e Ambientes de Aprendizagem 20 horas Seminário: Educação e Sociedade Contemporânea 20 horas

Bases Sociofilosóficas da Educação 60 horas História da Educação Brasileira 30 horas

Psicologia da Educação 60 horas Diversidade e Educação 60 horas

Política e Organização da Educação Brasileira 60 horas Seminário: Formação dos professores no Século XXI e o

desenvolvimento profissional 20 horas

Didática Geral 90 horas Metodologia de Ensino de Matemática 60 horas

LIBRAS 60 horas Tecnologias Integradas à Educação 30 horas

Estágio Supervisionado 300 horas Seminário de Integração 10 horas

Carga Horária Total 880 horas Fonte: Instituição B

Quadro 3: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica

Disciplina Carga Horária Política Educacional Brasileira 80 horas

Didática 80 horas Avaliação Educacional e Institucional 80 horas

Psicologia da Educação e Aprendizagem 80 horas Práticas de Ensino 80 horas

Carga Horária de Ensino 400 horas Fonte: Instituição C

30

Quadro 4: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica

Disciplina Carga Horária Leitura e Produção de textos --

Metodologia do Trabalho Científico --

Escola e Sociedade --

Fundamentos Filosóficos da Educação --

Psicologia da Educação: Desenvolvimento e Aprendizagem --

Libras --

Organização e Legislação do Ensino --

Didática e Projetos Educacionais --

Atuação Docente --

Avaliação Escolar --

Metodologia do Ensino de Matemática --

Fonte: Instituição D

Assim como nos cursos de Licenciatura em Matemática, percebe-se

uma grande diferença nas disciplinas ofertadas, bem como na carga horária de

cada curso. Pelas propostas apresentadas, apenas a instituição A oferece uma

disciplina relacionada a conteúdos matemáticos. A ausência de disciplinas

dessa natureza, ao mesmo tempo em que enfatiza o caráter pedagógico da

formação, reforça a tendência de separar teoria e prática na formação docente.

De certo modo, essa ausência de disciplinas relacionadas ao

conhecimento matemático não chega a gerar surpresas, pois a própria

resolução CNE/CEB nº 02/97 prevê que os programas são destinados “a

portadores de diploma de nível superior em cursos relacionados à habilitação

pretendida, que ofereçam sólida base de conhecimentos na área de estudos

ligados à essa habilitação” (CONSELHO NACIO0NAL DE EDUCAÇÃO, 1997,

p. 1)

A compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina na qual

pretende habilitar-se é de responsabilidade da instituição, não sendo

especificado, na resolução, nenhum parâmetro balizador dessa

compatibilidade.

Mais tarde, analisando a exigência quanto a esses “conhecimentos” prévios, percebemos que se tratava apenas da apresentação do histórico escolar, de nível superior, composto por disciplinas diretamente ligadas à habilitação e cujo tempo mínimo necessário era de 160 horas em toda graduação. (PASSOS e OLIVEIRA, 2008, p. 111)

31

Pensamos que essa situação poderia ser modificada. Limitar ao mínimo

de 160 horas a formação matemática de um futuro professor de Matemática é

algo que, na nossa opinião, poderia ser repensado, pois se trata da disciplina

que irá ministrar, o ponto de convergência de todo o trabalho de sala de aula.

Ainda que estejamos, como comunidade acadêmica, discutindo qual deve ser a

Matemática conhecida por um professor de Matemática, em nosso

entendimento, o limite de 160 horas fica abaixo daquilo que entendemos ser o

indicado, mesmo sabendo que não é o número de horas de disciplinas

relacionadas à Matemática que fará a diferença na prática cotidiana do

professor.

Mais uma vez: se estamos discutindo a formação do professor de

Matemática, por que não incluir os programas especiais de formação também

nessa discussão? É nítido o esforço que vem sendo feito para encontrar o

“modelo ideal” de formação. Entretanto, esse modelo, ao que parece, leva em

conta apenas a licenciatura.

Mas, enquanto nos concentramos na licenciatura, esquecemos que a

legislação permite essa outra via de formação. Não queremos discutir qual das

duas é a melhor ou a mais adequada, mas entendemos que, se estamos

discutindo a formação docente, devemos discuti-la em todas as suas opções.

Essa insistência em incluir os programas especiais nessas discussões

apoia-se, no nosso entendimento, em um aspecto: ainda carecemos de

professores de Matemática e os cursos de licenciatura não estão formando o

número suficiente de professores.

Deve estar claro que não defendemos a extinção ou a desqualificação

desses cursos: apenas acreditamos que, ao discuti-los, estamos pensando na

melhoria da formação do professor de Matemática. Vale lembrar que, quando

somos criticados como professores de Matemática, somos criticados como um

todo, independentemente da maneira como nos formamos. Se estamos

constantemente repensando os processos de formação, por que excluir esses

cursos?

Voltando à questão da formação Matemática, por que não discutir

melhor essa “sólida base de conhecimentos”? Por exemplo: em um curso de

Economia, não existem cadeiras relativas a Geometria, mas certamente um

aluno desse curso estudou mais de 160 horas de disciplinas relacionadas a

32

Matemática. Caso um Economista frequentasse um dos quatro cursos cujas

ementas apresentamos anteriormente, ele obteria sua habilitação para a

docência sem ter feito, em um curso superior, uma disciplina relacionada à

Geometria. Ainda que existam argumentos de que a existência de uma

disciplina relacionada à Geometria não garantiria a essa pessoa conhecimento

sólidos no assunto, o que queremos levantar é a reflexão sobre os modelos

legais de formação que temos no Brasil e suas diferenças.

No capítulo a seguir, faremos a apresentação da metodologia utilizada

em nossa pesquisa, bem como a caracterização da pesquisa como trabalho

científico.·.

33

Capítulo IV: Metodologia e Procedimentos Metodológi cos

Nesse capítulo, apresentaremos as características dessa pesquisa como

um trabalho científico. Para isso, debateremos o enquadramento do trabalho

como uma pesquisa qualitativa e como um estudo de caso; detalharemos o

contexto da pesquisa, as características dos participantes e os instrumentos de

coleta de dados utilizados.

O capítulo encerra-se com o encaminhamento a ser dado para a análise

dos dados obtidos.

1) O ato de pesquisar concepções

Como pesquisadores que buscavam identificar concepções, estivemos

atentos às informações dadas por Garnica (2008) sobre as dificuldades de se

efetivarem pesquisas sobre esse assunto: “são as concepções estáveis de

modo a se deixarem identificar tão facilmente?” (p. 498). As características

abstratas das concepções representaram um desafio para nós, pois tínhamos

em mente que o que buscávamos era algo com características transitórias,

mutáveis e que, por vezes, poderiam estar “escondidas” em detalhes.

Thompson (1997) é apontada como uma das pioneiras no estudo das

concepções de professores. Em um estudo que investigou as relações entre

concepções e práticas de três professoras da “junior high school”, fez

observações diárias de aulas de cada uma das professoras durante um período

de quatro semanas: nas duas primeiras semanas, as atividades de pesquisas

estavam restritas a observações; já nas duas últimas, além das observações,

foi realizado um processo de entrevistas com cada uma das professoras. A

sequência, primeiro, observações e depois entrevistas, foi justificada do

seguinte modo:

A primeira fase permitiu inferências que induziram a uma tentativa de caracterização das concepções das professoras com base somente em suas aulas, sem entrar diretamente nas suas crenças e pontos de vista professados. Este procedimento pretendeu evitar a influência potencial que os pontos de vista professados pelas professoras pudessem ter sobre a sensibilidade do investigador para os diferentes eventos observados. (THOMPSON, 1997, p. 15)

34

2) Caracterizando a pesquisa

A pesquisa em Educação Matemática pode ser de cunho qualitativo, de

cunho quantitativo, ou mesmo uma combinação dos dois tipos, dependendo do

contexto da pesquisa e das caraterísticas dos fenômenos educacionais que se

pretende investigar.

Bogdan e Biklen (1994), ao caracterizarem a pesquisa qualitativa,

apontam cinco conjuntos de considerações básicas presentes nesta pesquisa:

� Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2015, em turmas

regulares dos Ensinos Fundamental e Médio das redes municipal e

privada dos municípios de Vila Velha e de Vitória, no Estado do Espírito

Santo. As observações ocorreram durante as aulas de Matemática, o

que significa que a coleta de dados ocorreu no cotidiano das escolas.

Por isso, concluímos que a pesquisa está de acordo com a afirmação

que: “a fonte direta dos dados é o ambiente natural, constituindo o

investigador o instrumento principal”. (Bogdan e Biklen, 1994, p. 47);

� A investigação possui característica predominantemente descritiva, pois

os dados foram obtidos a partir dos protocolos de observações de aulas

e das entrevistas feitas. Assim, pode–se afirmar que “os dados

recolhidos são em forma de palavras e não de números”. (Bogdan e

Biklen, 1994, p. 48);

� Ao observamos as práticas dos professores, em nenhum momento

estivemos preocupados com resultados ou com avaliações: nosso

interesse estava concentrado em suas ações e no seu modo particular

de conduzir os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática.

A atenção nos processos e não nos resultados, segundo Bogdan e

Biklen (1994), é uma característica presente em uma pesquisa

qualitativa;

� Não tínhamos uma hipótese a priori. Seguindo a sugestão de Bogdan e

Biklen (1994), tínhamos dados abundantes, e as amplas possibilidades

de análise nos permitiram um tratamento indutivo, característica da

pesquisa qualitativa.

� Era desejo que os significados – elemento importante numa abordagem

qualitativa (Bogdan e Biklen, 1994) – fossem os elementos

35

desencadeadores das análises que pretendíamos fazer. A efetiva

participação dos docentes e o empenho dos pesquisadores foram

elementos que permitiram trazer à tona algumas evidências sobre as

concepções dos primeiros, na perspectiva de que, numa abordagem

qualitativa, os pesquisadores estão interessados no modo como

diferentes pessoas dão sentido às suas vidas (Bogdan e Biklen, 1994, p.

50).

Esse conjunto de argumentos fornece indícios de que este trabalho é

uma pesquisa qualitativa na área da Educação Matemática.

Ainda dentro da linha de uma abordagem qualitativa, a pesquisa também

possui características de estudo de caso.

Seu objetivo – analisar as concepções de professores de Matemática

que possuem como formação inicial um curso em uma área afim à Matemática

– constitui a singularidade citada por Fiorentini e Lorenzato (2006) em sua

caracterização do estudo de caso.

Para esses autores,

o caso não significa apenas uma pessoa, grupo de pessoas ou uma escola. Pode ser qualquer “sistema delimitado” que apresenta algumas características singulares e que fazem por merecer um investimento investigativo especial por parte do pesquisador. (FIORENTINI E LORENZATO, 2006, p. 110)

O sistema foi delimitado pela escolha da formação inicial dos

participantes: um curso superior numa área afim à Matemática. A escassez de

pesquisas nessa área e o número de profissionais (professores de Matemática)

que podem ser encontrados com esse perfil permitem afirmar, na nossa

opinião, que reunimos elementos que justificam o “investimento investigativo”

pretendido.

Sabe – se que um estudo de caso

... busca retratar a realidade de forma profunda e mais completa possível, enfatizando a interpretação ou a análise do objeto, no contexto em que ele se encontra, mas não permite a manipulação das variáveis e não favorece a generalização. (FIORENTINI E LORENZATO, 2006, p. 110)

A opção feita - trabalhar com um grupo reduzido de professores -

impede maiores afirmações sobre a ocorrência dos mesmos resultados em

36

outros locais e em outros grupos. Desse modo, os resultados encontrados

nesta pesquisa não podem ser generalizados.

Mesmo assim, esta pesquisa contribui com mais informações sobre esse

modelo de formação – formação inicial diferente da licenciatura mais a

complementação pedagógica.

3) Os sujeitos da pesquisa

Como os cenários de pesquisa localizam-se em municípios do Espírito

Santo, julgamos conveniente relatar um pouco da recente história da formação

de professores de Matemática nesse Estado.

Historicamente, os professores que atuavam nessa região eram formados no curso de licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – ou eram profissionais de outras áreas que, devido à falta de licenciados, atuavam como docentes, mesmo sem a habilitação legal. Com a intervenção do MEC, fiscalizando a formação dos professores que atuavam em sala de aula e com a expansão de vagas no ensino superior na rede particular, alguns cursos de licenciatura curta (ou complementação pedagógica) e plena foram criados na região. (ZOCOLOTTI, 2010, p. 89)

O convívio de mais de 20 anos com profissionais que, em sua maioria,

não passaram por um curso de licenciatura, mas que se tornaram professores

de Matemática após a complementação pedagógica, numa relação diária de

troca de experiências, permitiu-nos observar que esses professores - em sua

maioria - adotavam práticas que poderiam ser classificadas, de acordo com

Fiorentini (1995), como tradicionais: as aulas quase sempre se resumiam à

resolução de exercícios padrões, não se constituindo problemas; normalmente,

a resolução ocorria após uma explanação teórica do professor, com os alunos

atuando apenas como ouvintes. A interação aluno e professor ficava restrita

aos esclarecimentos de dúvidas dos exercícios, e a avaliação dos processos

de ensino e de aprendizagem é baseada quase unicamente em provas

escritas, com questões abertas ou de múltiplas escolas.

É fato que tais observações quase sempre ocorreram em cursos de pré-

vestibulares, cursos nos quais tal prática pode até se justificar. Entretanto,

mesmo quando esses profissionais atuavam em outros segmentos,

principalmente no Ensino Médio, as práticas não se alteravam: a mudança

mais significativa que ocorria, para alguns, era o fato que, no Ensino Médio,

37

teriam mais tempo para trabalhar determinados assuntos. Esse “ter um tempo

maior” pode ser entendido como “agora tenho tempo para fazer mais

exercícios”; ou seja: não existia mudança de metodologia. Fica a impressão de

que, para esses profissionais, só se aprende Matemática fazendo muitos

exercícios.

Essas observações, ao longo dos anos, tornaram-se indagações: será

essa uma prática comum a profissionais com esse perfil de formação? Será

que, no Ensino Fundamental, tais práticas também podem ser observadas?

Será um fenômeno restrito às escolas particulares?

Pelos motivos expostos e pelos questionamentos levantados,

entendemos que os participantes da pesquisa deveriam ser professores de

Matemática cuja formação inicial não fosse a licenciatura em Matemática. Não

foram pesquisados professores cuja formação inicial fosse a licenciatura ou o

bacharelado em Matemática: a pesquisa se destina ao estudo das concepções

de professores de Matemática cuja formação inicial seja um curso em uma

área afim à Matemática.

A busca por um grupo de participantes com esse tipo específico de

formação alinha-se com a hipótese de que a concepção relativa à Matemática

e a seus processos de ensino e de aprendizagem possui influência da

formação que se teve na graduação.

Por fim, optamos por trabalhar com professores dos Ensinos

Fundamental II e Médio, tanto da rede pública como da rede privada. Tal opção

teve por finalidade fazer com que a pesquisa fosse a mais abrangente possível.

Assim surgiu a ideia de trabalharmos com quatro professores: dois do Ensino

Médio – ambos da rede privada – e dois do Ensino Fundamental II – ambos da

rede municipal.

4) Instrumentos para a coleta de dados

Para realizar a coleta de dados, foram utilizados dois diferentes

instrumentos, tentando obter o maior número de informações que pudessem

auxiliar na identificação das concepções dos professores pesquisados.

38

4.1) Entrevistas

O recolhimento de dados da pesquisa foi iniciado por uma entrevista.

Bogdan e Biklen (1994) afirmam que a entrevista é uma conversa intencional

em que uma das pessoas deseja obter informações da outra – ou das outras.

Ainda de acordo com esses autores, a entrevista pode estar associada a outros

instrumentos de recolhimento de dados, algo que foi feito nesta pesquisa.

Sobre a entrevista, inicialmente fizemos perguntas menos direcionadas,

mais abertas; no fim, perguntas mais específicas, direcionadas para alguns

assuntos específicos.

A entrevista foi constituída das seguintes perguntas:

� Qual a sua idade?

� Qual a sua formação inicial?

� Chegou a atuar na sua área de formação inicial?

� Possui algum estudo de pós-graduação na sua área de formação inicial?

� Possui algum projeto futuro relacionado à sua formação inicial?

� Por que a sala de aula, uma vez que possui uma formação inicial

diferente da licenciatura?

� Fez curso de complementação pedagógica? O que o motivou a fazer

essa complementação?

� Há quanto tempo atua como docente? Em quais níveis já atuou e em

qual leciona atualmente? Em qual nível prefere atuar?

� Possui algum estudo de pós-graduação na área da Matemática ou na

área de Educação Matemática? O que o motivou a fazer esse estudo?

� Fale um pouco da sua trajetória profissional como docente.

� Possui algum projeto futuro relacionado à sala de aula?

� Costuma participar de encontros, de congressos ou de cursos de

formação continuada na área da educação?

� Você acredita que tenha mudado sua maneira de atuar como professor

ao longo desses anos? O que motivou essas mudanças?

� Em sua opinião, o ensino de Matemática passou por mudanças, desde o

início de sua atuação docente? Se sim, quais foram as mudanças que

você percebeu?

39

� O que é aprender Matemática? O que é necessário para que um aluno a

aprenda?

� Você acredita que existam alunos com pré-disposição para a

Matemática?

� Muitos alunos possuem atitudes diferentes frente à Matemática. A que

atribui essas atitudes? Essas atitudes podem ser mudadas?

� Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?

� Qual o papel do professor numa aula de Matemática?

Nesse momento, o desejo era conhecer o profissional que estava sendo

entrevistado. Por isso, foi permitido que cada um manifestasse aquilo que

julgava relevante. A construção de uma trajetória que não começa numa

licenciatura despertou o nosso interesse para ouvir os motivos pelos quais

esses profissionais optaram pela sala de aula: foram motivos financeiros?

Desejava fazer licenciatura e pressões familiares o encaminharam para um

outro curso? Não identificação ou frustração com a carreira escolhida? Apesar

de algumas hipóteses, nenhuma delas foi citada, pois não existia a intenção de

influenciar em qualquer tipo de resposta. Eram esperadas respostas

espontâneas, pois pensávamos que as repostas espontâneas revelariam muito

mais “pistas” sobre as concepções do que as “pistas” obtidas a partir de

respostas para perguntas direcionadas.

4.2) Observações da prática

Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 90), em estudos de casos com

observações – e essa é uma característica desta pesquisa – “... a melhor

técnica de recolha de dados consiste na observação participante”. Como a

pesquisa foi caracterizada como um estudo de caso, procuramos seguir as

orientações desses autores, além das apresentadas por outros pesquisadores

da área de concepções (Ponte (1992), Thompson (1994) e Garnica (2008)).

Após a entrevista, iniciamos uma série de quatro observações de aula,

na tentativa de observar a prática de cada um dos professores em diferentes

situações.

O objetivo das observações era reunir elementos que nos permitissem

analisar o fazer da sala de aula de cada um dos entrevistados a partir dos

seguintes pontos:

40

� Existe interação entre professor e aluno? Que tipo de interação é essa?

São apenas perguntas ou existe algum outro tipo de diálogo? O

professor incentiva a participação do aluno?

� Existe interação entre aluno e professor? Que tipo de interação é essa?

� O professor utiliza algum tipo de material de apoio? Que material é

esse?

� O professor segue alguma rotina: faz chamada, cobra tarefas dos

alunos, exige disciplina rígida, coisas desse tipo?

� O professor convida os alunos para participarem da aula? Qual tipo de

provocação positiva ele faz para incentivar a participação dos alunos?

� Que tipo de “linguagem matemática” utiliza com os alunos? Busca pelo

formalismo matemático ou utiliza uma linguagem menos formal na

apresentação dos conteúdos?

� Que tipo de exercício ou de tarefa propõe para os alunos, quer seja no

decorrer da aula, quer seja para casa?

� O professor faz alguma alusão a uma possível aplicação prática do

conteúdo que está sendo ensinado?

De posse da entrevista e das observações da sala de aula, associamos

o que inicialmente foi dito pelo professor com aquilo que observamos em suas

aulas, na perspectiva que Garnica (2008) propõe , buscando identificar suas

concepções.

5) Procedimentos de tratamento e análise de dados

Para preservar o processo de coleta de dados, não foi utilizada nenhuma

categoria pré-definida. Entendemos que a existência de categorias definidas

previamente poderia influenciar negativamente o processo de

acompanhamento da prática. Assim, após a coleta dos dados, e com o auxílio

da teoria que embasou a pesquisa, foram criadas as categorias de análise.

41

Capítulo V: Dados Coletados

Neste capítulo apresentamos os dados coletados. A apresentação será

feita por professor, iniciando com a entrevista, seguida dos relatos das

observações feitas.

Optamos pela apresentação separada da análise, pois entendemos que,

desse modo, não estaríamos interferindo na leitura do nosso trabalho.

Vale destacar que ao descrevermos as observações que fizemos das

práticas de cada um dos docentes, inserimos diversas atividades por eles

utilizadas. Nenhuma dessas atividades será analisada isoladamente neste

capítulo ou no próximo; essas análises estarão inseridas no corpo da análise

das concepções de cada um dos professores participantes, a ser debatido no

capítulo VI.

1) Professora Marcela 6

A professora Marcela, 40 anos, casada e mãe de dois filhos, possui

formação inicial em Economia, mas jamais atuou nessa área. Professora desde

1995, já atuou no Ensino Fundamental II – segmento onde prefere atuar - e no

Ensino Médio, sendo que neste último ministrou apenas disciplinas

relacionadas à Economia. Além da complementação pedagógica, também

possui pós-graduação na área de Educação. No período em que participou da

pesquisa, atuava como professora efetiva na rede pública de ensino de dois

municípios – Serra e Vila Velha – sendo que as observações foram feitas na

rede do segundo município, em turmas de sexto ano.

A escola onde a professora atua localiza-se em um bairro de classe

média do município de Vila Velha. Trata-se de uma unidade de ensino

inaugurada no ano de 2009 e que atende a alunos que residem em bairros em

seu entorno, uma região em franca expansão imobiliária. A escola possui boa

estrutura, contando com quadras poliesportivas, laboratórios de informática e

biblioteca com acervo considerável.

6 Nome fictício

42

1.1) Entrevista 7

A entrevista foi concedida no dia 24 de março de 2015, por volta das 14

horas, nas dependências da própria escola.

Qual a sua formação inicial?

Economia.

Você chegou a atuar como Economista?

Não. Era um campo que eu gostava da informação da Economia, mas que é

um campo muito restrito, muito fechado. Então, acabei não entrando no ramo,

E eu sempre tive pretensão de ser militar, mas na carreira militar, na Marinha,

sempre havia apenas uma vaga para Economia.

Você possui algum estudo de Pós-Graduação na área d e Economia?

Não. Em Economia mesmo eu apenas me formei. Tudo o que eu tenho feito é

na área de Educação.

Pretende voltar à área de Economia?

Não.

Por que a sala de aula?

Eu comecei na sala de aula após ter trabalhado em escritório, ter sido faturista,

recepcionista, secretaria, tudo isso para pagar a faculdade, mas o que me

interessava na sala de aula era a troca.

