Conceito de Lei Segundo Santo Tomás de Aquino Maria de Fátima Gautério

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conceito de lei segundo Santo Tomás de Aquino Maria de Fátima Prado Gautério Resumo: O presente trabalho consiste em uma análise do conceito delei segundo o Doutor Angélico . bem como de sua classificação: lei eterna, lei natural, lei positiva. Pretende-se resgatar a importância de uma correta compreensão da lei na atualidade, onde tantos problemas surgem devido ao desconhecimento do mesmo. Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. Elementos da lei segundoSanto Tomás de Aquino. Decadência da concepção intelectualista de lei. 3. Efeitos da lei. 4. Qualidades da lei. 5. Classificação da lei. 6. Lei Eterna.. Conceito. Causalidade. Extensão. Promulgação. 7. Lei Natural. Conceito. Preceitos. Propriedades. Lei natural x direito natural. 8. Lei Positiva humana. Conceito. Utilidade. Classificação: lei civil e lei eclesiástica. 9. Lei Divino- positiva. 10. Lei, direito e justiça. 11. Conclusão. 1 - Introdução. 1

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Conceituação de lei na concepção de Santo Tomás.

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conceito de lei segundo Santo Tomás de Aquino

Maria de Fátima Prado Gautério

Resumo: O presente trabalho consiste em uma análise do conceito delei segundo o

Doutor Angélico . bem como de sua classificação: lei eterna, lei natural, lei positiva.

Pretende-se resgatar a importância de uma correta compreensão da lei na atualidade,

onde tantos problemas surgem devido ao desconhecimento do mesmo.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. Elementos da lei segundoSanto Tomás de Aquino.

Decadência da concepção intelectualista de lei. 3. Efeitos da lei. 4. Qualidades da lei. 5.

Classificação da lei. 6. Lei Eterna.. Conceito. Causalidade. Extensão. Promulgação. 7.

Lei Natural. Conceito. Preceitos. Propriedades. Lei natural x direito natural. 8. Lei

Positiva humana. Conceito. Utilidade. Classificação: lei civil e lei eclesiástica. 9. Lei

Divino- positiva. 10. Lei, direito e justiça. 11. Conclusão.

1 - Introdução.

O presente trabalho se refere a análise do conceito de lei segundo Santo Tomás de

Aquino.

Se bem é certo que o término lei pode ser utilizado em variados sentidos, como no caso

de leis físicas, matemáticas, ou operações técnicas, artísticas, gramaticais, e outros.,

como reconhecia o próprio Santo Doutor, a maior preocupação desse repousa no sentido

moral da lei, ou seja, enquanto diretora dos atos humanos para obtenção de seu fim

último.

A preocupação do autor se justifica, pois seu enfoque é enquanto teólogo moralista .

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Para que se possa compreender a amplitude e a importância que Santo Tomás dedica ao

estudo da lei, convém destacar a posição que o Tratado da Lei possui dentro da obra

mestra do autor intitulada “Suma Teológica” ( 1265-1273).

A Suma Teológica é considerada a obra da maturidade de nosso autor e foi por esse

dividida em 3 partes: A primeira parte é dedicada ao estudo de Deus em Si mesmo, Uno

e Trino. A segunda parte, destina-se ao estudo da criação e do caminho das criaturas

para seu Fim , ou seja, Deus; enquanto que na terceira parte encontramos o Tratado de

Deus como fim de todas as coisas e os meios que dispõe as criaturas para alcançá-lo.

O Tratado da Lei se encontra na prima -secunda parte, dedicado ao movimento da

criatura racional para Deus. Ou seja, a lei é apresentada dentro de um contexto

teológico, sendo vistacomo norma diretora de vida, com a finalidade de conduzir os

homens a bem-aventurança final.

E como a lei é vista como diretiva dos atos humanos, o tratado da lei está enquadrado

justamente dentro dos atos humanos, tendo como função imprimir-lhe caráter moral.

Os atos humanos apresentam princípios ou causas, que tanto podem ser exteriores como

interiores. Os princípios interiores são o entendimento e a vontade. Os princípios

exteriores são a lei e a graça.

