Comunicar a Justiça. Retórica e Argumentação (2013)
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EBOOK
NOVEMBRO 2013
COMUNICAR A JUSTIA RETRICA E ARGUMENTAO
PLANO DE FORMAO CONTNUA DE 2012-2013
Coleo de Formao Contnua
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A presente publicao rene textos e comunicaes de
duas aes de formao (Comunicar a Justia e
Retrica e Argumentao), ambas realizadas no
mbito do Plano de Formao Contnua 2012-2013. A
sua complementaridade evidente, a qualidade das
intervenes que nelas ocorreram, o interesse pblico
da matria e a sua potencial utilidade no apenas para
os iniciais destinatrios, mas para toda a comunidade
jurdica, justificam que o Centro de Estudos Judicirios
cumprindo os objetivos inscritos no Plano de
Atividades 2013-2014 d corpo a mais um eBook da
Coleo Formao Contnua.
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Ficha Tcnica
Nome:
Comunicar a Justia (1 de fevereiro de 2013) Parceria com a Entidade Reguladora para
a Comunicao Social
Retrica e Argumentao (5 de julho de 2013) Colaborao do Teatro Nacional de So
Carlos
Categoria:
Formao Contnua
Conceo e organizao:
Antnio Pedro Barbas Homem
Colaborao:
Gabinete dos Juzes Assessores do Supremo Tribunal de Justia Assessoria Cvel
Intervenientes:
Joana Marques Vidal (Procuradora Geral da Repblica)
Antnio Pedro Barbas Homem (Diretor do Centro de Estudos Judicirios)
Carlos Magno (Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicao Social)
Jos Antnio Henriques Santos Cabral (Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justia)
Raquel Alexandra Brzida Castro (Vogal da Entidade Reguladora para a Comunicao
Social)
Manuel Tom Soares Gomes (Juiz Desembargador no Tribunal da Relao de Lisboa)
Rui do Carmo (Procurador da Repblica)
Paulo Ferreira da Cunha (Professor Catedrtico, Faculdade de Direito da Universidade
do Porto)
Hermenegildo Borges (Professor da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa)
Reviso final:
Edgar Taborda Lopes
Joana Caldeira
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NDICE
PARTE I COMUNICAR A JUSTIA ........................................................................................ 7
Sesso de abertura ........................................................................................................................ 9
Videogravao das intervenes do Diretor do CEJ e do Presidente da ERC ........................ 11
Tribunais e Comunicao Social - Jos Antnio Henriques Santos Cabral .................................. 13
Videogravao da comunicao ............................................................................................ 37
Justia versus Comunicao Social - Raquel Alexandra Brzida Castro ....................................... 39
Videogravao da comunicao ............................................................................................ 67
Decises Judiciais: simplificar a escrita, comunicar melhor, ganhar eficcia - Manuel Tom
Soares Gomes .............................................................................................................................. 69
Videogravao da comunicao ............................................................................................ 98
Comunicar com clareza e rigor. Informar respeitando os direitos pessoais - sublinhando alguns
aspetos da atividade do Ministrio Pblico - Rui do Carmo ....................................................... 99
Videogravao da comunicao .......................................................................................... 108
Sesso de encerramento ........................................................................................................... 109
Videogravao da interveno da PGR - Joana Marques Vidal ........................................... 110
PARTE II - RETRICA E ARGUMENTAO .......................................................................... 112
Natureza e Funo da Retrica Jurdica - Hermenegildo Ferreira Borges ................................. 114
Videogravao da comunicao .......................................................................................... 129
Tpicos jurdicos e no jurdicos na retrica do Direito - Paulo Ferreira da Cunha .................. 131
Videogravao da comunicao .......................................................................................... 133
DOSSIER DE FORMAO ................................................................................................... 135
Estatutos e documentao relevante......................................................................... .138
Dever de Reserva .........................................................................................................306
Circulares .....................................................................................................................307
- Conselho Superior da Magistratura ......................................................................... 308
- Conselho Superior do Ministrio Pblico ................................................................ 319
Deliberaes dos Conselhos Superiores ..................................................................... 320
- Conselho Superior da Magistratura ......................................................................... 320
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Acrdos .......................................................................................................... 321
Atas do Plenrio .............................................................................................. 374
- Conselho Superior do Ministrio Pblico ................................................................ 393
Jurisprudncia do Supremo Tribunal de Justia (at 31 de janeiro de 2013) ........... 453
Nota:
Foi respeitada a opo dos autores na utilizao ou no do novo Acordo Ortogrfico
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Registo das revises efetuadas ao e-book
Identificao da verso Data de atualizao
Verso inicial 11/11/2013
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Parte I Comunicar a Justia
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Sesso de abertura
Interveno do Diretor do Centro de Estudos Judicirios (Antnio Pedro Barbas Homem)
Interveno do Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicao Social (Carlos Magno)
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Videogravaes da sesso de abertura
http://justicatv.pt/index.php?p=2175http://justicatv.pt/index.php?p=2176
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Tribunais e Comunicao Social
[Jos Antnio Henriques Santos Cabral]
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Tribunais e Comunicao Social
I.
A1 compreenso da relao entre os rgos de comunicao social e a Justia ou, mais
concretamente, os Tribunais implica a percepo dos momentos que marcaram tal dilogo no
decurso das ltimas dcadas.
Na verdade, foi longo o caminho percorrido desde Abril de 1974, assistindo-se ao
nascimento de uma democracia de opinio, fundada na transparncia e visibilidade das
instituies, a que acresceu o desenvolvimento, e a fora, de uma comunicao social na qual
as televises privadas assumiram um papel preponderante, descobrindo a mais-valia que
constitua no quotidiano o drama da Justia.
Paralelamente, coexistem um novo tipo de jornalismo, o denominado jornalismo de
investigao, e um interesse pblico focado nas coisas do direito. Media e Justia entreolham-
se numa descoberta mtua de virtualidades, e de pressentimentos, sobre a utilidade que cada
um pode assumir para o outro.
O circo meditico comea, ento, a ensaiar os seus primeiros passos e das barras dos
tribunais at s primeiras pginas dos jornais, passando pelos horrios nobres, apenas um
passo e, pela primeira vez, as imagens em directo de um julgamento so transmitidas para
todo o pas. Aparecem os primeiros grandes casos mediticos, prendendo a ateno dos
espectadores que so agora confrontados com a notcia em directo duma realidade que lhes
surge como um pedao da vida de todos os dias, e no como algo de abstracto situado num
universo longnquo.
O Direito torna-se um dos principais temas dos media e, numa sociedade que se afirma
de Informao, o espao pblico constitui o lugar-comum para a partilha de ideias, crenas,
opinies e emoes em linha directa com os acontecimentos sociais relevantes, formando uma
importante opinio pblica.
A mediao da comunicao social concede ao espectador a noo de que tambm ele
est no domnio dos dados que lhe permitem fundamentar o seu prprio juzo sobre a justia
do caso concreto e, por tal forma, avaliar como o Tribunal cumpriu o seu nus de legitimao.
Os casos de judiciais so vividos pelo pblico no domnio das emoes, convices e
preconceitos e, por vezes, muito para l do apelo da racionalidade.
Os tribunais so agora confrontados com a necessidade de uma compreenso da
comunidade perante o seu exerccio da jurisdio a qual, ultrapassando o mero obiter
dictum, avalize os seus procedimentos.
1 Conferncia apresentada no CEJ em 2 de Fevereiro de 2013.
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Tribunais e Comunicao Social
neste espao novo, e desconhecido, que se assiste ao aumento do interesse do
cidado comum sobre as coisas do direito e, particularmente, do direito penal ou, como afirma
Fernanda Palma, o Direito torna-se objecto privilegiado dos media e entra no quotidiano dos
cidados, gerando uma relao nova, e emotiva, com os problemas da Justia.
Entretanto, pela Europa, a ateno dos cidados chamada para investigaes com foco
numa nova patologia do exerccio do poder, que invade o corao do Estado, tocando os
detentores do poder poltico, e econmico, quantas vezes numa situao de duplicidade com a
criminalidade organizada. Se a operao Mos Limpas o exemplo da investigao de
criminalidade ligada ao prprio corao do Estado j Paolo Borselino e Giovanni Falcone
tornam-se o modelo de uma nova gerao de juzes europeus.
A imprensa teve, tambm, um papel fulcral nessa nova realidade e a proximidade
existente ente media e Magistrados foi o pretexto para uma primeira reaco daqueles que j
vislumbravam o perigo que para si constitua a conjugao de uma Magistratura dotada dos
instrumentos adequados para a eficincia da investigao criminal e uma Imprensa
independente e de qualidade. A imprecao de Alain Minc contra aquilo que denomina de
Santa Trindade numa aluso a Magistrados, Jornalistas e Cidados informados no mais do
que o assumir de dores daqueles para quem a sua responsabilizao criminal uma forma
inadmissvel de constrico do poder poltico pelo poder judicial2.
Na dcada de 1990 lenta, mas gradualmente, os sinais comeam a mudar, indicando um
distanciamento e, muitas vezes, uma incompreenso entre os tempos da Justia, e os tempos
da notcia; entre a transparncia, ou visibilidade, e o sensacionalismo, entre o exerccio de
direitos fundamentais como o da presuno de inocncia e a defenestrao meditica na
concretizao do que Heinrich Boll j anunciava na Honra Perdida de Katharina Blum.
Paralelamente, a nossa sociedade inicia um processo de transformao que a marca
indelevelmente. o tempo dos novos valores, da sua relatividade e dos valores ausentes e ,
tambm, o tempo em que algumas conscincias so moldadas pelo clima de facilidade criado
por correntes de dinheiro que, vindas da Europa, parecem no ter fim.
2 Diz Alain Minc (Em Nome da Lei pag. 49) que na nova hierarquia dos poderes estabelecida pela democracia
de opinio, ladeada pelo seu assessor, a imprensa, a justia j no ocupa a posio de um contra-poder
poderoso; transformou-se no primeiro dos poderes. Perante a justia, que peso tem o seu nico rival, o poder
executivo, uma vez que o legislativo se tornou uma simples cmara de registo da jurisprudncia? A
legitimidade mudou de campo: doravante, pertence mais aos juzes do que aos polticos.