Por exemplo: Em um ano não tive muito acesso à sala de aula; só pude ter

acesso à sala de aula à noite, quando fui substituir a minha prima. Era o horário

em que eu me realizava; eu trabalhava em um escritório de contabilidade pela

manhã. Ali parecia que eu estava morta, dentro de quatro paredes. Mas

quando eu chegava à escola à noite, eu tinha lá com quem brigar, com quem

falar, com quem trocar informações, e isso me fazia bem; parecia que isso

aumentava a minha adrenalina. Por isso, acredito que a sala de aula seja

melhor.

Você fez o curso de Complementação Pedagógica?

Sim, eu fiz.

7 Em todas as entrevistas, as intervenções do pesquisador estão em negrito e itálico , enquanto que as respostas dos entrevistados estão em itálico.

43

O que a motivou?

Se eu falar para você, hipocritamente, que no início não foi por questão de

salário, que até hoje não é lá essas coisas, o que me motivou é o que me

motiva até hoje: eu não gosto de ficar na mesmice. Eu, se eu pudesse mesmo,

se eu tivesse tempo, eu gostaria de fazer uma formação mais forte em

Matemática. Até tenho tempo, mas tenho alguns impedimentos pessoais.

Quem sabe daqui a alguns anos eu não consiga fazer esse curso?

O que me motiva é isso: eu gosto de aprender coisas novas. E me frustra, às

vezes, não conseguir fazer um exercício. Eu acho que tenho que conseguir ir à

frente.

Você acha que o curso de Complementação Pedagógica foi suficiente

para você atuar em sala de aula?

Não, lógico que não. Não é. O curso te dá papel. Como todo curso te dá papel.

E professor não precisa de papel. Professor precisa de informação, de troca,

de dia a dia. Até essas formações que fazemos aqui, acho que é muito papel e

pouca ação. Nós tínhamos que ter, verdadeiramente, laboratórios, troca.

Chegar para outro professor e pergunta: ”Você sabe fazer isso? Pode me

auxiliar?”. Nós somos muito fechados para auxiliar uns aos outros, por que o

professor de Matemática se acha o bam bam bam. Então, nós somos muito

fechados para essa troca, para essa questão de troca, de chegar para o outro e

perguntar, pois a gente tem vergonha de dizer que não sabe. Professor de

Matemática tem muito isso.

Certa vez, fui a um curso com alguns professores que eram formados em

Matemática pela UFES e com alguns professores que haviam feito à

complementação pedagógica. A impressão que dava era que os professores

que haviam feito à complementação pedagógica eram o resto, formavam a

ralé... E todos haviam passado no mesmo concurso. Existe uma discriminação

que não entendo, pois o que faz o professor não é a sua formação, o seu

curso: é o seu dia a dia na sala de aula.

Então, quem forma o professor é o chão da sala de a ula....

É o chão da sala de aula.

Se for pensar em papel, ambos têm a mesma “coisa”: todos são

professores da mesma forma.

Com certeza.

44

Você atua a quanto tempo como docente?

Desde 1995.

Já atuou em quais níveis?

Eu já trabalhei de 5ª a 8º série e no Ensino Médio, mas nesse segmento, mais

voltado para a Economia.

Em qual nível prefere atuar?

De 5ª a 8º Série. Deus me livre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I.

Mas você pode dizer que gosta de atuar no Ensino Mé dio...

Não é. De 5ª a 8ª Série, depende de você. De 5ª a 8ª, eles sabem que você é o

professor. De 1ª a 4ª, você tem que conquistar primeiro o respeito do pai para

ele saber que você é professor. E no Ensino Médio, o aluno já está se

“achando”, querendo colocar você debaixo do pé. Não liga mais, acha que não

tem mais necessidade, anda mais com tudo isso que eles têm de facilidade, de

mesada, de curso disso, curso daquilo... Eles acham que não precisam mais do

professor. Eles acham que precisam de uma celular e de um computador.

A informação está ali, disponível...

Sim, é isso mesmo. Eu vejo uma diferença nisso em nível de Escola Pública e

Escola Particular: o menino da Escola Particular ainda quer estudar, prestar um

vestibular, pois ele sabe que o pai paga. Já o menino da escola Pública só

termina o Ensino Médio.

Ele acaba não aproveitando as oportunidades que o G overno oferece.

É isso aí.

Triste isso, muito triste. Existe um mundo de oport unidades...

Eu falo muito isso. Por exemplo, você que está no IFES, eu gostaria muito de

levar os meus alunos da Serra, que é uma área mais carente, para ter acesso

ao IFES. Se você soubesse, eu tenho alunos no Planalto Serrano que não

sabem o que é o IFES, e o IFES está do lado deles ali.

E não veem...

E não sabem nada. Não sabem que é um ensino gratuito, que eles podem

estudar a lá qualquer, se eles tivessem oportunidade. Teve um ano que nos

tivemos que implorar aos pais para pagar a taxa.

Mas até isso se consegue isenção...

Mas eles já tinham deixado passar o período de isenção. Falávamos para os

pais: “Que desperdício não deixar o seu filho fazer”.

45

No IFES da Serra, posso te colocar em contato com a psicóloga.

Eu queria levá-los até lá para eles verem que mundo que é aquilo, gratuito, e

que eles podem ter acesso a outras coisas depois.

O IFES está começando a pensar em cota para o Ensin o Médio.

Porque eles não têm essa visão. O aluno daqui tem a visão do IFES, pois

estamos em um bairro dito de classe média, Já na Serra é um bairro de

criminalidade. Então, eles terminam a 8ª série e dizem: Ufa! Vou trabalhar no

Rede Show (rede de supermercados da região).

A perspectiva deles não vai lá longe.

O máximo que eles pensam em subir na vida é subir do Planalto Serrano para

o João Antunes, que é uma escola que fica no alto de um morro. Triste isso,

mas essa é a verdade.

Você possui alguma pós-graduação na área de Matemát ica ou de

Educação Matemática?

Não. Eu fiz pós-graduação na área de Métodos e Técnicas de Ensino. Quando

eu fiz pós-graduação, quase não tinha curso na área de Matemática. Hoje tem

muito mais. E o que eu te falo: é igual vendedor de livro. Quando você vai

numa palestra do Imenes, por exemplo, você acha que ele vai trazer a solução

para a gente. Vai trazer filmes para que a gente possa trabalhar, vai trazer

filmes na área de Matemática, alguns filmes legais que possamos trabalhar;

você já vai nessa expectativa. Chega lá, ele vai te dar uma folha, com um

problema para você resolver até o final.

Seria algo: “Isso eu já sei, eu quero novidades?”.

Tanto que, há alguns, me foi proporcionado fazer, na UFES, um curso na área

de música, que é uma coisa que eu gosto de trabalhar. Mas nem tanto dentro

da área de Matemática, mas chamando o aluno a gostar de ter aula comigo,

como professora de Matemática, algo que o aluno já tem aversão. Eu falo que

em reunião de pais, vai apresentar todo mundo, quando chega na gente, eles

torcem o nariz. Você pode reparar: começa com o pai, não é com o aluno.

Você já viu pedagogo apresentando professor de Mate mática?

Então. Você sabe qual foi a última que ouvi? MALTEMÁTICA: O próprio nome

já diz. Apresentaram-me assim, na última reunião aqui.

46

Como docente você sempre trabalhou na rede pública?

Eu tenho experiência na rede particular. Trabalhei praticamente quase 10 anos

na rede particular.

Você possui algum projeto futuro para a sala de aul a?

Eu gostaria muito de associar música à Matemática. Se eu tivesse esse dom,

esse talento, pois eu sou muito da área do canto, mas eu gostaria de tocar...

Eu acharia lindo e maravilhoso. É uma coisa que eu gosto. Eu acho que iria

muito bem se eu tivesse essa oportunidade.

Você disse que participa de congressos, de formação continuada, mas vê

essa falta da vivência da sala de aula.

O professor em si não gosta da troca. Eu vejo pela formação que frequentamos

aqui em Vila Velha. Sempre é perguntado ao pessoal que está fazendo pós-

graduação, mestrado, doutorado, o que eles podem contribuir nesses

encontros. Todo mundo fica quietinho e ninguém fala nada.

Pessoalmente, acredito que isso seja uma coisa do M atemático, aquele

formado em Matemática...

Mas é o que estou te falando.

Você acha que mudou a sua maneira de atuar, ao long o desses anos?

A minha maneira? Eu aprendi muita coisa. Mas, ao mesmo tempo, o sistema te

fecha muito. Os livros Têm fechado muito. Hoje em dia... Qual livro para você é

bom?

A gente pensava no Imenes, pensava no Bigode...

Você já parou para analisar a olimpíada de Matemática pública e a olimpíada

de Matemática particular?

São dois mundos diferentes.

Ali já faz uma distinção. Eu sempre briguei muito lá na UFES por isso quando

eu dava aula na escola particular. Eu dizia: “Vocês me mandam uma coisa que

não tem nada a ver com o que a gente trabalha em sala de aula!”. O aluno se

frustra. Quando um aluno termina uma prova de olimpíada e ele vê o resultado

dele, ele se questiona: O que eu estou fazendo escola? Estudo tanto e não sei

nada.

47

Então, a gente tem duas Matemáticas: A Matemática d a escola e a

Matemática da olimpíada.

Se você trouxesse a pública para dentro da particular, nossa, os meninos iriam

muito bem.

O ensino de Matemática passou por mudanças ao longo desses anos?

Eu acho que não. O sistema incentiva que se continue assim, Veja o caso do

professor de um professor que terminou o mestrado na UFES agora. O

trabalho dele é como ensinar trigonometria dentro da 8ª série. Mudou alguma

coisa na hora de ensinar trigonometria? Tem alguma diferença na hora de

ensinar trigonometria?

Você vai ter elementos novos.

Mas, a maneira de você mostrar para os alunos?

Você pode trazer mais para o concreto... Você pode, na questão do

triângulo retângulo, projetar sombras, sair da sala de aula.

Mas, por que ele fez esse trabalho? Por que não tem essa abertura no sistema.

Ele está tentando proporcionar uma maneira de ensinar trigonometria que os

alunos venham a compreender melhor. É o que eu falo: ainda é muito fechado.

O sistema é muito fechado? Você ainda tem que “bate r” muito conteúdo?

Sim. Aí, para diversificar um pouco, vem um autor e quer fazer de um jeito. Mas

ele enxuga tanto que o aluno não entende. Você não consegue chegar e

abranger. Quando a gente consegue, ótimo. Lá na Serra, por exemplo, na 6ª

série, nós começamos trabalhando com ângulos para auxiliar no trabalho da

professora de Artes, que trabalha bastante com figuras geométricas,

montagens, desenhos, fotos. Ela trabalha muito com isso e nós resolvemos

trabalhar com ângulos e depois os mandarem montarem também. Ou seja:

trabalhar no concreto. Mas é muito difícil. Você se choca com várias barreiras.

Você quer me ver incomodada? Basta eu pedir uma coisa e ouvir como

resposta que acabou. Eu peguei uma apostila do Colégio X, de 6ª série solicitei

cópias aqui. A resposta foi que não havia papel. Uma colega conseguiu papel.

Ainda assim não conseguimos copiar, pois não podíamos usar o tonner. Então

são coisas que você vai desanimando. Você tem que ter vontade de avançar.

Isso é triste!

Isso é triste porque você pode pensar que seu filho poderia estar aqui...

48

Sim, mas a ideia é essa. A ideia é fazer da escola pública uma escola

forte.

O que eu brigo muito na escola pública é que o pessoal não quer um ensino de

qualidade. O pessoal quer o be a bá. Ele quer pessoas que saibam escrever,

pelo menos para assinar na hora do voto, ou para apertar a tecla verde e que

saiba que número ele está apertando. Eles não querem alunos informados.

Eles querem alunos que possam ter subemprego. Eles não querem alunos

disputando vagas de faculdade com outras pessoas. Não adianta: escola

pública não quer.

Nós estamos com alunos no 6º ano que não sabem escrever, mas que estão

sendo avançados pela política que a gente tem vivido. Nós estamos vivendo a

progressão a qualquer custo. Avança por que senão o seu trabalho está mal

feito. O pai vai vir aqui te questionar porque só você é assim. É muito

complicado. Escola Pública está muito complicada.

Eu falo com meus alunos sobre essa situação. Eu fui aluna de escola pública e

sei que precisar trabalhar para pagar cursinho pois eu não eu não sabia o que

era Geometria, não conseguia chegar num nível de polinômio mais rígido, no

máximo adição e subtração. Às vezes você escuta de Diretores: “Ah... 2 + 2

está bom. Para que você quer mais que isso?”.

Mas, e a educação para a cidadania?

Mas, o que é ser cidadão? Parece que ser cidadão está se resumindo apenas

a votar. Ter o título de eleitor e saber ler e escrever. Se bem que agora não

precisa nem escrever: basta o dedo.

O que é necessário para aprender Matemática?

Vontade.

Existe aluno com pré-disposição para aprender Matem ática?

Existe. Com certeza. Existem alunos que eu gosto tanto do raciocínio deles

que eu guardo. Ele fez, ele resolveu algum problema de uma maneira que nem

eu conseguia resolver. Eu tiro cópia da resolução deles. Ele foi por um caminho

que nem eu percebi aquele caminho.

49

Nós temos diversos alunos em sala de aula. Nós nos incomodamos não

com os bons alunos, mas com aqueles que “odeiam” a Matemática. Por

que aluno odeia Matemática, em sua opinião?

Pela maneira que ele foi tratado. Pela maneira como a Matemática foi oferecida

a ele. A Matemática já entra causando trauma. A coisa vem de casa: o pai já

odeia a Matemática. E isso vai sendo passado. Eu falo com eles: eu não gosto

de Português; eu acho mais complicado Português do que Matemática. Porém,

eu nunca quis ser uma má aluna em Português. Eu falo com eles que eu não

quero que eles falem errado, que eles tenham alguma cultura, que eles saibam

alguma coisa.

Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?

O aluno deve tentar captar aquilo que o aluno está fazendo.

Qual o papel do professor numa aula de Matemática?

O papel do professor é tentar passar. Tentar lançar a rede e pegar o peixe.

Hoje em dia está difícil tentar lançar a rede e pegar peixe. Você lança e ela

volta vazia, infelizmente.

Quando ela volta vazia ainda está bom. O problema é quando ela volta

com um buraco...

Todo dia você entra e acha que você vai pegar pelo menos uns três, quatro.

Quando você pega três ou quatro está bom. E quando você não pega nenhum?

Mas hoje em dia eu vejo muito é a falta de atenção. A questão familiar mesmo,

de o aluno ter um estímulo. O aluno não tem estímulo vindo de casa. Hoje eu

tive que parar uma aula na Serra para mandar 15 bilhetes escritos à mão,

dizendo para os pais que os filhos não estão cumprindo as tarefas. Faltou pedir

que pelo Amor de Deus que eles, os pais, passem a olhar os cadernos de seus

filhos. Minha esperança é de mudar alguma coisa.

Eu cobro muito deles que executem as tarefas, pois executando as tarefas,

eles acabam aprendendo. Outra coisa: aluno acha que Matemática não se

estuda. Eles chegam em casa, fecham o livro, e acham que Matemática não

precisa estudar. Somente História, Geografia, Português é que precisa ler,

rever. Eles têm esse conceito.

Esse conceito sobre a matéria.

Isso mesmo. Muitos alegam que não precisam ler Matemática, que Matemática

não tem o que estudar.

50

1.2) Observações da Prática

1ª Observação: Dia 14 de abril de 2015 – Horário: 1 3h00min às 13h50min – 6º ano

Após os cumprimentos iniciais, a professora solicitou que cada aluno

pegasse seu livro e o abrisse à página 70. O clima em sala era bem

descontraído: alguns alunos brincavam entre si e mesmo com a professora,

tratando-a pelo nome, sem o uso de termos como senhora, professora ou

mesmo tia, algo que poderia ocorrer, dado a faixa etária dos alunos em sala.

Enquanto os alunos atendiam ao seu pedido, a professora foi ao quadro

e registrou as seguintes informações:

Quadro 5: Revisão de operações e seus termos

ADIÇÃO SUBTRAÇÃO MULTIPLICAÇÃO DIVISÃO

Parcela

+

Parcela

Soma

Minuendo

-

Subtraendo

Diferença

Fator

x

Fator

Produto

Fonte: acervo da professora Marcela

A partir desse quadro, a professora fez uma revisão sobre cada uma das

operações já estudas, revendo algumas palavras-chaves que caracterizam

cada uma das operações. Também fez uma ligação entre o conteúdo que

estava sendo estudado com assuntos futuros, principalmente equações,

enfatizando que nas equações, muitas vezes, as situações serão propostas e

caberá ao aluno montar a equação correspondente.

Após essa revisão de operações e termos, solicitou que uma aluna

fizesse a leitura do texto que se encontrava no livro didático (figura a seguir):

51

Figura 2: Exemplo usado pela professora para de divisão

Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática 8

Após a leitura, buscou contextualizar a situação proposta com o

cotidiano dos alunos. Investiu bastante tempo no esclarecimento de alguns

termos apresentados no texto, dando destaque a palavras como

CAPACIDADE, DIARIAMENTE, entre outras.

Após isso, foi ao quadro e repetiu a operação apresentada no texto,

fazendo uma associação entre a divisão e a multiplicação:

�2�2 � 4 2 � 22�3 � 6 2 � 3

Para explicar a divisão, seguiu o seguinte raciocínio:

15344 28

- 140 548

134

- 112

224

- 224

0

8 SOUZA, J.; PATARO, P. M. Vontade de Saber Matemática, 6º ano

28 x 1 = 28

28 x 2 = 56

28 x 3 = 84

28 x 4 = 112

28 x 5 = 140

28 x 6 = 168

28 x 7 = 196

28 x 8 = 224

A professora fez essas

operações sem a

participação dos alunos

52

Enfatizou que teriam avaliação em uma data próxima e lembrou que, na

avaliação, não cobraria um método específico e que deixaria cada aluno livre

para escolher o seu modo de resolução. Aliás, a todo o momento, questionava

os alunos e os convidava a participar da aula. Ao encerrar a divisão, perguntou

como procederiam se, tendo o divisor e o quociente, desejassem obter o

dividendo9.

A seguir, pediu que os alunos lessem o exercício 66 e retirassem as

informações que o exercício oferecia:

Figura 3: Exercício sobre divisão

Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática

Como muitos alunos apresentaram dificuldades, a professora interferiu e

comentou que para compreender esse exercício era necessário relacioná-lo

com a situação vivida anteriormente. Sua atuação, nesse momento, estava

toda centrada na interpretação da questão: lia e relia a questão, fazendo muitos

questionamentos aos alunos. Por fim, foi ao quadro e efetuou a divisão:

16123 701

- 1402 23

2103

- 2103

0

Durante a resolução, a professora dialogava com os alunos com

afirmações do tipo: “16 não divide por 701”, “161 não divide por 701”.

Nitidamente, dizia tais frases para explicar aos alunos o processo de divisão e

para tentar fazer com que eles interagissem com ela durante a resolução da

questão. Ao fim da resolução, pediu que os alunos efetuassem a “prova real”,

fazendo 701 x 23, novamente sem fazer qualquer citação do resto.

9 A professora não fez qualquer comentário sobre o resto ou sobre o algoritmo de Euclides (dividendo = divisor x quociente + resto).

701 x 1 = 701

701 x 2 = 1402

701 x 3 = 2103

A professora relembra aos

alunos que eles devem

fazer a tabuada de 701

essas operações sem a

53

Prosseguindo com a aula, solicitou que os alunos que fizessem as

questões 67, 68, 69 e 70 – algo que os alunos reclamaram bastante - e afirmou

que os cobraria na próxima aula. Até o fim da aula, os alunos trabalharam

nesses exercícios.

Figura 4: Exercícios sobre divisão

Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática

Figura 5: Exercício sobre divisão

Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática

54

Figura 6: Exercícios sobre divisão

Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática

2ª observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 1 3:00 às 13:50 – 6º ano

A professora levou os alunos para o laboratório de informática. A

atividade do dia foi a resolução de uma prova com conteúdos já vistos

anteriormente. O objetivo, segundo a professora, era prepara-los para a prova

do SAEB, que seria feito, de acordo com ela, daí a alguns dias.

A professora, assim como a responsável pelo laboratório de informática,

limitava-se a fiscalizar os alunos, repreendendo qualquer contato entre eles e

pedindo que se concentrassem na resolução da prova.

55

A prova proposta foi a seguinte:

Figura 7: Prova aplicada pela professora Luísa – 1 de 5

Fonte: Acervo da escola

56

Figura 8: Prova aplicada pela professora Luísa – 2 de 5

Fonte: Acervo da escola

57

Figura 9: Prova aplicada pela professora Luísa – 3 de 5

Fonte: Acervo da escola

58

Figura 10: Prova aplicada pela professora Luísa – 4 de 5

Fonte: Acervo da escola

59

Figura 11: Prova aplicada pela professora Luísa – 5 de 5

Fonte: Acervo da escola

60

3ª observação: Dia 30 de abril de 2015 – Horário: 1 3h00min às 13h50min – 6º ano

Os alunos retornavam para a sala de aula após cantarem o Hino

Nacional – momento cívico. Mostravam-se bem agitados, demorando um

pouco mais para se acalmarem em relação às outras observações. Como a

professora conhecia todos os alunos pelos nomes, chamava-os e pedia que se

sentassem para que ela pudesse começar sua aula.

Na aula anterior, a professora havia introduzido o conceito de

potenciação. Para essa aula, a tarefa seria resolver o quadrado de todos os

números naturais menores ou iguais a 100.

A justificativa dada pela professora para a realização da atividade era a

preparação que ela desejava fazer para o próximo assunto: radiciação.

Ressaltou que isso também será útil quando estiverem no nono ano, ao

trabalharem com Equações do Segundo Grau ou com o Teorema de Pitágoras.

Quando uma aluna a questionou sobre radiciação, explicou que √4 = 2,

pois 2 = 4; √9 = 3, pois 3 = 9; √121 = 11, pois 11 = 121. Continuou

dizendo que a atividade seria importante, pois quando tivessem que responder

a essas perguntas, já saberiam as respostas, pois as calcularam e não

obtiveram as respostas por meio de uma calculadora.

Os alunos faziam a atividade lentamente, achando-a bastante

enfadonha. Em certo momento, a professora precisou ausentar-se da sala;

durante esse período, o barulho aumentou consideravelmente, com os alunos

conversando bastante.

Enquanto os alunos faziam a tarefa, a professora se ocupou de outras

atividades, como a correção de provas e o registro de suas notas na pauta.

Apesar de a professora conhecer os alunos por nome e “manter a

disciplina”, as respostas dadas aos alunos nem sempre são amistosas: muitas

vezes, usavam de palavras mais ríspidas, até mesmo chegando a “escarnecer

ou ironizar” os alunos.

Aos alunos que insistiram em questionar a tarefa, a resposta era sempre

a mesma: de uma utilidade futura, algumas vezes dada pelos próprios colegas,

reforçando as ideias defendidas pela professora. No fim da observação, ao se

despedir dos alunos, o professora lembrou-os que a atividade prosseguiria na

outra aula que teriam com ela nesse mesmo dia.

61

2) Professora Luísa 10 A professora Luísa, 43 anos, casada e mãe de dois filhos, é Bacharel em

Economia e também nunca trabalhou nessa área. Professora com 15 anos de

experiência, já atuou no Ensino Fundamental II – segmento onde prefere atuar

- no Ensino Médio e na formação de professores. Além da complementação

pedagógica, também possui pós-graduação na área de Educação e Mestrado

na área de Ensino de Ciências e Matemática pelo Instituto Federal de Ensino,

Ciência e Tecnologia do Espírito Santo - IFES. No período em que participou

da pesquisa, atuava como professora efetiva na rede pública de ensino de dois

municípios – Serra e Vila Velha – sendo que as observações foram feitas na

rede do segundo município, em turmas de oitavo e nono ano11.