Os princípio interiores de nossos atos, ou seja a inteligência e a vontade, são movidos

externamente por Deus, que pela lei instrui o entendimento, e pela graça, movimenta a

vontade. E como em sua obra mestra tudo tem seu lugar racionalmente estabelecido,

inicialmente se estuda a lei, e posteriormente a graça.

Em plena Idade Média, Santo Tomás destaca em sua obra a primazia da razão. Porém,

não desconsidera a influência da vontade na produção da lei.

A razão se constitui no primeiro princípio da atividade humana, e consequentemente, a

lei que regula os atos humanos é regulada pela razão. Os atos serão bons ou maus, se

estiverem conforme a razão divina e humana, fonte de sua e perfeição e bondade.

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2. Conceito.

Daí chegamos ao conceito geral de lei apresentado pelo Santo Doutor, representante

máximo da Escolástica, quaedam rationes ordinatio ad bonum commune, ab eo Qui

curam communitates habet promulgata ( I-II, q.90, 4) ou seja “ ordem ou prescrição da

razão para o bem comum, promulgado por quem tem a seu cargo o cuidado da

comunidade”.

Esta é a clássica definição da lei, que se bem seja mais facilmente aplicável a lei

humana, também se aplica a lei eterna e a lei natural.

Elementos constitutivos da lei , segundo Santo Tomás. Encontramos, pois quatro

elementos: 1) ordenação da razão – causa material; 2) Promulgação - causa formal ; 3)

Causa eficiente – representante da comunidade; 4) Bem comum – causa final

Ordenação da razão: segundo Santo Tomás, a lei é certa regra e medida dos atos,

segundo a qual se induz alguém a obrar ou se aparta de obrar (ST, q. 1, a 1, ad 3). E

como a regra e medida dos atos humanos é a razão, a lei é essencialmente racional,

ordenando as coisas para o fim.

Por outra parte, os vários atos que derivam da lei, a saber: mandar, proibir, permitir e

castigar trazem em si o selo direto da razão.

Assim, segundo a ética tomista , a lei é essencialmente diretiva de todo os atos

humanos, relativamente a sua função prática.

Enquanto o mandar e o proibir se constituem em ato de império, o permitir não possui

caráter imperativo, é um juízo da razão. Por fim o castigar é uma estimação acerca da

execução. Todos, porém, tem sua origem na razão. Está, todavia, encontra, como já

dissemos, seu primeiro motor na vontade.

Promulgação: significa sua manifestação aos membros da comunidade, a fim de que

possa ser cumprida.

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A quem tem a seu cargo o cuidado da comunidade: " A lei, própria, primeiro e

principalmente se disse ao bem comum. Mas o ordenar algo para o bem comum é

próprio de toda a multidão ou de alguém que represente esta multidão. E , portanto,

sancionar uma lei ou pertence a toda a multidão ou a pessoa pública que representa toda

a multidão. Porque em todos os casos ordenar algo para o fim pertence aquele a quem é

próprio ordenar".( ST, I-II, q. 90. 3. C)

Bem Comum: o bem comum por excelência é Deus. A lei eterna apresenta a Deus como

fim de todas as criaturas, tanto racionais como irracionais. Aos seres inferiores, cabe

refletir a imitação da glória de Deus (I q. 47, a 1). Já o homem, e conseqüência de sua

alma espiritual, poderá ver imediatamente a Deus como Bem Comum, que se cama

beatitude.

Portanto, ao dizermos que a lei pertence a razão, e que o primeiro princípio que ordena a

razão prática é o fim último, e o fim último é a beatitude, é necessário admitir que a lei

se dirige a beatitude.

Decadência da concepção intelectualista de lei: Essa concepção intelectualista de lei

começa a desaparecer na Baixa Idade Média

Duns Scot (1266- 1308), escocês, constitui a principal reação voluntarista contra o

intelectualismo. Segundo Duns Scot, as leis gerais estão fixadas apenas na vontade

divina, excluindo-se toda necessidade racional. A única limitação admitida por Scot está

no primeiro mandamento do Decálogo. Todos os demais preceitos, carecem de

intervenção racional.