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Tribunais e Comunicao Social
O tecido social, e econmico, do pas altera os seus padres, e o bem-estar e o consumo
so erigidos em regras de comportamento, remetendo para os arcanos a conscincia de que as
sociedades se constroem com valores. este o tempo dos fundos europeus aplicados em
objectivos dos quais apenas restam algumas infraestruturas ou em cursos de qualificao
profissional que apenas tiveram o mrito de propiciar substanciais proventos aos seus
proponentes mediante os to tpicos esquemas este o tempo em que, como hoje, por
autnticos passes de magia, aparecem fortunas colossais de um dia para o outro sem que
seja possvel descortinar uma origem legtima3.
Na iluso da promessa de um progresso econmico, cujos fundamentos assentavam na
areia, publicitavam-se apoios a fundo perdido e investimentos. Concedia-se crdito bancrio
ao desbarato, incentivando-se o consumo e apresentando os smbolos de riqueza como
critrio de sucesso.
Refere, a propsito, Laborinho Lcio que o crdito bancrio, que a queda acentuada
das taxas de juro colocava cada vez mais perto, constitua o pulmo por onde se inspirava
facilidade. O consumo e as oportunidades confundiam-se, dando um novo sentido ao sonho da
igualdade. Um hedonismo do curto prazo dispensava as arcaicas preocupaes com o futuro.
Mandava-se comprar agora e pagar depois. Falava-se, mais do que se reflectia, sobre a
globalizao4.
No admira, assim, o aparecimento de uma nova criminalidade que, ao lado do catlogo
clssico dos crimes contra pessoas e bens, veio adicionar uma criminalidade econmica de
grande porte, interagindo com as prprias estruturas do Estado.
Perante os novos desafios, lanados pela necessidade de enfrentamento de uma
criminalidade complexa, o sistema judicirio permaneceu fechado, ligado a um imobilismo em
que o positivismo interpretativo, ausente do espirito da norma, era compagnon de route de
um, quantas vezes irrazovel, garantismo processual. Nessa impreparao para as novas
realidades evidenciou-se o desfasamento entre a capacidade das estruturas judicirias, e de
investigao, pr-existentes e os novos crimes de colarinho branco, situao que, a pouco e
pouco, se tornou mais evidente para o cidado comum. Este comeou a ver, e com uma
frequncia inquietante, o incio espectacular do processo conduzir ao seu progressivo
3 Certamente ter nascido aqui a intensa antipatia de uma parte da classe politica pela figura do
enriquecimento ilcito. 4 O julgamento pg. 305 e seg.
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Tribunais e Comunicao Social
definhamento e, muitas vezes, ao esquecimento5.
Recorrendo novamente s palavras do mesmo Autor foi neste espao disfuncional.,
que se fixou toda a discusso em volta da criminalidade econmica, com particular relevo para
a corrupo, e onde, at hoje, no foi possvel encontrar o ponto exacto de concordncia
prtica entre os contrrios em presena.
Perante a opinio pblica moldada pelas notcias da comunicao social a incapacidade
do sistema no era uma consequncia da necessidade da reforma estrutural mas uma
incapacidade do sistema e dentro deste dos Magistrados 6.
No deixa de ser elucidativa esta concluso de algum que, ento, esteve no palco do
poder poltico, afirmando que, em dcadas de democracia, a questo da criminalidade
econmica, e da exigncia de meios adequados para a enfrentar, nunca fez, verdadeiramente,
parte da agenda poltica, remetendo-se a alteraes legislativas muitas vezes impostas pelas
convenes internacionais7. Acrescentaremos que nunca fez e continua a no fazer.
Apelando, tambm s palavras sentidas de Cunha Rodrigues A aco poltica
propriamente dita fez-se, demasiadas vezes, por inaco. Este esprito permitiu, por exemplo,
que a gesto de recursos humanos e materiais constitusse uma excelente forma de vigiar a
reactividade e dosear a pr-actividade das instituies judicirias; que a tutela das polcias
permitisse regular a malha da investigao; e que o positivismo legalista contivesse os
magistrados nos trilhos tcnico-burocrticos que, alis, sempre tinham constitudo o seu
habitat natural. O funcionamento da justia reflectiram uma opo poltica que no podia ser
sem consequncias. Em particular, no domnio da criminalidade econmica, a capacidade das
instituies judicirias no se consolidou. S mais tarde, com a crise global, se compreenderia
que a desregulao no tinha sido apenas consequncia do postulado neoliberal. Constitura
meio e oportunidade para destruir os circuitos virtuosos da banca, para potenciar a
economia virtual e para familiarizar a vida poltica com condutas marginais que s
tardiamente tinham sido criminalizadas e sobre as quais, em qualquer caso, eram parcos os
conhecimentos sobre o modus operandi. Neste domnio, a primeira distribuio de fundos
5 Tivemos agora noticia do arquivamento do inqurito pendente no DCIAP iniciado h 11 anos relativo
responsabilidade penal do Presidente da Cmara da Amadora. 6 Ibidem 7 Momentos fundamentais do denominado combate corrupo foram a criao do DCIAP do Ministrio
Publico; a transformao cosmtica da DCICCIEF da Policia Judiciria ou a extino da Alta Autoridade Para a
Corrupo. Pela sua relevncia anotam-se ainda as centenas de conferncias, seminrios e colquios sobre
o tema.
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Tribunais e Comunicao Social
comunitrios, a expanso da contratao pblica e o financiamento de partidos polticos
representam historicamente momentos determinantes8.
Falando deste tempo vem memria que, em 1990, comeou o chamado caso UGT,
logo avocado pelo MP. O caso Partex comeou em 19919. O da Caixa Econmica Aoreana,
iniciou-se em 1988 e s em 1996 se deduziu acusao. A par desses havia cerca de mais duas
dezenas da mesma ndole, espalhados pelos DIAPs de Lisboa e Porto como o caso do Vale do
Navio, comeado em 1987, do aeroporto de Macau, comeado em 1990 e o do Ministrio da
Sade, comeado em 1989.
A exposio meditica, para a qual os magistrados no estavam preparados, os
incidentes do processo, e a morosidade do seu andamento, acabaram por vincar na opinio
pblica uma dupla ideia negativa sobre os tribunais: que so ineficientes e que so refns dos
desequilbrios entre a capacidade tcnica da defesa e da acusao10.
A conjugao deste factores criou o clima favorvel para que a denominada crise da
Justia entrasse no lxico comum e comeasse a ser um tema que, de tanto repetido, se
comeou a aceitar como verdade irrefutvel sem carecer de demonstrao, arrastando tudo e
todos. Criaram-se, ento, as condies necessrias para uma crise de legitimao que surge
associada com o fenmeno to, ou mais grave, que a crise da autoridade dos Tribunais.
Secundando esta perspectiva tambm Artur Costa refere que11 a segunda fase, depois
de meados da dcada de 90, corresponde chamada crise da justia, a da descoberta, um
pouco por toda a Europa, de que esta estava em crise. A estes casos veio juntar-se a
8 Recados a Penlope pg. 105 e seg. 9 Notcia do Pblico de 15/01/2001: Tribunal de Instruo Criminal (TIC) de Lisboa deixou prescrever o caso
Partex/Fundo Social Europeu (FSE), tendo o Conselho Superior da Magistratura (CSM) instaurado um
processo ao juiz instrutor do caso, revelou fonte judicial Lusa. Segundo a mesma fonte, o caso Partex/FSE
encontrava-se em fase de instruo no TIC de Lisboa desde 1997, tendo no decorrer da instruo sido
destacados dois magistrados judiciais para despachar os outros processos que estavam afectos ao juiz do
caso Partex. 10 Como refere Boaventura Sousa Santos (Viso de 17/12/2009 Justia: a dcada da visibilidade)
Considerando que a criminalidade complexa, em especial, a criminalidade econmico-financeira, a
corrupo, o trfico de influncias e o abuso do poder tm sido factores importantes na degradao da
nossa vida colectiva, foroso concluir que o sistema judicial tem contribudo, por omisso, para este estado
de coisas. extenso o rosrio de casos em que os tribunais se deixaram enredar de maneira inglria e com
um desprezo total pela exigncia cidad de transparncia e justia: fundos sociais europeus, Partex, facturas
falsas, Caixa Econmica Aoreana, JAE, Universidade Moderna, Caso da Mala, Freeport, Portucale, Operao
Furaco, Apito Dourado, Somague. O que se conhece de casos mais recentes (Caso BCP, Caso BPN e Face
Oculta) no nos sossega quanto ao seu destino. 11 Revista do Ministrio Pblico n. 107 Julho Setembro de 2006-Justia e Comunicao Social.
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Tribunais e Comunicao Social
exasperao dos conflitos entre magistraturas e outras corporaes da justia, como se j no
bastassem os outros problemas que afectavam as instituies judicirias, todas elas
procurando tirar proveito da situao pantanosa.
A comunicao social foi um dos principais veculos da divulgao dessa crise, que
passou a ser a crise por excelncia, remetendo para o limbo as outras crises12.
Assim, pode-se afirmar que a caracterstica deste momento das relaes entre Tribunais
e Comunicao foi, em primeiro lugar, o clima de intimidade (bem expressa nas noticias de
primeira pagina do Jornal Independente) a que logo se seguiu o tempo da desconfiana mtua,
alimentada por uma mediatizao da crise.
Estamos agora num outro ciclo, surgido na ltima dcada, marcado por momentos em
que a tenso institucional, usando a comunicao social como palco, atingiu as fronteiras do
admissvel numa democracia consolidada.
O processo Casa Pia foi o detonador de uma crise no s da Justia como, tambm,
poltica, pois que para alguns membros desta classe os sinos tocaram a rebate perante o
atrevimento judicirio, nomeadamente aquando da deteno, e posterior priso, de um
destacado membro do Partido Socialista13.
A partir da, e no domnio das relaes institucionais, ficou claro o nvel do apreo e a
perspectiva que, para parte do poder politico, deveria animar as relaes com os tribunais: a
alterao aos regimes de frias judiciais; subsistema de cuidados de sade; questes
remuneratrias; conflitos entre as cpulas da magistratura judicial e do Ministrio Pblico
sobre os poderes na conduo do processo judicial, em especial, na conduo da investigao
criminal; conflitos dentro dos corpos profissionais, entre o Bastonrio da Ordem dos
Advogados e respectivos Conselhos Distritais, entre a Associao Sindical de Juzes e o
Conselho Superior da Magistratura, entre o Sindicato do Ministrio Pblico e a Procuradoria-
Geral da Repblica, foram meros episdios de um mal-estar mais profundo.