A escola onde foram feitas as observações localiza-se em um bairro

antigo do município e que cresceu à sombra de uma indústria alimentícia. A

escola atende a uma clientela que reside no próprio bairro ou nos seus

arredores.

Trata-se de uma escola fundada ainda na década de 1970, dotada de

infraestrutura que possui algumas limitações. A quadra poliesportiva não é

isolada dos prédios onde estão as salas de aula. Desse modo, quando ocorrem

as aulas de Educação Física, é inevitável que as salas de aulas sejam

“invadidas” pelos sons que vem da quadra.

As salas de aula são pequenas, sem possibilidade de ampliação. Mesmo

com essas limitações, a escola mostrava-se bem organizada, com boa limpeza

e condições adequadas para atender as demandas dos alunos.

2.1) Entrevista

Qual a sua idade?

43 anos.

Qual a sua formação inicial?

Bacharel em Economia. Conclui o curso em 2000. Depois fiz a minha

licenciatura em Matemática.

10 Nome fictício. 11 Como a professora Luísa trabalhava com essas duas séries na mesma escola, optamos por fazer observações em ambas, tentando, com essa diversidade, obter mais informações sobre a sua prática.

62

Chegou a atuar na sua área de formação inicial?

Não cheguei a atuar como Economista. No ano 2000, conclui o Bacharelado

em Economia e fiz a minha Licenciatura em 2001. Eu vi dificuldades de entrar

no mercado de trabalho na área da Economia, uma área extremamente restrita,

onde era necessário fazer concurso. Por uma série de motivos pessoais,

resolvi não fazer esses concursos e optei pelo magistério e que eu acabei,

realmente, incorporando.

Possui algum estudo de pós-graduação na sua área de formação inicial?

Não tenho nenhuma pós-graduação na área de Economia. Todas as que

possuo são na área de Educação, inclusive Mestrado na área de Educação.

Possui algum projeto futuro relacionado à sua forma ção inicial?

Eu digo que sou Economista aqui também. Certas situações de conflito que eu

tinha com a Economia eram com a área social. E aqui eu consigo, de certa

maneira, colocar isso em prática no espaço escolar. Minha pesquisa em

Economia foi voltada para mão-de-obra, para mercado de trabalho, e de certa

forma, dentro da escola, eu tenho essa oportunidade também de qualificar, de

pensar, e eu gosto muito desse público de Fundamental II, pois é justamente a

fase inicial dessa formação social da criança. Estou tentando mudar para uma

outra faixa etária, mas eu gosto muito desse público.

Por que a sala de aula, uma vez que possui uma form ação inicial diferente

da licenciatura?

A dificuldade de entrar no mercado de trabalho na área de Economia e

algumas questões de ordem pessoal.

Fez curso de complementação pedagógica?

Sim, fiz a Licenciatura.

O que o motivou a fazer essa complementação?

Com certeza eu precisaria me preparar para a sala de aula. Quando eu iniciei,

pegava contratos; devido a competição entre o licenciado e a área afim por

esses contratos, eu precisava dessa titulação. Então, a motivação foi

regulamentar uma situação em que, inicialmente, eu comecei na área afim,

mas logo depois foi encaminhada para a Licenciatura. Vale destacar que a área

afim só era aceita para contrato no Estado; eu não poderia fazer um concurso,

por exemplo. Hoje eu sou concursada em duas redes; então, se eu não tivesse

63

essa licenciatura, eu não estaria habilitada para formar uma carreira no

magistério conforme eu tenho formado.

Você acha que o curso de complementação pedagógica foi suficiente

para atuar em sala de aula do ponto de vista pedagó gico e didático?

Não, nem se eu tivesse feito Matemática, não teria sido suficiente. Com certeza

não. São os primeiros olhares, o primeiro ambiente. A formação do professor

se dá na sala de aula, no seu dia a dia, na observação do seu aluno, na sua

prática, o que você pode mudar, uma questão mesmo de bom senso e depois

na formação continuada do próprio grupo. A complementação pedagógica é

insuficiente, como eu também acredito que a formação inicial em Matemática

também seja insuficiente. A formação do professor se dá com a sua própria

prática, e a reflexão em relação a essa prática.

Há quanto tempo atua como docente?

15 anos.

Em quais níveis já atuou e em qual leciona atualmen te?

Já atuei no Estado, somente com contrato, tanto no ensino Médio como no

Fundamental II. No Ensino Médio eu atuei um ano. Eu comecei em 2000, no

Estado; em 2005, eu efetivei na Prefeitura de Vila Velha e, em 2007, eu efetivei

na Prefeitura de Serra. No caso das prefeituras, elas só atendem a Ensino

Fundamental II; então, eu quase sempre estive ligada a esse segmento.

Em qual nível prefere atuar?

Eu gosto mais do Ensino Fundamental II. Eu tive a oportunidade de

trabalhar com Formação de Professores na Prefeitura de Serra, no ano

de 2012. Logo depois eu fui aprovada no Mestrado, tirei licença, e

retornei esse ano. Também trabalhei na Formação de Professores pelo

PNAIC – Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa – em 2014.

Mas, onde me identifico mesmo é no Fundamental II. A minha pretensão

é consolidar-me na Formação de Professores num futuro próximo. No

momento atual, preciso dedicar-me aonde sou concursada.

64

Possui algum estudo de pós-graduação na área da Mat emática ou de

Educação Matemática?

Tenho uma pós-graduação em Psicopedagogia; depois fiz outra em Informática

Educacional. Já o meu Mestrado é pelo IFES, em Educação, Ciências e

Matemática. Fui orientada pela professora Ligia Arantes Sad.

O que a motivou fazer o Mestrado?

Busca de qualificação, de entendimento onde eu estava, uma vez que eu

entendi que minha área era essa. Certa vez, uma pesquisa me questionou se

eu era da área da Economia; respondi que sou da área da Educação. E a

minha área agora é a Educação Matemática. A Economia, e na minha

dissertação eu trago isso, me trouxe olhares diferentes das questões sociais,

do funcionamento da sociedade em si; então, isso me trouxe muitas

sensibilidades. Às vezes, alguém que não é da área, pode não ter essa

sensibilidade.

Qual o tema da sua dissertação de Mestrado?

Eu fiz um trabalho voltado para a Etnomatemática, com um trabalho de campo

envolvendo crianças ciganas. Procurei estudar como o grupo cigano se

estrutura dentro da escola e como a escola trata grupos que são minoria

Possui algum projeto futuro relacionado à sala de a ula?

Pretendo trabalhar com a Formação de Professores, talvez sem largar a sala

de aula.

Costuma participar de encontros, congressos ou curs os de formação

continuada na área da educação?

Tudo que eu tenho oportunidade. Durante a fase de mestrado, fiz algumas

submissões de trabalhos, algumas apresentações de trabalhos também.

Procuro, sempre que tenho oportunidade, estar disponível, mesmo com a rotina

pesada, de 50 horas semanais, trabalhando em dois municípios distintos, e de

certa forma, distantes.

É importante que o professor tenha uma boa formação no campo da

Matemática e o campo da Educação Matemática?

Eu acho que o professor precisa da formação dos dois... Até porque na sala de

aula, no segmento onde atuo, é lógico que trabalhamos as questões da

Matemática, é o nosso ponto de conversa com o aluno. Mas, o nosso olhar é

bem mais amplo, até porque você está, de uma maneira geral, com um grupo

65

de alunos que terão destinos diversos, então é preciso que a gente tenha uma

formação mais precisa em Educação Matemática e não somente em cima de

cálculos, de processos de cálculos, de propriedades... Isso é importante, pois é

o nosso ponto de conversa com o aluno. Mas não pode ser apenas isso.

Acredito que nem mesmo na Licenciatura devemos ter essa visão mais ampla.

Eu gosto do cálculo em si, eu gosto de fazer cálculos, mas ele não é o

primordial. É preciso uma formação em Educação Matemática, entender as

tendências da Educação Matemática, criar novas estratégias, e nós estamos,

eu acho, nesse ponto da Educação Matemática, a gente está discutindo muito.

Nós é que estamos escrevendo as primeiras linhas da Educação Matemática.

O professor, na sua formação inicial, precisa ter essa visão da Educação

Matemática e, logicamente, na Matemática, que é o ponto de início da

conversa, do diálogo.

Você acredita que tenha mudado sua maneira de atuar como professor ao

longo desses anos?

Eu acho que sim. Eu acho até depois da nossa conversa, eu vou mudar e você

vai mudar. Nós estamos mudando sempre

O que motivou essas mudanças?

Eu acho que aprender mais.

Em sua opinião, o ensino de Matemática passou por m udanças, desde o

inicio de sua atuação docente?

Pouco, praticamente nada, olhando os professores como um todo, olhando o

sistema como um todo. Eu acho que estamos tentando muito, mas ainda não

temos respostas e nós não saímos das questões exemplo, repetição de

exercícios, correção de exercícios, exemplos de novo... Eu acho que isso que

ainda está de uma maneira geral. Até o próprio aluno está propenso a ver a

Matemática dessa forma; o aluno ainda espera que o professor determine

aquilo que ele deve fazer. Se você abre muito o diálogo, principalmente com

aquele grupo de alunos que, por vezes, não está muito acostumado ao diálogo,

um diálogo mais reflexivo, onde ele entenderia a praticidade da Matemática, às

vezes surge a seguinte pergunta: ”Nós vamos fazer dever quando,

professora?”.

Às vezes, depois que o aluno acostuma com o jeito de ser, isso se modifica.

Não que eu não faça e não ache importante o algoritmo, os exercícios, a

66

formatação desses exercícios... Acho que isso é importante sim, mas ele tem

que compreender onde ele está. E outra coisa que eu acho muito problemática

no sistema, como um todo, é a falta de continuidade na história do aluno. Ele

começa, está ali com um professor, daqui um pouco ele vai para outro

professor, e é como se, todos os anos, ele começasse tudo de novo. Ele perde

a continuidade

O que é aprender Matemática? O que é necessário pa ra que um aluno a

aprenda?

É ter compreensão do ambiente onde ele está. É saber refletir de acordo com

cada situação. Tomar decisões a partir daquele ponto. Eu acho que os nossos

processos de cálculo também fazem isso. Ter autonomia para olhar um

contexto, compreender, decidir o que ele vai fazer, para depois ele partir para

um processo de cálculo; às vezes, esse processo de cálculo tem um papel

coadjuvante nesse processo de tomada de decisão. É um ferramental

necessário, mas a compreensão, o raciocínio lógico, a tomada de decisão e a

autonomia fazem parte do processo de aprender Matemática.

E, logicamente, depois você tem que conseguir explicar tudo aquilo que você

está pensando por um raciocínio, quer seja um processo de cálculo quer seja

uma lógica construída, que não necessariamente precisa ser um processo de

cálculo. Você pode construir uma ideia que seja um raciocino lógico, um

desencadeamento lógico de pensar que não necessariamente venha a ser

apenas um resultado numérico. Eu acho que nossas práticas de Matemática

podem levar uma pessoa a ter essa compreensão.

Você acredita que existam alunos com pré-disposição para a Matemática?

Eu acho que existe estímulo. Eu acho que ninguém nasce geneticamente

modificado para a Matemática. Muitos alunos que possuem uma tendência a se

desenvolver bem em Matemática, ele sempre fala: “Ah, é por que meu tio é

muito bom em Matemática.”.

Existe uma tendência a associar a uma parte biológica, que não é a que eu

acredito. Eu acho que os alunos (que vão melhor em Matemática) se espelham

sempre em alguém para ter essa segurança.

E a gente, às vezes, sente essa segurança mais nos meninos do que nas

meninas. Não quer dizer que as meninas não sejam capazes, mas essa

insegurança que vem no decorrer do tempo, do espaço, da História é que dá

67

essa dificuldade, um pouco maior, na hora de concluir. O menino tem menos

medo de errar que a menina; a menina se censura muito. E na Matemática a

gente erra; a gente reavalia; a gente refaz; a gente recalcula; e essa

necessidade é preciso na pessoa para que ela aprenda Matemática. Algumas

competências ela tem, que ter para aprender Matemática.

Quando a pessoa tem essa segurança um pouco maior, ela fica mais pré-

disposta a aprender. Mas ainda existe muito o preconceito de Matemática é

para alguns. Ele está muito presente: eis uma coisa para agente lutar para

acabar.

Muitos alunos possuem atitudes diferentes frente à Matemática. A que

atribui essas atitudes? Essas atitudes podem ser mu dadas?

Eu costumo trabalhar de uma maneira bem diferenciada; uso muito a

Geometria para ser minha ferramenta de diálogo com o aluno, faço

construções geométricas, associo a Matemática a outras disciplinas. Adoro

associar a Matemática à Arte. Por exemplo, você pode ter um aluno que não

sabe dividir: não sabe fazer o algoritmo da divisão. Mas quando ele tem que

fazer um polígono, a partir de uma circunferência, onde ele precisa tomar os

360° e marcar para ser um pentágono regular, por exemplo, ele vai saber como

dividir 360 por 5. Às vezes, eu busco, no aluno, o que ele tem quase que de

instinto, para destacar as possibilidades que ele tem para formalizar a

Matemática que a gente exige no ambiente escolar. Assim eu tenho

conseguido, não de uma maneira geral – às vezes alguns chegam odiando

Matemática e saem odiando Matemática, não tem jeito – e como eu costumo

utilizar métodos diferentes de avaliação, às vezes o aluno não consegue fazer

a prova, mas ele consegue me entregar um outro tipo de trabalho, que eu

oportunizei a todos (não oportunizei a uma só, pois não temos condições de

dar aula especialmente para um único aluno), então eu lanço a proposta de

uma maneira geral. Por exemplo, proponho uma pesquisa; e dessa pesquisa,

vamos transformar isso e tabulação de dados? Vamos transformar isso em

gráficos? Então, quanto de Matemática o aluno vai fazer e toda essa prática?

Às vezes, ele não é bom de fazer o cálculo de porcentagens, mas ele é capaz

de redigir as questões que vão ser elaboradas; então, eu peguei uma

potencialidade dele, e eu costumo identificar isso nos meus alunos, e

transformar essa potencialidade que ele possui para um olhar matemático.

68

Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?

Eu acho que o aluno deveria estar mais pré-disposto a aprender. Eu não sei se

a Educação brasileira, de uma maneira geral, foi muito da elite e agira que

estamos oportunizando, universalizando a Educação e ainda temos muitos

alunos que só comparecem à escola por causa da obrigatoriedade, e eles não

entendem, e a gente ainda não conseguiu colocar esse encantamento no aluno

do que a educação pode fazer de diferença para a vida dele, e eu também não

sei se isso está muito claro para os nossos professores, para nós da educação,

exatamente que diferença isso poderia fazer e para o sistema, como um tudo,

que não deixa isso florescer.

Então, o aluno teria que estar mais pré-disposto a essa aprendizagem, a

entender que isso faria diferença para a vida dele.

Qual o papel do professor numa aula de Matemática?

O papel do professor é a motivação, mostra a realidade, os conhecimentos que

temos, onde estamos, e convidar os alunos a ingressar nesse mundo científico,

contribuindo com a visão dele (aluno), com as experiências dele, com a visão

dele, para se tornar um ser ativo. Ele precisa entender aquilo que já foi feito,

até onde já chegamos, e convidá-lo a contribuir um pouco também.

2.2) Observações da Prática

1ª observação: Dia 16 de abril de 2015 – Horário: 0 7h00min às 07h50min – 9º ano

O assunto que estava sendo trabalhado era o Teorema de Pitágoras. A

professora já havia feito uma demonstração e nessa aula observada propôs

mais uma demonstração, dessa vez utilizando material concreto – uma folha de

papel sulfite. O trabalho que seria feito faria parte do laboratório de Matemática,

cujas atividades somadas valeriam dois pontos.

O trabalho começa com o corte de um quadrado a partir da folha de

papel de tamanho A4 (Figura 12)

69

Figura 12: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 1 de 3

Fonte: acervo do autor

A medida que a professora dava as orientações, os alunos, sozinhos ou

em duplas, iam realizando as tarefas, mostrando envolvimento com a atividade.

Em seguida, o quadrado resultante é divido em quatro artes menores,

sendo que as partes em negrito são descartadas, dando origem a figura da

direita. (Figura 13)

Figura 13: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 2 de 3

Fonte: acervo do autor

Rotineiramente, a professora interagia com os alunos, perguntando se

existiam dúvidas ou se algum estava com dificuldades. Quando solicitada,

atendia os alunos em suas carteiras, dando atenção aquelas que pediam

auxílio.

70

Em suas explicações, a professora usava linguagem coerente, mas sem

formalizações excessivas. Usou termos como “dividir o ângulo ao meio” ou

“triângulos congruentes”, sempre usando as figuras como elementos de apoio.

Quanto aos alunos, era claro o envolvimento deles na aula e o desejo de

cumprir a tarefa, nem tanto pela questão da avalição, mas sim pela questão de

ver algo prático – concreto – acontecendo.

Ainda na figura, nomeou os lados do triângulo vermelho de c (verde), b

(azul) e a, a hipotenusa. Após definir a nomenclatura, ela desafiou os alunos a

formarem, com as peças disponíveis, um quadrado de lado a, como

apresentado na figura 14.

Figura 14: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 3 de 3

Fonte: acervo do autor

Uma aluna conseguiu cumprir o desafio logo de imediato. Outros alunos

chamavam a professora, na tentativa de obter a resposta. Foi interessante

observar que a professora incentivava os alunos a continuarem tentando, a

avaliar o que já haviam conseguido e o que ainda precisam fazer para obter

êxito. Em nenhum momento deu a solução a um ou outro aluno: queria que

todos pensassem a respeito.

No final da aula, quando muitos já haviam conseguir montar o quadrado

de lado a, a professora, com seu próprio material, mostrou como terminar a

tarefa.

71

2ª observação Dia 16 de abril de 2015 – Horário: 07 h50min às 08h40min – 8º ano

O assunto que estava sendo trabalhado era polígonos. A intenção da

professora era recolher o material – inscrição de polígonos regulares12 em

circunferências - que havia deixado para que os alunos terminassem em casa.

Segundo a professora, essa é uma prática que não gosta de adotar, preferindo

trabalhar com os alunos em sala, pois, normalmente, os trabalhos que são

passados para casa não retornam terminados.

Devido ao baixo número de alunos que haviam concluído a tarefa, a

professora mudou os planos e permitiu que os alunos terminassem a tarefa em

sala.

Os alunos trabalharam individualmente ou em duplas e fizeram uso de

transferidores, réguas e compassos sem maiores dificuldades. Existia interação

entre os alunos, com grande colaboração entre eles. A professora deslocava-

se por toda a sala, acompanhando os trabalhos e fazendo pequenas

intervenções, auxiliando alunos com dúvidas ou chamando a atenção para

detalhes que alguns não haviam percebido.

Nessas intervenções, a professora evitava dar respostas diretas aos

alunos. Ao invés disso, recorria a exemplos do cotidiano para fazer com que os

alunos refletissem sobre as dúvidas que apresentavam. De modo sereno, a

professora exigia que os alunos, de fato, trabalhassem em suas tarefas.

De acordo com relato da professora, antes desse trabalho havia

trabalhado com geometria plana, principalmente ângulos e paralelismo.

Segundo ela, essa turma observada apresentava um nível maior de dificuldade

em relação as demais – existiam outras três turmas de 8º ano na escola; isso

fez com ela revisse seu planejamento, optando por um recomeço, atrasando

um pouco o conteúdo, mas pensando em garantir a aprendizagem dos alunos.

Ao logo da aula, muitos alunos conseguiram concluir a tarefa.

Entretanto, alguns ainda levaram a tarefa mais uma vez para concluí-la em

casa.

12 Os polígonos regulares a serem inscritos eram: triângulo, quadrado, pentágono, hexágono, eneágono, decágono e dodecágono.

72

3ª observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 0 7h00min às 07h50min – 9º ano

A aula observada era a última antes da avaliação. Naturalmente, a aula

serviu como revisão. Na aula anterior, a professora sugeriu uma série de

atividade de revisão:

1) Calcule o valor da expressão numérica �8 �⁄ + 16� ⁄ �. 9� ⁄ .

2) Aplique as propriedade de potência e determine o valor de cada

expressão:

a) 1�

b) 8��

c) 8�

d) ������

e) �− ����

f) �− ����

g) −1�

h) �−1 �

i) �− ����

j) �− ����

k) 8��

l) �− ����

3) Cada medida a seguir representa a área de um quadrado. Calcule a

medida do lado de cada um dos quadrados:

a) 56,26$% ;

b) 12,96% ;

c) 784$%

4) Reduza as expressões e calcule as somas:

a) −√27' − √18( + √50( + √125' − √4(

b) √24' − √56' − √189'

c) √675 − √675'

5) Calcule a medida do lado *+,,,, do trapézio, sabendo que a base menor

mede um terço da medida da base maior.

73

Dados: -.,,,, � 4,5% e .*,,,, � 9%

Figura 15: Trapézio ABCD

Fonte: acervo da professora

6) Uma viga de madeira com seis metros de comprimento foi apoiada

em um muro, como indicado na imagem a seguir.

Figura 16: Ilustração relativa à questão 6

Fonte: acervo da professora

A que distância da base da viga deve ficar a base muro para que o

topo da viga coincida com o topo do muro?

Nessa aula, a professora passou de mesa em mesa, conferindo o que os

alunos haviam feito dos exercícios de revisão. Apesar das aulas começarem às

sete da manhã, existe uma tolerância por parte da escola em permitir a entrada

dos alunos até às sete e dez. Por isso, mesmo com a professora já tendo

iniciado a aula, muitos alunos ainda entravam em sala.

74

A professora mostrou-se bastante preocupada com a individualidade de

seus alunos – conhece-os pelos nomes; ao atendê-los, procede de maneira

serena, como se entendesse que essa era a necessidade daquele grupo de

alunos.

A participação dos alunos na aula foi efetiva. A maioria dos alunos

tentava fazer as atividades e também interagiam entre si para sanar algumas

dúvidas. O assunto da avaliação foi Potenciação, Radiciação e Teorema de

Pitágoras.

Os alunos apresentavam dúvidas comuns no trabalho com as raízes. A

professora mostrava-se preocupada em usar linguagem matemática correta,

por isso era comum ouvir termos como índice, expoente, soma dos quadrados

dos catetos e decomposição em fatores primos.

A sala mostrava-se viva, existindo agitação, mas nada abusivo. O

barulho que se ouvia vinha da interação entre os alunos, algo natural para uma

aula com uma proposta de ser um trabalho de revisão e onde a professora

permitia que os alunos que os alunos colaborassem entre si.

As intervenções feitas buscavam sempre um embasamento matemático.

E, a partir dessa colocação, a professora questionava o aluno, perguntando-o

como aquele ponto da teoria poderia ser aplicado na questão a ser resolvida.

Por exemplo, para um aluno com dúvida na questão 5, a professora fez a

seguinte colocação: “O Teorema de Pitágoras deve ser aplicado em triângulos

retângulos. Existe, na figura proposta, possibilidade de obtermos um triângulo

retângulo onde possamos aplicar o teorema?”.