Este movimento é levado ao extremo pelo inglês Guilherme de Ockhan, ao sustentarque

os ditados da lei natural caracterizam apenas a vontade divina, chegando ao extremo do

primeiro mandamento do Decálogo, admitindo, por conseqüência, a possibilidade de ser

bom odiar a Deus, se esta fosse a vontade de Deus.

A conseqüência da negação da razão em prol da vontade, levou ao surgimento do

positivismo jurídico, que encontra seu fundamento na vontade arbitrária do homem, seja

este um monarca ou mesmo o povo.

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Enquantoo intelectualismo tem como princípio a existência de uma estrutura racional,

encontrando na razão sua principal potência humana, fonte de conhecimento e diretora

da vida, considerando como subordinadas tanto a vontade como o sentimento, o

voluntarismo apresenta uma razão inversa, colocando a vontade acima da razão e,

consequentemente, diretiva de todos os atos humanos.

3 - Efeitos da lei: Segundo o Doutor Angélico oefeito geral da lei é produzir a bondade

moral nos súditos. Mas esta bondade está condicionada a espécie de lei: Assim que a lei

eterna, a lei natural e a lei divino - positiva tem como finalidade tornar o homem

absolutamente bom. Já quando adentramos no terreno da lei humana, esta só atinge os

atos externos, produzindo uma bondade relativa.

Devemos reconhecer a existência de duas ordens de efeitos da lei: o efeito próximo e o

efeito remoto. O fim próximo da lei consiste em fazer com que os sujeitos venham a

agir de determinada forma. Remotamente, o efeito da lei é tornar os homens virtuosos a

fim de que cheguem a bem-aventurança final. A lei impondo a necessidade de certos

comportamentos, dirige os atos humanos, dando-lhes sua bondade moral.

A obrigação moral ( 1-2 q. 99 a 1), efeito formal da lei, relaciona o homem ao seu fim

último. Sua raiz encontra-se na necessidade do fim.

4 - Qualidades da lei:

Graciano (século III) ensina as qualidades da lei, conforme se observa: Erit autem lex

honesta, justa, possibilis, secundum naturam , utilis, manifesta quoque, ne aliquid per

obscuritatem in captionem contineat, nullo privato commodo, sed pro communi civium

utilitatem conscripta (Decretum, 2,4).Ou seja , a lei positiva deve ser honesta, justa ,

possível, útil e destinada ao bem comum

Deve ser honesta porque não deve ir contra outra lei superior, a menos que esta sejas

contra a lei natural. Deve ser justa, conforme as variadas formas de justiça, a saber:

justiça legal, comutativa e distributiva. O contrário redundaria em contradição, pois se a

lei é produto da razão, esta não pode ir contra si mesma. Possível, ou seja, não seria

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racional ordenar leis que ultrapassassem os limites da natureza humana, quer física, quer

moralmente. Ainda destacamos que a lei deve ser necessária ou útil ao bem comum,

nunca em proveito próprio. Infelizmente hoje constatamos muitas leis em que

prevalecem interesses particulares de legisladores ou de categorias de pessoas, caindo

por terra todos o sentido de sua existência.

5 - Classificação da lei.

Lei é uma palavra- chave na arquitetura tomista. A laboriosa síntese elaborada por Santo

Tomás, recolhe elementos que a tantos pareceu impossível, servindo até hoje de ponto

de apoio e referência para toda uma cultura posterior.

Santo Tomás tem como finalidade ensinar ao homem o mais alto nível da vida. E se

bem a palavra chave de sua obra seja Lei Eterna, sua pedagogia nos chega até as regras

básicas da convivência social, apresentando, portanto o estudo da Lei Eterna, lei natural,

lei positiva: humana e divina.

6- A Lei EternaConceito: A Lei eterna, esclarece Santo Tomás se constitui na “ razão ou

plano da divina sabedoria, enquanto dirige todos os atos e movimentos das criaturas"

( I-II. Q. 93, a 1). Trata-se do plano de Deus, para o governo de suas criaturas. É uma

conseqüência da divina providência.