12 Segundo o mesmo autor este perodo coincide com o processo das FP 25 e o arrastamento do caso
Otelo, o processo do sangue contaminado, as fraudes relacionadas com os subsdios do Fundo Social
Europeu, os famosos arquivamentos desses e outros processos por prescrio, que tiveram na sua base um
desajustamento entre a entrada em vigor do novo Cdigo de Processo Penal de 1987 e as alteraes
introduzidas no Cdigo Penal pelo DL 48/95, de 15 de Maro. O caso foi to saliente que ultrapassou as
fronteiras do nosso pas. O prestigiado dirio madrileno El Pas de 14 de Novembro de 1998, dedicou-lhe
uma larga notcia, que intitulou: El Supremo portugus archiva los casos de corrupcion durante el Gobierno
de Cavaco. 13 O acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 22/03/2011 exemplar na apreciao dos factos e no
enquadramento jurdico relativo situao em apreo.
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Tribunais e Comunicao Social
Tais conflitos institucionais aprofundaram as percepes negativas dos portugueses
sobre o sistema judicial e minaram a sua legitimidade social.
No universo do judicirio surgem, agora, com uma inusitada proficincia, os opinion
makers, debitando anlises sobre o sistema de justia e, muitas vezes, julgando o julgamento.
Ficam para Histria os artigos que, a propsito do processo Casa Pia, escreveram alguns
dos mais conceituados comentadores. Para muitos aquele processo surgiu como a
possibilidade de um caso Dreyfus escala domstica no qual, ao fim e ao cabo, o que
interessava no era saber o que realmente aconteceu, mas o que se pretendia que se pensasse
ter acontecido, muitas vezes ao saber dos preconceitos, e pr-juzos, quando no de acordo
com His Masters Voice14.
Tomar posio sobre a crise da justia tornou-se num imperativo categrico para
polticos, e comentadores, no qual, muitas vezes, o desconhecimento concreto s tem paralelo
na assertividade com que todos se pronunciam15.
Em directo, e sem reserva, em programa televisivo16 colocam-se advogados e arguidos a
reelaborar o julgamento do Processo Casa Pia, opinando e depondo segundo os seus
interesses e as suas percepes e intuies17 18. Temas como as escutas telefnicas, ou a
priso preventiva, suscitam debates acalorados que primam, muitas vezes, pela ausncia de
opinies fundamentadas e objectivas, construtoras de cidadania num Estado de Direito, antes
14 Exemplar o programa televisivo Prs e Contras de 02/09/2009 que teve por objeto o denominado
processo Freeport. 15 Noticia o i de 08 de Maro de 2012 que vrias personalidades nacionais, entre as quais o cineasta
Antnio-Pedro Vasconcelos, o maestro Antnio Victorino de Almeida ou o fadista Carlos do Carmo, criaram
uma petio pedindo Assembleia da Repblica que investigue a investigao do processo Casa Pia.
Em declaraes Agncia Lusa, Antnio-Pedro Vasconcelos explicou que, por detrs desta petio, est um
conjunto de pessoas que acompanharam o processo da Casa Pia e, em particular, o processo que envolveu o
apresentador Carlos Cruz, e aperceberam-se de que se tratava de um caso bastante assustador, com
contornos preocupantes para a democracia e para um Estado de Direito.
Houve atropelos constantes na investigao, foi frequentemente, para no dizer sempre, adulterado e
invertido o nus da prova e aquilo que fundamental num Estado de Direito que a presuno de inocncia,
em que a investigao e a inquirio dos assistentes est cheia de erros, justificou. 16 Prs e Contras em 7 de Setembro de 2010. 17 Para Henrique Monteiro, director do Expresso, a nossa investigao m, no presta, ponto! Referindo-
se investigao criminal do Casa Pia pergunta o mesmo se a convico dos julgadores do caso no se ter
ficado antes a dever a uma crena, coisa diversa da convico que anda atrelada verdade, sendo aquela
um fenmeno ideolgico. Henrique Monteiro acha a investigao do caso uma enorme vacuidade. 18 Pesou a experincia anteriormente adquirida noutras produes televisivas como o denominado caso
Esmeralda que se transformou perante a opinio pblica num autntico prlio clubstico.
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Tribunais e Comunicao Social
se tomando posio consoante os preconceitos que nos animam (como o caso das escutas
no processo Face Oculta).
Como refere o jornalista Joaquim Vieira considerou-se, a partir de certa altura...que
relatar os factos, s por si, no chegava. Isto , j no era suficientemente digno, nobre para a
profisso de jornalista. Era preciso acrescentar mais alguma coisa. E, ento, aparece aquilo a
que eu chamaria o jornalista pavo, que o jornalista que quer meter mais algumas penas
coloridas nos trabalhos que faz e, ento, acha que fica muito mais interessante e bonito o seu
trabalho se acrescentar com opinies prprias, com anlises de carcter subjectivo, com muitos
adjectivos pelo meio, qualificaes sobre os factos e sobre as pessoas, com certas imagens
mais ou menos coloridas e, portanto, que o trabalho s est completo assim. Daqui resulta que
os jornalistas tendem a substituir-se aos comentadores, aos opinion makers em Portugal, para
fazer passar a sua suposta verdade sobre aquilo que o politicamente correcto. Portanto, os
prprios jornalistas defendem o que o politicamente correcto daquilo que no
politicamente correcto e assumem-no em reportagens, em entrevistas, em textos noticiosos
nos quais, de facto, est ausente o tal rigor noticioso. Enfim, quanto a mim, aquilo que deveria
caracterizar a actividade noticiosa19.
Para culminar reforma-se o Cdigo de Processo Penal, no em consequncia da
elaborao doutrinal, ou jurisprudencial, mas tendo como ponto de referncia as sombras do
processo Casa Pia, afirmando expressamente o ento Ministro da Justia Alberto Costa que foi
o mesmo guiou as alteraes20.
No entretanto, a inquietude entre o poder poltico e os tribunais potenciada por
sucessivos casos que tocam todos os arcos do espectro poltico, e financeiro, e vo desde a
base at ao topo, vo do Norte ao Sul, da Administrao local Administrao Central, vo do
Freeport Face Oculta e, passando pelo Portucale, visitam o BPN e outros quejandos.
O desenrolar de muitos destes processos, recheado de vicissitudes, desenrolando-se ao
longo de anos, incompreensvel para muitos cidados, tal como tambm o o seu
desfecho21. Percebe-se na opinio pblica um desprestgio subjectivo que transparece na
classificao do pas nos ndices de Percepo da Corrupo.
19 Colquio organizado pela Alta Autoridade para a Comunicao Social, pag 91 Traar as fronteiras entre
opinio, especulao e notcia. 20 Dirio de Notcias de 15 de Setembro de 2010. 21 Paradigmtico o caso Freeport que, depois de estar parado durante vrios e forma inexplicvel, com os
responsveis pela aco penal ignorando a sua existncia, passou da imputao de um crime com indcios
de corrupo, para um crime de extorso, evidenciando uma olmpica mudana de estratgia processual.
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Tribunais e Comunicao Social
De todas estas vicissitudes se aperceberam muitos dos jornalistas que se dedicam rea
dos tribunais transmitindo para a opinio pblica informao objectiva. Porm, e
paralelamente, num jogo de sombras chinesas, comeou a tomar forma um novo fenmeno
no qual o amadorismo na tentativa de manipulao da imprensa substitudo por profissionais
que, estrategicamente, utilizam os media, condicionando a opinio pblica22.
Hoje, a relao entre Tribunais e Comunicao Social escreve-se de muitas maneiras e
com preocupaes diversas no que diz respeito tica e a deontologia. Oscilamos entre a
notcia objectiva e o jornalismo de investigao isento, tantas vezes importante para a
formao de uma opinio pblica esclarecida, e a opinio preconceituosa, conduzindo a
distores da realidade.
Na primeira a transparncia e a visibilidade que deve rodear os tribunais, nele se
implicando a crtica fundamentada, que cimento do Estado de Direito, na segunda est
latente a deslegitimao, ou eroso, quantas vezes deliberada, do papel dos Tribunais. Para
esta todos os motivos so vlidos para trazer para a praa pblica a decantada crise da justia
e a ineficincia dos juzes23 24.
Infelizmente ficou por apurar o misterioso desaparecimento de 6.9 milhes de Euros (vd Jornal de Notcias
de 19/07/2010). 22 No se pode remeter para o limbo das realidades indesejadas o facto de a relao ente os media e os
tribunais se ter revelado uma fonte de novos riscos para alguns dos valores fundamentais dos actos do juiz,
nomeadamente a independncia e a imparcialidade. Na verdade, os fluxos de informao no se limitam a
descrever o que acontece no campo da jurisdio, mas, muitas vezes, pressionam aqueles que a exercem,
por vezes com grande intensidade e sem que se visualize a garantia efectiva ou suficiente para obstar a que
isso acontea, o que traz colao a questo da auto-regulao. 23 No resistimos ao desafio de, a ttulo de exemplo, chamar colao um caso concreto. Na verdade, desde
que, em 18/10/1989, foi pronunciado no Supremo Tribunal de Justia o Acrdo com a infeliz expresso
coutada do macho lusitano, existiram milhes de decises proferidas por tribunais portugueses.
Melhores, ou piores, todas tiveram por denominador comum o exerccio de uma funo constitucional que
se consubstancia a proteco de direitos consagrados na Lei, legitimando-se pelo respectivo procedimento.
Porm, a expresso em causa repetida at exausto por alguns dos fazedores de opinio, pretendendo
significar com a mesma, o paradigma de uma forma tpica de exercer a funo de julgar englobando
acriticamente todos os juzes. 24 A ttulo meramente exemplificativo de artigos opiniativos Uma justia sem Defesa Expresso
20/06/2009; Podrido da Justia Expresso de 1/05/2009; Suprema Bofetada Martim Ramires, Sol, de
2/06/2007; Justia e Preconceito Vicente Jorge Silva, Sol, 24/11/2007; Duas Palmadas no rabo ao apito
Dourado Vicente Jorge Silva, Dirio de Notcias, de 31/05/2006; O juiz macho e o apalpo latino
Fernanda Cncio, Dirio de Notcias, de 19/01/2007; Os Olhos Mortos da Justia Vicente Jorge Silva,
Dirio de Notcias de 24/01/2007.