4ª observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 0 7h50min às 08h40min – 8º ano

Um fato inusitado marcou o inicio dessa observação: ao chegar à sala, a

professora deparou-se com muitos alunos sem mesas e cadeiras. Durante a 1ª

aula, quando a sala estava vazia, pois os alunos estavam na aula de Educação

física, as mesas e cadeiras foram retiradas e não foram recolocadas. Então a

professora, antes de começar sua aula, teve que reorganizar a sala,

localizando e buscando, com o auxílio dos alunos, mesas e cadeiras para

todos.

Nessa turma, a aula observada também foi a última antes da avaliação,

com a professora optando também por um trabalho de revisão. Porém, a

75

professora utilizou uma dinâmica diferente; na aula anterior, havia deixado os

exercícios a seguir para que os alunos fizessem em casa:

1) Dada a expressão algébrica 3� � 2� + 8, calcule o valor numérico

quando:

a) � � 6

b) � � �2

c) � � 2,1

2) Se um ângulo mede 37°, qual é a medida do seu:

a) Complemento?

b) Suplemento?

3) Observe as informações representadas nos desenhos geométricos e

determine as medidas angulares:

a)

Figura 17: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 1 de 6

Fonte: acervo da professora

76

Figura 18: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 2 de 6

Fonte: acervo da professora

Figura 19: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 3 de 6

Fonte: acervo da professora

4) Pensei em um número, elevei-o ao quadrado e somei 21 ao resultado.

a) Escreva a expressão algébrica que representa a frase anterior.

b) Calcule o valor numérico dessa expressão sabendo que pensei no

número 8.

c) Agora, pense em um número diferente de 8, substitua na expressão

e calcule o valor numérico.

Durante a aula observada, propôs os seguintes exercícios:

5) No desenho geométrico, as retas r e s são paralelas. Determine o valor

de x e depois encontre as medidas dos ângulos assinalados:

77

Figura 20: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 4 de 6

Fonte: acervo da professora

6) A semirreta /.000001 é bissetriz do ângulo AÔC. A partir dessa informação,

determine os valores de x e y.

a)

Figura 21: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 5 de 6

Fonte: acervo da professora

b)

Figura 22: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 6 de 6

Fonte: acervo da professora

78

Enquanto os alunos trabalhavam nas novas questões, ela solicitou que

cada aluno fosse a sua mesa e mostrasse o que havia feito e quais dúvidas

possuía nas quatro questões anteriores. Nesse processo de interação com os

alunos, a professora mostrou-se preocupada com cada aluno individualmente,

pois pode acompanhar, realmente, o que cada um havia feito e o que o impediu

de fazer o exercício.

Enquanto a professora fazia seus atendimentos, os alunos trabalhavam

nos novos exercícios propostos, alguns individualmente, outros em pequenos

grupos de no máximo três alunos. Qualquer que fosse a forma que estivessem

trabalhando, muitos alunos buscavam colegas para discutirem as questões ou

mesmo para perguntarem sobre suas dúvidas. Entre os alunos a troca foi

constante e, mesmo com alguns alunos de pé, a aula transcorria de modo

tranquilo.

Muitos alunos estavam com seus livros em mãos ou mesmo com as

anotações anteriores feitas em sala. Esse material também era compartilhado

com os colegas, mostrando que essa intensa interação entre os alunos parecia

ser uma característica do trabalho da professora: isso já era feito de modo

natural, sem maiores constrangimentos, algo bastante natural de fato.

A um observador externo, a turma pareceria bem barulhenta. Entretanto,

como estávamos imersos no mesmo ambiente, pudemos perceber que esse

barulho era provocado pela arquitetura da escola: a única janela da sala está

voltada para a quadra poliesportiva. Ou seja; grande parte do barulho que se

ouve não vem dos alunos em sala, mas sim dos alunos envolvidos nas

atividades de Educação Física (que, nesse dia, envolvia a realização de um

jogo de voleibol).

79

3) Professor Caio 13

Trata-se de uma escola privada, situada na Capital Vitória, atendendo a

uma clientela considerada da classe mais alta. Todos os alunos estudam em

tempo integral, independente da série ou nível em que estejam. Suas

dependências são bem conservadas e existe um nítido primor pela organização

e harmonia do espaço escolar.

Suas salas de aula seguem esse mesmo padrão: as mesas de estudo

para os alunos são organizadas da forma tradicional – uma após a outra; a

limpeza é impecável. As salas apresentam boa iluminação e são climatizadas,

oferecendo um ambiente propício para os alunos estudarem.

Os professores possuem uma sala ampla, com computadores e material

de estudo à disposição. Por exigência, todos os professores usam jalecos para

ministrarem suas aulas. A escola conta ainda com um grupo de apoio

disciplinar e pedagógico em todos os seus andares, além de um coordenador e

de um pedagogo para cada nível de ensino.

3.1) Entrevista

O professor, por questões pessoais, desmarcou a entrevista duas vezes.

Por meio de conversas informais, durante as observações que fizemos,

soubemos que possui formação em Engenharia Mecânica, além de ter

frequentado o curso de Complementação Pedagógica.

3.2) Observações da Prática

1ª Observação: Dia 14 de abril de 2015 – Horário: 0 8h25min às 09h20min – 2º

Ano

O professor, antes de iniciar a aula, procurou deixar o ambiente bem

leve e descontraído. Cumprimentou os alunos e teve com eles uma breve

conversa informal, falando sobre fatos corriqueiros.

Nessa aula, o professor deu sequência a uma série de exercícios que

tinham por finalidade aprimorar as técnicas de resolução de Sistemas Lineares.

Nas palavras do próprio professor, em um futuro próximo, surgiriam situações

13 Nome fictício

80

em que os problemas seriam transformados em Sistemas Lineares: assim,

estudar as técnicas de resolução seria primordial para resolver esses

problemas futuros.

Após ser informado de que já havia resolvido as letras a e b da série de

exercícios propostos, convidou os alunos a resolverem com ele a letra c:

2 � + 3 � 4 � 0� � 23 + 4 � 5�� + 3 + 4 � �2

O professor disse que iria resolver esse sistema pelo método

“Escalonamento Fajuto”, que consistia em zerar os coeficientes da incógnita x

na segunda e terceira linha e resolver o sistema de duas incógnitas formado

pelas novas segunda e terceira linhas. Antes de começar a resolver, reforçou a

importância de que o coeficiente da incógnita x seja igual a 1 para facilitar as

demais ações. Um dos alunos sugeriu que fizessem um sistema em que essa

situação não ocorresse, e o professor afirmou que esse seria o próximo

exemplo a ser resolvido.

A resolução que propôs foi bem padronizada, algo que poderia ser

repetido em todas as questões que envolvam Sistemas Lineares:

2 � + 3 � 4 � 01� � 23 + 4 � 5�1� + 3 + 4 � �2

2 � + 3 � 4 � 0� � 23 + 4 � 5�� + 3 + 4 � �2

2 � + 3 � 4 � 00� + 33 � 24 � 50� � 23 + 04 � 2

Até chegar a esse último sistema, ocorreu uma grande interação por

parte dos alunos, que perguntaram bastante: sobre a resolução – questões

sobre sinais, valores, entre outros –, sobre sistemas em que os coeficientes

não são números inteiros e sobre outros métodos de resolução. Nesse ponto, o

professor relembrou os três métodos já discutidos por ele: o Tradicional

(substituição), a Regra de Cramer e o Escalonamento.

1L1-L2

-1L1-L3

Esse formato será

sempre padrão: basta

apenas substituir os

valores a cada novo

sistema

81

Sempre que solicitado, o professor respondia às dúvidas dos alunos de

modo sereno, falando pausadamente, mas mostrando firmeza em suas

respostas.

Para terminar a questão, resolveu o sistema 533 − 24 = −5−23 = 2 ,

encontrando como resposta: � = 2, 3 = −164 = 1. Apresenta a solução como

7 = 82,−1,1914. Assim que terminou a resolução, sugeriu aos alunos que em casa

resolvessem o mesmo sistema usando a Regra de Cramer. Relembrou que

isso somente é possível por que os determinantes oriundos do sistema são

todos quadrados15.

O segundo e último exercício proposto – os alunos tiveram um tempo

para resolvê-lo, foi o seguinte:

2 2� − 33 + 4 = 91� + 23 − 24 = −53� − 3 + 34 = 8

Antes de resolvê-lo, alertou que o sistema é uma combinação linear16 e

que as linhas poderiam ser trocadas (aqui ficou nítida a intenção do professor

em reforçar o algoritmo que utilizou na resolução anterior).

Durante o tempo dado para que os alunos resolvessem as questões,

alguns, de fato, investiram no trabalho. Sempre que solicitado, o professor ia a

cadeira do aluno que o havia chamado e procurava esclarecer a dúvida que

havia surgido.

Passados cerca de dez minutos, voltou ao quadro e apresenta a

resolução:

14

Em nossa opinião, a modo correto de apresentar a solução seria 7 = 8�2, −1,1 9. 15 Em nossa opinião, a afirmação do professor está equivocada: a Regra de Cramer poderia ser utilizada, no sistema proposto, por tratar-se de sistema de solução única e não por possuir determinantes quadrados a ele associados. 16 Nesse caso parecia haver, por parte do professor, um equivoco na definição de combinação linear.

82

2 2� � 33 + 4 � 91� + 23 � 24 � �53� � 3 + 34 � 8

21� � 23 � 24 � �52� � 33 � 4 � 93� � 3 � 34 � 8

2 1� � 23 � 24 � �50� � 73 � 54 � �190� � 73 � 94 � �23

Por fim, resolveu o sistema 573 � 54 � �1973 � 94 � �23, encontrando como

resposta � � 1, 3 � �264 � 1, e como solução 7 � 81,�2,19. Durante a resolução do segundo sistema, o professor novamente

comentou sobre a possibilidade de usar a Regra de Cramer. Nesse momento,

um dos alunos pergunta se a Regra de Cramer não poderia ser abolida, uma

vez que o Escalonamento é bastante confiável, nas palavras do professor. Em

resposta, este afirma que a Regra de Cramer é um “porto seguro”, um método

em que o aluno pode confiar17.

Durante a aula, foi nítida a preocupação dos alunos em copiar o que

estava escrito no quadro e sua tentativa de compreender o método algorítmico

que estava sendo ensinado. Nenhum aluno propôs outro modo de resolução ou

fez perguntas na tentativa de buscar outro caminho: as perguntas estavam

sempre relacionadas ao modo como o professor fez, quais valores deveriam

ser utilizados e quais variações poderiam ser encontradas.

Quase no fim da aula, o professor lembrou aos alunos que a próxima

avaliação será objetiva18. Comentou que, no caso de uma prova com essas

características, muitas vezes não é necessário que o aluno resolva o sistema:

basta apenas substituir os valores das incógnitas e verificar a sua validade ou

17 De modo particular, acreditamos que nesse momento o professor poderia aprofundar um pouco mais a discussão sobre a Regra de Cramer e a sua utilização. A afirmação do aluno, a nosso ver, é bastante procedente, vista as restrições que a mesma possui (e que parecerem ser desconhecidas do professor). De todo modo, ainda que se pote pelo ensino de tal regra, faz-se necessário o esclarecimento de sua limitação (vale lembrar que a Regra de Cramer é aplicável apenas em sistemas de solução única). 18 A escola divide as avaliações em dois grupos distintos: uma parte objetiva e uma parte com questões abertas, que chama de questões discursivas.

2L1-L2

3L1-L3

Reforçando a ideia do

formato padrão: basta

apenas substituir os

valores a cada novo

sistema

83

não. Encerrando, relembrou que em uma prova com 45 questões19, quando se

existe a preocupação “em ganhar tempo”, medidas como essa podem auxiliar

bastante.

Encerrou a aula pedindo que os alunos fizessem em casa uma série de

exercícios do livro texto adotado.

2ª Observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 1 0h40min às 11h35min – 2º

Ano

O professor começou a aula conversando com os alunos sobre os

perigos, na opinião dele, de uma prova objetiva: se numa prova aberta, que ele

chama de discursiva, o professor pode validar alguns pensamentos, na prova

objetiva, caso a alternativa marcada não seja a correta, nada pode ser feito.

Nessa aula, a proposta foi que os alunos trabalhassem na resolução de

questões, como forma de revisar os conteúdos listados para a avaliação que se

aproximava. A lista de conteúdos incluía matrizes, determinantes e sistemas

lineares.

Os exercícios propostos, listados a seguir, foram retirados do livro

Matemática e Aplicações20:

42) Sejam - � :�4 31 2; e . = : 1 0−1 3;. Calcule o determinante das matrizes:

a) A c) A + B e) A + 2B g) A + I2

b) B d) A – B f) A . B

45) Sejam - = �<=>��?�, em que <=> = �@ − A . Obtenha o valor de:

a) det A b) det At

46) Sejam - = �<=>��?�, em que <=> = 51, B6@ ≥ A2, B6@ < A e . = �E=>��?�, em que

E=> = 5−1, B6@ ≥ A1, B6@ < A . Calcule det A, det B, det (A+B) e det (A.B).

47) Resolva, em ℝ, as equações:

a) G � −3� + 2 � − 2G = 8

b) H � 0 12� � 23 2� �H = 0

19 Para nós, nesse momento, ficou claro que existe uma preocupação em preparar os alunos para a prova do ENEM, algo bastante desejável por parte da escola. 20 Os exercícios forma retirados das páginas 209 e 210 e seguem a numeração original.

84

c) H 1 2 �−1 � � + 13 2 � H = 6

Os alunos começaram a resolver os exercícios propostos pelo professor,

trabalhando individualmente. Existia pouca interação entre os alunos. O

professor os atendia em seus lugares, já que a sala de aula não possui uma

mesa para o professor – existia apenas um pequeno suporte onde o professor

poderia colocar seus pertences. Mesmo com a ausência do professor – ele foi

chamado pelo coordenador, os alunos continuaram fazendo suas atividades,

mantendo um clima bem tranquilo em sala.

O atendimento do professor aos alunos foi feito de dois modos distintos:

i. Para o aluno que não conseguia começar o exercício, ele fazia uma

breve explicação sobre o assunto, indicando o caminho a ser seguido;

ii. Para o aluno que conseguia resolver o exercício, mas não encontrava a

resposta esperada, ele observava a resolução e indicava o erro

cometido.

Foi marcante a pouca interação entre os alunos. Nos momentos de

dúvidas, não recorriam uns aos outros, preferindo sempre tirar suas dúvidas

com o professor

No fim da aula, alguns alunos perguntaram sobre exercícios “modelo

ENEM” ou exercícios que tivessem sido questões de vestibulares. Nesse

momento, parece ficar claro que, para os alunos, “aprender a matéria” significa

ser capaz de resolver problemas desse tipo.

3ª Observação: Dia 28 de abril de 2015 – Horário: 0 8h25min às 09h20min – 2º

Ano

A sala de aula estava bem tranquila: pouco barulho, apesar de os alunos

conversarem entre si.

O objetivo dessa aula era a correção dos exercícios deixados

anteriormente. A principal finalidade da correção era rever os conteúdos que

seriam abordados na avaliação que seria feita posteriormente.

Os exercícios propostos, listados a seguir, foram retirados do livro

Matemática e Aplicações21:

21 Os exercícios forma retirados das páginas 209 e 210 e seguem a numeração original.

85

42) Sejam I � :�J KL M; e N � : L O�L K;. Calcule o determinante das

matrizes:

a) A c) A + B e) A + 2B g) A + I 2

b) B d) A – B f) A . B

O professor iniciou a correção revendo o modo de resolução de um

determinante de ordem 2: multiplicar os elementos da diagonal principal menos

a multiplicação dos elementos da diagonal secundária. Segundo o professor, a

intenção dos exercícios propostos era fazer com que eles realmente

exercitassem a resolução de determinantes. A impressão que os alunos

deixavam no ar era de que realmente haviam feito os exercícios, pois não

apresentavam dúvidas ou faziam perguntas.

A correção das letras a, b e c ocorreu sem maiores problemas. Ao

terminar a letra d, um aluno questionou se o resultado não seria igual a -14 (o

professor havia acabado de resolver a questão e o resultado que havia

encontrado era -1). Demorou um tempo para o professor entender de onde o

aluno tirou o resultado -14 (o aluno havia apenas feito det (A-B) = det A – det B

= -11 – 3 = -14). Quando percebeu, pouco explorou a pergunta, afirmando

apenas que a proposta do aluno não era válida.

Antes de explicar a letra f, o professor revisou produto de matrizes. Uma

aluna afirmou que tinha dificuldades para efetuar essa operação, o que fez com

que o professor procurasse explicar de modo bem pausado, reforçando cada

ação que executava. Nesse momento, poucos alunos participavam da aula.

Nem as perguntas do professor eram respondidas.

De posse da matriz A.B, o professor calculou o seu determinante e

seguiu para o próximo item. Em nenhum momento o professor ou os alunos

perceberam que P6Q�-. . � P6Q-. det .. Talvez os alunos talvez não

acreditassem nessa possibilidade, já que na letra d a possibilidade havia sido

rejeitada. Mas, e o professor? Esquecimento ou desconhecimento? Esse item

parecia ser, assim como os itens c e d, os mais indicados a uma pequena

“investigação”, uma provocação que poderia ser feita aos alunos sobre outros

caminhos a serem seguidos na resolução de exercícios envolvendo

determinantes.

86

Ao encerrar a resolução dessa questão, um aluno questionou sobre uma

avaliação que a escola intitula “Simulado Modelo ENEM”. O professor levou

quase cinco minutos explicando sobre as questões que estavam nessa

avaliação. Essa discussão sobre a prova mobilizou os alunos, que discutiam

entre si as questões.

Ao tentar retomar a correção dos exercícios, o professor percebeu que a

turma estava apática. Para tentar animá-los, fez uma série de brincadeiras,

tentado retomar o planejamento que havia feito.

45) Sejam I � �UVW�KXK, em que UVW � �V � W M. Obtenha o valor de:

a) det A b) det A t

Ao corrigir o exercício 45, o professor primeiro montou a matriz

- � Y<�� <� <��< � < < �<�� <� <��Ze depois dedicou um tempo maior na explicação do termo

aij, comparando com diversos elementos da matriz que havia montado. Após

essa explicação, completou a matriz com os elementos calculados através da

lei de formação, obtendo - � Y0 1 41 0 14 1 0Z. Como a matriz obtida possui a diagonal principal igual a zero, o

professor questionou se já poderia afirmar se o determinante seria igual a zero.

Os alunos ficaram receosos em responder, sem certeza sobre a validade da

afirmação. Antes que os alunos pudessem verificar que a afirmação era falsa –

isso poderia ser feito através do calículo do determinante – ele mesmo

relembrou que haviam estudado apenas os casos de determinantes nulos por

terem linhas ou colunas iguais.

Para resolver o determinante, o professor afirmou que usaria a Regra de

Sarrus. Um aluno o questiona sobre a regra, o que fez com que o professor

explicasse a regra em detalhes, enfatizando a repetição das duas primeiras

colunas do lado direito do determinante e a questão dos sinais dos produtos.

Para resolver a letra b, calcula -[ = Y0 1 41 0 14 1 0Z e afirma que P6Q- =P6Q-[. Muitos alunos questionam se poderiam fazer uso da afirmação em

qualquer outro caso, pois, para eles, a afirmação P6Q- = P6Q-[ só parecia

87

correta pois - � -[. Para tentar convencer os alunos da validade da afirmação

P6Q- � P6Q-[, o professor propõe o cálculo de :1 32 4; e o de :1 23 4;. Somente a

partir desse exemplo os alunos mostraram aceitar melhor a ideia de que

P6Q- = P6Q-[. Após toda essa discussão, um aluno perguntou como obter a

matriz transposta, algo que o professor respondeu prontamente.

46) Sejam I = �UVW�KXK, em que UVW = 5L, \]V ≥ WM, \]V < W e N = �^VW�KXK, em que

^VW = 5−L, \]V ≥ WL, \]V < W . Calcule det A, det B, det (A+B) e det (A.B).

Faltando quinze minutos para encerrar a aula e percebendo que não

conseguiria terminar todas as questões, o professor pergunta aos alunos se

existia alguma dúvida na questão 46. Com a negativa dos alunos, solicitou que

resolvessem a questão 47.

47) Resolva, em ℝ, as equações:

a) G X −KX + M X − MG = _

b) H X O LMX X MK MX XH = O

c) H L M X−L X X + LK M X H = `

Depois de dez minutos, o professor começou a resolver a questão,

iniciando pela letra a. Ao calcular o determinante, obteve a equação

� + � − 2 = 0. Uma aluna propôs substituir a incógnita por 122. O professor

explica que ela poderia fazer isso e, caso o valor encontrado fosse igual a 0,

que ela estaria de posse de uma das soluções da equação.

Finalizando a aula, o professor propôs resolver a equação de modo

diferente, sem utilizar a Fórmula de Báskara, já que no 3º ano a questão é

ganhar tempo. Explicou que se a soma dos coeficientes de uma equação do 2º

grau é igual a zero, então 1 será uma das raízes e a outra será igual a $ <⁄ .

22 Como observadores, nos pareceu claro que a aluna não entendia o que seria resolver uma equação. A simples substituição, sem qualquer explicação dos motivos pelos quais havia escolhido aquele valor – ou outro qualquer- e a análise que deve ser feita posteriormente reforça, em nós, essa percepção.

88

4ª Observação: Dia 30 de abril de 2015 – Horário: 0 7h30min às 08h25min – 2º

Ano

O início de aula foi bem tumultuado, com os alunos andando de um lado

para o outro e pouco atentos às instruções do professor. Entre eles, o assunto

era bem variado, mas todos externos à sala de aula ou à escola.

A escola, para turmas de segundo ano, possui um projeto de teatro, que

envolve os alunos na montagem de uma peça, desde a escolha do tema até a

encenação, passando pela providência de todos os detalhes que um

espetáculo desse tipo demanda.

O corpo docente da escola deve estar envolvido, apoiando os alunos em

suas demandas. Para o professor observado, ficou a responsabilidade de

auxiliar nas finanças. Importante destacar que essa não é uma opção do

professor – é uma “imposição” da escola. Ainda que o professor o faça, não é

uma escolha sua, e a inserção da matéria não é algo natural.

Na aula observada, os alunos faziam a prestação de conta dos valores

arrecadados até aquela data. Ainda que a apresentação tenha utilizado

tabelas, não vimos em nenhum momento a aplicação de conhecimentos

envolvendo os conteúdos que seriam avaliados: MATRIZES,

DETERMINANTES E SISTEMAS LINEARES.

Durante toda a apresentação, o professor atuou como um motivador, um

gerente de equipe, orientando os alunos nos passos que deveriam ser dados

para que alcançassem suas metas.

89

4) Professor Roberto 23

4.1) Entrevista

Qual a sua idade?

26 anos; faço 27 em 19 de abril.

Qual a sua formação inicial?

Engenharia Mecânica de Aeronáutica, formado pelo ITA.

Chegou a atuar na sua área de formação inicial?

Não. Fiz apenas um estágio obrigatório.

Possui algum estudo em nível de pós-graduação na su a área de formação

inicial?

Não.

Possui algum projeto futuro relacionado à sua forma ção inicial?

Para a área de Engenharia acho difícil. Posso voltar, não digo que não, mas

acho difícil.