Em cada criatura encontramos uma lei própria de sua natureza, conseqüência de um

lugar designado por Deus em seu projeto divino. A lei eterna é o arquétipo de todas as

demais coisas.

Causalidade . A Lei eterna é causa de todas as demais leis, por diversas formas, ou seja:

a) Causalidade eficiente: ou seja, todas as leis tem na lei eterna, sua primeira moção, só

podendo regular sua própria matéria enquanto movidas por ela. Ademais, depende da lei

eterna, toda autoridade que vem de Deus.

b) Causa exemplar: Essa ordem se traduz no fato de que a verdade e a justiça que devem

regular toda a lei eterna seu princípio de regulação.

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c) Causalidade final: todos os fins especificados pela lei estão ordenados ao bem

comum por essência, que é o objeto próprio da lei eterna.

Extensão : Todas as coisas criadas estão baixo a lei eterna. A razão desta absoluta

extensão da lei eterna é a universalidade do governo divino.

Deus, enquanto Causa Primeira Universal de todas as coisas, autor de suas essências,

diferenças e manifestações do ser, conserva e conduz toda sua obra o fim último ou

Bem Comum, que é o próprio Deus. Assim, nos parece evidente concluir que a lei

eterna invade toda a obra da criação.

Portanto, todos os seres racionais como irracionais encontram-se submetidos a lei

eterna, se bem de maneira diferente.

Enquanto os seres irracionais a recebem virtualmente, sem a perceberem, as criaturas

racionais participam da lei eterna pelo intelecto. De uma forma ou de outra, todas as

coisas estão ordenadas e submetidas pela lei eterna, que é o próprio Deus. Assim ensina

Santo Tomás: "Assim, pois, a idéia eterna da divina lei tem caráter de lei eterna,

enquanto Deus orienta todas as coisas por ele preconcebidas para governá-las "(ST, I-II,

q. 91, a 1 , 1).

Promulgação. Em um primeiro momento, pode parecer impossível a promulgação da lei

eterna, uma vez que esta se confunde com o mesmo Deus. Mas, como vimos, a

promulgação é da essência da lei, sendo, portanto, indispensável Portanto, analisemos

como se dá dita promulgação na lei eterna.

A promulgação da lei eterna apresenta-se de duas formas: eterna e temporal. È eterna

pela dicção do Verbo, uma vez que o Verbo é eterno. Porém, por parte da criatura que lê

ou escuta é temporal.

7 - Lei natural -

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Conceito: A Lei natural vem a ser a “ participatio legis aeternae in rationali creatura” (I-

II, q.91, 2), ou seja, participação da lei eterna na criatura racional.

Lei eterna e lei natural formam uma só e mesma lei enquanto a raiz. Porém, devemos

reconhecer a existência das duas leis. A lei eterna, por ser a própria razão divina, abarca

todo o universo criado, incluindo a vida humana, tanto na ordem natural como

sobrenatural. A lei natural refere-se exclusivamente a atividade humana moral, em sua

esfera moral, sendo conhecida pelo homem progressivamente. Ao ser uma

“participação” da lei eterna será consequentemente finita e temporal, como o homem

que a recebe.

Um descrição essencial de lei natural, encontramos na , Introdução a Suma Teológica, I-

II, por Santiago Ramirez e outros, q. 94, B.A.C., págs 112 y 113:lei natural são as

proposições imperativas ou preceitos universais da razão prática, participada da lei

eterna, acerca das coisas boas ou atos intrinsecamente bons ou maus, em ordem ao bem

comum da bem-aventurança natural, promulgadas ou impressas naturalmente na razão

humana por Deus como legislador e supremo governante da comunidade natural dos

homens” .

Enquanto o homem participa da razão eterna de maneira intelectual e racional, o mesmo

não passa com a criatura irracional. Por esse motivo, essa participação no homem,

chama-se com propriedade lei, enquanto que nas demais criaturas só por uma certa

analogia poderá considerar-se lei.