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Tribunais e Comunicao Social
E se certo que uma mentira, por muito repetida, no se transforma numa verdade,
no deixa de nos causar a maior perplexidade verificar que, pelo mesmo diapaso, afinam
alguns dos pensadores a que nos habituamos a dar crdito optando, tambm eles, por uma
crtica infundamentada25.
Os tribunais e os juzes, impossibilitados de responder, tornam-se, assim, a catarse, ou o
pushing ball, de uma sociedade descontente com ela prpria e desejosa de encontrar
responsveis pela situao em que se encontra. Esse desejo alimentado por bons, e maus,
motivos tem por consequncia o desprestgio dos tribunais, o enfraquecimento da fora das
suas decises e, por ltimo, a deslegitimao e a perda de autoridade.
Porm, tal constatao no pode esquecer que muitas das crticas dirigidas ao
funcionamento do sistema judicial, e transmitidas pelos rgos de comunicao social,
formatando a opinio pblica, so fundamentadas e constituem um contributo positivo de
cidadania.
A questo que ento emerge do equilbrio a procurar nesta relao ente Comunicao
social e Justia e relativamente qual muitos alimentam um pensamento de desnimo. Nesses
sentido vo as palavras desiludidas de Cunha Rodrigues ao afirmar que acreditou que era
possvel construir uma relao eticamente fundada, transparente e sustentvel entre justia e
comunicao social para logo a seguir concluir: No era!26
Pelo mesmo diapaso se pronuncia Antoine Garapon, quando, sustentando-se na
violao de direitos fundamentais, afirma que a ameaa que os mdia fazem pairar sobre a
estrutura simblica da justia revelar-se- talvez mais perigosa do que alguns atentados a
certas liberdades pblicas. Segundo o mesmo o smbolo impe uma distncia. Ora, os mdia
aboliram as trs distncias essenciais que so a base da justia: a delimitao dum espao
protegido, o tempo diferido do processo e a qualidade oficial dos actores deste drama social.
Eles distorcem o quadro judicial, paralisam o tempo e desacreditam a autoridade. Na verdade
o enfraquecimento das autoridades institudas corresponde a uma perda de soberania da
democracia sobre si mesma. Os media constituem por isso uma autoridade bem real, mas
desconcertante porque inconsistente, inconstante e inconsequente, ao contrrio de qualquer
instituio reconhecida e considerada, estvel e operante.
25 Nesta linha se encontram Antnio Barreto quando, em 27 de Fevereiro de 2010 afirmava no Expresso a
suspeita do pagamento a magistrados Judiciais ou do Ministrio Publico de informaes em segredo de
Justia ou Antnio Arnaut afirmando para o Campeo das Provncias em 29/04/2010 que a corrupo j
chegou s magistraturas. 26 Recado a Penlope, pg. 103 e segs.
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Tribunais e Comunicao Social
Esse recurso selvagem opinio pblica igualmente prejudicial porque incute a ideia
de que, numa democracia, o melhor juiz a opinio pblica 27.
Em ltima anlise est em causa uma tica de comportamentos.
Efectivamente, medias e justia vigiam-se mutuamente. A misso da imprensa
informar de forma crtica e nesse exerccio compreende-se a Justia. Por seu turno a esta
compete garantir a cada cidado a presuno de inocncia e o direito a um processo justo.
Esta tenso faz deflagrar um paradoxo para os cidados num Estado de Direito pois que se, por
um lado, o direito a uma informao livre e crtica uma das condies de um regime
democrtico, por outro, o seu exerccio pode comprometer um certo nmero de direitos
fundamentais desses mesmos cidados como a presuno de inocncia, o respeito pela vida
privada ou o direito a um processo justo. A escalada de conflito entre os medias e a Justia
corre o risco de se fazer custa do cidado.
Nunca se poder eliminar totalmente tal tenso porque inteiramente diferente a
lgica e finalidades que inspiram media e justia. Os primeiros privilegiam a rapidez enquanto
que a justia adopta um funcionamento lento, e reflectido, pois que o seu objectivo no a
rapidez e o interesse do pblico, mas a equidade.
Em ltima anlise as divergncias resultam das funes diferentes que ocupam e no
so negativas pois que a imprensa e a justia no so, nem podem ser, amigos. Quando muito
sero parentes distantes entre os quais preciso manter um dilogo que seja correcto, mas
eticamente sem quaisquer concesses, por forma a garantir um equilbrio fundamental num
Estado de Direito28.
II.
A forma como ocorre a relao Tribunais e media tem importantes consequncias,
positivas e negativas. A primeira cinge-se ao facto de uma actividade de claro interesse
interesse pblico sair do mundo fechado dos Palcios de Justia, adquirindo uma maior
visibilidade junto dos cidados. Em simultneo aqueles que exercem a funo de julgar podem
ver reflectido na comunidade o sentir da sua deciso, capacitando-os para uma eventual
autocritica. Porm, as expectativas da visibilidade meditica trazem consigo as inerentes
patologias entre as quais a da prtica pouco rigorosa no exerccio da funo de informar e de
contribuir para formar uma opinio, expresso de atitudes desatentas complexidade das
27 O Guardador de Promessas, pg. 77 e segs. 28 Conf. Dirk Voorhoof, La relation entre les Medias et la Justice.
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Tribunais e Comunicao Social
questes e especificidade e sensibilidade dos interesses em jogo. E isto ser assim quando,
recorrendo a uma compreenso holstica, concluirmos pela intrumentalizao dos meios de
comunicao social num desafio a direitos fundamentais como a liberdade de expresso e
informao.
A afirmao de um exerccio da funo de julgar dentro dos limites da racionalidade e da
legalidade, legitimando-o por um escrutnio publico exercido pela comunidade informada
pelos meios de comunicao, no pode esconder o pressuposto fundamental de que estes so
uma outra forma de poder, o que, como refere Perfecto Ibanez, lhes confere um status de
ambiguidade constitutiva. Contribuem objetivamente para formar o espao pblico, que a
essncia mas, ao mesmo tempo, as suas dimenses e os interesses polticos e financeiros que,
muitas vezes, os movem, conjugados com a enorme capacidade de irradiao, decorrem sem a
existncia de contrapesos eficazes que funcionem como vlvula de escape
Porm, como refere Daniel Innerarity (O Novo Espao Pblico pg. 49 e segs.) tal espao
publico no algo de uniforme, mas sim um produto polidrico duma criao dos meios de
comunicao que ampliaram enormemente as dimenses do comum, e do pblico, que de
outro modo no seriam to amplos e visveis. Essa comunidade, criada pelos meios de
comunicao e pela opinio, um espao que funciona segundo uma lgica prpria.
Compreender essa lgica fundamental para se no confundir a ideia normativa de espao
pblico com a opinio pblica que os meios de comunicao de facto configuram.
A comunicao , efectivamente, o lugar onde se constri o comum, mas este comum
tem muito pouco valor de realidade e resulta de um dispositivo de construo social.
A questo , assim, de encontrar a forma como nesse espao publico, construdo de
forma to desigual, possvel transmitir a informao sobre os Tribunais que fundamenta a
sua legitimidade. Na verdade, quando se fala sobre o Poder Judicial, ou sobre a crise do
sistema judicial, est subjacente a questo da legitimidade dos juzes ou da existncia de um
deficit de legitimao democrtica da jurisdio. Na gnese desta legitimidade no que
concerne ao exerccio da jurisdio, e como refere Luigi Ferrajoli, encontra-se a legitimao
formal, que avalizada pelo princpio da legalidade (sobretudo penal) e da sujeio do juiz lei
e a legitimao substancial, que consiste na funo e capacidade da jurisdio de tutelar os
direitos fundamentais dos cidados.
Ao juiz compete o desempenho de uma funo de garantia, da efectividade dos direitos
fundamentais e, em geral, da observncia da legalidade A sua legitimidade adquire-se (ou no)
pelo correcto exerccio da funo dentro dos parmetros constitucionais e legais.
De tal conjugao s pode resultar uma leitura. Na verdade, se a visibilidade transporta
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Tribunais e Comunicao Social
para o eixo do espao pblico os termos em que se processa a administrao da justia tal s
poder contribuir para a qualidade desta se for assumida a objectividade e a qualidade da
Informao.
Ponto que Magistrados e Jornalistas estejam altura dos desafios!
III.
Do Segredo de Justia
Debater o segredo de justia nos dias que passam, debater um segmento da realidade
sobre a qual ora nos pronuncimos.
Procurando adquirir uma compreenso de todas as vertentes que se entrecruzam no
caminho do mesmo segredo, e dos bens jurdicos que tutela, uma primeira tarefa distinguir
os princpios que o orientam e os valores que se pretende proteger. No que toca, e por muitas
elaboraes que se pretenda ensaiar, somos sempre reconduzidos ao binmio entre segredo
de justia e eficincia da investigao criminal e, ainda, primria, ou reflexamente, defesa do
bom nome e da privacidade que aqui no so mais do que o corolrio da presuno de
inocncia.
Hoje, tal como em 1992, o leque dos valores a proteger exactamente o mesmo e j
ento, perante a Assembleia da Republica, referia o Ministro da Justia Laborinho Lcio que
ao violar o segredo de justia, do ponto de vista estritamente jurdico, viola-se o bem jurdico
que a tutela da qualidade da investigao mas, indirectamente, no plano estritamente
cultural, acaba por se violar tambm o direito ao bom nome e intimidade da vida privada.
Essa violao, todavia, no pode ser por essa via, no sistema que ternos actualmente,
juridicamente prevista e sujeita, tambm ela, a urna condenao correspondente.
Diremos, ento, que o segredo de justia, juridicamente, defende a qualidade da
investigao e, indirectamente, sempre que preservado, acaba por defender outro tipo de bens
ou de interesses fundamentais que o sistema jurdico, originria e assumidamente, no tutela
mas, porque preservado o segredo de justia, acaba por tutelar tambm29. Desde aquela
data, e de novo, apenas o que entendo ser uma aquisio fundamental no quadro
constitucional de um Estado de Direito, preocupado com a segurana dos cidados, que a
considerao da eficincia da justia penal como bem jurdico a proteger.