Por que a sala de aula, uma vez que possui uma form ação inicial diferente

da licenciatura?

É questão de eu gostar mesmo. Eu não sei explicar. Um gosto que eu adquiri

estranho, porque eu comecei com aula particular mais por necessidade. Criei

gosto pelo negócio e depois... A sala de aula mesmo eu comecei ano

retrasado... Então, quer dizer, vai fazer dois anos que eu estou em sala de

aula. Então, o porquê da sala de aula é meio difícil explicar; eu também não

sei. Eu sei por que eu gosto: eu acordo de manhã e digo que quando eu chego

aqui eu fico contente.

Fez curso de complementação pedagógica?

Sim, eu fiz o curso de complementação pedagógica ano passado, mas eu fui a

uma aula. O Rafael24 me indicou o curso para que eu tivesse permissão para

dar aula no Ensino Médio e aí, como era sábado de manhã, os compromissos

aqui da escola não me permitiram ir a todas as aulas. Eu tenho o certificado.

O que o motivou a fazer essa complementação?

O que me motivou fazer foi única e exclusivamente a questão legal.

23 Nome fictício 24 Nome fictício do pedagogo responsável pelo Ensino Médio da escola onde o professor atua.

90

Você acha que o curso de complementação pedagógica foi suficiente

para atuar em sala de aula do ponto de vista pedagó gico e didático?

Não consigo nem avaliar isso. Da aula que eu assisti pude concluir que a

maioria dos professores que também faziam a mesma aula não eram

professores de Ensino Médio, muito menos de pré-vestibular ou de terceiro

ano; eram professores de Ensino Fundamental Básico, de 1ª a 4ª série; o curso

tinha muitas dinâmicas para trabalhar com crianças pequenas, o que não me

ajudava em quase nada. Tanto é que, quando um dos professores descobriu

que era professor da escola X para 3º ano e pré-vestibular, ele procurou-me e

afirmou que muitas coisas que estavam sendo ensinadas não poderiam ser

usadas no 3º ano e pré-vestibular, pois a didática é quase nula... Então, eu não

consigo nem avaliar o que me ajudou ou não sobre isso. Eu sei que não me

ajudou muito, mas não sei dizer se me ajudaria ou não.

Há quanto tempo atua como docente?

Atuo como professor mesmo, em escola, desde a metade de 2013, ou seja,

quase dois anos.

Em quais níveis já atuou e em qual leciona atualmen te?

Já atuei no Pré-vestibular e 3º ano. Atualmente, além do pré-vestibular e do 3º

ano, também estou dando aulas para o 2º ano do Ensino Médio.

Em qual nível prefere atuar?

Antes de começar a dar aula no 2º ano, fiquei com medo, pois pensei: eu não

tenho experiência com o 2 ano. Eu acho que esse ano ainda vou aprender

muita coisa. Mas agora, com dois meses de aula praticamente, eu estou

bem dividido... Assim, eu gosto dos dois. Eu acho que no 3º ano é bom

porque eu posso mostrar mais meu conhecimento, pois o aluno quer

aprender mais; então, pela questão do conteúdo, no 3º ano, você acaba

se motivando mais.

Agora, no 2º ano, por outro lado, apesar de ter um aluno que não está

buscando tanto o conteúdo assim, você tem mais entrosamento com o aluno; o

aluno tem menos vergonha de perguntar, então você conversa mais com ele,

você vai à carteira dele, a relação professor-aluno é mais próxima do que no 3º

ano, e que no pré-vestibular não existe. Eu dou aula no pré-vestibular e

dificilmente você vai ter com o aluno uma relação de sala de aula mesmo.

91

Então, falar que gosto mais de 2º ano ou 3º ano, eu acho que, ainda hoje, eu

me sinto mais à vontade no 3º ano porque eu sei como funciona já. Mas

não que não goste do 2º ano, mas eu acho que no 2º ano eu tenho muito

que aprender ainda.

Possui algum estudo em nível de pós-graduação na ár ea da Matemática

ou de Educação Matemática?

Não possuo.

Fale um pouco da sua trajetória profissional como d ocente.

Como eu cheguei a dar aula? Quando eu estava no 3º ano do Ensino Médio,

eu já tinha aula em um nível diferente, pois eu já era um 3º ano em nível ITA.

Eu morava em Belo Horizonte e um professor meu me disse: “Olha, eu estou

dando aula particular para uma menina e não poderei continuar. Você quer dar

aula para ela?”. Foi a primeira vez que eu fui dar uma aula particular, para uma

menina que era da mesma escola que eu, mas eu era da turma ITA e ela era

da turma Medicina.

Quando eu mudei para São Paulo, para estudar no Poliedro e fazer cursinho,

eu não dei nenhuma aula particular. Existia um acordo meu com o Poliedro.

Qual foi o acordo? No primeiro ano estudando em São Paulo, eu não passei no

ITA. No segundo ano, eles queriam que eu voltasse para lá de qualquer jeito;

havia passado em 1º lugar na UFMG e eles gostariam que eu retornasse.

Durante o primeiro ano de estudo no Poliedro, eu não paguei nada. Para o

segundo ano, o Poliedro não me exigiu pagamento, exceto para o alojamento e

para a comida, que eu só pagaria se eu fosse aprovado no ITA.

Como eu passei no ITA, era necessário que eu pagasse minha dívida com o

Poliedro. A proposta de pagamento feita pelo Poliedro foi que eu quitasse a

minha dívida com plantões para os seus alunos e com correções de provas.

Assim começou uma nova fase na minha relação com o Poliedro.

Como eu fui crescendo no Poliedro, corrigindo mais provas, dando mais

plantões, comecei a dar aulas extras também, coisas que não fazia antes.

Fiquei quatro anos e meio com eles nesse sistema. Durante esse período, tive

a oportunidade de ter muitos alunos particulares.

No meu último ano de formação em Engenharia, eu comecei a dar aulas de

reforço. Nessa época, agosto de 2013, surgiu a oportunidade de atuar em uma

92

turma intensiva de pré-vestibular, que teria aulas de agosto até o final do ano.

Foi nesse momento que eu comecei a minha trajetória em sala de aula, pois

até então eu nunca tinha tido a oportunidade de ter uma turma realmente

minha.

No final do ano fui extremamente mal avaliado na enquete dos alunos, porque

minha experiência era totalmente nula; eu achei que eu tinha que ensinar

Matemática para eles, e não era bem isso... Só que eu não tinha ninguém para

conversar: literalmente, me botaram numa sala de aula e disseram: “Vai!”.

Com isso, quase desisti da sala de aula. Em dezembro de 2013 me formei e

pensei que não daria certo como professor. Foi quando eu decidi deixar de ser

militar, já que era militar da Força Aérea Brasileira. Um tio meu questionou se

eu não gostava de dar aula; eu andava receoso com a sala de aula. Foi por

intermédio desse tio que vim aqui para a escola X, fiz uma aula teste e cabei

ficando aqui. Em termos de salário, vim para receber bem menos do que eu

recebia. Mas, existia uma expectativa de isso ocorresse apenas no primeiro

ano, já que era esperado um aumento de carga horária para o segundo ano,

que me atenderia nas minhas pretensões salariais.

Então, essa foi a minha trajetória: foi porque eu gosto mesmo. Muitas pessoas

questionam a minha escolha, por ser um Engenheiro formado no ITA. Mas é

engraçado que, em geral, o Engenheiro não trabalha com Engenharia. E

Engenheiro do ITA menos ainda: o que mais ele faz é não ir para a Engenharia.

A maioria vai para mercados financeiros, consultorias, pois o Engenheiro

formado pelo ITA é uma pessoa que lida bem com dados. No Brasil,

infelizmente, a Engenharia, tanto em termos econômicos como em termos de

trabalho, não é atrativa para esse tipo de pessoa. Por isso acredito que não

voltaria a trabalhar com Engenharia.

Por esse motivo, muitos amigos meus, que pensaram primeiro em dinheiro,

foram para a área financeira. Eu não pensei tanto em dinheiro e vim fazer algo

que eu gosto, pois penso que eu estudei muito para fazer algo que eu gosto

não algo que eu não gosto.

Possui algum projeto futuro relacionado à sala de aula?

Tenho vontade de ter algo meu, mesmo que não tenha fins financeiros, mas

que atenda pessoas que não possuem condições de pagar a uma escola como

essa em que trabalho hoje.

93

Agora que estou trabalhando com o 2º ano, percebo que o conhecimento é

negado para nossas crianças pelos professores. Eu ouço muitos professores

comentando que aluno de Ensino Médio não precisa saber isso ou aquilo.

Penso que esse conhecimento que é negado acaba sendo acumulado para o

3º ano ou em três ou quatro anos de cursinho. Eu acho que o professor tem

que dosar: é claro que ele não vai dar a mesma aula do 3º ano no 2º ano, mas

ele não pode negar conhecimento, ele não pode negar, por exemplo, um jeito

rápido de fazer uma soma de fração. Não se pode afirmar que não se vai se

ensinar algo assim pelo não entendimento do aluno. De onde vem tanta

certeza do não entendimento do aluno?

Então, um projeto futuro é um projeto social, relacionado a pessoas que não

podem pagar um curso caro, pois acredito que uma pessoa dessas, trabalhada

por dois anos, obterá sucesso.

Costuma participar de encontros, congressos ou curs os de formação

continuada na área da educação?

Não

É importante que o professor tenha uma boa formação no campo da

Matemática?

Olha, eu acho. Eu acho até que eu deixo a desejar, às vezes, por causa disso,

apesar da Matemática que eu tive no ITA foi bem pesada mesmo. Inclusive, até

curso de Análise eu tive que fazer. Eu tive que fazer oito disciplinas

relacionadas à Matemática, mas, mesmo assim, às vezes, em sala de aula, eu

sinto falta de conceitos. Eu sei que eu não sei conceitos que uma pessoa que

tenha feito Matemática, três ou quatro anos, sabe. Eu não fiz tantas disciplinas

relacionadas à Matemática.

Eu acho que é essencial para o professor de Matemática porque é o conteúdo

a ser ensinado

É importante que o professor tenha uma boa formação no campo da

Matemática?

Eu penso que seja essencial também, mas não consigo nem avaliar isso, pois

eu não tenho conhecimento de causa disso.

Você acredita que tenha mudado sua maneira de atuar como professor ao

longo desses anos?

Muito

94

O que motivou essas mudanças?

Não sei dizer o que motivou as mudanças; sei que elas foram acontecendo. No

dia a dia, ao dar aula, você percebe uma coisa que você fez ou falou e o efeito

que isso produziu.

Por exemplo: eu dou aula em sete turmas de uma mesma matéria. A primeira

turma que tiver essa aula, dificilmente terá uma aula melhor que a última turma

que tiver essa mesma aula.

Por quê? Ao longo das aulas, você vai percebendo onde estão as dúvidas dos

alunos, e, a cada nova aula, você vai mudando a forma de conduzir a aula.

Acaba que a última turma que assiste à mesma aula, sobre o mesmo tema,

acaba assistindo uma aula melhor. Então, imagina: se você muda, de aula para

aula, sendo o mesmo conteúdo, imagina ao longo de dias, imagina ao longo de

anos. Então: a motivação para eu mudar foi mesmo querer dar uma aula

melhor, mas eu não consigo nem aprofundar muito nisso. Percebo mudanças

no modo de preparar aula, na forma de abordar o conteúdo, mas também

percebo mudanças em coisas mais simples, como o modo de me expressar em

sala de aula. Toda semana eu começo agindo de um jeito e vou mudando ao

longo dos dias. Eu acho que ainda estou me construindo como professor; só

não sei quanto tempo vai durar essa construção. Sei que ainda não consigo

afirma, por exemplo, que meu estilo é esse ou aquele.

Em sua opinião, o ensino de Matemática passou por m udanças, desde o

inicio de sua atuação docente?

Se eu for falar em função da minha experiência, que está relacionada ao

vestibular, sim, tivemos mudanças, motivadas pela inserção do ENEM como

quase obrigatório para todos os alunos. A Matemática que eu aprendi, ainda

que eu tenha feito turma ITA, durante o Ensino Médio é bem diferente da que

eu vejo hoje.

O que é aprender Matemática?

Eu tenho refletido muito sobre isso. Eu acho que aprender Matemática é muita

coisa, mas uma pessoa que utiliza bem, mesmo que seja pouco o que ele sabe

de Matemática, é uma pessoa que sabe analisar informações, sejam elas

numéricas ou não. Uma pessoa que recebe uma informação de um jornal e não

sabe analisar logicamente aquela informação, se aquela informação contiver

números, ela não sabe usar nada de Matemática. Ela pode dizer que sabe

95

somar, subtrair, mas, para mim, saber Matemática, é saber analisar dados e

informações. É o que falo bastante em sala de aula.

O que é necessário para que um aluno a aprenda?

Eu posso até parecer meio retrogrado, mas além da necessidade de um

professor – acredito que um aluno imaturo, como é um aluno de ensino Médio,

pegar um livro sozinho e estudar; existem casos especiais, eu conheço, mas eu

acho que precisa de um professor pelo menos para guiar, para dar um norte –

penso que a Matemática está intimamente ligada a exercícios. Então eu falo

com os meus alunos: é muito difícil você ler uma teoria de Matemática dez

vezes e falar que você sabe aquele capítulo. Eu falo que hoje em dia eu me

lembro de muitas coisas porque fiz muitos exercícios ao longo da minha vida.

Eu acho que resolver exercícios é o ponto essencial para o ensino de

Matemática.

Você acredita que existam alunos com pré-disposição para a Matemática?

Acredito que existam alunos com pré-disposição para a Matemática assim

como existem também os que não têm tanta pré-disposição para a Matemática

Muitos alunos possuem atitudes diferentes frente à Matemática. A que

atribui essas atitudes? Essas atitudes podem ser mu dadas?

Isso está muito ligado à questão da pré-disposição. Talvez um ligado tenha

mais facilidade para entender uma matéria, ou não, mas o que eu observo

muito assim é que às vezes, tem o aluno que estuda todas as matérias e é

muito bom e tem o aluno que não estuda nada e é muito ruim. Tem o aluno que

não estuda Matemática e, automaticamente, ele é bom em Matemática, ele tem

mais facilidade que o outro. É muito difícil discutir as atitudes diferentes,

depende de cada caso.

Mas, em geral, os dois pontos que eu acho são:

1º) Atitudes diferentes são por facilidade, ou não, em Matemática, a pré-

disposição;

2º) Estudo: às vezes você vê um aluno que não entende nada mas não é

porque ele tem pré-disposição ou não para a Matemática, mas é porque ele

realmente não estuda nada. Nesse caso, é muito mais amplo que o estudo de

Matemática. Passa a ser como trazer aquele aluno para estudar mesmo ou se

ele precisa daquilo mesmo, não fica restrito ao estudo de Matemática.

96

Comento com os meninos na sala: por que eu virei professor? Porque eu me

espelhei muito em professores meus, principalmente os de pré-vestibular. Eram

doutores em engenharia Naval, Física, diversas áreas, e eu sentia que eles

ensinavam a matéria, mas o mais interessante é que eles, às vezes, deixavam

um ponto no ar, durante a aula, e aquele ponto no ar instigava a minha

curiosidade. Então, afirmo para os meus alunos que professor não é só a

pessoa que ensina; é a pessoa que desperta curiosidade. Se o aluno for

curioso, ele vai aprender muito. Às vezes, eu falo coisas tentando despertar a

curiosidade dos alunos, tentando mostrar que o estudo é importante, não só na

Matemática, mas em todas as áreas. Ter conhecimento é importante para a

vida dele, porque ele vai precisa daquilo. O aluno acha que não vai precisar,

mas ele vai precisar daquilo. Não se trata apenas de somar ou não: é todo o

cognitivo que está por trás, é todo um raciocínio. Esse processo cognitivo é

importante, independe da área de especialização.

Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?

Instigar a curiosidade de seus alunos.

Qual o papel do professor numa aula de Matemática?

Como eu poderia dizer? O aluno tem um papel mesmo? Será que o aluno tem

necessidade aprender mesmo? O aluno aprende porque a gente o obriga a

aprender, por que ele te nota, o Governo obriga ele a aprender, por que para

ele entrar numa Faculdade Federal ele tem que tirar certa nota. Então, desse

modo, o aluno o papel do aluno é aprender. Mas, por quê? É isso que a gente

tem que mostrar para o aluno. Que ele teria que estudar para ele ter um

processo mental cognitivo um pouco mais avançado. Agora, até que ponto o

papel do aluno é estudar ou não, estudar certo número de horas, não sei até

que ponto isso é papel do aluno ou não. O que eu sei é que, no fundo, ele tem

que sair da escola, todo dia, melhor que ele entrou.

97

4.2) Observações da Prática

1ª Observação: Dia 26 de março de 2015 – Horário: 1 1h00min às 11h50min – 2º

Ano

Percebemos a preocupação do professor em cumprir alguns

“expedientes burocráticos” exigidos pela escola. Sua primeira orientação foi

relacionada à disciplina, solicitando que os alunos sentassem e fizessem

silêncio, pois ele iria começar a aula, Conhecia alguns alunos pelos nomes e

usou isso a seu favor, chamando-os e solicitando que se sentassem. Assim

que julgou a turma apta, fez a chamada.

Livre desses trâmites, o professor informou que como havia, na aula

anterior, encerrando o capítulo sobre Estatística, iniciaria o “conteúdo mais fácil

de todos os tempos”, anunciando o nome do novo conteúdo: Sequências

Numéricas. Comentários como esse, indicando que o conteúdo a ser

trabalhado é fácil, ou mesmo que a disciplina Matemática é fácil, foram

constantes em sua aula.

Em seus comentários iniciais sobre sequências, procurou destacar,

usando como contraexemplo dois conjuntos iguais - 82,4,5,79 = 84,2,5,79 - que,

nas sequências, diferente do que ocorre em conjunto, a posição de cada um

dos elementos da sequência é importante. Em seguida, escreveu a seguinte

definição para sequências numéricas:

5a�b = <ca:ℕ∗ → ℝ

Buscando reforçar a ideia de representação de sequências por meio de

funções, esboçou a seguinte figura no quadro:

98

Figura 23: Representação de função feita pelo professor Roberto

Fonte: acervo do professor

O professor fez uso, durante sua explicação, da linguagem formal em

termos matemáticos. Expos os conceitos de domínio, contradomínio e imagem

de uma função e afirmou que, em sequências numéricas, os alunos usariam a

função como um operador. Usou uma metáfora – uma fruta que, depois de

processada (sendo o processador a função), torna-se suco – para reforçar essa

última ideia. Até esse momento, nenhum exemplo de sequência havia sido

colocado no quadro: a aula ainda estava em um nível bem teórico, sem

qualquer ilustração ou aplicação cotidiana.

O primeiro exemplo de sequência surgiu apenas quando iniciou as

formas de representação de sequência – tópico colocado por ele no quadro.

Iniciou esse tópico falando da Lei de Recorrência, pedindo que uma aluna

explicasse o termo recorrência. Todas as anotações que faz no quadro

estavam contidas em um caderno, que usou como material de apoio durante a

aula. Utilizou, como exemplo inicial:

5 <� � 1<c � <c�� + 3

99

A partir daí, ele mesmo calculou o segundo, terceiro e quatro termos. Com os

resultados obtidos, escreveu (1, 4, 7, 10, ...) e pediu que os alunos calculassem

o quinto e o sexto termos.

Após concluir sua explanação sobre Lei de Recorrência, falou da

Fórmula do Termo Geral ou Lei de Formação da Sequência. Nesse caso, usou

o exemplo <c � 3b − 2, b ∈ ℕ∗. Sugeriu que os alunos trocassem n por 1.

Os alunos apresentam muitas dúvidas e recorrem ao professor.

Entretanto, para nós, fica claro que o professor não compreendia, muitas

vezes, as dúvidas que os alunos apresentavam. Ainda que tenha respondido a

todos com muita cordialidade e presteza, as respostas apresentadas não

pareceram suprir as dificuldades apresentadas pelos alunos.

Em novo exemplo, pede aos alunos que calculem os cinco primeiros

termos da sequência:

5 b ∈ ℕ∗a�b = 4b − 8

Alguns alunos tentaram fazer o exercício, mas outros ainda

sentiam dúvidas, principalmente quanto ao significado do termo n. Percebendo

isso, o professor começou a resolver os exercícios, destacando que n

representa, nesse caso, a posição do elemento a ser calculado. No momento

de suas explicações, era nítida a maior preocupação dos alunos em copiar a

resolução do que compreender o que de fato o professor tentava transmitir.

Para encerrar a aula, propôs um desafio: escreveu a sequência

(-3,4,11,18, ...) e pediu que os alunos descobrissem sua lei de formação.

Muitos alunos observaram que se tratava de uma sequência em que, para

obter um novo termo, bastava somar sete ao termo anterior.

Com essa resposta dos alunos, o professor insistiu em uma

formalização, ainda que oral. Sugeriu que os alunos calculassem o enésimo

termo (algo que ele ainda não havia dito durante a aula). Diante da negativa

dos alunos, explica que, para chegar ao segundo termo, a partir do primeiro,

deve somar o sete uma vez. Usa o mesmo procedimento para o terceiro e

quarto termos – todos de forma oral – e conclui dizendo que:

100

<c � <� + �b � 1 . 7

<c � �3 � �b � 1 . 7

<c � �3 � 7b � 7

<c � �10 � 7b

Por fim, testa alguns valores para n e conclui que a fórmula proposta

estava correta.

2ª Observação: Dia 9 de abril de 2015 – Horário: 07 h00min às 07h50min –

2º Ano

Assim como na primeira observação, o professor mostrou-se

preocupado em cumprir os expedientes burocráticos exigidos pela escola.

Dessa vez, além da chamada dos alunos e da questão disciplinar, também fez

a cobrança de alguns exercícios, algo que a escola chama de Tarefa Mínima25

(TM).

Os exercícios corrigidos foram os seguintes:

Figura 24: Exercício corrigido pelo professor Roberto

Fonte: apostila da escola onde o professor atua

25 Trata-se de uma apostila de exercícios elaborada pelo próprio professor.

101

Figura 25: Exercício corrigido pelo professor Roberto

Fonte: apostila da escola onde o professor atua

102

Figura 26: Exercício corrigido pelo professor Roberto

Fonte: apostila da escola onde o professor atua

Para corrigi-los, solicitava que um aluno fizesse a leitura do exercício e

indicasse sua resposta. Durante a resolução26, exigia que os alunos se

mantivessem concentrados, atentos ao que se passava em sala.

Ao relembrar as fórmulas de desvio-padrão e variância, comentou que o

ENEM já abordou tais assuntos e que por isso trata-se de um assunto a ser

bem fixado por parte dos alunos.

26 Em dado momento, durante a resolução dos exercícios, cremos que para “motivar” seus alunos, o professor comentou que as questões da TM eram ridículas.

103

Concluída a resolução, o professor fez uma breve revisão sobre

Estatística, assunto da avaliação que estava próxima. Nessa revisão, aborda,

oralmente:

i. População, Amostra e Variável (Quantitativas e Qualitativas –

discretas e contínuas);

ii. Histograma, Polígono de Frequência e Gráfico de Setores;

iii. Medidas de Tendência Central: Média, Mediana e moda;

iv. Medidas de Dispersão: Desvio-Padrão.

Para encerrar a revisão, relembra que as questões da avaliação terão

como base as questões da TM.