Princípios: Se a lei natural é concebida enquanto algo essencialmente natural, com

enunciados universais da razão prática, necessariamente deverá haver uma adaptação a

natureza e a modo como atua. Assim, a semelhança do que passa com o conhecimento

especulativo, no conhecimento prático, nos encontramos com um processo que parte de

princípios evidentes até os mais distantes. Primeiramente encontramos a sindérese, que

se constitui nos princípios universalíssimos que nos inclinam a fazer o bem e evitar o

mal. Desse princípio se deduzem os demais.

A participação da lei eterna na criatura racional, lei natural, se manifesta no homem em

sua inteligência e vontade. Em sua inteligência, fazendo-o distinguir entre o bem e o

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mal; e em sua vontade, imprimindo uma inclinação para o bem e a eleição dos meios

necessários para chegar ao fim.

A lei natural relativamente aos primeiros princípios, é a mesma para todos, seja com

respeito a sua retidão como ao seu conhecimento. Porém, existem algumas

particularidades deduzidas dos princípios comuns, que em concreto são iguais para

todos, mas podem vir a apresentar alguma alteração, em conseqüência da razão

distorcida, seja pela ignorância, pelas paixões, pelos maus hábitos ou ainda por fatores

externos que influenciam no pensamento humano.

Podemos dizer que a lei natural pode modificar-se quanto aos seus princípios

secundários e terciários. Quanto aos princípios secundários, que , como dissemos , são

como conclusões próximas dos princípios primários, poderá modificar-se em casos

particulares, devido a causas especiais que venham a impedir a observância destes

preceitos. Já quanto aos preceitos terciários, que constituem-se em conclusões remotas

dos preceitos primários, a mutabilidade é facilmente admitida, pois tais princípios só

podem ser alcançados por homens verdadeiramente sábios . Estes princípios terciários

caracterizam a lei humana.

A multiplicidade destes preceitos não altera a unidade da lei natural, mas é

conseqüência da natureza humana.

Propriedades:a análise acima nos revela que a lei natural apresenta quatro propriedades,

a saber: a unidade, a universalidade, a imutabilidade e a indelebilidade. Quanto aos

primeiros princípios, os sinderéticos, estas propriedades encontram-se de forma

absoluta, pois os enunciados destes preceitos são inerentes a natureza humana. Nada os

pode destruir nem arrancar do coração do homem. Em algumas situações, poderão não

ser relativizados nos princípios secundários. Já quanto aos princípios terciários, que são

propriamente lei humana, há que reconhecer-se que o dinamismo da vida humana e

ainda devido as paixões que obscurecem a mente , a lei pode modificar-se.

Reiteramos, porém, que todos estes princípio não alteram a unidade da lei natural. Essa

propriedade é sempre absoluta.

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Lei natural e direito natural: Existem preceitos morais naturais, como por exemplo a

castidade e a temperança, que se bem são objeto da lei natural, não são de direito

natural. Este dirige-se especificamente a virtude da justiça, a qual pressupõe alteridade.

8 - Lei positiva humana:

Conceito : Como vimos, a lei natural é uma participação da ei eterna na criatura

racional. No entanto, essa participação se limita a alguns princípios comuns, gerais, não

chegando até a atividade humana específica, múltipla e variável. Da necessidade do

homem de determinar normas particulares, a partir desses primeiros princípios, se chega

a lei humana.

A lei humana é algo ordenado a um fim, pois é regra e medida de uma lei superior, que

é a lei natural e a lei divina.

Utilidade: Existe no homem uma certa disposição para a virtude. Mas para que se dê a

perfeição da virtude é indispensável uma certa disciplina. Para a aquisição desta

disciplina é necessário que se rejeite o mal. E para tanto existem as leis. A finalidade é

que o homem faça voluntariamente o bem que antes só o fazia por medo do castigo,

pela disciplina das leis . Portanto é necessário para a paz e a virtude dos homens que

existam leis. Neste sentido ensina Platão, "O Político", Livro 1, cap.2:" Se o homem é

perfeito na virtude é o melhor dos seres vivos, mas se separa da lei e da justiça é o pior

de todos , porque o homem tem a arma da razão para levar a cabo suas concupiscências

e paixões, coisas que não tem os outros animais".