Um segundo elemento a ter em contar reconduz-nos aos princpios constitucionais que
informam, e modelam, o segredo de justia. Aqui o eixo fundamental situa-se no artigo 32. da
Constituio, que eleva qualidade de bem jurdico-constitucional o segredo de Justia,
29 Liberdade de Informao Segredo de Justia, Assembleia da Repblica, 1992.
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Tribunais e Comunicao Social
consagrando-o como instrumento da investigao criminal30. A inscrio de tal princpio tem a
montante a compreenso de uma outra regra que a estrutura acusatria do processo penal,
assegurando-se o exerccio do contraditrio em determinadas fases processuais artigo 32.,
n. 5.
Sendo estes os pontos cardeais que devem nortear o andante destes caminhos de
segredo a nossa profunda estupefaco com a ruptura constante da Lei 48/2007 de 29 de
Agosto de 2007. Consagra-se agora a regra da publicidade do processo penal sem qualquer
limitao contrefctica e sem qualquer considerao pela fase processual. Procurando
compreender a forma como se articularam no esprito de um legislador, que se presume
esclarecido, as razes de uma mudana em sentido diametralmente oposto do pr-existente, e
numa das instituies mais relevantes do processo penal, deparamo-nos com o vazio absoluto.
Este silncio legitima o nosso apelo intuio como critrio substitutivo31.
Para a histria de uma alterao fundamental do processo penal fica a Acta n. 20 da
Unidade de Misso para a Reforma do Processo Penal onde se adivinha a existncia de um
caderno de encargos, alis confirmado pelo ento Ministro Alberto Costa32, e assumido pelo
respectivo Coordenador, por contraposio s vozes avisadas de alguns membros de tal
entidade, alertando para os perigos de uma alterao menos pensada e pior fundamentada.
Igualmente para o julgamento da histria a indigncia intelectual das declaraes que, no
Parlamento, acompanharam a alterao em causa, bem expressas na afirmao ento
olimpicamente produzida de que mudmos o paradigma. Os processos deixaram de estar, por
regra, em segredo para passarem a ser pblicos, por regra. Portanto, como mudmos o
30 Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituio da Repblica Anotada. 31 Boaventura Sousa Santos referia j em 2003, pressentindo o futuro, que em minha opinio, a segunda
posio (manuteno do segredo de justia) , sem dvida, a mais adequada s realidades sociolgicas e
judiciais do nosso pas. Somos um pas em que as elites sociais, polticas e econmicas esto habituadas
impunidade que lhes , em parte, garantida pelas reconhecidas debilidades da nossa investigao criminal e
pela pusilanimidade dos nossos magistrados. Vivemos um momento crucial em que esta situao se est de
algum modo a inverter, sendo visvel alguma capacidade e alguma vontade poltica para comear a
investigar e a julgar "os de cima". No admira que a reaco destes seja agressiva. Para bem de todos ns,
decisivo que esta reaco no atinja os seus objectivos. Para isso, porm, tambm preciso que quem
"guarda" o processo defina expressamente quem tem acesso a ele e puna exemplarmente quem violar o
segredo. 32 Noticiava o Dirio de Notcias, de 9 de Setembro de 2006, que O ministro da Justia, Alberto Costa,
reconheceu ontem ao DN que grande parte da reforma do sistema judicial ontem acordada entre o PS e o
PSD foi guiada pela experincia de um caso judicial concreto. Por sinal, um processo que envolveu a cpula
do PS - o ento lder, Ferro Rodrigues, e o seu nmero dois, Paulo Pedroso, que chegou a estar quatro meses
em priso preventiva ou seja, o processo Casa Pia.
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Tribunais e Comunicao Social
paradigma, no temos receio quanto ao que diz respeito comunicao social. Como
mudmos o paradigma, repito, e a regra passar a ser a de que todos os processos no esto
em segredo de justia apenas admitimos algumas excepes, como sabe , no vemos qual
o problema na conjugao de todos esses artigos33.
Ao alterar por tal forma o regime do segredo de justia intumos que os Deputados no
tiveram percepo das consequncias que a sua opo implicava na prpria estrutura do
processo, conduzindo-os at ao limes de violao da regra constitucional. Como refere
Figueiredo Dias o Parlamento operou deliberadamente uma revoluo coperniciana da
natureza do inqurito. Com o que criou limites pesados e de consequncias nefastas e
impredictveis investigao criminal no seu todo; abriu a porta multiplicao das tenses
entre, por um lado, o MP e os rgos de polcia criminal e, por outro lado, entre estes e o juiz
de instruo; e trouxe para a rua situaes eventualmente dotadas de relevo jurdico-criminal
cujo conhecimento pblico, dado o estdio incipiente em que o seu esclarecimento se encontra,
prejudicial no s ao dever estadual de investigao do crime, mas tambm a interesses
elementares das pessoas presumivelmente mas em muitos casos, em definitivo,
infundadamente implicadas34.
Quando agora falamos de segredo de justia falamos de algo que uma excepo
regra da publicidade. certo que o quotidiano judicirio pouco se alterou uma vez que o
Ministrio Publico sujeita regra do segredo de justia grande parte dos inquritos,
nomeadamente os relativos s infraces mais graves. Porm, a tentao de resumirmos a
deriva legislativa ao aforismo de Lampedusa de que preciso que alguma coisa mude para
que tudo fique na mesma no pode relegar para o limbo das inutilidades o que no domnio
dos princpios, e do discurso jurdico, que se deve equacionar.
Curiosamente a alterao legislativa com implantao urbi et orbi da regra da
publicidade conseguiu algo de inusitado no universo judicirio, concitando a uniformidade das
crticas de todos aqueles que estudam e conhecem o processo penal ptrio.
Permitimo-nos agora, e inevitavelmente no domnio dos princpios que no da praxis
judiciria, ensaiar telegraficamente algumas das principais patologias introduzidas pela
consagrao da regra da publicidade do processo penal.
Sintetizando todo o catlogo recriminatrio que a mesma alterao merece sobressaem
as palavras de Costa Andrade35 no sentido de que intervm tambm aqui um factor simblico,
33 Deputado Ricardo Rodrigues, Dirio da Repblica, I Srie. 34 Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Abril/ Setembro de 2008, pg. 368 e segs. 35 Bruscamente no Vero Passado A Reforma do cdigo de processo penal, pg. 62 e segs.
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Tribunais e Comunicao Social
expresso no teor fraco da dignidade normativa reconhecida ao segredo de justia: tanto na
existncia como na essncia, quer no se, quer no quando ou quanto, o segredo de justia est
hoje inteiramente dependente da iniciativa e da interveno dos sujeitos processuais (arguido,
assistente, Ministrio Pblico, Juiz de Instruo), segundo diferentes modelos de interaco. O
que significa que o legislador de 2007 se conforma com a possibilidade prtica de no sobrar
qualquer espao para o segredo de justia. E, por vias disso, com a possibilidade de no
subsistir qualquer rea de tutela para um segredo de justia que entretanto o legislador
constituinte erigiu constelao dos bens jurdicos constitucionais.
Assim, em termos simblicos, o segredo de justia relegado para um plano secundrio
dependente da conjugao de vontades, ou disponibilidades, e de iniciativas processuais que
s possvel admitir com violao do programa politico-criminal constante da Constituio.
A publicidade agora consagrada tanto interna como externa com o que se vislumbra a
necessidade sentida pelo legislador, inspirado por outros ventos, no sentido de tornar o
processo penal e, essencialmente, o inqurito, num no man land ou, mais prosaicamente,
num espao aberto desde o seu incio, destruindo toda a coerncia do sistema36.
Nos casos de excepo em que a lei permite o segredo de justia a ltima palavra
incumbe ao Juiz de Instruo. O Juiz das Liberdades , assim, chamado a pronunciar-se sobre
os interesses e objectivos estratgicos da investigao, equacionando-os com o segredo de
justia e, por tal forma, se concretiza na mesma pessoa as duas faces de Janus.
Paralelamente, a desconsiderao do Ministrio Pblico a quem no se reconhece a
capacidade para, por si, determinar que o processo decorra em segredo e, assim, remetido
para sombra paternal do Juiz de Instruo em flagrante violao do seu estatuto de detentor
da aco penal e dominus do inqurito. Criam-se as condies para uma situao conflitual
entre as duas entidades.
Alm do que, a nosso ver, o pecado original da inconstitucionalidade de que enferma a
alterao introduzida com violao do artigo 32. do diploma fundamental outras
perplexidades se suscitam comeando pela resoluo da antinomia entre sujeitos processuais,
36 A alterao introduzida pela referida Lei teve um mau prenuncio que acompanha toda a alterao
normativa elaborada ao sabor da efervescncia dos dias que correm em lugar usurpando o lugar da reflexo
jurdica sedimentada nos princpios. Como diz Costa Andrade o processo Casa Pia constituiu um marco
indelvel que no s marcou a sociedade portuguesa como tambm como convocou o legislador para
alteraes legais que desde logo tinham impressas a violao do princpio constitucional consagrado no
artigo da Constituio como de pedras angulares que constituem uma aquisio fundamental do processo
penal.
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Tribunais e Comunicao Social
nomeadamente entre assistente e arguido, quando os seus pedidos so de sinal contrrio37.
Por outro lado, e como se referiu, o processo assume desde o inicio uma publicidade
que permite a monitorizao on line por parte dos sujeitos processuais. Tal conhecimento
o pressuposto de um exerccio imediato do direito de defesa consubstanciado no
contraditrio. Cria-se, assim, a anarquia processual em que se cruzam dinmicas que Costa
Andrade denomina de dialgica, dirquica e, de forma assumida ou larvada, conflitual.
estrutura acusatria do processo contrape-se agora um exerccio do contraditrio
em toda a sua amplitude; s necessidades de investigao criminal e ao princpio fundamental,
mas to esquecido, da eficincia da justia penal contrape-se agora uma publicitao que
inviabiliza a procura, sem sobressaltos, da verdade material.
As prprias funes do Ministrio Pblico como senhor do inqurito e titular do
exerccio da aco penal so abaladas por uma interveno do Juiz de instruo que visa
avalizar as opes daquele.