Aproveita o tempo que resta da aula e inicia o estudo das Progressões

Aritméticas (PA). Para isso, escrever sua definição:

Definição: Uma PA é uma sequência numérica cuja fórmula de recorrência é: <c � <c�� + i

sendo r a razão, um valor constante. Acrescenta à definição o seguinte

comentário: Cada termo é igual ao seu anterior mais uma constan te. Insiste

com esse comentário, repetindo-o diversas vezes.

A seguir, escreve no quadro.

Cada termo é igual ao seu antecessor mais uma const ante denominada

razão da PA. UM � UL � UK � UM � UJ � UK � ⋯ �Uk � Uk�L

Uma aluna o interrompeu e afirma que ainda tinha dúvidas a respeito

disso, bem como tinha dúvidas sobre o uso do termo antecessor. O professor

procura sanar as dúvidas, enfatizando a questão dos índices.

Um detalhe a ser lembrado é que, entre a aula de sequências e essa

aula, tínhamos uma diferença de duas semanas. Em nenhum momento o

professor levou isso em conta, promovendo uma recapitulação ou mesmo

recordando alguns pontos já vistos.

Voltando ao quadro, escreve:

Classificação de PA

� r > 0: PA é crescente;

� r = 0: PA é constante;

� r < 0 : PA é decrescente.

104

Após a classificação, resolveu os seguintes exercícios com os alunos.

1) Identifique, entre as sequências a seguir, quais são progressões

aritméticas:

a) (3, 10, 17, 24)

a2 – a1 = 10 – 3 = 7

a3 – a2 = 17 - 10 = 7

a4 – a3 = 24 – 17 = 7

Como a 2 – a1 = a3 – a2 = a4 – a3 = 7, é uma PA.

b) � LLOOO , LlOO , K

LOOO , KlOO�

UM − UL = LlOO − LLOOO = LLOOO

UK − UM = KLOOO − LlOO = LLOOO

UJ − UK = KlOO − KLOOO = KLOOO

Como UM − UL = UK − UM ≠ UJ − UK, não é uma PA.

c) (-1, 1, -1, 1)

a2 – a1 = 1 – (-1) = 2

a3 – a2 = - 1 - 1 = - 2

Como UM − UL ≠ UK − UM, não é uma PA

d) �LM , − L

M , −KM , −lM�

Essa questão ficou como exercício a ser feito em ca sa.

A aula foi encerrada com esse exercício.

3ª Observação: Dia 9 de abril de 2015 – Horário: 11 h00min às 11h50min – 2º Ano

Como a segunda e a terceira observações foram feitas em um mesmo

dia, pudemos, nessa observação, acompanhar a continuação da resolução de

mais exercícios propostos pelo professor.

105

2) Classifique as seguintes Progressões Aritméticas:

a) ( -2, -5, -8, -11, -14)

O professor opta por fazer: a2 – a1 = -5 – (-2) = -3 (PA decrescente).

Em seguida, pede que os alunos obtenham a lei de formação:

( -2, -5, -8, -11, -14)

a2 = a1 + 1.(-3)

a3 = a1 + 2.(-3)

a4 = a1 + 3.(-3)

a5 = a1 + 4.(-3)

Após citar esses exemplos, solicita que os alunos completem a seguinte

expressão an = a1 + ? (-3).

Sem dar tempo os alunos para elaborarem suas respostas, completou a

expressão, reescrevendo-a como an = a1 + (n - 1). (-3).

b) �√3, √3, √3, √3,…� r = a2 – a1 = 0 (PA constante).

Em seguida, pediu que os alunos encontrassem o termo geral.

Novamente, sem dar tempo para que os alunos pensassem a respeito

da questão, afirmou que <c � √3.

c) (- 10, 0, 10,...)

Resolveu o exercício seguindo a mesma metodologia aplicada

anteriormente.

A seguir, a aula continuou com a dedução do termo geral, feita pelo

professor da seguinte forma:

TERMO GERAL DE UMA PA:

Considere uma PA cuja razão seja igual a r. �<�, < , <�, <o, <�, … , <c� , <c��, <c Para incentivar a participação dos alunos, lançou a pergunta: “Quantos

termos possui essa PA?”. De imediato, um aluno respondeu que a PA possui

cinco termos. Pacientemente, o professor explicou que se tratava de uma PA

com n termos.

-3 -3 -3 -3 Utiliza essa estrutura para explicar esses valores

Ainda não havia utilizado a expressão “termo geral”, algo que gerou dúvida em alguns alunos.

106

Relembrando que a fórmula de recorrência de uma PA é <c � <c�� + i.

A partir daí, escreveu:

pqqrqqs < � <� + i<� � < + i<o � <� + i<� � <o + i...<c�� � <c� + i<c � <c�� + i

Para prosseguir com a dedução, questionou aos alunos se poderiam

somar os dois lados da equação. Como mais uma vez não obteve resposta,

deu o seguinte exemplo:

5� � 23 = 3 ⇒ � + 3 = 5

Assim, escreveu:

< + <� + <o + ⋯+ <c�� + <c = <� + < + <� + <o + ⋯+ <c�� + i + i + ⋯+ i

Explicou que os termos iguais serão cancelados e que o número de

razões era igual a (n – 1). Assim, concluiu que <c = <� + �b − 1 . i

Para que os alunos pudessem resolver as questões da TM, sugeriu que

resolvessem algumas questões da apostila.

4) Encontre o 10º termo da PA (-4, 1, 6, ...).

i = < − <� = 1 − �−4 = 5

<��� = <� + �101 − 1 . 5 ⇒ <��� = 496

5) Os dois últimos termos de uma progressão aritmét ica de 13

termos são 35 e 42. Quais são os primeiros termos d essa sequência?

Começou perguntando quanto valiam o 12º e o 13º termo. Dai:

5<�� = 42<� = 35 ⇒ i = <�� − <� = 42 − 35 = 7

2<�� = <� + �13 − 1 . 742 = <� + 12.7<� = −42

Para obter os demais termos da PA, afirmou que bastava somar 7:

(-42, -35, - 28, ....).

6) Em um teatro, a primeira fila tem 24 assentos; a segunda, 28; a

terceira, 32; e assim, sucessivamente. Quantos luga res têm a 18ª

poltrona?

Perguntou aos alunos quantas equações estavam escritas? Diante da falta de respostas, afirmou que eram (n – 1) equações.

107

i � < � <� � 38 − 24 = 14

<�� = <� + �18 − 1 . 14

<�� = 24 + 17.14

<�� = 262

4ª Observação: Dia 16 de abril de 2015 – Horário: 0 9h50min às 11h50min – 2º

Ano

Inicia a aula anunciando que trabalharia Interpolação Aritmética.

Justificou que ensinaria esse tópico devido a presença de um exercício sobre

esse assunto na apostila de TM.

Inicialmente, propôs uma questão:

Exemplo. Interpole cinco meios aritméticos entre 1 e 151.

Questiona os alunos o que seria interpolar. Diferente de outros

exercícios, nesse vários alunos participaram, dando a resposta que o professor

esperava.

Iniciou a resolução, escrevendo �1, < , <�, <o, <�, <u, 151 . Assim:

<v = <� + �7 − 1 . i

151 = 1 + 6i

i = 25

Terminou a resolução escrevendo a PA (1, 26, 51, 76, 101, 126, 151).

Durante a resolução, os alunos estavam em silêncio, bastante

preocupados em copiar a resolução do professor. Mais uma vez, o professor

insistiu em fazer ele mesmo a resolução, não dando tempo para que os alunos

tentassem encontrar a resposta.

Ao resolver a questão, o professor afirmou que a questão da TM era

idêntica à já resolvida e que, em vestibulares ou mesmo no ENEM, o assunto

Interpolação Aritmética não costuma ser cobrado.

A seguir, começou a trabalhar o que chamou de Propriedade da Média

Aritmética:

�<, E, $ são termos consecutivos de uma PA se, e somente se, E = wxy .

Nesse caso, usou a PA calculada anteriormente pra exemplificar a

propriedade que acabará de enunciar.

108

Uma aluna o questionou sobre o termo “se e somente se”; o professor,

de modo sereno, explicou que se trata de um termo matemático, em que “vale

a ida e a volta”.

Fez a demonstração da propriedade do seguinte modo: �<, E, $ são termos consecutivos de uma PA ⇔ E � < � $ � E ⇔ 2E �< + $ ⇔ E � wxy .

Uma aluna afirmou que não havia entendido a expressão E � < � $ � E.

Para esclarecer sua dúvida, o professor retoma a definição de PA:

Se �<�, < , <�, <o, <�, … , <c� , <c��, <c formam uma PA de razão r, então

{ � UM � UL � UK � UM � UJ � UK � ⋯ �Uk � Uk�L

Exemplo proposto: Se ��5, �, �13 forma uma PA, calcule o valor de x

e a razão da PA.

� � �5 � 132 � �9

i � � � ��5 � �9 � 5 � �4

SOMA DOS TERMOS DE UMA PA

Iniciou esse tópico propondo aos alunos que fizessem a seguinte soma:

1 + 2 + 3 + 4 + ... + 97 + 98 + 99 + 100.

Sem dar tempo para que os alunos pensassem a respeito, fez a

montagem:

1 + 2 + 3 + 4 + ... + 97 + 98 + 99 + 100.

Explica que a soma de dois termos equidistantes27 dos extremos é

sempre constante.

Daí:

50 equações:

pqrqs1 � 100 � 1012 � 99 � 1013 � 98 � 101...50 � 51 � 101

7 � 1 � 2 � 3 � ⋯� 98 � 99 � 100 � 1002 . 101 � 50.101 � 5050

27 Ao usar a expressão “termos equidistantes dos extremos”, explica-a, antes de prosseguir com a demonstração.

101

O professor explicou que o número de equações é igual a metade do números de termos.

109

O professor afirmou que a partir da ideia exposta, pode-se deduzir a

fórmula para a soma dos termos de uma PA. Após essa firmação, convidou os

alunos a deduzirem essa fórmula.

Dedução

Considere uma PA com n termos: �<�, < , <�, … , <c� , <c��, <c Calculando a soma dos termos, obtém-se:

57c � <� + < + <� + ⋯� <c� � <c�� � <c7c � <c � <c�� � <c� � ⋯� <� � < � <�

Somando as duas equações: 27c � �<� � <c � �< � <c�� � ⋯� �<c�� � < � �<c � <� 27c � �<� � <c � �<� � <c � ⋯� �<� � <c � �<� � <c 27c � �<� � <c . b

7c � �<� � <c . b2

Durante a dedução da fórmula, a aula ficou bastante abstrata. Os alunos

não participaram em nenhum momento, ficando restritos a copiarem o que era

colocado no quadro. Assim que conclui a dedução, o professor resolveu os

seguintes exercícios;

Apostila – página 24:

Questão 17 - Calcule a soma dos 24 primeiros de cada PA:

a) (-57, -27, 3, ...) i � < � <� � �27 � ��57 � �22 � 57 � 30

< o � <� � �24 � 1 . i

< o � �57 � 23.30< o � <� � �24 � 1 . i

< o � 633

7 o � �w|xw(} . o

7 o � ��57 � 633 . 242

7 o � 6912

b) � � , �� , �o� �

O professor explicou o símbolo, inclusive com exemplos para n.

Uma aluna perguntou se isso ainda fazia parte da resolução. Ficou claro que ela não entendeu o processo: ela estava apenas copiando, sem saber direito o que deveria fazer

110

O professor, para calcular a soma pedida, seguiu o mesmo

procedimento usado na letra a.

Terminou a aula indicou os exercícios a seguir para resolução em

casa:

Figura 27: Exercícios propostos

Fonte: apostila da escola onde o professor atua

111

Figura 28: Exercício proposto

Fonte: apostila da escola onde o professor atua

Figura 29: Exercício proposto

Fonte: apostila da escola onde o professor atua

112

Figura 30: Exercício proposto

Fonte: apostila da escola onde o professor atua

No próximo serão apresentadas as categorias de análises criadas,

seguidas das análises envolvendo sobre os professores envolvidos.

113

Capítulo VI: A análise dos dados

A partir dos dados obtidos por meio das entrevistas e das observações

da prática, optamos pela criação de três categorias de análise que incluíssem

os participantes.

As concepções condicionam a forma de abordagem das tarefas, muitas vezes orientando-nos para abordagens que estão longe de ser as mais adequadas. Estritamente ligadas às concepções estão as atitudes, as expectativas e o entendimento que cada um tem do que constitui o seu papel numa dada situação. (PONTE, 1992, p. 8).

Após a apresentação de cada uma das categorias, analisamos os

professores pesquisados de acordo com uma dessas categorias buscando, em

suas palavras e em suas ações, elementos que nos permitiram enxergá-los de

acordo com uma ou outra concepção que havíamos definido previamente.

Concepção �

Essa categoria se caracteriza por uma visão mecanicista da Matemática,

com valorização das operações matemáticas. As ações dão ênfase nos

algoritmos que permitem a execução de cada uma delas.

Os aspectos de cálculo são sem dúvida importantes e não devem ser desprezados. Mas a identificação da Matemática com o cálculo significa a sua redução a um dos aspectos mais pobres e de menor valor formativo – precisamente aquele que não requer especiais capacidades de raciocínio e que melhor pode ser executado por instrumentos auxiliares como calculadoras e computadores (PONTE, 1992, p. 15)

Ainda de acordo Ponte (1992), são desenvolvidas apenas as

competências elementares – representadas por processos de memorização e

execução – e as intermediárias – processos mais complexos, mas que não

demandam uso de criatividade.

A postura do professor estará mais voltada para a explicação dos

processos, utilizando, sempre que possível, o livro didático como a sua

principal referência.

Aos alunos, caberá, em um primeiro momento, uma postura mais

passiva, devendo estar atentos às explicações dadas pelo professor durante a

sua exposição. Após a explanação do professor, será a sua vez de executar as

tarefas indicadas pelo professor, que normalmente serão exercícios retirados

114

de livros didáticos ou apostilas. Esses exercícios serão, na maioria das vezes,

exercícios de aplicação de algoritmos anteriormente explicados, não chegando

a representar, de fato, problemas.

Nessa abordagem, primeiramente o professor “comunica” esse novo conhecimento, mostrando, em seguida, algumas de suas aplicações através de exemplos ou de exercícios resolvidos. Segue-se, ainda, uma bateria (em geral extremamente longa), de exercícios em que o aluno deverá aplicar esse novo conhecimento; é o que chamamos, geralmente, de exercícios de fixação. (SANTOS, 2002, p. 11)

Tal categoria se aproxima daquilo que Fiorentini (1995) classifica como

Tendência Formalista Clássica, por se assemelharem – a concepção e a

tendência – no seguinte aspecto:

Didaticamente, o ensino nessa tendência pedagógica foi acentuadamente livresco e centrado no professor e no seu papel de transmissor e expositor do conteúdo através de preleções ou de desenvolvimentos teóricos à lousa. A aprendizagem do aluno era considerada passiva e consistia na memorização e na reprodução (imitação/repetição) precisa dos raciocínios e procedimentos ditados pelo professor ou pelos livros (FIORENTINI, 1995, p. 7)

Nessa categoria, o professor se preocupará com o “saber fazer”, não

estando preocupado com justificativas ou detalhes formais da própria

Matemática.

Os materiais utilizados, na maioria dos casos, serão o quadro e os livros

didáticos. Outros materiais poderão ser utilizados, mas o método de utilização

permanecerá o mesmo: exposição por parte do professor e resolução de

exercícios por parte do aluno.

Sobre a aplicação dos conhecimentos matemáticos adquiridos, essa

estará sempre voltada para à própria Matemática, como se ela fosse um fim em

si mesmo; isso acaba por reforçar, nos alunos, a ideia de que os

conhecimentos matemáticos possuem uma sequência ordenada e que não

pode ser alterada, sob pena de não ser possível compreender o que se

sucede.

O papel do professor está intimamente ligado à transmissão de certo conteúdo que é predefinido e que constitui o próprio fim da existência escolar. Pede-se ao aluno a repetição automática dos dados que a escola forneceu ou a exploração racional dos mesmos. (MIZUKAMI, 2007, p. 15).

115

O conhecimento do professor que será valorizado nessa categoria de

análise será o conhecimento matemático, principalmente aquele relacionado à

resolução de exercícios, preferencialmente de modo simplificado e rápido. O

profissional valorizará cursos que o desenvolva do ponto de vista matemático,

dando pouco valor às questões de ensino e de aprendizagem.

Concepção �

Essa concepção é bastante parecida com a anterior, com uma atividade

inicial centrada no professor e com posterior atividade dos alunos.

Para tanto, cabe ao professor “transmitir” da melhor forma possível esse conhecimento (em geral partindo de definições), e, ao aluno, cabe estar atento, escutar e anotar em seu caderno, para que ele possa “receber bem” o conhecimento transmitido pelo professor. (SANTOS, 2002, p. 11).

Entretanto, algumas diferenças são encontradas. Por exemplo, durante a

sua explanação, o professor utilizará linguagem matemática formal. Em alguns

momentos, essa formalização será precipitada, não permitindo que os alunos

acompanhem as proposições feitas pelo professor. O resultado dessa

formalização precoce será, normalmente, será apenas uma fórmula ou um

método a ser decorado, sem qualquer outro significado. O profissional também

estará preocupado em demonstrar, com rigor, todas as deduções que fizer,

preocupado em mostrar a Matemática como um corpo cientifico de

conhecimentos.

Outra concepção bastante frequente diz que a Matemática consiste essencialmente na demonstração de proposições a partir de sistemas de axiomas mais ou menos arbitrários, perspectiva em que se reconhece a influência direta do formalismo. (PONTE, 1992, p. 15)

Outra característica que marcará essa concepção é a aplicação que será

feita do conhecimento aprendido. Nesse caso, a preocupação estará voltada

para a resolução de exercícios que sirvam como modelos que poderão ser

encontrados em atividades futuras, sendo que, normalmente, essas atividades

futuras estarão ligadas aos processos avaliativos existentes na própria escola

ou em provas externas à escola, notadamente concursos de vestibulares ou

mesmo o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.

116

Concepção �

Enquanto nas duas concepções anteriores existia uma centralidade do

professor, nessa terceira tenta-se fazer com que o aluno seja o centro das

atenções. Por isso “aqui, o professor deixa de ser o elemento fundamental do

ensino, tornando-se o orientador ou facilitador da aprendizagem. O aluno passa

a ser considerado o centro da aprendizagem – um ser “ativo””. (FIORENTINI,

1995, p. 09).

Ainda que o professor utilize os materiais tradicionais, ele também faz

uso de outros materiais – geralmente materiais concretos ou manipulativos –

para expor suas ideais ou as teorias matemáticas. Com isso, faz com que o

aluno participe ativamente de suas aulas, não sendo apenas um mero

expectador ou repetidor de duas ações.

Quanto às competências desenvolvidas, além das elementares e das

intermediárias, o professor também utilizará atividades para o desenvolvimento

das competências avançadas ou de ordem geral, principalmente com a

resolução de problemas mais complexos e a realização de demonstrações

(PONTE, 1992).

Sobre a aplicação dos conteúdos matemáticas, além do entendimento

que eles podem ser aplicados dentro do desenvolvimento de novas ideias

matemáticas, também existe a preocupação com a sua aplicação na vida

cotidiana do aluno.

117

Os Professores pesquisados e suas concepções

Com base na entrevista e nas observações da prática, procuramos fazer

uma associação entre cada um dos professores e as categorias de análise que

criamos anteriormente.

Professora Marcela

Entrevista

Pessimismo. Essa palavra marca a entrevista dessa professora, que

possui uma visão negativa do sistema educacional, dos alunos e até mesmos

dos processos formativos oferecidos pela rede de ensino onde atua.

Talvez esse pessimismo possa ser explicado, em parte, pela sua

trajetória profissional até a sala de aula: a docência foi uma escolha depois de

várias experiências. A formação em Economia a atraia apenas pelas

informações que ela poderia obter nesse curso; já a sala de aula injeta, nas

suas palavras, a adrenalina que outras profissões, ou as experiências que ela

viveu anteriormente, não eram capazes de injetar.

Possui uma visão “primária” do que é ser professor, entendendo que o

conhecimento está contido apenas nele. Isso pode ser percebido em algumas

de suas colocações:

- E me frustra, às vezes, não conseguir fazer um exercício; eu acho que tenho

que conseguir ir à frente.

– Ele (aluno) resolveu algum problema de uma maneira que nem eu consegui

resolver 28. Eu tiro cópia da resolução deles. Ele foi por um caminho que nem

eu percebi aquele caminho 29.

A professora entende que um professor de Matemática deve saber

Matemática e também ser capaz de ensiná-la. Entretanto, é capaz de perceber

que sua formação matemática foi precária e que alguns alunos possuem

habilidades em relação à Matemática que ela, mesmo como docente, não

possui.

Ainda sobre o professor, a professora Marcela entende que sua função é

tentar passar, tentar lançar a rede e pegar o peixe, cabendo ao aluno tentar 28 Negrito nosso. 29 Negrito nosso.

118

captar aquilo que o professor está fazendo. Questionada sobre o que é

necessário para aprender Matemática, limitou-se a dizer vontade, como se o

aluno não aprendesse Matemática apenas por falta de vontade. Essas duas

colocações são marcantes, e, a nosso ver, a ligam diretamente com a

concepção ~ de nossas categorias de análise.

Com relação aos alunos, afirmou que possuem uma visão limitada da

educação, nem mesmo sendo capaz de enxergar nela uma possibilidade real

de mudança de vida. Também entende que as famílias pouco participam dos

processos educacionais, não sendo parceiros nesse processo: faltou pedir que

pelo amor de Deus que eles, os pais, passem a olhar os cadernos de seus

filhos. Ou seja: os meninos não possuem expectativas e as famílias também

não os incentivam ou apoiam nos estudos.

Outro ponto criticado pela professora foi a formação oferecida, tanto pela

Complementação Pedagógica que, segundo ela, te dá papel, como todo curso

te dá papel, e professor não precisa de papel, ou pelos cursos de formação

continuada oferecidos pela rede em que atua: parece que ambas não oferecem

aceso as informações que ela julga importante .

Essa mesma crítica é feita em relação aos autores de livros didáticos,

que não oferecem novidades para serem aplicadas na sala de aula: quando

você vai numa palestra, por exemplo, você acha que o palestrante vai

trazer a solução para a gente 30. Vai trazer filmes para que a gente possa

trabalhar, vai trazer filmes na área de Matemática, alguns filmes legais, você

vai nessa expectativa. Chega lá, ele vai te dar uma folha, com um problema

para você resolver até o final. Tais críticas nos fizeram vê-la como alguém que

acredita ser incapaz de criar novos métodos de ensino ou de trabalhar de modo

diferente daquele que trabalha hoje; assim, se outras alternativas de trabalho

não lhe são oferecidas, ela também não as criará.

Apesar de entender que possui uma formação insuficiente, em termos

de Matemática, não se mostra motivada a desenvolver-se nesse sentido: eu, se

pudesse mesmo, se eu tivesse tempo, eu gostaria de fazer uma formação mais

forte em Matemática; até tenho tempo, mas tenho alguns impedimentos

pessoais. Até mesmo os níveis em que um licenciado pode atuar não são de

30 Negrito nosso.

119

seu conhecimento, pois disse que jamais atuaria na Educação Infantil ou no

ensino Fundamental I – níveis nos quais um licenciado não pode, por lei, atuar.