Extensão : A lei humana é estabelecida para uma multidão de homens, cuja maioria não

é perfeita em virtudes. Portanto, a lei humana não proíbe todos os vícios que se espera

que um homem virtuoso se abstenha, mas somente proíbe os mais graves, vícios que a

maior parte dos homens se abstém, principalmente aquelas coisas que caracterizam um

prejuízo para os demais e, sem cuja proibição não sobreviveria a sociedade, como por

exemplo, os homicídios, os furtos, etc.

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Classificação: lei civil e lei eclesiástica : A lei positiva humana classifica-se

em :eclesiástica , aquelas provenientes da Igreja e destinadas ao bem espirituais dos

fiéis, e civil, emanada do Estado pela autoridade competente.

9 - Lei Divino-positiva- Segundo O Aquinate (ST I-II, q.91), além da lei natural e da lei

humana, foi necessário a lei divina positiva por quatros motivos. O primeiro consiste em

que o homem está destinado a felicidade eterna , que consiste na beatitude. Só que a

ordenação dos atos ao fim último excede a ordem natural, sendo necessário a revelação

divina, para que o homem se conduza mais adequadamente a este fim. Segundo, por que

a incerteza das coisas contingentes e particulares, podem produzir juízos equivocados

com respeito aos atos humanos. A fim de eliminar qualquer dúvida sobre o que deve ser

feito e o que deve ser evitado, Deus revela, por Ele mesmo, uma lei outorga que ao

homem absoluta segurança. Em terceiro lugar, porque o homem pode instituir leis

apenas sobre atos externos. Porém o aperfeiçoamento da virtude exige que a perfeição

dos atos humanos proceda desde o interior. E para a disciplina destes atos interiores, se

faz necessário a lei divina. Por fim, É impossível ao homem proibir e castigar todos os

males. Para estes, acrescenta-se a lei divina, onde são proibidos todos os pecados.

A lei divina positiva emana da lei natural por revelação, tanto o Antigo como no Novo

Testamento.

Segundo ensina Miguel Sanchez Izquierdo y Javier Hervada ,Compendio de Derecho

Natural, Ed. Eunsa, Pamplona, 1980; vol I, págs.77 e 78 citado por prof. J. A Casaubón,

sem seu trabalho " La noción de ley en la edad media" , Anuário de Filosofía Jurídica y

Social (Bs.Aires) -6-1986, pág. 107, encontramos as verdades recolhidas no Antigo

Testamento, básicas para a compreensão da lei e do direito, a saber: " a) Existencia de

Dios como ser personal y, por tanto, distinto del mundo. b) El hombre ,ser personal. c)

La naturaleza humana es buena (aun dañada por el pecado original). d) Dios es el

fundamento último del derecho. e) Um compendio de derecho natural (Exodo, 20, 1-27,

Decálogo).f) El primer precepto de la vida social y la regla áurea: 1 er. Precepto: Lev.,

19, 18, " Amarás a tu prójimo como a ti mismo"; regla áurea (derivada del anterior):

Tob., 4, 16; "Guárdate de hacer jamás a otro lo que no quisieras que otro te hiciera a ti"

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Fundamental para compreender a influência do cristianismo são os ensinamentos do

Novo Testamento . Este, aperfeiçoa o Antigo Testamento proporcionando um

conhecimento mais profundo de Deus, da relação de Deus com o homem e da

transcendência da vida humana, elevada pela Encarnação do Verbo.