No plano externo, o novo regime abateu todos os limites de confidencialidade e
reserva, expondo o inqurito voracidade da curiosidade pblica e, sobretudo, dos mdia, no
que Costa Andrade denomina um verso contempornea do secular pelourinho acabando- por
saciar instintos voyeuristas e prestar servios ldicos, como quotidiano e inesgotvel
espectculo circense, oferecido a quem no se pode (ou no quer) distribuir po. Para quem se
permita ler sombra dos ensinamentos de Maquiavel resta saber at que ponto este
espectculo meditico, alimentado pelo drama judicirio, no constitui uma excelente forma
de diverso de outras realidades que importa apartar do foco da ateno pblica ou at criar
mecanismos que, utilizados de forma nvia, constituem o instrumento adequado para matar
nascena a investigao da grande criminalidade.
Permitam que concite a vossa ateno para algumas da questes mais relevantes que,
em concreto, suscita o regime agora edificado. Numa breve sntese:
Em processo penal o segredo de justia reporta-se a todo e qualquer segredo
construdo com base em factos, ou acontecimentos, de que algum tem
37 Pela constitucionalidade se pronunciou o Acrdo do TC n 234/2011, de 4 de Maio de 2011 (DR, II, de 7
de Junho de 2011) que no julgou inconstitucional a norma constante do artigo 86., n. 3, do Cdigo de
Processo Penal (CPP), na redaco da Lei n. 48/2007, de 29 de Agosto, no segmento em que exige que o
Juiz de Instruo valide a deciso do Ministrio Pblico de sujeio de processo crime, durante a fase de
inqurito, a segredo de justia (no mesmo sentido, os acrdos do TC n. 352/2011, de 13 de Julho de
2011; n. 372/2011, de 13 de Julho de 2011; e 412/2011, de 27 de Setembro de 2011).
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32
Tribunais e Comunicao Social
conhecimento e que devem permanecer fora do conhecimento de terceiros para
tutela de determinados interesses que a administrao da justia entende dever
prosseguir. Esses interesses como se referiu apresentam uma policromia que vai
desde o interesse do Estado na realizao de uma justia independente, sem
presses exgenas perturbadoras do equilbrio emocional que deve assistir a quem
julga, ou quem investiga, at ao evitar da possibilidade de uma actuao visando a
destruio da prova recolhida, passando pelo interesse em no ver expostos na praa
pblica factos que podem no ser provados, originando graves prejuzos para a
reputao e dignidade.
A proibio da divulgao que constitui o fulcro do segredo refere-se tanto a ocorrncia
de acto processual como divulgao dos seus termos. Acto processual o acontecimento
inscrito na relao processual penal e praticado no processo, ou com a finalidade de coadjuvar
o processo, e por essa forma consubstanciando uma dinmica global em que o processo o
denominador comum numa uma intrnseca interdependncia funcional.
A primeira excepo publicidade do processo est prevista apenas para a fase de
inqurito, nos casos em que o arguido, o assistente ou o ofendido requeiram, e o juiz de
instruo, ouvido o MP, determine a sujeio do inqurito a segredo de justia. Nesta
deciso juiz est vinculado ponderao dos interesses dos participantes processuais e o seu
despacho irrecorrvel.
Por seu turno, o Ministrio Pblico, pode tambm determinar a aplicao ao processo,
durante a fase de inqurito, do segredo de justia quando entenda que a excluso da
publicidade exigida pelos interesses da investigao, ou justificado pelos direitos dos
sujeitos processuais. Tal deciso fica sujeita a validao pelo juiz de instruo no prazo de 72
horas. Se o mesmo juiz no validar no prazo fixado, a deciso prvia do dominus do inqurito
no produz efeitos, correndo o processo em obedincia regra geral da publicidade, em
contrapartida se o juiz de instruo validar aquela deciso o processo decorre com excluso da
publicidade, seguindo a regra da recorribilidade fixada no contexto da norma para as decises
do juiz de instruo em matria de publicidade e segredo ns 2 e 5.
Reportando-nos aos critrios que devem nortear a deciso do Ministrio Pblico na
excluso da publicidade evidente que, em primeira linha, se encontra o interesse da
investigao. Esta, nos casos de criminalidade mais grave, s revela eficcia se decorrer no
segredo do inqurito, perdendo qualquer significado se o processo for um campo aberto que
gera a impossibilidade de emprego de quaisquer tcnicas de investigao mais elaboradas
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33
Tribunais e Comunicao Social
como o caso da intercepo das comunicaes.
A aferio das necessidades investigatrias demonstrada pelas prprias caractersticas
do objecto da investigao e revelada pelo tipo de crime, pelos seus agentes e pela estratgia
investigatria delineada a qual convoca a eventual necessidade de proteger algum, ou alguns,
dos intervenientes no processo.
No que toca aos direitos de sujeitos processuais, e como se referiu, estamos
fundamentalmente em face da necessidade de proteco de direitos individuais.
Implicitamente a norma contem uma permisso do Ministrio Pblico levantar o
segredo quando deixarem de existir aqueles critrios.
A publicidade do processo tem o preciso significado contido no n. 6 do artigo 86 do
CPP, ou seja, com um contedo mais amplo relativamente ao debate instrutrio e audincia
de julgamento (com as restries que resultem de circunstncia particulares, fixadas por
despacho do juiz artigo 87, n 1), narrao dos actos judiciais ou reproduo pela
comunicao social; e consulta de auto e obteno de cpias, extractos e certides nos
termos dos artigos 89 e 90.
Merece uma especial referncia o afastamento de qualquer apelo publicidade dos
dados relativos vida privada que no constiturem meio de prova n. 7.
No que toca aos sujeitos ao segredo de justia pode-se afirmar que o mesmo obriga
todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer ttulo,
tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes.
A norma em causa, em funo da alterao legislativa introduzida pela citada Lei, tem agora
uma maior abrangncia, resultante da disjuntiva, pois que esto contidos na sua letra aqueles
que por qualquer ttulo, tiverem contacto com o processo, ou que, por qualquer ttulo,
tiverem conhecimento de elementos do processo o que significa todas as pessoas que por
qualquer forma de modo directo ou indirecto tiverem acesso a elementos do processo.
No que toca ao contedo do segredo de justia o mesmo consubstancia-se na proibio
de assistir ou de tomar conhecimento (por via directa, ou indirecta atravs de mediao da
informao) do contedo de acto processual a que no haja o direito ou o dever de
assistncia, e a proibio de divulgao da ocorrncia de acto processual (divulgao ou
informao sobre a prtica ou a marcao da realizao de acto processual), ou dos termos de
acto processual que tenha sido realizado (n. 8 alneas a) e b) do artigo 86.).
Importa aqui sublinhar que em causa est o conhecimento do contedo dos actos ou
dos termos de um acto praticado em inqurito que decorra com excluso da publicidade e
adquirido no processo. Consequentemente, a divulgao de um facto cujo conhecimento foi
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34
Tribunais e Comunicao Social
obtido fora do contacto directo, ou indirecto, com o processo, embora relacionado com o
mesmo, no viola o segredo de justia.
A formulao do n. 8, com a expresso conhecimento de elementos a ele
pertencentes, tem como finalidade e efeitos alargar o mbito da proteco pela extenso do
universo pessoal; a formulao tem por finalidade terminar com as dvidas e a discusso que
no teriam consistncia mesmo na formulao anterior reviso de 2007 quanto
aplicabilidade aos jornalistas do regime do segredo de justia e da consequente vinculao.
O n. 9 do artigo 86 do CPP cria uma excepo no regime do segredo de justia,
permitindo que a autoridade judiciria d (ou permita que seja dado) conhecimento do
contedo de acto ou de documento do processo, se considerar conveniente ao esclarecimento
da verdade ou se for indispensvel ao exerccio de direitos pelos interessados; o
conhecimento no pode ser permitido se puser em causa a investigao. A divulgao pblica
de alguns fatos relativos ao processo pode assumir-se como oportuna e razovel quando o
regime de segredo tiver consequncias graves para os direitos pessoais do atingido pela
divulgao pblica de factos relativos ao processo ou quando o seu conhecimento seja
indispensvel ao exerccio de algum direito processual, como a hiptese de impugnao da
aplicao de medidas de coaco.
Sobressai aqui a equao do princpio da proporcionalidade ponderando-se o peso
daqueles direitos e o sucesso da investigao.
O n. 1 do artigo 88 consagra o direito de narrao pelos rgos de comunicao social
do teor de actos processuais que se no encontrem cobertos por segredo de justia, ou a cujo
decurso for permitida a assistncia do pblico em geral a crnica judiciria.
O TEDH tem-se pronunciado uniformemente aplicando critrios de proporcionalidade
no conflito entre a liberdade de informao e as garantias do processo equitativo e a
necessidade de preservao da autoridade e imparcialidade do poder judicial. Pressuposto das
sucessivas tomadas de posio que liberdade de informao no algo de absoluto e deve
estar sujeita a algumas condies, que sejam justificadas pela finalidade de garantir direitos
individuais ou a autoridade e a imparcialidade do poder judicirio
Paradigmtico da orientao da mesma jurisdio o acrdo SUNDAY TIMES c. REINO
UNIDO, de 25 de Abril de 1979, onde o TEDH enunciou os princpios fundamentais, e definiu a
noo convencional de autoridade do poder judicirio.
No que toca ao primeiro convoca-se o principio de que compete aos tribunais decidir os
conflitos jurdicos e instrumento de tal objectivo a existncia de respeito e confiana pelos
cidados na sua actuao em que est presente a autoridade e a imparcialidade.
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Tribunais e Comunicao Social
Para aferir sobre a necessidade de uma medida que limite a liberdade de informao,
determinada na perspectiva de avalizar a autoridade e a independncia do poder judicirio e
quando esteja em causa uma incurso jornalstica num processo em curso, o TEDH tem em
ateno a natureza da medida, a sua extenso, o estado do processo interno, e essencialmente
a importncia que tem para o bom funcionamento da justia a cooperao do pblico
devidamente informado.
Numa sociedade democrtica a autoridade dos tribunais, consequncia directa da sua
legitimao, no pode estar condicionada por qualquer preconceito. A existncia de um Poder
Judicial respeitado uma condio do Estado de Direito e se neste ningum est imune a
crticas importa que as mesmas assumam tambm a objectividade e seriedade que diferencia
o jornalista do mero factotum.