Em resumo: a professora Marcela precisa investir em seu

desenvolvimento profissional, ampliando seus conhecimentos, quer seja sobre

a Matemática, quer seja sobre os demais saberes docentes que citamos

anteriormente.

Observações da Prática

Quanto à prática, observamos uma postura bastante conservadora da

professora, cabendo ao professor ensinar e, ao auno, aprender. Ficou claro,

durante as observações, que a professora entende o processo de ensino e

aprendizagem dividido em dois polos distintos, um de competência exclusiva

do professor e outro de competência exclusiva do aluno.

Já na primeira observação, percebemos que a professora utiliza o livro

didático como um instrumento de apoio importante: até o exemplo que utilizou

para introduzir – ou revisar – a operação de divisão estava no livro (resolvido,

inclusive). De certa maneira, isso é coerente com o fato de não saber bem

Matemática.

Com frequência ela justificava o aprendizado de um determinado

assunto citando algum conteúdo futuro. Por exemplo, justificou o aprendizado

da potenciação com da seguinte forma: Quando vocês chegarem ao nono ano,

irão aprender a Fórmula de Báskara. E, para fazê-la, vocês devem saber

potenciação. Percebemos que sua prática esteve sempre centrada no

conteúdo.

A atividade proposta pela professora para o conteúdo de potenciação

nos impressionou bastante: a professora pediu que os alunos fizessem os

quadrados de todos os números naturais positivos menores ou iguais a 100 (os

alunos deveriam apresentar os cálculos de todas as operações realizadas).

Sua justificativa: prepará-los para a operação de radiciação e para outras

aplicações futuras, como o Teorema de Pitágoras ou a resolução de equações

de segundo grau.

Aqui pensamos haver um questionamento: Não seria possível realizar tal

atividade de outra maneira? Ainda que a professora quisesse investir em um

trabalho envolvendo a habilidade de efetuar cálculos, não seria a quantidade

120

de exercícios exagerada? Não seria possível utilizar a calculadora como

elemento de verificação? Enfim: existem, no nosso entendimento, outras

maneiras de se propor essa atividade, ainda que se mantenha o mesmo

objetivo.

Ao mesmo tempo, em dados momentos, a professora mostrou pouca

preocupação – ou desconhecimento – com “detalhes matemáticos”. Por

exemplo, na aula sobre divisão, não citou o resto na “prova real”; concluiu

apenas que o dividendo seria igual ao produto do quociente pelo divisor. Já na

aula sobre potenciação, escreveu �2�2 = 4 ÷ 2 = 22�3 = 6 ÷ 2 = 3, ignorando, por completo, o

conceito de igualdade.

Em determinados momentos, pareceu-nos que a intenção, com certas

atividades, era apenas manter os alunos ocupados: foi assim com a atividade

sobre potenciação e foi assim também na segunda observação, quando levou

os alunos para o laboratório de informática para que resolvessem uma prova

sob o pretexto de prepará-los para a prova do SAEB.

Pareceu-nos que, durante sua formação, a professora não se

desenvolveu do ponto de vista matemático e nem vivenciou situações que

possibilitasse desenvolver seus saberes pedagógicos do conteúdo (Shulman,

1986). E ainda: pelas dificuldades que apresentava em relação à Matemática,

pensamos que sua opção pela valorização do saber relacionado ao conteúdo

matemático, elemento central de suas aulas, deve estar relacionado aos

impactos que essas dificuldades causam sobre a sua prática. Desse modo,

pela valorização excessiva das atividades envolvendo a realização de

operações, a utilização do livro didático como o principal recurso didático, a

polarização do processo de ensino e aprendizagem e sua pouca preocupação

com a sua própria formação nos forneceram indícios que julgamos serem

suficientes para que associássemos a professora Marcela à concepção ~.

121

Professora Luísa

Entrevista

Bacharel em Economia e vendo-se sem condições em entrar no

mercado de trabalho com essa formação, a professora vislumbrou na sala de

aula uma possibilidade de atuação profissional. Inicialmente, atuava por meio

de contratos, mas a competição entre licenciados e formados em área afim por

esses contratos, com grande desvantagem para esses últimos, a motivou a

fazer a complementação pedagógica, que ela prefere chamar de licenciatura.

Aquilo que no início era uma alternativa tornou-se, de fato, uma nova profissão,

não apenas no sentido de emprego, mas também no sentido de identificação

ou incorporação. Essa identificação não ficou restrita apenas às palavras: além

da complementação pedagógica, ela também possui também estudos de pós-

graduação em Psicopedagogia e Informática Educacional, além de Mestrado

em Ensino de Matemática, onde pesquisou a inserção do grupo cigano no

cotidiano escolar.

Com 15 anos de experiência como docente, já tendo atuado na

formação de professores, no Ensino Médio e no Ensino Fundamental II –

segmento onde prefere atuar, a professora possui uma visão bastante

esclarecida de sua formação como docente: entende que a complementação

pedagógica é apenas uma formação inicial, e que a formação do professor se

dá na sala de aula, no seu dia a dia, na observação do seu aluno, na sua

prática, o que você pode mudar, uma questão mesmo de bom senso e depois

na formação continuada do próprio grupo. Ou seja: a professora parece

entender a formação docente como um processo contínuo e que a sua prática

profissional também é fonte de produção de conhecimento, como propõe Tardif

(2011).

Ainda sobre a formação do professor, a professora Luísa entende que o

professor deve possuir conhecimentos sobre a Educação Matemática, pois ela

será o instrumento que permitirá ao professor criar novas estratégias de

aprendizagem, quando a situação assim exigir. Entende também que o ensino

de Matemática deve ir além dos cálculos, que, em sua opinião, são o ponto de

início da conversa, mas a conversa não deve se reduzir a ele.

122

Em relação às questões de aprendizagem, possui uma visão bastante

crítica da situação, pois entende que o ensino de Matemática, de modo geral,

está preso a um ciclo exemplo – exercícios – correção de exercícios. Até

mesmos os alunos, segundo ela, esperam que esse seja o processo de ensino,

mostrando-se surpresos quando essa não é a sistemática adotada.

Para ela, um aluno, para aprender Matemática, precisa ter compreensão do

ambiente onde ele está. É saber refletir de acordo com cada situação. Tomar

decisões a partir daquele ponto. Ter autonomia para olhar um contexto,

compreender, decidir o que ele vai fazer, para depois ele partir para um

processo de cálculo O cálculo é um ferramental necessário, mas a

compreensão, o raciocínio lógico, a tomada de decisão e a autonomia fazem

parte do processo de aprender Matemática.

E, logicamente, depois você tem que conseguir explicar tudo aquilo que você

está pensando por um raciocínio, quer seja um processo de cálculo quer seja

uma lógica construída, que não necessariamente precisa ser um processo de

cálculo. Você pode construir uma ideia que seja um raciocino lógico, um

desencadeamento lógico de pensar que não necessariamente venha a ser

apenas um resultado numérico. Eu acho que nossas práticas de Matemática

podem levar uma pessoa a ter essa compreensão.

Seu envolvimento com a sala de aula chega a ser impressionnte, sendo

capaz de perceber detalhes que, para outros, podem passar despercebidos.

Por exemplo, sua percepção a faz crer que os meninos se sentem mais

seguros em relação a Matemática por terem, segundo ela, menos medo errar

que as meninas (não querendo dizer com isso que as meninas sejam menos

capazes). Como, para ela, o aprendizado de Matemática envolve erro e

correções, é necessário que o aluno aprenda a trabalhar assim, calculando,

errando e recalculando. Para ela, a pessoa que possui menos medo de errar

possui maior pré-disposição para aprender Matemática. Esse desejo

manifestado de inserir o aluno no seu próprio processo de aprendizagem,

vendo-o como um ser ativo durante esse processo, aproxima a professora

Luísa de nossa concepção �.

Por fim, acredita que o aluno deve estar mais pré-disposto a aprender e ser

capaz de perceber que a educação pode fazer a diferença em sua vida. E para

o professor, o papel é de motivar os alunos, mostrando a eles a realidade e os

123

conhecimentos que já possuímos e convidando-os a ingressar nesse novo

mundo cientifico, contribuindo com as visões e experiências dele (aluno),

tornando-o um ser ativo.

Observações da Prática

As aulas observadas dessa professora mostraram uma prática que

tentava fazer com que o aluno fosse, de fato, um ser ativo em seu processo de

aprendizagem, em conformidade com aquilo que a professora havia

manifestado em sua entrevista. Vale destacar que as observações de aula

dessa professora ocorreram em duas séries distintas – 8º e 9º anos, ambas na

mesma escola.

Na primeira observação feita na turma de 9º ano, a professora

trabalhava com a demonstração do Teorema de Pitágoras. Para fazer essa

demonstração31, a segunda a ser feita e que faria parte daquilo que a

professora chamava de “Laboratório de Matemática”, utilizou um folha de papel

– normalmente chamada de chamex ou sulfite ou A4 – e um instrumento de

corte – tesoura ou, em casos, régua.

Utilizando linguagem matemática adequada, mas sem formalismos

excessivos, a professora demonstrava aos alunos o que iria ser feito e depois

os auxiliava em suas construções, mostrando sempre uma atitude muita ativa e

exigindo que seus alunos também estivessem empenhados na realização de

suas tarefas. Quanto aos alunos, pareciam estar bem envolvidos, motivados

com o trabalho proposto pela professora; em certos momentos, interagiam

entre si, discutindo entre eles seus pontos de dúvidas.

Alinhada com seu pensamento de que o aluno precisa compreender

“onde está” durante o processo de ensino e aprendizagem, a professora não

“entregou” o final da demonstração, lançando-a como um desafio para os

alunos, que deveriam entender o que já haviam feito e onde deveriam chegar.

Essa atividade foi, no nosso modo de ver, um diferencial em relação a

todas as outras observações feitas nessa pesquisa, pois nela os alunos foram,

de fato, colocados como seres ativos em sua aprendizagem - as respostas não

chegavam prontas, sendo necessário algo mais, era necessária a interação, o

31 O passo a passo dessa demonstração encontra-se nos anexos desse trabalho.

124

entendimento, por parte do aluno, da situação que estava sendo vivenciada

para que ele pudesse elaborar uma resposta. Em situações como essas a

professora manifestava sua crença sobre o que é aprender.

A segunda aula observada nessa turma foi uma aula de revisão para

uma prova que aconteceria no dia seguinte. A professora propôs, na aula

anterior, um grupo de exercícios para que os alunos os resolvessem em casa e

planejou para essa aula observada a resolução dessas questões. Os exercícios

envolviam potenciação, radiciação e aplicações do Teorema de Pitágoras.

Durante toda a aula, a professora mostrou-se bastante preocupada em

atender às dúvidas de seus alunos, indo de mesa em mesa para atendê-los.

Sem abrir mão da linguagem matemática apropriada, orientava seus alunos em

suas dúvidas, mas sempre buscava fazer com que seus alunos refletissem

sobre aquilo que perguntavam e de que modo o conteúdo que haviam

estudado poderia ser aplicado na questão que discutiam (professora e aluno).

Por exemplo, para um aluno com dúvida, a professora fez a seguinte

colocação: “O Teorema de Pitágoras deve ser aplicado em triângulos

retângulos. Existe, na figura proposta, possibilidade de obtermos um triângulo

retângulo onde possamos aplicar o teorema?”. Esse exemplo de intervenção

feita pela professora revela sua convicção na ideia de que o aluno deve ser um

elemento ativo na sua própria aprendizagem.

As outras duas aulas observadas ocorreram em uma turma de oitavo

ano da mesma escola. Na primeira dessas observações, a proposta da

professora era recolher uma atividade de inscrição de polígonos regulares em

circunferências (ela havia deixado que os alunos a terminassem em casa).

Conhecedora do perfil dos seus alunos, a professora afirmou que não gostava

de adotar essa prática de tarefas para casa, pois sabia que seus alunos não

costumavam concluir tais atividades. Essa observação feita mais um dos

saberes docente (Tardif, 2011) que a professora Luísa possui.

Confirmando o conhecimento da professora, um pequeno número de

alunos havia concluído a atividade proposta. Por isso, o planejamento foi

alterado, com os alunos devendo concluir atividade durante a aula que foi

observada.

Enquanto os alunos trabalhavam individualmente ou em duplas, a

professora deslocava-se por toda a sala, acompanhando o trabalho dos alunos,

125

intervindo sempre que necessário, quer seja em caso de dúvidas, quer seja no

caso de algum não estar desenvolvendo o trabalho proposto.

Como já havíamos observado anteriormente, a professora evitava ao

máximo responder diretamente às questões dos alunos: sempre que possível,

tentava fazer com que os alunos buscassem, por seus próprios meios, as

respostas às questões que levantavam, tentando relacionar a dúvida a alguma

forma ou a alguma situação do cotidiano do próprio aluno.

Mostrando conhecimento dos alunos e do conteúdo a ser trabalhado –

elementos que constituem os saberes docentes, a professora afirmou que a

turma onde estavam sendo feitas as observações era, entre as quatro turmas

de oitavo ano da escola, a que apresentava maior nível de dificuldade de

aprendizagem. Por isso, optou por uma ampla revisão dos conceitos iniciais da

Geometria Plana, atrasando um pouco a turma em relação às demais, mas

pensando em garantir um aprendizado mais efetivo dos seus alunos. A

professora, ao fazer essa escolha, manifesta um saber pedagógico ligado ao

conteúdo matemático capaz de sustentar e dar credibilidade às suas ações de

revisão do planejamento inicial proposto.

A segunda observação feita nessa turma também aconteceu em uma

aula de revisão. Como na turma de nono ano, a professora havia proposto, na

aula anterior, quatro exercícios para que os alunos os resolvessem em casa.

Durante a aula, propôs mais dois exercícios e, enquanto os alunos trabalhavam

neles, chamava cada aluno à sua mesa para verificar a atividade do dia

anterior. Entendemos que com essa metodologia de trabalho, a professora

pode atender, de certo modo, cada aluno em sua individualidade: ao debater

com o aluno qual era a sua dificuldade, poderia oferecer-lhe um suporte que

poucas vezes ocorre numa sala de aula quando, por exemplo, o professor opta

por uma correção coletiva dos exercícios propostos.

A postura frente aos desafios da profissão docente, seu engajamento

com a sua própria formação, os métodos de ensino que usou durante suas

aulas e sua preocupação constante em fazer com que o aluno tenha uma

participação ativa em seu processo de aprender, nos sugerem associar a

professora Luísa à concepção � que descrevemos anteriormente.

126

Professor Caio

Entrevista

Não foi possível fazer a entrevista com o professor Caio. Apesar de

permitir as observações, o professor, por duas vezes, desmarcou a entrevista

presencial que havíamos marcado. Numa última tentativa, enviamos as

perguntas que formavam a entrevista para o e-mail do professor, atendo a uma

solicitação que ele mesmo nos fez. Entretanto não tivemos resposta.

Em conversas informais, durante as observações, soubemos que o

professor é formado em Engenharia Mecânica e que, posteriormente, fez a

Complementação Pedagógica em Matemática.

Observações da Prática

Pragmatismo. Essa palavra pode definir as observações da prática do

professor Caio. Em três observações, o que pudemos perceber foi um

professor preocupado, quase sempre, em resolver exercícios (não problemas)

com os alunos, aprimorando técnicas e algoritmos de resolução.

Na primeira observação, expôs o método de resolução de sistemas

lineares que chamava de “Escalonamento Fajuto”: através de algoritmos que

foram exaustivamente repetidos, o professor mostrava aos alunos como “zerar”

os coeficientes de uma variável. Interessante ressaltar que as situações

propostas seguiam sempre um mesmo padrão, com pouca flexibilidade.

Após a resolução de um exemplo, propôs uma atividade na qual os

alunos poderiam aplicar o algoritmo (algo bem característico das concepções ~

e �de nossas categorias de análise). Estabeleceu um tempo de dez minutos

para que os alunos tentassem resolver e, após esse tempo, foi ao quadro e

resolveu o exercício.

Nessa primeira observação, pudemos constatar que, mesmo tentando

usar uma linguagem matemática coerente, em alguns momentos o professor

cometeu alguns deslizes do ponto de vista matemático. Por exemplo: ao

apresentar a solução de um sistema, escreveu S = {2, -1 ,1}, como se a

solução não fosse um trio ordenado, mas sim um conjunto. Em outro momento,

afirmou que a Regra de Cramer poderia ser aplicada na resolução de certo

127

sistema linear, pois o mesmo apresentava determinantes quadrados. Aqui, o

professor, além de ignorar a definição de determinante (número associado a

uma matriz quadrada), também não atentou para o fato de que a Regra de

Cramer somente pode ser aplicada em sistemas lineares possíveis e

determinados (de solução única). De certa maneira, o professor manifestou o

saber do conteúdo, mas não demonstrou o saber pedagógico relacionado a

este conteúdo, algo que deve estar presente para que o processo de ensino e

de aprendizagem ocorra.

No final da aula, o professor lembrou aos alunos que a próxima

avaliação seria composta apenas de questões objetivas. Nesse caso, alertou-

os de que não precisariam resolver os sistemas: bastaria apenas testar as

alternativas, verificando aquela que satisfaria as condições colocadas pela

questão. Em outras palavras: em provas desse tipo, não é necessário resolver

a questão; basta apenas eliminar as alternativas incorretas.

Na segunda observação, o professor propôs uma série de exercícios de

revisão para a avaliação que se aproximava. A lista incluía exercícios sobre

matrizes, determinantes e sistemas lineares. Os alunos trabalharam na lista

individualmente, sem qualquer tipo de interação entre eles; caso tivessem

dúvidas, recorriam diretamente ao professor.

O atendimento do professor aos alunos, em caso de dúvidas, era feito

de dois modos distintos:

i. Para o aluno que não conseguia começar o exercício, ele fazia uma

breve explicação sobre o assunto, indicando o caminho a ser seguido;

ii. Para o aluno que conseguia resolver o exercício, mas não encontrava a

resposta esperada, ele observava a resolução e indicava o erro

cometido.

Mais uma vez, a proposta de trabalho se resumiu apenas à resolução de

exercícios, como se este fosse o único método possível para a aprendizagem

dos conteúdos matemáticos. A pouca interação entre os alunos e a postura

adotada pelo professor, de apontar o erro e não provocar uma atitude mais

reflexiva dos alunos nos chamou a atenção.

Também percebemos que os alunos aceitavam os métodos de

resolução de modo passivo, sem questionamentos ao professor; pareceu-nos

que eles entendiam que o caminho a ser seguindo para a aprendizagem dos

128

conteúdos matemáticos era repetir a ação feita pelo professor, entendo que

nele se concentra o conhecimento (algo que nos pareceu também ser a ideia

transmitida pelo professor).

No final da aula, alguns alunos questionaram o professor sobre

exercícios “modelo ENEM” ou mesmo sobre a utilização de questões de

vestibulares, pois estavam sentindo falta desse tipo de exercício que o

professor, em outra situação, já havia utilizado.

A utilização desse tipo de atividade – lista com exercícios “modelo

ENEM” ou “modelo Vestibular”, bem como a postura dos alunos em cobrar

exercícios desse “modelo específico” 32, iniciam a associação do professor Caio

à nossa concepção �.

A terceira aula observada foi destinada à correção dos exercícios

propostos anteriormente. A correção esteva a cargo do professor, que resolveu

todas as questões no quadro. Existia pouca participação dos alunos, que em

sua grande maioria já haviam resolvido os exercícios e pouco se interessavam

pela resolução. Num dos raros questionamentos, um aluno perguntou se det (A

– B) = det A – det B. O professor nem chegou a explorar a questão, já

respondendo que a afirmação era falsa. No nosso entendimento, o professor

deixou escapar a oportunidade de promover uma discussão mais ampla, nem

que fosse discutindo a questão a partir de matrizes quadradas de ordem dois.

A simples resposta, sem maiores provocações ou reflexões, nos faz reforçar a

visão pragmática que tivemos do professor: pareceu-nos que para esse

docente, o importante é a resolução do exercício, da questão, o uso da regra

correta, não importando como essa regra foi formulada, reforçando

caraterística presentes na concepção ~.

Nem mesmo quando a questão exigia uma discussão maior, o professor

a promoveu. Para calcular det (A.B), o professor primeiro fez o produto A.B e

depois calculou seu determinante, sem fazer referência àquilo que é conhecido

como Teorema de Binet – det (A.B) = det A . det B. A não citação desse

teorema nos chamou a atenção, pois trata-se de um assunto bastante citado

em livros didáticos utilizados no Ensino Médio, e também é tema frequente de

32 Esse pedido, feito por diversos alunos, nos deu a impressão que, para aquele grupo de alunos, aprender Matemática está intimamente ligado à capacidade de resolver exercícios daquele tipo.

129

questões de vestibular, elementos que parecem ser norteadores do trabalho

em sala de aula do professor Caio.

A quarta e última observação mostrou um “trabalho” bastante diferente.

Para atender a uma exigência da escola, o professor se viu obrigado a inserir-

se em um projeto de montagem e apresentação de uma peça teatral, utilizando

o conteúdo que estava sendo ensinado nessa inserção.

Na aula observada, os alunos responsáveis pela gestão financeira do

processo de montagem da peça teatral deveriam apresentar um balanço dos

valores arrecadados e gastos. Para isso, segundo o professor, os alunos

deveriam utilizar conhecimentos sobre matrizes.

Porém, o que observamos não nos lembrou em nada o conteúdo de

matrizes. Utilizando uma planilha eletrônica, os alunos informaram o somatório

dos valores arrecadados, destacando como esses valores foram obtidos – no

caso, por meio do pagamento de mensalidades instituídas em comum acordo

entre eles.

Gostaríamos de destacar que não fomos nós quem escolhemos as aulas

em que faríamos as observações. Como a participação dos professores foi

voluntária, deixamos que eles nos indicassem os dias em que poderíamos

fazer as observações.

O que queremos dizer com isso?

Queremos afirmar que se o professor nos indicou esse dia, cremos que,

para o professor, o que os alunos fizeram foi, de fato, uma aplicação dos

conteúdos estudados – algo que discordamos veemente. Utilizar uma planilha

eletrônica e no final apresentar um somatório de valores não nos parecer ser

uma aplicação concreta do estudo de matrizes.

Entretanto, não queremos aqui tecer uma crítica ao professor. O que

queremos criticar é a exigência da escola em obrigar o professor a inserir-se

em um projeto, utilizando o conteúdo que está sendo ensinado. Nesse caso, o

que professor fez é, a nosso ver, o que poderia ser feito: nesse projeto, com o

que lhe foi passado, a utilização da Matemática não poderia ser outra a não ser

apenas efetuar operações de adição e subtração. O que os alunos fizeram – a

utilização de uma planilha eletrônica – apenas “maquiou” as operações,

adaptando-as ao formato de uma matriz.

130

No fim, a escola se dá por satisfeita, pois entende que o conteúdo que

está sendo ensinado está sendo aplicado no cotidiano do aluno, e o professor

consegue entende que conseguiu atender à exigência feita pela escola. Criticar

o professor por essa adaptação nos parece descabida; esdrúxula nos parece

ser a exigência da escola de que os professores, de alguém modo, se

encaixem em um projeto33 que, por muitas vezes, não oferece possibilidades

de inserção. Mais adequado seria que a escola permitisse a implantação de

outros projetos, nascido no âmbito de discussões entre os professores e que,

de fato, fossem aplicações dos conteúdos estudados.