É necessário salientar que o Decálogo, núcleo básico da lei divino positiva, apresenta

em nove de seus dez mandamentos preceitos de lei natural, quanto ao seu conteúdo, se

bem que não quanto a forma de promulgação. Por isso São Paulo, em sua Carta aos

Romanos, refere-se a revelação natural ( pois a lei divino - positiva pressupõe revelação

sobrenatural), obrigando, consequentemente a todos, sem exceção em consciência,

conforme ensina em ROM 2, 14-15: "Em verdade, quando os gentios, que não tem lei,

fazem naturalmente o que manda a Lei, não tendo Lei, são para si mesmos lei. E com

isto mostram que os preceitos da Lei estão escritos em seus corações". E Rom. 32, 1 "

Se o judeu tinha a Lei escrita pelo dedo de Deus em duas tábuas de pedra, o gentio tinha

lei escrita por Deus em seu coração". Esta é a lei natural, que Deus revela a todos.

10- Lei, direito e justiça:

Para o novo realismo jurídico inaugurado por Santo Tomás de Aquino "a lei não é o

mesmo direito, senão certa razão deste" (ST, I-II q. 57, art 1, ad 2), ou seja, a lei

consiste em um modelo do que o direito deve ser. Portanto, a lei antecede ao direito.

Este, para ser mais perfeitamente conhecido deve ser analisado sob seus três aspectos:

objetivo, subjetivo e normativo.

Enquanto que para as demais correntes filosóficos chama-se direito objetivo a lei, o

Doutor Angélico torna nítida a distinção, considerando direito objetivo a "res iusta", ou

seja, a coisa justa. Consiste o direito objetivo com aquilo que corresponde a alguém

como seu. Ora, o que determina que algo é de alguém é a lei, a que agora passa a ser

chamada " direito normativo". Dessa forma temos uma consideração muita mais ampla

da acepção, passando a ser considerado direito tudo aquilo que me pertence por uma lei

que me antecede. O direito subjetivo por sua vez, nada mais é que o próprio direito

objetivo enquanto radicado naquele que o detém. A existência do direito, portanto, não

fica a mercê de seu exercício por aquele que o detém. O direito identifica-se com o

"justo natural", independente da vontade das partes.

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A abordagem tomista apresenta, portanto, o direito enquanto objeto da justiça,

constituída esta em dar a cada um o que é seu, ou seja, o seu direito.

Portanto, podemos apontar a seguinte seqüência, fruto da análise exposta: lei, direito,

justiça. Ou seja, a lei determina o direito e o cumprimento deste constitui a justiça.

Obviamente que esta afirmação só nos pode valer dentro de um sistema que tem por

fundamento a lei eterna, infelizmente negada por muitos, pois caso contrário, cairíamos

no horror de considerar direito a determinação de normas emanadas de autoridades

arbitrárias, totalmente desprovidas de qualquer conteúdo moral, completamente

distantes dos princípios de lei natural, cujo cumprimento jamais traduziria um ato de

justiça.

11- Conclusão

Nos resta concluir que, se por um lado as leis humanas mudam, esta mudança é

conforme a evolução do homem. Mas a lei de Deus, por ser divina , é absolutamente

imutável, perfeita em si mesma, indelével. Não é um fato histórico, presente em um

determinado momento, mas é permanente, não muda, porque é perfeita. A Lei eterna é o

mesmo Deus, que como Deus, é perfeito, imutável, onipotente e onipresente,

governando permanentemente toda sua obra para o fim que Ele mesmo destinou: a

beatitude.

Enquanto a Filosofia Jurídica moderna apresenta a lei de uma forma reducionista, onde

lei jurídica é sinônimo de lei, a doutrina escolástica, especialmente a desenvolvida por

Santo Tomás de Aquino, ultrapassa os limites de uma visão normativa reconhecendo e

desenvolvendo de forma inigualável o conceito de lei , visto agora, de forma

amplíssima.

Bibliografia

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___________________________ .Tratado da Lei. Trad. Fernando Couto. Summa

Theologica. Porto Alegre: res-editora, s.d. (Coleção Resjurídica)

Informações Sobre o Autor

Maria de Fátima Prado Gautério

Professora Adjunta na Universidade Federal do Rio Grande. Licenciada em Direito

Canônico pela Pontifícia Universidade Católica Argentina "Santa María de los Buenos

Aires" - Facultad de Derecho Canonico "Santo Toribio de Mogorvejo". Doutora em

Ciências Jurídicas pela mesma Universidade.

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