A norma do n. 4, introduzida com a reviso de 2007, probe, como regra, a publicao,
por qualquer meio, de conversaes ou comunicaes interceptadas no mbito de um
processo. A publicao s permitida sob a condio de no existir segredo de justia e haver
consentimento expresso dos intervenientes nas conversaes ou comunicaes interceptadas.
Consequentemente o contedo daquelas comunicaes ou conversaes constantes dum
processo no pode ser publicado por qualquer meio.
Sendo este um dos incisos mais violados do ordenamento jurdico importa precisar em
primeiro lugar que o mesmo no fere minimamente a liberdade de expresso e de
comunicao que constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrtica. A
interdio de publicao de conversaes no contem qualquer limitao ao denominado
direito de crnica sobre o processo, apenas exigindo uma maior elaborao com apelo a todos
os elementos relevantes para uma melhor compreensibilidade que poder consubstanciar-se
no uso de conversaes relevantes que constem do processo quando for pblico. Na verdade,
o exerccio do direito de informao no impem a transcrio ipsis verbis, parcelar ou
fragmentada, de conversas ou excertos avulsos de conversas gravadas.
Teoricamente, o regime especfico do n. 4 justificado por exigncias do respeito pelo
princpio da proporcionalidade e tambm para a proteco de direitos pessoais e
constitucionais das pessoas envolvidas. Fundamentalmente o que est em causa a
publicao de intercepes telefnicas que, nada tendo a ver com o objecto do processo e
respeitando a fatos com repercusso pblica, so susceptveis de causar impacto meditico.
Existe aqui uma subverso na utilizao de meio de obteno de prova de cuja utilizao o
legislador rodeou de especiais cuidados, pela compresso de direitos que consuma, e que
instrumentalizado com uma finalidade que o mesmo no comporta.
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Tribunais e Comunicao Social
Todavia, ntida a diferena entre a intercepo, cujo contedo essencial para a
compreenso da relao processual e, nomeadamente, da substncia da prova produzida e
aquela que nada tem a ver com o processo. A referncia primeira, numa fase sujeita regra
da publicidade, pode, e deve ser efectuada, pois que s o seu uso permite tornar
compreensvel o itinerrio processual da prova sendo certo que tal referncia nunca poder
ser feita atravs da transcrio integral.
Uma anlise mais aprofundada mereceria o regime desenhado pela Lei 48/2007. Porm,
por maior que seja o nimo de entrar nestas matrias, no podemos esquecer o intuito j
publicitado de as revisitar38.
Aguardemos!
Coimbra, 1 de Fevereiro de 2013
38 Segundo a TSF de 22 de Outubro de 2010 a Ministra da Justia Paula Teixeira da Cruz diz que preciso
revisitar o segredo de justia.
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Videogravao da comunicao
http://justicatv.pt/index.php?p=2177
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
[Raquel Alexandra Brzida Castro]
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
Sumrio:
1. Questes Prvias: uma misso comum; 2. Justia e Comunicao: Parceiros Constitucionais
Inseparveis; 3. O Relevo Constitucional dos Direitos dos Jornalistas; 3.1. Em especial: o
Direito de Acesso s Fontes de Informao; 3.2. A consulta do processo; 3.3. A Audincia do
Julgamento; 4. O Problema da Tutela Judicial Prvia.
1. Questes prvias: uma misso comum1
O controlo da actividade governativa e do exerccio do poder , sem dvida, um dos
fundamentos substantivos mais relevantes da Liberdade de Expresso e do direito da
informao. E neste preciso enquadramento que se fala nos meios de comunicao social como
o Quarto Poder, apostado no controlo e responsabilizao pblica dos poderes legislativo,
executivo e judicial2. Tal poder no resulta de um estatuto institucional criado e regulamentado
intencionalmente pela ordem jurdica, mas sim de uma realidade ftica decorrente de uma
estruturao policntrica e competitiva dos meios de comunicao, que ela reconhece e utiliza3.
O relevo constitucional que o nosso legislador constituinte decidiu atribuir liberdade de
informao, corresponde precisamente a uma atitude pragmtica face a uma realidade que o
direito dificilmente pode controlar, pelo menos, sem sobressaltos democrticos. Para alm
claro dos traumas do passado relativos liberdade de expresso, to fceis de descobrir no texto
constitucional.
A tenso que existe nas relaes entre a comunicao social e a justia acaba por ser o
reflexo de um constante conflito constitucional. Mas tal como acontece com a ponderao de
direitos e interesses constitucionalmente protegidos, dessa tenso dever resultar algo que no
implique o total sacrifcio de um deles, sob pena de violao do seu contedo essencial. No se
pretende uma justia amiga da comunicao social ou uma comunicao social amiga da justia,
mas tambm no se pretende que sejam inimigas. desejvel que ambas cultivem uma relao
de respeito e compreenso mtuas e que saibam conviver na partilha de uma misso que
comum: a descoberta da verdade.
1 Doutoranda em Direito e Mestre em Cincias Jurdico-Polticas pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa (FDUL); Assistente Convidada da FDUL e Professora Auxiliar Convidada da Universidade Lusfona; Vogal
do Conselho Regulador da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicao Social); Ex-Jornalista e Ex-Editora de
Poltica da SIC e SIC Notcias. 2 MACHADO, Jnatas (2002), Dimenses Constitucionais da Esfera Pblica no Sistema Social, Coimbra Editora:
Coimbra, p. 267. 3 Ibidem, idem.
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
J sabemos que nem sempre ser possvel que os jornalistas sejam licenciados em direito
ou que os magistrados tenham especiais qualidades de comunicao. No vale a pena insistir no
que no se consegue controlar nem alterar. Esta a realidade e h que lidar com ela. Claro que, e
falo por experincia prpria, tomar decises que envolvem jornalistas e os meios de
comunicao social torna sempre quem as toma mais suscetvel de ser escrutinado no espao
pblico. Quando os destinatrios das decises nem sempre agradveis so os meios de
comunicao social, a presso meditica uma consequncia inevitvel. Para o bem e para o
mal.
Certo que, em matria de justia, por um lado, o legislador processual penal quis que o
exerccio da liberdade de imprensa dependesse do juiz e que este pudesse avaliar, em funo das
caractersticas do caso concreto, se deve ou no deferir certos requerimentos dos jornalistas. Por
outro lado, o juiz no pode esquecer que certo tipo de decises que envolvem os meios de
comunicao social tero, naturalmente, um impacto maior que outras. Para ajudar reflexo,
trago-vos um conjunto de questes e decises judiciais que refletem bem essa tenso de que
todos falam.
2. Justia e Comunicao: Parceiros Constitucionais Inseparveis
No faremos nesta sede adequada a nossa crtica adequao de parte da Constituio da
Comunicao. Para facilitar a presente misso, seguiremos a leitura unnime que a doutrina faz
da Constituio da Comunicao4: o artigo 37. reconhece e garante a liberdade de expresso e o
direito da informao5, em geral; o artigo 38. ocupa-se da dimenso instrumental dessas
liberdades (assegurada pela proteco da liberdade de imprensa e pelo regime dos demais meios
de comunicao social); por ltimo, o artigo 39. prev uma estrutura organizativa de garantia
desses vrios direitos e do regime constitucional dos meios de comunicao social a ERC6.
4 A Constituio portuguesa de 1976 exibe uma regulamentao exaustiva da disciplina da comunicao social,
o que ter determinado a instabilidade dos seus enunciados: nos artigos 38., 39. e 40. j foram introduzidas
mais de 50 alteraes MELO ALEXANDRINO, Jos (2009) Problemas Jusfundamentais Emergentes da
Regulao da Rdio e da Televiso em Portugal Comunicao ao Congresso Luso-Italiano de Direito
Constitucional promovido pelo ICJP da FDUL; (2006) A Estruturao do Sistema de Direitos, Liberdades e
Garantias na Constituio Portuguesa, Vol I Razes e Contexto, Coimbra Editora: Coimbra; 5 MELO ALEXANDRINO opta pela total autonomizao dos dois conceitos (1998) Estatuto Constitucional da
Actividade da Televiso, Coimbra Editora: Coimbra. 6 Para uma anlise constitucional da Regulao da Comunicao Social BRZIDA CASTRO, Raquel Alexandra
(2013), A Regulao da Comunicao Social numa Democracia Segura, in Segurana Pblica e Privada, 1.
Congresso Internacional de Segurana Pblica e Privada, Faculdade de Direito de Lisboa e CJLP, Coimbra
Editora: Coimbra.
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
Da anlise da Constituio da Comunicao, resulta que:
1. A Constituio adopta um conceito formal amplo, querendo abranger todos os
meios de comunicao social, independentemente da natureza e do contedo da
comunicao;
2. A liberdade de imprensa ou liberdade de comunicao social podem ser vistas
como um modo de ser qualificado das liberdades de expresso e de informao,
consistindo no exerccio destas atravs de meios de comunicao de massa,
independentemente da sua forma impressos radiofnicos ou audiovisuais7;
3. Os meios de comunicao social gozam dessa proteco constitucional, apenas
como veculos da liberdade de expresso e de informao e no quando esto em causa
actividades publicitrias ou de entretenimento8.
A liberdade de imprensa e de informao encontra-se inserida no captulo dos direitos,
liberdades e garantias, o que quer dizer que deve sujeitar-se ao respetivo regime de proteco
constitucional. Pela nossa parte, a interpretao e integrao dos comandos constitucionais da
Constituio da Comunicao baseiam-se nos seguintes pressupostos de uma proposta metdica
de ponderao 9:
1. Com ALEXY, consideramos que os direitos, liberdades e garantias devem ser
entendidos como princpios ou mandatos de optimizao: consagram posies jurdicas
prima facie, compatveis com uma concepo alargada do Tatbestand, cuja resultado da
ponderao com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos h-de
desenhar o seu efetivo mbito de proteco10;
2. Contrapomos um conceito amplo de limite que torna indiferentes quaisquer
classificaes de interveno restritiva: desenvolvimento ou restrio, configurao ou
materializao de um direito fundamental. O que relevante que estejamos na
7 CANOTILHO, Gomes/MOREIRA, Vital, (2007) Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, Volume I, 4.
Edio. Coimbra Editora: Coimbra, p. 581. 8 Segundo JNATAS MACHADO, o conceito da liberdade de expresso em sentido amplo abrange a liberdade
de expresso em sentido estrito (por vezes designada por liberdade de opinio), os direitos dos jornalistas e a
Liberdade de radiodifuso - MACHADO, Jnatas (2002), Dimenses Constitucionais da Esfera Pblica no Sistema
Social, Coimbra Editora: Coimbra, p. 371. 9 Para a nossa reflexo sobre vrias propostas metdicas de ponderao (2000) Contributo para o Estudo da
Eutansia no Direito Constitucional Portugus, Relatrio de Mestrado (indito), Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa: Lisboa; pp. 103 e segs. 10 Ibidem, p. 106.