Entre todos os pesquisados, o professor Caio foi o único que mostrou-se

entre duas categorias de análise – nos caso, as concepções ~ e �. Entretanto,

sua postura, colocando-se como elemento central da aula, sua metodologia de

trabalho baseada em exemplos e exercícios de aplicação, e, principalmente

sua preocupação em apresentar modos como os conteúdos poderiam ser

cobrados em algum exame, nos fizeram perceber nele características que o

associam de modo mais efetivo à concepção � de nossas categorias de

análise.

33 Ficou a impressão de que o termo projeto, para essa escola, possui um significado diferente daquele encontrado na literatura especializada nesse assunto.

131

Professor Roberto

Entrevista

O professor Roberto, 27 anos, solteiro, formado pelo ITA em Engenharia

Mecânica de Aeronáutica (área na qual fez apenas o estágio obrigatório),

estava iniciando a carreira docente, com pouco mais de dois anos de

experiência em sala de aula.

Começou com aulas particulares, meio que utilizava para suprir

algumas necessidades financeiras enquanto ainda era estudante. Como ele

mesmo citou, a partir daí, “tomou gosto” pela docência, optando por deixar a

formação inicial e ir para a sala de aula (na época da entrevista, o professor

ainda não havia completado dois anos como docente).

Essa resposta do professor nos trouxe uma reflexão sobre a profissão

docente. Como Tardif (2011) afirma, o tempo que passamos como alunos,

reforçam a ideia de que o saber docente essencial é o saber da disciplina.

Desse modo, para ensinar, basta saber. Talvez isso explique porque muitos

não licenciados se julguem capazes de serem professores.

Cremos que ocorram situações similares a essa fora do âmbito

educacional. Por exemplo: um farmacêutico, depois de alguns anos de

experiência, sente-se à vontade para indicar uma medicação a um cliente,

mesmo não sendo médico.

Entretanto, para que esse farmacêutico se torne médico, não basta uma

complementação: faz-se necessário uma nova formação. Já no caso dos

docentes...

As respostas dadas pelo professor a respeito do curso de

Complementação Pedagógica revelam uma situação que, na falta de um

adjetivo mais adequado, pode ser classificada como preocupante. Pela

complexidade desses fatos, optamos por repetir, na íntegra, tais respostas34:

Fez curso de complementação pedagógica?

Sim, eu fiz o curso de complementação pedagógica ano passado, mas eu fui a

uma aula. O Rafael35 me indicou o curso para que eu tivesse permissão para

34 Em negrito estão as perguntas que fizemos. As respostas do professor estão em itálico. 35 Nome fictício do pedagogo responsável pelo Ensino Médio da escola onde o professor atua.

132

dar aula no Ensino Médio e aí, como era sábado de manhã, os compromissos

aqui da escola não me permitiram ir a todas as aulas. Eu tenho o certificado.

O que o motivou a fazer essa complementação?

O que me motivou fazer foi única e exclusivamente a questão legal.

Você acha que o curso de complementação pedagógica foi suficiente

para atuar em sala de aula do ponto de vista pedagó gico e didático?

Não consigo nem avaliar isso. Da aula que eu assisti pude concluir que a

maioria dos professores que também faziam a mesma aula não eram

professores de Ensino Médio, muito menos de pré-vestibular ou de terceiro

ano; eram professores de Ensino Fundamental Básico, de 1ª a 4ª série; o curso

tinha muitas dinâmicas para trabalhar com crianças pequenas, o que não me

ajudava em quase nada. Tanto é que, quando um dos professores descobriu

que era professor da escola X para 3º ano e pré-vestibular, ele procurou-me e

afirmou que muitas coisas que estavam sendo ensinadas não poderiam ser

usadas no 3º ano e pré-vestibular, pois a didática é quase nula... Então, eu não

consigo nem avaliar o que me ajudou ou não sobre isso. Eu sei que não me

ajudou muito, mas não sei dizer se me ajudaria ou não.

De fato, é lamentável que fatos assim ocorram e que a Complementação

Pedagógica, para esse professor, tenha se resumido a apenas um encontro

que não lhe trouxe contribuições para a prática profissional. Torcemos para que

essa situação seja um caso isolado, uma exceção. Entretanto, esse fato traz à

tona a questão da necessidade de se manter, como se mantém para os demais

cursos superiores, fiscalização regular, a fim de se evitar situações como a

descrita pelo professor.

A passagem direta de um curso de engenharia para a sala de aula, sem

formação específica para a sala de aula, talvez explique algumas de suas

convicções. Com apenas dois anos de experiência, sua prática se resumia,

basicamente, a turmas de terceiro ano do Ensino Médio, que no estado do

Espírito Santo, equivale a um pré-vestibular. Assim, quando a escola propôs

que assumisse turmas do segundo ano do Ensino Médio, recebeu a proposta

com receio, pois entedia que, nessa série, os alunos não buscam tanto o

conteúdo como no terceiro, local em que ele pode mostrar mais o seu

conhecimento. Isso mostra que o professor acredita que o saber da disciplina é

133

o fundamento para a sua prática docente, alinhado com as características

descritas na concepção �.

Essa concepção, certamente, foi sendo formada ao longo de sua vida

estudantil. Durante o Ensino Médio, ainda morando em BH, o professor se

preparou para o vestibular do ITA, frequentando aulas em turmas específicas

para esse fim. Quando se mudou para SP, continuou estudando em turmas

desse modelo, pois desejava ingressar naquela instituição. E, depois de sua

entrada, retornou à sua escola de São Paulo, agora como estudante do ITA e

monitor de Matemática, atendendo a alunos que também desejavam fazer esse

concurso. No último ano como estudante, assumiu uma turma de pré-vestibular

no segundo semestre de 2013. Desse modo, não é de estranhar que o

professor Roberto possua estreita ligação com a concepção �.

Talvez por conta de sua ligação com a preparação para concursos, o

professor acredita que o conhecimento matemático é essencial -- e nisso

concordamos com ele - pois trata-se do conteúdo a ser ensinado. Sobre a

Educação Matemática, disse não conseguir avaliar a importância de ter

conhecimentos sobre essa área, pois desconhece o tema por completo por

completo36.

Apesar da pouca experiência, Roberto entende que evolui a cada dia de

trabalho, sendo capaz de perceber mudanças na forma de abordar os

conteúdos em sala e na preparação das aulas. Entretanto, quando perguntado

sobre as mudanças que percebeu no ensino de Matemática, afirmou que essas

foram causadas pela inserção do ENEM no cotidiano dos alunos. Ou seja: para

o professor, a justificativa do aprendizado matemático parece estar sempre

ligado à questão da preparação para uma prova ou um concurso (reforçando

sua identificação com a concepção �).

Aprender Matemática, segundo ele, está diretamente ligado à habilidade

de analisar dados e informações. E para isso, entende que o ponto essencial é

a resolução de exercícios, orientados pelo professor, pois acredita que os

alunos sejam imaturos para estudarem sozinho, salvo algumas exceções.

A crença de que existem bons e maus alunos - sendo que os bons o

são, ou porque estudam, ou porque são pré-dispostos para aprender

36 Vale lembrar que as Diretrizes para a formação de professores de Matemática, no Brasil, sugerem que esses profissionais tenham conhecimentos a respeito da Educação Matemática.

134

Matemática – nos fizeram entender o professor Roberto como alguém que

necessita ampliar seus saberes docentes. A convicção com que dava algumas

respostas – algo que talvez não conseguimos mensurar em nossa narrativa –

nos fizeram vê-lo como um professor tradicional, com convicções e certezas

desalinhas com o perfil desejado, segundo os documentos oficiais, para um

professor de Matemática

Observações da Prática

Obediência às normas da escola. Essa foi uma impressão que marcou

as observações da prática do professor Roberto. Sempre que chegava numa

sala de aula, sua preocupação era com a disciplina dos alunos. Depois de

todos sentados, fazia a chamada e somente então começava a sua aula.

Pensamos que isso se deve a sua pouca experiência e, consequentemente,

autonomia para a condução da aula.

Na primeira observação, anunciou o conteúdo de sequências como “o

mais fácil de todos os tempos”. Frequentemente, dizia que uma ou outra coisa

era fácil ou muito fácil, com ênfase no muito. Isso nos chamou a atenção: será

que um aluno, ao ouvir isso, se sentiria à vontade de perguntar algo ao

professor? Bem, por conta disso ou não, raras foram às vezes que os alunos

participaram das aulas. Na maioria das vezes em que isso ocorreu, as dúvidas

estavam relacionadas ao entendimento do que estava escrito no quadro (e não

do significado daquilo que estava escrito).

Em todas as observações, a metodologia usada pelo professor seguia o

modelo de apresentação ou exposição do conteúdo, resolução de exercícios e

indicação de exercícios para serem feitos em casa.

A exposição do conteúdo sempre era feita com ênfase no formalismo e

nas definições matemáticas. Para apresentar sequências numéricas, usou o

conceito de função. Em nenhum momento interagiu com os alunos para saber

quais conhecimentos possuíam a respeito do assunto. O primeiro exemplo de

sequência surge apenas quando iniciou a apresentação das formas de

representação: até então, não havia nenhum registro de qualquer tipo de

sequência numérica, por mais simples que fosse.

135

Qual foi o primeiro exemplo? Vejamos:

5 <� � 1<c = <c�� + 3

Esses e os outros exemplos que usou na primeira aula já deixaram claro

que o professor optava por uma formalização rigorosa dos conceitos

matemáticos. Entretanto, essa formalização não favorecia o entendimento dos

alunos. Pelas perguntas que eram feitas, percebíamos que os alunos não

conseguiam acompanhar o que o professor ia propondo. E nem mesmo o

professor tinha compreendia as dúvidas dos alunos. Infelizmente, com o

decorrer da aula, percebemos os alunos mais preocupados em copiar o que o

professor escrevia no quadro do que em compreender o conteúdo.

No final da aula, reforçando sua ênfase na formalização, propôs que os

alunos descobrissem a lei de formação da sequência �−3, 4, 11,18 . Muitos

alunos foram capazes de perceber que a sequência era formada pela adição

de sete ao termo anterior. Entretanto, o professor insistia para que

formalizassem sua descoberta, encontrando uma fórmula para o enésimo

termo (expressão que ainda não havia usado durante a aula).

Na segunda observação, define Progressão Aritmética como uma

sequência numérica cuja fórmula de recorrência é <c = <c�� + i. Ainda sem

utilizar nenhum exemplo numérico, escreveu a classificação das progressões

aritméticas apenas em função da razão. Apenas após essa explanação é que

utilizou exemplos.

Se lembrarmos da trajetória de vida estudantil narrada pelo professor e a

maneira como foi inserido em sala de aula, podemos entender os motivos pelos

quais o professor opta, ou por aulas expositivas, ou por aulas de resolução de

exercícios: essa é a maneira pela qual foi formado. Em outras palavras, esse é

o seu saber docente (Tardif, 2011). Acreditamos que as experiências que viveu

como aluno de cursos preparatórios, bem como sua formação em Engenharia,

são as responsáveis pela formação de suas crenças e concepções. Desse

modo, podemos conjecturar que, tendo vivido em um ambiente em que as

aulas, em sua maioria, pareciam seguir esse padrão, seria de se esperar que

fizesse as opções metodológicas de trabalho que faz.

Pensando assim, o fato de o professor Roberto não ter frequentado a

Complementação Pedagógica parece ser um ponto a se lamentar. Talvez esse

136

curso pudesse ter oferecido a ele novas experiências sobre a prática docente

ou outras opções de metodologia de trabalho. O fato é que, tendo saído direto

do curso de engenharia para a sala de aula, o professor acaba trazendo

apenas a sua experiência como aluno de um curso que não o preparou para a

sala de aula. Outro detalhe que podemos acrescentar refere-se ao saber

disciplinar da Matemática: o que um engenheiro sabe é diferente do que

precisa saber um professor. Desse modo, o professor Roberto ainda manifesta

um saber de engenheiro e não de professor.

Ainda que se possa argumentar que a Complementação Pedagógica

pudesse não trazer grandes contribuições a sua formação ou não ser capaz de

promover alterações na sua metodologia de trabalho, ainda assim, acreditamos

que o contato com os outros saberes docentes, como os propostos por Tardif

(2011) e Shulman (1986), com outras metodologias de trabalho ou mesmo o

convívio com outros professores em formação, poderiam fazer com que o

professor vivesse novas experiências, tirando algum significado de suas

vivências.

Por fim, entendemos que a sua prática como uma manifestação das

suas concepções. Assim, sua opção por aulas baseadas na exposição do

conteúdo e na resolução de exercícios de aplicação, muitas vezes retirados de

vestibulares ou de provas anteriores do ENEM, a formalização excessiva, não

permitindo a construção de um significado por parte dos alunos e a pouca

participação desses mesmos alunos nos processos de ensino e aprendizagem

ligam o professor Roberto ao quadro de análise que chamamos de concepção �.·

137

Capítulo VII: Considerações e perspectivas

A pesquisa apresentada pode ser inserida na discussão sobre a

formação do professor de Matemática. Especificamente, voltou sua atenção

para aqueles professores que não fizeram um curso de Licenciatura em

Matemática, mas formaram-se um curso de área afim à Matemática e,

posteriormente, cursaram a complementação pedagógica em Matemática. A

falta de pesquisas sobre esses profissionais e sobre esse modelo de formação

nos fez concluir que uma pesquisa sobre esse tema poderia trazer importantes

contribuições à formação do professor no Brasil.

Devido à proposta colocada, os referenciais teóricos utilizados

buscavam dar sustentação a esse trabalho. A intenção era entender o fazer

pedagógico de cada um dos professores pesquisados, pois acreditávamos que

dessa maneira poderíamos reunir elementos que nos permitissem identificar

suas concepções.

Por isso mesmo, o conceito de concepção foi um dos elementos centrais

da pesquisa. Entretanto, devemos salientar que, em nossa pesquisa, usamos a

ideia de concepção de maneira mais ampla, envolvendo desde crenças até

atitudes.

À medida que nos aprofundávamos sobre esse tema, percebemos que

necessitávamos de outros elementos para fornecer a sustentação teórica de

nossa pesquisa. Foi assim que pensamos em associar concepção e saberes

docentes, numa integração em que um exerce influência sobre o outro, num

contínuo processo de realimentação.

Esses referenciais mostraram-se adequadas para trabalhar com nossa

crença de que muitos professores de Matemática ainda acreditam que o saber

da disciplina é suficiente para o exercício da docência. Por isso, esses

docentes baseiam suas práticas na exposição dos conteúdos e na resolução

de exercícios de fixação de algoritmos. Para confrontarmos a realidade que

observaríamos com nossa crença, pensamos no conceito de concepção,

motivados pela influência que ela exerce sobre as ações.

Ainda sobre os referenciais teóricos que utilizamos, o fato de não termos

encontrado pesquisas sobre o grupo que escolhemos – professores com

formação em área afim que tinham feito o curso de complementação

138

pedagógica – nos fez optar por primeiro conhecer a realidade desses cursos,

para só depois iniciarmos nossa coleta de dados.

Nossos levantamentos nos permitem afirmar que para ser professor de

Matemática hoje no Brasil, uma pessoa pode optar por dois caminhos: fazer a

Licenciatura ou, depois de graduado, fazer a Complementação Pedagógica.

Porém, esses caminhos, a nosso ver, estão sendo tratados de modos distintos.

Por todo entendimento que se tem a respeito da Licenciatura e da sua

importância, constantes discussões são feitas a respeito desse curso.

Recentemente, a SBEM e a SBM lançaram, em conjunto, o documento “A

formação do professor de Matemática no curso de licenciatura: reflexões

produzidas pela comissão paritária SBEM/SBM”. Ao longo das quarenta e duas

páginas que compõem esse documento, as sociedades debatem diferentes

assuntos relacionados à .formação do licenciado em Matemática

Mas, e a complementação pedagógica? Em nossas pesquisas a

diferentes fontes de dados, não encontramos nenhum documento similar a

esse que estivesse relacionado à Complementação Pedagógica. Isso significa

que tais cursos ainda estão sujeitos a regulamentações que datam de sua

implantação, ainda na década de 1990.

O cenário encontrado nos fez chegar à conclusão de que se faz

oportuno discutir os cursos de Complementação Pedagógica. Entendemos que

enquanto nossas licenciaturas não formarem o contingente de professores

necessário para atender as demandas do país, tais cursos devem ser

mantidos. Entretanto, acreditamos que esses cursos devem ser repensados.

Nesse sentido, as pesquisas feitas a respeito das licenciaturas podem

contribuir para a reestruturação de tais cursos, aproximando os dois modelos

de formação vigentes no País.

Uma dificuldade que encontramos em nossa pesquisa foi a falta de

informações sobre profissionais com essa formação. Buscamos informações

em duas redes municipais, na rede estadual e na rede privada. Em nenhuma

delas existia qualquer informação sobre o modelo de formação de cada um dos

seus professores. Somente conseguimos convidar os professores que

participaram de nossa pesquisa por meio de pessoas que conheciam suas

formações.

139

Essa falta de informação nos impediu de expressar o número de

profissionais que possuem essa formação e qual a sua representação no

universo de professores de Matemática em cada uma das redes. Uma

pesquisa que traga esses números pode ser um indicativo do grau de

importância que o curso de complementação pedagógica possui no cenário de

formação de professores no Brasil, contribuindo para as discussões nessa

área.

Mesmo com as dificuldades encontradas, a pesquisa de campo, por

meio dos dados coletados, nos revelou diferentes cenários:

� A prática profissional é um fator que contribui fortemente na

formação do professor. O cotidiano da sala, com suas diferentes

situações, e a maneira como o professor se adapta a essas

situações vai formando-o, moldando-o, tornando-o professor.

Como disse uma das professoras pesquisadas: “o que forma o

professor é o chão da sala de aula”;

� A sala de aula é, ainda, uma alternativa para aqueles que não

conseguem se inserir no mercado de trabalho na sua área de

formação. E, enquanto alguns não se identificam com essa

“segunda opção”, outros a abraçam e a ela se dedicam como se

ela tivesse sido sua “primeira opção”;

� Uma surpreendente identificação com a Geometria de uma

professora cuja formação inicial era Economia. Pelas

características desse curso, essa era uma relação, a nosso ver,

improvável. Entretanto, a professora mostrou “intimidade” com o

assunto, utilizando-a em suas aulas como instrumento de diálogo

com os alunos;

� A forte influência que as provas de vestibulares e do ENEM

exercem sobre o trabalho dos professores observados que atuam

no Ensino Médio. Durante as aulas que acompanhamos desses

professores, em todas, ouvimos menções a exercícios ou a

situações cobradas nessas provas. Pelo que pudemos observar

durante nossa inserção nas escolas para tais observações, nem

sempre essa é uma opção do professor, mas sim uma demanda

140

da escola. Ou seja: mesmo que o professor não concorde, o

“sistema” o faz trabalhar assim.

Nossa pesquisa não nos permite chegar a uma conclusão a esse

respeito, pois esse pode ser um fenômeno restrito às escolas

onde os professores atuavam. Entretanto, a dúvida ficou no ar:

será que nosso Ensino Médio está sendo mesmo encarado como

uma etapa de preparação para os vestibulares? Como a prova

ENEM tem influenciado as práticas dos professores de

Matemática do Ensino Médio? Essa questão pode ser tema de

uma pesquisa futura, principalmente nesse momento em que

discutimos as bases curriculares nacionais para a educação

básica em nosso país.

A análise dos dados nos permitiu a criação de três grupos distintos de

professores, de acordo com as suas concepções:

i. No primeiro grupo foi inserida a docente que, a nosso ver,

possuía as maiores limitações, quer seja em termos didáticos,

quer seja em termos matemáticos. Suas práticas estavam

centradas em processos de cálculos e algoritmos.

ii. No segundo grupo foram inseridos os dois professores que atuam

no Ensino Médio. Apesar de atuarem em escolas distintas e de

trabalharem, nas aulas observadas, com conteúdos diferentes,

suas práticas eram bastante semelhantes, centradas em

processos de resolução de exercícios, com preferência para

exercícios de vestibulares ou de ENEM passados. Quanto ao

saber da disciplina, percebemos uma grande diferença: enquanto

um demonstrava conhecimento profundo do assunto, sendo, em

alguns momentos, excessivamente formal, o outro mostrou-se

bem superficial, cometendo erros primários (não sabemos se por

desconhecimento ou se por descuido) e deixando de citar pontos

importantes da teoria apresentada;

iii. O terceiro grupo foi formado pela professora que, para nós,

conciliou, de modo equilibrado, teoria matemática adequada e

prática pedagógica eficiente. Entendendo a sala de aula como um

ambiente vivo, a professora usou diferentes metodologias de

141

trabalho, tentando sempre melhorar os processos de ensino e de

aprendizagem. Sem abrir mão da linguagem matemática correta,

mas sem formalismos exacerbados, essa professora conseguia

envolver os alunos, tornando-os seres ativos, participantes do seu

próprio processo de aprendizagem.

Seria natural esperar que uma pesquisa como a nossa fizesse uma

comparação entre as concepções de licenciados e de não licenciados.

Entretanto, em nenhum momento tivemos essa intenção. Essa ideia sempre

nos pareceu estranha, pois favoreceria uma espécie de disputa entre os dois

modelos de formação, o que nos parece inadequada.

Entendemos que todos os professores de Matemática deveriam fazer o

curso de Licenciatura. Como isso ainda não é possível, somos favoráveis que

se abra essa outra possibilidade de formação e, se possível, que essas duas

formações estejam bem próximas, tanto em termos de objetivos como em

termos de métodos. Por isso, estabelecer um comparativo entre concepções de

professores licenciados por cursos diferentes conveniente salientar nunca esteve

em nossos propósitos.

Entretanto, esse pode ser tema de uma pesquisa futura. Nesse caso,

essa comparação não deve levar em conta os resultados de pesquisas

anteriores; a comparação deve ser feita a partir de dados coletados com os

mesmos instrumentos. Acreditamos que isso daria maior credibilidade à

pesquisa, pois todos os participantes estariam sujeitos às mesmas condições

de observação.

Outro tema que pode ser abordado em pesquisas próximas é o grau de

influência que a primeira formação exerce sobre a prática do docente que

frequentou a complementação pedagógica. A professora Luísa, durante a sua

entrevista, comentou que era economista dentro da escola. Não percebemos

na sua prática detalhes que mostrassem isso. Também não percebemos, nas

práticas dos demais professores, elementos que pudéssemos identificar como

uma influência direta da sua primeira formação. Mas, é conveniente salientar

que em nenhum momento estivemos voltados exclusivamente para detalhes

que evidenciassem essa influência. Talvez uma investigação que

acompanhasse os professores com esse perfil por um tempo mais longo de

142

observação pudesse revelar se essa influência de fato ocorre, e em que

medida ocorre.

Se, ao iniciarmos a pesquisa, citamos que as concepções são

fortemente influenciadas pela formação inicial recebida, agora, ao encerrá-la,

gostaríamos de acrescentar que, de fato, a formação inicial influencia as

concepções com as quais o professor iniciante se insere no mercado de

trabalho. Entretanto, pudemos perceber que essas concepções não

permanecem intactas. Pelo contrário: elas são mutáveis. Mas essa mutação

depende da postura do professor frente a situações que lhe são colocadas,

quer seja no cotidiano da sala de aula, quer seja nos processos de formação

continuada.

143

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