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
presena de elementos restritivos ou seja de afetao desvantajosa11 do contedo do
direito fundamental e que essa interveno seja expressa ou implicitamente autorizada
pela Constituio12.
Nesse caso, ganham obrigatoriamente relevncia os limites aos limites: desde a
observncia de princpios como o da proporcionalidade ou da proibio do excesso, da proteco
da confiana, da garantia do contedo essencial at natureza necessariamente geral e abstrata
das leis restritivas, da exigncia de reserva de lei. E porqu? Porque em Estado de Direito, a
liberdade a regra e a restrio a excepo. Na formulao de SCHMITT, a liberdade , em
princpio, ilimitada, ou, como dizia ALEXY, tem natureza de princpio. A interveno do Estado ,
em princpio, limitada, em quantidade mensurvel, carente de justificao e susceptvel de
controlo 13.
Um dos aspectos fundamentais do regime da liberdade de imprensa e dos direitos nela
implicados tambm o da sua aplicabilidade directa, conforme determina o artigo 18., n. 1 da
CRP, sendo o juiz, precisamente, em nosso entendimento, o destinatrio principal deste
comando constitucional, na omisso do legislador. Concorde-se ou no com o detalhe da
Constituio da Comunicao, rara no direito comparado, o artigo 18., e noutra perspetiva o
artigo 288., obrigam a que os direitos, liberdades e garantias da comunicao sejam levados a
srio em qualquer conflito constitucional com outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.
Essa afirmao ganha ainda maior relevncia no quadro de uma democracia constitucional
fundamentalista como a nossa na qual a hiper-rigidez que lhe inerente, supe a
densificao da ideia de elementos constitucionais, atravs da tendencial consumao da
conceo poltica de justia no nvel constitucional e concomitante excluso da sua devoluo
para o nvel legislativo 14. O entricheiramento dos direitos numa clusula de limites materiais
11 NOVAIS, Jorge Reis (2003), As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas Pela
Constituio, Coimbra Editora: Coimbra, pp. 189 e segs. 12 Conforme nota JORGE REIS NOVAIS, o Tribunal Constitucional, para contornar a proibio constitucional de
restries no expressamente previstas, usa a seguinte estratgia de fuga: se a interveno restritiva no
toca o contedo essencial, no verdadeira restrio; se a afectao da liberdade se deve necessidade de
composio de interesses constitucionais conflituantes e essa composio feita de acordo com o princpio da
concordncia prtica e sem desrespeito pela proporcionalidade, ento o sacrifcio tambm no verdadeira
restrio; se se trata de concretizar, interpretar, revelar limites imanentes, o prejuzo no tambm verdadeira
restrio. Ibidem, p. 184. 13 Ibidem, pp. 189 e 190. 14 BRITO, M. Nogueira (2000), Constituio Constituinte: Ensaio sobre o Poder de Reviso da Constituio,
Coimbra, p. 439.
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
ou numa carta constitucional de direitos pode ser considerado antidemocrtico15, mas como
observa RAWLS, a verdade que julgados atravs dos valores de uma conceo poltica razovel
da justia, regimes como o da supremacia parlamentar sem qualquer carta de direitos ou o
alemo podem eventualmente revelar-se superiores a um regime dualista no qual estas questes
bsicas so resolvidas pela lei fundamental de Ns o Povo16.
O juiz o destinatrio fundamental do mandato constitucional de concretizao da
liberdade de expresso e do direito da informao e dos direitos a envolvidos, na ausncia ou
desadequao do legislador. Em nosso entender, o princpio da aplicabilidade direta dos direitos,
liberdades e garantias, consagrado no artigo 18. da Constituio no se esgota na aplicao
direta apenas das normas constitucionais que j so exequveis por si mesmas e por isso
suscetveis de regular diretamente as situaes da vida subsumveis ao seu Tatbestand. Tornar-
se-ia redundante 17 a sua afirmao no artigo 18. n. 1 da Constituio, uma vez que essa uma
consequncia lgica do princpio da constitucionalidade e do valor normativo de todas as normas
constitucionais e no apenas das normas que consagram os direitos, liberdades e garantias. Com
efeito, no so as nicas, bem pelo contrrio, pois, em Constituio normativa, postulado
geral que as suas normas so aplicveis, ou suscetveis de ser aplicveis, diretamente nas
situaes da vida18.
No se trata de desvalorizar a necessidade de o legislador desenvolver os preceitos
constitucionais em matria de direitos fundamentais, at porque tal necessidade far-se- sentir
quase sempre, no apenas para se delimitar o seu prprio mbito e para se obter a
pormenorizao do seu contedo, como tambm para se assegurarem as condies mnimas de
carter formal e processual do exerccio dos direitos19. Trata-se de uma descarga
constitucional 20 que se faz no prprio benefcio da exequibilidade do direito fundamental.
15 RAWLS, John (1997), O Liberalismo Poltico, Lisboa, p. 228. O autor refere-se constituio alem que pe
esses direitos ao abrigo de qualquer emenda, mesmo que a origem dessa emenda resida no povo ou no
Supremo Tribunal alemo. (...) Deve ser reconhecido que, enquanto tal, o liberalismo poltico no afirma ou
nega qualquer destas pretenses sendo assim intil discuti-las. O nosso argumento simplesmente o de
que, independentemente do modo adotado de resoluo destas questes, o contedo de uma conceo
poltica de justia inclui os valores da razo pblica cuja invocao determina a apreciao dos mritos dos trs
tipos de regimes Ibidem, Idem. 16 Ibidem, idem. 17 CASTRO, Raquel Alexandra Brzida Castro (2012), As Omisses Normativas Inconstitucionais no Direito
Constitucional Portugus, Almedina: Coimbra, pp. 133 e segs. 18 MIRANDA, Jorge (2000), Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra Editora: Coimbra. p. 311. 19 QUADROS, Fausto, (1986) Omisses Legislativas sobre direitos fundamentais, in Nos Dez Anos da
Constituio, Lisboa, p. 58. 20 BLANCO DE MORAIS, Carlos, (2011), Justia Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora: Coimbra, p. 528.
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
Perante omisses inconstitucionais lesivas de direitos, liberdades ou garantias e daquele
ncleo restrito de direitos sociais fundamentais de prestao, como a sade e a segurana social,
radicados no princpio da dignidade da pessoa humana, defendemos a afirmao de princpio de
que perante normas constitucionais no exequveis por si mesmas que o princpio da
aplicabilidade direta revela grande parte da sua utilidade no exclusiva , sobretudo, nos casos
que mais diretamente nos interessam em que no exista legislao sobre a matria ou
quando esta for deficitria: em situaes, portanto, de falta ou insuficincia de lei21. A, o
princpio valer como indicador da exequibilidade potencial das normas constitucionais,
presumindo-se a sua perfeio, isto , a sua autossuficincia baseada no carter determinvel
do respetivo contedo de sentido22, sendo possvel afirmar o dever dos juzes e dos demais
operadores jurdicos de aplicarem as normas constitucionais e a autorizao para com esse fim
os concretizarem por via interpretativa23.
A Constituio presume que, no momento da aplicao das normas de direitos, liberdades
e garantias, elas estaro aptas a regular as situaes juridico-materiais que cabem nos respetivos
mbitos normativos. Ou porque so capazes de exibir a suficiente determinabilidade ao nvel
constitucional ou, ento, porque o legislador lhes conferiu a exequibilidade necessria.
Neste caso, sustentamos que pode falar-se, pois, de uma sobreposio dos conceitos de
omisso normativa inconstitucional e de lacuna normativo-constitucional: estar-se- perante
uma lacuna constitucional inconstitucional. Perante a impossibilidade de aplicao direta de uma
norma constitucional consagradora de um direito, liberdade ou garantia e de um direito
fundamental de natureza anloga, o intrprete ou o rgo aplicador do Direito deve, pois,
entender que se trata de uma lacuna24. Perante uma lacuna, o juiz deve integr-la25, no
21 ANDRADE, Vieira de, (2001), Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976, 2. Edio,
Coimbra, p. 201. 22 Ibidem, pp. 201 e 202. 23 Ibidem, p. 202. 24 Segundo GOMES CANOTILHO, as lacunas de regulamentao abrangem dois grupos distintos: 1) lacunas
ao nvel das normas incompletude da norma que exige complementao para que possa ser aplicado; 2)
lacunas de regulamentao quando no se trata da incompletude da norma mas de uma determinada
regulamentao em conjunto. CANOTILHO, J. J. Gomes, (2003), Direito Constitucional e Teoria da
Constituio, 7. Ed., Coimbra, p. 1160. 25 CASTRO, Raquel Alexandra Brzida (2012), Por Uma Fiscalizao Concreta e Difusa das Omisses Legislativas
Inconstitucionais que Violam Direitos, Liberdades e Garantias, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor
Jorge Miranda, Coimbra Editora: Coimbra, pp. 413 e segs.
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Justia versus Comunicao Social ou vice-versa?
podendo invocar o falso pretexto de no dispor de norma aplicvel, sob pena de denegao de
justia26, que o ordenamento jurdico probe e sanciona27.
Claro que tal princpio no varinha de condo passvel de transformar as normas no
exequveis que declaram esses direitos em normas exequveis por si prprias28. A soluo de
recurso tcnica da lacuna , precisamente, uma reao perante as omisses normativas que se
insere no domnio da patologia constitucional29, justificvel perante um sistema de omisses
normativas persistentes que no permitem qualquer gozo do direito consagrado
constitucionalmente30. Permite interpretar o princpio da aplicabilidade direta como uma
vocao ou uma autorizao ao juiz de usar todos os meios interpretativos e integrativos de
que dispe, at mesmo para elaborar uma norma de deciso para aquele caso concreto, perante
determinadas condies, com o objetivo de permitir a eficcia de um direito fundamental3